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INFORMAÇÃO E MEMÓRIA NOS ARQUIVOS
I. O acesso aos arquivos e à informação: um histórico
Recentemente foi aprovada na Assembleia Geral do Conselho Internacional de
Arquivos – ICA, a Declaração Universal sobre Arquivos, um documento que apresenta
o significado e importância desse tipo de registro que nossa sociedade produz há
séculos. O documento afirma que os arquivos registram decisões, ações e memórias,
que
Arquivos são um património [patrimônio] único e insubstituível
transmitido de uma geração a outra. Documentos de arquivo são
geridos desde a criação para preservar seu valor e significado.
Arquivos são fontes confiáveis de informação para ações
administrativas responsáveis e transparentes. Desempenham um
papel essencial no desenvolvimento das sociedades ao contribuir
para a constituição e salvaguarda da memória individual e
coletiva. O livre acesso aos arquivos enriquece o conhecimento
sobre a sociedade humana, promove a democracia, protege os
direitos dos cidadãos e aumenta a qualidade de vida1.
Podemos afirmar, então, que o arquivo tem grande significado não só como
fonte de informação, mas também como um patrimônio histórico e cultural, preservando
a memória individual e coletiva de uma determinada sociedade. Contudo, é preciso
indicar que o arquivo só adquire essa relevância se existe o livre acesso as informações
contidas nestes documentos. Assim, a questão do acesso aos arquivos – sejam públicos
ou privados, é um dos temas mais pertinentes que vêm sendo discutido atualmente.
O acesso aos arquivos é uma reivindicação antiga. De acordo com Celina M.
Leite Costa e Priscila M. V. Fraiz, em seu artigo “Acesso à informação nos Arquivos
Brasileiros”, a França foi o primeiro país que tratou desse tema, em 25 de junho de
1794, no qual determinava que os arquivos nacionais estariam abertos aos cidadãos
franceses. Vale ressaltar que na Suécia, desde 1766 sua constituição já assegurava esse
1 Declaração aprovada na assembleia geral do Conselho Internacional de Arquivos realizada em 17 de
setembro de 2010, durante a 42ª CITRA, em Oslo. Aprovada na 36ª sessão da Conferência Geral da
UNESCO. Tradução para o português acordada entre o Arquivo Nacional (Brasil) e o Arquivo Nacional
da Torre do Tombo (Portugal). Consulta feita no site:
http://www.ica.org/sites/default/files/ICA_2010_Universal-Declaration-on-Archives_PT.pdf. Acesso em
07/01/2017.
direito aos seus cidadãos também. No entanto, as autoras afirmam que “na verdade, a
preocupação com a conservação dos documentos e a abertura dos arquivos à
investigação histórica é uma questão que remonta a alguns séculos antes de Cristo”2.
No entanto, no período Medieval, de acordo com Carmem Lúcia Batista, em seu
artigo “Informação pública: controle, segredo e direito de acesso”, afirma que os
senhores feudais absorveram os direitos das comunidades e das cidades, dificultando o
acesso aos arquivos. Já nos séculos XV e XVI, Batista afirma que
Segundo Duchein (1983), surgiu a curiosidade dos historiadores
europeus pelos documentos originais (...). No entanto, a
permissão para acesso aos arquivos de governos e de grandes
instituições públicas continuava sendo um privilégio que os
príncipes acordavam ou recusavam segundo sua vontade e sem
justificação alguma3.
Já Eliany Alvarenga de Araújo, em seu artigo “Informação, Cidadania e
Sociedade no Brasil”, afirma que o processo de desenvolvimento do capitalismo
estimula a luta pelo acesso à informação, principalmente após a Revolução Inglesa e a
Revolução Francesa, no qual intelectuais da época passam a apoiar “na crença da
igualdade de todos os homens perante a lei e o reconhecimento de que a pessoa humana
e a sociedade são detentoras inalienáveis de direitos e deveres”4, ou seja, o direito de
acessar os arquivos e a informação contida nestes.
Entretanto, Costa & Fraiz afirma que no século XIX o acesso aos arquivos
permanecia problemático. Alguns países da Europa, como França, Bélgica, Inglaterra,
Itália e Países Baixos, admitiram o livre acesso aos arquivos, porém com muitas
restrições e fixavam prazos prolongados para a consulta aos documentos. Assim,
A grande revolução documental, inclusive com relação à
abertura dos arquivos ao público em geral, só aconteceu após a
Segunda Guerra Mundial (...). É desse período que data o
surgimento dos conceitos gestão de documentos e de
2 COSTA, Célia M. Leite; FRAIZ, Priscila M. V.. “Acesso à Informação nos Arquivos Brasileiros”. In:
Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC-FGV, vol.2, n.3, 1989, pg. 63. 3 BATISTA, Carmem Lucia. “Informação pública: controle, segredo e direito de acesso”. In: Revista
Intexto. Porto Alegre-RS: UFRGS-PPGCOM, n.26, jul.2012, pg. 209. 4 ARAÚJO, Eliany de Alvarenga. “Informação, Cidadania e Sociedade no Brasil”. In: Revista Informação
& Sociedade. João Pessoa: UFPB, v.2, n.1, jan./dez. 1992, p. 43.
organização sistêmica de arquivos, que muito viabilizaram o
acesso às informações5.
As autoras também salientam que é a partir da década de 1950, com o
desenvolvimento científico e tecnológico, o progresso das pesquisas históricas, a
elaboração do conceito de direito à informação e a informática foram fatores que
influenciaram na abertura dos arquivos ao público.
Devemos salientar também que após a Segunda Guerra Mundial, com a criação
da Organização das Nações Unidas – ONU e a UNESCO, em 10 de dezembro de 1948,
na Assembleia Geral das Nações Unidas, foi aprovada a “Declaração Universal dos
Direitos Humanos”, no qual o direito à informação é citado no artigo 19, nos seguintes
termos:
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão;
este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões
e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios e independentemente de fronteiras6.
Assim, quando o documento afirma que “Todo ser humano tem o direito de
receber e transmitir informações” estão incluindo a questão do direito à informação e o
acesso aos arquivos, no qual passa a ser “admitido como um direito democrático de
todos os cidadãos, e não somente como uma reivindicação de pesquisa cientifica ou
histórica”7.
No caso do Brasil, Batista afirma que nosso processo é diferente porque éramos
colônia de Portugal, um país que manteve um Estado centralizado e de sigilo oficial por
muito tempo. Além disso, temos que em 1808, com a vinda da família Real para a
América, a experiência de Estado português foi transportada e implantada no Brasil.
Mesmo com a criação do Jardim Botânico, Faculdade de Medicina e de Direito,
Biblioteca Real, entre outros, o Arquivo Nacional – na época chamado de “Arquivo
Público do Império”, só foi criado em 1838 – quase 50 anos depois da criação do
5 COSTA, C.M.L.;FRAIZ, P.M.V., 1989, pg. 64. 6 Declaração Universal dos Direitos Humanos – Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura – UNESCO. Consultar: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf.
Acesso em: 07/01/2017. 7 FONSECA, Maria Odila. “Informações e direitos humanos: acesso às informações arquivísticas”. In:
Revista Ciência da Informação. IBICIT: vol.28, n.2, 1999, pg. 07. Revista Eletrônica:
http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/845. Acesso em: 07/01/2017.
Arquivo Nacional da França, por exemplo. A política de sigilo mantida pelo governo
imperial pode explicar a “ausência prolongada de uma política para os arquivos, tanto
no que se refere ao recolhimento da documentação quanto à sua liberação à consulta
pública”8.
Atualmente o Arquivo Nacional é visto como referência internacional na área
em relação a sistematização, organização, preservação e acesso aos arquivos. Também
seu acervo é considerado um dos maiores da América Latina. No entanto, em 1988,
quando da comemoração de 150 anos do AN, a revista desta instituição discorre sobre o
perfil institucional do AN que é “somente na década de 1970, na gestão de Raul do
Rego Lima (1970-1980), que o governo federal mostrou alguma sensibilidade” para
com a instituição. Assim, na gestão de Celina Vargas do Amaral Peixoto (1981-1990),
iniciou-se o processo de modernização institucional colocando o AN, conforme já dito,
como uma das maiores instituições arquivísticas da América Latina9. Também afirmam
que
O Arquivo Nacional, embora guardião de documentos
históricos, não é um mero repositório de papeis antigos expostos
à curiosidade do público (...). Seu acervo é franqueado tanto ao
pesquisador que busca elementos para o seu trabalho acadêmico
como também para o simples cidadão (...). Suas competências
são recolher, preservar e dar acesso aos documentos produzidos
e acumulados por instituições governamentais da esfera
federal10.
