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A INFORMAÇÃO E O CONHECIMENTO SOB AS LENTES DO MARXISMO

Informação e o Conhecimento Sob as Lentes Do Marxismo_2014_primeira Parte

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dos Clássicos à Sociedade da Informação

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A INFORMAÇÃO E O CONHECIMENTO SOB AS LENTES DO MARXISMO

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Conselho Editorial

Bertha K. Becker (in memoriam)

Candido Mendes

Cristovam Buarque

Ignacy Sachs

Jurandir Freire Costa

Ladislau Dowbor

Pierre Salama

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A INFORMAÇÃO E O CONHECIMENTO SOB AS LENTES DO MARXISMO

Rodrigo Moreno MarquesFilipe RaslanFlávia MeloMarta Macedo Kerr Pinheiro (orgs.)

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Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.

Copyright © 2014, dos autoresDireitos cedidos para esta edição à

Editora Garamond Ltda.Rua Candido de Oliveira, 43/Sala 101 - Rio Comprido

Rio de Janeiro - Brasil - 20.261-115Tel: (21) 2504-9211

[email protected]

RevisãoClarissa Penna

Editoração EletrônicaEditora Garamond / Luiz Oliveira

CapaEstúdio Garamond

sobre fotografi a de Colink, disponível em https://www.fl ickr.com/photos/colink/6681277365/

sob licença Creative Commons “Atribuição”.

I36A informação e o conhecimento sob as lentes do marxismo / organi-zação Rodrigo Moreno Marques ... [et al.]. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Garamond, 2014. 254 p. ; 21 cm. Inclui bibliografi a ISBN 97885761735261. Marx, Karl, 1818-1883. 2. Capitalismo. 3. Filosofi a Marxista I. Mar-ques, Rodrigo Moreno.

14-11370 CDD: 335.4 CDU: 330.85

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Este livro foi publicado com o apoio daFAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa

do Estado de Minas Gerais

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AGRADECIMENTOS

Essa publicação é fruto do seminário “A Informação e o Conhecimento sob as Lentes do Marxismo” ocorrido em 23 e 24 de novembro de 2011 na Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (MG). O seminário contou com o fi nanciamento e apoio do Programa de Pós-Graduação da Escola de Ciência da Informação da UFMG, da FAPE-MIG - Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais, da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal Nível Superior e do Núcleo Pr@xis. O livro contou com fi nanciamento da FAPEMIG - Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais e da Escola de Ciência da In-formação da UFMG.

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SUMÁRIO

Contribuições à crítica da era da informação e do conhecimentoRodrigo Moreno Marques e Filipe Raslan .................................................9

Intelecto geralEleutério F. S. Prado ............................................................................23

As rendas informacionais e a apropriação capitalista do trabalho científi co e artísticoMarcos Dantas ....................................................................................35

Tecnologias da informação e comunicação: a lógica instrumental do acessoRosilene Horta Tavares .........................................................................61

Trabalho, capital intangível e historicidade do valor: uma tentativa de defi nição do capitalismo imaterialAlain Herscovici ..................................................................................77

Propriedade intelectual e a forma da mercadoria: novas dimensões na transferência legislada da mais-valiaMichael Perelman ................................................................................99

Os limites à taylorização do trabalho na fase de concepção da produção de softwareCésar Bolaño, José Guilherme da Cunha Castro Filho ............................115

Acerca da perspectiva ontológica que matriza a Teoria Social Marxiana e a produção e reprodução social dos conhecimentosHormindo Pereira de Souza Júnior .......................................................135

Tempo de Trabalho e Luta de ClassesHenrique Amorim .............................................................................149

Movimentos sociais contemporâneos sob as lentes do marxismoMaria Guiomar da Cunha Frota ........................................................169

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Pensamento marxista na arquivologia, na biblioteconomia, na museologia e na ciência da informaçãoCarlos Alberto Ávila Araújo ................................................................191

Informação e Educação no contexto da ECI/UFMG: interlocuções históricas e contrapontosAlcenir Soares dos Reis ......................................................................217

Sobre os autores e organizadores .....................................................247

