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Informativo 670-STJ (22/05/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 670-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para atuar no âmbito do Superior Tribunal de Justiça na condição de parte DIREITO CIVIL DIREITO AO ESQUECIMENTO Existindo interesse social à memória histórica de crime notório, não é possível acolher a tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato. A veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência. DOAÇÃO É nula a doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens. CONTRATOS (CONTRATO DE MANDATO) A ausência do reconhecimento de firma da assinatura do mandante não induz, necessariamente, a nulidade do instrumento particular de mandato. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS Nos contratos de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbenciais, a rescisão unilateral pelo cliente justifica o arbitramento judicial de honorários pelo trabalho do causídico até o momento da rescisão contratual. DIREITO PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (PRECATÓRIOS) A preferência prevista no § 2º do art. 100 da Constituição Federal não pode ser reconhecida mais de uma vez em um mesmo precatório. PROCESSO COLETIVO A decisão em mandado de segurança coletivo impetrado por associação beneficia todos os associados, sendo irrelevante a filiação ter ocorrido após a sua impetração. DIREITO PENAL PRESCRIÇÃO O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória. DIREITO PROCESSUAL PENAL INDULTO O descumprimento das condições impostas para o livramento condicional não pode ser invocado para impedir a concessão do indulto, a título de não preenchimento do requisito subjetivo.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO ▪ O Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para atuar no âmbito do Superior Tribunal de Justiça na

condição de parte

DIREITO CIVIL

DIREITO AO ESQUECIMENTO ▪ Existindo interesse social à memória histórica de crime notório, não é possível acolher a tese do direito ao

esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato. ▪ A veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no

fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência. DOAÇÃO ▪ É nula a doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens. CONTRATOS (CONTRATO DE MANDATO) ▪ A ausência do reconhecimento de firma da assinatura do mandante não induz, necessariamente, a nulidade do

instrumento particular de mandato. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS ▪ Nos contratos de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbenciais, a

rescisão unilateral pelo cliente justifica o arbitramento judicial de honorários pelo trabalho do causídico até o momento da rescisão contratual.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (PRECATÓRIOS) ▪ A preferência prevista no § 2º do art. 100 da Constituição Federal não pode ser reconhecida mais de uma vez em

um mesmo precatório. PROCESSO COLETIVO ▪ A decisão em mandado de segurança coletivo impetrado por associação beneficia todos os associados, sendo

irrelevante a filiação ter ocorrido após a sua impetração. DIREITO PENAL

PRESCRIÇÃO ▪ O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede

o curso da prescrição executória. DIREITO PROCESSUAL PENAL

INDULTO ▪ O descumprimento das condições impostas para o livramento condicional não pode ser invocado para impedir a

concessão do indulto, a título de não preenchimento do requisito subjetivo.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

RESTITUIÇÃO DE VALORES DEVIDOS AO CONTRIBUINTE ▪ Qual é o termo inicial da incidência de correção monetária no ressarcimento de créditos tributários escriturais? PIS E COFINS ▪ Creditamento de PIS/Cofins e bens ou serviços provenientes de empresa localizada fora da Zona Franca de Manaus (ZFM).

DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para atuar

no âmbito do Superior Tribunal de Justiça na condição de parte

Os Ministérios Públicos dos Estados podem atuar, diretamente, na condição de partes, perante os Tribunais Superiores, em razão da não existência de vinculação ou subordinação entre o Parquet Estadual e o Ministério Público da União. Tal conclusão, entretanto, não pode ser aplicada ao Ministério Público do Trabalho, considerando que o MPT é sim órgão vinculado ao Ministério Público da União, conforme dispõe o art. 128, I, “b”, da Constituição Federal.

O MPT integra a estrutura do MPU, atuando perante o Tribunal Superior do Trabalho, não tendo legitimidade para funcionar no âmbito do STJ, tendo em vista que esta atribuição é reservada aos Subprocuradores-gerais da República integrantes do quadro do Ministério Público Federal.

STJ. 1ª Seção. AgRg no CC 122.940-MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 07/04/2020 (Info 670).

O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para atuar diretamente no STF ou no STJ? NÃO. A jurisprudência entende que o MPT não pode atuar diretamente nessa Corte (STF Rcl 6239 AgR-AgR/RO e Rcl 7318 AgR/PB). Se for necessário, por exemplo, propor uma reclamação no STF ou no STJ e que seja do interesse do MPT, quem deve manejar essa reclamação é o Procurador-Geral da República. O Procurador do Trabalho não pode atuar diretamente no STF (nem mesmo o Procurador-Geral do Trabalho). O exercício das funções do Ministério Público da União junto ao Supremo Tribunal Federal cabe privativamente ao Procurador-Geral da República (ou aos Subprocuradores por ele designados), nos termos do art. 46 da LC 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União):

Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência. Art. 47. O Procurador-Geral da República designará os Subprocuradores-Gerais da República que exercerão, por delegação, suas funções junto aos diferentes órgãos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal.

Logo, o MPT é parte ilegítima para, em sede originária, atuar no STF, uma vez que integra a estrutura orgânica do Ministério Público da União, cuja atuação funcional compete, em face da própria unidade institucional, ao seu chefe, qual seja, o Procurador-Geral da República. Veja o que diz a LC 75/93:

Art. 24. O Ministério Público da União compreende:

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I - o Ministério Público Federal; II - o Ministério Público do Trabalho; III - o Ministério Público Militar; IV - o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Art. 25. O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União (...)

Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.

Art. 90. Compete ao Procurador-Geral do Trabalho exercer as funções atribuídas ao Ministério Público do Trabalho junto ao Plenário do Tribunal Superior do Trabalho, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência.

Repare que foi dito acima que o MPT não pode atuar diretamente no STF ou STJ. O que se entende por atuação direta? Significa que o MPT não pode ajuizar ações originárias no STF ou STJ nem pode recorrer contra decisões proferidas por esta Corte. Exemplos de atuação direta e que, portanto, não podem ser praticadas pelo MPT (devem ser feitas pelo PGR): • Mandado de segurança impetrado no STF (contra decisão do CNMP, p. ex.) ou no STJ (contra Ministro de Estado, p. ex.). • Reclamação constitucional; • Pedido de suspensão de segurança no STF ou no STJ; • Pedido de tutela provisória no STF ou STJ; • Recursos contra as decisões proferidas no STF ou no STJ (embargos de declaração, embargos de divergência, agravo regimental etc.). Caso concreto julgado pelo STJ: O MPT interpôs agravo regimental contra decisão monocrática do Ministro do STJ. O recurso não foi conhecido por ilegitimidade.

O MPT integra a estrutura do MPU, atuando perante o Tribunal Superior do Trabalho, não tendo legitimidade para funcionar no âmbito do STJ, tendo em vista que esta atribuição é reservada aos Subprocuradores-gerais da República integrantes do quadro do Ministério Público Federal. STJ. 1ª Seção. AgRg no CC 122.940-MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 07/04/2020 (Info 670).

O membro do MPT pode interpor recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF, contra uma decisão proferida pelo TST? SIM. Os membros do MPT têm atribuição para atuar perante o TST (art. 83, VI e art. 107, da LC 75/93). Isso inclui a possibilidade de eles interporem recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF, contra decisões do TST. O que é vedado ao MPT é atuar de forma originária perante o STF. No entanto, o RE é interposto na Corte de origem (no caso, no TST) e somente depois é enviado ao STF. Logo, a interposição de RE não é considerada como uma atuação direta no STF. STF. Plenário. RE 789874/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/9/2014 (Info 759).

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DIREITO CIVIL

DIREITO AO ESQUECIMENTO Existindo interesse social à memória histórica de crime notório, não é possível acolher a tese do

direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato

A veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de

terceiros não envolvidos no fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência

Existindo evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso cuja pena já se encontra cumprida.

O chamado direito ao esquecimento, apesar de ser reconhecido pela jurisprudência, não possui caráter absoluto.

Em caso de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, não se pode proibir a veiculação de matérias jornalísticas relacionados com o fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Em tal situação, não se aplica o direito ao esquecimento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/04/2020 (Info 670).

Matéria jornalística que, sob o pretexto de noticiar crime histórico, expõe a intimidade do atual marido e dos filhos da condenada, pessoas que não têm relação direta com o fato, ofende o princípio da intranscendência ou da pessoalidade da pena, descrito no art. 5º, XLV, da CF/88 e no art. 13 do Código Penal. Isso porque, ao expor publicamente a intimidade dos referidos familiares em razão do crime ocorrido, a reportagem compartilhou dimensões evitáveis e indesejáveis dos efeitos da condenação então estendidas à atual família da ex-condenada.

Especificamente quanto aos filhos, menores de idade, ressalta-se a Opinião Consultiva n. 17, de 28 de agosto de 2002 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entende que o melhor interesse das crianças e dos adolescentes é reconhecido como critério regente na aplicação de normas em todos os aspectos da vida dos denominados “sujeitos em desenvolvimento”.

Ademais, a exposição jornalística da vida cotidiana dos infantes, relacionando-os, assim, ao ato criminoso, representa ofensa ao direito ao pleno desenvolvimento de forma sadia e integral, nos termos do art. 3º do ECA e do art. 16 da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/90.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/04/2020 (Info 670).

O julgado a seguir comentado envolve o tema direito ao esquecimento. Antes de explicar o que foi decidido, irei fazer uma explicação sobre seus principais aspectos. Como a explicação sobre o tema é extensa, se estiver sem tempo, você pode ir diretamente para a análise do julgado que é feita logo depois deste tópico. DIREITO AO ESQUECIMENTO

O que é o direito ao esquecimento? O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.

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Veja a definição dada por Anderson Schreiber:

“(...) o direito ao esquecimento é, portanto, um direito (a) exercido necessariamente por uma pessoa humana; (b) em face de agentes públicos ou privados que tenham a aptidão fática de promover representações daquela pessoa sobre a esfera pública (opinião social); incluindo veículos de imprensa, emissoras de TV, fornecedores de serviços de busca na internet etc.; (c) em oposição a uma recordação opressiva dos fatos, assim entendida a recordação que se caracteriza, a um só tempo, por ser desatual e recair sobre aspecto sensível da personalidade, comprometendo a plena realização da identidade daquela pessoa humana, ao apresenta-la sob falsas luzes à sociedade.” (Anderson SCHREIBER. Direito ao esquecimento e proteção de dados pessoais na Lei 13.709/2018. In: TEPEDINO, G; FRAZÃO, A; OLIVA, M.D. Lei geral de proteção de dados pessoais e suas repercussões no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 376).

Exemplo histórico O exemplo mais conhecido e mencionado é o chamado “caso Lebach” (Soldatenmord von Lebach), julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão. A situação foi a seguinte: em 1969, quatro soldados alemães foram assassinados em uma cidade na Alemanha chamada Lebach. Após o processo, três réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de reclusão. Esse terceiro condenado cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa especial sobre o crime no qual seriam mostradas, inclusive, fotos dos condenados e a insinuação de que eram homossexuais. Ele ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do programa. A questão chegou até o Tribunal Constitucional Alemão, que decidiu que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada. Assim, naquele caso concreto, entendeu-se que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer em relação à liberdade de informação. Isso porque não haveria mais um interesse atual naquela informação (o crime já estava solucionado e julgado há anos). Em contrapartida, a divulgação da reportagem iria causar grandes prejuízos ao condenado, que já havia cumprido a pena e precisava ter condições de se ressocializar, o que certamente seria bastante dificultado com a nova exposição do caso. Dessa forma, a emissora foi proibida de exibir o documentário. Obs: alguns pesquisadores afirmam que o caso Lebach não poderia ser utilizado como exemplo de aplicação do direito ao esquecimento uma vez que teria havido outras decisões na Alemanha autorizando a exibição do documentário. Trata-se, contudo, de um debate mais aprofundado, sem tanta relevância para fins de concurso, sendo certo também que, na doutrina brasileira, o referido episódio é sempre lembrado como um caso de direito ao esquecimento. Nomenclatura O direito ao esquecimento também é chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”. Em outros países, é conhecido como the right to be let alone ou derecho al olvido. Fundamento No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, considerando que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21). Alguns autores também afirmam que o direito ao esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88).

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Conflito entre interesses constitucionais A discussão quanto ao direito ao esquecimento envolve um conflito aparente entre a liberdade de expressão/informação e atributos individuais da pessoa humana, como a intimidade, privacidade e honra. O direito ao esquecimento não é uma criação recente Há muitos anos discute-se esse direito na Europa e nos EUA. A título de exemplo, Fraçois Ost menciona interessante decisão de 1983, do Tribunal de última instância de Paris (Mme. Filipachi Cogedipresse), na qual esse direito restou assegurado nos seguintes termos:

“(...) qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.” (OST, François. O Tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005, p. 161).