Mais importante ainda é que finalizam o texto indicando que um dos principais
objetivos do AN está em apoiar os cidadãos em suas demandas de informações,
situando-o como polo irradiador de uma política nacional de arquivos.
Assim, temos que desde a metade do século XX pesquisadores da área de
humanas, profissionais da área de arquivos ou até mesmo a própria sociedade civil, vem
lutando pelo direito ao acesso e à informação contida nos arquivos. No entanto, o que se
entende como informação?
8 BATISTA, C.L., 2012, pg. 206-207. 9 ARQUIVO NACIONAL. “Perfil Institucional”. In: Revista Acervo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
v.3, n.2, jul./dez. 1988, 100. 10 ARQUIVO NACIONAL, Acervo, 1988, pg. 99.
Segundo Georgete Medleg Rodrigues, a informação é um fundamento da ação,
da comunicação e da decisão. Desse modo, a informação pode ser vista como matéria-
prima e o produto do processo de produção de conhecimento. Araújo afirma que a
“informação tem este caráter duplo (matéria-prima e produto) porque ela é utilizada em
todos os momentos do processo de produção e disseminação do conhecimento”11.
Assim, a informação pode ser definida como um bem tangível ou intangível, como
forma de expressão gráfica, sonora e/ou iconográfica, que consiste num patrimônio
cultural de uso comum da sociedade e de propriedade das entidades/instituições
públicas ou privadas (BATISTA, 2012, pg. 205). Podemos afirmar então que “o direito
à informação é a condição essencial para o exercício da cidadania. E esta é, por sua vez,
a maior prova de modernidade que a sociedade brasileira pode apresentar a si mesma e
ao contexto social internacional” (ARAÚJO, 1992, pg. 48).
Considerando então o direito à informação como um “direito-síntese dos direitos
humanos”, podemos afirmar que os arquivos são parte essencial deste processo. Um
arquivo organizado e disponível ao público está na direção de conquista de todo cidadão
pelos seus direitos básicos que a cidadania lhe proporciona. Assim, temos que os
arquivos, na condição de registro de uma ação, devem ser organizados e acessíveis ao
público. Conforme afirma Costa & Fraiz,
A história de um país é também escrita através de seus
documentos. O acesso a estes evidencia a vocação democrática
de uma sociedade que permite aos cidadãos o direito elementar
da informação. É isto o que esperamos que aconteça em breve
em nosso país (COSTA; FRAIZ, 1989, pg. 74).
Importante indicar aqui que, no ano em que as autoras publicaram este artigo –
1989, já tínhamos um ano da promulgação da constituição de 1988 e estávamos
vivenciando o início de um governo democrático no qual a sociedade em geral estava
ansiosa por assistir um governo que priorizasse o acesso à informação para todos os
cidadãos.
Maria Odila Fonseca também afirma que estão contidos dois níveis de
informação nos arquivos: o primeiro é a “informação contida no documento de arquivo,
11 ARAÚJO, Eliany de Alvarenga. “Informação, Cidadania e Sociedade no Brasil”. In: Revista
Informação & Sociedade. João Pessoa: UFPB, v.2, n.1, jan./dez. 1992, pg. 46.
isoladamente, e aquela contida no arquivo em si, naquilo que o conjunto, em sua forma,
em sua estrutura, revela sobre a instituição ou sobre a pessoa que o criou” (FONSECA,
1999, pg. 06).
Desse modo, temos que o arquivo está ligado ao registro de uma ação, assim,
podemos afirmar que os arquivos também estão relacionados ao conceito de memória12:
Os arquivos constituem a memória de uma organização qualquer
que seja a sociedade, uma coletividade, uma empresa ou uma
instituição, com vistas a harmonizar seu funcionamento e gerar
seu futuro. Eles existem porque há necessidade de uma memória
registrada13 (ROBERT, Apud, JARDIM, 1995, pg. 04).
Importa indicar aqui então que quando fazemos estudos sobre arquivos também
estamos trabalhando a questão da memória, pois os arquivos “são práticas de
identidade, memória viva, processo cultural indispensável ao funcionamento no
presente e no futuro” (MATHIEU E CARDIN, 1990, pg. 114, Apud, JARDIM, 1995,
pg. 06).
Quando refletimos sobre a questão do conceito de memória, os intelectuais do
século XIX relacionavam este conceito ao conceito de nação – visto como a forma mais
acabada de um determinado grupo, ou seja, relacionavam com o conceito de memória
nacional, na época, vista como a forma mais completa de uma memória coletiva.
Já no século XX, este conceito amplia-se e passa a ser analisado como uma
memória social, pois a sociedade vive essa memória coletiva, e essa memória coletiva
transforma-se na consciência histórica que analisamos.
Piere Nora, em seu artigo “Entre a memória e História”, afirma que a memória é
o que está para fora, está nos lugares, diferentemente da tradição do século XIX. Assim,
afirma que a memória social se encontra em “Museus, arquivos, cemitérios e coleções,
festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos, santuários, associações,
são os marcos testemunhais de uma outra era, das ilusões da eternidade”14.
12 RODRIGUES, Georgete Medleg. “Legislação de Acesso aos Arquivos no Brasil: Um terreno de
disputas políticas pela memória e pela história”. In: Revista Acervo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
v.24, nº1, pg. 257-286, jan/jun 2011, Dossiê Acesso à Informação e Direitos Humanos, pg. 258. 13 JARDIM, José Maria. “A Invenção da Memória nos arquivos públicos”. In: Ciência da Informação,
vol. 25, nº 2, 1996. On line: < http://revista.ibict.br/ciinf/index.php > 14 NORA, Piere. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. In: Projeto História, São Paulo,
n. 10, dez. 1993, pg. 13.
Michael Pollak, em seu artigo “Memória, esquecimento e silêncio”, no qual faz
uma análise do conceito de “memória coletiva”, afirma que o trabalho da memória é
indissociável da organização social da vida, seja o que ele chama de “memória oficial”
ou “memória subterrânea”. Para o autor, a “Memória Subterrânea” é aquela que se
opõem à “Memória oficial” e privilegia a análise dos excluídos, dos marginalizados e
das minorias15.
No entanto, para que pudéssemos analisar essas memórias subterrâneas, a
metodologia de pesquisa seria por meio de relatos orais e também os arquivos privados,
já que a memória oficial não se interessa em “lembrar” essas memórias. Desse modo,
quando o SPHAN/FNPM aprova o Pró-Documento, estão propondo trazer à tona as
memórias subterrâneas, pois a proposta deles é trabalhar com arquivos privados visto,
para eles, como documentos integrantes da memória nacional, como indicado a seguir:
Sua proposição [da criação do Pró-Documento] deve-se à
importância dos acervos documentais privados (grifo nosso)
para a recuperação da memória e identidade nacionais e para a
pesquisa e a cultura no País e também ao fato de grande parte
dessa documentação encontrar-se em estado extremamente
precário de conservação e inacessível (grifo nosso) aos
pesquisadores e interessados (...). (Texto base do Pró-
Documento apresentado à FNPM em 1984).
Devemos reconhecer, então, que a criação do Pró-Documento em 1984 é fruto
de lutas e reivindicações de vários setores de nossa sociedade que estavam desejosos em
ter acesso à documentação “nunca dantes navegada”.
Para entender melhor a questão do direito à memória e do acesso à informação
que será discutido nesse trabalho, devemos indicar, primeiramente, estudos e reflexões
sobre a memória social e também sobre as relações entre História e Memória feitos em
nossa área, os quais abriram espaço para essa problemática na História Social.
Josefina Cuesta Bustillo, em seu artigo “Memoria e historia. Un estado de la
cuestión”, afirma que estudos sobre memória na área de História são relativamente
recentes, e que somente no final dos anos 70, com textos de Piere Nora e Le Goff sobre
15 POLAK, Michael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”. In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro:
CPDOC-FGV, Vol. 2, nº 03, 1989, pg. 3-15.
o tema é que os estudos são intensificados16. Desse modo, a década de 80 assiste uma
expansão dos estudos sobre as relações entre Memória e História, tornando-se um
campo produtivo de pesquisa. Elisabeth Jelin afirma que há três maneiras de pensar as
relações entre História e Memória:
Em primeiro lugar, a memória como recurso para a pesquisa, no
processo de obter e construir “dados” sobre o passado; em
segundo lugar, o papel que a pesquisa histórica pode ter para
corrigir memórias equivocadas ou falsas; e finalmente, a
memória como objeto de estudo da pesquisa (tradução nossa)17.