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CONTRIBUIÇÕES À CRÍTICA DA ERA DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

Rodrigo Moreno MarquesFilipe Raslan

“Marx é hoje, mais uma vez, e com toda justiça, um pensador para o século XXI”

Eric Hobsbawm1

O meio acadêmico, o segmento editorial e os meios de co-municação de massa têm dado destaque, por meio de diferentes abordagens, à relevância da informação e do conhecimento para a sociedade, especialmente após o advento da internet e das tecno-logias que servem de suporte para as novas redes sociotécnicas. Se o emprego das categorias informação e conhecimento tem sido frequente na ciência e no senso comum, por outro lado, é cada vez maior a divergência das perspectivas adotadas. Ganham po-pularidade termos como “sociedade da informação e do conhe-cimento”, “economia do conhecimento”, “capital intelectual” e “capital humano”. No entanto, não há consenso em relação às interpretações propostas e, na ausência de acordo, somos desafi ados por algumas indagações inquietantes.

Que contradições podem ser percebidas nas novas fronteiras da apropriação da informação e do conhecimento? Quais são os argumentos daqueles que advogam a emergência de novas cate-gorias, como “trabalho imaterial”, “capitalismo cognitivo” e “pós-

1 Hobsbawn, E. Como mudar o mundo: Marx e o marxismo, 1840-2011. São Paulo: Compa-nhia das Letras, 2011.

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-grande indústria”? Em que medida essas hipotéticas transforma-ções modifi cam o modo de produção capitalista e as relações de trabalho? Qual é a pertinência da teoria do valor no mundo atual? O que se passa hoje na arena do direito de propriedade intelectu-al? Como se inserem no capitalismo do século XXI a ciência e as novas tecnologias emergentes? Como as tecnologias de informa-ção e comunicação se integram no universo da educação escolar e da pedagogia? Que contribuições pode a epistemologia apresentar para o debate colocado?

Esses são alguns dos desafi os que os autores aqui reunidos acei-taram enfrentar quando foram convidados a discutir a informação e o conhecimento no mundo contemporâneo à luz das concep-ções de Karl Marx e dos pensadores que adotaram o prisma do pensamento crítico para apreender a construção social da realidade.

Na verdade, os debates acerca das contradições que envolvem o conhecimento, a ciência e a técnica não são novidade nas teorias marxistas. São notórias, por exemplo, as obras de Harry Braverman e Jürgen Habermas.

Data da década de 1970 o esforço de Braverman (2011) em salientar os embates voltados para a busca do controle e do mono-pólio da informação e do conhecimento nos domínios do traba-lho, elementos que sempre foram e sempre serão imprescindíveis aos processos de produção.

A análise de Habermas (1999), por sua vez, coloca a esfera co-municacional no centro da sociabilidade humana, na medida em que o progresso técnico tornaria a ciência a principal força pro-dutiva. Nesse contexto, o trabalho e a teoria do valor perderiam relevância como categorias explicativas.

Com a emergência da internet e das tecnologias de informa-ção e comunicação, novas discussões voltam a abordar as categorias da economia política. Diferentes teorias são frutos dessa nova safra, como as teorias da economia do conhecimento, do trabalho ima-terial, do capitalismo cognitivo, do fi m da centralidade do trabalho

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e tantas outras que estão a desafi ar novamente o pensamento mar-xista e a teoria do valor.

André Gorz é exemplo emblemático dessa virada teórica. O autor alega que o conhecimento se tornou a principal força pro-dutiva do capitalismo e defende a redefi nição das categorias tra-balho, valor e capital. Afi rma que na economia do conhecimento o trabalho incorpora o chamado capital imaterial, que se torna o coração e o centro da criação de valor. E o conhecimento, agora convertido em nova força produtiva, seria em grande parte uma inteligência geral que não tem valor de troca, pode ser partilha-do livremente e a custos desprezíveis nas novas redes tecnológicas (2005).

