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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 626-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO DESAPROPRIAÇÃO Não cabimento de restituição pelo expropriado dos honorários periciais. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Legitimidade do Município para defesa dos consumidores. DIREITO CIVIL INVENTÁRIO Citação dos herdeiros por correio com aviso de recebimento. DIREITO DO CONSUMIDOR INAPLICABILIDADE DO CDC PARA O TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL Limitação do direito à indenização em viagens internacionais. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Atraso na entregado do imóvel e lucros cessantes. DEFESA DOS CONSUMIDORES EM JUÍZO Legitimidade do Município para defesa dos consumidores. DIREITO EMPRESARIAL RECUPERAÇÃO JUDICIAL Crédito derivado de fato ocorrido antes da recuperação judicial. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE RECURSOS (In)aplicabilidade do art. 942 do CPC/2015. DIREITO PROCESSUAL CIVIL EMBARGOS INFRINGENTES Divergência manifestada nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença. PROCESSO COLETIVO Legitimidade do Município para defesa dos consumidores. DIREITO PENAL ROUBO Abolitio criminis promovida pela Lei 13.654/2018 no roubo.

Informativo comentado: Informativo 626-STJ · corrigido monetariamente até a data de seu efetivo pagamento. ... Vale ressaltar que também seria indevida a citação desses herdeiros

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 626-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

DESAPROPRIAÇÃO Não cabimento de restituição pelo expropriado dos honorários periciais. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Legitimidade do Município para defesa dos consumidores.

DIREITO CIVIL

INVENTÁRIO Citação dos herdeiros por correio com aviso de recebimento.

DIREITO DO CONSUMIDOR

INAPLICABILIDADE DO CDC PARA O TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL Limitação do direito à indenização em viagens internacionais. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Atraso na entregado do imóvel e lucros cessantes. DEFESA DOS CONSUMIDORES EM JUÍZO Legitimidade do Município para defesa dos consumidores.

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Crédito derivado de fato ocorrido antes da recuperação judicial.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

RECURSOS (In)aplicabilidade do art. 942 do CPC/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EMBARGOS INFRINGENTES Divergência manifestada nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a

sentença. PROCESSO COLETIVO Legitimidade do Município para defesa dos consumidores.

DIREITO PENAL

ROUBO Abolitio criminis promovida pela Lei 13.654/2018 no roubo.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado.

DIREITO TRIBUTÁRIO

SANÇÕES POLÍTICAS Impossibilidade de sanções políticas. IMPOSTO DE RENDA Valor recebido pelo jogador a título de “direito de arena” sujeita-se ao IRPF. DIREITO INTERNACIONAL

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA Para que a sentença estrangeira seja homologada no Brasil é necessário que ela esteja eficaz no país de origem.

DIREITO ADMINISTRATIVO

DESAPROPRIAÇÃO Não cabimento de restituição pelo expropriado dos honorários periciais

Nas ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária descabe a restituição, pelo expropriado sucumbente, de honorários periciais aos assistentes técnicos do INCRA e do MPF.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.306.051-MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 08/05/2018 (Info 626).

Imagine a seguinte situação hipotética: Antônio possuía um imóvel rural. A União entendeu que o referido imóvel rural não estava cumprindo a sua função social e que deveria ser desapropriado por interesse social, para fins de reforma agrária, nos termos do art. 184 da CF/88. Procedimento da LC 76/93 O procedimento judicial da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, deverá obedecer ao contraditório especial, de rito sumário, previsto na LC 76/93. Decreto declarando o imóvel de interesse social A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é de competência privativa da União e será precedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária (art. 2º da LC 76/93). Ação de desapropriação Em seguida, o órgão federal executor da reforma agrária (atualmente, o INCRA) deverá propor ação de desapropriação, que será processada e julgada na Justiça Federal. Contestação A contestação apresentada pelo proprietário deve ser oferecida no prazo de 15 dias e versar matéria de interesse da defesa, excluída a apreciação quanto ao interesse social declarado. Perícia Recebida a contestação, o juiz, se for o caso, determinará a realização de prova pericial.

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As partes (INCRA e expropriado), assim como também o MPF, podem indicar assistentes técnicos para acompanharam o trabalho do perito. Sentença O juiz proferirá sentença na audiência de instrução e julgamento ou nos 30 dias subsequentes, indicando os fatos que motivaram o seu convencimento. Ao fixar o valor da indenização, o juiz considerará, além dos laudos periciais, outros meios objetivos de convencimento, inclusive a pesquisa de mercado. O valor da indenização corresponderá ao valor apurado na data da perícia, ou ao consignado pelo juiz, corrigido monetariamente até a data de seu efetivo pagamento. Na sentença, o juiz individualizará o valor do imóvel, de suas benfeitorias e dos demais componentes do valor da indenização. Despesas judiciais, honorários do advogado e do perito Veja o que diz o art. 19 da LC 76/93 sobre a responsabilidade pelas despesas judiciais, honorários do advogado e do perito:

Art. 19. As despesas judiciais e os honorários do advogado e do perito constituem encargos do sucumbente, assim entendido o expropriado, se o valor da indenização for igual ou inferior ao preço oferecido, ou o expropriante, na hipótese de valor superior ao preço oferecido. § 1º Os honorários do advogado do expropriado serão fixados em até vinte por cento sobre a diferença entre o preço oferecido e o valor da indenização. § 2º Os honorários periciais serão pagos em valor fixo, estabelecido pelo juiz, atendida à complexidade do trabalho desenvolvido.

Suponhamos que o expropriado foi sucumbente, ou seja, a indenização foi fixada pelo juiz em valor inferior ao oferecido pelo INCRA. Neste caso, ele terá que pagar honorários periciais aos assistentes técnicos do INCRA e do MPF? NÃO.

Nas ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária descabe a restituição, pelo expropriado sucumbente de honorários periciais aos assistentes técnicos do INCRA e do MPF. STJ. 1ª Turma. REsp 1.306.051-MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 08/05/2018 (Info 626).

Os assistentes técnicos do INCRA e do MPF são servidores de carreira das instituições. Não foram, portanto, contratados de maneira particular para a realização do acompanhamento deste trabalho pericial. Logo, o expropriado não deverá pagar qualquer valor a este título. Assim, sendo os assistentes técnicos servidores de carreira da Administração Pública ou do MP, não é devido o pagamento de honorários periciais pelo expropriado sucumbente, considerando que tais profissionais recebem remuneração por esse serviço em razão do cargo que ocupam.

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Legitimidade do Município para defesa dos consumidores

Importante!!!

Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias.

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Em relação ao Ministério Público e aos entes políticos, que têm como finalidades institucionais a proteção de valores fundamentais, como a defesa coletiva dos consumidores, não se exige pertinência temática e representatividade adequada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.509.586-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

DIREITO CIVIL

INVENTÁRIO Citação dos herdeiros por correio com aviso de recebimento

Tendo sido declinados na petição inicial todos os dados pessoais indispensáveis à correta identificação dos herdeiros, inclusive os seus respectivos endereços, devem ser eles citados pessoalmente por carta com aviso de recebimento, vedada a citação por oficial de justiça (porque comprometeria a duração razoável do processo).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.088-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

Imagine a seguinte situação hipotética: João faleceu e deixou 17 herdeiros. A viúva ingressou com ação de inventário na vara de sucessões de Belo Horizonte (MG). Na petição inicial foram indicados todos os herdeiros, com os respectivos endereços. Ocorre que alguns herdeiros moram em Municípios do interior do Estado. O juiz determinou a citação por edital dos herdeiros que não residem em Belo Horizonte. Agiu corretamente o juiz? Essa citação foi válida? NÃO. Todos os herdeiros foram detalhadamente identificados na petição inicial tendo a inventariante informado, de modo preciso, seus respectivos endereços. Desse modo, não há motivo para fazer a citação por edital. Tais herdeiros deveriam ter sido citados por carta com aviso de recebimento. Vale ressaltar que também seria indevida a citação desses herdeiros por meio de oficial de justiça, considerando que esta providência acarretaria prejuízo à celeridade do processo. A citação válida é pressuposto de existência da relação jurídico-processual, sendo verdadeiramente imprescindível, à luz da garantia constitucional do contraditório, que as partes potencialmente atingidas por uma futura decisão judicial tenham a oportunidade de ser adequadamente cientificadas da lide (direito de informação), de apresentarem tempestivamente suas alegações e provas (direito de reação) e de efetivamente contribuir no processo de formação do convencimento judicial (direito de influência), motivo pelo qual a citação editalícia deve sempre ser vista como excepcionalíssima no sistema e, assim, autorizada apenas nas hipóteses em que haja evidente e irreparável prejuízo à garantia da razoável duração do processo. Em suma:

Tendo sido declinados na petição inicial todos os dados pessoais indispensáveis à correta identificação dos herdeiros, inclusive os seus respectivos endereços, devem ser eles citados pessoalmente por carta com aviso de recebimento, vedada a citação por oficial de justiça (porque comprometeria a duração razoável do processo). STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.088-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

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CPC/2015 Vale ressaltar que o presente julgado foi proferido com base no CPC/1973. No entanto, penso que a solução seria a mesma com o CPC/2015. O art. 626, § 1º do CPC/2015 prevê expressamente a citação dos herdeiros por correio, com aviso de recebimento. Além disso, o legislador determinou também a publicação de edital para avisar outros eventuais interessados (credores, cessionários etc.). Desse modo, o sistema atual é o seguinte: Citação pelo correio do cônjuge/companheiro, herdeiros e legatários mais a publicação de edital. Veja a redação do dispositivo:

Art. 626. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e da partilha, o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os legatários e intimar a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se houver testamento. § 1º O cônjuge ou o companheiro, os herdeiros e os legatários serão citados pelo correio, observado o disposto no art. 247, sendo, ainda, publicado edital, nos termos do inciso III do art. 259.

DIREITO DO CONSUMIDOR

INAPLICABILIDADE DO CDC PARA O TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL Limitação do direito à indenização em viagens internacionais

Importante!!!

É possível a limitação, por legislação internacional especial, do direito do passageiro à indenização por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem.

STJ. 3ª Turma. REsp 673.048-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 626).

Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.

STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/05/2017 (repercussão geral) (Info 866).

Imagine a seguinte situação hipotética: Letícia passou sua lua de mel em Paris. Ela voltou da França em um voo direto que pousou em Natal (RN). A viagem dos sonhos acabou se transformando em um pesadelo ao final. Isso porque a mala de Letícia foi extraviada pela companhia aérea, que simplesmente perdeu a bagagem. Além do transtorno, Letícia sofreu um enorme prejuízo econômico. Na mala, havia duas bolsas de grife francesa e cinco vestidos da última coleção. Diante disso, Letícia ajuizou ação de indenização contra a “Air Paris” pedindo o pagamento de R$ 100 mil a título de danos materiais.

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Contestação: tese da indenização tarifada (Convenção de Varsóvia) O valor de todos os produtos que estavam na mala de Letícia foi de R$ 100 mil, sendo esta a quantia cobrada por ela da “Air Paris”. Na contestação, contudo, a companhia aérea alegou que, no transporte internacional, deve vigorar os limites de indenização impostos pela "Convenção de Varsóvia". A Convenção de Varsóvia é um tratado internacional, assinado pelo Brasil em 1929 e promulgado por meio do Decreto nº 20.704/31. Posteriormente, ela foi alterada pelo Protocolo Adicional 4, assinado na cidade canadense de Montreal em 1975 (ratificado e promulgado pelo Decreto 2.861/1998). Daí falarmos em Convenções de Varsóvia e de Montreal. Essas Convenções estipulam valores máximos que o transportador poderá ser obrigado a pagar em caso de responsabilidade civil decorrente de transporte aéreo internacional. Dessa forma, tais Convenções adotam o princípio da indenizabilidade restrita ou tarifada. Em caso de extravio de bagagens, por exemplo, a Convenção determina que o transportador somente poderá ser obrigado a pagar uma quantia máxima de cerca de R$ 4.500,00. Assim, em vez de receber R$ 100 mil, Letícia teria que se contentar com o limite máximo de indenização (por volta de R$ 4.500,00). Conflito entre dois diplomas No presente caso, temos um conflito entre dois diplomas legais:

O CDC, que garante ao consumidor o princípio da reparação integral do dano;

As Convenções de Varsóvia e de Montreal, que determinam a indenização tarifada em caso de transporte internacional.

Assim, a antinomia ocorre entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de Varsóvia, que fixa limite máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação. Qual dos dois diplomas irá prevalecer? Em caso de extravio de bagagem ocorrido em transporte internacional envolvendo consumidor, aplica-se o CDC ou a indenização tarifada prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal? As Convenções internacionais.

Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/05/2017 (repercussão geral) (Info 866).

O STJ passou a acompanhar o mesmo entendimento do STF:

É possível a limitação, por legislação internacional especial, do direito do passageiro à indenização por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem. STJ. 3ª Turma. REsp 673.048-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 626).

Por que prevalecem as Convenções? Porque a Constituição Federal de 1988 determinou que, em matéria de transporte internacional, deveriam ser aplicadas as normas previstas em tratados internacionais. Veja:

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

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Assim, em virtude dessa previsão expressa quanto ao transporte internacional, deve-se afastar o Código de Defesa do Consumidor e aplicar o regramento do tratado internacional. Critérios para resolver esta antinomia A Convenção de Varsóvia, enquanto tratado internacional comum, possui natureza de lei ordinária e, portanto, está no mesmo nível hierárquico que o CDC. Logo, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Diante disso, a solução do conflito envolve a análise dos critérios cronológico e da especialidade. Em relação ao critério cronológico, os acordos internacionais referidos são mais recentes que o CDC. Isso porque, apesar de o Decreto 20.704 ter sido publicado em 1931, ele sofreu sucessivas modificações posteriores ao CDC. Além disso, a Convenção de Varsóvia – e os regramentos internacionais que a modificaram – são normas especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial de contrato, qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros. Duas importantes observações: 1) as Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC; 2) as Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na hipótese de extravio de bagagem, mas também em outras questões envolvendo o transporte aéreo internacional.

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Atraso na entrega do imóvel e lucros cessantes

Importante!!!

O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador.

Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação.

STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

Cabem danos morais se a construtora/incorporadora descumprir o prazo de entrega do imóvel? Em regra, não. O simples fato de o promitente vendedor ter descumprido o prazo previsto no contrato para a entrega do imóvel não acarreta, por si só, danos morais. Nesse sentido: O mero descumprimento contratual, caso em que a promitente vendedora deixa de entregar o imóvel no prazo contratual injustificadamente, não acarreta, por si só, danos morais. STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1684398/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/03/2018. Isso porque o dano moral, na hipótese de atraso na entrega de unidade imobiliária, não se presume pelo simples descumprimento do prazo contratual. Em situações excepcionais é possível haver a condenação em danos morais, desde que devidamente comprovada a ocorrência de uma significativa e anormal violação a direito da personalidade do adquirente (STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1693221/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/03/2018).

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Assim, pode ser cabível a condenação em danos morais, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Em outras palavras, deve ter o atraso e uma consequência fática que gere dor, angústia, revolta. Embora o atraso na entrega do imóvel possa gerar dano moral compensável, estes devem estar demonstrados e configurados, não podendo ser fundamentado somente no mero inadimplemento contratual. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1126144/MA, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/03/2018.

O simples inadimplemento contratual, consubstanciado no atraso na entrega do imóvel, não é capaz por si só de gerar dano moral indenizável, devendo haver, no caso concreto, consequências fáticas que repercutam na esfera de dignidade da vítima. STJ. 3ª Turma. REsp 1654843/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/02/2018.

O simples descumprimento contratual, por si, não é capaz de gerar danos morais, sendo necessária a existência de uma consequência fática capaz de acarretar dor e sofrimento indenizável pela sua gravidade. STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1408540/MA, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/02/2015.

