Informação e Comunicação Online. Volume I. Jornalismo Online

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    Jornalismo online (e) os generos e a convergencia

    por Paulo Bastos 149Jornalismo na rede: arquivo, acesso, tempo, estatstica

    e memoriapor Lus Nogueira 159

    O ensino do jornalismo no e para o seculo XXpor Ant onio Fidalgo 179

    O jornalismo na era Slashdotpor Catarina Moura 189

    Slashdot, comunidade de palavrapor Lus Nogueira 199

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    Introdu cao

    Ant onio FidalgoUniversidade da Beira Interior.

    E-mail: [email protected]

    A comunicacao online esta a revolucionar o modo como damose recebemos a informacao e como comunicamos uns com os outros.Poder-se-ia pura e simplesmente constatar o facto, aceit a-lo comouma alteracao decorrente das novas tecnologias da informacao e co-

    munica cao e, sem questiona-lo mais, assumi-lo como uma premissaadquirida. Contudo, o sentido da ciencia est a em questionar e pro-blematizar aquilo que nos e dado como facto e compreende-lo `a luzdas suas raz oes, perspectivas e consequencias.

    No LabCom Laborat orio de Comunicacao Online da Univer-sidade da Beira Interior 1 um grupo de investigadores tem vindo adedicar-se ao estudo e experimentacao das novas formas de comu-nicacao. Iniciativas concretas como a BOCC Biblioteca Online de Ciencias da Comunicac ao2, uma das principais referencias dacomunidade lus ofona nas diversas areas disciplinares dos estudossobre a comunicacao, o jornal online Urbi et Orbi 3, que semanal-mente vem sendo publicado desde Fevereiro de 2000, a TubiWeb 4,televisao online que trabalha sobre uma base de dados, o jornalAkademia 5, um experimento de jornalismo de fonte aberta, e aindaoutras iniciativas de que a pagina web do LabCom e o portal,tem sido levadas a cabo sempre em estreita colabora cao com in-formaticos e designers. Mas a par dessas realiza coes tem havidouma reexao sobre as multiplas vertentes da informa cao e da co-munica cao online. A colectanea de textos que agora se junta em su-porte de papel, mas que na sua maioria ja se encontram disponveisonline, traduz o labor te orico que tem vindo a ser feito. Especial

    1 www.labcom.ubi.pt.2 www.bocc.ubi.pt.3 www.urbi.ubi.pt.4 www.tubi.ubi.pt.5 www.akademia.ubi.pt.

    Informa cao e Comunica cao Online 1 , Projecto Akademia 2003, 1- ??

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    2 Antonio Fidalgo

    referencia na investigacao feita cabe ao Projecto Akademia Sis-

    temas de Informa c ao e Novas Formas de Jornalismo Online , quedesde Setembro de 2000 tem vindo a ser nanciado pela Funda caopara a Ciencia e Tecnologia.

    O projecto Akademia

    Os novos meios copiam as formas dos meios anteriores. Sucedeuanteriormente com a radio e a televisao e sucede hoje com a In-ternet. As formas de apresentacao dos conteudos sao uma copiados meios tradicionais. Os jornais online s ao uma mera vers ao

    dos jornais impressos, as r adios online em pouco se distinguem dasradios hertzianas e mesmo as televis oes na net copiam as televisoesanal ogicas.

    Mas tambem nao e menos certo que os novos meios acabampor romper com os modelos anteriores e dao origem a novos tiposde conteudo e respectiva apresentacao. A frase mais celebre deMarshall McLuhan o meio e a mensagem e justamente a inte-leccao clara de que novos meios de comunicacao obrigam a novasformas de comunicacao.

    Ora uma das caractersticas especcas da comunica cao na In-ternet e a convergencia de texto, som e vdeo, que traduz como queuma migra cao dos meios tradicionais, ate aqui separados, para oespa co comum informativo, comunicacional que e a Internet;esta aparece, assim, mais do que como um novo meio, como umverdadeiro meta-meio, um meio de todos os meios.

    No que se refere especicamente ao jornalismo e com o adventodo jornalismo online a transforma cao mais saliente que a Inter-net parece acarretar e a simbiose entre jornais e bases de dados.O hipertexto e as bases de dados online, interactivas, estabelecemcontactos entre jornais e sistemas de informacao. Uma notcia num jornal online pode reenviar, mediante um link , o leitor para umaenciclopedia, ou uma notcia pode ser dada no contexto de outrasnotcias, seleccionadas por uma pesquisa numa base de dados. Ateagora o arquivo de um jornal era de algum modo um arquivo inerte,arquivo que so o jornal do dia podia de certa maneira ressuscitartambem por um dia. Ora o online e o hipertexto permitem o acesso

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    dade, a media estatstica.

    O hipertexto e as bases de dados online, interactivas, estabele-cem contactos entre jornais e sistemas de informacao. Daqui surgea ideia de integrar todas as notcias numa base de dados, organizadapor multiplas entradas, datas, sec coes do jornal, lugares, interveni-entes, tipos de factos noticiados, etc. O arquivo de um jornal naoseria mais um todo informe, sucessivo, mas um conjunto organi-zado, que possibilitaria a simbiose da notcia de hoje com os dadosdo passado.

    Dadas as possibilidades inform aticas das universidades e as suasnecessidades em termos de informa cao, a metodologia do projecto

    passou por criar um jornal universitario, o Akademia , que, utili-zando a largura de banda disponvel no campus universit ario, cons-titusse o novo meio de comunica cao, em termos de meios, conteudose formatos. A informa cao que existe hoje nas universidades e umainformacao dispersa, descoordenada; facto revelador de que naoha ainda uma verdadeira losoa de informacao, prossional, nomundo academico portugues. Contudo, e importante que tambemas universidades saibam aproveitar a rede como uma forma pri-vilegiada de veicular informa cao a todos os que nela trabalham,ensinam e estudam.

    Conjugar a informa cao jornalstica com a informacao institucio-nal, junt a-la num mesmo orgao, e a melhor forma de combinarnos destinat arios o interesse e a curiosidade as exigencias prossio-nais de estar informado. Por outro lado, esse orgao podera vir aconstituir um f orum de opiniao e de debate na pr opria academia.

    A estrutura da obra

    As altera coes que se vericam no conjunto de uma sociedade saotambem altera coes nas suas formas de comunicacao e, reciproca-mente, as alteracoes nas formas de comunicacao de uma sociedadesao, tambem, altera coes no conjunto dessa sociedade. Apesar decentradas na informacao jornalstica as investiga coes feitas nao po-deriam deixar de contemplar toda uma serie de quest oes conexas.

    Assim, a obra Informac ao e Comunica c ao Online apresenta-sedividida em tres volumes: o primeiro, intitulado Jornalismo On-

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    nicacao tem vindo a introduzir no nosso mundo da vida nos

    modos como trabalhamos e repousamos, habitamos o espaco mastambem o corpo, guramos o real, construmos a mem oria, ima-ginamos o futuro. Nestes modos conjuga-se, claramente, aquilo aque Plat ao chamaria a dialectica entre o Mesmo e o Outro, istoe: em ultima an alise, e sempre a partir do mundo da vida quesituamos o e nos situamos no online, e sempre ao mundo da vidaque regressamos para nele integrarmos o online.

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    Apresenta cao

    Ant onio Fidalgo e Paulo SerraUniversidade da Beira Interior.

    E-mails: [email protected]@alpha2.ubi.pt

    A armacao hoje trivial de que o Homem e um ser historiconao signica apenas que tudo o que o Homem produz e efemeromas tambem, e sobretudo, que isso que ele produz esta condenado

    a cristalizar, a solidicar-se e, assim, a constituir-se como o maiorobst aculo a pr opria historicidade do humano; como se, em cadamomento hist orico, o criado nao pudesse deixar de voltar-se contra oseu proprio criador. A principal implica cao de uma tal duplicidade ea de que a passagem da cultura a uma nova esta cao envolve sempre,como condicao necessaria, a luta contra o existente e a possibilidadeda sua supera cao.

    Tais duplicidade e condi cao exprimem-se, na linguagem cor-rente, e n ao so, atraves da utiliza cao do qualicativo p os comopor exemplo na express ao, hoje t ao em voga, de pos-moderno.Ora, o desenvolvimento da Internet tem feito surgir, a prop osito do jornalismo online ou web jornalismo, para nos referirmos apenasa duas das designa coes mais generalizadas da realidade emergente,este topos do p os. Os textos insertos neste volume procuram,precisamente, analisar e discutir quatro das facetas mais relevantesdessa nova realidade: o possvel car acter outro deste jornalismo, asnovas modalidades da rela cao entre informacao e jornalismo que eleimplica, a convergencia de generos a que ele aparentemente conduz,e, nalmente, a sua mobiliza cao de discursos e linguagens alterna-tivos.

    Um jornalismo outro

    A comunicacao online, simbiose de comunicacao interpessoal ( email e messenger ) e social (jornais, r adios, televis oes e portais), alteraprofundamente a forma como hoje em dia se produz e se obtem a

    Informa cao e Comunica cao Online 1 , Projecto Akademia 2003, 7- ??

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    8 Antonio Fidalgo e Paulo Serra

    informacao jornalstica. A actualiza cao permanente das notcias, a

    interactividade, a difusao urbi et orbi , em toda a parte e em qual-quer tempo, a disponibilizacao online dos arquivos da informa cao jornalstica, organizados em bases de dados, obrigam a repensar asformas do jornalismo tradicional e a investigar outros tipos de jorna-lismo e, nomeadamente, o jornalismo a que se tem vindo a chamar jornalismo online ou web jornalismo, entendendo-se por tal n ao omero shovelware , a mera transposi cao para formato electronico doconteudo dos jornais tradicionais, mas um jornalismo produzidoespecicamente na e para a Internet.

    Que altera coes introduz, um tal jornalismo, na forma como os

    jornalistas tem vindo, desde a segunda metade do seculo XIX, aexercer a sua actividade? E nas relacoes dos jornalistas com asfontes? E com os poderes polticos e economicos? Representa umtal jornalismo a libertacao dos padr oes do jornalismo mainstream ou, pelo contrario, uma reorganiza cao ou mesmo um acrescimo da sua submiss ao a tais padr oes? Quais as novas implicacoes, emtermos tecnicos e tecnologicos, de um jornalismo feito na e paraa web? Mais especicamente, o que caracteriza e distingue um jornalismo assente em base de dados? Qual a rela cao que nele existeentre a sintaxe das notcias e o seu grau de resolucao semantica?Visto do lado dos seus destinatarios, um tal jornalismo leva a umamelhoria na informa cao que lhes e oferecida? Permite-lhes ter umavoz na forma como se produz essa informacao, levando-os, no limite,a serem tambem jornalistas? S ao estas, fundamentalmente, asinterroga coes a que procuram responder os textos A transmissaoda informa cao e os novos media-dores, de Paulo Serra, Sintaxe esemantica das notcias online. Para um jornalismo assente em basede dados de Ant onio Fidalgo e Webjornalismo. Considera coesgerais sobre jornalismo na web, de Jo ao Canavilhas.