Em direção semelhante, a corrente do capitalismo cognitivo advoga que o mais relevante atualmente não é o fenômeno da economia do conhecimento, mas sim uma profunda mutação que estaria afetando a maneira como o capital é dotado de valor. O valor, tomado agora como categoria imensurável, seria decorrente da capacidade inovativa dos sujeitos que se articulam por meio das tecnologias de informação e comunicação. Propondo uma pers-pectiva emancipatória, supõe-se que os processos de inovação atu-ais se tornaram libertos da disciplina da fábrica e do seu controle hierárquico (Corsani, 2003; Moulier-Boutang, 2011).

Contesta-se a importância dos construtos teóricos de Marx quando confrontados com a realidade social e econômica em cur-so. Moulier-Boutang (2002, 2006, 2011) afi rma que a transição para o capitalismo cognitivo é tão profunda que pode ser classifi -cada como uma grande transformação, no sentido polanyiano, o que enseja que a economia política nascida no século XVIII seja deixada para trás.

Assim, ressurge atualmente, com novos matizes, a polêmica em torno da pertinência ou não da obra e das ideias de Marx. O debate demonstra que continua bastante atual o esforço para des-vendar o enigma do valor inscrito na mercadoria. Pode-se afi rmar

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que a discussão é atual, mas não é nova. Há quase trinta anos, João Antônio de Paula assim se manifestava sobre esse embate, que tem recorrência secular:

Desde a sua gênese, a problemática do valor se tem debatido

a partir de dois grandes veios: a vertente objetiva e a vertente

subjetiva na explicação do valor. [...] De um lado, os que pre-

tendem estar o valor ancorado na subjetividade da apreciação

individual dos objetos. De outro, os que entendem o valor

como realidade anterior à exposição no mercado, que veem

no valor a expressão da produção social, do trabalho humano

(1984, p. 114).

Apesar da recorrente controvérsia sobre antigos e novos argu-mentos que colocam em xeque ou que defendem os construtos de Marx, uma releitura atenta dos seus textos revela uma surpreen-dente atualidade. Essa conclusão não é diferente, ainda que se tome como pressuposto que as tecnologias emergentes criam hoje novas dinâmicas socioeconômicas no universo da mercadoria, onde es-tão inseridos o conhecimento e a informação que circulam (ou deixam de circular!) na internet.

Esse ponto de vista nos remete a duas estimulantes controvér-sias acadêmicas.

A primeira delas refere-se à acusação recorrente de que a te-oria marxiana limita-se ao universo da economia industrialista e da mercadoria tangível. Contrariando essa afi rmativa, Paula (1984) alega que Marx não incluía na categoria mercadoria apenas os bens palpáveis, como os produtos das indústrias de tecelagem ou metalurgia. Nos termos do fi lósofo, “a mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia” (Marx, 1980, p. 41).

Tomar a mercadoria como “tudo aquilo que satisfaz o estôma-go ou a fantasia”, explica Paula (1984), implica considerar que ela

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“pode ser não só o que é tangível, corpóreo, acumulável, que tem existência no tempo e no espaço, quanto o que não é material, não tem massa e que só existe no tempo: uma execução musical, um espetáculo teatral, uma aula etc.” (p. 122).

Esse entendimento lança luz sobre a discussão marxiana do conceito de trabalho produtivo. Segundo Marx (1963, 1980, 2004), tendo em vista que o processo de trabalho é apenas um meio para o processo de valorização do capital, o trabalho produtivo é aquele que gera diretamente mais-valia, que valoriza o capital. Uma vez que a mais-valia é considerada o fi m determinante, o interesse propulsor e o resultado fi nal do processo de produção capitalista, a produtividade do trabalhador está ligada a sua capacidade de gerar diretamente mais-valia. Assim, é inadequada a defi nição de traba-lho produtivo e trabalho improdutivo em função do seu conteúdo material, ou seja, essa defi nição não está relacionada ao conteúdo do trabalho, a sua utilidade particular ou ao valor de uso específi co no qual ele se expressa.

