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Infecções no hospedeiro imunodeprimidos
Marcio Nucci (1), Wolmar Pulcheri (2)
(1) Professor Adjunto, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina,
Chefe do Laboratório de Micologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2) Professor Assistente, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina,
Chefe do Serviço de Hematologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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1. Introdução
Nas últimas décadas os grandes avanços na terapêutica resultaram em aumento do
número de pacientes que sobrevivem a enfermidades que antes eram rapidamente fatais.
Pacientes com insuficiência renal, câncer, anemia aplástica e doenças do colágeno têm
agora uma possibilidade de vida potencialmente produtiva. Entretanto, estes indivíduos
apresentam alterações importantes nos seus mecanismos de defesa naturais e, para muitos,
as infecções oportunistas tornaram-se as principais causas de morbidade e mortalidade.
Este capítulo tem por finalidade orientar a abordagem diagnóstica e terapêutica nos
pacientes imunodeprimidos, além de sumarizar os pontos controversos do tratamento
médico e cirúrgico. Não serão discutidas as síndromes de imunodeficiência primária, que
ocorrem de forma hereditária ou sem associação com fatores ambientais conhecidos.
As infecções encontradas nos pacientes imunodeprimidos dependem da interação de
dois fatores do hospedeiro – o tipo de alteração imunológica e a intensidade da
imunodepressão – e de do organismo causador da infecção – a intensidade de exposição, e a
sua virulência relativa. A caracterização clínica destes fatores facilita o reconhecimento dos
possíveis agentes patogênicos relacionados com aquele defeito específico e a introdução de
medidas profiláticas e terapêuticas mais adequadas. O diagnóstico precoce é muitas vezes
difícil porque os agentes patogênicos são muitas vezes pouco comuns, e a apresentação
clínica é em geral atípica. Organismos ubíquos tornam-se oportunistas (Aspergilllus sp.,
Candida sp.) ou há reativação de formas latentes (Toxoplasma gondii, Mycobacterium
tuberculosis, Strongyloides stercoralis, herpes). Pequeno inóculo de organismos pode
produzir infecções graves sem os sinais e sintomas inflamatórios típicos. Apesar destas
características, as infecções surgem de forma previsível dependendo do tipo de lesão
imunológica apresentado.
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Uma forma útil de estudar as infecções nestes pacientes é considerar inicialmente os
defeitos nos sistemas naturais de defesa que os tornam imunodeprimidos.
2. Alterações nos mecanismos de defesa do organismo
Os componentes básicos da defesa do organismo são: a pele e membranas mucosas,
a imunidade celular específica (linfócitos B e T) e inespecífica (fagócitos) e os
componentes da imunidade humoral, representados pelas imunoglobulinas e complemento.
Na Tabela 1 estão listadas algumas condições associadas com imunodeficiência, com os
diversos graus de comprometimento nos componentes da defesa do hospedeiro. Saber que
tipo de imunodeficiência predomina em um paciente tem importância prática pois, como
mostrado na Tabela 2, o comprometimento de cada sistema de defesa causa infecções por
diferentes patógenos. O conhecimento destas associações orienta a abordagem inicial, seja
do ponto de vista de diagnóstico como de terapia empírica. Entretanto, deve-se salientar
que estas associações não são absolutas. Assim, devemos analisar não só a doença de base
como o tratamento a que o paciente foi submetido. Na Tabela 3 exemplificamos como o
tratamento pode influenciar o status imune em pacientes com mieloma múltiplo. Na
situação habitual do paciente à época do diagnóstico ou quando tratado com a combinação
clássica de melfalan e prednisona, a imunodeficiência predominante é de produção de
imunoglobulinas. Entretanto, se o paciente recebe dexametasona em dose alta, acrescenta-
se uma profunda depressão na imunidade celular. Já para a administração de quimioterapia
em infusão contínua, como no protocolo VAD (vincristina, adriblastina e dexametasona), é
necessária a colocação de um cateter venoso central, com conseqüente ruptura na barreira
cutânea. Finalmente, se o paciente é submetido a um transplante de medula óssea, sofre
profunda depressão em todos os componentes das defesas do organismo.
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O tipo de tratamento da doença de base também pode predispor o paciente a
infecções específicas, que podem ser raras em outras circunstâncias. Na Tabela 4 listamos
algumas destas associações.
No texto que se segue estaremos discutindo os aspectos particulares de cada sistema
de defesa, com as infecções resultantes da deficiência de cada um dos componentes.
3. Pele e membranas mucosas
Em condições normais várias áreas do organismo são colonizadas por
microorganismos. Os padrões de colonização dependem de fatores do próprio indivíduo, de
fatores exógenos e dos próprios germes. A pele, as membranas mucosas do orofaringe,
nasofaringe, trato gastrointestinal e parte do trato genital têm sua microbiota característica.
Estas bactérias podem ser divididas em 2 grupos: a microbiota residente, que se multiplica
e persiste por longos períodos de tempo, e uma microbiota transitória, que se estabelece por
algumas horas. Estes organismos formam uma barreira contra os germes do ambiente,
competindo com estes por nutrientes, e secretando toxinas que inibem seu crescimento e
proliferação.
A pele protege o indivíduo controlando o número de bactérias e fungos residentes
através de vários mecanismos, sendo os principais a descamação das camadas
queratinizadas, o dessecamento, a acidificação e a produção de substâncias bacteriostáticas
pelas glândulas sebáceas.
Os estafilococos coagulase-negativo (particularmente o Staphylococcus
epidermidis) e Difteróides são os principais germes residentes encontrados na pele humana.
A umidade e acidificação controlam estas populações, além de inibir o crescimento de
outros germes, como Streptococcus sp.. A competição por nutrientes entre os organismos
residentes previne uma superpopulação dos membros individuais, mantendo assim o
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equilíbrio ecológico e retardando o aparecimento de novos organismos transitórios.
Staphylococcus aureus é um organismo pouco comum na pele humana, exceto quando
lesada, como ocorre nas áreas de eczema. Os germes Gram-negativos também são raros,
mesmo em locais úmidos, como nas pregas inguinais e axilas. A microbiota não bacteriana
da pele inclui alguns fungos como Candida sp., Pityrosporon sp. e o metazoário Demodex
folliculorum.
A pele e as mucosas representam a primeira linha de defesa do corpo contra o meio
externo. Estas barreiras assumem uma importância ainda maior quando as defesas
secundárias estão alteradas. Sua rica vascularização facilita a disseminação de organismos
para outros locais e também sua contaminação a partir de infecções sistêmicas. As
infecções de origem cutânea que resultam de lesão iatrogênica da pele são responsáveis por
20% a 30% das infecções em pacientes hospitalizados. Os principais mecanismos que
determinam a destruição da barreira cutânea são: a) trauma produzido pela introdução de
agulhas ou cateteres intravasculares; b) utilização de curativos oclusivos com materiais
impermeáveis, que aumentam a hidratação da pele, alterando a composição da biota
bacteriana residente; e c) o uso de agentes antimicrobianos e corticosteróide tópico ou
sistêmico.
Os cateteres vasculares representam um importante veículo de infecção.
Procedimentos como a colocação adequada em sala operatória, e o cuidado diário, são
importantes elementos para reduzir a freqüência de infecções veiculadas pelos cateteres. Os
germes mais freqüentemente veiculados por cateteres são as bactérias Gram-positivas. O
risco global de aquisição de infecção da corrente sanguínea relacionada a um dispositivo
intravascular é de cerca de 1%, sendo que os cateteres centrais respondem por cerca de 90%
das infecções intravasculares relacionadas com dispositivos. O tipo de acesso mais
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comumente utilizado nos hospitais é o acesso venoso periférico; apesar do baixo risco de
infecção, não deve permanecer no mesmo local por mais de 72-96 horas.