    Informa cao e Jornalismo

    Uma quest ao ainda mais radical do que as anteriores e, de certomodo, previa a elas e a de sabermos se o jornalismo online e ainda jornalismo ou se, pelo contrario, ele nao e ja o anuncio de umaforma de informacao que, querendo ainda continuar a considerar-

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    Apresenta cao 9

    -se como jornalstica, ja nada tem a ver, de facto, com o jor-

    nalismo. O jornalismo tem sido visto, praticamente desde os seusincios longnquos no seculo XVII, como a forma de pesquisar, veri-car, organizar e divulgar, junto de todos e cada um dos cidad aos,a informacao comunitariamente relevante, aquilo a que Schudsonchama conhecimento p ublico. Ora, com a Internet e a www,esse papel de mensageiro e de mediador do jornalismo tem vindoa tornar-se cada vez mais problematico. Procurando superar o di-lema entre a perspectiva apocalptica dos que veem a Internetcomo m do jornalismo, e a perspectiva integrada dos que nelaveem apenas um novo meio de prolongar o jornalismo tradicional,

    tem vindo a ganhar importancia crescente a perspectiva dos queveem na Internet a via para um novo jornalismo, um jornalismoinformado que pode, por um lado, deixar de ser a mera caixa deressonancia dos poderes e dos saberes ociais e ociosos e, por ou-tro lado, escapar a transformacao generalizada da informa cao emmercadoria e espect aculo. Uma tal perspectiva nao pode, pela suapropria nalidade a supera cao do dilema , deixar de envolverum equilbrio por vezes muito instavel. E como uma navegacao noseio dessa instabilidade que devem ser lidos, precisamente, os tex-tos Jornalismo online, informacao e memoria: apontamentos paradebate, de Marcos Palacios, O online nas fronteiras do jorna-lismo: uma reexao a partir do tabloidismo.net de Matt Drudge,de Paulo Serra e Jornalistas e publico: novas funcoes no ambienteon-line, de Elisabete Barbosa.

    Os generos e a convergencia

    Est a o on-line a alterar os generos cl assicos do jornalismo? Onovo medium potencia ou nao novas conguracoes nas tradicio-nais formas de apresentar informacao? Qual o destino dos generosnum meio o digital marcado precisamente pela convergencia demeios? O p2p e a sua inconfundvel promessa de participacao naosera, tambem, o incio da degenerescencia dos generos, da fus ao in-formacao-opiniao, do primado do entretenimento e do fait-divers ?Amalgama, blurring de estilos, colonizacao da informacao por for-mas que lhe sao estranhas, ou pelo contrario, maior interactividade,

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    participacao, e um renamento do controle sem antico dos factos?

    Ou ambos? Esta n ao e a primeira vez que apressadamente se es-crevem obitu arios ao monopolio jornalstico da producao e distri-buicao de notcias. O futuro inrmar a ou nao o obito. Os textos O jornalista multimedia do seculo XXI, de Anabela Gradim, Con-vergencia e tecnologias em comunica cao, de Manuel Jose Damasio,e Jornalismo online (e) os generos e a convergencia, de PauloBastos, reectem, justamente, sobre a provoca cao das formas, aconfusao dos generos, a contrafac cao de notcias, as pressoes domercado, dos meios, e de uma cada vez mais difundida ideologia danao especicidade das prossoes jornalsticas, e de que forma esses

    factores se poderao traduzir no futuro em novos modos de produzire apresentar a informacao.

    Outros discursos, novas linguagens

    Se e certo que a Internet promoveu a fusao dos elementos consti-tuintes (imagem, texto, som) dos diversos suportes comunicacionais(televis ao, radio, imprensa), pode vericar-se simultaneamente queessa integra cao redesenhou a import ancia, a hierarquia e o papel decada um antes de mais pelas peculiaridades tecnicas e funcionais

    que lhe sao proprias. Este cen ario mediatico que progressivamentevem depurando formas, conte udos, ferramentas e linguagens, comnatural incidencia no modo de produzir, apresentar, organizar e pes-quisar informa cao, veio requerer de cada leitor/ouvinte/espectadornovos modos de tracar percursos na explora cao das enormes ba-ses de dados e de contextualizar os diversos contributos com quevai compondo as suas perspectivas e referencias da realidade. Estaexigencia de novos procedimentos por parte do receptor e uma res-posta aos (e uma consequencia dos) desaos que lhe s ao lancadospelos orgaos de informacao, os quais procuram, por um lado, res-ponder aos constrangimentos e especicidades do novo suporte e,por outro, aperfei coar o uso das ferramentas e vantagens que odistinguem. E no cruzamento entre o legado de h abitos e com-portamentos adquiridos, as formulas herdadas e as potencialidadesoriginais (bases de dados, hiperliga coes, motores de busca, interac-tividade, imediaticidade) pr oprias do novo meio que se joga o pre-

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    Apresenta cao 11

    sente e o futuro do jornalismo, dos seus generos, das suas formas de

    aten cao e leitura, do seu design, da sua sintaxe, das suas narrativase tipologias um processo de que os textos Jornalismo na rede: ar-quivo, acesso, tempo, estatstica e mem oria, de Lus Nogueira, Oensino do jornalismo no e para o seculo XXI, de Ant onio Fidalgo,O jornalismo na era Slashdot, de Catarina Moura e Slashdot,comunidade de palavra, de Lus Nogueira, procuram oferecer umademonstracao cabal.

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    A transmissao da informa cao e os novosmediadores

    Joaquim Paulo SerraUniversidade da Beira Interior.

    E-mail: [email protected]

    A chave de um regime n ao reside nem na consti-tuic ao, nem no n umero de c amaras, nem no modo de eleic ao, nem na polcia. A chave de um regime reside

    na informa c ao. Alfred Sauvy1

    Se o mestre e o enciclopedista aparecem como as guras tpicas,que nao exclusivas, da media cao da informacao entre os Antigos e osModernos, o jornalista aparece como a gura tpica, mais uma veznao exclusiva, dessa mesma media cao na sociedade contempor anea.A nossa tese, a este respeito e a de que, numa sociedade em que ainformacao se tornou cada vez mais complexa e especializada, con-nando os cidad aos a crculos informativos cada vez mais restritos,colocando a sociedade perante o risco da fragmentacao absoluta e,no limite, da sua pr opria destrui cao - lembremos, a este respeito,a posicao de Tocqueville acerca da importancia dos jornais na de-mocracia americana , coube ao jornalista assumir o papel que oenciclopedista tracara para si pr oprio nos alvores da Modernidademas que o desenvolvimento das ciencias e das tecnologias tornaria,a breve trecho, totalmente impossvel: o da seleccao, organiza caoe transmiss ao de uma informacao mais ou menos geral, acessvela todos e a todos dirigida. O problema e, no entanto, e para re-corremos a categorias postas em circulacao pelos autores da Ency-clopedie , o de saber se e possvel tornar acessvel, a todos, umainformacao destinada a conservar o memoravel e a instruir e,simultaneamente, a contribuir para o cumprimento das exigenciasde transparencia da coisa p ublica e de participa cao poltica que s aoas exigencias b asicas da democracia e do poltico.

    1 Citado em Francis Balle, Et si la presse nexistait pas... , Paris, JCLattes,1987, p. 61.

    Informa cao e Comunica cao Online 1 , Projecto Akademia 2003, 13- ??

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    14 Joaquim Paulo Serra

    A hist oria do jornalismo mostra que, a a partir de meados do

    seculo XIX - altura em que come ca a denir-se o jornalismo comorelato noticioso e objectivo e, ao mesmo tempo, como pross aoespecca - este comeca a privilegiar, em vez de tal informa cao for-mativa e comunitaria-mente relevante, uma informa cao orientadapara o acontecimento mais ou menos efemero, destinada a ali-mentar a curiosidade evanescente dos leitores e visando essencial-mente divertir e agradar. Uma situa cao que, a acreditarmos nodiagnostico feito actualmente por autores como Furio Colombo 2,Tom Koch 3, Serge Halimi4, Umberto Eco 5 ou David Mindich 6 repetindo, ali as, em grande medida o diagn ostico/prognostico que

    Norbert Wiener fazia ja em meados do seculo passado atingiuhoje a sua perfeicao suprema com a transformacao generalizadada informa cao jornalstica em espectaculo e entretenimento 7 e a suasubordina cao total ao poder poltico e, sobretudo, ao dinheiro. 8

    Um dos efeitos fundamentais desta situa cao e a transformacaocada vez mais evidente da pr opria poltica em publicidade e emespect aculo, num conjunto de pseudo-acontecimentos mais oumenos encenados visando cativar as audiencias, e de que o moteparece ser o velho se nao podes muda-los, junta-te a eles, istoe, aos subprodutos mediaticos de sucesso. Ao transformar-se em

    2

    Cf. Furio Colombo, Conhecer o Jornalismo Hoje. Como se faz a In- forma c ao, Lisboa, Presenca, 1998.3 Cf. Tom Koch, The Message is the Medium , Westport, Connecticut, Lon-

    don, Praeger, 1996; idem, The News as Myth. Fact and Context in Journalism ,New York, Greenwood Press, 1990.

    4 Cf. Serge Halimi, Les Nouveaux Chiens de Garde , Paris, Raison dAgir,2000.

    5 Cf. Umberto Eco, Sobre a imprensa, in Cinco Escritos Morais , Oeiras,Difel, 1998, p. 55-88.

    6 Cf. David T. Z. Mindich, Just the facts. How objectivity came to dene American Journalism , New York, New York University Press, 1998.

    7 Uma confus ao de que a conhecida expressao infotainment procura darconta.

    8 Aqui, e para utilizarmos uma express ao cara ao marxismo na sua vers aomais ortodoxa, diramos que o econ omico e determinante em ultima instancia na medida em que, um pouco por todo o lado, aquilo a que ainda se chamao poltico nao passa ou de um prolongamento ou de uma dependencia doeconomico. Ou ent ao do medi atico que tende a ser, por sua vez, e cada vezmais, um prolongamento ou uma dependencia do econ omico.