Importante notar que a discussão de Marx sobre o trabalho produtivo engloba não somente a produção de mercadorias tan-gíveis, mas abarca também a produção de caráter intelectivo e ar-tístico. Para ilustrar seu ponto de vista, o fi lósofo apresenta três exemplos esclarecedores: (i) Um escritor que fornece serviços para um industrial do ramo editorial é um trabalhador produtivo, en-quanto não o é um escritor independente, ainda que este venda sua obra para seus leitores. (ii) Um cantor é um trabalhador impro-dutivo. Na medida em que vende seu canto, torna-se assalariado ou comerciante. Porém, esse artista, caso se ponha a cantar para ganhar dinheiro por meio de um contrato com um empresário, passa a ser trabalhador produtivo. (iii) No segmento educacional, um professor será trabalhador produtivo caso seja contratado “para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro do empresário da ins-tituição que trafi ca com o conhecimento” (Marx, 2004, p. 115). Esses exemplos demonstram que Marx percebeu e refl etiu em seu

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tempo sobre as atividades que atualmente têm sido categorizadas como trabalho imaterial.

Outro ponto que tem gerado calorosa contenda no meio aca-dêmico diz respeito à relevância da teoria do valor de Marx no contexto do mundo contemporâneo. Esse confronto surge, princi-palmente, com as teorias que advogam a emergência de uma eco-nomia da informação e do conhecimento marcada pelo trabalho dito imaterial e pelos produtos intangíveis.

Nesse caso também é preciso, antes de tudo, registrar as re-fl exões do próprio Marx. Conforme salienta o texto de Michael Perelman aqui publicado, ao abordar o conhecimento científi co em Teorias da mais-valia, Marx já dava destaque à impossibilidade de apreender o valor do trabalho intelectual por meio do tempo de trabalho socialmente necessário, ou seja, apontava a incompati-bilidade da lei do valor nesse contexto:

O produto do trabalho mental – a ciência – sempre perma-

nece bem distante do seu valor porque o tempo de trabalho

necessário para reproduzi-lo não tem relação alguma com o

tempo de trabalho para sua produção original. Por exemplo,

um estudante pode aprender o teorema binomial em uma

hora (Marx, 1963, p. 353).

Some-se a esse argumento o famoso exercício teórico em que Marx aborda o general intellect nos Grundrisse (Marx, 2011), importante referência nas discussões que nos apresentam Alain Herscovici, Eleutério Prado, Henrique Amorim, Marcos Dantas e Michael Perelman.2

Percebe-se, portanto, que discutir os limites da teoria do valor nada mais é do que buscar respostas para um problema que Marx

2 Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie, traduzido por Elementos fundamentais para a crítica da economia política, é um manuscrito de Karl Marx, escrito em 1857 e 1858, dez anos antes da primeira edição de O Capital. A primeira publicação integral do texto data de 1939, tendo sido organizada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo de Berlim e Moscou.

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revelou em seu tempo e que permanece em aberto até os dias atu-ais. Se, por um lado, Marx decifrou o enigma do valor nas relações socioeconômicas da sua época, por outro lado, estamos hoje diante de novos desafi os que o fi lósofo não viveu, mas vislumbrou. Nesse campo ele não deixou resposta acabada, mas seu legado abre-nos importantes janelas.

Essas são apenas duas das inúmeras arenas onde Marx revela--se atual, instigante e inspirador. Muitas outras são reveladas pelos autores que nos honram nesta obra com suas refl exões dialéticas, que são sinteticamente apresentadas a seguir.

Eleutério Prado abre o debate com um texto que reconstrói o signifi cado do termo intelecto geral (general intellect) na obra eco-nômica de Marx, particularmente nos Grundrisse. Prado discute os termos de Marx, coloca-os em perspectiva e recupera as catego-rias manufatura e grande indústria, desenvolvidas em O Capital. O autor questiona os princípios do operaísmo europeu, assim como os postulados do chamado neo-marxismo, e aponta novos rumos para a crítica marxista.

