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Informativo 656-STJ (11/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 656-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL A contribuição previdenciária paga pelo servidor não deve incidir sobre parcelas que não são incorporadas à sua aposentadoria. DIREITO CIVIL USUCAPIÃO Bem furtado pode ser objeto de usucapião, desde que tenha cessado a clandestinidade. DIVÓRCIO A prova documental é o único meio apto a demonstrar a existência da sociedade de fato entre os sócios. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE Determinada pessoa ajuizou ação de investigação de paternidade contra o suposto pai e esta foi julgada improcedente; transitou em julgado; o suposto pai morreu; eventual ação rescisória contra esta sentença deve ser proposta contra os herdeiros (e não contra o espólio). DIREITO DO CONSUMIDOR FATO DO PRODUTO A simples comercialização de alimento industrializado contendo corpo estranho é suficiente para configuração do dano moral ou é necessária a sua ingestão? SERVIÇOS BANCÁRIOS Consumidor comprou um produto pela internet e que nunca foi entregue; o banco não pode ser responsabilizado solidariamente pelo simples fato de o pagamento ter sido feito mediante boleto bancário. PLANO DE SAÚDE Ex-empregado (demitido ou aposentado) pode ter direito de continuar no plano de saúde coletivo que era oferecido aos funcionários; contudo, se a empresa e a operadora rescindirem o contrato para todos, esse ex-empregado também não terá mais direito de continuar. DIREITO EMPRESARIAL FUNDO DE INVESTIMENTO O administrador de um Fundo encerrado possui legitimidade para ser réu em ação de reparação de danos proposta por credor do Fundo que alega que a liquidação não foi correta considerando que, antes de haver a partilha do saldo entre os cotistas, deveria lhe ter sido paga uma dívida. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA Compete à 1ª Seção do STJ (que aprecia matérias de direito público) julgar recurso no qual se discute a contratação ou não de aprovado em processo seletivo realizado por entidade do Sistema S (no caso, o SEBRAE).

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL ▪ A contribuição previdenciária paga pelo servidor não deve incidir sobre parcelas que não são incorporadas à sua

aposentadoria.

DIREITO CIVIL

USUCAPIÃO ▪ Bem furtado pode ser objeto de usucapião, desde que tenha cessado a clandestinidade. DIVÓRCIO ▪ A prova documental é o único meio apto a demonstrar a existência da sociedade de fato entre os sócios. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ▪ Determinada pessoa ajuizou ação de investigação de paternidade contra o suposto pai e esta foi julgada

improcedente; transitou em julgado; o suposto pai morreu; eventual ação rescisória contra esta sentença deve ser proposta contra os herdeiros (e não contra o espólio).

DIREITO DO CONSUMIDOR

FATO DO PRODUTO ▪ A simples comercialização de alimento industrializado contendo corpo estranho é suficiente para configuração do

dano moral ou é necessária a sua ingestão? SERVIÇOS BANCÁRIOS ▪ Consumidor comprou um produto pela internet e que nunca foi entregue; o banco não pode ser responsabilizado

solidariamente pelo simples fato de o pagamento ter sido feito mediante boleto bancário. PLANO DE SAÚDE ▪ Ex-empregado (demitido ou aposentado) pode ter direito de continuar no plano de saúde coletivo que era oferecido

aos funcionários; contudo, se a empresa e a operadora rescindirem o contrato para todos, esse ex-empregado também não terá mais direito de continuar.

DIREITO EMPRESARIAL

FUNDO DE INVESTIMENTO ▪ O administrador de um Fundo encerrado possui legitimidade para ser réu em ação de reparação de danos proposta

por credor do Fundo que alega que a liquidação não foi correta considerando que, antes de haver a partilha do saldo entre os cotistas, deveria lhe ter sido paga uma dívida.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA ▪ Compete à 1ª Seção do STJ (que aprecia matérias de direito público) julgar recurso no qual se discute a contratação

ou não de aprovado em processo seletivo realizado por entidade do Sistema S (no caso, o SEBRAE).

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AÇÃO RESCISÓRIA ▪ Juiz que não declara, de ofício, prescrição na ação de cobrança não viola literal disposição de lei para fins de ação

rescisória com base no art. 485, V, CPC/1973. AGRAVO DE INSTRUMENTO ▪ A parte pede que o juiz suspenda o processo alegando prejudicialidade externa (art. 313, V, “a”); magistrado

indefere; esse pronunciamento não pode ser equiparado a uma decisão sobre tutela provisória; logo, não cabe agravo de instrumento contra ele com base no inciso I do art. 1.015.

EMBARGOS À EXECUÇÃO ▪ A protocolização dos embargos à execução nos autos da própria ação executiva constitui vício sanável. ARREMATAÇÃO ▪ O arrematante do bem é o responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro, não podendo essa obrigação ser

imputada àquele que ofertou a segunda melhor proposta, porque o vencedor desistiu da arrematação.

DIREITO PENAL

LEI MARIA DA PENHA ▪ Se a mulher vítima de crime de ação pública condicionada comparece ao cartório da vara e manifesta interesse em

se retratar da representação, ainda assim, o juiz deverá designar audiência para que ela confirme essa intenção e seja ouvido o MP, nos termos do art. 16.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

LITISPENDÊNCIA ▪ A pendência de julgamento de litígio no exterior não impede, por si só, o processamento da ação penal no Brasil,

não configurando bis in idem. REVISÃO CRIMINAL ▪ A violação a normas processuais não escritas, como é o caso da proibição da supressão de instância, pode ensejar

o ajuizamento de revisão criminal com base no art. 621, I, do CPP.

DIREITO TRIBUTÁRIO

PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO ▪ Depois que o contribuinte pedia o parcelamento da Lei 11.941/2009, demorava algum tempo até que o Fisco fizesse

a consolidação do débito; neste período, continuam incidindo juros moratórios sobre a dívida. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO ▪ No empréstimo compulsório sobre energia elétrica (DL 1.512/76), a Eletrobrás deverá pagar juros remuneratórios

de 6% ao ano sobre a diferença de correção monetária não paga nem convertida em ações.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL A contribuição previdenciária paga pelo servidor não deve incidir

sobre parcelas que não são incorporadas à sua aposentadoria

Em adequação ao entendimento do STF, não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade.

STJ. 1ª Turma. EDcl no AgInt no REsp 1.659.435-SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade.

STF. Plenário. RE 593068/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/10/2018 (repercussão geral – Tema 163) (Info 919).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é servidor público federal. Ele ajuizou ação contra a União pedindo para que fosse declarado que ele não deve pagar contribuição previdenciária sobre os valores que recebe a título de: • terço de férias; • serviços extraordinários (horas extras); • adicional noturno; • adicional de insalubridade. O argumento de João foi o de que tais valores que ele recebe não irão “somar” no montante que ele irá receber quando se aposentar. Em outras palavras, tais valores não influenciam nos proventos de aposentadoria. Logo, não teria sentido ele pagar contribuição previdenciária sobre valores que não serão incorporados aos seus proventos. Vale ressaltar que, no caso concreto, a discussão envolvia verbas anteriores à atual redação da Lei nº 10.887/2004, dada pela Lei nº 12.688/2012. Contestação da União A União contestou a demanda alegando que, a partir da EC 41/2003, o regime previdenciário dos servidores públicos tornou-se expressamente solidário. Isso significa que o servidor paga as contribuições previdenciárias não apenas para si, mas também para custear o sistema, inclusive os proventos de outros servidores. Diante deste caráter de solidariedade, o legislador estaria livre para definir, na lei, as parcelas da remuneração que estariam sujeitas à contribuição previdenciária, podendo determinar a sua incidência inclusive sobre verbas eventuais. A União explicou ainda que o terço de férias, os serviços extraordinários, o adicional noturno e o adicional de insalubridade somente foram excluídos pelo legislador da incidência de contribuição previdenciária com a MP 556/2011 (convertida na Lei nº 12.688/2011). Em outras palavras, antes da MP 556/2001, era permitida a incidência de contribuição previdenciária sobre terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade. Esta MP alterou a Lei nº 10.887/2004 e passou a dizer que sobre tais verbas não incide contribuição previdenciária.

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Outro argumento da União foi no sentido de que o § 11 do art. 201 da CF/88 determina que os ganhos habituais do empregador, a qualquer título, sofrerão a incidência de contribuição previdenciária. Logo, quando o constituinte utilizou a expressão “a qualquer título”, incluiu também os ganhos habituais com terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade. A tese de João foi acolhida pelo STF? SIM. O STF fixou a seguinte tese a respeito do tema:

Não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade. STF. Plenário. RE 593068/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/10/2018 (repercussão geral – Tema 163) (Info 919).

O § 3º do art. 40 determina a incidência de contribuição previdenciária apenas sobre parcelas de remuneração que influenciarão no cálculo dos proventos O STF, analisando o § 3º do art. 40 da CF/88, concluiu que, de fato, somente podem figurar como base de cálculo da contribuição previdenciária os ganhos habituais com repercussão nos benefícios previdenciários, excluindo, assim, as verbas que não se incorporam à aposentadoria:

Art. 40 (...) § 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei. (Redação dada pela EC 41/2003)

Este § 3º do art. 40 previu a vinculação expressa entre os proventos de aposentadoria e a remuneração recebida pelo servidor, de modo que as parcelas sem reflexo nos proventos estão livres da incidência da contribuição previdenciária. Não se aplica o § 11 do art. 201 ao regime próprio Como vimos acima, a União argumentou que o § 11 do art. 201 da CF/88 determina que os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, sofrerão a incidência de contribuição previdenciária. Logo, não houve uma limitação apenas para as verbas recebidas pelo servidor e que irão ter impacto em sua aposentadoria. Veja a redação do dispositivo:

Art. 201 (...) § 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído dada pela EC 20/98)

O STF refutou, contudo, essa alegação e disse o seguinte: as regras do art. 201 da CF/88 aplicam-se para o regime geral de previdência social. Aqui nós estamos tratando sobre o regime próprio (servidores públicos). O regime próprio é disciplinado pelas regras do art. 40 e, somente de forma subsidiária é que podemos aplicar o art. 201 para o regime previdenciário dos servidores públicos. Nesse sentido é o comando do § 12 do art. 40:

Art. 40 (...) § 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Redação dada pela EC 41/2003)

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Não se pode aplicar o § 11 do art. 201 ao regime próprio porque existe uma regra no § 3º do art. 40 em sentido contrário, ou seja, determinando a não incidência da contribuição previdenciária sobre as parcelas não incorporáveis à aposentadoria do servidor público. Logo, o § 11 do art. 201 não pode ser aplicado subsidiariamente aos servidores públicos em razão da previsão especial do § 3º do art. 40:

Art. 40 (...) § 3º As regras para cálculo de proventos de aposentadoria serão disciplinadas em lei do respectivo ente federativo.