Entre os tipos de acesso venoso profundo, aqueles realizados por dissecção
apresentam maior risco de infecção do que aqueles colocados por punção. Os cateteres
venosos profundos de longa permanência são largamente utilizados em pacientes com
câncer. Nos esquemas de quimioterapia são utilizadas drogas vesicantes, muitas vezes em
esquemas de infusão contínua. Um dos problemas passíveis de ocorrer por efeito do
tratamento é a ocorrência de infecções secundárias em lesões ulceradas causadas pelo
extravasamento da quimioterapia. Os germes colonizantes da pele, como o Staphylococcus
aureus, são os que mais freqüentemente causam estas infecções.
Em geral os cateteres usados para a quimioterapia antineoplásica são de silicone, e
são implantados com um túnel subcutâneo, que dificulta a migração de germes por fora do
lúmen do cateter até a corrente sangüínea. Este é o mecanismo mais comum de infecção em
um cateter venoso. Além do túnel subcutâneo, a maioria dos cateteres também dispõe de
um pequeno botão de dacron de aproximadamente meio centímetro que circunda a parede
externa do mesmo. Este botão estimula a fibrose, funcionando assim como uma barreira a
mais, dificultando a penetração dos germes a partir da pele em torno no orifício de saída do
cateter até a corrente sangüínea. Além deste mecanismo de infecção, os germes também
podem ganhar a circulação através do lúmen do cateter, seja pela manipulação indevida do
cateter, ou pela contaminação das soluções intravenosas. Os principais germes causadores
de infecções relacionadas com cateteres são os Gram-positivos, especialmente os
estafilococos coagulase-negativo. Além disso, germes Gram-negativos (especialmente as
bactérias veiculadas pela água), fungos (especialmente Candida parapsilosis) e até
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micobactérias (as de crescimento rápido, como Mycobacterium chelonei) podem causar
infecção.
Os germes Gram-negativos são freqüentes causadores de infecções hospitalares, e
podem ser adquiridos pelas mãos contaminadas, que servem de reservatório e vetor destas
bactérias. O risco de contaminação através desta via é maior mesmo para pacientes com
defesa secundária preservada. O hábito de lavar as mãos entre os cuidados de um paciente e
outro reduz significativamente a incidência de infecções.
As infecções por bactérias Gram-positivas como Streptococcus do grupo A e
Staphylococccus aureus, têm sua origem geralmente a partir de lesões cutâneas. Os
pacientes granulocitopênicos podem apresentar celulites por germes pouco usuais, como
Enterobacteriaceae, Pseudomonas sp. ou bactérias anaeróbicas. Patógenos oportunistas
como Cryptococcus neoformans e Candida sp., podem causar celulite com aparência
semelhante às bactérias Gram-positivas em pacientes com leucemias ou doenças que
alteram a imunidade celular. É recomendada uma abordagem diagnóstica agressiva com
biópsia da lesão, culturas do material colhido e histopatologia.
Lesões cutâneas disseminadas causadas por germes pouco virulentos podem
determinar doença sistêmica grave em pacientes imunodeprimidos. Os vírus mais
problemáticos pertencem à família herpes (simplex e zoster) e papiloma (verruga). Entre os
fungos estão Candida sp., Microsporum sp., Trichophyton sp. e Fusarium sp. Algumas
categorias de organismos menos virulentos determinam infecções apenas quando uma lesão
cutânea permite sua disseminação, como ocorre com Aspergillus sp. e Candida sp..
As lesões cutâneas secundárias à disseminação hematogênica são geralmente
causadas por Pseudomonas aeruginosa e outras bactérias Gram-negativas que determinam
vários tipos de alteração na pele, tais como: bolhas, vesículas, celulite e ectima gangrenoso.
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Esta última lesão tem um aspecto de úlcera arredondada com uma área endurecida e
necrose central circundada por eritema. O seu surgimento no curso de neutropenia e febre
prolongados se deve geralmente aos fungos, especialmente Fusarium.
As infecções cutâneas representam uma causa freqüente de morbidade e
mortalidade em pacientes com linfomas T cutâneos (micose fungóide e linfoma/leucemia T
do adulto), devido ao extenso comprometimento da pele pela enfermidade ou pelos
quimioterápicos de uso tópico e radioterapia superficial. Uma das principais causas de óbito
em pacientes com linfomas cutâneos extensos é a infecção. Os principais agentes
etiológicos são Staphylococcus aureus e bacilos Gram-negativos, estes em pacientes
hospitalizados. Tais infecções são de difícil tratamento, pois há quase sempre material
necrótico do tumor. O sucesso do tratamento da infecção fica muito dependente do controle
local do tumor.
A cavidade oral é densamente colonizada por organismos aeróbicos e anaeróbicos,
principalmente nas margens da gengiva. O equilíbrio ecológico é mantido relativamente
constante por vários mecanismos de inibição interbacteriana. Além disto, a ruptura da
barreira da mucosa oral provocada pelos agentes quimioterápicos (mucosite), com ou sem
infecção herpética, determina a invasão de microrganismos na corrente circulatória,
especialmente o Streptococcus alfa-hemolítico (viridans). A freqüência de bacteremia por
Streptococcus viridans em pacientes neutropênicos aumentou consideravelmente após a
introdução de regimes de quimioterapia que causam intensa mucosite como, por exemplo,
esquemas contendo citarabina em doses altas.
A higiene oral é fundamental em pacientes imunodeprimidos com granulocitopenia
grave, principalmente durante o período de indução de remissão das leucemias agudas. O
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estado de conservação dos dentes pode ser um fator determinante do sucesso da terapia
nesta população.
O trato gastrointestinal deve permitir o crescimento de uma microbiota residente
variada, mas ao mesmo tempo deve funcionar como uma barreira mecânica contra estes
mesmos germes. Os principais mecanismos de defesa do tubo digestivo são a secreção
ácida do estômago, a peristalse e a produção local de anticorpos (classe IgA). A acidez do
estômago é uma barreira eficaz contra bactérias e fungos, e portanto, a hipocloridria
induzida por antiácidos pode resultar em aumento na colonização, com conseqüente
infecção. As bactérias que sobrevivem ao conteúdo gástrico são carreadas pela peristalse
para o intestino delgado, onde os ácidos biliares com ação antibacteriana restringem o
número de bactérias. A própria motilidade pode também inibir o crescimento dos germes.
O uso de drogas constipantes, como analgésicos narcóticos, ou mesmo uma dieta
constipante, pode determinar estase de líquidos intestinais e aumentar o risco de infecções
sistêmicas a partir do tubo digestivo. A produção local de anticorpos IgA previne a
aderência de bactérias no epitélio intestinal, dificultando a penetração dos microorganismos
nos tecidos.
A integridade do tubo digestivo pode ser alterada em pacientes com câncer pelo uso
de quimioterápicos que interferem com o crescimento celular, provocando o aparecimento
de ulcerações ou induzindo diarréia. Além das enterobactérias e da Pseudomonas sp., o
Enterococcus faecalis pode invadir a circulação a partir dessas ulcerações. Em pacientes
neutropênicos (leucemias, aplasia medular), a destruição da barreira mucosa pode também
levar a infecções graves como a enterocolite neutropênica (tiflite), cujo principal agente
etiológico é o Clostridium septicum.