No capítulo seguinte, Marcos Dantas propõe uma releitura das categorias de Marx no contexto das novas tecnologias digitais. O autor discute a apropriação capitalista nos campos da ciência e da arte, partindo do problema do valor do trabalho científi co e artístico. Dantas argumenta que atualmente o capital mobiliza principalmente o trabalho informacional, capaz de gerar valor de uso, mas não valor de troca. A apropriação do valor obtido por esse trabalho exige do capital a instituição do monopólio do co-nhecimento científi co ou artístico, por meio do qual é instituída a extração de renda informacional.

Rosilene Horta explora as contradições ocultas nas tecnolo-gias de informação e comunicação, bem como suas possibilidades emancipatórias. Sua análise dialética está voltada para a integração das tecnologias ao universo da educação escolar. A autora analisa as políticas que, apesar de revestidas de um aparente caráter demo-

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cratizador, têm como essência a fi nalidade de acentuar a acumu-lação de capital, esta já em patamares elevadíssimos. Partindo da crítica à racionalidade de tipo instrumental, nascida com a Escola de Frankfurt, a autora evidencia alguns limites reais das políticas de acesso às tecnologias, questionando os meandros do controle social da inteligência, a função da escola e a integração da tecnologia à pedagogia.

A tese do capitalismo imaterial é o cerne dos argumentos que Alain Herscovici nos apresenta em seu texto. O seu ponto de par-tida é a hipótese de que atualmente estão se generalizando, para a maior parte das atividades econômicas, elementos econômicos que antes pertenciam somente ao universo dos bens culturais e imateriais. O autor advoga que a teoria do valor trabalho não é mais capaz de explicar a produção e a distribuição do valor no capitalismo imaterial, nova fase do modo de produção capitalis-ta. Defende, portanto, a necessidade do estabelecimento de novas categorias e instrumentos analíticos para o estudo da cultura, da informação e da comunicação, bem como do conjunto das ativi-dades econômicas da atualidade.

Michael Perelman elege o direito de propriedade intelectual como o eixo da sua argumentação, especifi camente nos campos da ciência e da tecnologia no cenário norte-americano. O autor afi r-ma que os direitos de propriedade intelectual têm se tornado um componente fundamental da economia moderna, tendo em vista que eles representam a conversão do “trabalho universal” conce-bido por Marx em uma forma de mercadoria inteiramente nova. Alega também que o direito de propriedade intelectual tornou-se o contrapeso fi nanceiro para combater a desindustrialização em curso nos Estados Unidos, a ponto de confi gurar-se como uma das diretrizes mais prementes da política externa desse país. Eviden-ciando algumas contradições do direito de propriedade intelectual, Perelman sugere uma direção para a integração dessa problemática à teoria do valor.

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As refl exões de César Bolaño e José Guilherme da Cunha Castro Filho estão voltadas para as relações sociais no contexto das fábricas de software. Ao caracterizar as etapas de concepção, produ-ção e uso de softwares nos processos produtivos, os autores apontam um paradoxo nas dinâmicas de subsunção do trabalho intelectual. Na fase de concepção, em que a subjetividade envolvida na tarefa de codifi cação de programas ainda é fortemente dependente do trabalho vivo, o trabalho subsumido apenas formalmente não se adéqua aos conceitos de taylorismo e fordismo, sendo caracteri-zado como uma situação muito próxima àquela do período ma-nufatureiro. Na etapa de produção dos softwares, observa-se uma importante taylorização, pois o programador manipula sem auto-nomia ferramentas de desenvolvimento, sendo ele e a produção monitorados pela gerência. A terceira fase, quando os programas são empregados nos processos produtivos, é marcada por uma am-pla automatização e um processo avançado de subsunção, que é viabilizado pelo trabalho de concepção da primeira etapa.

Hormindo Pereira de Souza Júnior propõe um reencontro com a Ontologia do Ser Social marxista, destacando a importância da te-oria social de Marx para o entendimento e a explicação do mundo contemporâneo. O autor argumenta que a posição marxiana sobre os problemas atuais que envolvem a produção, reprodução e distri-buição do conhecimento ganha relevo na captura das essencialida-des básicas, fundamentais, de caráter ontológico. Hormindo con-sidera que o “trabalho, como objetivação e autodesenvolvimento humano, como uma mediação necessária do homem com a nature-za, constitui a esfera ontológica fundamental da existência humana”. Ao longo do seu texto, o autor aborda temas pertinentes, como a alienação no trabalho, a relação sujeito/objeto do conhecimento e a articulação entre objetividade e subjetividade nos processos de produção e reprodução social dos conhecimentos.