Por que, então, esse tema está sendo novamente tão discutido? O direito ao esquecimento voltou a ser tema de inegável importância e atualidade em razão da internet. Isso porque a rede mundial de computadores praticamente eterniza as notícias e informações. Com poucos cliques, é possível ler reportagens sobre fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotos e vídeos. Enfim, é quase impossível ser esquecido com uma ferramenta tão poderosa disponibilizando facilmente um conteúdo praticamente infinito. No Brasil, o direito ao esquecimento voltou a ser palco de intensos debates em razão da aprovação de um enunciado nesse sentido na VI Jornada de Direito Civil do CJF, além de o STJ ter julgado vários casos envolvendo esse direito há pouco tempo. O direito ao esquecimento aplica-se apenas a fatos ocorridos no campo penal? NÃO. A discussão quanto ao direito ao esquecimento surgiu, de fato, para o caso de ex-condenados que, após determinado período, desejavam que esses antecedentes criminais não mais fossem expostos, uma vez que lhes causavam inúmeros prejuízos. No entanto, esse debate foi se ampliando e, atualmente, envolve outros aspectos da vida da pessoa que ela almeja que sejam esquecidos. É o caso, por exemplo, da apresentadora Xuxa, que, no passado, atuou em determinado filme do qual se arrepende e que não mais deseja que seja exibido ou rememorado por lhe causar prejuízos profissionais e transtornos pessoais. Pode-se mencionar ainda que o indivíduo deseje simplesmente ser esquecido, deixado em paz. Nesse sentido, podemos imaginar o exemplo de uma pessoa que era famosa (um artista, esportista, político etc.) que, em determinado momento de sua vida, decide voltar a ser um anônimo e não mais ser incomodado com reportagens, entrevistas ou qualquer outra forma de exposição pública. Em certa medida, isso aconteceu na década de 90 com a ex-atriz Lídia Brondi e, mais recentemente, com Ana Paula Arósio que, mesmo tendo carreiras de muito sucesso na televisão, optaram por voltar ao anonimato. Essa é, portanto, uma das expressões do direito ao esquecimento, que deve ser juridicamente assegurado. Assim, se um veículo de comunicação tiver a infeliz ideia de fazer um especial mostrando a vida atual dessas ex-atrizes, com câmeras acompanhando seu dia-a-dia, entrevistando pessoas que as conheciam na época, mostrando lugares que atualmente frequentam etc., poderão elas requerer ao Poder Judiciário medidas que impeçam essa violação ao seu direito ao esquecimento. Críticas ao chamado “direito ao esquecimento” Vale ressaltar que existem doutrinadores que criticam a existência de um “direito ao esquecimento”. O Min. Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 1.335.153-RJ, apesar de ser favorável ao direito ao esquecimento, colacionou diversos argumentos contrários à tese. Vejamos os mais relevantes:

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• o acolhimento do chamado direito ao esquecimento constituiria um atentado à liberdade de expressão e de imprensa;

• o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa perda da própria história, o que vale dizer que o direito ao esquecimento afronta o direito à memória de toda a sociedade;

• o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público;

• é absurdo imaginar que uma informação que é lícita se torne ilícita pelo simples fato de que já passou muito tempo desde a sua ocorrência;

• quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público.

Sem dúvida nenhuma, o principal ponto de conflito quanto à aceitação do direito ao esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação. Enunciado 531 da VI Jornada Em março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, foi aprovado um enunciado defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana. Veja:

Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. Apesar de tais enunciados não terem força cogente, trata-se de uma importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais do Direito. O STJ acolhe a tese do direito ao esquecimento? SIM. Existem julgados do STJ nos quais já se afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013). Contudo, o deferimento, ou não, do direito ao esquecimento depende da análise do caso concreto e da ponderação dos interesses envolvidos.

Jurisprudência em Teses (Ed. 137) 10) A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento, ou seja, o direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores à honra. (Vide Enunciado n. 531 da IV Jornada de Direito Civil do CJF) 11) Quando os registros da folha de antecedentes do réu são muito antigos, admite-se o afastamento de sua análise desfavorável, em aplicação à teoria do direito ao esquecimento.

Como conciliar o direito ao esquecimento com o direito à informação? Deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação. Se ainda persistir, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia. É o caso, por exemplo, de “crimes genuinamente históricos, quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável” (Min. Luis Felipe Salomão).

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Por outro lado, se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado. Como assevera o Min. Gilmar Ferreira Mendes:

“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374).

O Min. Luis Felipe Salomão também ressaltou que “ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo” (REsp 1.334.097). Chacina da Candelária (REsp 1.334.097) Determinado homem foi denunciado por ter, supostamente, participado da conhecida “chacina da Candelária” (ocorrida em 1993 no Rio de Janeiro). Ao final do processo, ele foi absolvido. Anos após a absolvição, a rede Globo de televisão realizou um programa chamado “Linha Direta”, no qual contou como ocorreu a “chacina da Candelária” e apontou o nome desse homem como uma das pessoas envolvidas nos crimes e que foi absolvido. O indivíduo ingressou, então, com ação de indenização, argumentando que sua exposição no programa, para milhões de telespectadores, em rede nacional, reacendeu na comunidade onde reside a imagem de que ele seria um assassino, violando seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal. Alegou, inclusive, que foi obrigado a abandonar a comunidade em que morava para preservar sua segurança e a de seus familiares. A 4ª Turma do STJ reconheceu que esse indivíduo possuía o direito ao esquecimento e que o programa poderia muito bem ser exibido sem que fossem mostrados o nome e a fotografia desse indivíduo que foi absolvido. Se assim fosse feito, não haveria ofensa à liberdade de expressão nem à honra do homem em questão. O STJ entendeu que o réu condenado ou absolvido pela prática de um crime tem o direito de ser esquecido, pois se a legislação garante aos condenados que já cumpriram a pena o direito ao sigilo da folha de antecedentes e a exclusão dos registros da condenação no instituto de identificação (art. 748 do CPP), logo, com maior razão, aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, devendo ser assegurado a eles o direito de serem esquecidos. Como o programa já havia sido exibido, a 4ª Turma do STJ condenou a rede Globo ao pagamento de indenização por danos morais em virtude da violação ao direito ao esquecimento. Caso Aída Curi (REsp 1.335.153) O segundo caso analisado foi o dos familiares de Aída Curi, abusada sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história desse crime, um dos mais famosos do noticiário policial brasileiro, foi apresentada pela rede Globo, também no programa “Linha Direta”, tendo sido feita a divulgação do nome da vítima e de fotos reais, o que, segundo seus familiares, trouxe a lembrança do crime e todo sofrimento que o envolve. Em razão da veiculação do programa, os irmãos da vítima moveram ação contra a emissora, com o objetivo de receber indenização por danos morais, materiais e à imagem. A 4ª Turma do STJ entendeu que não seria devida a indenização, considerando que, nesse caso, o crime em questão foi um fato histórico, de interesse público e que seria impossível contar esse crime sem mencionar o nome da vítima, a exemplo do que ocorre com os crimes históricos, como os casos “Dorothy Stang” e “Vladimir Herzog”.

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Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a Turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares. Na ementa, restou consignado: “(...) o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aída Curi, sem Aída Curi.” Direito ao esquecimento x direito à memória O reconhecimento do “direito ao esquecimento” passa por outro interessante desafio: como conciliá-lo com o chamado “direito à memória e à verdade histórica”? Em que consiste o direito à memória? Quando um país faz a transição de um regime ditatorial para um Estado democrático, ele deverá passar por um processo de mudança e adaptação, chamado pela doutrina de “Justiça de Transição”. A Justiça de Transição significa uma série de medidas que devem ser tomadas para que essa ruptura com o modelo anterior e inauguração de uma nova fase sejam feitas sem traumas, revanchismos, mas também sem negar a existência do passado. Podemos citar como providências decorrentes da Justiça de Transição: a) a reforma das instituições existentes no modelo anterior; b) a responsabilização criminal das pessoas que cometeram crimes; c) a reparação das vítimas e perseguidos políticos; e d) a busca pela verdade histórica e a defesa do direito à memória. Em se tratando de Brasil, podemos conceituar o direito à memória e à verdade histórica como sendo o direito que possuem os lesados e toda a sociedade brasileira de esclarecer os fatos e as circunstâncias que geraram graves violações de direitos humanos durante o período de ditatura militar, tais como os casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres etc. O direito à memória também encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e no compromisso do Estado constitucional brasileiro de assegurar o respeito aos direitos humanos (art. 4º, II, da CF/88).

O direito à memória foi regulamentado pela Lei n. 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, destinada a apurar as circunstâncias em que ocorreram violações a direitos humanos durante o período de ditadura militar. O direito ao esquecimento impede que seja exercido o direito à memória? NÃO. O direito ao esquecimento não tem o condão de impedir a concretização do direito à memória. Isso porque as violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar são fatos de extrema relevância histórica e de inegável interesse público. Logo, em uma ponderação de interesses, o direito individual ao esquecimento cede espaço ao direito à memória e à verdade histórica. Vale lembrar que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 24/11/2010, no Caso “Gomes Lund e outros” (Guerrilha do Araguaia), dentre outras razões, por ter negado acesso aos arquivos estatais que possuíam informações sobre essa guerrilha. Na sentença, a Corte determinou que o Brasil “deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar”. Desse modo, em outros termos, a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Brasil assegure o direito à memória.

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Guerrilha do Araguaia Apenas para esclarecer os que ainda não conhecem, “Guerrilha do Araguaia” foi um movimento social e político que se organizou na região amazônica brasileira, ao longo do rio Araguaia, entre o fim da década de 60 e a primeira metade da década de 70 por meio do qual se pretendia derrubar o regime militar e se instaurar um governo comunista. Dizem os historiadores que a grande maioria dos participantes do movimento foi morta pelo Exército brasileiro em combates ou após serem presos. Inúmeros outros sumiram sem deixar rastros, sendo considerados desaparecidos políticos. Até hoje, familiares e organizações de direitos humanos tentam ter acesso aos arquivos militares da época e buscam localizar e identificar corpos dessas pessoas tidas como desaparecidas. O direito ao esquecimento e os desafios impostos pela internet Como já exposto acima, a internet praticamente eterniza as notícias e informações. Com poucos cliques é possível ler reportagens sobre fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotos e vídeos. Esses dados são rapidamente espalhados e ficam armazenados em servidores espalhados ao redor do mundo, muitos em países que não mantêm tratados internacionais de cooperação judiciária. Diante disso, atualmente, é impossível garantir, na prática, o direito ao esquecimento na internet. Existe até mesmo um ditado que afirma que “uma vez on line, para sempre on line”. Em outros termos, depois que algo foi para a internet, é impossível retirá-lo. Justamente por isso, o Min. Luis Felipe Salomão menciona que, “em recente palestra proferida na Universidade de Nova York, o alto executivo da Google Eric Schmidt afirmou que a internet precisa de um botão de delete. Informações relativas ao passado distante de uma pessoa podem assombrá-la para sempre, causando entraves, inclusive, em sua vida profissional, como no exemplo dado na ocasião, de um jovem que cometeu um crime em relação ao qual as informações seriam expurgadas de seu registro na fase adulta, mas que o mencionado crime poderia permanecer on-line, impedindo a pessoa de conseguir emprego.” (REsp 1.334.097). A matéria, inclusive, tem sido objeto de análise pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que busca interpretar os limites do direito à desindexação ou ao apagamento de dados na internet. Como exemplo, cita-se o recente julgamento do Processo C-507/17, Google LLC, sucessora da Google Inc. vs Commission nationale de l’informatique et des libertés, de 24 de setembro de 2019. Duas concepções do direito ao esquecimento O Min. Ricardo Villas Bôas Cueva afirma que se pode falar em duas concepções do direito ao esquecimento: 1ª) Direito ao esquecimento concebido a partir da ótica da proteção de dados pessoais. Nessa abordagem, propõe-se a reflexão a respeito do sigilo de dados na rede e das possibilidades de desindexação de informações pessoais. 2ª) “Direito à não veiculação, pela mídia, de informação desprovida de atualidade e relevância para o público, mas ofensiva ao interessado” (CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Evolução do direito ao esquecimento no Judiciário. In: SALOMÃO, L. F., TARTUCE, F. (Coord.). Direito Civil: diálogos entre a doutrina e a jurisprudência. Editora Atlas, 2018, pág. 83). DIREITO AO ESQUECIMENTO E CASO DANIELA PEREZ

Homicídio de Daniela Perez Em 28 de dezembro de 1992, a atriz Daniela Perez foi encontrada morta, em uma floresta na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ), com 18 golpes de punhal. As investigações apontaram que o crime foi cometido pelo também ator Guilherme de Pádua e por sua esposa, na época, Paula Thomaz. Na época, a vítima, que era filha da conhecida autora Glória Perez, estava atuando em uma novela da TV Globo (“De Corpo e Alma”), na qual fazia par romântico justamente com Guilherme de Pádua.