Heloísa de Faria Cruz afirma também que no decorrer das últimas décadas, a
memória passa a ser uma terminologia utilizada não só por especialistas, mas também
foi incorporada
à linguagem de disputas políticas sobre o direito ao passado, em
uma multiplicidade de momentos e situações da história recente.
Articulando-se às demandas de grupos sociais por políticas
memoriais, as disputas de memória se colocam como
ingrediente corrente da vida política de inúmeros países18.
Desse modo, temos que, desde os anos 80, muitos países da Europa Ocidental e
posteriormente os países da América Latina, multiplicou-se demandas culturais e
políticas que têm se desdobrado em intensas disputas sobre as memórias relativas ao
passado recente, principalmente à documentação referente aos períodos de regimes
repressivos no Cone Sul. Muitos desses países assumiram como política pública de
governo a tarefa e dever do Estado de recuperar, preservar e publicizar a documentação
sobre os períodos de violência institucionalizada. Assim, temos inúmeros projetos de
instituições diversas que, nos dias de hoje, estão voltados para a ação, a pesquisa e a
reflexão sobre a história e a memória desses períodos, bem como para a preservação e a
patrimonialização da documentação referente a essas situações históricas. Mais uma vez
Cruz afirma que tais projetos não estão atuando somente nos estudos e pesquisas de
historiadores,
16 BUSTILLO, Josefina Cuesta. Memoria e historia: un estado de la cuestión. Ayer, n. 32, p. 203-246.
Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/41324823>. Acesso em: 10 jan. 2016. 17 JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madri: Siglo XXI, 2002, pg. 63. 18 CRUZ, Heloísa de Faria. “Direito à Memória e Patrimônio Documental”. In: Revista História &
Perspectivas. Uberlândia: UFU-MG, Vol. 24, n. 54, 2016, pg. 28. Dossiê Memória, Arquivos e Direitos.
mas também nos debates e na atuação de profissionais ligados à
instituições de memória, tais como arquivos, centros de
documentação, museus, instituições de patrimônio histórico e
cultural, bem como nas políticas públicas que orientam a
atuação de tais instituições (CRUZ, 2016, pg. 35).
Desse modo, podemos afirmar que as lutas pelo Direito à memória no período de
processo da democratização no Brasil estava mais próximo das discussões entre
memória, cidadania e direito, que podemos perceber em debates sobre patrimônio
cultural realizados no início da década de 1990 no qual os questionamentos referentes
ao Direito à Memória estavam articuladas as relações entre memória e cidadania, “às
demandas pelo reconhecimento e afirmação de direitos, e às lutas pela democratização
da memória e pelo alargamento do conceito de patrimônio histórico e cultural” (CRUZ,
2016, pg. 39).
Diferentemente de muitos dos movimentos pelo Direito à
Memória vividos por países saídos de ditaduras, como outros
países do Cone Sul, em um primeiro momento, são a exclusão
social e étnica e a reivindicação por direitos, e não a
responsabilização e a reparação pelos crimes cometidos, que se
colocam como principal motor das disputas de maior
repercussão pública.
Esses movimentos citados pela autora não se relacionam somente com as
políticas de memória em geral, mas também com as questões que envolvem, de alguma
forma, as políticas arquivísticas e a formação dos acervos e do patrimônio documental
referente ao período (CRUZ, 2016, pg.40).
O que temos é o surgimento de movimentos sociais diversos reivindicando
direitos e visibilidade na cena pública, o que também se alarga nas definições das
políticas em relação ao patrimônio, o que acaba abrindo e democratizando conceitos e
concepções de memória e patrimônio vigentes na época assim como temos uma
renovação nos estudos acadêmicos referentes à memória social e ao patrimônio
“gerando novos campos de pesquisa e movimentos de registro e preservação de novos
suportes de memórias” (CRUZ, 2016, pg.40)
Assim, temos que no período de transição democrática pelo qual nosso país
passava as políticas de memória coloca a necessidade de ampliar o repertório de
referências culturais que se reflete nos processos de patrimonialização das instituições
governamentais, reconhecendo, desse modo, permanências culturais de setores
marginalizados pelas concepções elitistas que predominavam o conceito de patrimônio.
Como afirma, mais uma vez, Heloísa de F. Cruz,
o processo de alargamento dos critérios sobre avaliação e
preservação proposto pelas políticas patrimoniais das últimas
décadas do século XX amplia o conceito de patrimônio cultural
para além dos bens edificados, incorporando também os
patrimônios imaterial, documental, ambiental, genético, entre
outros19.
Dessa forma, em nosso estudo queremos mostrar que entre os anos de 1970 e
1980 assistimos a um movimento de reconhecimento do patrimônio documental
referente aos critérios sobre avaliação e preservação tanto na área acadêmica como nas
de políticas públicas. Desse movimento nas políticas públicas relacionadas a memória e
patrimônio documental é que temos a criação, em 1984, pela Fundação Nacional Pró-
Memória (FNPM), da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN), de um programa inédito voltado exclusivamente para a preservação
documental. Indicando deslocamentos em uma tradição resistente de valorização quase
exclusiva do patrimônio edificado, entre os anos de 1984 e 1988, desenvolveu-se, no
interior do órgão, o Pró-Documento – Programa Nacional de Preservação da
Documentação Histórica –, que criou numerosos projetos de organização e preservação
de acervos no país20. Conforme afirma Cruz
19 Para saber mais ver: FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da
política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Minc-IPHAN, 1997; e CAMARGO,
Célia Reis. A margem do patrimônio cultural: estudo sobre a rede institucional de preservação do
patrimônio histórico no Brasil (1838-1980). 1999. Tese (Doutorado em História) – UNESP, Assis,
1999. 20Importante salientar que a breve atuação do Pró-Documento indica a existência de tensões acerca de
encaminhamentos das políticas sobre patrimônio documental no período. Para maior conhecimento da
atuação do órgão em relação ao patrimônio documental e ao Pró-Documento, ver: MOLINA, Talita dos
Santos. Arquivos privados e interesse público: caminhos da patrimonialização documental. Revista
Acervo, Rio de Janeiro, n. 26 (Arquivos, Bibliotecas e Museus), p. 169-174, 2013; BASTARDIS, Jean.
O Programa Nacional de Preservação da Documentação Histórica e seu significado para a
preservação de arquivos no IPHAN. 2012. Dissertação (Mestrado em Preservação do Patrimônio
Cultural) – IPHAN, Rio de Janeiro, 2012; e ANTUNES, Gilson; RIBEIRO, Marcus V. Toledo; SOLIS,
Sydnei. O Programa Nacional de Preservação Histórica – Equipe Pró-Documento. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – RPHAN. Rio de Janeiro, n. 21, 1986.
Naquele contexto, a questão do patrimônio documental aparece
como uma das prioridades, traduzindo-se em metas quanto à
implantação de sistemas de arquivos; à reorganização e
ampliação do acesso aos acervos documentais; e ao
desenvolvimento de projetos de História Oral e de apoio técnico
aos movimentos populares na organização e no registro de sua
própria memória (SÃO PAULO, 1992). Para a reflexão aqui
proposta, trata-se de perceber como a ênfase no Direito à
Memória enquanto dimensão básica da cidadania articula-se à
preservação dos acervos relativos às lutas sociais e à
afirmação/invenção de direitos, e ganha espaço no interior de
um movimento mais amplo de valorização do patrimônio
documental no país.
Importante salientar que no mesmo período também tínhamos a Associação dos
Arquivistas Brasileiros – AAB, destacando-se como atuante instituição com a questão
dos arquivos públicos e privados buscando a valorização da profissão e do profissional
arquivista por meio de congressos, seminários e cursos que promoveram no período. A
AAB promoveu diversos congressos nacionais de 1972 a 200021. Assim, no “VI
Congresso Brasileiro de Arquivologia”, ocorrido no Rio de Janeiro em 1986, sob o
título: “Arquivos, Política, Administração e Cultura”, destaca, principalmente, questões
sobre a formação de uma Política Nacional de Arquivos e a importância de cuidado e
preservação com os documentos22. Esta sessão plenária e o título dado ao congresso
indicam a relevância que os arquivos estavam adquirindo devido a “todo o processo da
mídia conscientizando para a preservação da memória, e no seu bojo divulgando a
importância dos arquivos para a guarda e manutenção dos documentos de valor
21 A AAB na atualidade foi dissolvida. Documentação foi doada as instituições congêneres, como, por
exemplo, o Arquivo Nacional. 22 Os relatores dessa sessão plenária foram: Cecília do Amaral Peixoto Moreira Franco – na época
diretora geral do Arquivo Nacional, que fez uma apresentação sobre “O Arquivo Nacional e a Política
Nacional de Arquivos”; Gilson Antunes da Silva – então pesquisador da FNPM/Pró-Documento, que
expôs sobre o “Programa Nacional de Preservação da Documentação Histórica”; Antônio A. B. de Lemos
– diretor do IBICT: “A Política Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e os Arquivos”;
Jorge G. da Costa – Fundação Getúlio Vargas: “O Posicionamento dos Arquivos nas Instituições Públicas
e Privadas”; Inês Etienne Romeu – diretora do Arquivo do Estado de São Paulo: “O Sistema de Arquivos
do Estado de São Paulo”. Anais do 6º Congresso Brasileiro de Arquivologia: Arquivos: Política,
Administração, Cultura”. Rio de Janeiro: Copacabana Palace Hotel, 13 a 18 de abril de 1986, pg. 18.