No ensaio de Henrique Amorim, a discussão da categoria tempo de trabalho ganha destaque, em especial o seu caráter con-

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traditório. Se, por um lado, a dinâmica de expansão do capitalismo impõe a redução do tempo de trabalho na produção, por outro lado, o modo de produção capitalista não consegue se afastar do trabalho vivo, considerado a fonte de criação de toda riqueza. Ten-do como referência os Grundrisse, O Capital, entre outros textos de Marx, o autor tece críticas às teorias que, fl ertando com uma interpretação determinista da história, perceberiam nessa contra-dição a perspectiva de transformação e superação automática do capitalismo, ou seja, sem atribuir a devida importância ao papel dos embates e dos confrontos políticos entre classes sociais.

O desafi o que Maria Guiomar da Cunha Frota se propôs foi a realização de uma leitura analítica de dois movimentos sociais da atualidade – Occupy Wall Street (EUA) e Movimento pela Educação Pública (Chile) – a partir de princípios do marxis-mo. Para levar a cabo esse objetivo, que parte do nível abstrato para atingir o nível concreto, a autora privilegia os conceitos sociais elaborados por autores que tomaram como referência os trabalhos do jovem Marx. Evidencia também a questão da rela-ção entre sociedade civil e sociedade política, tema derivado de abordagens clássicas, privilegiando o pensamento de Habermas e outros autores que também se debruçaram sobre a esfera pública e a ação comunicativa.

Carlos Alberto Ávila Araújo apresenta uma abordagem episte-mológica das áreas de arquivologia, biblioteconomia, museologia e ciência da informação. O autor argumenta que esses campos estão marcados, desde a sua origem, por uma acentuada natureza operacional, como otimização de produtos e processos, pouco se detendo nos meandros da refl exão crítica. Apesar disso, conforme argumenta e demonstra o autor, é possível identifi car, na evolução histórica dessas áreas, relevantes manifestações de “pensamentos e problematizações críticas sobre a informação, as instituições e os sistemas de informação e sobre diferentes usos e apropriações que ocorrem com a sua circulação”.

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Encerrando o debate, Alcenir Soares dos Reis aponta contra-dições e aspectos críticos que se manifestam nas interlocuções en-tre informação e educação, enfatizando as contribuições do pen-samento marxista no âmbito da Escola de Ciência da Informação da UFMG. O resgate do percurso da consolidação da linha de pesquisa Informação, Cultura e Sociedade evidencia a relevância dos princípios da historicidade, da tensionalidade e da totalidade, e destaca a dimensão dialética que marca a arena da informação e da educação.

Em suma, este livro apresenta um mosaico diversifi cado e esti-mulante de refl exões que são frutos do desafi o de debater a infor-mação e o conhecimento no mundo atual sob o prisma do mar-xismo. E os caminhos que aqui são apontados parecem confi rmar o argumento que Hormindo nos traz:

Antigas questões que teimam em persistir nos afl igindo, bem

como outras, saudadas nos dias de hoje como descobertas re-

centes, estão presentes, e de modo bastante pertinente, na te-

oria social desenvolvida por Marx. [...] Ao nos debruçarmos

sobre a extensa obra marxiana, verifi camos o quanto é atual,

quanta produtividade ela é capaz de impulsionar, o quanto é

desafi ador apoiar-se em teoria assim tão absolutamente incon-

clusa, que só pode efetivar-se em coautoria com os sujeitos

sociais de cada tempo histórico.