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Guilherme de Pádua e Paula Thomaz foram condenados pelo crime e cumpriram pena, estando em liberdade desde 1999. Guilherme e Paula se divorciaram ainda no período em que estavam presos. Paula casou-se com outro homem e com ele teve dois filhos. Reportagem da “ISTO É” Em 2012, a revista “ISTO É” publicou reportagem sobre a vida de Paula Thomaz após a prisão, na qual foram exibidas informações privadas a respeito da sua vida cotidiana e familiar atualmente. A revista divulgou a imagem de Paula, sem seu consentimento, e expôs também seu atual marido e seus filhos que, inclusive, são crianças. Diante disso, Paula, seu marido e os filhos ajuízam ação de indenização por danos morais cumulada com obrigação de fazer e não fazer contra a editora responsável pela revista. O juízo de 1º grau julgou a demanda parcialmente procedente, condenando a ré: a) a retirar a referida matéria do site; e b) a pagar à primeira autora a quantia de R$ 30 mil e aos demais autores, cada um, o valor de R$ 20 mil. O Tribunal de Justiça manteve a condenação. A editora não recorreu e os autores interpuseram recurso especial pedindo que não fossem mais publicadas reportagens no futuro divulgando o caso e seus nomes. Vejamos abaixo o que o STJ decidiu: Decisão do TJ/RJ foi correta A narrativa da reportagem dificulta a reintegração social da autora, considerando que busca transmitir uma ideia de que houve impunidade, gerando sentimento de vingança coletiva e de comoção midiática. Isso se mostra pelos termos utilizados na reportagem. A matéria da revista não teve o propósito de apenas divulgar o fato histórico, tendo, na verdade, se concentrado na vida atual de Paula Thomaz e sua família, divulgando a sua rotina, seus hábitos, seu veículo etc. Assim, para o STJ, a reportagem, além de provocar abusiva interferência sobre a vida pessoal dos recorrentes, atentou contra: • a proibição de penas perpétuas; • o direito à reabilitação; e • o direito de retorno ao convívio social de egressos do sistema penal, garantido pela legislação infraconstitucional nos arts. 41, VIII e 202 da Lei nº 7.210/84 e art. 93 do Código Penal, responsável por resguardar ao condenado reabilitado “o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação”. STJ negou pedido para proibir novas reportagens Por outro lado, o STJ negou o pedido dos autores para que a editora fosse proibida de publicar novas reportagens sobre o tema. Em primeiro lugar, porque isso representaria censura prévia, o que não é admitido pelo ordenamento jurídico. Eventuais ilícitos devem ser reprimidos posteriormente. Em segundo lugar, porque este é um crime histórico, de relevância nacional, não só pela notoriedade das pessoas envolvidas, mas também pelas peculiaridades do fato criminoso. Desse modo, sob pena de apagamento de trecho significativo não só da história de crimes famosos que compõem a memória coletiva, mas também de ocultação de fato marcante para a evolução legislativa mencionada, não há razões para acolher o pedido concernente à obrigação de não fazer. Assim, sob pena de imposição de indevida censura prévia e por existir evidente interesse social no cultivo à memória do mencionado fato notório, não é possível restringir de antemão a veiculação de quaisquer notícias e matérias investigativas sobre o tema, notadamente aquelas voltadas à preservação da dimensão histórica e social referente ao caso em debate.

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Vale ressaltar, mais uma vez, que a impossibilidade de censura prévia não exclui a possibilidade de, posteriormente, a revista ser condenada por eventuais ofensas à honra e à moral objetiva das pessoas envolvidas. Resumindo este primeiro ponto:

Existindo evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso cuja pena já se encontra cumprida. O chamado direito ao esquecimento, apesar de ser reconhecido pela jurisprudência, não possui caráter absoluto. Em caso de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, não se pode proibir a veiculação de matérias jornalísticas relacionados com o fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Em tal situação, não se aplica o direito ao esquecimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/04/2020 (Info 670).

Quanto ao marido de Paula e seus filhos: No que tange ao marido e aos filhos, o STJ entendeu que a discussão não passa pelo chamado “direito ao esquecimento”. Isso porque o homem não era marido da autora e os filhos não eram nem nascidos na época do crime. Logo, não se tornaram figuras notórias à época. Pelo contrário, não possuem nenhum envolvimento ou exposição pública referente ao fato, tendo sido apenas atingidos, posteriormente, devido à relação familiar narrada. Assim, a matéria jornalística representou ofensa ao princípio da intranscendência ou da pessoalidade da pena, descrito no art. 5º, XLV, da Constituição e no 13 do Código Penal:

Art. 5º (...) XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. (...)

Ao expor publicamente a intimidade dos referidos familiares, em razão do crime ocorrido, a reportagem estendeu a eles uma parte dos efeitos sociais indesejáveis da condenação de Paula. Vale ressaltar que a situação é ainda mais grave em relação aos filhos, que são menores de idade. Nesse sentido, deve-se mencionar a Opinião Consultiva nº 17, de 28 de agosto de 2002, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entende que o melhor interesse das crianças e adolescentes é reconhecido como critério regente na aplicação de normas em todos os aspectos da vida dos denominados “sujeitos em desenvolvimento”. Portanto, a exposição jornalística da vida cotidiana dos infantes, relacionando-os, assim, ao ato criminoso, representa ofensa ao direito ao pleno desenvolvimento de forma sadia e integral, nos termos do artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente. No mesmo sentido, verifica-se violação do artigo 16 da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/90. A veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência

Matéria jornalística que, sob o pretexto de noticiar crime histórico, expõe a intimidade do atual marido e dos filhos da condenada, pessoas que não têm relação direta com o fato, ofende o princípio da

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intranscendência ou da pessoalidade da pena, descrito no art. 5º, XLV, da CF/88 e no art. 13 do Código Penal. Isso porque, ao expor publicamente a intimidade dos referidos familiares em razão do crime ocorrido, a reportagem compartilhou dimensões evitáveis e indesejáveis dos efeitos da condenação então estendidas à atual família da ex-condenada. Especificamente quanto aos filhos, menores de idade, ressalta-se a Opinião Consultiva n. 17, de 28 de agosto de 2002 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entende que o melhor interesse das crianças e dos adolescentes é reconhecido como critério regente na aplicação de normas em todos os aspectos da vida dos denominados “sujeitos em desenvolvimento”. Ademais, a exposição jornalística da vida cotidiana dos infantes, relacionando-os, assim, ao ato criminoso, representa ofensa ao direito ao pleno desenvolvimento de forma sadia e integral, nos termos do art. 3º do ECA e do art. 16 da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/90. STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/04/2020 (Info 670).

DOD QUESTÕES

++ (Defensor DPE-PE 2015 CESPE) A exagerada e indefinida exploração midiática de crimes e tragédias privadas deve ser impedida, a fim de se respeitar o direito ao esquecimento das vítimas de crimes e, assim, preservar a dignidade da pessoa humana. (certo) ++ (PGE/PE 2018 CEBRASPE) Conforme a CF e a jurisprudência das cortes superiores, o habeas data pode ser impetrado para se pleitear o direito ao esquecimento, mediante apagamento de registros em bancos de dados. (errado) ++ (Juiz TJ/DF 2014 CEBRASPE) A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. (certo)

DOAÇÃO É nula a doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens

É nula a doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens, na medida em que a hipotética doação resultaria no retorno do bem doado ao patrimônio comum amealhado pelo casal diante da comunicabilidade de bens no regime e do exercício comum da copropriedade e da composse.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.787.027-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 670).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Regina eram casados em regime de comunhão universal de bens. Determinado dia, João fez a cessão gratuita, para Regina, de suas cotas em uma sociedade empresária. Essa doação é válida? NÃO. Em regra, não é proibida a doação feita por um cônjuge ao outro. No entanto, não é possível que haja doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens. Isso porque, se porventura for feita a doação, o bem doado retornaria uma vez mais ao patrimônio comum amealhado pelo casal. O art. 1.667 do Código Civil, ao tratar sobre o regime da comunhão universal de bens, prevê:

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

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Sendo a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges uma característica do regime de comunhão universal de bens, qualquer ato de transferência patrimonial de bem comum efetivada entre os cônjuges é totalmente inócua, tendo em vista que o patrimônio torna a integrar o acervo comum automaticamente. Conforme explicava Pontes de Miranda:

“Os cônjuges são senhores pro indiviso dos bens comunicados. Nenhum dos dois os tem e possui por si; dão-se caracteristicamente, os fatos jurídicos da composse e do condomínio. Porém, composse e condomínio mais íntimos e, ao mesmo tempo, mais independentes do que a composse e o condomínio ordinários: os cônjuges não podem alienar ou gravar as suas partes (metades ideias), nem a composse dos bens comunicáveis permite o exercício sobre uma das partes dos bens, nem mesmo a separação. Trata-se de absoluta indivisão de bens presentes e futuros. Daí a impossibilidade das doações entre cônjuges quando o regime entre eles é o da comunhão universal: a) Se um cônjuge doasse ao outro determinado bem, esse passaria a ser, novamente, bem comum, uma vez que no regime da comunhão universal, todos os adquiridos se comunicam. (...) A impossibilidade é de ordem lógica. (...) As doações entre cônjuges são, portanto, impossíveis, lógica e juridicamente, se vigora o regime de comunhão universal. (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito de família. Vol. II. 3ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1947, p. 363/364).

Observação que não consta do julgado: Em tese, seria possível a doação de um cônjuge para outro, mesmo que casados no regime da comunhão universal, se esse bem doado fosse um daqueles que é excluído da comunhão. O rol desses bens excluídos da comunhão está no art. 1.668 do CC. Vale ressaltar, contudo, que não era esse o caso julgado pelo STJ e, por isso, não foi comentada essa possibilidade. Em suma:

É nula a doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens, na medida em que a hipotética doação resultaria no retorno do bem doado ao patrimônio comum amealhado pelo casal diante da comunicabilidade de bens no regime e do exercício comum da copropriedade e da composse. STJ. 3ª Turma. REsp 1.787.027-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 670).

Vale ressaltar que, se fosse válida, a doação entre os cônjuges seria considerada adiantamento da legítima, nos termos do art. 544 do Código Civil:

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

++ (Promotor MPE/PR 2019) A doação de um cônjuge a outro importa adiantamento do que lhe cabe por herança. (certo)

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CONTRATOS (CONTRATO DE MANDATO) A ausência do reconhecimento de firma da assinatura do mandante não induz,

necessariamente, a nulidade do instrumento particular de mandato

Baixa relevância para concursos

O Código Civil de 1916 previa que “o reconhecimento da letra e firma no instrumento particular é condição essencial à sua validade, em relação a terceiros” (art. 1.289, §4º).

Embora o respeito à forma prescrita em lei tenha relevância, a jurisprudência do STJ admite, ainda que excepcionalmente, a relativização de vícios formais, especialmente aqueles que se podem reputar como menos graves e que sejam insuficientes para comprometer a substância do ato negocial.

Assim, em um caso ocorrido na vigência do CC/1916, o STJ afirmou que, embora não tenha havido o reconhecimento de firma da assinatura do mandante do contrato de mandato, não deveria ser reconhecida a nulidade do mandato considerando que qualquer dúvida acerca da autenticidade do documento foi dirimida pela prova pericial grafotécnica.

Vale ressaltar que o Código Civil de 2002 não traz uma regra tão rígida quanto a do diploma passado e prevê apenas que “o terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida” (art. 654, § 2º, do CC/2002).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.787.027-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 670).

Imagine a seguinte situação hipotética: Na época em que ainda vigorava o Código Civil de 1916, Pedro outorgou uma procuração particular a Ricardo para que ele administrasse seu patrimônio. Juridicamente, Pedro celebrou um contrato de mandato com Ricardo. O contrato de mandato ocorre quando alguém (mandatário) recebe de outrem (mandante) poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato. No caso relatado, Pedro é chamado de mandante e Ricardo é o mandatário. Exigência de reconhecimento de firma A redação original do § 4º do art. 1.289 do Código Civil de 1916 exigia o reconhecimento de firma, ou seja, a autenticação da assinatura do mandante no caso de procuração por instrumento particular:

Art. 1.289. Todas as pessoas maiores ou emancipadas, no gozo dos direitos civis, são aptas para dar procuração mediante instrumento particular do próprio punho. (...) §4º O reconhecimento da letra e firma no instrumento particular é condição essencial à sua validade, em relação a terceiros.

Voltando ao caso concreto: Suponhamos que não houve reconhecimento da firma de Pedro (mandante). Ricardo praticou diversos atos por força da procuração. Em seguida, Pedro faleceu. Os herdeiros de Pedro questionaram os atos praticados pelo mandante afirmando que esse contrato é nulo por ausência do reconhecimento da firma, tendo havido, portanto, violação ao § 4º do art. 1.289 do CC/1916. Ocorre que, em sede judicial, foi realizada prova pericial grafotécnica que atestou que a assinatura aposta na procuração era mesmo de Pedro.