Exemplos de situações nas quais foi reconhecido o dano moral: 1) Atraso muito grande na entrega do imóvel (no caso concreto, foram 2 anos de atraso). Nesta hipótese foi reconhecido o direito à indenização: STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 693.206/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/03/2018. 2) Atraso na entrega que gerou o adiamento do casamento dos adquirentes, que já estavam com data marcada: STJ. 3ª Turma. REsp 1662322/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2017. E os danos materiais, são devidos em caso de atraso? SIM. O atraso na entrega do imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda acarreta a condenação da construtora/imobiliária ao pagamento de: • dano emergente (que precisa ser provado); e • lucros cessantes (valor dos alugueis do imóvel; são danos materiais presumidos). A jurisprudência considera que, havendo atraso, os lucros cessantes devem ser calculados como sendo o valor do aluguel do imóvel atrasado. Isso porque: • o adquirente está morando em um imóvel alugado, enquanto aguarda o seu. Neste caso, ele está perdendo “dinheiro” pagando aluguel em virtude do atraso; ou • o adquirente não está morando de aluguel e comprou o novo imóvel apenas como investimento. Neste caso, ele também está perdendo “dinheiro” porque, se o imóvel tivesse sido entregue no prazo, ele estaria alugando para alguém e aferindo renda com isso. Em suma, em um ou no outro caso, o adquirente deixa de ganhar dinheiro (“deixa ter um lucro”) porque houve atraso na entrega do imóvel. Para o STJ, essa “perda de dinheiro” (lucros cessantes) é óbvia e, portanto, deve ser presumida, salvo se a construtora/incorporadora provar algo em sentido contrário (o que é muito difícil de acontecer).

Nesse sentido:

O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador. Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

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A ausência de entrega do imóvel na data acordada em contrato gera a presunção relativa da existência de danos materiais na modalidade lucros cessantes. STJ. 3ª Turma. REsp 1662322/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2017.

Descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 229.165/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/10/2015.

Resumindo:

O ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL GERA DIREITO À INDENIZAÇÃO?

DANOS MORAIS DANOS MATERIAIS

Em regra, não são devidos. O mero descumprimento do prazo de entrega previsto no contrato não acarreta, por si só, danos morais. Em situações excepcionais é possível haver a condenação em danos morais, desde que devidamente comprovada a ocorrência de uma significativa e anormal situação que repercuta na esfera de dignidade do comprador. Ex1: atraso muito grande (2 anos); Ex2: teve que adiar o casamento por conta do atraso. STJ. 3ª Turma. REsp 1654843/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/02/2018.

O atraso pode acarretar a condenação da construtora/imobiliária ao pagamento de: a) dano emergente (precisa ser provado pelo adquirente); b) lucros cessantes (são presumidos; o adquirente não precisa provar). Os lucros cessantes devem ser calculados como sendo o valor do aluguel do imóvel atrasado. Isso porque: • o adquirente está morando em um imóvel alugado, enquanto aguarda o seu; ou • o adquirente não está morando de aluguel, mas comprou o novo imóvel para investir. Está perdendo “dinheiro” porque poderia estar alugando para alguém. STJ. 3ª Turma. REsp 1662322/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2017.

Vale ressaltar que somente se considera o atraso quando a construtora não entrega o apartamento no prazo previsto no contrato, sendo válida a previsão que estipula a chamada cláusula de tolerância:

No contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção (“imóvel na planta”), além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, uma cláusula prevendo a possibilidade de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra por um prazo que varia entre 90 e 180 dias. Isso é chamado de “cláusula de tolerância”. Não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, desde que o prazo máximo de prorrogação seja de até 180 dias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

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DEFESA DOS CONSUMIDORES EM JUÍZO Legitimidade do Município para defesa dos consumidores

Importante!!!

Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias.

Em relação ao Ministério Público e aos entes políticos, que têm como finalidades institucionais a proteção de valores fundamentais, como a defesa coletiva dos consumidores, não se exige pertinência temática e representatividade adequada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.509.586-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Crédito derivado de fato ocorrido antes da recuperação judicial

Atenção! Juiz de Direito!!!

O crédito derivado de fato ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial deve sujeitar-se ao plano de soerguimento da sociedade devedora.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.727.771-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui 3 fases: a) Postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) Processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) Execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. Juízo falimentar A Lei nº 11.101/2005, em seu art. 3º, prevê que é competente para deferir a recuperação judicial o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. A falência e a recuperação judicial são sempre processadas e julgadas na Justiça estadual. Plano de recuperação Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa, sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência.

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Este plano deverá conter: • discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50); • demonstração de sua viabilidade econômica; e • laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Habilitação dos créditos Depois que a recuperação judicial é decretada, ocorre a habilitação dos créditos que deverão ser pagos pela empresa recuperanda. Assim, as pessoas que tiverem créditos para receber da empresa em recuperação deverão apresentá-los ao administrador judicial, na forma do art. 9º da Lei nº 11.101/2005. A verificação dos créditos será realizada, então, primeiro pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e nos documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores. A partir desse trabalho inicial, confecciona-se um edital, cujo teor pode ser alterado por novas habilitações ou divergências quanto aos créditos ali relacionados. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em janeiro de 2017, Lucas consumiu leite estragado comprado no Supermercado BR. Em fevereiro de 2017, ele ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Supermercado. Ocorre que a referida empresa vinha enfrentando realmente sérias dificuldades econômicas e, em setembro de 2017, ingressou com pedido de recuperação judicial, que foi aceito. Em outubro de 2017, o juiz julgou o pedido de Lucas procedente e condenou a empresa a pagar R$ 50 mil ao consumidor. Houve o trânsito em julgado. Diante disso, Lucas ingressou com pedido de habilitação de seu crédito no processo de recuperação judicial. No entanto, o juiz da recuperação judicial não aceitou o pedido sob a alegação de que o crédito do consumidor se constituiu com a sentença, o que ocorreu em data posterior ao ajuizamento da recuperação judicial. Assim, para o magistrado, o crédito de Lucas não está sujeito à recuperação judicial, conforme prevê o art. 49 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Realmente, por força do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, os créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial não se submetem aos seus efeitos. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1494870/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/09/2016. Assim, o juiz está certo quando afirma isso. Qual foi, no entanto, o equívoco do magistrado? Considerar que o crédito de Lucas surgiu apenas com a sentença. Isso não é verdade. O crédito de Lucas decorreu do ato ilícito praticado pelo Supermercado, fato ocorrido antes do pedido de recuperação judicial. A constituição de um crédito pressupõe a existência de um vínculo jurídico entre as partes e não se encontra condicionada a uma decisão judicial. Em outras palavras, o crédito surge antes da sentença, que apenas declara a existência do crédito. Assim, tratando-se de vínculo jurídico decorrente de evento que causou dano ao consumidor, a constituição do crédito correspondente não se dá com a prolação da decisão judicial que o reconhece e o quantifica, mas com a própria ocorrência daquele evento. O sujeito prejudicado (em nosso exemplo, Lucas) assume a posição de credor da reparação civil derivada de ato lesivo contra ele intentado desde sua prática, e não com a declaração judicial de sua ocorrência. Tanto é assim que, nas hipóteses de responsabilidade civil extracontratual, o marco inicial de fluência dos juros decorrentes da mora do devedor são contados da data do evento danoso (Súmula 54/STJ).

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Em suma:

O crédito derivado de fato ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial deve sujeitar-se ao plano de soerguimento da sociedade devedora. STJ. 3ª Turma. REsp 1.727.771-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

ECA

RECURSOS (In)aplicabilidade do art. 942 do CPC/2015

Importante!!!

A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de apelação não unânime em processo no qual se apura a prática de ato infracional por adolescente?

5ª Turma do STJ: SIM

Admite-se a incidência do art. 942 do CPC/2015 para complementar o julgamento da apelação julgada por maioria nos procedimentos relativos ao estatuto do menor.

STJ. 5ª turma. AgRg no REsp 1.673.215-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/05/2018 (Info 627).

6ª Turma do STJ: DEPENDE

• Se a decisão não unânime foi favorável ao adolescente infrator: não se deve aplicar o art. 942 do CPC/2015.