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    A transmiss ao da informacao e os novos mediadores 15

    publicidade e espect aculo, a poltica tende, por um lado, a deslocar

    as diferencas e os conitos do plano do essencial os programas,os problemas, as alternativas para o do acessorio a retorica, aimagem, a oportunidade , e, por outro lado, a convergir para umcentro cada vez mais dialogante e consensual em que, como di-ria Hegel, ja so resta pintar cinzento sobre cinzento; ou seja, e para odizermos de forma sumaria, a anular-se como poltica. No entanto,nao deixa de ser um facto e um argumento dos que defendema chamada poltica-espect aculo que a informacao formativa ecomunitaria-mente relevante n ao interessa a generalidade dos ci-dad aos, mais interessados na informacao que diverte, que excita,

    que distrai, mas apenas a uma minoria mais esclarecida que, elasim, se preocupa com a comunidade a que pertence.Ha alguma sada para esta aporia que coloca, de um lado, uma

    informacao formativa e comunitariamente relevante mas que n ao einteressante e, do outro, uma informa cao que diverte e distrai masque nao interessa? Se ha, ela nao parece situar-se, ou n ao parecesituar-se predominantemente, nem do lado dos polticos, que inten-tam conquistar, por todos os meios ao seu alcance, uma aten caomediatica que sabem ser o bem mais precioso e mais escasso, nemdo lado da audiencia, que tende a conceder a sua aten cao aos sub-produtos medi aticos que a divertem, excitam e distraem. A sada s opoderia residir, quanto a nos, no meio, no mediador entre o polticoe o cidadao isto e, no jornalista. O que levanta, desde logo, duasoutras questoes essenciais:

    i) Nao representa isso conceder, ao jornalista, um papel para oqual ele nao esta nem etica nem tecnicamente preparado?

    ii) Nao representa isso atribuir, ao jornalista, um poder oquarto poder que, e ao contrario dos outros tres poderes, naoe objecto de uma legitimacao pelas inst ancia sociais e/ou polticasapropriadas?

    Estas s ao nao apenas boas quest oes, mas as quest oes essenciais

    acerca do papel do jornalista no mundo contemporaneo. No quese segue procuraremos, num primeiro momento, encontrar algumasrespostas, se n ao boas, pelo menos plausveis, para as questoes an-teriores; num segundo momento, tematizar aquilo a que, parafrase-ando a conhecida express ao de Schutz, chamaremos um jornalismo

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    16 Joaquim Paulo Serra

    bem informado e a que Tom Koch chama um novo jornalismo

    um jornalismo opinativo, empenhado, de caracter marcadamentecvico e poltico; num terceiro e ultimo momento, especular acercado possvel papel da Internet e da Web e, mais particularmente,do que se tem vindo a chamar jornalismo online, na teoria e napratica de tal jornalismo bem informado.

    O jornalismo em questao

    Naquele que sera um dos primeiros textos te oricos sobre o tema,a Encyclopedie , mais especicamente Diderot, exprime, em relacao

    aos jornais e aos jornalistas, uma posi cao que pode ser con-siderada, no mnimo, como ambivalente. Por um lado, marca-seclaramente, quer quanto aos objectivos, quer quanto ao alcancetemporal, quer ainda quanto aos seus destinat arios potenciais, adistin cao entre uma enciclopedia e os jornais; assim, se a primeiravisa a instru cao geral e permanente da especie humana, j a os se-gundos visam a satisfa cao moment anea da curiosidade de algunsociosos.9 Mas, por outro lado, n ao se descarta a possibilidade deque, apesar de n ao ser um criador, o jornalista, desde que movidopelo intuito de contribuir para o progresso do esprito humano

    e o amor da verdade e dotado dos talentos necessarios, possaexercer uma fun cao de divulgacao e de juzo crtico e, assim, deinstrucao em rela cao as obras liter arias, cientcas e artsticasque vao sendo publicadas, sobretudo no estrangeiro. 10 Se e certoque aquilo que os enciclopedistas caracterizam como jornalismo ja ha muito n ao corresponde, minimamente, `aquilo que hoje seconsidera como tal ou corresponder a, t ao so, a nma parte do

    9 Cf. Diderot, Encyclopedie, in Encyclopedie ou Dictionnaire Raisonne des Sciences, des Arts et des Metiers , Vol. 14 (Tomo 5 do original), Mil ao,Paris, Franco Maria Ricci, 1977, p. E, 121.

    10 Cf. Diderot, Journaliste, in Encyclopedie ou Dictionnaire Raisonne des Sciences, des Arts et des Metiers , Vol. 15 (Tomo 6 do original), Milao, Paris,Franco Maria Ricci, 1978, p. I, 79. Como principais talentos do jornalista,Diderot aponta o conhecimento acerca daquilo sobre o qual escreve, a equidade ,que consiste em n ao elogiar o medocre e desvalorizar o excelente, a seriedade ,que deriva de que a nalidade do jornalista e analisar e instruir, n ao fazerrir e a isenc ao em relacao aos interesses do livreiro e do escritor. Cf . ibidem .

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    A transmiss ao da informacao e os novos mediadores 17

    jornalismo cultural de certos orgaos de informacao especializados

    ou de seccoes especcas dos orgaos de informacao generalistas ,nao e menos certo que o papel formativo que lhe e aqui atribudo e,ainda hoje, visto como um papel essencial. Por seu lado, na sua Da Democracia na America , Tocqueville atribui aos jornais nao so umpapel poltico, de vigil ancia do poder e de suporte da existencia departidos e movimentos polticos, como tambem um papel social, desuporte da sociabilidade e da associacao dos indivduos num espacodeslocalizado, e que se revelam, um e outro, fundamentais para aexistencia das sociedades democraticas modernas. 11 A quest ao quese coloca e entao a seguinte: podemos atribuir, ao jornalismo como

    hoje o conhecemos e que e o jornalismo que se arma, comoindustria e como actividade prossional especcas, pelos naisdo seculo XIX esse triplo papel formativo, poltico e social quee tradicionalmente visto como devendo ser o seu? Ou a transi caode um jornalismo cultural e poltico-social a um jornalismonoticioso e objectivo representou, pelo contrario, a aliena caodenitiva de qualquer interesse formativo, poltico e social ou,pelo menos a sua subordina cao a outro tipo de interesses?

    O rol de acusacoes que, nos tempos mais recentes, tem vindoa ser dirigido ao jornalismo e aos jornalistas obriga a, pelo me-nos para j a, responder negativamente `a quest ao colocada. Comefeito, as relacoes mais ou menos ntimas que muitos jornalistasmantem com o poder poltico, o economico e o mediatico tem le-vado recentemente certos autores a reeditar, por outras palavras, odiagnostico/prognostico de Wiener segundo o qual a informa caocomunitariamente disponvel estaria cada vez mais reduzida e su-bordinada aos interesses do poder e do dinheiro 12 realcando,por um lado, a subordina cao do jornalismo e dos jornalistas ao po-der e, por outro lado, a colonizacao da informacao seria, crtica,formativa pelo mundo do espectaculo e do entretenimento. As-sim, e para nos referirmos apenas a algumas das obras mais recentes

    11 Cf. Alexis de Tocqueville, De la democratie en Amerique, in Oeuvres ,Vol. II, Paris, Gallimard, 1992, especialmente p. 209, 215, 625, 626, 628 e 629.

    12 Cf. Norbert Wiener, Cybernetics: or Control and Communication in the Animal and the Machine , Cambridge, Massachusetts, The MIT Press, 1965, p.161-162.

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    sobre o tema nao tendo, portanto, qualquer intuito de sistema-

    tiza cao , Furio Colombo procede ao diagnostico de um jornalismo[americano e italiano] apanhado entre o mundo do espectaculo e ouso da informacao recebida, disponibilizada, por raz oes que lhesao proprias, por v arias fontes de poder congurando uma Dis-neylandia das notcias cujos diversos elementos e factores perten-cem cada vez mais ao mundo do espectaculo, escravo dos gostos edos humores do publico13; Tom Koch procura aduzir casos ten-dentes a mostrar que o suposto quarto poder norte-americano n aotem sido, ate agora, senao a mera caixa de ressonancia da primeiraburocracia 14; numa obra de tom marcadamente panet ario e que

    imita, tambem nesse aspecto, a obra inspiradora de Paul Nizan,Serge Halimi denuncia os jornalistas franceses como os novos caesde guarda 15; Umberto Eco ve os jornalistas italianos como fauto-res de uma informa cao que, em virtude daquilo a que chama oefeito-televis ao, se transformou de janela aberta sobre o mundonum mero espelho da pr opria televis ao mas tambem do poderpoltico que se d a a ver nessa televis ao cada vez mais narcsico e

    13 Furio Colombo, op. cit. , p. 24. Sobre esta materia, cf. todo o captulo I,p. 11-24, subordinado ao mote Desde as suas origens, o jornalismo tem sidoamea cado e assediado por quatro advers arios: a escassez das fontes, a forca dopoder, o risco de censura, o estado de esprito da opini ao publica. (p. 11).Rera-se ainda que Colombo ve, na fus ao Time -Warner , em meados dos anos80, o momento simbolico fundamental da fusao entre informacao e espect aculo.

    14 Como diz Tom Koch, o que algumas vezes e chamado o Quarto Poderfoi sempre a primeira burocracia, o medium atraves do qual todos os outros[funcionarios governamentais e especialistas ociais] promulgaram an uncios e,por conseguinte, impuseram a sua lei. Tom Koch, The Message is the Medium ,p. 17.

    15 Cf. Serge Halimi, op. cit. . Os ttulos dos captulos do livro de Halimisao, por si s os, instrutivos acerca da forma devastadora como o autor ve o jornalismo frances: um jornalismo de reverencia ao poder poltico, nomea-damente ao dos palacios de Matignon e do Eliseu; prudencia face ao dinheiro dos grandes grupos economico-nanceiros que controlam a maioria dos orgaos

    de comunica cao; jornalismo de mercado que celebra a inevitabilidade dopensamento unico e do liberalismo selvagem; um universo de conivencias dos trinta ou quarenta mediocratas, muitos deles ditos de esquerda, querepartem entre si a feira das vaidades das publica coes e das cita coes ditasculturais.

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    auto-referencial 16; David Mindich caracteriza a situacao do jorna-

    lismo americano nos anos 90 do seculo XX referindo-se ao assaltodo jornalismo serio pelo mundo do entretenimento e `a hollywo-odizacao das notcias que transformam os jornalistas serios ementertainers .17

    Pode argumentar-se, no entanto, que este tipo de diagn osticostende a esquecer pelo menos dois aspectos essenciais. O primeiro eque as caracteriza coes do jornalismo e dos jornalistas que a s ao fei-tas s ao demasiado radicais, tanto pela sua amplitude abarcandotodo o jornalismo e todos os jornalistas quanto pela sua profun-didade os jornalistas s ao totalmente subservientes em relacao aos

    diversos poderes institudos; de tal modo que o que elas pintam e,algo contraditoriamente, o quadro de um jornalismo negro quenunca existiu. O segundo aspecto e que as relacoes dos jornalistascom os poderes economicos, polticos e medi aticos n ao podem servistas de forma t ao unilateral, colocando de um lado os que coman-dam, os detentores do poder, e, do outro, os que s ao comandados, os jornalistas; ate porque, como sabemos, na pr atica concreta da vidaas coisas sao bem mais complicadas, havendo v arios tipos e nveis depoder e uma multiplicidade de micropoderes, como lhes chamavaFoucault, que fazem com que nem sempre aquilo que pare ca ser oseja efectivamente de tal modo que tambem os jornalistas tem osseus poderes e contrapoderes, as suas estrategias de resistencia emesmo de ataque aos outros tipos e nveis de poder.