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Mesmo assim o contrato deverá ser declarado nulo considerando que houve ofensa ao § 4º do art. 1.289 do CC/1916? NÃO.

Mesmo havendo essa previsão expressa, o STJ, analisando um caso concreto ocorrido na vigência do CC/1916, entendeu que, embora não tenha havido o reconhecimento de firma da assinatura do mandante do contrato de mandato, não deveria ser reconhecida a nulidade do mandato considerando que qualquer dúvida acerca da autenticidade do documento foi dirimida pela prova pericial grafotécnica. STJ. 3ª Turma. REsp 1.787.027-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 670).

Vale ressaltar que o Código Civil de 2002 não traz uma regra tão rígida quanto a do diploma passado e prevê apenas que “o terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida” (art. 654, § 2º, do CC/2002).

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS Nos contratos de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbenciais, a rescisão unilateral pelo cliente justifica o arbitramento judicial de honorários

pelo trabalho do causídico até o momento da rescisão contratual

Nos contratos de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbenciais, a revogação unilateral do mandato pelo mandante acarreta a remuneração do advogado pelo trabalho desempenhado até o momento da rescisão contratual.

Nessas hipóteses, o risco assumido pelo advogado é calculado com base na probabilidade de êxito da pretensão de seu cliente, sendo esse o limite do consentimento das partes no momento da contratação. Não é possível que o risco assumido pelo causídico venha a abarcar a hipótese de o contratante, por ato próprio e sem uma justa causa, anular o seu direito à remuneração, rescindindo o contrato.

O cliente pode, sem dúvida, exercer o direito de não mais ser representado pelo advogado antes contratado, mas deve, por outro lado, assumir o ônus de remunerá-lo pelo trabalho desempenhado até aquele momento, sob pena de ser desconsiderado todo o trabalho desempenhado.

Desse modo, é cabível o arbitramento judicial da verba honorária, levando em consideração as atividades desenvolvidas pelo causídico.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.560.257-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/04/2020 (Info 670).

Imagine a seguinte situação hipotética: Determinada empresa contratou Dr. Rui (advogado) para ingressar com ação de cobrança contra Ricardo (devedor). No contrato de prestação de serviços advocatícios ficou previsto que a empresa não pagaria nada ao advogado e que ele seria remunerado exclusivamente pelas verbas sucumbenciais, ao final da causa, se esta fosse exitosa. Assim, se a ação de cobrança a ser proposta pela empresa fosse julgada procedente, Rui receberia os honorários sucumbenciais pagos pela parte adversa (Ricardo). Se não obtivesse êxito, a empresa contratante não pagaria nada. Ocorre que, durante a tramitação da ação, a empresa decidiu revogar o mandato de Rui (destituir ele da causa), nomeando outro advogado para continuar no processo.

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Rui ficará sem receber nada? NÃO. Ele deverá sim ser remunerado pelo trabalho desempenhado até o momento da rescisão contratual.

Nos contratos de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbenciais, a revogação unilateral do mandato pelo mandante acarreta a remuneração do advogado pelo trabalho desempenhado até o momento da rescisão contratual. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.560.257-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/04/2020 (Info 670).

Nessas hipóteses, o risco assumido pelo advogado é calculado com base na probabilidade de êxito da pretensão de seu cliente, sendo esse o limite do consentimento das partes no momento da contratação. Não é possível que o risco assumido pelo causídico venha a abarcar a hipótese de o contratante, por ato próprio e sem uma justa causa, anular o seu direito à remuneração, rescindindo o contrato. O cliente pode, sem dúvida, exercer o direito de não mais ser representado pelo advogado antes contratado, mas deve, por outro lado, assumir o ônus de remunerá-lo pelo trabalho desempenhado até aquele momento, sob pena de ser desconsiderado todo o trabalho desempenhado. Desse modo, é cabível o arbitramento judicial da verba honorária, levando em consideração as atividades desenvolvidas pelo causídico.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (PRECATÓRIOS) A preferência prevista no § 2º do art. 100 da Constituição Federal

não pode ser reconhecida mais de uma vez em um mesmo precatório

O § 2º do art. 100 da CF/88 prevê preferência no pagamento do precatório para o titular que se enquadre em uma das situações ali previstas:

Art. 100 (...) § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.

A preferência autorizada pela Constituição não pode ser reconhecida duas vezes em um mesmo precatório porque isso implicaria, por via oblíqua, a extrapolação do limite previsto na norma constitucional. Aliás, o próprio § 2º do art. 100 da CF/88 revela que, após o fracionamento para preferência, eventual saldo remanescente deverá ser pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. Portanto, as hipóteses autorizadoras da preferência (idade, doença grave ou deficiência) devem ser consideradas, isoladamente, em cada precatório, ainda que tenha como destinatário um mesmo credor.

STJ. 1ª Turma. AgInt no RMS 61.014-RO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 20/04/2020 (Info 670).

Regime de precatórios Se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada, por sentença judicial transitada em julgado, a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um regime especial chamado de “precatório” (art. 100 da CF/88).

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Caput do art. 100: “fila de precatórios” O regime de precatórios é tratado pelo art. 100 da CF/88, assim como pelo art. 78 do ADCT. No caput do art. 100 da CF/88 consta a regra geral dos precatórios, ou seja, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em decorrência de condenação judicial devem ser realizados na ordem cronológica de apresentação dos precatórios. Existe, então, uma espécie de “fila” para pagamento dos precatórios:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela EC 62/09)

§ 1º do art. 100: “fila preferencial de precatórios” No § 1º do art. 100 há a previsão de que os débitos de natureza alimentícia gozam de preferência no recebimento dos precatórios. É como se existisse uma espécie de “fila preferencial”:

Art. 100 (...) § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela EC 62/09).

§ 2º do art. 100: “fila com superpreferência” O § 2º do art. 100 prevê que os débitos de natureza alimentícia que tenham como beneficiários: a) pessoas com idade igual ou superior a 60 anos; b) pessoas portadoras de doenças graves; c) pessoas com deficiência; ... terão uma preferência ainda maior. É como se fosse uma “fila com superpreferência”. Recapitulando: Os débitos da Fazenda Pública devem ser pagos por meio do sistema de precatórios. • Quem é pago em 1º lugar: créditos alimentares de idosos, portadores de doenças graves e pessoas com deficiência (§ 2º). • Quem é pago em 2º lugar: demais créditos alimentares, ou seja, de pessoas que não sejam idosas, portadoras de doenças graves ou pessoas com deficiência (§ 1º). • Quem é pago em 3º lugar: créditos não alimentares (caput). ++ (Procurador do Trabalho MPT 2020) Na execução em face da Fazenda Pública fundada em título extrajudicial, os créditos dos idosos, portadores de doença grave e/ou pessoas com deficiência serão pagos, na forma da lei, sem necessidade de expedição de precatório ou Requisição de Pequeno Valor (RPV). (errado) Só tem direito à fila com superpreferência os precatórios até certo limite de valor A superprioridade para créditos alimentares de idosos e portadores de doenças graves possui um limite de valor previsto no § 2º do art. 100. Veja:

Art. 100 (...) § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com

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deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 94/2016)

O § 3º do art. 100 trata sobre o “pequeno valor” (valor da RPV: requisição de pequeno valor). Assim, só pode receber na fila de superprioridade do § 2º o precatório que não seja superior a 3x o valor da RPV. Quanto é “pequeno valor” para os fins do § 3º do art. 100? Qual é o valor da RPV? Este quantum poderá ser estabelecido por cada ente federado (União, Estado, DF, Município) por meio de leis específicas, conforme prevê o § 4º do art. 100. União Para as condenações envolvendo a União, pequeno valor equivale a 60 salários mínimos (art. 17, § 1º, da Lei nº 10.259/2001). Esse é o teto da RPV no âmbito federal. E se o ente federado não editar a lei prevendo o quantum do “pequeno valor”? Nesse caso, segundo o art. 87 do ADCT da CF/88, para os entes que não editarem suas leis, serão adotados, como “pequeno valor” os seguintes montantes: I — 40 salários mínimos para Estados e para o Distrito Federal; II — 30 salários mínimos para Municípios. Assim, se o valor a ser recebido pelo idoso ou doente grave for superior a 3x o que é considerado “pequeno valor” para fins de precatório (§ 4º), parte dele será paga com superpreferência e o restante será quitado na ordem cronológica de apresentação do precatório. Exemplo: João possui 60 anos e tem um precatório para receber da União. Em razão da sua idade, João tem direito de receber o precatório antes dos demais. Ele tem direito a uma fila superpreferencial prevista no § 2º do art. 100 da CF/88. Ocorre que o precatório de João é alto (seu valor é equivalente a 200 salários-mínimos). Nestes casos, o § 2º prevê que a pessoa deverá receber parte na “fila superpreferencial” (até 3x o pequeno valor do § 3º) e o restante na fila alimentar apenas preferencial (fila alimentar geral - 2º lugar). Assim, em nosso exemplo, João irá receber 180 salários-mínimos na fila superpreferencial (3 x 60) e os 20 salários-mínimos restantes serão recebidos por meio da fila alimentar geral (2º lugar). Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro possui 61 anos e tem um precatório para receber da União. Em razão da sua idade, Pedro tem direito de receber o precatório antes dos demais na fila superpreferencial (§ 2º do art. 100 da CF/88). Ocorre que o precatório de Pedro é alto (seu valor é equivalente a 280 salários-mínimos). Nestes casos, o § 2º prevê que a pessoa deverá receber parte na “fila superpreferencial” (até 3x o pequeno valor do § 3º) e o restante na fila alimentar apenas preferencial (fila alimentar geral - 2º lugar). Assim, em nosso exemplo, Pedro recebeu 180 salários-mínimos na fila superpreferencial (3 x 60) e restaram ainda 100 salários-mínimos para serem recebidos por meio da fila alimentar geral (2º lugar). Pedro, no entanto, invocou uma interessante tese. Ele disse o seguinte: além de idoso, eu também possuo uma doença grave (ex: neoplasia maligna). Logo, eu tenho direito de receber esses 100 salários-mínimos que restam também na fila superpreferencial. Isso porque eu me enquadro em duas circunstâncias do § 2º do art. 100 da CF/88. A tese de Pedro foi acolhida pelo STJ? É possível o reconhecimento da preferência do § 2º do art. 100 da CF/88, mais de uma vez, em um mesmo precatório?

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NÃO.

A preferência autorizada pela Constituição não pode ser reconhecida duas vezes em um mesmo precatório porque isso implicaria, por via oblíqua, a extrapolação do limite previsto na norma constitucional. Aliás, o próprio § 2º do art. 100 da CF/88 revela que, após o fracionamento para preferência, eventual saldo remanescente deverá ser pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. Portanto, as hipóteses autorizadoras da preferência (idade, doença grave ou deficiência) devem ser consideradas, isoladamente, em cada precatório, ainda que tenha como destinatário um mesmo credor. STJ. 1ª Turma. AgInt no RMS 61.014-RO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 20/04/2020 (Info 670).

Assim, as hipóteses autorizadoras da preferência (idade, doença grave ou deficiência) devem ser consideradas, isoladamente, a cada precatório, ainda que tenha como destinatário um mesmo credor. Esse é o entendimento consolidado do STJ:

Não é possível que o mesmo credor possa ser beneficiado, mais de uma vez, em um mesmo precatório, com a antecipação de crédito dotado de “super preferência”, por motivos distintos - em razão da idade e de ser portador de doença grave -, com fundamento no art. 100, § 2º, da Constituição Federal, considerando que essa interpretação contraria o dispositivo constitucional. STJ. 2ª Turma. RMS 59.661/RO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/02/2019.

E se o credor idoso, portador de doença grave ou com deficiência tiver dois precatórios diferentes, ele poderá receber os dois, no mesmo ano, na fila superpreferencial do § 2º do art. 100 da CF/88? SIM. É possível haver, mais de uma vez, o reconhecimento ao credor do direito à preferência constitucional no pagamento de precatório, ainda que no mesmo exercício financeiro, desde que observado o limite estabelecido pelo § 2º do art. 100 da CF/88 em cada um dos precatórios:

(...) o STF decidiu que “não contraria o disposto no art. 100, § 2º, da Constituição o pagamento de mais de um precatório dentro da sistemática da ‘super preferência’ estabelecida no referido dispositivo, a um só credor e no mesmo exercício orçamentário” (RE 964.577 AgR, voto do rel. min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJE de 19/12/2017). 4. Na hipótese dos autos, a autoridade coatora entendeu que a credora já tinha usufruído a superpreferência prevista na redação do § 2° do art. 100 da Constituição Federal, então limitada ao triplo do valor da RPV, de modo que não poderia requerer a aplicação do novo teto. Entretanto, o dispositivo constitucional não vedou o gozo do novo teto por credores anteriores. 5. In casu, mostra-se possível que a credora seja beneficiada novamente com a antecipação de crédito dotado de superpreferência, porquanto se trata apenas de complementação do valor anteriormente recebido, com base no mesmo motivo idade e nos exatos limites autorizados pelo art. 102, § 2º, do ADCT, sem extrapolar o valor permitido. (...) STJ. 2ª Turma. RMS 61.180/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/09/2019.

