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Ins Sofia Sousa Ribeiro
O desenvolvimento da conscincia lexical no processo de reviso de
texto
Um estudo aplicado produo de textos em aulas de Portugus e
Latim
Relatrio realizado no mbito do Mestrado em Ensino do Portugus e Lnguas Clssicas
no 3. Ciclo do Ensino Bsico e Ensino Secundrio,
orientada pela Professora Doutora Marta Isabel de Oliveira Vrzeas
Orientador de Estgio de Portugus, Doutora Maria Joo Pereira
Orientador de Estgio de Latim, Dra. Anabela Calais Romano
Supervisor de Estgio de Portugus, Professor Doutor Jorge Pereira Nunes Deserto
Supervisor de Estgio de Portugus, Professora Doutora Ana Maria Guedes Ferreira
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Setembro de 2015
O desenvolvimento da conscincia lexical no processo de
reviso de texto
Um estudo aplicado produo de textos em aulas de
Portugus e Latim
Ins Sofia Sousa Ribeiro
Relatrio realizado no mbito do Mestrado em Ensino do Portugus e Lnguas Clssicas
no 3. Ciclo do Ensino Bsico e Ensino Secundrio,
orientada pela Professora Doutora Marta Isabel de Oliveira Vrzeas
Orientador de Estgio de Portugus, Professora Doutora Maria Joo Pereira
Orientador de Estgio de Latim, Dra. Anabela Calais Romano
Supervisor de Estgio de Portugus, Professor Doutor Jorge Pereira Nunes Deserto
Supervisor de Estgio de Latim, Professora Doutora Ana Maria Guedes Ferreira
Membros do Jri
Professora Doutora Isabel Margarida Ribeiro de Oliveira Duarte
Faculdade de Letras - Universidade do Porto
Professora Doutora Carlota Maria Lopes Miranda Urbano
Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra
Professora Doutora Marta Isabel de Oliveira Vrzeas
Faculdade de Letras - Universidade do Porto
Classificao obtida: 19 valores
5
Sumrio
Agradecimentos ............................................................................................................................. 8
Resumo .......................................................................................................................................... 9
Abstract ....................................................................................................................................... 10
ndice de figuras .......................................................................................................................... 11
ndice de tabelas .......................................................................................................................... 12
Lista de abreviaturas e siglas ....................................................................................................... 13
Introduo ................................................................................................................................... 15
Captulo 1 Contexto da investigao ........................................................................................ 17
1.1. Contexto escolar ............................................................................................................... 17
1.2. Caraterizao das turmas .................................................................................................. 18
1.3. Definio da rea de interveno e dos objetivos do projeto ........................................... 19
Captulo 2 Enquadramento terico ........................................................................................... 26
2.1. A escrita na aula de Portugus ......................................................................................... 26
2.2. Modelos do processo de escrita ........................................................................................ 30
2.2.1. Subprocessos da atividade escrita ............................................................................. 32
2.3. Delimitao de conceitos essenciais................................................................................. 35
2.3.1. Lxico ........................................................................................................................ 36
2.3.2. Conscincia lexical .................................................................................................... 38
2.3.3. Impropriedade lexical ................................................................................................ 41
2.4. A importncia da conscincia lexical no processo de reviso de texto ............................ 43
2.5. A importncia da aprendizagem do latim para o desenvolvimento da conscincia lexical
................................................................................................................................................. 49
2.6. O papel do professor no tratamento do erro e no desenvolvimento da conscincia lexical
................................................................................................................................................. 52
Captulo 3 Prtica Letiva .......................................................................................................... 56
3.1. Descrio do plano de interveno ................................................................................... 56
3.1.1. Atividades realizadas nas aulas de Portugus ........................................................... 57
3.1.1.1. Sequncia didtica I ............................................................................................... 57
3.1.1.2. Sequncia didtica II .............................................................................................. 60
3.1.1.3. Sequncia didtica III ............................................................................................. 61
3.1.2. Atividades realizadas nas aulas de Latim .................................................................. 64
3.1.2.1. Sequncia didtica I ............................................................................................... 64
3.1.2.2. Sequncia didtica II .............................................................................................. 65
3.2. Opes metodolgicas...................................................................................................... 66
6
3.2.1. Recolha e tratamento de dados .................................................................................. 67
3.2.1.1. Procedimentos de anlise dos erros assinalados ..................................................... 69
3.2.1.2. Taxonomia de erros de propriedade lexical............................................................ 69
3.3. Apresentao e interpretao dos resultados .................................................................... 71
3.3.1. Anlise da frequncia de erros de propriedade lexical .............................................. 71
3.3.2. Descrio e anlise de erros por categoria ................................................................ 74
3.3.2.1. Repetio desnecessria de palavras ou expresses ............................................... 74
3.3.2.2. Utilizao de um registo de lngua inadequado ...................................................... 78
3.3.2.3. Emprego de palavras com baixa densidade semntica ........................................... 81
3.3.2.4. Criao de redundncias pela justaposio de palavras com um contedo
semntico muito prximo .................................................................................................... 82
3.3.2.5. Falta de preciso na escolha de unidades lexicais simples ..................................... 84
3.3.2.6. Emprego de palavras semanticamente incompatveis num mesmo sintagma ou em
unidades complexas fixas .................................................................................................... 88
3.3.2.7. Utilizao de perfrases para suprir a falta de um vocbulo ................................... 91
3.3.2.8. Substituio de uma palavra por outra como consequncia das semelhanas
fonticas entre elas .............................................................................................................. 92
3.3.3. Anlise da frequncia de erros de propriedade lexical nas segundas verses entregues
............................................................................................................................................. 93
3.3.4. Anlise qualitativa das segundas verses entregues .................................................. 95
3.4. Sugestes pedaggico-didticas para o desenvolvimento da conscincia lexical dos
alunos ...................................................................................................................................... 99
Consideraes finais .................................................................................................................. 107
Referncias bibliogrficas ......................................................................................................... 109
Anexos....................................................................................................................................... 121
Anexo 1: Ficha de trabalho Descobre os significados ....................................................... 122
Anexo 2: Modelo de texto publicitrio ................................................................................. 124
Anexo 3: Apresentao Cidades invisveis ........................................................................ 126
Anexo 4: Texto publicitrio sobre a cidade do Porto ............................................................ 129
Anexo 5: Apresentao Entre ns e as palavras ................................................................ 130
Anexo 6: Seleo de poemas ................................................................................................. 131
Anexo 7: Poesia trabalho de aula ....................................................................................... 142
Anexo 8: Sntese das figuras de estilo ................................................................................... 145
Anexo 9: Textos para anlise em aula (20 de abril) .............................................................. 149
Anexo 10: Textos para anlise em aula (24 de abril) ............................................................ 152
Anexo 11: Milagrrio Pessoal ............................................................................................... 159
Anexo 12: Oficina de escrita criativa .................................................................................... 160
7
Anexo 13: As palavras escolhidas pelos escritores ............................................................... 161
Anexo 14: Excerto da planificao da aula de Latim (16 fevereiro) ..................................... 162
Anexo 15: Correo da ficha de trabalho - Enriquecimento lexical ..................................... 164
Anexo 16: Excerto da planificao da aula de Latim (1 junho) ............................................ 169
Anexo 17: Oficina de escrita ................................................................................................. 174
Anexo 18: Corpus textual ...................................................................................................... 175
Anexo 19: Corpus textual ...................................................................................................... 178
Anexo 20: Grelhas de anlise por aluno ................................................................................ 179
8
Agradecimentos
Professora Doutora Marta Vrzeas: pela exigncia, disponibilidade e amizade. Pelo estmulo
e conselho. Pela beleza das coisas difceis ( ).
Professora Doutora Isabel Margarida Duarte: pelos materiais, sugestes e incentivos. Pela
generosidade e amizade.
Aos Professores Doutores Ana Ferreira e Jorge Deserto: pelos votos de confiana. Pelas aulas
memorveis. Pela ateno com que acompanharam o meu percurso acadmico.
s Professoras Doutoras Ftima Silva, Graa Pinto e Snia Rodrigues: pela bibliografia
sugerida, pelo interesse que demonstraram por esta investigao, pelas conversas cheias de luz.
s professoras Maria Joo Pereira e Anabela Romano: pela ajuda, disponibilidade e amizade.
s turmas 10. G e 10. LH3: pela magia.
Ao Externato das Escravas do Sagrado Corao de Jesus: por me fazer acreditar no ensino todos
os dias.
Ao Joo Pedro Gomes, que caminhou comigo, agradeo a ajuda, as longas conversas e toda a
amizade.
Ao Dinis Rebelo, Joana Costa e Liliana Martins: pela presena, pelo apoio imprescindvel,
pelos girassis.
Aos meus amigos: pela compreenso, nimo e pacincia.
Aos meus pais, os melhores professores.
minha irm.
Ao Hlder.
9
Resumo
Este estudo tem por objetivo salientar a importncia do lxico e da conscincia lexical
dos alunos na consolidao da competncia da escrita. Desenvolvido durante o estgio
pedaggico de Portugus e Latim, segundo os princpios de investigao-ao, parte de uma
anlise terica que contextualiza a relevncia da conscincia lexical no processo de reviso do
texto e o valor da aprendizagem do latim para o desenvolvimento da conscincia lexical. Esta
abordagem terica articula-se com a descrio e a anlise de um conjunto de atividades prticas
postas em prtica durante o estgio pedaggico, em aulas de Portugus e de Latim
orientado para o trabalho sobre o lxico em sala de aula. No final, apresentam-se algumas
sugestes pedaggico-didticas, tendo em conta a abordagem lexical proposta.
Palavras-chave: lingustica, pedagogia da escrita, lxico, conscincia lexical, reviso de texto.
