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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO NATÁLIA MUNARO DE LEÃO INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS NA HISPÂNIA: COLONIZAÇÃO, ARQUITETURA E URBANISMO DE EMERITA AUGUSTA (SÉCULOS I A.C. AO II D.C) Porto Alegre 2015

INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS NA HISPÂNIArepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/7148/1/000467139-Texto... · Esse estudo analisa a trajetória da expansão da colonização greco-romana

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO

NATÁLIA MUNARO DE LEÃO

INFLUÊNCIAS GRECO-ROMANAS NA HISPÂNIA:

COLONIZAÇÃO, ARQUITETURA E URBANISMO DE EMERITA AUGUSTA

(SÉCULOS I A.C. AO II D.C)

Porto Alegre

2015

NATÁLIA MUNARO DE LEÃO

Influências greco-romanas na Hispânia:

Colonização, arquitetura e urbanismo de Emerita Augusta

(séculos I a.C. ao II d.C.)

Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Arno Alvarez Kern

Porto Alegre

2015

Catalogação na Publicação

D278i De Leão, Natália Munaro Influências greco-romanas na Hispânia :

colonização, arquitetura e urbanismo de Emerita Augusta (séculos I a.C. ao II d.C. / Natália Munaro de Leão. – Porto Alegre, 2015.

286 f.

Diss. (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Arno Alvarez Kern

1. Colonização Greco-Romana. 2. Romanização. 3. Arquitetura. 4. Urbanismo. 5. Emerita Augusta. 6. História. I. Kern, Arno Alvarez. II. Título.

CDD 936.603

Bibliotecária Responsável: Salete Maria Sartori, CRB 10/1363

NATÁLIA MUNARO DE LEÃO

Influências greco-romanas na Hispânia:

Colonização, arquitetura e urbanismo de Emerita Augusta

(séculos I a.C. ao II d.C.)

Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em: ______ de _______________ de __________.

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Arno Alvarez Kern (Orientador) – PUCRS

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Francisco Marshall – UFRGS

_______________________________________________________________

Profª. Drª. Margaret Marchiori Bakos – UEL

Porto Alegre

2015

Ofereço à minha família e à memória da Bel,

eterna companheira.

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente à orientação do Prof. Dr. Arno Alvarez Kern, que ao

longo de todo meu percurso acadêmico me auxiliou e incentivou continuamente ao

estudo histórico-arqueológico da Antiguidade. Assim como também acreditou sempre

em minha capacidade e em meu trabalho profissional. Considero uma grande pessoa

e intelectual, profissional por quem sinto e inspira enorme admiração e respeito a

todos, especialmente aos colegas historiadores e arqueólogos.

Sou muito grata a instituição da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior – por acreditar no desenvolvimento de estudos sobre

História Antiga no Brasil e me oferecer tal oportunidade em apoiar minha pesquisa

desde o início, através da concessão da bolsa integral para mestrado, resultando na

materialização desse trabalho. Ao Programa de Pós-Graduação em História da

PUCRS e a todos os seus funcionários, e aos colegas por oportunizarem esse

ambiente acadêmico tão produtivo e intelectual.

Aos funcionários das seguintes instituições, pela disponibilidade em ceder

documentações e informações para este estudo: Ao José María Murciano Calles do

Departamento de Documentación do Museo Nacional de Arte Romano de Mérida

(MNAR) pela referência do Consorcio de la Ciudad de Mérida para consulta de dados

arqueológicos; à dedicação e préstimo da senhora Christina Henning da Biblioteca

Römisch-Germanische Kommission (RGK) de Frankfurt, pela incansável assistência

em me fornecer material de pesquisa; à senhora Fernanda Torquato da Biblioteca de

Arqueologia de Lisboa, pela atenção em também disponibilizar material de pesquisa

a este trabalho.

À minha família, que sempre esteve ao meu lado e me apoiou integralmente

em todos os momentos de minha vida pessoal, acadêmica e profissional. Aos meus

amigos pelo companheirismo, disponibilidade e amizade.

E, finalmente, agradeço também a todas as pessoas que permaneceram ao

meu lado, ajudaram em minha pesquisa, estiveram presentes em sua construção e

apoiaram o desenvolvimento desse trabalho.

"Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit in agresti Latio."

“A Grécia capturada conquistou seu feroz dominador [Roma]

e introduziu as artes no agreste Lácio.”

Horácio, Epístolas, Livro II.

RESUMO

Esse estudo analisa a trajetória da expansão da colonização greco-romana

ocidental pelo Mediterrâneo, até chegar à Península Ibérica. Para tanto, verificou-se

a importância política-estratégica e riqueza de fonte recursal que o território hispano

oferecia, atraindo colonizadores mediterrâneos que se utilizaram da fundação de

diversas cidades coloniais para se estabelecerem pelo território peninsular. Através

deste fenômeno colonizador, das trocas comerciais e dos contatos interétnicos, as

cidades coloniais greco-romanas alcançaram grande êxito e implicaram que a

Península Ibérica sofresse um longo processo de influências culturais tanto do

helenismo como da romanização, culminando portanto, na difusão da cultura greco-

romana pela Hispânia. As antigas cidades coloniais registraram as influências greco-

romanas que permaneceram expressas via urbanismo e arquitetura, legados à

posteridade, principalmente, através de suas ruínas de monumentos e edifícios

encontrados in situ. O processo de romanização foi destacado neste estudo a partir

da análise de evidências de vestígios arqueológicos, arquitetônicos e urbanos da

capital da Província Hispana Ulterior da Lusitânia, a cidade colonial romana de

Emerita Augusta, em período do Alto Império Romano. Tais características que

compunham uma cidade colonial romana podem apontar a magnificência e influência

de uma cidade provincial em seu tempo, além de revelar a importância desta cultura

na Antiguidade e também seus reflexos em período atual.

PALAVRAS-CHAVE: Colonização greco-romana. Romanização. Urbanismo.

Arquitetura. Emerita Augusta.

ABSTRACT

This study analyzes the trajectory of expansion of Western Greco-Roman

colonization along the Mediterranean, until reaching Iberian Peninsula. Therefore, it

verified political-strategic importance and wealth of resources Hispania territory used

to offer, attracting Mediterranean colonizers who founded several colonial towns in

order to settle at the peninsular territory. Through the phenomenon of colonization,

trades and inter-ethnic contacts, Greco-Roman colonial towns have achieved great

success and led Iberian Peninsula to a long process of cultural influences by both

Hellenism and Romanization, culminating, thus, in Greek-Roman culture spreading in

Hispania. Ancient colonial towns have registered Greco-Roman influences that has

remained expressed via urbanism and architecture, legated to posterity mainly by its

ruins of monuments and buildings found in situ. Process of Romanization was

highlighted in this study based on analysis of archaeological, architectural and urban

vestiges evidence of the capital of Province of Hispana Ulterior of Lusitania – the

Roman colonial town of Emerita Augusta – during the High Roman Empire period.

Characteristics that used to comprise a Roman colonial town can show how

magnificent and influent this provincial town was then, besides revealing the

importance of that culture in antiquity and their influence to the present.

KEYWORDS: Greco-Roman colonization. Romanization. Urbanism.

Architecture. Emerita Augusta.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Península Ibérica ao longo da Segunda Guerra Púnica.................... 36

Figura 2. Províncias da Hispânia: Bética, Lusitânia e Terraconense............... 45

Figura 3. Principais vias e assentamentos urbanos da Hispânia..................... 58

Figura 4. Elementos de uma estrada ideal do Império Romano....................... 58

Figura 5. Principais estradas e cidades romanas da Lusitânia........................ 83

Figura 6. Planta original do Templo de Diana.................................................. 93

Figura 7. Planta do Teatro de Emerita Augusta e arredores............................ 104

Figura 8. Planta reconstruída do Anfiteatro de Emerita Augusta..................... 109

Figura 9. Planta original do Circo de Emerita Augusta..................................... 114

Figura 10. Alçado do segundo trecho da ponte sobre o rio Anas..................... 118

Figura 11. Reconstrução da ponte sobre o rio Anas........................................ 119

Figura 12. Planta e alçado da ponte sobre o arroio Albarregas........................ 123

Figura 13. Alçado dos restos do aqueduto de San Lázaro............................... 132

Figura 14. Alçado dos restos do aqueduto de Los Milagros............................. 135

Figura 15. Planta da Casa do Teatro ou Casa Basílica.................................... 146

Figura 16. Planta da Casa do Anfiteatro.......................................................... 148

Figura 17. Planta da Casa do Mitreo................................................................ 151

Figura 18. Comparação das colunas e suas respectivas ordens..................... 169

Figura 19. Planejamento das cidades da Magna Grécia.................................. 179

Figura 20. Modelo simples de uma planta de um castrum romano.................. 191

Figura 21. Planta de um acampamento romano típico..................................... 193

Figura 22. Planta de um acampamento romano e seus componentes............. 194

Figura 23. Ilustração de uma típica insula romana........................................... 202

Figura 24. Plano urbano ideal de uma cidade colonial romana........................ 204

Figura 25. Planta de Emerita Augusta segundo Mateos Cruz.......................... 224

Figura 26. Plano urbano de Emerita Augusta sobre o atual de Mérida............. 233

Figura 27. Planta de Emerita Augusta com suas estruturas urbanas............... 234

Figura 28. Limites aproximados do ager emeritensis por Cordero Ruiz........... 248

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................... 15 2. HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO E ROMANIZAÇÃO NA HISPÂNIA....... 25 2.1 COLONIZAÇÃO GREGA DO OCIDENTE................................................ 25 2.1.1 Motivos da colonização grega................................................................... 25 2.1.2 Interesses na colonização do Ocidente..................................................... 26 2.2 COLONIZAÇÃO ROMANA........................................................................ 30 2.2.1 As colônias gregas incidem em Roma...................................................... 30 2.2.2 Princípios da colonização romana............................................................. 31 2.3 GUERRAS PÚNICAS – REPÚBLICA....................................................... 35 2.3.1 Guerras Púnicas e o domínio do Mediterrâneo......................................... 35 2.3.2 Crise da República.................................................................................... 38 2.4 INFLUÊNCIA GREGA............................................................................... 38 2.5 SITUAÇÃO DA HISPÂNIA........................................................................ 40 2.6 DOMINAÇÃO ROMANA NA HISPÂNIA – IMPÉRIO................................. 40 2.6.1 Interesses no território hispano................................................................. 43 2.6.2 Organização territorial, provincial e administrativa.................................... 44 2.7 COLÔNIAS, A POLÍTICA DE CÉSAR E AUGUSTO................................. 49 2.8 ROMANIZAÇÃO........................................................................................ 52 2.8.1 Relações interétnicas: exército, colonos e indígenas................................ 53 2.8.2 Estradas para romanização....................................................................... 56 2.8.3 Estrutura e modelos urbanos.................................................................... 60 2.8.4 Formas urbanas........................................................................................ 64 2.8.5 Formas arquitetônicas............................................................................... 67 2.9 IMPÉRIO: PANORAMA URBANO E ARQUITETÔNICO.......................... 72 3. ARQUITETURA DA CIDADE COLONIAL ROMANA DE EMERITA AUGUSTA............................................................................................................

77

3.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA CIDADE....................................... 77 3.2 FÓRUNS: ARQUITETURA OFICIAL......................................................... 86 3.2.1 Fórum municipal........................................................................................ 86

3.2.2 Fórum provincial........................................................................................ 88 3.3 TEMPLOS................................................................................................. 90 3.3.1 Templo de Diana....................................................................................... 91 3.3.2 Templo de Marte....................................................................................... 94 3.4 EDIFÍCIOS PARA ESPETÁCULOS PÚBLICOS....................................... 95 3.4.1 Teatro........................................................................................................ 97 3.4.2 Anfiteatro................................................................................................... 106 3.4.3 Circo.......................................................................................................... 110 3.5 PONTES.................................................................................................... 116 3.5.1 Ponte sobre o rio Anas.............................................................................. 117 3.5.2 Ponte sobre o arroio Albarregas................................................................ 122 3.5.3 Ponte denominada de “Alcantarilla romana”............................................. 124 3.6 BARRAGENS E AÇUDES......................................................................... 124 3.6.1 Reservatório de Proserpina....................................................................... 125 3.6.2 Reservatório de Cornalvo.......................................................................... 126 3.7 ABASTECIMENTO DE ÁGUA................................................................... 127 3.7.1 Aqueduto Aqua Augusta............................................................................ 129 3.7.2 Aqueduto de San Lázaro........................................................................... 130 3.7.3 Aqueduto de Los Milagros......................................................................... 133 3.8 DIQUE....................................................................................................... 136 3.9 REDE DE SANEAMENTO E LATRINAS.................................................. 137 3.10 BANHOS PÚBLICOS E PRIVADOS......................................................... 138 3.10.1 Edifício termal da rua Reyes Huertas........................................................ 139 3.10.2 Termas de Alange..................................................................................... 140 3.11 CASAS E VILAS ROMANAS..................................................................... 141 3.11.1 Casa do Teatro ou Casa Basílica.............................................................. 145 3.11.2 Casa do Anfiteatro..................................................................................... 146 3.11.3 Casa do Mitreo.......................................................................................... 150 3.12 NECRÓPOLES.......................................................................................... 153 3.13 OUTROS MONUMENTOS........................................................................ 154 3.13.1 Arco de Trajano.......................................................................................... 154 3.13.2 Monumento de Santa Eulália..................................................................... 156 3.13.3 Pórtico do fórum......................................................................................... 157 3.14 MUSEU ARQUEOLÓGICO: ESCULTURAS............................................. 158 3.15 ARQUITETURA ROMANA: MATERIAIS, MÉTODOS E CONSTRUÇÕES.................................................................................................

159

4. URBANISMO EMERITENSE E SUA RELAÇÃO COM OS MODELOS DE CIDADES HIPODÂMICAS E CASTROS ROMANOS....................................

172 4.1 CONSTRIBUIÇÃO GREGA E ETRUSCA................................................. 172 4.1.1 Planejamento urbano grego...................................................................... 172 4.1.2 A planta reticulada: Hipodamo de Mileto................................................... 175 4.1.3 Influências etruscas e gregas: inovações romanas................................... 184 4.2 ACAMPAMENTOS ROMANOS E CIDADES CASTRENSES................... 190 4.2.1 Acampamento militar romano transformado em uma cidade.................... 195 4.3 FUNDAÇÃO DE UMA CIDADE COLONIAL ROMANA............................. 196 4.3.1 Civitas romana........................................................................................... 205 4.4 CIDADES ANTIGAS DA PENÍNSULA IBÉRICA....................................... 208 4.5 CIDADES HISPANO-ROMANAS.............................................................. 209 4.5.1 Romanização e urbanização..................................................................... 210

4.5.2 Cidades romanas provinciais.................................................................... 212 4.5.3 Origens e formas das colônias romanas em Hispânia.............................. 215 4.6 EMERITA AUGUSTA................................................................................ 218 4.6.1 Topografia emeritense............................................................................... 218 4.6.2 Teorias da forma urbana........................................................................... 226 4.6.3 Portas de acesso à cidade........................................................................ 228 4.6.4 Evolução urbana........................................................................................ 231 4.7 CIDADE E CAMPO EMERITENSES......................................................... 236 4.7.1 Emerita Augusta e Lusitânia...................................................................... 238 4.7.2 O ager emeritensis em época romana...................................................... 239 4.7.3 Território emeritense durante a Antiguidade Tardia.................................. 249 4.8 ARQUEOLOGIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO HISPANO....................... 250 4.8.1 Situação arqueológica em Mérida............................................................. 252 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 257 REFERÊNCIAS......................................................................................... 278 ANEXO A – Mapa de Mérida................................................................... 283 ANEXO B – Planta de Mérida.................................................................. 284 ANEXO C – Desenho reconstrutivo de Emerita Augusta.................... 285 ANEXO D – Desenho ilustrativo de Emerita Augusta.......................... 286

15

1 INTRODUÇÃO

Este estudo deve recorrer à interdisciplinaridade das áreas de História,

Arqueologia e Arquitetura, para trabalhar com o fenômeno da colonização greco-

romana no Ocidente e seus reflexos in situ. Partiremos da Antiguidade, com o êxito

das fundações de cidades coloniais greco-romanas para compreendermos a difusão

dos processos de influências culturais nas estruturas espaciais e arquitetônicas que

tais colônias exerceram sobre a Península Ibérica, em especial a cidade colonial

romana de Emerita Augusta. Os períodos delimitados para a realização dessa

pesquisa foram, de forma mais geral, os antecedentes da expansão colonial greco-

romana pelo Ocidente até a plena romanização da Hispânia e o declínio do Império

Romano, entre os séculos VIII a.C. ao V d.C., e, especificamente, a fundação da

cidade colonial romana de Emerita Augusta no século I a.C., até seu desenvolvimento

no século II d.C., em período de seu auge, onde registrou as influências culturais

greco-romanas expressadas em sua composição de cidade provincial.

Em seguida, após a delimitação do tema histórico, elaborou-se um

questionamento sobre a trajetória das cidades coloniais greco-romanas e sua

influência pelo Mediterrâneo ocidental e seu principal desfecho na Península Ibérica,

em torno da seguinte pergunta: Como os elementos arquitetônicos e urbanos

empregados em uma cidade colonial romana, a exemplo de Emerita Augusta entre os

séculos I a.C. e II d.C., poderiam revelar os antecedentes dessa longa influência e

contribuição da cultura da helenização e romanização, difundidos uma vez pela

colonização e fundações de cidades coloniais greco-romanas pelo território peninsular

da Hispânia?

16

Para responder ao questionamento apresentado, esse estudo partiu do

conhecimento histórico sobre o desenvolvimento da expansão colonial greco-romana

pelo Mediterrâneo, que esteve associado ao processo de helenização e romanização

de dois territórios peninsulares da Europa, a região da Península Itálica junto a Magna

Grécia e a Península Ibérica, a Hispânia; e também do conhecimento arquitetônico e

arqueológico de ambas as regiões que mantiveram fortes influências e laços de

procedências greco-romanas manifestadas em suas características urbanas e

arquitetônicas.

Para realizar esse trabalho, traçou-se um objetivo geral de compreendermos a

importância da colonização e fundações de cidades coloniais greco-romanas pela

Península Ibérica que marcaram os espaços urbanos através de monumentos,

edifícios remanescentes e vestígios arqueológicos, como a cidade colonial romana de

Emerita Augusta, onde seu planejamento urbano e arquitetura apresentaram a cultural

herdada da helenização e romanização, que exerceram forte influência no modo de

vida dos habitantes nativos e cidadãos da cidade provincial da Hispânia lusitana entre

os séculos I a.C. e II d.C. Para tanto, foram levantados os seguintes objetivos

específicos:

Analisar a expansão da colonização greco-romana pelo Ocidente,

avaliando as principais transformações e características desse período entre os

séculos VIII a.C. ao I a.C., através de influências culturais dos processos de difusão

da helenização e romanização pelo Mediterrâneo, destacando principalmente as

formas urbanas e arquitetônicas empregadas nestas cidades coloniais da Península

Ibérica.

Interpretar os resultados arqueológicos desse processo de colonização

greco-romana através da cidade colonial romana de Emerita Augusta, analisando

seus monumentos e edifícios arquitetônicos públicos e privados e demais elementos

urbanos, além de ressaltar influências e composições inovadoras dos materiais e

métodos de construções evidenciados na cidade por características da arquitetura

greco-romana.

Avaliar as influências dos processos de helenização e romanização em

uma contribuição cultural e material greco-romana para a formação do avançado

urbanismo antigo, verificado como base para planejamento urbano de cidades

coloniais como Emerita Augusta na Hispânia, que relacionava modelos de cidades

hipodâmicas e castros romanos, para além da análise topográfica, de evolução urbana

17

e questões de cidade e campo, chegar a situação arqueológica e patrimonial

emeritense.

A pesquisa necessitou de diversas fontes de informações para seu resultado.

Desta forma, foram levantadas questões envolvendo assuntos que tratassem da

historiografia grega e romana da qual destacassem o fenômeno de colonização, junto

às relações estabelecidas em contatos comerciais e interétnicos pelo Mediterrâneo

ocidental, e que abrangessem a formação da história de fundações de cidades

coloniais greco-romanas e suas influências no espaço urbano e na arquitetura

empregada em suas construções. Para isso, foram revisadas bibliografias que

auxiliassem esse trabalho.

O material bibliográfico levantado foi aproveitado e empregado no contexto de

colonização mediterrânea antiga, que se constituiu como ponto de partida para

compreendermos a formação de cidades coloniais greco-romanas e suas respectivas

expansões de domínios e influências com as demais cidades magno-gregas e itálicas

de sua época, que por fim geraram características urbanas e arquitetônicas aplicadas

nos espaços hispânicos, em especial da cidade colonial romana de Emerita Augusta.

Esse aprofundamento foi seguido por uma pesquisa empírica de levantamento de

dados documentais, para a qual foram estabelecidos os alguns critérios.

Através da revisão bibliográfica, documental e de informações arqueológicas

sobre a helenização e romanização tornou-se possível reconstituir as principais

características urbanas e arquitetônicas que compunham as cidades coloniais greco-

romanas. Todo o material analisado foi fichado, organizado e anexado junto de

mapas, desenhos de modelos urbanos e plantas de construções arquitetônicas

emeritenses, para maior aprofundamento do estudo e compreensão das influências

que o mundo greco-romano infundiu na Hispânia, em especial na cidade de Emerita

Augusta dos séculos I a.C. ao II d.C.

Seguindo tais delimitações, para alcançar essa tarefa, este estudo deve

primeiro, discorrer sobre o fenômeno de colonização mediterrânea ocidental dos

gregos e romanos, que ao se estabelecerem em novos territórios como os da

Península Itálica e Península Ibérica, através de fundações de cidades coloniais,

desencadeariam os processos de helenização e romanização pelas regiões, assim

revelando suas colônias como centros culturais difusores de modelos urbanos e

arquitetônicos por todo o Mediterrâneo antigo. Em segundo momento, deve-se

analisar tais práticas encabeçadas por Roma e as características que induziram ao

18

êxito da romanização pelas províncias imperiais; e em seguida, avaliar o caso da

Hispânia e a experiência da cidade colonial romana de Emerita Augusta para, desta

forma, destacar a presença de influências greco-romanas manifestadas em sua

estrutura e seus elementos urbanos, ainda visíveis nas ruínas e vestígios

arqueológicos da atual cidade de Mérida. Segue adiante os assuntos referentes às

seções desse trabalho.

Na primeira seção analisaremos os motivos e interesses da colonização grega

pelo Mediterrâneo ocidental, entre os séculos VIII a.C. ao VI a.C., na Península Itálica,

com as fundações das colônias magno-gregas. Para tanto, buscou-se elucidar, com o

desfecho da expansão colonial grega, a interação de práticas comerciais,

intercâmbios culturais e dos contatos interétnicos que culminariam com a influência

grega nas relações políticas, econômicas e culturais por todo o Mediterrâneo, até que

vigorasse o helenismo no século V a.C. A partir de então, o século IV a.C. registraria

o avanço macedônico pelo Oriente, que asseguraria a difusão da helenização cultural

aos territórios conquistados, enquanto no Ocidente, ocorreriam disputas pela

hegemonia comercial no Mediterrâneo entre gregos, cartagineses e etruscos. Até que

nos séculos III a.C. ao I a.C. despontaria Roma em expansão pela Península Itálica,

dominando e absorvendo culturalmente a Etrúria, a Magna Grécia e finalmente

Cartago; assim sobrevinha a conquista romana, que colocaria um fim nas guerras

através da unificação do território e iniciando o seu fenômeno de colonização e seu

processo de romanização dos territórios conquistados, como na região do Ocidente,

na denominada província da Hispânia.

Assim, avaliaremos a transformação de Roma em uma potência mediterrânea,

e, consequentemente, sua transição do período da República ao nascimento do

Império Romano. Da mesma forma, verificaremos como César e Augusto utilizaram-

se de reflexos das antecessoras políticas coloniais gregas para seguirem aplicando

em seus sistemas de governo fundações de novas cidades coloniais romanas pelas

províncias do Império, que constituíram-se fundamentais para a disseminação da

romanização nos territórios indígenas, como também para a conquista e

estabelecimento da Pax Romana. Seguindo tal perspectiva, analisaremos a

organização territorial, política e administrativa que Augusto reservou para a Hispânia,

estrutura que pretendia unificar as diversas formas de organização social, econômica

e política, além de possibilitar a difusão da romanização via fundações de novas

cidades que influenciariam todo seu território e arredores.

19

Apontaremos a romanização como principal elemento transformador da

estrutura urbana da Hispânia, que apresentava com a cidade o principal instrumento

do mecanismo de expansão romana: desde seu traçado original até sua arquitetura

específica; portanto, implantava-se um padrão de modelo urbanístico e arquitetônico

de assentamento romano empregado nas novas colônias pelo governo no território da

província. Examinaremos como tal processo de romanização alcançou expressivo

êxito na Península Ibérica mediterrânea através da presença de antecedentes de

cidades coloniais gregas e do helenismo na região peninsular, onde tal ensaiada

influência facilitou a assimilação da romanização pela população nativa. Igualmente

analisaremos as formas urbanas segundo os diferentes critérios de atuação romana

para integração e adequação urbana dos territórios dominados, assim como as formas

arquitetônicas, que difundiram a linguagem política-civilizacional via monumentos e

edifícios, seguida também da romanização manifestada em diversos elementos da

vida cotidiana. Desta forma verificaremos que, ao longo da Antiguidade, as cidades

coloniais da Península Ibérica abrangeram toda uma heterogeneidade de

experiências e influxos greco-romanos que permaneceram registrados em seus

elementos urbanos e arquitetônicos.

Na segunda seção verificaremos os resultados dos processos de helenização

e romanização por meio da colonização greco-romana da Hispânia, através de alguns

aspectos histórico-arqueológicos correspondentes a cidade colonial romana de

Emerita Augusta. Em perspectiva de compreender a política colonial de Augusto

exemplificada pela cidade de Emerita Augusta, analisou-se a fase fundacional e de

desenvolvimento urbano monumental da cidade emeritense, entre os séculos I a.C.

ao II d.C., equivalente ao Alto Império Romano, procurando avaliar como a nova

divisão provincial e organização administrativa da Hispânia, junto às características

política-estratégicas de localização de Emerita Augusta – como nó de comunicação

entre as províncias hispanas da Lusitânia, Bética e Terraconense –, formavam

aspectos que contribuíram para a transformação da colônia emeritense em capital da

província da Lusitânia e, consequentemente, revelando sua importância como

epicentro da política romana de difusão da romanização no território peninsular.

Para isso buscamos elucidar que a fundação da nova cidade colonial de

Emerita Augusta desempenhava uma principal finalidade romanizadora e simbólica

de permanência romana em território peninsular-lusitano. Uma vez instalada, a cidade

recebeu, ao longo do tempo, diversos contingentes populacionais, entre soldados das

20

legiões romanas e imigrantes de outras províncias da Hispânia e do Império, que

determinariam a difusão da cultura romana e do modo de vida romano pela cidade e

arredores. Paralelamente à questão populacional, também verificaremos que a

consolidação da cidade em colônia acompanhou um intenso programa urbanístico,

que junto à forte incidência itálica reforçou, desde sua fundação, a presença de

elementos romanos na cidade emeritense, logo construída à imagem de Roma, onde

importantes edifícios públicos foram planejados e construídos de forma monumental,

para manter o centro da colônia voltado para a vida romana, solidificar a romanização

entre os nativos e converter Emerita Augusta em uma urbe catalisadora dos interesses

romanos na região da Lusitânia.

Assim, com o auxílio da contextualização histórica e interpretação

arqueológica, analisaremos as principais ruínas encontradas ainda in situ da atual

cidade de Mérida sobreposta à antiga cidade colonial romana de Emerita Augusta.

Tais vestígios de obras, monumentos e edifícios urbanos emeritenses fornecem

informações sobre o passado da cidade, e apresentam-se como os principais

elementos urbanos e arquitetônicos públicos e privados que compunham uma antiga

e importante cidade colonial no mundo da Antiguidade Clássica. Juntamente à análise

dos materiais, métodos, técnicas, estilos e ornamentos, empregados e evidenciados

nestas construções remanescentes da cidade colonial de Emerita Augusta,

buscaremos apontar as assimilações realizadas ao longo do tempo e novas

composições inovadoras exploradas pela arquitetura, que permitiram aos romanos

alcançarem estruturas enormes e complexas que valorizavam a relação de espaços

internos e externos.

Para tanto, devemos apontar que uma das mais importantes características da

arte romana foi a capacidade de assimilar contribuições de outras culturas, que

possibilitariam gerar um admirável sincretismo por todo o Império, que revelaram-se

essenciais para o desenvolvimento e progresso do processo de colonização e

romanização romana. Avaliaremos que a arquitetura romana mesmo absorvendo

influências gregas e etruscas, produziu sua principal técnica de construção – aliada

aos seus materiais básicos de construção, principalmente do concreto –, resumida em

formas curvas, de arcos, abóbodas e cúpulas, que permitiram que estas estruturas

erguessem espaços grandiosos e complexos.

Com os avanços tecnológicos, a expansão do Império romano e o

aperfeiçoamento dessas novas estruturas, registrou-se também construções públicas

21

monumentais como edifícios para espetáculos, termas, aquedutos, pontes, vias e etc.

Além do desenvolvimento e evolução mais elaborada da arquitetura doméstica, dos

monumentos honoríficos, dos edifícios utilitários, das construções de infraestrutura e

dos principais edifícios de uma cidade colonial romana como Emerita Augusta. Todos

estes elementos constituíram-se como fundamentais para o êxito da romanização de

diversos territórios, e popularidade quando melhoravam o cotidiano, as comunicações,

os intercâmbios, transformando as colônias romanas através desse conjunto.

Verificaremos, em especial, que tais aspectos arquitetônicos monumentais

contribuíam para destacar a importância e influência que a cidade de Emerita Augusta

exercia em seu período, como também indicaremos os provenientes influxos

arquitetônicos helenísticos que atingiram o cotidiano e a arte romana emeritense,

influências culturais greco-romanas que permaneceram registradas nas construções

arquitetônicas da Hispânia.

Na terceira seção buscou-se analisar o percurso do urbanismo no mundo

greco-romano frente às influências da helenização e romanização que incidiram, ao

longo do tempo, em características que definiram o planejamento urbano da cidade

colonial romana de Emerita Augusta. Verificaremos que em princípio, a partir da

expansão colonizadora grega do Ocidente, ocorreu a necessidade de introduzir um

novo programa urbanístico para suas novas cidades coloniais, como os

experienciados nas colônias da Magna Grécia, segundo diretrizes planificadas, para

tornar as fundações coloniais importantes e funcionais, diferentemente de suas

metrópoles com modelo de crescimento orgânico tradicional. O florescimento

comercial e das relações humanas e culturais entre os povos permitiu o

desenvolvimento da helenização pelo Mediterrâneo no século V a.C., ao mesmo

tempo que os centros urbanos começavam a adotar soluções evoluídas para a

organização do plano urbano de uma cidade. Em meio a essas concepções

inovadoras de urbanismo surge um estudo inovador e mais específico, atribuído ao

grego Hipodamo de Mileto, ao qual se atribuiu a planta regular denominada de

hipodâmica.

Examinaremos que a planta hipodâmica foi difundida e aplicada geralmente em

cidades coloniais de nova fundação, largamente desenvolvida nas colônias magno-

gregas, que apresentavam esquema urbano ortogonal, de planta quadriculada, em

que as zonas residenciais se separavam das zonas públicas e religiosas, localizando

os edifícios públicos de maneira central e marginalizando os edifícios de recreação,

22

assim a cidade helenística se configurava por grandes perspectivas cenográficas e

pela monumentalidade dos edifícios, que já antecipavam a visão romana. Para tanto,

avaliaremos que as cidades coloniais gregas da Magna Grécia constituíram-se

essenciais para marcarem profundamente os etruscos por meio dos laços comerciais,

onde diversos elementos culturais dos gregos apareceram inspirados na arte etrusca,

assim como o planejamento retilíneo. Após a hegemonia romana na Península Itálica,

a absorção do modelo urbano grego e etrusco seria inevitável, e tal inclusão em sua

bagagem acarretaria à Roma a implantação do modelo urbano helenístico de cidade

em padrão de grelha às suas cidades romanas. Até que paralelamente ao

desenvolvimento do urbanismo hipodâmico, surge uma variante romana, o

acampamento militar romano, também ortogonal, porém com a adição de dois eixos

perpendiculares que formavam ângulos retos e que se cruzavam ao centro, tal modelo

urbano logo passou a ser aplicado nas cidades coloniais romanas.

Ainda analisaremos o desenvolvimento do planejamento urbano do

acampamento militar romano e sua transformação em cidade. Verificaremos que as

cidades coloniais romanas geralmente apresentavam dupla influência em seus

planejamentos urbanos: em formas hipodâmicas e inspirados também nos

acampamentos militares romanos. Os romanos utilizaram este modelo greco-romano

de urbanismo para estabelecer uma cidade colonial e propagar a romanização pelas

províncias através de seus elementos urbanos e arquitetônicos. Assim, examinaremos

a fundação de uma cidade colonial, destacando os principais critérios e cerimônias

para escolha de um local adequado para instalação da colônia e definição dos seus

limites, como também a delimitação dos espaços internos da cidade, a localização

dos recintos de utilidade pública, e disposição dos principais edifícios e estruturas

dentro e fora do perímetro urbano de tal cidade romana, que se configuravam em

elementos fundamentais para determinar a assimilação da cultura e modo da vida

romano por seus habitantes. Avaliaremos os antecedentes urbanos helenísticos da

Península Ibérica em consonância com as configurações urbanas das cidades

coloniais geradas pela romanização, para desta forma compreendermos as

influências greco-romanas em marcos urbanísticos das antigas cidades coloniais da

Hispânia.

A partir deste ponto passaremos a relacionar as características urbanas

analisadas com as informações histórico-arqueológicas da cidade colonial de Emerita

Augusta, no intuito de estabelecer uma avaliação sobre as influências greco-romanas

23

expressas em suas características topográficas, teórico urbana e da própria evolução

urbana, também buscaremos estabelecer uma visão geral dos domínios da cidade,

abrangendo a questão entre campo e cidade, de sua ampla extensão territorial e de

seus limites de fronteiras com as cidades vizinhas. Após vencermos os objetivos,

finalmente abriremos uma janela para reflexão sobre a questão do patrimônio da

Antiguidade na atualidade; destacaremos as condições do curso das investigações

das antigas cidades da Hispânia, focando em especial a atual situação arqueológica

e patrimonial emeritense, além de considerarmos a importância, manutenção e

preservação dos extensos remanescentes urbanos e das ruínas arquitetônicas, que

marcaram a magnificência da antiga colônia romana de Emerita Augusta, em vestígios

ainda visíveis e disponíveis ao público como Patrimônio da Humanidade na atual

cidade de Mérida.

A inspiração desse estudo provém de um grande interesse pessoal sobre o

mundo antigo, já manifestada em uma longa pesquisa acadêmica iniciada no período

da graduação, resultando em uma monografia, e na vinculação a pesquisas e

trabalhos histórico-arqueológicos de cidades antigas desenvolvido pelo professor

doutor Arno Alvarez Kern. Trabalhar com este tema foi muito gratificante uma vez que

nos permite aprofundar o conhecimento sobre os antigos processos de colonização e

seus desencadeamentos culturais pelos territórios ocupados, como também

constituiu-se fundamental para crescimento profissional, além de especialmente

oportunizar maior contribuição ao registro histórico-arqueológico sobre o período da

Antiguidade.

O resultado deste estudo propendeu a uma nova apresentação e reflexão sobre

as características urbanas e materiais das cidades coloniais da Antiguidade. Buscou-

se a partir destes recursos apresentar, ao longo deste trabalho, vestígios que

apontassem que desde o início da expansão imperial de Roma pela Península Itálica

as influências culturais etruscas e gregas foram absorvidas pela mesma,

primeiramente através da política de alianças e, em seguida, com a anexação dos

territórios itálicos. Este fator conduziria a supremacia de Roma, que passaria a

disseminar a influência da helenização através das políticas imperialista e colonial,

por meio de fundações de cidades coloniais e formação de províncias romanas. Tal

fenômeno de colonização culminou no desenvolvimento da romanização pelas

províncias do Império e gerou influências ou mesmo a fundição de elementos

helenísticos e romanos, observados por meio da província da Hispânia, pelos

24

remanescentes urbanos e arquitetônicos empregados e valorizados nas fundações de

cidades coloniais romanas, como ao exemplo de Emerita Augusta.

Através deste estudo sobre as influências culturais greco-romanas na Hispânia

procurou-se utilizar do exemplo da colônia romana de Emerita Augusta para recuperar

informações sobre os antecedentes gregos e romanos nas sociedades urbanas do

passado ocidental mediterrâneo. A colônia romana emeritense nos deixou um rico e

variado legado cultural greco-romano, de estruturas e monumentos arquitetônicos

remanescentes, indícios de planejamento urbano, vestígios da cultura material, e

elementos que ainda atualmente predominam, visivelmente, em sua sobreposta

cidade de Mérida. Este estudo visou introduzir uma reflexão sobre a trajetória cultural

na Antiguidade e divulgar a importância dos antigos sítios arqueológicos coloniais,

como o da cidade colonial de Emerita Augusta, que apresenta subsídios sobre esse

passado que compreende um repertório da cultura greco-romana, mas também um

legado histórico-cultural tão presente nos territórios e cotidiano das atuais cidades

ocidentais.

25

2. HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO E ROMANIZAÇÃO NA HISPÂNIA

2.1 COLONIZAÇÃO GREGA DO OCIDENTE

2.1.1 Motivos da colonização grega

Estima-se que as primeiras levas migratórias gregas foram impulsionadas por

interesses comerciais, entretanto no século VIII a.C. novos fatores estimularam os

gregos migraram permanentemente, possivelmente devido a um crescimento

demográfico e à falta de terras para cultivo. A partir de então, principalmente no século

VII a.C., os gregos adotam o sistema de fundação de colônias no ocidente

Mediterrâneo. Esta política de fundar novas cidades reduzia as tensões internas e as

guerras para conquistar cidades vizinhas, mantendo a ordem social e política na

Grécia (DURANDO, 2005). A emigração solucionava o problema de terras agrícolas,

ao mesmo tempo que equilibrava o nível populacional de uma cidade-estado. Esses

imigrantes além de se estabelecerem em outras regiões com o necessário campo de

cultivo, fundavam novas cidades-estados, as cidades-colônias (MARTIN, 1998).

Os fatores que impulsionaram a emigração e/ou colonização grega foram tanto

a escassez de terras para a agricultura, como igualmente, a determinação do

comércio marítimo internacional, que proporcionava melhorar a economia em situação

de dificuldade (Idem, 1998). Deste modo o fenômeno da colonização grega se

desenvolveu caracterizado pela criação de novas feitorias destinadas ao comércio

grego no mediterrâneo e, pela fundação de novas colônias de povoamento,

reservadas para melhores condições de exploração dos recursos naturais,

principalmente, através da produção da agricultura, que ampliasse o excedente

produzido para trocas comerciais com a Grécia (STIERLIN, 2009).

O conhecimento de navegação dos gregos possibilitou-os de realizarem

comércio em muitos territórios diferentes e explorarem novas terras cultiváveis. Desta

forma, os gregos comercializavam e arrecadavam uma maior variedade de produtos

alimentícios e fontes de matérias-primas que não existiam na Grécia propriamente dita

(BOWRA, 1969). Entre os séculos VII a.C. e VI a.C. os gregos adquiriram maior

experiência no comércio marítimo, o que possibilitou a expansão e colonização de

territórios mais distante da pátria, ao extremo ocidente do Mediterrâneo. A partir de

26

fundações de cidades coloniais gregas na Sicília e no sul da Itália, os gregos passam

a controlar o Mediterrâneo central. Com estas novas colônias os gregos disputariam

com os fenícios a preferência comercial (BENDALA GALÁN, 1991).

Paralelamente à expansão ultramarina dos gregos, que assentavam postos

comerciais no estrangeiro, os fenícios também exploravam e fundavam colônias pelo

Mediterrâneo ocidental, e em alguns casos estas cidades recebiam emigrantes gregos

que se estabeleciam na intenção de realizarem o comércio. Diversas cidades-estados

gregas prosperaram e se beneficiaram pela sua localização estratégica nas rotas de

comércio (MARTIN, 1998). As fundações das colônias gregas pelo Mediterrâneo

ocidental constituíam-se como uma estratégia comercial e possuíam destino de

rivalizarem com os fenícios e os etruscos (DURANDO, 2005).

No século VI a.C. o florescimento do comércio das cidades coloniais gregas e

a concorrente comercialização e interação com fenícios e etruscos, geraram um

contato internacional étnico-cultural e um crescimento econômico no Mediterrâneo,

fatores que contribuíram para o princípio da cunhagem de moedas para trocas

comerciais, e culminaram com a influência grega nas relações políticas, econômicas

e culturais por todo o Mediterrâneo. A existência de um eixo comercial em todo o

Mediterrâneo, entre as colônias magno-gregas e as regiões e povos do Mediterrâneo,

permitiram que no século V a.C. o helenismo registrasse sua identidade e autonomia

no mundo grego (Idem, 2005).

Neste período ocorrem disputas pela hegemonia comercial no Mediterrâneo

entre gregos, cartagineses e etruscos, e mesmo com o afastamento das colônias

ocidentais gregas de suas metrópoles, para combater o expansionismo comercial

cartaginês, o século IV a.C. se distingue pelo enfraquecimento da Grécia e avanço

macedônico sobre o território grego, contudo continuou-se difundindo o helenismo

cultural nos territórios conquistados. Até que nos séculos II a.C. e I a.C. sobreveio a

conquista romana, pondo fim as guerras através da unificação dos territórios (Ibidem,

2005).

2.1.2 Interesses na colonização do Ocidente

Para fundar uma antiga cidade colonial existiam regras: os emigrantes tinham

de pedir a metrópole o fogo sagrado e levar uma pessoa capaz de realizar os ritos da

27

fundação para o local escolhido. O fogo manteria os laços religiosos e de parentesco

com as duas cidades. A metrópole era conhecida no mundo antigo como cidade-mãe,

a colônia como cidade-filha, e duas colônias da mesma metrópole, como cidades-

irmãs. A cidade colonial deveria manter o culto oficial da cidade-mãe, mas podia

abranger algumas crenças particulares. Observa-se que os vínculos religiosos entre

as colônias e metrópoles conservaram-se muito consistentes até o século V antes de

nossa era. Os vínculos políticos só foram detectados muito tempo depois (FUSTEL

DE COULANGES, 1864).

Desta forma percebemos que as cidades colônias mantinham fortes laços com

sua cidade-mãe, e que essas relações se baseavam essencialmente no culto e na

tradição (FINLEY, 1963). Desta forma, os territórios selecionados para colonização

grega no Mediterrâneo ocidental, a Itália meridional e a Sicília, foram constituídos com

a concepção do helenismo, e denominados de Magna Grécia, ou seja, a extensão da

Hélade, em termos de cultura teórica e material (DURANDO, 2005). Estes novos

assentamentos coloniais desenvolveram a civilização grega e alguns alcançaram

êxitos maiores que a mãe pátria, em extensão e poder (CONTI, 1978).

As colônias da Magna Grécia revelaram-se as mais prósperas e importantes

da colonização grega, e proporcionaram também, no século VII a.C., que a

colonização alcançasse territórios também significativos ao extremo ocidente. Assim,

ocorreria os primeiros contatos entre as populações nativas da costa da Península

Ibérica com os navios de marinheiros gregos, estes por sua vez, obtiveram o

conhecimento dessa população e território através dos fenícios. Este acontecimento

evidencia a relevância do comércio nessa época, desencadeado pela exploração

marítima (Idem, 1978). Os gregos foram sucedidos pelos cartagineses como

comerciantes ao longo da costa mediterrânea, até se introduzirem na Hispânia

meridional e ocidental, em busca de metais preciosos (MORRIS, 1984). Assim, a

história das relações da Península Ibérica com o mundo mediterrâneo marca-se

inicialmente pela presença grega e fenícia (PLÁCIDO, 2009).

No início, em um primeiro momento, os assentamentos gregos estabelecidos

em Hispânia eram essencialmente feitorias, postos comerciais avançados, e não se

comparavam com as colônias contemporâneas de pleno direito e fundadas na Sicília

e Itália meridional (MORRIS, 1984). Em uma segunda fase de expansão – por

cabotagem –, os gregos fundaram cidades coloniais pela Península Ibérica, e as

populações assimilaram as características culturais gregas. Além desse fator,

28

algumas colônias gregas estavam localizadas em ambientes estratégicos do

comércio, locais de foco das caravanas ocidentais; encontram-se muitos testemunhos

gregos da arquitetura, peças escultóricas ou de cerâmicas, provavelmente trazidas

pelas embarcações ou confeccionadas nas maiores cidades coloniais da região

(CONTI, 1978). Muitos materiais geralmente se identificaram como gregos, um

sintoma dos processos de sincretismo que caracterizaram a formação da koiné – o

grego, considerado a língua franca – cultural do mundo, da expansão mediterrânea

protagonizada por gregos e púnicos (PLÁCIDO, 2009).

Podemos compreender como funcionavam os intercâmbios ao longo do

Mediterrâneo com o fato da abundância de materiais gregos, de diversas procedência,

muitos da Magna Grécia, chegarem a centros gregos na Península Ibérica, como na

cidade colonial de Empórion. Tanto esta colônia grega como outros centros comerciais

gregos produziam a redistribuição das mercadorias até as localidades do interior do

território peninsular, onde se encontram materiais de origem grega (Idem, 2009). Uma

vez que tais materiais gregos se difundiam entre as populações indígenas, como

instrumentos simbólicos da tradição grega, as colônias gregas fundadas no sul da

Península Ibérica influenciaram e contribuíram para a formação da cultura ibérica

(CONTI, 1978; Ibidem, 2009).

As primeiras atividades gregas na Península Ibérica se iniciam no século VI

a.C., em um momento de expansão econômica e desenvolvimento da navegação, os

gregos comercializaram cerâmica e ânforas de vinho e azeite, e recebiam como

principal objeto de intercâmbio a prata das minas ibéricas. O aumento da atividade

grega, em seus contatos com os indígenas, marcaria as características da cultura

ibérica. A partir de então surgem as fundações de colônias gregas pela bacia ocidental

do Mediterrâneo setentrional da Península Ibérica. Empórion foi uma das colônias

gregas com fundação destinada a função do comércio da cerâmica grega e a sua

difusão pelo território. A prática dos intercâmbios com os indígenas, que compravam

as mercadorias que os gregos traziam do mar e vendiam produtos do campo, seguiu

durante muito tempo, e os contatos interétnicos geraram uma certa integração cultural

entre os povos. A cunhagem de moedas apareceu no século V a.C. para fomentar

ainda mais o comércio (Ibidem, 2009).

A colônia de Empórion apresentava características de uma cidade grega

colonial modelo, com planta organizada e traçado regular, de uma estrutura

semihipodâmica, e fora remodelada ao longo da história do assentamento. Os

29

contatos coloniais e os programas de integração das populações locais permitiram

que os indígenas adotassem a estrutura urbana das colônias gregas, influências que

eram concebidas como modo de proteção e de abastecimento de objetos gregos,

estes que acrescentavam prestígios para tais povoações, e constituíam-se favoráveis

para desencadeamento da helenização dos indígenas. O despontar para o

desenvolvimento urbano significou um importante aumento demográfico no território

ibérico, o que exerceu o controle de assentamentos gregos e dos povos indígenas,

que acabavam por se conectar com certos centros com abundância de material grego

(PLÁCIDO, 2009).

As regiões encontradas em áreas sob influências de Empórion e outros centros

gregos passaram a imitar a urbanização hipodâmica, com bairros divididos por ruas

com planejamento em formato de grelha, para configurar uma distribuição

especializada dos espaços, com povoados amuralhados e plantas organizadas sobre

modelos gregos, além de apresentarem edifícios com estrutura arquitetônica de

aparência grega. Entre o século V a.C. e IV a.C. os gregos impuseram sua presença

de mercado hegemônico no Mediterrâneo ocidental, crescendo o interesse pelos

produtos gregos nos assentamentos costeiros e sua redistribuição no interior

peninsular. A partir do século IV a.C. se observam as formas generalizadas na cultura

comum do Mediterrâneo na formação da época helenística (Idem, 2009).

Através deste quadro, percebemos que a fundação de colônias gregas

influenciou, através das transações comerciais, a difusão da cultura grega na Magna

Grécia e consequentemente na Hispânia. A presença grega no sul da Itália propiciou

que os etruscos emprestassem dos gregos o seu sistema de escrita, e mais tarde que

os romanos adaptassem-na para transformar estes símbolos em sua língua. Mas os

gregos também exportaram ao Ocidente outras formas de progresso cultural. Os

povos que habitavam a península até esse momento apresentavam um modelo de

organização social menos elaborado do que o dos gregos, mesmo os etruscos, que

organizaram naquela época o primeiro dos centros urbanos na região, passaram a

absorver as influências das estruturas urbanas dos gregos em suas concepções

urbanas (GUZZO, 1997).

A expansão grega chegou até a Península Ibérica, onde ficou evidenciada pelo

comércio e algumas cidades coloniais gregas. Uma das mais importantes

características da colonização grega – mesmo sem intenção – foi legar aos territórios

colonizados a civilização grega, confirmada ao longo do tempo pelo processo de

30

helenização. Os produtos gregos muitas vezes eram tão bem recebidos e

aproveitados nas culturas nativas que percebemos a influência que exerceram nos

povos da Antiguidade, como principalmente os etruscos, que por sua vez

influenciariam, mais tarde, os romanos (BOWRA, 1969).

2.2 COLONIZAÇÃO ROMANA

2.2.1 As colônias gregas incidem em Roma

No transcurso do século VIII a.C. já era possível encontrar vestígios do

desenvolvimento inicial das primeiras muralhas de Roma, neste período os povoados

latinos não formavam grupos homogêneos, e se destacava a influência etrusca no

território (TARELLA, 1978). A arte romana começou como um fenômeno local da arte

etrusca e continuou até o século III a.C. mantendo a dinâmica das cidades da Etrúria

(MARTÍN, 1992).

No período arcaico Roma configurava-se como uma grande cidade (CORNELL;

MATTHEWS, 2008). Com a instauração da República, no século VI a.C., Roma até

então um conjunto de agrupamentos arcaicos, se transformou, tornando-se uma

grande metrópole dominadora (TARELLA, 1978). Durante o século IV a.C. Roma

consolidou definitivamente sua hegemonia sobre outras cidades itálicas, através de

um processo longo de guerras, onde conseguiu ampliar seus domínios e solidificar

sua supremacia sobre as cidades do Lácio (BOVO, 2006b).

Por meio deste processo Roma se apresentava como uma cidade que abrangia

uma mistura de povos: latinos, etruscos, troianos, sabinos, gregos e outros

estrangeiros; que originaram as famílias romanas. Este encontro de povos em Roma

permitiu vincular-se com todos os mesmos conhecidos; uma vez fazendo parte da

religião de todos – um vínculo muito poderoso –, ganhava-se muitas cidades aliadas

(FUSTEL DE COULANGES, 1864).

A população romana era, portanto, um cruzamento de várias raças, seu culto uma união de muitos cultos, seu lar nacional uma associação de diferentes lares. Roma era quase a única cidade cuja religião municipal não a isolava das demais. Estava ligada a toda Itália, a toda Grécia. Poucos povos havia que Roma não pudesse admitir em seu lar (Idem, 1864, p. 253).

31

Roma adotou um sistema de aumentar sua população através de guerras, ao

contrário do mundo greco-itálico. Roma absorvia a população vencida para si e aos

poucos as transformavas em romanos (FUSTEL DE COULANGES, 1864). Nota-se

que paralelamente às guerras, a consolidação romana devia muito à sua sagacidade

de estabelecer relações duradouras com os povos vencidos. Assim, o expansionismo

romano avançou aos poucos, evitando impor aos povos submetidos suas próprias

instituições, respeitando os direitos das cidades conquistadas. Deste modo, as

populações se uniam a Roma, constituindo uma base estável para o poder romano

(BOVO, 2006b). Neste período Roma estendia sua influência em muitos territórios,

desenvolvendo relações comerciais com cidades mais distantes da Etrúria, da Magna

Grécia e de Cartago (CORNELL; MATTHEWS, 2008).

A partir do século III a.C., Roma começou a reunir sob a sua liderança as

populações vizinhas para criar uma potência unificada. Os primeiros a formarem o

mundo romano foram as tribos itálicas e, em seguida, as colônias gregas do sul da

Itália e as da Sicília (STIERLIN, 1997). Uma vez que as cidades gregas da Magna

Grécia não conseguiam conviver pacificamente com as populações itálicas, tornaram-

se uma ameaça potencial para Roma. A partir de então, Roma começa a desenvolver

uma política de agressão e assimilação nos territórios da Magna Grécia, e

consequentemente, anunciando o mesmo destino aos cartagineses (TARELLA,

1978). Em guerra, dominadas e conquistadas, as colônias gregas passaram para a

órbita romana, determinando sua decadência, sem antes que a subordinação das

cidades gregas marcasse profundamente Roma com sua cultura avançada. Esta

expansão de Roma culminou conjuntamente com a perda de influência etrusca, estes

que passaram então a se submeter ao sistema romano (BOVO, 2006b).

A configuração da situação, após a pacificação interior de Roma, no período da

República, acompanha uma política de alianças que permite que a cidade submetesse

os Etruscos ao norte, os Samnitas na Itália Central, e no início do século III a.C., os

gregos na Itália meridional. Roma assim se tornava a maior potência da Península

Itálica e seguia viando o propósito da hegemonia na região mediterrânea (HINTZEN-

BOHLEN; SORGES, 2006).

2.2.2 Princípios da colonização romana

32

A intervenção de Roma nos assuntos da Magna Grécia corroborou para que a

mesma seguisse expandindo seu território pela Península Itálica, contendo revoltas e

fundando colônias, que asseguravam o domínio romano e a unificação do território. A

colonização da Itália por Roma permitiu que os inimigos vencidos fossem

incorporados como cidadãos de Roma ou aliados. Muitos territórios dos aliados

acabam anexados e colonizados pelos romanos (CORNELL; MATTHEWS, 2008).

Como se sabe, nem os gregos, nem os romanos, praticaram a colonização nos mesmos moldes do mundo moderno. Uma colônia não era dependência ou anexo do Estado colonizador: era um Estado completo e independente. Todavia existia entre a colônia e a metrópole um vínculo de natureza particular e isso provinha do pacto como a colônia fora fundada (FUSTEL DE COULANGES, 1864, p. 150).

Ao longo do tempo, as colônias e metrópoles mantiveram vínculos religiosos

para em seguida desenvolverem vínculos políticos. Roma utilizava da colonização de

terras conquistadas para se difundir, ao mesmo tempo que ao fundar uma nova

colônia, que mesmo apresentando uma política diferente, esta nova cidade manteria

laços religiosos com a metrópole, o suficiente para subordinar sua política à de Roma.

Roma também adotava os cultos das cidades vencidas, permanecendo em comunhão

religiosa com todos os povos. Deste modo, Roma fazia sua religião municipal fonte de

seu patriotismo, dominando e atraindo a todos (Idem, 1864).

Enquanto Roma se expandia, uma série de transformações sociais e políticas

aconteciam, modificando o modo de pensar dos homens perante as instituições,

costumes, crenças e direito, dos quais transformaram o patriotismo da religião – do

primórdio dessas cidades coloniais –, para apontar a valorização das leis, instituições,

direitos e segurança (sendo estas últimas justamente as vantagens que a cidade

oferecia), características que influenciaram o constante avanço e progresso de Roma.

Sem o patriotismo municipal, os indivíduos começaram a emigrar mais livremente,

sem o medo do exílio, difundindo a romanização pelos demais territórios (Ibidem,

1864).

Tanto para um grego quanto para um romano, a cidade se caracterizava por

uma vida coletiva, com santuários, locais de reunião, edifícios públicos oficiais de

qualquer natureza. Assim, as cidades romanas – principalmente as colônias fundadas

33

por cidadãos romanos – constituíram-se em representações de Roma. Tais cidades

coloniais refletiam características essenciais da metrópole como instituições,

monumentos e cultos. Antes de ser um local de refúgio ou de prazer, a cidade colonial

romana foi um centro sagrado e um centro jurídico. A implantação de colônias nos

territórios conquistados teve objetivo e efeito de criação de núcleos estáveis no interior

dos territórios anexados. Depois de estabilizados, apareciam as considerações

materiais, estratégicas e econômicas, e um governo autônomo (GRIMAL, 2003).

A partir do fenômeno da colonização podemos verificar o desenvolvimento da

romanização. O impacto da expansão romana pela Península Itálica teve como

consequência a assimilação entre os aliados, não apenas pela política, mas

principalmente pelo serviço militar romano. Muitas das novas cidades coloniais foram

fundadas em lugares estratégicos, geralmente em regiões de fronteiras ou como

postos militares avançados em região inimiga. Assim, os legionários romanos se

encarregavam de que a língua latina, o cotidiano e costume romanos se

materializassem nos territórios ocupados. Também, as cidades coloniais

expressavam e representavam a política latina ou romana, e se constituíam, portanto,

em avançados ambientes de romanização. Deve-se acrescentar que uma rede de

colônias se conectava por rotas militares, que proporcionavam o desenvolvimento

dessas povoações e de comunicações para a realização do comércio entre as

diferentes regiões e comunidades. Este fator determinou a difusão das ideias e dos

costumes romanos (CORNELL; MATTHEWS, 2008).

Fatores como a expansão romana e a fundação de colônias latinas – de

população sem direito à cidadania romana –, o aumento de riqueza e poder público e

privado dos romanos, e o confisco de terras, permitiram o aumento populacional de

Roma. Para atender as necessidades da numerosa população de cidadãos romanos

foi necessário a construção de edificações públicas em grande escala, além de

serviços de produtos de luxo e local; estes trabalhos eram financiados pelas guerras

e butins direcionados então à cidade. E, mais tarde, tais construções de edifícios se

constituiriam como elementos urbanos de referência para o êxito da romanização

(Idem, 2008).

A prosperidade econômica e cultural de Roma permitiu-lhe explorar proveitos

que disseminassem sua imagem para todos – outro agente da romanização. Através

do emprego da cunhagem de moedas – uma invenção grega que se estende junto

com a urbanização –, estas passam a carregar símbolos romanos, e quando utilizadas

34

no comércio podiam divulgar o expressivo crescimento da cidade e seu poder,

configurando-se como um dos recursos mais característicos da romanização. Ainda

neste aspecto, pode-se perceber a penetração e adoção da cultura grega pelos

romanos. Não apenas na circulação monetária, mas também na cultura artística, onde

romanos imitavam ou se aproximavam das técnicas e os estilos gregos; na adoção de

cultos e nomes helênicos. O helenismo se tornou presente na classe aristocrata

romana, e apresentou-se manifestada no urbanismo e arquitetura das cidades

romanas e romanizadas (CORNELL; MATTHEWS, 2008).

O imperialismo de Roma acarretou em muitas vitórias em decorrência de sua

eficiente máquina de guerra militar e reservas humanas incomparáveis. A grande

consequência dessa conquista militar foi a significativa expansão do território romano,

arrecadação de riquezas, do poder e da segurança. Para realizar esta atividade de

conquista, os romanos divulgavam a vantajosa justificativa de difundirem a civilização,

a estabilidade e a ordem, que beneficiaria assim todos os territórios conquistados;

além de Roma poder atuar de diferentes maneiras conforme as circunstâncias de

determinados locais (Idem, 2008).

O império romano foi conquistado pelas armas, mas também pela diplomacia.

A maioria da população das províncias tolerava as imposições de Roma, sendo que a

maior parte recebia a cidadania romana e alguns habitantes ganhavam honras:

Roma exigia tributo do império, mas dava muito em troca: a obediência à lei dentro dos limites do império, proteção contra invasões de bárbaros; pronto intercâmbio de gêneros e de produtos, tolerância de diferenças culturais inevitáveis dentro de um domínio tão vasto. Acima de tudo, Roma incutia em todos os romanos, das províncias ou metropolitanos, uma crença positiva no destino da própria Roma (HADAS, 1969, p. 11).

Através desse mecanismo de avanço expansionista e colonizador, Roma se

transformou em uma grande potência da Antiguidade, onde suas influências puderam

ser verificadas por seus produtos e mercadorias romanas encontrados desde os

territórios da costa do Atlântico – Europa –, norte da África – Mediterrânea –, até os

territórios da Ásia – Oriente Próximo (TARELLA, 1978). Assim como também pelas

expressões artísticas produzidas sob esfera política e econômica da República e do

Império Romano, entre os séculos IV a.C. até V d.C. (MARTÍN, 1992).

35

2.3 GUERRAS PÚNICAS – REPÚBLICA

2.3.1 Guerras Púnicas e o domínio do Mediterrâneo

Depois de uma primeira fase de conquista das prósperas cidades coloniais

gregas e estender sua hegemonia por toda a Itália, Roma passou então a

desempenhar um novo papel no cenário político mediterrânico e entrou em conflito

com o expansionismo púnico dos cartagineses, da poderosa cidade fenícia e potência

que dominava boa parte do Mediterrâneo, Cartago, então rival nas relações de

comércio (BOVO, 2006b). Tal fator prenunciava uma época que ficaria marcada pelos

acontecimentos bélicos que se sobreporiam a mudança social e cultural que afetavam

a República romana e os povos peninsulares. E, consequentemente, desencadearia

o processo de formação do Império romano através de sua expansão imperialista

(PLÁCIDO, 2009).

Através de tratados firmados primeiramente com etruscos e posteriormente

com romanos, Cartago respeitava a costa itálica. Os conflitos entre as duas potências

começaram na Sicília, onde se encontravam as colônias gregas, rivais dos

cartagineses e aliados de seus conterrâneos do sul da Itália, estes que já estavam

sob influência romana. Assim, tornava-se inevitável o repúdio ao domínio cartaginês

na região (LIBERATI; BOURBON, 2005).

As guerras púnicas se alastraram durante várias décadas, e culminaram com

vitórias romanas em mar e terra firme. O primeiro conflito entre as duas cidades foi na

Sicília, dividida entre colônias gregas e possessões cartaginesas, configurando a

Primeira Guerra Púnica, entre 264 a.C. e 241 a.C., que culminaria com as vitórias

navais de Roma e a anexação da Sicília, Córsega e Sardenha ao seu território e

tornando-a uma grande potência (BOVO, 2006b).

A revanche cartaginesa nasceria com a exploração da Península Ibérica, com

suas ricas minas de prata. A presença dinâmica dos cartagineses na Península Ibérica

se tornava uma ameaça para Roma, até que um ataque cartaginês a cidade ibérica

de Sagunto, aliada romana, junto ao fato de em 219 a.C. Aníbal ser acusado de

ultrapassar os limites do tratado entre romanos e cartagineses, resultariam numa luta

que os conduziram à Segunda Guerra Púnica, entre 218 a.C. a 201 a.C., assinalando

a consolidação do imperialismo romano (Idem, 2006b; STIERLIN, 1997).

36

Figura 1. O romano Públio Cornélio Cipião, conhecido pelo seu título honorífico de o

Africano, acabou com o domínio cartaginês na Península Ibérica ao longo da Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.). As conquistas das cidades na região peninsular lançariam as

bases da Hispânia romana (MORENO, 1988, p. 9).

Os cartagineses levaram a guerra para a Itália e infringiram aos romanos várias

derrotas e destruição, com o brilhantismo de Aníbal, até quase ganharem a guerra em

território italiano. Contudo, a intervenção de Públio Cornélio Cipião conseguiu fazer

com que a guerra passasse a ser favorável a Roma, e os romanos venceram Asdrúbal

na Hispânia. Cornélio Cipião acabou conseguindo transferir o último conflito para o

território africano, e derrotar Aníbal no norte da África, em 202 a.C. Na Terceira Guerra

Púnica a cidade de Cartago foi destruída pelos romanos, que obrigaram o inimigo a

se render. Através de um tratado de paz, a cidade púnica saiu definitivamente do

grupo das grandes potências mediterrâneas (BOVO, 2006b; LIBERATI; BOURBON,

2005).

Nota-se que Roma só conseguiu finalmente alcançar a vitória ao aproveitar

todos os seus recursos. Durante estes conflitos, Roma investiu na definição de sua

conquista pela Península Itálica e também de territórios além-peninsular. Após as

37

guerras púnicas, Roma continuou a política de fundar novas colônias no século II a.C.

Muitas colônias foram fundadas na costa italiana para garantir a defesa do território

contra alguma invasão. A colonização romana continuou e foi se estabilizando, em

direção ao Ocidente; a necessidade estratégica obrigou à ocupação da Ligúria,

Provença, Gália Cisalpina e, depois, da Hispânia (MARTÍN, 1992; STIERLIN, 1997).

Ao fim de três guerras púnicas, Cartago, potência rival, foi vencida em 146 a.C., e este

episódio permitiu que Roma explorasse a situação e anexasse à costa norte-africana,

grandes territórios da Península Ibérica, somados aos da Sicília ocidental, Sardenha

e Córsega, já incorporados ao território romano (HINTZEN-BOHLEN; SORGES,

2006).

A partir de então surgiu um novo sistema de equilíbrio no Mediterrâneo, uma

vez que Roma assumiu o controle das novas regiões, principalmente da Península

Ibérica. Paralelamente, a situação internacional do Oriente estava tomada por

inquietações políticas. Este quadro oferecia grande oportunidade para intervenção e

ampliação das fronteiras de Roma. Deste modo, os romanos se lançaram em uma

série de iniciativas diplomáticas e militares que entre 201 a.C. e 133 a.C. os

transformou em senhores de todo o Mediterrâneo (LIBERATI; BOURBON, 2005).

As guerras púnicas também ampliariam os contatos dos muitos centros do

mundo helenístico (PLÁCIDO, 2009) e culminariam, no século II a.C., com a

intervenção romana na Grécia, consolidando a influência da cultura helênica pelos

territórios (MARTÍN, 1992). Esta evolução formidável tendente à unificação da região

mediterrânea, mare nostrum, culminou com a conquista de outras províncias,

tornando cada vez maior o apetite pelo domínio conforme a força de Roma se

apresentava inexpugnável (STIERLIN, 1997). Após 168 a.C. Roma impunha sua

soberania, adotava uma política de anexação de territórios, e exploração intensa dos

territórios e povos conquistados (LIBERATI; BOURBON, 2005).

A sede de conquistas romanas seguiu até o fim do século I a.C., onde toda a

região oriental do Mediterrâneo, desde a Grécia até à Ásia Menor, toda a Península

Ibérica e a Itália setentrional foram submetidas à supremacia romana, elevando, neste

período, Roma a categoria definitiva de potência mundial (HINTZEN-BOHLEN;

SORGES, 2006). Até a época de Augusto, Roma desenvolveria uma política de

imperialismo sem limites para suas pretensões (STIERLIN, 1997).

38

2.3.2 Crise da República

Por intermédio da Primeira e Segunda Guerras Púnicas, Roma começou seu

domínio provincial com a conquista, anexação e ocupação das ilhas da Sicília, da

Sardenha e da Córsega, logo se somou também à região ibérica, onde Roma herdava

de Cartago alguns domínios na Hispânia, que logo se tornariam as províncias de

Hispânia Citerior e Hispânia Ulterior. A partir de então novos territórios foram entrando

na órbita de influência de Roma e tornaram-se províncias (LIBERATI; BOURBON,

2005; CORNELL; MATTHEWS, 2008).

Deste modo, ao deixar de ser um pequeno Estado, Roma se transformou em

uma potência mediterrânea e passou a não conseguiu solucionar a crescente

desigualdade social produzida pelas conquistas (Idem, 2005). Neste quadro se

inseriram graves crises internas que dilaceram Roma durante este período, e pouco a

pouco destruíram a estrutura do Estado republicano. Revoltas de escravos,

conjunturas e guerras civis abalaram Roma (HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006).

As diferentes condições que se apresentavam no campo político, conforme a

anexação de novos territórios mais distantes de Roma, exigiram uma modificação no

aparato administrativo existente. Paralelamente, a situação política interna foi se

deteriorando progressivamente e se anunciava uma possível ditadura, conforme o

acúmulo de grandes poderes importantes, durante um prolongado período, por

apenas uma pessoa. Neste quadro, Júlio César despontou-se ao conseguir muitas

conquistas em diversas campanhas militares, que se traduziram em novas províncias

(LIBERATI; BOURBON, 2005).

Concomitantemente, os conflitos civis estabeleceram transformações

institucionais, levando ao primeiro triunvirato, seguido do assassinato de César no ano

de 44 a.C., uma guerra civil, a formação do segundo triunvirato e, finalmente, no

nascimento do Império (Idem, 2005).

2.4 INFLUÊNCIA GREGA

A ascensão de Roma ocorreu quando esta conquistou o centro da Itália e

avançou para o domínio do mundo antigo. Roma encontrou assim sua inimiga

Cartago, potência naval do oeste Mediterrâneo, e derrotou-a nas três grandes guerras

39

púnicas, combates iniciados em 264 a.C. e com término em 146 a.C., culminando na

destruição de Cartago. O mesmo destino também se sucedeu com a área leste do

Mediterrâneo, onde as grandes potências helenísticas e as cidades-estados gregas

foram conquistadas (SIEBLER, 2008).

A anexação das colônias gregas do sul da Península Itálica e o período das

guerras púnicas promoveram profundas transformações sociais e culturais em Roma,

e os muitos contatos no Mediterrâneo se transformaram em vários outros estímulos

culturais. O helenismo se mostrou adequado para absorção de Roma, pois se

adaptava à ideologia da classe dirigente, que o aceitou sem alterações. Tal ensaiada

helenização vivenciada por Roma mediante aos influxos magno-gregos, se definiria

na conquista da Grécia, de sua grandeza e cultura, que seriam introduzidas

intensamente em Roma com sucesso, onde se difundiu temas fundamentais de sua

própria arte (LIBERATI; BOURBON, 2005).

Assim, os romanos absorvem e adotaram da Grécia, numerosos elementos da

arte e da cultura helenística que foram empregadas nas cidades romanas, em seus

urbanismos e suas arquiteturas (HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006). Os romanos,

ao conquistarem o mundo grego, perceberam-se como herdeiros da cultura que tinha

visto o seu passado clássico como um todo consumado, exemplar e autoritário. Os

romanos consideravam-se os sucessores dos gregos, e a cultura grega era

considerada a herança comum do mundo civilizado (SIEBLER, 2008).

Para além de uma concepção cultural, os romanos também se utilizaram do

apoio material. Através de guerras e conquistas, os romanos adquiriram, sob forma

de espólios, objetos de luxo em grandes quantidades dos povos conquistados. Muitos

espólios de guerra, especialmente de origem grega, constituíam obras de arte, que

foram transportados para Itália e posteriormente utilizados para adornar templos,

edifícios públicos, praças e habitações particulares (Idem, 2008). Os generais

vencedores tinham o hábito de consagrar os despojos do inimigo ao embelezamento

de Roma, mas sempre em locais determinados, de grande representatividade pública

(GRIMAL, 2011). A atividade política refletia no campo arquitetônico, onde os generais

pretendiam unir seus nomes a importantes obras públicas para obterem apoio popular,

assim construções de edifícios eram ornados suntuosamente com obras de arte

gregas (LIBERATI; BOURBON, 2005).

No decurso do período republicano Roma despontou seu crescimento, fundou

cidades romanas, desenvolveu redes viárias e ergueu construções utilitárias e

40

domésticas por suas colônias que refletiriam a fisionomia urbana embebecidas de

influências gregas (HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006). As residências romanas de

pessoas abastadas e governantes se tornaram depósitos de arte e imagens gregas

ou cópias, além de as paredes das casas serem decoradas com pinturas de motivos

diferentes, modelos provenientes da Grécia, ou cópias de pinturas famosas dos

mestres gregos, ou criações contemporâneas ao estilo dos modelos arcaicos ou

clássicos (SIEBLER, 2008).

2.5 SITUAÇÃO DA HISPÂNIA

As origens da conquista romana da Ibéria remontam ao confronto das potências

romana e cartaginesa para conseguir o domínio do Mediterrâneo ocidental. As

principais cidades coloniais gregas da Península Ibérica, Empórion (Ampúrias) e

Marselha, foram aliadas dos romanos (MORENO, 1988). A colônia grega de Empórion

teve grande importância para a chegada romana na política mundial do século III a.C.

uma vez que a Hispânia constituía, desde começos do século II a.C., com a conquista

romana, um mercado de intercâmbio culturais e de produtos (TOVAR; BLÁZQUEZ,

1975).

Empórion pode ser considerada como a pioneira das colônias helênicas

peninsulares, durante a dominação romana, a se converter em uma das melhores

testemunhas da Hispânia clássica (MORENO, 1988). A tradição grega se renovou nos

momentos imediatamente posteriores a Segunda Guerra Púnica, com a presença de

itálicos helenizados na região peninsular (PLÁCIDO, 2009). Logo, a integração

hispânica ao mundo Mediterrâneo greco-romano ocasionou no processo romanizador

da Península Ibérica (MORENO, 1988).

2.6 DOMINAÇÃO ROMANA NA HISPÂNIA – IMPÉRIO

As relações estreitas entre as regiões da Itália e Espanha remontavam às

Guerras Púnicas (STIERLIN, 1997). A Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.) gerou

como consequência a presença e dominação romana do território hispano (MORENO,

1988). Verifica-se que desde do ano de 209 a.C. os romanos iniciaram uma longa e

sistemática conquista da Península Ibérica, visando primeiro derrotar completamente

41

os cartagineses e seus aliados no território, e posteriormente assegurar suas posições

frente a insurreições e incursões fronteiriças. Tal processo só fora concluído 200 anos

depois (MORRIS, 1984).

Durante as primeiras fases de expansão de Roma, a política de conquista e

colonização do território indígena fora desenvolvida em Itália e aplicada primeiramente

na província ultramarina de Hispânia (Idem, 1984). A ação militar de Roma se

concentrou primeiramente na conquista e dominação das zonas costeiras

mediterrâneas da Península Ibérica. Entre 205 a.C. e 197 a.C. Roma dividiria o

governo do território criando duas províncias hispânicas: uma Citerior e outra Ulterior.

Ambas as zonas foram ocupadas militarmente e sofreram um importante processo de

pacificação, com a contenção de revoltas, eliminações de resistências e rebeliões dos

povos locais, e fortalecimento do poder romano (MORENO, 1988).

No período entre 194 a.C. e 154 a.C. os romanos empenham-se em obter o

domínio completo do território nas duas províncias através da repressão militar e

alianças (Idem, 1988). A exploração dos metais preciosos do território e outros

excessos suscitaram rebeliões que foram sufocadas no leste e no sul, porém não se

concretizava em regiões montanhosas e de difícil acesso para efetivar domínio

(MORRIS, 1984). Roma enfrentou resistência da tribo dos Celtíberos em três ocasiões

diferentes: em 181 a.C., 154 a.C. e 44 a.C., ocasionando por fim o espírito de

independência indígena (STIERLIN, 1997). A resistência guerrilheira desencadeou

uma guerra permanente que se prolongou até 133 a.C., data que marcou uma trégua

até o século seguinte (MORRIS, 1984).