Regime contributivo O regime previdenciário é contributivo e essa dimensão contributiva do sistema mostra-se incompatível com a cobrança de qualquer verba previdenciária que não garanta ao segurado algum benefício efetivo ou potencial ao servidor. O princípio da solidariedade não é suficiente para afastar esse aspecto, impondo ao contribuinte uma contribuição que não lhe trará qualquer retorno. De um lado, o princípio da solidariedade afasta a relação simétrica entre contribuição e benefício. De outro, o princípio contributivo impede a cobrança de contribuição previdenciária sem que se confira ao segurado alguma contraprestação, efetiva ou potencial, em termos de serviços ou benefícios. Nesse contexto, ainda que o princípio da solidariedade seja pedra angular do sistema próprio dos servidores, não pode esvaziar seu caráter contributivo, informado pelo princípio do custo-benefício, tendo em conta a necessidade de um sinalagma mínimo, ainda que não importe em perfeita simetria entre o que se paga e o que se recebe. Desse modo, deve ser estabelecida a aplicação simétrica do binômio formado entre os princípios da contributividade e da solidariedade, de forma a prestigiá-los e conjugá-los em um produto final equilibrado. Logo, caso o Estado tenha intenção de promover um fortalecimento atuarial, poderá agravar a alíquota incidente sobre os participantes ou até mesmo aumentar sua participação no custeio, mas não tributar sobre base não imponível. Legislador não pode subverter o comando constitucional nem o caráter contributivo A Constituição conferiu ao legislador ordinário a tarefa de estabelecer quais parcelas seriam consideradas remuneração do servidor e sobre quais delas incidiria contribuição previdenciária. No entanto, essa delegação não permite que o legislador subverta o comando constitucional de modo a incluir, na base de cálculo da contribuição previdenciária, parcelas sem repercussão nos proventos de aposentadoria, sob pena de desrespeito ao § 3º do art. 40 da CF/88. Assim, o rol das parcelas isentas de contribuição previdenciária previsto inicialmente pela Lei nº 9.783/99, e atualmente pela Lei nº 10.887/2004, não é um rol taxativo, mas meramente exemplificativo. Isso porque mesmo que uma verba não esteja ali listada como isenta, se ela não for “incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público”, sobre ela não deverá haver a incidência de contribuição previdenciária. MP 556/2011 (convertida na Lei nº 12.688/2011) A MP 556/2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.688/2012, alterou a Lei nº 10.887/2004 e expressamente excluiu da incidência da contribuição previdenciária as verbas a título de terço de férias, serviços extraordinários (horas extras) e adicional noturno. Veja:

Art. 4º (...)

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§ 1º Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas: (...) X - o adicional de férias; XI - o adicional noturno; XII - o adicional por serviço extraordinário;

O adicional de insalubridade já era excluído desde a redação originária da Lei nº 10.887/2004:

Art. 4º (...) § 1º Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas: VII - as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho; (obs: é o caso do adicional de insalubridade).

O caso julgado pelo STF era, portanto, anterior à vigência da Lei nº 12.688/2012. Isso porque depois dela não há mais discussão, considerando que tais verbas foram expressamente excluídas da cobrança. STJ acompanha o STF O STJ possuía posição em sentido diferente, mas passou a acompanhar a Suprema Corte:

Em adequação ao entendimento do STF, não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade. STJ. 1ª Turma. EDcl no AgInt no REsp 1.659.435-SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

DIREITO CIVIL

USUCAPIÃO Bem furtado pode ser objeto de usucapião, desde que tenha cessado a clandestinidade

É possível a usucapião de bem móvel proveniente de crime após cessada a clandestinidade ou a violência.

Nos termos do art. 1.261 do CC/2002, aquele que exercer a posse de bem móvel, interrupta e incontestadamente, por 5 anos, adquire a propriedade originária do bem, fazendo sanar todo e qualquer vício anterior.

A apreensão física da coisa por meio de clandestinidade (furto) ou violência (roubo) somente induz a posse após cessado o vício (art. 1.208 do CC/2002), de maneira que o exercício ostensivo do bem é suficiente para caracterizar a posse mesmo que o objeto tenha sido proveniente de crime.

Caso concreto: indivíduo adquiriu caminhão por meio de financiamento bancário, com emissão de registro perante o órgão público competente, ao longo de mais de 20 anos. Depois se descobriu que o veículo havia sido furtado antes da aquisição. Pode-se reconhecer que houve a aquisição por usucapião, sendo irrelevante se analisar se houve a inércia do anterior proprietário (vítima do furto) ou se o usucapiente conhecia a ação criminosa anterior à sua posse.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.637.370-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

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Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2003, João adquiriu um caminhão de Ricardo, por meio de financiamento bancário. Vale ressaltar que foi feito o registro e licenciamento regular perante o DETRAN. Em 2013, apareceu Pedro dizendo que o caminhão era seu e que Ricardo havia furtado o veículo em 2002. Diante disso, Pedro ajuizou ação de reintegração de posse contra João pedindo de volta o caminhão. João, por sua vez, formulou pedido contraposto para que fosse reconhecida a usucapião extraordinária sobre o bem, considerando que ele estava na posse mansa e pacífica durante todos esses anos. Pedro argumentou que não havia posse porque se trata de bem objeto de furto. O pedido de João pode ser acolhido? Existe a possibilidade de usucapião sobre bem objeto de furto? SIM. Vamos entender com calma. O que é usucapião? Usucapião é... - um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel) - por determinados anos - agindo como se fosse dono - adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão) - desde que cumpridos os requisitos legais. Usucapião de bem móvel Existem duas espécies de usucapião de bens móveis:

USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL

A) ORDINÁRIA B) EXTRAORDINÁRIA

Prazo: 3 anos. Exige justo título. Exige boa-fé.

Prazo: 5 anos. Não exige justo título. Não exige boa-fé.

Prevista no art. 1.260 do CC: Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.

Prevista no art. 1.261 do CC: Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.

Usucapião extraordinária não exige justo título nem boa-fé Para que ocorra a usucapião extraordinária, exige-se apenas que a posse seja exercida de forma contínua (sem interrupção) e incontestadamente (sem oposição). Não se exige que a posse exercida seja justa nem que haja boa-fé. Desse modo, no caso concreto, como João estava há mais de 5 anos com o bem, o que se deve analisar é se esse poder que ele exercia sobre o bem poderia ou não ser considerado posse. Análise do art. 1.208 do CC O art. 1.208 do Código Civil prevê o seguinte:

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

O roubo se contamina pelo vício da violência.

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O furto, por sua vez, está ligado ao vício da clandestinidade. Logo, em princípio, uma coisa obtida por meio de roubo (violência) ou furto (clandestinidade) não gera posse. Trata-se de mera apreensão física do bem roubado ou furtado. Nesse sentido, o agente que praticou o furto, enquanto não cessada a clandestinidade (isto é, enquanto estiver escondido o bem subtraído) não estará no exercício da posse, caracterizando-se, assim, a mera apreensão física do objeto furtado. Inexistindo a posse, também não se dará início ao transcurso do prazo de usucapião. É essa ratio que sustenta a conclusão de que a res furtiva não é bem hábil à usucapião. Porém, uma vez cessada a violência ou a clandestinidade, a apreensão física da coisa induzirá à posse. Em outras palavras, depois de cessada a violência ou a clandestinidade, a pessoa que estiver com o bem estará exercendo a posse. Bem furtado pode ser objeto de usucapião, desde que tenha cessado a clandestinidade Assim, nem sempre será proibido que o bem furtado seja objeto de usucapião. É necessário analisar, no caso concreto, se houve a cessação da clandestinidade, especialmente quando o bem furtado é transferido a terceiros de boa-fé. O exercício ostensivo da posse perante a comunidade, ou seja, a aparência de dono é fato, por si só, apto a provocar o início da contagem do prazo de usucapião. Em suma:

É possível a usucapião de bem móvel proveniente de crime após cessada a clandestinidade ou a violência. STJ. 3ª Turma. REsp 1.637.370-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

DIVÓRCIO A prova documental é o único meio apto a demonstrar

a existência da sociedade de fato entre os sócios

A prova escrita constitui requisito indispensável para a configuração da sociedade de fato perante os sócios entre si.

Caso concreto: Daniel e Alessandra casaram-se sob o regime da separação convencional de bens. Durante o casamento, Daniel montou um restaurante. Apesar de não ser sócia, Alessandra trabalhava no restaurante, auxiliando o marido. Quando se divorciaram, Alessandra ajuizou ação pedindo para ser reconhecida a existência de sociedade de fato (sociedade em comum) no restaurante, ou seja, que ela fosse tida como sócia de Daniel. O pedido foi negado em razão da ausência de qualquer prova escrita dessa sociedade de fato. Além disso, também se considerou que não havia affectio societatis entre as partes e que não restou demonstrado que a mulher praticasse atos de gestão ou que tivesse assumido os riscos do negócio juntamente com o ex-marido.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.706.812-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: Daniel e Alessandra casaram-se em 2002. Na época, os dois não tinham patrimônio. Mesmo assim, por meio de pacto antenupcial, escolheram o regime da separação convencional de bens (também chamado de regime da separação absoluta de bens). Vamos aqui relembrar a diferença entre o regime da separação legal e da separação convencional de bens:

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Separação LEGAL (OBRIGATÓRIA) Separação ABSOLUTA

Separação LEGAL (obrigatória) é aquela prevista nas hipóteses do art. 1.641 do Código Civil.

Separação ABSOLUTA é a separação convencional, ou seja, estipulada voluntariamente pelas partes (art. 1.687 do CC).

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.

Na separação absoluta (convencional), não há comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Assim, somente haverá separação absoluta (incomunicável) na separação convencional.

Aplica-se a Súmula 377 do STF. Não se aplica a Súmula 377 do STF.

(...) 3. Inaplicabilidade, in casu, da Súmula 377 do STF, pois esta se refere à comunicabilidade dos bens no regime de separação legal de bens (prevista no art. 1.641, CC), que não é caso dos autos. 3.1. O aludido verbete sumular não tem aplicação quando as partes livremente convencionam a separação absoluta dos bens, por meio de contrato antenupcial. (...) STJ. 4ª Turma. REsp 1481888/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/04/2018.

A Súmula 377 do STF, editada em 1964, possui a seguinte redação:

Súmula 377-STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

Essa súmula 377 do STF permanece válida? SIM. No entanto, ela deve ser interpretada da seguinte forma: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1.689.152/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017. Voltando ao nosso exemplo: Em 2009, ou seja, durante a relação, Daniel, em conjunto com um sócio, montou um restaurante que fez grande sucesso, estando atualmente avaliado em R$ 3 milhões. Em 2019, Daniel decidiu se divorciar, o que foi concretizado em março de 2019. A partilha de bens, contudo, ficou para ser discutida posteriormente, em ação própria, conforme autoriza o art. 1.581 (O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens). Ação de indenização Foi então que Alessandra ajuizou ação de indenização contra Daniel. Na ação, Alessandra argumentou que, no início, o restaurante foi instalado na própria residência do casal e que, durante todos esses anos, ela trabalhou no negócio, sendo uma das responsáveis pelo sucesso do empreendimento. Argumentou que os frequentadores do local a identificavam como a personificação do próprio restaurante e que trabalhou arduamente até a sua saída, que foi simultânea ao fim do casamento, não tendo jamais recebido em espécie remuneração ou lucro da sociedade, que teria apenas beneficiado o réu, apesar do esforço comum das partes. Afirmou que, diante disso, deveria ser considerada como “sócia de fato” ou “dona do negócio”. Alegou que tem direito aos lucros, pois, independentemente do regime de bens do casamento ou do recebimento de pro labore, salário ou qualquer outra forma de remuneração, faz jus ao status de “sócia de fato” do restaurante. O pedido na ação foi, portanto, para que o réu fosse condenado a pagar em favor da autora uma indenização no valor de 50% de suas cotas no restaurante e dos frutos dele decorrentes.