10
Abstract
This study aims to highlight the importance of the lexicon and lexical awareness of
students in order to consolidate their writing skills. Developed during the teaching practice of
Portuguese and Latin, according to the principles of research -action, it starts with a theoretical
analysis that contextualizes the significance of lexical awareness during the text revision process
and the value of Latin learning to the development of lexical awareness. This theoretical
approach relates to the description and analysis of a set of practical activities that took place
during the teaching practice in Portuguese and Latin classes meant to develop the students
lexicon. At the end of our study, we present some classroom activities, taking into account the
lexical approach proposed.
Keywords: linguistics, writing, lexicon, lexical awareness, text revision process.
11
ndice de figuras
Figura 1: Modelo conceptual que interrelaciona conhecimento lexical, compreenso de leitura e
qualidade da produo escrita (Duarte, 2008: 166) ............................................................. 47
Figura 2: Percentagem de desvios por categoria ........................................................................ 72
Figura 3: Percentagem de desvios por categoria (LH3_T1_V2) ............................................... 94
12
ndice de tabelas
Tabela 1: Oficinas de escrita realizadas nas aulas de Portugus ................................................ 68
Tabela 2: Oficinas de escrita realizadas nas aulas de Latim ...................................................... 68
Tabela 3: Taxonomia de erros de propriedade lexical ............................................................... 71
Tabela 4: Frequncia de erros de propriedade lexical ................................................................ 72
Tabela 5: Frequncia de erros de propriedade lexical (LH3_T1_V2) ........................................ 94
13
Lista de abreviaturas e siglas
ESIC Escola Secundria Ins de Castro
ESJR Escola Secundria Jos Rgio
DT Dicionrio Terminolgico
V Verso
Vu Verso nica
T Texto
E Erro
14
As palavras continuam com os seus
deslimites.
Manoel de Barros
Em cada passo de saber h um poema
que o de antes j foi outro
e o agora se ultra-
passa
Manuel Rui
15
Introduo
Este estudo foi realizado em concordncia com o trabalho desenvolvido durante o estgio
pedaggico de Portugus e Latim, componente da iniciao prtica profissional do Mestrado
em Ensino do Portugus e das Lnguas Clssicas no 3. Ciclo do Ensino Bsico e Ensino
Secundrio, que decorreu no ano letivo de 2011/2012, em duas escolas secundrias pblicas do
distrito do Porto. A partir da observao das turmas envolvidas, foi possvel definir uma
problemtica central de investigao e desenvolver um conjunto de experincias pedaggico-
didticas que fossem ao encontro das hipteses colocadas no incio do estudo.
A competncia de escrita e a conscincia lexical constituem as duas reas privilegiadas de
interveno. Parece claro que o ensino explcito do lxico constitui uma prioridade, embora nem
sempre seja encarado como tal, tendo em conta os diferentes desafios que se colocam nas aulas
de lngua materna. necessrio fornecer aos alunos vocabulrio, ajudando-os a desenvolver a
ateno e sensibilidade necessrias ao seu emprego. Partindo do princpio de que o ensino
explcito do lxico influencia positivamente as produes escritas dos alunos, elaborou-se um
conjunto de atividades centradas na mobilizao do conhecimento e da conscincia lexicais dos
estudantes, tendo em vista o melhoramento da escrita. Concomitantemente, encarou-se o
exerccio de reviso de texto como potencial motor de reflexo, trabalho e enriquecimento
lexical. Nesta dissertao, perspetivou-se a disciplina de Latim como espao privilegiado para o
alargamento do capital e do conhecimento lexicais, bem como para o aprofundamento da
relao dos alunos com a lngua materna.
O primeiro captulo destina-se caracterizao do ambiente em que decorreu o estudo,
bem como dos perfis das turmas envolvidas. Em seguida, dar-se- conta do processo de escolha
do tpico de investigao, que resultou dos dados recolhidos atravs da observao informal do
grupo de alunos identificado. delimitao da pergunta de partida seguir-se- a definio dos
principais objetivos do projeto de investigao.
No segundo captulo proceder-se- ao enquadramento terico do estudo. Pretende-se,
nesta parte, dar conta das linhas de investigao produzidas sobre o tema, definindo os conceitos
fundamentais que o estruturam: lxico, conscincia lexical e impropriedade lexical. Cruzar-se-
o duas perspetivas pedaggicas: uma que incide sobre o desenvolvimento da conscincia
16
lingustica dos alunos e outra centrada na atividade de escrita como processo.
Consequentemente, o desenvolvimento das competncias inerentes prtica da escrita exige
mais do que um mero recurso sua prtica, passando pela consciencializao e pelo treino
intencional.
No ltimo captulo, que corresponde parte prtica do trabalho, sero apresentadas
algumas das atividades dinamizadas em sala de aula, em contexto de estgio pedaggico.
Seguidamente, ser explicitada a metodologia adotada para o tratamento de dados e proceder-
se- anlise e interpretao dos resultados obtidos. A correo das produes escritas dos
alunos teve por base o levantamento de erros de propriedade lexical que, posteriormente, foram
distribudos por categorias, com o objetivo de auxiliar os docentes a compreender melhor as
dificuldades observadas ao nvel do uso do lxico. Por fim, sero elencadas sugestes
pedaggico-didticas centradas no desenvolvimento da conscincia lexical.
17
Captulo 1 Contexto da investigao
1.1. Contexto escolar
O presente estudo segue os princpios da investigao-ao, pelo que foi elaborado em
concordncia com o trabalho desenvolvido durante o estgio pedaggico de Portugus e Latim,
componente do Mestrado em Ensino do Portugus e das Lnguas Clssicas no 3. Ciclo do
Ensino Bsico e Ensino Secundrio, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A
iniciao prtica profissional decorreu no ano letivo de 2011/2012, com a durao aproximada
de dez meses, em dois estabelecimentos de ensino pblico pertencentes ao distrito do Porto.
O estgio pedaggico de Portugus foi desenvolvido na Escola Secundria Ins de Castro
(ESIC), situada no concelho de Vila Nova de Gaia, freguesia de Canidelo, lugar dos Quatro
Caminhos. Por sua vez, o estgio de Latim decorreu na Escola Secundria Jos Rgio (ESJR),
localizada no concelho de Vila do Conde, freguesia de Vila do Conde.
No que diz respeito ao ncleo de Portugus, foi possvel lecionar e assistir s aulas de
Portugus, Literatura Portuguesa e Formao Cvica da turma G do dcimo ano, do Curso
Cientfico-Humanstico de Lnguas e Humanidades, e s aulas de Literatura Portuguesa da
turma F1 do 11. ano, do mesmo curso. Foi ainda possvel acompanhar o trabalho de direo de
turma, levado a cabo pela professora Maria Joo Pereira, com o 10. G. A lecionao e a
observao de aulas da disciplina de Latim, especfica do Curso Cientfico e Humanstico de
Lnguas e Humanidades, decorreram na turma LH3 do dcimo ano.
As turmas selecionadas para o projeto de investigao foram o 10. G e o 10. LH3 por
abrangerem as reas nucleares da profissionalizao, pela coincidncia dos nveis de ensino e
por serem as turmas em que foi possvel encetar um trabalho mais profundo e continuado, ainda
que por vezes afetado pelos constrangimentos de um estgio realizado em duas escolas
distanciadas geograficamente. Paralelamente, o dcimo ano, enquanto momento de transio
entre o ensino bsico e o ensino secundrio, assume um peso importante na reflexo aqui
apresentada. O grau de flexibilidade do Programa de Portugus de dcimo ano favoreceu,
igualmente, o desenvolvimento das atividades descritas no ponto 3.1. deste relatrio.
18
1.2. Caraterizao das turmas
A turma G iniciou as atividades letivas com vinte e quatro alunos, tendo terminado com
vinte e um, pois quatro estudantes transitaram, logo no incio do ano, para cursos profissionais.
No final do primeiro perodo, o grupo acolheu uma aluna nova, vinda de outra escola.
Dos vinte e um alunos, dois eram rapazes e dezanove eram raparigas, com idades
compreendidas entre os catorze e os dezassete anos. A maioria era de nacionalidade portuguesa,
excetuando o caso de duas estudantes: uma de origem ucraniana e outra de origem francesa.
Estas alunas no partilhavam, portanto, a lngua materna dos colegas, facto que se refletia no
seu aproveitamento escolar, particularmente na disciplina de Portugus. No entanto, a sua
integrao no grupo-turma decorreu sem qualquer entrave.
Esta turma revelou-se, de uma maneira geral, bastante participativa e interessada. Os
alunos mostravam-se atentos, empenhavam-se nas tarefas realizadas em aula e, na maioria das
vezes, intervinham de forma ordenada e pertinente. O grupo no apresentava problemas de
indisciplina, sendo possvel estabelecer um timo relacionamento com os alunos e criar um
ambiente de trabalho tranquilo, srio e produtivo.
No que respeita ao aproveitamento escolar, o perfil da turma era, contudo, um pouco
heterogneo. Foi possvel perceber, desde as primeiras aulas, que um grupo de alunas se
destacava positivamente pelo seu nvel de preparao e pelos seus hbitos de trabalho regulares,
contrastando com um grupo maior de alunos que revelava dificuldades de concentrao e falta
de mtodos de trabalho. Os hbitos de leitura eram igualmente dissemelhantes, pelo que se
procurou fomentar ao longo do ano, nas disciplinas de Portugus e de Literatura Portuguesa, o
gosto pela leitura e elevar as escolhas literrias dos alunos. de salientar o esforo da grande
maioria dos alunos no sentido de superar as suas dificuldades e de melhorar o seu
aproveitamento. Este facto e o tipo de trabalho desenvolvido durante o ano contriburam para o
sucesso dos alunos. A ttulo de exemplo, a percentagem de classificaes positivas nos testes de
avaliao subiu de 55%, no primeiro perodo, para 90% no terceiro perodo. No final do ano,
apenas dois alunos ficaram retidos e todos os que transitaram para o 11. ano de escolaridade
obtiveram classificaes positivas disciplina de Portugus.