Disponível em: http://www.aab.org.br/wp-content/uploads/2013/07/6_cong_86-programas4.pdf .
Acessado em 30/09/2013.
permanente produzidos e acumulados por agências governamentais (...) em
consequência do processo de recuperação democrática do país”, nas palavras do então
presidente da AAB nesta época, Jaime Antunes da Silva.
No ano de 1988, com a “área arquivística mais consolidada e valorizada em
território nacional” - palavras do presidente da AAB na época, Jaime Antunes da Silva,
na apresentação do VII Congresso da AAB, é destacado que este evento é dedicado “aos
novos arquivos, novos registros e suportes da informação, com os desafios que
representam o seu controle intelectual, conservação e acesso. O nosso congresso está
enfatizando a discussão de uma política nacional de arquivos e a implementação de
técnicas que viabilizem o domínio da produção documental, da administração de
documentos, sua avaliação e controle, possibilitando, com rapidez, o acesso às
informações neles contidas” 23. Podemos afirmar que por trás dessa preocupação com a
organização, conservação e divulgação dos arquivos privados está inserida a
importância do direito à memória e à informação que era reivindicada a todo o momento
nesta época. Importante lembrar, também, que esse congresso ocorre no mesmo ano da
promulgação de nossa constituição federal.
O Arquivo Nacional também teve importante participação nessa conjuntura.
Criado em 1838, durante muito tempo foi considerado “mero depósito”. No entanto,
diretores do arquivo como José Honório Rodrigues, Raul Lima, Celina Vargas do
Amaral Peixoto e Jaime Antunes conseguiram consolidar a imagem do Arquivo
Nacional em nosso país e internacionalmente é visto hoje como uma das instituições
arquivísticas mais modernas no que se refere à preservação e organização dos acervos,
além da facilidade no amplo acesso à documentação disponibilizada por eles. No ano de
1988, quando o Arquivo Nacional comemorava seus 150 anos sendo, no momento,
dirigida por Celina Vargas, numa publicação comemorativa da instituição, a diretora
afirma que o arquivo estava rumo
a uma modernização institucional plena, na qual se inserem um
sistema de recolhimento [de documentação pública] eficaz e a garantia
23 Programação do VII CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA. Nova Arquivística:
Administração de Documentos, Informática, Acesso à informação. Brasília – DF: Centro de Convenções,
de 12 a 16 de junho de 1988, Associação dos Arquivistas Brasileiros, pg. 8. Disponível em:
http://www.aab.org.br/wp-content/uploads/2013/07/7_cong_88-programas5.pdf Acessado em:
30/09/2013.
de uma política de arquivos em âmbito nacional: a informação merece
ser democratizada. (...) É também imprescindível divulgá-lo, a fim de
servir de fonte de reflexão do significado do Arquivo Nacional na
preservação de um patrimônio que constitui a própria memória do
país24.
A década de 1980, para o Arquivo Nacional, foi marcada por profundas
transformações. Celina Vargas afirma em uma entrevista concedida à Revista Acervo,
na edição do ano de 2013 que, quando entrou no Arquivo Nacional para assumir a
direção encontrou-o numa situação de abandono, de descaso com uma instituição
pública, identificando como principais problemas a mudança de prédio, recursos
humanos para trabalhar, recursos financeiros, legislação nacional para os arquivos,
recolhimento, conservação e preservação da documentação, entre outros. Sabemos que,
na atualidade, boa parte destes problemas estão solucionados no Arquivo Nacional,
sendo que boa parte foi resolvida durante a gestão de Celina, que foi até 1991
aproximadamente. Celina também coloca que a finalização do restauro do prédio em
que se encontra hoje o Arquivo Nacional, realizada na década de 1990 já na gestão do
então diretor Jaime Antunes, a instituição pôde, enfim, “desenvolver a sua nobre função
pública, a de recolher, guardar, preservar e dar acesso às informações produzidas pela
Administração Pública Federal”, pois, “O Brasil não gosta de lembrar que teve
escravidão, que teve tortura, que tem documentos a recolher e que estes vão revelar
nossos problemas. Mas é preciso conhecer, é preciso tratar e é preciso se transformar
para que a democracia se consolide”25.
Por sua vez, o Pró-Documento26, também criado nessa conjuntura, constitui o
movimento mais articulado em termos de ação de políticas públicas no que diz respeito
à preservação documental. Como indicado anteriormente, o programa Pró-Documento
foi criado no ano de 1984 pela extinta Fundação Nacional Pró-Memória – FNPM e
24 FRANCO, Celina do Amaral Peixoto Moreira. “Introdução”. In: BRASIL, Arquivo Nacional: 150
anos. Rio de Janeiro: INDEX, 1988, pg. 12. 25 “Entrevista com Celina Vargas do Amaral Peixoto”. In: Revista Acervo, Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, v. 26, nº 2, pg. 7 – 30, jul./dez.2013. 26 No período de existência do Pró-Documento (1984-1988), o órgão federal de preservação na época
chamava-se SPHAN (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), sendo, posteriormente,
integrado a FNPM (Fundação Nacional Pró-Memória), tornando-se SPHAN/FNPM, em 1979. A extinção
da Secretaria e da Fundação ocorre em 1990 e, no lugar, é criado o Instituto Brasileiro do Patrimônio
Cultural – IBPC. FONSECA, Maria C.L. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de
preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Minc-IPHAN, 1997, pg. 283.
funcionou até meados de 1988. Os principais objetivos do Pró-Documento eram
“identificar e avaliar acervos privados de interesse histórico como de valor excepcional;
identificar e cadastrar os acervos documentais privados; elaborar e divulgar
instrumentos básicos de pesquisa em arquivo; prestar assessoria técnica às atividades de
organização e conservação de acervos permanentes27; incentivar a formação e o
treinamento de profissionais em arquivística; influir junto às instituições detentoras de
acervos documentais privados de interesse histórico no sentido de torná-los acessíveis
ao público em geral, entre outros” (RPHAN, 1986, pg. 45). Assim, este programa tem
como intuito preservar documentos provenientes de instituições da sociedade civil que
consideravam de valor histórico para a identidade cultural e a preservação da memória
de uma nação.
A luta pelo direito à informação no Brasil
Quando falamos da questão do direito à informação, devemos ressaltar que, em
nossos estudos temos três instituições que muito atuaram por essa questão, qual seja,
Associação dos Arquivistas Brasileiros – AAB, Arquivo Nacional – AN e o Programa
Nacional de Preservação da Documentação Histórica – Pró-Documento da
FNPM/SPHAN.
A luta pelo reconhecimento da profissão e do profissional da arquivologia no
país na década de 1970 desencadeou um movimento em nosso país para que o governo
– também a sociedade civil, reconhecesse e valorizasse a importância da preservação e
organização dos arquivos, no qual possibilitaria o acesso à informação e à memória
contida nos arquivos que eram de difícil acesso.
CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA – CBA/AAB
27 Como indica Knauss, o arquivo permanente seria um conjunto de documentos que transforma a
memória da ação produzida e consumada, ou seja, “ele passa a ser registro do passado e se afirma como
patrimônio cultural”. KNAUSS, Paulo. “Usos do passado, arquivos e universidade”. In: Cadernos de
Pesquisa CDHIS, nº 40, ano 22, 1º sem. 2009, UFU – Universidade Federal de Uberlândia, pg. 10.
De acordo com Mariza Bottino, em sua obra O Legado dos Congressos
Brasileiros de Arquivologia (1972-2000): uma contribuição para o estudo do
cenário arquivístico nacional, a década de 1970 tornou-se um marco para a
profissão do arquivista em nosso país e para o estabelecimento da comunidade
científica. Os principais fatos destacados pela autora são:
florescimento dos cursos de graduação em arquivologia;
a fixação do currículo minímo dos cursos;
a criação da AAB;
o lançamento do primeiro periódico especializado na área, a
revista Arquivo & Administração;
a regulamentação da profissão de arquivista28.
A Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB), foi criada em 20 de outubro de
1971 por meio de ações de profissionais arquivistas, como José Pedro Pinto Esposel,
Helena Corrêa Machado, Marilena Leite Paes29. Segundo Yuri Queiroz Gomes, em
sua dissertação de mestrado, intitulada Processos de institucionalização do campo
arquivístico no Brasil (1971-1978): entre a memória e a história, a fundação da AAB
neste ano acabou possibilitando, para os profissionais de arquivo, reflexões, debates e
propostas de ações para o desenvolvimento e construções de pautas identificadas para o
campo arquivístico.
Nesse ínterim que podemos expor umas das principais ações da AAB que
repercutiu nacionalmente nas décadas de 1970 e 1980: os congressos nacionais de
arquivologia e a Revista Arquivo & Administração30.
De acordo com Gomes, o CBA foi a primeira experiência nacional voltada para
a constituição de uma comunidade do campo arquivístico, tendo por finalidade “discutir
28 BOTTINO, Mariza. O Legado dos Congressos Brasileiros de Arquivologia (1972-2000): uma
contribuição para o estudo do cenário arquivístico nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2014, pg. 27. 29 José Pedro Pinto Esposel: Arquivista e Historiador renomado nas décadas de 1970 e 1980. Foi
presidente da AAB (1971-1975). Helena Corrêa Machado: arquivista, bibliotecária e mestre em
Administração Pública. Presidiu a Associação dos Arquivistas Brasileiros (1975-1976) e atualmente é
membro da Câmara Técnica de Avaliação de Documentos de Arquivo, do CONARQ – Conselho
Nacional de Arquivos, órgão vinculado ao Arquivo Nacional. Marilena Leite Paes: arquivista presidiu a
AAB (1977-1979), e é coordenadora do Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, desde 1994. 30 A Revista Arquivo&Administração é considerada como um dos primeiros veículos de comunicação da
comunidade arquivística em nosso país. Para saber mais ver: GOMES, Yuri Queiroz. Processos de
institucionalização do campo arquivístico no Brasil (1971-1978): entre a memória e a história. Rio de
Janeiro, 2011, pg. 87. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da
UNIRIO. Orientadora: Profª Drª Icléia Thiesen.
o problema dos arquivos e divulgar informações técnicas”, como, por exemplo, auxiliar
os profissionais da área com cursos e capacitações para facilitar o acesso à informação
contida nos arquivos, sejam eles públicos ou privados.
De 1972 até o ano 2000 a AAB promoveu 13 congressos. Importa, em nosso
caso, o I CBA, de 1972 e os congressos realizados nos anos 1980, pois é onde se
encontra as principais discussões sobre o acesso aos arquivos públicos e privados no
Brasil.
Entre os dias 15 e 20 de outubro de 1972, foi realizado o I Congresso Brasileiro
de Arquivologia, no qual trabalhou com "temas gerais" e "temas especiais", sem um
título específico. Durante a sessão solene de abertura participaram diversas autoridades
da área, entre eles a arquivista já citada Marilena Leite Paes, representando os
arquivistas do Rio de Janeiro, colocando que, dentre os diversos objetivos que a AAB
queria firmar ao final do congresso, alguns deles são:
a) manter e estreitar os vínculos de amizade e sociabilidade entre seus
membros; (...) e)participar de todos os eventos que se relacionam com
suas atividades; f) organizar ciclos de estudos, conferências, (...)
seminários e mesas-redondas para maior difusão e aperfeiçoamento do
trabalho do arquivista; (...) h) promover por todos os meios a
valorização do trabalho de Arquivo, considerando a sua importância
administrativa e cultural; i) pugnar por uma legislação nacional sobre
Arquivos31.
Durante a 3ª sessão do congresso, no dia 17 de outubro de 1972, uma das
comunicações que seriam apresentadas neste dia tinha o seguinte título: “A importância
social dos arquivos”. Esta comunicação foi apresentada pelo arquivista Francisco José
M. Souza, no qual afirma que o arquivo é um fator de importância social. Para explicar
essa tese, Francisco utiliza como exemplo a questão da administração em empresas.
Souza coloca que os arquivos desempenham um importante papel nas empresas “como
fonte permanente de consultas e depositórios de elementos relevantes para o
31 ASSOCIAÇÃO DOS ARQUIVISTAS BRASILEIROS - AAB. ANAIS DO I CONGRESSO
BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA. Rio de Janeiro, de 15 a 20 de outubro de 1972, pg. 22 e 23.
Disponível no site: http://www.aab.org.br. Acesso em: 21/04/2015.
levantamento do perfil da organização”, assim, se pensarmos no arquivo como
de importância social, e passarmos a tratá-lo dessa forma, a empresa “disporá de
dados de irrefutável valia para estabelecer objetivos e metas, rever
procedimentos e sugerir inovações” (I CBA, 1972, pg. 205-211). Na 4º sessão,
dia 18 de outubro de 1972, são apresentadas 6 comunicações. Dentre estas a que
mais chamou a atenção foi à comunicação intitulada “O Estudo da História
Contemporânea”, relatada por Stanley E. Hilton32. O interesse desta
apresentação para este trabalho se coloca pelo fato de Hilton afirmar que, neste
período, o Brasil não acompanhava o ritmo de estudos dos países estrangeiros e,
que essa defasagem, se justificava pela inexistência de centros de depósito para
coleções de manuscritos ligadas à História Contemporânea. Para a resolução
desse problema, Stanley aponta o recém-criado Centro de História
Contemporânea, no Arquivo Nacional, “como reflexo de uma crescente
consciência de que maior ênfase precisa ser dada ao estudo do passado recente”
(I CBA, 1972, pg. 259). O autor afirma que a história contemporânea tem
sofrido um certo “descuido pelos historiadores profissionais no Brasil”, ao
contrário de outros países como Inglaterra e EUA, nos quais este mantém
instituições que dão acessibilidade aos arquivos da história contemporânea
daquele país. Assim, afirma que “Os textos de história tendem a terminar com o
advento da República, e se retratam do século XX, o fazem sumariamente”
(op.cit., 1972, pg. 262). Afirma que os cursos de História tratam de forma
superficial este período e os que tratam de maneira profunda são extremamente
raros. A hipótese para esse descaso, para o autor, repousa no “traço básico do
comportamento brasileiro: personalismo, ou seja, uma ênfase no relacionamento
pessoal. (...) o estudante de história se afaste do estudo de acontecimentos
recentes por medo de ofender alguém que esteja ou venha a estar em uma
posição de afetar adversamente o status ou carreira dele” (op.cit., 1972, pg. 262).
Afirma também que este descaso se deve a falta de instrumentos de pesquisa,
32 Stanley E. Hilton é brasilianista. Conhecido devido a suas obras referentes à personalidades de
conhecidos políticos brasileiros, como Oswaldo Aranha: uma biografia, Rio de Janeiro: Objetiva, 1994;
A guerra civil brasileira: história da Revolução Constitucionalista de 1932, Rio de Janeiro: Fronteira,
1982; entre outras obras referentes à história contemporânea do Brasil.
como catálogos, índices, bibliografias, e “falta de acesso institucionalizado a coleções
de documentos. Por acesso institucionalizado, eu quero dizer acesso, em uma base
impessoal, que independa de prestígio, a coleções documentais depositadas em
instituições públicas” (op.cit., 1972, pg. 263). Também afirma que há problemas em
conseguir acesso aos arquivos particulares, e que seria necessário arrumar um local
central para organizá-las e colocá-las à disposição dos pesquisadores, então, essa seria a
principal razão que levou o Arquivo Nacional a criar o Centro de História
Contemporânea pelo então diretor do AN, dr. Raul Lima, “que foi estimulado a agir por
seu próprio estudo das tendências e problemas de pesquisa sobre história
contemporânea, e pela crescente atmosfera de preocupação entre os acadêmicos e
intelectuais brasileiros com a falta de tal pesquisa, por parte dos brasileiros, no país”
(op.cit., 1972, pg. 264). Este centro teria dois objetivos: 1) oferecer cursos em técnica de
pesquisa utilizando fontes primárias; 2) servir como centro de documentação no qual
procuraria de um lado, organizar coleções documentais já na posse do Arquivo, como a
Coleção Presidência da República e, de outro, persuadir as famílias que possuem
coleções de manuscritos e doá-las ao Arquivo, ou pelo menos permitir a microfilmagem
delas.