Juntamente às guerras, a estratégia dos romanos consistia em pacificar as

novas províncias após obter a dominação militar inicial, e em continuar assegurando

a integração delas ao império. Deste modo os romanos, com duplo objetivo, buscavam

a conquista e imediata romanização dos centros urbanos existentes que conservariam

e, ao mesmo tempo, criavam de modo ordenado, novas cidades, que seriam

ocupadas por imigrantes romanos de confiança, ou tribos indígenas submetidas em

geral por uma supervisão militar (Idem, 1984). O empenho romano em realizar as

fundações das novas cidades permitia exatamente fortalecer a dominação e expandir

a influência romana na região. Além de as fundações de cidades coloniais em

territórios indígenas propiciarem também que a população descendesse de soldados

romano-itálicos e mulheres da região, fato que contribuía para a disseminação de

hábitos romanizadores (MORENO, 1988).

42

Entre o final do século II a.C. e início do I a.C. a romanização avançou nas

zonas de dominação romana com a inserção de indivíduos hispanos nas estruturas

sociopolíticas do Estado romano. A romanização na península ganhou força onde as

guerras travadas reuniam em combates tropas locais, itálicas e romanas. A crise que

levava ao desaparecimento da República apresentou pontos culminantes na Hispânia

com as vitórias de César na região (LIBERATI; BOURBON, 2005). No final da

República romana ocorreram algumas guerras civis na Hispânia até a chegada de

Augusto ao poder do império em 31 a.C., quando começou-se a edificar um regime

de Principado (MORENO, 1988).

Ao jovem Otávio, sobrinho de César, foi designada como herança Roma, e

depois de 17 anos de guerra civil ele restabeleceria a paz no interior do império.

Formalmente, restaurou a República romana, mas em verdade, ele detinha todo o

poder enquanto princips (o primeiro). Durante os 41 anos de seu reinado, entre 27

a.C. e 14 d.C., Augusto (seu nome honorífico oficial) lançava as bases de um regime

imperial que se manteria durante três séculos (HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006).

Para isto Augusto concentrou todo poder em suas mãos, atribuindo a si mesmo

um grande número de títulos e funções. Após sua solidificação do poder, Augusto

começava o Império Romano: dedicou-se a conquista dos povos da região alpina,

concebeu um cuidadoso programa de consolidação dos territórios dominados por

Roma e de racionalização e fortalecimento das fronteiras do Império, ordenou

intervenções onde ainda havia focos de rebeldia, pacificou as províncias e efetuou

reformas diversas necessárias, reorganizando política e administrativamente o Estado

(Idem, 2006; LIBERATI; BOURBON, 2005). O norte da Hispânia, área pouco

pacificada e com ocorrência das guerras contra cântabros e astures, foi um dos

cenários onde Augusto centrou suas atividades e recursos (SÁNCHEZ, 2009).

As lutas contra os povos da Cantábria e Astúrias continuaram durante algum

tempo até a intervenção definitiva de Augusto e seu fiel colaborador Marco Vipsânio

Agripa (LIBERATI; BOURBON, 2005). Em 25 a.C., apesar das dificuldades da

campanha, o exército romano conseguiu submeter os principais redutos indígenas e

conquistar o território, entretanto apenas em 19 a.C. o general Agripa acabou com os

últimos focos de rebelião, pacificando definitivamente a Hispânia (SÁNCHEZ, 2009).

Assim, com uma série de duras campanhas militares se sufocou as últimas

resistências indígenas, reorganizando as províncias ocidentais, incorporando

definitivamente a Península Ibérica ao mundo romano e estabelecendo a Pax Augusta

43

(MORENO, 1988). A partir de então a vida nas províncias hispânicas sob o Império foi

tranquila o suficiente para permanecer no território apenas uma legião, no norte da

Hispânia, potencialmente rebelde, a Hispânia Terraconenses (LIBERATI; BOURBON,

2005).

2.6.1 Interesses no território hispano

O início da intervenção romana esteve ligado a um problema estritamente

político-estratégico de cessar com os recursos dos cartagineses obtidos na Península

Ibérica, com mercenários e metal precioso para cunhagem. Contudo, no século II a.C.

tal finalidade passa a ser percebida pelos militares romanos que a revertem em

benefício de Roma, e logo se esforçam para dominar o território (MORENO, 1988).

Deste modo a conquista da Península Ibérica revelava-se de grande importância para

Roma devido suas riquezas, em especial as minas de prata, e também os recursos

agrícolas e industriais (STIERLIN, 1997).

Grande quantidade de metal nobre fora extraído pelo governo romano do

território da Península Ibérica, resultados de botins, tributos e exportação mineira.

Junto a este interesse, a estratégia política imperialista romana de dominação da

Península Ibérica e do Mediterrâneo evitaria novas invasões e tentativas de guerra

contra Roma e nessa região provincial. Outra causa da conquista da Hispânia estivera

vinculada a aquisição dos importantes contingentes de prisioneiros escravizados

durante as guerras travadas no território (MORENO, 1988).

Além das vantagens estratégicas, políticas e econômicas do governo

republicano romano sobre a exploração dos metais preciosos e da força do trabalho

escravo para a conquista romana da Hispânia, a exploração da Península Ibérica

também manteve interesse sociopolítico de determinados grupos dirigentes. Os

nobres romanos obtinham das múltiplas guerras da Hispânia benefícios econômicos,

tanto dos botins das guerras contra os indígenas, como também de oportunidades

para aumentarem suas glórias e dignidade, suas popularidades e vitórias eleitorais

que poderiam render ascensão ao poder (Idem, 1988).

Mesmo assim, a principal contribuição das províncias ibéricas para o Império

esteve especialmente vinculada à atividade comercial e exploração dos recursos

minerais e agrícolas, também, em menor grau, pela produção industrial da salga e de

44

pescado, e pelo principal produto de exportação em larga escala de azeite. A província

romana da Hispânia era considerada o polo exportador de metais, entre os

comercializados estavam o ouro, a prata, o ferro, o cobre, o estanho e o chumbo que

se exportava em abundância para Roma e demais províncias do Império (LIBERATI;

BOURBON, 2005).

2.6.2 Organização territorial, provincial e administrativa

A Península Ibérica saiu do período republicano dividida em duas grandes

províncias: Hispânia Ulterior e Hispânia Citerior. Entre 29 a.C. e 19 a.C., devido às

guerras na península, Augusto concentrou todo o poder do Estado, mantendo a

administração provincial estável e realizando uma grande reforma política, que

reorganizava as províncias da Hispânia, modificações que consistiram na criação de

uma terceira província, nova delimitação das anteriores e diferenciação do status

político-administrativo de cada uma delas. A nova província resultava de uma

subdivisão da antiga Ulterior (MORENO, 1988), uma região mais ao norte do

quadrante sudoeste da península, que sob o governo de Augusto fora elevada ao

status de província independente como Hispânia Ulterior Lusitânia (MORRIS, 1984).

A Península Ibérica foi organizada em três províncias: a antiga Citerior, foi em

parte retificada, bastante ampliada foi estendida até Portugal e passou a ser

designada de Província Hispana Citerior Terraconense; a Ulterior foi dividida em duas

novas províncias, uma parte batizada de Província Hispana Ulterior Bética, mais ao

sul e romanizada, e a outra como Província Hispana Ulterior Lusitânia, porção

ocidental da antiga Ulterior republicana, mais ao norte da península, e com

urbanização mais escassa e recente (SÁNCHEZ, 2009). Durante o período do Alto

Império – começo do governo de Augusto, 30 a.C., até o reinado de Diocleciano, 285

d.C. – a Hispânia sofreu importantes mudanças e transformações, entretanto sempre

manteve a mesma estrutura administrativa da divisão provincial realizada por Augusto

(MORENO, 1988).

45

Figura 2. Hispânia no período do Alto Império dividida em três províncias, Bética, Lusitânia e

Terraconense, plenamente integrada ao Império romano (MORENO, 1988, p. 25).

A transição de um governo republicano para uma posição monárquica de

Augusto obrigou-o a manter certas formas de governo tradicionais, estabelecendo um

compromisso entre o poder do imperador e do Senado (SÁNCHEZ, 2009). Perante

esse fator e ao aumento considerável do número de províncias, Augusto optou por

uma nova modificação na administração provincial e de seus sistemas de governo:

permaneceram sob controle direto de Augusto os territórios que precisavam de defesa

militar, enquanto os demais foram atribuídos ao Senado (LIBERATI; BOURBON,

2005).

Augusto dividiu todas as províncias do Império organizando-as em dois tipos,

as províncias denominadas senatoriais e imperiais. As províncias senatoriais

configuravam-se como as mais ricas e importantes, que seguiram sob os cuidados e

administração do Senado – que escolhia um governador entre aqueles de seus

membros que haviam sido cônsules ou pretores –, e designavam regiões pacificadas

46

e romanizadas, onde não se registravam significativa presença de tropas romanas. Já

as províncias imperiais permaneceram sob a autoridade direta do imperador, uma vez

que não estavam totalmente pacificadas e mantinham a presença de tropas no

território, eram governadas por chefes das tropas aquarteladas na região –

magistrados escolhidos pelo imperador, entre os senadores –, tais províncias eram

mais numerosas e extensas e apresentavam grande presença das tropas romanas

(MORENO, 1988; SÁNCHEZ, 2009).

Em relação a Hispânia, Augusto estabeleceu as denominadas províncias da

Lusitânia e Terraconense como imperiais, que ficaram sob o jugo direto do imperador;

e a província Bética, como senatorial, administrada por pretores eleitos pelo Senado,

para melhor controla-la devido a sua importância mineira (Idem, 1988; Idem, 2009).

As províncias eram governadas por um pretor ou legado, com cargo anual, e em casos

de guerra, o Senado podia designar um cônsul com forças militares para a região

(Ibidem, 2009).

A organização provincial de Augusto seguiu vigente durante quase três séculos,

contudo, os princípios de Augusto começam a enfrentar mudanças no século II d.C.,

e finalmente sofreriam reformas no século III d.C., que levariam à nova organização

geral do imperador Diocleciano (Ibidem, 2009). Sob governo de Diocleciano, a

Hispânia seria novamente reorganizada em cinco províncias mediante a divisão de

dois terços do território da província Terraconense nas novas Cartaginense e Galícia

(MORRIS, 1984). No Oriente as províncias perderiam suas autonomias até então

respeitadas. No Ocidente se observaria a ocorrência de uma romanização gradual,

favorecida pela fundação de novas cidades coloniais e pela presença de legionários

acampados nas regiões de fronteira. A ampliação territorial do Império devia-se à

consolidação e/ou defesa de seus limites (LIBERATI; BOURBON, 2005).

Durante o Alto Império, o extenso território das províncias dificultava sua

administração, portanto foram estruturados pequenos distritos judiciais e unidades

administrativas dedicados à administração da justiça, tributação e culto ao imperador;

também de recrutamento de tropas auxiliares, denominados de conventus, localizados

em seus centros urbanos de maior importância, ou seja, ao redor das cidades mais

importantes, incluindo seu território circundante. Deste modo, no século I a.C.

ocorreram criações de conventos jurídicos distribuídos pela Hispânia. A Lusitânia

contava com 3 conventos, sendo um deles, o conventus emeritense, em Emerita

47

Augusta, a Bética contava com 4 conventos e a Terraconense, de maior extensão,

com 7 conventos (MORENO, 1988; SÁNCHEZ, 2009).

A existência de conventus se documenta desde a época de Augusto. No

começo o conceito parece se referir a agrupações de cidadãos, conventus ciuium

Romanorum, dentro de localidades indígenas ou agrupações espontâneas que são

aproveitadas pelos romanos para facilitar a intervenção e o controle, mas na prática

funcionavam como instrumentos com estes objetivos desde os primeiros momentos

de sua aparição, como criações imperialistas ou adequações das mesmas finalidades

de estruturas preexistentes. Em princípio, era um organismo através do qual atuavam

os governadores sobre as coletividades de cidadãos e suas relações com os

peregrinos; em época antonina suas práticas culturais tenderam à decadência

(PLÁCIDO, 2009).

Os conventos desempenharam um papel significativo na organização do culto

imperial e manutenção da coesão política das comunidades indígenas em torno do

poder central. O convento apresentava um templo que estava dedicado ao imperador

e a Roma. Junto aos conventos, a cidade (civitas) também realizava a organização

administrativa. A cidade se apresentava traçada de acordo com regras e planos

urbanísticos precisos, que como vimos, foram herdados de etruscos e gregos.

Dicha estructura tendía a la planta cuadrangular con manzanas de calles ortogonales y organizadas en torno a dos grandes ejes ruteros, el decumano y el cardo máximo, que se cortaban perpendicularmente. En la intersección de estos dos se abría un amplio espacio, el foro o plaza mayor, centro de la vida administrativa, cívica y religiosa. En torno a este principal núcleo urbano se ordenaba un territorio de medianas proporciones. El núcleo urbano era residencia de las familias de medianos y grandes proprietarios de la comarca (oligarquía municipal), además de una plebe urbana, constituída por hombres libres y antiguos esclavos manumitidos. Dicha plebe, o bien se ocupaba de actividades artesanales o comerciales, o bien permanecía ociosa viviendo de la caridad pública – reparto de alimentos, espectáculos gratuitos –, costeada por la oligarquía municipal. De forma que la ciudad, además de ser centro administrativo y cultural de su territorio comarcano, lo era también de consumo e intercambio de bienes, así como de una producción artesanal de certa importancia (MORENO, 1988, p. 28-9).

As condições históricas da conquista romana da Hispânia permitiram que nem

todas as cidades tivessem o mesmo estatuto político-administrativo. Tais aspectos

refletiam na autonomia e na carga financeira da cidade em relação ao estado e

48

governo central romano, além de incidir na condição jurídica pessoal da maioria de

seus habitantes: cidadãos romanos com plenos direitos, cidadãos com direito

limitados e súditos estrangeiros. Deste modo surgiram títulos para qualificar as

cidades hispânicas: colônias romanas, municípios romanos, colônias latinas,

municípios latinos, cidades livres e federais, e estipendiárias (MORENO, 1988).

Uma cidade provincial que conseguisse a designação de colonia obteria a

mesma condição das aldeias fundadas por emigrantes da Itália. Esta designação não

arrecadava vantagens legais ou econômicas, mas assegurava um grande prestígio,

pois ser uma colonia seria ser tão romana quanto Roma. Por isso então a intensa

procura dos municípios em se tornarem colônias, em adotar a herança e a cidadania

romana. Este fenômeno alude a importância de Roma não precisar impor sua cultura

às províncias, mas no fato de elas desejarem adotá-la (HADAS, 1969).

A fundação de colônias foi um dos processos mais eficazes de romanização,

em alguns casos o conceito jurídico de colônia era concedido posteriormente à

fundação de verdadeiras colônias, em outras situações, algumas antigas cidades que

reuniam cidadãos romanos passaram à condição legal de colônias (TOVAR;

BLÁZQUEZ, 1975). Ao longo do tempo as colônias deixam seu status de fundações

latinas, sem concessão à cidadania, para se constituírem em grandes colônias de

cidadãos romanos (CORNELL; MATTHEWS, 2008). Nota-se, paralelamente, que já

no século II a.C. o título de colônia romana tornara-se honorífico, sem grandes

repercussões aos habitantes das cidades (MORENO, 1988).

Podemos observar a situação urbana da Hispânia no período augustano:

Bajo Augusto hubo en Baetica 175 comunidades urbanas, entre ellas 9 coloniae, 10 municipia y 27 poblaciones con derechos latinos; Tarraconensis contaba con 12 coloniae y 13 municipia, pero poseía no menos de 20 poblaciones privilegiadas más; y Lusitania, entre 45 centros urbanos no podía alardear más que de 5 coloniae, un municipium y tres poblaciones con derechos latinos (MORRIS, 1984, p. 87).

Essas diferentes proporções englobadas pelas distintas províncias refletem

tanto seus diferentes graus de romanização, como também suas oportunidades

econômicas. Ao completar a reorganização imposta por Augusto na segunda década

da era cristã, se havia lançado as bases do futuro sistema ibérico de assentamento

urbano. Poucas cidades não romanas alcançaram destaque no Império. Depois de

49

Augusto, Vespasiano elevaria umas 350 vilas à classificação de municipium,

concedendo assim direitos latinos. Além de gradualmente, com o percurso do Império,

as cidades de tipo colonia ou municipium, acabaram tendo suas distinções diminuídas

(MORRIS, 1984).

2.7 COLÔNIAS, A POLÍTICA DE CÉSAR E AUGUSTO

Sob os governos e obras de César e Augusto ocorre um importante avanço na

política de urbanização da Hispânia, tal impulso se centrava no processo de

desenvolvimento urbanizador romano, por meio de fundações de várias colônias e

municípios romanos no território peninsular (SÁNCHEZ, 2009). Com os problemas

sociais e econômicos que causariam a queda da República, a emigração de cidadãos

romanos para as províncias revelava-se fundamental para a resolução do problema

de pobreza do campesinato itálico, que enfrentava a falta de terras para cultivo na

Itália (CORNELL; MATTHEWS, 2008).

A emigração de muitos italianos livres para as províncias se sucedeu em

grande parte forçadamente, visto que as colônias no ultramar, antes de Júlio César,

apresentavam-se numericamente poucas e desconfortáveis; contudo, segundo

Suetônio – historiador latino –, com a política de colonização em grande escala

liderada por César, mais de trinta províncias receberam por volta de 80000 cidadãos

com suas famílias, entre proletários e veteranos (Idem, 2008). Na Hispânia, boa parte

dos desempregados seguiu para a Citerior e a região da Bética Ulterior (MORRIS,

1984).

A base da colonização urbana de Hispânia foi reorganizada sob Júlio César; a

ampliação do sistema colonial aliviava o desemprego em Roma, ao mesmo tempo que

avançava as fronteiras dos territórios, que em sua custódia se fundavam colônias tipo

semimilitar. O domínio romano sobre a área colonizada se consolidava com a

fundação de redes de colônias, municípios e outros assentamentos menores, fato que

também apresentava a superioridade do Império. O primeiro tipo de colônia

semimilitar, requeria ser povoada com cidadãos de confiança, com preferência à

classe de legionários desmobilizados, diferente das novas colônias fundadas em

regiões pacíficas, que podiam contribuir para a solução do problema da plebe urbana

(Idem, 1984).

50

Desta forma, a colonização na Itália e nas províncias, do século I a.C., final da

República, se transformou também em um projeto recompensador de líderes políticos

para seus partidários e veteranos militares (CORNELL; MATTHEWS, 2008). À medida

que as fronteiras de Citerior e Ulterior foram adentrando progressivamente os

territórios indígenas, se fundavam novas cidades (MORRIS, 1984). Muitas dessas

colônias foram fundadas em locais junto às cidades nativas já existentes, portanto

transformadas em cidades duplas. Durante este período, esta medida foi aplicada

como caminho para solucionar conflitos e conquistar aliados (CORNELL;

MATTHEWS, 2008). Assim, César focaria como objetivo entregar terras aos antigos

veteranos de guerra e premiar as comunidades indígenas aliadas contra seu rival

Pompeu (MORENO, 1988).

Augusto continuou a política de fundação de colônias na Hispânia, começada

por César, fundando aproximadamente 75 colônias provinciais; porém, diferente do

segundo que concedeu predominantemente o estatuto de colônia para muitas cidades

de caráter civil, Augusto outorgava às fundações militares, sendo o mais importante

exemplo Emerita Augusta (atual Mérida), fundada para os veteranos das guerras

hispânicas e que brevemente se tornou capital administrativa da província da Lusitânia

(TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975). Augusto dirigiu campanhas militares, entre 26 a.C. e 25

a.C., contra as tribos celtiberas localizadas nas regiões setentrionais de Cantábria e

Astúria; acreditando-se vitorioso fundou a colônia de Emerita Augusta para seus

veteranos licenciados, antes de retomar as lutas que se prolongaram até 19 a.C., ano

em que toda a Hispânia foi por fim conquistada (MORRIS, 1984).

Augusto aproveitava tal sistema colonial e investia em obras urbanas por

muitos pontos do Império. Na Hispânia, investiu-se nas planícies setentrionais –

regiões centro e norte – onde não havia existido assentamentos urbanos ou

aglomerações que merecessem ser conservadas. A colonização das tribos das

montanhas do norte se efetuou com a política romana de fundações de novas cidades,

tais cidades romanas se constituíam como únicos assentamentos urbanos (Idem,

1984), já que a vida urbana era praticamente desconhecida pelos indígenas. Estes,

por sua vez, passavam a se assentar nas vizinhanças dos acampamentos de

legionários romanos. Assim, se conseguia administrar e vigiar as populações

submetidas, além de formar centros urbanos, que de agrupações indígenas foram aos

poucos adquirindo aspectos de cidades romanas (MORENO, 1988).

51

Isto se fazia possível de maneira que, como analisamos, para o

estabelecimento romano nas regiões das províncias da Hispânia Ulterior e Hispânia

Citerior foram empreendidas políticas de integração, governo direto, presença militar

e muitas guerras que persistiram por muitos anos devido a sua longevidade – até a

época de Augusto. Muitas das técnicas empregadas nas conquistas visavam a

consolidação de fronteiras, para tanto os romanos se utilizavam de estabelecimentos

com acampamentos de legionários e de auxiliares no lado romano da fronteira. Assim,

as províncias recebiam o exército e se tornavam pontos centrais e eficazes de

romanização, quando os acampamentos de legionários originavam povoações

informais, as canabae, e nas proximidades geravam povoados civis, as conhecidas

municipia. A necessidade de manter exércitos na região da Hispânia proporcionou a

instalação de acampamentos fixos, que também deram origens a novas cidades

coloniais (CORNELL; MATTHEWS, 2008).

Por conseguinte, as principais cidades novas correspondiam ao tipo colonia ou

municipium, e se diferenciavam por sua natureza legal, de administração local

(MORRIS, 1984). A fundação de novas colônias propiciava a concessão de estatuto

de município a muitas cidades indígenas. Muitas comunidades nativas, principalmente

os aglomerados ocidentais, que receberam a cidadania romana e condição de

municipi, uma vez que já mantinham contato com Roma, adequaram suas estruturas

e formas de vida a nova situação (CORNELL; MATTHEWS, 2008; SÁNCHEZ, 2009).

O progresso da romanização, mediante a conquista de Roma do território da

Península Ibérica, consistia na defesa dos povos pacificados daqueles que estavam

livres mais ao norte e oeste da Hispânia. Através dessa concepção, Roma defendia o

território urbano e provocava grande aceitação dos romanos pela aristocracia local

(TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

Ao longo do tempo, as povoações indígenas da Península Ibérica tenderam a

imitar e adotar o padrão de organização de assentamentos romanos, organizando-se

política e urbanisticamente conforme o modelo implantado pelo governo na província.

Algumas comunidades autóctones que se organizavam em entidades tribais maiores

tiveram suas estruturas transformadas por Roma, atendendo a criação de novos

centros urbanos, via fundações de cidades. Por outro lado, a conquista romana

estabeleceu assentamentos de colonos e legionários, que se agrupavam em novas

cidades criadas para esse propósito no território (SÁNCHEZ, 2009).

52

Neste período, o território da Península Ibérica esteve formado por uma rede

diversificada de novos centros urbanos fundada por Roma, e uma série de núcleos

indígenas que possuíam distintos níveis de romanização, de diferentes concessões e

benefícios. Tanto colônias como municípios governavam-se segundo suas próprias

instituições. Os municípios podiam ser de dois tipos: bem romanos, onde se concedia

cidadania a todos os habitantes e se fornecia novas instituições de governo; ou bem

de direito romano, onde se possuía parte dos privilégios dos anteriores (SÁNCHEZ,

2009). No ano de 74 d.C., Vespasiano concederia o estatuto transitório do Direito

latino (Ius Latii minor) a todas as cidades hispânicas, que logo adotariam as

instituições da vida municipal e suas oligarquias ascenderiam à cidadania romana

(MORENO, 1988).

2.8 ROMANIZAÇÃO

Roma se impôs pela força e também pelo seu sistema civilizacional, conhecido

como o fenômeno de romanização, onde a cidade era o principal instrumento do

mecanismo de expansão imperial: desde seu traçado original até sua arquitetura

específica.

Este desenvolvimento urbano foi apenas um dos muitos aspectos perenes do processo de ordenamento do território. Estendeu-se a todos os tipos de paisagem, incluindo nivelamento de solos, a construção de estradas e de pontes e, em especial, de aquedutos, que eram indispensáveis à vida nas cidades, à indústria e à irrigação dos campos. Este domínio do homem sobre a natureza caracterizou extensos projectos de drenagem e de aproveitamento de pântanos, navegabilidade de rios e criação de portos seguros, equipados com molhes, armazéns e cisternas, quer para navios mercantes quer para vasos de guerra (STIERLIN, 1997, p. 47).

Desta maneira Roma submeteu esta organização primeiramente à Península

Itálica, em seguida à Península Ibérica e, posteriormente, às províncias próximas e

distantes do Império, transformando-as homogeneamente, e estabelecendo sua

marca ao mundo ocidental e antigo. As regiões conquistadas foram abastecidas de

estradas romanas e as terras ganharam a divisão do sistema de centuriação (Idem,

1997).

53

Para analisar o caso das províncias romanas da Hispânia que sofreram este

longo processo de romanização, torna-se necessário a compreensão da distinção de

épocas e zonas da Península Ibérica que contribuíram para que este processo

acontecesse. Observa-se que o território da Hispânia mediterrânea desde a pré-

história esteve aberta a colonizadores do Oriente, entre comerciantes gregos e

púnicos; estes antecedentes da cultura helenística dissipados por tais colonizadores

na região facilitaram a assimilação de correntes da civilização pela população nativa,

consequentemente, permitiu mais rápida assimilação romana devido a esta ensaiada

influência da helenização (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

Como já se verificou, a Península Ibérica com sua extraordinária riqueza em

metais, foi submetida a grandes colonizações itálicas, onde Roma buscou explorar

suas minas. A presença no território peninsular da população itálica foi fundamental

para a romanização e civilização dos povos da Hispânia. Assim, percebemos que a

colonização esteve relacionada com a intensa exploração da península, como uma

das questões fundamentais para desencadear a profunda romanização da Hispânia.

Neste cenário, do século I a.C., destaca-se o período de ouro da exploração e

colonização da Hispânia (Idem, 1975).

Uma das questões fundamentais para a compreensão da romanização consiste

em também superar a visão tradicional, em que explica a romanização como um

processo mecânico de substituição das realidades indígenas pelas romanas; deve-se

perceber a romanização como um processo de integração cultural, de mudanças e de

continuidades e de validações de tradições ou realidades anteriores, que embora

fosse empurrada pelo poder dominante, fora resultante de realidades híbridas,

fenômenos de convergência e adaptações, com muitas raízes e protagonistas

(BENDALA GALÁN, 2014).

2.8.1 Relações interétnicas: exército, colonos e indígenas

A presença do exército romano na Península Ibérica representou a progressiva

conquista do território, ao mesmo tempo que desencadeava o início da romanização,

um processo que em grande parte revelou a aculturação através do qual os povos e

comunidades indígenas incorporariam e fariam seus costumes e formas de vida ao

modo romano (SÁNCHEZ, 2009). A expansão romana pela Hispânia e o

54

estabelecimento de veteranos do exército em colônias, desencadeou a propagação

de elementos itálico-romanos no território. Isto se fazia possível uma vez que a

presença romana apresentava também um caráter misto de colonos, comerciantes e

soldados, que se concentraram nos primeiros tempos nas regiões do sul e leste da

Hispânia (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

Os meios pelos quais foram desenvolvidas as transformações no território

foram diversas e cobriram variadas situações em que os habitantes da península

tratavam com os colonos ou instituições romanas que os governavam. Uma delas, o

exército, que entrou em contato com as populações locais, como também esteve

composto de cidadãos romanos, aliados itálicos e auxiliares indígenas. A influência

do exército sobre seus soldados ocasionava em uma intensa exposição ao impacto

da cultura romana, sobre o idioma, modo de vida e costumes romanos. Também, ao

término do serviço militar, aos soldados era concedida cidadania, direitos e prestígios

romano (SÁNCHEZ, 2009).

Por outro lado, o exército se fazia presente no território através de

acampamentos e guarnições apresentados em cidades, o que proporcionava contato

diário com os habitantes e, consequentemente, desenvolvia relações de laços

familiares entre soldados e mulheres indígenas – mesmo que não reconhecidas

legalmente. Muitos destes legionários licenciados, depois de muito tempo de serviço,

não regressavam à Itália, permaneciam na Hispânia e se instalavam em colônias.

Junto a estes, se somavam colonos que chegavam a Hispânia atraídos por sua

riqueza agrária e proteção oferecida pela presença do exército, além também dos

indivíduos que se assentavam nas novas províncias com o intuito de fazer negócio e

prosperar (Idem, 2009).

Desta forma, a romanização seguia manifestada em diversos elementos da

vida cotidiana: na expansão do latim, trocas de vestiário ou tipos construtivos, uso de

nomes romanos, aceitação do direito penal, a instauração de uma nova organização

provincial, desenvolvimento de costumes, de banhos e espetáculos públicos romanos.

Em todo o Império observa-se que a Hispânia por ser uma das primeiras províncias

conquistas por Roma, interessada em controlar o território amplo, variado e rico,

manteve em algumas regiões, desde os primórdios, uma profunda romanização.

Entretanto, como observamos, considera-se que a romanização não foi um fenômeno

imposto pelos conquistadores, mas sim um interesse das elites locais por integrar-se

ao novo Estado romano, e garantir assim seus status e privilégios (Ibidem, 2009).

55

O desenvolvimento e a expansão da administração foram outro elemento

romanizador, por abranger a totalidade do território controlado por Roma. O governo

provincial seguia uma organização propriamente romana que pretendia unificar as

diversas formas de organização social, econômica e política. A criação de novas

cidades influenciou, por sua vez, todo o território e arredores que estendia seu poder

e autoridade. Deste modo, os indígenas podiam conhecer as formas de governar dos

romanos e de seus edifícios e construções, dedicados para diferentes deuses e

atividades por eles desconhecidos (SÁNCHEZ, 2009).

A concessão de cidadania à população indígena pode ter impactado a vida dos

habitantes do território, pois permitia direitos e privilégios aos que a possuíam,

principalmente aos dirigentes autóctones. A concessão da cidadania funcionava como

uma isca para integrar a população indígena com a cultura romana.

Entre estos privilegios destacaban el ius comercii, o derecho a la propriedade; el ius connubbi, es decir el derecho a contraer matrimonio reconocido por el estado; el ius sufragii, que no era otro que la capacidad de votar en la asamblea de ciudadanos; y el ius honorum, el derecho a ejercer los cargos públicos (Idem, 2009, p. 54).

Essas influências diárias e permanentes foram transformando aos poucos o

território peninsular e também a forma de vida das populações que habitavam estes

espaços. Entretanto, o nível de romanização não atingiu uniformemente toda a

Península Ibérica, apresentando diferenças regionais. A romanização na Hispânia foi

mais profunda na Bética e atingiu algumas regiões como as áreas do litoral

mediterrâneo e o vale do Guadalquivir; ao contrário de algumas zonas mais

setentrionais e áreas do interior da península, onde as estrutura e formas de vida

indígenas sempre foram mais intensas e enfrentaram maiores resistência (MORENO,

1988; Ibidem, 2009).

Mesmo assim, observa-se que o prolongado domínio romano da Hispânia

afetou toda a população provincial. E isto permitiu, a partir do século I d.C., com o

termo hispanorromanos, designar a população da Hispânia como pertencente a um

novo ambiente cultural (Ibidem, 2009). Mesmo com resistências indígenas, a cultura

romano-mediterrânea com suas formas e conceitos influenciou todo o território da

Hispânia, ocorrendo processos de aculturação, criação de mistificações e

sincretismos (MORENO, 1988).

56

Percebe-se que ao longo do desenvolvimento da história hispânica, com a

romanização, ocorreram mudanças e rupturas nos problemas de assimilação cultural

e resistência indígena em relação ao âmbito religioso (MORENO, 1988). Nesta esfera

do religioso podemos notar o processo de aculturação. Nos primeiros momentos da

conquista romana, o panteão romano – já identificado com o grego – foi penetrado.

Sob o regime imperial, Augusto estabeleceu que determinados cultos se

convertessem em símbolos deste, como uma espécie de religião oficial.

Tales cultos oficiales habrían sido el de la Tríada Capitolina – compuesta por Júpiter, Juno y Minerva –, el de la diosa Roma, el del emperador y el de los genios imperiales deificados tras su muerte. Los templos a ellos dedicados, sobre todo a los tres últimos, ocupaban un lugar preeminente en toda ciudad hipánica de tipo romano, y su culto estaba estrictamente garantizado por sacerdotes jerarquizados por municipios, conventos y provincias (Idem, 1988, p. 58-9).

Paralelamente, a unificação do mundo mediterrâneo via Império Romano

significou uma transformação nas ideias e crenças religiosas entre suas diferentes

regiões. Verifica-se que desde o século II a.C. as sociedades urbanas do Mediterrâneo

vinham aceitando com grande êxito as crenças religiosas de procedência oriental. No

Ocidente romano estes cultos orientais foram aceitos por grupos populares e

intelectuais, pois não distinguiam diferenças sociais e ofereciam mensagens de

consolação e salvação além vida. Entre estes grupos de difusão estavam

comerciantes, escravos, artesãos e, principalmente, soldados, que formavam um meio

social e cultural mesclado e propenso a esse tipo de crenças. Entre os séculos II d.C.

e III d.C. os cultos de Ísis, Mitra e Serápis foram os mais difundidos na Península

Ibérica (Ibidem, 1988).

2.8.2 Estradas para romanização

Durante as primeiras fases de expansão imperial romana, na região da

Hispânia, o planejamento colonial sofreu com a pacificação e a guerra. À medida que

as operações militares penetravam pelo território, se implantava os processos de

assentamentos urbanos e, em seguida, se exigia ampliação e melhorias na rede de

estradas para as regiões conquistadas (MORRIS, 1984). Esta necessidade permitiu

que o exército desempenhasse um papel fundamental na conquista e administração

57

das províncias da Hispânia. Uma vez que após a submissão do território, o exército

ficava encarregado de exercer tarefas de controle e polícia, se converteu, ao longo do

tempo, em um corpo de exploração da engenharia, passando a realizar projetos de

obras militares e civis. A expansão e o domínio militar romano das províncias esteve

muito ligado ao objetivo de controle do território e na rapidez do movimento das tropas

(SÁNCHEZ, 2009).

Desta maneira, o emprego das forças militares se somava às funções para a

economia, ao assegurar o desenvolvimento do transporte de mercadorias entre as

povoações; além de ser também utilizadas na construção de estradas, que adquirem

importância como canais de expansão da romanização (Idem, 2009). A construção de

novas estradas e a manutenção do sistema existente demandavam uma atividade

contínua. No período de Augusto o exército construiu estradas militares e adicionou

novas vias comerciais, além de se renovar as já existentes, uma vez que as vias se

tornavam fundamentais por permitirem as relações militares e econômicas. A dinastia

Júlio-claudiana contribuiu para o progresso hispânico ao investir na extensão e

melhoria viária essenciais para as necessidades militares e econômicas (MORRIS,

1984).

A construção de estradas romanas tivera fins militares, mas logo as vias se

converteram em artérias da romanização e comércio, revelando-se elementos

importantes para a civilização (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975). As estradas romanas

permitiam que exércitos e mensageiros oficiais se deslocassem rapidamente, em caso

de emergência, assim se constituíram como rápidos meios de comunicação que

venciam as distâncias. Por causa de tais finalidades, as estradas sempre seguiam o

traçado mais reto possível, podendo ser construídas em nível superior à paisagem

que as cercavam para facilitar o deslocamento (RATHBONE, 2011). As vias romanas

podiam atravessar todos os tipos de terrenos: pântanos, relevos, galgavam rios;

superavam-se as adversidades naturais com diques e pontes, escavando montes e

encostas ou desenvolvendo novas estratégias para regular a rota das estradas

(STIERLIN, 1997).

58

Figura 3. O mapa apresenta as principais vias romanas em conexão com os assentamentos

urbanos mais importantes da Hispânia. A rede de estradas das províncias peninsulares significou a integração dos territórios no mundo romano. A rede de comunicações garantia

rápidos deslocamentos de tropas e, consequentemente, estabilidade das fronteiras. (MORENO, 1988, p. 43).

As estradas eram construídas pelos soldados que escavavam uma trilha larga

e profunda, em seguida comprimiam o subsolo e depois nivelavam com materiais

locais: camadas de entulhos eram intercaladas com areia ou cascalho e a superfície

podia ser revestida com cascalho, paralelepípedos ou escória de ferraria

(RATHBONE, 2011). Assim a construção de estradas compunha-se de várias

camadas ou estratos e podiam alcançar um metro de profundidade. A camada mais

profunda era o statumen, de grandes pedras, seguida do rudus, com pedras de

tamanho médio, somada do nucleos, com cascalho misturado com pedras menores,

e em nível superior o pavimentum ou suma crusta, de grandes lajes de pedras,

destinado aos transeuntes e veículos. As vias eram construídas de forma convexa

para evitar acumular águas das chuvas em seu trajeto (SÁNCHEZ, 2009), além de

59

apresentarem valetas laterais, com boa drenagem para suportar diferentes condições

meteorológicas (RATHBONE, 2011).

Figura 4. Elementos de uma seção de estrada ideal da época do Império Romano que

chegaria em grandes cidades. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/calzada_romana.jpg>. Acesso em:

12/12/2014.

As redes de estradas retas com pavimento profundo caracterizaram-se como

grandes realizações duradouras. As estradas romanas também foram marcadas pela

organização, visto que ao longo de seus caminhos existiam os marcos miliários, a

cada milha romana – mil passadas ou cerca de 1500 metros (Idem, 2011). Os marcos

constituíam-se em grandes pedras com inscrições que indicavam o ponto da via que

se encontrava e o nome do imperador ou magistrado que a construiu ou realizou sua

manutenção (SÁNCHEZ, 2009). As estradas e marcos miliários recebiam maior

atenção da política reconstrutora quando as mesmas escoavam as importantes

explorações mineiras (PLÁCIDO, 2009).

A Hispânia contava com diversas vias principais que comunicavam as cidades

entre si (SÁNCHEZ, 2009). Uma das principais vias da Hispânia era a estrada de

Emerita Augusta (Mérida), a capital da Lusitânia, no oeste peninsular, que conectava

a rede viária romana com todo o Império. A rede viária permitia intercâmbios de ideias

e de mercadorias, que transformaram a Hispânia indígena com a nivelação de

estruturas através da romanização. Caminhos públicos e privados se interconectavam

como veículos onde a romanização podia alcançar toda a Península Ibérica (TOVAR;

BLÁZQUEZ, 1975).

Desde o início do período do Império romano a Hispânia se organizava

mediante o sistema viário e portuário para atender os novos intercâmbios. As estradas

60

potencializavam as atividades dos portos ao facilitarem as comunicações entre as

diferentes localidades, os grandes centros e o Mediterrâneo (PLÁCIDO, 2009). As vias

se apresentavam imprescindíveis para os intercâmbios de produtos no interior da

Península Ibérica, bastante importante consistia tal comércio centrado nas diferentes

cidades, estas que assumiam funções militares e de tributação, colaborando para o

desenvolvimento das relações de intercâmbio. O desenvolvimento do comércio

exterior mantinha relações estreitas com a reorganização, imposta por Augusto e

mantida por seus sucessores, da rede viária das estradas. Grupos de estradas e rotas

bordavam a planície peninsular e se ligavam aos principais pontos, que permitiam a

comunicação com as regiões do interior, grandes produtoras de matérias-primas, com

os mais importantes pontos de embarque, fluviais e costeiros, sobretudo com as

costas mediterrâneas que asseguravam as comunicações com a Itália. O comércio de

exportação se compunha essencialmente de produtos agrícolas e matérias-primas,

principalmente sal, azeite e minerais; o comércio de importação constituía-se

principalmente por produtos de luxo provenientes da Itália e Oriente (MORENO,

1988).

2.8.3 Estrutura e modelos urbanos

A romanização apresentou como consequência a transformação da realidade

e da estrutura urbana da Hispânia. Isto se sucedeu uma vez que após a conquista

romana, realizou-se uma progressiva implantação dos modelos urbanísticos e

arquitetônicos romanos no território peninsular (BENDALA GALÁN, 2000-1).

Através da análise da organização territorial e urbana, e as suas mudanças,

podemos verificar a integração das culturas hispanas e do Império Romano, em uma

convivência das tradições pré-romanas e das novidades fornecidas pela romanização.

Deste modo, podemos perceber dados que apontam tanto para a influência da

tradição local, quanto o triunfo cultural da potência dominante, com a romanização

(Idem, 2000-1).

O estudo das estruturas territoriais, de modelos urbanos e arquitetônicos,

permite compreendermos a natureza cultural e sua longa duração, através de uma

leitura histórica e arqueológica que valoriza o território e sua transformação

antropogênica, cujos elementos mais valorizados constituem-se de aglomerações

61

populacionais e urbanas. A análise da romanização e sua incidência ou relação com

as estruturas territoriais, caracterizadas pelos sistemas de cidade, adquire uma nova

importância ao atingir as diferentes culturas hispânicas e sua evolução. Das

mudanças mais importantes que ocorrem com a romanização, a mais evidente são as

transformações urbanísticas (BENDALA GALÁN, 2000-1).

A conquista de territórios tão distantes e rentáveis como os da Hispânia, foi

resultado, como acompanhamos, das ambições e aspirações da aristocracia dirigente

de Roma, e causa principal da crise que acabou com a República e deu lugar ao

Principado. O controle e o governo das províncias hispânicas, em constante

crescimento, se realizavam improvisando soluções de progressos, explorando o poder

militar que impunha e mantendo a posição de domínio, por meio da organização das

cidades e regiões que incorporavam o Império para satisfazer os interesses de Roma.

A existência de uma organização suficiente da Hispânia era uma condição necessária

para a conquista romana na época. A estrutura interna cumpria o princípio de

autonomia administrativa, subordinada ao estado romano, no caso, a estrutura

urbana, próxima aos modelos romanos ou itálicos (Idem, 2000-1).

A existência de uma longa trajetória na implantação de formas de organização

urbana no território da Hispânia adquiriu diferente caráter e grau de desenvolvimento

segundo suas regiões (Ibidem, 2000-1). A chegada dos romanos trouxe consigo uma

grande atividade urbanística, sendo o urbanismo muito desenvolvido na região da

Bética (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975). O amplo desenvolvimento urbano desta Hispânia

mais “politizada”, da costa mediterrânea, facilitou a conquista e dilatou a romanização,

enquanto as terras do interior demonstravam-se limitadas as incorporações urbanas,

que sem esta condição estrutural necessária dificultou a conquista dos romanos e o

estreitamento da romanização. Estas últimas regiões, por uma dissintonia estrutural,

se impulsionaram a rechaçar o domínio estrangeiro romano e a manter sua

independência e suas próprias tradições (BENDALA GALÁN, 2000-1).

O ponto de sintonia estrutural da região mais urbanizada sofreu, em primeiro

momento, um grande processo de integração helenística pelos cartagineses, e em

seguida facilitou a conquista romana e, consequentemente, a romanização. A

romanização foi possível através da continuidade e aproveitamento da dinâmica

cultural em andamento com a presença cartaginesa, facilitando o plano estrutural de

Roma para a conquista. Deve-se considerar que a presença cartaginesa em território

da Hispânia se organizava econômica e territorialmente com a influência de matriz

62

helênica, ou de sua projeção de modelos urbanísticos e arquitetônicos. As principias

cidades se construíam de forma monumental com modelos urbanos helenísticos, um

espaço configurado por uma arquitetura ao serviço do poder, criadora de referências

às manifestações helenísticas. Se exaltava a super-humanidade dos príncipes, com

projeção no âmbito militar do dirigente soberano, um modelo condutor da trajetória

dos líderes da Antiguidades até a consagração do Principado em Roma (BENDALA

GALÁN, 2000-1).

Estes fenômenos observados a partir da estrutura urbana em Hispânia, conecta

o antes e o depois da conquista romana, permitindo compreendermos que parte do

território com configurações helenísticas, consentia os dirigentes romanos a aumentar

a absorção imperialista nos territórios hispanos, em termos de conflitos ou encontros

com elites urbanas ligadas aos padrões de conduta helenísticos, que se colidiam ou

concordavam com as buscas de poder ou influências. Os Cipiões, principais

protagonistas da conquista romana da Hispânia, encarnavam em Roma os ideais dos

príncipes helenísticos, que como depositários da província de Hispânia e da

organização de suas províncias, conduziram-na com grande independência de Roma;

coincidindo com os Barca em relação a Cartago, também feitos à figura de príncipe

helenístico (Idem, 2000-1).

Para melhor compreensão, nota-se que o contato com a divindade facilitava

definitivamente a conversão do soberano em um deus, que garantia a relação

necessária ente homens e deuses. À imitação de Alexandre, o Grande, foi o ideal que

encorajou os líderes das sociedades expansionistas e imperialista a lutarem pela

hegemonia na Antiguidade, no período helenístico. Os líderes cartagineses que

aspiravam criar um império praticamente universal, com os Barca, seguiram o modelo

de Alexandre. E assim também fizeram os líderes romanos, com os Cipiões, no final

da República (Ibidem, 2014).

Encontros entre hispanos e romanos que exaltavam o soberano geravam a

fusão de tradições aristocráticas ibéricas, com influxos helenísticos vinculados aos

gregos e cartagineses. Disto permaneceu uma base hispana que configurou o mesmo

culto imperial romano, precoce na Hispânia pelas próprias tradições, e outros fatores

(Ibidem, 2000-1).

Esta Hispânia politizada, cenário de desenvolvimento urbano antes da

conquista romana, oferecia as condições adequadas para se integrar ao Império de

Roma, uma vez que incluía também incorporações aos padrões culturais helenísticos

63

que apontavam uma nova potência hegemônica. A região meridional da Península

Ibérica fora caracterizada por uma diversidade regional vinculada a correntes culturais

e organizativas de influxos coloniais gregos e fenício-púnicos, em que o urbanismo se

apresentava de forma helenística. Esta porção da Hispânia constituiu-se como o

território de ocupação inicial de Roma, que como verificamos, estruturou as províncias

de Hispânia Citerior e Hispânia Ulterior, consolidadas desde 197 a.C., base logística

e militar de uma extensão da conquista do resto do território peninsular, que

demandou muito empenho e tempo, muito pela necessidade de proceder a reformas

estruturais profundas (BENDALA GALÁN, 2000-1).

Através deste quadro, e ao situarmos a romanização no plano estrutural,

compreende-se que corresponde a um plano definido pela existência de formas de

vida urbana que entraram em contato na ocasião da conquista. A pesquisa do

desenvolvimento da cidade na Hispânia pré-romana permite localizar os fenômenos

decorrentes da conquista, começando com sua própria possibilidade: o êxito inicial da

conquista romana – resultante dos anos entre 218 a 206 a.C., época da luta contra os

cartagineses – deveu-se ao fato de Roma dispor de uma estrutura válida para apoiar

seu domínio; além de aliado a estes propósitos, observa-se uma prévia integração de

uma parte substancial da Hispânia na corrente helenística, através do domínio dos

Barca, que se constituía uma realidade. Assim, a romanização assumia a dinâmica de

continuidade da anterior, com um novo significado, de modo que sob a ação de Roma

a romanização iniciava um processo de sintonização que facilitava a integração dos

principais setores da Hispânia ao Império (Idem, 2014).

Confrontando a ideia de que a conquista de Roma representou uma mudança

total ou radical da realidade, quanto mais assentada ou sólida fosse a estrutura urbana

que começava, maiores eram as tendências estruturais que persistiam. Dentro da

visão tradicional, a província da Bética era a mais romanizada, porém frente a

realidade arqueológica e dados históricos e culturais disponíveis demonstram o

contrário: uma continuidade substancial do domínio estrutural de época pré-romana

em período de domínio de Roma; o território seguiu apresentando uma rede de

estrutura urbana, instituições, sistema de organização e de exploração do território,

minas e produtos marinhos e etc. Isso aconteceu nos primeiros séculos de dominação

romana, contudo, ao longo do tempo, Roma tornou suas contribuições mais

substanciais nas culturas ou nas culturas que se iniciaram a dominação, acabando

64

impostas como determinantes da paisagem cultural da Hispânia (BENDALA GALÁN,

2014).

As contribuições dos romanos ou a romanização devem ser encaradas como

adições importantes em todos os seus sentidos a uma realidade prévia, sem que sua

existência apagasse necessariamente a anterior. A romanização, muitas vezes, se

compreende como algo que manchou ou determinou a totalidade do corpo cultural

que se projetava, como o que ocorria com uma cultura ou região, no caso a Bética,

que estava em determinado momento “completamente romanizada”, ou seja, que tudo

nela havia de romano, porém sem melhorias ou rachaduras. Como se as realidades

culturais pré-existentes desaparecessem em uma massa cultural uniforme

apresentada como romana. Entretanto, constata-se que as culturas pré-romanas

perderam sua entidade ao se introduzirem na cultura romana, desta forma, com a

ação dos romanos as culturas pré-romanas permaneceram submissas em uma

totalidade dominante, Roma (Idem, 2014).

2.8.4 Formas urbanas

Em uma sociedade predominantemente urbana como a romana, as cidades

constituiram-se como um marco onde se desenvolvia sua vida essencial. Graças à

força militar romana e sua política urbana, a Península Ibérica entraria, depois de dois

séculos de campanhas, na esfera romana. Esta política urbana consistia em manter

um equilíbrio entre as terras e as necessidades conquistadoras. Roma pensava na

integração urbana dos territórios dominados, adequando-se conforme o grau de

desenvolvimento urbano de cada área cultural, para tanto, os romanos se apoiaram,

muitas vezes, na tradição urbana peninsular existente. Os critérios de atuação romana

seguiam, geralmente, em: primeiro, aproveitar quando possível a estrutura anterior

dos núcleos preexistentes, flexibilizando o conceito de cidade para que se adaptasse

à fórmula organizativa das próprias nos territórios conquistados; segundo, aumentar

as cidades novas a partir do reagrupamento de centros menores já existentes

mediante a aglutinação por sinecismo – fusão de pequenas comunidades numa maior

que totalmente as substituísse – ou contributio, contribuição; terceiro, fundar cidades

novas, como o caso de Emerita Augusta (Ibidem, 2000-1).

65

Estes três critérios se aplicavam segundo a necessidade e eram administrados

a partir de um princípio de economia política conforme se avançava a conquista, das

primeiras etapas com a República, passando por César e Augusto, até a instauração

do segundo, com o Principado como sistema político mais adequado ao governo do

Império. Nas primeiras fases da conquista, Roma conformou-se em aplicar sobretudo

o primeiro critério e basear-se na organização já existente, ao longo do tempo fora

crescendo a capacidade de intervir nela devido a conquista se estender a territórios

organizativos menos próximos aos apropriados para o Império; o resultado pela

acumulação de mudanças e o acompanhamento de padrões de atuação mais

caracterizadamente romanos ocasionaram uma grande transformação no plano

organizativo e morfológico. Os casos de continuidade urbana foram paulatinamente

sofrendo mudanças com o impacto da romanização. Também foi crescente a

incorporação das cidades aos padrões de arquitetura romana (BENDALA GALÁN,

2000-1).

As fundações de cidades novas por Roma podiam acontecer por ex nihilo, que

só levavam nomes demonstrativos dessa desconexão com a estrutura do povoamento

anterior, embora mantivessem um nexo com a rede da povoação preexistente. Mas

muitas vezes se fundam cidades novas inteiramente, pois apoiavam sua organização

no assentamento anterior, embora com transformações muito mais profundas, tanto

que a ampliação ou duplicação destes assentamentos renovados podiam ser feitos

mediante à fórmula de dípolis – criação de uma cidade ligada ou próxima a um núcleo

preexistente; estas cidades duplas mais tarde se fundiam em uma entidade urbana,

como o caso da grega Empórion absorvida pela romana Ampúrias. Este novo sistema

em que cidades novas mostram sua vinculação com assentamentos pré-romanos e

que mantêm seus nomes podem ser incluídos na fórmula do sinecismo ou contributio

– unificação de vários centros menores e entidade em um só, ou vinculação jurídica e

administrativa de centros modestos a outro principal, da qual dependem como

entidades contributas; esta forma de aglutinação, equivalente ao sinecismo que

ocorreu nas polis gregas, recebe o nome de contributo; este sistema implicava na

criação de um novo centro urbano, nova planta ou reorganização dos principais

núcleos integrantes (Idem, 2000-1).

Uma cidade sob este sistema supunha uma importante mudança em relação à

sua organização urbana herdada, embora se apoiasse nela, e tinha o efeito de

destacar a criação de um novo centro urbano a partir das aglomerações preexistentes,

66

muitas vezes em função de um principal, cujo nome se mantinha para a nova cidade,

e com frequência aglutinava outros centros urbanos menores da zona física e jurídica,

que podia se juntar ao adicionado continente de origem romano ou itálico. Mesmo em

cidades de fundações novas, ex novo, como a própria Emerita Augusta, se percebem

propósitos de integração entre os colonos e a nova colônia e a população indígena da

área, que podiam ser convocados em quantidade, de modo conveniente, para

incorporar a nova cidade (BENDALA GALÁN, 2000-1).

As aglomerações que se iniciavam podiam estar distantes de um nível

organizacional urbano ou podiam ser centros urbanos já consolidados, promovidos a

partir de então a uma nova situação por razões geoestratégicas, econômicas ou

políticas. Também, estudos arqueológicos de muitas cidades na Hispânia, sobre sua

formação urbana e arquitetônica, demonstram que algumas delas foram criações

novas promovida por Roma e mantiveram nomes pré-romanos (Idem, 2000-1).

As formas de ação de Roma, de integrar ao Império os territórios

progressivamente conquistados, proporcionaram sua estrutura organizativa, e

apresentavam tendência em obedecer fórmulas e princípios operativos que em

essência eram os mesmos aplicados em todas as partes, embora dependendo das

situações iniciais e diferenças segundo os tempos de aplicação, as cidades podiam

sofrer processos distintos, resultando num quadro diversificado de situações

provinciais em Hispânia (Ibidem, 2000-1).

Em áreas menos desenvolvidas urbanamente pouco se aplicou a fórmula de

aproveitamento direto, entretanto foram um grande meio de promoção de cidades

mediante à aglutinação ou sinecismo de centros já existentes; sua combinação com

uma maior flexibilização da ideia de civitas, e a direta fundação de novos centros

seriam indispensáveis para a nova articulação dos muitos territórios. Deste modo, o

exército desempenhava um papel importante por consolidar os centros urbanos a

partir de acampamentos militares, como também pelo papel dos veteranos que

formavam a base de deductio de muitos centros urbanos, entre os principais, Emerita

Augusta, fundada como ponto estratégico e foco de interação social e territorial entre

as terras mais e menos urbanizadas (Ibidem, 2000-1).

A fundação da colônia de Emerita Augusta, em 25 a.C., no reinado de Augusto,

implementava planejamento urbano e arquitetura típicos de cidades romanas:

templos, balneários públicos, teatro, etc. Emerita Augusta determinou por sua

estratégica influência que a Hispânia fosse totalmente romanizada (STIERLIN, 1997),

67

representando a maturidade de Roma como potência imperialista e da própria

planificação de Augusto, apoiada em novas instituições, em uma visão unitária do

território hispano ao finalizar a conquista. A cidade se converteu em um dos principais

pontos fundamentais da rede viária da etapa do imperialismo romano que se iniciava

com o Principado (BENDALA GALÁN, 2000-1).

2.8.5 Formas arquitetônicas

A romanização urbanística e arquitetônica foram fatores de mudança na

situação prévia da conquista, para além de mudanças na moda ou capacidades

econômicas e técnicas das cidades, constituíram-se, ao final da República, como uma

forma de fazer política a partir de obras arquitetônicas nas cidades. Os núcleos

urbanos formavam um conjunto de edifícios públicos e privados distribuídos por

diferentes áreas da cidade, e sua importância dependia da situação jurídica de cada

assentamento, assim como de sua condição econômica. Para avaliar o status e

prestígio de uma cidade a arquitetura se converteu no principal ponto de referência de

influências e, como em época imperial, tornou-se um veículo de propaganda política

dos imperadores (Idem, 2000-1).

A relação de impulsos sociais e a arquitetura conduziu as cidades a uma

identificação entre a própria cultura e a paisagem antrópica modelado por ela, um dos

elementos definidores dos centros urbanos, e todo quanto demonstrava a projeção da

cidade a uma natureza interiorizada e dominada, onde se tinham um papel primordial

as calçadas, pontes, aquedutos, obras de engenharia de grande interesse aos

romanos. Deste modo, Roma queria perceber a todos a realização de um cosmos

novo, civilizado, estendido a todas as regiões com a expansão do Império (Ibidem,

2000-1).

A arquitetura romana fora convertida num poderoso sistema de linguagem de

alta capacidade de transmissão, prestigiada pelos seus elementos formais e materiais,

que foram difundidos pelos dirigentes romanos através do Império, e pelo seu

prestígio se converteriam também em uma linguagem veicular dos dirigentes

provinciais que assumiram tal arquitetura, propagando-a pelos territórios das cidades

coloniais romanas (Ibidem, 2000-1).

68

Roma assumiria a chegada de um fator determinante no papel urbano e da

arquitetura no âmbito da cidade, impulsionada pela ação dos conquistadores e pela

aceitação progressiva por parte das elites locais que incorporavam a expressão que

sintonizavam com a linguagem e os usos dos poderosos. As incorporações dos novos

parâmetros arquitetônicos, ao modo romano ou itálico, nas cidades hispânicas

formavam expressões de aproximação conveniente para ambas as partes, elites

romanas e nacionais. Em época republicana, magistrados locais se uniram com

magistrados romanos para custear obras públicas para suas cidades, caminho que se

acentuaria a partir do Principado (BENDALA GALÁN, 2000-1).

Para os romanos a arquitetura ocupava uma posição privilegiada, devido tanto

ao seu aspecto prático, como também ao significado político que alcançava na escala

de valores romano. A arquitetura com sua evidência e inserção no contexto cotidiano,

representava a arte romana por excelência, expressão direta da sociedade. Durante

o período republicano, Roma procurou se empenhar e se esforçar em resolver os

problemas práticos mais necessários, como a construção de ruas, aquedutos,

esgotos, termas, pontes e muralhas. Os módulos urbanísticos romanos tiveram uma

difusão mais ampla com a anexação de diversas colônias, elevadas ao nível de

cidadania romana através do cumprimento de rigorosas diretrizes políticas (BOVO,

2006b).

Com a criação de novas cidades ou novos centros, por transferência e

sinecismo de assentamentos ou cidades anteriores, permitiu-se a projeção de novos

centros cívicos com aplicação de fórmulas urbanísticas e arquitetônicas romanas

(BENDALA GALÁN, 2000-1). Durante o Principado, Augusto alavancou um grande

impulso na construção de edifícios, de caráter urbano, pontes e calçadas (TOVAR;

BLÁZQUEZ, 1975). A transformação do Estado, por Augusto, foi implementada em

Roma de forma rigorosa e levou a uma época de paz interna que permitiu o

desenvolvimento econômico e cultural de todo o Império (LIBERATI; BOURBON,

2005). A partir do tempo de Augusto nota-se a ocorrência de um estímulo cultural nas

artes plásticas, na literatura e nas ciências (HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006).

Neste período começavam os grandes projetos de construção do Império,

desenvolvimento de uma vasta política urbanística nas cidades e exaltação do novo

soberano e sua família (Idem, 2006). Os centros antigos e de criação foram feitos com

programas arquitetônicos ao serviço da política imperial, com atenção à marmorização

– como expressão de Roma – para construções de edifícios correspondentes ao

69

cenário político e à propaganda ao imperador e sua família, como teatros, e um

conjunto de fenômenos que impunham novas formas arquitetônicas nas cidades

romanas ou romanizadas (BENDALA GALÁN, 2000-1). Após a morte de Augusto e

sua divinização pelo Senado, o culto imperial foi adotado pela Itália e as províncias,

tornando-se o elo de união entre elas e o Império. Tal fato exprimiria a lealdade de

todos a uma dinastia que garantia a perenidade da paz (HINTZEN-BOHLEN;

SORGES, 2006).

Assim como o latim se convertia em língua oficial manifestado nas escrituras,

o aparecimento de cidades pelas províncias foi definindo como linguagem comum à

arquitetura do Império, linguagem aceitada pelas populações que podiam cultivar ao

mesmo tempo suas próprias tradições (BENDALA GALÁN, 2000-1). Paralelamente ao

desenvolvimento urbano, Augusto iniciava um programa de reformas religiosas que

previa a reformulação de antigos cultos, a renovação dos preceitos e o saneamento

de velhos templos (HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006). Augusto apoiou o culto às

divindades romanas e não impediu que se difundissem novas correntes religiosas, um

dos fatores que permitiu que vigorasse a paz universal proposta (LIBERATI;

BOURBON, 2005).

Os administradores romanos toleravam as tradições nativas, contanto que as

mesmas não interferissem nas prerrogativas imperiais, como o recolhimento de

impostos ou a cumprimento dos rituais do Estado. A população que residia nas áreas

rurais ficaria mais apegada aos seus costumes locais, diferentemente dos habitantes

que moravam nas cidades, que logo aprenderiam a se comportar como os romanos,

até na preferência de estilo de roupa, com uso da toga (SÁNCHEZ; ALMARZA, 2008).

São muito significativos os avanços da urbanização e transformações das estruturas

indígenas: “La creación de concentraciones urbanas destruía poco a poco la vida

indígena tradicional y favorecía la introducción de la cultura romana (TOVAR;

BLÁZQUEZ, 1975, p. 313)”. O desenvolvimento da romanização na Península Ibérica

deslanchou, e a manifestação de aceitação da civilização romana pelos nativos ficou

expressada nos monumentos e obras importantes realizadas e encontradas nas

províncias ibéricas, e também pela difusão e conservação da língua e da religião

romana (LIBERATI; BOURBON, 2005).

Com a passar dos anos, a população das províncias começava a absorver não

só a língua e a cultura, mas também as leis romanas, e tornaram-se cidadãos. Os

romanos conquistavam a simpatia dos provincianos, em parte, por construírem

70

pequenas versões completas de Roma por todo o Império, erguia-se templos,

anfiteatros, teatros, aquedutos, termas públicas e fóruns pelas cidades coloniais

(SÁNCHEZ; ALMARZA, 2008). Deste modo, as colônias romanas se organizavam

como uma extensão da pátria-mãe Roma, e se constituíram como uma rede básica

de difusão da romanização, uma vez que concentravam a língua, usos e costumes,

organização jurídica, arte e cultura, características absorvidas e elaboradas por todo

o Império romano (LIBERATI; BOURBON, 2005).

Portanto, as cidades coloniais romanas representaram símbolos de poder e de

sociedades complexas, que se tornaram refinadas e exigentes por abrangerem toda

uma heterogeneidade de experiências. Essas cidades se manifestaram em uma

monumentalidade constante de desenvolvimento devido à carga de influências

filtradas e assimiladas, que ditaram, muitas vezes, o gosto do Império, na arte e na

arquitetura, nas ciências e literatura, e também na religião (Idem, 2005). Os

monumentos espalhados por todas as províncias romanas passaram a atrair a

população pelo estilo de vida romano, ajudando a proliferar a era de prolongada paz

relativa, a Pax Romana, para o Império forjado por meio de conquistas (SÁNCHEZ;

ALMARZA, 2008).

Os romanos obtinham êxito em seus feitos por também se estabelecerem como

excelentes viajantes e mercadores, que comerciavam especiarias, metais e objetos,

pelas províncias até os confins do extremo Oriente, agente que também contribuía

para a difusão da romanização. Em todas as províncias o intercâmbio econômico e

cultural esteve presente. Uma das principais características da civilização romana,

junto ao grande impulso de expandir o território, era a capacidade de aceitar

elementos profundamente diferentes, e os revivificar, mantendo as características da

própria cultura. Além de efetivarem sua influência sobre povos e culturas distantes, os

romanos levaram para Roma e para as províncias do Império diferentes ideias

urbanísticas e arquitetônicas inovadoras (LIBERATI; BOURBON, 2005).

Em termos de construção arquitetônica as províncias da Hispânia legaram

imponentes ruínas monumentais. Encontram-se espetaculares exemplos de

arquitetura utilitária e engenharia hidráulica romana com seus aquedutos altivos e

extensos, que atravessavam vales e depressões naturais. Um dos anfiteatros com

maior capacidade para espectadores do mundo romano foi erguido na Hispânia, em

Itálica. A península também foi local de construção da ponte mais resistente e

comprida, localizada em Emerita Augusta. Templos com colunas elegantemente

71

decoradas, restos de teatros, fóruns, circos, palácios, residências e mansões,

luxuosas villas, arcos, cemitérios, e outros monumentos; estes exemplos ilustram a

importância do território, da romanização e são testemunhos da penetração da

civilização romana nas províncias ibéricas (LIBERATI; BOURBON, 2005).

Os edifícios para espetáculos públicos desempenharam um papel importante

na sociedade hispanorromana (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975), uma vez que as cidades

romanizadas difundiam os espetáculos públicos de tradição romano-mediterrânea:

lutas gladiatórias, corridas e jogos circenses, e representações teatrais. Toda cidade

de tamanho médio prezava por oferecer lugares para anfiteatros, circos e teatros; tais

construções refletiam o refinamento e romanização cultural de sua população.

Apresentar construções imponentes como teatro e anfiteatro constituíam-se,

frequentemente, como monumentos de orgulho e rivalidade entre as cidades, além de

atender às necessidades de seus habitantes (MORENO, 1988).

Outro gênero de monumentos característicos da arte romana eram os relevos

de Estado ou históricos, que constituíam-se como portadores e preservadores da

ideologia dos governantes. Geralmente eram relevos de grandes dimensões com

cenas de guerra e paz, e temas retirados da vida política. Os relevos de Estado faziam

parte de monumentos políticos, como altares, templos, colunas, arcos de triunfo, com

função decorativa e explicativa que auxiliavam na difusão da romanização. Depois de

Augusto, os romanos aperfeiçoaram este tipo de arte política monumental para a

manutenção do poder e glorificar o imperador e pessoas importantes (SIEBLER,

2008).

Obras artísticas em grandes mansões e casas romanas, desde pinturas a pisos

de mosaicos, foram reveladas através do trabalho arqueológico e também

demonstraram difundir a romanização. Todos esses elementos artísticos e citadinos

compõem as características que marcaram o esplendor das cidades romanas, a

expansão da arte romana, seus destaques sociais e políticos que resistem ainda hoje,

em alguns casos, em boas condições – ou até desempenhando suas funcionalidades

– em ruínas arqueológicas, testemunhos da durabilidade e qualidade das obras

romanas (LIBERATI; BOURBON, 2005).

Tão profundo e contínuo foi o impacto romano nas províncias que muitos

monumentos, edifícios e vestígios sobreviveram em vastas áreas do mundo romano,

configurando-se como testemunhos da penetração da civilização romana, que em

grande parte ainda são visíveis. Tais resquícios remontam ao esplendor da época em

72

que Roma propunha sua majestade pelas províncias e ilustram a importância e

realçam a qualidade das ruínas que ainda hoje existem (SÁNCHEZ; ALMARZA, 2008;

STIERLIN, 1997).

Verifica-se que os dois primeiros séculos dataram a época que ficou

caracterizada pelos imensos projetos urbanísticos e monumentos romanos que foram

construídos nas cidades provinciais (HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006). Através

da arqueologia podemos verificar esta integração do urbanismo e arquitetura deixados

na paisagem cultural hispana, por meio da conquista romana e da romanização

(BENDALA GALÁN, 2000-1).

2.9 IMPÉRIO: PANORAMA URBANO E ARQUITETÔNICO

No período de Augusto as inovações na arquitetura foram quase todas

ignoradas por Vitrúvio, único teórico romano da arquitetura cujas obras sobreviveram.

O pensamento vitruviano refletia a forma como os seus percursores abordavam a arte

grega, e não se aproximava das novidades dos empreendimentos grandiosos do fim

da República. Vitrúvio, natural do século I a.C., viveu um período de alterações

fundamentais nas criações arquitetônicas romanas, por isso não poderia então

conhecer o apogeu da criatividade romana no domínio arquitetônico, e portanto, seu

tratado não poderia refletir o contributo essencial de Roma. Os romanos buscaram

inspiração às gregas, nas ordens arquitetônicas dórica, jônica, coríntia e toscana, não

atribuíram uma função somente estrutural, mas sobretudo ornamental. A essência do

pensamento arquitetônico romano se fazia na criação de espaços conseguidos

através do arco, abóbada e cúpula (STIERLIN, 1997).

Entretanto, o fato de Vitrúvio não explorar este aspecto em sua obra – surgida

no início do Império – deve indicar, provavelmente, que este período marcasse a

origem de uma certa contenção na arquitetura romana. Ao dedicar a obra à Augusto

o autor encorajou a timidez que caracterizou as primeiras fases da arte augustana. A

arquitetura poderia revelar as ambições autocráticas de Augusto, assim se justificaria

sua atitude cautelosa em encarar as manifestações de poder, em atitudes reservadas

e prudentes, evitando-se ostentações e conflitos na política com senadores. Vitrúvio

defendeu um estilo tendencialmente clássico e tradicionalista que estagnou

temporariamente a criatividade dinâmica dos estilistas romanos do final da República.

73

A contenção de Augusto em continuar o esplendor imperial em Roma, aliada ao efeito

de reação das teorias de Vitrúvio, traduziram-se no congelamento da evolução

arquitetônica durante o período augustano, em termos espaciais e tecnológicos. O

reinado de Augusto, prolongou-se por 46 anos, após o seu falecimento aos 76 anos,

em 14 d.C., se iniciou uma nova era na arquitetura romana. A partir de então o poder

imperial se encontrava firmemente consolidado e já não se fazia necessário temer a

expressão do caráter absoluto do sistema imperial (STIERLIN, 1997).

A arquitetura grandiosa apareceu aos poucos no período de Augusto e seguiu

se desenvolvendo livremente, principalmente no reinado de Nero. Através da

magnitude das criações, número de monumentos e qualidade, em termos espaciais e

técnicos, pode-se constatar a originalidade e o caráter inovador da arquitetura

romana. O sucessor de Augusto, Tibério (14-37 d.C.) revelou um gosto acentuado

pela riqueza e pelo esplendor expressados na arquitetura deste período. Depois de

Tibério, os reinados de Calígula (37-41 d.C.), e de Cláudio (41-54 d.C.),

caracterizaram-se pelos aperfeiçoamentos técnicos, alcançados devido as criações

utilitárias do século I a.C. Durante o principado de Nero (54-68 d.C.), aconteceu uma

verdadeira revolução arquitetônica, baseada em realizações de obras cada vez mais

ambiciosas, cujas as abóbadas e cúpulas foram construídas em concreto sólido, além

de favorecimento urbano de Roma (Idem, 1997).

Deste modo, constata-se que o governo iniciado por Augusto continuou sendo

consolidado através de seus descendentes familiares, com a dinastia Júlio-claudiana,

que prosseguiram com a política urbanizadora e arquitetônica. Tal prática foi adotada

também na Península Ibérica, mesmo que em escala menor, como assinalado por

García y Bellido, estes elementos da romanização aconteceram de forma mais lenta

sob o período desta dinastia (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975), contudo seguiram ajudando

no avanço da romanização pelos seus territórios. O que provocou, ao longo do tempo,

a reorganização na distribuição urbana da Hispânia, uma das províncias que mais

sofrera, desde o princípio do processo da expansão de Roma, os efeitos da

romanização (SÁNCHEZ, 2009).

No período da dinastia Júlio-claudiana o Império continuou a crescer e assistiu

a consolidação econômica e social, acompanhadas de um aumento na atividade

agrícola, na manufatura e no comércio. As estradas, construídas com finalidades

comerciais e militares, traçavam uma rede densa por todo o Império e ligavam as

províncias entre si e a Roma (LIBERATI; BOURBON, 2005). Ao longo dos dois séculos

74

seguinte, sob o reinado dos sucessores de Augusto, Roma estendeu e consolidou sua

hegemonia, englobando largas parcelas da Europa, África do Norte e da Ásia Menor.

Desta forma, Roma tornou-se a cabeça do mundo, onde o comércio e os impostos

canalizaram grandes riquezas para a capital e os imperadores a dotaram de

suntuosos edifícios e monumentos, que serviam de inspiração para continuar o

desenvolvimento da urbanização e da arquitetura pelas províncias (HINTZEN-

BOHLEN; SORGES, 2006).

No período da dinastia Flaviana, entre 69 d.C. e 96 d.C., Roma enriqueceu

arquitetonicamente, de novos monumentos, construções de palácios, templos, arcos,

novas regras para estabelecimentos junto das insulae que evitavam a propagação de

fogo, edificação do anfiteatro Flávio, o Coliseu. O Império construía anfiteatros e

demais edifícios romanos em todos os seus grandes centros urbanos, como símbolos

da generosidade dos imperadores (STIERLIN, 1997). As fronteiras foram

consolidadas por meio de expedições de conquistas (LIBERATI; BOURBON, 2005), e

a urbanização e a romanização estiveram muito relacionadas e avançaram juntas no

século I d.C. O imperador Vespasiano (69-79 d.C.) implementou a política de criar

municípios na Hispânia que favoreciam a romanização e urbanização peninsular, além

de facilitar o recrutamento de tropas. Cada cidade possuía em seus arredores um

território que formava uma unidade política, social e econômica. A fundação de

cidades pelo território hispânico, no período da dinastia Flaviana, fez avançar a

assimilação com as cidades da península itálica, podendo ser considerada entre todas

uma das regiões mais romanizada (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

No século II d.C. ocorreu um aumento e expansão das atividades produtivas e

comerciais, e um considerável desenvolvimento cultural da sociedade do Império

(LIBERATI; BOURBON, 2005). A dinastia Antonina, entre 96 d.C. e 192 d.C.,

representou o século de ouro, por criar um período de estabilidade e excelência.

Mesmo com as recomendações de Augusto para não estender o Império, o território

continuou aumentando com as conquistas realizadas posteriormente ao seu

principado (CORNELL; MATTHEWS, 2008), e sob o governo de Trajano (98-117 d.C.)

o Império atingiu sua maior dimensão territorial e coesão, e unidade cultural, devido à

integração das várias províncias, além de também erguer grandes complexos

arquitetônicos (STIERLIN, 1997).