A turma LH3 iniciou o ano letivo com vinte e cinco alunos, tendo acolhido, ainda no
primeiro perodo, um aluno novo, vindo de outra turma da mesma escola. No ltimo perodo,
19
dois alunos anularam a matrcula (um a todas disciplinas e outro a Ingls e a Latim A), pelo que,
no final do ano, a turma contava com vinte e quatro alunos, no caso da disciplina lecionada. Dos
vinte e seis alunos, catorze eram raparigas e doze eram rapazes, com idades compreendidas
entre os catorze e os dezassete anos. Todos eram de nacionalidade portuguesa, com exceo de
uma aluna de nacionalidade brasileira, perfeitamente integrada no grupo-turma.
Apesar de ser uma turma menos serena e mais indisciplinada, tratava-se de um grupo de
estudantes interessados e com uma grande capacidade de interao, com os quais foi possvel
estabelecer um timo relacionamento e momentos de trabalho bastante proveitosos. Os alunos
mostraram-se empenhados nas tarefas realizadas em sala de aula (sendo menos cumpridores no
que respeita aos trabalhos de casa), evidenciando interesse e uma motivao crescente pela
aprendizagem do Latim. As classificaes nem sempre acompanharam essa motivao em
resultado da falta de hbitos de trabalho e do baixo grau de competncia lingustica dos alunos,
inferior ao que seria de esperar neste nvel de ensino. A par das manifestas dificuldades a
Portugus, grande parte dos alunos demonstrava ainda pouca maturidade, que se traduzia na
incapacidade de desenvolver um trabalho autnomo em contexto de sala de aula. Todavia, de
salientar o esforo notrio de alguns estudantes no sentido de ultrapassarem as suas
dificuldades.
Quatro alunos ficaram retidos no 10. ano de escolaridade. De entre os que transitaram
para o 11. ano de escolaridade, um aluno no pde inscrever-se na disciplina de Latim, por no
ter conseguido obter a classificao necessria para progredir.
1.3. Definio da rea de interveno e dos objetivos do projeto
Como foi referido anteriormente, a investigao levada a cabo articula a reflexo com a
experincia letiva. Neste sentido, a partir da observao das turmas envolvidas, foi possvel
definir uma problemtica central de investigao e desenvolver um conjunto de experincias
pedaggico-didticas que permitissem concretizar os objetivos delineados no incio da prtica
profissional.
Uma primeira fase de observao, realizada de modo informal e no planeado durante os
primeiros meses de estgio, possibilitou a recolha de dados nas duas turmas e o diagnstico das
20
reas que requeriam uma interveno mais urgente.
Uma vez que, de entre as competncias nucleares da disciplina de Portugus, a expresso
escrita despertava um interesse j antigo, a ateno centrou-se desde logo nessa rea, sem
esquecer a necessria interao com as restantes competncias: oralidade, leitura e
funcionamento da lngua.1
No que se refere disciplina de Portugus, foi a partir do trabalho desenvolvido nas aulas
de diagnose que se comeou a projetar a investigao. Os alunos revelavam dificuldades na
resoluo dos exerccios que implicavam resposta escrita, sendo necessrio, da parte da
professora Maria Joo Pereira, um constante trabalho de acompanhamento e o desenvolvimento
de atividades de escrita coletiva por forma a que os alunos se habituassem a escrever seguindo
as partes lgicas do discurso: introduo, desenvolvimento e concluso. Embora as ideias
flussem, na maioria dos casos, de forma bastante pertinente (partilhadas oralmente com grande
entusiasmo), a passagem para a escrita no se dava sem entraves.
Na primeira aula foi solicitada a produo de um texto de apresentao que marcaria o
incio da construo dos porteflios de Portugus. Tratou-se do primeiro momento de
observao formal, no qual, para alm das dificuldades na estruturao do texto, se detetaram
problemas relacionados com a adequao tipologia textual e com o facto de os alunos no
dominarem os registos formais da lngua, quer oralmente, quer por escrito. Um nmero elevado
de composies (em geral pouco extensas) apresentava bastantes erros gramaticais (ortogrficos
e morfossintticos), pobreza vocabular, e marcas de oralidade. Sobre as atividades realizadas
nas aulas zero e nas primeiras regncias de Portugus falar-se- no ponto 3.1. Essas atividades
permitiram obter dados ainda mais evidentes e constituram as primeiras experincias do plano
de interveno.
Um outro momento, captado numa das aulas observadas no incio do ms de novembro, a
par dos dados recolhidos nas primeiras experincias de lecionao, orientou o estudo para o
domnio lexical. A professora Maria Joo Pereira solicitara a realizao de um dos exerccios
1 O programa de Portugus homologado em 2001 (Seixas et al., 2001), em vigor durante o estgio pedaggico aqui
descrito, instituiu a Compreenso Oral, a Expresso Oral, a Expresso Escrita, a Leitura e o Funcionamento da
Lngua como competncias nucleares desta disciplina. O programa novo, homologado em 2014 (Buescu et al., 2014),
organiza-se em cinco domnios: Oralidade, Leitura, Escrita, Educao Literria e Gramtica. Ao longo da dissertao,
farei referncia a ambos os documentos, tendo em vista um melhor enquadramento do objeto de estudo. Usarei
indiferentemente as designaes competncias e domnios para referir as componentes essenciais a trabalhar nas
aulas de Portugus.
21
integrados no manual de Portugus (Expresses, Porto Editora) que consistia na associao de
palavras (adjetivos, nomes e verbos) a um quadro do pintor expressionista Otto Dix, que
representava um casal de idosos, identificados como os pais do artista. Foi curioso notar a
dificuldade sentida pelos alunos na consecuo desta tarefa: os termos velho, velhice,
antiguidade, trabalho, trabalhar e trabalhador foram repetidos vrias vezes perante a
incapacidade de encontrar outros vocbulos. Alguns alunos construam pequenos sintagmas e
solicitavam professora que os substitusse por uma nica palavra. Da mesma forma, em quase
todas as aulas surgiam questes relativamente ao significado de palavras que j deveriam
constar da bagagem lexical de um aluno entrada do ensino secundrio. O reduzido capital
lexical de alguns elementos da turma traduzia-se nos exerccios de escrita, acabando os prprios
por se queixar, em variadssimos momentos, dessa falta de palavras, facto que originava
formulaes do tipo: Eu sei o que quero dizer, mas no tenho palavras para escrever.; Queria
usar no meu texto uma palavra para falar de uma tempestade, mas tinha de ser uma palavra com
muito som. Pode ajudar-me?; Estou sempre a usar as mesmas palavras. Eu tenho as ideias
todas, mas pr em palavras muito difcil.; Como se diz numa s palavra?.
No caso das aulas de Latim, verificaram-se problemas semelhantes, mas com um grau de
incidncia superior. A aprendizagem da lngua latina pressupe o domnio do portugus para o
qual contribui, simultaneamente, de forma decisiva2. Nesta medida, foi possvel, ao longo das
aulas, detetar as graves lacunas reveladas pelos alunos ao nvel do funcionamento da lngua
materna. Os exerccios de traduo refletiam estas dificuldades. Ainda que no sentissem
grandes constrangimentos na compreenso da estrutura do latim, os alunos nem sempre
conseguiam expressar da melhor forma a mensagem dos textos latinos em lngua portuguesa,
por no dominarem as especificidades da ltima. Mesmo trabalhando com textos muito simples,
no conseguiam adapt-los estrutura da lngua materna, facto que comprometia a eficcia da
traduo, originando, frequentemente, textos num portugus desordenado e confuso.
Um dos exerccios mais apreciados pelos alunos prendia-se com a explorao etimolgica
e com a construo de famlias de palavras (quer em portugus, quer em latim). O constante
estabelecimento de relaes lexicais entre a lngua latina e a lngua materna constitua um fator
2 Veja-se o que defende Martins (1996: 34): Aprendendo latim aprofundam-se as competncias em portugus, e
atravs do portugus chega-se mais facilmente ao latim. nesta relao bilateral que devem assentar os exerccios
prticos a realizar na aula de lngua latina.
22
de motivao, animado pelo esprito de descoberta das palavras portuguesas escondidas nos
timos latinos. Os casos de evoluo semntica e a constante aproximao do latim ao
portugus (e a outras lnguas romnicas) despertavam o interesse dos alunos. Importa salientar
que a percentagem de palavras portuguesas que estes passaram a conhecer chegava a ser
superior dos termos latinos aprendidos em aula. Tambm nos exerccios de relao
etimolgica e semntica foi possvel verificar o predomnio de estudantes com um capital
lexical muito insuficiente para o nvel de ensino em que se encontravam.
Como ser explicitado posteriormente, a recolha de composies em portugus sobre os
vrios temas de cultura abrangidos pelo programa da disciplina veio reforar os dados obtidos
durante a observao de aulas. Para alm de erros de propriedade lexical, os textos produzidos
em lngua materna (em resultado de um exerccio de traduo ou no) acusavam, em geral, falta
de hbitos de reviso. Os alunos preocupavam-se em terminar o mais rapidamente possvel as
tarefas, no relendo os textos produzidos e investindo muito pouco no seu melhoramento.
Em suma, sobressaram as seguintes dificuldades ao nvel da expresso escrita, comuns
aos dois grupos em estudo e identificadas atravs de processos de observao formal e informal:
(i) domnio insuficiente do cdigo lingustico e metalingustico; (ii) baixo capital lexical; (iii)
ocorrncia de erros de propriedade lexical em registo oral e escrito; (iv) utilizao de um
vocabulrio pouco diversificado; (v) contaminao da escrita por um registo prprio do oral
informal; (vi) falta de hbitos de reviso.
A chegada ao tema da investigao a conscincia lexical no processo de reviso de
texto foi, portanto, duplamente motivada pelo interesse pessoal em refletir sobre o processo de
escrita e por uma experincia concreta de observao em contexto de estgio profissional.
O carcter complexo3 e multifacetado da escrita aviva o interesse por estas questes.