Na 7ª sessão de 20 de outubro de 1972, das 6 comunicações duas nos
interessaram: “Arquivo e Comunicação; nova função do arquivista” e, “Participação dos
Arquivos na Ação Cultural” – pg. 409.
“Levantando a importante questão de saber se é possível descobrir, nas formas
de atividade dos serviços de arquivos, outros aspectos além dos tradicionais,
prosseguem os autores: “Parece-nos lógico responder que, para valorizar inteiramente as
fontes documentais
Já no V Congresso Brasileiro de Arquivologia, realizado entre os dias 17 a 22
de outubro de 1982 com o tema “A arquivologia e a realidade brasileira”, procuraram
analisar e verificar se as atividades arquivísticas desenvolvidas no Brasil estavam
atendendo à realidade nacional daquele período.
Neste congresso, a sessão plenária “Panorama geral da arquivologia na realidade
brasileira” é a que mais nos interessa, enfatizando em dois temas que são apontados:
“arquivos e democracia”; “arquivo no Brasil: um balanço”.
No VI Congresso Brasileiro de Arquivologia, 13 a 18 de abril de 1986
com o tema “Arquivos: política, administração e cultura”, dentre os temas que
analisaram, o que nos chama a atenção foi evento se propor a discutir o
“binômio da função dos arquivos – a ação cultural e a administrativa”. Desse
modo, a sessão plenária “Arquivo e Cultura”, sendo a comunicação “A função
cultural dos arquivos” a que mais nos interessa.
Importante salientar que nesse congresso, dentre as 23 recomendações
aprovadas na reunião dos associados que era realizada ao fim do evento, 4 delas
nos chamaram a atenção. A primeira recomendação pede que “na futura
Constituição, se determine a responsabilidade do Estado na organização e
difusão da informação em todas as áreas do conhecimento, e o direito dos
cidadãos ao livre acesso às informações em todos os serviços componentes da
infraestrutura de Informação do País”.
Na segunda recomendação ainda acrescenta que “seja encaminhada à
Constituinte proposta de inclusão de dispositivos que estabeleçam o direito de
acesso do cidadão às informações que o Estado acumula sobre sua pessoa, bem
como o limite de sua utilização pelo próprio Estado e por outros cidadãos”.
A terceira recomendação pede a AAB “que promova encontros
multidisciplinares com a participação de professores de áreas afins à
Arquivologia, objetivando encaminhar à Constituinte sugestões no sentido de
definir a contribuição dos arquivos, bibliotecas e museus na construção da
identidade Nacional”.
A quarta recomendação pede que se “estabeleça uma ampla Política
Nacional de Informação, abrangendo os arquivos, bibliotecas e outros serviços
de informação”33.
Na verdade, estas recomendações já haviam sido apresentadas em
congressos anteriores, como, por exemplo, a questão do acesso à informação. No
entanto, só será consolidada na Constituição Federal do Brasil de 1988. Como
afirma Bottino “na ocasião é aprovada a inclusão do direito de o cidadão acessar
33 BOTTINO, Mariza. O Legado dos Congressos Brasileiros de Arquivologia (1972-2000): uma
contribuição para o estudo do cenário arquivístico nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2014, pg. 104-105.
informações que lhe digam respeito, armazenadas pelo Estado, conforme pleito da
segunda recomendação, ou seja, a instituição do habeas data na Constituição Federal.
Em 12 de novembro de 1997, é aprovada a Lei nº 9.507, que regula o direito de acesso a
informações e disciplina o rito processual do habeas data”. Em 2011 foi aprovado a Lei
nº 12.527, conhecida como Lei de Acesso à Informação – LAI, regulamenta o direito,
previsto na Constituição, de qualquer pessoa solicitar e receber dos órgãos e entidades
públicos, de todos os entes e Poderes, informações públicas por eles produzidas ou
custodiadas.
O fato de termos recomendações neste congresso que já haviam sido
apresentadas em eventos anteriores nos indica que ainda existia “uma certa fragilidade
da comunidade, que não obtinha sucesso na concretização de suas demandas e precisava
reapresenta-las nos eventos seguintes” (BOTTINO, 2014, pg. 110).
O VII Congresso Brasileiro de Arquivologia, 12 a 16 de junho de 1988 com o
tema “Nova Arquivística: administração de documentos, informática, acesso à
informação”, “retoma e enfatiza a discussão de uma política nacional de arquivos e o
domínio da produção documental no que tange a avaliação, controle e acesso”
(BOTTINO, 2014, pg. 111). Mais uma vez, entre as sessões plenárias, a que mais nos
interessa é com a temática “Uso dos arquivos e disseminação da informação”, no qual
as apresentações dessa sessão muito pertinente ao nosso estudo, como: “A função social
dos arquivos e o direito à informação”; “Acesso à informação científica e tecnológica
dos arquivos”; “Acesso à informação nos arquivos brasileiros”.
Mais uma vez, é colocado nas recomendações a questão do acesso à informação
e da criação da Política Nacional de Arquivos, por exemplo, solicitando que essa
proposta fosse encaminhada aos constituintes para que votado em Assembleia.
REVISTA ARQUIVO & ADMINISTRAÇÃO – AAB
Considerada como uma das primeiras publicações brasileira destinada
exclusivamente ao campo arquivístico, com a finalidade de estabelecer um espaço de
difusão do conhecimento técnico-científico. Conforme afirma Yuri Q. Gomes, a revista
foi idealizada por
profissionais de documentação e informação e seus artigos
destacaram-se na comunidade por apresentar não só a prática
arquivística, mas também as mais distintas reflexões sobre o
campo (GOMES, 2011, pg. 108).
A primeira edição da revista é de 1972, com o propósito de três publicações ao
ano. Na década de 1970 conseguiram manter essa periodicidade, sendo 22 edições. Já na
década de 1980, foram publicadas somente 9 edições, como, por exemplo, durante os
anos de 1982 a 1986 foi publicada somente uma edição.
As revistas normalmente publicavam um artigo específico sobre a área de
arquivos, relatório de prestação de contas da AAB e Informes sobre congressos, cursos,
capacitações e estudos sobre o tema.
Na edição 23 temos o artigo “A ordem jurídica e os documentos de pesquisa no
Brasil”, de Aurélio Wander Bastos, no qual o autor faz uma análise sobre os problemas
relativos à proteção legal de documentos históricos no Brasil.
Já na edição 24 temos artigos com temas variados, como história Oral;
sistemática arquivística, desburocratização dos documentos, a desordem documental no
Brasil e Informes sobre a área da arquivologia.
Na edição 25 é publicado um roteiro para um guia de arquivos privados
históricos, arquivos eclesiásticos, desburocratização dos documentos e informes.
Na edição 26, de 1981, temos a comemoração de 10 anos da AAB, portanto, a
revista publica um Índices com assuntos e autores sobre arquivos além das indicações
bibliográficas para estudos na área.
Na edição 27, também de 1981, temos artigos sobre arquivos eclesiásticos
elaborados pelo CPDOC e Informes sobre curso de graduação em Arquivologia e
também sobre o Conselho Internacional de Arquivos.
Na edição 28 temos apresentação de estudos sobre a formação dos profissionais
de arquivo e a construção de prédios de arquivos, além dos informes sobre a CIA e
eventos sobre arquivologia.
Na edição 29, publicada somente em 1986, o tema central da revista foi sobre
avaliação e preservação de fotografias. No entanto, fazem uma nota sobre a mudança do
Arquivo Nacional da antiga sede para novas instalações e publicam o artigo de Michel
Duchein, intitulado “O respeito aos fundos em Arquivística: princípios teóricos e
problemas práticos”, no qual o autor discute a importância do respeito aos fundos como
o princípio fundamental da Arquivística.
Na edição 30, de 1986 também, temos publicação de artigos sobre arquivos
municipais, arquivos correntes em administração pública, reorganização de arquivos
empresariais, além de um levantamento bibliográfico feito pelo CPDOC sobre arquivos
privados.
Na edição 31, de 1988, foi uma publicação dedicada ao projeto “Guia brasileiro
de Fontes para a História da África, da Escravidão Negra e o Negro na Sociedade
Atual”, coordenado pelo Arquivo Nacional e considerado pelos profissionais da área, na
época, como o “registro do nascimento e desenvolvimento do mais importante trabalho
de levantamento de fontes realizados no país”.
Desse modo, percebemos que as edições da AAB, na década de 1980 priorizou
estudos e discussões sobre a questão do profissional e da profissão na arquivística,
metodologias sobre organizações e preservações de acervos, além de divulgar as ações
da própria AAB.
