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57 Braz J Periodontol - December 2015 - volume 25 - issue 04 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 INFLUÊNCIA DO TRATAMENTO DA FIBROMATOSE GENGIVAL HEREDITÁRIA NA QUALIDADE DE VIDA Influence of hereditary gingival fibromatosis treatment on quality of life Guilherme Nunes de Carvalho¹, Viviane Coelho Dourado² ¹ Cirurgião-dentista pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) ² Professora assistente de Periodontia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) Recebimento: 18/03/15 - Correção: 23/06/15 - Aceite: 11/09/15 RESUMO Introdução: O termo qualidade de vida em saúde é relacionado ao valor atribuído à vida de um indivíduo, quando influenciada por uma doença, seus agravos ou tratamento. A Fibromatose Gengival Hereditária (FGH) é uma doença rara que afeta 1 a cada 750.000 pessoas, caracterizada pelo crescimento da gengiva marginal, gengiva inserida e papilas interdentais, causando problemas estéticos e funcionais e maior propensão a lesões de cáries e doenças periodontais, o que pode interferir na qualidade de vida de seu portador. O objetivo desse estudo é avaliar de que forma o tratamento cirúrgico aliado à adequação do meio bucal e um rigoroso programa de higiene oral, em um paciente com Fibromatose Gengival Hereditária, pode ajudar na melhoria de sua qualidade de vida, apontando os desafios do tratamento. Materiais e Métodos: Trata-se de um relato de caso clínico com coleta de dados através de fotos das cirurgias executadas, além da análise do prontuário com a anamnese e de um questionário de satisfação preenchido pelo paciente ao fim do tratamento. Resultados: O paciente do sexo masculino, 18 anos, foi diagnosticado com FGH e teve seu tratamento realizado através de instruções de higiene bucal, adequação do meio e cirurgia de gengivectomia e gengivoplastia. Houve melhora na fala, respiração, mastigação, estética e na autoestima do paciente. Conclusão: Um tratamento bem planejado e bem realizado é capaz de melhorar a qualidade de vida do paciente com FGH. Fatores como o tempo de recidiva e localização de feixes nervosos e sanguíneos, podem ser desafiadores ao tratamento. UNITERMOS: Fibromatose gengival; Hiperplasia gengival; Gengivectomia. R Periodontia 2015; 25: 57-63. INTRODUÇÃO A qualidade de vida de uma pessoa é algo subjetivo e individual e pode ter diversos sentidos a depender do ponto de vista. Em saúde, esse conceito se relaciona com o valor atribuído à vida de um indivíduo, considerando as condições físicas, psicológicas, funções sociais e oportunidades, influenciados pela doença, agravos ou tratamento (Minayo et al.,2000) . No âmbito das relações interpessoais, a estética sempre teve papel importante na sociedade, sendo o sorriso o principal fator influenciador na aparência facial. É graças a isso que a grande maioria dos pacientes procuram o tratamento odontológico com motivação principalmente estética (Reis, 2006; Censi et al.,2014). A reabilitação do sorriso de um paciente deve ser realizada não apenas considerando as características morfológicas dos dentes, mas também suas características faciais e do tecido mole, devendo haver harmonia entre dentes e periodonto. A arquitetura gengival, invasão do espaço biológico, assimetria da gengiva e excesso de tecido gengival sobre a coroa podem ter influência negativa na estética do sorriso (Bertolini, 2013; Polack&Mahn, 2013; Censi et al.,2014).

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INFLUÊNCIA DO TRATAMENTO DA FIBROMATOSE GENGIVAL HEREDITÁRIA NA QUALIDADE DE VIDA Influence of hereditary gingival fibromatosis treatment on quality of life

Guilherme Nunes de Carvalho¹, Viviane Coelho Dourado²

¹ Cirurgião-dentista pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)

² Professora assistente de Periodontia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)

Recebimento: 18/03/15 - Correção: 23/06/15 - Aceite: 11/09/15

RESUMO

Introdução: O termo qualidade de vida em saúde é relacionado ao valor atribuído à vida de um indivíduo, quando influenciada por uma doença, seus agravos ou tratamento. A Fibromatose Gengival Hereditária (FGH) é uma doença rara que afeta 1 a cada 750.000 pessoas, caracterizada pelo crescimento da gengiva marginal, gengiva inserida e papilas interdentais, causando problemas estéticos e funcionais e maior propensão a lesões de cáries e doenças periodontais, o que pode interferir na qualidade de vida de seu portador. O objetivo desse estudo é avaliar de que forma o tratamento cirúrgico aliado à adequação do meio bucal e um rigoroso programa de higiene oral, em um paciente com Fibromatose Gengival Hereditária, pode ajudar na melhoria de sua qualidade de vida, apontando os desafios do tratamento.