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Durante a respiração as bactérias entram continuamente pelas vias aéreas até os
pulmões a partir do próprio ar ou de secreções faríngeas. Em indivíduos normais a
motilidade ciliar, a tosse e a ventilação mantêm as vias respiratórias estéreis abaixo das
cordas vocais. Acima deste ponto a biota normal é constituída principalmente de germes
Gram-positivos sensíveis à penicilina. Nos pacientes com neoplasias, as lesões superficiais
provocadas pela quimioterapia, radioterapia ou pela enfermidade subjacente, determinam
um acúmulo de secreções na árvore traqueobrônquica que pode resultar em bronco-
aspirações e pneumonias. Os principais microorganismos encontrados nestas secreções em
pacientes hospitalizados são bactérias gram-negativas como Pseudomonas sp., Klebsiella
sp., Serratia sp., Enterobacter sp., e Acinetobacter sp.. Estes pacientes também são
vulneráveis a infecções fúngicas, especialmente por Aspergillus sp., a partir de
contaminação do ar ambiente (sistema de refrigeração, obras de reformas próximas ou
mesmo na parte externa do hospital).
O trato urinário é protegido contra infecções bacterianas pela sua arquitetura, pelo
fluxo urinário e pelas propriedades antibacterianas da urina, neutrófilos e anticorpos. A
uretra é muito importante como barreira contra os germes, como pode ser verificado pela
maior incidência de infecções em crianças do sexo feminino quando comparado com o sexo
masculino. Procedimentos invasivos como cateterização, cistoscopia ou pielografia
retrógrada, podem ser a fonte de disseminação bacteriana em pacientes com múltiplos
defeitos nos sistemas de defesa. Devido à proximidade da uretra com o anus, as bactérias
Gram-negativas do tubo digestivo são a fonte de contaminação mais freqüente das vias
urinárias. Muitos pacientes com neoplasias que recebem antibióticos durante o período de
hospitalização tornam-se colonizados por Candida sp..
4. Defesa humoral
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As imunoglobulinas são produzidas por linfócitos B, sendo responsáveis pela
resposta humoral específica contra infecções. A deficiência de imunoglobulinas está
associada com maior suscetibilidade a infecções respiratórias por bactérias encapsuladas,
por patógenos entéricos como Salmonella e Campylobacter e protozoários como Giardia
lamblia.
Pacientes com leucemia linfóide crônica, linfomas linfocíticos e mieloma múltiplo
são especialmente suscetíveis a infecções por germes encapsulados devido a uma
dificuldade de montar uma resposta imunológica primária. Comumente apresentam
infecções repetidas pelo mesmo organismo, pois são incapazes de desenvolver uma
imunidade duradoura. Apresentam hipogamaglobulinemia, principalmente nos estágios
mais avançados. A incidência de infecções por organismos Gram-negativos também está
aumentada, principalmente infecções no trato urinário.
Outro grupo de pacientes com uma maior incidência de infecções graves por germes
que necessitam para seu controle de uma defesa humoral preservada são os indivíduos
submetidos a esplenectomia. Dependendo da doença de base, o risco de infecção varia: o
risco é menor nos pacientes submetidos a esplenectomia por trauma, e maior nos pacientes
com linfomas, submetidos a estadiamento cirúrgico, prática abandonada nos últimos anos.
O risco de infecção é intermediário em pacientes com doenças benignas, como anemias
hemolíticas adquiridas ou talassemias. Septicemia é geralmente causada pelo Streptococcus
pneumoniae ou Haemophylus influenzae, mas outros germes como Staphylococcus sp. e
Neisseria meningitidis também podem causar infecção.
Os pacientes com anemia falciforme, principalmente crianças com menos de três
anos de idade, apresentam infecções pneumocócicas freqüentes (sepse e meningite), com
grande morbidade e mortalidade. A esplenectomia funcional que surge entre o cinco e 8
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anos de vida resulta em dificuldade de opsonização de bactérias por defeito na via
alternativa do complemento. Este mesmo mecanismo explica em parte a maior
suscetibilidade a infecções por Salmonella sp..
Os pacientes submetidos a transplante de medula óssea têm maior incidência de
infecções por germes encapsulados após três meses do transplante. A presença de reação do
enxerto contra o hospedeiro crônica é o principal fator predisponente.
Um aspecto importante no tratamento dos pacientes com defesa humoral alterada, é
a necessidade de investigação rápida. Como o risco de septicemia é grande, o tratamento
deve ser iniciado empiricamente, usando um antibiótico com espectro de ação com
cobertura para Streptococcus pneumoniae e Haemophylus influenzae (especialmente em
crianças). Assim, a opção pode ser a ampicilina, amoxacilina com ou sem o ácido
clavulânico, uma cefalosporina de segunda geração, como o cefuroxime, ou uma quinolona
como a levofloxacina e a gatifloxacina.
O uso profilático de penicilina benzatina mensalmente pode ser usado em pacientes
que já apresentaram infecções por pneumococo. Nos pacientes com anemia falciforme a
profilaxia deve ser feita com penicilina V potássica (125 mg) por via oral em duas doses
diárias, ou benzatina (600 mil a 1200 mil unidades IM por mês). O tratamento deve ser
iniciado à época do diagnóstico, e continuado além do terceiro ano de idade, embora não
haja informações sobre o momento em que a terapia possa ser suspensa com segurança.
A vacina pneumocócica (Pneumo-vac 23) determina uma proteção contra 23 cepas
diferentes de pneumococo, cobrindo cerca de 85% das infecções determinadas por este
germe. Embora sua eficácia nas doenças linfoproliferativas não seja comprovada, alguns
pacientes conseguem temporariamente desenvolver uma resposta primária, com diminuição
de enfezes por pneumococo. Os pacientes com anemia falciforme devem receber a vacina
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pneumocócica após o segundo ano de vida, sendo também recomendada a vacinação contra
H. influenzae. Nos pacientes que serão submetidos a esplenectomia eletiva para tratamento
de anemias hemolíticas ou talassemias, a vacina pneumocócica deve ser feita duas semanas
antes do procedimento. Após a ruptura traumática do baço, é recomendado que a vacinação
seja feita nos primeiros dias pós esplenectomia. Pacientes submetidos a transplante de
medula óssea também devem receber vacina anti-pneumococo e anti-Haemophylus
influenzae após um ano do transplante. Devido aos riscos de anafilaxia com a revacinação,
somente aqueles pacientes com infecções repetidas devem receber uma segunda dose num
intervalo de dois anos após a primeira. Não há evidências de que a vacinação anti-
pneumocócica beneficie os pacientes com doença de Hodgkin que foram submetidos a
esplenectomia.
A prevenção de infecções bacterianas com gamaglobulina venosa em doses elevadas
é eficaz em pacientes com agamaglobulinemia primária e na leucemia linfóide crônica. Seu
papel em pacientes com mieloma múltiplo ainda permanece incerto. Uma séria limitação a
esta conduta é o alto custo das preparações de imunoglobulinas.
É importante lembrar que pacientes com hipogamaglobulinemia não devem receber
vacinações com organismos vivos mesmo quando atenuados, devido ao risco de infecção
viral generalizada.
Um aconselhamento cuidadoso deve ser feito aos pacientes asplênicos devido ao
caráter devastador das infecções por Streptococcus pneumoniae e Haemophylus influenzae:
a) procurar cuidados médicos em todo episódio febril acompanhado de calafrio; e b)
sempre ter à mão um antibiótico apropriado, e tomar pelo menos uma dose em caso de
infecção respiratória com calafrios.
