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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 ATUALIZADO O informativo foi corrigido porque havia um erro na explicação do EAREsp 1.402.331-PE Informativo comentado: Informativo 679-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR Mandado de injunção é via imprópria para pleitear a regulamentação do direito militar de ascensão funcional do quadro especial do Exército Brasileiro. DIREITO CIVIL ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O valor a ser restituído ao devedor fiduciante, quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito, deve ser o valor do veículo na Tabela FIPE à época da busca e apreensão. USUCAPIÃO Após a citação, é possível a mera juntada da planta e do memorial descritivo, sem a anuência do demandado, desde que não implique em alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. DIVÓRCIO Em dissolução de vínculo conjugal, é possível a partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento irregular, quando ausente a má-fé dos possuidores. DIREITO DO CONSUMIDOR PRÁTICAS ABUSIVAS É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta (informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade. DIREITO EMPRESARIAL PROPRIEDADE INDUSTRIAL É ilegal a Resolução nº 113/2013 do INPI que afasta a aplicação do direito de restauração de patente, previsto no art. 87 da Lei nº 9.279/96, para as hipóteses de inadimplemento superior uma retribuição anual. RECUPERAÇÃO JUDICIAL O crédito decorrente das astreintes aplicadas no bojo de processo trabalhista deve ser habilitado na recuperação judicial na classe dos quirografários, e não na dos créditos trabalhistas. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PROTEÇÃO CÍVEL É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena. GUARDA Sentença que afastou criança do lar não impede pedido judicial de guarda pela mesma família.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

ATUALIZADO O informativo foi corrigido porque

havia um erro na explicação do EAREsp 1.402.331-PE

Informativo comentado: Informativo 679-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR ▪ Mandado de injunção é via imprópria para pleitear a regulamentação do direito militar de ascensão funcional do

quadro especial do Exército Brasileiro.

DIREITO CIVIL

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ▪ O valor a ser restituído ao devedor fiduciante, quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e

apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito, deve ser o valor do veículo na Tabela FIPE à época da busca e apreensão.

USUCAPIÃO ▪ Após a citação, é possível a mera juntada da planta e do memorial descritivo, sem a anuência do demandado, desde

que não implique em alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. DIVÓRCIO ▪ Em dissolução de vínculo conjugal, é possível a partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento

irregular, quando ausente a má-fé dos possuidores.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS ABUSIVAS ▪ É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. ▪ Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta (informação

disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade.

DIREITO EMPRESARIAL

PROPRIEDADE INDUSTRIAL ▪ É ilegal a Resolução nº 113/2013 do INPI que afasta a aplicação do direito de restauração de patente, previsto no

art. 87 da Lei nº 9.279/96, para as hipóteses de inadimplemento superior uma retribuição anual. RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ O crédito decorrente das astreintes aplicadas no bojo de processo trabalhista deve ser habilitado na recuperação

judicial na classe dos quirografários, e não na dos créditos trabalhistas.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

PROTEÇÃO CÍVEL ▪ É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais

possuem origem indígena. GUARDA ▪ Sentença que afastou criança do lar não impede pedido judicial de guarda pela mesma família.

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DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR ▪ Processo em que foi decretada a destituição do poder familiar não pode ser anulado por falta de citação de suposto

pai com identidade ignorada. DIREITO AMBIENTAL

CÓDIGO FLORESTAL ▪ O cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta deve ser regido pelo Código Florestal vigente à época da

celebração do acordo. ▪ Compensação ambiental feita no mesmo bioma, mas fora da mesma bacia hidrográfica.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PRINCÍPIOS ▪ O dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º,

VI, do CPC/2015, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado?

COMPETÊNCIA (OUTROS TEMAS) ▪ Compete às Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ (especializada em direito privado) apreciar recurso em

que se discute ressarcimento pelo desconto de mensalidades de plano de saúde cobradas em fatura de energia elétrica.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ▪ A inversão do ônus probatório leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples

faculdade, sujeita as consequências processuais advindas da não produção da prova. RECURSOS (NOÇÕES GERAIS) ▪ É devido o pagamento de honorários advocatícios recursais quando o acórdão recorrido for publicado na vigência

do CPC/2015, mesmo que a sentença tenha sido proferida sob a égide do CPC/1973. PROCESSO COLETIVO / JUIZADOS ESPECIAIS ▪ Não é possível ajuizar cumprimento de sentença no Juizado Especial da Fazenda Pública para executar

individualmente título judicial oriundo de ação coletiva, ainda que o valor individual cobrado seja inferior a 60 SM.

DIREITO PENAL

HOMICÍDIO ▪ A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de homicídio pela valoração

negativa das consequências do crime. AGRAVANTES ▪ Não se aplica a agravante do art. 61, II, “h”, do CP ao furto praticado aleatoriamente em residência sem a presença

do morador idoso.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO ▪ Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em

flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento).

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DIREITO ADMINISTRATIVO

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR Mandado de injunção é via imprópria para pleitear a regulamentação do

direito militar de ascensão funcional do quadro especial do Exército Brasileiro

Determinado militar impetrou mandado de injunção contra o Comandante do Exército afirmando que ele estaria sendo omisso ao não regulamentar o direito de promoção do quadro especial do Exército Brasileiro.

Não cabe mandado de injunção neste caso.

Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora.

O mandado de injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional e, muito menos, de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União.

Constata-se que não cabe ao Comandante do Exército, por ato infralegal, nem por iniciativa própria, inovar no ordenamento jurídico quanto à promoção de militares das Forças Armadas, sob pena de violação ao art. 61, § 1º, II, “f”, da Constituição Federal. A Carta Magna exige lei ordinária ou complementar, de iniciativa do Presidente da República, para tratar de promoções, entre outros direitos, aos militares das Forças Armadas.

Além disso, o direito à promoção hierárquica no âmbito do Quadro Especial do Exército não está assegurado na Constituição Federal.

STJ. Corte Especial. MI 324-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/02/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, militar, impetrou mandado de injunção contra o Comandante do Exército afirmando que ele estaria sendo omisso ao não regulamentar o direito de promoção do quadro especial do Exército Brasileiro. O impetrante pediu para que fosse fixado prazo para que o Comandante do Exército editasse norma disciplinando o direito militar de promoção do Quadro Especial do Exército Brasileiro. E, por analogia, que, fosse aplicada a Lei nº 12.158/2009, permitindo ao impetrante sua ascensão funcional conforme assegurado aos Taifeiros do Comando da Aeronáutica, até que seja publicada lei específica. De quem é a competência para julgar esse mandado de injunção? Do STJ, nos termos do art. 105, I, “h”, da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

O que é o mandado de injunção? Mandado de injunção é... - uma ação (instrumento processual) - de cunho constitucional (remédio constitucional) - que pode ser proposta por qualquer interessado

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

- com o objetivo de tornar viável o exercício de - direitos e liberdades constitucionais ou - de prerrogativas relacionadas com nacionalidade, soberania ou cidadania - e que não estão sendo possíveis de ser exercidos - em virtude da falta, total ou parcial, de norma regulamentando estes direitos. “O mandado de injunção (MI) é instrumento processual instituído especialmente para fiscalizar e corrigir, concretamente, as omissões do Poder Público em editar as normas necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, da Constituição).” (BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo II - Direito Constitucional Positivo. 5ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 230). Veja como este instrumento foi previsto na CF/88 e na Lei nº 13.300/2016:

Art. 5º (...) LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

Art. 2º Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente.

Cabe mandado de injunção no caso acima detalhado? NÃO. Não cabe mandado de injunção neste caso. Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de direito previsto na Constituição Federal que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O mandado de injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional e, muito menos, de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União. Constata-se que não cabe ao Comandante do Exército, por ato infralegal, nem por iniciativa própria, inovar no ordenamento jurídico quanto à promoção de militares das Forças Armadas, sob pena de violação ao art. 61, § 1º, II, “f”, da Constituição Federal. A Carta Magna exige lei ordinária ou complementar, de iniciativa do Presidente da República, para tratar de promoções, entre outros direitos, aos militares das Forças Armadas. Além disso, o direito à promoção hierárquica no âmbito do Quadro Especial do Exército não está assegurado na Constituição Federal. Em suma:

Mandado de injunção é via imprópria para pleitear a regulamentação do direito militar de ascensão funcional do quadro especial do Exército Brasileiro STJ. Corte Especial. MI 324-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/02/2020 (Info 679).

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DIREITO CIVIL

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O valor a ser restituído ao devedor fiduciante, quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito, deve ser o

valor do veículo na Tabela FIPE à época da busca e apreensão

Importante!!!

Os arts. 2º e 3º do DL 911/69 preveem que, após a execução da liminar de busca e apreensão do bem, o devedor terá o prazo de 5 dias para pagar a integralidade da dívida pendente, oportunidade em que o bem lhe será restituído sem o respectivo ônus. No entanto, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor.

Consolidado o bem no patrimônio do credor, estará ele investido em todos os poderes inerentes à propriedade, podendo vender o bem. Se, contudo, efetivar a venda e a sentença vier a julgar improcedente o pedido, o risco do negócio é seu, devendo ressarcir os prejuízos que o devedor fiduciante sofrer em razão da perda do bem.

Privado indevidamente da posse de seu veículo automotor, a composição do prejuízo do devedor fiduciante deve traduzir-se no valor de mercado do veículo no momento de sua apreensão indevida (valor do veículo na Tabela FIPE à época da ocorrência da busca e apreensão). Isso porque é indiscutível que tal valor é o que melhor exprime o montante do desequilíbrio financeiro sofrido pelo devedor fiduciante.

Saliente-se que a tabela FIPE é comumente utilizada para pesquisa do preço médio de veículos e serve como balizador de valores dos veículos automotores terrestres, considerando, inclusive, os diversos fatores de depreciação existentes.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.742.897-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: João comprou um carro mediante alienação fiduciária em 60 parcelas. João ficará andando no veículo, mas a propriedade resolúvel é do Banco que lhe emprestou o dinheiro. Quando o adquirente terminar de pagar as prestações do mútuo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a João. Inadimplemento Ocorre que João passou a atrasar o pagamento das prestações Diante disso, o banco credor ingressou com ação de busca e apreensão requerendo que lhe fosse entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). O juiz concedeu a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), conforme determina o art. 3º do DL 911/69. Apreensão e venda O bem foi apreendido e entregue ao banco. Em seguida, o banco efetuou a venda do carro por R$ 30 mil. Vale ressaltar que, conforme ocorre na prática, o veículo foi vendido por preço abaixo da tabela FIPE. No caso concreto, esse veículo, no momento da apreensão, custava R$ 40 mil segundo a tabela FIPE.

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Abrindo um parêntese: Tabela FIPE FIPE é a sigla de “Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas”, uma organização de direito privado ligada ao Departamento de Economia da USP. Esta fundação elabora, mensalmente, uma tabela prevendo os preços médios dos veículos usados que são vendidos no mercado nacional. Ex: segundo a tabela FIPE, um Fiat Palio City 1.0 4p, ano 2000, custa em, em julho de 2016, R$ 10.435,00. Os valores estabelecidos na tabela variam em função da região, conservação, cor, acessórios ou qualquer outro fator que possa influenciar as condições de oferta e procura por um veículo específico. Vale ressaltar que o preço dos carros, em regra, vai diminuindo com o passar dos meses. Ex: em maio de 2016, o valor do mesmo Fiat Palio City 1.0 4p, ano 2000, era de R$ 10.516,00 na tabela FIPE. Já em julho de 2016, caiu para R$ 10.435,00, como vimos acima. As seguradoras utilizam a Tabela FIPE para determinar o valor do automóvel segurado. Voltando ao caso concreto: O banco recorreu alegando que o magistrado não poderia ter deferido a busca e apreensão considerando que o banco não fez a notificação extrajudicial do devedor antes do ajuizamento da ação. Logo, não foi comprovada a mora do devedor, conforme exige o STJ:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

Provimento do recurso e ressarcimento do devedor O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso do banco e extinguiu a ação de busca e apreensão sem resolução do mérito sob o argumento de que a comprovação da mora representa pressuposto de desenvolvimento válido do processo. Como consequência, o TJ determinou que o banco devolvesse a João o valor do carro (já foi alienado extrajudicialmente). Até aí, tudo bem. O ponto nevrálgico foi o seguinte: O banco terá que restituir o valor obtido com a venda (R$ 30 mil) ou o valor do veículo segundo a tabela FIPE no momento da apreensão (R$ 40 mil)? O valor do veículo segundo a tabela FIPE. Os arts. 2º e 3º do DL 911/69 preveem que, após a execução da liminar de busca e apreensão do bem, o devedor terá o prazo de 5 dias para pagar a integralidade da dívida pendente, oportunidade em que o bem lhe será restituído sem o respectivo ônus. No entanto, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor. Consolidado o bem no patrimônio do credor, estará ele investido em todos os poderes inerentes à propriedade, podendo vender o bem. Se, contudo, efetivar a venda e a sentença vier a julgar improcedente o pedido, o risco do negócio é seu, devendo ressarcir os prejuízos que o devedor fiduciante sofrer em razão da perda do bem. Como ficou decidido que o devedor fiduciante foi privado indevidamente da posse de seu veículo automotor, o ressarcimento do prejuízo deve traduzir-se no valor de mercado do automóvel no momento de sua apreensão indevida (valor do veículo na Tabela FIPE à época da ocorrência da busca e apreensão). Isso porque é indiscutível que tal valor é o que melhor exprime o montante do desequilíbrio financeiro sofrido pelo devedor fiduciante. Saliente-se que a tabela FIPE é comumente utilizada para pesquisa do preço médio de veículos e serve como balizador de valores dos veículos automotores terrestres, considerando, inclusive, os diversos fatores de depreciação existentes.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7

Em suma:

O valor a ser restituído ao devedor fiduciante, quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito, deve ser o valor do veículo na Tabela FIPE à época da busca e apreensão. STJ. 3ª Turma. REsp 1.742.897-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

USUCAPIÃO Após a citação, é possível a mera juntada da planta e do memorial descritivo, sem a anuência do

demandado, desde que não implique em alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião

É admissível a determinação de emenda à petição inicial, mesmo após a citação do réu e a apresentação de defesa, quando não houver alteração no pedido ou na causa de pedir.

Eventuais alterações no memorial descritivo do imóvel podem ser feitas unilateralmente antes da angularização da relação jurídico-processual ou, depois da citação, somente com a anuência explícita do réu.

Não há como concluir que a mera juntada da planta e do memorial descritivo georreferenciado implicou alteração objetiva da demanda, ou seja, do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião.

No caso concreto, não houve prejuízo aos litigantes, visto que, depois da apresentação dos documentos, o magistrado de primeiro grau determinou a intimação do demandado, dos confinantes e das Fazendas Públicas, em observância ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.685.140-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2010, João ajuizou ação de usucapião de um imóvel rural contra Pedro. O CPC/1973 exigia expressamente que, na ação de usucapião, o autor juntasse, na petição inicial, a planta do imóvel:

CPC/1973 Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.

Vale ressaltar, ainda, que o § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) estabelece que, nas ações judiciais que versem acerca de imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA. Ocorre que João não juntou a planta na petição inicial. Pedro e os confinantes do imóvel foram citados. O advogado de João percebeu, então, que não havia cumprido a determinação legal e, por isso, apresentou petição anexando a planta do imóvel e o memorial descritivo. O juiz determinou a intimação de Pedro, dos confinantes do imóvel e das Fazendas Públicas para se manifestarem sobre a juntada.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

Pedro requereu a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC/1973 (art. 485, IV, do CPC/2015, em virtude da impossibilidade de aditar a inicial após a citação e apresentação de contestação, nos termos do art. 264 do CPC/1973 (art. 329 do CPC/2015):

CPC/1973 CPC/2015

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.

Art. 329. O autor poderá: I - até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu; II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.

João poderia ter feito a referida juntada mesmo já tendo ocorrido a citação? SIM. Isso porque essa juntada não significou alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. Não há como concluir que a mera juntada da planta e do memorial descritivo georreferenciado implicou alteração objetiva da demanda, ou seja, do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. No caso concreto, não houve prejuízo aos litigantes, visto que, depois da apresentação dos documentos, o magistrado de primeiro grau determinou a intimação do demandado, dos confinantes e das Fazendas Públicas, em observância ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. O STJ entende que “é admissível a determinação de emenda à petição inicial, mesmo após a citação do réu e a apresentação de defesa, quando não houver alteração no pedido ou na causa de pedir (REsp 1.698.716/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/9/2018). Em suma:

Após a citação, é possível a mera juntada da planta e do memorial descritivo, sem a anuência do demandado, desde que não implique em alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. STJ. 3ª Turma. REsp 1.685.140-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

DIVÓRCIO Em dissolução de vínculo conjugal, é possível a partilha de direitos possessórios sobre bem

edificado em loteamento irregular, quando ausente a má-fé dos possuidores

Atenção! DPE

Importante!!!

Caso concreto: em um processo de divórcio litigioso, foi reconhecido que seria possível a partilha dos direitos possessórios sobre um imóvel localizado em área irregular.

Em alguns casos, a falta de regularização do imóvel que se pretende partilhar não ocorre por má-fé ou desinteresse das partes, mas por outras razões, como a incapacidade do poder público de promover a formalização da propriedade ou, até mesmo, pela hipossuficiência das pessoas para dar continuidade aos trâmites necessários para a regularização. Nessas situações, os titulares dos direitos possessórios devem sim receber a tutela jurisdicional.

A melhor solução para tais hipóteses é admitir a possibilidade de partilha dos direitos possessórios sobre o bem edificado em loteamento irregular, quando não for identificada má-fé dos possuidores.

Essa medida faz com que resolva de forma imediata a questão da dissolução do vínculo conjugal, relegando a um segundo momento as eventuais discussões acerca da regularidade e da formalização da propriedade sobre o bem imóvel.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.739.042-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: Francisca ajuizou ação de divórcio litigioso contra Pedro. No momento da prolação da sentença, constatou-se que o único bem do casal a ser partilhado era uma casa localizada em um loteamento irregular e que, por essa razão, não se encontrava devidamente regularizada no cartório de registro de imóveis. Diante disso, indaga-se: será possível a partilha dos direitos sobre esse bem? SIM. Será possível a partilha dos direitos possessórios sobre esse imóvel mesmo ele estando localizado em área irregular. Em alguns casos, a falta de regularização do imóvel que se pretende partilhar não ocorre por má-fé ou desinteresse das partes, mas por outras razões, como a incapacidade do poder público de promover a formalização da propriedade ou, até mesmo, pela hipossuficiência das pessoas para dar continuidade aos trâmites necessários para a regularização. Nessas situações, os titulares dos direitos possessórios devem sim receber a tutela jurisdicional. A melhor solução para tais hipóteses é admitir a possibilidade de partilha dos direitos possessórios sobre o bem edificado em loteamento irregular, quando não for identificada má-fé dos possuidores. Essa medida faz com que resolva de forma imediata a questão da dissolução do vínculo conjugal, relegando a um segundo momento as eventuais discussões acerca da regularidade e da formalização da propriedade sobre o bem imóvel. Em suma:

Em dissolução de vínculo conjugal, é possível a partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento irregular, quando ausente a má-fé dos possuidores. STJ. 3ª Turma. REsp 1.739.042-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS ABUSIVAS É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças

Importante!!!

A decisão de comprar gêneros alimentícios cabe aos pais, especialmente em época de altos e preocupantes índices de obesidade infantil, um grave problema nacional de saúde pública.

Diante disso, consoante o art. 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, estão vedadas campanhas publicitárias que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil.

Se criança, no mercado de consumo, não exerce atos jurídicos em seu nome e por vontade própria, por lhe faltar poder de consentimento, tampouco deve ser destinatária de publicidade que, fazendo tábula rasa da realidade notória, a incita a agir como se plenamente capaz fosse.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.613.561-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/04/2017 (Info 679).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Em 2007, na época dos Jogos Pan-Americanos, a Sadia fez uma campanha publicitária direcionada ao público infanto-juvenil, na qual incentivava as crianças a trocarem os selos impressos nas embalagens de produtos da empresa por mascotes de pelúcia uniformizados, mediante o pagamento de R$ 3,00. Em outras palavras, nas embalagens dos produtos da empresa havia selos e se o consumidor juntasse determinada quantidade poderia trocar por bichinhos de pelúcia. O Procon de São Paulo multou a Sadia em R$ 428 mil alegando que a campanha incentivaria as crianças a consumidor produtos industrializados calóricos, que comprometem a alimentação saudável e podem trazer prejuízos à saúde. A Sadia ajuizou ação anulatória do auto de infração argumentando que não existe proibição no ordenamento jurídico de publicidade dirigida a crianças. O TJSP concordou com a tese da empresa e afirmou que não houve excessos nem indução a comportamentos prejudiciais à saúde ou à segurança pessoal. Além disso, considerou que a decisão sobre a compra dos produtos alimentícios seria dos pais ou responsáveis, e não diretamente das crianças. O Procon de SP – que tem a natureza jurídica de fundação – recorreu ao STJ. O STJ concordou com a autuação feita pelo Procon? Houve publicidade abusiva? SIM.

É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. STJ. 2ª Turma. REsp 1.613.561-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/04/2017 (Info 679).

Publicidade ilícita Publicidade ilícita é toda aquela que viola os deveres jurídicos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor para a realização, produção e divulgação de mensagens publicitárias. Existem duas espécies de publicidade ilícita: a) publicidade enganosa: é aquela que viola o dever de veracidade e clareza estabelecidos pelo CDC. Está conceituada nos §§ 1º e 3º do art. 37 do CDC, que veremos mais abaixo. b) publicidade abusiva: é aquela que viola valores ou bens jurídicos considerados socialmente relevantes (tais como meio ambiente, segurança e integridade dos consumidores), assim como a que se caracteriza pelo apelo indevido a vulnerabilidade agravada de determinados consumidores, como crianças e idosos. Está disciplinada no § 2º do art. 37:

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Art. 37 (...) § 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Veja mais em: MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 278).

PUBLICIDADE ILÍCITA

Publicidade ENGANOSA Publicidade ABUSIVA

É a publicidade falsa ou que possa induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Pode ser: • por comissão: quando o fornecedor faz uma afirmação não verdadeira, parcial ou total, sobre o produto ou serviço; • por omissão: que é quando deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

É a publicidade... • discriminatória; • que incita violência; • que explora o medo ou a superstição; • que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança; • que desrespeita valores ambientais • que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

O CDC proíbe tanto a publicidade enganosa como a abusiva (art. 37, caput, do CDC). Mas, em provas de concurso, é comum a tentativa de confundir os dois conceitos:

(Promotor MP/SC 2019) A Lei Federal n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) proíbe a publicidade enganosa, definida, exemplificativamente, como a publicidade que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (ERRADO. Isso é publicidade abusiva)

Vale ressaltar que, em alguns casos, uma publicidade pode ser enganosa e também abusiva. Veja esta questão de prova:

(Juiz TJ/AL 2019 FCC) Para vender a roupa do herói Megaman, seu fabricante veicula anúncio na TV em que um ator sai voando pela janela e salva uma criança e seu cachorro em um imóvel pegando fogo. Essa publicidade, quando vista por crianças, (A) é apenas enganosa, pois não é possível que uma publicidade seja ao mesmo tempo abusiva e enganosa pelas normas do CDC. (B) é somente abusiva, pelo induzimento ao comportamento perigoso, pois toda criança saberá discernir o conteúdo falso do ator voando pela janela. (C) será só abusiva, pois esta engloba a publicidade enganosa no conceito mais amplo da periculosidade da conduta e do aproveitamento da falta de experiência dos infantes. (D) é simultaneamente abusiva e enganosa; abusiva por eventualmente induzir a comportamento perigoso, por deficiência de julgamento e de experiência, e enganosa pelo conteúdo não verdadeiro de pessoa voando no salvamento publicitário. (E) é lícita, pois além do aspecto lúdico não pode haver jamais restrições à liberdade de expressão, o que inclui a veiculação publicitária lastreada na fantasia.

Gabarito: letra D

No caso concreto acima analisado, a campanha violou o art. 37, § 2º do CDC, que preconiza:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

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(...) § 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Não há dúvidas de que a decisão de comprar, ou não, o alimento é dos pais. No entanto, a propaganda acaba incentivando, indiretamente, que as crianças peçam os produtos dos pais. Vale ressaltar que vivemos uma época de altos e preocupantes índices de obesidade infantil, um grave problema nacional de saúde pública. Diante disso, consoante o art. 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, estão vedadas campanhas publicitárias que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil. Se criança, no mercado de consumo, não exerce atos jurídicos em seu nome e por vontade própria, por lhe faltar poder de consentimento, tampouco deve ser destinatária de publicidade que, fazendo tábula rasa da realidade notória, a incita a agir como se plenamente capaz fosse.

PRÁTICAS ABUSIVAS Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta

(informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade

Viola os princípios da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva, da transparência e da confiança prestar informação por etapas e, assim, compelir o consumidor à tarefa impossível de juntar pedaços informativos esparramados em mídias, documentos e momentos diferentes.

Cada ato de informação é analisado e julgado em relação a si mesmo, pois absurdo esperar que, para cada produto ou serviço oferecido, o consumidor se comporte como Sherlock Holmes improvisado e despreparado à busca daquilo que, por dever ope legis inafastável, incumbe somente ao fornecedor. Seria transformar o destinatário-protegido, à sua revelia, em protagonista do discurso mercadológico do fornecedor, atribuindo e transferindo ao consumidor missão de vasculhar o universo dos meios de comunicação para ter uma informação completa.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.802.787-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/10/2019 (Info 679).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: O Habib´s divulgou publicidade na internet na qual anunciava a seguinte promoção: o preço normal da coxinha é R$ 1,50. No entanto, se você comprar 30 unidades, o preço individual passa a ser R$ 0,49. Até aí, tudo bem. O problema foi que essa promoção não era válida para todas as lojas do grupo e não houve um aviso objetivo e claro informando isso. Em razão dessa omissão, o Procon/SP autuou a empresa por publicidade enganosa. Agiu corretamente o Procon? Houve publicidade enganosa? SIM. A publicidade enganosa pode ser de duas espécies: a) comissiva; ou b) omissiva.

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Publicidade enganosa por COMISSÃO: Ocorre quando o fornecedor faz uma afirmação não verdadeira, parcial ou total, sobre o produto ou serviço, capaz de induzir o consumidor em erro (art. 37, § 1º, do CDC):

Art. 37 (...) § 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Publicidade enganosa por OMISSÃO: Ocorre quando a publicidade deixa de informar dado essencial do produto ou serviço, também induzindo o consumidor em erro por deixar de esclarecer elementos fundamentais (art. 37, § 3º, do CDC):

Art. 37 (...) § 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

No caso, houve publicidade enganosa por omissão. O anúncio referente ao produto oferecido (coxinha) não foi acompanhado por um aviso objetivo e claro das unidades participantes. Essa lacuna fez com que os consumidores considerassem que todas as unidades estariam participando, induzindo-os em flagrante equívoco. O fornecedor tem a obrigação legal de assegurar ao consumidor informações ostensivas, claras e precisas na oferta, publicitária ou não, nos termos do art. 31 do CDC:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Esse dever de informação se mostra ainda mais forte em se tratando de publicidade que possa atingir pessoas de baixa renda, exigindo do fornecedor comportamento eficaz, pró-ativo e leal. O dever de informação exige comportamento positivo e ativo do fornecedor. Isso porque o CDC rechaça a chamada regra caveat emptor* e também não aceita que o silêncio equivalha à informação. Ao contrário. O silêncio é considerado como “patologia repreensível”, sendo interpretado em desfavor do fornecedor, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão, punida civil, administrativa e criminalmente pelo CDC. * Caveat emptor Caveat emptor é uma locação em latim que, se traduzida literalmente, seria algo como “comprador, tome seus cuidados”. A regra do caveat emptor significa que o cliente (o comprador ou tomador de serviços) é quem deve tomar os cuidados de se informar no momento da contratação para se resguardar de eventuais danos. Assim, o cliente que teria o ônus de perguntar tudo do fornecedor e, se ele não perguntasse, teria que arcar com as consequências disso. O CDC não aceita essa regra do caveat emptor. O CDC afirma que o consumidor tem o direito de ser informado:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...)

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III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Isso significa que o fornecedor tem o dever de informação, ou seja, o CDC exige um comportamento positivo e ativo do fornecedor de explicar o produto ou serviço ao consumidor, mesmo que não tenha sido provocado. Se a empresa posteriormente complementar a informação isso serve para exonerar ou mitigar a enganosidade? NÃO.

Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta (informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade. STJ. 2ª Turma. REsp 1.802.787-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/10/2019 (Info 679).

Viola os princípios da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva, da transparência e da confiança prestar informação por etapas e, assim, compelir o consumidor à tarefa impossível de juntar pedaços informativos esparramados em mídias, documentos e momentos diferentes. Cada ato de informação é analisado e julgado em relação a si mesmo, pois absurdo esperar que, para cada produto ou serviço oferecido, o consumidor se comporte como Sherlock Holmes improvisado e despreparado à busca daquilo que, por dever ope legis inafastável, incumbe somente ao fornecedor. Seria transformar o destinatário-protegido, à sua revelia, em protagonista do discurso mercadológico do fornecedor, atribuindo e transferindo ao consumidor missão de vasculhar o universo dos meios de comunicação para ter uma informação completa.

PLANO DE SAÚDE Em caso de morte do beneficiário, o cancelamento de plano de saúde só ocorre com a

comunicação à operadora

A eficácia do contrato de plano de saúde se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento da beneficiária, descabendo cobranças efetuadas em relação ao período posterior à comunicação e sendo viável que a notificação ocorra nos autos de processo cujo objeto seja o referido contrato.

A morte é fato jurídico superveniente que implica o rompimento do vínculo entre o beneficiário e a operadora do plano de saúde. Esse efeito, contudo, só produzirá efeitos para a operadora depois que ela tomar conhecimento de sua ocorrência. Isso significa que a eficácia do contrato se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento do beneficiário.

A Resolução ANS nº 412/2016, que versa sobre a solicitação de cancelamento do contrato do plano de saúde individual ou familiar pelo beneficiário titular, estabelece o efeito imediato do requerimento, a partir da ciência da operadora ou administradora de benefícios, e dispõe, por conseguinte, que só serão devidas, a partir de então, as contraprestações pecuniárias vencidas e/ou eventuais coparticipações devidas, nos planos em pré-pagamento ou em pós-pagamento, pela utilização de serviços realizados antes da solicitação (art. 15, II e III).

Embora o ato normativo indique as formas apropriadas ao pedido de cancelamento - presencial, por telefone ou pela internet, certo é que a notificação nos autos do processo cujo objeto é o próprio contrato de plano de saúde atinge a mesma finalidade, de tal modo que,

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constatada a ciência inequívoca da operadora sobre o falecimento da beneficiária, cessa, imediatamente, a obrigação assumida pelas partes.

Assim, reputam-se indevidas todas as cobranças efetuadas em relação ao período posterior à notificação da operadora do falecimento do beneficiário ao plano de saúde.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.879.005-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/08/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Regina, casados. João era usuário, na qualidade de titular, de plano de saúde empresarial. Regina, como esposa, era dependente no plano e também gozava da cobertura. Determinado dia, eles foram indevidamente desligados do plano. Diante disso, João e Regina ajuizaram ação de obrigação de fazer contra o plano pedindo para continuassem gozando da assistência à saúde, pagando as respectivas prestações mensais. Em fevereiro de 2015, o juiz concedeu tutela provisória de urgência determinando que: - João e Regina permanecessem pagando a mensalidade (que era R$ 1.000,00 para cada um); - o plano de saúde continuasse oferecendo a cobertura ao casal. Em agosto de 2015, antes que o processo fosse julgado, Regina morreu. Como a esposa faleceu, João passou a pagar apenas R$ 1.000,00 referente à sua cota no plano, deixando de pagar os R$ 1.000,00 relacionados com Regina. Em janeiro de 2016, João recebeu uma carta informando que o plano de saúde havia inserido seu nome no SERASA em razão de uma dívida de R$ 4.000,00 relacionada com 4 meses de plano de saúde atrasados (setembro/2015 a dezembro/2015). Esses meses atrasados são referentes às mensalidades que seriam devidas por Regina. No dia seguinte, João peticionou nos autos afirmando que essa cobrança de R$ 4.000,00 seria indevida tendo em vista que Regina havia morrido. Logo, desde a sua morte (em setembro/2015), não seria mais possível cobrar a mensalidade. O plano de saúde foi intimado sobre a petição de João. Neste caso hipotético, a partir de quando se pode considerar que o plano de saúde estava cancelado em relação à Regina, com a consequente cessão do pagamento das parcelas? A partir da data da comunicação do plano de saúde.

Em caso de morte do beneficiário, o cancelamento de plano de saúde só ocorre com a comunicação à operadora. STJ. 3ª Turma. REsp 1.879.005-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/08/2020 (Info 679).

A eficácia do contrato de plano de saúde se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento da beneficiária, descabendo cobranças efetuadas em relação ao período posterior à comunicação e sendo viável que a notificação ocorra nos autos de processo cujo objeto seja o referido contrato. A morte é fato jurídico superveniente que implica o rompimento do vínculo entre o beneficiário e a operadora do plano de saúde. Esse efeito, contudo, só produzirá efeitos para a operadora depois que ela tomar conhecimento de sua ocorrência. Isso significa que a eficácia do contrato se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento do beneficiário. A Resolução ANS nº 412/2016, que versa sobre a solicitação de cancelamento do contrato do plano de saúde individual ou familiar pelo beneficiário titular, estabelece o efeito imediato do requerimento, a partir da ciência da operadora ou administradora de benefícios, e dispõe, por conseguinte, que só serão devidas, a partir de então, as contraprestações pecuniárias vencidas e/ou eventuais coparticipações

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

devidas, nos planos em pré-pagamento ou em pós-pagamento, pela utilização de serviços realizados antes da solicitação (art. 15, II e III). Embora o ato normativo indique as formas apropriadas ao pedido de cancelamento - presencial, por telefone ou pela internet, certo é que a notificação nos autos do processo cujo objeto é o próprio contrato de plano de saúde atinge a mesma finalidade, de tal modo que, constatada a ciência inequívoca da operadora sobre o falecimento da beneficiária, cessa, imediatamente, a obrigação assumida pelas partes. Assim, reputam-se indevidas todas as cobranças efetuadas em relação ao período posterior à notificação da operadora do falecimento do beneficiário ao plano de saúde.

DIREITO EMPRESARIAL

PROPRIEDADE INDUSTRIAL É ilegal a Resolução nº 113/2013 do INPI que afasta a aplicação do direito de restauração de

patente, previsto no art. 87 da Lei nº 9.279/96, para as hipóteses de inadimplemento superior uma retribuição anual

Atenção! Juiz Federal!

Com o objetivo de fornecer recursos financeiros para o INPI, a Lei exigiu que o depositante do pedido de patente ou a pessoa que já seja titular da patente deverão pagar, anualmente, a partir do 3º ano, um valor chamado “retribuição anual” (art. 84 da LPI).

A falta do pagamento da retribuição acarreta a extinção da patente (art. 86).

O art. 87 da LPI prevê, como forma de preservar o direito do titular da patente, o instituto da restauração. Assim, esse artigo estabelece que, notificado do arquivamento do pedido ou da extinção da patente em razão do não pagamento da retribuição anual, o depositante ou o titular poderá, no prazo de três meses contados dessa notificação, restaurar o pedido ou a patente, por meio do pagamento de retribuição específica.

O art. 13 da Resolução nº 113/2013, do INPI, afasta a aplicação do art. 87 da Lei nº 9.279/96 nas hipóteses de inadimplemento em mais de uma retribuição anual.

A partir da análise sistemática da LPI, verifica-se que o INPI extrapolou seu poder disciplinar.

O referido ato infralegal vai além da disciplina estabelecida no art. 87 da LPI, restringindo o cabimento da restauração para hipóteses não definidas pela lei.

Enquanto o art. 87 da LPI permite ao titular ou ao depositante de patente requerer a restauração, dentro do período de 3 (três) meses a partir da notificação, a resolução do INPI limita a aplicação do instituto a um requisito não previsto na LPI - o inadimplemento não superior a uma retribuição anual.

Assim, é evidente que, ao afastar o direito de restauração de patente em hipóteses não previstas na lei, o INPI restringiu ilegalmente o direito de restauração.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.837.439-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

INPI O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, sendo responsável, no Brasil, pela concessão e garantia dos direitos de propriedade intelectual para a indústria.

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Patente Patente é um título de propriedade temporária concedido pelo INPI para a pessoa que inventou um novo produto, um novo processo ou para quem fez aperfeiçoamentos destinados à aplicação industrial. Em outras palavras, a patente é concedida ao autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade. Veja o que diz a Lei nº 9.279/96:

Art. 6º Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei.

Pedido junto ao INPI Em regra, a patente deverá ser requerida junto ao INPI pelo próprio autor, em nome próprio. Poderá também ser requerida pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo cessionário ou por aquele a quem a lei ou o contrato de trabalho ou de prestação de serviços determinar que pertença a titularidade (art. 6º, § 2º, da Lei nº 9.279/96). Retribuição anual Com o objetivo de fornecer recursos financeiros para o INPI, a Lei exigiu que o depositante do pedido de patente ou a pessoa que já seja titular da patente deverão pagar, anualmente, a partir do 3º ano, um valor chamado “retribuição anual”:

Art. 84. O depositante do pedido e o titular da patente estão sujeitos ao pagamento de retribuição anual, a partir do início do terceiro ano da data do depósito. § 1º O pagamento antecipado da retribuição anual será regulado pelo INPI. (...)

Assim, o pagamento da retribuição anual configura requisito imprescindível para que o titular de uma patente goze do monopólio, garantido pelo Estado, de exploração comercial do objeto patenteado durante o seu prazo de vigência. A retribuição anual é devida a partir do início do terceiro ano do depósito e deve ser paga nos três primeiros meses de cada período anual. Caso não ocorra tempestivamente, a retribuição pode ser realizada nos seis meses subsequentes, desde que acrescida de retribuição adicional, nos termos do art. 84 da Lei nº 9.279/96. O que acontece se a pessoa não pagar essa retribuição anual? A falta do pagamento da retribuição acarreta: • o arquivamento do pedido de patente (se o processo de concessão ainda estiver em tramitação); ou • a extinção da patente (caso ela já tenha sido concedida). É o que prevê o art. 86 da LPI:

Art. 86. A falta de pagamento da retribuição anual, nos termos dos arts. 84 e 85, acarretará o arquivamento do pedido ou a extinção da patente.