A despeito de o comando constitucional estabelecer que o limitador quantitativo do pagamento com preferência seria o valor equivalente ao triplo do fixado para a RPV, a jurisprudência desta Corte vem entendendo que o limite previsto pelo art. 100, § 2º, da CF/88 deve incidir em cada precatório isoladamente, sendo incogitável extensão a todos os títulos do mesmo credor. Dessarte, ainda que o mesmo credor preferencial tenha vários precatórios contra o mesmo ente público, terá direito à preferência em todos eles, respeitado o limite referido em cada um isoladamente. Tanto é assim que o dispositivo constitucional fala em 'fracionamento', e tal termo só pode ser empregado em referência a um único precatório. STJ. 1ª Turma. AgInt no RMS 44.792/RO, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 01/07/2019.

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Não confunda, portanto: • Exercer duas vezes a superpreferência do § 2º do art. 100, ainda que no mesmo exercício financeiro, para receber dois precatórios diferentes: é possível. • Exercer duas vezes a superpreferência do § 2º do art. 100 para receber um só precatório (ainda que o titular do crédito seja idoso e possua doença grave): não é permitido. DOD DICAS

Com base em estatísticas, pode-se afirmar que o art. 100 da CF/88 é muito cobrado em provas, especialmente envolvendo em concursos envolvendo Advocacia Pública. Um dos temas que mais tem sido cobrado na atualizado sobre ele diz respeito à aplicabilidade do regime de precatórios para empresas públicas e sociedades de economia mista:

É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial. STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858).

Não se submetem ao regime de precatório as empresas públicas dotadas de personalidade jurídica de direito privado com patrimônio próprio e autonomia administrativa que exerçam atividade econômica sem monopólio e com finalidade de lucro. STF. 1ª Turma. RE 892727/DF, rel. orig. Min. Alexandre de Morais, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 7/8/2018 (Info 910).

++ (Procurador TCE/PA 2019 CEBRASPE) Sociedade de economia mista prestadora de serviço público concorrencial está sujeita ao regime de precatórios. (errado) ++ (Juiz Federal TRF2 2017) Nos termos de posicionamento do STF, sociedades de economia mista não podem gozar da possibilidade de pagar débitos judiciais por meio de precatórios, em razão de regra constitucional. (errado)

PROCESSO COLETIVO A decisão em mandado de segurança coletivo impetrado por associação beneficia todos os

associados, sendo irrelevante a filiação ter ocorrido após a sua impetração

Importante!!!

Ao julgar o Tema 499, o STF fixou a seguinte tese:

A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento (STF. Plenário. RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017).

Essa tese do STF se aplica exclusivamente para ações coletivas ajuizadas sob o rito ordinário por associação quando atua como representante processual dos associados. Isso significa que tal entendimento não se aplica para mandado de segurança coletivo impetrado por associação.

O mandado de segurança coletivo configura hipótese de substituição processual, por meio da qual o impetrante, no caso a associação, atua em nome próprio defendendo direito alheio, pertencente aos associados ou parte deles, sendo desnecessária, para a impetração do mandamus, apresentação de autorização dos substituídos ou mesmo lista nominal. Por tal

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razão, os efeitos da decisão proferida em mandado de segurança coletivo beneficiam todos os associados, ou parte deles cuja situação jurídica seja idêntica àquela tratada no decisum, sendo irrelevante se a filiação ocorreu após a impetração do writ.

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.841.604-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/04/2020 (Info 670).

AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO EM FAVOR DE SEUS FILIADOS

As associações podem propor ações coletivas em favor dos seus associados? SIM. A CF/88 autoriza que as associações façam a defesa, judicial ou extrajudicial, dos direitos e interesses individuais e coletivos de seus associados (art. 5º, XXI, da CF/88). A associação precisa da autorização dos associados para propor a ação na defesa de seus interesses? SIM. O inciso XXI do art. 5º da CF/88 exige que as associações tenham sido expressamente autorizadas. Veja:

Art. 5º (...) XXI — as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

Qual é a amplitude da locução “expressamente autorizadas”? Essa autorização pode ser genericamente prevista no estatuto ou deverá ser uma autorização para cada ação a ser proposta? Para o STF, a autorização estatutária genérica conferida à associação não é suficiente para legitimar a sua atuação em juízo na defesa de direitos de seus filiados. ++ (PGM Salvador 2015 CESPE) As entidades associativas têm legitimidade ativa para propor ação coletiva que represente seus filiados, caso em que a permissão estatutária genérica para o ajuizamento de ações é sempre suficiente para a propositura da demanda de direitos individuais homogêneos de seus associados. (errado) Assim, para cada ação a ser proposta é indispensável que os filiados forneçam uma autorização de forma expressa e específica. Exemplo: A Associação do Ministério Público de Santa Catarina (ACMP) ajuizou ação pedindo o pagamento de determinada verba aos seus filiados. Acompanhando a petição inicial, a ACMP juntou declarações de diversos associados autorizando que fosse proposta a ação. O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado. Diante disso, vários Promotores de Justiça ingressaram com execuções individuais cobrando a gratificação reconhecida na sentença. Ocorre que o juiz somente aceitou a execução proposta pelos filiados que haviam autorizado expressamente o ajuizamento da ação. Quanto aos associados que não assinaram a autorização, a execução não foi conhecida pelo juiz sob o argumento de que os efeitos da sentença judicial transitada em julgado somente alcançam os associados (no caso, Promotores) que, na data da propositura da ação de conhecimento, autorizaram expressamente que a associação ingressasse com a demanda. Em suma, para o magistrado, somente tem direito de executar a decisão os filiados que autorizaram a propositura da ação. A decisão do magistrado está de acordo com a jurisprudência do STF O tema foi decidido pelo STF em sede de repercussão geral, tendo sido firmada a seguinte tese:

O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados.

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As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014 (Repercussão Geral – Tema 82) (Info 746).

O art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.494/97 corrobora essa exigência:

Art. 2º-A. (...) Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.

Como deverá ser feita essa autorização? A autorização poderá ser manifestada: • por declaração individual do associado; ou • por aprovação na assembleia geral da entidade. Essa autorização é um traço que distingue a legitimidade das entidades associativas (art. 5º, XXI) em relação à legitimidade das entidades sindicais (art. 8º, III):

Ação coletiva proposta por ASSOCIAÇÃO Ação coletiva proposta por ENTIDADES SINDICAIS

Art. 5º (...) XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

Art. 8º (...) III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

A associação atua como representante processual (atua em nome dos associados).

O sindicato atua como substituto processual (em nome próprio defendendo direito alheio).

A associação precisa da autorização dos associados para propor a ação coletiva na defesa de seus interesses. A associação é obrigada a apresentar a relação nominal dos associados que autorizaram a demanda juntamente com a petição inicial da ação proposta.

O sindicato não precisa da autorização dos membros da categoria (trabalhadores) para propor a ação coletiva na defesa de seus interesses. O sindicato não precisa apresentar a relação nominal dos substituídos juntamente com a petição inicial da ação proposta.

++ (Cartório TJDF 2019 CEBRASPE) A expressão contida no art. 5º, XXI, da Constituição Federal de 1988, refere-se à substituição processual e não à representação processual. (errado) ++ (Cartório TJDF 2019 CEBRASPE) As associações e os sindicatos possuem legitimidade para propor a ação em defesa de seus filiados, na qualidade de substitutos processuais, independentemente de autorização expressa ou de procuração individual por eles fornecida. (errado) A regra acima exposta apresenta alguma exceção? A associação precisará da autorização expressa para toda e qualquer ação a ser proposta? Existem duas exceções: Exceção 1: mandado de segurança coletivo. No caso de impetração de mandado de segurança coletivo, a associação não precisa de autorização específica dos filiados. Veja o que diz a CF/88:

Art. 5º (...)

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LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: (...) b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

Há, inclusive, uma súmula tratando a respeito:

Súmula 629-STF: A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.

Exceção 2: mandado de injunção coletivo. No caso de impetração de mandado de injunção coletivo, a associação também não precisa de autorização específica dos filiados. Veja o que diz a Lei nº 13.300/2016:

Art. 12. O mandado de injunção coletivo pode ser promovido: (...) III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial;

Quadro-resumo:

AS ASSOCIAÇÕES PRECISAM DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA DE SEUS FILIADOS PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÕES EM DEFESA DESTES?

REGRA GERAL: SIM A autorização estatutária genérica conferida à associação não é suficiente para legitimar a sua atuação em juízo na defesa de direitos de seus filiados. Para cada ação, é indispensável que os filiados autorizem, de forma expressa e específica, a demanda. O inciso XXI do art. 5º da CF/88 exige autorização expressa. Trata-se de hipótese de legitimação processual (a associação defende, em nome dos filiados, direito dos filiados que autorizaram).

EXCEÇÃO 1: MS coletivo Fundamento: o inciso LXX do art. 5º da CF/88 NÃO exige autorização expressa. O LXX do art. 5º da CF/88 NÃO exige autorização expressa. Trata-se de hipótese de legitimação extraordinária (substituição processual), ou seja, a associação defende, em nome próprio, direito dos filiados.

EXCEÇÃO 2: MI coletivo Fundamento: o art. 12, III, da Lei nº 13.300/2016 afirma expressamente que o mandado de injunção coletivo pode ser promovido pela associação, dispensada, para tanto, autorização especial.

AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO EM FAVOR DE SEUS FILIADOS ATUAIS E FUTUROS: IMPOSSIBILIDADE

A associação dos Auditores Fiscais ajuizou ação coletiva pedindo que a União fosse condenada a pagar a gratificação "X" a todos os Auditores filiados à associação, bem como àqueles que vierem a se associar até o momento da execução do título judicial. Esse pedido poderá ser conhecido? NÃO.

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A associação não tem legitimidade ativa para defender os interesses dos associados que vierem a se agregar somente após o ajuizamento da ação de conhecimento. STJ. 2ª Turma. REsp 1.468.734-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 1º/3/2016 (Info 579).

Conforme foi definido pelo STF, “as balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial.” (STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014. Info 746). Em palavras mais simples, no momento em que a associação ajuíza a demanda, ela deverá juntar aos autos autorização expressa dos associados para a propositura dessa ação e uma lista com os nomes de todos as pessoas que estão associadas naquele momento. A associação não tem legitimidade ativa para defender os direitos de pessoas que, depois da propositura da ação, vierem a se agregar à entidade. Caso a ação seja julgada procedente, o título executivo irá beneficiar apenas os associados cujos nomes estão na lista de filiados juntada com a petição inicial. Só essas pessoas é que poderão executar o título. Em suma, as pessoas que se filiarem à associação em momento posterior à data do ajuizamento da ação e que, por esse motivo, não constaram da relação de nomes anexada à inicial da demanda, não são alcançadas e beneficiadas pela eficácia da coisa julgada. Por quê? A enumeração dos associados até o momento imediatamente anterior ao do ajuizamento se presta à observância do princípio do devido processo legal, inclusive sob o enfoque da razoabilidade. Por meio dela, presente a relação nominal, é que se viabiliza o direito de defesa, o contraditório e a ampla defesa AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO SOMENTE ALCANÇA OS FILIADOS RESIDENTES NO ÂMBITO

DA JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR

Imagine a seguinte situação hipotética: A Associação dos Servidores da Justiça Federal da 4ª Região ajuizou uma ação coletiva pedindo que a União pagasse a gratificação “X” para os integrantes da carreira. A ação foi proposta originalmente perante a Justiça Federal de 1ª instância de Curitiba. O juiz julgou a ação procedente determinando que a União pague a gratificação. Suponhamos que houve o trânsito em julgado. Essa decisão irá beneficiar todos os servidores da Justiça Federal da 4ª Região (que abrange os Estados do RS, SC e PR)? NÃO. A sentença terá eficácia apenas para os associados que, no momento do ajuizamento da ação, tinham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator da decisão. Isso está previsto no caput do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97:

Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.

++ (Promotor MP/MG 2019) A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. (certo) Assim, neste exemplo, a decisão irá beneficiar apenas os servidores que, na data da propositura da ação, tinham domicílio em Curitiba (âmbito da competência territorial do órgão prolator).

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Esse art. 2º-A da Lei nº 9.494/97 é constitucional? SIM. O STF, no julgamento do RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017, declarou a constitucionalidade do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97. Veja:

A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento. STF. Plenário. RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 499) (Info 864).