    Ambos os argumentos anteriores sao validos so que nao se refe-rem propriamente `aquilo a que, desde os nais do seculo XIX, se temvindo a chamar jornalismo, no sentido de jornalismo noticioso eobjectivo, mas antes a formas de jornalismo que podemos quali-car como cvico ou p ublico e que, precisamente, o primeiro tipode jornalismo tende a desclassicar como n ao-jornalismo. Imp oe-se,deste modo, esclarecer quais os mecanismos que fazem com que asubordina cao do jornalismo noticioso e objectivo a facticidade

    dos poderes poltico, econ omico, mediatico e das audiencias, longede ser um mero acidente, seja intrnseca ` a pr opria natureza detal jornalismo.

    16 Cf. Umberto Eco, Sobre a imprensa, op.cit. , p. 77.17 Cf. David T. Z. Mindich, op. cit. , p. 139-140.

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    A concep cao canonica do jornalismo

    Como dizem os manuais de jornalismo, a fun cao essencial do jor-nal, ou, mais genericamente, de qualquer orgao de informacao, ea de informar os seus leitores, constituindo a distrac cao e o entre-tenimento fun coes meramente acess orias.18 Decorrem, daqui, pelomenos duas consequencias fundamentais: uma, a de que a coisamais importante do jornal sao as notcias, denveis como factosactuais de interesse geral 19, nao os jornalistas que as d ao e quedevem, idealmente, apagar-se perante a pr opria notcia; a outra,a de que o interesse de informar nao pode subordinar-se a qualqueroutro tipo de interesses, sejam economicos, polticos, ideol ogicos ououtros. Esta primazia dada ` as notcias e ao interesse de informarnao obsta, no entanto, a que o jornal e os jornalistas nao possamter e divulgar as suas opini oes proprias, as suas aprecia coes dos fac-tos, baseadas em impressoes subjectivas; mas essas opini oes temde ser sempre identicadas como tal e distinguidas claramente dasnotcias dos factos, mesmo quando, como acontece no editorial,os seus autores n ao sao identicados. 20

    E a nvel desta distincao entre factos e opini oes que cos-tuma colocar-se a quest ao da objectividade como cerne da deonto-logia jornalstica. Tal como na ciencia, que o jornalismo assumiuclaramente como modelo, a objectividade nao signica, contem-poraneamente, e ao contrario do que o pretendeu o positivismooitocentista, que as nossas descricoes sejam uma copia ou umespelho dos factos mas t ao so que, mantendo-se invari aveis ascondicoes de investigacao desses factos, diferentes sujeitos chegar ao

    18 Anabela Gradim, Manual de Jornalismo , Covilh a, Universidade da BeiraInterior, Serie Estudos em Comunica cao, 2000, p. 17.

    19 Esta deni cao do manual de Anabela Gradim retoma a do cl assico deRicardo Cardet, que dene notcia como um facto actual com interesse geral.Ricardo Cardet, Manual de Jornalismo , Lisboa, Caminho, 1988, p. 38. Noentanto, e como faz notar Miquel Alsina, talvez fosse mais correcto ate paracompreender a quest ao da objectividade, que discutiremos adiante dizer-seque a notcia n ao e um facto, mas mais propriamente a narra cao de um facto.Miquel Rodrigo Alsina, La Construcci on de la Noticia , Barcelona, Paid os, 1996,p. 182.

    20 Anabela Gradim, op. cit. , p. 17-19.

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    as mesmas conclusoes; o que signica, tambem, assumir que, sendo

    a notcia sempre uma constru cao metonmica que envolve, neces-sariamente, elementos decorrentes da subjectividade do jornalista,da etica da prossao, das regras da organiza cao jornalstica, dapropria cultura em que todos se encontram imersos, a objectivi-dade, mesmo na acep cao fraca que actualmente e dada a estetermo, e um ideal normativo e, portanto, sempre mais ou menosinalcan cavel. E precisamente para garantir esta objectividade, pormuito fraca que ela seja, que o jornalista procura orientar o seutrabalho no sentido da resposta `as quest oes essenciais quem?, oque?, quando?, onde?, porque?, correspondentes aos cinco

    Ws das escolas de jornalismo anglo-sax onicas, e como?.No entanto, e ao contr ario do que acontece em ciencia, em que ocientista deve partir da observa cao pessoal e directa dos factos, daexperiencia em primeira mao ainda que essa observa cao pes-soal e directa seja sempre mediada por instrumentos e teorias enao seja, portanto imediata no sentido de um acesso a um emsi , na maioria das vezes o jornalista n ao contacta directamentecom os factos, mas com informacoes sobre os factos fornecidas pe-las fontes, entendendo por tal qualquer entidade detentora de da-dos que sejam susceptveis de gerar uma notcia 21, seja ela in-terna, compreendendo os proprios jornalistas, o arquivo do jornal,as delegacoes e os correspondentes, seja ela externa, incluindoas agencias noticiosas e os outros orgaos de informacao, as entida-des ociais, as organizacoes nao governamentais, os contactos do jornalista e o publico em geral; pelo que poderia ate dizer-se queo jornalista noticia informacoes, e nao propriamente factos aoque acresce que as fontes podem ser ja, elas pr oprias, fontes se-cundarias, isto e, portadoras de informa coes nao sobre os factosmas sobre informa coes. A questao da seleccao e da avalia cao dasfontes torna-se, portanto, crucial para a pr atica desta teoria do jor-nalismo. Nesta materia, a regra e a de que, para ser boa, uma

    fonte deve ser nao so competente e qualicada como, idealmente,desinteressada em relacao a materia a noticiar. Sendo que, napratica, esta ultima caracterstica e impossvel, na medida em quequalquer fonte defende, consciente ou inconscientemente, determi-

    21 Ibidem , p. 102.

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    nado tipo de interesses, o jornalista tem que tentar aperceber-se

    de quais sao esses interesses, sob pena de ser manipulado pela fonte deve, como se diz, constituir uma topologia das fontes , o quefaz crescer a import ancia da conrma cao e contrasta cao das fontes,sobretudo quando o tema a noticiar e de natureza polemica. 22

    Como nem todas as notcias podem ser dadas mas apenasaquelas que, como diz o New York Times , sao dignas de ser impres-sas23 , impoe-se, previamente a sua organiza cao e apresenta cao,a tarefa da sua selec cao, mais premente ainda num mundo carac-terizado pelo excesso de informacao24; da poder-se, nalmente,resumir a fun cao do jornal dizendo que ela e a de seleccionar e pro-

    duzir notcias, transmitindo-as de forma dedigna e ob jectiva.25

    Aquest ao que se coloca e, entao, a de saber mediante que criterios derelevancia ou valores notcia, como tambem se diz, tal selec cao efeita. A denicao de notcia que vimos acima como facto actualde interesse geral aponta, desde logo, para a actualidade e o in-teresse geral como os criterios fundamentais que tornam relevanteuma notcia em vez de outra. Mas a actualidade e o interesse ge-ral n ao sao os unicos criterios da relevancia noticiosa. Com efeito, ja num texto de 1936, Walter Benjamin 26 apontava como fazendoparte desses criterios, para alem da actualidade, a proximidade dofacto em relacao ao leitor, a vericabilidade dos factos a noticiar, atransparencia ou compreensibilidade do facto pelo leitor, a plausibi-lidade ou verosimilhan ca do facto e a objectividade ou ausencia deconfusao entre o facto e as opinioes e os juzos de valor. Ora, estacaracterizacao de Benjamin, que podemos aceitar como mais oumenos exacta para a epoca em que foi feita, bem como em rela caoao medium a proposito do qual foi formulada os jornais, e maisparticularmente os grande jornais como o Figaro , que Benjamincita explicitamente , carece hoje de ser actualizada em funcao doselementos que alteraram substancialmente o contexto em que e a

    22 Cf. ibidem , p. 102-109.23 All the News thats Fit to Print .24 Cf. Anabela Gradim, op. cit. , p. 26-27.25 Ibidem , p. 27.26 Cf., para o que se segue, Walter Benjamin, O narrador, in Sobre Arte,

    Tecnica, Linguagem e Poltica , Lisboa, Rel ogio dAgua, 1992, p. 34-37.

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    partir de que pensa Benjamin. Referimo-nos, mais especicamente,

    aos dois fenomenos seguintes, nitidamente interligados:i) A integra cao da generalidade dos media em grandes gruposeconomicos que tem como objectivo principal o lucro e, acesso-riamente, a tomada ou o domnio do poder poltico e para osquais, em princpio, e t ao importante informar como, por exem-plo, distribuir produtos alimentares, desde que uma e outra sejamactividades rentaveis;

    ii) A concorrencia extrema que existe nao so entre os media deum mesmo tipo, por exemplo os jornais, como entre os media dosdiversos tipos, jornais, r adios, televis oes, etc., uns e outros cada vez

    mais segmentados, especializados e com estrategias de capta cao deaudiencias cada vez mais agressivas. Da que tenham de ser e cos-tumem ser acrescentados, `a caracteriza cao de Benjamin, criterioscomo a novidade, a import ancia 27, a polemica, a emo cao, a agres-sividade 28 e as repercussoes.29

    O que desta forma os manuais de jornalismo nos apresentam e e essa precisamente a fun cao de um livro que, como dizem osdicionarios, deve nao so ser manuseavel como conter as no coesessenciais de uma ciencia ou arte e aquilo a que chamaremosa concepcao canonica ou tradicional do jornalismo, e que e hojeaceite como mais ou menos natural e evidente. No entanto,tal naturalidade e evidencia merecem ser questionadas pelo me-nos em relacao a dois aspectos que consideramos essenciais e quese repercutem um no outro: i) A subordina cao da objectividade jornalstica aos valores notcia; ii) A dependencia dessa mesmaobjectividade relativamente ` as fontes.

    27 No sentido de um facto se referir a pessoas importantes.28 No sentido em que noticiar um determinado facto equivale a afrontar de-

    terminados poderes ou interesses estabelecidos; e tambem nesse sentido que sefala, por vezes, de um jornalismo agressivo.

    29 Do facto noticiado na vida dos leitores. Cf., sobre esta mesma materia:

    Manuel Piedrahita, Periodismo Moderno , Madrid, Editorial Paraninfo, 1993, p.32-33, que apresenta como criterios a proximidade, a import ancia, a polemica,a estranheza, a emocao, as repercussoes e a agressividade; Mar de Fontcuberta,La Noticia , Barcelona, Paidos, 1996, p. 16, que apresenta como criterios aactualidade, a novidade, a veracidade, a periodicidade e o interesse p ublico.

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    Objectividade jornalstica, valores notcia e

    fontes de informa caoComo decorre da exposicao sumaria que zemos da concepcao cano-nica do jornalismo centr amo-nos, propositadamente, nas quest oesda objectividade, das fontes e dos valores notcia , os manuais de jornalismo reconhecem que a concepcao positivista e naturalistado jornalismo foi, de ha muito, posta de parte. Eles assumem,nesse aspecto, os contributos de teorias como as do newsmaking que, sem chegarem ao extremo de armar, como Daniel Boorstin,que a maior parte dos acontecimentos jornalsticos s ao pseudo-

    acontecimentos30

    , tem vindo a revelar, de forma clara, que a ela-bora cao das notcias envolve sempre um conjunto de aspectos como a piramide invertida, a enfase na resposta ` as perguntas sobreo que, o quem, o quando, o onde e mesmo o porque e o como, asseleccoes, as exclusoes, as acentua coes de um ou outro aspecto doacontecimento, etc. que permitem armar que a notcia, criandoo acontecimento, constroi a realidade. 31 A concepcao positivistae naturalista e, desta forma, substituda por uma concep cao cons-trutivista de acordo com a qual, no limite, o jornalista cria, oupelo menos constroi os proprios factos ou acontecimentos. Aobjectividade jornalstica e, neste contexto, mais a resultante deuma valida cao intersubjectiva que mobiliza o conjunto de jornalis-tas de um orgao de informacao, os varios orgaos de informacao e osproprios destinatarios do que uma imagem el dos factos antes demais porque, como ja dissemos, salvo rarssimas excepcoes, os fac-

    30 Como diz Daniel Boorstin, citando a frase de Benjamin Harris relativa aoprimeiro jornal a publicar em Boston, em 25 de Setembro de 1690, a miss aode fabricar a actualidade pertencia outrora inteiramente a Deus ou ao Diabo;a missao do jornalista limitava-se a Narrar os Factos not aveis que puderamchegar ao nosso Conhecimento [ Narrer les Faicts notables qui ont pu parve-nir a notre Connoissance ]. Daniel Boorstin, LImage , Paris, Union GeneraledEditeurs, 1971, p. 27.

    31 Nelson Traquina, As notcias, in Nelson Traquina (org.), Jornalismo:Quest oes, Teorias e Est orias , Lisboa, Vega, 1993, p. 168. Como resume oautor, estes procedimentos tem a ver quer com os jornalistas, com as formasliter arias e as narrativas mediante as quais eles constr oem o acontecimento,quer com as organizacoes e os constrangimentos que elas nao deixam de impor.Ibidem , p. 176.

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    tos chegam ao jornalista ja ltradas pelas fontes, de tal modo que,

    mais do que transmitir ou relatar factos, o que faz e transmitir ou re-latar informacoes, factos em segunda ou mesmo em terceira m ao.Mas esta deciencia de objectividade n ao e uma deciencia do jornalismo ela nao e sequer uma deciencia. Queremos com istodizer que, losocamente falando, todos os factos, por mais ob- jectivos que sejam, sao mais ou menos criados ou construdos:pelos codigos culturais de que somos portadores, a come car por essecodigo primario que e a linguagem, pelas cren cas que professamos,incluindo essas crencas racionais que s ao as teorias cientcas eas doutrinas los ocas, pelas tecnologias e instrumentos que uti-

    lizamos, pelas verdades pr atico-utilitarias que partilhamos com osoutros membros de uma comunidade, pelos metodos de investiga caoque mobilizamos, quica mesmo, e a aceitarmos a tese de Kant, pordeterminadas formas a priori .

    O jornalismo n ao e, nesse aspecto, mais criador ou cons-trutivo que as outras formas simb olicas, e nomeadamente essaforma simb olica que se tem assumido, no Ocidente, como o para-digma de todas as restantes a ciencia. Com efeito, se alguma coisademonstraram os avancos mais recentes da ciencia contemporanea,nomeadamente no domnio da Fsica, e precisamente o seu car acterde constru cao.32 Como o disse, ha muito, a obra admiravel e semi-nal de Ernst Cassirer que ve, ali as, a sua pr opria obra comoum aprofundamento da revolucao coperniciana de Kant , asgrandes fun coes espirituais da humanidade, a linguagem, o co-nhecimento, o mito, a arte, a religiao, em suma, toda a culturasao formadoras e nao reprodutoras; nao exprimem passivamentea pura presen ca dos fenomenos, mas conferem-lhe uma certa sig-nicacao, um valor particular de idealidade; nelas o mundo nao eo simples reexo de um dado emprico, mas sim produzido pelafuncao correspondente segundo um princpio original. Todas es-sas funcoes espirituais engendram, assim, as suas congura coes

    simbolicas que, tendo a sua origem na mesma fun cao simbolicaoriginal, constituem no entanto diferentes formas de constituir oudar sentido a realidade; pelo que convem portanto ver nelas n ao

    32 Cf., sobre esta tematica, Werner Heisenberg, Di alogos sobre Fsica At omica , Lisboa, Verbo, 1975.

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    as diferentes maneiras de [a realidade] se revelar ao esprito, mas

    antes as diversas vias que o esprito segue no seu processo de ob jec-tiva cao, quer dizer, na sua revela cao a si proprio. 33 Ou, em termosmais hermeneuticos: se da frase de Socrates no Ion plat onicosegundo a qual os poetas sao hermenes eisin t on theon , mensa-geiros dos deuses (534 e), se pode deduzir claramente, comopretende Heidegger, que o hermeneutico n ao quer dizer primari-amente interpretar mas signica, antes disso, trazer mensagem enotcia 34, ent ao essa frase de Heidegger pode ser lida tambem nosentido inverso, isto e, de que trazer mensagem e notcia e n aonecessariamente dos deuses e, desde logo, interpretar; e que,

    consequentemente, nenhum mensageiro pode deixar de assumir opapel de interprete. N ao e, portanto, por a, pela impossibili-dade de atingir os factos tais como eles s ao, os factos em si,que resulta de n ao existirem tais factos que a questao da ob- jectividade e uma verdadeira quest ao. A objectividade torna-secontudo uma verdadeira quest ao quando a interrogamos, por umlado, a prop osito dos valores notcia que constituem o fundo ou ocampo a partir dos quais se exerce ja que aquilo a que se chama aobjectividade jornalstica, no sentido da descri cao neutra, impar-cial, nao opinativa dos factos, e sempre posterior ` a delimita caode tal fundo ou campo e, por outro lado, acerca das fontes apartir das quais constroi as suas notcias.

    33 Ernst Cassirer, La Philosophie des Formes Symboliques , Vol. 1 (Le Lan-gage ), Paris, Les Editions de Minuit, 1991, p. 18-19. Uma arma cao queMiquel Alsina praticamente parafraseia, quando arma: Se bem que se parta,neste livro, da notcia como realidade social construda, ela n ao e mais do queuma das realidades que n os, indivduos, construmos quotidianamente. Podediscutir-se a import ancia ou relev ancia das distintas realidades socialmenteconstrudas. Mas n ao ha que cair a fal acia da unidade da realidade social.Miquel Rodrigo Alsina, op. cit. , p. 34.

    34 Martin Heidegger, De un di alogo del habla, in De Camino al Habla ,Barcelona, Ediciones del Serbal-Guitard, 1987, p. 111.

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    Objectividade jornalstica e valores notcia

    Publicaremos tudo, sempre que seja verdade e vendavel.35 Oque torna problem atica esta armacao de um defensor confesso do jornalismo amarelo n ao e nem a verdade nem o vend avel,mas o e que estabelece a conjun cao de ambas as realidades. Oque signica, com efeito, uma verdade que pode ser vendida? Quee vend avel por ser verdadeira ou, inversamente, que e verdadeirapor ser vendavel? Como e possvel perspectivar, a partir destaconjun cao, a quest ao da objectividade jornalstica? A resposta aestas quest oes aponta, necessariamente, para uma reex ao acercados chamados valores notcia 36 que suportam a teoria e a pratica jornalsticas.

    Como arma John Hartley, os valores notcia n ao sao nemnaturais nem neutrais, antes formando um c odigo socio-culturalque ve o mundo de uma maneira muito particular 37 como o pa-rece conrmar, ali as, um mnimo de perspectiva hist orica.38 Comefeito, e hoje mais ou menos aceite que a objectividade comocerne da deontologia do jornalismo e o pr oprio conceito canonicode jornalismo, tal como acima foi apresentado, se desenvolve entre1830 e 1890, isto e, coetaneamente com o surgimento e a arma caoda penny press , do jornalismo como industria cultural. 39 A coe-

    taneidade e aqui mais do que uma mera coincidencia, indiciandoantes uma verdadeira dependencia recproca. Com efeito, para queo jornal, enquanto produto industrial, seja rent avel, exige-se quepossa dirigir-se a todos os potenciais consumidores e anunciantes It shines for all , como dizia o lema do New York Sun fundado em1833 por Benjamin Day , independentemente das suas preferenciasculturais, das suas opinioes poltico-partidarias ou dos seus interes-ses comerciais; o que so e possvel, precisamente, centrando-se nas

    35 Ex-director do ex-jornal espanhol ABB, citado em Miquel Rodrigo Alsina,op. cit. , p. 18.

    36

    Ou news values .37 John Hartley, Understanding News , London, Routledge, 1990, p. 80.38 Cf., para o que se segue: David T. Z. Mindich, op. cit.; Jo ao Carlos

    Correia, Jornalismo e Espa co P ublico, Covilh a, Universidade da Beira Interior,Serie Estudos em Comunica cao, 1998, especialmente o captulo III, p. 85-119.

    39 Cf. David T. Z. Mindich, ibidem , p.10 e passim.

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    notcias, nos factos de interesse geral, que urge tratar de um

    modo descomprometido, apartidario, factual, equilibrado e verterna forma da pir amide invertida. 40 Marca-se, assim, o m do jor-nalismo dito de opini ao, seja o jornalismo de ndole culturalpropugnado pelos homens da Encyclopedie , seja o jornalismo dendole associativa e poltico-partid aria, nomeadamente o defensordos ideais das revolucoes americana e francesa, referido por Toc-queville.41

    Mas e esta e pelo menos a conclusao logica dos donos dospenny papers se o factual e noticioso e o que faz vender jornais, ent ao tudo o que faz vender jornais e factual e noti-

    cioso. Deste modo, o actual, o interessante, o pr oximo, o veri-cavel, o compreensvel, o plausvel, o n ao valorativo, o novo e osurpreendente, o referente `as pessoas importantes, o polemico, oemocional, o agressivo, o que pode ter repercussoes em suma,os valores notcia que, como vimos, orientam ainda hoje o jor-nalismo passam a determinar o que e factual ou noticioso.Em consequencia, as respostas `as seis perguntas jornalsticas pas-sam a assumir, em geral as excep coes justicam-se sobretudo pelainterferencia dos valores notcia uns nos outros ou pela sua so-breposicao , uma forma assaz especial: Quem? passa a querer

    40

    Tudo aspectos que, como mostra Mindich ao longo da obra citada, temvindo a ser utilizados para caracterizar a ob jectividade jornalstica.41 Obviamente que, nesta progressiva arma cao da objectividade, h a que

    tomar em linha de conta tambem factores como: o positivismo que, como ide-ologia mais ou menos universal, marca toda a segunda metade do seculo XIXe, portanto, tambem o mundo dos jornais; a Guerra da Secess ao e a censuraa imprensa e o controlo dos factos que ela implica particularmente sur-preendente, como ele pr oprio a classica, e a conclusao de Mindich de queos exemplos mais remotos da pir amide invertida ter ao sido escritos por EdwinStanton, Secret ario da Guerra de Lincoln e censor-mor da imprensa (cf. DavidMindich, op. cit. , p. 66.); a pouca abilidade do telegrafo, que leva a concentraros esforcos de redac cao da notcia no lead ; o aparecimento e desenvolvimentodas agencias noticiosas, que pretendem transmitir aos jornais seus clientes ape-nas os factos, deixando para esses mesmo jornais a tarefa de opinar sobreeles. Tudo isto tendo como pano de fundo o crescimento da actividade comer-cial, o desenvolvimento das tecnologias da impress ao e da fabrica cao do papel,a melhoria das condicoes de vida e o aparecimento de uma classe media, asaspira coes igualitaristas, a educa cao publica de massa, etc.

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    dizer as pessoas importantes, isto e, dotadas de um certo estatuto

    economico, poltico social e/ou mediatico mais ou menos proemi-nente; O que?, o homem que morde o c ao mas tambem o c aoque morde o homem importante ou o c ao importante que morde ohomem; Quando?, o passado mais ou menos imediato ou o pas-sado mais antigo que se reecte no passado imedia-to; Onde?, oslocais espacial, cultural, afectiva e/ou mediaticamente pr oximos dodestinatario potencial; Como? e Porque?, as causas mais oumenos pr oximas, no duplo sentido de imediatas e compreensveispor todos. 42 A dist ancia entre o sensacional e o sensacionalista vaitornar-se, a partir dos nais do seculo XIX, cada vez mais tenue;

    prova disso mesmo e que os penny papers , acusados pelos jornaisanteriores de serem sensacionalistas, vao eles proprios acusar osyellow papers desse mesmo pecado e, mais tarde, os jornais a r adioe todos os outros media a televisao.

    Esta preponderancia dos valores notcia deste tipo de valo-res notcia na actividade jornalstica produz efeitos fundamentaisna forma como e denida e praticada a objectividade. Voltandoao paralelo entre ciencia e jornalismo, podemos dizer que enquantopara o cientista ser objectivo signica observar os factos a par-tir de criterios fornecidos pelo metodo cientco por aquilo a que,por analogia, poderamos chamar os valores fen omeno, e em quese incluem criterios como a observa cao e a medicao instrumentais,a matematizacao e a formulacao de leis , para o jornalista serobjectivo signica observar os factos a partir dos criterios for-necidos pelos valores notcia; ja que, e como dizamos atr as, naoha ob jectividade em abstracto. Os valores notcia funcionam,assim, como a grelha de leitura que, de forma concertada, o leitor,o anunciante e o dono do jornal imp oem ao jornalista, deixando-lheum espaco de manobra cada vez mais reduzido; o jornalista e, n aopor acaso, o sentido crescente do jornalismo como prossao emergetambem pelos nais do seculo XIX passa a ser visto e a ver-se a

    si proprio como um comunicador prossional, como um produtorde informacao cuja caracterstica distintiva em rela cao a escritores,novelistas, academicos e outros produtores de informa cao e a de que

    42 Cf. Tom Koch, The News as Myth. Fact and Context in Journalism , p.37-74.

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    a mensagem que ele produz nao tem rela cao necessaria com os seus

    proprios pensamentos e percep coes.43

    Deste modo, a grande van-tagem dos penny papers , a saber, a sua independencia em relacaoaos poderes polticos e partidarios, n ao acarreta, sen ao de formaaparente, uma maior independencia dos jornalistas que os pro-duzem, acarretando antes a sua dependencia funcional e ideol ogicaem relacao a poderes faticos de um outro tipo.

    Mas, se assim e, ent ao a quest ao essencial da objectividadenao reside, como dizamos, em noticiar mais ou menos objectiva-mente pondo entre parentesis as suas opini oes e preferencias aquilo que se selecciona, mas antes na seleccao daquilo que se

    noticia; a evidencia da objectividade na descri cao dos factosseleccionados apenas oculta a ausencia da objectividade na se-leccao dos factos a noticiar. Dito de outro modo: ao exercer-sesobre um fundo ou campo delimitado a priori e delimitado, emultima an alise, em funcao dos valores notcia , e n ao sobre a to-talidade do real possvel, a objectividade a posteriori nao podedeixar de excluir, de tomar partido, de se negar a si mesma comoobjectividade. Assim, e por mais paradoxal que tal pare ca, serobjectivo e a forma mais perfeita de o nao ser.

    Decorrem, daqui, algumas consequencias importantes. A pri-meira e a de que a unica diferen ca que contudo, como vimos,os defensores da objectividade jornalstica consideram essencial entre a notcia e a opiniao e que, ao mesmo tempo que anotcia e uma opini ao implcita, na medida em que pressup oe a se-leccao de certos factos e o tratamento desses factos de uma certamaneira, a opini ao e uma notcia implcita, n ao apenas no sentidoem que qualquer opini ao se baseia, mais ou menos directamente,em determinadas notcias como no sentido em que o acto de alguememitir uma opini ao nos media e, desde logo, uma notcia. 44 A se-

    43 David Mindich, op. cit. , p. 46. A express ao comunicador prossionalpertence a James Carey, aqui citado por Mindich.

    44 Nao admira assim que Gaye Tuchman confesse, num dos seus estudos, quea quest ao acerca da diferenca entre a notcia objectiva e a notcia de an alisefoi a mais difcil de todas as quest oes postas aos inquiridos durante os dois anosde pesquisa. Gaye Tuchman, A ob jectividade como ritual estrategico: umaanalise das no coes de objectividade dos jornalistas, Nelson Traquina (org.),Jornalismo: Quest oes, Teorias e Est orias , p. 85.

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    gunda consequencia e a de que a formulacao inicial da teoria do

    gatekeeper , feita por David Manning White, deve ser estendida donvel j a derivado da sala de redac cao que ltra as notcias, e no-meadamente as que provem das agencias noticiosas, ao nvel, maisprim ario , da produ cao inicial das pr oprias notcias, nomeadamentepelas agencias noticiosas, isto e, `a seleccao e a denicao dos factosque serao notcia e da forma como o serao. E logo nesse nvel e nessemomento que verdadeiramente as notcias se transformam numajanela para o mundo e numa grelha que delineia o mundo 45,e a informacao em en-formacao e mesmo de-formacao. E a que,como dizamos, a objectividade a naturalidade, a neutralidade

    e a evidencia das notcias tem de ser questionada, para chegar-mos a conclusao de que, ao serem produzidas por um certo tipode institui coes, a partir de certos criterios de relevancia, visandodeterminados objectivos, elas nos d ao acesso nao ao mundo realmas apenas a um mundo possvel. 46

    Uma das conclusoes fundamentais que podemos retirar do quedissemos ate aqui e a de que a crtica que hoje se faz `a trans-formacao generalizada da informa cao em espectaculo e em entrete-nimento, longe de ser um mero epifenomeno e, pelo contr ario, umfenomeno profundo que ja se encontra, desde o princpio, nsito nasubordina cao do jornalismo noticioso aos valores notcia quedeniu para si pr oprio. Este processo em que, ao mesmo tempoque a informacao se torna espectacular, o espectaculo se torna in-formativo, que j a est a presente na penny press e no yellow jour-nalism , ganha um impulso decisivo com a fotograa e atinge o seuponto maximo com a televisao cujo ver aparece como a verda-deira realiza cao da metonmia sensorial e cognitiva de que ja falavaArist oteles.

    45 Cf. Gaye Tuchman, Making News. A Study in the Construction of Reality ,New York, Free Press, 1978, p. 12.

    46 Da a denicao proposta por Miquel Alsina: Notcia e a representa cao

    social da realidade quotidiana produzida institucionalmente que se manifestana construcao de um mundo possvel. Miquel Rodrigo Alsina, op. cit. , p. 185.

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    Objectividade jornalstica e fontes de informa cao

    A objectividade torna-se tambem quest ao quando analisada aonvel das fontes em que se baseia a informa cao jornalstica. Comomostra Tom Koch 47 a partir de v arios casos concretos do jor-nalismo americano mais ou menos recente, incluindo o chamadojornalismo de investiga cao, de que a investiga cao do caso Wa-tergate costuma ser apresentada como paradigma, aquilo a que sechama a narracao objectiva dos factos n ao passa, na maior partedos casos, de uma atribuicao de cita coes dos proceres do podere do saber, dos funcionarios e dos especialistas, dos burocratas edos tecnocratas dando, ao jornalismo, um caracter verdadeira-mente ocioso.48 Ser objectivo signica, em tal contexto, citarda forma mais imparcial e completa possvel o que os outros as fontes dotadas de autoridade ou peso sucientes disse-ram, abdicando o jornalista da sua pr opria voz. Da precisamenteque ao mito da objectividade jornalstica, tal como atr as o ca-racteriz amos, corresponda um outro mito: o mito social de umademocracia que funciona, efectiva e progressiva, na qual cada mem-bro e salvaguardado pela vigilancia de uma burocracia potente eomnisciente. 49 Neste processo, o jornalista esquece f acil e conve-nientemente o porque? e o como? dos factos ou, pelo menos,

    reduz imensamente o seu alcance para se limitar a uns quem?,o que?, quando? e onde? mais ou menos imediatos e des-ligados do contexto socio-poltico. Produz-se, assim, uma imagemtranquilizadora da sociedade, de acordo com a qual os burocratase os tecnocratas velam pelo bem-estar e pela seguranca de todose cada um dos cidad aos, corrigindo de forma ecaz as eventuaisanomalias e disfun coes, e os jornalistas, por sua vez, vigiam

    47 Cf. Tom Koch, The News as Myth. Fact and Context in Journalism .48 Durante decadas, os estudos acerca do conte udo das notcias mostraram

    que entre 70 a 90 por cento de todas as hist orias noticiosas s ao baseadas nosenunciados de funcionarios governamentais ou especialistas ociais. (...) Amaior parte dos rep orteres permanece hoje o que sempre foi: condutas trans-portando dados, em grande medida n ao considerados nem examinados, da se-cret aria dos funcion arios e dos especialistas ociais para os olhos e os ouvidosdo publico. Tom Koch, The Message is the Medium , p. 17.

    49 Ibidem , p. 175.

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    atentamente a actividade de uns e outros, denunciando tudo o que

    ha para denunciar desde que informados pelas fontes autori-zadas, isto e, os mesmos burocratas e tecnocratas cujos abusossupostamente tem de denunciar. Instaura-se, assim, uma verda-deira circularidade e cumplicidade entre o poder e o jornalismo,de tal forma que, ao mesmo tempo que a voz do primeiro ecoa nosegundo mensageiro do poder seria uma boa express ao paradesignar este tipo de jornalismo o segundo legitima a existenciado primeiro. 50 Que a objectividade se constitua como um ritualestrategico, mobilizado pelos jornalistas com o intuito de se colo-carem ao abrigo das crticas e dos ataques das forcas estranhas a

    prossao51

    nao e, em tal contexto, senao o sintoma de tal cumplici-dade aquilo a que Nietzsche chamaria, provavelmente, um assomode ma consciencia.

    O caracter poltico da objectividade jornalstica

    O que ressalta da an alise feita acerca da rela cao entre a objec-tividade jornalstica e, por um lado, os valores notcia que adeterminam e, por outro lado, o tipo de fontes que a suportam e,

    claramente, o car acter poltico dessa mesma objectividade.De facto, ao por em jogo os valores notcia que p oe em jogo,subordinados aos poderes e interesses econ omicos e, assim, dotadosde uma natureza necessariamente informecial, isto e, informativae comercial, o jornalismo consegue produzir uma informa cao queatrai, que seduz, que chama a aten cao, que excita a natural cu-riosidade de cada um; e esse e, queiramos ou n ao, o seu objectivoprimario, na medida em que, se a informa cao nao e procurada pelosseus destinat arios, ela nem sequer existe. No entanto, simulta-

    50 Como diz Koch, no nal, os jornalistas funcionam precisamente como um

    instrumento de legitima cao para os prossionais e os funcionarios que s ao afonte atributiva dos media . Ibidem , p. 110. Para acrescentar, noutro passo,que a parceria entre notcias e governo e, em ultima analise, de legitima caomutua. Ibidem , p. 178.

    51 Cf. Gaye Tuchman, A objectividade como ritual estrategico: uma an alisedas no coes de objectividade dos jornalistas, op. cit. , p. 74-90.

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    neamente, essa informa cao nao pode deixar de dar uma realidade

    parcial, uma vis ao parcial da realidade, que exclui tudo o que n aocabe nos valores notcia, e nomeadamente: o que nao e interes-sante, por exemplo um relatorio economico, um debate poltico,uma descoberta cientca, uma crtica liter aria; o que nao e com-preensvel, ou seja, apreensvel de forma imediata, se necess ariopelos meros ttulos ou no m aximo pelos leads , antes exigindo lei-tura morosa e reectida; o que e valorativo, implicando tomadade posicao e opiniao pessoal; o que nao se refere as pessoas im-portantes, mas antes ao cidad ao comum, ao trabalhador, ao es-tudante, `a dona de casa; o que nao e polemico, emocional e

    agressivo, envolvendo antes um conjunto de argumentos e de dis-cussoes mais ou menos racionais e frios. Ora, ao apresentar umavisao parcial no duplo sentido de sectorial e de comprometida ,da realidade como objectiva e imparcial, valida para todos e,como tal, passvel de gerar o consenso, o jornalismo passa a assumiruma fun cao a que John Hartley chama ideologica52 e Tom Kochchama mtica 53 e que se traduz, no fundo, pela reprodu cao e le-gitima cao da sociedade existente, com as suas divis oes de classese a sua distribui cao desigual dos poderes.54 Note-se, no entanto,

    52 Na linha de Louis Althusser, Hartley defende que as organiza coes notici-

    osas sao aparelhos ideologicos do estado que tem como objectivo criar umassentimento generalizado que permita a hegemonia da classe dominante o que e conseguido mediante a apresenta cao de uma vis ao dos factos sus-ceptvel de ser aceite por todos como natural. Da a sua reivindica cao daautonomia e da objectividade que, distinguindo as notcias da mera pro-paganda, as tornam verdadeiramente ecazes. Cf. John Hartley, op. cit. , p.56-62.

    53 Koch entende o mito no sentido barthiano de inex ao, caracterizandoo mito da objectividade jornalstica como a concep cao segundo a qual oreporter e um investigador imparcial, um representante do quarto poder pro-curando uma descricao, sem medo ou favor, de acontecimentos do domniopublico. Nesse mito o jornalista pode questionar e questionar a todos os res-ponsaveis aos nveis marginais e ociais, equilibrando de forma imparcial ainforma cao relativa ao tema a ser descrito. Tom Koch, The News as Myth.Fact and Context in Journalism , p. 104.

    54 Ou, como observa Furio Colombo, a notcia e um produto e, instintiva-mente, n ao se agura util aos produtores lan car no mercado algo quee discutvelou nao e popular, que n ao e da preferencia da cultura dominante. Furio Co-lombo, op. cit. , p. 65.

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    que isto nao exclui aquela que, paradoxalmente, aparece hoje em

    dia como uma das melhores formas de produ cao do consenso: aencenacao mediatica do conito entre uma posicao/tese e a suaanttese, na medida em que tal encena cao permite, por um lado,situar o destinatario no lugar equidistante da sntese, do poderarbitral o que equivale, no fundo, a ser objectivo e imparcial,isto e, a n ao tomar posi cao e, por outro lado, reduzir uma re-alidade multipla, em que existem seguramente mais do que duasteses antag onicas, a uma realidade maniquesta e bipolar, desclas-sicando tudo o que nao se situa dentro do conito como des-viante ou irracional e produzindo, assim a sua exclus ao do de-

    bate.55

    A propria forma como a audiencia e visada pela informa cao jornalstica como um conjunto de pessoas dotadas de senso co-mum, como uma massa de cidad aos medios que pode, diz-se,compreender facilmente os factos que lhe sao apresentados eda forma como o sao reforca o caracter consensual do jornalismoe, assim, o seu caracter ideol ogico ou mtico.

    O conceito de um novo jornalismo

    O caso Ida Wells designemos, assim, a luta travada pela jor-

    nalista e activista Ida B. Wells, nos anos 1890, em plena epocada reivindica cao da objectividade pelos jornalistas, contra os lin-chamentos de negros e a objectividade da cobertura de tais lin-chamentos pela imprensa branca, nomeadamente pelo New York Times 56 ao mesmo tempo que mostra como a objectividadepode ser tudo menos objectiva, permite-nos perspectivar um novotipo de jornalismo, alternativo ao jornalismo noticioso e mais oumenos ocioso. Comparando a forma como o New York Times eIda Wells viam a questao, arma Mindich que onde o New York Times via a quest ao do linchamento como um delicado acto deequilbrio [entre as posi coes das partes envolvidas, isto e, os negros

    55 Este processo torna-se hoje particularmente evidente na forma como e dadaa informa cao poltica, cuja orienta cao para o centro acompanha, neste as-pecto, a informacao jornalstica e isto apesar da imensa gritaria com que, porvezes, se quer fazer supor o contrario.

    56 Cf. David Mindich, op. cit ., todo o captulo 5, p. 113-137.

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    linchados e os brancos linchadores], Wells via assassinos brancos

    a atacar negros inocentes.57

    O que isto signica e, desde logo,que a objectividade era exercida, por parte do New York Times ,no contexto dos estere otipos implcitos da cultura norte-americana,partilhados mesmo por alguns afro-americanos mais instrudos, eem consequencia dos quais, apesar de se discordar dos processosbarbaros utilizados, particularmente dos linchamentos pelo espan-camento e/ou pela forca, era tacitamente aceite que os negros eramculpados. As notcias dos factos limitavam-se, assim, a con-rmar e a refor car a cultura e o poder dominantes da o seucaracter ideologico ou mtico. A objectividade do New York

    Times contrap oe Ida Wells fundamentalmente duas coisas, am-bas vistas hoje como partes integrantes do chamado jornalismopublico ou cvico de que a activista americana poder a serconsiderada, portanto, como um dos primeiros grandes represen-tantes:

    i) A investiga cao a partir de fontes alternativas ` as fontes o-ciais ou ociosas que representam os diversos poderes estabe-lecidos, intentando descobrir as explicacoes ou interpreta coes pordetr as dos factos no caso em apreco, Wells procura ouvir tes-temunhas negras, vericar pessoalmente certas partes dos relatos,perceber as motiva coes dos diversos intervenientes, etc., o que lhepermite chegar a conclusao de que, por detr as da violencia branca,se escondem motivos economicos e concorrenciais que poem, de umlado, os trabalhadores e os comerciantes brancos e, do outro, ostrabalhadores e os poucos comerciantes negros;

    ii) A procura de um comprometimento `a accao por parte doscidad aos aos quais se dirige, congurando, assim, um verdadeiro jornalismo-ac cao.58 E certo que, como o zeram os jornalistas seuscontempor aneos, se pode acusar o jornalismo posto em pr atica porIda Wells de j a nada ter a ver com jornalismo uma acusacaoque, de acordo com os canones da objectividade, ate est a cor-

    recta , de que representaria mesmo uma especie de retrocessoem direccao ao antigo jornalismo poltico e partid ario o que ja e

    57 Ibidem , p. 124. Inocentes signica, neste contexto, que n ao tinham sido julgados e condenados por qualquer tribunal.

    58 Cf. ibidem , p. 135.

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    uma acusa cao injusta, na medida em que o que estava em causa, no

    jornalismo de Ida Wells, era uma causa humanit aria, de direi-tos humanos, e n ao propriamente poltico-partid aria. Mas pode-setambem, com Tom Koch, falar aqui de um jornalismo de um novotipo, de um novo jornalismo. Em que e que este novo jorna-lismo se distingue do antigo? Podemos apontar pelo menos asseguintes caractersticas distintivas deste novo jornalismo 59:

    i) Explicativo: explica o facto situando-o no contexto econ o-mico, social, poltico a que pertence, olhando-o como exemplo deuma regularidade que, ela sim, deve ser investigada, dando, assim,

    a enfase que merecem as perguntas como? e porque? que o jornalismo objectivo e noticioso reduz a sua express ao mnima;ii) Investigativo: investiga os factos de forma independente

    e aut onoma, procurando, seleccionando e analisando as suas propriasfontes, ultrapassando a fase da mera cita cao dos burocratas e tec-nocratas, dos funcion arios e especialistas da primeira burocracia;

    iii) Opinativo: opina acerca das quest oes em discussao na so-ciedade a que pertence, procurando iluminar os factos a partirdas suas posicoes e opinioes, em vez de as ocultar sob a capa deuma objectividade que, como vimos, de facto nao existe;

    iv) Cvico: toma por guia o interesse publico, comunit ario,recusando defender interesses meramente egostas e/ou de grupo.

    Ora, h a que dize-lo, este novo jornalismo j a existe e, em certamedida, nunca deixou de existir, ainda que como excepcao e naocomo regra da, como referimos atr as, o caracter demasiado ra-dical da crtica dos crticos do jornalismo contempor aneo: ligado,como refere Hartley, a determinadas comunidades, movimentos eaccoes; no seio de instituicoes que nao tem ns lucrativos, mas porexemplo de ensino e/ou investiga cao, de assistencia, de defesa de in-teresses prossionais e/ou corporativos, etc.; em certos sectores dosmedia , nomeadamente dos escritos, por exemplo nalguns dos jor-

    nais ditos de referencia. E certo que os exemplares empresariais59 Tomamos aqui como referencia os seguintes textos, j a mencionados em

    notas anteriores: John Hartley, Understanding News ; Tom Koch, The News as Myth. Fact and Context in Journalism ; Tom Koch, The Message is the Medium .

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    de tal jornalismo constituem verdadeiras ilhas que se encontram,

    hoje, cada vez mais pressionadas pelos interesses econ omicos cujaconsecucao passa pelo aumento das audiencias, do volume da pu-blicidade, das taxas de lucro dos grupos empresariais a que, nasua maioria, j a pertencem, congurando uma situa cao em que oequilbrio se revela cada vez mais fr agil. Nao cremos, portanto, queo factor decisivo para esta evolu cao dos media seja aquilo a que Ecochama o efeito-televis ao o efeito de uma televisao que forcaria osoutros media a imitar a sua informa cao supercial, sensacionalista,publicit aria e espectacular. Digamos antes que ela soube levar, ` aperfeicao extrema ou a degrada cao extrema, segundo a perspec-

    tiva , aquela que foi, desde o seu incio, a natureza do jornalismonoticioso.

    O jornalismo online

    E neste contexto que convem introduzir a quest ao da Web ou, sepreferirmos, a quest ao do chamado jornalismo online enten-dendo por tal n ao o mero shovelware , a mera transposi cao, paraformato electr onico, das versoes impressas dos jornais, mas o jorna-lismo produzido especicamente na e para a Web, e a que tambem

    se tem vindo a chamar ciberjornalismo, webjornalismo ou jor-nalismo na Internet. 60 Mais particularmente, interessa perguntarem que medida e que pode ou nao, tal tipo de jornalismo, favorecera extens ao e/ou consolida cao do caracter cvico e publico do jornalismo. 61

    60 Apesar das distincoes mais ou menos bizantinas que por vezes se procuramfazer, a diferen ca das designa coes nao e, quanto a n os, essencial para a deter-mina cao da substancia da coisa. Para uma descri cao da experimenta cao levadaa efeito no domnio deste tipo de jornalismo, no ambito do projecto Akade-mia: Sistemas de informacao e novas formas de jornalismo online, cf. Ant onioFidalgo, O ensino do jornalismo no e para o seculo XXI , 2001, disponvel em

    http://www.bocc.ubi.pt.61 De facto, esta pergunta tem vindo a ser antecedida de uma outra: a de saberse ha efectivamente um jornalismo online istoe, se o que assim se chamae umanova forma de jornalismo, de tal modo que novos meios implicam novas formas;ou se ele e, pelo contrario, o jornalismo de sempre so que transposto para umnovo meio. Raciocinando por mera analogia seramos tentados a dizer que, tal

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    Em termos da sua rela cao com o jornalismo, a Web pode ser

    vista pelo menos a quatro nveis sendo que os dois primeiros sereferem mais a produ cao e os segundos a recepcao da informa cao que introduzem, simultaneamente, quatro importantes diferen casdo jornalismo online relativamente ao jornalismo tradicional 62:

    i) Como fonte de informacao: ao colocar, potencialmente, todaa informacao ao seu alcance, a Web permite que o jornalista tenhaacesso as mesmas fontes de informa cao especializada e estrategicaa que tem acesso os funcion arios e os especialistas, podendo assimdeixar de ser a mera caixa de resson ancia da primeira burocracia;para alem disso, e mediante a insercao das hiperliga coes adequadas

    na sua notcia ou no seu artigo, o jornalista pode permitir ao pr oprioreceptor, ao cidad ao em geral, o acesso as e a vericacao das fon-tes em que se baseia, podendo o jornalismo ganhar, assim, umacredibilidade acrescida.

    ii) Como meio de publicacao: a publicacao das notcias na Webapresenta as seguintes caractersticas fundamentais: a) A ausencia,pelo menos teorica, de limites de espaco ou de tempo de umanotcia ou de um artigo com o que o jornalismo pode deixar de

    como na passagem do jornal para a r adio e desta para a televis ao nao houvea inven cao de novas formas de jornalismo de formas radicalmente diferentes,entenda-se , mas tao so a adaptacao do velho jornalismo ao formato dosnovos meios, tambem na passagem do jornal, da r adio e da televis ao para aWeb se vericara um fen omeno do mesmo tipo; ou seja, o jornalismo onlinenao sera mais do que a adapta cao do velho jornalismo ao novo meio que e aInternet. Isto parece o m aximo que, no momento, sem entrarmos no domnioda mera especulacao, se pode responder a tal pergunta.

    62 Cf., para o que se segue: Melinda McAdams, Inventing an online news-paper, Interpersonal Computing and Technology: An Electronic Journal for the 21st Century , July, 1995, Volume 3, Number 3, p. 64-90, Published bythe Center for Teaching and Technology, Academic Computer Center, Ge-orgetown University, Washington, DC 20057, vers ao textual disponvel emhttp://jan.ucc.nau. edu/ ipct-j/1995/n3/mcadams.txt. A autora analisa asua experiencia, na qualidade de content developer , na construcao de uma

    versao online , nao coincidente com a versao impressa, do The Washington Post ;Bruno Giussani, A New Media Tells Different Stories, First Monday , 1997,disponvel em http://www.rstmonday.dk/issues/issue2 4/giussani/; MarkDeuze, The WebCommunicators: Issues in Research into Online Journalismand Journalists, First Monday , 1998, disponvel em http://www. rstmon-day.dk/issues/issue3 12/deuze/.

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    ser aquilo que alguns referem como sendo a mera arte de preen-

    cher os espacos e/ou os tempos deixados vazios pela publicidade;b) O car acter integrado ou multimedia das notcias e dos artigosque, mediante um sistema de ligacoes hipertextuais, podem com-portar, para alem do texto e em conjuga cao com ele fotograas,sons, vdeos, etc., fazendo-se esbater a distincao entre os varios ti-pos de informacao mediatica e dando origem a uma especie de jor-nalismo holstico ou total o que implicar a, necessariamente, aconstitui cao de equipas jornalsticas nao so multidisciplinares, comoate aqui, mas tambem multi-capacitadas em produ cao de texto, defotograa, de som, de vdeo, de cinema, etc.; c) A considera cao

    de uma audiencia articial j a que, e dado o facto de a pes-quisa de informa cao na Web assentar basicamente na actividadedos motores de busca, assente por sua vez na actividade de webcrawlers , a informacao produzida deve ter em conta os par ametrosde actua cao desses programas especcos, sem o que nao ganhar aa visibilidade e a existencia que e o objectivo primeiro de quemproduz a informa cao. As caractersticas a) e b) permitem pers-pectivar um jornalismo que, como refere Tom Koch, se n ao limitaas notcias e aos factos mais ou menos pontuais, isolados emtermos de espa co e de tempo, para os situar no contexto ou regulari-dade a que pertencem, respondendo assim cabalmente ao como?e ao porque? que o jornalismo noticioso e objectivo tende,de forma subtil, a p or total ou parcialmente de parte. Que essacontextualizacao possa realizar-se, de forma automatica, a partirda pr opria sintaxe das bases de dados, e uma das hipoteses cen-trais e mais interessantes do conceito de um jornalismo assenteem base de dados que se encontra actualmente a ser desenvolvidopelo Labcom - Laborat orio de Comunica c ao e Conte udos Online daUniversidade da Beira Interior no ambito do Projecto Akademia:Sistemas de informa cao e novas formas de jornalismo online. 63

    iii) Como espaco de interactividade: ao universalizar, pelo me-

    nos potencialmente, mecanismos ja existentes nos outros media como o correio do leitor, o forum radiof onico, a participacaodo telespectador e o pr oprio provedor do leitor em suma, a par-ticipa cao do receptor na crtica da informacao recebida e na pr opria

    63 Cf. http://www.akademia.ubi.pt.

  • 7/26/2019 Informao e Comunicao Online. Volume I. Jornalismo Online.

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    A transmiss ao da informacao e os novos mediadores 41

    produ cao de informacao , a Web permite perspectivar um jorna-

    lismo em que, de certo modo, se esbate e se anula mesmo a distincaoentre jornalista e leitor, entre produtor e receptor da informa cao.Neste novo contexto, o jornalista e visto essencialmente como ummediador, um facilitador de discussoes, um animador e umorganizador da recolha da informacao e da sua utiliza cao pelacomunidade. 64

    iv) Como medium personalizado: a navega cao hipertextual, aopermitir que cada receptor faca o seu proprio percurso, trans-forma uma informa cao que, a partida, se dirige a uma audienciapotencialmente universal toda a informa cao para todos , em in-

    formacao que e recebida e apropriada de forma individualizada. Oque implica, tambem, esquecer a necessidade de segmenta cao dasaudiencias, da producao de uma informa cao x para uma audienciay , na medida em que essa segmenta cao e, pela pr opria natureza domedium , automaticamente transferida do momento da produ caopara o momento da recep cao; ou seja, agora e o medium , e o tipode recepcao que ele permite, que e segmentador, nao a informacaopropriamente dita. 65

    As possibilidades que, a cada um destes nveis, sao oferecidaspela Web, s o agora parecem justicar plenamente arma coes comoa de que pela primeira vez na hist oria humana temos a nossa dis-posicao a capacidade de comunicar simultaneamente com milh oesdos nossos semelhantes, de fornecer o entretenimento, a instru cao ea visao alargada dos problemas e acontecimentos nacionais pro-duzida num discurso feito em 1924, pelo Secretario de Estado Ame-ricano do Comercio Herbert Hoover, em relacao a Radio.66 Alias,

    64 Como observa Bruno Giussani: O jornal deixa de ser um produto. Torna--se um lugar. Um lugar onde pessoas da comunidade se detem, contactam entresi e regressam para construir um futuro comum. Bruno Giussani, op. cit. .

    65 Esta caracterstica do jornalismo online poderia, sen ao resolver, pelo me-nos atenuar o problema do car acter cada vez mais complexo e especializado da

    informa cao no mundo actual, e que situa jornalistas e cidad aos perante o se-guinte dilema: ou um jornalismo super-especializado, que aprofunda os te