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O pedido da autora foi acolhido pelo STJ? NÃO. Do regime de bens adotado pelas partes Inicialmente, não há que se falar em “sociedade de fato” quando o regime adotado é o da separação convencional de bens. No regime da separação convencional de bens não se presume comunhão de bens. Assim, o regime matrimonial adotado enseja plena autonomia dos patrimônios dos cônjuges, distintos por natureza. Ainda que se admita a possibilidade de os cônjuges casados sob o regime de separação de bens constituírem, eventualmente, uma sociedade de fato, essa sociedade de fato não pode decorrer simplesmente do fato de terem uma vida em comum. A intenção do ex-casal de constituir uma sociedade somente poderia ser aceita se isso tivesse sido demonstrado de forma solene, o que não ocorreu. No caso, para que fosse aceito que eles tinham uma sociedade comercial em conjunto, ainda que não regularmente constituída, seria indispensável demonstrar, no mínimo, que administravam tal empresa juntos, o que não foi possível se extrair dos autos. A autora, em verdade, alega ter trabalhado para o ex-marido, sem, contudo, ter fornecido capital ou assumido os riscos do negócio ao longo da relação. Aparentemente, o que se pretende, por vias oblíquas é a alteração do regime de bens escolhido por ambas as partes. Ocorre que o regime jurídico da separação convencional de bens voluntariamente estabelecido pelo ex-casal é imutável, ressalvada manifestação expressa de ambos os cônjuges em sentido contrário ao pacto antenupcial. Sociedade de fato ou em comum Uma sociedade empresária nasce a partir de um acordo de vontades de seus sócios, que pode ser realizado por meio de um contrato social ou de um estatuto, conforme o tipo societário a ser criado. A “sociedade de fato” (atualmente chamada de “sociedade em comum”) é uma exceção a essa regra. A sociedade em comum não passou pelas solenidades legais necessárias para adquirir personalidade jurídica. Apesar disso, trata-se de sujeito de direitos e obrigações. No caso não se tem nem mesmo “sociedade em comum”. A condição para se admitir a existência de uma sociedade é a configuração da affectio societatis (que não se confunde com a affectio maritalis) e a integralização de capital ou a demonstração de prestação de serviços. Tais requisitos são basilares para se estabelecer qualquer vínculo empresarial. Tais requisitos não foram comprovados, no caso concreto. Os resultados comerciais podem ser positivos ou negativos, motivo pelo qual se presume que quem exerce a empresa deve assumir também os riscos do negócio. No caso concreto, não ficou demonstrado que Alessandra tenha realizado aportes ou integralizado o capital, pretendendo ser considerada sócia por ter apoiado o marido nas atividades de funcionamento do restaurante. Não há notícia da prática de atos de gestão pela mulher nem de prestação de contas de valores administrados por ela. Além disso, não restou configurada a indispensável affectio societatis voltada ao exercício conjunto da atividade econômica ou à partilha de resultados, como exige o art. 981 do CC:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Necessidade de documento escrito Vale relembrar, ainda, o que diz o art. 987 do CC:

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Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.

Conforme explica André Luiz Santa Cruz Ramos: “se quem necessita provar a existência da sociedade são os seus próprios sócios - com a finalidade, por exemplo de discutir a partilha de investimentos -, só se admite a prova por escrito” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 5ª ed., São Paulo: Método, p. 239).

A prova escrita constitui requisito indispensável para a configuração da sociedade de fato perante os sócios entre si. A prova documental é o único meio apto a demonstrar a existência da sociedade de fato entre os sócios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.706.812-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE Determinada pessoa ajuizou ação de investigação de paternidade contra o suposto pai e esta foi

julgada improcedente; transitou em julgado; o suposto pai morreu; eventual ação rescisória contra esta sentença deve ser proposta contra os herdeiros (e não contra o espólio)

A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.667.576-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: João tinha dois filhos chamados Lucas e Tiago. Cristina ajuizou ação de investigação de paternidade contra João alegando que também era sua filha. O pedido foi julgado improcedente. O processo transitou em julgado em março de 2017. Em março de 2018, João faleceu. Em abril de 2018, Cristina quer ajuizar ação rescisória para desconstituir a sentença proferida na ação de investigação de paternidade. Essa ação rescisória deverá ser proposta contra o espólio ou contra os herdeiros de João? Contra os herdeiros.

A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.667.576-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

Ação de estado e de natureza pessoal Por se tratar de ação de estado e de natureza pessoal, a ação de investigação de paternidade em que o pretenso genitor biológico é pré-morto (já faleceu) deve ser ajuizada somente em face dos herdeiros do falecido (e não de seu espólio). Segue a mesma lógica da ação de investigação de paternidade Se Cristina ajuizasse a ação de investigação de paternidade depois da morte de João, ela teria que propor contra os herdeiros (e não contra o espólio do falecido). Isso porque, segundo a jurisprudência do STJ, a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio do falecido. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 331.842/AL, DJ 10/06/2002.

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Logo, em caso de ação rescisória contra ação de investigação de paternidade, o raciocínio deve ser o mesmo e a ação deve ser proposta também contra os herdeiros (e não contra o espólio). Espólio é um mero ente despersonalizado que titulariza a herança até que haja a partilha O espólio não é parte legítima para responder à ação rescisória em que se pleiteia a rescisão de sentença e o rejulgamento de ação investigatória de paternidade post mortem na medida em que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada herança até que se efetive a partilha dos bens. Obs: o espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele. Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex.: celebrar contratos no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et. al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).

DIREITO DO CONSUMIDOR

FATO DO PRODUTO A simples comercialização de alimento industrializado contendo corpo estranho é suficiente

para configuração do dano moral ou é necessária a sua ingestão?

Tema polêmico!

Para ocorrer indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão?

• SIM. Só há danos morais se consumir o corpo estranho. Vale ressaltar que, para gerar danos morais, a ingestão pode ser apenas parcial. Posição da 4ª Turma do STJ.

STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 489.030/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/04/2015.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1299401/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/02/2019.

• NÃO. A simples comercialização de alimento industrializado contendo corpo estranho é suficiente para configuração do dano moral. Posição da 3ª Turma do STJ.

STJ. 3ª Turma. REsp 1828026/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

Para ocorrer indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão? As duas Turmas do STJ que decidem a matéria estão divididas:

SIM NÃO

Só há danos morais se consumir o corpo estranho. Vale ressaltar que, para gerar danos morais, a ingestão pode ser apenas parcial.

A simples comercialização de alimento industrializado contendo corpo estranho é suficiente para configuração do dano moral.

Posição da 4ª Turma do STJ. Posição da 3ª Turma do STJ.

Ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo em virtude da presença de corpo estranho, não se configura o dano moral indenizável.

A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à

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Não há dano moral na hipótese de aquisição de gênero alimentício com corpo estranho no interior da embalagem se não ocorre a ingestão do produto considerado impróprio para consumo, visto que referida situação não configura desrespeito à dignidade da pessoa humana, desprezo à saúde pública ou mesmo descaso para com a segurança alimentar. A ausência de ingestão de produto impróprio para o consumo configura, em regra, hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão indenizatória decorrente de alegado dano moral. STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 489.030/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/04/2015. A ingestão, ainda que parcial, de alimento contaminado pela presença de larvas de inseto constitui dano moral in re ipsa. Neste caso, a indenização foi de R$ 12 mil. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1299401/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/02/2019.

compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Caso concreto: Danoninho com inseto. STJ. 3ª Turma. REsp 1828026/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/09/2019 (Info 656). Exemplo: encontrar larvas no interior de bombom no momento de sua retirada da embalagem. STJ. 3ª Turma. REsp 1744321/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019. Exemplo: no interior de garrafa de refrigerante lacrada havia um inseto. STJ. 3ª Turma. REsp 1768009/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2019. O simples ato de “levar à boca” o alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão. STJ. 3ª Turma. REsp 1644405/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/11/2017.

Obs: apesar da divisão do tema nas Turmas do STJ, arriscaria dizer que a segunda corrente é majoritária. Assim, a simples comercialização de alimento industrializado contendo corpo estranho é suficiente para configuração do dano moral.

SERVIÇOS BANCÁRIOS Consumidor comprou um produto pela internet e que nunca foi entregue;

o banco não pode ser responsabilizado solidariamente pelo simples fato de o pagamento ter sido feito mediante boleto bancário

Banco não é responsável por fraude em compra on-line paga via boleto quando não se verificar qualquer falha na prestação do serviço bancário.

Caso concreto: o consumidor comprou, pela internet, um produto de uma loja virtual. Ocorre que a loja não entregou a mercadoria. O consumidor pretendia a responsabilidade solidária do banco pelos danos sofridos em razão de o pagamento ter sido realizado por boleto bancário. O STJ não concordou.

O banco não pode ser considerado um fornecedor da relação de consumo que causou prejuízos ao consumidor, pois não se verifica qualquer falha na prestação de seu serviço bancário apenas por ter emitido o boleto utilizado para pagamento.

Não pertencendo à cadeia de fornecimento em questão, não há como responsabilizar o banco pelos produtos não recebidos. Ademais, também não se pode considerar esse suposto estelionato como uma falha no dever de segurança dos serviços bancários.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.786.157-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: João queria comprar um celular e procurou os preços pela internet.

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O celular mais barato que encontrou foi na loja virtual “Celulares.net”. Ele decidiu comprar e escolheu, como forma de pagamento, o boleto bancário. Depois de imprimir, João pagou o boleto bancário, que era emitido pelo Banco Bradesco. Passados meses da compra, João nunca recebeu o aparelho comprado. Diante disso, ele ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o Banco Bradesco alegando ter sido vítima de fraude em virtude da realização de compras em loja virtual sem a devida entrega do produto adquirido. João alegou, na ação, que a instituição financeira possui responsabilidade objetiva e solidária junto com a “Celulares.net”, uma vez que falhou em sua prestação de serviços ao não realizar a devida conferência e aceitar que uma empresa fraudulenta abrisse conta bancária e emitisse boletos de pagamento.

O pedido de João foi acolhido pelo STJ? A instituição bancária tem responsabilidade neste caso? NÃO.

Responsabilidade objetiva dos bancos Inicialmente, devemos relembrar que o Código de Defesa do Consumidor se aplica para os serviços bancários:

Súmula 297-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Os serviços desempenhados pelos bancos, por suas características de disponibilidade de recursos financeiros e sua movimentação sucessiva, têm maior risco em comparação com outras atividades econômicas. Justamente por isso, a jurisprudência, em regra, impõe maiores exigências para as instituições financeiras. Deve-se recordar, nesse sentido, a Súmula 479 do STJ:

Súmula 479-STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Assim, as instituições financeiras são consideradas objetivamente responsáveis por danos decorrentes de sua atividade bancária. Por atividade bancária, devemos entender o conjunto de práticas, atos ou contratos executados por instituições bancárias. Em complementação, a doutrina define como instituição bancária “a empresa que, com fundos próprios ou de terceiros, faz da negociação de créditos sua atividade principal, de onde se dessume competir-lhe, dentro de suas prerrogativas profissionais, também o exercício das acessórias, que, não se contendo dentro das creditícias, atendem à finalidade de atrair o cliente para elas.” (ABRÃO, Nelson. Direito bancário. São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 2014).

Banco não pode ser considerado fornecedor neste caso No caso concreto, o consumidor foi vítima de suposto estelionato, pois adquiriu um bem de consumo que nunca recebeu. Vale ressaltar, contudo, que o meio de pagamento escolhido não foi decisivo para ele não receber o bem. Em outras palavras, o consumidor também não iria receber o bem se tivesse pagado com cartão de crédito ou transferência bancária. Assim, o banco não pode ser considerado um “fornecedor” da relação de consumo que causou prejuízos ao consumidor, pois não se verifica qualquer falha na prestação de seu serviço bancário. É certo que são múltiplas e variadas as formas e arranjos econômicos para a viabilização e promoção do consumo. Isto é, bancos podem se associar a redes varejistas ou estas podem constituir seus próprios bancos para facilitar a venda de seus produtos e serviços. No caso concreto, contudo, não há como considerar o banco como pertencente à cadeia de fornecimento do produto que nunca foi entregue apenas por ter emitido o boleto utilizado para pagamento.

Não se pode considerar que houve falha do banco Não se pode considerar esse suposto estelionato como uma falha no dever de segurança dos serviços bancários.

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Se fôssemos considerar como falha, teríamos que dizer que todos os bancos operando no território nacional, incluindo operadoras de cartão de crédito, seriam solidariamente responsáveis pelos vícios, falhas e acidentes de produtos e serviços que forem adquiridos, utilizando-se um meio de pagamento disponibilizado por essas empresas, o que, definitivamente, não encontra guarida na legislação de defesa do consumidor. Em suma:

Banco não é responsável por fraude em compra on-line paga via boleto quando não se verificar qualquer falha na prestação do serviço bancário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.786.157-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

PLANO DE SAÚDE Ex-empregado (demitido ou aposentado) pode ter direito de continuar no plano de saúde

coletivo que era oferecido aos funcionários; contudo, se a empresa e a operadora rescindirem o contrato para todos, esse ex-empregado também não terá mais direito de continuar

Inviável a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde coletivo após a rescisão contratual da pessoa jurídica estipulante com a operadora do plano.

Ex: João era funcionário da empresa que oferecia plano de saúde coletivo; foi demitido sem justa causa; ele tem direito de continuar no plano, cumpridas as exigências do art. 30 da Lei nº 9.656/98; ocorre que, se, posteriormente, a empresa cancelar o plano para seus funcionários, esse ex-empregado também perderá o direito de continuar.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.898-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era empregado de um banco há mais de 10 anos e possuía plano de saúde (Unimed) oferecido aos funcionários da instituição. O custeio do plano era mantido da seguinte forma: o empregador arcava todos os meses com R$ 100,00 e o empregado pagava outros R$ 100,00. João se aposentou e deseja continuar no plano de saúde com as mesmas condições de cobertura assistencial que gozava. Para tanto, ele se compromete a pagar mensalmente R$ 200,00 (sua parte e a do antigo empregador). Em tese, ele possui esse direito? SIM. Em tese, isso é possível, conforme prevê o art. 31 da Lei nº 9.656/98 (que trata sobre os planos de saúde):

Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (...)

Plano de saúde aceitou João João pediu para continuar no plano, assumindo o pagamento integral, e a Unimed aceitou. Essa situação durou 1 ano e meio. Foi aí que João teve uma surpresa desagradável. A Unimed (operadora do plano) e o banco (pessoa jurídica estipulante do plano empresarial) decidiram rescindir o contrato. Com isso, acabou o plano empresarial que era oferecido aos funcionários do banco.

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A Unimed notificou João, informando-o que ele não mais teria direito ao plano, salvo se quisesse fazer um novo contrato individual, com outras condições. João não se conformou e ingressou com ação de obrigação de fazer pedindo a manutenção do plano com as mesmas condições de que gozava antes da sua aposentadoria. O pedido foi acolhido? NÃO. No caso em que a pessoa jurídica estipulante rescinde o contrato com a operadora, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece que se extingue o direito assegurado nos arts. 30 e 31, da Lei nº 9.656/98. É o que prevê o art. 26, III, da RN 279/11, da ANS:

Art. 26. O direito assegurado nos artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656, de 1998, se extingue na ocorrência de qualquer das hipóteses abaixo: (...) III – pelo cancelamento do plano privado de assistência à saúde pelo empregador que concede este benefício a seus empregados ativos e ex-empregados.

A única “garantia” que João terá será a de poder contratar um plano individual ou familiar com a operadora sem precisar cumprir carência, nos termos da Resolução 19/99 do Conselho de Saúde Suplementar. Em suma:

Inviável a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde coletivo após a rescisão contratual da pessoa jurídica estipulante com a operadora do plano. STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.898-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

DIREITO EMPRESARIAL

FUNDO DE INVESTIMENTO O administrador de um Fundo encerrado possui legitimidade para ser réu em ação de reparação de danos proposta por credor do Fundo que alega que a liquidação não foi correta considerando

que, antes de haver a partilha do saldo entre os cotistas, deveria lhe ter sido paga uma dívida

O administrador do fundo de investimento é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de supostos danos resultantes de inadequada liquidação.

DPC Fund era um Fundo de Investimento em Participações, sendo administrado pelo Banco X. Decidiu-se fazer o encerramento do fundo. No procedimento de liquidação, o administrador calculou o ativo do fundo, fez o pagamento do passivo e o saldo foi dividido entre os cotistas. A empresa THA era uma das credoras do Fundo e afirmou que a liquidação não foi correta, considerando que o Fundo não cumpriu com algumas obrigações assumidas perante ela. Diante disso, a THA ajuizou ação de reparação de danos contra o Banco, administrador do Fundo. Segundo a teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial, o administrador do Fundo possui legitimidade passiva para a demanda.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.834.003-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: “DPC Fund” era um Fundo de Investimento em Participações.

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O “DPC Fund” era administrado pelo Banco “X”. Decidiu-se fazer o encerramento do fundo. No procedimento de liquidação, o administrador calculou o ativo do fundo, fez o pagamento do passivo e o saldo (positivo) foi dividido entre os cotistas. A empresa THA era uma das credores do Fundo e afirmou que a liquidação não foi correta, considerando que o Fundo não cumpriu com algumas obrigações assumidas perante ela. Diante disso, a THA ajuizou ação de reparação de danos contra o Banco, administrador do Fundo. O Banco suscitou a sua ilegitimidade passiva afirmando que o Fundo possui existência própria e que ele (Banco) agiu conforme as determinações do Fundo e que só teria responsabilidade se tivesse praticado algum ato fora dos poderes que lhe foram conferidos. O administrador do Fundo possui ou não legitimidade passiva, neste caso? Sim. Possui.

O administrador do fundo de investimento é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de supostos danos resultantes de inadequada liquidação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.834.003-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

As condições da ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial. No caso concreto, o administrador do Fundo foi demandado pelo fato de ter realizado a liquidação do fundo de investimento, mediante distribuição do patrimônio líquido entre os cotistas, sem o prévio pagamento de um suposto passivo. No entanto, a Instrução CVM n. 391/2003, que primeiro tratou especificamente dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), já incluía entre as obrigações do administrador o dever de “cumprir e fazer cumprir todas as disposições do regulamento do fundo” (art. 14, XV). Desse modo, a satisfação integral do passivo antes da partilha do patrimônio líquido entre os cotistas está, em regra, inserida entre as atribuições do administrador, sendo dele a responsabilidade, em tese, por eventuais prejuízos que guardem nexo de causalidade com a sua inobservância.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Compete à 1ª Seção do STJ (que aprecia matérias de direito público) julgar recurso no qual se

discute a contratação ou não de aprovado em processo seletivo realizado por entidade do Sistema S (no caso, o SEBRAE)

Compete à Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar feitos relativos à contratação de candidatos inscritos em processo seletivo público para preenchimento de cargos em entidades do Sistema S.

O dirigente de entidade do Sistema S, como o Sebrae, ao praticar atos em certame público para ingresso de empregados, está a desempenhar ato típico de direito público, vinculando-se ao regime jurídico administrativo.

STJ. Corte Especial. CC 157.870-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/08/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: O SEBRAE/RJ realizou processo seletivo público para contratar funcionários.

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João, Pedro e Tiago foram aprovados, mas não foram chamados. Diante disso, ingressaram com mandado de segurança contra o SEBRAE pedindo o reconhecimento de que teriam direito de serem contratados. O juiz determinou que o SEBRAE contratasse os aprovados e o Tribunal de Justiça manteve a sentença. O SEBRAE interpôs, então, recurso especial contra o acórdão. Conflito interno de competência no STJ Chegando ao STJ, este recurso especial foi distribuído para a 1ª Turma do STJ (que faz parte a 1ª Seção do STJ). A 1ª Seção do STJ julga causas envolvendo Direito Público. Ocorre que a 1ª Turma declinou da competência para uma das Turmas da 2ª Seção (especializada em Direito Privado) ao argumento de que a questão se refere à contratação de pessoal por pessoa jurídica de direito privado. A 3ª Turma do STJ (Turma que compõe a 2ª Seção) não concordou com a declinação e suscitou conflito de competência. Quem julga esse conflito de competência? A Corte Especial do STJ. Segundo o Regimento Interno do STJ:

Art. 11. Compete à Corte Especial processar e julgar: (...) XII - os conflitos de competência entre relatores ou Turmas integrantes de Seções diversas, ou entre estas;

Órgãos do STJ O STJ é dividido em órgãos julgadores internos da seguinte forma:

CORTE ESPECIAL SEÇÕES TURMAS Composta pelos 15 Ministros mais antigos do STJ.

Existem três Seções no STJ (Primeira, Segunda e Terceira). Cada Seção abrange duas Turmas. 1ª Seção: engloba a 1ª e 2ª Turmas. 2ª Seção: abrange a 3ª e 4ª Turmas. 3ª Seção: inclui a 5ª e 6ª Turmas.

Existem seis Turmas no STJ (da Primeira até a Sexta). Cada Turma é composta por 5 Ministros, sendo divididas por assunto (cada Turma é especializada em certos temas).

Suas competências estão previstas no art. 11 do RISTJ.

Suas competências estão previstas no art. 12 do RISTJ.

Suas competências estão previstas no art. 13 do RISTJ.

Principais competências: • julgar as ações penais de competência originária do STJ (ex: Governadores, Desembargadores, Conselheiros do TCE etc.); • embargos de divergência se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, entre Seções, entre Turma e Seção que não integre ou entre Turma e Seção com a própria Corte Especial.

Principais competências: • mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado; • Conflitos de competência que são de atribuição do STJ (ex: conflito de competência entre juiz de direito e juiz federal); • recursos especiais repetitivos que envolvam os assuntos das Turmas que compõe aquela Seção.

As Turmas julgam todos os processos do STJ que não se enquadram nas competências das Seções e da Corte Especial. Assim, por exemplo, em regra, todos os recursos especiais que não sejam “repetitivos” são julgados pelas Turmas. Da mesma forma, a maioria dos habeas corpus são apreciados pelas Turmas.

COMPETÊNCIAS MATERIAIS DAS TURMAS (E DAS SEÇÕES)

Primeira e Segunda (Primeira Seção)

Terceira e Quarta (Segunda Seção)

Quinta e Sexta (Terceira Seção)

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• Licitações e contratos administrativos; • nulidade ou anulabilidade de atos administrativos; • ensino superior; • inscrição e exercício profissionais; • direito sindical; • nacionalidade; • desapropriação; • responsabilidade civil do Estado; • tributos de modo geral; • preços públicos e multas de qualquer natureza; • servidores públicos civis e militares; • habeas corpus referentes às matérias de sua competência; • benefícios previdenciários; • direito público em geral.

• domínio, posse e direitos reais sobre coisa alheia, salvo quando se tratar de desapropriação; • obrigações em geral de direito privado, mesmo quando o Estado participar do contrato; • responsabilidade civil (sem ser do Estado); • direito de família e sucessões; • direito do trabalho; • propriedade industrial; • sociedades; • comércio em geral, instituições financeiras e mercado de capitais; • falências; • títulos de crédito; • registros públicos, mesmo quando o Estado participar da demanda; • locação predial urbana; • habeas corpus referentes às matérias de sua competência; • direito privado em geral.

À Terceira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos à matéria penal em geral, salvo os casos de competência originária da Corte Especial e os habeas corpus de competência das Turmas que compõem a Primeira e a Segunda Seção. Assim, ficam responsáveis por julgar os processos criminais.

Voltando ao caso concreto. O que decidiu a Corte Especial a respeito deste conflito? De quem é a competência para julgar este recurso especial? Da 1ª Turma (1ª Seção).

Compete à Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar feitos relativos à contratação de candidatos inscritos em processo seletivo público para preenchimento de cargos em entidades do Sistema S. STJ. Corte Especial. CC 157.870-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/08/2019 (Info 656).

Analisando a jurisprudência do STJ, no tocante à matéria relativa a concurso público/processo seletivo, principalmente lides formadas a partir de ação mandamental, constata-se que a competência está inserida no âmbito do Direito Público, ainda que envolvam entidades de direito privado. Assim, o dirigente de entidade do Sistema S, como o Sebrae, ao praticar atos em certame público, para ingresso de empregados, está a desempenhar ato típico de direito público, vinculando-se ao regime jurídico administrativo. Em razão disso, deve observar os princípios que vinculam toda a Administração, como a supremacia do interesse público, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e todos os demais. Portanto, tais atos são revestidos de caráter público, não podendo ser classificados como “de mera gestão”, configurando, verdadeiramente, atos de autoridade. Dessa feita, compete à Primeira Seção do STJ processar e julgar feitos relativos à contratação de candidatos inscritos em processo seletivo público para preenchimento de cargos em entidades do Sistema S.

AÇÃO RESCISÓRIA Juiz que não declara, de ofício, prescrição na ação de cobrança não viola literal disposição de lei

para fins de ação rescisória, com base no art. 485, V, CPC/1973

O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.749.812-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro. O réu foi revel. O autor demonstrou a inadimplência por meio de documentos e o juiz julgou o pedido procedente, condenando Pedro a pagar a dívida. Houve o trânsito em julgado. Ação rescisória Alguns meses depois, Pedro ajuizou ação rescisória alegando que quando João propôs a ação de cobrança contra ele, a pretensão já estava prescrita, considerando que já haviam-se passado mais de 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil:

Art. 206 (...) § 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil;

Argumentou que, independentemente da revelia havida nos autos originais, o art. 219, § 5º, do CPC/1973 determinava que o juiz deveria pronunciar, de ofício, a prescrição, já que se tratava de matéria de ordem pública:

Art. 219. (...) § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.

Como o magistrado não agiu dessa forma, houve violação literal do referido dispositivo legal. Logo, caberia ação rescisória, com fundamento no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015):

CPC/1973 CPC/2015

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar literal disposição de lei;

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica;

A tese defendida na ação rescisória foi acolhida pelo STJ? NÃO.

O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). STJ. 3ª Turma. REsp 1.749.812-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

Art. 219, § 5º do CPC/1973 não trazia um dever do magistrado A prescrição, compreendida como a perda da pretensão de exigir de alguém a realização de uma prestação, em virtude da fluência de prazo fixado em lei, está relacionada com interesses exclusivamente das partes envolvidas. Isso porque a prescrição refere-se a direitos subjetivos patrimoniais e relativos, na medida em que a correlata ação condenatória tem por finalidade obter, por meio da realização de uma prestação do demandado, a reparação dos prejuízos suportados em razão da violação do direito do autor. Não é por outra razão, aliás, que a prescrição, desde que consumada, comporta, à parte que a favoreça, sua renúncia, expressa ou tácita (ao contrário do que se dá com a decadência que, diretamente, guarda em si, um interesse público).

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Assim, a possibilidade que havia no CPC/1973 de o juiz reconhecer de ofício a prescrição tinha por objetivo dar mais celeridade, efetividade e economia processual. A despeito disso, o fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição não pode ser tido como ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015). Isso porque o art. 219, § 5º do CPC/1973, que autorizava o juiz a pronunciar, de ofício, a prescrição, não representava um dever do magistrado. Tratava-se de uma possibilidade ligada, como já dito, à celeridade processual. Para que houvesse violação literal de lei era necessário que o juiz deliberasse sobre o tema A violação literal de lei, como fundamento da ação rescisória, pressupõe que o órgão julgador delibere sobre a questão posta, conferindo indevida aplicação a determinado dispositivo legal ou deixando de aplicar preceito legal que, supostamente, segundo a compreensão do autor da rescisória, melhor resolva a matéria. Em uma ou outra situação, é indispensável que a questão aduzida na ação rescisória tenha sido objeto de deliberação na ação rescindenda, o que não se confunde com exigência de prequestionamento do dispositivo legal apontado. No caso concreto, a questão relacionada à prescrição, embora fosse possível, não foi tratada, de ofício, pelo juiz, tampouco foi suscitada por qualquer das partes, não tendo havido, assim, nenhuma deliberação sobre a matéria na ação original. Não cabe o manejo de ação rescisória, sob a tese de violação literal de lei, se a questão a qual o preceito legal apontado na ação rescisória deveria supostamente regular não foi objeto de nenhuma deliberação na ação originária. O CPC/2015 permite o reconhecimento de ofício da prescrição? SIM, conforme previsão do art. 487, II. No entanto, exige que esse tema seja submetido a contraditório, nos termos do art. 10:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

AGRAVO DE INSTRUMENTO A parte pede que o juiz suspenda o processo alegando prejudicialidade externa (art. 313, V, “a”, CPC/2015); magistrado indefere; esse pronunciamento não pode ser equiparado a uma decisão sobre tutela provisória; logo, não cabe agravo de instrumento contra ele com base no inciso I do

art. 1.015 do CPC/2015

A decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa não equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, não é recorrível por agravo de instrumento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.759.015-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “A1” ingressou com execução de título extrajudicial contra a empresa “B2”.

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O título executado foi um contrato celebrado entre “A1” e “B2”. Foi, então, que a empresa “B2” ajuizou ação de rescisão do contrato. Além disso, a empresa “B2” formulou pedido ao juiz para suspender o processo de execução enquanto se discute, na outra ação, a rescisão do negócio jurídico. O pedido foi baseado no art. 313, V, “a”, do CPC/2015:

Art. 313. Suspende-se o processo: (...) V - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

A empresa “B2” argumentou que está configurada a chamada “prejudicialidade externa” entre as ações. Isso porque a existência da ação de rescisão é uma questão prejudicial (externa), cuja solução irá interferir no resultado da execução. Magistrado indefere o pedido e a parte interpõe agravo de instrumento O juiz indeferiu o pedido de suspensão do processo de execução. A empresa “B2” interpôs, então, agravo de instrumento contra esta decisão interlocutória afirmando que a hipótese se amolda ao art. 1.015, I, do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias;

A tutela provisória é o gênero do qual decorrem duas espécies: 1) Tutela provisória de urgência; 2) Tutela provisória de evidência.

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

A tutela provisória de urgência divide-se em: 1.1) Tutela cautelar 1.2) tutela antecipada (satisfativa)

Art. 294 (...) Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

O pedido do recorrente foi aceito pelo STJ? Cabe agravo de instrumento neste caso? Pode-se dizer que decisão que indefere o pedido de suspensão do processo é uma decisão que versa sobre tutela provisória de urgência de natureza cautelar? NÃO. A decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa não equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, I, do CPC/2015. Conceito de decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória é amplo, mas não abrange pedidos de suspensão do processo por prejudicialidade externa Embora o conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória” (art. 1.015, I) seja bastante amplo e abrangente, ele não inclui a decisão que resolve se suspende ou não o processo por conta de uma questão prejudicial externa. Isso não é tutela provisória. São institutos jurídicos ontologicamente distintos.

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Suspensão de processo por prejudicialidade externa não envolve urgência No caso concreto, estava sendo debatida a possibilidade de ser suspensa a execução de título extrajudicial em virtude de alegada prejudicialidade externa gerada por ação de rescisão contratual. A executada (autora da ação de rescisão) afirma que se a rescisão for julgada procedente, o título executivo pode deixar de existir, razão pela qual a execução depende do resultado da ação de conhecimento. Embora exista, evidentemente, uma natural relação de prejudicialidade entre a ação de conhecimento em que se impugna a existência do título e a ação executiva fundada nesse mesmo título, é preciso esclarecer que a suspensão do processo executivo em virtude dessa prejudicialidade externa não está fundada em urgência, nem tampouco a decisão que versa sobre a suspensão do processo versa sobre tutela de urgência. Com efeito, o valor que se pretende tutelar quando se admite suspender um processo ao aguardo de resolução de mérito a ser examinada em outro processo é a segurança jurídica. No ponto, ensinam Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr.:

9.6. O grande objetivo da suspensão pela prejudicialidade externa, como se pode vislumbrar, é evitar que haja a prolação de decisões confliantes, especialmente porque, para decidir a questão principal, o juiz terá de enfrentar a questão prejudicial – que é objeto de discussão em outro processo, por outro juiz. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2015. p. 937).

Suspensão por prejudicialidade envolve segurança jurídica e não é obrigatória Como vimos acima, a suspensão do processo pode ser decretada em nome da segurança jurídica (para evitar a prolação de decisões conflitantes). Ocorre que não é uma medida obrigatória, até porque ela subverte a lógica do sistema e mitiga a incidência dos princípios constitucionais da celeridade e da razoável duração do processo. Desse modo, a suspensão processual por prejudicialidade externa, além de excepcional, é regra não cogente. A esse respeito, ensina José Roberto dos Santos Bedaque:

“Não se trata de regra cogente, pois, ainda que admissível, pode não ser conveniente a suspensão, especialmente se o processo em que se discute a questão prejudicial esteja ainda em fase inicial e o outro pronto para julgamento. Cabe ao juiz avaliar as circunstâncias e escolher pela solução mais adequada ao caso concreto, fundamentando-a. Às vezes é preferível optar pela celeridade, mesmo havendo risco de contradição entre julgados.” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Comentários ao Novo Código de Processo Civil (Coords: Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer). Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 496).

Desse modo, a decisão interlocutória que versa sobre suspensão do processo por prejudicialidade externa, fundada em segurança jurídica, em nada se relaciona com a decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória, fundada em urgência ou evidência, não sendo o mero risco de prolação de decisões conflitantes ou a hipotética e superveniente perda de objeto elementos hábeis a comprometer o resultado útil do processo. Executado poderá demonstrar a presença dos requisitos processuais para a suspensão dos efeitos do título Vimos acima que o executado não tem o direito subjetivo de conseguir a suspensão por prejudicialidade. No entanto, o executado tem uma outra providência processual que pode ser manejada. Ele poderá, na ação de conhecimento por ele ajuizada, demonstrar a presença dos requisitos processuais para a concessão de tutela provisória que suste a produção de efeitos do título em que se funda a execução.

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Veja bem. Nesta segunda hipótese, não se está buscando suspender a execução por prejudicialidade externa. O que se está pedindo é a suspensão da exigibilidade do título. O autor da ação de rescisão demonstra que seus argumentos são muito fortes e o juiz decide suspender a exigibilidade do título (não por prejudicialidade externa), mas sim porque foi demonstrada a probabilidade do direito. Neste segundo caso (pedido para suspender a exigibilidade do título), caso o juiz negue ou defira o pleito, caberia agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/2015. Esclarecimento adicional O acórdão do STJ não menciona isso. No entanto, particularmente, penso que caberia agravo de instrumento no caso concreto, com base no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015 (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Isso porque o executado pediu ao juiz da execução a suspensão do processo e o magistrado indeferiu o pleito. Logo, houve a prolação de uma decisão interlocutória no processo de execução, atraindo o cabimento de agravo de instrumento, não com base no inciso I do art. 1.015, mas sim com fundamento no parágrafo único. O STJ não tratou sobre o tema porque o recorrente alegava violação do inciso I do art. 1.015, de forma que não poderia o Tribunal “salvar” o cabimento do recurso, enquadrando-o em outro dispositivo legal. Este último ponto, contudo, é apenas uma observação pessoal e que não constou no voto.

EMBARGOS À EXECUÇÃO A protocolização dos embargos à execução nos autos

da própria ação executiva constitui vício sanável

Os embargos à execução deverão ser propostos nos próprios autos da execução ou em autos apartados? Em autos apartados. É o que diz expressamente o § 1º do art. 914 do CPC/2015:

Art. 914 (...) § 1º Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

Se o embargante (executado) apresenta, de forma incorreta, os embargos à execução nos próprios autos da execução, o juiz não deverá rejeitar liminarmente esses embargos.

O magistrado deverá conceder prazo para que a parte faça o desentranhamento dos embargos e promova a sua distribuição em autos apartados, por dependência. Isso porque a propositura dos embargos à execução nos próprios autos da execução configura vício sanável, que pode ser, portanto, corrigido.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.807.228-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Processo de execução O procedimento para execução de quantia pode ser realizado de duas formas: a) execução de quantia fundada em título executivo judicial (chamada de “cumprimento de sentença”). b) execução de quantia fundada em título executivo extrajudicial; Defesas típicas do executado Se o devedor está sendo executado, ele tem o direito de se defender. Qual é a defesa típica do devedor executado?

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• No cumprimento de sentença (execução de título judicial): é a IMPUGNAÇÃO (art. 525 do CPC/2015). • No processo de execução (execução de título extrajudicial): a defesa típica do executado são os EMBARGOS À EXECUÇÃO (art. 914 do CPC/2015). Vale ressaltar que a pessoa executada poderá se defender ainda por meio de: • exceção de não-executividade (exceção de pré-executividade / objeção de pré-executividade); ou • ações autônomas (a chamada defesa heterotópica do executado). Procedimento dos embargos à execução

1) O executado, para se defender, apresenta os embargos à execução. Os embargos à execução possuem natureza jurídica de ação autônoma. 2) O executado pode apresentar embargos à execução mesmo que não tenha havido penhora, depósito ou caução. Em outras palavras, não é necessária a garantia do juízo. 3) Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal. 4) O prazo que o executado possui para oferecer os embargos é de 15 dias. 5) Nos embargos à execução, o executado poderá alegar: I - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; II - penhora incorreta ou avaliação errônea; III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa; V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VI - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento. 6) O juiz rejeitará liminarmente os embargos: I - quando intempestivos; II - nos casos de indeferimento da petição inicial e de improcedência liminar do pedido; III - manifestamente protelatórios. Obs: considera-se conduta atentatória à dignidade da justiça o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios. 7) Em regra, os embargos à execução não possuem efeito suspensivo. ­ O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. Assim, para que haja efeito suspensivo, é necessária a garantia do juízo. ­ Cessando as circunstâncias que a motivaram, a decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. ­ Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, esta prosseguirá quanto à parte restante. ­ A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante. ­ A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de substituição, de reforço ou de redução da penhora e de avaliação dos bens.

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8) Se o juiz receber os embargos, em seguida ele deverá intimar o exequente para se manifestar no prazo de 15 dias. O embargado/exequente poderá oferecer reconvenção? NÃO. É incabível o oferecimento de reconvenção em embargos à execução. STJ. 2ª Turma. REsp 1528049/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/08/2015 9) A depender dos argumentos invocados pelo embargante, pode ser necessária ou não a realização de audiência de instrução: ­ Se for necessária a audiência, o juiz designa e, só após a sua realização, profere a sentença; ­ Se não for necessária a audiência, o juiz julgará imediatamente o pedido. 10) Os embargos à execução são decididos por meio de SENTENÇA e o recurso cabível contra esse julgamento é a APELAÇÃO. Feita esta breve revisão, indaga-se: os embargos à execução deverão ser propostos nos próprios autos da execução ou em autos apartados? Em autos apartados. É o que diz expressamente o § 1º do art. 914 do CPC/2015:

Art. 914 (...) § 1º Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

Se o embargante (executado) apresenta, de forma incorreta, os embargos à execução nos próprios autos da execução, o juiz deverá rejeitar liminarmente esses embargos? NÃO. O que o juiz deverá fazer? Deverá conceder prazo para que a parte faça o desentranhamento dos embargos e promova a sua distribuição em autos apartados, por dependência, conforme determina o art. 914, § 1º do CPC/2015. Isso porque a propositura dos embargos à execução nos próprios autos da execução configura vício sanável, que pode ser, portanto, corrigido.

A protocolização dos embargos à execução nos autos da própria ação executiva constitui vício sanável. STJ. 3ª Turma. REsp 1.807.228-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Não se mostra razoável deixar de apreciar os argumentos apresentados nos embargos à execução pelo simples fato de eles terem sido opostos, de forma errônea, nos autos da própria ação de execução. Sendo cometido esse erro, o juiz deverá conceder à parte prazo para sanar o vício, adequando o procedimento à forma prescrita no art. 914, § 1º, do CPC/2015. O art. 277 do CPC/2015 preceitua que, quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. A propositura equivocada dos embargos deve ser analisada à luz dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, de modo que a sua rejeição liminar configuraria excesso de formalismo. Assim, deve-se conceder prazo para que a parte promova o desentranhamento, distribuição por dependência e autuação em apartado dos embargos à execução opostos, em conformidade com as exigências legais quanto à forma de processamento.

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ARREMATAÇÃO O arrematante do bem é o responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro, não podendo

essa obrigação ser imputada àquele que ofertou a segunda melhor proposta, porque o vencedor desistiu da arrematação

O arrematante do bem é o responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro, não podendo essa obrigação ser imputada àquele que ofertou a segunda melhor proposta, porque o vencedor desistiu da arrematação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.826.273-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética (com diferenças em relação ao caso concreto): O Banco Safra ajuizou execução de título extrajudicial contra João. Foi penhorado um imóvel do devedor e levado a leilão. No leilão, apareceram dois interessados que ofereceram lances: Pedro (maior lance), Hugo (segunda melhor proposta). Ocorre que Pedro desistiu da arrematação. Diante disso, o leiloeiro cobrou o pagamento de sua comissão de Hugo, segundo ofertante. O juiz negou o pleito, afirmando que o leiloeiro deveria cobrar de Pedro (vencedor que desistiu da arrematação). Contra esta decisão interlocutória, o leiloeiro interpôs agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do CPC) ao Tribunal de Justiça. A questão acabou chegando ao STJ por meio de recurso especial. Quem é o responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro neste caso? Pedro (o vencedor que desistiu da arrematação).

O arrematante do bem é o responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro, não podendo essa obrigação ser imputada àquele que ofertou a segunda melhor proposta, porque o vencedor desistiu da arrematação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.826.273-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

Nos termos do art. 879 do CPC, a alienação do bem penhorado pode ser feita por: a) iniciativa particular ou b) em leilão judicial. No caso concreto, foi realizado o leilão judicial, e nele foram oferecidos dois lances, inaugurando a fase de licitação entre eles, nos termos do § 2º do art. 892 do CPC:

Art. 892. Salvo pronunciamento judicial em sentido diverso, o pagamento deverá ser realizado de imediato pelo arrematante, por depósito judicial ou por meio eletrônico. (...) § 2º Se houver mais de um pretendente, proceder-se-á entre eles à licitação, e, no caso de igualdade de oferta, terá preferência o cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente do executado, nessa ordem.

Desse dispositivo legal pode-se extrair que será considerado arrematante aquele que ofertar o maior lance. A doutrina de Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira esclarece:

“Não havendo nenhum pretendente com direito de preferência ou se, havendo, esse pretendente não ofereceu proposta equivalente ao maior preço ofertado, o concurso será resolvido por

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licitação entre os pretendentes (art. 892, § 2º, CPC): vence quem oferecer o maior valor. No caso de igualdade de oferta, terá preferência o cônjuge, o companheiro (o que inclui a relação homoafetiva), o descendente ou o ascendente do executado, nessa ordem.” (Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5, Salvador: JusPodivm: 2019, p. 965)

A desistência de Pedro não torna Hugo, autor da segunda proposta, arrematante de forma automática. Não há previsão no CPC para a sucessão dos participantes. Dessa forma, o segundo proponente não pode ser considerado arrematante, seja por não ter ofertado o maior valor no leilão, seja por ter sido expressamente excluído do certame pelo exequente e pelos executados, razão pela qual não lhe pode ser imputada a obrigação pelo pagamento da comissão do leiloeiro.

DIREITO PENAL

LEI MARIA DA PENHA Se a mulher vítima de crime de ação pública condicionada comparece ao cartório da vara e

manifesta interesse em se retratar da representação, ainda assim o juiz deverá designar audiência para que ela confirme essa intenção e seja ouvido o MP, nos termos do art. 16

Importante!!!

A Lei Maria da Penha autoriza, em seu art. 16, que, se o crime for de ação pública condicionada (ex: ameaça), a vítima possa se retratar da representação que havia oferecido, desde que faça isso em audiência especialmente designada, ouvido o MP. Veja:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Não atende ao disposto neste art. 16 a retratação da suposta ofendida ocorrida em cartório de Vara, sem a designação de audiência específica necessária para a confirmação do ato.

Em outras palavras, se a vítima comparece ao cartório e manifesta interesse em se retratar, ainda assim o juiz deverá designar a audiência para ouvir a ofendida e o MP, não podendo rejeitar a denúncia sem cumprir esse procedimento.

STJ. 5ª Turma. HC 138.143-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Francisca eram casados. Determinado dia, tiveram uma grave discussão e ele disse que iria matar a mulher. No mesmo instante, Francisca decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou a Delegacia da Mulher. O Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela prática do crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal:

Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Qual é a natureza da ação penal no caso do crime de ameaça? Trata-se de crime de ação penal pública condicionada. Assim, a denúncia somente pode ser oferecida se houver representação da vítima (art. 147, parágrafo único, do CP).

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A pena do crime de ameaça é de 1 a 6 meses de detenção. Trata-se, portanto, de infração de menor potencial ofensivo. Por que não foram aplicadas, no exemplo acima, as medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/95 (suspensão condicional do processo e transação penal)? A Lei Maria da Penha proíbe expressamente que se aplique a Lei nº 9.099/95 para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Por essa razão, a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. Nesse sentido:

Súmula 536-STJ: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.

Alguns de vocês podem estar se perguntando: “eu já ouvi dizer que a lesão corporal leve é crime de ação pública condicionada, salvo no caso de violência doméstica”. Isso significa que todo crime praticado contra a mulher envolvendo violência doméstica será de ação pública incondicionada? NÃO. Realmente, a lesão corporal leve cometida em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é crime de ação pública incondicionada. Isso porque o art. 88 da Lei nº 9.099/95 não se aplica para os casos de violência doméstica:

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.

Existe até um enunciado do STJ nesse sentido:

Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

Por outro lado, é errado dizer que todos os crimes praticados contra a mulher, em sede de violência doméstica, serão de ação penal incondicionada. Continuam existindo crimes praticados contra a mulher (em violência doméstica) que são de ação penal condicionada, desde que a exigência de representação esteja prevista no Código Penal ou em outras leis, que não a Lei nº 9.099/95. Assim, por exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a mulher continua sendo de ação pública condicionada porque tal exigência consta do parágrafo único do art. 147 do CP. O que a Súmula nº 542 do STJ afirma é que o delito de LESÃO CORPORAL praticado com violência doméstica contra a mulher é sempre de ação penal incondicionada porque o art. 88 da Lei nº 9.099/95 não pode ser aplicado aos casos da Lei Maria da Penha. Voltando ao nosso exemplo: Como houve representação da vítima, o Promotor de Justiça ofereceu denúncia contra o réu pela prática de ameaça (art. 147 do CP). Após o oferecimento da denúncia (e antes que ela fosse recebida pelo Juiz), a vítima compareceu ao cartório da Vara e, arrependida, manifestou o desejo de se retratar da representação concedida. Ela disse que “não queria mais continuar com o processo” porque já perdoou o marido. O servidor da Vara fez uma certidão narrando o ocorrido e colheu a assinatura da mulher. O processo foi concluso ao Juiz, que acolheu a retratação da representação e rejeitou a denúncia.

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Recurso em sentido estrito Inconformado, o Promotor de Justiça interpôs recurso em sentido estrito dirigido ao TJ, alegando que o magistrado ignorou o art. 16 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Isso porque esse dispositivo permite a retratação da representação da vítima, mas desde que isso seja feito em audiência específica, com a oitiva do Ministério Público. Veja a redação legal:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

O STJ concordou com a argumentação do Ministério Público? SIM. A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Dispõe o art. 16 da Lei nº 11.340/2006 que, “só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade” (STJ. 5ª Turma. HC 371.470/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/11/2016). Assim, a informação prestada em cartório de que a vítima não mais pretendia processar o autor da ameaça deveria ter sido confirmada perante o juiz, em audiência especialmente designada para essa finalidade. Existem outros julgados do STJ no mesmo sentido:

É irrelevante que exista carta de retratação redigida pela vítima à autoridade policial com o fim de impedir as investigações, pois o art. 16 da Lei nº 11.340/2006 - que prevê a possibilidade de renunciar à representação nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida - só admite a renúncia perante o Juiz, em audiência especialmente designada. STJ. 6ª Turma. HC 458.835/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 02/10/2018.