Os autores aqui reunidos também se inquietam e buscam res-postas para a instigante pergunta que Hobsbawm nos legou: Qual é a relevância de Marx no século XXI? Hobsbawm argumenta que as tentativas de instaurar o projeto do “socialismo” no sécu-lo XX foram determinantes para a criação de um juízo quanto ao marxismo que não se fundamenta no pensamento do próprio Marx, mas sim “em interpretações ou revisões póstumas do que ele escreveu”. No entanto, destaca o autor, “o fi m do marxismo ofi cial da União Soviética liberou o pensador alemão da identifi -

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cação pública com o leninismo da teoria e com os regimes leninis-tas na prática” (2011, pp. 15-20). Assim, ganham relevo novamente muitas e boas razões para rediscutir o que Marx tem a nos dizer sobre o mundo em que vivemos.

Não espere o leitor que irá encontrar neste livro respostas aca-badas para as muitas indagações que fomentaram o debate coloca-do. Esperar respostas deterministas e defi nitivas seria uma expecta-tiva contrária aos princípios da dialética.

Nossa intenção é, antes, estimular um exercício refl exivo que contribua para a construção de uma visão de mundo que não abre mão do pensamento crítico, que não se satisfaz com a superfi cia-lidade dos fenômenos, que busca a essência que eles ocultam. Um ponto de vista que encontra nas contradições – e não nas harmo-nias – a perspectiva de emancipação e desalienação. Um ponto de vista que, sobretudo, não se contenta apenas em interpretar o mundo, pois, afi nal, o que importa mesmo é transformá-lo.

Referências

Braverman, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

Corsani, A. Elementos de uma ruptura: a hipótese do capitalismo co-gnitivo. In: Cocco, G. (org.). Capitalismo cognitivo: trabalho, redes e inovação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

Gorz. A. O imaterial, conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005.

Habermas, J. Teoría de la acción comunicativa, i – racionalidad de la ac-ción y racionalización social. México-df: Taurus, 1999.

Hobsbawm, E. Como mudar o mundo: Marx e o marxismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.

Marx, K. Theories of surplus value. Moscow: Progress Publishers, 1963, vol. 1.

______. O Capital. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

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Livro 1.______. Capítulo VI inédito de O Capital. 2. ed. São Paulo: Centauro,

2004.______.Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011.Moulier-Boutang, Y. «Nouvelles frontières de l’économie politique

du capitalisme cognitif», Revue Éc/arts, n. 3, p.121-135, 2002. ________. Antagonism under cognitive capitalism: class composition, class

consciousness and beyond. Paper apresentado ao Seminário Immate-rial labour, multitudes and new social subjects: class composition in cognitive capitalism, Cambridge, abril de 2006.

________. Cognitive capitalism. London: Polity Press, 2011.Paula, J. A. Ensaio sobre a atualidade da lei do valor. Revista de Econo-

mia Política, v. 4, n. 2, p. 111-134, abr.-jun. 1984.

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INTELECTO GERAL

Eleutério F. S. Prado

Como é sabido, Marx usou uma única vez o termo “intelecto geral”, em inglês no original escrito basicamente em alemão, em toda a sua obra. E o fez no seguinte parágrafo dos Grundrisse:

A natureza não constrói máquinas nem locomotivas, ferrovias,

telégrafos elétricos, máquinas de fi ar automáticas etc. Elas são

produtos da indústria humana; material natural transformado

em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou de sua ati-

vidade na natureza. Elas são órgãos do cérebro humano criados pela

mão humana; força do saber objetivada. O desenvolvimento do

capital fi xo indica até que ponto o saber social geral, conheci-

mento, deveio força produtiva imediata e, em consequência, até

que ponto as próprias condições do processo vital da socie-

dade fi caram sob o controle do intelecto geral e foram reor-

ganizadas em conformidade com ele. Até que ponto as forças

produtivas da sociedade são produzidas, não só na forma do

saber, mas como órgãos imediatos da práxis social; do processo

real da vida. (Marx, 2011, p. 589).

O emprego desse termo – e também dos sinônimos “cérebro social” e “inteligência social” – numa obra tão extensa não teria chamado atenção excepcional não fosse pelo contexto expositivo em que aparece: a antecipação do que ocorrerá com o desenvol-vimento do modo de produção da grande indústria. Em particu-lar, ganha um sentido notável frente ao começo do parágrafo dos Grundrisse que antecede aquele acima citado: