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Informativo 673-STJ (03/07/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 673-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DEFENSORIA PÚBLICA Havendo convênio entre a Defensoria e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, os honorários podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento. DIREITO AMBIENTAL CÓDIGO FLORESTAL O art. 15 do Código Florestal não se aplica para situações consolidadas antes de sua vigência DIREITO CIVIL DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. RESPONSABILIDADE CIVIL O ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui necessariamente a responsabilidade da concessionária/transportadora. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O prazo de 5 dias para pagamento da integralidade da dívida é material e, portanto, contado em dias corridos. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE O juiz deve adotar as medidas do art. 139, IV, do CPC para superar a resistência da pessoa que deveria fornecer o material para exame de DNA, mas está se recusando a fazê-lo. ALIMENTOS É possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos. É cabível ação de exigir contas pelo alimentante contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito PRISÃO CIVIL Como fica a prisão civil do devedor de alimentos durante a pandemia da Covid-19? DIREITO DO CONSUMIDOR TRANSPORTE AÉREO A indenização decorrente de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional está submetida à tarifação prevista na Convenção de Montreal? PLANO DE SAÚDE É devida a cobertura, pelo plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade. Prazo prescricional para cobrar reembolso de plano de saúde (ou de seguro-saúde) é de 10 anos.

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Informativo 673-STJ (03/07/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 673-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA ▪ Havendo convênio entre a Defensoria e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver defensor

público para a causa, os honorários podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento.

DIREITO AMBIENTAL

CÓDIGO FLORESTAL ▪ O art. 15 do Código Florestal não se aplica para situações consolidadas antes de sua vigência

DIREITO CIVIL

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ▪ Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

RESPONSABILIDADE CIVIL ▪ O ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui necessariamente a

responsabilidade da concessionária/transportadora.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ▪ O prazo de 5 dias para pagamento da integralidade da dívida é material e, portanto, contado em dias corridos.

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ▪ O juiz deve adotar as medidas do art. 139, IV, do CPC para superar a resistência da pessoa que deveria fornecer o

material para exame de DNA, mas está se recusando a fazê-lo.

ALIMENTOS ▪ É possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos. ▪ É cabível ação de exigir contas pelo alimentante contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de

informações sobre a destinação da pensão paga, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito

PRISÃO CIVIL ▪ Como fica a prisão civil do devedor de alimentos durante a pandemia da Covid-19?

DIREITO DO CONSUMIDOR

TRANSPORTE AÉREO ▪ A indenização decorrente de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional está submetida à tarifação

prevista na Convenção de Montreal? PLANO DE SAÚDE ▪ É devida a cobertura, pelo plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a

alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade. ▪ Prazo prescricional para cobrar reembolso de plano de saúde (ou de seguro-saúde) é de 10 anos.

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DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA ▪ A regra do art. 104, III, da atual Lei de Falências pode ser aplicada para as falências ocorridas antes da sua vigência.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

COMPETÊNCIA ▪ De quem é a competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e

Juventude?

ASPECTOS CÍVEIS ▪ Em ACP na qual se questiona acolhimento institucional de menor, não é admissível o julgamento de improcedência

liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando não há tese jurídica fixada em precedente vinculante

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ▪ Ainda que citado pessoalmente na fase de conhecimento, é devida a intimação por carta do réu revel, sem

procurador constituído, para o cumprimento de sentença. ▪ O acréscimo de 10% de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015, quando não ocorrer o

pagamento voluntário no cumprimento de sentença, não admite relativização. EXPROPRIAÇÃO ▪ Compete ao juízo da execução realizar a alienação judicial eletrônica, ainda que o bem esteja situado em comarca

diversa.

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS ▪ Transportar folhas de coca: crime do art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA ▪ Em regra, compete à Justiça Estadual julgar habeas corpus preventivo destinado a permitir o cultivo e o porte de

maconha para fins medicinais. ▪ Os crimes relacionados com pirâmide financeira envolvendo criptomoedas são, em princípio, de competência da

Justiça Estadual. PRISÃO ▪ A Recomendação 62/2020 do CNJ não é aplicável ao acusado que não está privado de liberdade no sistema penal

brasileiro. TRABALHO EXTERNO ▪ Durante a pandemia da Covid-19, os apenados que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, possuem

direito à prisão domiciliar?

DIREITO TRIBUTÁRIO

PROCESSO TRIBUTÁRIO ▪ O Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de

segurança que visa evitar a prática de lançamento fiscal.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA Havendo convênio entre a Defensoria e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, os honorários podem ser executados nos próprios

autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento

Caso concreto: advogado atuou como defensor dativo em ação de alimentos. Esse advogado atuou porque na localidade não há Defensoria Pública e existe um convênio com a OAB para que esse serviço seja realizado por advogados que receberão honorários pagos pelo Estado. Na sentença, o magistrado arbitrou a verba honorária conforme disposto na tabela do convênio. Porém, o Estado pagou só uma parte.

Neste caso, o STJ afirmou que o advogado poderá executar (cobrar) os honorários do Estado, nos próprios autos, mesmo o Estado não tendo participado da ação de conhecimento.

Se for exigido que os advogados promovam uma ação específica contra a Fazenda Pública para poderem receber seus honorários, isso fará com que eles sejam muito resistentes em aceitar a função de advogado dativo, porque terão de trabalhar não só na ação para a qual foram designados, mas também em outra ação que terão de propor contra a Fazenda Pública.

O fato de o Estado não ter participado da lide na ação de conhecimento não impede que ele seja intimado a pagar os honorários, que são de sua responsabilidade em razão de convênio celebrado entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, em cumprimento de sentença.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.698.526-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. Acd. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 05/02/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: Determinado advogado particular atuou como defensor dativo em uma ação de alimentos. Esse advogado atuou porque naquele Município não há Defensoria Pública instalada e existe um convênio com a OAB para que esse serviço seja realizado por advogados que receberão honorários pagos pelo Estado. Na sentença, o magistrado que julgou a ação de alimento arbitrou a verba honorária devida ao advogado dativo, conforme disposto na tabela do convênio. Porém, o Estado pagou só uma parte.

Execução nos próprios autos Neste caso, o STJ afirmou que o advogado poderá executar (cobrar) os honorários do Estado, nos próprios autos, mesmo o Estado não tendo participado da ação de conhecimento (o Estado não era parte na ação de alimentos).

Exigir ação específica iria desestimular a participação de dativos Se for exigido que os advogados promovam uma ação específica contra a Fazenda Pública para poderem receber seus honorários, isso fará com que eles sejam muito resistentes em aceitar a função de advogado dativo, porque terão de trabalhar não só na ação para a qual foram designados, mas também em outra ação que terão de propor contra a Fazenda Pública. O fato de o Estado não ter participado da lide na ação de conhecimento não impede que ele seja intimado a pagar os honorários, que são de sua responsabilidade em razão de convênio celebrado entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, em cumprimento de sentença.

Em suma:

Havendo convênio entre a Defensoria Pública e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, os honorários advocatícios podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento. STJ. Corte Especial. EREsp 1.698.526-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. Acd. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 05/02/2020 (Info 673).

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DIREITO AMBIENTAL

CÓDIGO FLORESTAL O art. 15 do Código Florestal não se aplica para situações consolidadas antes de sua vigência

Importante!!!

O art. 15 da Lei nº 12.651/2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente no cálculo do percentual de instituição da reserva legal do imóvel, não retroage para alcançar situações consolidadas antes de sua vigência.

Em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.646.193-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/05/2020 (Info 673).

Em que consiste a área de reserva legal? Reserva legal é... - uma área (uma porção de terra) - localizada no interior de um imóvel rural - e dentro da qual o proprietário ou possuidor fica obrigado, por força de lei (Lei nº 12.651/2012), - a manter a cobertura de vegetação nativa, - com a função de: • assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, • auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, • promover a conservação da biodiversidade e • assegurar abrigo e proteção da fauna silvestre e da flora nativa. Natureza A Área de Reserva Legal consiste em uma limitação ao direito de propriedade (limitação administrativa existente em função do princípio da função socioambiental da propriedade). Trata-se de obrigação “propter rem”, ou seja, é uma obrigação que acompanha a coisa e vincula todo e qualquer proprietário ou possuidor de imóvel rural, já que adere ao título de propriedade ou à posse. Quem tem o dever de preservar a área de reserva legal? Só o proprietário? NÃO. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa não apenas pelo proprietário, como também pelo possuidor ou por qualquer outra pessoa que ocupe, a qualquer título, a área, seja ele uma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado (art. 17, caput). Admite-se algum tipo de atividade econômica na área de reserva legal? SIM. Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama (art. 17, § 1º). Qual é o tamanho da área de reserva legal? Será um percentual do imóvel baseado na região do país onde ele está situado e na natureza da vegetação. A Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal) prevê os percentuais de cada imóvel rural que deverão ser separados e protegidos como área de reserva legal. Veja:

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Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei: I — localizado na Amazônia Legal: a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas; b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado; c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais; II — localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).

Nos parágrafos do art. 12 estão previstas situações em que é possível alterar o percentual mínimo da área de reserva legal. A depender do grau de complexidade do concurso público que você está prestando, vale a pena fazer uma leitura desses dispositivos. Onde fica a área de reserva legal dentro do imóvel rural? Em outras palavras, em um sítio, por exemplo, como a pessoa sabe onde está a área de reserva legal? É o proprietário/possuidor que define isso? NÃO. A localização da área de Reserva Legal dentro da propriedade ou posse rural deverá ser aprovada pelo órgão estadual integrante do SISNAMA ou instituição por ele habilitada, conforme os critérios previstos no art. 14 do Código Florestal. Existem imóveis rurais que não precisam constituir área de reserva legal? SIM. Segundo prevê os §§ 6º a 8º do art. 12, não será exigida Reserva Legal para: • empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto; • áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica; • áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias. Áreas de Preservação Permanente (APP) Área de Preservação Permanente (APP) é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, III, da Lei nº 12.651/2012). Cômputo da APP no percentual da Reserva Legal O novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) autorizou que a APP fosse considerada para cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. Veja:

Art. 15. Será admitido o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel, desde que: I - o benefício previsto neste artigo não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo; II - a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e III - o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural - CAR, nos termos desta Lei.

Essa previsão do art. 15 representou uma “redução de proteção ambiental. Isso porque a legislação revogada, em regra, não admitia o computo das áreas de preservação permanente no cálculo da reserva

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legal, que deviam ser somadas, salvo expressas exceções.” (AMADO, Frederico. Sinopse de Direito Ambiental. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 177). Explicando melhor: • legislação anterior: o proprietário teria que proteger a área da Reserva Legal e mais a APP; • art. 15 da Lei nº 12.651/2012: na contagem do que é Reserva Legal, já se pode utilizar a APP (diminui a área protegida). Alguns autores alegaram que esse art. 15 do novo Código Florestal seria inconstitucional porque implicaria um retrocesso na proteção do meio ambiente, afrontando, portanto, o art. 225 da CF/88. O STF acolheu esse argumento? NÃO. O STF declarou a constitucionalidade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012 tendo em vista que ele está de acordo com o “desenvolvimento nacional” (art. 3º, II, da CF/88) e o “direito de propriedade” (art. 5º, XXII, da CF/88). Confira o trecho da ementa do julgado na parte que trata sobre o art. 15 do Código Florestal:

(...) As Áreas de Preservação Permanente são zonas específicas nas quais se exige a manutenção da vegetação, como restingas, manguezais e margens de cursos d´água. Por sua vez, a Reserva Legal é um percentual de vegetação nativa a ser mantido no imóvel, que pode chegar a 80% (oitenta por cento) deste, conforme localização definida pelo órgão estadual integrante do Sisnama à luz dos critérios previstos no art. 14 do novo Código Florestal, dentre eles a maior importância para a conservação da biodiversidade e a maior fragilidade ambiental. Em regra, consoante o caput do art. 12 do novo Código Florestal, a fixação da Reserva Legal é realizada sem prejuízo das áreas de preservação permanente. Entretanto, a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente a sua utilização produtiva. O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB). Da mesma forma, impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal; (...) STF. Plenário. ADC 42, Rel. Luiz Fux, julgado em 28/02/2018.

Veja como o tema foi cobrado em prova: (Juiz Federal TRF3 2018) Recentemente o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 4901, 4902, 4903, 4937 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade 42, as quais tratavam de diversos dispositivos da Lei nº 12.651/2012, denominada Código Florestal. De acordo com referido julgamento, marque verdadeiro ou falso: Embora tenha reconhecido a constitucionalidade da maior parte dos dispositivos do Código Florestal, o Supremo Tribunal Federal também admitiu que a redução da área de reserva legal prevista na norma estabeleceu um padrão de proteção ambiental inferior ao que existia antes de sua vigência, em afronta ao princípio da vedação ao retrocesso e em contrariedade ao artigo 225 da Constituição Federal. (errado) O art. 15 do Código Florestal pode ser aplicado para situações consolidadas antes de sua vigência? NÃO.

O art. 15 da Lei nº 12.651/2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente no cálculo do percentual de instituição da reserva legal do imóvel, não retroage para alcançar situações consolidadas antes de sua vigência. STJ. 1ª Turma. REsp 1.646.193-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/05/2020 (Info 673).

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Em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental. Nesse sentido:

(...) o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da incumbência do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1728244/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 06/12/2018.

Assim, a instituição da área de reserva legal deve ser feita de acordo com a legislação vigente ao tempo da infração ambiental, afastadas as disposições do art. 15 da Lei nº 12.651/2012 caso o fato tenha ocorrido antes da sua vigência.

DIREITO CIVIL

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Não há condenação em honorários advocatícios em

incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Importante!!!

Em regra, não é cabível a condenação em honorários advocatícios em qualquer incidente processual, ressalvados os casos excepcionais.

Tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não cabe a condenação nos ônus sucumbenciais em razão da ausência de previsão legal. Logo, é irrelevante apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.845.536-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Princípio da autonomia patrimonial As pessoas jurídicas são sujeitos de direitos. Isso significa que possuem personalidade jurídica distinta de seus instituidores. Assim, por exemplo, não é porque o sócio morreu que, obrigatoriamente, a pessoa jurídica será extinta. De igual modo, o patrimônio da pessoa jurídica é diferente do patrimônio de seus sócios. Ex.1: se uma sociedade empresária possui um veículo, esse automóvel não pertence aos sócios, mas sim à própria pessoa jurídica. Ex.2: se uma sociedade empresária possui uma dívida, este débito deverá ser pago com os bens da própria sociedade, não podendo, para isso, em regra, ser utilizado o patrimônio pessoal dos sócios. Vigora, portanto, o princípio da autonomia patrimonial entre os bens do sócio e da pessoa jurídica. Desconsideração da personalidade jurídica O ordenamento jurídico prevê algumas situações em que essa autonomia patrimonial pode ser afastada. Tais hipóteses são chamadas de “desconsideração da personalidade jurídica” (disregard of legal entity ou teoria do superamento da personalidade jurídica).

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Quando se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, os bens particulares dos administradores ou sócios são utilizados para pagar dívidas da pessoa jurídica. Desconsideração da personalidade jurídica no CC-2002 A desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito das relações civis gerais, está disciplinada no art. 50 do CC. Regras processuais sobre a desconsideração da personalidade jurídica O CPC/2015, de forma inovadora, trouxe regras para disciplinar o procedimento para a decretação ou não da desconsideração da personalidade jurídica no processo. O Código previu que essa desconsideração poderá ser postulada de duas formas: a) em caráter principal, quando o pedido é formulado já na petição inicial; b) em caráter incidental, quando o pedido é feito no curso do processo. DESCONSIDERAÇÃO REQUERIDA NA INICIAL

Desconsideração pedida na petição inicial O autor, ao ingressar com a ação contra o réu, já requer, na petição inicial, a desconsideração da personalidade jurídica. Neste caso, não será necessária a instauração de um incidente. Se o pedido for para desconsideração direta Isso significa que a ação é proposta contra a “empresa” (pessoa jurídica), mas o autor já pede, desde logo, que seja afastada a autonomia patrimonial e se atinjam os bens dos sócios. Logo, a ação é proposta contra a pessoa jurídica e contra os sócios. O autor pedirá a citação: • da pessoa jurídica, afirmando que ela é a devedora (a pessoa jurídica é que é a devedora “originária”); e • dos sócios, argumentando que eles, apesar de não serem devedores da obrigação (não participaram da relação obrigacional), são responsáveis pelo pagamento do débito, ou seja, pede-se para atingir o patrimônio pessoal dos sócios, mesmo eles não tendo participado da relação obrigacional (ex: quem assinou o contrato foi a pessoa jurídica – e não as pessoas físicas). Veja algumas importantes observações da doutrina:

“A inicial deve deixar claro que o débito é da empresa e que a pretensão de cobrança está direcionada contra ela. O que se pretende em relação ao sócio não é a sua condenação ao pagamento do débito, mas o reconhecimento de que ele é responsável patrimonial, uma vez que estão preenchidos os requisitos do direito material para a desconsideração da personalidade jurídica. Serão dois os pedidos formulados na inicial: o condenatório, de cobrança, dirigido contra o devedor; e o de extensão da responsabilidade patrimonial, direcionado contra o sócio e fundado no preenchimento dos requisitos do art. 50 do Código Civil ou do art. 28 do CDC. (...) O sócio será citado, na condição de corréu, para oferecer resposta no prazo de 15 dias (observado o art. 229, do CPC). Em sua contestação, deverá defender-se do pedido contra ele direcionado, isto é, o de extensão da responsabilidade patrimonial pelo débito da empresa.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 257).

Se o pedido na Inicial for para desconsideração “inversa” Isso significa que a ação é proposta contra um(uns) do(s) sócio(s), mas o autor já pede, desde logo, que seja afastada a autonomia patrimonial e se atinjam os bens da pessoa jurídica. Logo, a ação é proposta contra o sócio e contra a pessoa jurídica.

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O autor pedirá a citação: • do sócio (que era o devedor “originário”); e • da pessoa jurídica, sob o argumento de que ela, mesmo não tendo participado da relação de direito material, deverá responder pelo débito. Não é necessária intervenção de terceiros Vale esclarecer que o sócio (no caso de desconsideração direta) ou a pessoa jurídica (desconsideração inversa) não serão considerados “terceiros”, mas sim réus, tendo sido citados desde o início. Logo, a desconsideração da personalidade jurídica pedida na petição inicial não acarreta a intervenção de terceiros. O que se alega na contestação? Enunciado 248-FPPC: Quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou à pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa. Pedido decidido na sentença As pessoas citadas deverão apresentar contestação refutando os argumentos do autor e, ao final, na própria sentença, o juiz decidirá se é procedente ou não o pedido de desconsideração. Trata-se, portanto, de um dos pedidos da ação. Se o juiz acolher, significa que, além de condenar a pessoa jurídica reconhecendo que ela é devedora da relação jurídica de direito material, também condenará o(s) sócio(s) como responsável(eis) pelo débito da pessoa jurídica. Vale ressaltar que o pedido de desconsideração formulado na petição inicial não acarreta a suspensão do processo. Recurso O sócio ou pessoa jurídica atingidos pela desconsideração, caso não se conformem com a decisão, deverá interpor apelação.

Enunciado 390 FPPC: Resolvida a desconsideração da personalidade jurídica na sentença, caberá apelação.

Previsão no CPC/2015 O Código dedicou um único dispositivo para tratar sobre o tema:

Art. 134 (...) § 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

(Analista Judiciário TRF2 2019 FCC) Renato ajuizou ação de cobrança contra ZWXY Construções Ltda., requerendo, na própria petição inicial, a desconsideração da sua personalidade jurídica, com a demonstração preliminar do preenchimento dos pressupostos legais específicos. Nesse caso, de acordo com o Código de Processo Civil, dispensa-se a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o processo não será suspenso. (certo) INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

Processo em curso Algumas vezes, o processo já está em curso quando, então, o credor percebe que não irá conseguir receber o valor pretendido do devedor e que estão presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica. Neste caso, o pedido de desconsideração será formulado como um incidente do processo.

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Haverá uma intervenção de terceiros provocada, considerando que o credor pedirá para trazer à lide uma pessoa que originalmente não figurava no polo passivo. Quem pode iniciar o incidente O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será sempre instaurado a pedido. Este pedido poderá ser feito: • pela parte; ou • pelo Ministério Público (quando lhe couber intervir no processo). Obs: o juiz não pode instaurar de ofício. Pressupostos O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Esses pressupostos estão previstos no “direito material” (art. 50 do Código Civil, art. 28 do CDC, art. 34 da Lei nº 12.529/2011 etc.). (Analista Judiciário TRF4 2019 FCC) Tereza ajuizou ação de indenização contra a empresa “XPTO Comércio de Produtos de Informática Ltda”. Ainda na fase instrutória do processo, requereu a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse caso, o juiz deverá deferir o pedido, suspendendo o processo, desde que o requerimento tenha demonstrado o preenchimento dos pressupostos legais específicos para a desconsideração da personalidade jurídica. (certo) Admitido em todas as espécies de processo O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. (Analista Ministerial MPC/PA 2019 CEBRASPE) Com vistas a suspender episodicamente a eficácia do ato constitutivo de determinada empresa, João, credor de um dos sócios do empreendimento, ajuizou incidente de desconsideração da personalidade jurídica para tentar atingir a cota-parte do sócio devedor. Caso a ação de cobrança de João esteja em fase de cumprimento de sentença, o juiz deverá inadmitir o incidente. (errado) Importante destacar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se também a processos de competência dos juizados especiais (art. 1.062 do CPC/2015)

Enunciado 247 FPPC: Aplica-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar.

Incidente instaurado originariamente perante o Tribunal Vale ressaltar que o incidente de desconsideração pode ser pedido tanto em processos que tramitam na 1ª instância como também pode ser requerido originalmente no Tribunal. Se a desconsideração for pedida em processo que está tramitando no Tribunal, ela será decidida monocraticamente pelo Relator:

Art. 932. Incumbe ao relator: (...) VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;

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Suspensão do processo A instauração do incidente suspenderá o processo. Assim, com o pedido de instauração, suspende-se o processo, suspensão esta que perdurará até a decisão que resolver o incidente. Procedimento 1) A instauração do incidente é pedida pela parte ou pelo Ministério Público. 2) O juiz admite a instauração e determina a suspensão do processo. 3) No caso de desconsideração direta, será realizada a citação do sócio. Em se tratando de desconsideração inversa, será determinada a citação da pessoa jurídica. 4) Depois da citação, o sócio ou a pessoa jurídica terão 15 dias para se manifestar e requerer as provas que entender necessárias. 5) Havendo necessidade, será realizada instrução probatória (oitiva de testemunhas, perícia etc.). 6) Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. A instauração do incidente de desconsideração gera, por si só, a necessidade de oitiva do MP? NÃO. É desnecessária a intervenção do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos em que deva intervir obrigatoriamente, previstos no art. 178 do CPC/2015 (Enunciado 123 do FPPC). Recurso • Se o incidente tramitou em 1ª instância (pedido foi decidido pelo juiz de 1º grau): a parte prejudicada poderá interpor agravo de instrumento (art. 1.015, IV). • Se o incidente tramitou originalmente no Tribunal (pedido foi decidido monocraticamente pelo Relator): cabe agravo interno (art. 136, parágrafo único). Acolhimento da desconsideração e alienação ou oneração de bens Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens ocorrida em fraude de execução será ineficaz em relação ao requerente (art. 137). INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra a empresa FS Ltda. A sentença julgou o pedido procedente, condenando a ré a pagar R$ 100 mil. Em cumprimento de sentença, não foram localizados bens penhoráveis da empresa. Diante disso, João requereu a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica a fim de que fossem alcançados os bens pessoais dos sócios da empresa, Fernando e Sandra. Os sócios foram citados e se manifestaram. Foram ouvidas testemunhas. Concluída a instrução, o juiz entendeu que as alegações de João não foram provadas e rejeitou o pedido de desconsideração. Fernando e Sandra tiveram que contratar advogado para se defenderem no incidente. Indaga-se: João, que foi sucumbente no incidente, será condenado a pagar honorários advocatícios? NÃO. Isso porque não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Vamos entender. O art. 85 do CPC/2015, ao tratar sobre os honorários advocatícios, afirma:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

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O caput do art. 136 do CPC, por sua vez, prevê expressamente que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é resolvido por decisão interlocutória, e não sentença:

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

No § 1º do art. 85, o legislador excepcionou alguns casos em que são devidos honorários, embora não se trate de sentença. Assim, quando o legislador quis, previu honorários para algumas decisões interlocutórias:

Art. 85 (...) § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

Nesse rol não está incluído o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Logo, não cabe a condenação em honorários advocatícios. Em suma:

Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Em regra, não é cabível a condenação em honorários advocatícios em qualquer incidente processual, ressalvados os casos excepcionais. Tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não cabe a condenação nos ônus sucumbenciais em razão da ausência de previsão legal. Logo, é irrelevante apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.845.536-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

RESPONSABILIDADE CIVIL O ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui

necessariamente a responsabilidade da concessionária/transportadora

Importante!!!

Caso concreto: houve uma explosão elétrica no vagão de trem durante o transporte, o que gerou tumulto e pânico entre os passageiros. Essa explosão decorreu de ato de vandalismo.

Mesmo que o dano tenha sido decorrente de uma conduta de terceiro, persiste a responsabilidade da concessionária. Isso porque a conduta do terceiro, neste caso, está inserida no risco do transportador, relacionando-se com a sua atividade. Logo, configura o chamado fortuito interno, que não é capaz de excluir a responsabilidade.

O contrato de transporte de passageiros envolve a chamada cláusula de incolumidade, segundo a qual o transportador deve empregar todos os expedientes que são próprios da atividade para preservar a integridade física do passageiro, contra os riscos inerentes ao negócio, durante todo o trajeto, até o destino final da viagem.

Assim, o ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui a responsabilidade da concessionária/transportadora, pois cabe a ela cumprir protocolos de atuação para evitar tumulto, pânico e submissão dos passageiros a mais situações de perigo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.786.722-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

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Imagine a seguinte situação: João estava indo para o trabalho em um trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), na cidade de São Paulo/SP. Um vândalo conseguiu arremessar um cabo de aço sobre o trem. Isso gerou o rompimento dos cabos elétricos do vagão, causando curto-circuito e explosões elétricas no vagão em que João estava. Não houve explicações aos passageiros acerca da gravidade da situação e das medidas de segurança a serem adotadas. João e os demais passageiros entraram em pânico, forçaram a abertura das portas de emergência e saltaram para fora do vagão, de uma altura superior a 1m e 70cm, no trajeto entre duas estações. Com a queda, João ficou imobilizado por causa de uma grave dor no quadril, com isso, no meio da confusão, várias pessoas o pisotearam, além de ter que sentir o cheiro de fumaça e ouvir pedidos de socorro desesperados. Diante disso, João ajuizou ação de indenização por danos morais contra a CPTM. A concessionária contestou a demanda alegando que o evento danoso foi causado por ato doloso de terceiro, estranho ao seu quadro de funcionários, tendo sido um ato de vandalismo. Argumentou que essa situação configura fortuito externo que não se inclui no risco inerente da prestação do serviço. O que o STJ decidiu sobre o caso? A concessionária deverá indenizar o passageiro? SIM. Contrato de transporte de pessoas O transporte de pessoas consiste em contrato pelo qual o transportador se obriga a transportar, com segurança e presteza, pessoas e suas bagagens, de um ponto a outro, mediante o pagamento da passagem. Cláusula de incolumidade Existe uma cláusula que está implícita nos contratos de transporte. Trata-se da chamada “cláusula de incolumidade”, segundo a qual se impõe ao transportador, mesmo que implicitamente, o dever de zelar pela incolumidade do passageiro, levando-o, a salvo e em segurança, até o local de destino. Conforme explica Sérgio Cavalieri Filho, “a característica mais importante do contrato de transporte é a cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação do transportador não é apenas de meio, e não só de resultado, mas também de segurança. Não se obriga ele a tomar as providências e cautelas necessárias para o bom sucesso do transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante o bom êxito” (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 12ª ed., 2015, p. 398). Responsabilidade objetiva do transportador O art. 734 do Código Civil estabelece, inclusive, a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior:

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização. Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

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Teoria do risco criado O transportador possui responsabilidade civil objetiva, com base na chamada teoria do risco criado, que está prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil:

Art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Fato de terceiro como excludente do nexo de causalidade Apesar de a responsabilidade ser objetiva, é possível que o fato de terceiro seja uma causa excludente de responsabilidade quando houver rompimento do nexo causal. Vale ressaltar, no entanto, que o fato de terceiro somente será caracterizado como excludente de responsabilidade quando ele for inteiramente independente ao transporte em si, afastando-se, com isso, a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aos passageiros. Assim, no que concerne à culpa de terceiro, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de somente reconhecer o rompimento do nexo causal quando a conduta praticada pelo terceiro não apresentar qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. Diz-se, nessa hipótese, que o fato de terceiro se equipara ao fortuito externo, apto a elidir a responsabilidade do transportador. Veja:

Fortuito INTERNO Fortuito EXTERNO

Está relacionado com a organização da empresa. É um fato ligado aos riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.

Não está relacionado com a organização da empresa. É um fato que não guarda nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pelo fornecedor. É uma situação absolutamente estranha ao produto ou ao serviço fornecido.

Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa de transporte coletivo; Ex2: racker invade o sistema do banco e consegue transferir dinheiro da conta de um cliente; Ex3: durante o transporte da matriz para uma das agências, ocorre um roubo e são subtraídos diversos talões de cheque (trata-se de um fato que se liga à organização da empresa e aos riscos da própria atividade desenvolvida).

Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus garantir a segurança dos passageiros contra assaltos); Ex2: um terremoto faz com que o telhado do banco caia, causando danos aos clientes que lá estavam.

O fortuito interno NÃO exclui a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor.

O fortuito externo é uma causa excludente de responsabilidade.

Desse modo, o fato de terceiro pode ser: • fortuito externo: apto à exclusão do dever de indenizar do transportador; • fortuito interno: quando se insere dentre os riscos inerentes à prestação do serviço, atraindo a responsabilidade da empresa de transportes. A análise é casuística, sendo necessário avaliar, na hipótese trazida a julgamento, se o dano sofrido pelo passageiro extrapola ou não os limites da cláusula de incolumidade do contrato.

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Exemplos nos quais o STJ reconheceu que o fato de terceiro era causa excludente da responsabilidade (fortuito EXTERNO): • dano sofrido pelo passageiro em virtude de uma pedra que foi arremessada contra o ônibus ou trem (AgInt nos EREsp 1.325.225/SP, DJe de 19/09/2016); • assalto a mão armada no interior do veículo de transporte coletivo (AgRg no REsp 620.259/MG, DJe de 26/10/2009); • assalto a mão armada nas dependências da estação metroviária (REsp 974.138/SP, DJe de 09/12/2016); • morte de usuário do transporte coletivo, vítima de “bala perdida” (AgRg no REsp 1.049.090/SP, DJe de 19/08/2014); • danos decorrentes de explosão de bomba em composição de trem (AgRg nos EDcl nos EREsp 1.200.369/SP, DJe de 16/12/2013). Caso concreto Para o STJ, o ato de vandalismo não foi a causa única e exclusiva da ocorrência do abalo moral sofrido pelo autor, pois outros fatores, como o tumulto decorrente da falta de informações sobre a causa, gravidade e precauções a serem tomadas pelos passageiros diante das explosões elétricas no vagão de trem que os transportava, aliada à falta de socorro às pessoas que se jogavam às vias férreas, contribuíram para o abalo psicológico. Assim, o suposto ato de vandalismo foi apenas um dos fatores causais relacionados ao dano moral sofrido. Não confundir O caso acima explicado é diferente da hipótese na qual o ato de terceiro é a exclusiva causa do dano, caracterizando causa absolutamente independente do risco envolvido na prestação do serviço de transporte. Exemplos nos quais o STJ já reconheceu que se trata de fortuito externo e, portanto, causa excludente de responsabilidade: • passageiro que é atingido por objeto arremessado por terceiro, de fora trem (AgInt nos EREsp 1.325.225/SP); • usuário do transporte coletivo que é vítima de “bala perdida” (AgRg no Resp 1.049.090/SP); • danos decorrentes de explosão de bomba em composição de trem (AgRg nos EDcl nos EREsp 1.200.369/SP). Em suma:

Mesmo que o dano tenha sido decorrente de uma conduta de terceiro, persiste a responsabilidade da concessionária. Isso porque a conduta do terceiro, neste caso, está inserida no risco do transportador, relacionando-se com a sua atividade. Logo, configura o chamado fortuito interno, que não é capaz de excluir a responsabilidade. O contrato de transporte de passageiros envolve a chamada cláusula de incolumidade, segundo a qual o transportador deve empregar todos os expedientes que são próprios da atividade para preservar a integridade física do passageiro, contra os riscos inerentes ao negócio, durante todo o trajeto, até o destino final da viagem. Assim, o ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui a responsabilidade da concessionária/transportadora, pois cabe a ela cumprir protocolos de atuação para evitar tumulto, pânico e submissão dos passageiros a mais situações de perigo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.786.722-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O prazo de 5 dias para pagamento da integralidade da dívida é material

e, portanto, contado em dias corridos

Importante!!!

O prazo de cinco dias para pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, deve ser considerado de direito material, não se sujeitando, assim, à contagem em dias úteis, prevista no art. 219, caput, do CPC/2015.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.770.863-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

Alienação fiduciária “A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 565). Regramento O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema: • alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97; • alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.

Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC aplicam-se apenas de forma subsidiária:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Resumindo:

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS fungíveis e

infungíveis quando o credor fiduciário for instituição

financeira

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS infungíveis

quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem

ser banco)

Alienação fiduciária de bens IMÓVEIS

Lei nº 4.728/65 Decreto-Lei nº 911/69

Código Civil de 2002 (arts. 1.361 a 1.368-B)

Lei nº 9.514/97

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS NO DL 911/69

Imagine a seguinte situação hipotética: Antônio quer comprar um carro de R$ 30.000,00, mas somente possui R$ 10.000,00. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária. Assim, o Banco “X” empresta R$ 20.000,00 a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio. Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.

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O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)? Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69): Notificação do devedor O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

Súmula 245-STJ: A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos? NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD. O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor? NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário (§ 2º do art. 2º do DL 911/69). Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. Ajuizamento de ação contra o devedor Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) terá duas opções: 1) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior; ou 2) ajuizar uma ação de execução (arts. 4º e 5º do DL 911/69). Vale ressaltar que as ações de busca e apreensão e de execução não podem ser ajuizadas concomitantemente (STJ REsp 576.081/SP). Caberá, portanto, ao credor fiduciário optar pelo ajuizamento de apenas uma delas. Na esmagadora maioria dos casos, o mutuante prefere ingressar com a ação de busca e apreensão porque é muito mais vantajosa e eficiente do que propor uma execução. Vamos assim imaginar que o Banco “X” ingressou com uma ação de busca e apreensão contra Antônio. Vejamos abaixo o que acontece: Concessão da liminar O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69). Possibilidade de pagamento integral da dívida No prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:

Art. 3º (...)

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§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004) § 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

O art. 219 do CPC/2015 trouxe a seguinte regra:

Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.

Diante disso, indaga-se: esse prazo de cinco dias previsto no art. 3º, § 1º do DL 911/69 é contado em dias ÚTEIS ou CORRIDOS? Em dias corridos.

O prazo de cinco dias para pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, deve ser considerado de direito material, não se sujeitando, assim, à contagem em dias úteis, prevista no art. 219, caput, do CPC/2015. STJ. 3ª Turma. REsp 1.770.863-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

A doutrina afirma que determinado prazo tem natureza processual quando o ato a ser praticado produz consequências endoprocessuais, modificando a posição da parte na relação jurídica processual e impulsionando o procedimento à fase seguinte. O pedido da ação de busca e apreensão é: a) reipersecutório (o autor é o proprietário do bem que aciona o Poder Judiciário para buscar a coisa que se encontra na mão de terceiro); e b) declaratório da consolidação da propriedade; O pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do DL 911/69 é ato jurídico não processual, pois não se relaciona a ato que deve ser praticado no processo ou em razão do processo. Não se trata de prazo que interfira na relação processual ou mesmo na sucessão de fases do procedimento da ação de busca e apreensão, não gerando consequências endo-processuais para as partes envolvidas. Logo, trata-se de prazo material e, portanto, contado em dias corridos.

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE O juiz deve adotar as medidas do art. 139, IV, do CPC para superar a resistência da pessoa que

deveria fornecer o material para exame de DNA, mas está se recusando a fazê-lo

O juiz deve adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deve fornecer o material para exame de DNA, especialmente quando a presunção contida na Súmula 301/STJ se revelar insuficiente para resolver a controvérsia.

STJ. 2ª Seção. Rcl 37.521-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/05/2020 (Info 673).

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Imagine a seguinte situação hipotética: Lucas ajuizou ação de investigação de paternidade contra João pedindo para ser reconhecido como seu filho. O pedido foi julgado improcedente, sentença que transitou em julgado. Anos depois, João faleceu e deixou como único herdeiro seu filho Ricardo. Lucas ingressou novamente ação de investigação de paternidade, desta vez post mortem, contra Ricardo, pedindo para ser reconhecido como filho de João. Na ação, Lucas trouxe indícios que houve fraude no primeiro exame e, portanto, pediu a realização de novo DNA. Isso, em tese, é possível? É possível o processamento desta nova ação mesmo já existindo coisa julgada anterior? SIM.

A existência de dúvida razoável sobre possível fraude em teste de DNA anteriormente realizado é suficiente para reabrir a discussão acerca da filiação biológica, admitindo-se a redução das exigências probatórias quando, não sendo possível a prova irrefutável da fraude desde logo, houver a produção de prova indiciária apta a incutir incerteza no julgador, aliada a possibilidade de exaurimento da atividade instrutória no grau de jurisdição originário. STJ. 3ª Turma. REsp 1632750/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/10/2017.

Na petição inicial, Lucas pediu que Ricardo e Manoel (irmão de João) fossem intimados para fornecerem material genético para a realização do exame. O juiz deferiu essa medida como a primeira e única medida de instrução. Ocorre que, na data designada para a coleta do material genético, somente Lucas compareceu ao laboratório. Ricardo e Manoel não foram nem apresentaram qualquer justificativa. Diante disso, o juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito afirmando que a recusa dos envolvidos em fornecer material genético não pode induzir à presunção de paternidade estampada na Súmula 301 do STJ:

Súmula 301-STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

Neste caso, é possível aplicar a Súmula 301 do STJ para julgar o pedido procedente reconhecendo que Lucas é filho de João? Neste momento processual, sem o término da instrução, não. Em regra, a Súmula 301 do STJ aplica-se também para a situação na qual o sucessor do suposto pai (já falecido) se recusa a fazer o DNA. Assim, em tese, diante da recusa de Ricardo, o juiz poderia aplicar a presunção da Súmula 301 do STJ:

A presunção de paternidade enunciada pela Súmula nº 301/STJ não está circunscrita à pessoa do investigado, devendo alcançar, quando em conformidade com o contexto probatório dos autos, os herdeiros consanguíneos que opõem injusta recusa à realização do exame. STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1201311/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 16/08/2016.

Ocorre que, no caso concreto, não é possível aplicar a referida súmula porque essa segunda ação representa, na verdade, uma tentativa de relativização da coisa julgada e não foi exaurida a atividade instrutória acerca da existência ou não de fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória. Logo, não se pode aplicar a presunção prevista na súmula decorrente da negativa de fornecimento do material biológico. O juiz poderia ter determinado a condução coercitiva de Ricardo e Manoel para realizarem o exame? NÃO.

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Não é possível a condução do investigado (ou de quem lhe faça as vezes) “debaixo de vara” para a coleta do material genético necessário ao exame de DNA, por se tratar de medida sub-rogatória que viola a liberdade de locomoção do suposto genitor. Nesse sentido:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal repudia a determinação compulsória ou condução coercitiva ao fornecimento de material genético. STF. 1ª Turma. RHC 95183, Rel. Cármen Lúcia, julgado em 09/12/2008.

O que fazer então nesses casos? Agiu corretamente o juiz ao extinguir o processo sem resolução do mérito? NÃO. A parte ou o terceiro não pode colocar o magistrado de “mãos atadas”, desrespeitando injustificadamente a ordem judicial de comparecimento ao local da perícia. Nesse caso, considerando que não é possível a presunção da Súmula 301 do STJ, deverá ser permitida a utilização de algum instrumento eficaz para superar a renitência da pessoa que está adotando a postura anticooperativa e anticolaborativa. Assim, o juiz não apenas pode, como deve, de forma criativa e inovadora, adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas para resolver a situação e superar a resistência do indivíduo que não quer fornecer o material. Isso está autorizado pelo art. 139, IV, do CPC:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Em suma:

O juiz deve adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deve fornecer o material para exame de DNA, especialmente quando a presunção contida na Súmula 301/STJ se revelar insuficiente para resolver a controvérsia. STJ. 2ª Seção. Rcl 37.521-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/05/2020 (Info 673).

Obs: o STJ não deu exemplos de quais seriam essas medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias que deveriam ser adotadas. O Tribunal determinou “a reabertura e exaurimento da fase instrutória para apuração da alegada fraude ocorrida no primeiro exame de DNA e para que se esgotem as possibilidades de realização de novo exame de DNA”. O juiz poderá adotar essas medidas também em relação a Manoel, mesmo ele não sendo réu na ação? SIM. Aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum), esses terceiros são legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos art. 401 a 404, do CPC, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida.

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ALIMENTOS É possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar

o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos

Importante!!!

É irrenunciável o direito aos alimentos presentes e futuros (art. 1.707 do Código Civil). O credor pode, contudo, renunciar aos alimentos pretéritos devidos e não prestados. Isso porque a irrenunciabilidade atinge o direito, e não o seu exercício.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.529.532-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: Ana, criança de 5 anos de idade, representada por sua mãe Carla, ingressou com execução de alimentos contra Pedro (pai da autora) cobrando R$ 5 mil de parcelas atrasadas. Algumas semanas após ter início o processo, as partes fizeram um acordo extrajudicial e o advogado da exequente apresentou uma petição ao juiz na qual Carla declarava que estava renunciando os R$ 5 mil cobrados na execução. Diante disso, o magistrado extinguiu o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, III, “c”, do CPC:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) III - homologar: (...) c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

O Promotor de Justiça que estava atuando no processo como fiscal da ordem jurídica não concordou e interpôs apelação alegando que a obrigação alimentar possui caráter irrenunciável e personalíssimo e, portanto, não seria possível que a genitora tivesse renunciado a verba alimentar da qual sua filha, absolutamente incapaz, é credora. O Tribunal de Justiça manteve a sentença e a questão chegou até o STJ. O STJ acolheu a tese do Ministério Público? NÃO. Não se pode renunciar alimentos presentes e futuros O art. 1.707 do Código Civil prevê a seguinte regra:

Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

O STJ, ao interpretar esse dispositivo, afirma que: • o direito aos alimentos presentes e futuros é irrenunciável; • essa proibição de renúncia não se aplica para as prestações vencidas; • assim, o credor pode deixar de cobrar as prestações vencidas mesmo que já esteja na fase executiva. A proibição de que haja renúncia do direito aos alimentos decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos. Contudo, essa irrenunciabilidade atinge tão somente o direito, e não o seu exercício.

“(...) A irrenunciabilidade atinge o direito, não seu exercício. Se de um lado, não é possível a renúncia ao direito a alimentos, de outro não se pode obrigar o beneficiário a exercer esse direito. (...)

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A irrenunciabilidade diz com o direito a alimentos e não com as prestações vencidas e não pagas. Não alcança o débito alimentar. Mesmo quando o credor é incapaz, é admissível transação reduzindo o valor da dívida. Ou seja, o credor não pode renunciar ao direito de pleitear alimentos. Mas, em sede de cobrança, a transação perdoando ou reduzindo débitos pretéritos pode ser homologado judicialmente.” (DIAS, Maria Berenice. Alimentos: direito, ação, eficácia e execução. 2ª ed. São Paulo: RT, 2017, págs. 38-39)

Assim, repetindo: a irrenunciabilidade e a proibição de transação só se aplicam para os alimentos presentes e futuros, não havendo qualquer obstáculo para que isso ocorra quanto aos alimentos pretéritos. Em suma:

É irrenunciável o direito aos alimentos presentes e futuros (art. 1.707 do Código Civil). O credor pode, contudo, renunciar aos alimentos pretéritos devidos e não prestados. Isso porque a irrenunciabilidade atinge o direito, e não o seu exercício. STJ. 3ª Turma. REsp 1.529.532-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

No caso, a extinção da execução em virtude da celebração de acordo em que o débito foi exonerado não resultou em prejuízo, pois não houve renúncia aos alimentos vincendos, indispensáveis ao sustento da alimentanda. As partes transacionaram somente o crédito das parcelas específicas dos alimentos executados (alimentos pretéritos). Para isso, não existe óbice legal. Vale ressaltar, ainda, que, especialmente no âmbito do Direito de Família, é salutar o estímulo à autonomia das partes para a realização de acordo, de autocomposição, como instrumento para se alcançar o equilíbrio e a manutenção dos vínculos afetivos.

ALIMENTOS É cabível ação de exigir contas pelo alimentante contra a genitora guardiã do alimentado para

obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito

Importante!!!

Mudança de entendimento!

O alimentante não-guardião tem o direito de averiguar se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais. Essa possibilidade decorre do exercício pleno do poder familiar e tem previsão expressa no § 5º do art. 1.538 do CC:

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.

Vale ressaltar, no entanto, que o legítimo interesse processual em ação dessa natureza é exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível malversação. Esta ação não pode buscar eventual

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acertamento de contas, perseguições ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de revisional pois os alimentos são irrepetíveis.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.814.639-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é pai de Lucas (10 anos), pessoa com síndrome de Down e que necessita cuidados específicos. Todos os meses, ele paga R$ 15 mil de pensão alimentícia ao filho, que reside com a mãe da criança (Letícia), ex-esposa de João. Essa situação já perdura há 2 anos. Determinado dia, João ingressou com ação de exigir contas (“ação de prestação de contas”) contra Letícia pedindo para que seja informado como está sendo empregada a pensão alimentícia paga a seu filho. Esse pedido é admitido pela jurisprudência? Existe viabilidade jurídica na ação de exigir contas ajuizada pelo alimentante contra a guardiã do menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente? SIM. O tema deve ser analisado sob a ótica: • do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente; e • do legítimo exercício da autoridade parental. Com base nisso, pode-se concluir que é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o) guardiã(o) e representante legal de alimentado incapaz. Isso porque essa pretensão está relacionada com a saúde física e psicológica do menor. § 5º do art. 1.583 do CC Vale ressaltar, ainda, a expressa previsão do § 5º do art. 1.583 do Código Civil, inserido pela Lei nº 13.058/2014. Veja o que ele diz:

Art. 1.583 (...) § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.

O objetivo da norma consiste em assegurar a obtenção de informações e/ou prestação de contas sobre o destino da verba prestada mensalmente por quem não detém a guarda do alimentado. Essa previsão foi inserida no nosso ordenamento jurídico com o objetivo de assegurar maior proteção aos filhos menores. Essa “função supervisora” a respeito do modo pelo qual a verba alimentar está sendo empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente. Segundo explica Rolf Madaleno, o § 5º do art. 1.583 do CC

“(...) consagra a possibilidade sempre negada pela jurisprudência brasileira da ação de prestação de contas do pagamento da pensão alimentícia, atribuindo, expressamente, legitimidade ativa ao genitor não guardião para solicitar informações ou prestação de contas sobre assuntos ou situações que reflitam sobre a saúde física e psicológica e educação dos filhos e, obviamente, neste espectro de incidências, a pensão alimentícia se apresenta como fundamental direito a ser fiscalizado, pois ainda que os alimentos não possam ser restituídos, ao menos a readequação dos fatos pode ser redirecionada.” (MADALENO, Rolf. (Direito de Família. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.023).

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Desse modo, não se pode negar ao alimentante não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício pleno do poder familiar. Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades, materiais e imateriais, essenciais ao seu desenvolvimento físico e psicológico, aferindo o real destino do emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada para esse fim. O que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa natureza é exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível malversação, e não o eventual acertamento de contas, perseguições ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo ela ser dosada, ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de revisional, pois os alimentos são irrepetíveis. Deve ser feita, contudo, uma ponderação: Conforme vimos acima, é juridicamente viável a ação de exigir de contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente. No entanto, o STJ explicou que isso somente é possível caso a ação seja proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito, pois os alimentos prestados são irrepetíveis. Em outras palavras, a pessoa pode ajuizar a ação de exigir contas, mas não com o objetivo de obter o reconhecimento de eventual crédito. Assim, mesmo que fique demonstrado que a mãe não estava empregando todo o dinheiro para o filho, isso não gerará um crédito em favor do pai. O objetivo, portanto, é resguardar os interesses do alimentando, corrigindo os rumos caso ele esteja sendo desassistido. Em suma:

É cabível ação de exigir de contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.814.639-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

PRISÃO CIVIL Como fica a prisão civil do devedor de alimentos durante a pandemia da Covid-19?

Importante!!!

Como fica a prisão civil do devedor de alimentos durante a pandemia da Covid-19?

4ª Turma do STJ e CNJ: prisão domiciliar

Durante a pandemia de Covid-19, deve-se assegurar prisão domiciliar aos presos em decorrência de dívidas alimentícias.

O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso.

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Assim, diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar.

STJ. 4ª Turma. HC 561.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 05/05/2020 (Info 671).

3ª Turma do STJ: suspensa

Durante a pandemia de Covid-19, deve-se suspender a prisão civil dos devedores (e não assegurar a prisão domiciliar).

Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado.

Assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida que não cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando.

Por esse motivo, não é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social, o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada em prol do bem-estar de toda a coletividade.

A excepcionalidade da situação emergencial de saúde pública permite o diferimento provisório da execução da obrigação cível enquanto pendente a pandemia.

A prisão civil suspensa terá seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra, pois não se olvida que, afinal, também está em jogo a dignidade do alimentando, em regra, vulnerável.

STJ. 3ª Turma. HC 574.495-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Depois das decisões acima expostas, foi sancionada a Lei nº 14.010/2020, que adotou a mesma solução jurídica da 4ª Turma do STJ e do CNJ e previu a seguinte regra:

Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Diante disso, a 3ª Turma do STJ também teve que se curvar ao entendimento: STJ. 3ª Turma. HC 578.282/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/08/2020.

Logo, depois da Lei nº 14.010/2020, não há mais dúvidas: o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar, até 30/10/2020, é feito exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Pandemia decorrente da Covid-19 A pandemia decorrente da Covid-19 levou os governos a adotarem uma série de medidas de isolamento social para tentar conter a transmissão da doença. Uma das preocupações era com a transmissão da doença entre as pessoas presas. Como as unidades prisionais são superlotadas, o receio era o de que, estando um dos presos infectado, ele transmitisse a doença para todos os demais de sua cela ou ala. O CNJ editou a Recomendação nº 62/2020 recomendando aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Prisão civil decorrente de alimentos Em razão do cenário acima exposto, iniciou-se uma discussão para saber se as prisões civis decorrentes de atraso no pagamento da pensão alimentícia poderiam continuar sendo decretadas ou se, diante do risco à saúde pública, seria mais adequado suspendê-las enquanto perdurassem os efeitos da pandemia.

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O que o STJ decidiu sobre o tema?

O QUE O STJ ENTENDIA SOBRE A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS NA PANDEMIA DA COVID-19 (ANTES DA LEI 14.010/2020)?

4ª Turma do STJ e CNJ: prisão domiciliar Durante a pandemia de Covid-19, deve-se assegurar prisão domiciliar aos presos em decorrência de dívidas alimentícias.

3ª Turma do STJ: suspensa Durante a pandemia de Covid-19, deve-se suspender a prisão civil dos devedores (e não assegurar a prisão domiciliar).

O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso. Assim, diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar. STJ. 4ª Turma. HC 561.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 05/05/2020 (Info 671). Recomendação nº 62/2020-CNJ: Art. 6º Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.

Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado. Assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida que não cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando. Por esse motivo, não é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social, o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada em prol do bem-estar de toda a coletividade. A excepcionalidade da situação emergencial de saúde pública permite o diferimento (adiamento) provisório da execução da obrigação cível enquanto durar a pandemia. A prisão civil suspensa terá seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra. Essa medida resguarda a dignidade do alimentando que, em regra, é vulnerável. STJ. 3ª Turma. HC 574.495-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Lei nº 14.010/2020 Depois das decisões acima expostas, foi sancionada a Lei nº 14.010/2020, que adotou a mesma solução jurídica da 4ª Turma do STJ e do CNJ e previu a seguinte regra:

Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Diante disso, a 3ª Turma do STJ também teve que se curvar ao entendimento:

A Lei 14.010/2020, ao estatuir acerca do Regime Jurídico Emergencial Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), dispôs expressamente, em seu art. 15, acerca do cumprimento da prisão civil por dívida alimentar, determinando que seja feito exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. STJ. 3ª Turma. HC 578.282/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/08/2020.

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DIREITO DO CONSUMIDOR

TRANSPORTE AÉREO A indenização decorrente de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional está

submetida à tarifação prevista na Convenção de Montreal?

Importante!!!

Em caso de danos MATERIAIS: SIM.

Em caso de danos MORAIS: NÃO.

As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC.

A tese fixada pelo STF no RE 636331/RJ (Tema 210) tem aplicação apenas aos pedidos de reparação por danos materiais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.842.066-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: Letícia passou sua lua de mel em Paris. Ela voltou da França em um voo direto que pousou em Natal (RN). A viagem dos sonhos acabou se transformando em um pesadelo ao final. Isso porque a mala de Letícia foi extraviada pela companhia aérea, que simplesmente perdeu a bagagem. Além do transtorno, Letícia sofreu um enorme prejuízo econômico. Na mala, havia duas bolsas de grife francesa e cinco vestidos da última coleção. Diante disso, Letícia ajuizou ação de indenização contra a “Air Paris” pedindo o pagamento de R$ 100 mil a título de danos materiais, além de reparação por danos morais. Contestação: tese da indenização tarifada (Convenção de Varsóvia) O valor de todos os produtos que estavam na mala de Letícia era de R$ 100 mil, sendo esta a quantia cobrada por ela da “Air Paris”. Na contestação, contudo, a companhia aérea alegou que, no transporte internacional, deve vigorar os limites de indenização impostos pela “Convenção de Varsóvia”. A Convenção de Varsóvia é um tratado internacional, assinado pelo Brasil em 1929 e promulgado por meio do Decreto nº 20.704/31. Posteriormente, ela foi alterada pelo Protocolo Adicional 4, assinado na cidade canadense de Montreal em 1975 (ratificado e promulgado pelo Decreto 2.861/1998). Daí falarmos em Convenções de Varsóvia e de Montreal. Essas Convenções estipulam valores máximos que o transportador poderá ser obrigado a pagar em caso de responsabilidade civil decorrente de transporte aéreo internacional. Dessa forma, tais Convenções adotam o princípio da indenizabilidade restrita ou tarifada. Em caso de extravio de bagagens, por exemplo, a Convenção determina que o transportador somente poderá ser obrigado a pagar uma quantia máxima de cerca de R$ 5.940,00. Assim, em vez de receber R$ 100 mil, Letícia teria que se contentar com o limite máximo de indenização (por volta de R$ R$ 5.940,00). Conflito entre dois diplomas No presente caso, temos um conflito entre dois diplomas legais: • O CDC, que garante ao consumidor o princípio da reparação integral do dano; • As Convenções de Varsóvia e de Montreal, que determinam a indenização tarifada em caso de transporte internacional.

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Assim, a antinomia ocorre entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de Varsóvia, que fixa limite máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação. Qual dos dois diplomas irá prevalecer? Em caso de apuração dos danos materiais decorrentes de extravio de bagagem ocorrido em transporte internacional envolvendo consumidor, aplica-se o CDC ou a indenização tarifada prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal? As Convenções internacionais.

Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/05/2017 (Repercussão Geral – Tema 210) (Info 866).

Veja como esse tema já foi muito explorado em provas: (Promotor MP/GO 2019) Nos termos do artigo 178 da Constituição Federal da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. (certo) (Promotor MP/BA 2018) nos termos do artigo 178 da Constituição da República brasileira, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. (certo) (Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) Pela sua especificidade, as normas previstas no CDC têm prevalência em relação àquelas previstas nos tratados internacionais que limitam a responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros pelo desvio de bagagem, especialmente as Convenções de Varsóvia e de Montreal. (errado) O STJ passou a acompanhar o mesmo entendimento do STF:

É possível a limitação, por legislação internacional especial, do direito do passageiro à indenização por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem. STJ. 3ª Turma. REsp 673.048-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 626).

Por que prevalecem as Convenções? Porque a Constituição Federal de 1988 determinou que, em matéria de transporte internacional, deveriam ser aplicadas as normas previstas em tratados internacionais. Veja:

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

Assim, em virtude dessa previsão expressa quanto ao transporte internacional, deve-se afastar o Código de Defesa do Consumidor e aplicar o regramento do tratado internacional. Critérios para resolver esta antinomia A Convenção de Varsóvia, enquanto tratado internacional comum, possui natureza de lei ordinária e, portanto, está no mesmo nível hierárquico que o CDC. Logo, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Diante disso, a solução do conflito envolve a análise dos critérios cronológico e da especialidade.

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Em relação ao critério cronológico, os acordos internacionais referidos são mais recentes que o CDC. Isso porque, apesar de o Decreto 20.704 ter sido publicado em 1931, ele sofreu sucessivas modificações posteriores ao CDC. Além disso, a Convenção de Varsóvia – e os regramentos internacionais que a modificaram – são normas especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial de contrato, qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros. Duas importantes observações: 1) as Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC; 2) as Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na hipótese de extravio de bagagem, mas também em outras questões envolvendo o transporte aéreo internacional. E quanto aos danos morais? Também se aplica se aplicam as referidas Convenções? NÃO.

As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.842.066-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

O art. 22 da Convenção de Montreal não mencionou claramente a espécie de danos aos quais se referia, mas é preciso considerar que ele representou uma mera atualização da Convenção de Varsóvia, firmada em 1929, quando nem sequer se cogitava de indenização por danos morais. Assim, se a norma original cuidou apenas de danos materiais, parece razoável sustentar que a norma atualizadora também se ateve a essa mesma categoria de danos. Quisesse o contrário, assim teria dito. Além disso, os prejuízos de ordem extrapatrimonial, pela sua própria natureza, não admitem tabelamento prévio ou tarifação (STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.608.573/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 23/8/2019). Assim, se os países signatários da Convenção de Montreal tinham a intenção de impor limites à indenização por danos morais nos casos de atraso de voo e de extravio de bagagem/carga, deveriam tê-lo feito de modo expresso. Ainda é preciso recordar que a própria Convenção de Montreal admitiu a possibilidade de o passageiro elidir o limite indenizatório nela previsto para os casos de extravio de bagagem, realizando uma declaração especial que indique o valor dos bens transportados. Da mesma forma, o nº 4 do art. 22 deixa claro que a indenização devida em caso de destruição, perda, avaria ou atraso da carga deve levar em consideração o peso total ou o volume da carga transportada. Ora, se o passageiro pode afastar o limite legal mediante declaração especial do valor patrimonial da bagagem transportada é porque referido limite legal tem por objetivo reparar danos patrimoniais. De igual maneira, se a indenização máxima em caso de extravio de carga está atrelada ao volume e peso total da carga transportada é porque referida indenização visa a compensar prejuízos de ordem material. Em suma, seja porque a Convenção de Montreal representou mera atualização da Convenção de Varsóvia, que não tratou de danos morais; seja porque a quantificação dos danos extrapatrimoniais segue sistemática própria avessa a qualquer tipo de tarifação ou tabelamento; seja, finalmente, porque a própria Convenção de Montreal admitiu o afastamento do limite indenizatório legal quando feita declaração especial do valor da bagagem transportada, é possível concluir que ela não incluiu os danos morais. Nesses termos, muito embora se trate de norma posterior ao CDC e constitua lex specialis em relação aos contratos de transporte aéreo internacional, não pode ser aplicada para limitar a indenização devida aos passageiros em caso de danos morais decorrentes de atraso de voo ou extravio de bagagem.

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Mas e a decisão do STF no RE 636331? A tese fixada pelo STF no RE 636331/RJ (Tema 210) tem aplicação apenas aos pedidos de reparação por danos materiais. Examinando o inteiro teor do acórdão, é possível verificar que, naquele caso, não se discutia limitação da indenização por danos morais, mas apenas a reparação por danos materiais decorrentes do extravio de bagagem. Vale ressaltar, ainda, que os Ministros Gilmar Mendes d Ricardo Lewandowski afirmaram, a título de obiter dictum, que os limites indenizatórios da Convenção de Montreal não se aplicavam às hipóteses de indenização por danos extrapatrimoniais. Recapitulando. A indenização decorrente de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional está submetida à tarifação prevista na Convenção de Montreal? • Em caso de danos MATERIAIS: SIM. • Em caso de danos MORAIS: NÃO. A tese fixada pelo STF no RE 636331/RJ (Tema 210) tem aplicação apenas aos pedidos de reparação por danos materiais.

PLANO DE SAÚDE É devida a cobertura, pelo plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de

paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade

Importante!!!

Caso concreto: mulher, que estava fazendo quimioterapia, corria o risco de se tornar infértil em razão do tratamento que gera falência ovariana. A forma de preservar a capacidade reprodutiva, nestes casos, é o congelamento dos óvulos (criopreservação). Diante disso, ela pleiteou junto ao plano de saúde que custeasse esse procedimento, o que foi negado.

Para o STJ, é devida a cobertura, ou seja, o plano de saúde tem que arcar com esse tratamento.

O objetivo de todo tratamento médico, além de curar a doença, é não causar mal. Esse é um dos princípios milenares da medicina conhecido pela locução “primum, non nocere” (primeiro, não prejudicar). Esse princípio está consagrado no art. 35-F da Lei nº 9.656/98, segundo o qual a cobertura dos planos de saúde abrange também a prevenção de doenças, no caso, a infertilidade.

Vale ressaltar que, depois de obter alta do tratamento quimioterápico, caberá à mulher custear o tratamento de reprodução assistida, considerando que isso se encontra fora da cobertura do plano.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.815.796-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Cuidado para não confundir:

• usuária é infértil e busca tratamento para a infertilidade (ex: inseminação artificial): plano de saúde não é obrigado a custear.

• usuária é fértil e busca a criopreservação como forma de prevenir a infertilidade: plano de saúde é obrigado a custear.

Imagine a seguinte situação hipotética: Renata é executiva de uma determinada empresa e se encontra no auge de sua carreira profissional. Ela deseja um dia ser mãe, mas entende que atualmente não é o momento ideal por conta de seus compromissos de trabalho.

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Como já tem 35 anos, Renata está com receio de, posteriormente, não conseguir engravidar. Assim, ela procurou um médico que recomendou a realização de um procedimento de congelamento dos oócitos, mais conhecido na linguagem cotidiana como “congelamento dos óvulos”. Os óvulos são retirados da mulher e depois congelados em nitrogênio líquido. Quando a mulher decide engravidar, os óvulos são “descongelados”, sendo feita a fecundação dos óvulos com o espermatozoide do parceiro, em laboratório, por intermédio da fertilização in vitro. Em seguida, é realizada a implantação no útero da mulher. Indaga-se: o plano de saúde é obrigado a custear esse procedimento para Renata? NÃO. O art. 10, III, da Lei nº 9.656/98 permite que os planos de saúde neguem cobertura para inseminação artificial. A ANS possui resoluções afirmando que, além da inseminação artificial, o plano também não é obrigado a custear outras técnicas de reprodução assistida. Assim, entende-se que o congelamento dos óvulos (espécie de manipulação laboratorial dos óvulos) é um procedimento que não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde. Assim, em situações “normais” seria possível que o plano de saúde se recusasse ao pagamento da criopreservação, pois esta nada mais é do que o congelamento dos oócitos para manipulação e fertilização futura. Imagine agora uma situação diferente: Regina estava fazendo quimioterapia para combater um câncer. Ocorre que esse tratamento pode ocasionar, como reação adversa, a falência ovariana, gerando infertilidade. A forma de preservar a capacidade reprodutiva, nestes casos, é o congelamento dos óvulos, um procedimento denominado de “criopreservação”. Diante disso, ela pleiteou junto ao plano de saúde que custeasse esse procedimento. A operadora recusou o custeio sob a justificativa de que o procedimento não seria de cobertura obrigatória. Para o plano de saúde, assim como ele não é obrigado a custear inseminação artificial, ele também não poderia ser compelido a pagar o procedimento de criopreservação. Seria o mesmo raciocínio. O STJ concordou com o argumento do plano de saúde? NÃO. Como vimos, em regra, o plano de saúde pode se recusar a custear o procedimento de criopreservação. O caso concreto, porém, é diferente. O que a usuária do plano busca é a atenuação (diminuição) dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis, da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana. O objetivo de todo tratamento médico, além de curar a doença, é não causar mal. Esse é um dos princípios milenares da medicina conhecido pela locução “primum, non nocere” (primeiro, não prejudicar). Esse princípio está consagrado no art. 35-F da Lei nº 9.656/98, segundo o qual a cobertura dos planos de saúde abrange também a prevenção de doenças, no caso, a infertilidade:

Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1º desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.

Desse modo, o plano de saúde pode ser obrigado a custear o procedimento pleiteado que funciona como medida de prevenção para a possível infertilidade da paciente. Vale ressaltar que, depois de obter alta do tratamento quimioterápico, caberá à mulher custear o tratamento de reprodução assistida, considerando que isso se encontra fora da cobertura do plano.

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Informativo 673-STJ (03/07/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

Em suma:

É devida a cobertura, pela operadora de plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade. STJ. 3ª Turma. REsp 1.815.796-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Mais uma vez, peço novamente para não confundirem: • usuária é infértil e busca tratamento para a infertilidade (ex: inseminação artificial): plano de saúde NÃO é obrigado a custear. • usuária é fértil e busca a criopreservação como forma de prevenir a infertilidade: plano de saúde É obrigado a custear.

PLANO DE SAÚDE Prazo prescricional para cobrar reembolso de plano de saúde (ou de seguro-saúde) é de 10 anos

Importante!!!

É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.756.283-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/03/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: Marcos precisou fazer uma cirurgia cardíaca para a implantação de stent, no entanto, seu plano de saúde não autorizou o procedimento, alegando que não estava incluído na cobertura contratual. Diante disso, o paciente pagou R$ 40 mil pela cirurgia. 3 anos e 1 mês depois do fato, Marcos ajuizou ação de ressarcimento contra o plano de saúde cobrando as despesas que teve com o procedimento. O plano arguiu a prescrição alegando que o prazo para exercício da pretensão seria de 1 ano, nos termos do art. 206, § 1º, II, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve: § 1º Em um ano: (...) II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

Subsidiariamente, argumentou que, se não fosse aceita a tese acima, então, que se considerasse que o prazo prescricional seria de 3 anos, com base no art. 206, § 3º, IV, do CC:

Art. 206 (...) § 3º Em três anos: (...) IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

A primeira tese do plano de saúde foi aceita pelo STJ? O prazo prescricional é de 1 ano? NÃO. Não se aplica o prazo prescricional ânuo às pretensões deduzidas por usuários em face de operadoras de plano de saúde, ainda que se trate da modalidade de seguro-saúde e se postule o reembolso de despesas médico-hospitalares.

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Informativo 673-STJ (03/07/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

Os contratos de plano de saúde ou de seguro-saúde possuem natureza sui generis e, portanto, não podem ser simplesmente equiparados ao contrato de seguro de que trata o art. 206, § 1º, II, do CC. E a segunda tese do plano, foi acolhida? Também não. Aqui não se está tratando de enriquecimento sem causa. O tema discutido diz respeito ao inadimplemento do contrato por parte do plano de saúde.

Qual é então o prazo prescricional para este tipo de demanda? Qual é o prazo de prescrição para a pretensão de reembolso de despesa médica fundado em contrato de seguro-saúde ou plano de saúde? 10 anos. Para situações de inadimplemento contratual, o STJ já pacificou o entendimento de que se aplica o prazo de 10 anos, nos termos do art. 205 do Código Civil:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Em suma:

É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro-saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.756.283-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/03/2020 (Info 673).

Cuidado para não confundir:

PLANO DE SAÚDE (OU SEGURO-SAÚDE) E PRAZO PRESCRICIONAL

Ação pedindo o ressarcimento por despesas médico-hospitalares que não foram pagas pelo

plano e que estariam previstas no contrato: 10 anos

Ação pedindo a declaração de nulidade da cláusula de reajuste da prestação c/c

repetição de indébito: 3 anos

Fundamento: art. 205 do CC. Fundamento: art. 206, § 3º, IV, do CC.

É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro-saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.756.283-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/03/2020 (Info 673).

Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste nele prevista prescreve em 3 anos. STJ. 2ª Seção. REsp 1361182-RS, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 590).

Ex: Marcos precisou fazer uma cirurgia cardíaca para a implantação de stent, no entanto, seu plano de saúde não autorizou o procedimento, alegando que não estava incluído na cobertura contratual. Diante disso, o paciente pagou R$ 40 mil pela cirurgia. Marcos quer ajuizar ação de ressarcimento contra o plano de saúde cobrando as despesas que teve com o procedimento. O prazo prescricional é de 10 anos.

Ex: quando João completou 60 anos de idade, a mensalidade do plano de saúde que ele paga aumentou significativamente. Inconformado, João procurou a operadora, que lhe explicou que existe uma cláusula no contrato que autoriza o aumento do valor da mensalidade quando o usuário completa 60 anos. João quer ajuizar ação contra o plano pedindo que: 1) essa cláusula seja declarada inválida; 2) a ré seja condenada a devolver os valores cobrados a mais decorrentes do aumento abusivo (repetição de indébito). O prazo prescricional é de 3 anos.

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Veja como o tema já foi cobrado em prova: ++ (Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) Renê firmou contrato de seguro de assistência à saúde e, anos depois, quando ele completou sessenta anos de idade, a seguradora reajustou o valor do seu plano de assistência com base em uma cláusula abusiva. Por essa razão, Renê pretende ajuizar ação visando à declaração de nulidade da cláusula de reajuste e à condenação da contratada em repetição de indébito referente a valores pagos em excesso. De acordo com entendimento jurisprudencial do STJ, nessa situação hipotética, as parcelas vencidas e pagas em excesso estão sujeitas à A) prescrição de três anos, porque se trata de hipótese de enriquecimento sem causa da empresa contratada. B) prescrição de um ano, por se tratar de um contrato de seguro. C) prescrição de dois anos, porque, apesar de se tratar de um contrato de seguro, o requerente é idoso. D) prescrição de cinco anos, por envolver valores líquidos e certos. E) imprescritibilidade, por ser essa uma relação jurídica de trato sucessivo.

Gabarito: Letra A

DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA A regra do art. 104, III, da atual Lei de Falências

pode ser aplicada para as falências ocorridas antes da sua vigência

O inciso III do art. 104 da Lei nº 11.101/2005 prevê que a decretação da falência impõe ao falido o dever de não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei.

Vale ressaltar que a antiga Lei de Falências (DL 7.661/1945) trazia regra mais restritiva e exigia que o falido obtivesse autorização judicial expressa para que pudesse se ausentar do lugar da falência.

A norma mais benéfica do art. 104, III, da Lei nº 11.101/2005, que não exige mais autorização judicial, mas apenas a comunicação justificada sobre mudança de residência do sócio, inclusive para o exterior, pode ser aplicada às quebras anteriores à sua vigência.

STJ. 4ª Turma. RHC 80.124-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Falência Falência é o processo coletivo de execução forçada de um empresário ou sociedade empresária cuja recuperação mostra-se inviável.

Finalidade A falência tem como objetivo reunir os credores e arrecadar os bens, ativos e recursos do falido a fim de que, com os recursos obtidos pela alienação de tais bens, possam os credores ser pagos, obedecendo a uma ordem de prioridade estabelecida na lei.

Legislação aplicável Atualmente, a falência do empresário e da sociedade empresária é regida pela Lei nº 11.101/2005. Antes da Lei nº 11.101/2005, a falência era regulada pelo Decreto-Lei nº 7.661/1945. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em 11/11/2004, foi decretada a falência da sociedade empresária Delta Ltda. Como a falência foi decretada antes da edição da Lei nº 11.101/2005, esse processo de quebra é regido, em regra, pelo DL 7.661/45.

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João era um dos sócios da empresa falida. Ele possui uma filha que mora nos EUA e deseja viajar para passar um tempo com ela. João pode viajar livremente? Existe alguma restrição na legislação sobre o tema? Vamos comparar o que dizem os dois diplomas:

DL 7.661/45 LEI 11.101/2005

Art. 34. A declaração da falência impõe ao falido as seguintes obrigações: (...) III - não se ausentar do lugar da falência, sem motivo justo e autorização expressa do juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei; quando a permissão para ausentar-se fôr pedida sob alegação de moléstia, o juiz designará o médico para o respectivo exame;

Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres: (...) III - não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei;

Comparando as duas redações chegamos às seguintes conclusões: • o inciso III do art. 104 da Lei nº 11.101/2005 prevê que a decretação da falência impõe ao falido o dever de não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei. • a antiga Lei de Falências (DL 7.661/1945) trazia regra mais restritiva e exigia que o falido obtivesse autorização judicial expressa para que pudesse se ausentar do lugar da falência. Suponhamos que, em 2006, o processo de falência da Delta ainda está tramitando; João deseja visitar sua filha nos EUA; ele precisará de autorização do juiz, conforme exigia o art. 34, III, do DL 7.661/45 ou bastará comunicar o magistrado, nos termos do art. 104, III, da Lei nº 11.101/2005? Bastará a comunicação. Isso porque:

A norma mais benéfica do art. 104, III, da Lei nº 11.101/2005, que não exige mais autorização judicial, mas apenas a comunicação justificada sobre mudança de residência do sócio, inclusive para o exterior, pode ser aplicada às quebras anteriores à sua vigência. STJ. 4ª Turma. RHC 80.124-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

É possível essa aplicação retroativa porque aqui não estamos falando de atos processuais necessários ao andamento do processo de falência. Para esses atos processuais devem ser aplicadas as regras do DL 7.661/45. O que se está discutindo no caso é o regime jurídico aplicável ao direito de locomoção do sócio, devendo prevalecer a regra mais favorável, que é a do art. 104, III, da Lei nº 11.101/2005. Vale lembrar que, na hipótese de apuração de crimes falimentares, admite-se a retroação da norma mais benéfica. Além disso, a restrição de ir e vir apenas se justificaria se houvesse indício de cometimento de ilícito criminal, o que não ocorreu no caso. Nem mesmo há referência a inquérito instaurado. Assim, deve ser decidido com base no art. 104, III, da Lei nº 11.101/2005, que não mais exige a autorização judicial, mas apenas a comunicação, devidamente justificada, ao juiz da mudança de residência.

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ECA

COMPETÊNCIA De quem é a competência para executar a verba honorária sucumbencial

arbitrada pelo Juízo da Infância e Juventude?

O juízo especializado da Justiça da Infância e da Juventude é competente para o cumprimento e a efetivação do montante sucumbencial por ele arbitrado.

A partir da leitura dos arts. 148 e 152 do ECA, art. 24, § 1º, do Estatuto da Advocacia e art. 516, II, do CPC/2015, conclui-se que, como regra, o cumprimento da sentença (o que inclui a imposição sucumbencial), deve ocorrer nos mesmos autos em que se formou o correspondente título exequendo e, por conseguinte, perante o juízo prolator do título.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.859.295-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação: Em uma ação cível, que tramitou na Vara da Infância e Juventude, o juiz condenou o Município a pagar R$ 10 mil de honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública. A sentença transitou em julgado. Logo em seguida, a Defensoria Pública ingressou com cumprimento de sentença, na Vara da Infância e Juventude, cobrando o valor dos honorários. O juiz indeferiu o processamento do cumprimento de sentença sob o argumento de que o pedido formulado é de cunho patrimonial (honorários advocatícios) e não está relacionado com o interesse imediato de criança ou adolescente. Segundo argumentou, o art. 148 do ECA prevê, de forma taxativa, as competências da Justiça da Infância e da Juventude e não contempla a execução de honorários advocatícios. Logo, no entendimento do magistrado, essa execução deveria ser proposta na Vara da Fazenda Pública. Agiu corretamente o juiz? De quem é a competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e Juventude? NÃO. A competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e Juventude é da própria Vara da Infância e Juventude. O art. 24, § 1º, da Lei nº 8.906/94 e o art. 516, II, do CPC determinam que, como regra, o cumprimento da sentença (o que inclui a execução dos honorários advocatícios) deve ocorrer nos mesmos autos em que se formou o título executivo, ou seja, perante o Juízo prolator da decisão judicial:

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial. § 1º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier. (...)

Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: (...) II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;

Assim, como foi o juízo da infância e juventude que expediu o título executivo, é ele o competente para o cumprimento de sentença.

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Ressalte-se que essa conclusão não contraria o art. 148 do ECA. Isso porque a postulada verba honorária decorreu de discussão travada em causa cível que tramitou no próprio Juízo menorista, em uma das hipóteses do art. 148. O art. 516 do CPC pode ser aplicado neste caso? Qual é o fundamento para isso? SIM. O art. 152 do ECA autoriza, nos seguintes termos:

Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente.

Em suma:

O juízo especializado da Justiça da Infância e da Juventude é competente para o cumprimento e a efetivação do montante sucumbencial por ele arbitrado. A partir da leitura dos arts. 148 e 152 do ECA, art. 24, § 1º, do Estatuto da Advocacia e art. 516, II, do CPC/2015, conclui-se que, como regra, o cumprimento da sentença (o que inclui a imposição sucumbencial), deve ocorrer nos mesmos autos em que se formou o correspondente título exequendo e, por conseguinte, perante o juízo prolator do título. STJ. 1ª Turma. REsp 1.859.295-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

ASPECTOS CÍVEIS Em ACP na qual se questiona acolhimento institucional de menor, não é admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando não há

tese jurídica fixada em precedente vinculante

Caso concreto: o MP/CE ajuizou contra o Município de Fortaleza 10 ações civis públicas nas quais alega que 10 diferentes crianças estão há mais tempo em acolhimento institucional do que prevê a lei. Diante disso, o MP pediu que elas sejam encaminhadas à programa de acolhimento familiar e que sejam indenizadas por danos morais. O juiz, invocando o art. 332, III, do CPC, julgou improcedente liminarmente o pedido (rectius: julgou antecipadamente o pedido), ao fundamento de que se trataria de controvérsia repetitiva justamente por se tratar de 10 ações civis públicas versando sobre o mesmo objeto.

No mérito, a sentença afirmou que: i) o acolhimento por prazo superior a 2 anos, conquanto ilegal, algumas vezes indispensável porque, em muitas hipóteses, não há família adequada para recebê-lo; ii) não há prova de que o Município teria agido de modo doloso, intencional ou negligente; iii) o problema do acolhimento institucional por período superior a 2 anos é de natureza estrutural, eis que envolve a falta de recursos do Poder Público.

O STJ afirmou que não era admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido.

Diferentemente do tratamento dado à matéria no revogado CPC/73, não mais se admite, no CPC/2015, o julgamento de improcedência liminar do pedido com base no entendimento firmado pelo juízo em que tramita o processo sobre a questão repetitiva, exigindo-se, ao revés, que tenha havido a prévia pacificação da questão jurídica controvertida no âmbito dos Tribunais, materializada em determinadas espécies de precedentes vinculantes, a saber: súmula do STF ou do STJ; súmula do TJ sobre direito local; tese firmada em recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência.

Por se tratar de regra que limita o pleno exercício de direitos fundamentais de índole processual, em especial o contraditório e a ampla defesa, as hipóteses autorizadoras do julgamento de improcedência liminar do pedido devem ser interpretadas restritivamente,

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não se podendo dar a elas amplitude maior do que aquela textualmente indicada pelo legislador no art. 332 do novo CPC.

De igual modo, para que possa o juiz resolver o mérito liminarmente e em favor do réu, ou até mesmo para que haja o julgamento antecipado do mérito imediatamente após a citação do réu, é indispensável que a causa não demande ampla dilação probatória.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.854.842/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação adaptada: Determinado Promotor de Justiça ajuizou, contra o Município de Fortaleza, 10 ações civis públicas nas quais alega que 10 diferentes crianças estão há mais tempo em acolhimento institucional do que prevê a lei. Diante disso, o MP pediu que elas fossem encaminhadas à programa de acolhimento familiar e que fossem indenizadas por danos morais. Citado, o Município de Fortaleza apresentou contestação e, ato contínuo, foi proferida sentença que, invocando a incidência do art. 332, III, do CPC, julgou improcedente liminarmente o pedido (rectius: julgou antecipadamente o pedido), ao fundamento de que se trataria de controvérsia repetitiva justamente por se tratar de 10 ações civis públicas versando sobre o mesmo objeto:

Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: (...) III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

No mérito, a sentença afirmou que: i) o acolhimento por prazo superior a 2 anos, conquanto ilegal, algumas vezes indispensável porque, em muitas hipóteses, não há família adequada para recebê-lo; ii) não há prova de que o Município teria agido de modo doloso, intencional ou negligente; iii) o problema do acolhimento institucional por período superior a 2 anos é de natureza estrutural, eis que envolve a falta de recursos do Poder Público. Analisando o caso apenas sob o ponto de vista processual, agiu corretamente o magistrado? NÃO. O STJ afirmou que não era admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido. Art. 332 do CPC/2015 x Art. 285-A do CPC/1973 O art. 332, III, do CPC/2015 possui certa correspondência com o art. 285-A do CPC/1973, segundo o qual “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”. Todavia, é preciso destacar, desde logo, que as hipóteses em que se autoriza o julgamento liminar de improcedência no novo CPC são substancialmente diferentes daquela prevista no antigo CPC: • antes se admitia o julgamento prematuro nas hipóteses em que a matéria repetitiva já havia sido objeto de entendimento uniforme fixado pelo juízo (em outras palavras, bastava o juiz já ter julgado casos semelhantes); • com o novo CPC, isso acabou. Agora, a aplicação dessa técnica de aceleração de julgamento está condicionada a prévia pacificação da questão controvertida no âmbito dos Tribunais, materializada em determinadas espécies de precedentes vinculantes. Que precedentes vinculantes são esses? Os mencionados no art. 332 do CPC/2015: - súmula do STF ou do STJ;

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- súmula do TJ sobre direito local; - tese firmada em recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência. No caso concreto, não havia precedente vinculante a embasar a sentença No caso concreto, a sentença concluiu que era possível o julgamento de improcedência liminar do pedido ao fundamento de que existiam causas repetitivas naquele mesmo juízo sobre a matéria, o que autorizaria a extinção prematura do processo com resolução de mérito. Ocorre que esse entendimento desconsidera que o novo CPC obrigatoriamente exige, para que se adote essa excepcional técnica de aceleração do julgamento, que desde logo se verifique a ocorrência de prescrição ou decadência ou, para o que importa à hipótese em exame, que a matéria tenha sido previamente decidida por um Tribunal mediante a adoção de alguma das técnicas de formação de precedentes elencada nos incisos do art. 332. Art. 332 do CPC deve ser interpretado restritivamente Por se tratar de regra que limita o pleno exercício de direitos fundamentais de índole processual, em especial o contraditório e a ampla defesa, as hipóteses autorizadoras do julgamento de improcedência liminar do pedido devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo dar a elas amplitude maior do que aquela textualmente indicada pelo legislador no art. 332 do novo CPC. Art. 332 do CPC só pode ser aplicado se não demandar profunda dilação probatória De igual modo, para que possa o juiz resolver o mérito liminarmente e em favor do réu, ou até mesmo para que haja o julgamento antecipado do mérito imediatamente após a citação do réu, é indispensável que a causa não demande ampla dilação probatória, o que não se coaduna com a ação civil pública em que se pretende discutir a ilegalidade de acolhimento institucional de menores por período acima do máximo legal e os eventuais danos morais que do acolhimento por longo período possam decorrer, pois são questões litigiosas de natureza estrutural. Os litígios de natureza estrutural, de que é exemplo a ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima do teto previsto em lei, ordinariamente revelam conflitos de natureza complexa, plurifatorial e policêntrica, insuscetíveis de solução adequada pelo processo civil clássico e tradicional, de índole essencialmente adversarial e individual. Assim, o julgamento de improcedência liminar do pedido (ou de julgamento antecipado do mérito) é, em regra, incompatível com os processos estruturais, ressalvada a possibilidade de já ter havido a prévia formação de precedente qualificado sobre o tema que inviabilize nova discussão da questão controvertida no âmbito do Poder Judiciário. Em suma:

Em ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima daquele fixado em lei, não é admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando, a despeito da repetitividade da matéria, não há tese jurídica fixada em precedente vinculante. STJ. 3ª Turma. REsp 1854842/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

DOD PLUS

O que são “processos estruturais” mencionados pela Min. Nancy Andrighi no seu voto? Conforme explica Edilson Vitorelli:

“Litígios estruturais são litígios coletivos decorrentes do modo como uma estrutura burocrática, usualmente, de natureza pública, opera. O funcionamento da estrutura é que causa, permite ou perpetua a violação que dá origem ao litígio coletivo. Assim, se a violação for apenas removida, o

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problema poderá ser resolvido de modo aparente, sem resultados empiricamente significativos, ou momentaneamente, voltando a se repetir no futuro.” (VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo: RePro, ano 43, vol. 284, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2018, p. 345).

Características essenciais e específicas dos processos estruturais O processo estrutural é um processo coletivo no qual se pretende, pela atuação jurisdicional, a reorganização de uma estrutura burocrática, pública ou privada, que causa, fomenta ou viabiliza a ocorrência de uma violação pelo modo como funciona, originando um litígio estrutural. Essencialmente, o processo estrutural tem como desafios: 1) a apreensão das características do litígio, em toda a sua complexidade e conflituosidade, permitindo que os diferentes grupos de interesses sejam ouvidos; 2) a elaboração de um plano de alteração do funcionamento da instituição, cujo objetivo é fazer com que ela deixe de se comportar da maneira reputada indesejável; 3) a implementação desse plano, de modo compulsório ou negociado; 4) a avaliação dos resultados da implementação, de forma a garantir o resultado social pretendido no início do processo, que é a correção da violação e a obtenção de condições que impeçam sua reiteração futura; 5) a reelaboração do plano, a partir dos resultados avaliados, no intuito de abordar aspectos inicialmente não percebidos ou minorar efeitos colaterais imprevistos; e 6) a implementação do plano revisto, que reinicia o ciclo, o qual se perpetua indefinidamente, até que o litígio seja solucionado, com a obtenção do resultado social desejado, que é a reorganização da estrutura. (VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo: RePro, ano 43, vol. 284, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2018, p. 348).

DOD QUESTÕES

(Analista Jurídico DPE/AM 2019 FCC) O juiz, em seu primeiro contato com petição inicial que discute matéria exclusivamente de direito (sendo, portanto, dispensada a instrução probatória), verifica que o pedido do autor está em divergência com o entendimento pacificado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidado pela edição de uma súmula. Nessa situação, o Código de Processo Civil determina que o magistrado julgue liminarmente improcedente o pedido. (certo)

Justificativa: Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; (Defensor Público DPE/MA 2018 FCC) A improcedência liminar do pedido é a medida a ser imposta quando for constatada, de plano, a prescrição ou a decadência. (certo)

Justificativa: Art. 332. (...) § 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Ainda que citado pessoalmente na fase de conhecimento, é devida a intimação por carta do réu

revel, sem procurador constituído, para o cumprimento de sentença

Mudança promovida pelo CPC/2015

Em regra, a intimação para cumprimento da sentença é feita na pessoa do advogado do devedor (art. 513, § 2º, I, do CPC/2015).

O devedor revel que tenha sido pessoalmente intimado na fase de conhecimento e, mesmo assim ficou inerte, deverá ser intimado para o cumprimento de sentença por meio de carta com aviso de recebimento. Isso porque, neste caso, o devedor não terá procurador (advogado) constituído nos autos:

Art. 513 (...) § 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:

II - por carta com aviso de recebimento, (...) quando não tiver procurador constituído nos autos;

STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.914-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro. O réu foi citado pessoalmente, mas não apresentou contestação nem constituiu advogado para representá-lo em juízo. Diante disso, o juiz decretou a sua revelia, nos termos do art. 344 do CPC:

Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

Em sentença, o magistrado condenou Pedro a pagar R$ 100 mil em favor do autor. Houve o trânsito em julgado. O que acontece agora? O banco terá que ingressar com uma petição em juízo requerendo o cumprimento da sentença. A partir do requerimento do credor, o que faz o juiz? O juiz determina a intimação do devedor para pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias. O credor alegou, no entanto, que seria desnecessária a intimação do devedor considerando que ele já foi citado pessoalmente na fase de conhecimento e, mesmo assim, permaneceu revel. Logo, para o credor, não deveria haver mais nenhuma intimação. Essa tese foi acolhida pelo STJ? NÃO. Mesmo que o devedor tenha sido citado pessoalmente na fase de conhecimento e tenha sido revel, quando chegar a fase de cumprimento de sentença o juiz terá que determinar sim a sua intimação. Como é feita essa intimação? Via postal, ou seja, por carta, com aviso de recebimento (AR). Qual é o fundamento para isso? Inciso II do § 2º do art. 513 do CPC/2015:

Art. 513 (...) § 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença: I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos;

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II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV; III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos IV - por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento. § 3º Na hipótese do § 2º, incisos II e III, considera-se realizada a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do art. 274.

(Promotor MP/CE 2020 CEBRASPE) Considere que João tenha requerido o cumprimento de sentença que condenou Marcela a lhe pagar a quantia de cem mil reais. Nesse caso, o Código de Processo Civil (CPC) permite que a devedora seja intimada na pessoa de seu advogado, devidamente constituído nos autos, por meio de publicação no Diário da Justiça, para cumprir a sentença. (certo) Por que esse devedor não é intimado por edital, na forma do inciso IV? Porque esse inciso IV trata da situação em que o devedor, na fase de conhecimento, foi citado por edital (“citado na forma do art. 256” = citação por edital) e ficou revel. Logo, se o devedor revel foi citado por edital ele será também intimado por edital na fase de cumprimento de sentença. Em nosso exemplo, o devedor foi citado pessoalmente (e não por edital), de maneira que não pode se aplicar a previsão do inciso IV. Por que a tese do credor não foi acolhida pelo STJ? Por que será necessário intimar o devedor no cumprimento de sentença que ele tenha sido revel na fase de conhecimento? Foi uma escolha do CPC/2015 para fortalecer o contraditório. Conforme explica o Min. Paulo de Tarso Sanseverino:

“(...) na lei processual vigente, há expressa previsão de que o réu sem procurador nos autos, incluindo-se aí o revel, mesmo quando citado pessoalmente na fase cognitiva, deve ser intimado por carta, não se mostrando aplicável, neste especial momento de instauração da fase executiva, o quanto prescreve o art. 346 do CPC.”

Em suma:

Ainda que citado pessoalmente na fase de conhecimento, é devida a intimação por carta do réu revel, sem procurador constituído, para o cumprimento de sentença. STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.914-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA O acréscimo de 10% de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015, quando

não ocorrer o pagamento voluntário no cumprimento de sentença, não admite relativização

Importante!!!

O § 1º do art. 523 afirma que, se não ocorrer o pagamento voluntário dentro do prazo de 15 dias, o débito será acrescido em 10% a título de honorários, além da multa de 10%.

Esse percentual de 10% não admite mitigação (relativização, diminuição) pelo juiz por três razões:

1) a própria lei tarifou expressamente esse percentual fixo;

2) a fixação equitativa da verba honorária só tem lugar nas hipóteses em que constatado que o proveito econômico é inestimável ou irrisório, ou o valor da causa é muito baixo (art. 85, § 8º); e

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3) os próprios critérios de fixação da verba honorária previstos no art. 85, § 2º, já estabelecem que o valor mínimo será de 10%.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.701.824-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: O banco ajuizou ação de cobrança contra uma associação beneficente. O juiz julgou a sentença procedente, condenando a associação a pagar R$ 1 milhão ao autor. Houve o trânsito em julgado.

O que acontece agora? O banco terá que ingressar com uma petição em juízo requerendo o cumprimento da sentença. O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz? NÃO. O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, só pode ser feito a requerimento do exequente (art. 513, § 1º do CPC/2015). Cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (art. 524 do CPC/2015). Em outras palavras, o início da fase de cumprimento da sentença exige um requerimento do credor:

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

A partir do requerimento do credor, o que faz o juiz? O juiz determina a intimação do devedor para pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias. O prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC/2015, é contado em dias úteis ou corridos? Dias úteis.

O prazo previsto no art. 523, caput, do CPC, para o cumprimento voluntário da obrigação, possui natureza processual, devendo ser contado em dias úteis. STJ. 3ª Turma. REsp 1.708.348-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/06/2019 (Info 652).

Se o devedor condenado é intimado para pagar, mas não efetua o pagamento no prazo de 15 dias, o que acontecerá? 1) o montante da condenação será automaticamente acrescido de multa de 10% + honorários advocatícios de 10%. Em outras palavras, o valor que o devedor terá que pagar aumenta:

Art. 523 (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

(Juiz Federal TR3 2018) Em se tratando de quantia certa, não ocorrendo o pagamento voluntário no prazo legal, o débito será acrescido de multa e de honorários advocatícios, ambos no percentual de dez por cento (10%) cada. (certo) (PGE/TO 2018 FCC) Em relação ao cumprimento definitivo da sentença que obrigue a pagar quantia certa, se o pagamento voluntário não ocorrer no prazo legal, o débito será acrescido de multa de 10% e honorários advocatícios de 15% se houver impugnação futura que se julgue improcedente. (errado)

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2) o juiz expede mandado para que os bens do devedor sejam penhorados para pagamento da dívida:

Art. 523 (...) § 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.

Voltando ao caso concreto: A associação devedora foi intimada para pagar, mas não efetuou a quitação da dívida no prazo de 15 dias. Diante disso, o juiz determinou a penhora on line da dívida, com acréscimo da multa de 10%, bem como dos honorários advocatícios no percentual também de 10%, nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015. A devedora interpôs agravo de instrumento sustentando que: • é necessária a aplicação, na fase de cumprimento de sentença, do mesmo entendimento utilizado para a fase de conhecimento no que diz respeito à fixação dos honorários de sucumbência, devendo o seu montante, quando porventura excessivo, ser adequado de acordo com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade; • o percentual de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 não é absoluto e poderia ser flexibilizado pelo julgador, devendo-se aplicar ao cumprimento de sentença os critérios previstos nos arts. 85, § 2º e § 8º, do CPC/2015. A tese da devedora foi acolhida pelo STJ? NÃO.

O acréscimo de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015, quando não ocorrer o pagamento voluntário no cumprimento de sentença, não admite relativização. STJ. 3ª Turma. REsp 1.701.824-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

O § 1º do art. 523 afirma que, se não ocorrer o pagamento voluntário dentro do prazo de 15 dias, o débito será acrescido em 10% a título de honorários, além da multa de 10%. Esse percentual de 10% não admite mitigação (relativização, diminuição) pelo juiz por três razões: 1) a própria lei tarifou expressamente esse percentual fixo; 2) a fixação equitativa da verba honorária só tem lugar nas hipóteses em que constatado que o proveito econômico é inestimável ou irrisório, ou o valor da causa é muito baixo (art. 85, § 8º); e 3) os próprios critérios de fixação da verba honorária previstos no art. 85, § 2º, já estabelecem que o valor mínimo será de 10%.

EXPROPRIAÇÃO Compete ao juízo da execução realizar a alienação judicial eletrônica,

ainda que o bem esteja situado em comarca diversa

Caso concreto: a empresa Italpa Ltda. estava sendo executada em processo que tramita na comarca de Belo Horizonte (MG). O juízo determinou a penhora de um imóvel da empresa situado em São Carlos (SP). O CPC/2015 determina que, se não for realizada a adjudicação ou a alienação por iniciativa particular, deverá ser feita a alienação por meio de leilão judicial (art. 881). O leilão judicial deverá ser feito por meio eletrônico, salvo se isso não for possível (art. 882).

Essa alienação judicial eletrônica será feita pelo juízo de Belo Horizonte (onde tramita a execução) ou por meio de carta precatória pelo juízo de São Carlos (onde está situado o bem)?

Pelo juízo de Belo Horizonte.

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Considerando que a alienação eletrônica permite ao interessado participar do procedimento mediante um acesso simples à internet, sem necessidade de sua presença física no local do leilão, não há motivos para que a realização do ato de alienação judicial eletrônica seja praticado em comarca diversa do juízo da execução.

STJ. 1ª Seção. CC 147.746-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/05/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa Italpa Ltda. estava sendo executada em um processo que tramitava na comarca de Belo Horizonte (MG). O juízo dessa execução determinou a penhora de um imóvel da empresa, bem este localizado em São Carlos (SP). Se existe um bem do devedor que está penhorado e não houve o pagamento espontâneo da dívida, é preciso fazer com que esse bem se “transforme” em dinheiro para pagar o exequente. A primeira opção para isso é a adjudicação, que ocorre quando a propriedade do bem penhorado é adquirida pelo exequente ou por terceiros legitimados previstos na lei. Alienação do bem penhorado Se não houver a adjudicação, a segunda opção é tentar fazer a alienação do bem penhorado. A alienação pode acontecer: a) por iniciativa particular; b) por leilão judicial (eletrônico ou presencial).

Se não for possível a alienação por iniciativa particular, deve-se fazer a alienação do bem penhorado por meio de leilão judicial:

Art. 880. Não efetivada a adjudicação, o exequente poderá requerer a alienação por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público credenciado perante o órgão judiciário.

Art. 881. A alienação far-se-á em leilão judicial se não efetivada a adjudicação ou a alienação por iniciativa particular.

O leilão judicial deverá ser feito por meio eletrônico, salvo se isso não for possível:

Art. 882. Não sendo possível a sua realização por meio eletrônico, o leilão será presencial.

Voltando ao caso concreto: Imaginemos que não houve interesse na adjudicação e o juiz designou a realização de alienação judicial eletrônica do bem penhorado. Essa alienação judicial eletrônica será feita pelo juízo de Belo Horizonte (onde tramita a execução) ou, por meio de carta precatória, pelo juízo de São Carlos (onde está situado o bem)? Pelo juízo de Belo Horizonte.

Compete ao juízo da execução realizar a alienação judicial eletrônica, ainda que o bem esteja situado em comarca diversa. STJ. 1ª Seção. CC 147.746-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/05/2020 (Info 673).

Considerando que a alienação eletrônica permite ao interessado participar do procedimento mediante um acesso simples à internet, sem necessidade de sua presença física no local do leilão, não há motivos para que a realização do ato de alienação judicial eletrônica seja praticado em comarca diversa do juízo da execução.

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DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS Transportar folhas de coca: crime do art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006

Importante!!!

A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas.

Caso concreto: o agente foi preso com 4,4 kg de folhas de coca, adquiridas na Bolívia, tendo a substância sido encontrada no estepe do veículo. As folhas seriam transportadas até Uberlândia/MG para rituais de mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo, rituais esses associados à prática religiosa indígena de Instituto ao qual pertenceria o acusado.

A folha de coca não é considerada droga; porém pode ser classificada como matéria-prima ou insumo para sua fabricação.

STJ. 3ª Seção. CC 172.464-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação adaptada: João foi preso em flagrante, na fronteira do Brasil com a Bolívia, com 4,4kg de folhas de coca (erytroxylum coca), escondidos no estepe do seu veículo. As folhas de coca foram adquiridas pelo acusado na Bolívia e seriam transportadas até Uberlândia/MG, onde seriam utilizadas para mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo para comer, rituais esses associados à prática religiosa indígena do Instituto Pachapapa (Grande Pai), ao qual pertenceria o acusado. Segundo a perícia realizada, essas folhas de coca tinham potencial de produzir até 23g de cocaína. Dúvida quanto à tipificação Iniciou-se, então, um debate quanto ao crime cometido por João. Surgiram duas posições: 1ª corrente: ele teria praticado o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para consumo pessoal). Como esse delito é de menor potencial ofensivo e não está previsto em tratado internacional, a competência para julgá-lo seria da Justiça Estadual (Juizado Especial Criminal estadual):

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

2ª corrente: o flagranteado teria cometido o crime do art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006. Neste caso, a competência seria da Justiça Federal porque houve transnacionalidade:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem:

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I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; (...)

Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

Para o STJ, qual foi o delito praticado por João? O crime do art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006:

A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas. STJ. 3ª Seção. CC 172.464-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Logo, no caso concreto, a competência para julgar o fato é da Justiça Federal. Folha de coca não é droga; trata-se de planta que pode produzir droga Não há como enquadrar a conduta no art. 28 da Lei nº 11.343/2006. Isso porque a folha de coca (“erythroxylum coca lam”) é classificada no Anexo I – Lista E – da Portaria/SVS n. 344, de 12/5/1988 – que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial como uma das plantas proscritas (proibidas) que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Em outras palavras, a folha de coca, não é, em si, considerada droga. Reveja o caput do art. 28 e repare que ele só menciona a palavra “droga”:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (...)

O agente comprou a planta (não foi ele quem a cultivou) Vale ressaltar que não se pode enquadrar a conduta do agente no § 1º do art. 28. Isso porque o investigado não semeou, nem cultivou, nem colheu as folhas de coca que transportava. Ele as comprou. Veja a redação do § 1º e repare como a conduta não se amolda a nenhum dos três verbos presentes nesse tipo penal:

Art. 28 (...) § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Conduta se adequa ao inciso I do § 1º do art. 33 Diante disso, formalmente, a conduta do investigado, em tese, melhor se amolda ao inciso I do § 1º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Vale ressaltar, no entanto, que o STJ fez uma ressalva: o agente só poderá ser condenado por esse crime se, ao final da ação penal, ficar claramente demonstrado que o seu intuito era o de, com as folhas de coca, preparar drogas. Se isso não ficar demonstrado pela acusação, ele deverá ser absolvido porque o crime do inciso I do § 1º do art. 33 exige que o agente esteja transportando matéria-prima destinada à preparação de drogas.

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O Min. Relator afirmou, inclusive, que as circunstâncias do caso concreto indicam que o agente apenas utilizaria as folhas da planta nos rituais religiosos e, portanto, não haveria crime. No entanto, o STJ optou por não determinar, de ofício, o trancamento do inquérito policial porque estava sendo discutido apenas um conflito de competência e “não convém a esta Corte, suprimindo duas instâncias e distante do conjunto total das evidências existentes no inquérito, se pronunciar de maneira definitiva sobre a existência, ou não, de fato típico no caso concreto.” Com isso em mente, unicamente para efeitos de fixação da competência, o STJ afirmou que a conduta melhor se amoldaria à do tipo previsto no § 1º, I, do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, estabelecendo-se a competência da Justiça Federal para a condução do inquérito policial. Questão religiosa Um ponto interessante discutido rapidamente no voto diz respeito à utilização de substâncias entorpecentes em rituais religiosos. O Estado brasileiro autoriza, por exemplo, o uso religioso do chá fitoterápico indígena conhecido como Ayahuasca, descriminalizado pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD, por meio da Resolução CONAD nº 1, de 25/01/2010, que, em seu item 1, estabelece que “o chá Ayahuasca é o produto da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas.” Assim, não é crime, por exemplo, a utilização da Ayahuasca nos rituais religiosos. Vale ressaltar, no entanto, que essa descriminalização ainda não foi estendida para as folhas de coca.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Em regra, compete à Justiça Estadual julgar habeas corpus preventivo destinado a permitir o

cultivo e o porte de maconha para fins medicinais

Importante!!!

Compete à Justiça Estadual o pedido de habeas corpus preventivo para viabilizar, para fins medicinais, o cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis (maconha), bem como porte em outra unidade da federação, quando não demonstrada a internacionalidade da conduta.

STJ. 3ª Seção. CC 171.206-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: Roberto possui epilepsia e precisa utilizar cannabis para fins medicinais a fim de controlar as crises. Diante disso, ele impetrou habeas corpus preventivo com o objetivo de obter salvo conduto para poder cultivar artesanalmente a planta Canabis Sativa L, bem como usá-la e portá-la dentro do território nacional para fins terapêuticos sem que esteja cometendo crime. No HC, foram apontadas duas autoridades coatoras: o Delegado Geral da Polícia Civil de São Paulo e o Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo. Houve, contudo, uma dúvida quanto à competência para julgar este habeas corpus: seria ele de competência da Justiça Federal ou Estadual? Justiça Estadual.

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No HC, o impetrante pede salvo conduto com o objetivo de impedir possível constrangimento de autoridades estaduais, quais sejam, o Delegado Geral da Polícia Civil de São Paulo e o Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo. As autoridades apontadas como coatoras, por si só, já definem a competência do primeiro grau da Justiça Estadual. Além disso, o impetrante não pede autorização judicial para importar a Cannabis. O pedido diz respeito ao cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis, bem como porte ainda que em outra unidade da federação. Como não há pedido de importação, não há que se falar em competência da Justiça Federal por ausência de transnacionalidade. Para que se reconheça a competência da Justiça Federal é indispensável a demonstração de internacionalidade da conduta do agente:

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto à necessidade de demonstração de internacionalidade da conduta agente para reconhecimento da competência da Justiça Federal. STJ. 3ª Seção. CC 169.477/MT, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 12/02/2020.

Em suma:

Compete à Justiça Estadual o pedido de habeas corpus preventivo para viabilizar, para fins medicinais, o cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis (maconha), bem como porte em outra unidade da federação, quando não demonstrada a internacionalidade da conduta. STJ. 3ª Seção. CC 171.206-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

COMPETÊNCIA Os crimes relacionados com pirâmide financeira envolvendo criptomoedas

são, em princípio, de competência da Justiça Estadual

Importante!!!

Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda.

A captação de recursos decorrente de “pirâmide financeira” não se enquadra no conceito de atividade financeira, razão pela qual o deslocamento do feito para a Justiça Federal se justifica apenas se demonstrada a prática de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro em detrimento de bens e serviços ou interesse da União.

STJ. 3ª Seção. CC 170.392-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Imagine a seguinte situação hipotética: André é proprietário e administrador de uma empresa chamada “XGOCOIN”. Essa empresa ofereceu a diversos interessados um investimento em criptomoedas. Segundo a proposta, o indivíduo investiria determinada quantia em dinheiro supostamente para comprar criptomoedas e receberia, em troca, um lucro mensal de 55% sobre o valor aplicado. Ao entrar no negócio, os clientes eram levados para grupos de WhatsApp, e incentivados a convidar mais pessoas para entrar no suposto investimento. Ocorre que, cerca de dois meses após o início dos investimentos, não era mais possível obter contato ou acesso à referida empresa, que, aparentemente, apropriou-se dos valores aplicados. Diante disso, as pessoas lesadas procuraram a polícia e foi instaurado um inquérito para apurar os fatos. Surgiu, contudo, uma dúvida quanto à competência:

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Os fatos acima narrados devem ser apurados na Justiça Federal ou Estadual? Justiça Estadual. Vamos entender com calma. Pirâmide financeira Para o STJ, a situação acima narrada configurou, na verdade, um esquema de pirâmide, também conhecido como “pirâmide financeira”. Em que consiste isso?

“Pirâmide Financeira é como são chamados os esquemas empresariais que tem como principal receita a remuneração pela indicação de novos membros, feita por meio de uma taxa de entrada no negócio. É um esquema fraudulento que atrai pequenos investidores com a promessa de ganhos rápidos e retornos altos. A pirâmide financeira é caracterizada pelo investimento inicial baixo, as vendas de produtos em modo desproporcional, ou muitas vezes a inexistência de um produto em si, as poucas informações disponíveis sobre o investimento, seus riscos, e sobre a própria empresa, e por fim a promessa de ganhos exagerados. O conceito de pirâmide financeira vem do processo de venda: no topo da estrutura está o primeiro vendedor do produto, no degrau seguinte já vem um grupo de vendedores, que convidam novos vendedores que passam ao degrau inferior, e assim em diante. O degrau inferior sustenta o superior: para entrar no negócio, os novos vendedores devem investir em um valor X de produtos. O valor aplicado serve de pagamento aos vendedores que recrutaram estes outros, e assim o dinheiro faz o caminho inverso da pirâmide, até o topo. Esta sequência é interrompida quando existe dificuldade de incluir novos participantes, ou seja, novos níveis na pirâmide. Assim as receitas do esquema diminuem, os pagamentos dos vendedores anteriores na estrutura atrasam ou não são pagos, e começam os prejuízos aos participantes.” (https://www.dicionariofinanceiro.com/piramide-financeira)

Os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86) são de competência da Justiça Federal. A prática de “pirâmide financeira” é crime contra o sistema financeiro nacional? NÃO. O STJ entende que, em princípio, a prática de pirâmide financeira não configura, por si só, crime contra o sistema financeiro nacional. E qual é o delito praticado, então? Delito contra a economia popular ou, eventualmente, estelionato. Nesse sentido:

As operações denominadas de “pirâmide financeira”, sob o disfarce de “marketing multinível”, supostamente com o fim de colocar no mercado consumidor aparelho de monitoramento de veículo, não constituem atividades financeiras para fins de incidência da Lei nº 7.492/1986, tampouco delito contra o mercado de capitais (Lei nº 6.365/76). Embora a prática não configure crime contra o Sistema Financeiro Nacional, o eventual dano causado a particulares pode ser tipificado como delito contra a economia popular, quiçá estelionato, de competência da Justiça estadual. STJ. 5ª Turma. HC 293.052/SP, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador Convocado do TJ/SP), julgado em 05/02/2015.

O delito contra a economia popular é crime de competência da Justiça Estadual:

Súmula 498-STF: Compete a justiça dos estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular.

Voltando ao caso concreto No caso concreto, com base no estágio das investigações realizadas, o STJ concluiu que a conduta, em tese, configura crime contra a economia popular.

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Como não havia nenhum elemento que indicasse ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento a interesses da União, o STJ concluiu que a competência para apurar os fatos é da Justiça Estadual. Em suma:

Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda. A captação de recursos decorrente de “pirâmide financeira” não se enquadra no conceito de atividade financeira, razão pela qual o deslocamento do feito para a Justiça Federal se justifica apenas se demonstrada a prática de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro em detrimento de bens e serviços ou interesse da União. STJ. 3ª Seção. CC 170.392-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Cuidado para não confundir com esse outro julgado:

Compete à Justiça Federal julgar a conduta de réu que faz oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas sem prévia autorização da CVM

Se a denúncia imputa a oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei nº 7.492/86 (Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro), especialmente porque essa espécie de contrato caracteriza valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76. Logo, compete à Justiça Federal apurar os crimes relacionados com essa conduta. Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas. STJ. 6ª Turma. HC 530563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

PRISÃO A Recomendação 62/2020 do CNJ não é aplicável ao acusado que não está privado de liberdade no sistema penal brasileiro

Covid-19

Caso concreto: a justiça brasileira decretou a prisão preventiva do réu, brasileiro que mora regularmente nos EUA. O Governo norte-americano negou o pedido de extradição. A defesa desse réu impetrou habeas corpus no Brasil pedindo a revogação da prisão decretada considerando que ele é idoso, fumante e está com H1N1, de forma que pertence ao grupo de risco da Covid-19.

O STJ indeferiu o pedido considerando que o réu está no exterior há anos e não corre mais o risco de ser extraditado.

Na Recomendação 62/2020, o CNJ afirma que os juízes e Tribunais deverão adotar medidas para prevenir a propagação da Covid-19 no âmbito do sistema de justiça penal, fazendo a revisão das prisões temporárias.

Vale ressaltar, contudo, que essa Recomendação não se aplica ao acusado porque ele não está inserido no sistema penal brasileiro.

A adoção de cautelas quanto à prisão por conta da pandemia da Covid-19 tem o objetivo de reduzir os riscos epidemiológicos em unidades prisionais e não o de blindar pessoas que residem no exterior.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 575.112-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

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O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: Em 2017, o Juiz Federal da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro decretou a prisão preventiva de Arthur. O réu, contudo, não foi preso, considerando, que, mesmo sendo brasileiro, mora legalmente nos EUA, onde também mantém atividades empresariais. O Estado brasileiro chegou a requerer a extradição, mas o pedido foi negado pelos EUA. Em abril de 2020, a defesa impetrou habeas corpus no STJ pedindo a revogação da prisão decretada (mas não efetivada) considerando que ele é idoso, fumante e está com H1N1, de forma que pertence ao grupo de risco da Covid-19. Ademais, argumentou-se que a Recomendação nº 62/2020, do CNJ, orientando os Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. A questão chegou até o STJ. O pedido formulado no HC foi acolhido? NÃO. O STJ indeferiu o pedido. No caso, o réu está no exterior e não corre o risco de ser extraditado para o Brasil enquanto aguarda o julgamento do habeas corpus pelo Tribunal Regional Federal. Na Recomendação 62/2020, o CNJ afirma que os juízes e Tribunais deverão adotar medidas para prevenir a propagação da Covid-19 no âmbito do sistema de justiça penal, fazendo a revisão das prisões temporárias. Vale ressaltar, contudo, que essa Recomendação não se aplica ao acusado porque ele não está inserido no sistema penal brasileiro. Ademais, a idade e histórico de saúde do réu, bem como o fato de seus genitores e irmão se enquadrarem no grupo de risco da Covid-19 em nada interferem na solução da lide. A revisão da cautela em face da pandemia tem o escopo específico de reduzir os riscos epidemiológicos em unidades prisionais e não de blindar pessoas que residem no exterior e que estão em conflito com a lei de providências processuais, apenas porque têm familiares no Brasil que integram o grupo de risco pela infecção da doença.

Em suma:

A Recomendação n. 62/2020 do CNJ não é aplicável ao acusado que não está privado de liberdade no sistema penal brasileiro. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 575.112-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

TRABALHO EXTERNO Durante a pandemia da Covid-19, os apenados que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, possuem direito à prisão domiciliar?

Covid-19

Imagine a seguinte situação: o juízo das execuções penais proibiu o trabalho externo do apenado durante as medidas restritivas impostas pelo Governo para combate à Covid-19. Diante disso, foi impetrado habeas corpus afirmando que essa decisão seria ilegal e que deveria ser concedida, então, prisão domiciliar ao apenado, nos termos da Recomendação nº 62 do CNJ.

Indaga-se: durante a pandemia da Covid-19, os apenados que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, possuem direito à prisão domiciliar?

O STJ está dividido sobre o tema:

• 5ª Turma do STJ: como regra, NÃO

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A suspensão temporária do trabalho externo no regime semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução nº 62 do CNJ, cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da sentença condenatória pela domiciliar.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 580.495-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

• 6ª Turma do STJ: como regra, SIM

Os reeducandos que cumprem pena em regime semiaberto e aberto e que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo como medida preventiva de combate à Covid-19, possuem direito ao regime domiciliar, desde que não ostentem procedimento de apuração de falta grave.

STJ. 6ª Turma. HC 575.495/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: João cumpre pena no regime semiaberto. Há alguns meses o juiz autorizou que ele fizesse trabalho externo. Ocorre que veio a pandemia decorrente do novo coronavírus. Diante disso, o juízo das execuções penais proibiu o trabalho externo do apenado durante as medidas restritivas impostas pelo Governo para combate à Covid-19. A defesa do reeducando não concordou e impetrou habeas corpus afirmando que essa decisão seria ilegal porque estaria negando um direito do apenado. Para a defesa, como o trabalho externo foi proibido pelo magistrado, ele deveria, então, conceder prisão domiciliar ao reeducando, nos termos da Recomendação nº 62 do CNJ. O que o STJ decidiu nesses casos? Deverá ser concedida a prisão domiciliar ao apenado? O STJ está dividido sobre o tema. Confira:

Durante a pandemia da Covid-19, os apenados que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, possuem direito à prisão domiciliar?

5ª Turma do STJ: como regra, NÃO 6ª Turma do STJ: como regra, SIM

A suspensão temporária do trabalho externo no regime semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução nº 62 do CNJ, cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da sentença condenatória pela domiciliar. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 580.495-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

Os reeducandos que cumprem pena em regime semiaberto e aberto e que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo como medida preventiva de combate à Covid-19, possuem direito ao regime domiciliar, desde que não ostentem procedimento de apuração de falta grave. STJ. 6ª Turma. HC 575.495/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 02/06/2020 (Info 673).

Não há constrangimento ilegal na suspensão temporária do trabalho externo, pois, embora este constitua meio importante para a ressocialização do apenado, diante do cenário de crise em que o Brasil se encontra em razão da pandemia, essa suspensão se justifica para a proteção de um bem maior, qual seja, a saúde do próprio reeducando e da coletividade. Na Recomendação 62/2020, o CNJ afirma que os juízes e Tribunais deverão adotar medidas para prevenir a propagação da Covid-19 no âmbito do

A revogação do trabalho externo configura flagrante ilegalidade, sobretudo porque representa uma piora da situação em que o condenado já se encontrava. Em outras palavras, o apenado já estava trabalhando e em contato com a sociedade e agora ficará privado disso. A suspensão do exercício do trabalho externo aos reeducandos do regime semiaberto trouxe, portanto, uma degradação à situação vivida por esses custodiados, que diariamente saíam do estabelecimento prisional para trabalhar, mas, agora, foram obrigados a nele permanecer em

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sistema de justiça penal. Isso, contudo, não significa a determinação de automática substituição da prisão decorrente da sentença condenatória pela prisão domiciliar. Para receber a prisão domiciliar, é necessário que o beneficiário do instituto demonstre: a) seu enquadramento no grupo de vulneráveis da Covid-19; b) a impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra; e c) o risco real de que o estabelecimento em que se encontra, e que o segrega do convívio social, cause mais risco do que o ambiente em que a sociedade está inserida.

tempo integral, o que manifestamente representa uma alteração na situação carcerária de cada um dos atingidos pela medida de extrema restrição. O recrudescimento da situação prisional somente é admitido em nosso ordenamento jurídico como forma de penalidade, em razão de cometimento de falta disciplinar, cuja imposição definitiva exige prévio procedimento disciplinar, com observância dos princípios constitucionais, sobretudo da ampla defesa e do contraditório. É preciso dar imediato cumprimento à Recomendação 62/2020 do CNJ, notadamente o disposto no art. 5º, III, que dispõe sobre a concessão de prisão domiciliar em relação a todas as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução.

O que diz a Recomendação nº 62/2020 no que tange à prisão domiciliar?

Art. 5º Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas: (...) III – concessão de prisão domiciliar em relação a todos as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução; IV – colocação em prisão domiciliar de pessoa presa com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19, mediante relatório da equipe de saúde, na ausência de espaço de isolamento adequado no estabelecimento penal;

DIREITO TRIBUTÁRIO

PROCESSO TRIBUTÁRIO O Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em

mandados de segurança que visa evitar a prática de lançamento fiscal

A autoridade coatora desempenha duas funções no mandado de segurança:

a) uma, internamente, de natureza processual, consistente em defender o ato impugnado pela impetração; trata-se de hipótese excepcional de legitimidade ad processum, em que o órgão da pessoa jurídica, não o representante judicial desta, responde ao pedido inicial;

b) outra, externamente, de natureza executiva, vinculada à sua competência administrativa; ela é quem cumpre a ordem judicial.

A legitimação da autoridade coatora deve ser aferida à base das duas funções acima descritas; só o órgão capaz de as cumprir pode ser a autoridade coatora.

Por essa razão, o Secretário de Estado da Fazenda não possui legitimidade para figurar, como autoridade coatora, em mandado de segurança que visa afastar exigência fiscal supostamente ilegítima considerando que ele não competência para a prática de lançamento fiscal.

STJ. 2ª Turma. RMS 54.823-PB, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

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Imagine a seguinte situação adaptada: A Associação de Indústrias de Águas Minerais impetrou mandado de segurança coletivo contra o Secretário de Fazenda do Estado da Paraíba pedindo para que as suas associadas (indústrias de águas minerais localizadas no Estado) não fossem obrigadas a ter que usar um selo fiscal nos garrafões retornáveis de água de 20 litros. Isso porque a Lei estadual 9.057/2010, que impõe essa obrigação tributária acessaria, seria inconstitucional. Assim, a autora pediu que, mesmo que a indústria não utilizasse o selo nos garrafões, ela não fosse autuada pelo Fisco estadual, ou seja, que não houvesse lançamento fiscal. O mandado de segurança teve êxito? NÃO. Ao apreciar recurso envolvendo o tema, o STJ decidiu que: O mandado de segurança foi impetrado contra lei em tese, sem efeitos concretos O STJ entendeu que não se verifica a existência de possíveis atos de efeitos concretos, a serem praticados pelo Secretário de Estado da Fazenda tendentes a violar ou ameaçar suposto direito líquido e certo da impetrante. A parte apenas alega a inconstitucionalidade da Lei estadual 9.057/2010, que não se qualifica como ato de efeitos concretos, mas como ato normativo, de efeitos gerais e abstratos. Desse modo, incide, no presente caso, a Súmula 266 do STF:

Súmula 266-STF: Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

No mesmo sentido:

A jurisprudência do STJ, embora reconheça a possibilidade de mandado de segurança invocar a inconstitucionalidade da norma como fundamento para o pedido, não admite que a declaração de inconstitucionalidade, constitua, ela própria, pedido autônomo. STJ. 1ª Seção. REsp 1119872/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 13/10/2010.

Secretário Estadual não tem legitimidade passiva Além disso, existe um outro fundamento contrário ao pleito da impetrante:

O Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de segurança que visam evitar a prática de lançamento fiscal. STJ. 2ª Turma. RMS 54.823-PB, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

A autoridade coatora, no mandado de segurança, é aquela que pratica o ato. A autoridade coatora não é aquela que genericamente orienta os órgãos subordinados a respeito da aplicação da lei no âmbito administrativo. Se o contribuinte estiver na iminência de sofrer lançamento fiscal por suposto descumprimento da legislação, ele poderá impetrar mandado de segurança contra a exigência que considera indevida. Ocorre que, neste caso, a autoridade coatora é aquela que tem competência para o lançamento ex officio. O Secretário de Estado da Fazenda não tem competência para fazer lançamento tributário. Logo, ele é parte ilegítima. A autoridade coatora desempenha duas funções no mandado de segurança: a) uma, internamente, de natureza processual, consistente em defender o ato impugnado pela impetração; trata-se de hipótese excepcional de legitimidade ad processum, em que o órgão da pessoa jurídica, não o representante judicial desta, responde ao pedido inicial; b) outra, externamente, de natureza executiva, vinculada à sua competência administrativa; ela é quem cumpre a ordem judicial. A legitimação da autoridade coatora deve ser aferida à base das duas funções acima descritas; só o órgão capaz de as cumprir pode ser a autoridade coatora.

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Por essa razão, o Secretário de Estado da Fazenda não possui legitimidade para figurar, como autoridade coatora, em mandado de segurança que visa afastar exigência fiscal supostamente ilegítima considerando que ele não competência para a prática de lançamento fiscal. Poderia ser aplicada, no caso, a teoria da encampação? NÃO. Não se aplica ao caso a teoria da encampação, pois a indevida presença do Secretário de Estado da Fazenda, no polo passivo do mandado de segurança, implicou modificação da competência jurisdicional, disciplinada pela Constituição do Estado da Paraíba. Explicando melhor: se o mandado de segurança fosse impetrado contra o Auditor Fiscal de Tributos (“Fiscal da SEFAZ”), a competência para julgá-lo seria do juízo de 1ª instância; por outro lado, a CE/PB prevê que a competência para julgar mandado de segurança contra ato do Secretário de Estado é do Tribunal de Justiça. Conforme entende o STJ:

(...) Revela-se incabível falar em aplicação da teoria da encampação, uma vez que a indevida presença do Secretário da Fazenda no polo passivo do Mandado de Segurança modificaria a regra de competência jurisdicional disciplinada pela Constituição do Estado. (...) STJ. 1ª Turma. AgInt no RMS 56.103/MG, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 23/08/2018.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Havendo convênio entre a Defensoria Pública e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando

não houver defensor público para a causa, os honorários advocatícios podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento. ( )

2) O art. 15 da Lei n. 12.651/2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente no cálculo do percentual de instituição da reserva legal do imóvel, não retroage para alcançar situações consolidadas antes de sua vigência. ( )

3) (Juiz Federal TRF3 2018) Recentemente o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 4901, 4902, 4903, 4937 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade 42, as quais tratavam de diversos dispositivos da Lei nº 12.651/2012, denominada Código Florestal. De acordo com referido julgamento, marque verdadeiro ou falso: Embora tenha reconhecido a constitucionalidade da maior parte dos dispositivos do Código Florestal, o Supremo Tribunal Federal também admitiu que a redução da área de reserva legal prevista na norma estabeleceu um padrão de proteção ambiental inferior ao que existia antes de sua vigência, em afronta ao princípio da vedação ao retrocesso e em contrariedade ao artigo 225 da Constituição Federal. ( )

4) Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. ( )

5) (Analista Judiciário TRF2 2019 FCC) Renato ajuizou ação de cobrança contra ZWXY Construções Ltda., requerendo, na própria petição inicial, a desconsideração da sua personalidade jurídica, com a demonstração preliminar do preenchimento dos pressupostos legais específicos. Nesse caso, de acordo com o Código de Processo Civil, dispensa-se a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o processo não será suspenso. ( )

6) (Analista Judiciário TRF4 2019 FCC) Tereza ajuizou ação de indenização contra a empresa “XPTO Comércio de Produtos de Informática Ltda”. Ainda na fase instrutória do processo, requereu a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse caso, o juiz deverá deferir o pedido, suspendendo o processo, desde que o requerimento tenha demonstrado o preenchimento dos pressupostos legais específicos para a desconsideração da personalidade jurídica. ( )

7) (Analista Ministerial MPC/PA 2019 CEBRASPE) Com vistas a suspender episodicamente a eficácia do ato constitutivo de determinada empresa, João, credor de um dos sócios do empreendimento, ajuizou

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incidente de desconsideração da personalidade jurídica para tentar atingir a cota-parte do sócio devedor. Caso a ação de cobrança de João esteja em fase de cumprimento de sentença, o juiz deverá inadmitir o incidente. ( )

8) O ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem exclui a responsabilidade da concessionária/transportadora por danos causados aos passageiros. ( )

9) O prazo de cinco dias para pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, deve ser considerado de direito material, não se sujeitando, assim, à contagem em dias úteis, prevista no art. 219, caput, do CPC/2015. ( )

10) O juiz deve adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deve fornecer o material para exame de DNA, especialmente quando a presunção contida na Súmula 301/STJ se revelar insuficiente para resolver a controvérsia. ( )

11) É possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos. ( )

12) É cabível ação de exigir de contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito. ( )

13) As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC. ( )

14) (Promotor MP/GO 2019) Nos termos do artigo 178 da Constituição Federal da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. ( )

15) (Promotor MP/BA 2018) nos termos do artigo 178 da Constituição da República brasileira, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. ( )

16) (Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) Pela sua especificidade, as normas previstas no CDC têm prevalência em relação àquelas previstas nos tratados internacionais que limitam a responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros pelo desvio de bagagem, especialmente as Convenções de Varsóvia e de Montreal. ( )

17) É devida a cobertura, pela operadora de plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade. ( )

18) É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora. ( )

19) (Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) Renê firmou contrato de seguro de assistência à saúde e, anos depois, quando ele completou sessenta anos de idade, a seguradora reajustou o valor do seu plano de assistência com base em uma cláusula abusiva. Por essa razão, Renê pretende ajuizar ação visando à declaração de nulidade da cláusula de reajuste e à condenação da contratada em repetição de indébito referente a valores pagos em excesso. De acordo com entendimento jurisprudencial do STJ, nessa situação hipotética, as parcelas vencidas e pagas em excesso estão sujeitas à A) prescrição de três anos, porque se trata de hipótese de enriquecimento sem causa da empresa contratada. B) prescrição de um ano, por se tratar de um contrato de seguro. C) prescrição de dois anos, porque, apesar de se tratar de um contrato de seguro, o requerente é idoso. D) prescrição de cinco anos, por envolver valores líquidos e certos. E) imprescritibilidade, por ser essa uma relação jurídica de trato sucessivo.

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20) A norma mais benéfica do art. 104, III, da Lei n. 11.101/2005, que não exige mais autorização judicial, mas apenas a comunicação justificada sobre mudança de residência do sócio, inclusive para o exterior, pode ser aplicada às quebras anteriores à sua vigência. ( )

21) O juízo especializado da Justiça da Infância e da Juventude é competente para o cumprimento e a efetivação do montante sucumbencial por ele arbitrado. ( )

22) Em ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima daquele fixado em lei, não é admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando, a despeito da repetitividade da matéria, não há tese jurídica fixada em precedente vinculante. ( )

23) (Analista Jurídico DPE/AM 2019 FCC) O juiz, em seu primeiro contato com petição inicial que discute matéria exclusivamente de direito (sendo, portanto, dispensada a instrução probatória), verifica que o pedido do autor está em divergência com o entendimento pacificado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidado pela edição de uma súmula. Nessa situação, o Código de Processo Civil determina que o magistrado julgue liminarmente improcedente o pedido. ( )

24) (Defensor Público DPE/MA 2018 FCC) A improcedência liminar do pedido é a medida a ser imposta quando for constatada, de plano, a prescrição ou a decadência. ( )

25) Ainda que citado pessoalmente na fase de conhecimento, é devida a intimação por carta do réu revel, sem procurador constituído, para o cumprimento de sentença. ( )

26) (Promotor MP/CE 2020 CEBRASPE) Considere que João tenha requerido o cumprimento de sentença que condenou Marcela a lhe pagar a quantia de cem mil reais. Nesse caso, o Código de Processo Civil (CPC) permite que a devedora seja intimada na pessoa de seu advogado, devidamente constituído nos autos, por meio de publicação no Diário da Justiça, para cumprir a sentença. ( )

27) O acréscimo de 10% de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015, quando não ocorrer o pagamento voluntário no cumprimento de sentença, não admite relativização. ( )

28) (Juiz Federal TR3 2018) Em se tratando de quantia certa, não ocorrendo o pagamento voluntário no prazo legal, o débito será acrescido de multa e de honorários advocatícios, ambos no percentual de dez por cento (10%) cada. ( )

29) (PGE/TO 2018 FCC) Em relação ao cumprimento definitivo da sentença que obrigue a pagar quantia certa, se o pagamento voluntário não ocorrer no prazo legal, o débito será acrescido de multa de 10% e honorários advocatícios de 15% se houver impugnação futura que se julgue improcedente. ( )

30) Compete ao juízo da execução realizar a alienação judicial eletrônica, ainda que o bem esteja situado em comarca diversa. ( )

31) A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas. ( )

32) Compete à Justiça Estadual o pedido de habeas corpus preventivo para viabilizar, para fins medicinais, o cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis (maconha), bem como porte em outra unidade da federação, quando não demonstrada a internacionalidade da conduta. ( )

33) Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda. ( )

34) A Recomendação 62/2020 do CNJ não é aplicável ao acusado que não está privado de liberdade no sistema penal brasileiro. ( )

35) O Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de segurança que visa evitar a prática de lançamento fiscal. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. C 5. C 6. C 7. E 8. E 9. C 10. C

11. C 12. C 13. C 14. C 15. C 16. E 17. C 18. C 19. Letra A 20. C

21. C 22. C 23. C 24. C 25. C 26. C 27. C 28. C 29. E 30. C

31. C 32. C 33. C 34. C 35. C