Através de uma filosofia política de paz, o imperador Adriano (117-138 d.C.)

construiu um poderoso sistema de fortificações defensivas e se dedicou à solução dos

75

problemas administrativos do Império e à sua completa romanização (LIBERATI;

BOURBON, 2005). Desta forma o imperador conseguiu se dedicar à sua paixão, a

arquitetura. Assim, em suas longas viagens pelas províncias, mandou construir

templos, teatros, bibliotecas e estádios, e implementou importantes sistemas de

planejamento urbano em muitas cidades, em ambas as zonas ocidental e oriental do

Império romano. Dedicado à arte helênica, o imperador manteve suas criações

arquitetônicas com o caráter romano, determinou os princípios e a modalidades

fundamentais dos projetos e criou uma série de obras-primas (STIERLIN, 1997).

No período romano, uma província geralmente indicava um território situado

fora da Itália, anexado a Roma de modo pacífico ou por conquista, e sujeito à

competência de um magistrado. No antigo período republicano havia uma separação

entre a situação jurídica dos habitantes da Península Itálica, que gozavam de

privilégios, e os outros, obrigados a pagar uma contribuição territorial (LIBERATI;

BOURBON, 2005). Ao longo do tempo essa diferenciação foi lentamente atenuada,

por meio da universalização da cultura desenvolvida pela romanização, até que em

212 d.C., quando o imperador Caracala (211-217 d.C.) concedeu a Constitutio

Antoniana, que estendia a cidadania romana a todos os habitantes livres do Império,

e se completou com Diocleciano, ao assimilar as províncias e o território da Península

Itálica (Idem, 2005; TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

No século III d.C. o Império Romano foi marcado por crises econômicas,

revoltas e revezes militares. A ordem militar tendeu a declinar e registraram-se

algumas invasões germânicas e sassânicas, determinando que o apogeu do Império

permaneceria no passado. Mesmo assim, Roma conseguiria se recuperar. O

imperador Diocleciano (248-305 d.C.) tentaria apaziguar a situação através de uma

completa reorganização do Império e uma descentralização da administração

(HINTZEN-BOHLEN; SORGES, 2006). A remodelação total de toda a estrutura da

sociedade romana acentuaria a influência do Estado na vida cotidiana dos cidadãos.

Assim, os maiores empreendimentos arquitetônicos deste período visaram

proporcionar luxo e bem-estar a todos do Império. Grandes obras públicas e utilitárias

se afirmaram nesta fase, especialmente construções de muralhas, balneários públicos

e basílicas (STIERLIN, 1997).

Mesmo com o fim do esplendor do Império romano, a administração imperial,

altamente complexa, chegou a uma eficiência dificilmente igualável. A concessão de

cidadania nas províncias tinha aumentado, a economia chegado a um ótimo nível e

76

se assistia aos mais pobres (LIBERATI; BOURBON, 2005). O fim do Império Romano

foi muitas vezes considerado um período de declínio, menos na arquitetura, onde

encontra-se o seu apogeu de realização. A criação de espaços interiores, o

aperfeiçoamento da tecnologia da construção em concreto, e o luxo das instalações

destinadas a população em geral, beneficiaram o conforto e a beleza da decoração

em magníficos materiais (STIERLIN, 1997).

77

3. ARQUITETURA DA CIDADE COLONIAL ROMANA DE EMERITA AUGUSTA

3.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA CIDADE

No século III a.C. os romanos chegaram na Península Ibérica, e a partir do

século II a.C. conquistaram as regiões do oeste e sudoeste. Logo os contatos entre

romanos e indígenas proporcionou o aparecimento de novas formas de vida e

organização territorial, social e econômica que afetaram as zonas urbanas e rurais da

Hispânia. A época entre o final do período da República e início da fase imperial do

governo em Roma, ocasiona a derradeira conquista romana da península, e dentro

de uma política de expansão e controle de territórios, o imperador Augusto instituiria

a criação, no ano de 25 a.C., de uma nova cidade que assentaria os veteranos das

legiões V e X que participaram das guerras cantábricas – as regiões da Cantábria e

Astúrias foram as últimas resistências indígenas contra os romanos (ALGABA, 2009).

A fundação da cidade de Emerita Augusta foi motivada pela nova divisão

peninsular que Agripa estabeleceu em nome de Augusto, em 27 a.C. A divisão em

Hispânia Citerior e Hispânia Ulterior que vigorava desde 197 a.C., fora substituída,

sofrendo a Hispânia uma nova divisão provincial, pelas três províncias: Terraconense,

Bética e Lusitânia. Logo após a criação da província imperial da Lusitânia – entre os

anos de 27 a.C. a 13 a.C. –, com a consolidação de Emerita Augusta, a cidade seria

designada capital da nova província e capital do convento jurídico de seu mesmo

nome; procurou-se uma capital digna da missão política, econômica e educadora dos

povos indígenas da região, que eram pouco romanizados e inseguros. Com o avanço

do Império, a Lusitânia alcançaria lentamente a romanização plena, e seu território

não sofreria alterações constantes em suas fronteiras como as demais províncias

(ALMAGRO, 1961).

Emerita Augusta se origina de uma típica fundação imperial romana. Após a

guerra cântabra na Península Ibérica, o imperador Otávio Augusto autoriza e designa

o general Publio Carisio – que havia participado das guerras contra os astures –,

legado e autoridade máxima da fundação da cidade Emerita Augusta no ano de 25

a.C., na região da Lusitânia (Idem, 1961; ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995). Tal ano de fundação de Emerita Augusta marca a data do começo de sua

78

história registrada, distinguindo a cidade por este raro caso de exatidão que permite

ser avaliada como um importante dado histórico (GUITIAN, 1977).

O historiador romano Dión Casio (155-235 d.C.) em sua Historia Romana,

aponta que ao término da guerra dos cântabros e astures, Augusto licenciou os

soldados mais veteranos e os concedeu fundar em Lusitânia uma cidade chamada

Emerita Augusta. Séculos mas tardes, o filósofo erudito São Isidoro (556-636 d.C.),

em suas Etimologias, se entenderia em termos semelhantes. Junto a estes principais

textos que versam sobre a fundação da colônia de Emerita Augusta, outros

documentos oferecidos pela arqueologia ajudam no conhecimento sobre a população,

estrutura da cidade e seus primeiros monumentos desde os tempos iniciais. Através

destas fontes se aceita largamente a data de fundação da cidade em 25 a.C., após a

conclusão de um dos episódios das guerras entre Roma, cântabros e astures,

cristalizada com a tomada de Lancia. Alguns autores indicam o ano de 19 a.C., data

quando as guerras cântabras chegaram totalmente ao fim (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). A partir de então, Roma aos poucos consolidaria seu

domínio na Hispânia, marcando também o fim da resistência dos cântabros e o início

da paz de muitos soldados romanos (GUITIAN, 1977).

A fundação de Emerita Augusta fez parte da política de Augusto em distribuir

terras aos seus veteranos depois das campanhas militares que se mostraram

vitoriosas. Após as campanhas contra cântabros e astures no ano de 25 a.C., Augusto,

que conduziu-as pessoalmente, autoriza a fundação de Emerita Augusta na Lusitânia,

licenciando os soldados com idade mais avançada e os recompensando com a colônia

pela vitória – apenas soldados mais anciões foram premiados, que já não podiam

servir com eficiência (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004). Os soldados mais veteranos

escolhidos para se estabelecerem na colônia de Emerita Augusta procediam das

legiões V Alaudae e X Gemina – segundo as moedas emeritenses, embora

provavelmente também pudessem ter vindo da legião XX Victoria Victrix –, licenciados

como recompensa pelos seus bons serviços (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

O nome da colônia de Emerita Augusta revelava sua condição no período: de

sua população e do imperador que estava no poder (GUITIAN, 1977). A denominação

da cidade provém em parte do nome Augusta, que referia-se ao imperador Augusto,

e Emerita, do termo emeritus que designava os soldados veteranos eméritos da

significativa guerra, ou seja uma homenagem aos soldados das referidas legiões

79

(ALMAGRO, 1961; SÁNCHEZ, 2009). Também o nome da cidade aparece em

inscrições e moedas com algumas variações. As primeiras aparições são de Emerita

como nome inicial e oficial. Entre 23 a.C. e 2 d.C. se adicionou Augusta, que

funcionava igualmente como topônimo, e quando ascendeu ao estado de colônia, se

denominou Colônia Emerita Augusta. Logo foi elevada à categoria de capital da

Lusitânia, depois de 19 a.C. Mais tarde se acrescentou Iulia ao nome, associando a

cidade a Augusto. Em um momento a cidade recebeu o ius italicum, implicando a

inmunitas, a isenção do tributum (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

A fundação da cidade foi uma decorrência da política imperial romana, que

também visava tornar a Hispânia uma das províncias mais romanizadas (ALMAGRO,

1961). A cidade emeritense foi fundada a 400 quilômetros do local das guerras e da

vitória, apresentava-se em uma situação periférica, em território pouco rico e sem

recursos mineiros, em uma zona povoada de inimigos, porém perto do ambiente de

algumas cidades de caráter romano. Também se faz relevante notar que o local para

a construção da cidade provavelmente se vinculava ao fato de sua contribuição para

povoar um território praticamente pouco habitado (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004). Desta

forma, uma das intenções de Roma, a partir de Emerita Augusta, era de constituir um

novo centro urbano para difundir a romanização nesta região pouco romanizada

(GUITIAN, 1977).

Antes da fundação da cidade romana, o território avaliado para se inscrever

Emerita Augusta se localizava na zona de fronteira ou contato entre vetões e

turdetanos, embora também fosse uma área de incursão de povos lusitanos

guerreiros. Desta forma, a população indígena acarretaria a integração de elementos

turdetanos, vetões e lusitanos ao cotidiano da cidade romana emeritense. Os

soldados veteranos provavelmente se uniram aos indígenas, que de alguma maneira

participaram da nova situação, criando assim um núcleo de povoação de caráter

semimilitar (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Nota-se que quando

assentados nestas terras distantes, os soldados eméritos, que carregavam o selo de

Roma, auxiliavam na propagação da órbita do mundo que esta dominava, alimentando

a romanização no território (GUITIAN, 1977).

A cidade nasceu como um ponto de vigia romano em terras distantes, que com

sua grandeza incutiu, ao longo do tempo, que a região se romanizasse (ALMAGRO,

1961). O espírito que presidiu a fundação foi o de estabelecer uma praça forte –

fortificação construída para controlar o ponto estratégico de comunicações –,

80

evidência tangível das vantagens da romanização. Desta maneira, a nascente colônia

se edificava no território dos vetões e se convertia em um enclave estratégico, em

meio a terras pouco dominadas e tanto refratárias em princípio a romanização. Assim,

o valor de Emerita Augusta era de ser um enclave estratégico na margem do rio Anas

(atual Guadiana), marcado pela passagem do rio em local favorável, sobre o qual se

construiu uma ponte que servia de eixo de comunicação entre a província Bética, as

terras do norte e noroeste peninsular, e as do eixo meridional – tão importantes para

o tesouro público romano –, e que rapidamente se converteu numa das cidades mais

importantes de Hispânia, tornando-se capital da Lusitânia (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A colônia de Emerita Augusta herdou o papel que em princípio era de Medellín,

acabando por se constituir em um epicentro da política romana na Península Ibérica

para novas conquistas e difusão da romanização. O extenso território emeritense se

limitava com outras províncias hispanas, Terraconenses e Bética, configurando a

cidade como um importante nó de comunicação, uma encruzilhada de caminhos que

interligavam todo o ocidente peninsular (Idem, 1995).

A cidade de Emerita Augusta foi fundada em um local estratégico com alta

finalidade política, no momento de pacificação da Hispânia, após dois longos séculos

de guerras de conquista e pacificação (ALMAGRO, 1961). Assim, a cidade ficaria

associada à vitória e ao triunfo, obedecendo a política do período de fazer visível a

potência e o domínio romano. O interesse na fundação da cidade recaia então ao fato

de se conseguir criar um modelo de presença romana, de forma a introduzir um

sistema de colônias que se apresentariam como pequenas cidades-estados feitas à

semelhança de Roma, e que se encarregariam da difusão da romanização no

território, ao mesmo tempo que também se atendiam as exigências de terras como

recompensa aos soldados pelos seus serviços. Através do controle de terras se

compreenderia uma demonstração pública do poder romano e consequentemente da

humilhação do inimigo, uma vez que o território fosse ocupado e dividido aos

veteranos também demonstraria os frutos da vitória aos cidadãos e soldados (DUPRÉ

RAVENTÓS, 2004).

A nova cidade emeritense constituiu-se como uma das expressões da Pax

Augusta que reinaria por todo o Império Romano após as guerras cântabras,

favorecendo o desenvolvimento econômico e cultural de todos sujeitos às leis

romanas (ALMAGRO, 1961). A fundação da nova cidade colonial desempenharia

81

função defensiva, como também sua criação remeteria a finalidade romanizadora e

simbólica, alertando a todos que sua construção e presença era uma vontade de

Roma em dominar e permanecer em território lusitano (SÁNCHEZ, 2009).

Uma vez estabelecida a paz, a cidade emeritense não necessitava ser fundada

em um sítio com critérios de defesa e ser construída nas alturas, portanto sua

localização estratégica também se remeteu à sua forte situação natural; seu

assentamento foi localizado em terreno de planícies com vantagens, configuradas por

um bom terreno, limitado e irrigado pelo arroio Abarregas e o rio Anas, que

proporcionavam ao sítio terras férteis e permitiam sua eleição para o desenvolvimento

de uma nova povoação (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977). O local também se

encontrava centrado em comunicações, ligado por importantes vias e com apenas a

proteção de uma muralha, portas e torres. Tal localização favoreceu o crescimento da

cidade, expandindo seu território para áreas rurais circundante, fator que também

contribuiu para que rapidamente Emerita Augusta se tornasse a capital da província

da Lusitânia (SÁNCHEZ, 2009).

A cidade de Emerita Augusta, em seus primeiros tempos, começou como um

acampamento militar para os veteranos das legiões V Alaudae e X Gemina; para

recompensá-los pelos seus serviços, presentearam-nos com terras para se

estabelecerem, ao legado de Publio Carisio, na região lusitana (GUITIAN, 1977).

Desta forma, os primeiros colonos da cidade foram os veteranos de tais legiões. Estes

veteranos, velhos soldados, serviram a Marco Antônio e em seguida foram postos ao

serviço de Augusto, por isso se acredita que foram assentados em uma província

periférica (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004). Mesmo assim, a cidade nasceu com nova

planta, em meio a esta atitude política e ornada com o poder e magnificência do

momento em que se decretou a deductio ou condução dos veteranos fundadores

(ALMAGRO, 1961). Surgida como colônia de nova fundação, seu território adjacente

foi organizado e dividido em lotes ou parcelas de terras para serem repartidos entre

os soldados veteranos (ALGABA, 2009).

Posteriormente, com a presença de Marco Agripa, em 15 a.C., a colônia

recebeu mais veteranos e/ou civis. Supõe-se que a população inicial da cidade fosse

de 6000 veteranos entre as duas legiões e, ao longo do tempo, tivesse aumentado. A

cidade acolheu imigrantes vindos de outras províncias da Hispânia, de fora da

península e de outros pontos do Império (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004). Após o ano de

69 d.C., em época do imperador Otão, a cidade receberia um novo contingente de

82

população, de procedência itálica, de famílias patrícias nobres de Roma, que

infundiriam sangue novo à cidade, talvez até então parcialmente povoada, a cidade

alcançaria assim cerca de 25000 habitantes. Tal incidência itálica na colônia reforçaria

novos elementos romanos (ALMAGRO, 1961; ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

Paralelamente ao impulso populacional, a cidade augustana provavelmente

também recebeu, em sua evolução histórica, como toda a Hispânia, um forte estímulo

monumental, principalmente com o advento da dinastia Flaviana. Desde a época da

fundação de Emerita Augusta, importantes edifícios públicos foram planejados e

construídos, além da cidade ser protegida por personagens influentes como Marco

Vipsânio Agripa – o verdadeiro patrono da colônia, como ilustram diversos

documentos arqueológicos (Idem, 1995). A consolidação da cidade em colônia

acompanhou um programa urbanístico, impulsionado por Marco Agripa, que tornou

Emerita Augusta uma verdadeira urbe à imitação da capital, Roma. Através das

manifestações de magnificência pública própria da colônia, esta se converteu em uma

urbe catalizadora dos interesses romanos na região (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

A cidade emeritense recebeu investimentos de adornos arquitetônicos e

construções monumentais que refletiam a grandiosidade do Estado romano frente aos

provinciais. O Estado romano almejava mostrar aos súditos dominados sua ideia de

grandeza, a proteção que oferecia a eles e a riqueza da colônia, portanto, em pouco

tempo erigiram esplêndidos monumentos: o teatro, o anfiteatro, o circo, monumentos

singulares como templos, termas e arcos, considerados os maiores da Península

Ibérica e que demonstravam o grande poder público do Estado na cidade. Constata-

se através das características das construções e edifícios, que Emerita Augusta

emergia como capital das ricas regiões do oeste da Península Ibérica, que formavam

a extensa Lusitânia (ALMAGRO, 1961).

Desta forma, o impulso populacional e o crescimento arquitetônico se

favoreceram mutuamente, e converteram a cidade em uma grande referência nas

províncias ocidentais, que apresentava ser um lugar importante, de residência de

governadores e funcionários do Império. A cidade de Emerita Augusta desenvolveu

uma boa infraestrutura para uma grande sociedade urbana que se formou ao modo

de vida romano. Os assentamentos rurais ao redor da cidade mantiveram o cultivo de

cereais, leguminosas, oliva e videira, porém passaram a atender uma maior demanda

do exterior; exportando suprimentos para Roma – para a própria cidade e exército – e

83

suas cidades vizinhas, através de um sistema de redes de estradas que interligavam

o Império (ALGABA, 2009).

Emerita Augusta constituiu-se como o centro das comunicações do território

hispano, sendo guardiã durante séculos do tráfico entre o Sul da Península Ibérica e

Centro e Norte da Hispânia. Da cidade emeritense partiam até nove estradas

principais que comunicavam-se com as principais cidades do Império, sua magnífica

ponte romana sobre o Anas interligava diversos caminhos que desembocavam em

outras cidades da Lusitânia. Tais vias proporcionavam transações econômicas e

políticas, escoamento de exportações agrícolas e de gado, permitindo que a região

vivesse um grande crescimento econômico e que a cidade se destacasse com grande

importância no seu tempo (ALMAGRO, 1961).

A su puente afluían la ruta de Sevilla a Mérida [Emerita Augusta] y Salamanca, conocida como el “Camino de la Plata”. Otra calzada alcanzaba la ciudad, desde Córdoba por Peñarroya, Castuera y Medellín. Hacia el Oeste partían tres vías: una por Evora y Setúbal hasta Lisboa, otra por Santarem y Abrantes y una tercera que cruzaba el Tajo por el puente de Alcántara y se unía a la primera calzada citada cerca de Norba (Cáceres). Aun otra gran calzada llegaba a Toledo desde Mérida, pasando por Trujillo y Talavera de la Reina (Idem, 1961, p. 16).

84

Figura 5. Província da Lusitânia com o traçado das mais importantes estradas romanas que cruzavam o território hispano e indicavam as principais cidades, em destaque Emerita

Augusta (ALMAGRO, 1961, p. 13).

A colônia emeritense possuía como ponto de referência a estrada chamada Vía

de la Plata que comunicava Sevilla e o Atlântico com as semi-romanizadas terras do

norte, assim a cidade conheceu um importante desenvolvimento econômico,

comercial e industrial que a converteram, junto à sua categoria de capital

administrativa da extensa província da Lusitânia, em um centro político-administrativo

de primeira ordem. Sob a proteção do governador provincial se desenvolvia a vida

cultural e uma demanda por objetos de primeira necessidade que atraiu os principais

artistas e artesãos do Império – algumas de suas criações podem ser vistas nas salas

do Museu emeritense (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Por ser um dos grandes centros de comunicação com o Império, através de

suas vias e seu porto fluvial do Anas, Emerita Augusta era habitada e visitada por uma

população muito heterogênea, sua formação contava com romanos, gregos, sírios,

povos de outras origens e hispanos de todas as regiões. As civitates e gentes de todas

as regiões da província da Lusitânia acabaram se fundindo nas assembleias

provinciais, celebradas na capital, principalmente para prestar culto ao Imperador,

mas também tratar de problemas econômicos, administrativos e políticos. A capital,

por também se configurar como um centro administrativo e econômico, ocasionava

um foco de encontro de cultos de religiões, romana oficial e oriental, que

proporcionaram o legado de notáveis monumentos à cidade. Entre as religiões

orientais difundidas pela cidade, as mais importantes deveriam ser relacionadas a

Mitra, Ísis e Cibele, seguidos por cultos semelhantes, como o cristianismo. Assim, ao

longo dos séculos, Emerita Augusta cumpria sua missão cultural no Império

(ALMAGRO, 1961).

Evidências arqueológicas apontam uma crise na segunda metade do século III

d.C., quando Emerita Augusta sofreu com as invasões franco-alemãs (TOVAR;

BLÁZQUEZ, 1975), entretanto a cidade emeritense ainda manteria sua economia e

importância, pouco abalada pela acusada ruína geral que pairava sobre o Império

romano neste período (ALMAGRO, 1961). Durante este momento, Emerita Augusta

passou por um certo declive, entretanto, conseguiu amenizar sua situação através das

reformas administrativas encabeçadas por Diocleciano, onde as três províncias da

Hispânia sofreriam uma reorganização para serem agrupadas na chamada Diócesis

85

Hispaniarum, que nomeava Emerita Augusta como sua capital. Tal medida permitiu

uma nova revitalização urbana e econômica, e presença militar na cidade colonial

emeritense (ALGABA, 2009).

Na fase do Alto Império a cidade manteve conservado seu desenho e

características de sua fundação, além de incorporar vários elementos que a

acompanharam posteriormente. O fórum, os templos e as zonas de espetáculos

públicos constituíram-se criações deste período. A estrutura urbana também não

sofreu grandes variações em relação ao projeto inicial, salvo em alguns setores da

cidade, onde transformações posteriores modificaram significativamente as ruas e

casas (Idem, 2009). Entre o período do fim do século II d.C. até o século IV d.C., a

capital emeritense assumiu mudanças urbanísticas importantes, como ampliações,

reconstruções e reparações necessárias, especialmente no circo e no teatro

(ALMAGRO, 1961).

Nos primeiros anos do século IV d.C. testemunhos assinalariam uma nova

reativação da cidade sob o advento da dinastia Constantiniana, monumentos

epigráficos apontavam a reconstrução dos mais importantes edifícios de espetáculo

públicos: teatro e circo, deteriorados pelo tempo e novamente postos em uso graças

à magnificência de Constantino e seus filhos, supervisionada pelo governador da toda

a Diócesis Hispaniarum, que residia em Emerita Augusta (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). As ruas com arcadas se modificaram, as casas que

ocupavam a parte superior dos alpendres passaram a criar galerias e adicionar estes

espaços aos seus próprios, para assim expandirem suas casas ou abrirem locais e

tabernae ou lojas que poderiam administrar ou alugar. Observa-se que no século IV

d.C. se perde a uniformidade original nas construções e no traçado da cidade, devido

às grandes casas ocuparem vielas e estreitarem as ruas (ALGABA, 2009).

Muitos costumes do Alto Império permanecem durante o Baixo Império,

contudo novas transformações sociais, políticas e religiosas se manifestaram no

Império romano (Idem, 2009). A cidade de Emerita Augusta ainda seria, no século IV

d.C., mencionada pelo poeta Marco Ausonio como detentora da nona posição entre

as dezessete cidades mais importantes do seu mundo contemporâneo (ALMAGRO,

1961). Em época cristã e visigoda, a cidade emeritense ainda manteria sua

importância, se partirmos da indicação de exemplos históricos, artísticos e epigráficos

(LIBERATI; BOURBON, 2005).

86

A capital da denominada província da Lusitânia, Emerita Augusta, localizava-

se a Ocidente do Império Romano, foi fundada como colônia de cidadãos romanos e

hoje suas ruínas vivem sob a cidade de Mérida, atual nome da antiga cidade romana

de Emerita Augusta (ALGABA, 2009). As ruínas emeritenses apresentam-se como

monumentos magníficos, que ainda nos dias atuais podem ser admiradas in situ. As

ruínas de Emerita Augusta formam um dos mais extensos conjuntos arqueológicos

romanos da Espanha e constituem-se como Patrimônio da Humanidade. Desta forma,

a análise de seus vestígios arqueológicos e arquitetônicos, que permanecem

atualmente duradouros, permite compreendermos tanto a nobreza e excelência da

beleza da cidade, como também registram sua importância e influência no mundo da

Antiguidade Clássica (GUITIAN, 1977).

3.2 FÓRUNS: ARQUITETURA OFICIAL

No coração da cidade se encontrava o fórum ou praça principal, o centro vital

da cidade onde se desenrolavam atos políticos e religiosos, e assuntos políticos e

privados dos cidadãos. O fórum constituía-se como um amplo espaço honorífico e de

prestígio, que reunia ao seu redor os mais importantes edifícios públicos para os

cidadãos realizarem tarefas políticas, legais e de culto oficial. Tais edifícios cívicos

eram encontrados em quase todas as cidades do império, principalmente nas capitais

de província, como Emerita Augusta: a cúria (onde se reunia o senado local), o

tabularium ou arquivo municipal, os principais templos da cidade, a basílica (onde se

administrava a justiça), termas e mercado ou área comercial (ALGABA, 2009;

SÁNCHEZ, 2009).

Segundo Algaba (2009), a cidade de Emerita Augusta contava com dois fóruns,

um principal e outro uma área para culto imperial provincial que gerenciava assuntos

da Lusitânia. Álvarez Martínez, Antón e Jiménez (1995) nos informam que das áreas

públicas da cidade conhecemos um pouco sobre a existência dos dois fóruns, que

Dupré Raventós (2004) vai denominar um de “praça central”, o fórum municipal,

datado em época fundacional e outro posterior, chamado “dos mármores”, o fórum

provincial, construído no período da dinastia Júlio-claudiana.

3.2.1 Fórum municipal

87

O fórum da Colônia estava localizado na parte central da cidade, no cruzamento

das principais artérias: o decumanus maximus e kardo maximus. Este espaço aberto

contava com duas áreas principais, uma grande praça rodeada de edifícios

administrativos e um templo dedicado a Augusto e ao culto da casa imperial, e outra,

um espaço com pórticos em homenagem e culto à dinastia Júlio-claudiana (ALGABA,

2009).

No traçado urbano original da cidade, na confluência do decumanus e do kardo

maximus se criou um espaço ocupado pelos edifícios que compunham o fórum da

Colônia. Provavelmente esta área seria, em tempos de fundação da cidade, o único

espaço público para os edifícios do fórum, que seguiriam, pelos seus elementos

arquitetônicos, uma organização espacial estabelecida pelos modelos de Augusto: um

extremo ocupado pelo peribolos – área livre entre um edifício e o muro que o circunda

–, delimitado por um pórtico monumental que fecharia um espaço elevado para um

templo, e o lado oposto, estaria a basílica oficial, localizando-se ao centro uma grande

praça (MATEOS CRUZ, 2004).

O forum coloniae, considerado fórum municipal, fazia parte da estrutura urbana

(ALGABA, 2009), era destinado aos próprios habitantes da cidade de Emerita

Augusta, contava com um templo, conhecido como “de Diana”, uma basílica –

provavelmente localizada em frente ao edifício religioso –, uma praça pavimentada

com lajes de calcário, umas possíveis termas que estariam situadas nas proximidades

da rua Baños, uma cúria ou senado municipal de localização desconhecida, e um

pórtico junto à intersecção das ruas Sagasta e San José. O restante da área do fórum

permite estabelecer os limites desta singular área pública entre, por um lado, as atuais

ruas de San José e a Los Maestros, e por outro, o Templo de Diana e a rua de Viñedos

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A praça do templo era pavimentada com lajes similares a calcário e que se

observam na fachada principal do templo imperial, rodeado por colunas de granito de

10,30 metros de altura e revestidas de vermelho. O tempo possuía 6 colunas e ficava

ligado à frente da praça por uma escadaria (ALGABA, 2009). Do modelo de Augusto

para fóruns conhecemos deste apenas o templo, o “de Diana”, construído sobre uma

plataforma elevada em relação à praça, ambos os espaços possuem uma diferença

de 1,20 metros salvo a construção de um pódio. A plataforma se delimitava por um

pórtico em forma de “U” construído possivelmente em dois níveis acessados desde a

88

praça por duas escadarias laterais localizadas ao extremo do pódio, coincidentes com

os limites laterais do templo. Pouco se sabe sobre o outro lado da praça, contudo

escavações arqueológicas estão sendo realizadas no local e podem futuramente

preencher tais lacunas (MATEOS CRUZ, 2004). O restante da praça se fazia ladeado

por edifícios administrativos, exceto a oeste, onde o fórum se conectava com o

decumanus maximus e este, mais a oeste e abaixo do fórum, com uma área comercial

(ALGABA, 2009).

No período de Augusto o complexo era revestido de granito e decorado em

bronze, na segunda metade do século I d.C. alguns edifícios principais e o espaço

portificado foram cobertos de mármore. As esculturas e relevos de mármores do fórum

e do teatro foram confeccionadas em época claudiana. O templo estava decorado com

imagens de imperadores e da família imperial, estátuas de gênios da colônia e do

senado, uma tribuna e dois tanques laterais para área de culto. O espaço portificado

do fórum principal, se decorava com mármores, relevos e estátuas de muitos

personagens de Roma e de Emerita Augusta (Idem, 2009).

O fórum de Colônia aparentava-se como um espaço portificado de forma

quadrangular e de dimensões pouco conhecidas (MATEOS CRUZ, 2004). A praça

configurava-se de forma retangular, com perímetro coberto, ambulacrum, e um altar

ao centro. A parte superior do pórtico era decorado com relevos figurados, a parede

anexa ao ambulacrum possuía nichos com estátuas de personagens da dinastia Júlio-

claudiana, desde seus antepassados aos fundadores da cidade, e outros personagens

ilustres da história de Roma e da colônia. Atualmente, constata-se a provável

existência de prédios públicos de caráter provincial na área do fórum da Colônia

(ALGABA, 2009).

3.2.2 Fórum provincial

Do fórum principal, em direção oeste, pelo kardo maximus, encontra-se o

Conjunto Provincial do Culto Imperial ou fórum provincial de Emerita Augusta, este

espaço era dedicado aos assuntos da Lusitânia, com dedicações ao culto imperial de

caráter provincial (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Nota-se que

posteriormente à fundação da colônia, a cidade de Emerita Augusta ergueu novos

espaços e estruturas urbanas, não projetadas inicialmente. No caso da área do fórum

89

provavelmente apareceram estruturas como o pórtico do fórum, fórum dos mármores

ou forum adiectum e o fórum provincial. Ambos espaços possuem diversas

semelhanças: em caráter público, os espaços não foram projetos da fundação da

cidade; em caráter cronológico, ambos são prováveis construções da época de

Tibério, na primeira metade do século I d.C. (MATEOS CRUZ, 2004).

Desta forma a área pública do fórum provincial apresenta configuração mais

problemática (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995), uma vez que para a

sua construção foi necessário extinguir algumas casas que ocupavam o espaço, além

de obliterar o kardo maximus e os decumani menores (MATEOS CRUZ, 2004). Assim,

a praça do templo constituía-se por uma plataforma artificial que cobria parte de vias

e casas originais da cidade, eliminados para estabelecer o espaço provincial do culto

imperial, datado então na época de Tibério (14-37 d.C.) (ALGABA, 2009).

Neste conjunto pouco conhecido, o espaço se delimitava por um grande arco

monumental, acessado pelos lados leste, oeste e sul – acesso conhecido como arco

“de Trajano” (MATEOS CRUZ, 2004). O referido Arco de Trajano, revestido de

mármore, se separava da rua por cinco degraus, também de mármores, e introduzia

uma plataforma retangular, um pórtico sustentava um muro que fechava o perímetro

exterior e uma colunata abria acesso a uma praça portificada, revestida também de

mármore, que presidia um templo (ALGABA, 2009). Localizado ao final da rua

Holguín, o templo, ao centro da praça, deveria destinar-se ao culto imperial, podendo

ser dedicado a Aeternitas Augusti, uma virtude imperial característica deste culto

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Com escadaria de subida que partia desde o Arco de Trajano, o templo ficava

sobre um alto podium ou base de 38 metros de comprimento, com colunas de 1,5

metros de diâmetro e 2,25 metros de espaço entre as colunas da fachada lateral e 3

metros na parte central – dados que podem fornecer uma ideia sobre sua

monumentalidade (ALGABA, 2009). O edifício possuía estrutura concretada e

superfície de blocos de granito com revestimento de lajes de mármores, sendo o

mesmo material também empregado nos elementos de sua arquitetura (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O templo possuía duas partes bem diferenciadas: a pronaos ou espaço

portificado, com 6 colunas (templo hexastilo) e a cella ou espaço sagrado, fechado

para o grande público e delimitado por uma parede. O templo seguia a estrutura de

cella barlonga, ou seja, com a cella transversalmente ao pronaos, de menor largura.

90

Uma referência à adaptação do modelo clássico de templo romano, onde a cella

possuía a mesma orientação do pódio para se adaptar a determinados espaços,

porém em Emerita Augusta não existia esse condicionamento espacial, podendo

apenas possivelmente seguir o modelo dos edifícios emblemáticos de Roma. Junto

ao templo se encontrava o pedestal da Concórdia, com uma grande estátua e

representações de outras virtudes imperiais. O templo provavelmente abrigaria

estátuas de figuras de imperadores em mármore, também em bronze e até ouro

(ALGABA, 2009).

3.3 TEMPLOS

Imediatamente após a fundação de Emerita Augusta – cidade que já fora

fundada com grande esplendor e monumentalidade –, surgiram várias construções

religiosas. Havia templos dedicados aos superiores deuses oficias romanos, à deusa

Roma e ao divino Imperador, porém poucos vestígios de tais monumentos foram

encontrados, assim como informações sobre suas estruturas e situação. Algumas

ruínas arquitetônicas de templos nos evidenciam seus vestígios ainda em pé, como o

conhecido de Diana e outro de Marte. Ambos nos revelam os belos monumentos

emeritenses embora se encontrem desfigurados. O templo de Diana por se apresentar

mais completo tonou-se uma estrutura muito importante, visto que o templo de Marte

não se conserva mais em seu sítio e revela apenas algumas peças do edifício original

(ALMAGRO, 1961).

Percorrendo as ruas da atual cidade de Mérida encontramos vestígios e

indícios que apontam que muitos templos existiram na antiga cidade romana de

Emerita Augusta, de alguns permanecem algumas ruínas espalhadas pela cidade,

outros não deixaram testemunhos (GUITIAN, 1977). Acredita-se que a cidade, centro

da província da Lusitânia, abrigasse um templo dedicado ao culto de Júpiter, devido à

tradição religiosa romana, porém não existem dados sobre tal suposição. Os templos

dedicados às diversas divindades e outros monumentos não nos deixaram seus

vestígios visíveis in situ para indicarmos sua localização segura no conjunto urbano

da cidade (ALMAGRO, 1961).

Alguns vestígios foram encontrados na Praça de Touros, de ruínas de antigas

construções de cultos orientais chegados à cidade de Emerita Augusta através do

91

Império romano, porém nada sabemos sobre seus templos. Também na Praça das

Viúvas há indícios de outros templos, altares e lugares sagrados, como por exemplo,

através de inscrições que mencionam a deusa Cibele. Estes cultos orientais, muito

em voga entre militares, tiveram em Emerita Augusta grande importância e nos

legaram vestígios arqueológicos sobre o caráter oriental do Império do século II d.C.,

de grande valor histórico e artístico (ALMAGRO, 1961).

3.3.1 Templo de Diana

Ao centro do espaço urbano, na área em que foi o fórum da colônia Emerita

Augusta, se encontram os majestosos restos do edifício mais notável da cidade, o

denominado templo de Diana (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). O

monumento está situado numa pequena elevação e próximo à via decumana (atual

rua Santa Eulália), onde foram encontrados muitos achados arqueológicos

pertencentes aos edifícios públicos romanos (ALMAGRO, 1961).

No século XVI grande parte das estruturas antigas do templo foram ocupadas,

aproveitadas para a construção de uma nova edificação do conde de Corbos (Idem,

1961). O edifício era a mansão “Casa de los Milagros” denominada posteriormente

como “Palacio de los Corbos”, seus restos contemplam a fachada principal do edifício,

em uma janela de estilo renascentista, com certos remanescentes góticos onde

figurava o escudo da nobre família. A demolição de uma parte da velha casa permitiu

a descoberta da galeria do pátio, com capitéis decorados e com divisões de escudo

da fachada. A construção desta mansão no lugar do templo – uma atrocidade – evitou

a degradação das ruínas e por esta circunstância o monumento chegou aos nossos

dias em bom estado de conservação (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995), permitindo nos legar uma parte do templo do século I d.C., que talvez de outra

forma nada se tivesse conservado (GUITIAN, 1977).

A restauração do templo emeritense revelou detalhes que o apontam como um

santuário (Idem, 1977). O denominado templo de Diana, como ficou conhecido, obteve

seu nome de forma puramente arbitrária. Popularmente conhecido como templo de

Diana, através da consagração suposta do autor Moreno Vargas que tornou a

atribuição mais difundida, possivelmente influído pela fama do templo homônimo de

Eféso, mesmo que seus argumentos mostrassem infundados. Muitos especialistas

92

divagaram sobre o tema, sem saber em realidade que divindade esteve dedicada o

templo. Atualmente, através de estudos mais aprofundados e especializados, torna-

se mais correto considerar o templo dedicado à deusa Roma e ao culto dos Augustos

imperadores romanos divinizados (ALMAGRO, 1961), como denotam sua localização

e achados, como a efígie do Genio del Senado, exposta no Museu Nacional de Arte

Romano, e uma escultura sentada de um imperador, possivelmente Cláudio,

atualmente no Museu Arqueológico de Sevilla (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995). Para reforçar tal perspectiva, verifica-se que as características

arquitetônicas – entre elas os capitéis coríntios – e dados da escavação sobre a

construção do templo correspondem à época da fundação da cidade ou pouco tempo

depois, situando-o em época tardo augusta (ALMAGRO, 1961; Idem, 1995).

O templo de Diana apresenta-se como um típico templo romano períptero-

hexastilo; hexastilo por apresentar seis colunas nas duas frentes, e períptero por ser

rodeado de colunas em seus quatro lados. A estrutura possuía orientação aproximada

de norte a sul, com planta retangular com dimensões de 31,80 metros em seus lados

maiores – 40,75 metros contanto com o comprimento total da base ou podium – e

21,90 metros nas frentes menores. Sua construção foi realizada com revestimento de

granito procedente das pedreiras de Proserpina, e provavelmente estucada de

mármore (Idem, 1961; Ibidem, 1995).

O templo possuía um podium ou base, de planta retangular, de 2,15 metros, e

suas colunas descansam sobre esta base de 3,23 metros de altura, desde seu

coroamento até a superfície da base. O templo apresentava 15,60 metros de largura

e 21,50 metros de comprimento. O podium sustentava 34 colunas: seis colunas nas

duas frentes – mais quatro atrás da primeira fila de colunas na frente principal – e 10

colunas nas duas laterais. A altura do edifício com os frontões seria provavelmente de

14 metros a 15 metros. A base exibia superfície de blocos de granito dispostos

alternadamente com seu lado mais longo e com outro mais curto, em linhas de igual

tamanho formando o opus quadratum. O coroamento feito com cornija moldada em

saliência ou cyma reversa, e a base terminava numa superfície de tipo artístico

simples e com igual acabamento. Todo o perímetro do templo foi decorado com

pedras (Ibidem, 1961; Ibidem, 1995; GUITIAN, 1977).

A entrada principal se abria para a frente sul, na atual rua de Romero Leal e se

orientava até a praça do fórum, onde compreendia uma pequena elevação em forma

de êxedra e se iniciava a escadaria de acesso ao edifício. Ao centro da base da êxedra

93

observa-se vestígios de um altar. Ao redor do templo se configurou uma área sagrada,

temenos, espaço ajardinado que se fechava por um pórtico e compreendia, nas

fachadas ocidental e oriental, tanques retangulares. Parte da planta do espaço foi

reintegrada mediante a escavações, na parte ocidental foi possível determinar as

ruínas de um pórtico subterrâneo ou criptopórtico (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

Figura 6. Planta original do Templo de Diana. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_diana_planta.jpg>. Acesso

em: 25/11/2014.

No interior do templo, na altura da quarta coluna até a décima coluna, se

desenvolvia a cella ou habitação destinada ao culto das divindades tutelares. As

colunas descansavam sobre bases áticas, sem plinto, com superfície estucada, igual

aos tambores que formavam o fuste. As colunas completas – com fustes acanalados

e capitéis de estilo coríntio, se compunham de uma tripla coroa de acanto – mediam

8 metros de altura e 85 centímetros de diâmetro em sua parte inferior. Também

apresentavam decoração estucada que configurava todas suas particularidades. Se

conservam bem as peças de arquitrave que sustentavam o telhado, e se encontra

restaurado o frontão principal, que compreendia um arco de descarga de peso,

localizado ao centro (tímpano) do mesmo (Idem, 1995).

94

A estrutura do templo emeritense compara-se a de outros do mundo romano,

como o de Évora e Barcelona, configura-se como o único períptero de colunata livre

na Península Ibérica (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Como se

observou anteriormente, o aproveitamento da estrutura do templo ao palácio de

Corbos permitiu que as colunas e capitéis do templo se conservassem – resistem

cinco colunas completas com capitéis coríntios e quatro colunas ainda mantêm ruínas

de arquitrave –, podendo hoje ser considerado um dos templos romanos mais

preservados da Espanha (ALMAGRO, 1961).

3.3.2 Templo de Marte

Seguindo uma ordem topográfica, perto da estrada de Madrid, entre os

aquedutos, encontramos o Templo de Marte, denominação parcialmente

fundamentada, devido a alguns elementos do templo fazerem referência ao deus, e

que portanto nomearam o monumento (GUITIAN, 1977). Do templo emeritense

consagrado ao deus Marte não conhecemos a estrutura original do edifício e nem sua

localização inicial na cidade de Emerita Augusta. Apenas se conservam uma série de

restos de elementos decorativos das ruínas do templo de Marte, que foram

reutilizados ao serem colocados em forma de pórtico, junto a outros materiais de

variada procedência, erguidos pelos emeritenses durante o século XVII,

provavelmente em 1617, em frente à capela Hornito de Santa Eulalia, um oratório em

homenagem à patrona de Emerita Augusta (ALMAGRO, 1961; ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). A capela se supõe, segundo a tradição, recordar o local

onde enterraram os restos da santa martirizada em época do imperador Diocleciano

(GUITIAN, 1977).

As peças originais do singular templo de Marte são compostas por dois

fragmentos de colunas de mármore de diferentes diâmetros, sendo os fustes e os dois

capitéis coríntios também de mármore, e repousam sobre as colunas – provavelmente

remontam à época de Nero devido ao estilo apresentado (ALMAGRO, 1961) –, mais

seis peças de arquitrave – uma destas arquitraves antigamente servia de escada, já

depositadas no Museu –, e uma cornija, sendo todos as demais peças imitações

adicionas à edificação do século XVII (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995).

95

Os elementos do templo de Marte que constituem as várias peças

arquitetônicas formam um entablamento com uma cornija decorada e seis peças de

uma arquitrave, todos de ordem coríntia (ALMAGRO, 1961). As peças da arquitrave

do templo são de grande valor artístico, pela bela decoração, apresentam em sua

frente um friso adornado com cabeças de medusas em medalhões, combinados com

motivos florais e palmetas. Na superfície interior, nos relevos, se aglomera um

conjunto de elementos com temas decorativos variados, que apresentam motivos

bélicos, da indumentária e armamento dos exércitos romanos: escudos adornados,

armas de várias classes, rodas de carros, atributos guerreiros, normas militares, etc.,

e ao centro de todos se dispõem medalhões com troféus de guerra (Idem, 1961;

ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

No frontispício, ao centro do friso, uma epígrafe original narra a consagração

do templo a Marte, por parte de Vetila, mulher de Páculo, possivelmente em época

dos antoninos, tempo em que Páculo foi governador da Lusitânia e residente da cidade

emeritense. Mais abaixo, outra inscrição moderna datada do século XVII, também em

latim, faz uma homenagem afirmando que Jesus Cristo e a mártir Santa Eulália

consagram o edifício. Outra inscrição, em castelhano, informa que em 1612 a cidade

de Mérida reedificou com donativos uma capela chamada “Hornito de Santa Eulalia”,

nome que segue conhecida a estrutura na atualidade (Ibidem, 1961; Ibidem, 1995;

GUITIAN, 1977).

Sabemos através de uma inscrição, localizada no ângulo esquerdo de uma

arquitrave do templo, que afirma que suas pedras de mármore foram encontradas

junto às ruínas da cidade de Emerita Augusta (Ibidem, 1995). Mesmo assim, com os

poucos dados existentes, torna-se difícil datar seus elementos cronologicamente e

supor que a estrutura da planta do antigo templo emeritense fosse dedicada ao deus

Marte (ALMAGRO, 1961). Contudo, podemos através dos restos existentes em

ruínas, verificar que a construção do autêntico templo de Marte fora em estilo coríntio

e seus elementos em mármore, e que compunham um conjunto arquitetônico digno

de nos remeter à magnificência que possuía a antiga Emerita Augusta (GUITIAN,

1977).

3.4 EDIFÍCIOS PARA ESPETÁCULOS PÚBLICOS

96

A cidade de Emerita Augusta contava com um conjunto de monumentos

dedicados à recreação pública: teatro, anfiteatro e circo, os três principais edifícios de

espetáculo do mundo romano. Tais monumentos romanos são famosos pelo bom

estado de conservação que se encontram e por sua grandiosidade, que os tornam

monumentos excepcionais da arquitetura romana (ALMAGRO, 1961). Para

conhecimento destes principais monumentos de espetáculos romano – teatro,

anfiteatro e circo – se faz necessário a relação de sua arquitetura, tecnologia e

características de construção, com o urbanismo e a localização dos edifícios no

espaço urbano emeritense (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

Um elemento importante sobre o urbanismo emeritense de época romana era

a localização dos edifícios de espetáculo na configuração urbana da cidade.

Escavações arqueológicas revelaram que, em um primeiro momento, a capital da

Lusitânia se desenvolveu a partir de um núcleo primitivo reduzido e foi crescendo e se

remodelando como consequência do aumento demográfico. Tal crescimento

aumentou as necessidades urbanísticas que deveriam ser supridas pela

administração romana. Nesta fase os edifícios de espetáculos se localizaram

extramuros da cidade e presume-se que foram incorporados ao interior da mesma ao

longo do seu desenvolvimento, em época da dinastia Flaviana (MATEOS CRUZ,

2004).

A reforma urbana acompanharia a restauração e ampliação destes edifícios,

junto à implementação de outras construções de mesmo caráter e à transformação do

viário urbano para facilitar a comunicação entre os espaços. Tanto as vias que

circundavam o anfiteatro, como a via entre este edifício e o teatro, e o trecho da

muralha próxima, não correspondiam ao primeiro momento dos monumentos, mas

sim às reformas que se realizariam em ambas construções. Com a construção do

trecho da muralha abraçando o lado sul dos edifícios, se construiu novas vias de

acesso para os mesmos edifícios que primariam a entrada pelos lados norte e oeste,

com diferentes pórticos de acesso ao teatro (Idem, 2004).

Assim, faz-se perceptível que uma área bem delimitada no conjunto urbano

colonial era a região dos edifícios de espetáculos: teatro e anfiteatro. Os eixos maiores

destes singulares edifícios estavam orientados em relação aos principais da cidade,

devido à sua planificação se realizar desde o princípio, assim determinam as datas

conservadas em suas respectivas inaugurações. Diferentemente do circo, posterior

aos monumentos referidos, cujo alinhamento se efetuou de acordo com o traçado da

97

estrada que ligava Emerita Augusta até Corduba (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

O monumento romano do circo para além de constituir-se como um dos

edifícios de espetáculo, funcionava também como um eixo central do urbanismo a

extramuros da cidade. O circo se localiza próximo ao rio Albarregas, junto a uma das

vias mais importantes de acesso à cidade, e aproveitava o aqueduto de “San Lázaro”

para valorizar sua construção. O circo constituía-se também como um local de uso

comercial, que conferia a esta construção uma grande importância no subúrbio da

cidade (MATEOS CRUZ, 2004).

As construções romanas dos edifícios do circo, teatro e anfiteatro, em capitais

das províncias do Império, como a da cidade de Emerita Augusta, destinadas ao

grande público, deveriam concentrar, além dos próprios habitantes da cidade, também

populações de outras regiões da Lusitânia, que seriam deslumbrados por espetáculos

públicos organizados pelos representantes do Estado romano. Tais construções de

edifícios monumentais, planejados desde a fundação da colônia, nos revelam a

grandeza e a influência da cidade emeritense na região (ALMAGRO, 1961).

3.4.1 Teatro

O esplêndido teatro de Emerita Augusta se localiza perto do Mitreo e longe do

núcleo da cidade. O teatro foi edificado ao nordeste da cidade, de forma a se avizinhar

do anfiteatro, formando um conjunto magnífico, que somados ao circo configuram-se

um conjunto de monumentos difíceis de encontrar em outros sítios romanos. Os

monumentos foram construídos para dispor aos emeritenses espetáculos sob a

fórmula de governo de “Pão e Circo”, para então distrair a população das

preocupações políticas. A funcionalidade extrema do conjunto adicionou, igual às

obras hidráulicas, uma beleza distinta aos monumentos (GUITIAN, 1977).

No teatro foi encontrado, perante as primeiras descobertas e escavações

arqueológicas em 1974, uma lápide sobre a fundação do monumento, com a data de

24 a.C. referente à construção do edifício – um ano após a fundação da cidade, marco

que aponta que a construção do teatro fora planejada desde a fundação da cidade

emeritense – aos cuidados de Marco Agripa, nomeado nesta ocasião, pela terceira

vez, como tribuno e cônsul. Tal personagem deve ser reconhecido, e muito, tanto por

98

Emerita Augusta como por nós devido sua contribuição à grandeza da cidade

(ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

O teatro e o anfiteatro foram concebidos pelos romanos de maneira conjunta,

elegendo-se para sua construção várias insulae ou quadras no ângulo noroeste da

cidade, que era o local mais elevado da mesma com 241 metros. Ambas construções

aproveitaram do vão e da elevação do terreno para suportarem suas estruturas. O

edifício do teatro se construiu aproveitando a pequena colina de San Albín que se

inclinava de sul a norte. Assim, se estabilizou a parte inferior do declive e sobre ele se

construiu a parte baixa do monumento: crypta, ima cavea, proedria e orchestra. Para

evitar os ventos do norte e oeste, que poderiam molestar os espectadores e atores,

aproveitou-se a topografia do terreno para proteger e apoiar uma arquibancada, a ima

cavea, na encosta da colina. E se construiu de maneira isenta a partir da crypta as

arquibancadas: media cavea e summa cavea (Idem, 1961; ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

Assim, percebemos o teatro emeritense como uma construção mista, ao ser

parcialmente escavado no monte e também erguido para além do mesmo. Portanto,

não foi completamente escavado em uma encosta de montanha, como os helênicos,

e nem completamente livre, como os romanos (GUITIAN, 1977). Entretanto a estrutura

e os detalhes do teatro romano de Emerita Augusta correspondem as ordenações de

Vitrúvio – arquiteto romano do século I a.C. que influenciaria muito a arquitetura do

período renascentista. O teatro emeritense principalmente se aproxima dos cânones

apresentados por Vitrúvio ao apresentar uma cena reta e monumental frente a um

semicírculo ou cávea semicircular (ALMAGRO, 1961; Idem, 1977). A existência de

uma frente cênica diferenciava os teatros romanos dos gregos, contudo ambos

possuíam arquibancada semicircular, orquestra e cena (ALGABA, 2009).

Na área de localização dos edifícios de espetáculo do teatro e anfiteatro, uma

via comunicava e separava os monumentos. Através desta rua romana podemos

perceber a solidez e o vigor da fachada externa do teatro, construída com a duríssima

argamassa de cal e pedra com superfície de blocos de granito, bem esquadrados e

com acabamento típico que confere o aprofundamento de suas bordas (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Desta forma, percebemos que o exterior da

colossal arquibancada do teatro se apoiava em sua parte inferior, na ladeira da colina,

enquanto sua parte superior permanecia sobre uma forte construção de blocos de

99

granito, que revestiam uma estrutura interna, toda de opus concretum (ALMAGRO,

1961).

Para acessar o interior do teatro podia-se utilizar qualquer uma das dezesseis

portas que se abriam na fachada do edifício. Através de corredores abobadados,

vomitoria, se chegava à cávea, as ditas arquibancadas (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Tais túneis, os denominados vomitórios, constituíam-se

como organizadas comunicações e saídas que permitiam o rápido movimento e

circulação dos espectadores dentro da estrutura do teatro, estes que se distribuíam e

se acomodavam pelas arquibancadas conforme sua categoria social (ALGABA, 2009;

ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

Através de inscrições nos degraus da ima cavea calcula-se que 6000 pessoas

se acomodavam folgadamente nos assentos, ocupando cada pessoa um espaço

mínimo de 55 centímetros nas arquibancadas do teatro de Emerita Augusta; o

espetáculo oferecido pelo teatro não era o mais populoso, entretanto era muito

apreciado pelas classes dominantes da cidade que assistiam representações de

grandes tragédias e comédias (Idem, 2009; Idem, 1961).

O edifício do teatro possuía cobertura e toldos para abrigar os espectadores.

Sobre as fileiras diferenciadas se encontravam as arquibancadas, estas se dividiam

em três partes, das quais se conservam as mesmas três zonas: ima cavea, media

cavea e summa cavea. Toda essa parte do monumento fora construída em concreto

e revestido com cantaria de granito – já roubada em tempos antigos e em uma

reconstrução científica com pedra artificial, para não o mistificar, buscou-se conservar

a parte antiga do monumento (Ibidem, 1961). As arquibancadas se separavam por

amplos corredores internos, praecinctiones, que comprovavam a fluidez e

ordenamento do movimento dos espectadores, e por muros baixos, baltei, que

correspondiam à estratificação e hierarquização da sociedade romana. Pelas

arquibancadas pode-se contemplar a grandiosidade e magnificência deste singular

monumento (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A summa cavea ou arquibancada alta atualmente se apresenta como a mais

deteriorada comparada às demais. Durante séculos o teatro esteve soterrado,

mantendo visível apenas a parte superior da arquibancada, ou seja a summa cavea.

O afundamento das abóbadas dos corredores de acesso à summa cavea permitiu que

a mesma permanecesse compartimentada em sete grandes paredes de concreto, as

“sete cadeiras” como ficou conhecido popularmente o local, segundo o qual nelas

100

haveria sentado outros tantos reis mouros para decidir os destinos da cidade

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). A summa cavea ou zona superior

das arquibancadas possuía 5 terraços (ALMAGRO, 1961). Localizada mais acima que

as outras arquibancadas, esta área se sobressaia além da colina com vista para uma

rua muito bem preservada. Este local destinava-se ao público menos abastado,

acomodava escravos, libertos e as classes menos favorecidas (ALGABA, 2009;

GUITIAN, 1977).

A media cavea compunha-se de cinco fileiras de arquibancadas e acolhia a

plebe livre. A ima cavea ou arquibancada inferior conta com vinte duas fileiras de

arquibancada mais próximas ao cenário, concentradas em 6 cunei que estiveram

reservadas aos mais privilegiados: patrícios, equites ou cavaleiros, segundo uma

inscrição gravada em um dos degraus. As três arquibancadas possuíam as mesmas

características de divisão interna. As diferentes partes de uma cavea se comunicavam

entre si por meio de degraus que serviam para compartimentá-la verticalmente em

seções ou cunei, setores em forma de cunha (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995; Idem, 1977).

Assim como hoje, os teatros antigos possuíam duas partes fundamentais em

sua estrutura: a cena e as demais áreas e dependências para os atores, e lugares

destinados ao público (Ibidem, 1977). Se contrasta a sobriedade da arquibancada com

a suntuosa cena do teatro. Entre a cávea e a cena se situa a orquestra ou orchestra,

um espaço semicircular com seu solo pavimentado em mármores brancos e azulados,

e destinado à evolução do coro, elemento muito significativo no teatro clássico, e ao

desenvolvimento da representação na cena (ALMAGRO, 1961; Ibidem, 1977).

A orchestra se limitava pela arquibancada da cávea por três terraços de

mármore, que serviam para acomodar os dignitários do Estado (Idem, 1961). Nestas

três arquibancadas – feitas em mármore originalmente e atualmente reconstruídas em

ladrilho – estavam os assentos móveis, subsellia, reservados aos senadores e

máximas autoridades que presenciavam as representações (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Duas entradas, denominadas de parodos, permitiam o

acesso destas mais altas categorias da cidade em suas devidas acomodações

dispostas em três fileiras de assentos e presididas pelo legado (GUITIAN, 1977).

Para acessar a orchestra desde a rua se fazia necessário ingressar em

corredores abobadados, itinera, que terminavam em vãos adintelados com uma

inscrição mencionando Marco Agripa. Assim, os dintéis das portas laterais do teatro

101

indicam como promotor da obra Marco Agripa e a epígrafe ainda informa a data de

inauguração do monumento, ocorrida entre os anos de 16 a.C. e 15 a.C., talvez

coincidisse com o título de capital provincial que recebeu Emerita Augusta. Nas

extremidades da câmara, sobre os corredores citados, havia caminhos em honra aos

tribunos, tribunalia, conforme os tablados de nossos atuais teatros (ALGABA, 2009;

ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Diante à cávea e à orquestra estava uma complexa estrutura, a cena. Ligado à

orquestra e à cena estava o muro da cena, o denominado púlpito ou pulpitum, possuía

um metro de altura e era recoberto de esculturas de mármores que faziam sua

decoração com esmero (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977). Entre a orchestra e o

cenário, corria o proscênio ou proscaenium, uma plataforma alta e paralelogrâmica

que alternava vãos semicirculares e retangulares em uma tentativa de melhorar a

sonorização. Escadarias localizadas em seus extremos comunicavam esta plataforma

com o cenário. O proscênio era o local onde ocorria o movimento dos atores

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A cena propriamente dita possuía medida de 60 metros de comprimento e 7

metros de profundidade, indicando sua amplitude e facilidades cenográficas para

montar as obras. Havia doze buracos por onde era instalada uma cortina (GUITIAN,

1977). O piso originalmente era de madeira protegido por uma cobertura, que atuava

para ressonância (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). O pavimento de

madeira facilitava esconder os cenários e os elementos em cada performance.

Importante acrescentar que o espaço semicircular da orquestra, parte mais baixa do

teatro, que situava o coro e ligava-se com as arquibancadas, escavadas parcialmente

na encosta e cobertas de blocos de granito, que quando combinadas com a forma

semicircular da arquibancada e suas escadarias, que se cruzam de um extremo a

outro, conseguiam a boa sonoridade; as escadarias também facilitavam a

acessibilidade às arquibancadas e a distribuição do som, fato que proporcionou a

acústica excepcional do teatro emeritense (ALGABA, 2009).

Ao fundo da cena se encontra a formidável fachada monumental do teatro, a

parte mais sobressaliente do edifício que formava a frente do cenário, designada de

frente da cena ou frons scaenae, sua reconstrução com os materiais encontrados

parcialmente in situ permitiram nos aproximarmos de sua aparência original. A

fachada era coberta de ornamentos e constituía-se de três portas em diferentes níveis,

que animavam e produziam agraveis efeitos de luzes e sombras. Cada um dos lados

102

da cena do teatro possuía uma porta, denominadas de valva hospitalium, e uma maior

e ao centro, a porta principal ou valva regia. Todas as portas se voltavam para o

exterior do monumento, através delas os atores acessavam a parte posterior do teatro

e/ou entravam em cena. Além das portas frontais havia duas portas laterais que

acessavam o proscenium, por onde passavam carros, cavalarias e elementos que

complementavam a representação (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

Mesmo com a reconstrução das ruínas da frons scaenae, devido à grande

destruição desta parte do edifício do teatro, torna-se difícil precisar detalhes sobre as

estruturas arquitetônicas do muro exterior da cena e a ornamentação de sua fachada.

Entretanto, podemos perceber a riqueza e esplendor deste monumento na

antiguidade através de achados arqueológicos de mármore, frisos, cornijas,

arquitraves e capitéis, e alguns elementos arquitetônicos ornamentais com belíssimo

acabamento, como a fachada decorada com esculturas e os adornos nas portas de

acesso. Vestígios arqueológicos indicam que o chão da cena fosse composto de

mármores coloridos (Idem, 1961).

A fachada do teatro ou frons scaenae, apresentava dois níveis de colunas,

realçadas por cúpulas, reentrâncias e saliências (STIERLIN, 1997). Este grandioso

pano de fundo conta com um alto pódio de 2,60 metros de altura, acomodado a dois

corpos de colunas, que somados aos seus entablamentos se elevam a uma altura de

13 metros (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). O ornamento da

fachada de frente da cena se fazia com colunas sobrepostas, em nível inferior e

superior, que proporcionam grande altura à fachada. Uma base sólida sustentava

colunas de mármores em estilo coríntio de variadas cores, o fuste das colunas de

mármore azulado contrastava com o branco de suas bases e capitéis. Sobre elas

repousava um entablamento encimado por uma cornija de decoração delicada de

diferentes motivos (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

A base da estrutura era coberta com mármore e o muro atrás das colunas

possuía relevos. Entre os intercolúnios da fachada arquitetônica inferior existiam uma

série de estátuas magníficas, onde se situavam diversas figuras esculpidas de

personagens públicos, imperadores heroicizados, com vestimenta militar, ou

divinizados, assim como esculturas de deuses do panteão clássico, como por exemplo

Ceres, Plutão e Proserpina (Idem, 1961; ALGABA, 2009). Algumas estátuas foram

recuperadas e estão atualmente abrigadas no Museu Arqueológico da cidade de

Mérida, e compõem uma das coleções mais importantes de estatuária romana da

103

Espanha. No teatro permanecem algumas reproduções destas estátuas; além das

esculturas, muitos fragmentos do teatro foram encontrados nos jardins, posteriores à

cena (GUITIAN, 1977).

Ao nos introduzirmos por qualquer porta da frente do cenário, atrás da cena,

avistaremos a choragia ou vestuário dos atores, que era formada por ambientes para

a preparação dos atores e demais serviços do teatro; pode-se detectar que a choragia

possuía bancos de mármore alinhados ao longo das paredes. Na parte lateral do

teatro, em direção ao anfiteatro, havia grandes cômodos que serviam como vestíbulo

ou entradas que conduziam à parte baixa do monumento (ALMAGRO, 1961;

ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Teatros importantes, como o de Emerita Augusta, apresentavam em sua parte

posterior – do exterior da fachada – um jardim. O pátio ou jardim emeritense possuía

um peristilo e um pórtico com dupla colunata revestida de vermelho que lhe rodeava,

e se fechava por um muro que circundava três dos quatros lados do jardim. Um

telhado o protegia das intempéries do tempo, e os muros, dos barulhos do exterior. O

ambiente contava como um dos jardins públicos da cidade, era também utilizado por

espectadores do teatro para passear entre um ato e outro, podia ser acessado tanto

pelo teatro como por uma escadaria que se liga ao anfiteatro. O jardim possuía um

canal em forma de uma lagoa ou piscina com uma fonte de mármore decorada com

motivos vegetais, o local era abundantemente decorado com esculturas, além de

várias árvores e flores comporem o ambiente, que atualmente se encontra em ruínas.

Próximo aos jardins existiam latrinas públicas. No eixo do peristilo, centrado com a

valva regia, perto das colunas, existe uma pequena câmara sacral pavimentada de

mármore, de um importante conjunto escultórico que nos indica ser consagrada ao

culto do imperador (ALGABA, 2009; Idem, 1961; Idem, 1995).

104

Figura 7. Planta do Teatro de Emerita Augusta e arredores. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_teatro_plano.html>.

Acesso em: 28/11/2014.

O teatro romano de Emerita Augusta representa a forma de construção dos

arquitetos do período do principado de Augusto, em relação a sua harmonia, estrutura

e técnica. Contudo devemos acrescentar que a cena do teatro primitivo provavelmente

fora em grande parte de madeira, visto ao registro de incêndio no ano de 135 d.C.

(ALMAGRO, 1961). Após essa destruição, no século II d.C., durante o reinado de

Trajano e Adriano o teatro foi reconstruído, sobre a arte dos capitéis e esculturas, e

enriquecido com um palco majestoso (STIERLIN, 1997). Assim, o teatro romano

emeritense sofreu várias remodelações em seu desenho, as mais relevantes entre o

século I d.C. e II d.C. (SÁNCHEZ, 2009).

Posteriormente, em tempos de Constantino, no século IV d.C. o teatro fora

novamente restaurado, deste período pertencem as cornijas e placas esculturadas da

105

arte tardo romana (ALMAGRO, 1961). Desta maneira a fachada não se faz original

devido ao incêndio que a destruiu no ano de 135 d.C., nem a que substituiu, mas sim

outra muito posterior, a datada do século IV d.C., portanto esta análise de restauração

nos remete ao grande valor artístico e arquitetônico do edifício (GUITIAN, 1977).

No século IV d.C., o teatro foi restaurado no período de Constantino, entre 333

d.C. e 335 d.C., com a introdução de novos elementos arquitetônicos, decorativos e

também da construção de uma via que rodeava o monumento. Posteriormente, em

período da antiguidade tardia, o teatro perdeu sua natureza e um particular edificou

dentro do recinto sua própria moradia, denominada de Casa-Basílica, uma construção

doméstica de época baixo imperial (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Desta forma, percebemos que desde a época romana o teatro continuou

passando por muitas eventualidades. Além dos destroços sofrido com as invasões

bárbaras e mulçumanas, outras destruições continuaram a comprometer sua

configuração ao longo do tempo. Em período moderno a condição do teatro continuou

se agravando. Em 1610 muitas de suas pedras foram retiradas para aproveitamento

em uma das múltiplas restaurações da ponte sobre o Guadiana. No século XVIII o

teatro foi enterrado e seu terreno foi cultivado com cereais e vegetais. Um personagem

da época, proprietário do teatro, não teve escrúpulos ao dedicar o espaço ao cultivo

de grão de bico e cevada, deste modo verifica-se que a terra cobria quase por inteiro

o teatro. Naquela época, como já se observou, apenas sete testemunhos do teatro se

projetavam do solo, as chamadas sete cadeiras, em que segundo uma lenda se

sentaram sete reis mouros e decidiram o destino da cidade (GUITIAN, 1977).

Ainda neste quadro, muitas das pedras do teatro seriam destinadas a se

tornarem areia. Até que tudo mudou com a chegada de um especialista e embaixador

inglês, que apontou o sítio como sendo uma nova Herculano. Assim, iniciaram os

trabalhos de escavação do local, até que um monarca espanhol revelasse suas

ruínas. E desde os primeiros anos do século XX o teatro continuou sendo escavado,

estudado, reconstruído e restaurado sistematicamente (Idem, 1977).

O teatro constitui-se por si só como uma construção ampla, harmônica e

ornamentada (ALMAGRO, 1961), que ainda hoje causa um efeito deslumbrante

devido à sua abundante decoração, de ricos materiais, e também ao seu estado

perfeito de sua forma e sua reconstrução (GUITIAN, 1977). Nos dias atuais o teatro

ainda possui um sistema tão eficaz que se utiliza seus espaços para eventos culturais,

e a cada ano se celebram representações no edifício. O monumento do teatro

106

constitui-se como um dos mais importante de época romana que se conserva na atual

Mérida. Além de o teatro de Mérida ser o mais esplêndido entre os dezoito teatros

romanos que se conservam ainda hoje na Espanha (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995; GUITIAN, 1977) e um dos mais belos exemplos conhecidos no

Ocidente (STIERLIN, 1997).

3.4.2 Anfiteatro

O anfiteatro foi construído junto ao teatro, ambos aproveitando o declive do

terreno para suas construções, desta forma o anfiteatro utilizava-se da encosta da

colina de San Albín para apoiar sua arquibancada. Para sua construção reservou-se

duas insulae ou quadras no esquema geral urbano da colônia, situando o edifício a

noroeste de Emerita Augusta (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). O

anfiteatro se encontra localizado ao lado sul do teatro, onde se separavam e se

comunicavam por um pequeno trecho de calçada (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

O anfiteatro de Emerita Augusta foi construído em 8 a.C. (ALGABA, 2009). Neste

monumento aconteciam as populares lutas entre gladiadores, animais, ou entre

ambos, muito apreciadas pelo povo (GUITIAN, 1977).

O anfiteatro romano de Emerita Augusta possuía consideráveis dimensões, sua

elipse apresenta diâmetro de mais de 126 metros de comprimento pelo eixo maior, e

102 metros por 65 metros de largura pelo eixo menor da planta. A forma elíptica do

anfiteatro se apresentava como habitual nesse tipo de edifício. Estimativas apontam

que a arena medisse entre 54 metros a 64 metros de comprimento por 41,15 metros

de largura, um pouco menor que o anfiteatro da cidade romana Itálica (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; Idem, 1977). O monumento tinha sua estrutura

construída em concreto e alvenaria, e o restante em pedras. Embora o edifício também

fosse revestido em mármore não seria mais suntuoso que o teatro. As portas do

anfiteatro eram de arcos em forma de semicírculos ou adintelados, as escadarias de

acesso possuíam janelas para maior iluminação. Uma de suas características

originais consiste na ausência de galerias interiores (Ibidem, 1977).

Nos dois extremos do eixo maior do anfiteatro, que seguem aproximadamente

de norte a sul, existem dois amplos corredores de 4,65 metros de largura na porta

exterior e 4,10 metros em sua porta interior, que acedem o interior do monumento,

107

visto que a arena e parte da arquibancada permanecem escavadas no solo para evitar

o aumento de estruturas livres. Os gladiadores seguiam para a arena através de

ambos os grandes corredores de saída, em cujos lados se abriam caminhos para

quatro ambientes abobadados que não sabemos suas funções – acredita-se ser talvez

uma área para culto da deusa Némesis, protetora dos gladiadores, ou também poderia

ser o spoliaria, local onde os gladiadores se preparavam para ir a arena, e/ou carceres,

espaços em que permaneciam as feras até o espetáculo, com reduzidas dimensões

e pequenas janelas que permitiam alimentá-las com segurança – e que apoiam os

terraços da ima cávea. A comunicação destes locais com a arena se fazia por uma

porta ao fundo do anfiteatro, as paredes ofereciam janelas para comunicação com os

gladiadores e/ou também para introduzir alimento para os animais sem risco

(ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

O anfiteatro emeritense oferecia, dentro do traçado clássico deste gênero de

construção, duas tribunas que se erguiam nos dois extremos de seu eixo central para

seu eixo menor. O eixo menor do anfiteatro segue em direção leste a oeste e possui

41,5 metros. No extremo meridional deste eixo, em direção à calçada do teatro, se

abria uma ampla porta e sobre ela estava uma tribuna, considerada como tribuna

principalis, que se combinava emparelhada com outra, denominada de editoris

tribunal, que se erguia no outro extremo na porta de entrada e que mantinha abaixo

talvez uma capela, para os serviços desta tribuna ou dos espetáculos (Idem, 1961).

Nos extremos do eixo menor estavam tribunas, o lado oriental destinava-se ao

presidente, a tribuna principalis, e no lado ocidental à pessoa que custeava o

espetáculo, o editoris tribunal (GUITIAN, 1977). Igual acontecia com os outros

edifícios para espetáculos, os mais altos dignitários que presidiam os jogos contavam

com lugares de exceção para maior comodidade e visão dos jogos (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Cada tribuna possuía em seu parapeito uma

inscrição monumental – encontraram-se fragmentos – com menções honoríficas ao

imperador governante consignadas nos longos dintéis graníticos, que permitem datar

a obra como de Augusto, nos indicando a data de inauguração do teatro em 8 a.C.

Escavações arqueológicas encontraram inscrições que apontam a existência de

outras tribunas, no lado norte e sul do anfiteatro (Idem, 1995; GUITIAN, 1977).

O desenho do anfiteatro de Emerita Augusta constituía-se como habitual nos

anfiteatros romanos: uma arquibancada com ima, media e summa cavea, e uma arena

central. O anfiteatro de Emerita Augusta possuía capacidade para acomodar 15000

108

espectadores em assentos, além de possuir coberturas e toldos para a proteção e

abrigo dos mesmos. Desta forma, percebemos que os jogos gladiatórios eram bem

recebidos pelo grande público. O edifício de forma oval e com arquibancadas

dispostas ao redor do espaço central, a arena, podia ser preparado para o espetáculo

com ornamentos de cenário ou recriações paisagísticas (ALGABA, 2009).

A fachada do edifício apresenta dezesseis portas grandes e ornadas, das quais

iniciam os vomitoria ou galerias que desembocam nos diferentes setores da

arquibancada (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Dos dezesseis

vomitórios, quatro constituíam-se como principais que formam galerias abobadadas

em arcos de semicírculos, localizados nos quatro eixos da construção, dividindo assim

cada um dos quatro setores em outros tantos cuneis ou arquibancadas (GUITIAN,

1977).

A cavea ou arquibancada do anfiteatro se articulava com seus três setores. As

três ordens de arquibancadas ou cáveas se dividiam em: ima cavea ou galeria inferior,

setor mais próximo da arena, contava com assentos de granito – com apenas alguns

conservados –, uma fileira reservada aos magistrados que presidiam os jogos, e 10

fileiras se destinavam aos cavalheiros. As arquibancadas da media e da summa cavea

acolhiam ao público mais heterogêneo. A media cavea ou galeria ao meio contava

com 10 fileiras para os cidadãos juridicamente livres, e summa cavea ou galeria

superior abrigava 10 fileiras reservadas à plebe (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995; Idem, 1977).

Só se conservam a ima cavea – a mais preservada – e a media cavea, já toda

a summa cavea encontra-se destruída, apenas um trecho se conserva inteira, caída

entre as arquibancadas inferiores. A arena do anfiteatro estava limitada por um

podium de granito ricamente adornado com grandes placas de mármore, coroado com

uma cornija e um parapeito de blocos decorados com pinturas alusivas aos jogos, que

protegia os espectadores na arquibancada do perigo dos jogos – parte dos blocos

encontram-se expostos atualmente no Museu Nacional de Arte Romano (ALMAGRO,

1961; Idem, 1995). Sobre o podium se erguia a ima cavea, depois de sua décima

primeira fileira existia um corredor, praecintio, que a separava a media cavea; o

corredor com as escadas, scalaria, acessava os espectadores às arquibancadas em

forma de setores ou cunei, como no teatro, e separava as arquibancadas. Em seguida

erguia-se um muro, balteus, de ladrilhos que levantava a media cavea, atualmente

109

sem arquibancadas, mas com umas aglomerações em opus concretum quebrado que

encontram-se em sua posição original (ALMAGRO, 1961).