Essa é também a posição da doutrina:

“não é incomum que mulheres, quando o crime depende de representação (ex: ameaça), registrem ocorrência na delegacia de polícia, apresentem representação e, depois, reconciliadas com seus companheiros ou maridos, busquem a retratação da representação, que, alguns autores denominam de renúncia, evitando- se, com isso, o ajuizamento da ação penal ou o seguimento para a transação, quando viável (...) De toda forma, o art. 16 da Lei 11.340/06 procura dificultar essa renúncia ou retratação da representação, determinando que somente será aceita se for realizada em audiência especialmente designada pelo juiz, para essa finalidade, com prévia oitiva do Ministério Público.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª ed., São Paulo: RT, p. 113).

Em suma:

Não atende ao disposto no art. 16 da Lei Maria da Penha a retratação da suposta ofendida ocorrida em cartório de Vara, sem a designação de audiência específica necessária para a confirmação do ato. STJ. 5ª Turma. HC 138.143-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

LITISPENDÊNCIA A pendência de julgamento de litígio no exterior não impede, por si só, o processamento da

ação penal no Brasil, não configurando bis in idem

A pendência de julgamento de litígio no exterior não impede, por si só, o processamento da ação penal no Brasil, não configurando bis in idem.

STJ. 6ª Turma. RHC 104.123-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado, em 1ª instância, no Brasil, a 8 anos de reclusão pela prática de associação para o tráfico transnacional (art. 35, caput, c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006). Contra esta condenação, a defesa impetrou habeas corpus alegando a ocorrência de bis in idem, sob o argumento de que o réu já foi preso, processado e cumpriu 7 anos no Uruguai pelos mesmos fatos. Logo, pediu para que a condenação proferida no Brasil fosse anulada. O pedido foi acolhido pelo STJ? NÃO. Vamos entender com calma. Litispendência e proibição do bis in idem A litispendência guarda relação com a ideia de que ninguém pode ser processado quando está pendente de julgamento um litígio com as mesmas partes (eadem personae), sobre os mesmos fatos (eadem res) e com a mesma pretensão (eadem petendi). Trata-se da proibição do bis in idem. Duas vertentes do bis in idem Embora o ne bis in idem tenha origem mais ligada à sua vertente processual, é possível identificar duas vertentes: a) ne bis in idem material: significa que o acusado tem o direito de não ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Impede que alguém seja, efetivamente, punido em duplicidade ou que tenha o mesmo fato, elemento ou circunstância considerados mais de uma vez para definir-se a sanção criminal. b) ne bis in idem processual: assegura-se ao réu o direito de não ser processado duas vezes pelo mesmo fato. Assim, impede a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual que esteja em duplicidade. O princípio do ne bis in idem é previsto na legislação brasileira? No Direito Brasileiro, embora ausente sua previsão na Constituição Federal (ao menos de modo explícito), pode-se identificar a influência do ne bis in idem, em maior ou em menor grau, na legislação ordinária, tal como ocorre no art. 8º do Código Penal, no art. 110 do CPP e no art. 82, V, da Lei de Migração. A incorporação do princípio do ne bis in idem ao ordenamento jurídico brasileiro, ainda que sem o caráter de preceito constitucional, vem complementar o rol dos direitos e das garantias individuais já previsto pela Constituição Federal de 1988, em razão de que a interpretação constitucional sistemática leva à conclusão de que se impõe a prevalência do direito do indivíduo à liberdade em detrimento do poder-dever do Estado-juiz de acusar (STF. Plenário. HC 80.263/SP, Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJ 27/6/2003). Limites de aplicação do ne bis in idem As mudanças ocorridas no Direito, principalmente a partir da universalização dos direitos humanos e da criação consensual de instâncias supranacionais para protegê-los e punir os responsáveis por suas violações, implicou a progressiva e lenta reestruturação do processo penal moderno para um modelo

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incriminatório universal, em que as fronteiras não sejam obstáculo para a justiça ou refúgio para a impunidade. Uma dessas mudanças diz respeito aos limites de aplicação do ne bis in idem, a um primeiro olhar mais restritos, quando aplicados no âmbito da jurisdição transnacional do que em sua corrente incidência dentro de cada ordenamento jurídico. Nesse contexto, pela análise de normativas internacionais incorporadas e vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, constata-se a regra de que é a sentença definitiva oriunda de distintos Estados soberanos – e não a existência de litígio pendente de julgamento – que pode obstar a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual que configuraria a litispendência. A pendência de julgamento de litígio no exterior não impede o processamento de demanda no Brasil Prevalece, portanto, que a pendência de julgamento de litígio no exterior não impede o processamento de demanda no Brasil, até mesmo porque no curso da ação penal pode ocorrer tanto a alteração da capitulação (emendatio libeli) como, também, da imputação penal (mutatio libeli), o que, por si só, é suficiente para exigir maior cautela na extinção prematura de demandas criminais em Estados soberanos distintos. Seria temerário, portanto, também sob esse aspecto, aniquilar o cumprimento da pena no território brasileiro. Além disso, poderá incidir o art. 8º do Código Penal que, embora não cuide propriamente da proibição de dupla punição e persecução penais, dispõe sobre o modo como deve ser resolvida a situação de quem é punido por distintos Estados soberanos pela prática do mesmo delito, nos seguintes termos:

Art. 8º A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Não há elementos seguros para se afirmar que são os mesmos fatos No caso concreto, o STJ considerou que não havia elementos suficientes nos autos para se afirmar, com certeza, que a investigação realizada no Uruguai envolveu exatamente as mesmas condutas. Vale ressaltar que, mesmo que, posteriormente, conclua-se que são os mesmos fatos, será possível aplicar, no caso, a regra do art. 8º do Código Penal. Essa regra afastará, portanto, eventual dupla apenação do réu. Não é matéria para habeas corpus Por fim, o STJ afirmou que não é possível, na via estreita do habeas corpus, avaliar a extensão das investigações realizadas numa e noutra ação penal, bem como os fatos delituosos objeto de um e de outro processo, para se concluir, com precisão, se há ou não bis in idem ou litispendência. A questão da litispendência há de ser enfrentada e dirimida nas instâncias ordinárias, onde o maior âmbito da cognição - horizontal e vertical - permitirá a aferição da efetiva ocorrência do alegado pressuposto negativo da validade da relação processual.

Em suma:

A pendência de julgamento de litígio no exterior não impede, por si só, o processamento da ação penal no Brasil, não configurando bis in idem. STJ. 6ª Turma. RHC 104.123-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/09/2019 (Info 656).

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REVISÃO CRIMINAL A violação a normas processuais não escritas, como é o caso da proibição da supressão de instância, pode ensejar o ajuizamento de revisão criminal, com base no art. 621, I, do CPP

Importante!!!

O art. 621, I, do CPP prevê que cabe revisão criminal “quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal”.

É admissível a revisão criminal fundada no art. 621, I, do CPP ainda que, sem indicar nenhum dispositivo de lei penal violado, suas razões apontem tanto a supressão de instância quanto a ausência de esgotamento da prestação jurisdicional.

Isso porque a expressão “texto expresso da lei penal” prevista no art. 621, I, do CPP é ampla e abrange também as normas processuais não estão escritas.

STJ. 3ª Seção. RvCr 4.944-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/09/2019 (Info 656).

Em que consiste a revisão criminal? Revisão criminal é... - uma ação autônoma de impugnação - de competência originária dos Tribunais (ou da Turma Recursal, no caso dos Juizados) - por meio da qual a pessoa condenada requer ao Tribunal - que reveja a decisão que a condenou (e que já transitou em julgado) - sob o argumento de que ocorreu erro judiciário. Então a revisão criminal pode ser proposta a qualquer tempo? SIM. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, mesmo após já ter sido extinta a pena (art. 622 do CPP). Natureza jurídica A revisão criminal NÃO é um recurso. Trata-se de uma ação autônoma de impugnação, mais precisamente uma ação penal de natureza constitutiva (tem por objetivo desconstituir uma decisão transitada em julgado). Pressupostos: A revisão criminal tem dois pressupostos: a) existência de decisão condenatória (ou absolutória imprópria) com trânsito em julgado; b) demonstração de que houve erro judiciário. Quem pode propor a revisão criminal? • o próprio réu; • procurador legalmente habilitado pelo réu; • o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do réu, caso este já tenha morrido.

CPP/Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Hipóteses As hipóteses de revisão criminal estão previstas no art. 621 do CPP:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

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II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Obs: o art. 263 do Regimento Interno do STF reproduz essas três hipóteses. Feita esta breve revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi condenado por furto. O réu interpôs apelação junto ao Tribunal de Justiça postulando: a) o reconhecimento do princípio da insignificância; b) subsidiariamente, caso não acolhido o pedido anterior, que fosse reduzida a sua pena em razão da confissão e das circunstâncias judiciais favoráveis. O TJ reconheceu a incidência do princípio da insignificância e absolveu o réu. Como o TJ acolheu o pedido principal (absolvição pelo princípio da insignificância), ficou prejudicada a análise do pedido subsidiário (redução da pena). Recurso especial do MP O Ministério Público interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ. O STJ deu provimento ao recurso especial do MP e afastou o princípio da insignificância e reestabeleceu a condenação imposta. O processo transitou em julgado. Revisão criminal João ingressou, então, com revisão criminal, fundada no art. 621, I, do CPP, alegando que o STJ, ao dar provimento ao recurso especial do MP e rejeitar a aplicação do princípio da insignificância, deveria ter determinado o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça para que continuasse o julgamento do recurso. Isso porque na apelação a defesa formulou dois pedidos: absolvição e redução da pena. Se o STJ entendeu que não era o caso de absolvição pelo princípio da insignificância, deveria ter permitido que o TJ analisasse o pleito subsidiário da defesa para redução da pena. Como o STJ não permitiu isso, houve supressão de instância. O MP afirmou que a revisão criminal não deveria ser conhecida porque o inciso I do art. 621 do CPP fala que cabe a revisão “quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal”. A defesa, contudo, não indicou nenhum dispositivo de lei penal que teria sido violado. O que decidiu o STJ? A revisão criminal deve ser conhecida? SIM. Muito embora o autor da revisão criminal não indique nenhum dispositivo de lei penal violado, é nítido que suas razões apontam que houve supressão de instância e ausência de esgotamento da prestação jurisdicional como consequências do error in procedendo do STJ. A expressão “texto expresso da lei penal” prevista no art. 621, I, do CPP é ampla e abrange: • as normas penais escritas; • qualquer ato normativo que tenha sido utilizado como fundamento da sentença condenatória (portarias, leis completivas empregadas na aplicação de uma lei penal em branco etc.); • normas penais processuais; • normas processuais civis (que são aplicáveis subsidiariamente no processo penal, por força art. 3º do CPP); • normas constitucionais;

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• e também normas processuais não estão escritas, que podem ser depreendidas do sistema processual como um todo. Exemplos: o direito ao duplo grau de jurisdição, a proibição de supressão de instância, a obrigação do julgador de produzir uma prestação jurisdicional completa e relacionada ao pedido veiculado na inicial etc. Desse modo, a violação a normas processuais não escritas, como é o caso da proibição da supressão de instância, pode também ensejar o ajuizamento de revisão criminal, com base no art. 621, I, do CPP. Em suma:

É admissível a revisão criminal fundada no art. 621, I, do CPP, ainda que, sem indicar nenhum dispositivo de lei penal violado, suas razões apontem tanto a supressão de instância quanto a ausência de esgotamento da prestação jurisdicional. STJ. 3ª Seção. RvCr 4.944-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/09/2019 (Info 656).