Trata-se de um processo muito exigente ao nvel cognitivo, que implica um planeamento
especfico e um treino intencional, progressivo, faseado. (Fonseca, 1994: 150) Em virtude da
reflexo e da tomada de conscincia a que obriga, a escrita promove a compreenso da lngua,
3 Veja-se, a este propsito, o que refere Ins Duarte (2001: 20): [...] a representao escrita da linguagem humana uma das mais poderosas tecnologias desenvolvidas pelas sociedades humanas e [...] o seu domnio, nos casos em que
tal sistema tem uma base alfabtica, envolve aprendizagens complexas que se escalonam desde o treino visando a
automatizao da correspondncia letra-som, passando pelo conhecimento das regras gerais de ortografia e
pontuao, at mestria de mecanismos de antecipao e de deduo do significado das palavras a partir do contexto
ou da sua estrutura interna.
23
desenvolve a metacognio e estimula o pensamento crtico. Como se poder comprovar nos
captulos seguintes, a presente investigao aposta nessa reflexo e progressiva
consciencializao4 que necessrio incutir e desenvolver nos estudantes relativamente ao uso
da lngua. Por sua vez, a dificuldade e o esforo inerentes aos processos de escrita e de reescrita
vo ao encontro de uma outra aposta, assumida a ttulo pessoal deste o incio do ano letivo,
eximiamente sintetizada nas palavras inspiradoras de George Steiner e Ccile Ladjali (2005:
43): amos, pois, trabalhar contra e a aposta ia ser a dificuldade. Tudo o que excelente
muito difcil: o que se est a dizer incessantemente.
As questes lexicais, porque exigentes, minuciosas e desafiantes, revelaram-se
igualmente ricas e passveis de abrir inmeras hipteses de trabalho. A reflexo sobre a palavra,
a sua estrutura interna e o seu significado, assume um importante papel ao nvel pedaggico e
cultural. Partilhamos da argumentao de Jos Carlos de Azeredo (2011: 207) em favor de um
ensino da lngua a um tempo produtivo e reflexivo: o domnio da palavra um requisito
decisivo para o sucesso de todo o processo pedaggico. A escola como um todo e no apenas
o professor de lngua materna precisa de promover a ampliao e o aperfeioamento contnuos
dos recursos e procedimentos inerentes s mltiplas formas de linguagem criadas pelo ser
humano no curso da histria. Contraditoriamente, um dos aspetos menos trabalhados nas aulas
de Lngua Portuguesa no Ensino Secundrio o lxico. Eunice Barbieri de Figueiredo (2011:
366-337) aponta vrias razes para este facto:
Ou porque se considera que o processo de aquisio espontnea do vocabulrio o
bastante ou porque o peso excessivo dado ao estudo da gramtica no deixa espao
disponvel para outras aprendizagens, o que certo que o trabalho sobre o
desenvolvimento da competncia lexical tem tido uma focalizao meramente ocasional.
E isso transparece, tambm, no pouco peso dado a este contedo programtico nos
programas de Portugus do Ensino Secundrio.
4 O poeta Carlos de Oliveira, que empreendeu constantes revises da sua obra, tem um passo, na coletnea intitulada
O Aprendiz de Feiticeiro (1971), que ilustra bem o desafio horaciano da escrita: trata-se de um [...] trabalho
vagaroso. Feito, desfeito, refeito, rarefeito. Mais frente, acerca da sua obra Micropaisagem (1968), afirma: O
trabalho oficinal o fulcro sobre que tudo gira. Mesa, papel, caneta, luz eltrica. E horas sobre horas de pacincia,
conscincia profissional. Para mim esse trabalho consiste quase sempre em alcanar um texto muito despojado e
deduzido de si mesmo, o que me obriga por vezes a transform-lo numa meditao sobre o seu prprio
desenvolvimento e destino. (1992: 587)
24
Partilho da opinio da autora segundo a qual o desenvolvimento do conhecimento lexical
no deve limitar-se aos primeiros anos de ensino, mas prolongar-se at (e durante) o ensino
secundrio. O ensino explcito do lxico permite colmatar falhas causadas por hbitos de leitura
insuficientes e por outros fatores que condicionam a competncia lexical dos alunos5 e
incorporar no seu catlogo de recursos um grande nmero de vocbulos. A aprendizagem de
palavras constitui, por sua vez, uma possibilidade vital de conhecimento da lngua e da
realidade. Relembremos a clebre assero de Wittgenstein (1987: 5.6): Os limites da minha
linguagem significa [sic] os limites do meu mundo.
A investigao levada a cabo parte do princpio enunciado por Ins Duarte (2011: 9),
segundo o qual [o] capital lexical igualmente um fator determinante da qualidade da escrita.
Com efeito, quanto maior for, tanto maiores so os recursos disponveis para selecionar
vocabulrio preciso e para evitar repeties lexicais. Com base neste pressuposto, foi possvel
chegar questo central do estudo: sabendo que os textos dos estudantes revelam pobreza
vocabular e uma elevada percentagem de erros de propriedade lexical, como poder o docente
contribuir para o desenvolvimento da conscincia lexical dos alunos de forma a que estes
possam melhorar a qualidade das suas produes escritas?
No se pretendeu avaliar o sucesso de uma determinada atividade ou metodologia; as
propostas aqui apresentadas, de vrios tipos, assumem-se, sobretudo, como exerccios de
experimentao, criados de raiz, com o principal objetivo de ajudar os alunos a aperfeioarem as
suas produes escritas.
Dos objetivos do plano de interveno traado fazem parte: (i) verificar quais os tipos de
erro de propriedade lexical mais comuns; (ii) observar a correlao existente entre o aumento do
capital lexical e a competncia de escrita dos alunos; (iii) observar a importncia do estudo do
latim para o domnio da lngua portuguesa e do portugus escrito; (iv) verificar a produtividade
de momentos letivos destinados ao ensino explcito do lxico; (v) promover a ampliao do
vocabulrio ativo e o melhoramento dos textos produzidos pelos alunos; (vi) promover a
5 Atentemos no que refere Ins Duarte (2011: 10): fatores socioeconmicos (e.g., nvel de escolarizao dos pais, material impresso que existe em casa), conhecimento prvio sobre o mundo (condicionado, por exemplo, pela riqueza
das interaes com adultos e pelo acesso a manifestaes culturais) e variedade lingustica de origem das crianas
determinam o capital lexical com que entram na escola. Este capital lexical influencia e influenciado pelo volume
de leituras e pelo nvel atingido na compreenso da leitura. (Cf. Correia, 2011: 225)
25
releitura crtica e a reescrita como tarefas escolares; (vii) avaliar a eficcia das estratgias
desenvolvidas durante o estgio; (viii) fornecer outras pistas de ao que ajudem o professor a
pensar qual o tipo de interveno mais adequada para solucionar os problemas detetados no
incio da investigao.
26
Captulo 2 Enquadramento terico
2.1. A escrita na aula de Portugus
A disciplina de Portugus procura desenvolver a proficincia dos alunos nos domnios de
referncia da lngua materna: a leitura (expresso e compreenso), a escrita, a oralidade
(expresso e compreenso), a gramtica e a educao literria (cf. Buescu et al., 2014: 5).
Atualmente, reconhece-se o equivalente grau de importncia de cada um destes domnios no
processo de ensino-aprendizagem, bem como a indissociabilidade que os caracteriza. Todavia,
inevitavelmente, a escrita acaba por adquirir um peso superior em contexto escolar e para alm
deste, por funcionar como centro aglutinador6 das outras competncias e por ser uma
dimenso amplamente valorizada em termos sociais e profissionais: [A escrita], enquanto
conduta de prestgio, participa do estatuto dos indivduos, segundo o modo, desigual, por que a
dominam. (Santos, 1994: 29) Diz-nos Fernanda Irene Fonseca (1994: 154) a propsito do valor
simblico atribudo ainda hoje ao discurso escrito:
Se o ensino-aprendizagem da lngua materna tem como objetivo, entre outros, o de
propiciar ao aluno o acesso aos grupos socioculturalmente mais prestigiados e se a
posse de uma boa competncia de uso escrito e dos usos orais de tipo refletido , como
se tem visto, um dos fatores determinantes na avaliao social de um indivduo, ento a
pedagogia da lngua tem responsabilidades acrescidas no que toca aquisio dessa
competncia.
De facto, os indivduos so constantemente avaliados pelo seu nvel de proficincia
lingustica e pela sua capacidade de escrita, sendo que um texto pobre ou mal redigido
desacredita de imediato o seu redator. Para alm de funcionar como um veculo de
comunicao, a escrita funciona tambm como um poderoso instrumento de aprendizagem, j
6 [...] a pedagogia da escrita, assumida como tarefa fundamental, inseparvel de outras atividades habituais da aula
de lngua materna como a leitura (anlise e interpretao de textos), o ensino da gramtica, a prtica e anlise da
oralidade podendo at constituir-se como centro aglutinador delas. (Fonseca, 1994: 167)
27
que interfere nos processos de aquisio, estruturao e, sobretudo, reproduo e explicitao do
conhecimento. Escrever estrutura o pensamento e faz emergir o raciocnio lgico e formal7.
[A] escrita pode, fruto da sua natureza, ser implicada em qualquer processo de
aquisio, elaborao e expresso de conhecimento, tornando-se numa poderosa
ferramenta de aprendizagem. Podemos compreender o papel da escrita como ferramenta
de aprendizagem quer partamos da anlise das caractersticas da linguagem escrita e da
comunicao por escrito, com as implicaes que delas decorrem em termos de
desenvolvimento intelectual, quer encaremos a escrita como processo cognitivo, quer a
vejamos como prtica social e cultural. (Carvalho, 2011: 83)
Em termos acadmicos, um aluno que saiba escrever corretamente tem mais hipteses de
obter bons resultados do que um aluno que no domine as tcnicas de redao. Este facto
transversal maioria das disciplinas8, dado que a avaliao escrita o processo mais comum
para medir o conhecimento. Consequentemente, os testes sumativos (com forte componente de
escrita) tm um peso bastante elevado na classificao final dos alunos. A reforar esta
tendncia encontram-se os modelos de prova e exame final do Ensino Bsico e do Ensino
Secundrio, cuja maior percentagem incide sobre o desempenho escrito.
Porm, apesar do seu estatuto de contedo fundamental, a prtica letiva levou-me a
concluir que nem sempre possvel conciliar o tempo que o treino desta competncia exige com
a extenso dos programas e com o prprio ritmo da vida escolar. O que se verificou, em
contexto de estgio pedaggico e pelo contacto com vrios docentes do grupo de Portugus, foi
7 Esta conceo encontra-se bem patente no novo programa de Portugus do Ensino Secundrio: Uma outra opo
reside na importncia dada ao domnio da Escrita e ao peso crescente que lhe atribudo. Comea-se pela capacidade
de sintetizar textos, essencial na aquisio de conhecimentos; passa-se, seguidamente, para o aprofundamento da
capacidade de expor temas de forma planificada e coerente; finalmente, elegem-se a apreciao crtica e o texto de
opinio como gneros que representam, neste nvel, o coroar do desenvolvimento da expresso escrita. Este percurso
deriva da convico de que a escrita apresenta dois grandes objetivos, que Shanahan (2004) designa como aprender
e pensar. Escrever para aprender e escrever para pensar, na sua articulao com o ler para escrever (Pereira, 2005),
so capacidades que pressupem o concurso da Oralidade, da Leitura, da Educao Literria e da Gramtica.
(Buescu et al., 2014: 9) Segundo Camps (1990: 10): Escribir puede incidir en la transformacin de los
conocimientos individuales. Segn esto, redactar no sera solo expresar los conocimientos que se tienen, sino que a
travs de esta actividad el escritor estabeleceria nuevas relaciones, profundizara en el conocimiento, es decir, lo
transformara y aprendera. 8 A este propsito, pode ler-se no Programa de Portugus do Ensino Secundrio homologado em 2001: A
competncia de escrita , hoje mais do que nunca, um factor indispensvel ao exerccio da cidadania, ao sucesso
escolar, social e cultural dos indivduos e, a par da leitura e da oralidade, condiciona o xito na aprendizagem das
diferentes disciplinas curriculares. (Seixas et. al., 2001: 20)
28
o pouco tempo reservado escrita e, sobretudo, ao seu comentrio e reviso, em sala de aula.
No se pretende afirmar que se escreve pouco em aula, pois o registo de sumrios,
apontamentos, respostas a questionrios e a prpria resoluo de exerccios de gramtica
atestam a ideia contrria, mas ensina-se pouco a escrever, tendo em conta que a partir de um
trabalho especfico e da repetio que os alunos passaro a redigir com maior destreza e
qualidade. No cabe na ltima assero nenhum tipo de crtica aos docentes da disciplina, mas
apenas a constatao de que a produo escrita, muitas vezes encarada como tarefa individual,
consome bastante tempo da aula, requerendo esforo e reflexo.
O programa do Ensino Secundrio homologado em 2001 propunha a instituio de
oficinas de escrita em que se trabalhassem as diferentes tipologias textuais e se procedesse,
simultaneamente, sistematizao de conhecimentos sobre a lngua e os seus usos (cf. Seixas et
al., 2001: 4): pela sua complexidade, a aprendizagem desta competncia exige ao aluno a
consciencializao dos mecanismos cognitivos e lingusticos que ela envolve e a prtica
intensiva que permita a efetiva aquisio das suas tcnicas. (Seixas et. al., 2001: 20). Esta
proposta levou os docentes a terem em conta as oficinas no seu trabalho de planificao, mas,
ainda assim, em numerosas ocasies, os momentos reservados escrita restringem-se
transmisso de conhecimentos e reproduo de modelos textuais, seguidos de forma algo
redutora, das tipologias consideradas mais importantes. Com base nos manuais, os professores
tendem a explicar a estrutura e as caractersticas de um tipo de texto e a pedir aos alunos que
escrevam, sem terem sido criados momentos de dilogo e de apoio durante a redao.
No obstante o que acabou de ser referido, importa salientar que hoje se assume o
processo de escrita como objeto de ensino (para alm dos produtos textuais), sendo clara a
mudana de conceo e os progressos ao nvel da didtica da escrita a partir da dcada de
noventa do sculo XX. Tanto o programa de 2001 como o atual programa do Ensino Secundrio
(2014) consideram, de forma explcita, a obrigatoriedade da lecionao das trs fases do
processo redacional, dando relevo ao desenvolvimento dos processos lingusticos, cognitivos e
metacognitivos necessrios operacionalizao de cada uma das competncias de compreenso
e produo nas modalidades oral e escrita. (Seixas et. al., 2001: 7)
29
Com efeito, a tarefa de escrita obriga a recorrer aos conhecimentos sobre o tpico, o
destinatrio, os tipos de texto e as operaes de textualizao, o que implica o
desdobramento desta atividade em trs fases (com carcter recursivo): planificao,
textualizao e reviso, devendo estas ser objeto de lecionao. (Seixas et al., 2001: 21)
As componentes de planificao, redao e reviso so alvo de aprendizagem de forma
especfica e os autores dos documentos programticos defendem uma correo processual, em
vez da correo tradicional centrada no produto, na forma e em normas rgidas de retificao.
Porm, talvez por estas conquistas serem ainda relativamente recentes no ensino do Portugus
uma vez que a maioria dos professores no aprendeu a escrever segundo este modelo nem teve
acesso a ele durante a sua formao profissional , nem sempre possvel ao professor atender
s exigncias das diferentes fases do processo de escrita e dar o feedback necessrio e adequado
aos alunos. Frequentemente, as correes quer dos professores, quer dos alunos limitam-se
eliminao dos erros gramaticais (muito importante ao nvel do Ensino Bsico), mas, sobretudo
no Ensino Secundrio, os alunos carecem de orientaes processuais e de correes mais
efetivas. Perante a complexidade que envolve esta competncia, cabe ao professor encontrar as
melhores estratgias para que os estudantes se tornem escreventes hbeis, no entanto, os
prprios docentes sentem falta de tcnicas eficazes que lhes possam transmitir. muito
importante que os momentos destinados expresso escrita no se limitem entrega dos textos
e correo superficial dos mesmos a partir de algumas recomendaes genricas ou de
reescritas feitas pelo professor do que o aluno escreveu (e que este no capaz de reter). Mais
til seria, principalmente a partir do dcimo ano, levar os alunos a pensar em formas alternativas
de escrita e investir em sugestes de carcter metalingustico que obrigassem entrega de
novas verso do mesmo texto. S a prtica regular permitir a aquisio e posterior
consciencializao e autonomizao das estratgias de resoluo de problemas relacionados
com a composio.
Este trabalho assduo, especfico e faseado afigura-se cada vez mais pertinente
sobretudo com as geraes totalmente familiarizadas com as novas tecnologias , pois os jovens
de hoje escrevem muito mais (atravs de mensagens nas redes sociais, nos telemveis e nos
correios eletrnicos), embora se trate de usos muito prximos ou mais contaminados pela
oralidade informal, aos quais falta a reflexo prpria da escrita. essa reflexo, menos
30
compatvel com a mediao dos aparelhos eletrnicos, mas que a vida acadmica e profissional
lhes exigir, certamente, como requisito, que necessrio incrementar e qual os alunos
mostram maior resistncia, por implicar resoluo de problemas, capacidade de deciso e
mobilizao de conhecimentos. Requer, igualmente, durante a redao, a planificao do que se
vai escrever de seguida e a reviso do que foi escrito.
2.2. Modelos do processo de escrita
Tendo em considerao o exposto no ponto anterior, reveste-se de grande utilidade
pedaggica conhecer os modelos descritivos do processo de escrita, bem como os subprocessos
cognitivos que lhe so inerentes. Todavia, convm notar a vasta oferta bibliogrfica existente
sobre as principais teorias na rea da investigao dedicada escrita e deixar claro que no faz
parte dos objetivos deste trabalho proceder a uma apresentao e reviso exaustiva dos vrios
modelos processuais de escrita.9
Assim, importa referir sumariamente que os modelos divulgados nas dcadas de sessenta
e setenta do sculo XX explicavam a produo escrita como um processo linear assente em trs
etapas sucessivas: pr-escrita, escrita e reescrita. Estes modelos, dos quais se destaca o de
Rohman e Wlecke (1964), deslocaram a ateno para o processo redacional, contrariando os
primeiros estudos sobre a escrita, orientados para a anlise dos textos enquanto produtos (cf.
Camps, 1990: 4). Porm, apesar de o estabelecimento destas trs grandes etapas ser consensual,
as investigaes posteriores mostraram que a escrita de um texto no se desenrola de forma
linear, de acordo com uma srie de fases que se sucedem unidireccionalmente. Os subprocessos
de planificao, textualizao e reviso acabam por fluir, no decorrer do processo, de forma
recursiva.
[E]l escritor hace y rehace constantemente, planifica y replanifica sobre la marcha,
reescribe, corrige, etc. Parece, pues, que no sigue una serie de etapas discretas, sino una
9 O estudo da escrita como processo encontra-se documentado por White e Arndt (1991); Cassany (1999);
Hedge (2005), entre outros. Para um estudo mais aprofundado dos vrios modelos explicativos da
composio escrita, veja-se Graves (1991); Cassany (1993); Barbeiro (1999); Carvalho (1999); Pereira
(2000); Alamargot e Chanquoy (2001); Gallego & Martn (2002).
31
serie de subprocesos que interactan unos con otros. En segundo lugar, el modelo de etapas
se centra en el processo de crecimiento del texto, del produto, sin tener en cuenta los
procesos internos del escritor. (Camps, 1990: 4-5)
Desta forma, sem negar o valor das propostas anteriores aplicadas ao ensino, surgem, a
partir dos anos oitenta, na sequncia do desenvolvimento das cincias cognitivas, os modelos
no lineares ou cognitivos (Flower & Hayes, 1981 e Bereiter & Scardamalia, 1987, 1992), que
tentaram explicar quais os processos adotados pelo sujeito no momento da escrita, centrando-se
na sua atividade cognitiva, ou seja, na forma como as estratgias e os conhecimentos
convocados pelo escritor interagem na produo textual. Numa perspetiva pedaggica, os novos
modelos de aprendizagem da escrita privilegiam o processo em que o aluno um interveniente
ativo permanentemente incentivado a tomar conscincia, a controlar as suas operaes mentais
ao longo de todo o percurso, proporcionando, simultaneamente, o desenvolvimento de
capacidades cognitivas e lingusticas.
O modelo de Flower e Hayes (1981) tornou-se uma referncia no mbito da didtica do
Portugus, apesar das crticas e sugestes de reformulao de que foi alvo. Para estes autores, o
ato de escrita resulta de um conjunto de processos mentais, hierarquicamente organizados,
controlados pelo sujeito atravs de um mecanismo, designado como monitor, que determina a
passagem de um subprocesso a outro. Segundo Carvalho (2011), o modelo de Flower e Hayes
aponta para a existncia trs domnios:
a) o contexto, intra e extratextual da tarefa, que engloba o prprio texto em construo bem
como aspetos relativos ao tema, ao objetivo, ao destinatrio, no entendimento da escrita
como um ato retrico e no como construo de um mero artefacto; b) a memria de longo
prazo do escrevente, entidade estvel com uma organizao prpria, da qual necessrio
retirar informao que dever ser adaptada ao contexto da tarefa, no mbito da qual se
considera o conhecimento do sujeito sobre o assunto, o destinatrio, a tipologia e o gnero
textual em produo; c) o processo de escrita propriamente dito, que integra as trs
subcomponentes atrs referidas, planificao, redao e reviso. A planificao consiste
na construo e organizao interna do saber; a redao a passagem do plano das ideias
ao da linguagem materializada e visvel numa superfcie; a reviso, a anlise do texto j
produzido e a sua eventual transformao. (Carvalho, 2011: 89-90)
32
Apesar da insistncia na ideia de recursividade, baseada no facto de em qualquer
momento poderem ser realizadas atividades ligadas s componentes de planificao, redao ou
reviso para resolver problemas que surgem durante a escrita do texto, as observaes feitas ao
modelo de Flower e Hayes denunciam una cierta concepcin lineal del processo [...]. La
recursividade parece reducida a la aplicacin, cuantas veces sea necessario, de los sub-procesos
de planificacin y textualizacin despus de operaciones de revisin. (Camps, 1990: 7). Os
limites desta e de outras representaes no invalidam, contudo, o seu interesse e utilidade
enquanto instrumentos de apoio para a conceo e regulao de atividades didticas sobre os
processos e mecanismos de escrita. Estes modelos permitem refletir sobre a complexidade da
atividade que o aluno leva cabo, compreender as suas dificuldades e repensar o papel do
professor e a sua prtica docente. Por fim, la enzeanza de estrategias de planificacin y
revisin parece especialmente conveniente por cuanto exigen el concurso de capacidades
metacognitivas imprescindibles para el control consciente de la actividad de redaccin.
(Camps, 1990: 17)
2.2.1. Subprocessos da atividade escrita
Como foi mencionado anteriormente, a escrita um modo de comunicao consciente e
intencional, que culmina na produo de um texto. Trata-se de um processo cognitivo dinmico
e complexo que envolve a mobilizao de conhecimentos sobre a tarefa de escrita e de
conhecimentos lingusticos. Embora se tenha feito referncia a modelos estruturais do processo
de escrita, interessa focar, do ponto de vista pedaggico, os trs subprocessos essenciais,
identificados inicialmente por Linda Flower e John Hayes (1981) - a planificao, a
textualizao e a reviso -, entendidos de forma no linear, mas antes como atividades que, em
diferentes momentos, com maior ou menor intensidade e em relao a diferentes nveis textuais,
tm lugar quando se escreve. (Carvalho, 2003: 47) Por exemplo, ao longo do processo ocorrem
momentos de pausa nos quais quem escreve procura planificar o que ainda falta escrever. Por
outro lado, a reviso pode acompanhar a redao, medida que se for relendo o que j se
33
encontra escrito. Procurar-se-, seguidamente, sintetizar o essencial sobre cada uma destas
componentes.
A planificao10
consiste em tornar disponvel, organizar e selecionar conhecimentos
(temticos, procedimentais e contextuais), tendo em vista: a) a representao de um destinatrio,
o cumprimento do tema e o cumprimento do objetivo da comunicao (macroplanificao); b) a
conceo de um determinado esquema conducente ao discurso na sua forma definitiva
(microplanificao). Segundo Emlia Amor (1994: 112), estes processos so fundados e
(in)formados pelas componentes memria e contexto e, neles, a representao do alvo e do
objetivo a atingir desempenham um papel decisivo, quer na seleo da informao quer na
orientao argumentativa do discurso. O facto de a comunicao escrita ser diferida projeta-se
num elevado grau de planificao e de reflexo e possibilita que o sujeito realize vrias recolhas
de informao, recorrendo a fontes internas (memria a longo prazo) ou externas (pesquisa), e
estabelea novas relaes que lhe permitiro atingir os objetivos estipulados no incio e ao
longo da redao. Cassany (1999) refere como principais atividades que integram a planificao
a formulao de objetivos, a gerao de ideias e a organizao de ideias.
A textualizao consiste em converter o material selecionado e organizado durante a
planificao em linguagem escrita e em texto, podendo ser elaborados vrios rascunhos at
verso final. Este subprocesso, que se concretiza nas chamadas operaes locais (de
organizao sintagmtica do texto), mobiliza e faz intervir todo o tipo de aptides lingusticas,
desde a construo de referncias, s operaes de coeso textual. (Amor, 1994: 112) Como
salienta Barbeiro (1999: 61), a passagem para o modo escrito requer a construo de frases com
sentido e a explicitao de elementos e relaes, de modo a que outros possam aceder aos
contedos que se pretende expressar. Consequentemente, nestes momentos, assumem particular
relevncia os mecanismos de coeso textual e as frequentes revises ao que vai sendo escrito. A
textualizao afigura-se, portanto, bastante exigente para o aluno, que deve ser chamado, desde
cedo, a gerar e a gerir a variedade de possibilidades que capaz de construir para a produo
do texto (Barbeiro & Pereira, 2007: 16) e a tomar decises perante diversas solues. Em
suma, segundo Barbeiro e Pereira (2007: 18), medida que vai escrevendo, o aluno tem de dar
10
Vrios investigadores procuraram compreender e estruturar o subprocesso da planificao. Para um
estudo mais alargado, veja-se Flower e Hayes (1989); Bereiter e Scardamalia (1992); Hayes e Nash
(1996) e Cassany (1999).
34
resposta s exigncias de explicitao de contedo (para que os potenciais leitores possam
aceder ao conhecimento), formulao lingustica (elaborao de frases e seleo de vocabulrio)
e articulao lingustica (estabelecimento de relaes de coeso lingustica e de coerncia
lgica).
Por fim, a reviso processa-se atravs da (re)leitura, avaliao e eventual correo e
reformulao do que foi escrito11
. Amor (1994: 112) refere que esta componente se manifesta
ao longo das tarefas de produo e depois de obtido o produto final, completando-se na subfase
de editorao (lay-out)12
. Nesta etapa, a capacidade de leitura crtica e distanciada, relativamente
ao texto produzido, um requisito indispensvel. Cassany (1993) e Carvalho (2003),
reforando a importncia da capacidade de abstrao, defendem que a reviso adquire relevo
tambm durante a planificao, ao nvel da gerao e organizao das ideias, j materializadas
no papel ou ainda e apenas no plano mental.
Dependendo do tipo de reviso que pretende ou que capaz de realizar, mais (superficial
ou mais profunda) e de fatores como, por exemplo, o tempo disponvel para essa tarefa, o
escritor pode convocar, entre outros, os seus conhecimentos gramaticais (ortogrficos,
sintticos, semnticos e lexicais), as caractersticas do destinatrio, o tema e a tipologia do texto
e tentar prever at que ponto a sua produo permite atingir os objetivos estabelecidos no incio
da escrita. A reflexo sobre o texto produzido permite tomar decises relativamente
manuteno, abandono, substituio ou insero de elementos ou reescrita de partes do texto13
.
Barbeiro e Pereira (2007: 19) reforam que a reflexo inerente ao subprocesso de reviso deve
ainda ser aproveitada para reforar a descoberta e a consciencializao de outras possibilidades,
suscetveis de serem exploradas em processos de reescrita ou na construo de novos textos.
Com base na experincia pedaggica levada a cabo, foi possvel concluir que estes
11 Alguns autores dedicaram-se a analisar o subprocesso de reviso. Veja-se, a este propsito, os autores citados por
Jos Antnio Brando Carvalho (2003: 48): Para Fayol e Schneuwly (1987), a reviso integra trs fases: a deteo
do erro, a identificao da sua natureza e a correo. De acordo com Scardamalia e Bereiter (1983), o processo inicia-
se com a comparao de duas representaes, o texto real e o texto ideal, passa pelo diagnstico do problema e pela
ao de correo. Fitzgerald (1987), num texto sntese sobre a questo, refere trs momentos: a deteo de
discrepncias entre o texto real e o texto ideal, a sua identificao ou diagnstico e a produo das alteraes. 12 Cassany (1995), no modelo que desenvolveu do processo de escrita, inclui o subprocesso da edio. 13 O programa de Portugus do Ensino Secundrio homologado em 2001 prope algumas hipteses de trabalho a este
nvel: A terceira fase [reviso], correspondente deteo de inadequaes e de insuficincias e determinao das
estratgias de aperfeioamento a adoptar, poder efetivar-se atravs da: (re)leitura individual das produes; leitura
mtua, simples ou apoiada em fichas, listas de verificao, cdigos de correo; consulta de obras (gramticas,
pronturios, dicionrios, glossrios, guias); apreciao dos produtos da anlise realizada; reparao dos textos.