Assim temos que a questão do acesso à informação nos arquivos pode não ter
sido muito discutida nos artigos, no entanto, quando temos estudos sobre o profissional
do arquivo ou sobre metodologias de trabalho estamos discutindo esse tema pois sem o
acesso à informação nos arquivos o profissional da área não conseguiria trabalhar nem
discutir uma metodologia de trabalho, visto que precisamos das informações contidas
nos arquivos para a realização desse tipo de trabalho.
REVISTA ACERVO
A revista Acervo é uma publicação do Arquivo Nacional, publicada
semestralmente. Tem por objetivo divulgar estudos e fontes nas áreas de ciências
humanas e sociais aplicadas, especialmente arquivologia. Até o ano de 2016 já publicou
26 volumes, ou seja, 52 edições. Como a revista iniciou em 1986, até o início da década
de 1990, foram publicadas 9 edições.
Na primeira edição da revista, em sua apresentação, afirma que o lançamento da
Acervo substitui o Mensário do Arquivo Nacional, publicação que durou de 1970 a
1982 no qual funcionava como um instrumento de divulgação referente as atribuições
do AN. Assim, afirmam que o intuito é continuar com o trabalho que o Mensário já
realizava, no entanto, acrescentam que a revista surge para “dotar o Arquivo Nacional
de um instrumento ágil na divulgação de suas reais atribuições”, como, recolher,
preservar e dar acesso à documentação dos arquivos públicos “além de atender aos
pesquisadores na busca dos registros que reconstituem a história brasileira”.
Composta por 7 artigos, dois deles nos chamaram a atenção: “Os arquivos
nacionais: estrutura e legislação”, escrito por Celina do Amaral Peixoto e Aurélio
Wander Bastos; e “Legislação sobre proteção do patrimônio documental e cultural”,
escrito por César A. Garcia Belsunce.
No primeiro artigo, Peixoto e Bastos analisam como ocorreu a formação dos
arquivos nacionais, descrevendo modelos de arquivos como, por exemplo, França,
E.U.A., Argentina, México, Peru e Brasil. No caso de nosso país, descrevem a
dificuldade em cuidar de nossos arquivos pois não havia ainda naquele momento uma
política nacional de arquivos ou um investimento do governo federal em trabalhar essa
questão, dificultando o trabalho dos profissionais da área. No entanto, ao final do artigo
afirmam que “cabe aos arquivos nacionais recolher e guardar a documentação pública
nacional”, a fim de possibilitar ao cidadão brasileiro o direito de acessar a
documentação e a informação contida neste34.
No que se refere ao artigo de Belsunce, o autor procura analisar a legislação
internacional sobre patrimônio cultural, como, por exemplo, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948; a Conferência Geral da Unesco de 1972 e 1975;
declarações de Lima (1971), Quito (1973) e Bogotá (1978) indicando que essas
recomendações não trabalham com o patrimônio documental da América Latina.
Com relação a uma legislação específica sobre patrimônio documental, Belsunce
afirma que existe uma produção de leis e regulamentos nacionais e de convenções
internacionais. Porém, mais do que fazer aqui um inventário de tais disposições legais, o
34 FRANCO, Celina do A. P. M.; BASTOS, Aurélio W. “Os arquivos nacionais: estrutura e legislação”.
In: Revista Acervo. RJ: Arquivo Nacional, vol. 1, n. 1, jan.-jun. 1986, pg. 21.
autor deseja “considerar sobre no que deve consistir em uma política de proteção ao
patrimônio documental” destacando 3 objetivos:
1 – Conscientizar: fomentar o desenvolvimento de uma consciência sobre o
valor do patrimônio documental, tanto no nível do grande público quanto no dos
administradores e dos ‘fazedores de opinião’;
2 – Integrar: o desenvolvimento arquivístico deve ser concebido como parte
integrante do desenvolvimento nacional;
3 – Institucionalizar: estabelecer os instrumentos legais para a existência, a
organização e a ação dos arquivos como órgãos naturais para a recepção, conservação e
difusão do patrimônio documental 35.
Temos que em ambos os artigos, mesmo que não indicado de forma explicita, a
questão do acesso à informação está colocada, pois a preocupação com a questão da
organização e preservação do arquivo existe, principalmente, com o intuito de difundir o
patrimônio documental, como foi indicado por Belsunce no parágrafo anterior.
O tema da segunda edição da revista também discorre sobre arquivos, no
entanto, os artigos são mais específicos, como, por exemplo, arquivos municipais,
arquivos policiais no século XIX, organização de acervos em arquivos intermediários,
entre outros.
Nas edições de 1987 temos uma novidade, que é o tópico “Perfil Institucional”,
o qual procura discorrer sobre instituições da área da arquivologia. Na revista n.1 de
1987, descrevem sobre a história do Conselho Internacional de Arquivos – C.I.A..
Criada em 1950, têm como objetivo o de promover a conservação e utilização dos
recursos arquivísticos de todas as nações, procura atender aos objetivos da profissão
arquivística em escala mundial. Na segunda edição do mesmo ano descrevem sobre a
origem e perspectivas da Associação Latino-Americana de Arquivos – A.L.A.. Criada
em 1973, tendo o mesmo objetivo da CIA, porém, em escala menor, devemos salientar
que, divulgar essas informações naquela época em revista era de extrema relevância,
visto que a tecnologia da informação ainda não estava tão avançada como nos dias
atuais.
35 BELSUNCE, César A. Garcia. “Legislação sobre proteção do patrimônio documental e cultural”. In:
Revista Acervo. RJ: Arquivo Nacional, vol. 1, n. 1, jan.-jun. 1986, pg. 34.
Com relação aos artigos destas duas edições, mais uma vez os temas dos artigos
são bem específicos, como, por exemplo, política municipal de arquivos; tratamento de
fontes na Bahia, historiografia brasileira, arquivos cartorários, fotografia como fonte
histórica, entre outros. No entanto, devo destacar que nas duas edições temos uma
indicação bibliográfica para futuras pesquisas com temas relacionados aos arquivos,
sendo em uma edição, bibliografia sobre História Oral e, na outra, sobre acesso aos
arquivos. Os editores afirmam que a bibliografia sobre acesso aos arquivos inclui
referências no acervo da Biblioteca do Arquivo Nacional, nos Catálogos do CPDOC-
FGV e no Boletín de informacion, editado pelo Centro de Información Documental da
Espanha. Afirmam que “a questão do acesso aos arquivos foi abordada sob os aspectos
da legislação, liberdade de informação e privacidade36.
O ano seguinte foi diferenciado para o Arquivo Nacional porque o país estava
comemorando o centenário da abolição e também a Assembleia Nacional Constituinte
estava analisando o projeto de nossa constituição federal no qual seguimos atualmente.
Desse modo, a primeira edição de 1988 foi um dossiê sobre a questão do negro em
nosso país, então os artigos apresentaram análises sobre historiografia relacionada a
temática, abolição no Brasil, escravidão no Amazonas, Rio Grande do Sul, Goiás, entre
outros. A bibliografia desta edição trouxe teses e dissertações sobre o tema e o perfil
institucional apresentou o Centro de Estudos Afro-Asiáticos do Conjunto Universitário
Cândido Mendes, criado em 1973 com o objetivo de estudar e difundir junto à
comunidade acadêmica e a sociedade brasileira, em geral, a realidade contemporânea
dos países africanos e asiáticos.
Já na segunda edição de 1988 a revista traz novamente artigos sobre a temática
arquivística pois neste ano o Arquivo Nacional também comemorava os 150 anos do
decreto de 1838 que determinava a criação do AN, conforme já citado anteriormente.
Desse modo, dos 9 artigos publicados nesta edição 4 não analisaram diretamente o AN.
Os artigos descrevem, basicamente, como foi o processo de criação e modernização do
Arquivo Nacional além da questão da gestão de documentos aqui no país que estava
sendo feito naquele período. Michel Duchein, em seu artigo “Passado, presente e futuro
36 “Perfil Institucional”. In: Revista Acervo. RJ: Arquivo Nacional, vol. 2, n. 1, jan.-jun. 1987, pg. 83.
“Perfil Institucional”. In: Revista Acervo. RJ: Arquivo Nacional, vol. 2, n. 2, jul.-dez. 1987, pg. 97.
do Arquivo Nacional do Brasil” afirma que estava feliz e orgulhoso de ter sido chamado
por diversas vezes nos últimos dez anos pela diretoria do AN para fazer uma análise da
situação dos arquivos públicos em nosso país e que constatou, no Rio de Janeiro e em
Brasília, “o dinamismo do Arquivo Nacional e a rapidez de seu desenvolvimento. A
comemoração de seus 150 anos é a ocasião para medir seu progresso. É, também, a de
encarar com confiança seu futuro e desejar de uma juventude vigorosa a este venerável
centenário”37.
A revista de 1989 também é temática, pois comemoravam a Inconfidência
Mineira e a Revolução Francesa, ou seja, as temáticas discutidas nos artigos são sobre
esses eventos históricos. A segunda edição de 1989 na realidade acaba sendo publicada
no ano de 1990, no entanto, é a edição que mais nos interessa por que o título do dossiê
é “Arquivo e Cidadania”. Esse título muito nos chama a atenção porque no início dos
anos 1990 temos uma atuação da sociedade e de entidades não governamentais lutando
pelo direito do cidadão no que se refere ao acesso à documentação e a informação
pública, exigida como direito de todos.
Assim, a bibliografia indicada na revista, novamente, é sobre acesso aos
arquivos, o perfil institucional é sobre o Arquivo Edgard Leuenroth – AEL/UNICAMP
e a temática dos artigos discorre sobre estudos feitos na área da arquivologia. No
entanto, o artigo de Regina Maria Martins Pereira Wanderley, intitulado “A
popularização dos arquivos”, no qual a autora analisa a importância do acesso aos
arquivos não só por acadêmicos, pesquisadores ou cartorários, mas sim por qualquer
cidadão que tenha interesse em investiga-los ou acessá-los.
Wanderley afirma que cada vez mais a sociedade está exigindo a abertura dos
arquivos, pois este tem o “dever de mostrar seu potencial tanto ao leigo quanto ao
cientista”. Afirma também que o uso dos arquivos
não pode ficar circunscrito a um espaço previamente definido,
duro e compacto: é necessário traçar um itinerário complexo que
faça crescer ou aguçar os sentidos do conhecimento, e destruir a
pretensa erudição para simplesmente falar a linguagem da
História – um trabalho intelectual de esclarecimento, destinado a
todas as camadas sociais. Urge que se faça logo; a ocasião é
37 DUCHEIN, Michel. “Passado, presente e futuro do Arquivo Nacional do Brasil”. In: Revista Acervo.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, vol.3, n.2, jul.-dez. 1988, pg. 97.
propícia, passível de ser aproveitada para consolidar o direito de
todos sobre o imenso patrimônio documental do país38.
Cláudia Heynemann, em seu artigo “Pesquisando a memória: o Arquivo
Nacional entre a identidade e a história”, também indica a importância de acessar os
arquivos, que este não deve ser mais visto como simples depositório de documentos,
mas sim como uma instituição que preserva e organiza os arquivos além de “disseminar
as informações” contidas nos acervos. Afirma também que possibilitar o livre acesso
aos documentos é um exercício de cidadania além de possibilitarmos o “resgate da
memória” disponíveis nessa documentação.
Heynemann salienta também que o acesso aos arquivos contextualiza os sujeitos
nos processos históricos por meio das pesquisas históricas que são realizadas a partir da
documentação pesquisada nos arquivos. Para a autora
A pesquisa histórica forma opinião, desperta controvérsia e dá
um contorno nítido, projetando o indivíduo e sua classe social
em um tempo longo que preserva através do conhecimento o
que talvez fosse tão efêmero, convergindo então com todas as
demais faces do exercício da cidadania que é a luta contra o
esquecimento no que ele tem de mais terrível: a tentativa de
tornar inútil e banal o que deu sentido aos cotidianos, obscurecer
os conflitos, e assim matar a história39.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIO DE
HISTÓRIA – ANPUH
Fundada em 1961, a entidade procurou em sua fundação a aspiração da
profissionalização do ensino e da pesquisa na área de história, opondo-se de certa forma
à tradição de uma historiografia não- acadêmica e autodidata ainda amplamente
majoritária à época. Atuando desde seu aparecimento no ambiente profissional da
graduação e da pós-graduação em história, esta associação organiza bienalmente o
38 WANDERLEY, Regina Maria M.P. “A popularização dos arquivos”. In: Revista Acervo. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, vol.4, n.2, vol.5, n.1, jul.-dez.1989, jan.-jun. 1990, pg. 89. 39 HEYNEMANN, Cláudia. “Pesquisando a memória: o Arquivo Nacional entre a identidade e a
história”. In: Revista Acervo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, vol.4, n.2, vol.5, n.1, jul.-dez.1989, jan.-
jun. 1990, pg. 83.
Simpósio Nacional de História, estando no XXIX simpósio neste ano de 201740.
Durante a década de 1980 a Anpuh organizou 5 simpósios, todos com temáticas
específicas.
No XI Simpósio Nacional, ocorrido em 1981, tinham as seguintes sessões de
estudos: História, Historiografia, Historiador (37 autores); Pesquisas em Andamento (30
autores); Metodologia e Técnica do Ensino e da Pesquisa Histórica (5 autores);
Historiografia: Fontes Primárias e Secundárias (7 autores).
Já no XII Simpósio Nacional, realizado em Salvador, de 17 a 22 de julho de
1983, consta nos Anais o resumo de 60 trabalhos sendo as temáticas discussões sobre a
história do operário, América espanhola, história política do Brasil, entre outros.
O XIII Simpósio Nacional, realizado entre os dias 21 a 26 de julho em Curitiba,
aparece com a temática “Sociedade e Trabalho na História”, organizado pelo profa. Dra.
Raquel Glezer, no qual a programação do evento estava organizada em cursos (9
cursos); sessões de estudo; pesquisas em andamento; comunicações, encontros e
debates).
O XIV Simpósio Nacional, intitulado “Cultura e Sociedade”, ocorrido entre os
dias 19 a 24 de julho de 1987, organizado pelo prof. Antonio José Barbosa, em Brasília-
DF, temos comunicações com temáticas variadas no qual não aparece assuntos como
arquivos, acesso à informação, direito à cidadania, etc.
O XV Simpósio Nacional, com o tema “História, Terra e Poder”, realizado entre
os dias 22 a 28 de outubro de 1989 em Belém-PA, nos chama a atenção a conferência de
encerramento do evento, intitulada “A questão da cidadania”, feita pelo prof. Alex Fiuza
de Mello, no entanto, nos Anais não foi colocado a transcrição dessa conferência.
Contudo, saber que colocaram essa pauta como discussão central no evento nos indica
que os profissionais de história passam a debater melhor essa questão, ou também
poderíamos dizer que passaram a poder discutir esse tema, já que em 1989 estamos no
40 A ANPUH foi aos poucos ampliando sua base de associados, passando a incluir professores dos
ensinos fundamental e médio e, mais recentemente, profissionais atuantes nos arquivos públicos e
privados, e em instituições de patrimônio e memória espalhadas por todo o país. O quadro atual de
associados da ANPUH reflete a diversidade de espaços de trabalho hoje ocupados pelos historiadores em
nossa sociedade. A abertura da entidade ao conjunto dos profissionais de história levou também à
mudança do nome que, a partir de 1993, passou a se chamar Associação Nacional de História,
preservando-se, contudo, o acrônimo que a identifica há mais de 40 anos Para saber mais ver:
http://site.anpuh.org/. Acesso em: 18/01/2017.
primeiro ano após a promulgação da constituição brasileira, ou seja, um governo
democrático.
O XVI Simpósio Nacional, ocorrido de 22 a 26 de julho de 1991, aparece com o
título “História em debate: problemas, temas e perspectivas”, pois estão comemorando
30 anos da existência da associação. Os Anais desse simpósio, na realidade, editaram
artigos completos de pesquisas originais que estavam sendo realizadas na época. Estes
estudos nos indicaram um novo debate na área, incluindo temas como literatura,
cinema, música, teatro, biologia, entre outros. Conforme afirmaram os organizadores:
“afloraram durante o Simpósio novos temas de reflexão: os papéis da mulher nas
sociedades escravocratas e de classes; a criança e os sistemas de poder desde os tempos
coloniais até os dias atuais; questões sobre a prostituição e a sexualidade; doenças e
mentalidades”.
A profa. Dra. Raquel Glazer afirma em seu artigo “Olhando o passado e
desenhando o futuro”, que a comunidade dos historiadores, os profissionais nos
arquivos, bibliotecas e centros de documentação em variadas atividades e funções, os
especialistas em patrimônio e preservação dos acervos históricos e os docentes no
ensino superior – comemoraram, no ano de 2011, o cinquentenário da fundação da
Associação Nacional de História – Anpuh41.
41 GLEZER, Raquel. “Olhando o passado e desenhando o futuro”. In: GLEZER, Raquel (org.). Do
passado para o futuro: edição comemorativa dos 50 anos da Anpuh. São Paulo: Contexto, 2011, pg. 09.