Materiais e Métodos: Trata-se de um relato de caso clínico com coleta de dados através de fotos das cirurgias executadas, além da análise do prontuário com a anamnese e de um questionário de satisfação preenchido pelo paciente ao fim do tratamento.

Resultados: O paciente do sexo masculino, 18 anos, foi diagnosticado com FGH e teve seu tratamento realizado através de instruções de higiene bucal, adequação do meio e cirurgia de gengivectomia e gengivoplastia. Houve melhora na fala, respiração, mastigação, estética e na autoestima do paciente.

Conclusão: Um tratamento bem planejado e bem realizado é capaz de melhorar a qualidade de vida do paciente com FGH. Fatores como o tempo de recidiva e localização de feixes nervosos e sanguíneos, podem ser desafiadores ao tratamento.

UNITERMOS: Fibromatose gengival; Hiperplasia gengival; Gengivectomia. R Periodontia 2015; 25: 57-63.

INTRODUÇÃO

A qualidade de vida de uma pessoa é algo subjetivo e individual e pode ter diversos sentidos a depender do ponto de vista. Em saúde, esse conceito se relaciona com o valor atribuído à vida de um indivíduo, considerando as condições físicas, psicológicas, funções sociais e oportunidades, influenciados pela doença, agravos ou tratamento (Minayo et al.,2000).

No âmbito das relações interpessoais, a estética sempre teve papel importante na sociedade, sendo o sorriso o principal fator influenciador na aparência facial. É graças

a isso que a grande maioria dos pacientes procuram o tratamento odontológico com motivação principalmente estética (Reis, 2006; Censi et al.,2014).

A reabilitação do sorriso de um paciente deve ser realizada não apenas considerando as características morfológicas dos dentes, mas também suas características faciais e do tecido mole, devendo haver harmonia entre dentes e periodonto. A arquitetura gengival, invasão do espaço biológico, assimetria da gengiva e excesso de tecido gengival sobre a coroa podem ter influência negativa na estética do sorriso (Bertolini, 2013; Polack&Mahn, 2013; Censi et al.,2014).

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A Fibromatose Gengival Hereditária (FGH) é uma desordem genética rara – com prevalência de 1 caso para cada 750.000 pessoas – que além de exercer influência negativa na estética do sorriso, também causa problemas funcionais (Serra et al.,2007).

Essa alteração afeta homens e mulheres igualmente e se caracteriza por hiperplasia da gengiva marginal, gengiva inserida e papilas interdentais. O aumento do volume gengival pode levar ao deslocamento dentário; retenção de dentes decíduos; aparecimento de diastemas; dificuldades fonéticas; na mastigação; retardo na erupção dentária; e maior propensão a lesões de cárie e doença periodontal, devido à grande dificuldade de higienização. Dessa forma, o tratamento da FGH deve estar focado no restabelecimento estético e funcional, aliado a boas condições de saúde bucal (Serra et al., 2007; Harris et al., 2012; Aghili&Moghadam, 2013).

A FGH é também conhecida como Hiperplasia Gengival Hereditária, Fibromatose Idiopática e Hipertrofia Gengival, e é caracterizada pelo aumento fibroso do tecido gengival com consistência firme, não sangrante e assintomática. Pode apresentar-se isoladamente ou associada a diversas síndromes como a síndrome de Rutherfurd, Jones, Cross, Ramon, Zimmerman-Laband, Murray-Puretic-Drescher, entre outras. Ainda pode vir relacionada à hipertricose, epilepsia e retardo mental (Zangrandoet al., 2006; Harris et al.,2012).

O início da doença se dá em conjunto com o início da erupção da dentição permanente. O seu tratamento é cirúrgico e, depois de concluído, é comum ocorrerem reincidências do crescimento gengival, sendo necessário acompanhamento do paciente (Serra et al.,2007; Aghili&Moghadam, 2013).