Na zona da arena, em seu interior foi escavada uma grande fossa que

constituía-se por um retângulo central maior e outros menores lateralmente, de planta

cruciforme. A fossa arenaria servia para armazenar os adereços do espetáculo e as

jaulas dos animais ferozes. A fossa ficava oculta por um tablado de madeira e se

conectava com a arena através de uma plataforma. As paredes da fossa possuíam

uma camada de argamassa hidráulica, opus siginum, e se utilizava como depósito de

água (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Alguns autores atribuem

como sua função, possivelmente, a de tanque para batalhas aquáticas, as

naumáquicas, e que poderiam ser tapados com madeiras quando não utilizados

(GUITIAN, 1977).

Figura 8. Planta reconstruída do Anfiteatro de Emerita Augusta. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_anfiteatro_plano.jpg>.

Acesso em: 01/12/2014.

110

Os gladiadores que participavam dos jogos eram em grande parte de condição

servil, embora existissem os que se vendessem, auctorati, como o caso de soldados

veteranos familiarizados com o manejo de armas. A condição dos gladiadores se

revelava muito diferente entre eles na arena, os gladiadores que se enfrentassem

contrapunham armamentos e técnicas distintas com a finalidade de tornar mais

atraente o combate. O gladiador que lutava como retiarius, possuía uma rede e um

tridente, o secutor era pesadamente armado, o venator enfrentava as feras. O

comércio de animais exóticos para os espetáculos, procedente da Ásia e África, se

expandiu rapidamente pelo Império e gerou grandes fortunas para os empresários

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O anfiteatro de Emerita Augusta apresenta em sua configuração estrutural

resultados de reformas e ampliações ocorridas posteriormente à sua inauguração,

como a sucedida em I d.C. que praticamente refez o edifício (ALGABA, 2009). No

século V d.C., após o declínio do esplendor da colônia, o anfiteatro foi abandonado e

passou, a partir de então, a ser utilizado como canteira para novas edificações. A

história do anfiteatro torna-se muito parecida com o destino enfrentado pelo teatro da

cidade emeritense. Em época moderna, no século XVIII o anfiteatro foi vítima de

explosões com pólvora, que atingiram principalmente sua arquibancada da summa

cavea, para utilizar de seus materiais dinamitados em construções a baixos preços

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; GUITIAN, 1977). Também neste

período se acreditou que o edifício se destinava à naumaquia, hoje se supõe que tais

espetáculos fossem apenas ocasionais (Idem, 1977).

Depois de sucessivos saques e destruições, hoje o monumento do anfiteatro

da antiga cidade de Emerita Augusta se encontra parcialmente restaurado, deixando

à mostra suas ruínas em estado natural. O anfiteatro atualmente encontra-se bem

conservado, sendo utilizado somente para eventos ocasionais, permitindo-se na maior

parte do tempo demonstrar apenas sua monumentalidade (ALMAGRO, 1961; Ibidem,

1977).

3.4.3 Circo

111

O circo de Emerita Augusta formava o conjunto de monumentos dedicados aos

espetáculos públicos, configurou-se como o maior construído na colônia e um dos

mais importante do Império (ALMAGRO, 1961). O circo localizava-se na periferia da

cidade romana de Emerita Augusta, o edifício foi construído uns 400 metros a leste

da vedação do perímetro da colônia, erigido em um vale próximo ao aqueduto de San

Lázaro, onde sua fachada se aproximava do aqueduto, o circo se mostrava bem

comunicado por uma via principal, a estrada que unia Emerita Augusta com Corduba

e Toledum, com a qual seria alinhada sua fachada setentrional. A grandiosidade de

suas proporções, 30000 metros quadrados, motivou seu deslocamento da região de

espetáculos públicos, mesmo assim o edifício se situou relativamente próximo do

teatro e anfiteatro (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). O grande

monumento romano do circo formava um hipódromo destinado às corridas de cavalos,

acrobacias com cavalos e corridas de carros, esta última de grande popularidade

devido ao risco de capotar os carros em que os participantes enfrentavam nas curvas

do espetáculo (ALGABA, 2009; GUITIAN, 1977).

Mesmo com a incerteza sobre a data da construção do edifício do circo,

apontamentos sugerem que se aproxime dos outros grandes monumentos da cidade

(Idem, 1977). O conhecimento obtido através de escavações no circo e a lógica de

construção dos edifícios de espetáculos – teatro e anfiteatro –, sugerem a construção

do circo emeritense em época augusta (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995). Acredita-se que possivelmente sua inauguração tenha ocorrido por volta de 50

d.C. (SÁNCHEZ, 2009).

O circo de Emerita Augusta constituía-se bem grande para uma cidade

provincial (ALGABA, 2009). Suas dimensões são bem expressivas, a arena possui

30000 metros quadrados, com 403 metros de comprimento e 96,50 de largura. No

contorno do circo estavam as arquibancadas de 9,80 metros de amplitude, oferecendo

como comprimento total para a construção 433 metros e largura de 114 metros

(ALMAGRO, 1961). O circo de planta retangular, possuía fachada decorada com

arcos sobrepostos em paredes, os ditos arcos cegos, e pilares adossadas em

paredes, revestidos de placas de granito. A construção interna do circo se constituía

de alvenaria e concreto. A forma do circo emeritense era comum neste tipo de

monumentos, com duas longas fachadas que corriam paralelas ao terminar em uma

extremidade com uma forma semicircular, e em outra, com uma curvatura modulada.

112

Tais lados maiores serviam para acomodar as arquibancadas (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A arquibancada meridional se apoia sobre um terreno natural, e a arquibancada

do lado setentrional, sobre grandes abóbadas de concreto. A arquibancada do circo

se estruturava sobre um podium, que limitava a arena, e se levantava em cáveas,

cada cavea acomodava e distribuía os espectadores ao redor da pista, conforme a

clássica divisão de cavea, apresentando o circo capacidade total para 30000

espectadores sentados, todos protegidos por coberturas e toldos. Também possuía

lugares preferenciais, a tribuna se encontrava em local principal, para o editor ou a

pessoa que custeasse os jogos para os juízes; o juiz permanecia no tribunal judicum

arbitrando as competições circenses, localizado em lado à frente da outra tribuna

(Idem, 1995; GUITIAN, 1977). O grande público apreciava as corridas no circo,

configurando-se como o espetáculo com maior número de espectadores (ALGABA,

2009).

As bordas curvas da cabeceira do circo formavam um anel de locais de 9

metros de largura. Os dois lados maiores se uniam formando um semicírculo, por um

extremo, e pelo outro um arco curvo. Ao centro do lado menor, a noroeste, se entrava

ao recinto através da grande porta pompae, local por onde também saiam os

vencedores e se abria para várias carceres, onde permaneciam carros e cavalos das

competições. Ao outro lado, no extremo semicírculo do monumento, a sudeste, estava

a porta triumphalis, para a entrada dos carros e talvez uma saída secundária da arena

(ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

A porta pompae ou porta dos desfiles, por onde começava a procissão solene,

era uma das mais monumentais, sua largura era maior que 4 metros e era construída

em concreto. Nela se dispunham doze carceres ou garagens que acolhiam outros

tantos carros. As carceres do circo de Emerita Augusta estavam formadas por quatro

pilares, um em cada esquina, rodeadas por um muro decorado ao exterior, talvez com

colunas ou pilastras. No corredor que acessava por um largo vão, as equipes se

dirigiam por espaçosos corredores para ocupar os postos designados em sorteio.

Quando o árbitro que presidia as corridas agitava o estandarte branco, mappa, os

mecanismos de abertura das garagens se levantavam, permitindo a saída dos carros

para a arena, local onde se desenvolviam as corridas (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

113

A arena do circo de Emerita Augusta era espetacular, suas medidas a situam

entre as maiores de seu tempo. A arena do circo se delimitava por dois muros

paralelos e unidos no extremo por um muro curvo, onde se situavam a entrada e os

serviços do circo, e no outro extremo os conectava um semicírculo que servia para

voltear a espinha central que dividia a área da arena. Ao redor desta que se realizam

as corridas. Desta forma, ao centro da arena estava a espinha ou spina que constituía-

se em uma plataforma de concreto de 8,50 metros de largura levantada sobre um

comprido podium de 95 centímetros de altura que corria ao longo de 233 metros de

comprimento, situado longitudinalmente na pista, em posição excêntrica e obliqua

para proporcionar maior amplitude à pista onde iniciavam as competições e onde os

participantes eram mais numerosos. A spina se encarregava de dividir em dois a

arena, de maneira de eixo central, dela só restam as fundações de concreto

(ALMAGRO, 1961; ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; GUITIAN, 1977).

A spina se localiza um pouco mais próxima do lado sudeste da arquibancada,

pois ao lado noroeste era onde começavam as corridas. Os extremos da spina eram

semicirculares e entrantes, em sua parte superior existiam elementos decorativos

(Idem, 1961). Provavelmente tal como os demais circos da época, a spina do circo de

Emerita Augusta deveria ser o espaço mais decorado do edifício, revestido com placas

de mármore, com o espaço interior pavimentado de opus signinum ou talvez de

mármore; adornado com esculturas, mosaicos e obeliscos, dos quais permaneceram

vestígios preservados (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; GUITIAN,

1977).

A competição de corridas consistia em dar sete voltas na spina, e terminava na

linha metrae, situada no começo da spina. Em ambos os lados da spina se localizam

os alvos candelabros, metrae, dos quais marcavam as voltas dos carros que deveriam

girar ao seu redor. O espetáculo da corrida era presidido e regulado por uma

autoridade, tribunal judicium, a partir de um palco, com localização provável ao lado

que se encontrava a linha de chegada (ALMAGRO, 1961; Idem, 1977).

Ao redor da grande arena existia um podium de 1,40 metros de altura, onde se

levantava uma cávea de pelo menos oito arquibancadas. Sob estas arquibancadas

existiam onze portas que acessavam um podium inferior, que se acredita que serviam

para desague da arena em caso de inundações, também consideradas como carceres

(Idem, 1961).

114

Figura 9. Planta original do Circo de Emerita Augusta. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_circo_plano.jpg>. Acesso

em: 02/12/2014.

As corridas do circo, tinham seus carros estabelecidos por categorias

dependendo do número de cavalos que os puxavam, podendo ser de 2, 3, 4, 6, 8 ou

10 cavalos (ALGABA, 2009). Os carros mais comuns poderiam ser puxados por dois

cavalos, bigas, ou por quatro cavalos, cuadrigas, e eram conduzidos por aurigas, que

se agrupavam em partidos esportivos ou factiones, identificados cada um por uma das

quatro cores (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Quatro equipes ou

factiones eram representadas cada uma por uma cor e eram agrupadas de dois em

dois: a factio albalata (branca) e prasina (verde) enfrentava a veneta (azul) e russata

(vermelha). O mandatario presidia os jogos e se encarregava de iniciar a corrida. Ao

início da corrida, os carros saiam dos carceres e corriam pela pista dando voltas em

torno de um eixo central, a spina. As corridas se completavam por sete voltas, em um

total de 568 metros cada uma delas, percorrendo assim 4 quilômetros de espetáculo

(ALGABA, 2009).

Alguns aurigas que alcançaram a glória no circo de Emerita Augusta

permanecem conhecidos através de fontes, como em pavimentos e mosaicos. Os

aurigas vestiam couraças com faixas de couro e largo cíngulo que garantiam que, em

caso de necessidade, as tiras fossem cortadas com uma faca pequena para, deste

modo, evitar serem arrastados pela arena quando o carro capotava. Também usavam

um elmo metálico, que protegia a cabeça, e um chicote (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Com o estudo arqueológico podemos verificar que o circo de Emerita Augusta

foi restaurado no século IV d.C. com magnificência, segundo uma inscrição em

mármore achada originariamente na área dos carceres e atualmente disposta no

115

Museu Nacional de Arte Romano. A inscrição assinala a reconstrução do circo no ano

de 337 d.C., seu conteúdo revela que a mando de Constantino e Constante o edifício

fora reconstruído, rodeado de novas ornamentações e inundado com água, talvez o

circo tenha se transformado em uma naumaquia ou naumanchia, local que simulava

batalhas navais, ou apenas partes da arena foram inundadas e transformadas em

tanques, ou talvez apenas foram instaladas simples fontes no recinto (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A reconstrução do circo no século VI d.C. comprova a importância do

monumento, que foi testemunha da influência e esplendor que a colônia emeritense

possuía no período romano (GUITIAN, 1977). A utilização do circo foi mais extensa

que a do teatro e anfiteatro, devido as normas cristãs serem mais benevolentes com

os espetáculos de corrida. Assim, o circo de Emerita Augusta continuou sendo cenário

de corridas de carros pelo menos até o século VI d.C., quando finalmente foram

proibidas, começando uma lenta agonia que não terminaria até sua revalorização

atual (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Depois de muito tempo de abandono, o circo acabou cortado pelo traçado da

estrada que liga Mérida a Madrid, construída desconsiderando o monumento. A

estrada passava por cima da cabeceira do circo, atravessando uma de suas

extremidades e desconfigurando seu traçado. Infelizmente este constitui-se como o

único circo romano da Espanha. A necessidade de respeitar os interesses deste

monumento levou ao resgate do circo emeritense, um monumento quase único

(ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

O edifício se abalou com o peso dos anos, e se encontra muito diferente do

momento de seu esplendor. Pode-se verificar que até começos do século XX a

arquibancada se conservava mais completa que atualmente, com onze fileiras, hoje

se contemplam apenas as do setor mais próximo à arena (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Contudo a descoberta de parte da fachada do monumento,

construída em delicada alvenaria, nos remete a indícios eloquentes sobre a

importância do monumento (GUITIAN, 1977). Mesmo com todo o risco sofrido e com

escassos restos in situ, o circo de Emerita Augusta se encontra bem conservado, o

que o torna um monumento romano singular para se conhecer a estrutura e disposição

desta grande construção (ALMAGRO, 1961). O monumento do circo emeritense

constitui-se como o melhor conservado na Península Ibérica e configura-se como um

116

dos maiores do mundo romano (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995;

SÁNCHEZ, 2009).

3.5 PONTES

As pontes de Emerita Augusta remontam ao período fundacional da colônia e,

portanto, foram construidas segundo a tradição da engenharia romana dos finais da

República e início do Império de Augusto. A cidade emeritense possuia trê pontes

romanas que apresentam as seguintes caracteristicas bem definidas: pouca elevação

(aspecto atarracado); pilares robustos e flancos fornecidos com diques arredondados;

execução que marcava o coroamento dos pilares; a presença de arcos de alívio sobre

os pilares; arcos com aduelas chaves bem assinaladas; paramento com estrutura

revestida (ALGABA, 2009).

Duas pontes faziam o acesso à cidade. Uma ponte cruzava o rio Anas, de

noroeste a sudeste, e comunicava-se diretamente com a porta da muralha da cidade,

convertendo-se em seu eixo principal, o decumanus maximus. A outra ponte sobre o

rio Albarregas, localizada ao norte da colônia, conectava-se ao kardo maximus da

cidade e com a importantíssima Vía de la Plata (SÁNCHEZ, 2009). Ambas são

construções com blocos de granito, de dimensões diferentes, mas feitas para resistir

ao longo do tempo e aguentar as cheias do rio, com a chegada das chuvas. A travessia

das pontes podia ser realizada em todos os períodos do ano – com conforto e

prestígio, de acordo com as obras construídas pelo Império romano –, permitindo que

todos que transitassem pela Vía de la Plata rumo à cidade, chegassem ao destino

sem se molhar. Os engenheiros romanos planejaram e construíram as pontes

conforme o traçado da cidade (ALGABA, 2009).

Emerita Augusta dispunha de grandes pontes, das quais ainda são visíveis

atualmente. A ponte que cruza o Albarregas apresenta-se menor e possui quatro

arcos. A ponte que cruza o Guadiana está disposta de forma perpendicular à corrente

do rio, possui comprimento de 792 metros, sessenta arcos que se apoiam em pilastras

e vertedouros entre esses arcos – exceto a seção oeste –, as pilastras são construídas

sobre uma base de concreto, com faixas entre elas, criando uma plataforma base de

toda a ponte. A largura da calçada permitia a circulação de pessoas e carros nas duas

direções. A terceira ponte, denominada de Acantarilla, próxima a ponte de Albarregas,

117

constitui-se muito simples e salva um riacho, permitindo o antigo trânsito da população

(ALGABA, 2009).

3.5.1 Ponte sobre o rio Anas

Em época romana a ponte que cruzava o rio nomeado Anas, passou

posteriormente, em período árabe, a adicionar o prefixo “Guad” ao seu nome, com

significado de rio em árabe, originando sua atual denominação de rio Guadiana

(GUITIAN, 1977). A ponte sobre o rio romano Anas foi definidora do local de instalação

de Emerita Augusta e de seu esquema urbano, que faz deste monumento um dos

mais antigos da cidade e consideráveis do conjunto arqueológico emeritense. A ponte

se comunicava diretamente com a porta da muralha do decumanus maximus,

convertendo-se com este em eixo principal da cidade. A ponte foi construída de acordo

com uma favorável topografia, no lugar onde existia duas ilhas e um fluxo mais

escasso do rio (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O monumento grandioso da ponte possui atualmente 792 metros de

comprimento e uma calçada de 8 metros de largura, e encontra-se em sua maior altura

a 12 metros do nível médio da água. Indícios apontam que erguesse dois arcos

triunfais em seus extremos. A ponte conserva ainda hoje 60 arcos, que contam com

vertedouros entre eles, sendo que três deles, mais distantes da cidade, se encontram

quase enterrados. Na época de sua construção pelos romanos, a obra poderia ter

ostentado 64 arcos (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977). A ponte sobre o Anas

provavelmente foi construída no período de planejamento urbano da cidade, do

começo do Principado de Augusto. Entretanto, devido ao alto custo da obra, a ponte

seria construída em momentos distintos e em diferentes trechos (MARTÍN, 2004;

TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

O primeiro trecho da ponte construído unia duas ilhas – “A ilha” e “ilha do Bairro

San Antonio” – e erguia-se sobre o leito principal do Anas. Este trecho conta

atualmente conta 26 arcos (arco 11 ao 36), e foi muito castigado pelas inundações, o

que poderia contribuir para apresentar um aspecto diferente do que poderia ter em

princípio. Também podemos visualizar as restaurações que foram realizadas ao longo

do tempo. Mesmo com todas as mudanças em sua fisionomia primitiva, ainda

permanecem restos da obra originária nos arcos 23, 20, 19 e 18. Com base nestes

118

restos, ao traçarmos uma linha reta que una os vestígios do parapeito primitivo, o

desenho revela uma ponte de dupla vertente. Partindo de um arco central, atual

número 23, seguiria descendo para ambos os lados até as respectivas margens das

ilhas. O número total de arcos possivelmente deveria ser de 13; o trecho partiria do

atual arco 17 e concluiria no 29, tendo o eixo central o arco 23 (MARTÍN, 2004).

O segundo trecho da ponte unia a cidade com a “A ilha” e apresenta-se o

melhor conservado e que menos sofreu reformas. Sua execução deve ter sido

temporalmente próxima ao outro trecho da ponte, pois ambas edílicas são de seções

similares. Atualmente conta com 10 arcos (1-10). Também adota a forma de dupla

vertente, embora neste caso o método configure-se distinto, devido um dos lados

descansar em um muro de blocos de granito. O muro apresentava dupla função, de

acolher o primeiro arco e intermediar a porta da cidade. Ao traçarmos uma linha sobre

o parapeito primitivo deste trecho da ponte distinguimos o arco 5 como o central, a

partir do qual por um lado segue para a cidade e por outro até a ilha. Do arco 5 em

direção à ilha havia 4 arcos, que evidenciam que em um primeiro momento o trecho

da ponte contaria com 9 arcos (Idem, 2004).

Figura 10. Alçado do segundo trecho da ponte romana sobre o rio Anas.

Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_puente_plano.jpg>.

Acesso em: 12/12/2014.

O terceiro trecho da ponte unia a “ilha do Bairro de San Antonio” com a margem

contrária da cidade. Atualmente este trecho conta com 24 arcos e indica que sofreu

distintas intervenções, apesar de sugerir menos restaurações modernas. Verifica-se

que este trecho foi construído posteriormente que os demais trechos da ponte, e que

a obra apresenta as mesmas características técnicas que as anteriores, porém com

119

diferenças edílicas. Este trecho da ponte também configura-se de dupla vertente,

apresenta como arco central o número 55 de onde se inclina de um lado para a ilha,

e por outro para a margem em terra firme. A construção do terceiro trecho da ponte

garantia a comunicação com as duas margens. Os materiais e técnicas empregadas

nas construções dos primeiros trechos da ponte indicam que foram realizadas em

época de Augusto, Tibério ou Cláudio, antes da cidade receber uma nova onda de

população itálica (MARTÍN, 2004).

Assim, a cidade passaria por um processo de embelezamento: união dos

trechos da ponte, construção de um talha-mar na “A ilha”, e um enorme muro, dique,

na margem próxima à cidade. Obras que foram muito custosas e que se

desenvolveram em distintas fases. A união dos dois primeiros trechos da ponte

necessitou da construção de novos arcos e reformas de alguns já construídos. Para

melhorar a zona do Anas, buscou-se unir o terceiro trecho da ponte com o central,

emendando vários arcos, desmontando alguns para eleva-los e poder conseguir

assim uma boa nivelação da ponte. Com a completa união dos trechos da ponte os

arcos serviam para aliviar as grandes e fortes cheias do rio (Idem, 2004).

Figura 11. Reconstrução da ponte romana sobre o Anas: seus trechos, acima, e sua

união, abaixo, sem os arcos do dique (Ibidem, 2004, p. 371).

Uma vez na ponte se podia acessar, através de duas rampas, uma das ilhas

em meio as águas, a dita “A ilha”, que era um importante centro comercial, por isto

esta parte da ponte apresentaria um dique, mostrando-se muito bem protegida. Nesta

ilha se apoiava a ponte, uma circunstância decisiva para a escolha do local para o

estabelecimento da cidade que se projetava favorecendo os emeritenses, assim a

ponte constituiu-se de forma vital para o desenvolvimento da cidade. Ao centro da

120

ponte existia uma torre e em uma de suas cabeceiras encontrava-se uma das entradas

da cidade (GUITIAN, 1977).

O trecho da estrutura da ponte que compreendia o espaço entre as muralhas

da cidade e a atual primeira rampa apresenta-se como a parte melhor conservada da

obra, por se situar no braço menor do rio e, portanto, ser menos exposta às violentas

águas. Dez arcos salvavam este espaço sobre nove pilares de fundação, que estavam

incluídos de diques arredondados – oito ainda se conservam em bom estado. Os

pilares estão perfurados por vertedouros ou arcos de alívio, para facilitar o fluir da

corrente nas subidas do rio. O outro trecho que se desenvolvia entre o atual pilar de

encosto, construído no século XIX, em direção até o final da obra, compreende um

total de cinquenta arcos na atualidade. As características de pilares e arcos até a

segunda rampa são idênticas às descritas no trecho anterior, enquanto que a partir da

referida rampa os pilares não compreendem nem vertedouros nem diques, o que

explica que apenas as grandes correntes de água chegavam na área (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O núcleo da construção da ponte foi construído em concreto romano e as

paredes foram revestidas por grandes blocos de granito procedente de pedreiras

próximas. Os blocos dos tímpanos formam cursos regulares e se ligam com os

segmentos de pedras dos arcos e com as aduelas dos arcos de alívio. O acabamento

exterior dos blocos rompe com a monotonia dos tímpanos e cria jogos de luzes e

sombras notáveis (Idem, 1995).

Tanto os arcos como os pilares foram fabricados em grandes blocos de granito,

bem esculpidos e revestidos. A significativa obra de engenharia da ponte se repartia

em vários trechos de arcos, realizados sucessivamente, construindo ou substituindo

os arcos ou os diques dependendo dos adiantamentos técnicos da época. Todos os

arcos foram apoiados em grandes pilares, que através de seus vãos curvos

favoreciam o rápido desague do Anas (ALMAGRO, 1961).

Os arcos formam saliências nas paredes da ponte, que compõem a linha de

coroação dos pilares. Os segmentos de pedras dos arcos ou aduelas são uniformes,

com a pedra principal bem marcada. A superfície externa do arco se assinala com seu

bocal bem pronunciado, sem ultrapassar a superfície dos tímpanos. Da cornija original

da ponte, a que encimava as fileiras de pedras e marcava o início da mureta de

proteção, foi preservada apenas fragmentos (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

121

Os pilares adotam formas retangulares e possuem largura consideráveis,

visíveis tanto pelo tamanho das aberturas dos arcos que suportavam, como pela

precária fundação em alguns pontos. Os diques são arredondados, porém em alguns

locais modernos adotam ou uma estrutura piramidal em correspondência com as

reformas do século XVII, ou de forma cônica com cobertura pontiaguda no trecho do

século XIX. A arquitetura da ponte que constituía o dique, este que protegia o paredão

que ligava os trechos de arcos, era excepcional. Suas ruínas são visíveis, atualmente

espalhadas pelos cascalhos da “A ilha” do rio, águas acima, depois de sua destruição

nos passados séculos (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A ponte romana sobre o Guadiana contemplou toda a história de Mérida e da

região. Durante a Antiguidade, a partir dessa grande ponte se encontrava o porto

fluvial emeritense, que organizava um ativo tráfico comercial do rio para sua união

com o mar Mediterrâneo (ALMAGRO, 1961).

Desde sua construção a ponte foi por diversas vezes, ao longo da história,

reformada (GUITIAN, 1977). Tal notável obra de engenharia sofreu transformações

que podem ser avistadas em alguns arcos, que foram reparados em épocas distintas

e apresentam tamanho menor que os romanos (ALMAGRO, 1961). Os arcos romanos

foram construídos com sólidos blocos de alvenaria, apoiados sobre bases

semicirculares, as obras visigodas também podem ser observadas nos arcos que

ultrapassam sua forma de semicírculos na ponte romana. As obras originais são mais

visíveis nos arcos próximos à cidade, um trecho formado por oito arcos com outros

intermediários menores, que aliviam e servem para apaziguar a estrutura da ponte

(GUITIAN, 1977).

Uma obra tão considerável como a ponte de Emerita Augusta sobre o rio Anas,

eminentemente utilitária, sofreu uma grande deterioração provocados pelas cheias do

rio e pelos estragos de guerras, que aconteceram imediatamente de acordo com as

possibilidades da época (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Além dos

reparos na ponte referentes às destruições de guerras e inundações (GUITIAN, 1977),

o fator do constante tráfico que essa ponte suportou também motivou

significativamente alterações na estrutura original (ALMAGRO, 1961). Graças aos

documentos conservados no Arquivo Histórico Municipal se pode documentar várias

das restaurações efetuadas. Entre as mais importantes, uma em período visigodo,

uma em período árabe e nos séculos XVI, XVII e XIX (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

122

A ponte possuiu estrutura suficiente para absorver o trânsito até data muito

recente, quando dividia o tráfico com uma ponte de construção moderna. Sua

utilização foi incessante até o ano de 1993, quando se restringiu seu uso,

exclusivamente para pedestres (GUITIAN, 1977). Assim, hoje uma ponte moderna

suporta o tráfico da cidade, porém através dos séculos – mais de dois mil anos de

história – a ponte romana ainda revela a incrível engenharia que Roma registrou em

suas obras, construções que mesmo após enfrentar todos os reveses continuam

persistindo, mantendo suas imagens na paisagem atual (ALMAGRO, 1961). A ponte

romana de Emerita Augusta, sobre o atual Guadiana, constitui-se como a de maior

comprimento em toda a Espanha e uma das maiores pontes do mundo romano

(GUITIAN, 1977).

3.5.2 A ponte sobre o arroio Albarregas

Em época romana a ponte cruzava o rio Fluminus Barraeca, transformado pelos

muçulmanos em uma palavra com prefixo “Al”, dando origem ao seu nome tal como

se conhecesse atualmente, Albarregas. Nas imediações do reservatório de Cornalvo

se origina o arroio Albarregas, menor que o rio Guadiana, e sobre ele ergue-se uma

ponte de menor contexto monumental na cidade. Pela ponte começava a Vía de la

Plata e sua orientação determinou de alguma maneira o traçado do kardo maximus

de Emerita Augusta (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Também, pela

ponte romana do Albarregas ultrapassam os aquedutos San Lázaro e Los Milagros

(GUITIAN, 1977).

A estrutura da ponte romana sobre o arroio Albarregas constitui-se menos

grandiosa que a da ponte do Guadiana, apresenta-se sobre um viaduto de 145 metros

de comprimento e um caminho de 8 metros de largura, em seu centro se levantou a

ponte que ainda mede 7 metros de altura, mas parece menor devido sua base estar

coberta de sedimentos e ao enterramento de seus pilares pelo riacho (ALMAGRO,

1961; Idem, 1977).

A ponte começa com uma mureta de proteção moderna e apresenta

revestimento de blocos retangulares e cornija. Dois vertedouros, reconstruídos no

século XIX, nos fornecessem uma amostra das violentas cheias do arroio no passado.

Percebe-se que a qualidade da obra reflete sua constituição: a ponte suporta uma

123

calçada por meio de quatro arcos medianos de 5 metros de altura e mais outros dois

arcos de menores dimensões em seus extremos, que permitem salvar a corrente de

água (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977). Todos os arcos possuem as mesmas

características e bom estado de conservação; apresentam-se semicirculares e suas

cavidades variam entre os 5,20 metros do primeiro até 3,80 metros do quarto, com

base pouco pronunciada. Os arcos estão formados por aduelas ou segmentos de

blocos de números variados, alguns com acabamento exterior, com a pedra principal

bem marcada e bocal pouco perceptível (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995).

Os pilares são de paredes bem estruturadas em onze linhas gerais, e não

possuem diques e vertedouros, por se constituírem desnecessários. Os tímpanos ou

os espaços de muros entre arco e arco se conservam em boa parte, com blocos em

acabamento exterior em correspondência com as aduelas ou os segmentos de pedra

dos arcos (Idem, 1995).

Figura 12. A planta e o alçado da ponte romana sobre o arroio Albarregas (Ibidem, 1995, p.

63).

A ponte sobre o Albarregas pode ser datada do último quarto do século I a.C.,

e hoje em dia conclui-se com a mureta de proteção moderna e com paredes de

alvenaria. Atualmente possuíamos poucas notícias sobre sua história, além de suas

restaurações efetuadas terem sido pouco documentadas (Ibidem, 1995). Entretanto,

mesmo se percebendo que a ponte foi reparada várias vezes, a obra ainda conserva

o traçado e o aparelhamento de grandes blocos de granito romano (ALMAGRO,

1961).

124

Pela ponte do arroio Albarregas passa a estrada de Cáceres, a antiga Vía de

la Plata, que se estendia para o norte, e mais adiante, se bifurcava em outras vias que

permitiam o caminho para o norte e oeste, constituindo-se numa das numerosas

estradas que faziam contato com a cidade e o restante da Hispânia (ALMAGRO, 1961;

GUITIAN, 1977).

3.5.3 A ponte denominada de “Alcantarilla romana”

Uma terceira ponte foi construída em Emerita Augusta pelos romanos na

estrada que se dirigia a Olisipo (Lisboa), a uns 500 metros do bairro de Las Abadías

e próximo da ponte sobre o Albarregas. A ponte foi construída no século I a.C. para

salvar um pequeno riacho, apresenta um arco único e possui comprimento de 7 metros

e uma largura de 4,35 metros, que com as muretas de proteção se amplia para 6

metros. As numerosas restaurações desvirtuaram seu caráter original, embora no

trecho das águas, acima da corrente, se possa ainda apreciar suas particularidades

construtivas, semelhantes às descritas para os outros dois exemplos de pontes

emeritenses (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O núcleo da construção da ponte “alcantarilla romana” constitui-se de concreto

romano e o arco começa a partir de alicerces de pedras, dos quais só restam ruínas.

As aduelas ou segmentos de blocos do arco são de granito lavrados, sendo que a

cavidade do arco consiste em 4,20 metros. A ponte possui uma mureta de proteção

moderna, como também certas partes da obra apresentam estrutura em ladrilho.

Pode-se observar as características do caminho romano refeito posteriormente na

ponte e nos arredores (Idem, 1995).

3.6 BARRAGENS E AÇUDES

A colônia romana de Emerita Augusta possuía diversos monumentos de

primeira ordem (GUITIAN, 1977). Dentre os grandes monumentos emeritenses

podemos verificar a grandeza da fundação da cidade através das obras de engenharia

hidráulica. Embora a cidade se localizasse junto ao rio Anas e o arroio Albarregas, foi

necessário construir reservatórios que coletassem água de arroios a longas distâncias

da cidade, para assim abastecê-la com água salubre (ALMAGRO, 1961).

125

A cidade de Emerita Augusta contava com duas grandes e principais

construções de barragens ao seu entorno para armazenar água para a cidade,

denominadas de Proserpina e Cornalvo, foram constituídas por muros que anexavam

taludes de terra que ajudavam a resistir à pressão da água. A colônia também possuía

barragens menores e açudes que desviavam suas águas para canais artificiais; a

água coletada era destinada para irrigação e uso industrial fora da cidade. Tal

condução era realizada por canais a céu aberto, em trincheiras junto ao solo. As

barragens continham água das chuvas para abastecer a cidade em dias de estiagem,

evidentes no verão. A cidade também contava com as barragens de Araya, formada

por muros com contrafortes, e a de Esparragalejo, com muro de múltiplas abóbadas

e contrafortes (ALGABA, 2009).

3.6.1 Reservatório de Proserpina

O nome tradicional do reservatório de Proserpina foi Charca de la Albuera,

famoso pela batalha deste nome entre reis católicos e portugueses. O reservatório se

localiza de uns 6 a 5 quilômetros da ponte sobre o Albarregas e do aqueduto de Los

Milagros de Emerita Augusta. A colossal obra de engenharia conhecida pelo nome de

Proserpina deve-se ao fato de se encontrar uma inscrição em uma lápide dedicada à

deusa no local, sobre roubos onde uma vítima invocava a mesma, assim no século

XVIII, o reservatório tomou este nome. O reservatório se localiza em um ambiente

luminoso, ao pé da Serra de Carija, talvez tal denominação derive de Publio Carisio,

o legado romano encarregado de fundar Emerita Augusta (GUITIAN, 1977). A represa

se aproxima pelo norte da cidade, e pode ser acessada por uma estrada pavimentada,

que parte de um cruzamento da atual Mérida a Montijo (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Com este reservatório os romanos abasteciam os bairros a noroeste de Emerita

Augusta. A barragem de Proserpina tinha suas águas conduzidas pelo aqueduto de

Los Milagros, o conjunto da condução da água do início do reservatório de Proserpina

ao final do aqueduto de Los Milagros possui uns 12 quilômetros de comprimento, e

ainda subsistem bastantes trechos, em boa parte cobertos por abóbadas de ladrilho.

O reservatório possui uns 5 quilômetros de perímetro irregular (ALMAGRO, 1961) e

pode armazenar até dez milhões de metros cúbicos de água; as águas recolhidas

126

procediam de chuvas e dos fluxos dos arroios próximos, como os de Adelfas e de

Pardillas. Para aproveitar melhor as contribuições destas correntes de água se

efetuaram consideráveis obras de canalização, hoje bem evidentes. A represa

conduzia as águas a partir de seu ambiente através de calhas, que ainda se

conservam em parte (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; GUITIAN,

1977).

O muro de contenção do reservatório possui medidas consideráveis que tornam

esta obra de engenharia romana como a maior desse gênero na Espanha; encontra-

se hoje incompleto e mesmo assim mede quase meio quilômetro, com 427 metros de

comprimento, se eleva a uma altura de 8 metros sobre o nível médio da água, e possui

6 metros de espessura. A obra de engenharia deste reservatório apresenta-se notável,

assim como o caso de Cornalvo, compreende uma poderosa proteção de terra e um

dique em paredão, com declive escalonado, núcleo construído em concreto romano e

revestido de blocos graníticos, além de ser reforçado com nove contrafortes

(ALMAGRO, 1961; Idem, 1977).

A integridade das paredes do reservatório e também de sua estrutura, se

asseguram por meio dos contrafortes de seção retangular, estabelecidos em cada um

dos lados em ângulos do muro. Os contrafortes ultrapassam em altura o dique, cuja

fisionomia atual se deve em boa parte às obras de reconstrução empreendidas no

século XVII, porém com características das obras romanas. Ligadas à parede do

dique, as torres quadradas, também refeitas neste período, providas de escadas,

permitiam descer até o fundo, onde se encontravam comportas de saída do duto.

Estudos sobre o dique apontam que seus paredões eram do tipo arredondados,

referentes ao período de Augusto (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Apesar de sua origem romana, a barragem de Proserpina sofreu, ao longo dos

séculos, várias renovações, sendo inclusive campo de batalha no século XV, e

modernamente, no século passado (GUITIAN, 1977).

3.6.2 Reservatório de Cornalvo

Outro grande complexo da engenharia hidráulica e romana da cidade era o

reservatório de Cornalvo e sua condução de água ou speculum que juntos formavam

25 quilômetros de comprimento. A obra da represa de Cornalvo se localizava a uns

127

15 quilômetros a nordeste da colônia emeritense. O reservatório se conserva em

excelente estado, depois das reformas efetuadas há alguns anos atrás. O reservatório

de Cornalvo possuía uns 10 quilômetros de perímetro e forma alongada, e seu dique

de contenção foi estabelecido entre duas colinas que fechavam o reservatório, com

222 metros de comprimento, não chegando a 4 quilômetros, e sua altura alcançava

18 metros e sua largura 3 metros (ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

A forma do reservatório de Cornalvo desenha um declive para suportar melhor

a pressão das águas, com configuração escalonada e ao centro um contraforte

permitia o acesso da entrada da água, e unia um arco semicircular à condução de

água. Suas características resultam semelhantes as outras construções, tanto deste

aspecto como defensivas, do final da República e começo do Império, podendo desta

forma ser datada no final do século I a.C. O reservatório sofreu uma reforma por volta

do século XX, originalmente compreendia um poderoso aterro que reforçava a

construção, com núcleo de concreto e terra e com paredes revestidas com blocos de

granito (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). A água saia do reservatório

de Cornalvo e era conduzida pelo aqueduto romano de Aqua Augusta, que abastecia

os bairros orientais de Emerita Augusta (ALMAGRO, 1961).

3.7 ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Para a fundação de Emerita Augusta, observa-se o sentido utilitário dos

romanos manifestado no planejamento das suas três construções hidráulicas, cujas

ruínas ainda se conservam em boa parte e explicam os esforços por dotar

suficientemente de água as casas da nova colônia. Tais esforços configuravam-se

dentro do conceito de grandeza imperial e de ampla confiança no futuro que

presidiram as orientações do urbanismo de Augusto (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

Desta forma, os romanos construíram aquedutos monumentais que uniram a

graça da arquitetura e o caráter utilitário em suas obras de engenharia. Tais

monumentos, por constituírem uma necessidade primária, foram projetados e erigidos

na fundação da cidade emeritense por engenheiros da época de Augusto. Aquedutos

e reservatórios romanos foram construções originais e monumentais e que

transformaram a cidade de Emerita Augusta (ALMAGRO, 1961).

128

A cidade de Emerita Augusta possuía três aquedutos para seu abastecimento

de água, dois transportavam a água, em parte, sobre arcadas construídas, e um por

via subterrânea (SÁNCHEZ, 2009). Os aquedutos emeritenses: ao norte, o de Los

Milagros, e o Rabo de Buey-San Lázaro, e ao nordeste da cidade, o Aqua Augusta ou

Cornalvo (ALGABA, 2009). Um dos problemas mais debatidos sobre as construções

hidráulicas emeritenses se vinculam a cronologia. Ainda que necessite de um estudo

mais aprofundado sobre todos os traçados e as escavações, seus caráteres

construtivos são expressivos e poderiam fixar a data de realização destas grandes

obras de engenharia. Contudo não existe consenso, visto que para alguns são

construções do período de Augusto, para uns, correspondentes ao século II d.C. e,

para outros, ao século IV d.C. (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Em linhas gerais, sem prejuízo de que se observam perfeitamente reformas

sucessivas, a impressão que produz este magnífico conjunto hidráulico consiste em

sua construção se efetar no período de Augusto ou logo após. O aqueduto Aqua

Augusta proveniente da represa de Cornalvo, analisado sem se ater aos caracteres

construtivos do dique, e sim ao feito de uma inscrição com seu nome, não oferece

problemas para o situar a data neste período augustano, sendo provavelmente a

primeira condução hidráulica a se construir na cidade. Igualmente acontece com a

construção do aqueduto conhecido como Rabo de Buey-San Lázaro, onde se efetuam

escavações que oferecem documentos inequívocos que corresponde também a essa

época; este aqueduto proveniente de nascentes próximas à cidade, conduzia a água

as imediações dos edifícios dos espetáculos, que mesmo se introduzindo na cidade

intramuros, se aproveitava a água para uso das domus suburbanas. A construção do

aqueduto de Los Milagros, proveniente do reservatório de Proserpina, mesmo sendo

muito estudado, constitui-se como o de datação mais problemática por faltar dados

seguros, entretanto estudos costumam o situar geralmente neste mesmo período ou

pós-Augusto, mas no século I d.C. (Idem, 1995; MATEOS CRUZ, 2004).

Os aquedutos que canalizavam águas potáveis para os habitantes de Emerita

Augusta abasteciam prioritariamente as fontes púbicas e termas, mas também o

fórum, o anfiteatro, o circo e as casas privadas. O abastecimento de água seguia todo

um planejamento, para projetar um aqueduto precisava-se se certificar que a fonte ou

manancial de água possuísse uma cota superior à necessidade da cidade. A

condução da água precisava seguir uma ligeira inclinação descendente do local até

ela. Por manter tal inclinação constante, o trajeto da água podia circular por conduções

129

subterrâneas, superfícies, sobre arcos ou arquationes. Este último é o caso do

aqueduto de Los Milagros, onde a condução de Proserpina se eleva para atravessar

o vale do Albarregas. O canal em que corre a água, o specus, deveria ser coberto

para manter a qualidade da água. E para eliminar as impurezas da água, se

construíam depósitos ou castella que diminuíam a velocidade da água; nestes locais

a água era distribuída para as diferentes zonas da cidade (ALGABA, 2009).

A distribuição de água pela cidade se realizava por via de dutos que partiam

dos depósitos ou castellum aquae, abastecidos pelos três aquedutos. Os castellum se

encontram nas zonas altas de Emerita Augusta, permitindo que um fluxo da água

adequado corresse para baixo em direção às ruas, pelos dutos de cerâmica, chumbo

ou bronze. Um dos aquedutos conduz a água até um castellum ao norte da cidade,

que leva a um nymphaeum, uma fonte monumental localizada junto ao kardo

maximus. Outras fontes são encontradas pela cidade com intuito de oferecer água

aos visitantes e aos que não possuíssem água corrente em suas casas. A água destas

fontes também era aproveitada para dar de beber aos animais, abastecer oficinais

têxteis e de tinturaria, e latrinas públicas, limpar cloacas e extinguir incêndios. Para

obtenção de água potável, muitas casas mantinham cisternas subterrâneas e

cobertas, que armazenavam água da chuva salubre. Poços de água escavados no

terreno igualmente podiam ser encontrados nas casas emeritenses, entretanto devido

ao risco de contaminação por filtração, acabavam utilizados para outras funções

(Idem, 2009).

3.7.1 Aqueduto Aqua Augusta

O aqueduto de Aqua Augusta constitui-se como a primeira condução hidráulica

da cidade emeritense, e se denomina atualmente de Cornalvo, por ter sua origem no

reservatório do mesmo nome, que se encontra, como observamos, a uns 15

quilômetros a nordeste da cidade de Emerita Augusta (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

No centro do dique do Cornalvo, e submergida em boa parte das águas,

destaca-se uma torre de planta quadrada, de 9,50 metros de lado e 20 metros de

altura, onde se localizam as portas de controle do duto. As paredes da construção são

de granito lavrado, com cursos de blocos dispostos na horizontal de lado mais longo

130

e seguido do mais curto, em uma estrutura muito semelhante aos primeiros

monumentos levantados na cidade: a ponte sobre o Anas e o anfiteatro. Um arco,

composto de aduelas ou segmentos de pedras do mesmo material sustentava a

passarela de ligação entre o dique e a torre. Atualmente, mesmo se conservando as

peças, uma estrutura metálica substitui o antigo arco. O duto partia desde o fundo da

torre através de uma galeria de construção de blocos de granito, de 1,70 metros de

altura e 0,70 metros de largura (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A 300 metros da saída do aqueduto, este se ligava a um duto geral que procedia

de El Borbollón, lugar situado a uns 3 quilômetros ao norte da cidade, e que fornecia

um bom canal de água. Deste duto se conservam, ao longo da fazenda Campomanes,

bons trechos de galeria de construção de alvenaria com abóbada semicircular (Idem,

1995).

Através do campo emeritense, seguindo o curso do rio Albarregas, o aqueduto

prosseguia até a cidade emeritense. Diversos impedimentos topográficos, como

depressões ou cursos de águas, foram solucionados com a construção de arcos e

estruturas de engenharia, e também com correções do traçado sinuoso. Atualmente

são significativos os restos do aqueduto que se encontram, já próximo a Mérida,

conhecidos como Caño Quebrado (Ibidem, 1995).

Depois de percorrer cerca de 25 quilômetros, o duto chegava a cidade por seu

limite oriental, atravessava parte da necrópole de Los Bodegones e penetrava na

cerca murada pelo antigo Depósito Municipal de Águas. Nesta área encontrou-se

trechos com cobertura abobadada em direção ao teatro, que chegavam para

abastecimento de água. No entanto, o duto principal continuava através da linha das

muralhas pela necrópole de Los Columbarios, para desaguar em um depósito terminal

ou castellum aquae, aparentemente localizado nos arredores da Plaza de Toros

(Ibidem, 1995).

3.7.2 Aqueduto de San Lázaro

A segunda condução hidráulica que abastecia a cidade, conhecida atualmente

como Rabo de Buey-San Lázaro, se originava a uns 5 quilômetros ao norte da cidade,

onde se encontravam mananciais subterrâneos e correntes de água, nos prédios de

Casa Herrera, Las Tomas e Valhondo, convenientemente canalizados, constituíam o

131

aporte fundamental para o duto. Também, no começo de seu percurso, igual como

sucedia em Cornalvo, o duto foi alimentado por outras contribuições consideráveis,

cujas as canalizações se conservam em parte (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

Desta forma o aqueduto de San Lázaro recebia água de diversas fontes e

arroios ao redor de Emerita Augusta. Atualmente a obra se encontra bastante

destruída, mantendo conservado algumas seções, conhecidas como de Casa Herrena

e a de Tomas. A capitação de Tomas termina num depósito, que cobre por 4

quilômetros uma galeria romana média de alvenaria. Junto à condução Tomas se une

a de Casa Herrera, onde ambas conduções passavam a formar uma só corrente

caudal, que através do aqueduto de San Lázaro abastecia Emerita Augusta. Os

primeiros trechos do aqueduto são subterrâneos, mas para salvar o vale do rio

Albarregas se levantou uma potente arcada dos quais só se conservam três pilares e

dois arcos (ALMAGRO, 1961).

Mesmo encontrando-se atualmente incompleto e mais deteriorado que o

aqueduto de Los Milagros, o aqueduto de San Lázaro também constituiu-se como uma

obra grandiosa da arquitetura romana, medindo 1600 metros de comprimento. Os

restos que se conservam da condução de água permitem que possamos perceber a

viagem de 25 quilômetros que faziam as águas até chegarem próximo ao circo

(GUITIAN, 1977). O aqueduto de San Lázaro, mesmo constituindo-se mais largo e

baixo que o de Los Milagros, indica pela sua técnica construtiva e seus revestimentos

que a obra fosse da mesma época que a do aqueduto de Los Milagros (ALMAGRO,

1961).

O aqueduto de 4 quilômetros de traçado encontra-se em bom estado de

conservação e seus vestígios são espetaculares. De grande altura, a galeria principal

foi construída em alvenaria com abóbada semicircular e cursos do mesmo material.

De trecho em trecho se localizam aberturas de planta quadrada, fechadas com blocos

de granito, que se complementavam com entradas que forneciam escadarias para

auxiliar na limpeza do duto. O canal, specus, com largura de 0,60 metros apresenta-

se coberto por uma camada de argamassa hidráulica (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O duto sobe para a altura da fazenda La Godina até que atinja o reservatório

como Rabo de Buey, a área mais alta do atual bairro La Paz, onde provavelmente

existiu uma câmara de decantação de impurezas ou piscina limaria. Infelizmente a

132

parte final deste trecho foi destruída, pode-se observar junto ao moderno duto os

restos da antiga canalização. Todo o traçado, desde sua origem, foi reparado no final

do século XIX para que a água seguisse chegando – como na época romana – à

cidade, circunstância que se manteve até pouco anos atrás (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O obstáculo apresentado pelo vale do Albarregas foi salvo com a construção

de elevados arcos que ligavam os pilares de sustentação do canal. A obra foi

grandiosa, apresentava mais de 1 quilômetros de comprimento, embora hoje

encontre-se muito destruída pela ação do tempo e por também servir de pedreira para

seu aqueduto substituto construído no século XVI; mesmo assim, ainda apresenta

persistentes e importantes ruínas romanas, como alguns pilares com seus arcos

inferiores. As duas arcadas inferiores medem 3,85 metros de altura e seus três pilares

ainda hoje alcançam 16 metros de altura. Igual as características do aqueduto de Los

Milagros, o aqueduto de San Lázaro está construído com amplos cursos de blocos

graníticos e cursos estreitos de ladrilhos, sendo deste material os arcos superiores

que conduziam a água. A combinação de granito e ladrilho na construção

proporcionaria beleza ao monumento. Sob o aqueduto corria a via que ligava Emerita

Augusta com Toletum (Toledo) e Corduba (Córdoba) (ALMAGRO, 1961; Idem, 1995).

133

Figura 13. Alçado dos restos em ruínas do aqueduto de San Lázaro. Disponível em:

<http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_sanlazaro_plano.jpg>. Acesso em: 12/12/2014.

Na área denominada Casa do Anfiteatro encontra-se uma torre de decantação

e distribuição de água, de planta retangular e construída com mistura de blocos de

alvenaria e ladrilho, e coberta por uma abóbada também de ladrilho. Em seu interior,

suas paredes estavam decroadas com pinturas. O monumento possuía altura máxima

de 4,80 metros e largura de 2,30 metros (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995).

A localização exata do castellum ou depósito terminal ainda constitui-se

desconhecida, embora se suponha suas imediações. Ao escavar-se a casa de Las

Torres, sobre a qual se construiu o Museu Nacional de Arte Romano, se achou um

bom trecho do duto com ventilação, spiramen, de boa altura que se dirigia até a parte

central da cidade e que fundamentalmente provia os edifícios de espetáculos do

anfiteatro e teatro, estes que também foram alimentados pelo Cornalvo (Idem, 1995).

Durante a Idade Média o aqueduto fora destruído, dos 100 arcos que possuía,

hoje restam poucos, apenas dois arcos em forma de semicírculos e suportes de outros

arcos superiores, de segmentos resistentes que apresentam a mesma construção,

alternando o estilo emeritense de pedra granítica e ladrilhos. Acredita-se que sua

altura não teria ultrapassado os 17 metros (GUITIAN, 1977).

No século XVI, em 1504, o duto se encontrava arruinado, a cidade determinou

então construir outro aqueduto, o renascentista ou de San Lázaro – nome proveniente

de uma capela demolida no século XX –, para que a água seguisse chegando sem

problemas para a população. Seu traçado se faz paralelo ao romano e pode ser

observado junto aos pilares existentes no vale do Albarregas. O aqueduto constitui-se

como uma obra pouco prática, pois os dutos de tubos de barro, por onde se discorria

a água, ao longo do tempo se fecharam pelos sedimentos e esta circunstância motivou

sua inutilidade (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

3.7.3 Aqueduto de Los Milagros

As águas do aqueduto de Los Milagros chegavam do reservatório denominado

de Proserpina, e entrava na cidade passando pelo rio Albarregas (GUITIAN, 1977). A

134

partir do reservatório de Proserpina, a condução do aqueduto de Los Milagros se

iniciava perfazendo um percurso total de 9 quilômetros até sua chegada à cidade

emeritense, sempre buscando proporcionar o normal fluxo das águas (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Nas fazendas de Cuarto de la Charca, Carija e La Calera se conservam restos

expressivos do aqueduto. Na primeira delas se descobriu em escavações uma

passagem do canal sobre um sólido granito. Para salvar depressões se construíram

arcos elevados, hoje desaparecidos, embora se conservem seus inícios que podem

ser avistados nas tais fazendas. A condução era coberta por uma pequena abóbada

de tijolos ou pedras, conforme a zona não se conserva completa e, em tempos

recentes, o traçado da rodovia Madrid-Badajoz também tem contribuído para sua

destruição (Idem, 1995).

Próximo ao cemitério municipal, nos bairros de Santa Eulalia, se conservam as

ruínas de um depósito de decantação com câmara de comportas e saída superior em

vertedouro, a piscina limaria, desde onde o duto começa a tomar altura para salvar,

novamente, o obstáculo do vale do Albarregas (Ibidem, 1995). Segundo indícios o

comprimento do aqueduto desde seu trecho de arcos do citado depósito de

decantação até o terminal existente na colina do Calvario compreende 827 metros,

enquanto que sua altura máxima desde o início do vale chega atualmente aos 25

metros (ALMAGRO, 1961; Ibidem, 1995; GUITIAN, 1977).

O aqueduto possui estrutura simples, elegante e original, que revela a perfeição

e domínio que os engenheiros romanos chegaram a alcançar neste tipo de obra.

Consiste basicamente na formação de uma série de altíssimos pilares de seção

retangulares, reforçados por frentes opostas por um estribo, construídos em ligeiro

trecho. O núcleo dos pilares constituía-se de concreto romano e se revestia por um

ornamento, este que alterna cinco fileiras de pedra de granito com uma faixa de cinco

fileiras de ladrilho. Esta combinação torna o monumento singular entre os aquedutos

romanos (Idem, 1961; Ibidem, 1995).

Os pilares possuem 3 metros de lado e as vezes contavam com um contraforte

inclinado, de 2 metros de largura e 2,50 metros de comprimento (Ibidem, 1995). As

arcadas trabalhavam os apoios oferecendo solidez, muito necessária para sua grande

altura, reforçando o equilíbrio dos contrafortes laterais usados uma vez nesta estrutura

– hoje se encontram na mesquita de Córdoba. Observa-se que muitos materiais

135

romanos e visigodos da cidade foram usados em outras construções posteriores

(GUITIAN, 1977).

Os pilares se entrelaçavam por meios de arcos de diversas alturas. O aqueduto

possuía galerias de arcos triplas, formadas por arcos em forma de semicírculos,

também com núcleo de concreto revestido de alvenaria e granito, alternados em cinco

fileiras respectivamente. Os arcos superiores que ligam os pilares são de granito –

onde correria a condução da água, atualmente interrompida –, e os arcos médios e

inferiores são de ladrilhos – destes apenas restam seus inícios. Os arcos que

flanqueavam a corrente do Albarregas foram construídos em pedra. Na parte superior

dos arcos se localizava o canal, o specus (ALMAGRO, 1961; ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Figura 14. Alçado dos restos em ruínas da segunda seção do aqueduto de Los Milagros. Disponível em:

<http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_milagros_plano.jpg>. Acesso em: 12/12/2014.

O aqueduto encontra-se bastante deteriorado, entretanto permanecem em pé

73 pilares, em grande parte incompletos e mais ou menos arruinados. A parte central

constitui-se a mais importante e melhor conservada, com 26 pilares e muitos arcos;

perto da cidade ainda se conservam 7 pilares. Através das significativas ruínas do

aqueduto podemos precisar o traçado da obra romana (Idem, 1961) e observar na

construção suas partes fundamentais, com seu interior provido de degraus de

decantação em mármore e com características construtivas semelhantes às referidas

arcadas elevadas, uma vez que repetem as fileiras de pedras e tijolos (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O nome do aqueduto refere-se a condição rara de estabilidade de seus pilares

(ALMAGRO, 1961), onde 38 pilares quebrados, dos quais os mais espessos, são

chamados de “Milagro Gordo”, o nome do aqueduto se alude ao milagre por ainda se

136

conservar em difícil equilíbrio (GUITIAN, 1977). O aqueduto de Los Milagros ficou

conhecido desta forma devido aos emeritenses considerarem esta obra de engenharia

como milagrosa por ter se mantido erguida durante tantos séculos, e também chegar

aos nossos dias quase que em excelente estado de conservação (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Como obra de engenharia o aqueduto configura-se como esplêndido frente ao

seu antigo equilíbrio perfeito e sua estética. Infelizmente não se conserva mais

completo, entretanto ainda se pode verificar sua monumentalidade (GUITIAN, 1977).

Por justamente apresentar esta grandiosidade, o aqueduto de Los Milagros, depois

do teatro, é considerado o segundo monumento em importância do conjunto

emeritense. Assim, há alguns anos, empreendeu-se trabalhos de consolidação e

restauração de vários arcos e da cornija de coroamento do monumento (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A obra foi concluída na elevação da cidade, na colina do Calvario, onde nos

começos da década de 70 se descobriram as ruínas de seu depósito terminal; hoje

este depósito pode ser contemplado junto a uma pequena capela da confraria do

Calvario, na rua do mesmo nome (Idem, 1995).

A cidade de Emerita Augusta apresentou monumentos de enorme

suntuosidade, e seus vestígios e ruínas nos indicam a capacidade técnica dos

romanos e a eficiência com que atendiam seus cidadãos. Percebe-se que mesmo em

construções de caráter utilitário não se desprezou o fator estético, convertendo-as em

autênticos monumentos artísticos, em obra de arte (GUITIAN, 1977). Os aquedutos

de Los Milagros e o de San Lázaro foram possivelmente estas construções

imponentes, que provavelmente impressionavam a todos que passavam pela colônia

emeritense, especialmente devido às principais estradas do território cruzarem a

cidade, percorrendo de norte a sul a Hispânia (ALMAGRO, 1961).

3.8 DIQUE

A cidade de Emerita Augusta ao passar por um processo de plano de

embelezamento da área do rio Anas, investiu na construção de um grande muro, um

dique, que corria na margem próxima à cidade (MARTÍN, 2004). Um declive corria

desde a zona amuralhada até o rio formando um dique, que se levantava do rio Anas

137

até 4 metros na altura da ponte. A partir daí, o terreno seguia escalonado, com um

muro que continha a água e também seguia formando um caminho horizontal em

circunvalação entre a cidade e o Anas. Através deste caminho, se cruzava a ponte

sem necessitar entrar na cidade, podendo-se conectar com uma via ou acessar uma

porta específica de Emerita Augusta que interessasse. A presença do dique permitia

ganhar terreno a uma margem perdida, sendo o mesmo construído para proteger a

cidade do alargamento do Anas conforme as chuvas de inverno (ALGABA, 2009),

porém o dique não evitava que uma forte cheia do rio entrasse na cidade. Contudo,

formava um caminho externo que conectava toda a cidade através de suas portas.

Devido à topografia do terreno acredita-se que o dique também estivesse presente no

outro lado da ponte (MARTÍN, 2004).

O dique constitui-se como uma obra em opus concretum com revestimento

exterior de blocos de granito. Os blocos de granito dispunham-se com seu lado mais

longo e reduziam a base composta de 5 filas, sobre elas seguiam ornamentos de

alvenaria distribuídas em bancos. Na estrutura, as camadas apresentam-se

escalonadas de forma a se retrancarem sutilmente, assim recuavam e afinavam

conforme o dique ganhava altura. A cada trecho encontram-se contrafortes que

delimitam o muro em vários murais, construídos ambos em opus mixtum, de blocos

de pedra, na base com alternância em seu lado mais longo com o lado mais curto, e

alvenaria. Os murais superiores se dispunham com reforços de blocos com a mesma

alternância. O dique possuía na parte inferior de sua parede de entorno de 4 metros

de altura, saídas das cloacas perpendiculares ao canal. Estudiosos divergem sobre a

construção do dique, considerado da época de Augusto ou posterior, pois os

testemunhos materiais do dique não garantem enfaticamente estas datas (ALGABA,

2009; Idem, 2004).

3.9 REDE DE SANEAMENTO E LATRINAS

Toda grande cidade romana era abastecida com uma eficiente rede de esgotos.

A colônia de Emerita Augusta contava com uma rede de cloacas no subsolo dos

principais eixos centrais das ruas. Os esgotos emeritenses apresentavam-se

distribuidos em quatorze redes de esgotos de norte a sul, e nove em direção leste a

oeste, que desaguava nos rios Anas e Albarregas. Algumas destas redes de esgotos

138

ainda hoje são usadas na cidade de Mérida, comprovando a capacidade dos romanos

na arte da construção (ALMAGRO, 1961).

As cloacas que pertenciam aos kardos vertiam para os decumanus, e estes

desaguavam para fora da cidade, nos rios. As cloacas mediam 0,80 metros de largura

e entre 1,20 metros e 1,30 metros de altura, foram construídas com alvenaria e cal,

em parte escavadas na rocha e cobertas com abóbadas. As dimensões das cloacas

permitiam a coleta de água das chuvas e aproveitavam os desperdícios dos esgotos,

da água das casas, de oficinas, banhos públicos e fontes da cidade. As saídas das

cloacas se encaminhavam para o canal secundário do rio Anas. Tal rio corria para

cima da cidade e com caminho paralelo à mesma, com fluidez constante que impedia

que se acumulassem dejetos da urbe e odores, prevenindo o risco de infecção da

população e conservando a salubridade da cidade (ALGABA, 2009).

Vestígios apontam que a colônia emeritense, para amenizar o calor, contava

com um canal, fontes nas calçadas e banheiros públicos (GUITIAN, 1977). Os locais

públicos que apresentavam grande fluxo de pessoas possuíam latrinas

acondicionadas, cujos os dejetos se conectavam diretamente com a rede de esgotos.

Como por exemplo os edifícios de espetáculos, que absorviam grande público, e

abrigavam três áreas com latrinas para evitar que os espectadores urinassem nas

fachadas dos edifícios. A latrina mais simples se ligava ao anfiteatro, fora do eixo da

rua, consistindo numa canalização impermeável com argamassa hidráulica. Havia

outra latrina junto ao anfiteatro, mais completa e com assentos. E um serviço de latrina

na parte de trás do peristilo do teatro. Além de edifícios públicos, algumas casas

particulares podiam dispor de latrinas que se conectavam com a rede de saneamento

da cidade (ALGABA, 2009).

3.10 BANHOS PÚBLICOS E PRIVADOS

Os banhos públicos ou termas estiveram presentes em Emerita Augusta, como

também nas demais cidades romanas. Estas construções eram concebidas para

abrigar várias piscinas e salas destinadas para os romanos relaxarem e cuidarem de

sua saúde e higiene pessoal, portanto tais estruturas se constituíram fundamentais

para o urbanismo de uma cidade. Para além de uma estrutura imponente, a

construção do edifício requeria cuidados: as termas contavam com calefação, dutos

139

que aqueciam a água, revestimentos hidráulicos para evitar filtrações, uma palestra

ou área para exercícios ao ar livre. No verão, os banhos podiam ajudar amenizar o

calor e, no inverno, acolher com lugares quentes contra o frio. As zonas de banho

começavam com o caldarium, a sala com piscinas quente, a seguir, o tepidarium, a

sala com piscinas de água morna e, por último o frigidarium, a sala com piscina de

água fria. As termas também possuíam salas de vestiário, descanso, biblioteca e lojas

(ALGABA, 2009).

Na cidade de Emerita Augusta existiam conjuntos termais tanto públicos,

thermae, como privados, balneum. Os banhos privados contavam com menos

benefícios que as termas públicas. Próximo ao fórum existiam termas imponentes,

com uma piscina exterior de água fria, natatio, e um caldarium dividido em três

espaços, cada um com uma piscina para mergulho (Idem, 2009). Perto do anfiteatro

encontra-se um recinto subterrâneo redondo, que devia cobrir-se de cúpula e poderia

ser o tepidarium de uma terma. Ao lado, existiam várias galerias subterrâneas

provavelmente para captar a água e servir de frigidarium (ALMAGRO, 1961).

3.10.1 Edifício termal da rua Reyes Huertas

O monumento em sua origem localizava-se em um bairro extramuros da

cidade, rodeado por um extensa necrópole e próximo à Casa do Anfiteatro. Seus

restos apontam que abrigava um edifício de tipo termal ou industrial. Atualmente o

conjunto consta, em um nível inferior, com três grandes fundações de concreto, uma

quadrangular com uma escadaria de 8 degraus que comunicava por uma pequena

porta com outra octogonal, e ligava uma terceira mediante um corredor subterrâneo

de 13 metros de comprimento. Esta terceira apresenta uma rotunda de 7,20 metros

de diâmetro, cuja abóboda só resta a saliência circular, e ao centro se conservam oito

pilares de granito dispostos em círculo, entorno de um parapeito de alvenaria, quase

totalmente perdido. Em direção a noroeste, outro corredor com parecidas

características termina, depois de 2 metros, em uma parede com nicho; um terceiro

corredor na área oposta do primeiro, conduz a uma sala de 4 metros por 5 metros

quadrados, fechada em forma de abside na parte leste, aberta ao lado ocidental por

um corredor que desemboca em um poço de 2,5 metros de diâmetro e 8 metros de

profundidade (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

140

Todo o monumento se cobria com uma abóbada semicircular e a ventilação se

realizava por meio de três chaminés. Alguns trechos revestidos revelam a decoração.

O nível superior, ao redor da rotunda, mesmo rompendo parte da estrutura original,

se detecta ainda alguns restos de banhos de água quente, com suas correspondentes

hypocausta, que se supõe que sua origem fosse industrial, e ao longo do tempo, o

edifício se adaptou para uso termal, possivelmente nos séculos III d.C. ou começo do

IV d.C. (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

3.10.2 Termas de Alange

Próximo a cidade de Alange, a 18 quilômetros de Mérida, se encontram as

expressivas ruínas de um considerável complexo termal romano, que por sua

relevância foi declarado Monumento Nacional. O balneário romano, denominado na

antiguidade Aquae, foi abandonado provavelmente na Idade Média, e a partir do

século XVIII voltou ao seu uso tradicional ao se construir, junto aos seus restos

romanos, novas dependências que configuram a fisionomia atual da estrutura (Idem,

1995).

O conjunto termal de Alange deveria receber muitos membros da aristocracia

romana de Emerita Augusta. O manancial, cujas águas chegam a temperatura de 28

graus Celsius e com caudal de 216 litros por minuto, possui características

eminentemente radiativas, que constituem-se de excepcional qualidade e com

propriedades muito reconhecidas para pacientes que sofrem em sua maioria de

transtornos nervosos; estes provavelmente se dirigiam ao local em bom número

durante a temporada de banhos (Ibidem, 1995).

O conjunto de construções do balneário encerram-se por uma boa extensão,

que corresponde a um amplo e agradável passeio nas dependências modernas e ao

edifício romano. Seu aspecto exterior de figura irregular não demonstra a sua

grandiosidade interna. As termas romanas compõem um corpo de edifícios

retangulares, de 33 metros em seus lados maiores e de 16 metros nos menores. O

edifício possui orientação de leste a oeste, e nele se inscrevem duas rotundas ou

câmaras gêmeas (Ibidem, 1995).

Uma escada íngreme, ligada modernamente a um dos lados menores do

edifício, desemboca em um corredor coberto por uma abóbada semicircular, onde se

141

encontram as entradas das câmaras termais. Ambas, atualmente em uso, oferecem

as mesmas características e proporções de 10,9 metros de diâmetro e 13,86 metros

de altura. Em seu centro se localizam caminhos de piscinas circulares, providas de

degraus que conduzem para dentro delas. A cobertura de cada ambiente se constitui

por uma abóbada em cúpula hemisférica, cujo centro se praticou um oculus ou

abertura circular. As abóbadas estiveram decoradas com pinturas das quais podiam

ser observadas por alguns de seus indícios no final do século XVIII. As abóbadas se

distribuíam simetricamente nas paredes de cada sala, se abriam quatro êxedras a

modo de absides ou nichos, alguns semelhantes em suas dimensões pela construção

de paredes divisórias de tijolos, para se aproveitar o espaço como vestiário de

banhistas. Sua finalidade não era outra que a arquitetônica, pois estabeleciam o

suporte do peso da abóbada (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

No pátio do balneário, embutido na parede do muro oriental, junto à área de

banhos individuais modernos, estava um altar votivo dedicado à deusa Iuno Regina.

Junto às termas, a capela de Cristo dos banhos, de grande veneração entre o povo e

banhistas, se ergueu num possível local de culto romano, que se perpetuou em época

visigoda, destacando-se a imagem do Santíssimo Cristo dos banhos. As termas

poderiam ter sido construídas no século I d.C., no período flaviano, como denotam

suas características construtivas (Idem, 1995).

3.11 CASAS E VILAS ROMANAS

A arquitetura doméstica romana de Emerita Augusta pode ser analisada pelas

suas características e decorações a partir de três exemplos possíveis: vila romana,

casa abastada e casa humilde. O entorno de Emerita Augusta era povoado de

pequenos assentamentos de propriedades particulares que se dedicavam à

agricultura e à criação de animais domésticos. Estas propriedades foram as

conhecidas vilas romanas, áreas apreciadas pela sua boa localização geográfica e

terrenos férteis. As vilas mantiveram produção de alimentos destinados ao consumo

interno, venda na cidade emeritense e a exportação para além da colônia – muito

beneficiada pela rede de estradas romanas. A vila romana se dividia em uma casa

principal, pars urbana, para moradia do proprietário; um terreno com vários hectares,

o fundus – algumas áreas do fundus eram reservadas para cemitério. Outras

142

edificações e instalações para realizar as atividades de pars rustica (cozinha e

estábulos) e fructuaria (armazenamento e processamento): áreas domésticas para o

trabalho como estábulos para o gado, armazéns de ferramentas, celeiros, lagares e

moinhos de azeite, poços e canalizações de água, fornos e pequenas oficinas

metalúrgicas para fabricação de ferramentas (ALGABA, 2009).

Una hectárea (ha) equivale a 10.000 metros cuadrados. Los terrenos o fundus de las villas se basan en las parcelaciones estabelecidas por las leyes romanas para la colonia. Cada centuria era dividida entre varios colonos, oscilando el reparto entre las 50 iugera (12,5 ha) y las 133,33 iugera (33,33 ha). No obstante, era frecuente la compraventa de terrenos, y muchos latifundistas se hicieron con territorios mucho mayores (Idem, 2009, p. 87).

As casas principais das vilas romanas não apresentam estruturas definidas, se

caracterizavam por apresentar residências amplas, com pátio central ou um pórtico e

até termas (Ibidem, 2009). As villas romanas apresentavam-se diferentes entre si

contudo possuíam duas características comuns que se consolidaram como

características da casa romana: um átrio e um peristilo. O átrio era um largo cômodo

descoberto localizado na entrada principal, funcionava como um saguão de entrada e

fazia parte de um sistema de recolhimento de água pluvial para encher as cisternas

da casa. O átrio servia como condução a uma área de jardins e colunatas, denominada

de peristilo, que permitia que os cômodos ao seu redor estivessem junto ao verde e à

luminosidade a estes proporcionado. Os cômodos tendiam a ser pequenos e

contavam com pouca mobília, apesar desta conferir status, como objetos importados

e de luxo, cerâmicas, esculturas e joias. As decorações dos ambientes de uma casa

acabavam ocorrendo nas paredes e no piso, através de pinturas e mosaicos

(SÁNCHEZ; ALMARZA, 2008).

As casas abastadas de Emerita Augusta são muito semelhantes as domus de

todo o Império. As residências foram construídas com fortes paredes trabalhadas com

cal, possuíam um ou dois andares, além de poucas janelas para o exterior. As casas,

voltavam-se para o interior, com habitações distribuídas em torno de um pequeno

pátio central, o átrio, que acessava à porta principal e depois atravessa o vestíbulo. O

átrio em tetrastilo, em que a abertura no telhado, o compluvium, se apoiava em quatro

colunas, permitia a entrada de luz, arejar e proteger das intempéries a casa, além de

canalizar água da chuva para o tanque ornamental ao centro, o impluvium. Tais

143

residências eram amplas, divididas entre os espaços para receber as visitas e os

aposentos privados. A sala localizava-se ao lado oposto da porta de acesso da casa,

o triclinium, e se destinava a acolher as visitas e realizar reuniões e banquetes.

Algumas casas maiores apresentavam mais de um espaço aberto com estadias ao

redor. As domus extramuros possuíam um ou vários peristilos – pátios rodeados de

colunas e ajardinados. Uma sala era utilizada para escritório ou biblioteca, o tablinum,

e cômodos mais privados destinados ao uso de dormitório, cozinha e banheiros

(ALGABA, 2009).

As cozinhas das casas abastadas contavam com uma chapa retangular, que

variava sua composição de tijolos ou pedra, para cozinhar. Nem todas as casas

continham banheiros, estes estavam atrelados ao poder econômico do proprietário.

Algumas casas podiam dispor de latrinas, estas que ficavam conectadas com a rede

de saneamento da cidade, e um pequeno espaço termal, formado por duas piscinas,

fria e quente, e piso térmico, o hipocaustrum (Idem, 2009).

As casas localizadas nas ruas principais muitas vezes serviam de tabernae ou

armazéns. Nesse caso, as casas podiam ser aproveitadas pelos próprios donos ou

alugadas para terceiros. Estes espaços de negócios se abriam para o exterior e não

se comunicavam com o interior da domus (Ibidem, 2009).

Para refrescar o ambiente algumas casas foram construídas com paredes

espessas e jardins com canais que circulavam a água. Algumas casas possuíam

ambientes subterrâneos que eram mais frescos. Os jardins das casas abastadas eram

espaços com pórticos, que proporcionavam sombra, com colunas de estuque

sobrepostas em pisos de mosaicos, trabalhados com ladrilhos de modo a formar

desenhos geométricos, as paredes podiam ser pintadas com afrescos de plantas.

Muitas plantas variadas decoravam o ambiente, refrescado por um tanque, localizado

junto ao centro do jardim. Algumas árvores eram podadas para formar uma espécie

de cerca, que separava a área ajardinada do caminho perimetral. Algumas esculturas

também podiam decorar o local do jardim (Ibidem, 2009).

Nas casas das famílias plebeias, o número de cômodos e mobiliário se fazia

reduzido. Estas casas não possuíam banheiros, sala de jantar, escritório, e em muitas

a cozinha se localiza junto à sala principal. Algumas casas eram mais humildes que

outras, mas em geral apresentavam-se como casas baixas, com um ou dois pisos,

diferente da cidade de Roma e outras do Império, onde as casas podiam ter mais de

três pisos, chamadas de insulae (Ibidem, 2009).