Obs: no mérito, o STJ julgou procedente a revisão criminal para que seja desconstituída a coisa julgada na parte referente à fixação da pena e seja determinado que o TJ prossiga no julgamento das demais teses defensivas apresentadas quando da interposição do recurso de apelação, pertinentes à dosimetria da pena.

DIREITO TRIBUTÁRIO

PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO Depois que o contribuinte pedia o parcelamento da Lei 11.941/2009, demorava algum tempo

até que o Fisco fizesse a consolidação do débito; neste período, continuam incidindo juros moratórios sobre a dívida

Incidem juros moratórios no período entre o requerimento de adesão e a consolidação do débito a ser objeto do parcelamento tributário instituído pela Lei nº 11.941/2009.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.523.555-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 13/08/2019 (Info 656).

Parcelamento tributário instituído pela Lei nº 11.941/2009 A Lei nº 11.941/2009 trata sobre diversos aspectos da legislação tributária federal, ou seja, envolvendo tributos de competência da União. O art. 1º trata sobre o parcelamento e o pagamento de dívidas de tributos federais. Veja o que diz um trecho do caput:

Art. 1º Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses, nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (...)

Desse modo, esse art. 1º prevê a possibilidade de parcelamento, em até 180 parcelas mensais, dos débitos relacionados com tributos federais. Imagine agora a seguinte situação hipotética: A empresa “XX” possui débitos tributários federais avaliados, aproximadamente, em R$ 500 mil. A empresa pediu a sua adesão ao parcelamento, com fundamento na Lei nº 11.941/2009, requerendo o parcelamento em 180 prestações.

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Como o volume de requerimentos foi muito grande, depois que o contribuinte pedia o parcelamento, a Receita Federal demorava alguns meses para fazer a chamada “consolidação do débito”, ou seja, para calcular exatamente quanto a empresa estava devendo e o valor exato das parcelas que ela deveria pagar. Enquanto não ocorria essa consolidação do débito, a empresa deveria ficar pagando, obrigatoriamente, uma parcela mínima no valor de R$ 100,00. Assim, a empresa “XX” pediu o parcelamento e ficou pagando a parcela mínima de R$ 100,00. Depois de 6 meses, a Receita Federal consolidou o débito e afirmou para a empresa “XX”: agora, você deverá pagar uma prestação mensal de R$ 3 mil. Foi, então, que a empresa “XX” notou que, nos 6 meses que ela ficou esperando a consolidação do débito, continuaram incidindo juros moratórios sobre a sua dívida. A empresa não concordou e ajuizou ação contra a União afirmando que, neste período, não deveriam incidir juros moratórios, considerando que ela não estava em atraso. Ela estava aguardando uma providência do Fisco, qual seja, a consolidação do débito para iniciar o pagamento das parcelas cheias. Qual é o entendimento do STJ a respeito do tema? No período que o contribuinte está aguardando a consolidação do débito continuam incidindo juros de mora? SIM.

Incidem juros moratórios no período entre o requerimento de adesão e a consolidação do débito a ser objeto do parcelamento tributário instituído pela Lei nº 11.941/2009. STJ. 1ª Turma. REsp 1.523.555-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 13/08/2019 (Info 656).

Nos termos do art. 155-A, caput e § 1º, do CTN, o parcelamento tributário deve ser concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica e, em regra, não importa exclusão de juros e multas. A regra geral é que incida atualização monetária no parcelamento do crédito tributário, a menos que a lei disponha de modo diverso. A Lei nº 11.941/2009 não previu a dispensa dos juros moratórios no período entre a adesão e a consolidação da dívida. À mingua de previsão específica na lei do parcelamento, não se pode mesmo determinar a exclusão dos juros de mora calculados no período entre a adesão e a consolidação da dívida, sob pena de criar mais um benefício ao devedor não estabelecido pelo legislador. Embora o contribuinte não tenha contribuído para a demora entre o requerimento e a consolidação, tal fato não implica a inexigibilidade dos juros moratórios que seriam devidos, ordinariamente, no decorrer do parcelamento. Desta forma, os débitos para com o Fisco Federal, antes que sejam consolidados no programa de parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/09, ficam sim sujeitos à incidência de juros de mora, calculados com base na Taxa SELIC, consoante o teor do art. 61, § 6º, da Lei nº 9.430/96.

EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO No empréstimo compulsório sobre energia elétrica (DL 1.512/76), a Eletrobrás deverá pagar juros remuneratórios de 6% ao ano sobre a diferença de correção monetária não paga nem

convertida em ações

No empréstimo compulsório sobre energia elétrica, são devidos juros remuneratórios sobre a diferença de correção monetária não paga nem convertida em ações, no percentual de 6% ao ano, nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº 1.512/76.

STJ. 1ª Seção. EDv nos EAREsp 790.288-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/06/2019 (Info 656).

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O que é um empréstimo compulsório? Se houver... 1) uma calamidade pública 2) uma guerra externa ou 3) a necessidade de se fazer investimento público urgente e de interesse nacional ... ... a União poderá tomar emprestados recursos do contribuinte, comprometendo-se a aplicar o valor arrecadado em uma dessas despesas. Nisso consiste o empréstimo compulsório, que é uma espécie de tributo prevista no art. 148 da CF/88:

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b". Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.

A lei complementar que instituir o empréstimo compulsório já deverá fixar o seu prazo e as condições de resgate (art. 15, parágrafo único, do CTN). Empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica Em 1962, foi editada a Lei nº 4.156/62 criando um empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica. Esse tributo foi instituído com o objetivo de financiar a expansão e a melhoria do setor elétrico brasileiro em uma época onde em muitos lugares do país não havia energia elétrica. Assim, na conta de luz do consumidor, além da tarifa normal, era cobrado determinado valor a título de empréstimo compulsório, o que perdurou até 1993. O valor arrecadado era destinado à Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras), sociedade de economia mista federal responsável pela expansão da oferta de energia elétrica no país. Histórico da legislação sobre o tema • Lei nº 4.156/62: instituiu a cobrança do empréstimo compulsório para todos os consumidores de energia elétrica a partir de 1964. Essa Lei previa que a devolução dos valores do empréstimo para os contribuintes deveria ser realizada por meio de títulos ao portador, o que foi feito até 1976. • Decreto-Lei nº 1.512/76: restringiu a cobrança do empréstimo compulsório apenas aos consumidores industriais de energia elétrica cujo consumo mensal fosse igual ou superior a 2000Kw/hora (art. 5º do DL). É importante registrar que, a partir deste DL, foi determinado que os créditos do empréstimo compulsório passariam a ser escriturados pela Eletrobrás e que poderiam ser convertidos em ações representativas do capital social da empresa. • Lei 7.181/83: o prazo de vigência do empréstimo compulsório foi prorrogado até 31/12/1993. Divergências quanto à devolução dos valores No prazo previsto na lei, a Eletrobrás efetuou a devolução dos valores cobrados dos clientes como empréstimo compulsório. No entanto, surgiram várias divergências acerca da quantia que seria realmente devida. Isso porque diversos consumidores questionaram os índices de correção monetária que foram utilizados pela empresa para a devolução, especialmente por causa da alta inflação vivenciada no período. Crédito convertido em participação acionária O art. 3º do DL nº 1.512/76 previu que... - na data de vencimento do empréstimo compulsório ou - em uma data antes, caso a Assembleia Geral da Eletrobrás decidisse antecipar o pagamento

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- o crédito do consumidor poderia ser convertido em participação acionária na Eletrobrás Em outras palavras, o consumidor que pagou o empréstimo compulsório não receberia de volta em dinheiro, mas sim em ações preferenciais nominativas da Eletrobrás. Diferença de correção monetária não paga nem convertida em ações Chegando na data estipulada, a Eletrobrás calculou quanto era devido para cada consumidor e fez a conversão deste crédito em ações. Ex: a Indústria ABC pagou empréstimo compulsório durante alguns anos. Houve uma Assembleia-Geral Ordinária (AGE) da Eletrobrás na qual se decidiu antecipar o pagamento e, portanto, calculou-se que a Indústria ABC deveria receber de volta R$ 200 mil. Esse valor não foi pago em dinheiro, mas sim convertido em ações, conforme autorizava o art. 3º do DL nº 1.512/76. Logo, a Indústria ABC recebeu R$ 200 mil em ações preferenciais nominativas da Eletrobrás. Ocorre que a Indústria ABC, depois de receber as ações, questionou o valor apurado e ingressou com demanda judicial contra a Eletrobrás alegando que deveria ter recebido R$ 300 mil, sob o argumento de que o índice de correção monetária utilizado pela Eletrobrás foi abaixo do que seria devido. O Poder Judiciário concordou com a Indústria e disse que ela tinha direito a um saldo de R$ 100 mil decorrente da diferença de correção monetária calculada a menor que, por não ter sido convertido em ações, ainda seria devido pela Eletrobras. A Eletrobrás deverá pagar juros remuneratórios sobre esses R$ 100 mil? SIM. Incidem juros remuneratórios de 6% ano. Ora, se existiam quantias que não foram convertidas em ações nem foram pagas em dinheiro, tais valores ainda permaneceram como débito. Logo, a Indústria continuou sendo credora dessa quantia e, portanto, sobre esse crédito (nessa parte não convertida) incidem os critérios próprios do empréstimo compulsório: juros remuneratórios até que o valor seja efetivamente pago ou venha a ser convertido em ações, nos termos do art. 2º do DL nº 1.512/76:

Art. 2º O montante das contribuições de cada consumidor industrial, apurado sobre o consumo de energia elétrica verificado em cada exercício, constituirá, em primeiro de janeiro do ano seguinte, o seu crédito a título de empréstimo compulsório que será resgatado no prazo de 20 (vinte) anos e vencerá juros de 6% (seis por cento) ao ano.

Em suma:

No empréstimo compulsório sobre energia elétrica, são devidos juros remuneratórios sobre a diferença de correção monetária não paga nem convertida em ações, no percentual de 6% ao ano, nos termos do art. 2º do Decreto-Lei n. 1.512/1976. STJ. 1ª Seção. EDv nos EAREsp 790.288-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/06/2019 (Info 656).

Informativo comentado

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do

servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade. ( )

2) É possível a usucapião de bem móvel proveniente de crime após cessada a clandestinidade ou a violência. ( )

3) A existência da sociedade de fato entre os sócios pode ser provada por qualquer meio de prova admitida em direito. ( )

4) A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio. ( )

5) Banco não é responsável por fraude em compra on-line paga via boleto quando não se verificar qualquer falha na prestação do serviço bancário. ( )

6) É possível a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde coletivo após a rescisão contratual da pessoa jurídica estipulante com a operadora do plano. ( )

7) O administrador do fundo de investimento é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de supostos danos resultantes de inadequada liquidação. ( )

8) A decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa não equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, não é recorrível por agravo de instrumento. ( )

9) O juiz deve rejeitar liminarmente os embargos à execução protocolizados nos autos da própria ação executiva. ( )

10) O arrematante do bem é o responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro, não podendo essa obrigação ser imputada àquele que ofertou a segunda melhor proposta, porque o vencedor desistiu da arrematação. ( )

11) Se a mulher vítima de crime de ação pública condicionada comparece ao cartório da vara e manifesta interesse em se retratar da representação, ainda assim o juiz deverá designar audiência para que ela confirme essa intenção e seja ouvido o Ministério Público. ( )

12) A pendência de julgamento de litígio no exterior não impede, por si só, o processamento da ação penal no Brasil, não configurando bis in idem. ( )

13) Não é admissível a revisão criminal fundada no art. 621, I, do CPP se o autor não indicar nenhum dispositivo de lei penal violado. ( )

14) Não incidem juros moratórios no período entre o requerimento de adesão e a consolidação do débito a ser objeto do parcelamento tributário instituído pela Lei nº 11.941/2009. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. C 6. E 7. C 8. C 9. E 10. C

11. C 12. C 13. E 14. E