• Se a decisão não unânime foi contrária ao adolescente infrator: deve-se aplicar o art. 942.

É inaplicável a técnica de julgamento prevista no artigo 942 do CPC/2015 nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude quando a decisão não unânime for favorável ao adolescente. A aplicação da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC, quando a decisão não unânime for favorável ao adolescente, implicaria em conferir ao menor tratamento mais gravoso que o atribuído ao réu penalmente imputável, já que os embargos infringentes e de nulidade previstos no art. 609 do CPP somente são cabíveis se o julgamento tomado por maioria for contrário ao réu. Ora, se não cabem embargos infringentes do art. 609 do CPP quando o acórdão não unânime foi favorável ao réu, com maior razão também não se pode admitir a técnica do art. 942 do CPC se o acórdão não unânime foi favorável ao adolescente infrator.

STJ. 6ª Turma. 6ª Turma. REsp 1.694.248-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 03/05/2018 (Info 626).

Técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015 (técnica de complementação de julgamento não unânime) O resultado do julgamento da apelação pode ser unânime (quando todos os Desembargadores concordam) ou por maioria (quando no mínimo um Desembargador discorda dos demais). Se o resultado se der por maioria, o CPC prevê uma nova “chance” de a parte que “perdeu” a apelação reverter o resultado. Como assim? Se o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em uma nova sessão, que será marcada e que contará com a presença de novos Desembargadores que serão convocados, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Ex: o resultado da apelação foi 2x1; 2 Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João) e um Desembargador votou pela manutenção da sentença (em favor de Pedro); significa dizer que deverá ser designada uma nova sessão e para essa nova sessão serão convocados dois novos

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Desembargadores que também irão emitir votos; neste nosso exemplo, foram convocados 2 porque a convocação dos novos julgadores deverá ser em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (se os dois novos Desembargadores votarem com a minoria, o placar se inverte para 3x2). Veja a previsão legal:

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

Prosseguimento na mesma sessão Sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). Juízo de retratação Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º do art. 942). Mesmo que isso ocorra, ou seja, que alguém mude de opinião, ainda assim deverão ser colhidos os votos dos Desembargadores convocados. Nesse sentido:

Enunciado 599-FFPC: A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942.

Esse art. 942 é uma espécie de recurso? NÃO. Trata-se de uma “técnica de complementação de julgamento nas decisões colegiadas não unânimes de segunda instância”. A parte que “perdeu” a apelação precisa pedir a aplicação do art. 942? NÃO. Essa técnica de julgamento é obrigatória e aplicável de ofício, automaticamente, pelo Tribunal. A parte não precisa requerer a sua aplicação. Essa técnica vale apenas para a apelação? NÃO. Além da apelação, a técnica de julgamento prevista no art. 942 aplica-se também para o julgamento não unânime proferido em: a) ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; b) agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. Embargos infringentes Os embargos infringentes eram uma espécie de recurso previsto no CPC/1973. Os embargos infringentes só cabiam para questionar acórdão. Não bastava, contudo, que fosse acórdão. Era necessário que ele fosse NÃO UNÂNIME, ou seja, acórdão em que houve voto vencido. A finalidade dos embargos infringentes era a de renovar a discussão para fazer prevalecer as razões do voto vencido. Segundo o art. 530 do CPC/1973, cabiam embargos infringentes em duas hipóteses: 1) contra acórdão não unânime (por maioria) que reformasse, em grau de apelação, a sentença de mérito. 2) contra acórdão não unânime (por maioria) que julgasse procedente a ação rescisória. O CPC/2015 acabou com a existência dos embargos infringentes, mas criou essa “técnica de julgamento” do art. 942, que possui algumas semelhanças com os embargos infringentes, mas que não se trata de recurso.

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“(...) Esse mecanismo, conquanto não tenha natureza recursal, faz lembrar os embargos infringentes. Por não ser recurso, no entanto, não depende de interposição, constituindo apenas uma fase do julgamento da apelação, do agravo de instrumento contra decisão de mérito e da ação rescisória, não unânime.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 885).

IMPORTANTE. Situações nas quais não se aplicará a técnica de julgamento do art. 942 Não se aplica a técnica de julgamento do art. 942 do CPC ao julgamento: I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas; II - da remessa necessária; III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial. A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de rescisão apenas parcial do julgado rescindendo? SIM. Enunciado 63 – Jornada CJF: A técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC aplica-se à hipótese de rescisão parcial do julgado. A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no julgamento de apelação em processo de mandado de segurança? SIM. Enunciado 62 – Jornada CJF: Aplica-se a técnica prevista no art. 942 do CPC no julgamento de recurso de apelação interposto em mandado de segurança. A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada nos Juizados Especiais? NÃO. É a posição da doutrina majoritária:

Enunciado 552-FPPC: Não se aplica a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime no âmbito dos Juizados Especiais.

A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de apelação não unânime em processo no qual se apura a prática de ato infracional por adolescente?

5ª Turma do STJ: SIM

Admite-se a incidência do art. 942 do CPC/2015 para complementar o julgamento da apelação julgada por maioria nos procedimentos relativos ao estatuto do menor. STJ. 5ª turma. AgRg no REsp 1.673.215-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/05/2018 (Info 627).

Por quê? O art. 198 do ECA diz que, nos procedimentos de competência da Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, deve-se adotar o sistema recursal previsto no CPC. Como o sistema recursal do CPC prevê a técnica de complementação do julgamento (art. 942), isso deverá ser também aplicado para os recursos do ECA. 6ª Turma do STJ: DEPENDE

• Se a decisão não unânime foi favorável ao adolescente infrator: não se deve aplicar o art. 942 do CPC/2015. • Se a decisão não unânime foi contrária ao adolescente infrator: deve-se aplicar o art. 942.

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É inaplicável a técnica de julgamento prevista no artigo 942 do CPC/2015 nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude quando a decisão não unânime for favorável ao adolescente. STJ. 6ª Turma. 6ª Turma. REsp 1.694.248-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 03/05/2018 (Info 626).

Por quê? Realmente o sistema recursal do CPC deve ser aplicado para os procedimentos da Justiça da Infância e da Juventude. Isso está expressamente previsto no art. 198 do ECA. Ocorre que ao menor infrator devem ser assegurados os mesmos direitos de que gozam os maiores de 18 anos que forem réus em processo criminal. Por mais que a medida socioeducativa não seja considerada “pena”, ela possui, indiscutivelmente, uma natureza sancionatória. Se for aplicado o art. 942 do CPC em uma apelação não unânime que tenha sido favorável ao adolescente infrator (ex: o Tribunal rejeitou a medida socioeducativa), isso significa que esse adolescente terá um tratamento mais gravoso do que os réus maiores de 18 anos possuem no processo penal. No processo penal, se a apelação for favorável ao réu, não se aplica o art. 942 do CPC nem caberão os embargos infringentes do art. 609 do CPP. Isso porque os embargos infringentes somente são cabíveis na hipótese de o julgamento por maioria ter sido contrário ao réu. Em outras palavras, os embargos infringentes são um recurso exclusivo da defesa. Ora, se não cabem embargos infringentes do art. 609 do CPP quando o acórdão não unânime foi favorável ao réu, com maior razão também não se pode admitir a técnica do art. 942 do CPC se o acórdão não unânime foi favorável ao adolescente infrator.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EMBARGOS INFRINGENTES Divergência manifestada nos embargos de declaração opostos

ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença (julgado atualmente sem importância para concursos públicos

considerando que os embargos infringentes foram extintos com o CPC/2015)

São cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada se manifesta nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença.

STJ. 2ª Seção. EREsp 1.290.283-GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/04/2018 (Info 626).

Os embargos infringentes eram uma espécie de recurso previsto no CPC/1973. Os embargos infringentes só cabiam para questionar acórdão. Não bastava, contudo, que fosse acórdão. Era necessário que ele fosse NÃO UNÂNIME, ou seja, acórdão em que houve voto vencido. A finalidade dos embargos infringentes era a de renovar a discussão para fazer prevalecer as razões do voto vencido. Segundo o art. 530 do CPC/1973, cabiam embargos infringentes em duas hipóteses: 1) contra acórdão não unânime (por maioria) que reformasse, em grau de apelação, a sentença de mérito. 2) contra acórdão não unânime (por maioria) que julgasse procedente a ação rescisória. Prazo dos embargos infringentes: 15 dias Quem julgava: o próprio Tribunal, segundo as regras do regimento interno.

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

Exemplo da hipótese 1: “A” ajuíza ação de indenização por danos materiais contra “B”. O juiz julga o pedido de “A” procedente, resolvendo o mérito. “B” interpõe apelação ao TJ. O TJ, por meio de uma Câmara Cível, composta por 3 Desembargadores, reforma a sentença do juiz, afirmando que “A” não tem direito à indenização. Dos 3 Desembargadores, 2 votaram pela reforma e 1 votou pela manutenção da sentença, ou seja, o acórdão foi não unânime. Nesse caso, “A”, se não se conformar com o acórdão, terá que opor embargos infringentes. Exemplo da hipótese 2: “A” ajuíza ação de indenização por danos materiais contra “B”. O juiz julga o pedido de “A” procedente, resolvendo o mérito. “B” interpõe apelação ao TJ que, no entanto, mantém a sentença. Ocorre o trânsito em julgado. “B” ajuíza ação rescisória e o Tribunal, por maioria, julga procedente a rescisória. Nesse caso, “A”, se não se conformar com o acórdão, terá que opor embargos infringentes. Neste julgado divulgado no Informativo, o STJ decidiu que

Eram cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada se manifestasse nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.290.283-GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/04/2018 (Info 626).

Isso porque o voto proferido nos embargos de declaração passa a integrar o voto da decisão embargada. Assim, o voto vencido proferido no julgamento dos embargos de declaração passava a integrar o acórdão da apelação, e, estando preenchidos os demais pressupostos recursais, devia-se reconhecer a possibilidade de oposição dos embargos infringentes.

PROCESSO COLETIVO Legitimidade do Município para defesa dos consumidores

Importante!!!

Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias.

Em relação ao Ministério Público e aos entes políticos, que têm como finalidades institucionais a proteção de valores fundamentais, como a defesa coletiva dos consumidores, não se exige pertinência temática e representatividade adequada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.509.586-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

Imagine a seguinte situação adaptada: O Município de Brusque (SC) ajuizou ação civil pública contra o HSBC Bank Brasil S.A. alegando que seria ilegal uma tarifa bancária denominada “renovação de cadastro” que estava sendo cobrada das contas bancárias. O banco contestou a demanda alegando, entre outros argumentos, que o Município não tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de uma tarifa bancária. O que decidiu o STJ? O Município tem legitimidade? SIM.

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.509.586-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

A legitimidade extraordinária dos entes políticos Os entes federativos ou políticos, enquanto gestores da coisa pública e do bem comum, são, em tese, os maiores interessados na defesa dos interesses metaindividuais, considerando que o Estado “tem por fim o bem comum de um povo situado em um determinado território” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 100). Assim, na defesa do bem comum do povo, cabe aos órgãos públicos promover a tutela dos interesses da população. Trata-se, em verdade, de dever-poder, o que impõe aos entes políticos o dever de agir na defesa de interesses metaindividuais. Ademais, a legitimação dos entes políticos para a defesa de interesses metaindividuais é justificada pela qualidade de sua estrutura, capaz de conferir maior probabilidade de êxito na implementação da tutela coletiva.

Pertinência temática e representatividade adequada dos entes políticos No caso de ação civil pública proposta por ente político, a pertinência temática ou representatividade adequada são presumidas. Isso porque não há dúvidas de que os entes políticos possuem, dentre suas finalidades institucionais, a defesa coletiva dos consumidores. Trata-se, inclusive, de um comando constitucional:

Art. 5º (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Aliás, no que se refere especificamente à defesa de interesses individuais homogêneos dos consumidores, o Município é o ente político que terá maior contato com as eventuais lesões cometidas contra esses interesses, pois, “por certo, será no Município que esses fatos ensejadores da ação civil pública se farão sentir com maior intensidade [...] em face da proximidade, da imediatidade entre ele e seus munícipes” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 165).

DIREITO PENAL

ROUBO Abolitio criminis promovida pela Lei 13.654/2018 no roubo

Importante!!!

O emprego de arma branca deixou de ser majorante do crime de roubo com a modificação operada pela Lei nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal.

Diante disso, constata-se que houve abolitio criminis, devendo a Lei nº 13.654/2018 ser aplicada retroativamente para excluir a referida causa de aumento da pena imposta aos réus condenados por roubo majorado pelo emprego de arma branca.

Trata-se da aplicação da novatio legis in mellius, prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal.

STJ. 5ª Turma. REsp 1519860/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/05/2018 (Info 626).

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.249.427/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/06/2018.

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

Lei nº 13.654/2018 A Lei nº 13.654/2018, publicada no dia 24/04/2018, alterou os crimes de furto e roubo previstos no Código Penal. Uma das mudanças promovidas foi no roubo circunstanciado por emprego de arma. O art. 157 do Código Penal tipifica o crime de roubo nos seguintes termos:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

O § 2º do art. 157, por sua vez, prevê causas de aumento de pena para o roubo. Desse modo, se ocorre alguma dessas hipóteses, tem-se o chamado “roubo circunstanciado” (também conhecido como “roubo agravado” ou “roubo majorado”). Inciso I do § 2º do art. 157 O art. 157, § 2º, I, previa o seguinte:

Art. 157 (...) § 2º A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

O aumento se justificava por “haver maior risco à integridade física e à vida do ofendido e de outras pessoas e pela facilitação na execução do crime” (MASSON, Cleber. Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2014, p. 644). O que podia ser considerado “arma” para os fins do art. 157, § 2º, I, do CP? A jurisprudência possuía uma interpretação ampla sobre o tema. Assim, poderiam ser incluídos no conceito de arma: • a arma de fogo; • a arma branca (considerada arma imprópria), como faca, facão, canivete; • e quaisquer outros “artefatos” capazes de causar dano à integridade física do ser humano ou de coisas, como por exemplo uma garrafa de vidro quebrada, um garfo, um espeto de churrasco, uma chave de fenda etc. O que fez a Lei nº 13.654/2018? Revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do CP. Isso significa que houve abolitio criminis para o emprego de arma de fogo? NÃO. A Lei nº 13.654/2018 acrescentou um novo parágrafo ao art. 157 prevendo duas novas hipóteses de roubo circunstanciado, com pena maior. Veja:

Art. 157 (...) § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Repare de novo no inciso I acima. O roubo com emprego de arma de fogo deixou de ser previsto no inciso I do § 2º, mas continua a ser punido agora no inciso I do § 2º-A.

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Desse modo, quanto à arma de fogo não houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica. O princípio da continuidade normativa ocorre “quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (Min. Gilson Dipp, em voto proferido no HC 204.416/SP). Logo, para as pessoas que foram condenadas por roubo com emprego de arma de fogo antes da Lei nº 13.654/2018, nada muda.

E quanto ao roubo com emprego de arma branca? Como vimos, o roubo “com emprego de arma” deixou de ser uma hipótese de roubo circunstanciado no art. 157, § 2º. O roubo com emprego de arma de fogo continua sendo punido como roubo circunstanciado no art. 157, § 2º-A, inciso I:

Art. 157 (...) § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

Ocorre que o roubo com o emprego de arma “branca” não é mais punido como roubo circunstanciado. Trata-se, em princípio, de roubo em seu tipo fundamental (art. 157, caput). Assim, a Lei nº 13.654/2018 deixou de punir com mais rigor o agente que pratica o roubo com arma branca. Pode-se, portanto, dizer que a Lei nº 13.654/2018, neste ponto, é mais benéfica. Isso significa que ela, neste tema, irá retroagir para atingir todos os roubos praticados mediante arma branca. Exemplo: em 2017, João, usando um canivete, ameaçou a vítima, subtraindo dela o telefone celular. O juiz, na 1ª fase da dosimetria, fixou a pena-base em 4 anos. Não havia agravantes ou atenuantes (2ª fase). Na 3ª fase (causas de aumento ou de diminuição), o magistrado aumentou a pena em 1/3 pelo fato de o crime ter sido cometido com emprego de arma branca (canivete), nos termos do art. 157, § 2º, I, do CP. 1/3 de 4 anos é igual a 1 ano e 4 meses. Logo, João foi condenado a uma pena final de 5 anos e 4 meses (pena-base mais 1/3). O processo transitou em julgado e João está cumprindo pena. A defesa de João pode pedir ao juízo das execuções penais (Súmula 611-STF) que aplique a Lei nº 13.654/2018 e que a sua pena seja diminuída em 1 ano e 4 meses em virtude do fato de o emprego de arma branca na prática do roubo ter deixado de ser causa de aumento de pena.