144

Um dos principais elementos decorativos das casas de Emerita Augusta era a

pintura das paredes das casas. Quem ditava as tendências era Roma, tanto de

repertórios como de moda, que se espalhavam pelas cidades do Império até chegar

na província da Lusitânia. Para a pintura de edifícios e casas modestas se utilizavam

uma ou duas cores, porém as domus abastadas possuíam decoração elaborada. As

paredes das casas modestas se dividiam em painéis pintados predominantemente de

preto e vermelho, que em alguns casos imitavam revestimento de mármore e

formavam motivos geométricos. Os painéis apresentavam pinturas de aves, plantas e

personagens sobre um cenário próximo ao fictício. As pinturas representadas nos

painéis se repetiam com pequenas variações, composições e desenhos, contudo não

configuravam-se idênticas e também não apresentam as mesmas posições, além de

todas serem combinadas com variado repertório ornamental (ALGABA, 2009).

A maioria das paredes das casas de romanos abastados se enfeitavam com

pinturas de cenas da natureza, figuras mitológicas e naturezas-mortas. As cenas mais

complexas e realistas adornavam os cômodos principais: o átrio, a sala de jantar e o

quarto principal. Os trabalhos artísticos em perspectivas, sombreamento e

encurtamento criavam paisagens realistas; outros utilizavam o estuque e pinturas para

criar aparências de mármore polido, pedra trabalhada ou paredes lisas de gesso. Os

mosaicos podiam decorar pisos e paredes, com desenhos coloridos da flora, fauna ou

geométricos (SÁNCHEZ; ALMARZA, 2008). Os mosaicos estiveram presentes no

embelezamento das casas das cidades hispânicas entre os anos de 193 d.C. e 235

d.C., nota-se também que os mosaicos da cidade colonial de Emerita Augusta

revelaram forte influência itálica (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

Diferentemente da arquitetura pública, de grande monumentalidade,

diversidade e bom estado de conservação, a arquitetura doméstica das cidades, como

de Emerita Augusta, depende de escavações urbanas e de achados de vestígios

domésticos, em muitos casos parciais, para conhecimento das casas romanas,

entretanto constitui-se como um elemento fundamental que forma toda a urbe

(DUPRÉ RAVENTÓS, 2004). O conhecimento sobre as casas romanas mostra-se

muito fragmentado, contudo o conjunto urbano revelou a construção de casas, restos

de mansões com pavimentos de mosaicos, possibilitando perceber a evolução dos

exemplos conservados das casas romanas emeritenses ao longo dos séculos I d.C.

ao IV d.C. As casas mais conservadas, geralmente constituem-se como mansões

estabelecidas entorno de um pátio portificado ou peristilo que proporcionava luz às

145

importantes estâncias, algumas com dimensões espetaculares, como a domus

próxima do Anfiteatro (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Também

percebe-se que as domus suburbanas emeritenses foram construídas e ocupadas

poucos anos depois da fundação da colônia, e verifica-se que a construção destas

casas se relaciona com a própria eleição do proprietário do que com problemas de

ocupação na área intramuros (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

Dos exemplos de casas na colônia emeritense que se conservam, todos

ofereceram mostras da divisão espacial dos ambientes, arquitetura empregada e das

decorações que ornamentavam às paredes e superfícies, em forma de pinturas,

afrescos e fundamentalmente mosaicos (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995). Os vestígios ornamentais formam valiosas contribuições para o estudo dos

mosaicos, pinturas, estuques, mármores, peças escultóricas, que são utilizadas para

determinar os elementos que podem datar uma determinada domus, visto que a

cidade foi superposta durante séculos. Através da arquitetura doméstica podemos

compreendermos o âmbito doméstico romano, sua origem, as transformações,

funcionalidade, sua vigência e extinção (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

3.11.1 Casa do Teatro ou Casa Basílica

A denominada Casa do Teatro ou Casa Basílica apresenta-se como uma

simples e típica construção doméstica de época mais tardia, baixo imperial (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). A casa basílica se localiza na parte posterior

do teatro, junto aos seus jardins, e foi descoberta em escavações no início do século

XX. A porta de entrada da habitação, a fauces, se abre a uma rua pavimentada que

comunica-se com um pátio ou átrio com colunas nos lados, peristilo, com um

impluvium. Na parte esquerda da habitação e do peristilo que a precede encontram-

se algumas termas privadas. Do átrio acessava-se os cômodos, as cubiculae, onde

em alguns deles encontravam-se pinturas (GUITIAN, 1977).

146

Figura 15. Planta da domus romana do Teatro, a Casa Basílica. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_casa_teatro_plano.html>.

Acesso em: 05/12/2014.

No pátio ao fundo e em cada um de seus lados existem duas absides. Ambas

possuem janelas envesadas e uma constitui-se maior que a outra, além de ser mais

decorada. A menor apresenta na parede comum a elas três nichos, a mais ampla

possui pavimento de mosaicos e restos de pinturas, com motivos arquitetônicos e

figuras humanas e de animais, indicando sua utilização para cultos, acredita-se que

se celebravam cultos cristãos. Os mosaicos em trabalhos geométricos e diferentes

cores formam pequenos cubos de mármores. Tal estilo pode ser observado em outras

partes da cidade (GUITIAN, 1977).

3.11.2 Casa do Anfiteatro

A casa do anfiteatro foi denominada assim devido à sua localização junto ao

monumento, esta casa representa um conjunto de casas. A “casa da torre de água”

localizada junto ao depósito do aqueduto de San Lázaro configura-se propriamente a

dita “casa do Anfiteatro”. Da mansão se conservam dois cômodos situados em um

147

pátio portificado ou peristilo, muito destruído, onde também estão as demais

dependências que formavam parte da casa. O primeiro dos cômodos, de planta

quadrangular e pavimentado com um mosaico branco e preto, do final do século I d.C.

e começo do II d.C., encontra-se muito destruído. De uma estância contígua, em um

nível levemente superior, podemos perceber restos de pavimentação similar ao da

câmara vizinha. As paredes destes dois cômodos conservam restos de estuque

pintado, com motivos em lajes de mármore que desenham composições retangulares

com figuras romboidais. Do pátio pouco permaneceu, apenas restos de colunas de

ladrilho com revestimento de estuque e parte do pequeno canal estabelecido em seu

perímetro. Ao sul do pátio observa-se outras estruturas da casa, entre elas um pátio

e alguns cômodos. Mediante escavações nota-se que sua construção realizou-se no

final do século I d.C. e não passou do III d.C., data em que foi substituída pela vizinha

“Casa do Anfiteatro” (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A “Casa do Anfiteatro”, devido às suas grandes proporções e cercania com o

Anfiteatro, poderia se tratar de algum edifício dedicado à formação de jovens ou com

caráter semioficial. De acordo com escavações a construção e estilo dos pavimentos

e outros detalhes remontam ao século III d.C. e final do século V d.C., estabelecendo

uma necrópole sobre ela. Sua localização era suburbana, pois encontrava-se fora do

recinto murado junto à rua do Anfiteatro. O acesso atual à casa se realiza por uma

ampla porta, nada parecida com a de origem, e junto a ela um cômodo de grandes

proporções, planta quadrangular, pavimento de argamassa de cal e tijolo, e resto de

gesso nas paredes. Deste cômodo se acessava o grande peristilo da casa ao redor

da qual se distribuíam as mencionadas estâncias (Idem, 1995).

148

Figura 16. Planta das ruínas romanas da Casa do Anfiteatro. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_casa_anf_plano.jpgl>.

Acesso em: 05/12/2014.

O pátio com arcadas compreende ao centro um jardim, viridarium, e corredores

sustentados por colunas de granito; estes em três áreas aparecem pavimentados com

mosaicos de temas ornamentais e geométricos, sendo um deles composto com

argamassa de cal e tijolo. Os corredores indicavam os principais cômodos. À direita,

encontram-se dois cômodos quase geminados, com piso de argamassa hidráulico e

restos de gesso pintado nas paredes. Do corredor ocidental se podia acessar uma

parte mais elevada da mansão, onde se localizavam vários cômodos. Os melhores

cômodos conservados também possuíam pavimentos de argamassa de cal e tijolo, e

se abriam a um pequeno corredor. Os cômodos apresentam paredes decoradas com

ilustrações mal conservadas, e com pisos imitando crustae ou cortes de mármore

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

No corredor ocidental um mosaico formava junto ao solo um motivo central de

suásticas. Deste corredor se podia acessar outros cômodos com pavimentos de

argamassa, cal e tijolo. A ala meridional do corredor, também do mesmo mosaico

anterior, alinhava vários cômodos, os de maiores dimensões possuíam características

notáveis, provavelmente as de um triclinium ou sala de jantar, esta contava com um

149

mosaico e decoração pictórica. O fundo do mosaico se fazia formado por triângulos e

quadrados em vermelho, branco e preto, sendo o quadro central dividido em duas

partes ou registros, onde se apreciam as figuras de Vênus e Cupido em um dos

quadros, e em outro, uma cena de adega com três operários que pisoteiam a uva que

está sendo recolhida em três recipientes. Entorno da cena se desenvolvem outras

relacionadas com o recolhimento da fruta por pequenos Erotes, que sobem nos

parreirais por escadarias, enquanto outros transportam os cachos para a adega.

Observa-se restaurações realizadas no mosaico com ladrilhos mais claros que os

originalmente empregados (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Por um corredor se acessava outra parte da casa e outros cômodos com

pavimentos de argamassa. O mosaico deste corredor apresentava motivos quadrados

em bicromia, com dois segmentos triangulares vermelhos e pretos cada um em

alternância com quadrados brancos que configuravam ampulhetas. A ala seguinte, do

mesmo corredor, possui outro pavimento de mosaico com interior rômbico em

vermelho, preto e branco. O corredor desemboca em outro amplo corredor com

pavimento de mosaico, com motivo de círculos em branco rodeados de duplos eixos

unidos entorno de um quadrado curvilíneo. Tal corredor e mosaico se repetem no lado

oposto (Idem, 1995).

O corredor conduz a uma antessala ou vestíbulo de um grande cômodo, de

abundante decoração em mosaico, com margem sinuosa gamada e cinco setores

definidos: nos extremos aparecem imagens de escudos, ao centro surgem medalhões

em molduras quadradas, com um labirinto e duas rosáceas de triângulos e rômbicos

ladeando o quadro central. Nas pontas dos quadrados que contêm as rosáceas se

dispõem duas vasilhas grandes, e nas do labirinto apresentam-se estruturas com

aspecto de torres. O vestíbulo se completa com outro corredor pavimentado e com

outro mosaico com esquema de quadrados dispostos na extremidade e de tons

vermelhos, preto, branco-vermelho e preto-branco (Ibidem, 1995).

O cômodo situado junto ao vestíbulo, por suas amplas dimensões torna-se o

maior da casa. Aparenta caráter de sala de recepção, mas também, devido à estrutura

do mosaico, poderia ter função de triclinium ou sala de jantar. Seu mosaico apresenta

um fundo que simulava um pavimento de quadrados grandes vermelhos e pretos, com

pequenas tonalidades pretas sobre o fundo branco. O quadro central desenvolvia um

esquema de quadrados formados por cruzadas sequências, compondo estrelas de

oito pontas e delimitando medalhões octogonais, deixando entre eles rômbicos e

150

pequenos octógonos. No interior dos espaços definidos pelos quadrados cruzados,

em círculos e com quadros de ondas, estavam diversas espécies marinhas (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

O final da casa encontra-se ocupado por outros cômodos com pavimentos de

mosaico alinhadas em um corredor que aparece pavimentado por outro mosaico com

imagens de flores de quatro pétalas e círculos com cruzes de Malta. O conjunto se

completa com umas câmeras de caráter termal que foram estabelecidas ao longo do

muro do aqueduto de San Lázaro. Se conserva a infraestrutura: hypocaustum, de um

cômodo destinado ao banho de água quente; calidarium, da que permanece uma

piscina; o forno ou praefurnium, para esquentar a água e outras dependências. Junto

às termas, entre outras estâncias, estava a cozinha com seu fogão e diversas peças

de serviço (Idem, 1995).

3.11.3 Casa do Mitreo

Perto da ponte nova de Mérida encontramos a Casa do Mitreo, um espaço com

um pavimento de mosaico com temas complexos e pinturas que atestam a

suntuosidade que mantinha a casa (GUITIAN, 1977). O local denomina-se Casa do

Mitreo devido à sua proximidade com as ruínas de um santuário consagrado a Mitra

e os deuses orientais. Poderia se tratar se uma mansão do sacerdote do santuário ou

mesmo parte do mesmo. Sua construção possui situação suburbana e data de finais

do século I d.C. ou começos do século II d.C., e seu abandono provavelmente ocorreu

ao longo do século IV d.C. ou no século anterior (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

Sua entrada atual nada parece com a primitiva. O primeiro núcleo aparece

estruturado entorno de um pátio portificado, com jardim central ou viridarium, e um

tanque com êxedras. Ao redor discorrem corredores que um dia tiveram pavimentos

de mosaicos, estes que conservam leves restos na ala ocidental, distribuindo-se em

cômodos. Os mais considerados são três, dois pequenos, de semelhantes dimensões

que ladeiam o cômodo principal que pode ter uma função de triclinium. Os pequenos

conservam em suas paredes bases com decorações pictóricas com elementos

vegetais e de aves. O cômodo situado à direita do principal possuía um pavimento de

mosaico dividido em três partes que delimitavam um quadro central com combinação

151

de triângulos, rômbicos e quadrados de dois tamanhos. Uma obra do século II d.C.

como os cômodos contíguos. O cômodo da esquerda apresenta várias faixas de

ornamentações em tiras dobradas em ângulos retos e sinuosos, e um quadro central

com um quadrado preenchido de sinuosos gamados. Pode-se observar uma espécie

de tapete de estrelas de quatro pontas na entrada do cômodo (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Figura 17. Planta das ruínas romanas da Casa do Mitreo. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/merida_casa_mitreo_plano.jpg>.

Acesso em: 05/12/2014.

O cômodo principal conta com outro mosaico que compreende uma margem

de quadrados em ponta e dois tapetes, com sinuoso gamado e margem de sinuoso

gamado respectivamente. Junto a eles também estavam outros cômodos bastantes

destruídos. No corredor ocidental aparecem restos de um mosaico de esquema de

quadrados e retângulos, onde estava uma grande cisterna com abóbada semicircular,

152

sobre a qual se dispôs outro cômodo que oferece fragmentos pictóricos conservados

no Museu Nacional de Arte Romano. O corredor meridional conduz a outros cômodos,

um deles com pavimento de mosaico com figuras de Eros com uma pomba nas mãos.

Seguindo, encontramos uma área de onde parte uma escadaria com paredes

decoradas com pinturas que imitam estruturas de mármore mosqueado, e que conduz

a dois cômodos, talvez fossem utilizados para descanso na estação de verão, cubicula

diurna (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

No final da casa, junto a uma calçada que parece a prolongação do kardo

maximus da cidade, se localizam estâncias termais, que ainda conservam o forno, a

infraestrutura de sustentação de uma estância com estrutura de ladrilho ou

hypocaustum, e uns banhos de água quente com seu cômodo ou calidarium,

pavimentado com mosaico de esquema de quadrados e triângulos. Entorno de um

peristilo com tanque e colunas, revestidas com estuque pintado, se desenvolvia outro

setor da casa. Desde o peristilo podemos acessar a área de entrada original, na área

setentrional da casa. Uma escadaria de blocos de granitos salva o desnível existente

entre a entrada e um átrio tetrastilo, entorno do qual se distribuíam diversos cômodos.

Um pequeno átrio ou atriolum, que apresentava colunas de granito e um pequeno

tanque ou impluvium com revestimento de mármore moldado, fazia o acesso aos

cômodos. Dependências com suas portas com batentes de granito compunham a

frente oriental deste espaço (Idem, 1995).

Na frente oposta, centrada em relação ao espaço do átrio, encontra-se o

cômodo onde foi descoberto o denominado “Mosaico Cósmico”, o mais importante do

mundo romano. No interior do cômodo percebe-se suas particularidades construtivas,

um piso de alvenaria, com elevação de adobe e reforço de pedras nos ângulos. As

paredes conservam a decoração com pinturas em algumas zonas. O mosaico oferece

uma representação alegórica do Cosmos, presidida pela figura do Tempo e seus

filhos, o Céu e o Caos, junto aos titãs, filhos de Céu e Terra: o Polo e Trovão. Ao redor

das figuras do Sol, a Lua, os Ventos e as Nuvens. Ao centro encontra-se a

representação de Aion, a Eternidade, acompanhado da Natureza, das Estações, da

Morte e da Neve. Ao centro da composição se destaca a figura de Aurora, Oriens,

montada em sua carruagem e disposta a correr a abóbada celeste. Na área inferior,

as personificações aquáticas, os rios (o Nilo e o Eufrates), um Porto, um Farol, o Mar,

a Navegação. Na composição os elementos da natureza aparecem identificados com

seus nomes latinos. O material empregado para sua realização constitui-se de

153

primeira qualidade, até vidro transparente foi usado, com folha de ouro para destacar

os ornamentos das figuras. Toda a alegoria possui finalidade de explicar os

fenômenos da natureza (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Observa-se que nas paredes do exterior do cômodo existem restos de

decorações pictóricas. Através de uma escadaria de granito se acessava a área

contígua, onde à direita pode-se verificar o restante da casa, o denominado “cômodo

das pinturas”, nomeação devido à sua decoração pictórica conservada. Em sua base

observam-se motivos vegetais e de aves, na parte central da parede, nota-se diversos

quadros separados por candelabros (Idem, 1995).

3.12 NECRÓPOLES

As necrópoles ou cemitérios se assentavam fora dos muros das cidades

romanas, pois assim se pensava manter os espíritos em distância segura dos vivos.

Para a sepultura cavava-se no chão do sítio um fosso onde as cinzas seriam

depositadas e forradas com paredes de tijolos. O morto recebia um funeral apropriado

e um túmulo, que serviria de lar para seu espírito. O túmulo então era fechado com

uma grande laje de pedra que levava uma inscrição em honra ao defunto. O local se

configurava como um memorial duradouro que poderia ser visto e visitado. No mundo

romano coexistiram dois tipos principais de enterramentos: incineração e inumação,

sendo o primeiro mais comum até o século II d.C., e o segundo a partir desta data

(ALGABA, 2009; RATHBONE, 2011).

As necrópoles se dispunham ao redor da cidade de Emerita Augusta, junto às

estradas, à maneira de coroa funerária. Em diferentes áreas pode-se observar

alinhamentos conseguidos com os sepulcros, como uma espécie de uma estrutura

quase urbana. A tipologia dos enterramentos de Emerita Augusta revela-se muito

abrangente e variada. As áreas mais importantes de enterramentos se encontram

estabelecidas na saída da ponte sobre o Anas, onde se encontram diversos

mausoléus de planta quadrangular dos séculos I d.C. e II d.C., no vale do Albarregas,

e nas imediações do teatro, a denominada necrópole oriental, cujo limite se estende

até o circo e que pode ser considerada a mais espetacular das estruturas conservadas

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

154

Seguindo ao sul da topografia da cidade de Emerita Augusta, na parte detrás

da casa do Mitreo e próximo da Plaza de Toros, se localiza um recinto funerário, que

segundo suas inscrições remonta ao século I d.C., e abriga duas sepulturas

monumentais denominadas de columbarios. Ambos mausoléus se encontram

próximos, separados por 4,10 metros, o de tamanho menor apresenta-se em forma

quase de um quadrado, e o outro, de maiores dimensões, possui planta como um

trapézio, cujo lado menor possui outra construção triangular (ALMAGRO, 1961).

Os espetaculares columbarios constituem-se como monumentos funerários,

com recintos destinados a conter urnas com restos incinerados de alguns membros

de duas famílias, a dos Júlios e Voconios. Os sepulcros das famílias Júlios, de maiores

dimensões, e Voconios, de menor tamanho, são conhecidos atualmente pelo nome

incorreto de columbarios, tal denominação refere-se aos enterramentos coletivos em

nichos e não ao caráter nobre destes túmulos (ALGABA, 2009).

Assim, os columbarios foram sepulturas com espaço interior para depósito das

cinzas dos defuntos, mas construídas a céu aberto, contudo foram cobertas em

tempos modernos para melhor conservação (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995). Estas sepulturas apresentam-se construídas com blocos de pedra

regular, trabalhadas em cantaria e lâminas de muretas, e revestidas em estuque. Os

interiores das tumbas estavam decorados com pinturas murais, possivelmente com

os retratos dos defuntos, atualmente muito deteriorados e mal conservados

(ALMAGRO, 1961; GUITIAN, 1977).

Um jardim funerário da área da necrópole abrigava uma estela sepulcral de

uma jovem, datada também do mesmo período, assim como outras edificações

funerárias de menor entidade, que nos oferecem vestígios para verificarmos o mundo

funerário romano em Emerita Augusta (Idem, 1961). Os columbarios são atualmente

visíveis e se destacam como as sepulturas mais importantes da antiga província da

Lusitânia (GUITIAN, 1977).

3.13 OUTRO MONUMENTOS

3.13.1 Arco de Trajano

155

Atualmente o arco de Trajano encontra-se imerso nas construções modernas

de Mérida, situando-se atualmente entre o Parador Nacional de Turismo e a Plaza

Mayor (GUITIAN, 1977). O monumento despertou muita admiração entre viajantes e

historiadores de outras épocas, fato que contribuiu para desenvolver sua

denominação totalmente arbitrária, que responde sua origem unicamente proveniente

de um produto da tradição popular emeritense (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995). O Arco de Trajano também apresenta-se, menos conhecidamente,

como Arco de Santiago (GUITIAN, 1977).

O arco de Trajano foi erigido em blocos de granito que provavelmente

continham inscrições latinas com informações sobre o monumento, conforme o

costume das construções de arcos romano. Entretanto, não se conservaram nenhuma

das inscrições comemorativas do monumento, o que logo impediria de sabermos o

motivo de sua construção (Idem, 1977), e tão pouco conhecermos o imperador que o

levantou. Apesar disso, analisando a técnica construtiva utilizada no arco pode-se

apontar se tratar de uma construção tipicamente augustana (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Desta forma, o arco de Trajano se exibe incompleto, mas ainda ergue-se

grandioso e bastante sólido, constituindo-se como um monumento colossal. O arco

detém uma resistente parede que se abóbada em 23 segmentos, possui altura de 13,7

metros e largura de 5,70 metros, e com uma abertura de passagem de 8,67 metros

(Idem, 1995). A construção foi realizada inteiramente em granito, provavelmente

revestido de mármore e ornamentação, para realçar sua monumentalidade e

demonstrar para todos o prestígio da colônia emeritense (ALMAGRO, 1961; GUITIAN,

1977).

A fisionomia do arco deveria ser na Antiguidade muito diferente da atual. Em

ambos os lados do vão central se abririam outros dois de tamanho menor. Pode-se

observar em certos blocos do arco a distribuição de orifícios que indicam revestimento

em mármore, com a exceção que talvez muitos deles fossem apenas simples buracos

onde se agarravam os ganchos que serviam para içar os pesados blocos (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Uma rua passava sob o arco de Trajano, que

em época romana deveria ser um dos extremos do kardo maximus, uma das ruas

principais dos tempos de glória de Emerita Augusta (GUITIAN, 1977).

No século XVIII, através de escavações no local e do desenho da planta de

elevação do arco, acreditou-se que uma das principais artérias viárias, o kardo

156

maximus que cruzava de norte a sul a cidade, atravessava o arco. A funcionalidade

do monumento em princípio poderia se comparar com a dos antigos troféus, mas logo

se difundiu a teoria de que fora uma das portas da cidade, que aparecia representada

nas moedas e emblemas da cidade. Entretanto, verificou-se que logo abaixo do arco

se encontrava um piso em mármore e uma monumental escada que alcançava as

portas de um templo, na rua Holguín. Assim, o arco se incorporava dentro do plano

urbanístico da época de Augusto, em perfeito eixo com o precipitado templo e o kardo

máximo (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Desta forma, Moreno de Vargas e Richmond sugeriram que o arco tivesse

caráter triunfal, servindo de antessala a um recinto público importante, o fórum

provincial ou praça pública onde se localizavam os principais edifícios em que se

atendiam as necessidades dos administradores da província da Lusitânia, de que

Emerita Augusta era sua capital. O caráter honorífico e sua grandiosidade do arco

eram suficientes para definir e enfatizar a área do fórum, ao mesmo tempo que a obra

atuava como importante elemento integrador entre áreas de caráter diferente dentro

da mesma cidade (Idem, 1995).

3.13.2 Monumento de Santa Eulália

O monumento em memória à patrona de Mérida foi erguido no século XVII, em

forma de uma espécie de obelisco e denominado de Triunfo de Santa Eulália. A obra

constituía-se de peças heterogêneas, importante para esta análise, por apresentar

dentre seus diversos materiais, peças romanas (GUITIAN, 1977) referentes a um

templo dedicado à Concórdia de Augusto, que nos deixou um pedestal consagrado à

divindade (ALMAGRO, 1961).

As peças de tal monumento possuem procedência desconhecida; o cronista da

cidade, Bernabé Moreno Vargas, menciona em sua obra “Historia da ciudad de

Mérida” do ano de 1633 que as aras tivessem vindo do templo de Diana, mas sem

segurança (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). A antiga pedra base do

monumento faz referência à Concondia Augusti, assinalando que sua origem fosse do

templo romano dedicado à Concórdia de Augusto, com provável antiga localização no

edifício do Parador Nacional, localizado próximo à Plaza Mayor e ao Arco de Trajano.

Outra inscrição moderna acrescenta que esta base de mármore precedia de uma

157

descoberta na Praça de Santiago, ao escavar-se uma ruína romana no ano de 1646.

As duas peças romanas possuem boa decoração e uma vez foram utilizadas para

erguer, sobre as mesmas, a imagem da santa emeritense (GUITIAN, 1977).

A aparição de uma ara votiva em mármore branco com veios em vermelho,

com menção à Concórdia de Augusto, serviu para expirar a ideia do monumento ser

levantado originalmente para a donzela emeritense. Contudo, esta peça junto com

outras de grande estima e trabalho antigo foram colocadas de maneira a formarem

parte de uma pirâmide, que se levantaria sobre etapas, situando ao topo uma imagem

de Santa Eulália (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A obra se iniciou sob os auspícios da cidade, com a construção em etapas de

degraus sobre a base com as letras da Concórdia de Augusto, três aras cilíndricas,

duas das quais estavam ornadas com crânios de gado sacrificado, guirlandas e

instrumentos de liturgia romana, um capitel, um bloco com três escudos – da Coroa,

de Mérida e do governador – e uma epígrafe de triunfo à patrona Santa Eulália, e,

finalmente, coroando o conjunto, a imagem da mártir Santa Eulália em mármore

branco revestido de dourado (Idem, 1995).

A obra foi restaurada em 1661 e no final do século XIX foi novamente reparada

em suas partes afetadas, utilizando-se argamassa de mármore. O monumento sofreu

uma modificação no seu primitivo local, sendo deslocado para 40 metros mais acima,

também sofreria substituições de suas etapas de construção por uma base de pedra

que guarnecia suas esquinas com médias colunas toscanas, que se adornavam com

guirlandas, acordando assim com o trabalho de alguma das nobres peças que

sustentava. Contudo, hoje em dia, o monumento afetado pela remodelação

urbanística do entorno fora desmontado e teve suas peças romanas depositadas no

Museu Nacional de Arte Romano, onde se encontram expostas. Atualmente existe a

intenção de fazer cópias das peças para assim reerguer novamente o monumento

(Ibidem, 1995).

3.13.3 Pórtico do fórum

Entorno do templo de Diana existia um pórtico monumental, hoje reconstruído

em parte, que formava o conjunto do fórum. Uma série de peças de arquitetura

decorativa foram descobertas por escavações, sendo uma delas a efígie de Augusto

158

e outra talvez do patrono da colônia, Marco Agripa. O pórtico compreendia um jardim

com um canal revestido de argamassa hidráulica e mármores – que serviam para

recolher as águas vertidas a partir do cobertura do corredor ou ambulacrum, por onde

passavam os emeritenses da época –, um muro interno com nichos que abrigavam

esculturas de personagens reais e mitológicos, e por fim uma fachadas externa com

um friso em que se alternavam medalhões ou escudos com efígies de Júpiter Amon e

de Medusa, símbolos do poder supremo de Roma, e cariátides, femininas vestidas

com o clássico peplos grego, que as individualizam à maneira de métopas. O pórtico

do fórum municipal emeritense foi concebido em uma segunda fase de enobrecimento

do mesmo, no século I d.C., com a introdução de edificações em mármore e não em

granito como até então se havia realizado (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995).

3.14 MUSEU ARQUEOLÓGICO: ESCULTURAS

Além dos grandiosos monumentos que analisamos e que nos revelaram a

grandeza que a antiga cidade de Emerita Augusta apresentou em seu auge, os

diversos achados arqueológicos também desvendam a antiga colônia romana

(ALMAGRO, 1961). Dentre esta cultura material emeritense destacam-se os achados

escultóricos que possuem grande valor não só pela sua qualidade estética, mas

também pela informação que a estatuária proporciona, devido ao seu conteúdo

simbólico e sua missão na comunicação e difusão das mensagens públicas ou

privadas, para qual foi criada desde a essência da mentalidade romana. Para abrigar

as esculturas, grandes complexos romanos, edifícios de espetáculos, fóruns e recintos

de caráter público, essencialmente cultural, foram definidos no plano urbano da cidade

de Emerita Augusta, ao serviço da mensagem política romana que continham

(DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

Entretanto, em época árabe a cidade foi saqueada e seus ruinosos

monumentos serviram de pedreira para abastecimento de construções em Córdoba.

Nos séculos seguintes continuou sendo destruída, sofrendo o mesmo destino infeliz,

além de também ter seus achados aproveitados ou perdidos. Apenas no século XVIII

iniciam-se as atividades de conservação de seu patrimônio com a formação de uma

coleção de antiguidades em um convento de frades hospitaleiros de Jesus, atual

159

Parador Nacional. No local se estabeleceu a primeira coleção epigráfica da cidade.

Em 1838 o convento de Santa Clara foi transformado no Museu Arqueológico de

Mérida, assim recebeu a coleção do Parador e armazenou uma série de antiguidades

das escavações e achados acidentais, tornando-se o mais rico em antiguidades

romanas e hispano-visigodas da Península Ibérica. Quase todos os achados da

cidade de Mérida foram reunidos neste museu, mas também outras antiguidades

emeritenses de expressivo interesse podem ser encontradas no Museu Arqueológico

Nacional de Madrid e nos Museus de Badajoz e Sevilla (ALMAGRO, 1961; GUITIAN,

1977).

Deste modo percebemos que a história de investigação da arqueologia de

Mérida se caracterizou, ao longo dos últimos tempos, pelo acentuado interesse no

passado clássico greco-romano, visigodo e islâmico, em convivência com a

espoliação, destruição e dispersão de seus restos arquitetônicos, escultóricos,

epigráficos e numismáticos (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004). Mesmo assim, através do

museu arqueológico de Mérida reuniu-se muitos objetos emeritenses que nos

trouxeram à memória uma história gloriosa, recriada neste espaço: uma série de

estátuas referentes aos deuses romanos e outros de importação, retratos escultóricos

imperiais, de personagens importantes e desconhecidos. Igualmente, encontraram-se

representados no museu numerosos restos arquitetônicos que testemunharam o

esplendor da Mérida romana e visigótica (GUITIAN, 1977).

A partir de 1986 um novo prédio passaria a conservar e expor a coleção das

ricas séries de peças romanas emeritenses, denominado de Museu Nacional de Arte

Romano. O complexo abriga peças de arte, arqueológicas e arquitetônicas das

referidas construções urbanas emeritenses analisadas e trabahadas (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Assim, o conjunto das instituições do Museo

Nacional de Arte Romano, o Consorcio de la Ciudad Monumental e o Instituto de

Arqueología configuram-se nas fortes organizações que atualmente estudam e

protegem o patrimônio emeritense, para que o futuro da arqueologia de Mérida e seu

território se mantenham perpetuados, e alcancem o conhecimento de todos (DUPRÉ

RAVENTÓS, 2004).

3.15 ARQUITETURA ROMANA: MATERIAIS, MÉTODOS E CONSTRUÇÕES

160

A arquitetura romana do período entre República e Império reflete diferentes

influências gregas. A familiaridade com métodos e materiais, estilos e ornamentos,

constituem-se testemunhos que apontam que a escola etrusco-latina absorveu duas

vagas sucessivas de influências grega tardia: a primeira, principalmente proveniente

do sul da Itália e da Sicília, no século III a.C., e a segunda helenização, procedente

da Grécia, Ásia Menor, Síria e Egito, nos dois séculos seguintes. Estas datas refletem

os fatos históricos da expansão romana para o sul e para o oeste, nas Guerras

Púnicas, e para leste, em seguida à queda de Cartago (ROBERTSON, 1997). Entre

esses períodos a influência grega atingiu a arte romana, que produziu muitas obras

arquitetônicas (MARTÍN, 1992).

O mundo romano nasce da influência grega, entretanto outros influxos

contribuíram para o florescimento da civilização romana. As características

provenientes das tribos itálicas combinaram-se com influências externas das colônias

helênicas. A civilização etrusca apresentou forte influência grega devido seus laços

comerciais com os mercados da Magna Grécia. A arquitetura romana se caracteriza,

deste modo, muito pelas várias influências absorvidas das tribos itálicas e dos

etruscos, e sua criação artística derivou essencialmente do legado do período

helenístico, contribuições que revelaram a evolução do pensamento arquitetônico

romano. Novos elementos importados foram introduzidos na cultura romana:

cerâmica, pintura, trabalhos em bronze, esculturas, estilo da estatuária, estrutura e

decoração dos templos inspirados nos santuários gregos (STIERLIN, 1997).

Tais influências arquitetônicas foram decisivas e penetraram no cotidiano

romano. Os edifícios da República geralmente foram marcados pelo estilo helênico

desenvolvido na Grécia e no Próximo Oriente entre os séculos III a.C. e I a.C., em

virtude das campanhas vitoriosas de Alexandre na Ásia. E esta influência também

ocorreu em Roma em consequência de vários acontecimentos históricos, entre

tomadas de cidades no Oriente, campanhas militares nas regiões helenizadas e na

criação da província da Ásia (Idem, 1997).

Um aspecto importante do período helenístico foi sua caracterização pela

construção de monumentos com tendência colossal (LÉVÊQUE, 1987). E este

elemento foi muito explorado pelos romanos à medida que a arquitetura religiosa da

República evoluía, paralelamente também se aperfeiçoavam as técnicas utilizadas em

projetos civis de grande dimensão. Deste modo, os romanos construíram em escala

maior que os gregos, com o objetivo de superá-los e atingirem a monumentalidade

161

(RATHBONE, 2011). A arquitetura romana, expressão da cultura artística desta

sociedade, teve como característica fazer com que o belo coexistisse com o útil

(TARELLA, 1978). Foi com edifícios de caráter utilitário, como armazéns e depósitos,

que a abóbada foi sendo empregada. A partir do princípio das arcadas e das

abóbadas, uma característica essencial da arquitetura romana, esta continuou a

evoluir, sendo utilizada em basílicas, armazéns portuários, construção de caves por

baixo de santuários e palácios. Este avanço técnico introduziu estruturas de grande

solidez e permitiu a cobertura sólida de extensas áreas (STIERLIN, 1997).

No final da República as técnicas de construção conheceram grandes

progressos através do uso generalizado do opus caementicium ou concreto, em vez

da pedra talhada. O que permitiu que os edifícios dinástico-religiosos fossem

marcados pela monumentalidade. A instabilidade política durante o domínio de

Pompeu e César provocou a aceleração na evolução estilística da arquitetura romana

e da urbanização da capital. A chegada da era imperial assinalou uma mudança em

todos os aspectos: os chefes das dinastias Júlio-claudiana e Flaviana dariam impulso

considerável à arquitetura (Idem, 1997).

Na arquitetura, o domínio de Roma não determinou o rompimento helenístico

de raiz do leste grego no período do Império. Entretanto a centralização do governo e

a influência de Roma pelos territórios se intensificava, apresentando nas edificações

seus novos métodos construtivos e tendências de ornamento e projeto, que se

difundiam pela capital e seguiam em direção às províncias, sobretudo no Ocidente.

Nesta área construtiva pode-se observar que a maioria dos arquitetos eram gregos,

diferentemente dos engenheiros, que revolucionaram os ideais da arquitetura, que

geralmente eram romanos (ROBERTSON, 1997).

Quando Augusto chegou ao poder, iniciando o período imperial, o estilo da

arquitetura disseminou-se pelas regiões conquistadas através das legiões romanas,

em reflexo dos empreendimentos de Roma. Iniciaram-se construções de estruturas

enormes e grandes projetos de planejamento urbano, de centros urbanos que

despertavam com o aparecimento do fórum, capitólio, templos, arenas culturais e

desportivas. A influência de Roma refletia-se pelas províncias através do

planejamento urbano e a criação de cidades, à imagem do centro do poder imperial,

Roma. Os romanos continuaram com as obras do período da República e levaram-

nas para as províncias do Império, onde eram estabelecidas como melhoramentos

territoriais de grandes dimensões, com criações de estradas de importância comercial

162

e estratégica, e construções de pontes, aquedutos e reservatórios de água

(STIERLIN, 1997).

A arquitetura romana do apogeu do Império, dos descendentes de Augusto,

seguia além do conhecimento deixado registrado na obra do teórico romano de

arquitetura Vitrúvio. O estilo caracterizou-se pela criação de construções

monumentais, de grandes espaços interiores em templos e palácios, em balneários e

anfiteatros, para exaltar o poder do Império em Roma e nas províncias ocidentais

(STIERLIN, 1997). Os romanos exploraram as vantagens das novas técnicas

construtivas do arco, da abóbada e da cúpula, empregadas em seus edifícios. Através

destas estruturas os romanos conseguiam superar as limitações de comprimento dos

edifícios gregos, estes feitos com vigas de madeira nos tetos que formavam um

triângulo. As estruturas romanas com paredes altas permitiram erguer espaços

enormes e complexos, ao mesmo tempo que equilibrados e contrabalançados; entre

os edifícios romanos mais relevantes que empregavam as principais técnicas curvas

destacam-se: templos, termas públicas, basílicas, teatros, anfiteatros, termas,

aquedutos e arcos monumentais (MARTÍN, 1992; ROBERTSON, 1997).

O helenismo grego adequava a arquitetura de seus conjuntos urbanísticos com

a paisagem natural. Os romanos adotaram essas ideias à sua concepção de

organização de espaço – influenciada pelos etruscos –, que quando aplicadas às suas

técnicas de construção, seus monumentos se destacavam, principalmente pela

relação entre espaços internos e externos. Deve-se lembrar que os interiores dos

ambientes – com organização geométrica e paredes que relacionavam nichos e

êxedras – se conectavam aos exteriores através de vãos amplos e flexíveis,

proporcionando boa iluminação para os interiores e visibilidade para o exterior. A

qualidade do espaço visava a funcionalidade como também sua percepção (Idem,

1992).

A evolução da arquitetura romana foi determinada pela necessidade de

grandes salas e recintos cobertos para destinos civis e religiosos. Tais recintos se

traduziam na criação de espaços interiores maiores e com soluções mais ousadas

para as abóbadas que realizavam suas coberturas. Para tanto, a técnica de talhar a

pedra progrediu, primeiramente, desde as paredes poligonais até alcançar as obras

construídas em grandes blocos quadrados. Os romanos conheciam a arte de cortar a

pedra aplicada a arcos com aduelas e a abóbadas, e depois a cúpulas. Mestres nas

construções em grandes blocos unidos sem argamassa ou argila, geralmente

163

utilizavam grampos de ferro ou bronze para garantir a coesão das estruturas

(STIERLIN, 1997).

O uso do tijolo surgiu na fase inicial do Império. Conhecido antes dessa data,

era usado apenas nas estruturas de suporte e telhados de monumentos e edifícios

públicos. Em grande parte o tijolo foi utilizado nos edifícios utilitários,

estabelecimentos, insulae, edifícios industriais e oficinas; também estruturas em tijolos

e fachada em mármore apareceram empregadas em templos e palácios imperiais.

Uma estrutura em tijolo oferecia vantagens ao ser mais leve, fácil de moldar e

trabalhar. O revestimento poderia ocultar diversos materiais utilizados por motivos de

ordem prática. Esta técnica de alvenaria variada apresentava uma aparência de

unidade (Idem, 1997).

Os edifícios romanos não oficiais possuíam camadas de estuque que substituía

o revestimento de mármore, este sistema foi também utilizado para decorar

monumentos gregos e para ocultar pedras de qualidade inferiores, principalmente em

regiões onde não existiam jazidas de mármore. O estuque cobria colunas e paredes

e se encontrava utilizado, em grande parte, nas construções de casas particulares. O

estuque esculpido também fora empregado na decoração de residências e basílicas

(Ibidem, 1997).

A arquitetura romana em seu desenvolvimento abrangeu uma série de técnicas

distintas que variaram dependendo de épocas e regiões. Os materiais básicos

dedicados para as construções dessas técnicas eram a pedra, madeira, cal e argila.

Para o emprego destes elementos avaliava-se o que o terreno oferecia, e caso

necessário, importava-se o material em estado bruto ou já elaborado. A pedra

constituía-se como o material mais tradicional e foi utilizada em diferentes formas: as

menores para alvenaria, e as maiores para socos de fortificações – o mármore de cor

e outras pedras ornamentais marcaram o interesse pela policromia. A madeira se fazia

empregada em obras provisórias e definitivas, em armações ou entalhes. A argila era

encontrada facilmente e proporcionou a fabricação de materiais em larga escala, além

de desenvolver técnicas com taipa, adobe, tijolos e telhas. A cal misturada com areia

cimentava os conjuntos de edifícios, revestindo e adequando estruturas, compondo

assim uma arquitetura veementemente resistente e permitindo erigir formas

abobadadas mais complexas (MARTÍN, 1992).

A principal revolução tecnológica da arquitetura romana ocidental consistiu na

utilização do cimento sólido. A arquitetura e a arte helenísticas marcaram

164

profundamente o mundo romano, mas diferentemente do mundo grego, onde se

usava a pedra, especialmente o mármore, como material principal, os romanos

utilizavam principalmente o concreto e tijolos, reservando a pedra para as fachadas

decorativas. No início, os romanos utilizariam a toba, uma rocha pobre e macia

(BOVO, 2006b), e a partir do século III a.C., inventariam o concreto romano, uma

criação surgida a partir da mistura de argamassa feita de cal (realizada com água, cal

e areia), e da pozzolana (feita de pedras ou cascalhos, fragmentos cerâmicos e tijolo),

juntos formavam a chamada opus caementicium, utilizado na construção de

estruturas, muros e pisos. A composição da pozzolana variava conforme a função do

concreto: em fundações, usava-se entulho pesado de calcário, já em abóbadas,

optava-se pela leveza da pedra-pomes (ALGABA, 2009; Idem, 2006b; STIERLIN,

1997).

O concreto romano, material muito sólido e maleável, adaptava às formas

arquitetônicas curvas, além de permitir levantar grandes estruturas abobadadas. Tal

material podia ser vertido para moldes de madeira, assim permitindo a construção de

abóbadas e cúpulas monolíticas; e com a técnica de criação de abóbadas circulares

de caixotões, permitia-se erguer estruturas mais leves e sem fragilidades. Assim,

através deste meio, se difundiu a implementação do arco, abóbada e cúpula na

arquitetura romana. O cimento também permitiu a criação de espaços livres e amplos

sem precisar recorrer a tirania dos arcos na base de uma cúpula. A utilização de tijolos,

concreto, abóbadas e arcos possibilitou levantar estruturas maciças, como aquedutos,

pontes, termas e anfiteatros (RATHBONE, 2011; Idem, 1997).

As técnicas de sistemas construtivos de paredes e muros eram diversas. Os

romanos utilizavam vários tipos de paramentos sobre as paredes de concreto, de

pedra, e de tijolo, ou combinação dos mesmos. O opus quadratum correspondia às

pedras grandes de alvenaria, quadradas, dispostas em camadas horizontais, com

blocos de acabamento liso ou estofados; ou blocos quadrados e colocados

ordenadamente, o opus africanum; ou blocos colocados em curso, o opus vittatum; ou

quando o revestimento de concreto era conseguido através de pequenos blocos de

pedras ou alvenaria de formatos irregulares, não trabalhados e sem curso, a técnica

denominava-se opus incertum ou alvenaria tosca, a mais antiga (ALGABA, 2009;

Idem, 2011; Ibidem, 1997).

O opus reticulatum, realizado a partir do século II a.C., se assemelhava ao opus

incertum, porém formava na zona visível uma rede de blocos poligonais regulares,

165

fazia-se com pedras cortadas em quadrados e dispostas em ângulos de 45 graus; o

opus latericium era de alvenaria de tijolo; o opus testacium cinsisitia, feito a partir do

século I d.C., consistia em um núcleo de concreto revestido de tijolo queimado,

cozidos em forno. Além dos tijolos retangulares havia outros com borda curva, práticos

para construir pilastras e colunas. As vezes podia-se combinar cursos de pedra com

outras de tijolo, o chamado opus mixtum. Independente do paramento em geral as

paredes e os muros eram revestidos de estuque branco feitos de calcário moído, ou

de painéis de mármore ou de calcário (ALGABA, 2009; RATHBONE, 2011; STIERLIN,

1997).

Os pisos e pavimentos mais modestos podiam ser de terra, barro ou tijolo, os

mais elaborados para espaços exteriores, eram construídos mais frequentemente com

pedra. Dentre estes últimos pisos destacava-se o opus sectile, um piso decorativo de

luxo formado por calcário, mármore e outras pedras coloridas, distribuídas a formar

desenhos geométricos simples. No interior dos ambientes, das domus e edifícios

públicos, o piso preferido para os revestir era o mármore e o opus musivarium,

colocado nas salas e pontos principais. Uma argamassa de cal era utilizada como

reboco, o opus signinum, que impermeabilizava as superfícies que poderiam ficar em

contato com a água. Às vezes se utilizava a argila, que acrescentava um ar rosado.

Ao final da República e início do Império, algumas vilas e principalmente termas

incorporam às suas arquiteturas oculos ou janelas abertas ao exterior, que se

fechavam com materiais transparentes, os lapis speculares ou gesso espelhado –

muito resistente e fácil de trabalhar – e, no final do século I d.C., o vidro. Obras de

alvenaria e concreto em massa, que não exigiam conhecimento específico do trabalho

da pedra, eram realizados por structores ou pedreiros (Idem, 2009).

O opus concretarium correspondia às fundações de blocos de cimento, que

permitia a construção de abóbadas e cúpulas criadas por meio de caixotões. Para a

construção de elementos curvilíneos como o arco, a abóbada e a cúpula, os arquitetos

e engenheiros romanos possuíam muitos materiais e fórmulas tecnológicas que

permitiam a obtenção de estruturas complexas (STIERLIN, 1997). O sistema de

construção do arco, opus arcuatum permitia a construção de pontes de pedra

duradouras e resistentes, e também dos viadutos dos aquedutos (ALGABA, 2009).

Na segunda metade do século II a.C. Roma adquiria um aspecto monumental,

sua arquitetura se modificava com a introdução de colunatas, frisos e planos

destacados que se tornavam mais elegantes com a construção de pórticos. Os tetos

166

planos foram substituídos pelo arco semicircular, que também começou a ser utilizado

isoladamente como monumento celebratório (LIBERATI; BOURBON, 2005). O arco

se converteu na forma básica da arquitetura romana e adquiriu autonomia estrutural,

sendo erigido com fins celebrativos até se transformar em arcos triunfais na época

imperial, alternando-se com as portas como sinal de entrada no núcleo cidadão, para

comemorar realizações civis dos governantes, como por exemplo a construção de

uma estrada ou porto (BOVO, 2006b; RATHBONE, 2011). As aberturas dos arcos de

triunfos sustentam uma abóboda, apoiada por pilares, sobreposta à cornija e

acrescentando os elementos arquitetônicos como colunas e arquitraves (TARELLA,

1978). O Oriente helênico não conhecia arcos de triunfo que configuram-se como uma

invenção italiana, apenas no século II a.C. se espalhou o costume de erigir arcos

simbólicos nas cidades romanas (GRIMAL, 2003).

A arte romana de baixo-relevo era muito utilizada e se encontrava nos frisos

decorativos dos edifícios, o mesmo aconteceu com os arcos de triunfo, que no período

imperial se difundiram como ato propagandístico. Principalmente no século I a.C.,

onde ocorreu o encontro da estrutura com a ornamentação e surgiu a arquitetura de

propaganda. Diferentemente dos arquitetos, os escultores romanos não adquiriram

maiores inovações, as obras de arte romanas deveram muito às gregas, pois tomaram

emprestadas suas manifestações artísticas. Estas receberam influências de modelos

etruscos e gregos, explorando principalmente as características do retrato (TARELLA,

1978). A retratística romana nasceu junto a utilização em larga escala de estátuas

famosas para embelezamento de residências particulares e prédios públicos

(LIBERATI; BOURBON, 2005).

Para os romanos uma estátua tinha valor como ornamentação, não para

valores plásticos, mas como elemento decorativo subordinado à estrutura

arquitetônica, ou seja as estátuas tinham função de complementar uma obra

arquitetônica. Nos baixos-relevos ficava explícita a ideia de uma arte plástica

subordinada à arquitetura, com finalidades de ornamentar os monumentos. Apenas

no reinado de Trajano (em 113 d.C.) o baixo-relevo atinge uma plena autonomia, onde

em uma coluna a arquitetura conseguiu se tornar suporte para os baixos-relevos

esculpidos (TARELLA, 1978). Desta forma conseguimos perceber a arte romana

caracterizada pela capacidade de assimilação e integração, adoção e adaptação, que

geravam um intenso sincretismo em todo o império por valorizar a contribuição de

167

outras culturas, assim transformando suas próprias características artísticas

(MARTÍN, 1992).

Através da combinação do arco e da abóbada os arquitetos romanos

modificaram estruturas típicas do mundo grego, como o teatro, que poderia dispensar

ser construído em ladeiras, e assim se estabelecer em terrenos planos. Também os

teatros podiam ser fechados e transformados em anfiteatros. As construções de

teatros e anfiteatros eram muito importantes, pois os espetáculos dos jogos eram

necessidades das plebes urbanas, além de estarem conectados com a religião. Desde

modo, os romanos levaram estas atrações para as províncias, que fomentavam ainda

mais a expansão da romanização; assim, qualquer cidade dispunha de um teatro, para

comédias, tragédias e mímica e, as cidades mais importantes, de um anfiteatro, para

exibições violentas de combates de gladiadores e caçadas na arena. Os edifícios

provinciais como o teatro e o anfiteatro permitiam disciplinar as peregrinações,

substituindo crenças nativas pela influência romana dos jogos e ritos, aos quais

contribuíram muito para a romanização (GRIMAL, 2003).

Durante o século II a.C., com o aperfeiçoamento das técnicas romanas dos

arcos e das abóbodas, foi possível conceber e consolidar teatros e arenas –

inicialmente em pedra e depois em tijolos. A arquitetura explorou no conforto da planta

do edifício, circular ou elíptico, para alcançar maior visibilidade de qualquer ponto da

escadaria da plateia. Os arcos conquistaram espaço e revelaram características

fundamentais em suas ornamentações conforme o aperfeiçoamento da prática à

técnica estética, formando um conjunto articulado com a abóboda e a cúpula. Esta

característica curva da arquitetura romana se distinguiu veementemente da

arquitetura grega (TARELLA, 1978).

As corridas de bigas e quadrigas foram inventadas pelos gregos quando os

carros eram utilizados na guerra. O esporte ganhou adesão dos romanos, que devido

à popularidade construíram grandes pistas de circos pelas cidades do Império.

Também a maioria das grandes cidades romanas possuíam um anfiteatro, onde os

governantes financiavam os jogos e ofereciam ao povo espetáculos gratuitos para

ganharem popularidade, apresentando execuções públicas, caçadas aos animais

selvagens e lutas de gladiadores (RATHBONE, 2011).

Primitivamente os fóruns romanos compunham-se por um espaço vazio para

desenvolver as atividades comerciais e da vida pública, posteriormente, com o

desenvolvimento urbano e o crescimento populacional, as cidades romanas criaram

168

novos fóruns, as ditas grandes praças retangulares, rodeadas de pórticos e

circundadas pelos principais edifícios civis e religiosos, além de instalações de lojas

duradouras. Nota-se que já a partir do século III a.C., as cidades romanas começaram

a se espelhar nas colônias gregas e passaram a usar colunatas, os pórticos, tal como

se usavam nas ágoras ou agorai helênicas. Geralmente o fórum situava-se ao centro,

no ponto do cruzamento do kardo e decumanus maximus (GRIMAL, 2003). Nos fóruns

apareceram as primeiras basílicas, construídas com elementos essenciais dos arcos

e abóbadas, reservadas aos negócios e à administração da justiça (BOVO, 2006b;

TARELLA, 1978).

O templo romano derivava do grego por mediação etrusca, com uma função

diferente ao permitir que sacerdotes, autoridades e a população participassem das

cerimônias, estas que eram realizadas diante do templo numa ampla esplanada

levantada sobre um alto pedestal, o pódio. Os templos romanos destacaram-se por

duas características: o pórtico, de colunas que formavam a fachada, e a cella,

totalmente fechada com entrecolúnios. Esses elementos contribuíam para que os

edifícios romanos destacassem a visão frontal do conjunto, para definir a orientação

do espaço e indicar uma via de acesso ao edifício (MARTÍN 1992). Como um

ornamento, o templo ítalo-etrusco possuía fachada majestosa e cenográfica. As

colunas eram em princípio de ordem toscana, sem estrias e com capitel derivado do

dórico e do jônico (BOVO, 2006b).

No período helenístico, a arquitetura religiosa mantinha predileção pela

clássica, fazendo poucas inovações, construiu-se muitos templos novos e segundo as

normas tradicionais. Contudo, o dórico empregava-se cada vez menos na evolução

das construções, preferindo-se o jônico, que se tornava a ordem por excelência

(LÉVÊQUE, 1987). A arquitetura grega sempre foi muito respeitada e estimada pelos

romanos, que por este motivo continuaram reproduzindo suas ordens arquitetônicas.

Entretanto, por influência helenística, os romanos preferiam o emprego do estilo

coríntio, mais ornamentado, em detrimento da ordem dórica e jônica. O capitel

compósito, inventado pelos romanos, constituía-se de folhas coríntias e volutas

jônicas (RATHBONE, 2011).

Na arquitetura, os romanos desenvolveram uma ordem denominada toscana,

da qual percebemos a influência etrusca, que segundo o Tratado de Arquitetura de

Vitrúvio seria diferente das três ordens gregas clássicas – dórica, jônica e coríntia –

sendo atribuída à típica arquitetura etrusca, possivelmente uma teorização tardia

169

influenciada por sugestões helenísticas (STACCIOLI, 1991). Tais influências tornam-

se possíveis de verificar ao percebermos que a ordem toscana se semelhava com

uma forma esguia de coluna grega dórica, porém não possuía caneluras, apenas uma

base e uma saliência horizontal sob o capitel, e muitas vezes era destituída de

ornamento (RATHBONE, 2011).

Figura 18. As colunas em suas respectivas ordens: dórica, jônica, coríntia, toscana e

compósita. As ordens gregas foram usadas extensivamente, mas não uniformemente em um edifício. A ordem compósita configurou-se como uma mistura da coríntia e jônica, e a

toscana, uma evolução da dórica. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/roma.html#>. Acesso em: 12/12/2014.

170

Os romanos fizeram muitos avanços tecnológicos, como a invenção do

concreto, da cúpula e de sistemas de aquecimento por baixo do piso. As termas ou

banhos públicos surgiram no mundo grego, onde no século IV a.C. as cidades

passaram a oferecer locais públicos para banhos. Por volta de 100 a.C. os romanos

inventaram os sistemas de aquecimentos, o hipocaustro, por debaixo do piso, e nas

paredes. Assim, se construiu casas de banho com salas diferentes e temperaturas

diversas. Cada cidade romana apresentava pelo menos um estabelecimento como

este. As termas funcionavam como um local para realizar a higiene, como um centro

de lazer e também de encontros com os amigos; tais edifícios desempenharam assim

um papel importante na difusão da cultura romana (RATHBONE, 2011).

Os gregos construíram os primeiros aquedutos, entretanto a engenharia

hidráulica foi levada a outro nível pelos romanos, que fizeram aquedutos elevados

sobre arcadas para transportar a água de fontes nas montanhas até as cidades (Idem,

2011). A técnica para edificar um aqueduto consistia na aplicação de arcos formados

por aduelas, com as pedras dispostas em uma perfeita semicircunferência,

oferecendo ao conjunto funcionalidade e, ao mesmo tempo, composição estética.

Conforme se aperfeiçoavam e se aprofundavam as técnicas de construção e

engenharia, os arcos dos aquedutos adquiriam formas mais amplas, apresentando

conjunções de aberturas em diferentes formas e dimensões, pequenas e grandes,

gerando motivos ornamentais, além de conciliar com harmonia estética a arquitetura

e a paisagem. A população das cidades romanas consumia água em suas termas,

fontes de rua, banheiros públicos e privados, e jardins (TARELLA, 1978).

A casa privada romana, em sua origem era muito diminuta, compunha-se de

uma ou duas divisões, inseridas em uma espécie de tabuleiro de xadrez, em que cada

quadrado representava uma casa. O conjunto rodeado por quatro ruas chamava-se

vicus. No século II a.C. se desenvolve um novo tipo de habitação, a casa com átrio ou

domus itálica, dotava por vezes de um peristilo, mesmo que apresentasse outros tipos

de variedades, continha um átrio retangular com tanque para armazenar água das

chuvas, e a partir dele seguiam outros cômodos. Este pátio central era o antigo

ambiente onde se depositava o fogo doméstico. Com influência da Grécia e

principalmente da arquitetura helenística, a domus recebe uma modificação em sua

figura, tornando-se mais complexa com a introdução e o emprego do peristilo,

171

formando um pátio com colunas que circundavam um jardim (BOVO, 2007; GRIMAL,

2011; TARELLA, 1978).

A generalização da casa romana, domus, se observa nas cidades coloniais

romanas, também em Emerita Augusta, onde tais residências apresentam átrio,

peristilo, tablinum, triclinium e cubicula (PLÁCIDO, 2009). Junto ao desenvolvimento

da domus surge, no período de Augusto, a evolução da casa e a aparição de uma

moradia intermediária, a insulae, prédios de vários andares, uma espécie de vici nos

quais cada célula foi dotada de superestruturas. No início do Império propagou-se as

casas suburbanas, a vila, uma parcela de terra longe da cidade (BOVO, 2007;

GRIMAL, 2011; TARELLA, 1978).

Na cidade colonial romana de Emerita Augusta podemos observar muitas das

técnicas de construções romanas analisadas, a do arco talvez constitua-se como o

elemento construtivo mais importante que os romanos trouxeram e empregaram na

Península Ibérica (ALGABA, 2009). Entre as novas cidades fundadas pelo imperador

Augusto, Emerita Augusta foi o exemplo mais claro e excelente do emprego da

arquitetura que explorava o concreto, material romano imprescindível e barato, que

possibilitava erguer estruturas grandiosas combinadas ao arco. Através dos edifícios

emeritenses em ruínas podemos constatar que a cidade foi muito próspera e de

arquitetura magnificente. Dispunha de edifícios públicos e obras de engenharias com

estruturas monumentais: um teatro, um anfiteatro, um circo, três aquedutos, sendo

dois com reservatórios anexos, assim como duas importantes pontes, uma sobre o rio

Anas e outro sobre o arroio Albarregas (MORRIS, 1984).

As construções romanas de Emerita Augusta serviam-se do emprego de

madeira, adobe e taipa. As vigas de madeira sustentaram domus e construções,

sobretudo, particulares; as estruturas mais humildes, localizadas aos arredores da

cidade, foram construídas com adobe e taipa. Entretanto os edifícios públicos de

grande destaque na cidade, como os fóruns, termas, teatro, anfiteatro e circo, foram

erguidos com materiais mais duráveis e recobertos por placas de mármore (ALGABA,

2009).

172

4. URBANISMO EMERITENSE E SUA RELAÇÃO COM OS MODELOS DE

CIDADES HIPODÂMICAS E CASTROS ROMANOS

4.1 CONTRIBUIÇÃO GREGA E ETRUSCA

4.1.1 Planejamento urbano grego

No período obscuro, a população grega se organizou em simples e pequenos

povoados, a cabana constituía-se como a principal moradia, sendo que nessa fase

não existia características arquitetônicas e urbanas. Assim, as habitações foram

geralmente construídas em lugares montanhosos, longe do mar, modestamente, e

com disposição desordenada. Após este momento, em período Geométrico, começa

o processo de reaglutinação de população e de casas, mesmo com poucas

informações sabemos que essas moradias ainda se caracterizavam pela simplicidade

(BENDALA GALÁN, 1991).

Na Grécia oriental e continental observam-se o aparecimento de alguns centros

de relevante importância, porém Bendala Galán (1991) ressalta que ainda se

conheceria mais as necrópoles do que os ambientes habitacionais. Mesmo frente as

dificuldades em trabalhar com tais sítios, ainda mais antigos, Robertson (1997) afirma

que em relação aos séculos VII a.C. e VI a.C., as cidades existentes na Grécia e suas

colônias da Ásia Menor tenham se desenvolvido e apresentado um planejamento

urbano irregular. Podemos apresentar em ressalva o complexo da ágora, que aparece

constantemente nesses sítios. Flacelière (1970) descreve a cidade de Atenas e

explica quando os planos urbanos de uma cidade grega antiga se diferenciaram:

Assim, como a maior parte das cidades antigas e modernas, com exceção das colônias e das fundações, nasceu, portanto, Atenas, sem qualquer plano preconcebido, e o seu desenvolvimento ulterior nada possui de racional; reflete, no terreno, o crescimento do e certo modo orgânico do povo antigo, no cenário que lhe delimitavam, em torno da Acrópole, o outeiro de Colonos Agoraios, a colina das Ninfas, a da Pnix, o Museu e o Ardetos, pelo que Atenas podia, com razão, ser também conhecida como <a cidade das sete colinas> (FLACELIÈRE, 1970, p. 10-1).

173

Segundo Finley (1963) a população da Grécia estava concentrada nos

principais núcleos urbanos e, também, nas zonas rurais; porém nessas zonas rurais

não se encontravam estruturas arquitetônicas, apenas alguns eventuais templos

construídos longe das cidades. Os principais e mais importantes edifícios estavam

localizados nos grandes centros. Com o aumento demográfico desses núcleos

populacionais, as cidades foram crescendo e adquirindo formas muito

desorganizadas. Esse fator desvirtuou o perímetro das muralhas, e suas portas

passaram a não atingir as principais artérias das cidades. As ruas se caracterizavam

pela estreiteza e a aparência labiríntica. A ágora das cidades podia se encontrar em

meio à confusão dos cruzamentos das ruas, devido à proximidade das construções

das casas gregas.

Atenas é um bom exemplo: àparte a existência de uma superfície aberta sem pavimento, com cerca de 10 acres, em pleno centro, não consegue discernir-se uma única idéia por detrás da arquitetura da sua Ágora. Ou então, a desordem de Delfos, onde o Caminho Sagrado que levava à colina do principal Templo de Apolo era delimitado por edifícios e objetos dedicatórios, que se acumulavam século após século, enquanto os antigos se desfaziam e alguns eram demolidos (FINLEY, 1963, p. 133).

Nota-se que as construções dos edifícios públicos, quando singulares,

principalmente os templos, eram erguidos com perfeita exatidão matemática e com

proporções harmoniosas; todavia, quando nos remetemos aos conjuntos de

habitações gregas, percebemos uma gritante desarmonia e desequilíbrio em relação

à estética e funcionamento das mesmas dentro das cidades (Idem, 1963).

Algumas construções como a fortificada acrópole e, em muitos casos, a de um

palácio, proporcionava abrigo aos cidadãos quando ameaçados. Os templos foram as

únicas edificações importantes, seu interior era fechado e de dimensões e formas que

variaram. Robertson (1997) acredita que as ruas e os espaços públicos das polis eram

projetados separadamente das construções dos templos, sendo a planificação dos

mesmos, independentes. Observa-se que algumas cidades gregas constituíam-se

muradas, porém nem todas. Entre os séculos V a.C. e IV a.C. os muros dessas

cidades eram construídos com tijolos secos ao sol e madeiras, após o século IV a.C.

e com a chegada do helenismo uma nova marca configuraria as fortificações em

questões de planejamento científico.

174

Junto a essas iniciais características urbanas os gregos passariam a fomentar

novas contribuições para o urbanismo mediante à atividade colonizadora, que

continha o crescimento urbano através do envio de emigrantes expedicionários para

o estrangeiro com o objetivo de fundar novas cidades em outras partes do

Mediterrâneo. O processo de crescimento urbano das cidades-estados gregas

favorecia a criação de novas cidades-estados colônias, uma vez que aliviava o

excesso de população de uma cidade mãe, metrópole. Neste contexto, as pressões

motivadas pelo crescimento populacional incidiriam também no desenvolvimento de

contatos comerciais com as colônias estabelecidas ao longo do Mediterrâneo

(MORRIS, 1984).

Guzzo (1997) nos alerta para a importância do fenômeno de colonização. Para

ele, principalmente na Magna Grécia, o fato de implementar uma cidade em um

território que nunca fora ocupado anteriormente permitia projetar e executar estruturas

regulares, distribuir lotes suficientes para abrigar uma unidade familiar – podendo

acomodar várias gerações –, além de selecionar a melhor direção de usar as

possibilidades do terreno, as rotas de comunicação, a proximidade de um porto ou

fontes de água permanente. Estas realizações no final do século VIII a.C.,

demonstraram uma concepção extremamente desenvolvida de planejamento urbano,

que na cidade-mãe não poderia ser realizada de forma tão clara devido aos seus

edifícios preexistentes.

Assim, observamos que a exploração agrícola progressiva da campanha,

localizada em torno das imediações da cidade, se intensificaram com o

estabelecimento de regras de habitação e urbanismo. Uma vez que se determinava

as partes que constituiriam a propriedade pública – ou seja, o local para as ruas e para

o mercado e reuniões (ágora) – e aqueles atribuídos à propriedade privada – onde as

casas seriam construídas – fazia-se então a designação e a distribuição dos lotes

(GUZZO, 1997).

Os verdadeiros centros com disposição dos locais públicos – a rua, a ágora ou

praça pública – vão aparecer bem estabelecidos e organizados com a expansão da

colonização grega. Esse acontecimento marcaria a necessidade de introduzir um novo

programa urbanístico para fundar cidades gregas – especialmente encontrado nas

colônias magno-gregas – importantes e funcionais (BENDALA GALÁN, 1991). Desta

forma, as colônias, novas cidades-estados, se organizavam segundo o modelo social

e econômico da metrópole, porém a maioria das colônias se desenvolviam segundo

175

diretrizes planificadas, diferentemente das metrópoles, de modelo de crescimento

orgânico geralmente incontrolado (MORRIS, 1984).

[...] acarretou a aplicação de fórmulas de certo modo bastante simples, porém muito eficazes, entre elas a do projeto do assentamento segundo um traçado de ruas regulares e espaços públicos e privados bem definidos. A imagem do tabuleiro de damas, ou de ruas traçadas com esquadro, surge como solução mais prática. Logo, pelo menos no século VI, colônias como Agrigento, Metaponto, Selinunte, Posidônia e outras apresentam plantas com ruas perpendiculares e distribuição racional, com uma nítida separação das áreas habitacionais, da ágora para as atividades públicas – reuniões, comércio, festas –, dos espaços reservados aos templos, etc. (BENDALA GALÁN, 1991, p. 27).

No século V a.C., entre os aspectos que promoveram a difusão da cultura e da

língua grega, aparecem a intensificação das relações humanas, o comércio

florescente, os contatos culturais entre todos os povos helenizados, o cosmopolitismo

helenístico, aspectos estes que se refletiram na intensa atividade construtora e na

proliferação de novas cidades, de uma só cultura. Desta forma, cidades velhas e

novas sentiam-se parte do mundo comum que envolvia-se com a cultura clássica,

tratando-se de desenvolver suas características. Assim, a cidade helenística refletia a

situação contemporânea e o dinamismo social, culminando em uma vontade de

renovação. A polis clássica estava sendo substituída por um novo modelo de cidade,

que em certas características anteciparia as soluções modernas: planejamento de

novos bairros, urbanismo e viabilidade (BOVO, 2006b).

Segundo Bendala Galán (1991) o êxito cultural e econômico experienciado

nesse momento, proporcionou as consequências naturais para a ocorrência

significativa no desenvolvimento avançado de um plano urbano de cidade e sua

organização no século V a.C. Em meio a estas concepções inovadoras de urbanismo

surge Hipodamo de Mileto, a ele seria atribuída à planta regular denominada de

hipodâmica.

4.1.2 A planta reticulada: Hipodamo de Mileto

O plano típico de uma cidade grega compreendia como componentes

essenciais uma acrópole, como centro religioso, e uma ágora, como centro cotidiano,

ambos componentes inseparáveis da forma urbana de uma cidade grega; e outros

176

corpos básicos, como uma muralha que rodeava a cidade, os bairros residenciais,

uma ou mais áreas para fins recreativos e culturais, um recinto religioso, porto e cais,

e um bairro industrial. Tais elementos em uma cidade colonial ficavam dispostos e

subordinados ao plano hipodâmico. Os urbanistas gregos utilizavam a retícula de

princípios do século V a.C. como base de um método sistemático de organização de

novas cidades gregas (MORRIS, 1984).

As primeiras cidades de planta urbana regular, ortogonal, denominadas

hipodâmicas, apresentaram as novas concepções urbanas que se figuravam no

mundo grego, onde se pretendia ordenar e regularizar um plano urbano. A cidade

regular nasceu naturalmente onde se chegou a uma maturidade urbana e foi possível

a planificação de uma cidade ex novo. Como destacamos, a ideia de cidade com

planta regular colocou-se em prática nas numerosas ocasiões das atividades

colonizadoras e fundadoras gregas, entre os séculos IX a VI a.C., pelas orlas do

Mediterrâneo e Mar Negro. Os helenos planejaram muitas colônias que, quando

nasciam de nihilo ou nada, podiam conceber-se livres do aparelho histórico,

topográfico, pois os oikístai ou fundadores, podiam eleger ao seu gosto o local mais

adequado para fundar a nova cidade, já previamente concebida e traçada. A expansão

colonial no Oriente proporcionou a criação de várias cidades de planta regular, assim

como também no Ocidente se aplicou o plano organicamente delineado nas novas

colônias (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Nos novos centros impunha-se o modelo dominante, elaborado por Hipodamo

de Mileto: de planta quadriculada, em que as zonas de moradias estavam separadas

das zonas dedicadas ao culto e ao comércio. Este esquema urbano, de planejamento

ortogonal, já estava presente nas civilizações orientais, podendo ser encontrado nas

cidades desde antes do Império Médio do Egito (cerca 2000 a.C.) e nas necrópoles

egípcias do Império Antigo (cerca de 2600 a.C.), indicando que provavelmente as

cidades se organizavam através do sistema de grelha; entretanto sem o mérito de

Hipodamo de aplicá-lo de forma rigorosa, tratando de criar a cidade ideal e ao mesmo

tempo concreta (BOVO, 2006b; STIERLIN, 1997).

Provavelmente Hipodamo de Mileto generalizou este planejamento, já

praticado no Oriente, da qual a tradição lhe concedeu a honra da invenção dos planos

urbanos baseados na intersecção das ruas em ângulo reto (GRIMAL, 1988). Acredita-

se que o novo planejamento urbano fora empregado justamente quando novas

cidades apareciam com a expansão colonizadora dos jônicos do século VI a.C.

177

Contudo, descarta-se a possibilidade de esta ideia ter surgido na Itália ou emprestada

do Oriente (ROBERTSON, 1997). O sistema de grelhas retangular era empreendido

nas cidades novas, principalmente nas cidades coloniais, pois como analisamos

anteriormente, seu modelo fundacional se diferenciava das cidades gregas

tradicionais (FINLEY, 1963).

Hipodamo de Mileto realizava o planejamento urbano como um estratagema

prático, fundamentando sua técnica em abstrações matemáticas, não se apegava ao

terreno – visto que os solos gregos eram muito irregulares –, como também à maneira

de viver grega. Sob essa perspectiva, as cidades que eram construídas sob essa

planificação hipodamiana ficavam suscetíveis a invasores; a cidade tradicional,

construída ao longo do tempo pela marca da desorganização e labirintos de ruas e

construções, confundia o inimigo ao entrarem e buscarem pela saída. Contudo, a

cidade hipodamiana se constituía mais organizada e funcional do que a tradicional

(Idem, 1963).

Sobre a obra e vida de Hipodamo sabemos pouco, entretanto o conhecimento

sobre sua personalidade de arquiteto e urbanista se atribui à invenção da cidade de

planta ortogonal. Hipodamo de Mileto aparece na literatura antiga, como através de

Aristóteles, onde podemos conhecê-lo como um reformador, planificador, inovador e

sistematizador de ideias. Hipodamo nasceu em Mileto, provavelmente por volta de

500 a.C. ou 490 a.C., e suas principais atividades se desenvolveram no século V a.C.,

onde a arquitetura moldou seus fundamentos no classicismo grego, entre 460 a.C. e

440 a.C. O arquiteto foi um produto de seu tempo, encarregado em tipificar a

urbanística do momento, reconstruindo cidades arruinadas pelos persas e construindo

outras criadas pelo novo período (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

A partir de Hipodamo de Mileto, a forma e a norma das novas correntes se

propagaram pela Hélade. De tal modo que coube a Hipodamo o título de inventor da

cidade de planta regular, de ordenação racional de seus elementos e partes, assim,

constituiu-se como o criador do urbanismo funcional. Atualmente se analisa Hipodamo

como um criador ex novo, um arquiteto e matemático capaz de conferir claridade e

ordem, lógica e sistema, à planta de uma cidade. Logo, seria um teórico e filósofo do

conjunto de ideias já correntes no ambiente da época. Estas normas estéticas e

matemáticas, também filosóficas, costumavam oferecer ruas com orientação de

acordo com o sol e direção predominante de ventos, além de introduzir uma

monumentalidade e certa preocupação pela harmonia e proporções do todo e suas

178

partes, seguindo certas teorias baseadas nos números e relações com o corpo

humano, em que seus membros possuíssem partes fixas, determinados por fórmulas

matemático-religiosas de origem pitagóricas (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Segundo Bovo (2006a) o urbanismo fundado até o final do século V a.C. por

Hipodamo, baseou-se também em estudos sociológicos relativos às distinções e às

várias exigências da população, características que envolviam o tipo de trabalho e a

vinculação de uma categoria social, que determinavam padrões ou modelos

urbanísticos:

Ele [Hipodamo] considerava perfeita uma comunidade de não mais de 10.000 habitantes – dividida nas categorias de camponeses, artesãos e soldados – à qual correspondia um planejamento urbanístico com uma clara divisão entre áreas públicas, privadas e religiosas. Atribui-se a Hipodamo o plano de divisão da cidade em insulae, quer dizer, em construções delimitadas por ruas que cruzam em ângulo reto, embora esta disposição de edifícios fosse conhecida havia milênios no mundo antigo (BOVO, 2006a, p. 62-3).

Esse planejamento urbano mantinha especial importância no estabelecimento

da ágora quadrangular, local por onde se iniciava a rede viária. As vias estabeleciam

um paralelismo mútuo, sem se preocupar com a natureza do terreno, pois utilizavam

das obras de reforço, muros de contenção e escadas, para cuidar dos acidentes do

terreno. Todos os edifícios gregos mantinham suas proporções matemáticas

englobando estas concepções (Idem, 2006a).

179

Figura 19. O planejamento urbano das cidades coloniais da Magna Grécia se apresentavam bem fundamentados, com grades de ruas mostrando blocos retangulares de casas ao longo

de um plano perpendicular, que foram aperfeiçoadas no século V a.C. por Hipodamo de Mileto (GUZZO, 1997, p. 19).

Bendala Galán (1991) afirma que diversas cidades desfrutaram desse novo

urbanismo prático, e uma das cidades gregas do século V a.C. que oferece melhor

testemunho deste urbanismo foi Olinto, na Península Calcídica, com planta regular e

casas de concepção padronizada. As grandes cidades, como Atenas, tentavam se

adequar a essa planificação, pelo menos aplicavam esse raciocínio nos centros de

maior relevância, como a ágora. Conforme Robertson (1997), mediante a essa

planificação urbana geométrica, as regiões centrais de cidades já existentes quase

não podiam ser alteradas, dificultando a aplicação desta nova planificação. Frente a

essa questão, nota-se também que poucas regiões conseguiram se organizar e se

atualizar antes do período romano.

A forma urbana grega do período helenístico foi essencialmente o resultado da

aplicação de princípios de planejamento para o local de assentamento, e a aceitação

de que o urbanismo constituía-se uma arte prática. O espaço urbano como tal não

teria um valor estético, apenas se encarregaria de situar alguns edifícios em torno de

um espaço, e os edifícios ficariam imersos em um sistema de referências mútuas. Os

arquitetos gregos se dedicavam ao interesse na massa física dos edifícios

considerados individualmente. Assim, surgia o interesse em modelar o espaço, que a

180

partir do século V a.C., se situou na ágora e raramente se aplicava aos templos e

monumentos em uma acrópole (MORRIS, 1984).

As cidades coloniais do mundo helenístico foram construídas, conforme

analisado, segundo o modelo e as regras estritas do urbanismo hipodâmico. O

urbanismo hipodâmico apareceu por volta de 480 a.C., com a tradição ligando-o ao

nome de Hipodamo de Mileto, o filósofo – talvez pitagórico – que pareceu ter

sintetizado estudos anteriores efetuados especialmente nas cidades coloniais. Os

princípios novos estabeleceram dois pontos para aplicação:

1) As ruas cortam-se em ângulos recto, o que produz uma disposição em tabuleiro de xadrez, sem que, aliás, existam dois eixos principais, como virá a ser o caso nas criações romanas;

2) O plano quer-se funcional e reserva, por exemplo, bairros especiais no porto, nos edifícios púbicos, no habitat (LÉVÊQUE, 1987, p. 62).

Desta forma a planta hipodâmica das cidades helenísticas apresentavam vias

retilíneas que se cruzavam entre si, formando quadrículas como uma rede. As casas

se situavam distribuídas em ruas largas e retilíneas, constituindo o traçado de tipo

reticular, que pareciam aludir a um tabuleiro de xadrez ou de damas. No centro se

encontrava a ágora, a praça maior das cidades gregas, onde se localizavam os

principais edifícios públicos; este local se configurava como o coração administrativo,

econômico e social destas cidades.

As cidades fundadas pelo helenismo obedeceram, na maior parte das vezes,

às regras hipodâmicas: com vias ortogonais e plano funcional. Percebe-se que neste

período o urbanismo tornou-se regra. Os planos das cidades coloniais hipodâmicas

helenísticas buscavam sempre se adaptar à paisagem (Idem, 1987). Assim, o novo

espaço urbano de uma cidade regida por esta influência deveria ser adaptado à

paisagem e ao clima, com ruas alinhadas de forma ordenada a grandes perspectivas

cenográficas, centradas nos edifícios mais representativos. Os monumentos mesmo

independentes, formavam parte de um todo, e sua localização determinava seu papel,

por exemplo: num cruzamento de ruas importantes, no centro de uma praça ou ao

fundo de uma rua principal (BOVO, 2006b).

A planta urbana denominada hipodâmica designa a origem do termo que

atualmente serve para aludir a uma cidade ortogonal, regular e reticulada. O modelo

hipodâmico foi propagado no século IV a.C. e, posteriormente, se converteu na

181

configuração geral adotada pelas cidades helenísticas com nova fundação. Apesar

disso, de forma natural, o modelo hipodâmico não se aplicava de um modo uniforme,

pois compreendia variações provenientes das condições especiais de cada uma das

cidades. Muito mais que um planejamento rígido, a planta urbana hipodâmica foi uma

concepção simples de como planejar o cruzamento de vias em ângulos retos e

localizar na área central os edifícios públicos, como o mercado, templos, agorá ou

praça, deixando para a área periférica os edifícios de recreação, como teatros,

estádios e etc. (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Segundo o pouco conhecimento que temos sobre Hipodamo de Mileto,

podemos apontá-lo como aquele que estabeleceu um precedente urbanismo de

cidades planificas, e assim considerá-lo como um dos primeiros a, em um determinado

momento, organizar os elementos que compunham uma nova cidade, sua área

central, a localização das casas, do comércio, de equipamentos culturais e de

descanso, e o limite da muralha defensiva, oferecendo forma a uma entidade urbana

integrada com o planejamento urbano geométrico (MORRIS, 1984).

No século IV a.C. o urbanismo grego continuaria sendo estudado e ainda se

desenvolveria, fato observado por Platão (defensor da cidade agrícola) e Aristóteles

(defensor da cidade comercial e de traçado regular). Uma das estruturas urbanísticas

principalmente desenvolvidas no período helenístico, fora as dedicadas à cenografia

urbana, construídas com terraços. As mudanças do período helenístico trouxeram

para as novas cidades a metodologia hipodâmica, ainda que ampliando a escala em

proporção à época (BENDALA GALÁN, 1991). As soluções urbanísticas do período

não se limitavam ao ideal racionalista do modelo hipodâmico, às vezes os desníveis

do terreno da cidade inspiravam soluções audazes e criativas aos arquitetos,

resoluções estas que ainda hoje nos instigam (BOVO, 2006b).

Mesmo assim, buscava-se regularizar o máximo possível o nível da cidade

fazendo obras de preenchimentos, limpeza, terraplanagem, muros de contenção e

terraços para obter superfícies horizontais. Assim, as cidades coloniais gregas eram

construídas com planejamento de tabuleiro de xadrez sempre que o terreno permitia.

As praças possuíam alpendres e pavimentação, e certas vias também. As ruas e os

espaços públicos das cidades se tornaram maiores e suntuosos, geralmente as vias

maiores possuíam 8 metros e as menores 4 metros. Nas cidades helenísticas,

fundadas após Alexandre, este modelo se ampliou em dimensões referentes à largura

182

das ruas. As estruturas arquitetônicas também se uniam à natureza, compondo a

paisagem urbana (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

As ruas de uma cidade grega eram tão retas quanto o terreno permitia, mas, a menos que a cidade tivesse sido deliberadamente planejada, o traçado exato era determinado pelas características naturais: tipo de terreno, obstáculos, etc. Nas cidades planejadas as ruas eram retas e se cruzavam em ângulo reto. Qualquer que fosse seu alinhamento, porém, cercavam ou um edifício individual ou um bloco contínuo de casas (LAWRENCE, 1998, p. 60).

As cidades apresentavam geralmente uma praça central, senado, templos,

teatro, lojas, residências, bibliotecas, parques, jardins, e palácios. A arquitetura dos

edifícios encontrados nestas cidades se manifestava em elementos desde o dórico e

jônico até o coríntio – presente, como vimos, principalmente no período helenístico

(BOWRA, 1969). Nesta nova concepção de espaço urbano se destacariam os

elementos decorativos e ao mesmo tempo funcionais, como as fachadas dos edifícios,

os pórticos, as escadas exteriores, etc. Ao combinar elementos da síntese

arquitetônica tradicional, obtinha-se soluções inéditas, como praças, altares

monumentais, ginásios, bibliotecas e palestras, em que podiam aparecer o pórtico

típico do helenismo. Os arquitetos tinham incumbência de atender lugares de culto

público e toda a cidade com os distintos componentes oferecidos pela arquitetura

(BOVO, 2006b).

Além das construções de edifícios públicos e privados, engenheiros e

arquitetos se encaregavam da construção de uma rede de serviços que permitiam o

abastecimento de água de poços e cisternas, que através de seu fluxo de águas,

usado em tubos e calhas, drenavam os esgotos, mantendo o pleno funcionamento da

cidade. Também realizava-se a pavimentação de ruas firmes, que incluíam a

construção de calçadas. No plano doméstico, nota-se que primeiramente os planos

das casas do período arcaico eram bastante simples: de formas retangulares, casas

rodeadas por um quintal ou jardim – onde ficavam instalados os jarros usados para

armazenamento de alimentos, o galpão de ferramentas e sumidouros (GUZZO, 1997)

–; posteriormente, as residências apresentavam uma só planta, duas em casos

excepcionais, ou mais nas grandes metrópoles (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

O centro de cada casa era ocupado por um pátio, com uma galeria ou colunata ao longo de um dos lados pelo menos; os quartos,

183

que ficavam entre o pátio e a parede externa, permaneceram relativamente pequenos, mesmo até o século IV [a.C.]. Com o passar do tempo, o tamanho dos quartos aumentou e a qualidade dos materiais de construção melhorou, conferindo-se melhor elaboração aos pisos de mosaico e às decorações murais. O plano, contudo, permaneceu essencialmente inalterado, embora o pátio apresentasse, com freqüência, colunatas dos quatro lados. Devido a essa concentração no pátio, a aparência externa das casas pode ter tido pouco ou nenhum interesse arquitetônico, a não ser que tivesse escala palaciana (LAWRENCE, 1998, p. 60).

No século V a.C. os edifícios simétricos e de grandes proporções já

antecipavam a visão romana. Um traço típico da época do helenismo foi a tendência

ao gigantismo, ao monumento imponente e impressionante, aspectos que também

seriam explorados pelos arquitetos romanos. Os testemunhos arquitetônicos

helenísticos mostram a qualidade das obras artísticas e o caráter inovador e dinâmico

das ideias deste período. A arte influenciou todos os domínios da sociedade,

ocupando-se do público e do privado, convertendo-se em objeto cotidiano, ditando

gostos e o regulamentando com modalidades originais (BOVO, 2006b).

O período helenístico optou por desenvolver tradições mais simples, do ideal

do planejamento axial e da simetria mecânica, em relação à subsequente arquitetura

romana. Tais modelos helênicos de construções se encontravam bem difundidos na

Itália antes do estabelecimento do Império romano, implícitos na planta do templo

etrusco, onde tudo era sacrificado em nome da fachada, as ideias encontravam suas

expressões mais acabadas em obras como as termas e fóruns imperiais, onde a

prática italiana foi reforçada pela concentração de poder e pelas tradições teocráticas

do Egito e Oriente (ROBERTSON, 1997).

A partir de Alexandre Magno, muitas cidades foram refundadas em locais com

grandes possibilidades de defesa e, em sua maioria, possuíam planificação

hipodamiana. Observa-se que existia uma consonância nas características das

cidades com planificações geométricas, visto que estavam de acordo com os métodos

hipodâmicos. Desta forma, Hipodamo de Mileto foi o primeiro arquiteto grego a

conceber um planejamento urbano geométrico da estrutura de uma cidade, a partir de

um ponto de vista que privilegiava a funcionalidade, e onde o plano configurava-se em

forma de tabuleiro de xadrez que refletia as divisões lógicas e matemáticas da época.

Hipodamo foi o introdutor de uma planificação apoiada em ruas principais largas que

se cruzavam em ângulos retos (Idem, 1997). Tanto a forma do urbanismo, como da

184

arquitetura e da arte helenísticas, marcariam profundamente o mundo romano (BOVO,

2006b).

4.1.3 Influências etruscas e gregas: Inovações romanas

No Oriente grego a planta hipodâmica teve uma repercussão considerável,

favorecida pelas fundações dos monarcas helenísticos. Do mesmo modo, as novas

ideias urbanísticas de planta ortogonal hipodâmica também passaram para a área

Ocidental do mundo grego, nas cidades coloniais da Sicília e Magna Grécia (GARCÍA

Y BELLIDO, 2009). A civilização etrusca configurou-se muito marcada por elementos

importados da cultura grega devido seus fortes laços comerciais com os mercados da

Magna Grécia (STIERLIN, 1997).

Aos etruscos são atribuídas características originais dentro da visão do período

da Antiguidade. A absorção cultural do Oriente Próximo transformou o

desenvolvimento das cidades da Península Itálica, já no século VIII a.C. misturavam-

se elementos etruscos, romanos e gregos. No século VI a.C. estas cidades formavam

uma confederação, sob um santuário nacional aos moldes dos gregos

contemporâneos. A evidente influência grega se estabeleceu no século V a.C. devido

ao crescimento das cidades coloniais gregas localizadas ao sul da Etrúria, que lhe

infligiram o comércio (MARTÍN, 1992).

O domínio marítimo grego aconteceu junto à expansão territorial de Roma, esta

última detentora de poder econômico e político que propiciaria a anexação do território

etrusco ao romano, com sua conquista no século IV a.C. A cultura etrusca muito

periférica, mas com personalidade própria e intensa influência grega, logo se

incorporou à romana (Idem, 1992). Entre o período dos séculos VII a.C. e III a.C. se

difundiu na Etrúria, já submetida à hegemonia romana, o ornamentalismo

orientalizante, onde se verificou uma ruptura com o passado e uma progressiva

helenização geral da Itália, emanada por Roma, rumo a formar uma unidade da cultura

etrusco-latina (STACCIOLI, 1991).

Tal aspecto da helenização peninsular indicaria a semelhança na base

organizacional da civilização etrusca e grega: cidade soberana, murada e

autossuficiente. Na Etrúria o espaço natural, ritualmente escolhido e localizado,

permitia que as cidades apresentassem alinhamento nas ruas, delimitação ao espaço

185

religioso, especificação para os ambientes das necrópoles e as relações territoriais;

esses limites urbanos, herança etrusca, foram integrados a Roma e que portanto, mais

tarde, seriam disseminados por toda a cultura ocidental europeia. A colonização

etrusca seguiu modelos espaciais de assentamentos urbanos e agrícolas: escolha da

malha retangular como traçado regulador de ruas e caminhos de toda a fundação

(MARTÍN, 1992).

No início do desenvolvimento do território etrusco, seu crescimento apresentou-

se orgânico devido às necessidades topográficas de defesa. As ruas das cidades mais

antigas se ajeitavam com traçados sinuosos e irregulares, junto também às

necrópoles com distribuição anárquicas. Entretanto nos locais de colonização etrusca,

os terrenos eram abertos e amplos, traçados por esquadro e cordel, e o território

oferecia traçado quadricular, próximos aos conhecidos como hipodâmicos.

Igualmente pode-se supor que a repartição das extensas propriedades agrícolas

romanas buscasse nessa experiência sua origem (Idem, 1992).

Stierlin (1997) também afirma que os etruscos, por formarem uma civilização

genuína, tiveram forte influência grega devido aos profundos laços comerciais com a

Grécia e a Magna Grécia. Assim, as artes etruscas e romanas foram com o tempo

absorvendo o modelo grego, da arte helênica. Diversos foram os elementos culturais

etruscos inspirados na arte grega, assim como o planejamento retilíneo de suas

cidades do século IV a.C., a exemplo de Hipodamo de Mileto. Torna-se provável que

a influência grega só não foi maior na Península Itálica devido à resistência imposta

pelas tribos localizadas mais ao norte das colônias magno-gregas.

Assim como plantas retilíneas de cidades do século IV a.C. se espalhavam pelo

mundo antigo, a influência de Hipodamo de Mileto se fazia presente na Península

Itálica, onde como por exemplo, projetou a colônia grega de Turi, situada na Magna

Grécia (ROBERTSON, 1997; STIERLIN, 1997). Tais cidades que evocam as ideias

formuladas por Hipodamo também se manifestaram na urbanização etrusca, onde

podemos encontrar estruturas urbanas traçadas com regularidade, com cruzamento

de ruas em ângulo reto, vias amplas e casas alinhadas ao longo dos seus dois lados.

Estas cidades caracterizadas segundo um plano regulador, conjugavam os esquemas

urbanísticos gregos com as exigências etruscas (STACCIOLI, 1991).

O mundo romano seria então marcado pela influência grega e também pelas

características provenientes das tribos itálicas, juntas e combinadas com influências

externas das colônias helênicas (STIERLIN, 1997). Em algumas cidades antigas

186

podemos perceber antecedentes helenísticos, como o exemplo dos alpendres e as

inovações de época romana em cidades de última etapa, que apresentam ruas

portificadas e praças redondas ou elípticas. Mesmo assim, o que menos variou nestas

cidades antigas foram suas plantas urbanas, uma marca helenística que permaneceu

bem fixa (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

A influência etrusca pode ter sido considerável no urbanismo romano, mas a

supremacia parece pertencer a Grécia. Como analisamos, nos séculos VI a.C. e V

a.C., juntamente com o sistema ortogonal simples, oriundo do Oriente, surge o plano

em quadrados, per strigas. O nome de Hipodamo de Mileto constitui-se sobretudo

como um símbolo, o arquiteto conseguiu transformar em teoria um sistema

preexistente, dedicando especial atenção ao caráter monumental e aos efeitos

cenográficos. Certas cidades romanas derivam do tipo hipodâmico, com insulae de

uma iugera por duas ou mais (GRIMAL, 1988). A arquitetura militar itálica recorreu às

técnicas de construção derivadas dos gregos e serviu de modelo às primeiras cidades

romanas, em padrão de grelha (STIERLIN, 1997).

Analisando casos conhecidos de cidades itálicas com planta regular podemos

apontá-las como de criação autóctone ou sustentar – atualmente uma ideia mais

aceita – que receberam influências dos gregos vindos da Grécia e de suas colônias

ao sul da Itália e Sicília. Algumas cidades, do século V a.C., como Cápua e Marzabotto

apresentam planejamento regular com base de dois eixos ortogonais que se cruzavam

ao centro, como o kardo e o decumanus dos acampamentos romanos. No século IV

a.C. a cidade de Óstia apresentava, em seu urbanismo, um primitivo castrum, um

retângulo dividido em quartéis por duas vias que se cruzavam, já indicando a

introdução do modelo de acampamento romano que haveria de nascer nas guerras

do século III a.C. (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

A criação de cidades romanas permitiu o surgimento de variantes, relacionadas

com o tipo de castrum ou acampamento militar frequente na origem das colônias

romanas (GRIMAL, 1988). Este modelo de cidade se dividia em quatro grandes

quartéis ou bairros pelo cruzamento de duas artérias verticais entre si, mais amplas

que as demais vias, padronizando a rede viária menor. Esse fator, se supõe como

uma influência direta romana, uma vez que toda fundação urbana romana recebia

este preceito (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Procedente ou não, tais vias, conhecidas como kardo e decumanus maximus,

constituíam-se como uma solução urbanística lógica, com eixos principais de mesma

187

simetria que se acentuavam e se cruzavam no centro do assentamento, permitindo

valorizar e monumentalizar a cidade, através de quatro portas abertas pelos quatros

pontos finais das duas vias principais, formando o tetrapylon. As grandes ruas retas e

largas tinham como plano de fundo colunas isoladas nos cruzamentos das ruas, as

nymphaia ou fontes monumentais como elemento urbano decorativo (GARCÍA Y

BELLIDO, 2009).

Diferentemente das cidades-mães gregas descentralizadas, a disciplina militar

e política romana permitiram que seu urbanismo se aproximasse do planejamento

urbano hipodâmico das cidades coloniais gregas, ordenando suas habitações em

volta de um fórum – o centro político da cidade –, situado no cruzamento dos eixos

principais (GRIMAL, 1988). A cidade romana conservaria esta estrutura, com o fórum

equivalente à ágora grega, com os edifícios públicos no centro da cidade e também

com ruas em um traçado retilíneo, considerando que a diferença das cidades gregas

para a cidade romana estaria na divisão por duas grandes avenidas principais, o kardo

maximus e decumanus maximus. Na intersecção entre estas duas grandes avenidas

era onde se dispunha o fórum, a praça maior dos romanos e o centro político-

administrativo, comercial e também social, pois igual às cidades gregas, constituíam-

se como locais em que confluíam todo o mundo. Posteriormente, as praças públicas

retangulares ou quadradas foram sendo preferidas pelas redondas ou ovaladas, com

a arte urbana monumental de forte repercussão em Roma e na Idade Moderna

(GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Desta forma, podemos constatar que na Antiguidade, em época de hegemonia

romana, existiram dois tipos de urbanismo empregado nas cidades: o hipodâmico,

ortogonal, e o etrusco-itálico, também ortogonal, porém com a particularidade de ser

orientado por duas vias principais: o kardo e o decumanus (ROBERTSON, 1997). Esta

disposição urbana em duas vias principais podia ser encontrada nos acampamentos

militares romanos, mesmo assim, não apenas este exemplo determinaria sua adoção

pelos fundadores das cidades coloniais romanas (GRIMAL, 1988).

Provavelmente, as suas origens situam-se no urbanismo oriental, do qual nasceu o sistema hipodamiano e se espalhou pela Itália por intermédio dos Etruscos e a exemplo das colônias helênicas da Magna Grécia e da Sicília. É possível que este plano geométrico, sistematizado por Hipódamo de Mileto, casasse bem com certas práticas itálicas, particularmente com a orientação das cidades segundo os pontos cardeais – na medida em que cada cidade, cada

188

assembleia humana sujeita ao olhar dos deuses se deve reunir num templum (GRIMAL, 1988, p. 267).

Os assentamentos urbanos seguiam a linha de Hipodamo de Mileto, que

introduziu a urbanização baseada em uma planificação geométrica apoiada em ruas

principais largas que se cruzavam em ângulos retos. Os planejamentos urbanos

primitivos na Itália, com traçados geométricos, eram conhecidos como terremare na

Idade do Bronze, sendo este tipo de planejamento também aplicado nas cidades

etruscas (ROBERTSON, 1997). A orientação do kardo e do decumanus, e uma

preferência por uma muralha quadrada, demonstram uma certa origem nas terremare,

mas principalmente apontam uma provável influência augural nos ritos de fundação

etrusca, e no próprio urbanismo de exemplos italianos fornecidos a partir do século VI

a.C. pelas colônias gregas do sul da península (GRIMAL, 1988).

Assim, em Roma, a evolução urbana instauraria um novo plano regulador

(Idem, 1988). Segundo Robertson (1997), ao longo do tempo no Ocidente, a

urbanização se transformaria com a influência da planificação romana, que surgiu

inicialmente com sua expansão territorial e se distinguiu com seus acampamentos

militares; assim como aconteceu inicialmente com as colônias gregas, o urbanismo

antigo mais uma vez seria desenvolvido nas colônias romanas:

Não há dúvidas de que um sistema de duas vias principais que se entrecruzavam, orientadas nos sentidos norte-sul e leste-oeste, e inscritas em uma área murada quadrada ou retangular era tradicional nos acampamentos militares e fortalezas romanas, e que diversas cidades romanas se desenvolveram a partir de tais assentamentos. [...] ...novas cidades segundo esse traçado, que possuía um caráter religioso e provavelmente se originara na Etrúria... [...] A via principal no sentido norte-sul recebia o nome de cardo, e a via principal no sentido leste-oeste, decumano um espaço vazio, ou pomérico, de largura predeterminada, separava das muralhas as casas mais periféricas. Nos acampamentos, o pretório ou quartel-general, que dominava o todo, situava-se nas proximidades do cruzamento central, e bloqueava um dos acessos principais (ROBERTSON, 1997, p. 221-2).

O cruzamento de kardo e decumanus proporcionaram às cidades italianas

direcioná-las de forma a se centralizarem, e o planejamento axial, que se encontrava

explícito nas plantas dos templos etruscos, permitia sujeitar tudo para realçar a

fachada. No período do Império, diversos acampamentos romanos apresentavam

características de cidades, e se destacavam por possuírem kardo e decumanus. Estas

189

cidades foram projetadas por quadrados ou retângulos murados, porém quando se

expandiam de forma aleatória, posteriormente eram cercadas por muralhas de traçado

irregular. Já em toda a Grécia, a planificação grega se desenvolvia por esquemas que

variavam em algumas características de cidade para cidade, contudo, seguiam com a

urbanização geométrica de Hipodamo, mas sem sanção especial aplicada pela

tradição (ROBERTSON, 1997).

A questão da urbanização das cidades antigas não apresenta consenso sobre

influências de relação entre planificação romana e a planificação grega – difundida

por Hipodamo –, pois são, como vimos, muito parecidas, mas também podem ter

surgido como criações de inspirações autênticas e independentes. Mesmo assim,

torna-se provável que os traçados gregos e italianos, bastante parecidos, mantiveram

em origem finalidades e intenções semelhantes, planejados principalmente para

promover uma partição igualitária dos novos sítios urbanos, embora o cruzamento do

kardo e decumanus tenham apressado esse interesse, emprestando às novas cidades

italianas um impulso inicial em direção à centralização e ao planejamento axial (Idem,

1997).

Interessante notar que tais configurações itálicas apontam que os gregos do

período clássico não subordinavam suas ruas ou mercados aos edifícios dominantes,

axialmente localizados, visto que para eles cada edifício era um fim em si, sendo belo

e acessível, não pretendiam vistas panorâmicas e efeitos centralizadores. Contudo,

tais efeitos não conseguiriam ser praticados nas antigas cidades espontâneas da

Grécia pré-helenística. A difusão do plano regular atribuído a Hipodamo começaria a

mudar esta realidade, apostando em um urbanismo cenográfico (Ibidem, 1997).

As planificações gregas e italianas configuraram-se semelhantes. Mas se

avaliarmos que o sistema que orientava o planejamento urbano romano adicionou em

sua base dois eixos perpendiculares que formavam ângulos retos, o kardo – em

direção norte-sul – e o decumanus – em sentido leste-oeste –, os quais se cruzavam

ao centro, onde ficava o fórum, e que o plano regular em grelha, atribuído a Hipodamo

de Mileto, apresentava-se muito mais antigo, verificaremos que este sistema de

organização na perpendicular derivava do planejamento urbano retilíneo de Hipodamo

e/ou da cidade etrusca – já bastante influenciada pelo contato com a Magna Grécia.

Possivelmente, a conjunção desses dois urbanismos influenciou e gerou a disposição

adotada posteriormente nos acampamentos militares romanos. Sendo assim, o

190

modelo urbano difundido e utilizado pelos gregos seria em essência o adotado pelo

Império romano com algumas adições (STIERLIN, 1997).

4.2 ACAMPAMENTOS ROMANOS E CIDADES CASTRENSES

Apesar das ruas principais de Roma revelarem-se bem evidentes no sítio, o

planejamento urbano da cidade de Roma não se formou sob o sistema de unidades

dispostas em ângulo reto, justamente devido às antigas cidades-mães itálicas e

também antigas cidades-mães gregas, em seus primórdios, caracterizarem-se pela

urbe em constante desenvolvimento sem ordenamento específico, modelada

conforme o crescimento da população e, consequentemente, com suas cabanas

dispostas desordenadamente. O planejamento urbano desenvolvido e aplicado na

Antiguidade foi utilizado principalmente com os fenômenos de colonização greco-

romana, nas fundações de cidades novas, geralmente construídas com pressa,

baseado em programas de concepções militares ou econômicas (Idem, 1997).

Assim como as numerosas cidades gregas foram sistematicamente planejadas

no período pós-hipodâmico, as cidades provinciais romanas também se configuraram

formalmente reguladas. Os engenheiros romanos adotaram traçados de planejamento

simples para os assentamentos urbanos das provinciais. Para Roma impor e manter

sua autoridade em todo o seu vasto império, os romanos estabeleceram princípios

básicos que foram colocados em prática no urbanismo romano, edificando numerosos

e fortificados acampamentos de legionários denominados de castra. Muitos

acampamentos existiram apenas como centros de aprovisionamento para atividades

militares locais, que assim deviam funcionar em tempo mínimo, mas seguindo

estritamente as normas aplicadas da castrametação – arte de traçar acampamentos

militares –, sempre traçados segundo um modelo de retícula dentro de um perímetro

defensivo, retilíneo e predeterminado (MORRIS, 1984).

191

Figura 20. Modelo simples de uma planta de um castrum romano com suas vias principais e

portas de acesso (MORRIS, 1984, p. 59).

Embora muitos acampamentos militares ou castra fossem provisionais, um

grande número deles formara a base de cidades permanentes. Também, outras

cidades foram fundadas por razões econômicas e políticas. Os assentamentos

urbanos permanentes, tanto se desenvolveram através de um acampamento, como

tiveram sua origem seguida de outros fins, contudo, ambos foram dotados dos

mesmos planos, simples e normalizados do urbanismo romano (Idem, 1984). A

construção de acampamentos militares permanentes garantia o domínio romano

sobre os territórios conquistados. Frente a isto, após as conquistas, muitos

acampamentos transformaram-se em importantes cidades do Império romano. Para a

manutenção da paz e segurança, os romanos investiam em uma cidade bem

planejada, como seus acampamentos militares (MACAULAY, 1989).

O historiador grego Políbio, que viveu por cerca de 203 a.C. a 120 a.C.,

conviveu muitos anos com os romanos e nos legou um importante estudo detalhado

sobre os acampamentos militares. Em sua descrição, todo o acampamento romano

era construído segundo um mesmo modelo, embora acidentes naturais fizessem parte

do acampamento, geralmente era levantado em um local plano, constituído como uma

fortaleza, sem rios e penhascos que ajudassem na defesa. Os acampamentos

romanos tinham função mais ofensiva que defensiva, pois se tratavam de quartéis

para as tropas e também funcionavam como bases de abastecimento para exércitos,

muito dependentes da mobilidade (MORRIS, 1984).

192

O acampamento romano era montado para conter duas legiões com tropas

aliadas, a cavalaria e os corpos especiais. Segundo Políbio, as dimensões e as

condições – efetivo e situação geográfica – do acampamento podiam variar, contudo

os princípios gerais se mantinham, e nesta disposição do campo podemos encontrar

a origem da arquitetura militar romana do Império. Optava-se por um local elevado

para evitar um ataque surpresa, com água nas proximidades e campos para

alimentação dos cavalos (GRIMAL, 1988). A facilidade de acesso era fundamental

para sua localização, em lugar de colinas isoladas e de fácil defesa, os romanos

preferiam instalar os acampamentos em travessias de rios e cruzamentos de estradas.

As cidades que se desenvolveram a partir destes castra, situados em locais

favoráveis, são os que com maior frequência sobreviveram ao longo dos séculos

(MORRIS, 1984).

Após as cerimônias de fundação, os soldados assentavam um acampamento

militar ou castrum. Os legionários demarcavam um espaço com perímetro geralmente

quadrado ou retangular, cavando um fosso de proteção e erguendo uma paliçada ao

redor do acampamento. Em seguida, dentro do perímetro, traçava-se as duas ruas

principais, de norte a sul, a principalis ou o kardo, e de leste a oeste, o decumanus,

ambas alargadas e prolongadas. Estas vias se cruzavam em ângulo reto e em suas

esquinas, formada pela intersecção do decumanus e principalis, consistia em um

terreno alongado e descoberto, que indicava o centro do castrum, equivalente ao

fórum da cidade, onde os soldados se reuniam para receber as ordens. Em um ponto

deste espaço estava localizado o praetorium ou alojamento do comandante, e o

restante do castrum era ocupado pelas fieiras de instalações que abrigavam os

soldados e os demais (MACAULAY, 1989). A partir do ponto do praetorium ou tenda

do general, se distribuía o conjunto castrense segundo as regras fixas do urbanismo

romano (GRIMAL, 1988).

Começava por se traçar o praetorium: um quadrado de 60 metros de lado, depois desenhavam-se duas grandes vias perpendiculares, que se cruzavam à frente do praetorium. Uma destas vias, orientada de norte para sul, chamava-se via principalis; correspondia ao cardo das cidades fundadas ritualmente. A outra era o decumanus maximus e o seu traçado teórico prolongava, para leste e oeste, o eixo do praetorium. A via principalis conduzia às portas principais direita e esquerda, o decumanus maximus à porta praetoria (porta do general) voltada para leste, e à porta decumana (porta decúmana) aberta a ocidente (Idem, 1988, p. 121).

193

As duas vias principais que se cruzavam formavam a base da estrutura viária:

o decumanus, atravessava o centro do assentamento castrense, e a via principalis

cortava ortogonalmente o decumanus em duas partes a partir do ponto médio de um

dos seus lados. Ruas secundárias completavam o traçado em grelha – conforme o

planejamento hipodâmico – e formavam as quadras dos quartéis (MORRIS, 1984). O

traçado do acampamento era muito semelhante ao do templum urbano, entretanto, na

prática, a disposição do terreno comandava a orientação (GRIMAL, 1988).

Figura 21. A planta de um acampamento romano típico (castro) era formada por um cercado retangular, com quatro portas em cada parte que ligava-as ao centro pelas

principais ruas: principalis e decumanus. Ao centro estava o pretório do general, ao redor organizava-se o restante do acampamento (STIERLIN, 1997, p. 48).

Após determinar os eixos do acampamento se distribuía as diferentes unidades

militares pelo espaço. Os oficiais se instalavam ao longo da via principalis, todo o

ambiente entre esta via e a porta pretoriana era destinado às tropas legionárias e aos

aliados, suas tendas dispunham-se em filas e em ruas secundárias, paralelas ao

decumanus maximus. Os cavaleiros alinhados em esquadrões permaneciam no

decumanus maximus; atrás deles, os triarii ou soldados de infantaria de alta patente;

seguidos dos principes e depois os hastati. As posições mais afastadas do decumanus

maximus e próximas das trincheiras eram ocupadas pelas tropas dos aliados,

cavaleiros e soldados de infantaria (GRIMAL, 1988).

Atrás da via principalis situava-se o bairro dos oficiais, com o praetorium ao

centro, ladeado pelo forum e questorium. Tal forum era uma praça pública em que se

194

realizavam as reuniões. O questorium era o local onde se realizava as distribuições

de víveres e todos os serviços materiais. Em ambos os lados do forum e questorium

acampavam as tropas de elite, cavaleiros, soldados de infantaria e tropas auxiliares.

No acampamento, entre as trincheiras e as primeiras filas de tendas, existia uma

distância de aproximadamente 60 metros, protegendo as tendas do arremesso de

armas inimigas (GRIMAL, 1988).

Figura 22. Planta de acampamento romano especificando sua estrutura e a localização de seus componentes (RATHBONE, 2011, p. 218).

A planta do acampamento se fazia quadrada, com 656 metros de lateral e

guarnecida com um portão. Na parte interior, em cada trecho próximo à muralha,

haviam espaços livres no acampamento para que assim se evitasse que armas

lançadas do exterior alcançassem as tendas dos soldados. A planta do terreno era

195

sempre a mesma com ruas retas e um mercado, com a sede de comando ocupando

sempre o mesmo espaço, ao centro, como o fórum na cidade. As tropas sempre

ocupavam uma localização específica, de forma que um soldado sempre pudesse

encontrar seu alojamento ao termino da construção do acampamento (MORRIS,

1984), além disso, esta facilidade permitia que os soldados sempre soubessem onde

estavam, mesmo quando fossem atacados à noite. Tal familiaridade era tanto, que

Políbio escreveu que quando um exército romano montava acampamento era como

se tivesse voltado para casa (RATHBONE, 2011).

As cidades de origem militar e derivadas de acampamentos militares eram,

segundo o historiador e geógrafo grego Políbio, do mesmo modo como os romanos

planejavam suas cidades civis, também assim, os romanos projetavam e construíam

as cidades militares, os castra. Como nas cidades civis, os castra apresentavam

divisão principal e normativa a partir das ruas principais que se interferiam em cruz:

kardo maximus e decumanus maximus. As cidades nascidas de acampamentos

militares tiveram e conservaram durante muito tempo a marca clara de sua origem

castrense, militar, além de muito parecida com as demais cidades de origem colonial

(GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

4.2.1 Acampamento militar romano transformado em uma cidade

Observa-se que os acampamentos romanos estáveis e fixos, castra stativa,

serviam para alojamento de uma ou mais legiões. Em época imperial, uma legião

contava, teoricamente, com 6000 homens, mas na prática era formada de 4000 a 5000

homens. Os castra fixos atraiam uma significativa população civil que os

acompanhavam, constituindo a chamada cannaba. A cannaba compunha uma variada

população de ambos os gêneros: comerciantes, mercadores, vendedores, prostitutas,

veteranos do exército, esposas, filhos e parentes dos legionários ativos e etc.; além

de pessoas que mantinham os estabelecimentos de banhos, santuários e etc. (Idem,

2009).

Tal população civil e heterogênea era, em muitos casos, maior que a militar do

mesmo acampamento em que viviam, e frequentemente obtinham o status civil com

que regiam, sendo os castros promovidos a municipia e, inclusive, a coloniae. As

ordens militares proibiam os soldados em serviço de contrair matrimônio (iustus

196

connubium), porém se tolerava e permitia que tivessem mulher própria sob o artifício

da chamada focaria, uma espécie de governanta ou cozinheira. De fato a focaria se

tornava a esposa legítima pela lei ao licenciamento do soldado. Posteriormente, a

partir da dinastia dos Severos, o soldado podia formar família ligada à cannaba do

acampamento, tanto que as legiões estáveis passaram a se nutrir com os próprios

filhos dos legionários, os ex castris. Se por qualquer motivo a legião abandonasse o

local, uma significativa parcela da população ocupava o acampamento, convertendo-

o em um núcleo urbano civil (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Como consequência, a nova cidade romana se transformava dentro do molde

da matriz: a exata cópia do acampamento militar. Assim, se criaram direitos e deveres

para os cannabarii, convertendo-os em cidadãos de uma nova cidade. Em virtude das

legiões romanas terem se fixado nas zonas de maior perigo, foram estas áreas que

geraram cidades oriundas de cannabae que se constituíram, no caso da Hispânia, nos

limes interno do norte e oeste da península. Nota-se que também os acampamentos

das unidades auxiliares (alea e cohortes) possuíram suas cannabae e deram lugar a

cidades (Idem, 2009).

4.3 FUNDAÇÃO DE UMA CIDADE COLONIAL ROMANA

A construção de uma cidade romana poderia ser em local virgem ou uma aldeia,

por isso já se podia planejar o tamanho e o número de sua população desde sua

concepção. Os urbanistas se encarregavam da distribuição dos espaços necessários

para as casas, lojas, praças e templos; determinavam as necessidades de água,

número e extensão de ruas, calçadas e esgotos. Estes projetos supririam as

necessidades de toda a população. Uma cidade com superpopulação sobrecarregaria

a rede de sistemas que sustentariam sua população (MACAULAY, 1989).

Um projeto e a arquitetura de uma cidade romana fundada entre III a.C. e II d.C.

seguia um planejamento e construção que atendesse as necessidades de todos seus

habitantes. E esta concepção formava a base de qualquer cidade bem sucedida. Para

iniciar a construção, os geômetras escolhiam o local da nova cidade: um lugar plano,

mas em ligeiro declive, para garantir uma boa drenagem e evitar inundações (Idem,

1989). A fundação de uma colônia se estabelecia por meio de uma fundação ritual por

parte do augure sobre o mundus (PLÁCIDO, 2009).

197

O ritual de fundação de uma cidade colonial, de cidadãos romanos, uma colonia

ciuium romanorum, era presidido por uma consulta de presságios, um sacerdote

romano examinava o fígado de animais capturados na região para determinar se o

local era salubre. Ao constatar que os animais estavam sadios, explorava-se a região

para verificar se não existiam pântanos, assim se agradecia aos deuses e o local no

terreno do sítio era eleito, templum, e confirmado oficialmente para a construção da

nova cidade (GARCÍA Y BELLIDO, 2009; MACAULAY, 1989). Em Vitrúvio podemos

encontrar registros que apontam que a atividade para a fundação de uma cidade

colonial romana compreendia os alicerces da arquitetura, da geometria e outras áreas

do conhecimento, para constituir um diálogo interdisciplinar e então, deste modo,

dispor e escolher o melhor local para fixar o assentamento.

Primeiro, a eleição de um lugar o mais saudável o possível. Ele será alto e não nebuloso, sem geadas e voltado para um quadrante que não seja nem quente nem frio, mas temperado. Depois, a vizinhança de pântanos será evitada (VITRÚVIO, 2007, p. 83).

Os acampamentos fortificados, castra stativa, só eram estabelecidos com

fortificações a partir da imolação e análise das entranhas dos animais que pastavam

junto ao local. Através dos resultados positivos da natureza da água e pastos ingeridos

pelos animais podia-se detectar se o ambiente analisado era suscetível à fundação

de assentamentos permanentes que não viessem a prejudicar os futuros habitantes.

Essa escolha definia a grande preocupação dos antigos em procurar zonas salubres

para fundar uma nova cidade (Idem, 2007).

Após estabelecer os recintos urbanos, templum, de acordo com a regra da

salubridade, da abundância de alimentos, da localização favorável de rios ou

comunicações marítimas, para construções de vias e portos que facilitassem o

transporte, dava-se autorização para erguer as muralhas e torres resistentes em

defesa da cidade (Ibidem, 2007). Um sacerdote com um arado puxado por uma vaca

e um touro traçavam a marcação do sulco ao redor do local do assentamento,

assinalando o perímetro da cidade, um ritual que demarcava o traçado das muralhas

e assegurava a proteção dos deuses. Esta cerimônia era denominada de inauguratio.

Ao redor da cidade, na parte intramuros, dispunham-se estacas em uma faixa de terra

de nove metros de largura, o pomerium. O perímetro ou pomerium, da futura cidade

representava a fronteira sagrada, pois demarcava um lugar habitado e protegido pelos

198

deuses pátrios, portanto, não se sepultava e nem se alojava divindades estranhas

neste ambiente (GARCÍA Y BELLIDO, 2009; MACAULAY, 1989).

Após o rito, inauguratio, se delimitava as partes internas da cidade, limitatio. Os

geômetras faziam o traçado das ruas com um instrumento topográfico, a groma, para

se certificarem de que as vias se cruzariam em ângulos retos. No campo o mesmo

método era utilizado para traçar as estradas e delimitar as propriedades (Idem, 2009;

Idem, 1989). Dentro das muralhas, a cidade se dividia em áreas que se ajustavam

segundo as orientações das praças e das ruas. O traçado do interior da cidade tinha

de estar conformado habilmente à natureza dos ventos, para que não gerassem

ambientes favoráveis à disseminação de doenças. Com o auxílio de um gnômon, que

media a sombra em diferentes partes do dia, se descobria as orientações dos ventos,

permitindo o alinhamento das ruas com as direções dos ventos. Sabendo-se que os

antigos acreditavam em oito ventos importantes, o ordenamento das praças e das

vielas era alinhado pelos ângulos entre duas direções de ventos, a planta dos castra

e das primitivas implantações de cidades romanas revelava-se octogonal. Através

dessa metodologia a força nociva dos ventos se afastava das habitações e das ruas

(VITRÚVIO, 2007).

As cidades romanas podiam se cercar por altas muralhas, com portas

fortificadas nas passagens das duas ruas principais (MACAULAY, 1989). A área

urbana era partida em quatro partes por meio de dois eixos construídos por duas ruas

principais, uma corria de norte a sul, denominada de kardo maximus, e outra, com

curso de leste a oeste, e que cruzava o kardo pelo seu centro, chamada de

decumanus maximus. O local de intersecção das duas ruas se abria uma praça

chamada forum. As ruas principais que despontavam a partir do forum em direção aos

quatro extremos da cidade alcançavam quatro portas, localizadas no centro dos

limites dos quatro lados, de modo que a área pública fosse dividida em quatro

quadrantes iguais. Esta etapa constituía a designada orientatio. Escritores romanos

de agrimensura, os gromatici, estipulavam ao decumanus maximus uns 12 metros de

largura e ao kardo maximus uns 6 metros. Em seguida, se assinalava as ruas

secundárias que se traçavam de forma paralela ao kardo e decumanus. A intersecção

destas ruas resultava na formação das quadras ou insulae da cidade (GARCÍA Y

BELLIDO, 2009).

199

Sempre que o terreno permitia, conferia-se à cidade um plano racional, geométrico: o fórum situava-se no centro na intersecção de duas vias perpendiculares chamadas cardo e decumanus maximus. A primeira, o cardo, estava orientada no sentido norte-sul; a segunda, de oeste para leste. As outras ruas eram traçadas de maneira a desenhar uma quadrícula regular; à volta, a muralha possuía a forma de um rectângulo (GRIMAL, 1988, p. 267).

Assim, se concebia uma cidade regular, de traçado geométrico e significativo,

orientada em sua forma à semelhança de uma rede de ruas em um tabuleiro de xadrez

ou de damas. As quadras ou insulae geralmente se apresentavam quadradas, em

uma divisão por centuriatio (GARCÍA Y BELLIDO, 2009; MACAULAY, 1989);

entretanto, podiam também mostrar formas não tão frequentes, como as retangulares.

Neste último caso, quando as insulae retangulares tinham seus lados mais longos

paralelos ao kardo maximus (norte a sul), esta disposição se denominada de per

strigas; quando os lados mais longos eram paralelos ao decumanus maximus (leste a

oeste) se designava de per scamma (Idem, 2009).

Estes constituíram-se os procedimentos ordinários sob circunstancias normais

de uma cidade, contudo a natureza do terreno e outras contingências podiam fazer

variar a orientatio como a limitatio, o que provocava certas adaptações na planta da

cidade, apresentando-se então não muito regular e esquemática como as normas

romanas estabelecidas. Em alguns casos a orientação do kardo não se mostrava

rigorosamente norte a sul como a regra; em outros, as vezes o reticulado formado

pelo cruzamento das ruas decumanas e cardinais davam lugar a insulae desiguais;

também, nem sempre o perímetro das fundações urbanas formava um quadrado ou

retângulo regulares, como o caso de Emerita Augusta (Mérida), apresentando-se mais

ou menos irregulares; também percebe-se que ocorriam fundações criadas a partir de

cidades preexistentes, onde se impunha adaptações forçadas ao velho núcleo urbano

(Ibidem, 2009).

Observa-se que se conhece a presença de agrimensores, agrupados em

colégios, encarregados de estabelecer a distribuição do território entre os colonos,

sobre a base das centúrias, unidades de censo com medidas uniformes e orientação

geométrica, o que introduz uma imagem equilibrada em relação com a propriedade, e

racial enquanto a ordenação do território. Os agrimensores eram encarregados de

estabelecer o território da colônia segundo critérios geométricos que buscavam

racionalizar a produção e criar sistemas de conveniência equilibrados, como se

200

recuperam os equilíbrios sociais das comunidades agrárias primitivas. A pertica servia

de eixo central para lograr a distribuição geométrica do espaço, chamada forma.

Todas essas informações permaneceram arquivadas nos livros dos antigos

agrimensores (PLÁCIDO, 2009).

Com as formas da cidade já constituídas, com vielas e praças distribuídas,

seguia-se a construção e conclusão de espaços de utilidade pública e interesse

comum. A escolha de áreas para os templos sagrados, fóruns e demais espaços:

Se o recinto fortificado se encontrar junto ao mar, a zona onde se implantará o foro deverá ser escolhida próximo do porto; mas, se estiver no meio das terras, deverá ser implantado no meio do ópido (VITRÚVIO, 2007, p. 104).

A última etapa do ritual de fundação do novo assentamento se referia à

consagração da cidade criada, onde o Pontifex ou sacerdote oferecia sacrifício para

as três divindades capitolinas e máximas do panteão romano: Júpiter, Juno e Minerva

(GARCÍA Y BELLIDO, 2009). Para tanto, percebe-se o urbanismo de César, retomado

segundo os mesmos princípios de Augusto, que estivera em origem no urbanismo

imperial. Assentada em uma concepção mais ideológica do que material, a cidade

constituía-se não apenas como um conjunto de edifícios reunidos ao longo do tempo,

mas também como um ser espiritual, com seu centro místico, o Capitólio. Dentro deste

quadro, os modelos urbanos helenísticos podiam ser modificados e adaptados ao

sistema ideológico da cidade romana, uma entidade material e espiritual. Assim,

nascia um tipo urbano que se desenvolveu por todo Império, pelo menos nas regiões

onde não preexistia um urbanismo grego (GRIMAL, 2011). Os templos seguiam

alguns critérios de construção de acordo com os deuses e seus atributos:

Quanto aos templos sagrados dos deuses, considerados a mais

alta tutela da cidade, Júpiter, Juno e Minerva, devem lhes ser atribuídas zonas no lugar mais elevado, de onde se possa observar a maior extensão do recinto fortificado. No que diz respeito a Mercúrio, no foro; ou, então, como a Ísis e a Serápis, no empório; a Apolo e ao deus Líbero, junto do teatro; a Hércules, naquelas cidades onde não há ginásios nem anfiteatros, junto do circo, a Marte fora da urbe, mas junto de um terreno plano; do mesmo modo, a Vênus, junto do porto. [...] Igualmente, para Ceres será fora da urbe, num lugar aonde ninguém vá com freqüência, a não ser quando necessário para o sacrifício; esse lugar deverá ser honrado com uma consciência piedosa e pureza de costumes. Aos restantes deuses, deverão ser distribuídos locais de recintos sagrados adaptados às especificidades dos seus sacrifícios (VITRÚVIO, 2007, p. 104-5).

201

As cidades provinciais romanas do Ocidente eram fundadas à imagem de

Roma, adotando edifícios e espaços característicos da metrópole. Assim, como Roma

nascera ao redor de um forum, também bastava um forum para formar uma cidade

romana, a partir de então se desenvolvia a prática da justiça e do comércio no

mercado, fixação de residências e formação de instituições semelhantes às da

metrópole (GRIMAL, 1988). Entre os significativos edifícios construídos estavam um

Capitólio, sede da religião oficial e símbolo da unidade do Império; uma cúria,

destinada às reuniões dos decuriões (Senado local); uma praça, em redor da qual se

erguiam edifícios públicos, desempenhando o papel do fórum e orlada de uma ou mais

basílicas, que serviam para as transações comerciais, local de encontro, e por vezes

de tribunal (Idem, 2011). Além dos urbanistas reservarem locais para instalações de

um fórum, futuro centro administrativo e religioso da cidade, também concebiam

espaços para chafarizes públicos, aquedutos – para fornecimento de água –, um

mercado central, banhos públicos e sanitários, e edifícios de espetáculos que

deveriam servir a todos (MACAULAY, 1989).

A altura de construções particulares não poderiam ultrapassar o dobro da

largura das ruas em que se encontrassem, para desta forma as vias permanecerem

ensolaradas. As ruas principais contavam com pórticos acima das calçadas, para o

conforto e proteção dos pedestres. Cada insula deixada vazia pelo projeto urbano

deveria ser preenchida por construções de todos os tamanhos, e cortada por ruas

secundárias e passagens estreitas. Algumas insulae se destinavam aos particulares,

soldados, comerciantes e camponeses. Geralmente a terra era doada aos colonos,

porém as construções de suas casas ficavam ao encargo de cada proprietário (Idem,

1989).

202

Figura 23. Ilustração de uma típica insula romana (MACAULAY, 1989, p. 14).

A planta de uma casa romana apresentava muitos cômodos, geralmente com

dois maiores que os demais: o primeiro, na parte da frente da casa, era o atrium, que

se comunicava com a rua por uma passagem estreita; o segundo, na parte detrás, era

o peristilo, um jardim cercado por uma colunata. Na maioria das vezes a sala de jantar,

a biblioteca, a cozinha e a despensa se conectavam ao atrium, enquanto os quartos

e as acomodações dos criados se encontravam no andar superior. No atrium, a

claridade entrava por uma abertura quadrada no teto, sob esta estrutura, o

compluvium, se situava o reservatório pouco profundo, o impluvium. Tanto o atrium e

o peristilo apresentavam mosaicos junto ao chão, que compunham desenhos

geométricos. As casas eram encostadas umas nas outras e com janelas pequenas

apenas nas fachadas. Para iluminar os cômodos, as paredes eram recobertas de

pinturas coloridas de cenas de animais, plantas ou imitando janelas. Algumas casas

se transformaram em grandes edifícios, contudo permaneciam dentro dos limites

estabelecidos pelas normas de altura. Assim como nas casas, os apartamentos

desses prédios eram dispostos ao reder de um poço de luz (Idem, 1989).

As estrada e pontes ficavam prontas antes que se iniciasse a construção da

cidade. Os geômetras estaqueavam uma estrada para, em seguida, cavar uma valeta

de cada lado, onde uma fileira de blocos formaria a borda da calçada. Depois cavava-

203

se uma valeta mais profunda entre as duas bordas que era preenchida por camadas

de pedras menores. A camada superior formava o revestimento da estrada, levemente

convexa no centro para o escoamento da água da chuva em direção às valetas. A

junção das pedras planas formava a calçada, e as fendas eram preenchidas com

pedras menores (MACAULAY, 1989).

Após a realização destes organismos, construía-se a muralha da cidade e

torres de vigia para reforçar a proteção. Uma porta da cidade geralmente possuía três

passagens em arcos, uma para a estrada ao meio, e duas para pedestres nas laterais;

as portas da cidade eram fechadas por pesadas portas de madeira e grades,

recobertas por placas de bronze. Depois de resolvidas as questões de proteção da

cidade, escolhia-se o melhor traçado para os aquedutos, que de início ao fim deveriam

ter uma inclinação contínua para assegurar a circulação da água. Os aquedutos eram

erguidos por cerca de 15 metros de altura, repousando sobre fileiras de arcos

construídos sobre altos pilares apoiados em alicerces (Idem, 1989).

Como analisamos, as primeiras ruas construídas nas cidades eram o kardo e o

decumanus, depois as outras vias à medida que os bairros correspondentes se

desenvolviam. A construção das ruas era acompanhada, ao mesmo tempo, das

calçadas, que permaneciam em média a 45 centímetros acima das vias para

impedirem que veículos subissem nelas acidentalmente. Blocos de pedras encaixados

nas ruas ligavam as calçadas entre si, ao mesmo tempo que auxiliavam os pedestres

na passagem, não causavam danos aos veículos. A água da chuva escoava das ruas

para os esgotos, encontrados abaixo das mesmas (Ibidem, 1989).

A construção de uma rede de abastecimento de água para cidade permitia que

os aquedutos desaguassem em cisternas, os profundos reservatórios, que através de

tubos distribuíam água para fontes públicas, latrinas, termas e casas abastadas. A

rede de evacuação de água, os ditos esgotos, localizavam-se abaixo das calçadas, e

edifícios públicos e particulares, que despejavam a água em rios. Além da área do

fórum e de seus edifícios públicos, circundada por pórticos, uma cidade também

contava com um mercado, com lojas, oficinas e escritórios colunados (Ibidem, 1989).

Os banhos públicos ou termas serviam para as pessoas se higienizarem e se

encontrarem com outras. O banho compreendia três fases: primeiro os romanos se

banhavam em uma piscina de água quente, o caldarium, em seguida em uma piscina

de água morna, o tepidarium, e terminavam o banho em uma piscina fria, o frigidarium.

Um espaço abaixo do piso do caldarium e tepidarium, denominado hipocausto,

204

canalizava os gases quentes de uma fornalha externa e permitia o aquecimento das

salas, a liberação dos gases se realizava pelos orifícios nas abóbadas das termas.

Contíguo às termas estava a palestra, destinada a realização de exercícios físicos e

lutas. Uma biblioteca também formava o local (MACAULAY, 1989).

A cidade configurava-se como um centro comercial, político e religioso, mas

também um local onde as pessoas gostavam de viver. O templo e os banhos públicos

ficavam próximo ao fórum, mais ao centro da cidade, enquanto estruturas maiores,

como o teatro e anfiteatro, podiam se localizar perifericamente à cidade ou fora da

mesma (MORRIS, 1984). O projeto de uma cidade colonial visava dois pontos que

eram importantes e elaborados com cuidado: a rede de ruas, que permitia o rápido

acesso aos diversos pontos da cidade, ao mesmo tempo que a mantinham

organizada; e os terrenos reservados para o lazer e os espetáculos, que acolhiam

grande público e apresentavam grande estrutura (MACAULAY, 1989).

Figura 24. Plano urbano ideal de uma cidade colonial romana, com planta retangular e influências hipodâmicas e castrenses, rodeada de uma muralha e com torres de vigia. A

cidade dividia-se em módulos separados entrei si por ruas ortogonais de dimensões iguais. Porém com duas ruas principais com dimensões maiores: o kardo (N-S) e o decumanus (L-

O), ligando cada uma as quatro portas da cidade. Ao centro, onde as ruas se cruzam, localizava-se o fórum e o mercado, espaço dos edifícios mais importante, e as termas. Na

205

extremidade, os edifícios públicos do teatro e anfiteatro. Disponível em: <http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/ciudad_plano.jpg>. Acesso em:

18/12/2014.

Os locais de espetáculos públicos apresentavam um teatro, anfiteatro e circo –

os primeiros dois edifícios apresentavam-se mais frequentes. Nos anfiteatros, tanques

profundos podiam ser preenchidos para encenarem batalhas navais, quando não

usados eram cobertos por um piso que seria o palco das lutas. O edifício possuía

latrinas, salas que se ligavam a arena e abrigavam as feras e o material utilizado para

as apresentações. Uma grande lona, o velarium, podia ser estendida por cima das

arquibancadas, servindo de cobertura. Anfiteatros e teatros se apoiavam em uma rede

de corredores com abóbadas. Nos teatros, as arquibancadas se configuravam em

forma semicircular, a cavea, diante dela erguia-se um grande palco, dos dois lados do

palco havia vestiário e depósitos de acessórios. A parede do fundo do palco, a frons

scaenae, apresentava colunatas de mármore e um cenário arquitetônico, esta parede

se erguia no mesmo nível que a colunata construída no último degrau da cavea

(MACAULAY, 1989).

4.3.1 Civitas romana

A cidade antiga não se criou com o urbanismo, mas com a politeía ou república,

que institui um corpo legal de deveres e direitos que obrigaram os cidadãos a

cumprirem e aos magistrados concluírem, tanto em regimes monárquicos como

democráticos. Existiram cidades dispersas que não necessitaram de edifícios

públicos, pórticos ou foros – muitos dos quais se converteriam em emblemas de uma

cidade –, mas sim um espaço para reunir a população e discutir temas comunais,

porém nem isso foi necessário para a existência de cidades em sentido político do

termo (GARCÍA DE DIEGO, 2009).

Mesmo assim, o urbanismo contribuiu materialmente para que as instituições

criassem os edifícios, praças, pórticos e, por fim, cidades belíssimas a fundamentis. A

concepção dos antigos se tornou diferente do que havia de ser denominado cidade,

homologaram civitas com urbs e tudo com civilização. Utilizaram urbs em relação à

civitas para definir teoricamente a cidade construída em relação à cidade institucional.

Verifica-se que os termos não estavam claros na antiguidade, onde utilizou-se mais

206

urbs que civitas para descrever cidades importantes, não pelo seu urbanismo, mas

por sua antiguidade institucional. As próprias elites cívicas elegeram para descrever

seu nome como urbs e não civitas. Cidades, municípios e até colônias preferiam se

denominar de urbs. Contudo, hoje utilizamos o termo civitas para designar uma cidade

construída (GARCÍA DE DIEGO, 2009).

Sobre a civitas romana, o conceito de deductio refere-se como uma ação que

determinou e conduziu a colonização, em sentido que a cidade se reproduziu em outro

local, em uma colônia, mediante o translado de uma parte dela mesma que se

“reduziu” ou se subtraiu do corpo originário da cidade formado por cidadãos. Assim,

constituiu-se como a repetição clônica da cidade mediante a reprodução indefinida de

seu próprio corpo de cidadãos, a partir de fragmentos dela que se moveram fora do

local originário (BENDALA GALÁN, 2009).

O complexo ritual que seguia a fundação das cidades romanas, com etapa da

inauguratio como a conregio, em que o áugure traçava um diagrama no solo para

delimitar as regiões – divididas e montadas por eixos perpendiculares vinculados aos

pontos cardiais do universo –, ajustava o modelo urbano a uma regularidade do eixo,

de orientação astronômica, reproduzindo o templum ou templo celeste – domínio

regular, imóvel e eterno dos astros e dos deuses. O ritual garantia a transferência da

terra a essa esfera superior, convertendo o território demarcado da cidade com o

sulcus ou sulco perimetral também em um templum, um terreno sagrado e assim

inviolável. A inviolabilidade do templum da cidade fazia seus moradores terem

expectativas sobre as garantias da eternidade e seguridade, confiadas aos seus

deuses protetores (Idem, 2009).

A organização da cidade, com ruas bem traçadas, paralelas e perpendiculares

entre si, que determinam espaços regulares de onde localizar as casas, os edifícios

públicos, os templos, os espaços abertos e precedidos pelo fórum, representavam

além dos critérios de racionalização organizacional, também uma forma de obter e

manter tangível a vinculação da cidade com a ordem cósmica que garantia sua

perduração; a cidade concebida à imagem do cosmos se constituía uma microcosmo

em escala humana, de onde se fazia perceptível e habitável o infinito universo (Ibidem,

2009).

Para os antigos, o universo era julgado como um todo harmonioso que se

baseava em uma série de proporções. O conjunto de proporções resultava numa

estrutura, ou seja, a estrutura do mundo. Praticamente ao mesmo tempo, as estruturas

207

harmônicas e semelhantes se constituíam como quase padrões geométricos similares

aos utilizados em comunidades humanas com a constituição das cidades. Podemos

exprimir que foi com as cidades coloniais gregas que se começaram a se exemplificar

tal embasamento; a partir do século VI a.C. quando foram fundadas cidades com nova

planta e segundo um traçado geométrico, que de alguma forma seria similar aos

padrões geométricos que compunham a distribuição dos elementos que configuram o

universo. Portanto, pode-se apontar que esta visão do universo ordenado, em que as

partes se correspondem bem, parece aplicar-se à concepção das cidades e da

estruturação do território (AZARA, 2014).

A urbe foi também um foco definidor de um território programado a partir dela

e interligado com ela segundo a distribuição do campo em parcelas, formando as

denominadas centuriationes, que eram organizadas a partir da prolongação dos dois

eixos, Norte-Sul e Leste-Oeste, que se distinguiam na cidade pelas vias principais,

denominadas de kardo maximus e decumanus maximus, nomes que os agrimensores

intitulavam aos eixos principais de distribuição das parcelas da centuriatio. Urbe e

campo permaneciam organizados em uma retícula comum que destacava a

integração da ambos os domínios em uma estrutura unitária; do ponto de vista

funcional, tais domínios não afetavam tanto a vida coletiva, quanto estado (uma

sociedade ou cultura), pois aparecem como dois componentes unidos (BENDALA

GALÁN, 2009).

Para além do resultado dos rituais fundamentais e de concepção inicial da

cidade, o triunfo de Roma, como centro de um Império que se estendeu por quase

todo o Velho Mundo, consistiu em enfatizar a ideia de Urbe e de civilização

representadas pela projeção como praticamente universal de um cosmos novo,

ordenado e perfeito. Assim, a cidade espelhava em sua configuração este cosmo

ordenado que o Império representava, estímulo para progressos urbanos

desenvolvidos por Roma e multiplicados pelas cidades do Império. A esse serviço se

concentraram os esforços técnicos e materiais empregados na arquitetura e

engenharia, desenvolvidas em suas construções e obras. Se Roma traduzia o

cosmos, os materiais utilizados por ela, como por exemplo o mármore, constituíam-se

uma prova material da dignidade da civilização que Roma representava e de sua

capacidade demiúrgica (Idem, 2009).

208

4.4 CIDADES ANTIGAS DA PENÍNSULA IBÉRICA

Encontramos dois tipos de cidades na Hispânia, as indígenas e as fundações

coloniais. Os assentamentos indígenas correspondem ao período anterior à

romanização e às fundações coloniais, que correspondem as cidades exógenas de

fundação púnica, grega e romana. As cidades indígenas são caracterizadas por se

apresentarem como irregulares, de origem natural e espontâneas. As cidades de

fundações púnicas são pouco conhecidas, onde os indícios apontam-nas como

cidades de plantas irregulares (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Na Península Ibérica, entre os Iberos conservados na costa mediterrânea da

Hispânia, a helenização já se apresentava muito antiga. A cidade de fundação grega,

como exemplo no extremo ocidente, Empórion (Ampúrias), foi a principal colônia

grega de Marselha e conheceu uma brilhante expansão através de relações com o

interior da região peninsular; a cidade apresentava planta irregular com certa

tendência a regularidade, legando-nos vestígios dos fundamentos das cidades

helenístico-romana. Supõem-se que sua irregularidade seja proveniente de uma

planta de uma colônia grega primitiva ou que, provavelmente, seu planejamento

seguro obedeça o emprego de influxos do sistema hipodâmico em seu urbanismo

(Idem, 2009; LÉVÊQUE, 1987).

Através de transações comerciais e, consequentemente, da difusão da cultura

grega, a cidade de Empórion e outras colônias gregas passaram a exercer influências

nas regiões da Península Ibérica que se encontravam sob suas atuações. Tais áreas

passaram a absorver as influências das estruturas urbanas dos gregos em suas

concepções urbanas hipodamianas, contribuindo ainda mais para expansão da

helenização entre os indígenas (PLÁCIDO, 2009; GUZZO, 1997). Após a Segunda

Guerra Púnica, a Península Ibérica já bastante marcada pelos influxos helenísticos

vinculados a presença de gregos e cartagineses no território, passaria também a

receber a colonização de itálicos-helenizados, desencadeando, com mais facilidade,

o processo romanizador e a difusão das novas características do urbanismo colonial

romano pela Hispânia (BENDALA GALÁN, 2000-1; MORENO, 1988).

Os processos de helenização e romanização permitiram que mesmo o

urbanismo grego das cidades da Península Ibérica, como Empórion, para além de sua

influência sobre o ibérico e as demais culturas hispanas, adquiriu em seu próprio

planejamento urbano uma significativa evolução urbanística ao enfrentar ampliações

209

sucessivas e processos de monumentalização até o auge da época romana

(BENDALA GALÁN, 2009). De tal modo que se verifica que em marcos urbanísticos

a Península Ibérica explorou grandes obras urbanísticas e arquitetônicas na

construção das cidades, que seguiram influências de modelos helenistas e/ou

originadas de guarnições militares romanas (LIBERATI; BOURBON, 2005).

4.5 CIDADES HISPANO-ROMANAS

O estabelecimento de colonos romanos nas províncias do Império se

comprovou eficaz onde discorreu a romanização por ter se constituído como um dos

fatores mais importantes para a criação e fundação de núcleos urbanos romanos

(GARCÍA Y BELLIDO, 2009). Desta forma, o estudo histórico-arqueológico das

colônias romanas na Hispânia torna-se fundamental para o conhecimento do processo

de romanização na Península Ibérica (Idem, 1958).

Os romanos formaram entre o século II a.C. e I d.C. uma Hispânia dividida em

três províncias: Bética, Lusitânia e Terraconense; e criaram um notável número de

colônias romanas pelos territórios hispanos, umas nutridas com os emeriti ou

veteranos das legiões romanas, e algumas com elementos civis da própria cidade de

Roma. A quantidade de colônias romanas fundadas na Hispânia equivale ao número

de 34, sendo oito fundadas antes de César, oito criadas no período de César e do

primeiro triunvirato, quinze como fundações de Augusto – entre elas Emerita Augusta

–, e três entre Augusto e os Flávios (Ibidem, 2009).

Algumas destas cidades coloniais romanas se fixaram junto a cidades

indígenas preexistentes, conservando, na maioria dos casos, seus nomes. Outras

colônias se criaram ex novo, como o caso de Emerita Augusta. Os nomes latinos das

colônias podem revelar a sua origem romana e, portanto, seu caráter como novas,

mesmo que algumas delas fossem fundadas em um assentamento ou perto de uma

povoação indígena. Entre estas cidades romanas ainda existem aquelas que

conservam e apresentam seu traçado sobreposto à cidade atual, e configuram-se

como testemunhos do antigo plano urbano romano. A cidade de Emerita Augusta

constitui-se como uma das cidades coloniais romanas que melhor exemplifica e

manifesta esta característica quando analisamos seus vestígios sobre a atual cidade

de Mérida (Ibidem, 2009).

210

4.5.1 Romanização e urbanização

Os romanos dominavam os territórios recém adquiridos, não através do

emprego da força militar, pois podia-se gerar guerras de guerrilha que distrairiam as

legiões da missão de ampliar e manter as fronteiras imperiais, assim prejudicando o

comércio. Portanto, integrava-se as populações autóctones ao Império sob condições

vantajosas, e isto era alcançado igualando romanização e urbanização (MORRIS,

1984). A maioria das cidades coloniais romanas foram construídas mediante a um

planejamento urbano em forma de tabuleiro e localizada dentro de um sítio com

muralhas de defesa. Para marcar o terreno, os romanos se utilizavam de um

instrumento topográfico chamado de groma, esse permitia desenhar linhas cruzadas

em ângulo reto, quando olhado de um ponto central. Vejamos como se realizava a

divisão de terras das cidades coloniais encontradas tanto na Península Itálica como

nas províncias romanas:

A distribuição de terras aos colonos romanos era baseada num processo de medição e divisão, conhecido como centuriação, pelo qual a terra era sinalizada em grandes quadros de 200 iugera (50 hectares), chamados centuriae (quer dizer, áreas que abarcavam cem iugera) (CORNELL; MATTHEWS, 2008, p. 49).

Através destas medidas de planejamento as fronteiras urbanas e romanas se

expandiram. A colonização romana – principalmente de veteranos de guerra –

disseminou a construção de estradas nas terras conquistadas, que foram organizadas

pelo sistema rigoroso de divisão em centúrias (STIERLIN, 1997).

A par da rede viária, criada a partir do século IV a.C., a terra foi dividida em unidades com 700 metros de lado. Esse sistema estendeu-se a todo o mundo romano. A divisão em quadrados foi aplicada à via Appia (Ápio foi censor em 310 a.C.) até Cápua, e depois estendeu-se a Taranto e a Bridisi entre 270 e 225. A divisão em quadrados também é visível na via Flaminia que conduzia a Narni, uma extensão construída em 299 que ia até Spoleto. A via Aurelia, que desembocava em Modena e Aquilea e que foi construída em 177, também tem vestígios deste sistema, tal como muitas outras estradas no norte de África e em Espanha. Em toda a parte a construção de estradas foi acompanhada pelo processo de romanização e de planeamento (Idem, 1997, p. 48).

211

As cidades importantes se conectavam por redes viárias principais, e cidades

de menor importância se uniam por vias secundárias, este sistema facilitava as

comunicações militares, estratégicas e comerciais por todas as províncias do Império

romano (MORRIS, 1984).

Roma abria estradas onde quer que exercesse sua autoridade, para facilitar tanto o comércio quanto o movimento das tropas. Cinco séculos levaram os romanos para completar seu sistema rodoviário, que ligava todos os pontos do império. As estradas por eles construídas cobriam uma distância aproximadamente igual a 10 vezes a circunferência da Terra no equador, o que bem demonstra o cuidado que dispensavam a esse ramo da administração do império (HADAS, 1969, p. 175).

As redes de estradas militares e comerciais cobriram todo o Império romano,

do mesmo modo que as divisões em centúrias preenchiam as planícies

mediterrâneas. Esse sistema de racionalização da terra transformou o ambiente

colonial, que se tornou mais humanizado, desencadeou a supremacia de Roma, e o

progresso e a difusão da romanização. Ao contrário dos malefícios que a cidade com

planejamento desordenado oferecia, a preferência romana visava valorizar as cidades

com urbanismo de organização criteriosa, pois se tornava uma solução universal ao

propiciar o bem-estar e a prosperidade de seus habitantes (STIERLIN, 1997).

Aos povos submetidos não se impunha língua, religião, nem os costumes

romanos, entretanto devido à eficiente rede viária de Roma, estas exerceram

influência em áreas cada vez mais extensas. O comércio no Império começou a

alcançar considerável volume e inevitavelmente favoreceu a romanização pelos

territórios onde tivera grande atuação. O uso do latim como língua franca contribuía

neste processo, assim como os soldados estabelecidos nas províncias, que

colaboraram simultaneamente com a sua difusão. As instituições romanas exerceram

um grande poder de atração sobre o Ocidente, razão que permitiu a forte propagação

da romanização nestes territórios (MORRIS, 1984).

O governo central de Roma utilizava o governo local de tipo urbano, permitindo

que seus súditos gerenciassem seus assuntos, enquanto centrava sua atenção

principal em proteger a Pax Romana, que por si mesma possibilitava o autogoverno

local (Idem, 1984). A cidade de Roma disseminou o modelo de sua organização

urbana, nutrida desses ideais de prosperidade, e todas as cidades coloniais do

Império desejavam utilizar e continuar a recriar esse arquétipo metropolitano

212

(STIERLIN, 1997). O estabelecimento de colônias por diferentes regiões do Império

servia para consolidar o processo de romanização, iniciado por César. Com efeito, as

populações locais se inclinaram à integração através dos instrumentos da hegemonia

cultural, entre os quais se destacava o uso do latim, unido das transformações sociais

de fundo (PLÁCIDO, 2009).

4.5.2 Cidades romanas provinciais

A expansão imperial de Roma pelo ocidente europeu resultou na romanização

dos povos indígenas que incorporaram, mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor

permeabilidade, a cultura romana. Uma das consequências do processo romanizador

foi a reorganização de muitas cidades indígenas, as quais mudaram radicalmente

seus aspectos fundamentais, tanto de status político como sua planta urbana

(GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Roma fundou por todo lugar e ex novo, muitas cidades, por meio de colônias

civis ou de assentamentos militares licenciados (Idem, 2009). Nas colônias romanas

de nova criação, o traçado urbano apresentava origem ou influência nos

acampamentos romanos, os castra, com as ruas formando uma quadrícula, divididos

em dois eixos principais, o kardo, orientado de norte a sul, e o decumanus, de oeste

a leste. Esta planta retangular foi empregada em muitos centros históricos de cidades

com fundação romana. Desta forma, atualmente ainda se faz possível verificar a

antiga divisão de terras, centuriatio (BOVO, 2006b).

As cidades que já existiam ao serem conquistadas pelos romanos tinham a

situação anterior do seu traçado urbano levada em consideração, contudo a

intervenção acontecia de forma racional para concentrar os principais focos da vida

econômica, social, política e religiosa (Idem, 2006b). Os núcleos tribais eram

urbanizados como cidades romanas de diversas categorias e seus membros mais

destacados compartilhavam as vantagens da cultura urbana romana e perspectivas

comerciais. Outras cidades foram fundadas por motivos políticos e econômicos, com

populações formadas por legionários licenciados ou colonos procedentes de Roma e

de outras cidades antigas, como Emerita Augusta (MORRIS, 1984).

O Império apresentava três classes principais de povoações: coloniae,

assentamentos de recente fundação ou núcleos de população autóctone, aliada a

213

Roma com status e privilégios romanos plenos; municipia, geralmente centros tribais

importantes, com status oficial e habitantes que desfrutavam apenas de parte da

cidadania romana; civitates, capitais de mercado e centros administrativos das

divisões tribais, que se organizavam em forma romanizada. Observa-se que no

Império o status urbano não era consequência do tamanho da cidade, além de o status

não ter efeito significativo sobre a forma urbana. A urbanização romana

invariavelmente adotava traçados em grade tanto em cidades novas, como nas

reconstruídas, embora a topografia do local geralmente determinasse os detalhes do

traçado em cada cidade (MORRIS, 1984).

A fundação de colônias romanas consistia em cidades concebidas à imagem

de Roma e povoadas por cidadãos que se instalavam nas terras conquistadas.

Portanto, a romanização seguia as fundações de novas cidades coloniais. O Império

Romano não conheceu problema coloniais, sua história conta com poucas rebeliões

que sempre fracassaram. O Império configurava-se com um conjunto ordenado de

cidades livres que eram integradas sob a autoridade do Príncipe. Um poder central

forte proporcionou que os particularismos locais fossem gradualmente substituídos

pelo mesmo ideal e concepções idênticas que se espalharam por toda a parte graças

a multiplicação das imagens de Roma nas cidades provinciais (GRIMAL, 1988).

Na prática, o plano retangular teórico só se encontra em um escasso número

de cidades romanas. Na maior parte das vezes, fatores como a configuração do

terreno e a preexistência de uma colônia indígena impunham restrições que impediam

a construção de uma cidade perfeitamente regular. Outro fator que criava obstáculos

ao planejamento consistia em frequentemente uma cidade apresentar uma primeira

fundação, encerrada dentro das muralhas retangulares, e que em segundo momento,

acabava ultrapassada pelos progressos do aglomerado populacional, e assim se

desenvolvia com liberdade às regras (Idem, 1988).

Roma também não impunha formas acabadas, de um quadro rígido, ao

urbanismo provincial; desta forma, os urbanistas e arquitetos locais possuíam

liberdade para ornamentar e desenvolver as cidades. Os edifícios e monumentos não

eram impostos às cidades provinciais, contudo imitações dos mesmos da capital eram

recriados: termas, teatros, anfiteatros, arcos de triunfo, basílicas junto ao fórum,

templos, santuários, pórticos, mercados, cúrias, tudo o que se destinava as funções

de vida social, política e comercial se concebia ao modelo romano. Todo os edifícios

urbanos de Roma reproduzidos nas cidades provinciais remetiam a um sentimento de

214

reconhecimento para com os Imperadores, ao mesmo tempo que se apresentavam

como belas e prestigiosas criações do espírito humano (GRIMAL, 1988).

[...] o modelo assim proposto aos provinciais do Ocidente devia muito à tradição das cidades helenísticas e que a conquista romana, em vez de provocar uma ruptura na evolução da cidade antiga a fez amadurecer mais rapidamente e contribuiu para a sua difusão em todo o mundo (Idem, 1988, p. 271).

Desta forma percebemos que era natural a população das cidades provinciais

desejarem dotar sua pátria de monumentos suscetíveis de se igualar à Roma e

também às grandes metrópoles do Oriente. Nota-se também que para além de

influxos helenísticos, a romanização das cidades também poderia provocar uma certa

uniformidade em relação aos seus caracteres locais de uma cidade quando

comparada com outra de uma região diferente, subsistindo tipos arquiteturais

indígenas estranhos à arte e aos costumes romanos, ocorrendo por vezes uma

adaptação de formas arquitetônicas romanas às exigências indígenas (Ibidem, 1988).

O sistema urbano funcionava como uma forma dominante e unificadora de todo

o território imperial, ao mesmo tempo que integrava espaços não urbanizados,

configurando a complexidade da romanização. O conceito de oppida em princípio

referia-se a uma fortificação protetora da terra destinada a agricultura, desde o período

pré-romano. O ópido seria muito utilizado como infraestrutura para administração do

império em terras conquistadas, sendo muitos deles transformados em grandes

cidades. Entretanto, normalmente se impunha o modelo romano de cidade

amuralhada: com kardo, decumanus, fórum, basílica, templo, capitólio, culto ao

imperador, tabernae, macellum, teatros e anfiteatros, termas. No território hispano se

generalizou este último sistema, muito representado pelas vilas. A contributio se

desenvolveu em um novo sistema como forma de criar entidades maiores, sobre

várias unidades mais reduzidas, fenômeno considerado importante para a

romanização dos territórios, ao integrar os oppida em um sistema hierarquizado mais

complexo (PLÁCIDO, 2009).

A urbanização de colônias resultou na manifestação do modo de organizar as

populações e os territórios como culminação do período de conquistas, por meio da

deductio se distribuía as terras e se atribuía as funções. A cidade de Emerita Augusta

destacou-se como fundação augustana, assim como as colônias anteriores que

possuíram elementos importantes da urbanização como fóruns e basílicas. As

215

transformações das obras de urbanização com a concessão do ius Latii e a atribuição

do epíteto Flavia, constituiu a época que se atribuiu às cidades coloniais romanas

outros elementos romanizadores como termas, anfiteatros, cúrias, pórticos

monumentais com estabelecimentos comerciais, templos de Roma e Augusto, e

também de novos fóruns (PLÁCIDO, 2009).

4.5.3 Origens e formas das colônias romanas em Hispânia

Para compreendermos a formação das cidades coloniais da Hispânia faz-se

necessário alguns apontamentos históricos. Roma se atribuía a faculdade de

libertadora para se apoderar de todas ou de parte das terras pertencentes às cidades

inimigas, tanto por direito de guerra como a título de castigo ou represália; segundo o

grau de afinco de resistência oposta pela tal cidade frente à sua vontade ou intenções,

ou em caso de guerra civil, a causa do que resultava em seguida o vencedor (GARCÍA

Y BELLIDO, 2009).

Esses diferentes graus proporcionavam distintas situações entre o vencedor e

o vencido. O mais grave e oneroso para estas cidades era que em virtude de uma

deditio ou rendição incondicional ficava-se à mercê da vencedora. Nestes casos,

Roma se atribuía a soberania plena e total da propriedade dos bens que pertenciam

ao vencido, inclusive seus deuses; já os habitantes eram exterminados, escravizados

ou transferidos para outros locais. Em alguns casos os vencidos permaneciam com

seus bens, mas sob a soberania de Roma, sendo obrigados a pagar um stipendium

ou vectigal. Todavia o mais comum era Roma permanecer com dois terços ou metade

das terras, ou, mais frequentemente, com o terço das terras. Parte das terras podiam

ser vendidas ou arrendadas, mas em geral eram usadas oportunamente para

distribuição gratuita entre os cidadãos romanos necessitados ou indigentes, ou entre

soldados veteranos, já licenciados de suas legiões, e por este meio, a título de

recompensa por seus serviços militares, assim se convertendo em coloni de terras

recebidas como propriedade (Idem, 2009).

No período final da República prevaleceram muitas colônias compostas por

militares licenciados, que ao cumprirem o serviço militar passavam ao estado civil com

nomes de veterani ou de emeriti. Assim, recobravam todos os direitos civis antes

rebaixados por motivos disciplinares em serviço das legiões. As cidades formadas por

216

estes antigos soldados eram denominadas de colônias militares ou de veteranos, para

distinção das colônias formadas por elementos de origem urbana (GARCÍA Y

BELLIDO, 2009). Desde as colônias da época de Augusto, os colonos configuravam-

se principalmente como veteranos, estes poderiam se estabelecer em locais sem

estatuto colonial, assim como também em localidades que levavam em seu nome a

palavra castra (PLÁCIDO, 2009).

Os assentamentos coloniais eram coletivos, formados por grupos de 3000

indivíduos. Estes grupos de colonos militares, tanto por sua origem como por direitos

adquiridos no serviço militar, eram cidadãos romanos em pleno disfrute de seus

benefícios. Sendo assim, o status jurídico da colônia revelava um desdobramento da

própria Roma, além de apresentar idêntica organização civil e religiosa. Aos colonos

também eram atribuídas tribos tradicionais de Roma, expressando o vínculo da

colônia com a capital romana; no caso da Espanha, supõe-se que César usou a tribo

Galería, empregada como corrente por Augusto, Cláudio e Nero, que utilizaram a tribo

Quirina para criações municipais, a mesma empregada pela dinastia dos Flávios, o

que proporcionava cidadania romana para os portadores das tribos (GARCÍA Y

BELLIDO, 2009). A Emerita Augusta se atribuiu a tribo Papiria, uma das trinta e cinco

tribos que integravam o sistema de governo romano em uso durante os três primeiros

séculos do Império (ALGABA, 2009).

Uma cidade colonial de cidadãos romanos era, de fato e direito, em qualquer

lugar que se erguesse, uma espécie de nova Roma. Os colonos possuíam um

planejamento urbano romano e edifícios tradicionais que compunham uma cidade

colonial à imagem de Roma, além de uma vida de costumes romanos, com um

Senado, eleição de seus próprios magistrados e atuação na vida pública à

semelhança de Roma (Idem, 2009).

A fundação de uma colônia implicava na distribuição do ager publicus como

propriedade do povo romano, geralmente sobre o ager prouincialis, produto da

ocupação ou submissão das populações locais. Entre os veteranos a terra se

distribuía em parcelas centuriadas (PLÁCIDO, 2009). Como observamos, em vista do

preparo da distribuição de terras para os civis e veteranos, agrimensores eram

enviados ao local do assentamento, encarregados de dividir as terras em parcelas

(centuriae) e estas, em seguida, eram repartidas em lotes ou sortes (GARCÍA Y

BELLIDO, 2009).

217

A centúria possuía termo médio de 200 iugera (antiga medida romana da

superfície que equivalia a umas 25 áreas, 2500 metros quadrados), as vezes podia

ser maior. As centúrias de Emerita Augusta chegaram a ser de 400 iugera, o dobro

das normais, possuindo as mais conhecidas pela arqueologia e com maior extensão.

Os iugera se distribuíam em sortes, que também variavam em extensão dependendo

da colônia. Em princípio, as sortes continham dois iugera, mas podiam chegar até 70

iugera. Estas parcelas se distribuíam individualmente e eram “sorteadas”. A

distribuição dessas cortes ou lotes entre os veteranos seguia de acordo com sua

graduação militar (secundum gradum militiae) ou sua condição social; as parcelas

maiores e melhores ficavam para os de categoria mais nobre. A repartição dos lotes

e assentamentos de colonos (deductio, deducere coloniam) se realizava por meio da

administração de certos funcionários (ocuratores coloniae deducendae) (GARCÍA Y

BELLIDO, 2009).

Os limites de uma colônia de fundação militar também se marcavam segundo

uma cerimônia religiosa muito significativa para a nova cidade romana. Primeiro se

elegia e media o terreno escolhido, mediante a observação das aves, animais e outros

signos reveladores. A seguir se celebrava com uma procissão militar, em que os novos

colonos seguiam seus vexilla ou estandartes; prontamente, de forma solene, se

afundava a terra do local com um arado puxado por um boi e uma vaca, e se marcava

o perímetro sagrado dentro do qual se ergueria a nova cidade colonial romana (Idem,

2009).

Não se sabe o número exato de veteranos assentados nas colônias romanas

da Espanha, o número de colonos podia variar conforme os seguintes fatores:

extensão do ager publicus ou área pública a parcelar, o poder aquisitivo do Estado

quando comprasse este ager, circunstâncias políticas e econômicas sensíveis à plebe

romana da capital, entre outras. A princípio, o número de colonos oscilava em 300

homens nos primeiros movimentos coloniais, mas esta quantidade logo aumentou.

Em Emerita Augusta, o ager publicus foi muito extenso, tanto que foi possível fazer

pelo menos três assentamentos, acredita-se que sua extensão abrangesse

praticamente toda a atual província de Badajoz, com 22000 quilômetros quadrados

(Ibidem, 2009).

Conforme alguns relatos de Estrabão, historiador, geografo e filosofo grego,

estimaríamos que cada colônia recebeu 1500 homens, entre cidadãos romanos e

talvez veteranos, uma quantidade relativamente insignificante em relação ao tamanho

218

das grandes cidades coloniais. Entretanto, se utilizarmos esta quantidade para

verificar o total aproximado de pessoas assentadas em colônias militares e urbanas

criadas na Espanha, alcançaríamos uns 50000 cidadãos romanos trazidos como

colonos para a Espanha, referentes a Roma, Itália em geral, sem contar mulheres,

filhos e serviçais que os acompanharam. Tal número populacional corresponderia a

nove legiões romanas completas, ou um pouco menos se pensarmos não serem

compostas com veteranos, mas pessoas da plebe romana. Percebe-se que são

cálculos muito arriscados sem fortes fundamentos, mas mesmo hipotéticos, o número

não deveria variar substancialmente pelo fato de ter existido algumas colônias sem

deductio, em compensação também existiram várias colônias que receberam dois,

três e até quatro reduções de colonos, e outras que ainda tiveram deductio e não

receberam o título de colônia (GARCÍA Y BELLIDO, 2009).

Em Hispânia as colônias romanas tiveram distintas modalidades de fundação:

reduções militares que não receberam o título de colônia, colônias com dois ou mais

assentamentos – o caso de Emerita Augusta que recebeu, provavelmente, quatro

assentamentos sendo o último de extração civil –, colônias com reduções de

veteranos procedentes de uma ou mais legiões – Emerita Augusta recebeu veteranos

de duas legiões, Legio V Alaudae e Legio X Gemina, sendo a primeira deductio em

25 a.C., tal colônia cunhou moedas com signa ou padrões legionários –, colônias com

assentamento militar conhecido em parte, provavelmente por serem colônias titulares,

colônias criadas total ou parcialmente com elementos de extração civil – Emerita

Augusta teve ao menos uma redução de elementos civis –, e colônias de composições

ignoradas mas provavelmente militares (Idem, 2009).

4.6 EMERITA AUGUSTA

4.6.1 Topografia emeritense

A colônia de Emerita Augusta foi fundada, provavelmente, em 25 a.C., a nova

cidade não assimilou ou incorporou antigos moradores indígenas, constituiu-se

realizada a ex novo, sobre um terreno não ocupado por um centro populacional

importante. Entretanto, ao longo do tempo, o território da cidade recebeu populações

219

autóctones (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; DUPRÉ RAVENTÓS,

2004).

As razões de tipo político, militar, social e administrativo foram primadas para a

fundação da colônia de Emerita Augusta, além dos motivos de caráter topográfico. A

topografia emeritense apresentou duas particularidades: o rio Anas (Guadiana) e as

colinas, onde se estabeleceu a cidade (Idem, 1995). O legado de Augusto, Publio

Carisio, seguiu alguns critérios geográficos para a escolha do local de fundação da

cidade:

[...] eligió para fundar la ciudad de Augusta Emerita el declive que hacia el Guadiana formaban unas colinas que alcanzaban por el Este el altozano de 241 metros de altura, donde está emplazado actualmente el cuartel de la Guardia civil, cercano al Teatro y Anfiteatro. Este cerrillo se prolonga hacia el río y lleva el nombre de cerro de San Albín, llegando a la curva de nivel de 202 metros. Al Norte este declive, hacia el río, quedaba limitado por la colina del Calvario, que domina con sus 227 metros el vértice que forma el valle del Albarregas al desembocar en el Guadiana. Entre ambas cotas otro altozano intermedio de 233 metros de altura cerraba la línea divisoria que entre estos dos altozanos limita el valle del Guadiana y el Albarregas. La ciudad se asentó desde estas alturas hacia el río Guadiana, que corre por la cota de 202 metros (ALMAGRO, 1961, p. 29).

A cidade de Emerita Augusta se assentou num ambiente natural e estabeleceu

sua distribuição (Idem, 1961). Como tantas cidades da antiguidade, Emerita Augusta

deveu seu nascimento a um estratégico rio, o Anas (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995). O local eleito para construir a cidade foi a costa direita da margem

do rio Anas, entre as encostas e espaços existentes entre as duas colinas de San

Albín e Calvario, aproveitando as elevações e declives que desaguavam até o Anas

(ALGABA, 2009; MARTÍN, 2004). Os romanos foram conscientes das irregularidades

do rio e das possibilidades que poderiam sofrer com o local. Devido ao amplo canal,

ergueram a cidade a uma altura considerada propícia para evitar enchentes, prova do

conhecimento que tinham da situação. A cidade fora projetada sobre um promontório

distante da costa do rio, aproveitando suas curvas em nível mais seguro, medida

superior a 200 metros, e sobre essa medida foi construída as muralhas da cidade

(Idem, 2004).

A colina estratégica de El Calvario, banhada pelos rios Anas e Albarregas,

poderia possuir um pequeno castellum, que exercesse papel de controle e vigia do

220

cruzamento do rio, em local muito vadeável, de maneira que protegesse a cidade

colonial. A área da cidade de Emerita Augusta constitui-se um dos poucos locais em

quilômetros que se faz possível passar pelo rio Anas sem muita dificuldade. O lugar

se somava à existência de duas ilhas em meio à margem do rio Anas, com pouca

profundidade que configuravam-nas águas rasas, que proporcionavam a travessia a

vau por este ponto. Neste espaço se estabeleceu uma longa ponte, de acordo com a

largura do canal que permitia a livre passagem pelo rio. Assim, a importância deste

caminho tornou-se vital para o controle das estradas e impunha a razão da escolha

do local para a nova cidade e o seu grande valor estratégico (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Assim, a paisagem da cidade seria caracterizada pela presença de um leito

central, por onde correria o verdadeiro rio, e duas ramificações, uma cercando a

cidade (Guadiana) e outra, de baixo fluxo pelo bairro San Antonio, entre estas duas

correntes se situavam as duas ilhas. Ao planejar e localizar os limites urbanos da

cidade, por uma cerca amuralhada, aproveitaram-se das elevações do terreno mais

significantes para sua construção. A cidade se limitava pelos rios Anas e Albarregas,

além de algumas colinas, e seu interior permanecia em linhas gerais com as encostas

que iniciavam o rio até as elevações do Cerro de San Albín, Teatro, Puerta de la Villa,

Arzobispo Mausona, Concordia ou Calvario. Rota que segueria aproximadamente o

traçado da muralha romana. O espaço do interior da cidade, obrigava a nivelar o

terreno para poder adaptar as construções. As muralhas obedeciam um critério de

defesa, visto que seu traçado aproveitava lugares elevados, de forma que para chegar

à cidade, de qualquer ponto externo, se percebia como íngreme, com exceção do rio,

situação que permitia a defesa e o controle do espaço (MARTÍN, 2004).

A topografia de Emerita Augusta oferecia esta série de colinas bem ventiladas

que serviam para estabelecer instalações de importância. Assim, a elevação da colina

de San Albín permitiu a construção, de forma grega, das arquibancadas do teatro e

parte das do vizinho anfiteatro. O local também se fazia apropriado para a defesa da

cidade emeritense, de modo que os muros puderam ser bem estruturados, seguindo

o contorno sinuoso das colinas (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Provavelmente existiram diversas fases de construção da cidade, os últimos

achados apontam que a estrutura do espaço que se levantou a cidade obedecia a um

programa completo, de cerca amuralhada, ruas, espaços públicos e etc.,

independentemente de sua ocupação e execução. Assim, em um primeiro momento

221

se planificou toda a cidade, tomando como base o traçado do decumanus (MARTÍN,

2004). Em época fundacional da cidade, o vau do rio Anas facilitou sustentar uma

longa ponte que determinou o local do assentamento e foi definidor de seu traçado

urbano, visto que uma das vias principais da nova povoação, o decumanus maximus,

constituía-se da prolongação da estrada da ponte (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995).

O local escolhido para a localização da cidade, na margem direita do rio Anas,

oferecia algumas dificuldades, mas apresentava-se mais adequado. A principal

dificuldade mostrava-se com os caminhos da corrente fluvial atestadas no período

antigo, como demonstra a restauração da ponte em época visigoda. Para evitar os

estragos e reforçar a elevação que oferecia o terraço do rio, os colonizadores romanos

construíram, ao longo da fachada ribeirinha, um forte dique de alvenaria com

contrafortes de cantaria. Através destas defesas a população emeritense

permaneceria abrigada das inundações que muito assolaram as cidades antigas

(Idem, 1995).

O estabelecimento da cidade de Emerita Augusta na margem direita do rio

Anas foi vantajoso, devido a zona ser rica em água, o que não se evidenciava na outra

margem. A colônia romana contava com numerosos mananciais, onde foram

construídas, para grande aproveitamento, várias cisternas. O terreno apresentava

certas depressões junto a vários arroios e correntes de água, e tais recursos naturais

foram utilizados para a construção de três conduções hidráulicas emeritenses, os

aquedutos de Aqua Augusta (Cornalvo), Rabo de Buey-San Lázaro e Los Milagros

(Ibidem, 1995).

O território em que se inscreveu Emerita Augusta possuiu características de

terras de qualidade, de terrenos bons e próprios para o cultivo, com pastos para o

gado e de abundância em caça. A cidade contava com muitos recursos em minérios

e pedreiras, que os romanos utilizaram para a construção da nova urbe: mármore,

granito, diorito, areias, cascalho e etc. Além da viabilidade bem definida de estradas,

que uniam os diversos pontos do território e proporcionaram, ao longo do período

romano, que se ampliasse a atividade econômica e marcasse o desenvolvimento da

colônia emeritense (Ibidem, 1995).

A recuperação do esquema urbano da colônia augustana possibilitou

conhecermos algumas características de sua rede urbana, através da conjugação de

fotografias aéreas da cidade atual com o traçado do serviço de cloacas romano, que

222

ainda se conservam em ótimo estado (GARCÍA Y BELLIDO, 2009). São poucos os

restos de monumentos que permanecem em pé referentes à organização urbana da

fundação romana da cidade. Contudo, atualmente pode-se perceber seu traçado

através da rede romana de esgotos, uma cloaca para evacuação das águas residuais,

muito bem conservada e localizada sob as vias, onde detecta-se um plano bastante

completo: quatorze redes de esgotos de norte a sul, apresentadas com orientação

perpendicularmente ao rio, enquanto nove eram paralelas ao córrego da água, em

direção leste a oeste, o que nos revela e indica a melhor configuração de Emerita

Augusta (ALMAGRO, 1961; ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A maior parte dos kardines desaguavam nos decumani, alguns no rio

Albarregas, esvaziando o conteúdo no rio Ana. Apenas uma, correspondente ao kardo

maximus, desaguava no arroio Albarregas. Este esvaziamento era possível graças à

topografia original das vias, que desde a zona alta da cidade baixavam em linha reta

até o rio, todos os decumani apresentavam-se em declive acelerado ou minimizado,

sem a presença de escadarias ou terraços que impedissem o caminho (MATEOS

CRUZ, 2004). A uniformidade preside a construção desses condutos, cujas saídas

são observadas no dique de contenção das águas do Anas. As quadrículas

apresentam-se de forma quase regular, proporcionando uma divisão normal da

insulae que se adaptaram sem muitas variações ao terreno (ALMAGRO, 1961;

ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A planta da cidade emeritense comparasse com a habitual utilizadas nas

povoações romanas, levemente irregular (GUITIAN, 1977). As ruas determinavam as

insulae ou quadras de 100 metros a 110 metros de comprimento por 50 metros ou 60

metros de largura. Algumas quadras, de acordo com as ruas, seriam mais curtas e

próximas a planta quadrangular, chegando a medir apenas 80 metros por 70 metros

a 75 metros. De todo o conjunto urbano se conhece bem o traçado de várias ruas,

sobretudo a existência das duas vias principais: o decumanus e o kardo maximus

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). O kardo, em direção norte-sul –

atualmente constituído pelas ruas chamadas de Trajano e Bastimentos –, e o

decumanus em direção leste-oeste – Puente a Santa Eulalia. Ambas eram ruas

perpendiculares e formavam uma cruz no centro, na parte principal da cidade, onde

ainda hoje, como no passado, se desenvolve a vida mais intensa (GUITIAN, 1977).

Apesar das dificuldades do estudo da topografia e urbanismo emeritense,

devido a cidade moderna (Mérida) estar superposta a antiga (Emerita Augusta), as

223

recentes investigações permitem conhecermos e traçarmos um esquema aproximado

da planta do tecido urbano colonial antigo (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995). As ruas atuais de Mérida conservam muito do traçado das ruas romanas de

Emerita Augusta. Abaixo do Arco de Trajano existe uma grande cloaca que mostra o

eixo de uma rua importante, o kardo maximus. Ao admitirmos o traçado do kardo e

decumanus da cidade, podemos supor que deviam se cruzar não longe da atual Praça

Maior e, em suas imediações, o Fórum. Pelos indícios e vestígios arqueológicos,

podemos verificar que Emerita Augusta possuía um traçado hipodâmico regular do

tipo empregado nas cidades coloniais romanas. Sobre a extensão da antiga Emerita

Augusta não existem muitas informações, do traçado da muralha resta apenas alguns

vestígios conservados (ALMAGRO, 1961).

Segundo alusões de moedas da época da cidade romana e vestígios

arqueológicos da cidade lusitana de Emerita Augusta, obtemos indicação que sua

urbanização contava com monumentos como a muralha da cidade, com quatro portas

principais (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975). Assim, Emerita Augusta apresentava-se

circundada por muralhas monumentais onde aproveitavam, no limite de seu traçado,

as colinas e o rio. A muralha possuía 2,80 metros de largura e uns 6 metros de altura,

com várias portas de acesso ao longo de 4 quilômetros de perímetro. Os intervalos da

fachada da muralha eram flanqueados por torres de planta arredondada (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995), e em algumas portas principais de acesso à

cidade, foram construídas duas torres de planta quadrangular. A grande parte que se

conserva da muralha nos permite conhecer o traçado original da cidade e as reformas

realizadas posteriormente, como na área dos edifícios dos espetáculos (MATEOS

CRUZ, 2004).

224

Figura 25. Planta de Emerita Augusta em época romana demonstrando a reconstrução da trama urbana, segundo Mateos Cruz, a partir de vestígios viários, do traçado da muralha e

da localização dos principais edifícios públicos (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004, lâm. I).

No interior das muralhas, a cidade se concebeu como uma rede ortogonal de

vias, que ao longo do traçado do decumanus e o kardo maximus configuraram áreas

de similares características e dimensões em toda a cidade, podendo algumas

apresentar diferentes larguras, como o caso dos decumani de acesso ao fórum

municipal (MATEOS CRUZ, 2004). A cidade de Emerita Augusta contava com ruas

largas e bem preparadas para receber o tráfico de pessoas, carros, cavalos, liteiras e,

também de instalações de ambulantes e artesãos. As vias apresentavam-se firmes e

pavimentadas com pedras duras, ligeiramente curvas para não se encharcarem. A

água escorria para as laterais da calçada, onde era encaminhada para as cloacas

(ALGABA, 2009).

Sobre a largura que as vias emeritenses possuíam estudos apontam

dimensões variadas, entre 4,70 metros a 6 metros, podendo alcançar até 9 metros em

225

pontos especiais da cidade, como por exemplo nas portas localizadas em frente as

pontes ou nas áreas dos edifícios para espetáculos. Levando-se em conta que os

carros mais utilizados possuíam largura de 1,30 metros a 1,40 metros, logo podemos

concluir que a circulação dos carros em ambas as direções podia ser possível

(ALGABA, 2009).

As vias emeritenses apresentavam uma superfície de terra batida e cobertura

de lajes grandes de pedra, sendo muito usado o diorito ou diorito azulado que

configuravam pavimentação de duas cores, com pedras em tons cinzas e brancos,

ladeadas por pórticos na forma dos atuais portais, com calçadas (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995; MATEOS CRUZ, 2004). Mas em geral, as

pedras destinas à pavimentação das ruas de Emerita Augusta configuravam-se

multicoloridas: quartzito alaranjados, dioritos cinzas, gabros escuros e anfibolito

esverdeado. Todas as pedras empregadas para pavimentação eram extraídas da

própria Emerita Augusta e/ou procedentes de arredores ou pedreiras próximas

(ALGABA, 2009).

A pavimentação das vias foi realizada com grandes lajes de pedra, adequadas

para a circulação do tráfico em velocidade moderada. Um dos elementos que

melhoravam a circulação era o emprego de grandes pedras colocadas em

cruzamentos de duas ruas, obrigando o tráfico a rodear este eixo, além de servir de

tampa para cloacas e evitar movimento neste ponto. Outros limitadores de velocidade

podiam ser feitos com os pequenos buracos dispostos perpendicularmente ao sentido

da circulação, além de possuírem objetivo de guia. Também, sobre a superfície das

vias, se esculpiam sulcos denominados de orbitae, encarregados de manter as rodas

dos carros sempre no caminho (Idem, 2009).

A cidade de Emerita Augusta se destacava por possuir amplas vias arcadas,

ocorrência não muito comum entre as cidades romanas, que reservavam tal detalhe

arquitetônico para apenas as ruas principais. As arcadas protegiam os transeuntes do

calor do sol e impediam que as calçadas ficassem muito aquecidas. A cidade

apresentava traçado uniforme, com calçadas arcadas de 3 metros de largura e ruas

de uns 5 metros e 6 metros, permitindo a circulação de carros nas duas direções. As

vias em formato de grade formavam quadras com 500 metros quadrados a 600 metros

quadrados cada uma, com residências imponentes que abriam três portas para uma

rua e outras três para uma rua paralela. Existiam algumas quadras um pouco

menores, para conter apenas uma casa, estas quadras eram destinadas às famílias

226

mais abastadas da cidade. Nas áreas próximas à muralha, as quadras se adaptavam

à sua fisionomia irregular, podendo conter até três casas por quadra (ALGABA, 2009).

Estima-se que a cidade emeritense possuísse oitocentas grandes casas

intramuros, com pátio central e uso residencial; além de casas maiores que

provavelmente fossem de cidadãos mais abastados. Tais casas não possuíam

estábulos ou celeiros, acredita-se que os animais de cargas ficassem mantidos fora

dos muros da cidade. Nota-se que ao invés de a cidade se adaptar as estruturas do

terreno, os declives naturais das encostas foram amenizados com construções de

terraços nas quadras da cidade. As casas de Emerita Augusta possuíam um ou dois

andares de altura, construídas com paredes de alvenaria e cobertas com telhas ou

tégulas. Os alpendres das casas apresentavam plataforma semelhante de tégulas,

apoiadas por vigas de madeiras que repousavam sobre colunas de granito e cobertas

com capitéis simples; tais calçadas se apresentavam construídas com lajes de pedra.

As casas situadas junto aos muros não possuíam alpendres para facilitar a vigilância

da cidade (Idem, 2009).

Escavações arqueológicas apontam que as vias intramuros da cidade de

Emerita Augusta possuíam pórticos com altura de 2 metros e 3 metros, e em meados

do século II d.C. foram progressivamente vinculados e utilizados como tabernae ou

como ampliação de domus. A partir do século IV d.C. a privatização destes espaços

públicos vinculou cada vez mais vias, entretanto o traçado ortogonal da cidade

correspondente à época de sua fundação seria respeitado durante a Antiguidade

Tardia, embora a pavimentação das ruas fosse reformada continuamente ao longo do

tempo (MATEOS CRUZ, 2004).

4.6.2 Teorias da forma urbana

Existem diversas teorias sobre o tamanho da cidade colonial romana de

Emerita Augusta em seu tempo inicial, sendo que duas teorias apresentam-se como

fundamentais para a compreensão de sua forma urbana (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Na primeira teoria, o arqueólogo José Ramón Mélida desenvolveu a ideia de

uma urbs quadrata ou primitivo recinto fundacional que teria seguido as normas das

implantações castrenses romanas. O traçado urbanístico seria determinado por duas

227

linhas mestras, kardo e decumanus maximus, que em seus extremos alcançariam

monumentais portas, das quais o arco de Trajano seria uma delas. Também

sustentada por alguns estudiosos, em especial García y Bellido e Almagro, que

concordaram que a cidade de Emerita Augusta possuía um núcleo inicial, fundacional,

que adotava em seu começo uma planta de acampamento (Quadrata), com plano

regular que copiava o acampamento dos veteranos das legiões V e X (MARTÍN, 2004),

cujos limites aproximados deveriam ser as portas da ponte e da Villa, para o

decumanus maximus e os arcos de Trajano e de Cimbrón para o kardo maximus

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Dentro destes limites, os estudos de García y Bellido (2009), definiram que no

interior do plano das cloacas da rede viária, Emerita Augusta apresentaria uma área

original de 350 metros por 350 metros, o equivalente a uns 28 hectares, um pouco

mais do que costumava medir um acampamento de uma legião romana. Mais tarde,

a colônia alcançaria o dobro do espaço, a formar um retângulo de uns 400 metros por

700 metros, assim Almagro (1961) aponta que a cidade se estendeu por um amplo

perímetro, alcançando o dobro, equivalendo-se da sua superfície de 49 hectares que

não incluíam os subúrbios (ALMAGRO, 1961; Idem, 1995; GARCÍA Y BELLIDO,

2009). O traçado do kardo maximus começava pela presença de um grande arco,

talvez triunfal, o Arco de Trajano, provavelmente da fundação da cidade, e que nesta

teoria seria em realidade a porta norte da cidade, e no outro extremo, ao sul, outro

extinto arco ou porta de Cimbrón. O decumanus maximus partia da ponte romana

sobre o Anas, continuava em linha reta, passando pela atual Praça Maior e chegava

até a porta da cidade, figurada nas moedas romanas emeritenses, a Puerta de la Villa.

O reticulado das ruas da época de Augusto apresenta-se mais claro na área situada

ao norte do decumanus (Idem, 1961; Idem, 2009).

Contudo, segundo esta teoria, acredita-se que o núcleo urbano de Emerita

Augusta cresceu desde sua fundação, esta de tipo romano castramental e, ao longo

de todo o Império romano, se transformou em uma cidade aberta e extensa (Ibidem,

1961), assim, a área urbana de Emerita Augusta tornou-se muito mais ampla em

tempos posteriores. Segundo os restos arqueológicos conhecidos e conservados da

rede romana de esgotos, a extensão da cidade em época imperial se aproximou de

80 hectares (GARCÍA Y BELLIDO, 2009). Nos territórios do Albarregas e Anas se

criaram bairros fora dos muros, dos quais se acredita ser o recinto inicial da cidade, e

que poderiam margear estradas de maior movimento. Na zona do Teatro e da

228

necrópole – datadas da época imperial –, situadas a leste, não se acreditou num

engrandecimento urbano da cidade (ALMAGRO, 1961).

Analisando esta teoria, da cidade quadrada, percebemos que vários motivos

impedem sua aceitação. Não existem registros seguros da existência em Mérida de

um povoado ou castro pré-romano. Se os limites da antiga cidade romana para o

decumanus maximus são acertados, não ocorre para o kardo maximus, pois o

denominado Arco de Trajano não corresponde a uma porta da cidade, e sim a um

arco de entrada a um recinto sagrado, e o Arco de Cimbrón não parece haver existido.

Ainda, a praça pública ou fórum, onde se localizam as ruínas do templo de Diana teria

permanecido em uma situação periférica, não centralizada no recinto da cidade, além

de parte de sua superfície permanecer fora da mesma (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

A segunda teoria, de estudos recentes e mais aceita, com referência em

Bendala Galán e Mateos Cruz, rejeita a abordagem primitiva de recinto militar de

planta quadrangular e defende um crescimento paulatino da cidade. Busca explicar

Emerita Augusta como um recinto de grandes proporções, unido desde o início por

uma muralha que contemplaria, semelhante às atuais urbanizações, espaços vazios

e que com o tempo seriam ocupados conforme as necessidades propiciadas pelo

desenvolvimento da cidade. Independentemente, verifica-se que a cidade estava em

função do rio Anas, igual como ocorria em Roma e outras cidades do período, sendo

os rios genitores das cidades antigas (Idem, 1995; MARTÍN, 2004).

4.6.3 Portas de acesso à cidade

As principais vias de Emerita Augusta, o kardo e o decumanus maximus,

caracterizaram-se como ruas retas e perpendiculares entre si e conectavam as

entradas principais da cidade. Ao longo destas ruas se organizava o traçado das

demais vias, em forma de grelha. Partindo como referência do rio Anas, situado na

parte sul da cidade, a porta de entrada coincidia com o decumanus maximus em frente

à ponte. Seguindo deste ponto, o restante das ruas que corriam paralelas à direita e

esquerda da via principal se denominam decumani minores e também terminam em

portas da muralha. O mesmo também ocorria com as vias perpendiculares, kardo

maximus e minores que corriam com uma orientação noroeste-sudeste (ALGABA,

2009).

229

Assim, a cidade se configurava ao redor de quatro grandes portas localizadas

nos extremos do kardo e decumanus maximus. Aos extremos destas duas vias

principais se situavam as entradas mais importantes da cidade, destas portas,

conhecemos bem a porta de entrada da ponte (situada no decumanus maximus), que

ocupava um local privilegiado, por ser localizada na cabeceira da ponte onde

confluíam as vias comerciais mais importantes (Olisipo, Salacia, Hispalis), e seguia a

projeção do rio Anas. Talvez fosse esta entrada possível de observar na

representação das moedas emeritenses da época. Outras portas menores ou postigos

também existiram, sobretudo na fachada fluvial (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN;

JIMÉNEZ, 1995; MARTÍN, 2004).

Percebe-se a existência de portas de variadas dimensões no início de cada um

dos decumani e kardines da cidade, algumas vias desembocavam em portas

pequenas e outras eram abertas para o tráfego em portas medianas; apenas o

decumanus e o kardo maximus que iniciavam seus caminhos intramuros através de

quatro portas monumentais, algumas conhecidas como Puerta de la Vila e Puerta del

Puente (MATEOS CRUZ, 2004).

As portas podiam ser de três tamanhos, as principais apresentavam um grande

arco para acesso de carros, ao meio de dois pequenos arcos para pedestres, assim

tais portas menores se situavam em ambos os lados da porta principal, formando um

conjunto de destaque. À exceção da porta para o rio Anas, que possuía dupla arcada

com vãos de 4 metros que permitiam o acesso de carros em ambos os sentidos. Os

demais acessos da cidade variavam de 2 metros ou 1,20 metros de largura (ALGABA,

2009).

Das portas oficiais, existiam outras quatro mais. Não tão majestosas como as

portas oficiais, porém com tamanho considerável de 4 metros de largura que

permitiam a entrada e saída das carruagens. Duas portas estariam localizadas na

fachada leste da cidade, e duas na frente oeste. Na parte do rio, que abraçava maior

tráfego, as portas se localizavam equidistantes da porta da ponte. Uma porta ao sul e

outra ao norte, além de considerarmos neste grupo uma terceira porta menor, de 3,12

metros (MARTÍN, 2004).

Das 4 portas apenas 3 portas são conhecidas, uma não sabemos onde se

encontrava. A quinta porta, de menor dimensão que as anteriores, poderia permitir a

passagem de carruagens. A descoberta de portas em escavações na fachada do rio

mostra que a cidade contava com um bom número de entradas, estas portas

230

agilizavam o tráfico, provavelmente por este local concentrar movimento mais intenso

que no resto do recinto murado, assim tais portas facilitavam o acesso rápido e

cômodo ao interior da cidade (MARTÍN, 2004).

A cidade emeritense, por ser capital da província da Lustânia, possuía boa

situação que conectava vários caminhos de estradas (Idem, 2004). No caso de

Emerita Augusta, as estradas se conectavam com as ruas principais da cidade como

extensões ou correspondentes das mesmas, onde o decumanus maximus se

identificava com a via que vindo do sul se dirigia à planície extensa, e o kardo maximus

era em boa parte a estrada do noroeste (ÁLVAREZ MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ,

1995).

Pelo norte, cruzando o rio Albarregas confluíam as estradas precedentes do

Norte peninsular (Astorga, Zaragoza), as do Oeste vinham dos portos portugueses

(Olisipo, Slacia, Scallabis), pelo Sul, cruzando o rio Anas, confluíam as vias

precedentes dos postos Sevillanos e Onubense (Sul), e as que chegavam pelo Oeste,

dos portos portugueses do Atlântico. Pelo Leste, os caminhos do planalto (Toledo,

Zaragoza) e os que se dirigiam via Medellín, Córdoba e Zaragoza. Além destas rotas

principais existiam caminhos secundários que chegavam às portas da cidade

procedentes das distintas partes do território emeritense (MARTÍN, 2004).

Para verificar a importância destes acessos, voltamos a questão que a cidade

se projetava para o rio, devido ao dique que corria de Norte a Sul, onde desembocava

várias ruas com suas respectivas saídas. Sobre este dique, elevado uns 4 metros da

margem do rio, se traçou um amplo e cômodo viário de tráfego que chegava à cidade

emeritense, que atuou como estrada de circunvalação, devido sua área ser a mais

importante de recepção do trânsito de pessoas, carruagens, etc., que chegavam do

Norte (vía de la Plata), do Oeste ou do Sul (Idem, 2004).

Na margem esquerda do Guadiana confluíam três estradas, uma vez que se

passava a ponte podia-se optar por vários itinerários para entrar na urbe, dependendo

da zona que fosse se dirigir. A primeira porta que se ligava ao decumanus maximus,

comunicava-se com o centro da cidade. A segunda opção, acessava a entrada ou

portas menores da zona da muralha, ou ainda continuava-se até o sul, onde existiam

acessos aos decumanus minor. A terceira opção seria continuar até o norte, onde se

encontraria algumas portas normais e menores para aceder à cidade. Na margem

direita do Anas o trânsito vinha do sudoeste e também chegavam pessoas vindas das

estradas de Olisipo e das vias do norte (Vía de la Plata). O itinerário oficial destas vias

231

se daria pela ponte do rio Albarregas, onde chegava-se a uma porta da cidade

(MARTÍN, 2004).

Passada a “Puerta de la Villa” a estrada continuaria, longe da muralha, até

chegar ao aqueduto de San Lázaro, onde confluía com as estradas procedentes de

Meseta e Córdoba. O acesso a cidade por esta zona se fazia através de dois arcos

do aqueduto. Neste ponto não deveria haver muitas portas menores, por ser uma parte

mais proeminente. Por isso usava-se um caminho mais favorável, até a parte detrás

do anfiteatro, onde se estendia uma grande necrópole. Próximo a esta entrada, ao

outro lado da condução de San Lázaro, poderia existir a possibilidade de haver uma

porta menor devido à indicação de uma estrada no local (Idem, 2004).

Na fachada sul, o acesso pela porta era mais fácil, nesta direção não deveria

confluir muitas vias, por se localizar em torno da zona industrial e da necrópole;

características do terreno apontam que talvez existissem outras portas menores nesta

área. Tudo indica que a cidade de Emerita Augusta contava com um caminho que

circundava toda ou grande parte da cidade, este caminho facilitaria acessos mais

favoráveis por algumas de suas portas (Ibidem, 2004).

4.6.4 Evolução urbana

Para compreensão das características que constituem uma cidade colonial

romana como Emerita Augusta, busca-se analisar a topografia do terreno onde foi

fundada a cidade, suas primeiras construções, funcionalidade e fisionomia dos

principais edifícios e áreas da cidade antiga, além das mudanças urbanísticas que

ocorreram nos primeiros séculos da colônia emeritense (MATEOS CRUZ, 2004).

Conforme as fontes e dados numismáticos, estudiosos apontam o ano de 25

a.C. para data de fundação da colônia emeritense. Análises arqueológicas indicam

que os primeiros edifícios não parecem ultrapassar uma data anterior de 16 a.C. a 15

a.C. Baseados nestes dados, de uma cronologia ordenada dos monumentos,

especialistas acreditam que a cidade de Emerita Augusta formou-se a partir de uma

macro fundação ex novo. Desta forma, percebemos a criação da cidade de acordo

com à imagem de Roma, que adquiriu, como capital de província, um urbanismo de

grande fundação, onde todos os elementos conservados datam em sua maioria da

232

época de Augusto, construídos nos primeiros quinze anos de sua fundação e quando

capital provincial (MATEOS CRUZ, 2004).

A documentação arqueológica também permite compreendermos a trama

urbana das cidades coloniais romanas, como o caso de Emerita Augusta. As

comparações de informações urbanas sobre as cidades coloniais romanas se

apresentam bastante similares entre si por seguirem um mesmo padrão em sua

constituição: uma estrutura de grelha. Assim como Emerita Augusta, uma cidade

colonial romana também possui duas ruas principais que começam ao centro: o kardo

e decumanus maximus; o restante da cidade se desenvolve ao redor: o fórum ou

fóruns junto à intersecção destas vias, as termas junto ao fórum e as zonas de jogos

e espetáculos situadas de forma não-centrais, porém agrupadas (ALGABA, 2009). A

cidade emeritense constitui-se com um plano de tipo hipodâmico em que as ruas se

cruzam em ângulo reto formando quadras de casas, uma distribuição própria das

colônias de origem ou influência militares (SÁNCHEZ, 2009).

Atualmente conhecemos em grande parte as características das vias urbanas

da cidade colonial emeritense, seu traçado ortogonal e a fisionomia das vias, e as

áreas que as conformam. Através deste conhecimento podemos indicar as principais

características das áreas públicas – forenses e de edifícios de espetáculos – e

privadas do recinto intramuros. A muralha perimetral constitui-se em uma das

estruturas que definem a topografia de uma cidade romana; em Emerita Augusta o

perímetro amuralhado supõe-se estar vinculado às características de fundação

(MATEOS CRUZ, 2004).

Em direção do rio, ao norte, utilizando o decumanus maximus, podia-se acessar

o coração da cidade, onde se localizavam o fórum – com seus templos e edifícios

públicos –, espaços para o culto imperial, áreas arcadas e as termas. Ao redor destes

monumentos, se concentravam numerosos ambientes comerciais destinados a venda

de alimentos e demais produtos, para além de pequenas lojas e tendas ambulantes

que se espalhavam por toda a cidade. Deste ponto, seguindo em orientação ao oeste,

através do kardo maximus, encontraríamos um grande templo de culto imperial, e ao

continuarmos, chegaríamos até os edifícios de espetáculos. O anfiteatro e o teatro se

localizavam ao nordeste da cidade, próximos da muralha e também de ambientes

ajardinados e de recreação. O grande edifício do circo, se encontrava fora do

perímetro urbano, ao nordeste, em linha com as portas principais da cidade que

correspondiam ao decumanus maximus (ALGABA, 2009).

233

Figura 26. Plano urbano de Emerita Augusta sobre o atual de Mérida, destacando os restos arqueológicos e arquitetônicos romanos mais importantes. Apresenta traçado com

influências greco-romanas: plano hipodâmico em grelha marcado pelas duas ruas principais dos acampamentos romanos. Disponível em:

<http://www.spanisharts.com/arquitectura/imagenes/roma/ciudad_merida_plano.html>. Acesso em: 28/12/2014.

Emerita Augusta foi um caso dentro das concepções urbanas do período de

Augusto, que projetavam as novas cidades romanas com ampla ideia de futuro desde

o princípio. As muralhas da cidade e o aqueduto Aqua Augusta seriam mais antigos

que a construção do edifício do anfiteatro, datando dos primeiros momentos da vida

cívica. Da muralha emeritense se conservam vestígios em várias áreas da cidade, e

escavações realizadas em suas fundações asseguram sua construção nos primeiros

anos da colônia. O traçado se explica pelas condições topográficas que permitem

reconstruir o perímetro em forma de uma figura trapezoidal (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

No decorrer do tempo, o recinto colonial foi muito ultrapassado, estabelecendo

bairros extra urbanos ao longo das estradas de saída da cidade, junto às áreas de

234

necrópoles. Estes bairros compunham-se por casas e edifícios industriais (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995). Ao norte da cidade se encontravam os

grandes aquedutos, guardados pelo vale do rio Albarregas e pelas muralhas. Nesta

localização e a leste da cidade, considerada de periferia, se fixaram oficinas, áreas

industriais e tumbas (entre sepulturas e mausoléus); neste ambiente e nas

proximidades da cidade também se encontravam algumas residências abastadas,

amplas e ajardinadas (ALGABA, 2009).

Figura 27. Planta esquemática da cidade de Emerita Augusta com as principais estruturas urbanas do interior do perímetro amuralhado e extramuros ou suburbium (MATEOS CRUZ,

2004, p. 29).

A investigação do urbanismo emeritense em seus aspectos territoriais permite

compreendermos a cidade, a Mérida romana. Umas das principais questões da

análise da cidade emeritense entendida como a união entre a área incluída no

perímetro amuralhado, o suburbium, e o território em que se insere nos oferece uma

visão da estrutura urbana pelo caminho da vida cotidiana romana através de seus

235

elementos urbanos nas áreas funerárias e industriais, aquedutos ou vias e caminhos

de aceso (MATEOS CRUZ, 2004).

As domus suburbanas emeritenses foram construídas e ocupadas poucos anos

depois da fundação da colônia, a construção destas casas se relaciona mais ao fato

de ser uma eleição do proprietário do que com problemas de ocupação na área

intramuros. Observa-se que a muralha da colônia não se constituía como um elemento

delimitador da cidade, visto que as infraestruturas públicas, aquedutos, áreas

funerárias, etc., compunham a prolongação da vida urbana. Este novo caráter

atribuído à ocupação da área extramuros, junto às vias suburbanas e à relação entre

estas estruturas fomentava uma verdadeira urbanização desde o século I a.C. em

contínua ampliação até o século III d.C. (Idem, 2004).

Ao norte da cidade emeritense podemos encontrar vestígios de ocupação

frequente, expressas em moradias e instalações industriais, tanto dentro como fora

das muralhas. Em áreas periurbanas do lado sul da cidade também podem ser

encontradas instalações industriais e oficinas. As áreas funerárias caracterizam-se

pela dispersão espacial ao longo do desenvolvimento da cidade. O plano arqueológico

emeritense aponta certa relação entre as áreas funerárias e as vias de acesso à

cidade (Ibidem, 2004).

O funcionamento da rede de calçadas que chegavam à cidade, proveniente dos

quatro pontos cardiais, assim como os caminhos periféricos que uniam as grandes

vias de acesso, apresentavam considerável grau de urbanização da área extramuros

de Emerita Augusta, onde localizavam-se áreas funerárias e industriais conforme a

evolução da cidade. Nestas áreas ainda encontravam-se as distintas conduções

hidráulicas, provenientes de reservatórios e represas próximas ou nascentes que

distribuíam a água que abastecia e consumia a cidade (Ibidem, 2004).

O esquema urbanístico da cidade emeritense evoluiu ao longo dos séculos,

respeitando as características gerais que definiram este momento na vida da colônia

emeritense. Entre os séculos III d.C. e IV d.C., com a designação de Emerita Augusta

como capital da Dioecesis Hispaniarum, a cidade se envolveu em reformas urbanas

que aos poucos foram modificando sua fisionomia. A cidade da época romana tardia

continuaria com a mesma estruturação urbanística da época fundacional, embora se

produzisse, ao longo dos anos, modificações nos edifícios. Contudo, as estruturas

principais da atividade administrativa, social, política, econômica e religiosa da cidade,

236

seguiram crescendo e adquirindo maior impulso neste período tardio (MATEOS

CRUZ, 2004).

A partir desta fase, observa-se que as maiores mudanças urbanísticas se

manifestaram na área periurbana da cidade. As restaurações de edifícios públicos,

reformas estruturais das moradias e transformações urbanísticas afetaram as áreas

da cidade, provocando uma grande mudança em seu aspecto físico. Estas mudanças

significaram uma nova reorganização espacial. Ao longo dos séculos, a capital da

Dioecesis Hispaniarum sofreu uma nova concepção espacial ao incorporar edifícios

de caráter cristão à sua estrutura, originando um novo modelo urbanístico e

arquitetônico para a cidade (Idem, 2004).

4.7 CIDADE E CAMPO EMERITENSE

As fronteiras do ager emeritensis constituem-se uma das principais questões

de investigação sobre o estudo do mundo rural da capital lusitana, pois as definições

dos limites das cidades romanas são marcadas de incertezas devido à impossibilidade

de reconstruí-las com certeza. A carência de documentação precisa sobre o assunto

aponta a dificuldade de obtermos uma visão completa de uma urbs romana, que deve

ser entendida como o espaço onde se localizam os elementos que definem a vida da

população, mas principalmente como o centro da comunidade em que o ager ocupava

também um papel fundamental. Para compreender a estrutura de Emerita Augusta no

mundo antigo, torna-se necessário conhecer ambas as realidades e analisá-las

conjuntamente, cidade-campo (CORDERO RUIZ, 2010).

A delimitação do ager emeritensis, igualmente como o resto das cidades

romanas, constituiu-se como um ritual destinado a reprodução do templum celeste

nos âmbitos urbano e rural, este último adquiria então um caráter sacro e inviolável

para a população que o ocupava. Esta união se ampliava com a articulação do campo

dos agrimensores seguindo a orientação do kardo e o decumanus maximus da urbs,

através da centuriatio, que ligava os espaços em uma rede comum e única (Idem,

2010).

Os limites do ager respondiam aos interesses de uma comunidade para evitar

a confusão com outros territórios vizinhos e por estabelecer com segurança o espaço

em que atuariam os magistrados. Aos agrimensores este processo era considerado

237

muito importante devido ao seu caráter sacro. A remoção ou mutilação das epígrafes

territoriais eram consideradas delitos graves que ocasionavam a pena de morte. Esta

atribuição conferia sacralidade e todas elas foram consideradas deusas e estimadas

como guardiãs da paz e amizade. Outros signos complementários se encarregavam

de limitar os terrenos, como elementos naturais (árvores, montanhas, rios, etc.) ou

artificiais (estradas, poços, etc.). Também existiam outras formas de fixação do

território que variavam de acordo com as necessidades e problemas próprios de cada

caso, como a disposição de eixo diferente ao utilizado nas centuriações das

comunidades vizinhas (CORDERO RUIZ, 2010).

Os agrimensores encarregados da fundação de Emerita Augusta se basearam

nestas considerações. A delimitação do território e sua articulação foi um produto de

um ritual sacro que reforçava a identidade da comunidade emeritense, além de

estabelecer com segurança o âmbito de onde seus magistrados podiam exercer sua

autoridade. A constituição do ager emeritensis esteve relacionada ao processo de

reorganização administrativa e territorial desenhada por Augusto para a Hispânia. A

delimitação dos limites do ager emeritensis foi um processo tão importante quanto a

centuriação. Visto que também a centuriação desempenhava o importante papel de

unir a cidade e o campo em uma única realidade (Idem, 2010).

O antigo território da capital da Lusitânia, Emerita Augusta, constituía-se como

um espaço onde regiam normas sociais e organizativas da cidade, que estabeleciam

uma relação entre a cidade e o campo. A cidade configurava-se como centro político

e administrativo que se encarregava de organizar o espaço, além de núcleo receptor

dos produtos do mundo rural. O campo, como consignatário de elementos urbanos

que apareciam nos assentamentos rurais emeritenses disseminados pelo seu

território (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004).

Também, por outro lado, deve-se considerar o urbanismo romano, da divisão

ortogonal do território da cidade em subdivisões, como elementos humanizados da

paisagem, que consistiam em reflexos da organização urbana e da ideia do homem

em estruturar o seu entorno (Idem, 2004). Assim, a cidade romana foi foco definidor

de uma paisagem absorvida e pautada desde ela, unindo cidade e paisagem em seu

conjunto pela inserção em eixos que ordenavam e distribuíam o campo e o centro

urbano através das vias introduzidas pelo kardo e decumanus (BENDALA GALÁN,

2000-1).

238

4.7.1 Emerita Augusta e Lusitânia

São muitas as alusões ao status colonial da cidade de Emerita Augusta. Muitas

inscrições encontram-se registradas na CIL II (Corpus Inscriptionum Latinarum –

Inscriptiones Hispaniae Latinae). Além de muitas moedas terem sido cunhadas com o

título de colônia e o nome da cidade, com o de legatos Augusti P. Carisius e das

insígnias das legiões V (Alaudae) e X (Gemina) (GARCÍA Y BELLIDO, 1958; 1959).

Como observamos anteriormente, P. Carisius como legatus Augusti e após a primeira

fase das guerras cantábricas, terminada com a tomada de Lancia, recebe o mandato

de fundar a colônia de Emerita Augusta para assentar nela os soldados licenciados

ou emeriti (daqui seu nome) das guerras (Idem, 1958; 1959).

A primeira deductio de Emerita Augusta se fez no ano de 25 a.C. com veteranos

das legiões V (Alaudae) e X (Gemina), os chamados veterani quintani et decimani. De

acordo com as imagens das bandeiras das moedas fora formada por acampamentos

de ambas as legiões. Emerita Augusta foi fundada como uma colônia militar e,

provavelmente, para o propósito de reforçar a defesa desta região da Lusitânia, onde

César havia fundado pouco antes as colônias Pax Iulia, Norba Caesarina e Scalabis,

e consequentemente difundir a romanização pelo território da província da Lusitânia

(Ibidem, 1958; 1959).

A fundação da cidade emeritense segue geralmente a data referência do

historiador Dión Casio, de 25 a.C., embora esta data não corresponda com a apontada

pelo mesmo, de 27 a.C., para a divisão da Hispânia Ulterior nas províncias Lusitânia

e Bética. Este intervalo de tempo impediria de afirmarmos que a cidade fora criada

para assumir-se como capital da nova província, contudo a comunidade científica

supõe que a criação da Lusitânia se produziu entre os anos de 16 a.C. e 13 a.C.,

coincidindo com a estadia de Augusto na península. Esta nova data conjectura que a

constituição de Emerita Augusta se produziu ainda na Hispânia Ulterior (CORDERO

RUIZ, 2010).

A proximidade no tempo de ambos acontecimentos representou para a maioria

da historiografia aceitar sua relação, destacando que a definição do ager emeritensis

foi uma ação ligada, igual a fundação da colônia, à criação de um novo mapa provincial

de Hispânia, que levou ao desaparecimento das antigas circunscrições – Ulterior e

239

Citerior – e à criação de novas províncias: Terraconenses, Bética e Lusitânia

(CORDERO RUIZ, 2010).

Anteriormente à mudança do período, os limites de Lusitânia e de Emerita

Augusta, esta última que assumiu o posto de capital, foram estabelecidos com

segurança. Assim como a província, a cidade se compôs como o espaço lusitano,

divididos em dois pelo rio Tajo. Ao norte, as montanhas complicavam as

comunicações e as principais cidades, em maioria estipendiárias, ocasionando a

localização destas cidades na costa ou em suas proximidades; enquanto no interior o

processo de integração nas estruturas romanas apresentou-se menor. Ao sul do Tajo

os acidentes geográficos revelavam-se mais suaves e continham melhores áreas

agrícolas. Esta área também manteve contato com Roma desde o século III a.C., onde

podemos observar um maior grau de municipalização e localização das colônias

romanas. Este esquema foi fundamental para a elevação de Emerita Augusta como

principal centro de comunicação, o que desconsideraria sua localização meridional

como elemento negativo em relação ao restante da província (Idem, 2010).

A zona sul em que se situa Emerita Augusta se define por uma topografia plana,

interrompida pelo afloramento de quartzo próximos à cidade, como são as serras de

S. Servám e outras mais ao norte, como as serras de San Pedro e as serras de

Montánchez. A localização da cidade emeritense na margem direita do rio Guadiana,

se faz sobre afloramentos graníticos, e domina um dos vaus mais importantes do rio,

com uma posição estratégica. O rio Guadiana constituiu um fator determinante para

explicar o povoamento, por facilitar o trânsito e o controle do território, além de

condicionar o local da cidade na margem direita (SÁNCHEZ; CÁCERES; CORRALES,

1992-3).

4.7.2 O ager emeritensis em época romana

Através da documentação gráfica (fotografia aérea e cartografia) e a

valorização arqueológica dos documentos epigráficos podemos compreender a

evolução da estrutura do ager colonial, a centuriação, do território da colônia Emerita

Augusta. Quatro tipos de documentos podem auxiliar neste estudo: notícias dos

agrimensores, as centúrias, marcos terminais, e as epigrafias que mencionam os

membros da tribu Papiria (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988).

240

Para estabelecer os limites do ager emeritensis e suas alocações territoriais

podemos dispor das passagens das obras de Frontino, Higino Agrimensor e Agenio

Úrbico (CORDERO RUIZ, 2010), transmitidas pelas duas fontes principais, pelos

agrimensores Frontino e Higino, e um terceiro, Úrbico que parece depender do

primeiro (GARCÍA Y BELLIDO, 1958; Idem, 1959). Através destas referências,

podemos conhecer a grande amplitude do território, o módulo e a centuriação, o

tamanho e orientação de suas centúrias, sua extensão de ambos os lados do rio

Guadiana e a existência de diferentes praefecturae e de um lucus ou uma floresta

consagrada à divindade Feronia. Para complementar esta documentação, contamos

com as arae terminales emeritenses, encontradas nos atuais termos municipais de

Valencia del Ventoso e Valdecaballeros (CORDERO RUIZ, 2010).

Pelo agrimensor Frontino, do tempo de Domiciano, sabemos que as terras

sorteadas corriam em Emerita Augusta em ambos os lados do Anas, do qual passava

pelo meio da colônia. O ager publicus emeritense deveria ser muito extenso pois,

conforme Frontino, na primeira repartição não se distribuiu mais que o preciso,

permanecendo para uma segunda e ainda uma terceira alocação, e que após, ainda

sobraria terrenos (GARCÍA Y BELLIDO, 1958; 1959). Assim, o território fora

distribuído de acordo com três alocações, procurando deixar assentados perto da

colônia alguns colonos como medida política e militar ou questões agrárias. Os

veteranos foram estabelecidos nas terras limítrofes, poucos se assentaram próximo

ao rio e da colônia, provavelmente devido ao caráter militar da fundação. O restante

do território fora distribuído ao longo do século I d.C. para assentar novos colonos

itálicos na colônia, relacionados com uma nova alocação territorial (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ, 1988; Idem, 1958; 1959).

Segundo Frontino as terras coloniais localizadas junto à margem do rio Anas

não se distribuíram por serem declaradas livres e públicas. A colônia de Emerita

Augusta possuía terras em abundância, com pastos e locais de uso comum, onde

cada família tinha o seu espaço atribuído. Dentre a vastidão do território emeritense,

Frontino menciona que a maior parte era formada por florestas e prados públicos,

como bens comuns, locais públicos, sendo possível que o colono alienasse os seus

direitos. O agrimensor Frontino também afirma que o território emeritense nunca

chegou a ser ocupado em sua totalidade, apesar das distribuições realizadas (Idem,

1988; Ibidem, 1959).

241

Entre a grande extensão do território emeritense, a região de Metemolín estava

dedicada ao pasto, e as partes mais montanhosas, como as Sierras de San Pedro,

Montánchez, Guadalupe e do Pedroso, que deviam ser em parte florestas. Uma

destas florestas, chamada Iucum Feroniae, dedicada à deusa itálica Feronia, temos

conhecimento da existência e extensão de 1000 iugera (uns 250 hectares), ou seja,

mais de 2500 metros quadrados, pelo desconhecido agrimensor Agenio Úrbico, que

provavelmente viveu entre o período dos séculos IV d.C. ao V d.C. e se baseou muito

pelos agrimensores clássicos, principalmente Frontino (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988;

GARCÍA Y BELLIDO, 1959).

Agenio Úrbico faz a primeira notícia direta sobre a extensão da pértica (medida

de longitude agrária usada pelos romanos, equivalente a 10 pés ou 2 passos)

emeritense sobre sua prolongação ao norte e sul do Anas. Este dado entra em

confronto com as passagens de Plínio o Velho e Pomponio Mela, que assinalam o rio

como limite entre as províncias Bética e Lusitânia. Esta problemática seguiria até o

século XX, quando a comunidade científica vai seguir a favor de Agenio Úrbico em

detrimento das afirmações de Plínio o Velho e Pomponio Mela, defendendo o

desdobramento do ager emeritensis e da Lusitânia ao sul do Guadiana, conseguindo

uma melhor definição geográfica do limes ou limite bético-lusitano (CORDERO RUIZ,

2010).

A partir deste ponto as investigações se concentram em localizar a fossilização

na paisagem atual da organização espacial descrita pelo agrimensor Higinio. O

principal objetivo seguiu em identificar sobre o terreno, mediante o uso da cartografia

e a fotointerpretação, as centúrias de 400 iugera detalhadas por este agrimensor

(Idem, 2010). Nota-se que a distribuição do território das colônias, segundo os

agrimensores, se dividia em lotes, as centuriações. Conjugando informações dos

textos dos agrimensores com os dados da documentação cartográfica moderna, e

observando restos de centuriação, podemos apontar a cronologia da distribuição entre

25 a.C. e 15 a.C., em relação à fundação da colônia emeritense e à viagem de Augusto

até a Península Ibérica (SÁNCHEZ; CÁCERES; CORRALES, 1992-3).

Sobre os colonos e veteranos estabelecidos nas terras do território, se observa

que o caso de Emerita Augusta foi excepcional, pois havia muita terra para se repartir

e com preço muito baixo ou nulo, que ocasionavam na extensão de 400 iugera por

centúria. Nos primeiros momentos da colônia, parte do território permaneceu vazio e

foi posteriormente alocado (DUPRÉ RAVENTÓS, 2004). Uma nova distribuição de

242

terras ocorreria durante a época do breve governo de Otão, no ano de 69 d.C., onde

foram levados a Emerita Augusta e a Hispalis algumas famílias de nobres que

reforçaram o sangue latino destas colônias. Esta deveria caracterizar uma terceira

colonização, se supormos que a primeira e a segunda se fizeram com veteranos das

Legio V Alaudae e X Gemina (GARCÍA Y BELLIDO, 1958; 1959).

Geralmente as centúrias possuíam de 50 a 200 iugera, em proporção à

amplitude de ager publicus entregue para uma colônia (Idem, 1958; 1959). Através do

agrimensor Higino conhecemos a extensão dos lotes atribuídos a Emerita Augusta,

conferindo a distribuição sobre a base de 400 iugera (uns 100 hectares) por centúria,

número superior a de outras entidades territoriais da época. Higino descreve os limites

que os decumani teriam, 40 actus de comprimento e que estavam orientados de

acordo com o padrão, enquanto os kardines, de 20 actus, além dos limites decumani

caírem para oriente (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988; Ibidem, 1959).

Como un iugerum mide dos actus y um actus tiene 120 pies en cuadro, cada centuria recibía, en medidas actuales, mas de 100 hectáreas, lo que equivale a una hectárea y algo mas por familia (Ibidem, 1958, p. 19).

Estudos estimam que a centuriação girasse entorno de 50000, com módulo de

710 metros, e que a parte meridional da colônia pudesse apresentar entre 3000

centúrias e 4000 centúrias, o que revela a grande extensão territorial emeritense.

Alguns levantamentos sobre a centuriação de algumas zonas próximas à cidade

apontam centúrias de 200 iugera, de 710 metros de largura subdividas em paralelo

com os kardines. Outras centuriações da colônia, de igual extensão, de 710 metros

de largura, equivale a 20 actus, com divisões internas igualmente. Tais exemplos

revelam que as centúrias teriam 20 actus laterais e não como as fontes sugerem de

40 actus x 20 actus, assim o módulo emeritense se aproxima do padrão de

territorialidade de outros locais da época. Talvez essas grandes áreas e subdivisões

poderiam ser atribuídas às famílias, para que fossem divididos proporcionalmente

entre seus membros (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988).

Os dados oferecem dificuldades para definir as centúrias do território de

Emerita Augusta. Mesmo assim, pode-se apontar uma maior concentração de

assentamentos em áreas do norte e do leste de Emerita Augusta, onde as unidades

de povoação rural mantêm distância entre elas de 1 quilômetro e 1,4 quilômetros, que

243

traduziria para a superfície de uma malha quadrada de 100 hectares e 225 hectares,

o qual se relacionaria com a centuriação de Emerita Augusta proposta por Higinio, que

atribui a colônia uma centúria de 400 iugera, retângulos de 20 actus por 40 actus, que

se manifestam em 710 metros por 1420 metros, equivalente a uma superfície de 100

hectares. Para os 225 hectares, uma concentração da propriedade podia responder à

união de duas centúrias em etapas posteriores, ou podia se tratar de ocupações

posteriores, que não seguissem a distribuição das centúrias primitivas (SÁNCHEZ;

CÁCERES; CORRALES, 1992-3).

Um fenômeno diferente se observa ao sul do Anas e na sua metade oriental,

com distribuição dos assentamentos uniforme, que unia a homogeneidade dos solos

dominados e alinhava os assentamentos ao longo de arroios e vias de comunicação,

que provocavam um alinhamento geral de todo o assentamento, alguns de forma

perpendicular. A separação dos assentamentos se encontram na média de 2

quilômetros e 2,5 quilômetros, com superfícies medias de 400 hectares e 625 hectares

respectivamente. De forma esporádica também pode-se observar distâncias idênticas

como as assinaladas anteriormente, entre 1 quilômetro e 1,5 quilômetro que se

poderiam interpretar como uma sobrevivência das primeiras centuriações que se

iniciaram nesta área, e por um agrupamento das propriedades após as primeiras

atribuições (Idem, 1992-3).

Segundo os testemunhos trabalhados, o território emeritense configurava-se

muito extenso. Para determinar as fronteiras do território considera-se os marcos

terminais achados em Valdecaballeros e Montemolín, distantes entre si em linha reta

por uns 175 quilômetros. Em Valdeballeros se acharam dois marcos. Por causa destes

marcos, os limites oriental e meridional do ager emeritensis podem ser mais ou menos

fixados, diferentemente dos extremos setentrional e ocidental, que pela ausência

destas referências apresentam-se mais problemáticos (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988).

Sobre a extensão da ocupação das terras repartidas de Emerita Augusta

apresentam-se dois marcos. Um no terminus Augustalis, datado no período de

Domiciano, achado em Valdecaballeros. Através desse documento sabemos que a

uns 120 quilômetros de distância a leste de Emerita Augusta se confirmavam certas

terras da colônia. A distância demasiada grande para uma continuidade de terras

coloniais, permite-nos conhecermos as alocações de Emerita Augusta como

verdadeiramente extraordinárias. O segundo marco, de Montemolín, ao sul da

Província de Badajoz, aponta na inscrição o terminus Augustalis da colônia Emerita

244

Augusta, não precisando o limite do território, sendo provável que estivera dentro da

atual Província de Sevilla, cujo o limite com Badajoz devia correr, pelo menos em

parte, com os prados da colônia emeritense. Montemolín está a 120 quilômetros de

Mérida, e entre elas provavelmente haveria povoações pertencentes a Bética. Os

prados da colônia emeritense deviam constituir um enclave de terras. Em

Valdacaballeros os territórios interpostos são de colônias ciuium Romanorum,

cidadãos romanos, e em Montemolín são simples oppida, cidades. Observa-se que

as alocações das terras coloniais nem sempre estiveram em continuidade com os

terrenos, pois os “deductores” teriam que aderir todo o ager publicus disponível

(GARCÍA Y BELLIDO, 1958; 1959).

Entre as interpretações das inscrições estudiosos divergem sobre se o espaço

territorial de Emerita Augusta como um enclave, em terras que não pertenciam à

província da Lusitânia, ou se estabeleciam como seu próprio território; e os que

acreditam, como García y Bellido, que o território emeritense – tão ponderado pela

sua grandeza pelos agrimensores –, poderia se estender até Valdecaballeros. Esta

hipótese tentadora não se torna estranha junto ao fato dos registros dos agrimensores,

e a extensão do território tão ao oriente, até a zona próxima do encontro com as três

províncias, onde os limites nunca foram claros. O fato de o território de Emerita

Augusta ser tão extenso levou Higino a afirmar que para sua administração foi

necessária a criação de praefecturae (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988).

Estes dados somados aos fornecidos por Higino, que informa que para

administrar o território emeritense, o mesmo foi dividido em três prefeituras adjuntas,

cujos nomes se conhece apenas dois: Mullicensis e Turgaliensis – o terceiro ele não

nomeia (Idem, 1988; GARCÍA Y BELLIDO, 1959). Nelas os limites decumani teriam

de comprimento 20 actus e os kardines 40 actus, inversamente de Emerita Augusta.

A distância de Turgulium (Trujillo), mais setentrional que o Valdecaballeros, até os

prados da região de Montemolín, mais meridional, revela um total, em linha reta, de

200 quilômetros, mais que o eixo Norte-Sul da província de Badajoz e o mesmo eixo

de Leste-Oeste, sendo a província de Badajoz a maior da Espanha, com 22000

quilômetros quadrados (Idem, 1959).

A nova colônia possuía um extenso território ou limite municipal, não

exatamente preciso, repartido com uma liberdade pouco usual. Contudo, apesar das

valiosas informações dos agrimensores antigos, estas constituem-se incompletas,

implicando em ainda permanecemos distante de sua configuração definitiva. Os

245

limites da circunscrição territorial podem fixar-se mais ou menos convincentemente

sobre o que sabemos em relação à estrutura do ager colonial, à centuriação, à

viabilidade e sua demografia, e etc. Esta extensão territorial, entorno de 20000

quilômetros quadrados foi dividida em três prefeituras ou circunscrições

administrativas. Seus limites aproximados eram por norte o território de Norba, pelo

sul os conventus hispalensis e cordubensis, pelo leste Valdecaballeros, e oeste a área

de Borba, Estremoz, com suas pedreiras de mármore (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

Entre a colônia emeritense e o local de Valdecaballeros estava localizado o

território de Metellinuim. Como analisamos, a fundação de Emerita Augusta desferiu

um duro golpe na colônia de Metellinium, cujo o eixo geopolítico mudou para a Vía de

la Plata que se conectava à colônia emeritense. Contudo, podemos observar neste

caso o caráter das entidades territoriais da época romana, cuja descontinuidade

resultaria, no caso de Emerita Augusta, na criação das praefecturae (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ, 1988).

Um dos aspectos mais debatidos sobre Emerita Augusta se refere ao seu

território, devido aos problemas dos limites entre Bética e Lusitânia, que afetaria a

zona meridional do território da cidade (SÁNCHEZ; CÁCERES; CORRALES, 1992-3).