A FGH possui geralmente crescimento lento e progressivo da gengiva e pode atingir as superfícies vestibulares, linguais e palatinas da maxila e mandíbula (Zangrando et al., 2008).

O aumento gengival é oriundo de uma hiperplasia não inflamatória do tecido conjuntivo. Na análise histológica, percebe-se um tecido conjuntivo denso e fibroso, com feixes colágenos grossos e alto grau de diferenciação, fibroblastos jovens e discreto infiltrado inflamatório. O epitélio apresenta-se hiperqueratinizado, espesso, com papilas alongadas e presença de acantose. Já foram descritas também pequenas partículas calcificadas, ilhas de metaplasia óssea, ulceração da mucosa de revestimento, deposição de amilóide e ilhas de epitélio odontogênico (Martelli-Junior et al., 2000; Zangrando et al., 2008; Goyal et al.,2012).

A etiologia da FGH ainda é pouco conhecida, uma vez que o processo genético de sua transmissão ainda não está completamente esclarecido. A herança da doença é predominantemente de modo autossômico dominante,

embora existam relatos na literatura de herança também no modo autossômico recessivo. A frequência fenotípica é de 1:175.000, enquanto que a frequência por genes é de 1:350.000. As mutações em determinados lócus dos genes SOS-1 e GINGF são as mais relatadas, embora existam indícios que outros genes ainda não completamente estudados também possam ter influência na manifestação da doença (Martendal, 2011; Jayachandran et al., 2013; Majumder et al., 2013).

Em seu estudo, Nibali et al. (2013) realizaram uma análise de linkage em pessoas afetadas pela FGH de uma mesma família e descobriram interferência de lócus dos cromossomos 7, 10, 13, 15, 16, 17, 19 e 20 na manifestação da doença, não sendo identificadas mutações nos genes SOS-1 e GINGF, sugerindo a influência de outros genes na doença e confirmando a heterogeneidade genética da FGH.

O diagnóstico diferencial é feito considerando outras condições em que o aumento gengival está presente. Dentre elas estão a Fibromatose Gengival Medicamentosa; Neurofibromatose; Esclerose Tuberosa; Granulomas; Hemihipertrofia Facial Congênita; Leucemia e trauma local (Serra et al., 2007; Martendal, 2011).

O tratamento envolve realização de gengivectomias e gengivoplastias, podendo haver reposicionamento apical de retalho ou não, além de um rigoroso controle da higiene bucal. Existem relatos de tratamentos mais radicais que envolvem extrações dentárias, o que neutraliza o mecanismo de crescimento gengival, deixando o tecido com uma morfologia normal, por razões ainda desconhecidas (Serra et al., 2007; Martendal, 2011).

O objetivo desse estudo é avaliar de que forma o tratamento cirúrgico aliado à adequação do meio bucal e um rigoroso programa de higiene oral, em um paciente com Fibromatose Gengival Hereditária, pode ajudar na melhoria de sua qualidade de vida, apontando os fatores desafiadores para o sucesso do tratamento.

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa é de caráter qualitativo e consiste em relato de caso clínico de um paciente com Fibromatose Gengival Hereditária, realizado na clínica odontológica da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. O paciente assinou o termo de consentimento livre e esclarecido do prontuário da universidade, que garantia consentimento na divulgação de todo material recolhido, obedecendo os aspectos éticos da resolução do CNS 466/12.

A coleta de dados se deu através das fotos realizadas durante o tratamento, da ficha clínica do paciente, e de um

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questionário de satisfação semi-aberto com seis perguntas, construído para os objetivos específicos dessa pesquisa, tomando como base, exemplos de questionários de mesma natureza presentes na literatura. O questionário foi aplicado ao paciente, após a conclusão do tratamento, para avaliar se sua queixa principal foi atendida e quais as implicações do tratamento na sua vida.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 18 anos, se apresentou à disciplina de Clínica Odontológica, no módulo de Odontologia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), queixando-se de “gengiva inchada”, dor nos dentes posteriores e dificuldade durante a respiração e no ato de deglutir e mastigar.

No exame intraoral, foi percebido grande nível de tecido gengival hiperplásico encobrindo parcialmente ou completamente todos os dentes superiores e inferiores e um grande volume gengival envolvendo a parte mais posterior do

palato, com aspecto firme, de coloração rósea e ausência de sangramento à palpação (figura1). Foram detectadas ainda, algumas lesões de cárie em molares inferiores, acúmulo de cálculo e fratura da unidade 21.