(Seixas et al., 2001: 21)
35
movimentos de retrocesso, pela abstrao que exigem, so difceis para os alunos. Estes
concentram-se sobretudo na redao e, ainda que mostrem capacidade para detetarem aspetos
textuais que necessitam de correo, mostram-se, depois, incapazes de explicar esses problemas
e de selecionar as estratgias necessrias sua reformulao, no chegando, por isso, a concluir
o processo de reviso.
2.3. Delimitao de conceitos essenciais
Ao desenvolver-se uma abordagem terica em torno de questes relacionadas com o
processo de escrita, mais precisamente sobre a reviso de texto, e com o desenvolvimento da
conscincia lexical, torna-se premente definir alguns conceitos, fundamentais para o estudo, que
se integram numa rea especfica da lingustica a lexicologia. Segundo Mrio Vilela (1979: 5),
a lexicologia o tratamento do lxico nos seus mltiplos aspetos, como frequncia,
distribuio, contedo, autonomia ou dependncia de uma gramtica. No Dicionrio
Terminolgico (DT)14
, instrumento de consulta para professores e alunos dos ensinos Bsico e
Secundrio, com uma funo reguladora de termos e conceitos sobre o conhecimento explcito
da lngua, encontramos a seguinte definio de lexicologia: disciplina da lingustica que estuda
o conjunto de palavras possveis e de recursos disponveis numa lngua para a formao de
palavras, bem como a forma como estas se relacionam.
Assim, foram selecionados os termos considerados mais pertinentes, tendo em conta o
tema e o tipo de trabalho que se pretendeu desenvolver, e seccionou-se este subcaptulo em trs
partes, para facilitar a organizao da informao. Comearei por analisar o conceito de lxico,
bem como as noes a ele associadas. Seguidamente, procurarei explorar o conceito de
conscincia lexical, clarificando as diferenas entre competncia e conscincia lingustica. Por
fim, procurarei esclarecer o conceito de impropriedade lexical, indispensvel para o trabalho
desenvolvido a partir das produes escritas dos alunos.
14 Disponvel na Web em: http://dt.dge.mec.pt/, consultado a 15-08-2015.
http://dt.dge.mec.pt/
36
2.3.1. Lxico
De uma forma geral, o lxico entendido como o conjunto de todas as palavras15
ou
constituintes morfolgicos portadores de significado possveis numa determinada lngua. Neste
sentido, distingue-se de vocabulrio que, de acordo com o DT, corresponde ao conjunto
exaustivo das palavras que ocorrem num determinado contexto de uso. Margarita Correia e
Lcia San Payo de Lemos, num artigo de 2005, propem uma distino bastante clara e em
concordncia com o que aparece documentado nos recursos sugeridos pela Direo-Geral da
Educao:
Lxico conjunto virtual de todas as palavras de uma lngua, isto , as neolgicas e as que
caram em desuso, as atestadas e aquelas que so possveis tendo em conta os processos de
construo de palavras disponveis na lngua;
Vocabulrio conjunto factual de todos os vocbulos atestados num determinado registo
lingustico, isto , o conjunto fechado de todas as palavras que ocorreram de facto nesse
discurso. Como tal, faz sentido falar do vocabulrio da didtica ou da medicina, do de
Fernando Pessoa ou do de Jos Saramago, do dos adolescentes, mas no faz sentido falar
dos seus lxicos. Um dicionrio descreve, ento, um vocabulrio (mais ou menos
extenso), mas no o lxico da lngua. (Correia & Lemos, 2005: 9, negrito das autoras)
O vocabulrio, necessariamente ligado a um texto, escrito ou falado, e a um determinado
tempo e lugar, uma amostra do lxico e rene marcas do meio sociocultural a que se pertence.
Por seu turno, o lxico transcende a dimenso textual (Gallisson & Coste, 1983: 433) e assume-
se como o dicionrio ideal (Vilela, 1944: 10), pois compreende a totalidade das palavras
fundamentais e ideais de uma lngua (Vilela, 1995: 13).
15 A palavra tpica aquela que, no discurso escrito, corresponde a uma sucesso de caracteres delimitados por
espaos em branco (palavra grfica), mas as palavras da lngua assumem muitas outras formas: palavras de dimenso
superior grfica (compostos sintagmticos, locues prepositivas, adverbiais e conjuncionais); palavras de
dimenso inferior palavra grfica (palavras no autnomas, que no podem ocupar posies sintticas, podendo
apenas ocorrer como elementos de construo de outras palavras); expresses idiomticas ou idiomas que, por
apresentarem um significado que no calculvel a partir da sua estrutura e dos seus componentes, se supe que se
encontram armazenadas na memria lexical, a par de outras palavras da lngua, sendo, por isso, descritas nos
dicionrios. (Correia & Lemos, 2005: 7-8, com supresses)
37
Mrio Vilela apresenta duas funes primordiais do lxico de uma lngua que assumem
particular relevncia, tendo em conta os objetivos do ensino/aprendizagem das lnguas:
representar a realidade extralingustica e comunic-la atravs do discurso. Os atuais programas
de Portugus dos ensinos Bsico e Secundrio valorizam as dimenses representativa e
comunicativa, colocando em destaque a necessidade de os alunos produzirem textos orais e
escritos corretos, progressivamente mais complexos e adequados a diversas situaes de
comunicao (cf. Buescu et al., 2014: 11 e Buescu et al., 2015: 5).
O lxico , numa perspetiva cognitivo-representativa, a codificao da realidade
extralingustica interiorizada no saber de uma dada comunidade lingustica. Ou, numa
perspetiva comunicativa, o conjunto das palavras por meio das quais os membros de uma
comunidade lingustica comunicam entre si. Tanto na perspetiva da cognio-representao
como na perspetiva comunicativa, trata-se sempre da codificao de um saber partilhado (=
shared knowledge). (Vilela, 1995: 13)
Importa salientar que a aprendizagem do vocabulrio e do lxico so processos que se
prolongam por toda a vida, porque as unidades lexicais so sistemas abertos em renovao,
mutao e atualizao permanentes. Existem vrios recursos disponveis para a formao de
novas palavras, fenmeno que , por sua vez, uma necessidade.
No mbito da aprendizagem do lxico, importante distinguir lxico ativo de lxico
passivo. O lxico ativo corresponde ao conjunto de palavras que os falantes usam num
determinado tempo e espao, enquanto o lxico passivo refere o conjunto de palavras que os
falantes so capazes de (re)conhecer e compreender, mas que no usam. Ins Duarte (2000)
explica que o lxico passivo dos sujeitos muito superior ao lxico ativo. A estes termos liga-se
o de lxico mental, referido, por vrios autores, como o conjunto de entradas lexicais
armazenadas na memria a longo prazo (cf. Bartra, 2009: 435). Levelt (1989), citado por Leiria
(2001), define lxico mental como the store of information about the words in ones language
(1989: 6), sendo que o conhecimento sobre as palavras (que permite o acesso s suas formas
escritas e orais e aos seus significados) constitudo por aspetos referentes ao significado,
38
sintaxe, morfologia e fonologia16
. Entendido como a representao mental da informao
sobre as palavras (Aitchison, 2003: 9), o lxico mental no apenas um depsito de palavras,
mas um vasto e intrincado sistema de unidades lexicais a que se acede por relaes de
compatibilidade semntica e de frequncia.
Por fim, importante referir o conceito de capital lexical, definido por Ins Duarte (2011:
9) como o conjunto organizado de palavras que conhecemos e usamos.. Ao longo do presente
relatrio, utilizar-se- mais amide o conceito de capital lexical, uma vez que essa base de
vocbulos que o aluno conhece e usa que se pretende ampliar, em prol do aumento da qualidade
da expresso escrita.
2.3.2. Conscincia lexical
Ins Duarte, na brochura sobre o desenvolvimento da conscincia lexical publicada no
mbito do Programa Nacional do Ensino do Portugus (PNEP), esclarece o que se entende por
conscincia lexical: tipo de conscincia lingustica que diz respeito ao conhecimento das
propriedades das palavras que integram o nosso capital lexical. (Duarte, 2011: 10) Conhecer
uma palavra17
no , portanto, saber apenas o seu significado intrnseco e literal, mas conhecer o
conjunto dos seus traos fonolgicos, sintticos e semnticos, a sua interdependncia com outras
palavras e os contextos em que usada. Para uma melhor compreenso do conceito, ser talvez
produtivo diferenciar conscincia lingustica de competncia lingustica.
Gallisson e Coste (1983: 134) definem competncia lingustica como o conhecimento
implcito que tem da sua lngua todo o locutor-auditor. Mais tecnicamente, sistema interiorizado
de regras que permite a um organismo finito (o crebro) produzir e compreender um nmero
infinito de enunciados. Na mesma linha, Abraham (1981: 105) analisa o conceito de
competncia referindo el conocimiento interno que tiene el hablante nativo idealizado de su
lengua, que de ningn modo es preciso que sea consciente al hablante/oyente, pero que
representa la base para la utilizacin de la lengua. Veja-se, ainda, a definio proposta por
16 Each of us has in our cognitive system some kind of inventory of all the words that we know, together with all the
information semantic, grammatical, phonetic/graphic necessary for their correct use. (Cruse, 2008: 263) 17 De notar, como j foi referido no ponto anterior, que os elementos lexicais incluem palavras isoladas e expresses
fixas, tais como: expresses feitas (provrbios), expresses idiomticas, combinatrias especficas.
39
Barbeiro (1999: 19): a competncia lingustica corresponde a um conhecimento inconsciente,
implcito, que o falante tem das regras da lngua e que lhe permite atuar linguisticamente, mas
que no exige a capacidade de as explicitar.
Por sua vez, conscincia implica explicitao e um controlo deliberado por parte do
sujeito. Assim, a conscincia lingustica diz respeito a um conhecimento da lngua que se
caracteriza pela capacidade de distanciamento, reflexo e sistematizao (cf. Duarte, 2008: 18),
ou seja, associa-se a um conhecimento explcito da lngua18
.