O terminus Augustalis, o de Montemolín, nos introduz aos limites meridionais do

território e, portanto, nas províncias da Bética e Lusitânia. Montemolín fora englobada

pela província da Bética, e a colônia Emerita Augusta teve um enclave em bons

terrenos de pastagem e minas (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988). Atualmente se tem

assinalado a estreita relação do kardo maximus da malha centuriada emeritense com

o traçado da via romana que unia a capital lusitana com a cidade de Italica. Na

variação da construção da estrada junto aos Los Santos de Maimona (Badajoz) e do

fim da centuriação ao norte deste ponto, sustenta-se que este local seria o limite

meridional do ager emeritensis e, portanto, o limite bético-lusitano. A fronteira seria

concretada na linha formada pelas serras de Calera, Feria e María Andrés. Esta

demarcação fecharia a leste pela serra de Hornachos (CORDERO RUIZ, 2010).

Descarta-se a possibilidade de o marco de Montemolín situar ao sul desta

fronteira uma praefectura emeritense, entre esta localidade e Valencia del Ventoso.

Torna-se difícil supor que o terminus de Valencia del Ventoso delimitaria a fronteira

meridional do ager emeritensis devido que esta teria que superar os territórios de

algumas cidades béticas, o que corresponderia a um enclave emeritense que não se

246

faz possível definir por causa da ausência de documentação, e que se estenderia a

uma área circunscrita por algumas administrações territoriais. A inclusão da área de

Salvatierra de los Barros (Badajoz) ao território de Emerita Augusta parece provável

por motivos geográficos, por se encontrar imersa na linha formada pelas serras de

Calera, Feria e María Andrés (CORDERO RUIZ, 2010).

O limite ocidental de Emerita Augusta se define basicamente em função da

dispersão das epígrafes da tribu Papiria e no desenvolvimento da rede hidrográfica

em torno da atual cidade de Badajoz. De acordo com as inscrições e de Álvarez

Martínez o território da capital lusitana se estenderia até as pedreiras de mármores da

Borba-Estremoz, localizada a oeste da atual Elvas (Idem, 2010). Desta forma, os

limites ocidentais do território emeritense deveriam alcançar até a altura ocidental do

rio Anas, já que não era incomum que os rios formassem barreiras naturais como

limites de unidades político-administrativas. Provavelmente o território deveria estar

de acordo com os termos do atual Badajoz e Elvas. O limite marcado pelo traçado

nordeste-sudoeste do Anas, com sua mudança de curso a partir de Badajoz e seu

curso até Hueva, marcaria a separação das áreas de influência de Emerita Augusta

em relação a Ebora, para o limite ocidental. Talvez o limite ocidental fosse até Ebora

e a vizinhança das pedreiras que forneceram mármore para a colônia ao longo dos

três primeiros séculos do Império (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988; SÁNCHEZ;

CÁCERES; CORRALES, 1992-3).

Estas propostas se relacionam a uma delimitação dos conuentus Pacensis e

Emeritensis, consequentemente ao território de Emerita Augusta. Contudo, segundo

as referências dos marcos achados nas imediações de Elvas e epígrafes da tribu

Papiria parecem indicar que a zonas de Elvas e Borba-Estremoz estivessem sob as

zonas de influência emeritense dentro do conuentus, sem atribuir diretamente seu

ager. Assim, acredita-se que as margens dos rios Zapatón, Gévora, Guadiana e

Olivenza como os delimitadores da fronteira ocidental do ager emeritensis. O setor

sudoeste se definiria pelo rio Olivenza até as serras de Monsalud, María Ándres,

Calera, Feria e Los Santos. No setor noroeste, o desenvolvimento do rio Zapatón até

a serra de San Pedro permite ligar esta linha com o limite setentrional do ager,

delimitado pela barreira montanhosa formada pelas serras San Pedro e Montánchez

(CORDERO RUIZ, 2010).

A fronteira norte possui duas singularidades, encontramos a área da floresta

sagrada, de 1000 iugera de extensão, dedicado à deusa romana Feronia, e a área

247

entorno da atual cidade de Trujillo, identificada com a antiga Turgallium romana, onde

geralmente se localiza a praefectura regiones Turgalliensis. Contudo, não dispomos

de informações que nos permitam reconstruir os limites desta jurisdição emeritense

(CORDERO RUIZ, 2010). O território emeritense transbordou influência nos territórios

ao redor, como atestam a praefectura Turgalliensis e as epigrafias da tribu Papiria.

Estudiosos sugerem como limite norte, os territórios pertencentes a colônia Norba

Caesarina que assinalaria os confins de Emerita Augusta, e o rio Salor serviria de

divisor dos territórios (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988).

A fronteira oriental apresenta um complexo problema de definição espacial das

administrações territoriais das colônias de Emerita Augusta e Metellinum. Para o leste

da cidade de Emerita Augusta, sua área de influência estaria determinada pela

presença do território da colônia de Metellinum, com expansão de suas possessões

fora do âmbito territorial. Ao sul do Guadiana, a separação entre os territórios de

ambas as cidades apresenta consenso na historiografia, salvo as áreas dos atuais

municípios de Guareña e Manchita. Ao norte do Guadiana a maior parte da

historiografia considera que a fronteira entre os territórios de Emerita Augusta e

Metellinum estivesse fixada no rio Búrdalo. Proposta esta que impedia ligar

diretamente o território norte ao leste da capital lusitana, conhecido ao terminus

emeritense achado na propriedade de “Mojón Gordo”, localizado no término municipal

de Valdecaballeros (CORDERO RUIZ, 2010; SÁNCHEZ; CÁCERES; CORRALES,

1992-3).

Esta epígrafe estabelece os limites entre um enclave da cidade colonial bética

de Ucubi Claritas Iulia e Emerita Augusta. Assim, abre a continuidade do ager

emeritensis até o leste do território de Emerita Augusta, no terminus de “Mojón Gordo”.

Ao sul do rio Ruecas e seu afluente Gargálias formariam a linha fronteiriça com os

territórios de Metellinum e Lacimurga, cujos territórios se estenderiam, igual ao

emeritense, a ambos os lados do rio Anas. Desta forma, a presença dos termini

augustales localizados no término municipal de Valdecaballeros nos assinalam uma

relação territorial entre Emerita Augusta, Lacimurga e Ucubi. A fronteira do “Mojón

Gordo” se ligaria diretamente com o que se marcava por um acidente natural que

servia como limite setentrional do território formado pelas serras de San Pedro e suas

prolongações até leste, com a serra de Montánchez, seguindo a serra de Guadalupe

(Idem, 2010; Idem, 1992-3; PLÁCIDO, 2009).

248

Se baseando na análise historiográfica e reinterpretação das fontes

documentais e materiais, a definição do ager emeritensis possuiria limite meridional

pelas serras de Hornachos, Los Santos y María Andrés; ao oeste, a linha divisória

seguiria o curso do rio Olivenza até sua desembocadura no rio Guadiana; a

demarcação ocidental seguiria o sentido sudoeste-nordeste nas margens dos rios

Guadiana, Génova e Zapatón, até o nascimento deste último junto a serra de San

Pedro, que atuaria junto às serras de Montánchez e Guadalupe como fronteira

setentrional; o limite oriental estaria assinalado pelo rio Matachel e as serras de

Hornachos e Peñas Blancas; ao norte do Guadiana o ager se estenderia de maneira

contínua até a serra e San Simón, cujo extremo norte se localiza o sitio de “Mojón

Gordo”, enquadrado entre às margens dos rios Ruecas e Gargáligas ao sul, e as

serras de Mintánchez e Guadalupe ao norte (CORDERO RUIZ, 2010).

Figura 28. Limites aproximados do ager emeritensis segundo Tomás Cordero Ruiz (Idem, 2010, p. 160).

Mesmo que não seja possível fixar com precisão os limites do território colonial

emeritense pode-se formar uma ideia aproximada de sua enorme extensão (GARCÍA

Y BELLIDO, 1959). Achados epigráficos dos membros da tribu Papiria permitem

249

verificar que o agrupamento na colônia se deu entorno da cidade, próximo a uma

forma circular. Esta distribuição mostra o limite setentrional do território sem membros

da tribo, e revela uma penetração do território da Baeturia, onde considera-se um

território de Emerita Augusta, como na vizinhança do enclave de Montemolín. Estes

dados são significativos, mas não muito confiáveis. Assim, podemos considerar que o

território emeritense fosse estendido até o norte, com fronteira junto ao rio Salor. Pelo

leste seria possível considerar a zona de Valdecaballeros como limite entre as três

províncias e o território de Emerita Augusta. O limite meridional, mais claro, fixa uma

linha marcada pelos municipia e entidades de povoação dentro da demarcação

geográfica de Baeturia, pertencendo provavelmente ao território de Emerita Augusta.

Nas terras de Baeturia a colônia contou com o enclave definido pelo marco de

Montemolín. Pelo ocidente, o confim do território emeritense marcava-se por Ebora

(ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1988).

4.7.3 Território emeritense durante a Antiguidade Tardia

Durante o governo do imperador Diocleciano a cidade de Emerita Augusta foi

nomeada a capital da Diocesis Hispaniarum, ampliando seu peso político e

administrativo tanto dentro da província como no quadro estatal tardo romano.

Também, as reformas realizadas por este imperador fragmentaram o antigo mapa

provincial hispano. Os números de províncias aumentaram das três, Bética, Lusitânia

e Terraconenses, para cinco, Bética, Lusitânia, Terraconenses, Galícia e

Cartaginenses, todas sob a atribuição da Diocesis Hispaniarum. Esta reforma fora

planejada para melhorar a gestão do Estado, a administração da justiça e a

arrecadação de impostos (CORDERO RUIZ, 2010).

A falta de conhecimento sobre os limites exatos deste novo mapa provincial

nos leva a considerar as estruturas territoriais eclesiásticas tardo antigas como um

reflexo das anteriores divisões civis, tendo então a mesma fronteira que a antiga

província romana. Em caso emeritense, não se dispõem de informações que permitam

apontar se os limites das fronteiras do território da cidade foram modificados em

período romano do Baixo Império, com a reforma de Diocleciano, e também com a

nomeação de Emerita Augusta como capital da Diocesis Hispaniaruim (Idem, 2010).

250

4.8 ARQUEOLOGIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO HISPANO

Diferentemente do que ocorria com Roma e as grandes cidades da

Antiguidade, o urbanismo das cidades da Hispânia antiga foi pouco conhecido devido

à sua realidade e seu quadro. O atraso da investigação na Espanha acontecia pelo

enorme trauma da guerra civil e a lenta recuperação econômica e cultural até datas

relativamente recentes. A antiguidade e perduração histórica de parte dos centros

urbanos foram desta forma eliminados ou removidos em sua maioria das estruturas

antigas destas cidades, de modo que se conservam e se conhece pouco delas. E

entre estas cidades antigas se encontra Emerita Augusta, na atual Mérida (BENDALA

GALÁN, 2009).

A partir dessa constatação ocorre um crescimento na valoração do patrimônio

histórico e arqueológico herdado, que com uma maior consciência social sobre seu

valor e importância cultural marcava-se assim o decreto da Lei do Patrimônio Histórico

Espanhol de 1985, atualmente em vigor, com numerosos decretos nas leis das

comunidades autônomas em virtude de suas próprias competências de patrimônio

histórico e cultural. A lei prescreve a necessidade de realizar escavações preventivas

nos núcleos históricos das cidades, e de analisar e preservar seus restos

arqueológicos que aparecerem em qualquer local de remoções do terreno.

Juntamente se unem estudos urbanos que se inserem na nova consideração da

paisagem cultural e formas de sistematização dos dados arqueológicos relativos a

uma cidade ou urbe, que permitiram renovar o conhecimento sobre as cidades antigas

da Hispânia (Idem, 2009).

A consistência dos monumentos de épocas helenística e romana, e sua

visibilidade na estrutura urbana de determinadas cidades, como Mérida, alimentam a

percepção da existência de uma poderosa base greco-romana na configuração

urbana de muitas cidades da estrutura urbana da Hispânia. Uma correlação estrita

que compreendeu antecedentes da conquista de Roma, a romanização, a

implementação e generalização dos modelos e das formas de vida urbana e

arquitetônica romanizadas na Hispânia antiga (Ibidem, 2009).

Através das escavações pode-se reconstruir a história urbanística dos centros

urbanos da Antiguidade, entretanto enfrenta-se muita dificuldade de pesquisa destas

cidades, que seguem sendo centros vivos da atualidade, provocando o

desaparecimento ou ocultação das estruturas antigas, tornando muito difícil a

251

recuperação e a análise das estruturas conservadas. Em alguns casos, cidades

despovoadas ou pelo benefício da política preservadora do patrimônio arqueológico

urbano, vão se somando muitos dados com os quais pode-se reconstruir, mesmo que

parcialmente, a história urbanística de muitos centros, e assim obter novas

perspectivas para traçar mais precisamente as orientações gerais das cidades antigas

(BENDALA GALÁN, 2000-1).

A maioria dos espaços das cidades helenístico-romanas da Hispânia foram

ocupados ininterruptamente ao longo de 2000 anos e em seu transcurso das

atividades de edificação, de extensa reconstrução e devastação, apagaram

evidências do período greco-romano ou ocultaram de forma mais ou menos

permanente seus restos urbanos. Mérida constitui-se como uma exceção entre tais

cidades romanas antigas, as escavações realizadas e vestígios encontrados permitem

conhecermos seu núcleo romano (MORRIS, 1984).

O conhecimento sobre as cidades da época greco-romana está avançando,

muitas delas são centros urbanos ativos na atualidade, e se beneficiam com as citadas

aplicações legais e do amadurecimento dos sistemas de controle arqueológicos dos

complexos depósitos que as cidades apresentam. As cidades que melhor

representam esse crescimento são as capitais romanas das três províncias da

Hispânia: a antiga Terraco, atual Terragona, da província Tarraconensis; a antiga

Corduba, atual Córdoba, da província Bética; e a antiga Emerita Augusta, atual

Mérida, da província da Lusitânia. As três cidades constituem importantes centros

urbanos da Antiguidade e atualmente, através do conhecimento arqueológico, se

obtêm informações do urbanismo próprio das cidades romanas, de suas influências

helenísticas e de suas especificidades hispânicas, em função das próprias trajetórias

históricas, institucionais e culturais de cada cidade (BENDALA GALÁN, 2009).

Do ponto de vista material e arqueológico, a implementação do modelo urbano

das cidades romanas como resultado de conquista na Hispânia interessa pela

diversidade de fórmulas que os centros urbanos foram transformando para se

aproximarem dos modelos urbanísticos e arquitetônicos romanos. Através da capital

provincial de Emerita Augusta, podemos constatar tal diversidade representada na

criação da cidade colonial, com urbe levantada ex novo sem precedentes urbanos

diretos, embora o local tenha sido ocupado ou frequentado anteriormente. Já as outras

duas capitais partiam de centros anterior e precederam reordenações urbanas (Idem,

2009).

252

O controle de pontes e centros viários caracterizavam cidades com papel de

centralizar e organizar o território, funções desempenhadas pelas capitais provinciais,

como Emerita Augusta e sua associação com as pontes sobre os rios Guadiana e o

Albarregas. Cidades de nova criação romana, como a colônia emeritense, se

conectavam, articulavam e integravam ao Império como um grande território através

da extensa rede viária, esta que apoiava novos centros de criações e incorporavam o

território ao domínio romano e sua estruturação territorial e urbana (BENDALA

GALÁN, 2009).

O processo de arquitetonização da cidade antiga produziu o resultado de fazer

extraordinariamente a arquitetura e a urbanização como a mais direta e contundente

expressão da personalidade da cidade. O conteúdo da urbe antiga revela-se como

cenário principal da vida urbana, testemunho em que a cidade se expressa, comunica,

reconhece e se auto afirma. Estudos científicos se encarregam em interpretar seus

códigos, forma e aparência dos ambientes urbanos, reconhecendo estímulos sociais,

econômicos e políticos que nela se materializam. Assim, a partir desta exploração dos

monumentos como fonte para a investigação e valorização das civilizações e cidades

antigas, podemos verificar aspectos fundamentais da sociedade romana em etapas

de sua configuração; e através de sua arquitetura e urbanismo, além de realizar uma

releitura da configuração e evolução da uma determinada urbe em seus aspectos

sociais e políticos, podemos estimar processos históricos com aproveitamento e

reflexo nas formas e cenários das cidades antigas (Idem, 2009).

4.8.1 Situação arqueológica em Mérida

Para aprofundar o conhecimento da antiga colônia romana de Emerita Augusta,

maiores informações estão sendo reveladas através de estudos e escavações

realizados na atual cidade de Mérida, então auxiliados pelos trabalhos do Consórcio

da cidade Monumental e de investigações dos centros de Museu Nacional de Arte

Romano de Mérida (MNAR), do Conselho Superior de Investigações Científicas

(CSIC), e do Instituto de Arqueologia de Mérida (MARTÍN, 2004).

Nas últimas três décadas a arqueologia urbana de Mérida alcançou progressiva

melhora, impulsionada pelo governo autônomo em conseguir, em 1993, que a cidade

recebesse pela Unesco sua inclusão na lista dos bens pertencentes ao patrimônio

253

mundial. A Junta de Estremadura empenhou-se num Patronato, mais tarde convertido

em consórcio interadministrativo, para a realização de um projeto de arqueologia

urbana que acordasse à entidade monumental e importância histórica de seu conjunto

urbano, através dos conceitos e metodologia da moderna arqueologia. O Consórcio

tornou possível pensar a investigação arqueológica das cidades no que se refere a

espaço único e projeto global para a gestão e intervenção integral da cidade. Observa-

se como bem irregular a cobertura bibliográfica sobre o passado da arqueologia

urbana de Mérida, que apenas a partir de 1994 começariam ocorrer documentações

anuais de intervenções arqueológicas (TEMIÑO, 2004).

Em 1984, a Junta de Estremadura refez o Patronato da Cidade Monumental,

Histórico-Artística e Arqueológica de Mérida residindo a gestão efetiva das

intervenções aos insuficientes técnicos autônomos, que compartilhavam esta tutela

com o restante do território da comunidade. As escavações se desenvolveram em

condições precárias e com dificuldades posteriores de estudo do produto das

mesmas. Talvez, a este respeito configurou-se mais evidente a retirada da equipe

consolidada em torno do Museu Nacional de Arte Romano. Em 1987, com a

localização da capital da comunidade em Mérida, as atividades construtivas

aumentaram significativamente na cidade, supondo um crescimento nas escavações

de urgência. Entre os anos de 1987 e 1992 ocorreram 135 intervenções

arqueológicas. Embora se declarasse a cidade como patrimônio da humanidade, com

o aumento de volume de documentação inédita e testemunhos arqueológicos, o

simples controle não assegurou a realização de uma arqueologia urbana à altura das

circunstâncias. Este quadro perduraria até a década de oitenta e início de noventa. O

nível de conservação dos restos arqueológicos era lamentável e se tornava difícil

avaliar o aproveitamento cientifico das escavações em tal período, caracterizado pela

minimização da capacidade de assimilação dos resultados de iguais montes de

intervenções. Assim, os responsáveis pela arqueologia urbana emeritense se

depararam com duas questões: a planificação racional da atividade arqueológica, para

aumentar o conhecimento e a investigação da cidade, e a consolidação de um modelo

estável que passasse pelo envolvimento da equipe anterior, entorno do Museu

Nacional de Arte Romano, remisso a essa responsabilidade (Idem, 2004).

A arqueologia preventiva durante estes anos em que a cidade transbordava

seus próprios limites urbanos, e que os novos empreendimentos habitacionais

assediavam os monumentos emergentes, manteve uma posição ambígua dentro da

254

própria administração autônoma. O reconhecimento dos valores da cidade pela

Unesco, que a incluiu na lista de bens patrimoniais da humanidade em 1993,

constituiu-se como fator da mudança de maior respeito ao patrimônio histórico da

cidade, que progressivamente pareceu unir todas as administrações. O Patronato da

cidade Histórico-Artística e Arqueológica de Mérida foi refundado em 1994,

dependente da Junta de Estremadura, que assume um projeto de arqueologia urbana

que articulava três programas: administração, investigação e difusão do patrimônio

arqueológico da cidade. Ao Patronato competia a conservação e manutenção do

patrimônio histórico e arqueológico da cidade, sendo as escavações arqueológicas

preventivas ou não. A estrutura do Patronato se dividia em Centro de Arqueologia,

composto pelos grupos profissionais ligados ao trabalho de tarefas encomendadas,

que abarcavam o processo de intervenção arqueológica, e a Área de Manutenção,

que cumpria essa função nos monumentos visitáveis da cidade. O Centro de

Arqueologia teve como função homogeneizar os critérios da documentação

fundamental para a investigação histórica da cidade, desde sua origem até a Idade

Média, com grande interesse na Antiguidade (TEMIÑO, 2004).

Em 1996, o Patronato cedeu lugar a um Consórcio, que incorporaria a Junta de

Estremadura, o Ministério de Cultura, Prefeitura de Mérida e a Delegação de Badajoz,

com funções e equipe equivalentes ao Patronato. A partir do Consórcio se reforçou a

investigação arqueológica da cidade e avançaram os estudos sobre a cidade. Projetos

de investigação arqueológica passaram a ser financiados pela Dirección General de

Enseñanza e Investigación de la Junta de Extremadura; também ocorreria a

associação do CSIC ao Consórcio para o estudo de Mérida (Idem, 2004).

Atualmente se faz necessário o debate sobre a utilidade social do patrimônio

histórico que vise reduzir o antagonismo entre passado e presente, para minimizar o

possível conflito entre exigências de respeito aos testemunhos do passado e o

desenvolvimento da sociedade atual. Deve-se buscar preservar o vestígio

arqueológico suscetível a ser incorporado ao presente em condições de ser valorizado

e poder cumprir a função social. Sobre Mérida, o valor que tem o Consórcio no

panorama da arqueologia urbana atual constitui-se como expoente de uma

mensagem que parecia perdida no final dos anos noventa: em pensar a cidade como

um espaço único em que se desenvolve um projeto global de conhecimento histórico

(Ibidem, 2004).

255

A gestão da arqueologia urbana da cidade de Mérida integra vestígios

arqueológicos e sua valorização patrimonial, não só os elementos de caráter

monumental, mas também aqueles de grau de fragmentação menos espetaculares.

No final da década de oitenta, os pórticos do fórum foram objetos de uma restauração

do original e limpou-se o local, permitindo ao mesmo tempo uma reconstrução,

recriando a parede do recinto e as colunas que o apoiavam, também associado com

a programação de eventos de reconstituição histórica (TEMIÑO, 2004).

Com a refundação do Consórcio sua principal atividade passaria ser a visita da

gestão monumental e outros espaços que ainda não foram preparados para isso. E

isto foi possível suscitando uma aproximação com esta questão, priorizando a

documentação nas intervenções arqueológicas, propondo uma interação que não

rompesse com a organização urbana, rejeitando a criação de pequenos parques

arqueológicos na cidade, compreendidos como simples ruínas ajardinadas. O

isolamento só se arquitetou quando os vestígios possuíam caráter monumental, para

os demais elementos que merecessem conservação buscou-se integrá-los com as

novas edificações. A aplicação do conceito de espaço único à toda a cidade levou

também ao surgimento da museologia com um discurso unitário que compunha a

dispersão dos âmbitos existentes. Apesar destes critérios, se herdou um amplo

conjunto de espaços conservados, mas faltavam projetos de apresentação onde

fossem empreendidas algumas tarefas para culminar esse trabalho, que já

começavam com algumas limpezas e mínimas adequações que visassem a

conservação e tratamento dos restos arqueológicos (Idem, 2004).

No início do segundo decênio do século XX as campanhas sistemáticas de

escavações no conjunto monumental da cidade emeritense, quase ininterruptas até a

atualidade, aumentaram a valorização dos monumentos e a potenciação do

patrimônio arqueológico, atualmente tutelado pela Junta de Estremadura. A

declaração da cidade como Conjunto Histórico-Arqueológico, por real decreto de 8 de

fevereiro de 1973, e a criação do Novo Museu Nacional de Arte Romano, inaugurado

em 19 de setembro de 1986, converteram a cidade em um núcleo receptor de turismo,

onde passam centenas de milhares de visitantes ao longo do ano. Por fim, a

designação da cidade como capital autônoma, sede do governo autônomo e do

Parlamento Regional, transformou Mérida em cidade administrativa e de serviços,

devolvendo sua antiga dignidade perdida durante 15 séculos. A cidade com cerca de

60000 habitantes, com infraestrutura turística e hoteleira de primeira ordem e uma

256

ampla rede de serviços, aprendeu a combinar o passado e o presente, e encarar o

futuro com a consciência de seu passado e grandeza (ÁLVAREZ MARTÍNEZ;

ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995).

257

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mundo grego floresceu e se desenvolveu durante seu longo domínio, por sua

organização política e social, e sua cultura sofisticada que reconstruiu o mundo

Mediterrâneo, influenciando muitos povos. Através de sua cultura material, urbanismo

e arquitetura, os gregos prolongaram sua influência no tempo. A cultura da Grécia se

perpetuou depois de Alexandre, tanto no Oriente como no Ocidente, se ampliando e

difundindo através da colonização, helenização, de trocas comerciais e dos contatos

interétnicos – entretanto menos homogeneamente devido à introdução de novas

ideias à vida cultural grega, por grandes áreas da Ásia, Egito e Roma.

A navegação dos gregos determinou o comércio marítimo internacional e

permitiu que adotassem o sistema de fundação de colônias pelo Ocidente

Mediterrâneo. A expansão e colonização do extremo ocidente mediante a fundação

estratégica das cidades coloniais gregas da Magna Grécia, permitiu que os gregos

passassem a controlar o Mediterrâneo central e disputar com os fenícios e etruscos a

preferência comercial. A comercialização e interação de gregos com fenícios e

etruscos gerou um contato internacional étnico-cultural e um crescimento econômico

no Mediterrâneo, culminando com a influência grega nas relações políticas,

econômicas e culturais por todo a região mediterrânea. O eixo comercial no

Mediterrâneo aproximou as colônias magno-gregas dos demais povos da região, os

contatos estabelecidos entre as culturas determinariam a difusão do helenismo pelo

mundo antigo.

258

As colônias da Magna Grécia proporcionaram que a colonização grega

alcançasse territórios ainda mais distantes, em direção ao ocidente na Península

Ibérica meridional e ocidental, território também marcado pela presença fenícia. Logo

que os gregos fundaram cidades coloniais pela Península Ibérica, as populações

indígenas começaram a assimilar as características culturais gregas, a partir de

centros comerciais como a cidade colonial grega de Empórion. Assim, a fundação de

colônias gregas influenciou, através das transações comerciais e intercâmbios

culturais, a difusão da cultura grega na Magna Grécia e, consequentemente, na

Hispânia.

Os gregos também exportaram ao Ocidente outras formas de progresso

cultural. Os etruscos passaram a absorver as características da arte e influxos das

estruturas urbanas dos gregos em suas concepções arquitetônicas e urbanísticas,

além do modo de vida helênico. A colonização grega legou aos territórios

conquistados e colonizados a civilização grega, fato que determinaria profundamente

a influência que exerceram nos povos da Antiguidade. Tal acontecimento marcaria

principalmente os etruscos, que estes por sua vez influenciariam, mais tarde, os

romanos.

Após Roma consolidar definitivamente sua hegemonia sobre outras cidades

itálicas, o expansionismo romano avançou aos poucos. A cidade de Roma estendia

sua influência para muitos territórios, trilhando o mesmo caminho anterior dos gregos:

desenvolvendo relações comerciais com cidades mais distantes, no caso, Etrúria,

Magna Grécia e Cartago. Em seguida, sobreveio a conquista romana, onde passaria

a assimilar e unificar todo o território. Desta forma, a civilização romana absorveu o

acervo cultural da Grécia Antiga, e a partir de então continuaria reciclando e inovando

o legado grego, ao mesmo tempo que expandia o território e fundava novas colônias,

consequentemente, levando o helenismo pelo mundo sob sua influência. Percebe-se

que o helenismo constitui-se ainda hoje a essência fundada nas características de

nossas culturas ocidentais, uma herança da Grécia Antiga.

A Grécia Antiga sempre fascinou a todos por sua esplêndida cultura e seus

monumentos, o que marcou a história da arquitetura e do estilo arquitetônico

ocidental. Percebe-se durante os séculos, que as ordens dórica, jônica e o estilo

coríntio, os elementos arquitetônicos gregos, caracterizaram e influenciaram os

edifícios desde a plena difusão do Império Romano, continuando, em um processo de

259

longa duração, no mundo medieval e persistindo, mais uma vez, com o Renascimento,

com o barroco e o neoclassicismo.

Todos os povos do Mediterrâneo aprenderam com o conhecimento dos povos

antigos, principalmente o Egito. Os gregos conheciam a arquitetura monumental

através de contatos com os hititas, assírios e egípcios. Também incluíram em seus

projetos influxos egípcios, e algumas características das construções gregas possuem

semelhanças com a arquitetura egípcia, por explorarem o trabalho na pedra em escala

monumental, formas simples e geométricas com colunas. Mesmo com toda essa

inspiração, os gregos transformaram composições gerais e elaboraram novas

concepções arquitetônicas, cujos modelos gregos se evidenciaram e se

materializaram em formas próprias que refletiam o espírito de sua civilização e de

experiências contíguas. Entretanto, produziu-se muitas semelhanças que se

mesclaram durante a Antiguidade em diante.

Observa-se que as técnicas e detalhes típicos da cultura grega foram reunidos

a temas de gostos autóctones para formar a cultura etrusca, depois anexada à

romana. Os etruscos adquiriram traços artísticos das características dos produtos

gregos contemporâneos, e esse acontecimento foi possível, pois tais produtos eram

comercializados por todo o Mediterrâneo. A arte da Etrúria refletiu a evolução da arte

grega desde o Arcaísmo ao Helenismo e incorporou-se a de Roma, confirmando uma

tradição, que como vimos, seguiria da Antiguidade até o Renascimento europeu no

século XVIII.

Com a morte de Alexandre Magno em 323 a.C. a cultura grega tornou-se

predominante em todo o Mediterrâneo conhecido pelos gregos. Questões políticas,

econômicas e administrativas visavam o helenismo. Um século depois o Mediterrâneo

ocidental produziria, com a colonização oriental, estados helenizados. Os mais

importantes, Roma e Cartago, enfrentaram-se à maneira helênica, em três Guerras

Púnicas, elevando Roma a senhora do Mediterrâneo e da Península Ibérica. Como

resultado, a arte romana constituida em parte do helenismo e da arte etrusca –

também intensamente influenciada pelo arcaísmo grego – passaria e se alastrar por

todos os territórios do Império romano.

Assim como experienciado primeiramente pelos gregos, os romanos também

utilizariam do fenômeno de colonização frente à fundação de colônias para exercerem

sua soberania sobre os povos conquistados. As colônias romanas constituíram um

dos processos mais eficazes para a difusão da romanização, o sistema civilizacional

260

empregado por Roma. Entretanto, deve-se considerar que a romanização ocorreu de

forma diferente conforme as características de cada região conquistada e da influência

exercida e absorvida pela mesma. Nos territórios com mais substrato cultural, no caso

o Oriente helenístico, onde o nível cultural sempre foi mais antigo e maior que o de

Roma, se revelou mais escassa; já em quase toda a Europa, onde predominavam

populações indígenas, os bárbaros que desconheciam culturas avançadas, a

romanização se apresentou mais equilibrada – e, consequentemente, legou ao longo

do tempo sua cultura ao Ocidente.

Entre as regiões provinciais romanas, a Hispânia por ser uma das primeiras

províncias conquistas por Roma e, consequentemente, mais antiga, despontou-se

como a província mais romanizada do Império. O longo processo de romanização

implementado na Península Ibérica, deteve antecedentes da cultura grega que

facilitaram a assimilação da cultura romana e demais correntes da civilização pela

população nativa da Hispânia. O histórico da expansão marítima e colonizadora da

Antiguidade indica que o território da Hispânia mediterrânea esteve aberto a

colonizadores do Oriente, entre gregos e púnicos – devido à importância política-

estratégica do território hispano e abundante riqueza mineral e de recursos agrícolas

e industriais –, fato que desencadeou que a região fosse a de mais rápida assimilação

romana devido a esta ensaiada influência. A romanização abrangia um processo de

integração cultural, mas que em grande parte revelou a aculturação através do qual

os povos e comunidades indígenas incorporariam e fariam seus costumes e formas

de vida ao modo romano.

A principal realização dos romanos foi a criação e administração de seu vasto

Império, durante o qual introduziram a civilização urbana pela Europa através de

fundações de cidades coloniais. A partir do regime imperial instituído por Augusto,

reorganizou-se política e administrativamente o Estado e pacificou-se as províncias.

A Hispânia dividida em Bética, Lusitânia e Terraconense manteria vigente sua

organização provincial até o século III d.C. Já sob o governo de César e,

principalmente de Augusto, ocorreria um importante avanço na política de urbanização

da Hispânia, tal impulso se centrava no processo de fundações de várias colônias e

municípios romanos no território peninsular e pela presença de legionários

acampados nas regiões de fronteira, que auxiliavam na propagação da romanização

gradual de todo o território. Os romanos possuíam uma grande capacidade

261

organizadora ao manter em funcionamento as cidades do Império, muito pela

eficiência do talento dos engenheiros dotados de grandes recursos.

As rotas comerciais e culturais do Império romano se constituíram

fundamentais para a compreensão do grande êxito de ocupação e romanização de

diferentes territórios. A extensa infraestrutura, constituída pela rede viária e pontes,

facilitou as comunicações durante todos os períodos de domínio romano, os

intercâmbios entre os povos e o rápido deslocamento civil e militar. Uma rede de

colônias se interligavam pelas rotas militares e desenvolveram o comércio, este fator

assegurou e determinou a difusão das ideias e dos costumes romanos. Além da língua

latina, as características socioculturais permitiram a administração dos territórios

conquistados e geravam transformações nos aspectos da vida dessas populações

provinciais. Assim, as colônias formadas como avançados ambientes de romanização,

continuaram difundidas por todo o Império, cumprindo objetivos civilizacionais.

O sistema de urbanização romano motivou pessoas que se aventuravam,

vindas de todas as áreas do Império, para se dirigirem às colônias, atraídas pelos

benefícios do estilo de vida romano. O processo da romanização se repetia nas

províncias romanas por todo o Mediterrâneo, que produziu e perpetuou a era de paz

(Pax Romana), gerando desenvolvimento econômico e cultural em todo o Império. A

aceitação provincial da romanização permaneceu expressa pela construção de

monumentos e obras importantes encontradas nas cidades coloniais das províncias

romanas, que desta forma passaram a seduzir a população pela monumentalidade e

pela difusão e conservação da língua, religião, usos e costumes, organização jurídica,

arte e cultura romana; características absorvidas e elaboradas por todo o Império

romano e que ajudaram a proliferar a era de prolongada paz relativa.

Nota-se que os romanos foram tolerantes mediante a cultura nativa desde que

esta não interferisse nas prerrogativas imperiais. Independente disso, a população

nativa que migrava para as cidades coloniais romanas aprendia a se comportar como

romanos, tamanho era o impacto da romanização nas províncias, que por fim

produziram – materialmente – trabalhos de modelos clássicos, que sobrevivem ainda

hoje, refletindo o tempo em que Roma governava o mundo. Entretanto, ao lado da

romanização difundida pelas províncias romanas, o Império adotou e adaptou

características de outras culturas subjugadas, produzindo uma grande assimilação,

que suscitaria um intenso sincretismo em todos os territórios das províncias. Através

262

dessa integração cultural, a arquitetura romana desenvolveu admiráveis técnicas de

edificação, que apenas no século XIX foram ultrapassadas.

A arquitetura romana, marcada pelo gigantismo, de caráter inovador e

originalidade espacial, constitui-se como uma das mais importantes da história da

humanidade. Desde o período dos etruscos, da República (509-27 a.C.), até o término

do Império (27 a.C.-330 d.C.), incitados pelas invasões bárbaras, os romanos

inventaram e abundantemente construíram edifícios e monumentos de inestimável

importância. Através das influências recebidas dos gregos e etruscos, os romanos

foram mais além e conceberam técnicas de construção revolucionárias, com o

emprego das principais estruturas curvilíneas – arco, abóbada e cúpula – e dos

materiais utilizados – tufo, pedra-pomes e tijolo –, elementos fundamentais para

erguerem edifícios espacialmente grandiosos.

A arquitetura romana criou relações espaciais complexas e teceu uma relação

notável com a paisagem. A riqueza de conceitos, tecnologia, tipos de construção,

interação entre interior e exterior, permitiu que a arquitetura cruzasse com o

ordenamento urbano, e contribuíssem para a produção de soluções técnicas e modos

de expressão. Por todo o vasto Império, a presença decorativa da coluna, do capitel

e dos contornos gerais – derivados em geral de modelos gregos – se disseminava

junto com a linguagem comum, baseada no arco, na abóbada e na cúpula, elementos

que tornaram a arquitetura romana original e específica. Tal inovação foi conseguida

através de elementos curvilíneos obtidos pelos sofisticados meios tecnológicos de

construção, como o cimento, e pela leveza dos materiais utilizados.

Assim, a arquitetura romana apresentou sua originalidade ao explorar a criação

das relações espaciais, formas curvilíneas, estruturas dinâmicas, abóbadas que

cobriam grandes recintos destinados aos cidadãos. Na época do Império, Roma

disseminou seu estilo arquitetônico pelos territórios ocupados pelas legiões romanas.

Igual destino tiveram os projetos de planejamento urbano com edifícios de fórum,

capitólio, templo, arenas culturais e desportivas, todos constituíram exemplos que

elucidavam a influência de Roma pelas províncias do Império. Os romanos realizaram

também melhoramentos territoriais, como estradas de importância comercial e

estratégica, pontes, aquedutos e reservatórios de água pelas províncias. Esses

elementos assinalaram a prosperidade refletida na arquitetura, que atingia espaços

variáveis, criava relações espaciais complexas e adequava-se à disposição urbana e

à paisagem.

263

Os romanos conquistavam a simpatia dos provincianos, em parte, por

construírem pequenas versões completas de Roma por todo o Império, erguia-se os

principais elementos urbanos e arquitetônicos da metrópole pelas cidades coloniais

romanas. Deste modo, as colônias se organizavam como uma extensão da pátria-

mãe Roma, e se constituíam como uma rede básica de difusão da romanização. Toda

cidade colonial refletia em suas construções seu refinamento e a romanização cultural

de sua população. Portanto, apresentar construções que atendiam às necessidades

e aos prazeres de seus habitantes, com monumentos e edifícios imponentes,

significavam motivos de orgulho para a população de uma cidade colonial romana,

além das construções mostrarem-se como sinônimos de esplendor e influência da

colônia que se destacava perante as demais cidades provinciais.

Entre as importantes características que compunham a fundação de uma

cidade colonial romana destacam-se o sistema de divisão em centúrias, o

planejamento urbano ortogonal – imposto sempre que as condições do local permitiam

–, sendo dotada de vários edifícios: o fórum, o templo, o capitólio, o palácio, a basílica,

o circo-estádio, o teatro, o anfiteatro, os balneários e o ninfeu. A evolução da casa, a

domus, e o surgimento da insulae que se adaptavam ao urbanismo; a casa ainda

sofreria variações fora da cidade, como vivenda rural. Outros elementos, como os

monumentos honoríficos: arco do triunfo, troféu, tetrafilo, coluna simples; e os

monumentos funerários: túmulo, mausoléu, cenotáfio. Também os edifícios utilitários:

armazéns, docas, fábricas, oficinas, instalações industriais. As construções de

infraestrutura: estradas, pontes, aquedutos, barragens, cisternas, portos. Todos estes

elementos compunham um conjunto civilizacional romano que caracterizava o

desenvolvimento e propiciava o avanço tecnológico e cultural da humanidade.

O elemento curvo da arquitetura romana foi o que mais se distinguiu pela

importância em possibilitar a criação de espaços interiores ainda maiores, que

respondessem às necessidades de cidadãos e suas expectativas. Na arte romana, o

espaço se fazia essencial, mais que o jogo de luz sobre a massa sólida. Foi uma arte

da cavidade ou vazio, precedendo os elementos plásticos, o volume e as formas

externas de um edifício. A importância do interior revelou uma inversão do edifício de

dentro pra fora. A fórmula do tempo grego, com colunas externas e cella pequena,

alcançou na arquitetura romana recintos rodeados de colunas de cada lado da nave,

podendo ser observado em santuários, balneários e nas salas das basílicas.

264

Os edifícios e monumentos, civis e religiosos, que permanecem conservados

atualmente, intactos ou restaurados, abrangem os períodos, em sua maioria, do

século II a.C. ao século IV d.C., e testemunham a habilidade arquitetônica dos

romanos, nos permitindo compreender o desenvolvimento da evolução técnica, das

intenções e motivações dos arquitetos romanos expressadas em cada edifício, que

cobertos de símbolos religiosos e políticos podem nos revelar a intenção dos seus

construtores, descrever a sociedade e seus valores em sua época. A arquitetura

romana carrega muitos significados, transmite mensagens e exprime-se pela

intervenção de uma linguagem semiótica. Até obras utilitárias podem exprimir as

motivações políticas e sociais de seus criadores. Do mesmo modo elas exprimem a

grandiosidade de um mundo, este que faz destas características um dos atributos

distintos de sua arquitetura: que ao aumentar as dimensões de uma obra faz repensar

todo seu esquema de base, que ao causar revoluções formais e tecnológicas faz

exprimir seu universo.

O gigantismo dos edifícios romanos foi acompanhado de uma transmutação

das qualidades da arquitetura, uma vez que a imensidão do Império implicava e

colocava a noção de escala a par das próprias origens da concepção arquitetônica.

Assim, a procura da grandiosidade tornava a própria materialização da civilização

romana. Os romanos buscaram a leveza dos espaços vazios, o volume que a estrutura

abrangia, a interação entre espaço interno e externo, e a dialética do interior e exterior

para a construção de seus edifícios.

O mundo urbano e arquitetônico romano seria marcado profundamente pelo

helenismo. Verificamos que a partir da expansão colonizadora e de atividades

fundadoras gregas introduziu-se um novo programa urbanístico para fundar cidades

coloniais gregas. As novas cidades-estados, principalmente as colônias ocidentais

magno-gregas, se organizavam segundo o modelo social e econômico de sua

metrópole, porém se desenvolviam segundo diretrizes planificadas, diferentemente de

suas cidades-mães que possuíam modelos de crescimento orgânico, geralmente

incontrolados. Tais cidades novas, de planta urbana regular e ortogonal,

denominaram-se hipodâmicas e apresentavam as novas concepções urbanas: projeto

de assentamento segundo um traçado de ruas regulares e espaços públicos e

privados bem definidos; à imagem de um tabuleiro de damas, com ruas

perpendiculares e distribuição racional, separando as áreas habitacionais, da ágora.

265

Observa-se que o esquema urbano de planejamento ortogonal, já estava

presente nas civilizações orientais, podendo ser encontrado nas cidades antigas do

Egito, com organização em sistema de grelha; entretanto sem o mérito de Hipodamo

de Mileto de aplicá-lo de forma rigorosa, tratando de criar a cidade ideal, com divisões

lógicas e matemáticas, ao mesmo tempo concreta e funcional. Provavelmente

Hipodamo de Mileto generalizou este planejamento, já praticado no Oriente, da qual

a tradição lhe concedeu a honra da invenção dos planos urbanos baseados na

intersecção das ruas em ângulo reto.

A civilização genuína etrusca configurou-se muito marcada por elementos

importados da cultura grega devido seus laços comerciais com os mercados da

Magna Grécia. Os etruscos também apresentaram cidades caracterizadas segundo

um plano regulador, conjugando portanto esquemas urbanísticos gregos

hipodamianos com as exigências etruscas. Desta forma, o mundo romano que

absorveu os territórios das cidades coloniais com características etruscas e gregas,

apresentaria influência grega e também características provenientes das tribos

itálicas, juntas combinadas com influências externas das colônias helênicas.

Deste modo a arquitetura militar itálica recorreria as técnicas de construção

derivadas dos gregos e serviria de modelo às primeiras cidades romanas, em padrão

de grelha. A cidade romana conservaria esta estrutura, com o fórum equivalente a

ágora grega, e os edifícios públicos no centro da cidade e também ruas com um

traçado retilíneo, entretanto, uma nova referência seria também somada ao urbanismo

utilizado: a introdução do modelo de acampamento romano. O castrum ou

acampamento romano apresentava base de dois principais eixos ortogonais que se

cruzavam ao centro, no pretório, como o kardo e o decumanus maximus. Tais eixos

principais de mesma simetria, que se acentuavam e se cruzavam no centro do

assentamento, permitiam valorizar e monumentalizar a cidade, criando efeitos

cenográficos.

Através deste estudo, percebemos que as planificações gregas e romanas

configuraram-se semelhantes. O sistema que orientava o planejamento urbano

romano adicionou em sua base dois eixos perpendiculares que formavam ângulos

retos – o kardo, em direção norte-sul, e o decumanus, em sentido leste-oeste, os quais

formavam uma intersecção ao centro, onde se estabelecia o fórum – dispostos em um

plano regular em modelo de grelha, que se apresentava muito mais antigo, atribuído

a Hipodamo de Mileto. Assim verificamos que este sistema de organização em

266

perpendicular, derivava do planejamento urbano retilíneo de Hipodamo e/ou da cidade

etrusca, muito influenciada pelos contatos com as cidades coloniais da Magna Grécia.

Desta forma, possivelmente a conjunção destes dois urbanismos influenciou e gerou

a disposição adotada posteriormente nos acampamentos militares romanos,

indicando assim que o modelo urbano difundido e utilizado pelos gregos seria em

essência o adotado pelo Império romano com algumas adições, e aplicado em suas

cidades coloniais, como por exemplo as da província da Hispânia.

Ao longo da colonização greco-romana e do desenvolvimento da Península

Ibérica encontramos uma mistura de elementos helenísticos e também romanos em

seu urbanismo. Primeiramente, a Península Ibérica foi bastante marcada pelos

influxos helenísticos vinculados à presença de gregos e cartagineses no território, que

mantiveram colônias que exerciam ampla influência sobre as populações nativas.

Como o caso da colônia grega de Empórion, que disseminou a estrutura urbana dos

gregos em suas concepções urbanas hipodamianas, além de contribuir para

desencadear a helenização pelo território. Fenômeno este que anteciparia e abriria

caminhos para a ação de Roma. Em um segundo momento a Hispânia passaria a

receber também a colonização de itálicos-helenizados, após a vitória dos romanos

nas Guerras Púnicas, que desenvolveriam com mais facilidade o processo de

romanização e a difusão das novas características do urbanismo colonial romano pelo

território, visto à primeira experiência.

Os processos de helenização e romanização permitiram que o urbanismo das

cidades coloniais greco-romanas da Península Ibérica, para além de sua influência

sobre as culturas hispanas, adquirissem em seu próprio planejamento urbano uma

significativa evolução urbanística, ampliações sucessivas, e processos de

monumentalização arquitetônicas até o auge da época romana. Isto ocorreu de tal

maneira, que em marcos urbanísticos a Hispânia exploraria grandes obras

urbanísticas na construção das cidades, que seguiram influências de modelos

helenistas e/ou originadas de guarnições militares romanas, como a cidade colonial

romana de Emerita Augusta.

Desde o período helenístico percebemos a preocupação de principes

governantes por criar cidades belas e luxuosas para servir de propaganda ao

governante e justificar o adjetivo de euergetes ou benfeitor que muitos usavam. Em

época helenística e romana a concentração da necessidade de cidades bem

planejadas e embelezadas revelaram um desafio aos governantes que sacrificaram

267

bens e população destinados a estas novas cidades, obrigando, em muitos casos, a

mudar as pessoas de local, ou continuar fundando novas cidades ou as muitas

colônias militares decorrentes dos romanas. Estas cidades em sua maioria eram

criadas a ex novo, a fundamentis, que ofereciam oportunidade para apresentar

urbanismo experimental e moderno, como o caso da colônia romana de Emerita

Augusta.

Segundo as fontes, a cidade colonial de Emerita Augusta foi fundada em 25

a.C., alguns autores confirmam esta data afirmando que a cidade foi menor em seu

começo (Quadrata), constituindo-se uma pequena cidade de fundação augustana,

que foi crescendo paulatinamente, à medida que chegavam mais pessoas de outros

lugares e se produzia uma nova distribuição de terras para tais colonos.

Por falta de achados de restos arqueológicos da cidade fundacional,

atualmente se aponta que o primitivo espaço de assentamento dos veteranos das

legiões da V e X estivesse em outro local, diferente do lugar que utilizaram para

planejar a cidade ex novo. Muito factível ao pensarmos que seria impossível viver em

um local levantado pelas obras (ruas, cloacas, planificação de algumas insulaes,

fóruns e etc.). E esta planificação sobre um sítio vazio se comprova pelas provas

arqueológicas. Logo, a execução das obras (muito custosas e de construções

prolongadas por muito tempo) fossem realizadas com posterioridade das datas

propostas.

Atualmente especialistas indicam uma macro fundação ex novo de Emerita

Augusta, apoiada numa cronologia ordenada dos monumentos, criação da cidade à

imagem de Roma, que adquire, como capital de província, um urbanismo de grande

fundação, onde todos os elementos conservados datam em sua maioria da época de

Augusto, construídos nos primeiros quinze anos da fundação e quando capital

provincial. Pode-se constatar que Emerita Augusta se planificou desde seu início com

uma projeção de futuro, a cidade foi construída em várias fases, onde através de suas

obras permanecem o reflexo do poder de Roma, seguindo um típico modelo

propagandístico; modelo que levou bastante tempo para se executar e que dentro

desta planificação não se deixaram as coisas ao acaso.

Apesar das dificuldades do estudo da topografia e urbanismo emeritense,

devido a cidade moderna de Mérida se encontrar superposta à antiga Emerita

Augusta, conseguiu-se através de indícios e vestígios arqueológicos, conjugados com

fotografias aéreas da cidade atual e do traçado do serviço de cloacas romano que

268

ainda se conservam, traçar um esquema aproximado da planta emeritense do tecido

urbano colonial antigo. De certa forma, mesmo a cidade sendo superposta durante

séculos, as ruas atuais de Mérida conservam muito do traçado das ruas romanas de

Emerita Augusta. A cidade emeritense possuía em essência o mesmo padrão de

trama urbana das cidades coloniais romanas, mescladas por influências do urbanismo

grego, etrusco e castrense: traçado ortogonal hipodâmico somado de duas vias

principais que se cruzavam ao centro, no fórum e parte principal da cidade, as vias do

kardo maximus (em direção norte-sul) e o decumanus maximus (em direção leste-

oeste), configuravam-se retas e perpendiculares entre si, conectando em seus

extremos as quatro entradas principais da cidade. Ao longo destas ruas se organizava

o traçado das demais vias, em forma de grelha.

Embora a cidade tenha nascido para abrigar veteranos militares, Emerita

Augusta não tardou em receber diferentes levas migratórias de população e a ser um

dos mais ricos centros comerciais da Hispânia, até chegar a ser o principal da região

e tornar-se capital da província da Lusitânia. Exemplo de sua prosperidade são as

notáveis ruínas arqueológicas encontradas em suas áreas urbana e periurbana, e os

muitos monumentos visíveis ainda hoje. A cidade configura-se como um dos mais

importantes centros arqueológicos da Península Ibérica pelas suas imponentes ruínas

monumentais; apresenta arquitetura magnificente de obras de engenharia e edifícios

públicos em bom estado de conservação, que se constituem como fontes singulares

de informação sobre suas construções, estruturas e disposições dentro de uma cidade

colonial romana, além de testemunharem a importância e o passado glorioso da

colônia emeritense.

Entre as construções da cidade emeritense, os edifícios de espetáculo público,

foram erguidos de forma não-centrais como nas demais cidades coloniais romanas,

porém agrupados em região próxima, se destacando pela monumentalidade e

conservação in situ. O teatro, considerado um dos melhores e o mais belo da Europa,

preserva grande parte do palco, foi reconstruído nos últimos anos e apresenta

capacidade para até 6000 espectadores; o anfiteatro, erguido para celebrar combates

de gladiadores, revelava capacidade para 15000 espectadores; o circo, destinado

para corridas de carros, se exibe como um dos mais conservados da Península Ibérica

e um dos maiores do mundo romano, mesmo com parte da arquibancada

desaparecida, estudos indicam que poderia acomodar 30000 espectadores.

269

Das três pontes romanas de Emerita Augusta, a ponte sobre o atual Guadiana

destaca-se por apresentar 60 arcadas, somam 792 metros de comprimento, e

constitui-se como uma das mais longas e bem preservadas do mundo romano. Dos

três aquedutos que levavam água à cidade, ainda restam importantes trechos da

condução de Los Milagros e San Lázaro. Los Milagros possuía 25 metros de altura,

atualmente percorre uma distância de 827 metros sobre pilares gigantescos, feitos

com séries alternadas de granito e tijolos, o aqueduto captava água em um grande

reservatório chamado de Proserpina. A cidade também contava com outro imenso

reservatório, o de Cornalvo, que abastecia o aqueduto de Aqua Augusta, o mais antigo

da cidade.

Na região habitada da cidade, nas áreas públicas, são visíveis a arquitetura

oficial da colônia empregada em dois fóruns. O arco monumental chamado de Arco

de Trajano introduzia o fórum provincial da cidade. O fórum municipal, localizado na

parte central da cidade, no cruzamento das principais artérias do decumanus maximus

e kardo maximus, apresenta os restos do templo de Diana e o pórtico do fórum. Na

cidade encontramos vestígios do templo de Marte, de um dique na margem da cidade

próxima ao rio Anas, peças referentes ao templo de Concórdia de Augusto – que

compunham o antigo monumento de Santa Eulália –, trechos das muralhas dotadas

de torres, uma rede de cloacas no subsolo dos principais eixos centrais das ruas,

fontes nas calçadas, banheiros públicos, conjuntos termais públicos e privados. Ao

redor da cidade antiga de Emerita Augusta encontram-se vestígios de algumas casas

e dois mausoléus monumentais, os columbarios.

A arquitetura doméstica romana de Emerita Augusta pode ser encontrada em

suas vilas, residências abastadas e casas humilde. Diferentemente da arquitetura

pública, de grande monumentalidade, diversidade e bom estado de conservação, a

arquitetura doméstica de Emerita Augusta depende de escavações urbanas e de

achados de vestígios domésticos, em muitos casos parciais, para seu próprio

conhecimento e também das próprias residências romanas e da urbe. Os exemplos

de residências emeritenses ofereceram mostras de decorações em paredes e

superfícies, em forma de pinturas, afrescos e mosaicos. Entre as casas mais

conhecidas encontramos estruturas complexas, como a Casa do Teatro ou Casa

Basílica, Casa do Anfiteatro e Casa do Mitreo, porém com pelo menos duas

características comuns de uma casa romana: um átrio e um peristilo.

270

Ao longo de todo período romano, as cidades coloniais romanas revelaram-se

muito prósperas, contudo devido às instabilidades, guerras e a queda do Império

romano, estas cidades acabaram se desintegrando, e muitos de seus edifícios

tornaram-se pedreiras que forneciam materiais de construção de muralhas para

defesa das mesmas. Por consequência, nos princípios da Idade Média, num contexto

de confusão e medo, surge uma nova cidade sobre uma parte restrita da cidade

romana, que mais tarde ainda se perpetuaria, originando a cidade moderna.

Indiferente da cidade romana e seu sítio, percebemos ainda seu legado frente à

urbanização e à romanização. Também devemos observar que achados

arqueológicos de obras arquitetônicas romanas sobreviveram às devastações da

Idade Média e escaparam da destruição a partir do Renascimento; e que mesmo

assim, a civilização romana legou seus monumentos à posteridade, também

transmitidos pela arquitetura do período românico, do Renascimento, do Barroco e do

Neoclassicismo, e que ainda hoje nos influencia, atestando a importância de Roma e

do fenômeno de romanização.

Assim, no final do Império Romano, a cidade de Roma foi saqueada pelos

povos bárbaros no século V d.C., porém suas características se prolongaram no

tempo: com os povos bárbaros (Suevos e Visigodos), na Idade Média, na Idade

Moderna do período Renascentista. Roma perdurou como sede da Igreja Católica

Romana e como um grande monumento. Mesmo em ruínas, Roma ofuscou as novas

cidades construídas pela Europa até o período da Renascença. Atualmente podem-

se encontrar vestígios dessas influências: nas obras de engenharia, visto em estradas,

pontes, barragens; e nas obras de arquitetura de termas, templos, circos, habitações

e extensos conjuntos urbanos. Por todo o território que sofreu o imperialismo romano

ainda são encontrados numerosos testemunhos urbanos, materiais, monumentos e

edifícios. Além da incomensurável capacidade do mundo cultural romano – de grande

absorção do helenismo – aperfeiçoar, assimilar, integrar e valorizar contribuições

artísticas de outros povos.

A arquitetura romana continuou exercendo sua relevante influência nos tempos

modernos pela sua praticidade e melhoria das cidades, com as construções de

estradas, aquedutos e esgotos. O arquiteto Vitrúvio e sua obra Da Arquitetura

permaneceram como referências básicas para assuntos relacionados à arquitetura

até o período da Renascença. A cidade de Roma consagrou-se, durante os séculos,

como arquétipo das grandes metrópoles da Europa. Os métodos romanos de

271

construção serviram para o desenvolvimento arquitetônico dos séculos seguintes e

foram refletidos nos edifícios desses períodos. Roma transformou o mundo, seu

legado alcançou diversas regiões e até continentes que os romanos jamais pensaram

um dia conquistar.

Mesmo com a perda do poderio de Roma, esta assegurou sua sobrevivência

cultural pela romanização, através dos territórios provinciais do império. As províncias

mais distantes, mesmo desligadas da política de Roma, já autônomas, se constituíram

como réplicas de Roma e se encarregavam de propagar o romanismo, que desafiaria

os séculos. Atualmente, o legado romano ainda apresenta-se presente na cultura

ocidental: em fundamentos de planejamento urbano (urbanismo), em fachadas de

estilo clássico de edifícios públicos (arquitetura) ou em nomenclaturas científicas de

raiz latina (língua latina), ou na literatura, ou na lei. Os costumes romanos e a cultura

latina também foram disseminados pelo mundo com a contribuição do Império

Romano do Oriente, com a Igreja Católica Romana e com a contínua adoção do estilo

romano pelos povos colonizados por Roma.

Paralelamente a herança herdada pela romanização, também nos deparamos

com a questão de preservação e estudo dos sítios arqueológicos antigos. Ao

encontrarmos obras arquitetônicas romanas no presente percebemos que a qualidade

técnica empregada nos edifícios permite visualizarmos as misturas de materiais das

composições que, mesmo com objetivo projetado de ser ocultado, apresentam-se, por

ser cuidadosamente trabalhada, aos nossos olhos como ornamentação. Ao mesmo

tempo, como resultado da deterioração das obras e, em grande parte da depredação

de saques seculares dos materiais mais nobres, muitos conjuntos – esquecidos ou

sem cuidados – revelam-se apenas esqueletos perdidos no espaço.

Por isso, a arquitetura das civilizações antigas, neste caso em especial a greco-

romana, revela-se como a expressão artística que para nós tem maior interesse tanto

pela abundância de testemunhos em sítios, como pela melhor conservação destes

monumentos arquitetônicos. Seja como arquiteturas em negativo, revelada por

escavações ou expostas em sítio, onde detecta-se vestígios materiais em uma

pseudo-arquitetura, ou em construções caracterizadas pela monumentalidade e

duração, torna-se imprescindível o estudo destas culturas materiais para tomarmos

conhecimento delas atualmente. Esse tipo de documentação remanescente constitui-

se absolutamente necessária para nos referirmos e nos permitir conhecer a

planimetria, construção e decoração dos monumentos de tais civilizações.

272

As cidades quando estudadas tornam-se fontes inesgotáveis de achados

arqueológicos. Os restos do passado sempre aparecem e devem continuar sendo

estudados e conservados. As cidades quanto mais estudadas, igualmente

proporcionam maiores extensões de zonas para escavações arqueológicas, que em

curso devem ser bem administradas e cuidadas. Atualmente se faz possível descrever

os resultados dos vestígios arqueológicos que subsistem aos sítios, visíveis aos

visitantes destas cidades antigas e que permitem projetarmos o quanto ainda o

subsolo delas podem guardar. Entretanto, apenas através do trabalho especializado

tais áreas poderão ser exumadas e valorizadas diante uma adequada pesquisa e

trabalho de conservação.

A análise da materialidade urbana e arquitetônica das cidades antigas, através

do estudo histórico e arqueológico, busca reconhecer e valorizar o patrimônio. Para

tanto, se faz necessário reconstruir, compreender e divulgar os monumentos, as

ruínas, com descrições de corte cientifico para historiadores, arquitetos, urbanistas,

arqueólogos. Em uma interdisciplinaridade, ou como já alertava Vitrúvio, sobre a

busca do saber de ambas as disciplinas, para compreendermos e realizarmos de uma

forma mais completa nossa atividade profissional, ou seja os saberes essenciais para

uma satisfatória análise sobre a gestão do patrimônio antigo.

As pessoas e habitantes das proximidades das cidades arqueológicas devem

se conscientizar e respeitar o passado através da cultura e cidadania, assim como

arqueólogos, historiadores e estudiosos devem continuar esse trabalho. Neste

momento precisamos recuperar e respeitar a cidade antiga herdada, com atenção de

arqueólogos, definindo-a como patrimônio e identidade cultural irrenunciável de toda

sociedade. Historiadores e especialistas de outras áreas devem buscar com a

planificação atual fazer a preservação da cidade e seu complexo significado coletivo,

social e político. Estudos mais amplos relativos a planificação antiga podem recuperar

as cidades através de análises topográficas e históricas atuais.

Deve-se alertar sobre o interesse histórico das formas urbanas das cidades

arqueológicas hispanas – muitas vezes ignoradas pelos estudiosos que se ocupam

do urbanismo antigo –, pelas suas evidentes importâncias como testemunhos de um

tipo de cidade mediterrânea muito antiga e que se conserva na Península Ibérica. A

proliferação de modelos urbanísticos e arquitetônicos do Império romano formaram os

principais veículos e expressões da homogeneização destas formas nas cidades da

Antiguidade, verificados pelo intenso trabalho urbano desenvolvido pelos romanos.

273

Tal alcance de modelo urbanístico com influências greco-romanas supõe um avanço

com relação à organização espacial da polis clássica, e pode ser acompanhada

através de escavações de sítios que apresentem esse modelo.

O estudo do urbanismo das cidades do passado constitui-se como um tema

muito atual entre historiadores e arqueólogos com o propósito de indagar de que modo

nasceram, como se formaram e cresceram, de que maneira evoluíram com o tempo

e quais foram suas experiências, problemas e soluções. Cabe a tais profissionais

escrever sobre estes antecedentes da cidade antiga que configuram os primeiros

testemunhos mais prodigiosos da criação humana. Da cidade antiga conhecemos a

civilização, que procedeu os termos de civitas, e do urbanismo, urbs.

O conhecimento do planejamento urbano de sítios antigos nem sempre se

manifesta definitivo devido as constantes destruições e descobertas. Os mais

estudados foram os sítios das cidades coloniais das províncias romanas, e mesmo

assim, em muitos casos as informações revelam-se limitadas. Deve-se analisar que o

assunto sobre o planejamento urbano antigo está em constante pesquisa, podendo

não ser conclusivo. Poucas cidades foram exploradas e, geralmente, apenas o último

estágio de desenvolvimento se torna conhecido.

A atual intervenção de planejamentos antigos reconhece a destruição destes

restos de cidades históricas para a transformação de cidades modernas. Devemos

buscar uma adaptação dos restos antigos conforme as exigências de vida atuais e

futuras, sem prejudicar seus aspectos históricos que merecem ser salvos e

conservados, não só o urbanismo histórico mas também os monumentos, que devem

ser incorporados a nova planificação. Sem interromper os trabalhos de conjunto entre

arqueologia das cidades antigas e os estudos particulares das planificações urbanas

do mundo grego e romano.

Percebe-se que as constantes transformações demográficas, econômicas e

técnicas atuais, surgidas como inevitáveis e urgentes, estão alterando a vida urbana

das cidades sobrepostas ou em sítio, paralelamente, verifica-se que do mesmo modo

muitas cidades antigas também sofreram destruições mediante às guerras e que

exigiram reconstruções e renovação de seus traçados antigos. De acordo com estas

questões, deve-se refletir e ressaltar a importância de estudos que analisem como

adaptar as cidades antigas às exigências de vida atuais e futuras, sem prejudicar seus

aspectos históricos, quando este necessitam ser salvos.

274

Nos últimos anos, o avanço de estudos sobre as cidades da antiga Hispânia,

permitiram um maior conhecimento dos aspectos da arqueologia hispano romana.

Neste contexto, os estudos específicos sobre a arqueologia urbana sensibilizam e

reconhecem medidas de proteção e mecanismos legais para que as cidades antigas,

que abrangem em seu território vestígios monumentais do passado, fossem

protegidas com maior interesse. Entre os inúmeros exemplos, selecionamos a antiga

colônia de Emerita Augusta (Mérida), capital da província hispana da Lusitânia

resultante da reforma e fundação de Augusto, para avaliarmos a cidade como um

núcleo urbano da Península Ibérica apresentada pelos seus vestígios do mundo

antigo em época romana.

Aos poucos a arqueologia está se encontrando como uma ciência cada vez

mais heterogênea e interdisciplinar. Mérida constitui-se atualmente como centro

administrativo de uma nova comunidade autônoma e se favorece pela proximidade

com os estudos da Universidade da Estremadura, com a importante atenção do

Museu Nacional de Arte Romano e o Conselho Superior de Investigações Científicas

e outras instituições acadêmicas espanholas e estrangeiras que se encarregam dos

recentes estudos arqueológicos da antiga cidade colonial romana.

O estudo da arqueologia urbana se converte em fonte inesgotável de dados

para compreensão da evolução histórica dos núcleos urbanos. Aliado a lei de

Patrimônio Histórico Espanhol (Ley Orgánica 16/1985) e de crescimento dos meios

da arqueologia de gestão, progrediu substancialmente o conhecimento sobre o

urbanismo e a arquitetura das diversas colônias e municípios romanos. Mérida oferece

um bom exemplo disso aplicada à antiga capital de Emerita Augusta. A criação do

Consorcio de la Ciudad Monumental, Histórico-Artística y Arqueológica de Mérida

vinculado à arqueologia urbana em Mérida representaram um complemento da

atividade realizada pelo Museu Nacional de Arte Romano – instituição apresentada

até 1975 como Museu de Mérida –, que realizava intervenções urgentes na

arqueologia emeritense. Assim, se desenvolvia o progresso nas investigações

arqueológicas e científicas realizadas por demais especialistas a partir de 1990. Os

estudos arqueológicos foram reforçados em 2001, com a criação em parte do

Conselho Superior de Investigações Científicas e do Instituto de Arqueologia de

Mérida que permitiram fazer avanços sobre a compreensão da evolução formal e

histórica de Emerita Augusta.

275

Atualmente, toda a cidade de Mérida constitui-se em realidade como uma área

arqueológica, um museu a céu aberto, onde se observam muitas partes visíveis e

outras ainda por descobrir. Para cada obra realizada na cidade se supõe uma nova

descoberta, que muitas vezes, para o infortúnio da Cultura, já foram procuradas

silenciar. Entretanto, com o passar do tempo, efetivaram-se estudos científicos e

trabalhos de conscientização sobre o patrimônio, crescendo o valor artístico e histórico

da cidade. Os critérios empregados na gestão do patrimônio arqueológico, como as

funções e competências das instituições da cidade de Mérida demonstram a

importância que adquire a investigação histórica para a gestão do patrimônio. O

trabalho de proteção, análise, estudo e conservação dos bens arqueológicos

estabelece um ponto de partida fundamental para o adequado progresso no

conhecimento da evolução histórica da cidade colonial romana emeritense. Muito

importante se constitui a gestão do patrimônio com discernimentos que respondam às

contínuas perguntas da investigação científica.

As invasões e dominações bárbaras alcançaram diferentes urbes, Emerita

Augusta sofreu muito com as guerras e destruições na decadência do Império. Este

estudo sobre o urbanismo e arquitetura greco-romano, que destaca a cidade colonial

romana de Emerita Augusta dependeu em grande parte dos monumentos que

sobreviveram às devastações da Idade Média e às destruições sofridas no

Renascimento, que permanecem mais completos e restaurados por especialistas na

atual cidade de Mérida. Após tantas devastações e decadência das cidades, Mérida

se constitui hoje como um assentamento urbano sobre algo reduzido da área de

influência que foi a Roma espanhola. Desta forma, buscou-se analisar os monumentos

romanos conservados para compreender suas percepções de espaço, as

características das construções e a importância dos edifícios para a cidade emeritense

em sua época.

A realização de maiores investigações arqueológicas e a contínua coleta de

vestígios romanos da cidade de Mérida podem continuar oferecendo detalhes que nos

permitam reconhecer mais claramente a topografia e a configuração do urbanismo

antigo da cidade de Emerita Augusta, assim como também apontar novos elementos

para o conhecimento de suas características arquitetônicas. Paralelamente, os

vestígios dos grandes monumentos permitem sua descrição física, como também

possibilitam sua compreensão e funcionalidade urbana. A continuação da pesquisa

arqueológica e histórica sujeita novos e diferentes achados arqueológicos que podem

276

revelar e transmitir informações sobre o poder e influência que exerceu a antiga

colônia de Emerita Augusta ao longo de seu desenvolvimento, hoje encobertos pela

cidade atual.

A arqueologia segue revelando o testemunho do passado histórico de Mérida

em forma de monumentos, edifícios, obras arquitetônicas e decoração, e inscrições.

Através destes restos monumentais ou da cultura material e informação da epigrafia,

pode-se reconstruir de forma significativa a história de Emerita Augusta desde a sua

fundação, verificando ainda a organização e estruturação da cidade intramuros e

extramuros. Pela grandiosidade e importância que a forma material das estruturas

urbanas e expressões arquitetônicas emeritenses exerceram no tempo da colônia,

torna-se necessário realizar estudos contínuos que dignifiquem e conservem suas

lembranças do passado romano.

Com este estudo pretendeu-se disseminar a todos a importância do legado

histórico-cultural deste passado greco-romano tão presente em nossos territórios e

cotidiano, seja em um sítio urbano ou com elementos arquitetônicos, a exemplo da

colônia romana de Emerita Augusta, que devem ser preservados. O patrimônio

arqueológico dos achados emeritenses nos permite ressaltar o alto valor artístico e a

riqueza singular que apresenta a antiga colônia romana emeritense, que a atual

Mérida tem se engajado em procurar conservar seus restos monumentais e

arqueológicos. Atualmente, o renascer desta antiga herança do passado glorioso de

Emerita Augusta, recordado pelas ruínas romanas, encoraja Mérida a uma

ressureição material e espiritual da antiga colônia emeritense para servir a todos

através da manutenção, proteção e divulgação de sua beleza permanente expressa

em suas magníficas ruínas e monumentos.

Da antiga colônia de Emerita Augusta ainda permanecem vestígios bem

marcados de seu traçado urbanístico: ruas e estradas, cloacas, diques, pontes,

aquedutos, reservatórios, casas, cemitérios, fóruns com seus templos, e edifícios

colossais para celebrar jogos cênicos ou de circo. E a exemplo de Emerita Augusta, a

herança greco-romana ainda hoje pode ser encontrada nos países cujos territórios

integravam o Antigo Império Romano. A colonização romana ainda registra os sítios

dos territórios povoados, além dos nomes de nações, no idioma e dialetos. Podemos

encontrar cidades coloniais romanas que remontam à época republicana ou imperial,

que apresentam vestígios de traçados urbanos e arquitetura de influência greco-

277

romana, além do traçado das principais vias do Império que proporcionaram a difusão

da romanização pelo mundo antigo.

A atual cidade de Mérida acolhe em seu seio os restos de uma complexa rede

de cidades que foram sobrepostas desde a fundação da colônia romana de Emerita

Augusta, no ano 25 a.C. Após o período romano, ao longo do tempo, a cidade entrou

em declínio e recentemente está recobrando sua grandeza. Desde 1993 o Conjunto

Arqueológico de Mérida foi declarado Patrimônio Mundial pela Unesco, devido às boas

práticas fomentadas pelas instituições engajadas em preservar o valor universal e

excepcional do sítio arqueológico que mantém os edifícios mais representativos de

uma cidade romana. Para tanto foi fundamental a gestão arqueológica baseada em

uma estratégia de ação integral (em diferentes aspectos da administração,

intervenção, documentação, pesquisa, preservação, formação e divulgação),

coordenação institucional, e concientização e participação do público.

O legado urbano e arquitetônico greco-romano e cultural de Roma está à

disposição da civilização contemporânea, e deve ser historiado através de pesquisas

– no caso, internacionais – para ser aprofundado e registrado ininterruptamente. A

cidade de Mérida apresenta vestígios do urbanismo adotado em cidades coloniais

romanas e deixa como herança edifícios de singular arquiteturada para as gerações

futuras. O reconhecimento dos remenacentes urbanos emeritenses como patrimônio

em sua projecção turística permitem aos visitantes descobrirem o legado histórico da

grande cidade da Antiguidade. Paralelamente, a divulgação de resultados de

investigações sobre o mundo antigo podem aumentar publicamente o interesse sobre

a cultura clássica, gerar mais respeito aos seus monumentos e vestígios da cultura

material, e, consequentemente, motivar novos estudos e visitas aos complexos

arqueológicos, diminuir substancialmente os vandalismos de outrora tão comuns, e

assim conscientizar a todos sobre a importância da preservação da cidade antiga. As

sociedades ainda se utilizam de estruturas arquitetônicas, rede viárias e

planejamentos urbanos remanescentes de influências greco-romana, como a atual

cidade de Mérida. Devemos considerar que esses elementos urbanos antigos, que se

perpetuaram até hoje, também nos transmitem características sociais e valores atuais

que compõe uma cidade ocidental.

278

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283

ANEXO A – Mapa da cidade de Mérida destacando seus elementos: localização das

ruas, edifícios e das principais ruínas dos monumentos romanos (ÁLVAREZ

MARTÍNEZ; ANTÓN; JIMÉNEZ, 1995, s.p.).

284

ANEXO B – Planta da cidade de Mérida indicando os principais edifícios e

monumentos da cidade romana de Emerita Augusta (ALMAGRO, s.p.).

285

ANEXO C – Desenho reconstrutivo da cidade colonial romana de Emerita Augusta,

segundo J. C. Golvín, J. M.ª Álvarez, e T. Nogales, apresentando traçado urbano

hipodâmico somado das duas vias principais (kardo e decumanus maximus) –

inspirada nos castra. Destaque para os fóruns, as pontes, os aquedutos e os edifícios

de espetáculos (GARCÍA Y BELLIDO, 2009, 68).

286

ANEXO D – Desenho ilustrativo da cidade de Emerita Augusta, destacando as duas

vias principais e alguns elementos arquitetônicos que compunham o urbanismo de

uma colônia romana provincial (ALGABA, 2009, s.p.).