5) Imunidade celular
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A imunidade específica do sistema celular de defesa é conferida pela interação das
células acessórias (apresentadoras do antígeno) com os linfócitos T. A imunidade celular T
protege o organismo contra uma variedade de infecções bacterianas, fúngicas, virais e
parasitárias. Dentre as bactérias, as que causam infecção mais comumente em pacientes
com defeito na imunidade celular são aquelas intracelulares, como as micobactérias,
Nocardia, Listeria monocytogenes, Salmonella spp., Brucella spp. e Legionella spp..
Uma variedade de fungos pode causar infecção nestes pacientes, como Histoplasma
capsulatum, Pneumocystis carinii, Cryptococcus neoformans e Candida sp.. Em relação à
Candida, é interessante salientar as diferenças nas infecções em pacientes com defeito na
imunidade celular e aqueles neutropênicos. Os pacientes com defeito nos linfócitos T
apresentam candidíase muco-cutânea, mas muito raramente desenvolvem candidíase
sistêmica. Em contrapartida, nos pacientes neutropênicos a candidíase se manifesta com
infecção na corrente sangüínea, endocardite, lesões no fígado, baço, rins etc.. Isto
demonstra a importância dos neutrófilos em conter a disseminação da Candida sp. no
organismo.
Várias infecções virais podem ocorrer em pacientes com defeito na imunidade
celular. As mais comuns são aquelas causadas por vírus DNA latentes, como herpes,
citomegalovirus e varicela-zoster. Citomegalovirus (CMV) é encontrado com freqüência
em crianças com leucemia, mas infecções fatais (80%) só ocorrem nos pacientes
transplantados e com doença enxerto-versus-hospedeiro. A melhor abordagem neste grupo
de pacientes é a monitorização freqüente a partir da quarta semana pós-transplante. Para tal,
o melhor método é a antigenemia. A antigenemia é feita semanalmente. Se o paciente
apresenta uma antigenemia positiva, deve receber ganciclovir por via venosa. Esta tática
tem resultado em uma melhora significativa no prognóstico de pacientes transplantados.
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As bactérias que causam pneumonia na população em geral podem produzir infecção nos
pacientes com imunidade celular comprometida. O padrão bacteriológico é diferente
daquele encontrado em pacientes com defeito na fagocitose sendo pouco comum as
infecções por P. aeruginosa. As infecções por Mycobacterium sp. são prevalentes nesta
população, principalmente em pacientes com doenças linfoproliferativas durante o período
de tratamento com quimioterapia que inclua corticosteróide. A apresentação clínica da
tuberculose é semelhante àquela vista na população, mas com tendência maior à
disseminação e maior gravidade. A forma pneumônica da tuberculose embora incomum,
tem uma alta taxa de letalidade. Todas as formas extra-pulmonares de tuberculose já foram
descritas em pacientes imunodeprimidos, mas são incomuns e têm comportamento
semelhante ao dos indivíduos normais. Não há estudos avaliando o uso de profilaxia em
pacientes imunodeprimidos. Alguns recomendam o uso de isoniazida em pacientes com
historia previa de tuberculose, aqueles com PPD positivo, ou aqueles com historia de
contato recente com pacientes tuberculosos. No entanto, como o PPD pode ser negativo, é
recomendável que se verifique cuidadosamente a radiografia de tórax, à procura de
anormalidades compatíveis com tuberculose prévia.
Nocardia asteroides, uma bactéria Gram-positiva, pode causar pneumonia e
ocasionalmente lesões no sistema nervoso central, incluindo múltiplos abscessos. Pode ser
confundida com Streptococcus sp. na coloração pelo Gram, com micobactérias, pois são
BAAR positivas, e com fungos, devido à formação de pseudo-hifas. Outras espécies podem
ser encontradas incluindo N. brasiliensis e N. caviae. O quadro clínico varia de infecções
inaparentes até doença pulmonar e sistêmica fulminante. Os pulmões são o sítio inicial de
infecção na grande maioria dos pacientes, e o local de contaminação metastática mais
freqüente é o cérebro, com formação de abscessos.
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Alguns grupos de pacientes imunossuprimidos apresentam alto risco de pneumonia
por Pneumocystis carinii, entre eles crianças com leucemia linfóide aguda, linfomas não-
Hodgkin agressivos tratados com corticosteróides e receptores de transplante de medula
óssea. Os sintomas mais comuns são dispnéia, febre e tosse não produtiva. No exame físico
do tórax são pouco freqüentes os sinais de consolidação. A radiografia do tórax revela
infiltrado intersticial difuso bilateral, geralmente iniciando-se na região peri-hilar. O
diagnóstico necessita de alto índice de suspeição, e pode ser feito por lavado bronco-
alveolar. É recomendado que os doentes sejam isolados pelo menos durante os três
primeiros dias de tratamento e a lavagem das mãos deve obviamente ser empregada. Nestes
pacientes de alto risco está indicada a profilaxia com trimetoprim-sulfametoxazol que pode
ser feita com esquema de duas tomadas diárias ou com cursos de dois dias por semana na
dose de 150 mg/m2/dia de trimetoprim para ambos os esquemas. Deve-se tomar cuidado
com o uso concomitante de antagonistas do folato (methotrexate), devido aos riscos de
neutropenia. As reações adversas à droga são menos comuns nesta população do que nos
pacientes com a síndrome de imunodeficiência adquirida.
Meningite e outros tipos de infecção do sistema nervoso central pode ser causada
por Listeria monocytogenes, um bacilo Gram-positivo, determinando duas síndromes
distintas: a) sem os sinais típicos de meningite, embora o organismo possa ser isolado do
líquido cefalorraquidiano; e b) os pacientes apresentam sinais mínimos como alteração de
personalidade, irritabilidade, dores de cabeça e febre baixa. A rigidez de nuca pode estar
ausente no exame físico e a punção lombar deve ser feita baseando-se apenas em suspeita
clínica num paciente imunodeprimido. O líquor mostra pleocitose com predominância de
neutrófilos (na maioria dos casos), com aumento da proteína e diminuição da glicose,
embora valores normais também possam ser encontrados.
17
Cryptococcus neoformans é um fungo ubíquo encontrado no solo e em vegetais
frescos podendo causar meningite em indivíduos normais ou imunodeprimidos. A
incidência de infecções por este fungo aumentou nos últimos anos devido à introdução de
drogas imunodepressoras e ao prolongamento da sobrevida dos pacientes com leucemias e
linfomas. O sintoma mais importante é cefaléia sem sinais de irritação meníngea ou febre.
O diagnóstico depende de alto índice de suspeita em pacientes com doenças
linfoproliferativas ou em uso crônico de corticosteróides. O organismo pode ser facilmente
visualizado na preparação com tinta nanquim ou combinada com a coloração para Gram
(cápsula gram negativa com o centro azul escuro) em 50 por cento dos casos. O teste de
aglutinação em látex para a detecção de antígenos da cápsula do Cryptococcus sp é muito
útil tanto no diagnóstico, como na monitorização do tratamento.
Dentre as infecções por parasitos, as que mais freqüentemente estão associadas aos
defeitos na imunidade celular são a giárdias e a estrongiloidíase disseminada. A
estrongiloidíase disseminada tem sido descrita em um grande número de situações clínicas
associadas com defeito na imunidade celular. Há evidências de que a freqüência de
estrongiloidíase é maior em pacientes imunodeprimidos do que na população geral. Em
pacientes com doenças malignas hematológicas a estrongiloidíase teve uma freqüência
muito acima da observada na população geral do mesmo hospital. Entretanto, a síndrome
disseminada parece ser rara. Esta síndrome é caracterizada por dor abdominal, vômitos,
diarréia, febre e infiltrado pulmonar.