Tabelas comparativas

ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA

Antes da Lei 13.654/2018 Depois da Lei 13.654/2018 (atualmente)

Tanto a arma de fogo como a arma branca eram causas de aumento de pena.

Apenas o emprego de arma de fogo é causa de aumento de pena. O emprego de arma branca não é causa de aumento de pena.

O emprego de arma (seja de fogo, seja branca) era punido com um aumento de 1/3 a 1/2 da pena.

O emprego de arma de fogo é punido com um aumento de 2/3 da pena.

ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA

Antes da Lei 13.654/2018 Atualmente

Arma de FOGO

Era causa de aumento de pena A pena aumentava de 1/3 a 1/2.

Continua sendo causa de aumento de pena. Mas agora a pena aumenta 2/3.

Arma BRANCA

Era causa de aumento de pena. A pena aumentava de 1/3 a 1/2.

Deixou de ser causa de aumento de pena. A Lei 13.654/2018 é mais benéfica e irá retroagir neste ponto.

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Inconstitucionalidade formal O inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal foi revogado pelo art. 4º da Lei nº 13.654/2018:

Art. 4º Revoga-se o inciso I do § 2º do art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal).

Os Ministérios Públicos de vários Estados estão alegando que este art. 4º da Lei nº 13.654/2018 seria formalmente inconstitucional. O Parquet argumenta que o referido art. 4º teria sido retirado pelos Senadores na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e posteriormente teria sido reinserido no projeto pela Coordenação de Redação Legislativa (CORELE), formada por servidores que prestam apoio ao processo legislativo, mas sem que esta reinserção tenha sido previamente aprovada pelos parlamentares. Assim, teria havido um descumprimento do processo legislativo com a aprovação de um artigo inserido indevidamente no projeto. Existem, inclusive, alguns Ministérios Públicos que têm recomendado aos Promotores de Justiça que, ao oferecerem denúncia, suscitem a declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 4º da Lei nº 13.654/2018 com o objetivo de que o emprego de arma branca continue sendo considerado como majorante do crime de roubo. Nesse sentido é a manifestação do MP/SP, MP/PE, MP/MS, MP/GO, entre outros. Em posição contrária, alguns Defensores Públicos têm defendido que o processo legislativo correu sem qualquer vício e que o referido art. 4º foi inserido pelos próprios parlamentares, tendo sido regularmente votado e aprovado. Sobre o tema, confira: https://www.conjur.com.br/2018-mai-08/constitucionalidade-formal-lei-136542018 Decisão do STJ Ainda não temos qualquer decisão do STF a respeito do assunto. O STJ, por sua vez, sem enfrentar essa discussão sobre eventual inconstitucionalidade formal, já vem aplicando a revogação promovida pela Lei nº 13.654/2018 e declarando que houve abolitio criminis no que tange à majorante pelo emprego de arma branca. Nesse sentido:

(...) 5. Extrai-se dos autos, ainda, que o delito foi praticado com emprego de arma branca, situação não mais abrangida pela majorante do roubo, cujo dispositivo de regência foi recentemente modificado pela Lei n. 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. 6 . Diante da abolitio criminis promovida pela lei mencionada e tendo em vista o disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, de rigor a aplicação da novatio legis in mellius, excluindo-se a causa de aumento do cálculo dosimétrico. 7. Recurso provido para reconhecer a forma consumada do delito de roubo, com a concessão de ordem de habeas corpus de ofício para readequação da pena. STJ. 5ª Turma. REsp 1519860/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/05/2018.

O Min. Relator Jorge Mussi assim se manifestou: “(...) Por outro lado, a pena aplicada ao ora agravado está a reclamar novo ajuste. Isto porque sobreveio à decisão agravada a promulgação da Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, que modificou o Código Penal nos dispositivos referentes aos crimes de furto e roubo. Essa alteração legislativa suprimiu a previsão contida no inciso I do § 2º, do art. 157, que apresentava hipótese de causa especial de aumento de pena relativa ao emprego de arma. (...) A atual previsão contida no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal, incluído pela Lei n. 13.654/2018, limita a possibilidade de aumento de pena à hipótese de a violência ser cometida mediante emprego de arma de fogo (...)

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

Portanto, não se está diante de continuidade normativa, mas de abolitio criminis, na hipótese de o delito ser praticado com emprego de artefato diverso de arma de fogo. Conforme se extrai dos autos, o réu realizou a subtração fazendo uso de arma branca - faca. Diante desse fato, forçosa a concessão, de ofício, de ordem de habeas corpus , aplicando-se a lei nova, mais benéfica ao acusado, em consonância com o art. 5, XL, da Constituição Federal, afastando-se o aumento de 1/3 aplicado na terceira fase do cálculo da pena.” Em suma:

O emprego de arma branca deixou de ser majorante do crime de roubo com a modificação operada pela Lei nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. Diante disso, constata-se que houve abolitio criminis, devendo a Lei nº 13.654/2018 ser aplicada retroativamente para excluir a referida causa de aumento da pena imposta aos réus condenados por roubo majorado pelo emprego de arma branca. Trata-se da aplicação da novatio legis in mellius prevista no art. 5º, XL, da CF/88. STJ. 5ª Turma. REsp 1519860/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/05/2018 (Info 626). STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.249.427/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/06/2018.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado

Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado.

STJ. 3ª Seção. CC 149.442-RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

Veja comentários em Direito Processual Penal Militar.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado

Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado.

STJ. 3ª Seção. CC 149.442-RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, Marinheiro, foi denunciado, perante a Justiça Militar, como incurso no art. 259 do Código Penal Militar (dano simples). No curso do processo, foi requerida a instauração de incidente de insanidade mental. O laudo formulado no referido incidente apontou que o réu não tinha plena capacidade de compreender o caráter ilícito de suas ações, em razão de estar em quadro de reação aguda ao estresse.

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Diante disso, tanto a defesa quanto a acusação requereram a absolvição do réu, pedido que foi acolhido, determinando-se a extinção do feito sem o julgamento do réu, com aplicação de medida de segurança consistente em tratamento ambulatorial mensal pelo prazo mínimo de 1 ano. Logo em seguida, o réu foi licenciado do serviço ativo da Marinha. Em razão disso, o Promotor Militar requereu a declinação de competência para a execução da medida de segurança para a Justiça Estadual. Acatando o parecer ministerial, o Juiz Auditor declinou da competência em favor da Justiça Estadual. O Juiz de Direito não concordou com a declinação e entendeu que a competência seria da Justiça Federal comum, remetendo para lá o processo. O Juiz Federal, por sua vez, também entendeu que não era competente para a causa e, em virtude disso, suscitou o conflito de competência a ser dirimido pelo STJ (art. 105, I, “d”, da CF/88). Afinal de contas, de quem é a competência para acompanhar a execução dessa medida de segurança? Justiça ESTADUAL.

Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado. STJ. 3ª Seção. CC 149.442-RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

Por quê? João já foi licenciado da Marinha, não fazendo mais parte do serviço ativo daquela corporação. Em outras palavras, ele é atualmente um civil. Veja o que diz o art. 62 do Código Penal Militar:

Art. 62. O civil cumpre a pena aplicada pela Justiça Militar, em estabelecimento prisional civil, ficando ele sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar.

Assim, constatado que não há mais vínculo com a Justiça Militar, como no presente caso, a sanção estabelecida pela Justiça Militar deve ser executada pela Justiça Estadual. No mesmo sentido:

Compete à Justiça Comum a execução da pena imposta pela Justiça Castrense, quando o condenado foi excluído da Corporação Militar. STJ. 3ª Seção. CC 109.355/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 27/04/2011.

Mas a argumentação acima fala em “pena” e João recebeu, na verdade, uma “medida de segurança”... Não tem problema. O raciocínio é o mesmo. A execução da medida de segurança será realizada em estabelecimento estadual, considerando que não existem estabelecimentos penais federais próprios para essa finalidade. Logo, aplica-se a Súmula 192 do STJ:

Súmula 192-STJ: Compete ao juízo das execuções penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.

DIREITO TRIBUTÁRIO

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

SANÇÕES POLÍTICAS Impossibilidade de sanções políticas

O Estado não pode adotar sanções políticas para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso.

STJ. 1ª Turma. RMS 53.989-SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/04/2018 (Info 626).

Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária Cenco Comércio Ltda. possui débitos de ICMS inscritos em dívida ativa. Por força desses débitos, a Secretaria de Fazenda do Estado de Sergipe alterou a situação cadastral da empresa para “inapta”. Como consequência por estar classificada como “inapta”, a empresa passou a receber um tratamento tributário diferenciado por parte do Estado, com obrigações tributárias mais rigorosas e regras mais difíceis para a utilização da sistemática da substituição tributária. Essa conduta do Estado-membro foi lícita? NÃO. Cobrança do tributo por vias oblíquas (sanções políticas) A Fazenda Pública deverá cobrar os tributos em débito mediante os meios judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento tributário, protesto de CDA) legalmente previstos. O Fisco possui, portanto, instrumentos legais para satisfazer seus créditos. Justamente por isso, a Administração Pública não pode proceder à cobrança do tributo por meios indiretos, impedindo, cerceando ou dificultando a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte devedor. Quando isso ocorre, a jurisprudência afirma que o Poder Público aplicou “sanções políticas”, ou seja, formas “enviesadas de constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário” (STF ADI 173). Exs.: apreensão de mercadorias, não liberação de documentos, interdição de estabelecimentos. A cobrança do tributo por vias oblíquas (sanções políticas) é rechaçada por quatro súmulas do STF e STJ:

Súmula 70-STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Súmula 547-STF: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. Súmula 127-STJ: É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.

Desse modo, a orientação jurisprudencial do STF e do STJ é a de que o Estado não pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício da atividade econômica, para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso, estando o ente público vinculado ao procedimento de execução fiscal para a cobrança de seus créditos, no qual é assegurado ao devedor o devido processo legal. No caso concreto, ficou evidente que a inscrição da empresa no rol de contribuintes considerados inaptos pelo fisco do Estado de Sergipe configura um meio de coerção indireta para cobrança dos débitos inscritos na dívida ativa, pois implica tratamento tributário diferenciado que dificulta o exercício da atividade econômica, sendo assim clara a sanção política, não admitida pela Constituição Federal.

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

Em suma:

O Estado não pode adotar sanções políticas para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso. STJ. 1ª Turma. RMS 53.989-SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/04/2018 (Info 626).

IMPOSTO DE RENDA Valor recebido pelo jogador a título de “direito de arena” sujeita-se ao IRPF

Importante!!!

A remuneração percebida pelos atletas profissionais a título de direito de arena sujeita-se à incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.679.649-SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 17/05/2018 (Info 626).

Direito de arena A Lei nº 9.615/98 prevê normas gerais sobre desporto. Essa norma é conhecida como “Lei Pelé”, em virtude de o anteprojeto dela ter sido elaborado na época em que o ex-jogador Pelé era Ministro do Esporte. O art. 42 desta Lei estabelece o seguinte:

Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395/2011).

Arena O direito de arena é como se fosse o “pagamento” pelo fato de as emissoras de comunicação estarem mostrando a imagem do “time” (entidade desportiva) e dos jogadores na “arena” disputando a competição. Assim, por exemplo, para a TV Globo poder transmitir os jogos do Campeonato Brasileiro, ela tem que pagar o direito de arena aos clubes de futebol. Vimos no caput do art. 42 que o direito de arena pertence às entidades de prática desportiva. Mas e os jogadores? As entidades desportivas têm que repassar 5% da receita do direito de arena para os sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil (art. 42, § 1º). Obs: esse percentual poderá ser alterado por meio de convenção coletiva. Exceção ao direito de imagem “O direito de imagem é amplo e pertence por inteiro ao seu titular. Abre-se, no entanto, uma exceção para o atleta que participa de um espetáculo, reservando-se um percentual maior para a remuneração das entidades esportivas, que afinal são as que organizam, investem e remuneram para garantir o êxito do empreendimento.” (Min. Ruy Rosado de Aguiar, no REsp 46.420/SP).

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

Os atletas profissionais devem pagar imposto de renda com relação ao valor que recebem a título de direito de arena? SIM.

A remuneração percebida pelos atletas profissionais a título de direito de arena sujeita-se à incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF. STJ. 1ª Turma. REsp 1.679.649-SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 17/05/2018 (Info 626).

Acréscimo patrimonial O direito de arena é um rendimento extra que o esportista participante do espetáculo desportivo recebe, possuindo, portanto, nítido conteúdo de acréscimo patrimonial. Vale ressaltar que somente fará jus à parcela relativa ao direito de arena o esportista profissional que mantiver relação laboral com a entidade de prática desportiva, formalizada em contrato de trabalho. Desse modo, conclui-se que a verba em questão retribui e decorre da própria existência do contrato de trabalho, remunerando e acrescendo os ganhos do atleta em contrapartida pela autorização dada para o uso da sua imagem. Não se trata de verba de caráter indenizatório Não se pode dizer que o direito de arena possui caráter indenizatório. Isso porque não há dano ou lesão passível de reparação econômica. A rigor, o atleta profissional é pago, antecipadamente, mediante repasse do valor do direito de arena, em retribuição a uma prestação consistente na cessão dos seus elementos audiovisuais, indefinidamente vinculados a determinado espetáculo esportivo, cuja exibição pode, ou não, protrair-se no tempo. O esportista profissional, portanto, é remunerado, previamente, para abdicar da exclusividade do exercício de um direito disponível, nos termos pactuados.

DIREITO INTERNACIONAL

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA Para que a sentença estrangeira seja homologada no Brasil

é necessário que ela esteja eficaz no país de origem

Mudança de entendimento!

Com a entrada em vigor do CPC/2015, tornou-se necessário que a sentença estrangeira esteja eficaz no país de origem para sua homologação no Brasil.

O art. 963, III, do CPC/2015, não mais exige que a decisão judicial que se pretende homologar tenha transitado em julgado, mas apenas que ela seja eficaz em seu país de origem, tendo sido tacitamente revogado o art. 216-D, III, do RISTJ.

STJ. Corte Especial. SEC 14.812-EX, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/05/2018 (Info 626).

A decisão proferida pelo Poder Judiciário de um país produz efeitos em outro Estado soberano? A princípio não, porque uma das manifestações da soberania é o fato do Poder Judiciário do próprio país ser o responsável pela resolução dos seus conflitos de interesses. Assim, a princípio, uma decisão proferida pela Justiça dos EUA ou de Portugal, por exemplo, não tem força obrigatória no Brasil, considerando que, por sermos um país soberano, a função de dizer o direito é atribuída ao Poder Judiciário brasileiro.

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

Pode ser necessário, no entanto, que uma decisão no exterior tenha que ter eficácia no Brasil. Como proceder para que isso ocorra? Em regra, para que uma decisão proferida pelo Poder Judiciário de outro país possa ser executada no Brasil, é necessário que passe por um processo de “reconhecimento” ou “ratificação” feito pela Justiça brasileira. A isso chamamos de homologação de sentença estrangeira. Veja o que diz o CPC/2015 sobre o tema:

Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.

Assim, a lei ou tratado internacional poderá facilitar ou dispensar a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur. Ex: a sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo STJ (§ 5º do art. 961 do CPC/2015). Segundo a doutrina:

“O processo de homologação de sentença estrangeira visa aferir a possibilidade de decisões estrangeiras produzirem efeitos dentro da ordem jurídica nacional” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 489).

“Uma vez homologada, a sentença poderá produzir os mesmos efeitos de uma sentença nacional” (PORTELA, Paulo. Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 562).

Como é feita a homologação de sentença estrangeira? • Em regra, a homologação de decisão estrangeira será requerida pela parte interessada por meio de ação de homologação de decisão estrangeira. • Exceção: o Brasil poderá firmar tratado internacional dispensando a propositura desta ação.

CPC/2015 Art. 960. A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado.

No Brasil, quem é o órgão competente para análise e homologação de sentenças estrangeiras? O Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i”, da CF/88). Onde estão previstas as regras para a homologação de sentenças estrangeiras?

em tratados internacionais firmados pelo Brasil;

nos arts. 960 a 965 do CPC/2015; e

nos arts. 216-A a 216-X do Regimento Interno do STJ. Vale ressaltar que o RISTJ somente se aplica em caráter supletivo e naquilo que for compatível com a legislação federal. Algumas observações sobre o tema:

Para que a decisão estrangeira seja homologada no Brasil, é preciso que ela seja definitiva (§ 1º do art. 961 do CPC/2015);

Uma decisão que no estrangeiro não é considerada judicial, ou seja, uma decisão que no estrangeiro não foi proferida pelo Poder Judiciário no exercício de sua função típica, pode, mesmo assim, ser homologada no Brasil se aqui, em nosso país, ela for considerada decisão judicial. É o que prevê o §

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

1º do art. 961 do CPC 2015: "É passível de homologação (...) a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional.";

A decisão estrangeira poderá ser homologada parcialmente (§ 2º do art. 961);

A autoridade judiciária brasileira poderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira (§ 3º do art. 961).

Haverá homologação de decisão estrangeira para fins de execução fiscal quando prevista em tratado ou em promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira (§ 4º do art. 961).

A sentença estrangeira de divórcio consensual, para produzir efeitos no Brasil, precisa de homologação pelo STJ? NÃO. A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo STJ (§ 5º do art. 961 do CPC 2015). No caso de sentença estrangeira de divórcio consensual, o próprio juiz possui competência para examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental, quando essa questão for suscitada em processo de sua competência (§ 6º do art. 961). Peculiaridades envolvendo decisão estrangeira concessiva de medida de urgência

É passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência (art. 962).

A execução no Brasil de decisão interlocutória estrangeira concessiva de medida de urgência é feita por meio de carta rogatória.

A medida de urgência concedida sem audiência do réu poderá ser executada, desde que garantido o contraditório em momento posterior.

O juízo sobre a urgência da medida compete exclusivamente à autoridade jurisdicional prolatora da decisão estrangeira. Em outras palavras, não cabe à autoridade jurisdicional brasileira reavaliar a presença ou não da urgência.

Vimos acima que em alguns casos pode ser dispensada a homologação para que a sentença estrangeira produza efeitos no Brasil. Nesta situação, a decisão concessiva de medida de urgência dependerá, para produzir efeitos, de ter sua validade expressamente reconhecida pelo juiz competente para dar-lhe cumprimento, dispensada a homologação pelo STJ.

Quais são os requisitos indispensáveis à homologação da decisão estrangeira? Segundo o art. 963 do CPC/2015, para que a decisão estrangeira seja homologada, é necessário que: I - tenha sido proferida no exterior por autoridade competente; II - as partes tenham sido citadas ou que tenha havido legalmente a revelia; III - seja eficaz no país em que foi proferida; IV - não ofenda a coisa julgada brasileira; V - esteja acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado; VI - não contenha manifesta ofensa à ordem pública. Para que a sentença estrangeira seja homologada no Brasil, é necessário que ela tenha transitado em julgado no exterior? O trânsito em julgado é um requisito para a homologação da sentença estrangeira? NÃO mais. Segundo o art. 216-D, III, do RISTJ, para que a sentença estrangeira possa ser homologada no Brasil exige-se que ela tenha transitado em julgado. Veja:

Art. 216-D. A decisão estrangeira deverá: (...) III - ter transitado em julgado. (Incluído pela Emenda Regimental 18/ 2014)

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

Ocorre que o STJ decidiu que esse inciso III do art. 216-D do RISTJ foi tacitamente revogado pelo CPC/2015. Isso porque o novo CPC previu os requisitos para a homologação da sentença estrangeira e, em vez de exigir o trânsito em julgado, afirmou que basta que a sentença estrangeira seja eficaz no país de origem. Confira:

Art. 963. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão: (...) III - ser eficaz no país em que foi proferida;

Desse modo, conforme entendeu o STJ, o CPC/2015, ao exigir que a sentença estrangeira seja apenas “eficaz” no país em que foi proferida, teria deixado de exigir o trânsito em julgado. Essa é a posição também de parcela significativa da doutrina:

“4. Decisão eficaz, mas sem que necessariamente tenha transitado em julgado. O inciso III contempla importante inovação do CPC/2015 na matéria. É necessário que a decisão estrangeira, para ser homologada, seja eficaz, ou seja, suscetível de produzir efeitos no país de origem. Não precisa, contudo, já ter transitado em julgado, superando longa tradição do direito brasileiro sobre o tema. Fica afastada, portanto, a aplicação do art. 216-D, III, do Regimento Interno do STJ e da Súmula 420 do STF, que exigem que a decisão estrangeira tivesse transitado em julgado. A alteração é significativa, pois basta que o provimento seja eficaz no país de origem para que possa ser homologado no Brasil, o que abre margem, em tese, para a homologação de decisões estrangeiras objeto de recurso no país de origem sem efeito suspensivo.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 754).

Se este entendimento prevalecer realmente no STJ, fica superada a Súmula 420 do STF:

Súmula 420-STF: Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.

Em suma:

Com a entrada em vigor do CPC/2015, tornou-se necessário que a sentença estrangeira esteja eficaz no país de origem para sua homologação no Brasil. O art. 963, III, do CPC/2015, não mais exige que a decisão judicial que se pretende homologar tenha transitado em julgado, mas apenas que ela seja eficaz em seu país de origem, tendo sido tacitamente revogado o art. 216-D, III, do RISTJ. STJ. Corte Especial. SEC 14.812-EX, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/05/2018 (Info 626).

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Informativo 626-STJ (15/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Nas ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária cabe a restituição, pelo

expropriado sucumbente de honorários periciais aos assistentes técnicos do INCRA e do MPF. ( ) 2) Tendo sido declinados na petição inicial todos os dados pessoais indispensáveis à correta identificação

dos herdeiros, inclusive os seus respectivos endereços, devem ser eles citados pessoalmente por carta com aviso de recebimento, vedada a citação por oficial de justiça. ( )

3) O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, desde que comprovado o prejuízo do promitente comprador. ( )

4) O crédito derivado de fato ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial deve sujeitar-se ao plano de soerguimento da sociedade devedora. ( )

5) Município não tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias. ( )

6) O emprego de arma branca deixou de ser majorante do crime de roubo, com a modificação operada pela Lei nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. Diante disso, constata-se que houve abolitio criminis devendo a Lei nº 13.654/2018 ser aplicada retroativamente para excluir a referida causa de aumento da pena imposto aos réus condenados por roubo majorado pelo emprego de arma branca. ( )

7) Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado. ( ) 8) O Estado não pode adotar sanções políticas para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos

em atraso. ( ) 9) A remuneração percebida pelos atletas profissionais a título de direito de arena não se sujeita à

incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF em razão de seu caráter indenizatório. ( ) 10) Com a entrada em vigor do CPC/2015, tornou-se necessário que a sentença estrangeira tenha transitado

em julgado para que seja homologada no Brasil. ( ) Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. E 6. C 7. C 8. C 9. E 10. E