Este estdio de conhecimento caracteriza-se pela capacidade de identificar e nomear as
unidades da lngua [...], de caracterizar as suas propriedades, as suas regras de combinao e
os processos que atuam sobre as estruturas formadas; caracteriza-se igualmente pela
capacidade de seleo das unidades e estruturas mais adequadas expresso de
determinados significados e concretizao de determinados objetivos em situaes
concretas de uso oral e escrito da lngua. (Duarte, 2008: 17)
Com base nesta sustentao terica, encarou-se como motor desta investigao a
importncia do desenvolvimento da conscincia lexical tendo em vista o aumento da
competncia textual. Pretende-se que o conhecimento intuitivo que os alunos detm do lxico,
ou seja, a sua competncia lexical, evolua para um conhecimento explcito e consciente (nunca
desligado da utilizao da lngua), que implica saber identificar, selecionar, avaliar, reler e
refazer. De facto, pela tomada de conscincia do que se sabe e, consequentemente, do que
ainda no se sabe, que se desenvolvem capacidades e se procuram, por exemplo ao nvel da
escrita, estratgias de resoluo de problemas mais consistentes e eficazes: para se atingir um
nvel elevado de desempenho na competncia de escrita necessrio um conhecimento da
lngua extenso e profundo que, em grande medida, tem de ser explcito (Duarte, 2008: 9) 19
.
18 O Currculo Nacional do Ensino Bsico e os programas de 2009 (Ensino Bsico) e de 2001 (Ensino Secundrio)
mencionam uma competncia nuclear a desenvolver denominada conhecimento explcito da lngua, capaz de
incentivar uma comunicao oral e escrita eficaz, que se refere ao estudo da gramtica. Os documentos normativos
em vigor voltam a utilizar o termo gramtica, em vez de conhecimento explcito ou funcionamento da lngua. 19 O atual Programa de Portugus do Ensino Secundrio prev que a gramtica seja trabalhada na perspetiva de um
adequado desenvolvimento da conscincia lingustica e metalingustica, de uma cabal compreenso dos textos e do
uso competente da lngua oral e escrita. A conscincia lingustica e metalingustica deve ser mobilizada para
melhores desempenhos no uso da lngua. (Buescu et al., 2014: 10)
40
Pelo que se observou em contexto de estgio pedaggico, alguns alunos demonstram
competncia lexical, aplicando adequadamente o vocabulrio, o que no quer dizer que a sua
conscincia lexical se encontre suficientemente desenvolvida, fator amplamente valorizado nos
momentos de avaliao, como possvel comprovar pela anlise dos critrios de classificao
das provas de Portugus do Ensino Bsico e do Ensino Secundrio. Na composio da prova
final de Portugus do 9. ano, para o aluno obter a pontuao mxima (nvel 5) no parmetro E,
que diz respeito ao repertrio vocabular, deve utilizar vocabulrio variado e adequado e
proceder a uma seleo intencional de vocabulrio para expressar cambiantes de sentido.
Num nvel mdio (3), o aluno utiliza vocabulrio adequado mas comum e com algumas
confuses pontuais e recorre a um vocabulrio elementar para expressar cambiantes de
sentido. Por sua vez, um aluno de nvel 1 usa vocabulrio restrito e redundante, recorrendo
sistematicamente a lugares-comuns (com prejuzo da comunicao)20
.
No item de resposta extensa do exame nacional de Portugus do 12. ano, para o aluno
obter a pontuao mxima (nvel 5) no parmetro referente ao lxico e adequao do discurso,
deve mobilizar com intencionalidade recursos da lngua expressivos e adequados (repertrio
lexical variado e pertinente, figuras de retrica e tropos, procedimentos de modalizao,
pontuao...) e utilizar o registo de lngua adequado ao texto, eventualmente com espordicos
afastamentos, que se encontram, no entanto, justificados pela intencionalidade do discurso e
assinalados graficamente (com aspas ou sublinhados). Um aluno de nvel 3 mobiliza um
repertrio lexical adequado, mas pouco variado e utiliza, em geral, o registo de lngua
adequado ao texto, mas apresentando alguns afastamentos que afetam pontualmente a
adequao global. Por fim, um aluno de nvel 1 neste parmetro utiliza vocabulrio elementar
e restrito (muitas vezes redundante) ou globalmente inadequado e utiliza indiferenciadamente
registos de lngua sem manifestar conscincia do registo adequado ao texto, ou recorre a um
nico registo inadequado.21
20 Critrios de Classificao da Prova Final de Portugus, cdigo 91/ 1. Fase, 3. Ciclo do Ensino Bsico (2015).
Disponvel na Web em: http://cdn.iave.pt/provas/2015/PF-Port91-F1-2015-CC.pdf, acedido em 03-08-2015 (p. 11 de
12). Negrito meu. 21 Critrios de Classificao da Prova Escrita de Portugus, cdigo 639/ 1. Fase, 12. ano de escolaridade (2015).
Disponvel na Web em: http://cdn.iave.pt/provas/2015/EX-Port639-F1-2015-CC-VD.pdf, acedido em 03-08-2015 (p.
12 de 13). Negrito meu.
http://cdn.iave.pt/provas/2015/PF-Port91-F1-2015-CC.pdfhttp://cdn.iave.pt/provas/2015/EX-Port639-F1-2015-CC-VD.pdf
41
Aps uma leitura atenta dos critrios de correo, parece claro que a diferena entre um
aluno que manifesta conscincia lexical e outro que demonstra competncia lexical, sem que a
conscincia esteja suficientemente desenvolvida, se encontra bem patente na referncia
intencionalidade no uso do lxico. Embora um estudante que tenha obtido nvel 3 nesse
parmetro da composio seja capaz de aplicar o vocabulrio de forma correta, ainda no revela
uma aplicao consciente e intencional, fazendo uso de um vocabulrio preciso, rico e variado,
de acordo com as ideias que quer transmitir e as nuances que pretende introduzir no seu
discurso.
2.3.3. Impropriedade lexical
Tendo em conta as consideraes tecidas no ponto anterior, parece ser necessrio,
sobretudo no Ensino Secundrio, investir na extenso e na preciso do vocabulrio utilizado
pelos alunos, para que estes possam fazer uso de um discurso fluente e significativo, marcado
por nveis progressivamente mais elevados de conscincia lingustica. Assim, um dos objetivos
deste estudo prende-se com a anlise de produes escritas de estudantes do 10. ano centrada
nos erros de propriedade lexical. Interessa proceder no apenas contagem de erros mas alargar
a reflexo sobre as questes de impropriedade lexical, dado que se verificou ser uma dimenso
pouco explorada pelos docentes de lngua materna em comparao com outros tipos de falhas
redacionais.
Convm sublinhar que a impropriedade lexical aparece contemplada entre os fatores de
desvalorizao ao nvel da correo lingustica dos exames nacionais do Ensino Secundrio e
das provas finais de ciclo do Ensino Bsico. Na prova final de Portugus de 9. ano, os alunos
so penalizados pelo nmero de erros de propriedade lexical que do em cada resposta (por cada
dois ou trs erros deste tipo, o professor corretor deve retirar dois pontos e, no caso de o aluno
dar quatro erros, devem ser retirados no mximo quatro pontos, tendo em conta a cotao
atribuda ao contedo (C) e forma (F))22
. No exame nacional de Portugus de 12. ano, os
descontos relativos ao vocabulrio so ainda mais significativos, devendo o professor corretor
22 Critrios de Classificao da Prova Final de Portugus, cdigo 91/ 1. Fase, 3. Ciclo do Ensino Bsico (2015).
Disponvel na Web em: http://cdn.iave.pt/provas/2015/PF-Port91-F1-2015-CC.pdf, acedido em 03-08-2015 (p. 3 de
12).
http://cdn.iave.pt/provas/2015/PF-Port91-F1-2015-CC.pdf
42
retirar dois pontos por cada impropriedade lexical verificada numa resposta, se tal for possvel,
tendo em conta a cotao atribuda aos aspetos de contedo (C) e ao parmetro de estruturao
do discurso e correo lingustica (F).23
Contudo, apesar das orientaes presentes nos critrios, no deixa de ser um pouco vago
o conhecimento que os docentes detm sobre estes erros, acabando por recear, simultaneamente,
a imposio das suas preferncias lingusticas aos estudantes. De facto, o professor, sendo um
usurio maduro da lngua escrita, intui como inadequada determinada combinao de palavras
empregada pelo aluno, mas tem dificuldade em persuadi-lo de que se trata de impropriedade,
porque lhe falta teoria sobre propriedade vocabular. (Oliveira, s/d: 50, negrito do autor)
A impropriedade lexical consiste, ento, no emprego de palavras em contextos
inadequados. (Oliveira, s/d: 49) Segundo Helnio Fonseca de Oliveira (s/d: 49), estes erros
podem decorrer:
(a) da substituio de vocbulos em expresses idiomticas; (b) da criao de neologismos
comunicacionalmente inadequados; (c) da incompatibilidade entre a palavra escolhida e o
tema ou gnero do texto; (d) do conflito entre a natureza pejorativa ou meliorativa das
escolhas lexicais e a orientao argumentativa do texto; (e) do conflito smico
(incompatibilidade semntica) entre vocbulos no interior da sentena; (f) da inexatido
com redundncia [...]; (g) do emprego de vocabulrio informal em situaes formais e vice-
versa; (h) da confuso de parnimos em virtude da semelhana fnica entre eles; (i) do
emprego, em contextos inadequados, de palavras com baixa densidade semntica, gerando
vaguidade.24
Sobre as questes de impropriedade lexical, Isaltina Martins (1998: 1) salienta que cada
palavra possui um significado prprio e preciso, carregando em si, igualmente, a
intencionalidade do sujeito, tal como referimos no ponto anterior. Para alm disso, a informao
contida numa palavra pode resultar da sua interdependncia com outros vocbulos e do contexto
23 Critrios de Classificao da Prova Escrita de Portugus