O paciente se apresentou muito tímido e introspectivo

Figura 1: Aspecto gengival inicial dos diferentes sextantes.

QUESTIONÁRIO

IDENTIFICAÇÃONOME__________________________________________IDADE______________________ SEXO ______________TELEFONE_______________________________________ENDEREÇO______________________________________DATA____________________________________________

1 - O que te incomodava quando nos procurou?

2- Você sentia vergonha dos seus dentes antes do tratamento?SIM ( ) NÃO ( )

3 - Após o tratamento odontológico/ cirúrgico que você foi submetido você sentiu alguma diferença na boca? Qual(is)?SIM ( ) NÃO ( )

4 - O que melhorou na sua vida após o tratamento na gengiva?

5 - A sua vida na escola e com amigos melhorou após o tratamento odontológico que foi submetido?SIM ( ) NÃO ( )

6 - Você aceitaria ser submetido a novas cirurgias na gengiva, caso precisasse?SIM ( ) NÃO ( )

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durante as consultas, sem esboçar muitos sorrisos e se limitando a falar somente quando lhe perguntado algo.

Durante a anamnese, o paciente relatou que o crescimento gengival foi percebido aos 8 anos e que sua mãe e irmã apresentavam situação semelhante. Uma tomada radiográfica panorâmica foi realizada e constatou-se aspecto de normalidade dos dentes e ossos gnáticos (figura 2).

Realizou-se então uma biópsia no tecido gengival e

gengivectomias e gengivoplastias (figuras 4 e 5). Nos sextantes 2 e 5 foram realizadas gengivectomias com bisel externo, seguidas de gengivoplastia; nos sextantes 1, 4 e 6 foram feitas apenas gengivectomias de bisel interno; e no sextante 3, gengivectomia de bisel interno e externo. Nos sextantes 2, 3 e 5 foi usado cimento cirúrgico para proteção das feridas e coaptação das bordas (figura 6), e nos sextantes 1, 4 e 6 foram realizadas suturas com fio de nylon.

Após as cirurgias, foram prescritos analgésicos e

Figura 4: Realização das gengivectomias.

Figura 5: Aspecto gengival logo após o fim das cirurgias, com realização de gengivoplastia nos sextantes 2 e 5.

Figura 6: Colocação de cimento cirúrgico para proteção das feridas resultantes das gengivectomias de bisel externo.

anti-inflamatórios e as orientações pós-cirúrgicas foram transmitidas ao paciente. O pós-operatório ocorreu de maneira tranquila e sem intercorrências e as feridas cirúrgicas cicatrizaram de maneira satisfatória, havendo pouco acúmulo de biofilme.

As cirurgias permitiram uma maior exposição coronária dos dentes, principalmente nos sextantes 2, 4, 5 e 6 (unidades que apresentavam maior recobrimento pelo tecido gengival), o que possibilitou a colocação de grampos para realização de restauração estética da unidade 21 fraturada e das unidades 37, 46 e 47; endodontia na unidade 36, além da melhora estética do sorriso do paciente.

Os sextantes inferiores, principalmente o sextante 5, no entanto, sofreram uma recidiva de metade do volume gengival apresentado antes do início das cirurgias, no intervalo de

Figura 2: Radiografia panorâmica demonstrando ossos e dentes em padrão de normalidade.

Figura 3: Lâmina histológica da peça gengival extraída. Em A, com aumento de 100x, é evidente o caráter fibroso do tecido conjuntivo e epitélio hiperplásico. Em B, com aumento de 400x, é possível notar acantose epitelial.

a peça foi encaminhada para um laboratório clínico para análise histopatológica. O resultado laboratorial, aliado às características clínicas confirmou o diagnóstico de Fibromatose Gengival Hereditária. Histologicamente, o tecido gengival era composto de epitélio acantótico, com projeções digitiformes invadindo o tecido conjuntivo subjacente, discreto infiltrado inflamatório e tecido conjuntivo altamente fibroso, com grande presença de fibras colágenas na lâmina própria (figura 3).

Antes de dar início às cirurgias periodontais, foi realizada

adequação do meio bucal através de procedimentos de raspagem e alisamento radicular, restauração das unidades dentais expostas que acumulavam biofilme e instruções de higiene bucal.

As cirurgias periodontais foram realizadas em todos os sextantes, sendo feitas em três sessões, através de

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QUADRO 1: RESPOSTAS DO PACIENTE AO QUESTIONÁRIO DE SATISFAÇÃO APLICADO

PERGUNTAS

RESPOSTAS MÚLTIPLA ESCOLHA

RESPOSTAS DISCURSIVAS

1. O que te incomodava quando nos procurou? -“Minha gengiva era inchada e tinha dificuldade de falar, respirar, muita dificuldade na hora de

dormir eu sufocava muito”

2. Você sentia vergonha dos seus dentes antes do tratamento?

[X] SIM [ ] NÃO

-

3. Após o tratamento odontológico/cirúrgico que você foi submetido, você sentiu alguma diferença

na boca? Qual(is)?

[X] SIM [ ] NÃO

“Minha gengiva diminuiu e os dentes cresceram”

4. O que melhorou na sua vida após o tratamento na gengiva?

-

“No falar, no mastigar, na hora de dormir e minha voz mudou bastante pra melhor. Estou

sorrindo mais, estou muito mais saldavel e bem melhor.”

5. A sua vida na escola e com amigos melhorou após o tratamento odontológico que foi

submetido?

[X] SIM [ ] NÃO

-

6. Você aceitaria ser submetido a novas cirurgias na gengiva, caso precisasse?

[X] SIM [ ] NÃO

-

apenas seis meses (figura 7). As cirurgias nos sextantes 1 e 3 reduziram significativamente

o volume gengival presente na região do palato, mas novas intervenções cirúrgicas trariam um resultado ainda mais satisfatório (figura 8).

O tratamento não ofereceu grandes dificuldades, apenas exigindo uma maior atenção nas gengivectomias realizadas no palato, considerando a presença dos vasos sanguíneos mais calibrosos e feixes nervosos na área.

O pac iente será acompanhado, in ic ia lmente trimestralmente e conforme for verificada estabilidade no

tratamento, os retornos serão semestrais e por fim, anuais. Após realizadas as cirurgias periodontais e restaurações

necessárias, foi aplicado o questionário de satisfação ao paciente.As respostas, expostas no quadro 1, revelaram; que o paciente está feliz com o resultado alcançado e se mostra disposto a novas intervenções cirúrgicas, caso haja necessidade. Seu depoimento ainda demonstrou que o tratamento ajudou na sua respiração, com a melhora do sono; na mastigação e na fonética, além de melhora na sua timidez, alegando estar sorrindo mais.

Figura 7: Aspecto gengival após 6 meses das cirurgias, sendo possível perceber recidiva nos sextantes inferiores (4, 5 e 6).

Figura 8: Aspecto do palato logo após as cirurgias dos sextantes 1 e 3 e uma semana depois, com suturas e cimento cirúrgico removidos.

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DISCUSSÃO

O paciente apresentou as características da FGH encontradas na literatura, não sendo verificada nenhuma relação sindrômica. O acompanhamento revelou uma reincidência do aumento gengival em um intervalo de 6 meses, considerado pequeno, comparado a relatos anteriores. Jayachandran et al. (2013) em seu estudo acompanharam por 2 anos uma paciente com FGH que foi tratada cirurgicamente, verificando apenas uma leve recorrência do aumento gengival no palato após 1 ano. Goyal et al. (2012) em um relato de caso, acompanharam por 1 ano uma paciente com FGH e não verificaram recidivas, assim como Majumder et al. (2013), em seu relato de caso, em uma reavaliação no período de seis meses.

A etiologia da FGH ainda não é completamente elucidada, mas já é conhecido a sua hereditariedade, sendo mais comum um modo de herança autossômico dominante - situação em que a doença é observada com mais frequência entre os familiares -, com alguns relatos de herança autossômica recessiva(Serra et al., 2007). A anamnese deste paciente sugeriu que uma condição semelhante era encontrada na mãe e na irmã, destacando o caráter hereditário da doença.

O tratamento de escolha deste trabalho foi a realização de gengivectomias, aliado a gengivoplastias quando necessário. Entre os relatos encontrados na literatura, a maioria também elegeu as gengivectomias como técnica cirúrgica. Harris et al. (2012) além de utilizarem a técnica de gengivectomia, também realizaram cirurgia com deslocamento de retalho. Jayachandran et al. (2013) optaram por realizar o tratamento apenas com cirurgia a retalho e Aghili&Moghadam (2013) não chegaram a realizar cirurgias periodontais em um relato de caso de uma garota com má-oclusão de classe II severa, por recusa dos pais da paciente. Ceccarelli-Calle et al. (2010), além de realizarem gengivectomias, complementaram o tratamento com a realização de osteotomias.

A grande maioria dos trabalhos que relataram casos clínicos de tratamento da FGH, não mostrou muita preocupação com a queixa principal do paciente, destacando apenas os efeitos do tratamento na melhoria da higienização bucal. Em oposição a isso, Harris et al. (2012) descreveram de forma muito sucinta, melhoria no processo de mastigação e relação interpessoal escolar da paciente estudada.

O emprego do questionário nesse estudo se mostra bastante relevante, pois assegura se o tratamento da doença foi eficaz em suprir as necessidades e expectativas do paciente. Isso nos faz sugerir uma mudança na visão do cirurgião-dentista, que por vezes, numa perspectiva mais curativista, se concentra na resolução patológica da doença e demonstra

pouca preocupação sobre a influência do tratamento na vida do indivíduo.

Nenhum dos estudos encontrados apresentou intercorrências no processo de cirurgias periodontais, havendo sempre pós-cirúrgicos adequados com bons resultados estéticos. Em concordância, o tratamento do paciente em questão também se deu de forma tranquila. O processo de recidiva verificado em curto espaço de tempo, apenas exigirá um maior acompanhamento para verificar a estabilidade do caso e realizar novas intervenções quando necessário.

CONCLUSÃO

De uma maneira geral, todo o processo de tratamento da Fibromatose Gengival Hereditária no paciente estudado se deu de maneira tranquila, sendo alcançado sucesso. Para isso, foi importante um diagnóstico adequado, em conjunto com uma anamnese criteriosa e um bom planejamento cirúrgico. Foi necessário também, obter um cuidado na realização das gengivectomias - principalmente na região do palato, devido às fibras nervosas e vasos sanguíneos -, assim como garantir acompanhamento do paciente para verificar a estabilização do quadro, visto que houve reincidência com curto espaço de tempo.

O tratamento, além de suprir as expectativas do paciente, foi de grande importância para o restabelecimento funcional da mastigação, fonética e respiração, além de ter ajudado no aperfeiçoamento de suas relações interpessoais.

Dessa forma, pode-se inferir que o tratamento da Fibromatose Gengival Hereditária foi capaz de melhorar a qualidade de vida.

ABSTRACT

Introduction: Quality of life in health is measured by the value that is given to an individual’s life, when influenced by a disease, grievances or treatment. The Hereditary Gingival Fibromatosis (HGF) is a rare disease that affects 1 in every 750,000 people, characterized by the growth of the marginal gingiva, attached gingiva and interdental papillae, causing aesthetic and functional problems and more prone to caries and periodontal diseases, which can interfere in the quality of life of its bearer. The aim of this study is to evaluate how the surgical treatment combined with the adequacy of the oral environment and a rigorous oral hygiene program in a patient with Hereditary Gingival Fibromatosis, can help in improving their quality of life, pointing out the challenges of the treatment.

Materials and Methods: This is a case report with

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data collection through pictures of surgeries, analyze of the patient’s medical history and a satisfaction questionnaire completed by the patient at the end of treatment.

Results: The patient, male, 18 years old, was diagnosed with HGF and his treatment was performed by oral hygiene instruction, adequacy of the oral environment, and surgeries of gingivectomy and gingivoplasty. There was improvement in speech, breathing, chewing, aesthetics and self-esteem of the patient.

Conclusion: A well-planned and well conducted treatment is able to improve the quality of life of patients

with HGF. Factors as the time to recorrence and location of nerve bundles and blood vessels, can be challenging to the treatment.

UNITERMS: Fibromatosis, gingival; Gingival hyperplasia; Gingivectomy

DECLARAÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE E FOMENTO

Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse e apoio financeiro relacionados ao presente artigo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência:

Guilherme Nunes de Carvalho

Travessa Elias Borba ,49 – Centro

CEP: 47640-000 – Santa Maria da Vitória – BA

Tel.: (77) 9109-9292

E-mail: [email protected]

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