DECISÃO DO STF NO RE 612043/PR É RESTRITA ÀS AÇÕES COLETIVAS DE RITO ORDINÁRIO

Se você reparar no texto acima, até agora não falei sobre ação civil pública. O que eu expliquei foi sobre ação coletiva, de rito ordinária, proposta por associação civil na defesa dos interesses dos seus associados. Vou falar agora sobre ação civil pública. Eficácia subjetiva da ação civil pública Falar em “eficácia subjetiva” significa estudarmos “para quem” a sentença proferida na ACP produz efeitos, isto é, as pessoas que são atingidas juridicamente pelo que foi decidido. O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) estabelece o seguinte:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494/97)

Esse artigo foi alterado pela Lei nº 9.494/97, com o objetivo de restringir a eficácia subjetiva da coisa julgada, ou seja, ele determinou que a coisa julgada na ACP deveria produzir efeitos apenas dentro dos limites territoriais do juízo que prolatou a sentença. Em outras palavras, o que o art. 16 quis dizer foi o seguinte: a decisão do juiz na ação civil pública não produz efeitos no Brasil todo. Ela irá produzir efeitos apenas na comarca (se for Justiça Estadual) ou na seção ou subseção judiciária (se for Justiça Federal) do juiz prolator. A doutrina critica bastante a existência do art. 16 e afirma que ele não deve ser aplicado por ser inconstitucional, impertinente e ineficaz. Resumo das principais críticas ao dispositivo (DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes): • Gera prejuízo à economia processual e pode ocasionar decisões contraditórias entre julgados proferidos em Municípios ou Estados diferentes; • Viola o princípio da igualdade por tratar de forma diversa os brasileiros (para uns irá "valer" a decisão, para outros não); • Os direitos coletivos “lato sensu” são indivisíveis, de forma que não há sentido que a decisão que os define seja separada por território; • A redação do dispositivo mistura “competência” com “eficácia da decisão”, que são conceitos diferentes. O legislador confundiu, ainda, “coisa julgada” e “eficácia da sentença”; • O art. 93 do CDC, que se aplica também à LACP, traz regra diversa, já que prevê que, em caso de danos nacional ou regional, a competência para a ação será do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, o que indica que essa decisão valeria, no mínimo, para todo o Estado/DF. Para o STJ, o art. 16 da LACP é válido? A decisão do juiz na ação civil pública fica restrita apenas à comarca ou à seção (ou subseção) judiciária do juiz prolator?

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NÃO.

A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão. STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016.

Interessante também transcrever trecho do voto do brilhante Min. Luis Felipe Salomão, no REsp 1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011):

“A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é "efeito" ou "eficácia" da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la "imutável e indiscutível". É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites da lide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat. A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides. A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas. A questão principal, portanto, é de alcance objetivo ("o que" se decidiu) e subjetivo (em relação "a quem" se decidiu), mas não de competência territorial.”

Resumindo:

O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) estabelece o seguinte: Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494/97) O que o art. 16 quis dizer foi o seguinte: a decisão do juiz na ação civil pública não produz efeitos no Brasil todo. Ela irá produzir efeitos apenas na comarca (se for Justiça Estadual) ou na seção ou subseção judiciária (se for Justiça Federal) do juiz prolator. Para o STJ, o art. 16 da LACP é válido? A decisão do juiz na ação civil pública fica restrita apenas à comarca ou à seção (ou subseção) judiciária do juiz prolator? NÃO. A posição que prevalece atualmente é a seguinte: A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão. STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016.

++ (Juiz Federal TRF2 2018) Nos termos do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre o alcance territorial da sentença coletiva transitada em julgado, diante da limitação determinada pelo art. 16 da Lei n. 7.347/85: A) a sentença pode ser executada nacionalmente independentemente do que foi fixado no título.

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B) a sentença fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, ainda que o título tenha estabelecido de modo mais amplo. C) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tema possuía repercussão geral, estabelecendo que a coisa julgada deve prevalecer, em razão da proteção constitucional. D) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tema possuía repercussão geral, estabelecendo que limitação determinada pela lei não ofende a coisa julgada. E) a sentença pode ser executada fora dos limites da competência territorial do órgão prolator, por força da coisa julgada, ainda que em contrariedade à limitação legal, se fixado no título.

Letra E

Logo depois que saiu a decisão do STF no RE 612043/PR, muita gente ficou com dúvidas e pensou que o acórdão do Supremo seria contrário ao entendimento do STJ a respeito do art. 16 da LACP. Essa leitura é correta? A decisão do STF no RE 612043/PR contraria o entendimento do STJ a respeito do art. 16 da LACP? NÃO. O entendimento do STF no RE 612043/PR só se aplica para ações coletivas de rito ordinário. Durante os debates os Ministros afirmaram que a tese definida no RE 612043/PR não se aplica para: • Ações Civil Públicas regidas pela Lei nº 7.347/85; e • Ações Coletivas do CDC. Com isso, não há incompatibilidade entre a tese do RE 612043/PR com o entendimento do STJ a respeito do art. 16 da LACP. A dúvida foi tamanha que houve embargos de declaração e o STF teve que reafirmar isso nos embargos: a tese definida no RE 612043/PR (Tema 499) vale unicamente para as ações coletivas de rito ordinário, não sendo aplicada para as ações civis públicas. CONCLUSÕES A partir de tudo que foi exposto, podemos elencar as seguintes conclusões: 1) As associações podem propor ações coletivas em favor dos seus associados. 2) A associação precisa da autorização dos associados para propor a ação na defesa de seus interesses. 3) A autorização dada pelos associados precisa ser expressa e específica para cada ação. Assim, não é suficiente a autorização genericamente prevista no estatuto da associação. 4) Essa autorização pode ser feita de duas formas: a) por declaração individual do associado; ou b) por aprovação na assembleia geral da entidade. 5) Vale ressaltar que, no caso de impetração de mandado de segurança coletivo, a associação não precisa de autorização específica dos filiados (Súmula 629-STF). 6) Para que seja beneficiada pela sentença favorável obtida na ação coletiva proposta pela associação é necessário que a pessoa: a) esteja filiada à associação no momento da propositura; b) seja residente no âmbito da jurisdição do órgão julgador; c) tenha autorizado o ajuizamento da ação e seu nome esteja na lista anexada junto à petição inicial. 7) O art. 2-A da Lei nº 9.494/97 é constitucional. 8) Essas sete conclusões expostas valem unicamente para as ações coletivas de rito ordinário, não sendo aplicadas para as ações civis públicas.

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Posição do STJ O STJ também já afirmou que o entendimento manifestado pelo STF no RE 612043/PR e no RE 573232/SC é restrito às ações coletivas de rito ordinário:

(...) 1. Cuida-se de ação coletiva de consumo, ajuizada por associação civil em favor de todos os consumidores e por meio da qual é questionada a cobrança cumulativa de comissão de permanência com outros encargos, como multa e juros de mora, nos contratos de abertura de crédito em conta corrente. (...) 8. Por se tratar do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação, sendo desnecessária nova autorização ou deliberação assemblear. 9. As teses de repercussão geral resultadas do julgamento do RE 612.043/PR e do RE 573.232/SC tem seu alcance expressamente restringido às ações coletivas de rito ordinário, as quais tratam de interesses meramente individuais, sem índole coletiva, pois, nessas situações, o autor se limita a representar os titulares do direito controvertido, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1649087/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/10/2018.

A decisão em mandado de segurança coletivo impetrado por associação beneficia todos os associados, sendo irrelevante a filiação ter ocorrido após a sua impetração O Tema 499 da Repercussão Geral (RE 612043/PR) não se aplica para mandado de segurança coletivo

A tese fixada no RE 612043/PR se aplica exclusivamente para ações coletivas ajuizadas sob o rito ordinário por associação quando atua como representante processual dos associados. Isso significa que tal entendimento não se aplica para mandado de segurança coletivo impetrado por associação. O mandado de segurança coletivo configura hipótese de substituição processual, por meio da qual o impetrante, no caso a associação, atua em nome próprio defendendo direito alheio, pertencente aos associados ou parte deles, sendo desnecessária, para a impetração do mandamus, apresentação de autorização dos substituídos ou mesmo lista nomimal. Por tal razão, os efeitos da decisão proferida em mandado de segurança coletivo beneficiam todos os associados, ou parte deles cuja situação jurídica seja idêntica àquela tratada no decisum, sendo irrelevante se a filiação ocorreu após a impetração do writ. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.841.604-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/04/2020 (Info 670).

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DIREITO PENAL

PRESCRIÇÃO O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em

regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória

De acordo com o parágrafo único do art. 116 do Código Penal, “depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”.

Ao interpretar o referido dispositivo legal, o STJ pacificou o entendimento de que o cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória.

Assim, não há que se falar em fluência do prazo prescricional, o que impede o reconhecimento da extinção de sua punibilidade.

O fato de o prazo prescricional não correr durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo não depende da unificação das penas.

STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 123.523-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/04/2020 (Info 670).

Conceito de prescrição Prescrição é a perda do direito do Estado de punir (pretensão punitiva) ou de executar uma punição já imposta (pretensão executória) em razão de não ter agido (inércia) nos prazos previstos em lei. Natureza jurídica A prescrição é causa de extinção da punibilidade (art. 107, IV, do CP). Embora a prescrição produza efeitos no processo penal, ela possui natureza de direito penal (direito material) tendo em vista que influencia diretamente no direito ou não do Estado de punir. Logo, são aplicados à prescrição os “princípios” do direito penal, dentre eles o da irretroatividade da lei ulterior mais gravosa. Espécies Existem duas espécies de prescrição: I – Prescrição da pretensão punitiva, que pode ser: I.a) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; I.b) prescrição superveniente ou intercorrente; I.c) prescrição retroativa; II – Prescrição da pretensão executória. Prescrição da pretensão executória (prescrição da condenação) É a perda do poder-dever do Estado de executar uma sanção penal já definitivamente imposta pelo Poder Judiciário em razão de não ter agido nos prazos previstos em lei. Cálculo da prescrição executória no caso de pena privativa de liberdade A prescrição da pretensão executória da pena privativa de liberdade é calculada com base na pena concreta, fixada na sentença ou no acórdão, que já transitou em julgado e, portanto, não pode mais ser alterada.

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Parágrafo único do art. 116 do CP O parágrafo único do art. 116 do Código Penal prevê situação na qual, mesmo já existindo sentença judicial transitada em julgado, não está correndo o prazo prescricional para que o condenado seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena:

Art. 116. (...) Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

++ (Promotor MP/PI 2019 CEBRASPE) Após a sentença condenatória transitar em julgado, a prescrição não corre enquanto o condenado estiver preso por outro motivo. (certo) Imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi condenado a pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime semiaberto. Em 02/02/2012, ocorreu o trânsito em julgado da decisão. Como a pena imposta foi superior a 2 anos, mas inferior a 4 anos, o prazo prescricional aplicável é de 8 anos, nos termos do art. 109, IV c/c art. 110 do CP. Em 03/02/2020, ou seja, mais de 8 anos depois do trânsito em julgado, João ainda não iniciou o cumprimento da pena de 2 anos e 6 meses de reclusão. Diante disso, o advogado do condenado peticionou ao juiz pedindo a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória. O juiz indeferiu o pedido afirmando que João ainda não iniciou o cumprimento da pena porque se encontra cumprimento pena por força de outro delito que ele havia cometido anteriormente. Logo, para o magistrado, a prescrição não está correndo, nos termos do parágrafo único do art. 116 do CP. A defesa de João recorreu contra a decisão argumentando que João está cumprindo pena em prisão domiciliar. Logo, não se aplica o parágrafo único do art. 116 do CP. O argumento da defesa de João é acolhido pelo STJ? NÃO.

O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória. Assim, não há que se falar em fluência do prazo prescricional, o que impede o reconhecimento da extinção de sua punibilidade. STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 123.523-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/04/2020 (Info 670).

O regramento trazido no art. 116, parágrafo único, do CP abrange também aqueles que se encontram cumprindo pena em regime aberto, prisão domiciliar ou em livramento condicional. Dessa forma, encontrando-se o paciente cumprindo pena em livramento condicional, o curso da prescrição da pretensão executória não teve início com o trânsito em julgado para o Ministério Público, haja vista a existência de causa impeditiva. STJ. 5ª Turma. HC 429.545/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/04/2018.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

INDULTO O descumprimento das condições impostas para o livramento condicional não pode ser invocado

para impedir a concessão do indulto, a título de não preenchimento do requisito subjetivo

O descumprimento das condições do livramento condicional não pode servir para obstaculizar a concessão do indulto.

Para a análise do pedido de indulto ou comutação de penas, o magistrado deve restringir-se ao exame do preenchimento dos requisitos previstos no decreto presidencial, uma vez que os pressupostos para a concessão da benesse são da competência privativa do Presidente da República.

Dessa forma, qualquer outra exigência caracteriza constrangimento ilegal.

O Decreto nº 7.873/2012 prevê que apenas falta disciplinar de natureza grave prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos 12 meses anteriores à data de publicação do decreto, pode obstar a concessão do indulto.

O descumprimento das condições do livramento condicional não encontra previsão no art. 50 da Lei de Execuções Penais, o qual elenca de forma taxativa quais são as faltas graves. Assim, eventual descumprimento de condições impostas não pode ser invocado a título de infração disciplinar grave a fim de impedir a concessão do indulto.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 537.982-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/04/2020 (Info 670).

Anistia, graça e indulto: - são formas de renúncia do Estado ao seu direito de punir; - classificam-se como causas de extinção da punibilidade (art. 107, II, CP); - a anistia, a graça e o indulto são concedidos pelo Poder Legislativo (no primeiro caso) ou pelo Poder Executivo (nos dois últimos), mas somente geram a extinção da punibilidade com a decisão judicial; - podem atingir crimes de ação penal pública ou privada.

ANISTIA GRAÇA

(ou indulto individual) INDULTO

(ou indulto coletivo)

É um benefício concedido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República (art. 48, VIII, CF/88), por meio do qual se “perdoa” a prática de um fato criminoso. Normalmente, incide sobre crimes políticos, mas também pode abranger outras espécies de delito.

Concedidos por Decreto do Presidente da República. Apagam o efeito executório da condenação. A atribuição para conceder pode ser delegada ao(s): • Procurador Geral da República; • Advogado Geral da União; • Ministros de Estado.

É concedida por meio de uma lei federal ordinária.

Concedidos por meio de um Decreto.

Pode ser concedida: • antes do trânsito em julgado (anistia própria); • depois do trânsito em julgado (anistia imprópria).

Tradicionalmente, a doutrina afirma que tais benefícios só podem ser concedidos após o trânsito em julgado da condenação. Esse entendimento, no entanto, está cada dia mais superado, considerando que o indulto natalino, por exemplo, permite que seja concedido o benefício desde que tenha havido o trânsito em julgado para a acusação ou quando o MP recorreu, mas não para

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agravar a pena imposta (art. 5º, I e II, do Decreto 7.873/2012).

Classificação a) Propriamente dita: quando concedida antes da condenação. b) Impropriamente dita: quando concedida após a condenação.

a) Irrestrita: quando atinge indistintamente todos os autores do fato punível. b) Restrita: quando exige condição pessoal do autor do fato punível. Ex.: exige primariedade.

a) Incondicionada: não se exige condição para a sua concessão. b) Condicionada: exige-se condição para a sua concessão. Ex.: reparação do dano.

a) Comum: atinge crimes comuns. b) Especial: atinge crimes políticos.

Classificação a) Pleno: quando extingue totalmente a pena. b) Parcial: quando somente diminui ou substitui a pena (comutação). a) Incondicionado: quando não impõe qualquer condição. b) Condicionado: quando impõe condição para sua concessão. a) Restrito: exige condições pessoais do agente. Ex.: exige primariedade. b) Irrestrito: quando não exige condições pessoais do agente.

Extingue os efeitos penais (principais e secundários) do crime. Os efeitos de natureza civil permanecem íntegros.

Só extinguem o efeito principal do crime (a pena). Os efeitos penais secundários e os efeitos de natureza civil permanecem íntegros.

O réu condenado que foi anistiado, se cometer novo crime, não será reincidente.

O réu condenado que foi beneficiado por graça ou indulto, se cometer novo crime, será reincidente.

É um benefício coletivo que, por referir-se somente a fatos, atinge apenas os que o cometeram.

É um benefício individual (com destinatário certo). Depende de pedido do sentenciado.

É um benefício coletivo (sem destinatário certo). É concedido de ofício (não depende de provocação).

Vale ressaltar que a concessão do indulto está inserida no exercício do poder discricionário do Presidente da República (STF. ADI 2.795-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa). Indulto natalino É bastante comum o Presidente da República editar um Decreto, no final de todos os anos, concedendo indulto. Esse Decreto é conhecido como “indulto natalino”. No Decreto de indulto já constam todas as condições para a concessão do benefício. Caso o apenado atenda a esses requisitos, o juiz das execuções deve reconhecer o direito, extinguindo a pena pelo indulto. Indulto natalino de 2012 Em 26 de dezembro de 2012, a então Presidente Dilma Rousseff editou o Decreto nº 7.837/2012, concedendo indulto natalino. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João requereu ao juízo da execução a concessão de indulto com base no Decreto Presidencial nº 7.837/2012. O magistrado indeferiu o pedido afirmando que João não preenche o requisito subjetivo considerando que, quando estava no gozo de livramento condicional, descumpriu uma das condições impostas.

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Agiu corretamente o juiz? O fato de o apenado já ter descumprido as condições do livramento condicional é motivo suficiente para impedir a concessão do indulto? NÃO. Isso porque esse impedimento não está previsto no Decreto nº 7.873/2012. O art. 4º do Decreto nº 7.873/2012 prevê o seguinte:

Art. 4º A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, homologada pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto.

Assim, o Decreto nº 7.873/2012 prevê que apenas a prática de falta disciplinar de natureza grave prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos 12 meses anteriores à data de publicação do decreto, pode obstar a concessão do indulto. O descumprimento das condições do livramento condicional não é considerado falta grave considerando que não se encontra no art. 50 da Lei de Execuções Penais, que elenca, de forma taxativa, as faltas graves. Desse modo, eventual descumprimento de condições impostas no livramento condicional não pode ser invocado a título de infração disciplinar grave a fim de impedir a concessão do indulto. Nesse sentido:

Os Decretos 6.706/2008. 7.046/2009 e 7.420/2010 exigem, como único requisito subjetivo, o não cometimento de falta disciplinar de natureza grave, exaustivamente definida na Lei de Execução Penal (arts. 50 e 52 da LEP), em cujo rol não se encontra tipificado o descumprimento das condições do livramento condicional. A prática de fato definido como crime durante o livramento condicional tem consequências próprias previstas no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, as quais não se confundem com os consectários legais da falta grave praticada por aquele que está inserto no sistema progressivo de cumprimento de pena. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 337.530/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 08/02/2018.

Resumindo:

Para a análise do pedido de indulto ou comutação de penas, o magistrado deve restringir-se ao exame do preenchimento dos requisitos previstos no decreto presidencial, uma vez que os pressupostos para a concessão da benesse são da competência privativa do Presidente da República. Dessa forma, qualquer outra exigência caracteriza constrangimento ilegal. O Decreto nº 7.873/2012 prevê que apenas falta disciplinar de natureza grave prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos 12 meses anteriores à data de publicação do decreto, pode obstar a concessão do indulto. O descumprimento das condições do livramento condicional não encontra previsão no art. 50 da Lei de Execuções Penais, o qual elenca de forma taxativa quais são as faltas graves. Assim, eventual descumprimento de condições impostas não pode ser invocado a título de infração disciplinar grave a fim de impedir a concessão do indulto. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 537.982-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/04/2020 (Info 670).

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DIREITO TRIBUTÁRIO

RESTITUIÇÃO DE VALORES DEVIDOS AO CONTRIBUINTE Qual é o termo inicial da incidência de correção monetária

no ressarcimento de créditos tributários escriturais?

O termo inicial da correção monetária de ressarcimento de crédito escritural excedente de tributo sujeito ao regime não cumulativo ocorre somente após escoado o prazo de 360 dias para a análise do pedido administrativo pelo Fisco (art. 24 da Lei nº 11.457/2007).

STJ. 1ª Seção. REsp 1.767.945-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 12/02/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1.003) (Info 670).

Princípio da não cumulatividade O princípio da não cumulatividade é um princípio de tributação por meio do qual se pretende evitar a chamada “tributação em cascata”, que onera as sucessivas operações e prestações com bens e serviços sujeitos a determinado tributo (PGE/MT 2016 FCC). Para você entender melhor, vou dar o exemplo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O IPI é um imposto não cumulativo (art. 153, § 3º, II, da CF/88), o que significa que é possível compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ou seja, o valor pago na operação imediatamente anterior pode ser abatido do mesmo imposto em operação posterior (art. 49 do CTN). “A cada aquisição tributada de insumo, o adquirente registra como crédito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é um ‘direito’ do contribuinte, consistente na possibilidade de recuperar o valor incidente nas operações subsequentes (é o ‘IPI a recuperar’). A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos federais ou compensá-los com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do ‘IPI a recolher’). Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Caso os créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento.” (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 681-682). Tributos sujeitos ao regime não cumulativo Além do IPI, o ICMS, a Cofins e o PIS/PASEP também são tributos sujeitos à sistemática não cumulativa. Vale ressaltar, no entanto, que existem diferenças significativas entre os regimes. A não cumulatividade do ICMS e do IPI é obrigatória e baseada no texto constitucional. Já a não cumulatividade da Cofins e do PIS/PASEP não é obrigatória e depende de previsão em lei, que irá definir as regras aplicáveis. Nesse sentido, veja o que diz a CF/88:

Art. 195 (...) § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.

Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: Determinada indústria adquiriu matéria-prima para sua produção, pagando R$ 110 mil. Desse total, R$ 10 mil foi de IPI. Ao final do período, como a empresa não utilizou estes créditos, ela formulou junto à Receita Federal um pedido de ressarcimento de créditos do IPI. O Fisco reconheceu administrativamente que os créditos eram devidos, mas só efetuou a restituição após 16 meses, contados do deferimento do pedido de ressarcimento, sem qualquer justificativa para este atraso.

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Ao realizar a restituição, o Fisco pagou apenas o valor original, ou seja, sem incidência de correção monetária. A Receita invocou a Súmula 411 do STJ (“É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco”). Segundo argumentou a Administração Tributária, não houve resistência de sua parte em reconhecer o aproveitamento do crédito. O que existiu foi apenas uma demora na restituição, mas não no deferimento do pedido. A empresa não concordou com a argumentação e ingressou com ação requerendo o pagamento da correção monetária. O pleito da contribuinte foi acolhido pelo STF? SIM.

A mora injustificada ou irrazoável do Fisco em restituir o valor devido ao contribuinte caracteriza a resistência ilegítima autorizadora da incidência da correção monetária. STF. Plenário. RE 299605 AgR-ED-EDv/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 6/4/2016 (repercussão geral) (Info 820).

Este também é o entendimento do STJ. Confira:

(...) Ocorrendo resistência ilegítima do Fisco caracterizada pela mora no ressarcimento de créditos escriturais de PIS e Cofins (em dinheiro ou mediante compensação), é de se reconhecer-lhes a correção monetária. Incidência, por analogia, do recurso representativo da controvérsia REsp nº 1.035.847-RS, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24.6.2009, e do enunciado n. 411, da Súmula do STJ: "É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco". (...) STJ. 2ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1466507/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/05/2015.

Assim, apesar de a Súmula 411 do STJ não falar expressamente em “demora” (mora), este enunciado é aplicado por analogia também para os casos em que o Fisco aceita prontamente o pedido de aproveitamento ou restituição, mas demora injustificadamente para efetivar na prática. Segundo entendimento do STJ, a correção monetária deve ser feita pela taxa SELIC. Vale ressaltar, ainda, que o STF fixou uma tese geral sobre o tema, de forma que não abrange apenas a situação do IPI, mas também de outros tributos sujeitos à mesma sistemática de restituição, como é o caso do ICMS e da COFINS. Ainda sobre o assunto, veja explicação do julgado feita por Amal Nasrallah, autora de um excelente blog de Direito Tributário:

“Os créditos de IPI escriturados pela pessoa jurídica que não puderam ser compensados em sua própria escrita fiscal, chamados, créditos remanescentes, ao final de cada trimestre-calendário podem, atendidas algumas exigências, ser objeto de pedido de ressarcimento pela pessoa jurídica, mediante utilização de Pedido Eletrônico de Restituição ou Ressarcimento e da Declaração de Compensação – PER/DCOMP. Ocorre que é comum a Receita Federal demorar para analisar os pedidos de ressarcimento feitos pelos sujeitos passivos e devolver ou autorizar a compensação, posteriormente, pelos valores históricos lançados na contabilidade da pessoa jurídica, ou seja, sem qualquer correção monetária, desconsiderando o período transcorrido entre a data do pedido de ressarcimento e a data do efetivo ressarcimento. (...) Nos embargos de divergência no Recurso Extraordinário (RE) 299605, relatado pelo ministro Edson Fachin, os Ministros, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceram dos embargos de divergência e determinaram a correção monetária dos valores a serem ressarcidos,

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em decorrência de crédito prêmio de IPI solicitado em esfera administrativa, tendo em vista a indevida oposição do Fisco pelas instâncias ordinárias. Vale dizer, segundo do STF, se a Receita Federal reconhece e autoriza o ressarcimento, mas, por motivo de sua desídia permite que a inflação corroa o valor devido pela sua demora de realizar o ressarcimento, se torna necessária a atualização monetária do valor a ser ressarcido, sob pena de admitir o enriquecimento sem causa do fisco." (STF – Incide correção monetária no ressarcimento pela Receita Federal de créditos de IPI. Disponível em: https://tributarionosbastidores.wordpress.com/2016/04/11/stf-incide-correcao-monetaria-no-ressarcimento-pela-receita-federal-de-creditos-de-ipi/).

Qual é o termo inicial da incidência de correção monetária no caso de ressarcimento de créditos tributários escriturais? A partir de quando é contada a correção monetária? A partir da data em que o contribuinte faz o requerimento administrativo? NÃO. Segundo o art. 24 da Lei nº 11.457/2007, a Administração Tributária possui o prazo de 360 dias para analisar o pedido:

Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.

Isso significa que, durante esses 360 dias, a Administração ainda está dentro do prazo e, portanto, não é possível exigir a correção monetária. O direito à correção monetária de crédito escritural é condicionado à existência de ato estatal impeditivo de seu aproveitamento no momento oportuno. Em outros termos, é preciso que fique caracterizada a “resistência ilegítima do Fisco”, na linha do que preceitua a Súmula 411 do STJ. Em princípio, os créditos decorrentes da não cumulatividade são escriturais e, portanto, não ensejam direito à correção monetária A regra é que no regime de não cumulatividade os créditos gerados por referidos tributos são escriturais e, dessa forma, não resultam em dívida do fisco com o contribuinte. Veja-se o que dispõe o art. 3º, § 10, da Lei nº 10.833/2003, que versa sobre a Cofins:

Art. 3º (...) § 10. O valor dos créditos apurados de acordo com este artigo não constitui receita bruta da pessoa jurídica, servindo somente para dedução do valor devido da contribuição.

O mesmo vale para o PIS/PASEP, conforme prevê o art. 15, II, da Lei nº 10.833/2003. O crédito escritural não gera direito à correção monetária, salvo se houver autorização legal específica. Nesse sentido:

“A não cumulatividade do PIS/COFINS parte da mesma premissa: os créditos das referidas contribuições são meramente escriturais, e, portanto, não geram dívida do Poder Público para com o contribuinte. Seu fim é puramente contábil, para nada mais se prestando além do cálculo do valor devido, salvo se a lei dispuser em contrário (...)” (MOREIRA, André Mendes. A não cumulatividade dos tributos. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 435).

Se há um atraso abusivo no reconhecimento do direito, esse crédito escritural é desnaturado e passa a ensejar correção monetária Se ficar comprovada a resistência injustificada da Fazenda Pública ao aproveitamento do crédito, como, por exemplo, se houve necessidade de o contribuinte ingressar em juízo para ser reconhecido o seu direito ao creditamento ou o transcurso do prazo de 360 dias de que dispõe o Fisco para responder ao

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contribuinte sem qualquer manifestação fazendária, haverá a desnaturação do crédito escritural e, consequentemente, surge a possibilidade de sua atualização monetária. Ao exigir que seja ultrapassado o prazo de 360 dias, o STJ está misturando os conceitos de juros de mora (sanção pelo inadimplemento) com correção monetária (atualização do poder aquisitivo)? Para o Min. Relator Sérgio Kulina, não. Ao adotar esse entendimento, o STJ não está equiparando a correção monetária a uma sanção. O que o Tribunal está fazendo é conceder prazo razoável ao fisco para averiguar se o pedido de ressarcimento protocolado vai ser confirmado ou rejeitado. A tese fixada foi a seguinte:

O termo inicial da correção monetária de ressarcimento de crédito escritural excedente de tributo sujeito ao regime não cumulativo ocorre somente após escoado o prazo de 360 dias para a análise do pedido administrativo pelo Fisco (art. 24 da Lei nº 11.457/2007). STJ. 1ª Seção. REsp 1.767.945-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 12/02/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1.003) (Info 670).

DOD QUESTÕES

Veja algumas questões de prova envolvendo temas correlatos: ++ (Juiz TRF3 2015 banca própria) O STJ tem entendimento no sentido de que, quanto ao pedido administrativo de restituição e demais processos administrativos tributários, não tem aplicação a Lei nº 9.784/99, razão pela qual deve ser aplicado o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para que seja proferida decisão administrativa, a contar do protocolo dos respectivos pedidos. (certo) ++ (Juiz TRF4 2014) Ressalvada a hipótese de resistência da Administração Tributária, não incide correção monetária sobre os créditos de IPI decorrentes do princípio constitucional da não cumulatividade (créditos escriturais), por ausência de previsão legal. (certo)

PIS E COFINS Creditamento de PIS/Cofins e bens ou serviços provenientes de empresa localizada fora da Zona Franca de Manaus (ZFM)

É cabível o creditamento de PIS e Cofins decorrentes da aquisição de bens e serviços provenientes de empresas localizadas fora da Zona Franca de Manaus (ZFM), quando tais bens e serviços não são revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos a alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.259.343-AM, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, julgado em 03/03/2020 (Info 670).

Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária PRP Ltda., localizada na Zona Franca de Manaus, compra insumos de empresas situadas fora da ZFM. Como os bens adquiridos não são revendidos pela PRP Ltda, ela afirmou que teria direito de obter creditamento de PIS/COFINS. A Receita Federal, contudo, negou o pedido. Diante disso, a PRP impetrou mandado de segurança pedindo o reconhecimento do direito líquido e certo de fazer uso dos créditos de PIS e COFINS decorrentes da aquisição de bens e serviços provenientes de empresas localizadas fora da Zona França de Manaus, por força do disposto no art. 3º, § 2º, II, da Lei nº 10.833/2003, quando tais bens e serviços não são revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.

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O pedido da empresa foi acolhido pelo STJ? SIM.

É cabível o creditamento de PIS e Cofins decorrentes da aquisição de bens e serviços provenientes de empresas localizadas fora da Zona Franca de Manaus (ZFM), quando tais bens e serviços não são revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos a alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição. STJ. 1ª Turma. REsp 1.259.343-AM, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, julgado em 03/03/2020 (Info 670).

O direito a créditos de PIS e COFINS está disciplinado nos arts. 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, que possuem a mesma redação. Os arts. 3º, § 2º, II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 vedam a concessão de créditos de PIS e Cofins sobre valores de “aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição”. A venda para empresas situadas na Zona Franca de Manaus equivale, para efeitos fiscais, à exportação de produto brasileiro para o estrangeiro, sendo, portanto, tal operação isenta da contribuição para o PIS e Cofins. Assim, em uma leitura desatenta do art. 3º, § 2º, II, poderia se pensar que a empresa da ZFM que adquiriu os bens de outra empresa de fora da ZFM não teria direito ao creditamento. Ocorre que não é verdade. Isso porque a isenção do PIS e da Cofins sobre a receita decorrente da aquisição de bens e serviços só impede o aproveitamento dos créditos quando as coisas ou serviços adquiridos forem revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição. Nos demais casos, o creditamento não é proibido. Além disso, é importante relembrar que o STJ já decidiu que o direito ao aproveitamento dos créditos não está vinculado à existência de tributação na etapa anterior (STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp n. 1.051.634/CE, julgado em 28/03/2017). Logo, o direito ao creditamento não depende da ocorrência de tributação na etapa anterior, ou seja, não está vinculado à eventual incidência da contribuição ao PIS e COFINS na aquisição de bens e serviços provenientes de empresas localizadas fora da Zona Franca de Manaus.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para atuar no âmbito do Superior Tribunal de

Justiça na condição de parte. ( ) 2) Existindo evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível

o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso cuja pena já se encontra cumprida. ( )

3) A veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência. ( )

4) (Defensor DPE-PE 2015 CESPE) A exagerada e indefinida exploração midiática de crimes e tragédias privadas deve ser impedida, a fim de se respeitar o direito ao esquecimento das vítimas de crimes e, assim, preservar a dignidade da pessoa humana. ( )

5) (PGE/PE 2018 CEBRASPE) Conforme a CF e a jurisprudência das cortes superiores, o habeas data pode ser impetrado para se pleitear o direito ao esquecimento, mediante apagamento de registros em bancos de dados. ( )

6) (Juiz TJ/DF 2014 CEBRASPE) A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. ( )

7) É válida a doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens. ( ) 8) (Promotor MPE/PR 2019) A doação de um cônjuge a outro importa adiantamento do que lhe cabe por

herança. ( ) 9) Nos contratos de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por

verbas sucumbenciais, a revogação unilateral do mandato pelo mandante acarreta a remuneração do advogado pelo trabalho desempenhado até o momento da rescisão contratual. ( )

10) A preferência prevista no § 2º do art. 100 da Constituição Federal não pode ser reconhecida mais de uma vez em um mesmo precatório. ( )

11) (Procurador do Trabalho MPT 2020) Na execução em face da Fazenda Pública fundada em título extrajudicial, os créditos dos idosos, portadores de doença grave e/ou pessoas com deficiência serão pagos, na forma da lei, sem necessidade de expedição de precatório ou Requisição de Pequeno Valor (RPV). ( )

12) (Procurador TCE/PA 2019 CEBRASPE) Sociedade de economia mista prestadora de serviço público concorrencial está sujeita ao regime de precatórios. ( )

13) (Juiz Federal TRF2 2017) Nos termos de posicionamento do STF, sociedades de economia mista não podem gozar da possibilidade de pagar débitos judiciais por meio de precatórios, em razão de regra constitucional. ( )

14) A decisão em mandado de segurança coletivo impetrado por associação beneficia todos os associados, sendo irrelevante a filiação ter ocorrido após a sua impetração. ( )

15) (PGM Salvador 2015 CESPE) As entidades associativas têm legitimidade ativa para propor ação coletiva que represente seus filiados, caso em que a permissão estatutária genérica para o ajuizamento de ações é sempre suficiente para a propositura da demanda de direitos individuais homogêneos de seus associados. ( )

16) (Cartório TJDF 2019 CEBRASPE) A expressão contida no art. 5º, XXI, da Constituição Federal de 1988, refere-se à substituição processual e não à representação processual. ( )

17) (Cartório TJDF 2019 CEBRASPE) As associações e os sindicatos possuem legitimidade para propor a ação em defesa de seus filiados, na qualidade de substitutos processuais, independentemente de autorização expressa ou de procuração individual por eles fornecida. ( )

18) (Promotor MP/MG 2019) A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos

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que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. ( )

19) (Juiz Federal TRF2 2018) Nos termos do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre o alcance territorial da sentença coletiva transitada em julgado, diante da limitação determinada pelo art. 16 da Lei n. 7.347/85: A) a sentença pode ser executada nacionalmente independentemente do que foi fixado no título. B) a sentença fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, ainda que o título tenha estabelecido de modo mais amplo. C) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tema possuía repercussão geral, estabelecendo que a coisa julgada deve prevalecer, em razão da proteção constitucional. D) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tema possuía repercussão geral, estabelecendo que limitação determinada pela lei não ofende a coisa julgada. E) a sentença pode ser executada fora dos limites da competência territorial do órgão prolator, por força da coisa julgada, ainda que em contrariedade à limitação legal, se fixado no título.

20) A decisão em mandado de segurança coletivo impetrado por associação beneficia todos os associados, sendo irrelevante a filiação ter ocorrido após a sua impetração. ( )

21) O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, não impede o curso da prescrição executória. ( )

22) (Promotor MP/PI 2019 CEBRASPE) Após a sentença condenatória transitar em julgado, a prescrição não corre enquanto o condenado estiver preso por outro motivo. ( )

23) O descumprimento das condições impostas para o livramento condicional não pode ser invocado para impedir a concessão do indulto, a título de não preenchimento do requisito subjetivo. ( )

24) (Juiz TRF3 2015 banca própria) O STJ tem entendimento no sentido de que, quanto ao pedido administrativo de restituição e demais processos administrativos tributários, não tem aplicação a Lei nº 9.784/99, razão pela qual deve ser aplicado o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para que seja proferida decisão administrativa, a contar do protocolo dos respectivos pedidos. ( )

25) (Juiz TRF4 2014) Ressalvada a hipótese de resistência da Administração Tributária, não incide correção monetária sobre os créditos de IPI decorrentes do princípio constitucional da não cumulatividade (créditos escriturais), por ausência de previsão legal. ( )

26) O termo inicial da correção monetária de ressarcimento de crédito escritural excedente de tributo sujeito ao regime não cumulativo ocorre somente após escoado o prazo de 360 dias para a análise do pedido administrativo pelo Fisco. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. C 4. C 5. E 6. C 7. E 8. C 9. C 10. C

11. E 12. E 13. E 14. C 15. E 16. E 17. E 18. C 19. Letra E 20. C

21. E 22. C 23. C 24. C 25. C 26. C