6) Granulocitopenia
A maioria das infecções em pacientes com hemopatias malignas ocorre durante
períodos de neutropenia, induzida pela doença de base e/ou pelo tratamento. O
conhecimento da causa da neutropenia é de extrema importância pois pode dar uma idéia da
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duração prevista da neutropenia, e individualizar a conduta: regra geral, quanto maior a
duração da neutropenia, maiores são os riscos de complicações potencialmente fatais como
infecções por fungos e por bactérias multi-resistentes. Na Tabela 5 estão listados alguns
esquemas quimioterápicos com as durações habituais de neutropenia e outros defeitos na
imunidade presentes.
No paciente neutropênico, a freqüência de infecções aumenta quando o número
absoluto de neutrófilos cai abaixo de 1000/mm3, sendo maior ainda com número inferior a
100/mm3. Além disso, quanto maior o tempo de duração da neutropenia, maior é o risco de
infecção. Um outro fator que determina um maior ou menor risco de infecção em pacientes
neutropênicos é a velocidade com que o número de neutrófilos cai. Quanto mais rápido a
neutropenia se desenvolve, maior é o risco de infecção. Assim, pacientes com neutropenia
crônica (ex. hipoplasia medular), têm um risco menor de infecção que pacientes com queda
abrupta do número de granulócitos (ex. efeito da quimioterapia).
O paciente neutropênico tem particularidades na abordagem diagnóstica e
terapêutica por dois motivos básicos: os sinais e sintomas de infecção são discretos, muitas
vezes inexistentes e as infecções podem ser fatais. Assim, uma prática freqüente nestes
pacientes é a instituição de terapia empírica. Entretanto, para se instituir terapia empírica, é
necessário conhecer os principais patógenos que acometem estes indivíduos, e os locais
mais freqüentes de infecção.
As principais portas de entrada para infecções nos pacientes neutropênicos são pele,
trato respiratório superior e trato gastrintestinal. Os germes mais comumente isolados
variam em cada instituição, e têm mudado nos últimos anos. Na maioria dos centros dos
países do Hemisfério Norte, as bactérias Gram-positivas respondem por quase 80% das
hemoculturas positivas, e destas, o Staphylococcus coagulase-negativo e o Streptococcus
19
alfa-hemolítico são responsáveis pela maioria dos episódios. Entretanto, em grande parte
dos centros do Brasil, as bactérias Gram-negativas ainda são muito freqüentes. Os
patógenos responsáveis pelas infecções também variam de acordo com o momento da
neutropenia. Numa primeira febre, predominam as bactérias, enquanto nas superinfecções,
que ocorrem num período mais tardio (após cinco a sete dias de antibioticoterapia), os
fungos predominam. O prognóstico destas infecções também difere, sendo pior nas
superinfecções.
6.1 – Terapia empírica no paciente neutropênico
A conduta mais importante na avaliação inicial do paciente neutropênico que
desenvolve febre consiste na instituição imediata (em menos de uma hora) de um esquema
antibiótico empírico. Este conceito baseia-se em três observações epidemiológicas
importantes: a escassez de sinais e sintomas de infecção, a correlação entre o grau de
neutropenia e o desenvolvimento de infecção e a gravidade e a rapidez com que estas
infecções podem ser fatais (20% nas primeiras 12 horas, 50% em dois dias). Assim, cada
centro deve ter a sua definição de febre e neutropenia, e instituir terapia empírica. Em geral
febre é definida como um pico de temperatura axilar igual ou superior a 38o C e
neutropenia como uma contagem de granulócitos menor que 500/mm3. Entretanto,
contagem entre 500 e 1000/mm3 (ou mesmo acima de 1000/mm3) mas com expectativa de
queda abaixo de 500/mm3 nas 24-48 horas subseqüentes devem ser consideradas
neutropenia.
a) Avaliação inicial
No paciente neutropênico febril, a história deve ser focada em aspectos
epidemiológicos, como hospitalização prévia (aumenta o risco de infecção), episódios
prévios de febre e neutropenia (algumas infecções necessitam de profilaxia secundária,
20
como por exemplo, aspergilose), colonização prévia por germes resistentes, quimioterapia
usada (determinados esquemas de quimioterapia aumentam o risco de infecções específicas
- ex. citarabina em doses altas predispõe a bacteremia por Streptococcus alfa hemolítico), e
exposição a patógenos (indivíduos com viroses respiratórias, tuberculose, varicela). No
exame físico deve-se valorizar sempre 3 sinais: febre, dor e eritema. Na Tabela 6 listamos
os critérios diagnósticos de diversas infecções no paciente neutropênico.
Após o exame físico, devem-se colher dois “sets” de hemoculturas, com intervalo
de 5 a 10 minutos. Um “set” significa a colheita de 10 a 20 ml sangue de um sítio, seja
periférico ou de cateter. Um dos sítios de colheita deve ser uma veia periférica, mas caso o
paciente tenha acesso venoso difícil, pode-se colher só do cateter. Um novo “set” de
hemoculturas deve ser colhido se surgir nova febre durante o episódio de neutropenia.
b) Estratégias de antimicrobianos
b1) O esquema inicial. O objetivo da terapia antibiótica empírica é evitar o óbito
nas primeiras 48-72 horas, até que os resultados das culturas estejam disponíveis. Com
exceção de alguns casos de bacteremia por Streptococcus alfa-hemolítico, as bactérias
Gram-negativas são aquelas que podem causar morte precoce. Assim, o esquema empírico
deve ser voltado para a cobertura a estes germes. Embora antibióticos sem atividade contra
a Pseudomonas aeruginosa possam ser usados, deve-se ter certeza de que este germe é raro
na instituição. Caso contrário, é mais prudente iniciar com um antibiótico com cobertura
para Pseudomonas aeruginosa. Pode-se iniciar com uma combinação de um betalactâmico
com um aminoglicosídeo, mas a tendência atual é iniciar com apenas um antibiótico. Os
betalactâmicos mais usados na terapia empírica de pacientes neutropênicos são:
ceftazidima, cefepima, imipenem, meropenem, piperacilina-tazobactam a ticarcilina-
clavulanato. Na Tabela 7 estão listados os principais antibióticos usados em monoterapia.
21
Há duas situações em que a monoterapia não é recomendável: se o paciente tiver
mucosite grave ou sintomas de abscesso perianal (dor perianal), deve-se acrescentar
metronidazol (500 mg IV de 6/6 horas), a não ser que imipenem ou meropenem foi o
antibiótico escolhido. Se o paciente estiver hipotenso ou apresentar sinais de infecção de
cateter, deve-se acrescentar um glicopeptídeo (vancomicina 500 mg IV de 6/6 horas ou
teicoplanina 7 mg/kg/dia IV).
b2) Modificações no esquema empírico. Após o início do esquema empírico, o
paciente deve ser avaliado diariamente. Entretanto, modificar o esquema precocemente só
porque o paciente permanece febril é pouco produtivo. Em geral, a febre tende a
desaparecer após quatro dias nos pacientes sem documentação de infecção e mais tarde se
houver documentação (cinco dias em bacteremias e mais de seis em infecções clinicamente
documentadas). Em geral, após três a quatro dias de antibióticos, colhe-se novo “set” de
hemoculturas, avalia-se o resultado das culturas obtidas no primeiro dia e decide-se se
alguma modificação no esquema é necessária. Na Tabela 8 listamos as principais
modificações no esquema empírico.
Pacientes que persistem febris após uma semana de antibióticos e têm expectativa
de duração longa de neutropenia têm alto risco de desenvolver infecções fúngicas. Nesse
caso, deve-se usar um antifúngico empiricamente. Até pouco tempo, a droga de escolha era
a anfotericina B (0,5 mg/kg/dia IV). Entretanto, estudos randomizados publicados nos
últimos anos mostram que outras opções são menos tóxicas e/ou mais eficazes. Se o risco
de infecção por fungos filamentosos é rara (expectativa de neutropenia profunda < 14 dias),
o fluconazol (400 mg/dia) é uma excelente opção. Caso contrário, uma preparação lipídica
de anfotericina B (em lipossoma ou em complexo lipídico) é menos tóxica e possivelmente
mais eficaz que a anfotericina B em desoxicolato. A principal limitação destas preparações
22
é o alto custo. Outra opção é o uso de voriconazol, um agente azólico com excelente
atividade contra vários fungos incluindo Candida e Aspergillus.
Ao final do episódio de febre e neutropenia o episódio é classificado em uma das
seguintes categorias: infecção clinicamente documentada, infecção microbiologicamente
documentada com bacteremia, infecção microbiologicamente documentada sem bacteremia
e febre de origem obscura, se não houve nenhuma documentação. Em geral, as infecções
documentadas têm pior prognóstico.
b3) Suspensão do esquema antimicrobiano. A suspensão do esquema
antimicrobiano depende de dois fatores: se houve recuperação medular e se houve
documentação de infecção. Se não houve documentação, o esquema é suspenso quando a
contagem de neutrófilos ultrapassar 500/mm3, mesmo que o paciente continue febril. Nesta
situação, como o paciente tem granulócitos, é seguro suspender os antimicrobianos, e
investigar a causa da febre (as causas mais freqüentes de febre persistente ou recorrente
após recuperação medular são infecção fúngica e infecção relacionada a cateteres). Se o
paciente continua neutropênico e febril, deve-se manter ou modificar o esquema (Tabela 8).
Se o paciente continua neutropênico e afebril, pode-se suspender o esquema se o paciente
está afebril há cinco a sete dias, desde que esteja bem, sem evidências de infecção ou
mucosite. Neste caso, deve-se monitorizar o paciente, e o esquema antimicrobiano deve ser
reiniciado prontamente caso apresente nova febre. Outra conduta é manter o esquema até
que a contagem de neutrófilos ultrapasse 500/mm3. Esta tática é mais segura, mas pode
aumentar o risco de toxicidade por drogas e superinfecção bacteriana e fúngica.
Se houve documentação de infecção, o esquema deve ser mantido pelo menos pelo
tempo necessário para o tratamento da infecção documentada (por exemplo, 14 dias para
bacteremias por Staphylococcus aureus e 10 dias para bacteremias por enterobactérias). No
23
caso de infecção fúngica documentada, o tratamento deve se prolongar até a resolução de
sinais e sintomas da infecção. O mesmo se aplica para as infecções clinicamente
documentadas.
b4) Situações especiais. Recentemente tem-se investigado a eficácia e segurança de
se administrar antibióticos por via oral a pacientes de baixo risco. São considerados
pacientes de baixo risco aqueles que não apresentam co-morbidades (mucosite, infecção
documentada, insuficiência de órgãos), têm bom estado geral, e têm expectativa de duração
de neutropenia curta. Não há indicadores precisos de duração curta de neutropenia, mas
pacientes com neutrófilos >100/mm3, monocitose, plaquetas >75.000/mm3, neoplasia em
remissão, ou que tenha passado mais de 10 dias do início da quimioterapia, são aqueles que
tendem a apresentar neutropenia de duração curta. Nessa situação é seguro administrar uma
combinação de uma quinolona com uma penicilina. Ciprofloxacina (750 mg duas vezes ao
dia) com amoxacilina/clavulanato (625 mg três vezes ao dia) é o regime mais testado. O
tratamento ambulatorial de febre e neutropenia com estes antibióticos é possível, embora a
sua segurança ainda não esteja definida.
6.2 – Infecções fúngicas no paciente neutropênico
a) Candidíase
a1) Candidemia. As espécies de Candida são responsáveis pela maioria das
infecções fúngicas em pacientes neutropênicos. Enquanto anteriormente a Candida
albicans era a espécie mais freqüente, atualmente as espécies não-albicans são tão ou mais
freqüentes, especialmente a Candida tropicalis, Candida parapsilosis, Candida glabrata e
Candida krusei. Estas duas têm seu aumento atribuído ao menos parcialmente ao uso
profilático de fluconazol.
a2) Candidíase disseminada aguda. A candidemia pode ser a única manifestação
24
da infecção, ou estar associada a infecção em órgãos como os rins, fígado, baço, etc.. Na
candidíase disseminada aguda pode haver candidemia persistente, hipotensão e falência
múltipla de órgãos. Em torno de 8 a 10% dos casos o paciente apresenta lesões cutâneas
papulares ou nodulares. A biópsia de uma das lesões pode ser muito útil para o diagnóstico.
a3) Candidíase disseminada crônica. Esta síndrome, também chamada candidíase
hepatoesplênica crônica, se manifesta por febre persistente a despeito de recuperação
medular, elevação na fosfatase alcalina e lesões no fígado, baço, e em alguns casos, os rins.
Estas lesões, identificadas por ultra-sonografia ou tomografia computadorizada, aparecem
quando o número de neutrófilos se normaliza. A doença tem um curso crônico e é de difícil
tratamento. Recentemente foi demonstrado que pacientes que tenham apresentado
candidíase disseminada crônica durante tratamento quimioterápico podem ser submetidas a
transplante de medula óssea sem problemas.
b) Aspergilose invasiva
A aspergilose invasiva é a segunda infecção fúngica mais comum em pacientes
neutropênicos, e a principal causa de óbito por infecção em pacientes submetidos a
transplante de medula óssea. Além disso, é a causa mais freqüente de pneumonia
nosocomial em unidades de transplante de medula óssea. Aspergillus fumigatus e
Aspergillus flavus são as espécies mais freqüentemente envolvidas nestas infecções. A
aspergilose é adquirida através da inalação de esporos de fungos, presentes no ambiente, e
vários surtos de infecção nosocomial foram descritos. Recentemente foi descrito outro
reservatório hospitalar de Aspergillus – a água. A aspergilose pulmonar invasiva é a forma
mais freqüente de aspergilose em pacientes transplantados, seguido da sinusite. Raramente
a hemocultura é positiva.
b1) Aspergilose pulmonar invasiva. A manifestação mais precoce é febre não
25
responsiva a antibióticos. Manifestações clínicas de tosse, escarro e infiltrados pulmonares
consumam não estar presentes no início da doença. Os sinais mais precoces ocorrem
quando o paciente ainda está neutropênico, e consistem em dor torácica tipo pleurítica e
tosse seca. Nesta época, a tomografia computadorizada de tórax pode mostrar o sinal do
halo, que é bastante característico e quase diagnóstico. Trata-se de um halo acinzentado que
envolve o nódulo, e corresponde a uma área de edema e hemorragia. À medida que a
doença evolui, a freqüência do aparecimento do sinal do halo vai diminuindo. Portanto, a
realização de tomografia computadorizada precoce, rotineira e seriada aumenta a chance de
se fazer o diagnóstico, e pode tem um impacto favorável na sobrevida.
b2) Sinusite. A sinusite por Aspergillus não difere da sinusite por outros fungos,
como Mucor e Fusarium sp.. As principais manifestações são febre persistente, rinorréia,
epistaxe e eritema na asa do nariz. O Aspergillus flavus é a espécie mais freqüente.
b3) Outras formas. Alguns pacientes apresentam disseminação da aspergilose de
um sítio primário, por exemplo, os pulmões, para o cérebro. A manifestação clínica mais
freqüente é o aparecimento de sinais neurológicos motores focais. As lesões cutâneas são
raras, mas quando aparecem tomam a forma de nódulos subcutâneos, que freqüentemente
evoluem com necrose central.
c) Outras infecções
Além de Candida e Aspergillus, uma série de outros fungos podem causar infecções
em pacientes neutropênicos. Fungos que anteriormente eram considerados contaminantes
de laboratório hoje são causa importante de infecção sistêmica, em geral com alta
mortalidade. É o caso do Fusarium sp.. A infecção sistêmica por Fusarium caracteriza-se
por febre e o aparecimento precoce de nódulos cutâneos dolorosos (em 50 a 70% dos
casos). Pneumonia e sinusite são também freqüentes, e as manifestações clínicas são
26
indistintas das infecções causadas por Aspergillus.
As infecções pelos agentes da mucormicose não são muito freqüentes em pacientes
neutropênicos. A sinusite (forma rinocerebral) é a manifestação clínica mais comum. Outra
infecção que merece destaque é aquela causada por Trichosporon sp.. As manifestações
clínicas são muito parecidas às das infecções sistêmicas causadas por Candida.
6.3 - Profilaxia de infecções no paciente neutropênico
a) Profilaxia antibacteriana
Diferente da terapia antibiótica empírica, onde o antibiótico é admimistrado quando
o paciente neutropênico desenvolve febre, na profilaxia o antibiótico é administrado
enquanto o paciente está afebril. Os objetivos também são diferentes: na terapia antibiótica
empírica o objetivo é impedir o óbito precoce associado a bacteremia, geralmente por
Gram-negativos; na profilaxia, o objetivo é impedir que o paciente desenvolva febre, ou
uma infecção bacteriana. Nos últimos 15 anos tanto o sulfametoxazol-trimetoprim quanto
as quinolonas foram testadas em estudos controlados. Embora tenha havido redução na
freqüência de infecções documentadas, especialmente bacteremias por Gram-negativos,
com os dois agentes houve o surgimento de infecções por bactérias resistentes. Como não
houve nenhum impacto na sobrevida, o uso destes agentes na profilaxia antibacteriana tem
sido abandonado, e não é recomendado atualmente.
Além do uso de antibióticos, medidas gerais têm sido empregadas para prevenir
infecções bacterianas. A maioria destas medidas não foram estudas de forma prospectiva
para avaliar sua real eficácia. Nesta categoria estão os bochechos com soluções anti-séptica
e dieta com baixo conteúdo microbiano. Por outro lado, práticas de isolamento, como o
isolamento reverso, não se mostraram superiores, comparado com orientações para a
lavagem de mãos. Assim, o uso de máscaras, capotes e luvas, embora de prática muito
27
freqüente em unidades de hematologia e transplante de medula óssea, não trazem
benefícios reais.
b) Profilaxia antifúngica
Diferente das infecções bacterianas, onde a mortalidade é baixa graças à terapia
antibiótica empírica, as infecções fúngicas têm mortalidade alta. Na candidíase sistêmica a
mortalidade chega a 60%, e na aspergilose até 80% dos pacientes morrem. Embora a
redução na freqüência de infecções fúngicas invasivas que ocorre com a terapia antifúngica
empírica tenha impacto em reduzir a mortalidade, estas infecções ainda ocorrem, mesmo
durante a terapia antifúngica empírica. Assim, medidas profiláticas são necessárias.
Entretanto, embora um número razoável de estudos tenha sido desenvolvido, poucas
recomendações podem ser feitas. A profilaxia antifúngica com poliênicos orais (nistatina ou
anfotericina B) não tem nenhum impacto em reduzir o risco de infecções sistêmicas. O
mesmo se aplica ao uso de doses baixas de anfotericina B venosa, ou à administração de
anfotericina B em spray nasal. A profilaxia antifúngica está recomendada para as seguintes
situações: transplante alogênico de medula óssea – fluconazol oral ou venoso, em doses de
400 mg uma vez ao dia ou mais ou itraconazol solução oral na dose de 2,5 mg/kg duas
vezes ao dia; transplante de autólogo de células progenitoras do sangue periférico –
considera-se que se o paciente recebe G-CSF após o transplante, o risco de infecção fúngica
é muito pequeno, não havendo necessidade de profilaxia. Entretanto, se não for usado o G-
CSF, a profilaxia está indicada com as mesmas drogas e dosagens anteriores; indução de
remissão de leucemia mielóide aguda – fluconazol oral ou venoso e itraconazol solução
oral ou em cápsulas (200 mg/dia) são eficazes. Deve-se salientar que o único agente que
potencialmente pode prevenir aspergilose invasiva é o itraconazol em solução oral. Novos
28
azólicos estão em desenvolvimento (voriconazol e posaconazol), e poderão se mostrar
eficazes na prevenção de infecções fúngicas em pacientes neutropênicos.
Outra medida que pode prevenir aspergilose invasiva é a instalação de quartos com
filtros de alta eficiência (HEPA), preferencialmente com pressão positiva no quarto, para
evitar a entrada de ar quando a porta do quarto é aberta. O problema desta medida é que ela
não previne todos os casos de aspergilose, uma vez que, especialmente no transplante
alogênico, uma considerável proporção de casos ocorre após a alta do paciente.
c) Profilaxia antiviral
A infecção viral mais freqüente no período de neutropenia é a estomatite causada
pelo vírus Herpes simplex. A reativação após indução de remissão de leucemia mielóide
aguda e após transplante de medula óssea é bastante freqüente, justificando o uso
profilático de aciclovir, na dose de 250 mg/m2 de 8/8 horas ou 125 mg/m2 de 6/6 horas.
d) Uso de citocinas
Os agentes disponíveis atualmente são o G-CSF (fator estimulador de colônias de
granulócitos) e o GM-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos e monócitos).
Estes agentes agem não só abreviando o período de neutropenia mas também aumentando a
ação microbicida das células existentes. Nos últimos anos foram publicados vários
trabalhos estudando a utilidade destes agentes. Pode-se usá-los para profilaxia primária (uso
antes da ocorrência de neutropenia em pacientes que receberam quimioterapia) ou
secundária (uso em pacientes que tenham experimentado episódios prévios de neutropenia
com esquema de quimioterapia similar). Na profilaxia primária está indicado nas seguintes
situações: paciente que vai desenvolver neutropenia após receber quimioterapia que tem
habitualmente potencial de causar febre e neutropenia em pelo menos 40% dos ciclos;
pacientes que já estejam neutropênicos por infiltração neoplásica da medula óssea, ou que
29
tenham recebido radioterapia em áreas com grande quantidade de medula óssea (por
exemplo, na pelve); pacientes com situações que potencialmente podem aumentar o risco
de infecção (feridas abertas, infecção ativa, etc.).
30
Tabela 1: Condições que comprometem os mecanismos de defesa
Pele e mucosas Opsonização Imunidade celular Fagocitose
Leucemia ++ + + +++
Linfoma + + +++ +
Mieloma múltiplo - +++ + +
Tumor sólido ++ + ++ +
Uso de
corticosteróides
- - +++ +
Quimioterapia +++ + +++ +++
Anemia falciforme - +++ + -
Diabetes + - + +
Insuficiência renal
crônica
++ - + +
Queimadura +++ - - +
Uso de cateteres +++ - - -
Desnutrição + +/- +++ +
Alcoolismo + + + +
Recém-nato
prematuro
+/++ +++ ++ +
Pacientes em UTI,
pós-operatório
++ - + +
31
Tabela 2: Relação entre o tipo de imunodeficiência e infecção
Pele e mucosas Opsonização Imunidade celular Fagocitose
Bactérias gram-positivas +++ + + +++
Bactérias gram-negativas + + + +++
Bactérias encapsuladas + +++ + +
Candidíase muco-cutânea + - +++ +
Candidíase sistêmica + - - +++
Aspergilose - - + +++
Vírus + + +++ ++
Pneumocistose - - +++ -
32
Tabela 3: Efeito do tratamento no risco de infecção em mieloma múltiplo
Tratamento Pele e mucosas Opsonização Imunidade
celular
Fagocitose
Nenhum - +++ - +/-
Melfalan + prednisona - +++ +/- +/-
VAD ++ +++ +++ +
Dexametasona - +++ +++ +/-
Transplante autólogo +++ +++ +++ +++
VAD - Vincristina + Adriblastina + Dexametasona
33
Tabela 4: Infecções associadas a terapias específicas
Doença Tratamento Infecção
Leucemia linfocítica crônica Fludarabina Listeriose
Linfoma não-Hodgkin ProMACE-CytaBOM Pneumocistose
Leucemia aguda Citarabina em dose alta Sepse por Streptococcus viridans
Câncer Interleucina 2 Bacteremia por gram-positivos
Leucemia mielóide aguda ICE Tiflite, infecção fúngica
ICE - Idarrubicina + Citarabina + Etoposide
34
Tabela 5: Esquemas de quimioterapia e duração de neutropenia
Doença Tratamento Duração da
neutropenia (dias)
Fatores de risco adicionais
LMA Indução 7/3 20 a 30 Mucosite, cateter
LMA Intensificação com
citarabina em dose alta
10 a 15 Mucosite, cateter
LLA Indução de remissão 15 a 40 Corticóide; neutropenia não
muito intensa
LNH
agressivo
CHOP 2 a 7 Corticóide
LNH
agressivo
Esquemas de segunda
linha
5 a 15 Corticóide, mucosite
LNH baixo
grau
COP 0 a 5 Corticóide
LNH
pediátrico
Vários esquemas 2 a 7 Corticóide, mucosite, cateter
DH ABVD 2 a 5
Mieloma VAD 2 a 5 Corticóide
Várias Transplante alogênico 20 a 30 Corticóide, ciclosporina,
mucosite, cateter, GVHD
Várias Transplante autólogo 5 a 15 Mucosite, cateter
LMA - leucemia mielóide aguda; 7/3 - citarabina (7 dias) + daunoblastina (3 dias); LLA -
leuemia linfóide aguda; LNH - linfoma não-Hodgkin; CHOP - ciclofosfamida, adriblastina,
35
vincristina e prednisona; COP - ciclofosfamida, vincristina, prednisona; DH - doença de
Hodgkin; ABVD - adriblastina, bleomicina, vinblastina e dacarbazina; VAD - vincristina,
adriblastina, dexametasona; GVHD - doença do enxerto contra o hospedeiro
36
Tabela 6: Manifestações clínicas de infecções em pacientes neutropênicos
Infecção Manifestações clínicas
Periodontite Placas dentárias, eritema na gengiva adjacente, dor à mastigação,
edema facial
Amigdalite/faringite Odinofagia, adenopatia satélite dolorosa, eritema, com ou sem
exsudação esbranquiçada
Mucosite Eritema com ou sem ulceração na mucosa oral, úlceras
esbranquiçadas ou eritematosas, dor; odinofagia. Distinção de
infecção concomitante por herpes simplex só é possível com
cultura
Gengivite necrotizante Eritema, edema, dor na gengiva, halitose
Sinusite Cefaléia, dor facial, secreção nasal mucóide, epistaxe unilateral,
crosta hemática, eritema na asa do nariz, ulceração no palato. Rx –
pouco útil. TC – mandatório (edema, opacificação, destruição
óssea). No período inicial da febre e neutropenia: bactérias (P.
aeruginosa, germes encapsulados); após alguns dias de febre e
neutropenia: fungos (Aspergillus, Mucor, Fusarium).
Otite Dor com ou sem secreção
Celulite Eritema, dor, edema, áreas mal-delimitadas
Ectima gangrenoso Pápula eritematosa com necrose central
Flebite Eritema e dor em local de punção venosa
Infecção no local de
saída de cateter
Eritema, dor, com ou sem secreção
37
Infecção no túnel do
cateter
Dor com ou sem eritema no túnel
Infecção em "port" Dor com ou sem eritema em local de "port"
Infecção fúngica
metastática na pele
Eritema, nódulo, necrose central, mialgias. Patógenos: Fusarium
sp., Candida sp., Trichosporon beigelii
Pneumonia Período inicial: bactérias - febre, tosse, dispnéia, estertores,
infiltrados inespecíficos. Todos estes sinais podem estar ausentes.
TC - infiltrado.
Após alguns dias de febre + neutropenia: fungos (Aspergillus,
Mucor, Fusarium). Febre, tosse, dor torácica. Rx normal. TC -
sinal do "halo" (precoce, específico), sinal do "crescente de ar"
(tardio), infiltrados sub-pleurais (imagem triangular com base
voltada para a pleura).
Esofagite Odinofagia, dor retroesternal (Candida sp., herpes, bactérias Gram-
positivas)
Tiflite (enterocolite do
neutropênico)
Febre e dor abdominal (difusa, flanco ou fossa ilíaca direita), sinais
de irritação peritoneal, diarréia (ou não). Espessamento de alças
(ultra-sonografia)
Abscesso perianal Febre e dor à evacuação. Pode ou não haver enduração na região
perianal. Toque retal é contra-indicado
38
Tabela 7: Antibióticos Usados em Monoterapia Empírica em Pacientes Neutropênicos
Antibiótico Gram + Gram - Anaeróbio Dose (adulto)
Ceftazidima ± + - 2 g de 8/8h
Cefepima + + - 2 g de 8/8h
Cefpiroma + + - 2 g de 12/12h
Piperacilina/tazobactam + + + 3,37 g de 6/6h
Ticarcilina/clavulanato + + + 3,1 g de 4/4 ou 6/6h
Imipenem + + + 500 mg de 6/6h
Meropenem + + + 1g de 8/8h
Ciprofloxacina ± + - 400 mg de 12/12h
Levofloxacina + + - 500 mg/dia
Trovafloxacina + + + 300 mg/dia
Ofloxacina ± + - 400 mg de 12/12h
39
Tabela 8: Modificações no esquema empírico
Modificação Situação
Trocar betalactâmico Infecção documentada por germe resistente; choque; tiflite; piora
clínica
Associar glicopeptídeo Choque; infecção em cateter; infecção documentada por germe
resistente; Gram-positivo na hemocultura ainda sem antibiograma
Anti-anaeróbico Mucosite grave; gengivite necrotizante; dor perianal
Antifúngico Febre persistente e sem causa, após 5 a 7 dias de antibiótico;
infiltrado pulmonar localizado; sinusite; lesões cutâneas
nodulares
Aminoglicosídeo Infecção documentada por Gram-negativo e o paciente continua
com febre
40
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