Instituto da restauração O art. 87 da LPI prevê, como forma de preservar o direito do titular da patente, o instituto da restauração. Assim, esse artigo estabelece que, notificado do arquivamento do pedido ou da extinção da patente em razão do não pagamento da retribuição anual, o depositante ou o titular poderá, no prazo de três meses contados dessa notificação, restaurar o pedido ou a patente, por meio do pagamento de retribuição específica:

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Art. 87. O pedido de patente e a patente poderão ser restaurados, se o depositante ou o titular assim o requerer, dentro de 3 (três) meses, contados da notificação do arquivamento do pedido ou da extinção da patente, mediante pagamento de retribuição específica.

Dessa forma, na hipótese de inadimplemento da retribuição anual, a notificação do arquivamento do pedido ou da extinção da patente é obrigatória, nos termos do art. 87. Não existe, portanto, a caducidade automática pela falta de pagamento de anuidade. Resolução 113/2013, do INPI O art. 13 da Resolução nº 113/2013, do INPI, afasta a aplicação do art. 87 da Lei nº 9.279/96 nas hipóteses de inadimplemento em mais de uma retribuição anual. Veja a sua redação:

Art. 13. Os pedidos de patente ou as patentes que estiverem inadimplentes em mais de uma retribuição anual serão arquivados ou extintos definitivamente, não se aplicando a esses casos a hipótese de restauração prevista no artigo 87 da LPI.

Essa previsão é válida? NÃO. A partir da análise sistemática da LPI, verifica-se que nesse art. 13 da Resolução nº 113/2013, o INPI extrapolou seu poder disciplinar. O referido ato infralegal vai além da disciplina estabelecida no art. 87 da LPI, restringindo o cabimento da restauração em uma hipótese não prevista na lei. Enquanto o art. 87 da LPI permite ao titular ou ao depositante de patente requerer a restauração, dentro do período de 3 (três) meses a partir da notificação, a resolução do INPI limita a aplicação do instituto a um requisito não previsto na LPI: o inadimplemento não superior a uma retribuição anual. Assim, é evidente que, ao afastar o direito de restauração de patente em hipóteses não previstas na lei, o INPI restringiu ilegalmente o direito de restauração. Em suma:

É ilegal a Resolução nº 113/2013 do INPI que afasta a aplicação do direito de restauração de patente, previsto no art. 87 da Lei nº 9.279/96, para as hipóteses de inadimplemento superior uma retribuição anual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.837.439-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

RECUPERAÇÃO JUDICIAL O crédito decorrente das astreintes aplicadas no bojo de processo trabalhista deve ser habilitado

na recuperação judicial na classe dos quirografários, e não na dos créditos trabalhistas

Importante!!!

As astreintes, fixadas no âmbito de uma reclamação trabalhista (concebidas como sanção pecuniária de natureza processual), não possuem origem, nem sequer indireta, no desempenho da atividade laboral do trabalhador.

A interpretação demasiadamente alargada à noção de “crédito trabalhista”, a pretexto de beneficiar determinado trabalhador, promove, em última análise, indesejado desequilíbrio no processo concursal de credores, sobretudo na classe dos trabalhistas, em manifesta violação ao princípio da par conditio creditorum.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.804.563-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

Imagine a seguinte situação hipotética: João, ex-empregado da Cerâmica Chiarelli S.A., ajuizou reclamação trabalhista contra a empresa. Durante o curso do processo, o juiz do trabalho ordenou que a empresa cumprisse determinada ordem judicial, sob pena de multa diária (astreintes) de R$ 5 mil. Como a empresa atrasou 4 dias para cumprir a ordem, ela foi multada em R$ 20 mil. Ao final, na sentença, o juiz condenou a empresa a pagar:

• R$ 100 mil, a título de verbas trabalhistas; e

• confirmou o pagamento de R$ 20 mil como astreintes. Assim, o título executivo (sentença trabalhista) corresponde a um total de R$ 120 mil. A sentença transitou em julgado. Ocorre que, logo depois, foi decretada a recuperação judicial da Cerâmica Chiarelli S.A. Diante disso, João habilitou seu crédito para ser recebido no processo de recuperação judicial. Vale ressaltar que João pediu para os R$ 120 mil serem habilitados como crédito de natureza trabalhista. A relevância disso está no fato de que os créditos trabalhistas possuem preferência em relação às outras classes de crédito. O pedido de João deve ser integralmente acolhido? Os R$ 120 mil deverão ser habilitados como crédito trabalhista? NÃO. Os R$ 100 mil devem ser habilitados como crédito trabalhista e os R$ 20 mil relativos às astreintes enquadram-se como créditos quirografários. Por quê? As astreintes possuem o propósito específico de coagir a parte a cumprir determinada obrigação imposta pelo juízo, incutindo, em seu psicológico, o temor de sofrer sanção pecuniária decorrente de eventual inadimplemento. Desse modo, as astreintes possuem um caráter coercitivo e intimidatório. Trata-se, portanto, de técnica executiva, de viés puramente instrumental, destinada a instar a parte a cumprir, voluntariamente (ainda que sem espontaneidade), a obrigação judicial. O objetivo, portanto, é fazer com que se cumpra a ordem judicial. Vale ressaltar, no entanto, que se essa técnica executiva se mostrar inócua, ou seja, se mesmo assim o devedor não cumprir a obrigação judicial, a multa será aplicada como uma sanção. Assim, a multa efetivamente aplicada é uma penalidade processual imposta à parte. Não haverá nenhuma finalidade ressarcitória pelos prejuízos eventualmente percebidos pela parte adversa em razão do descumprimento da determinação judicial ou correlação com a prestação, em si, não realizada. Resumindo: - as astreintes, em princípio, têm uma finalidade coercitiva (intimidatória); - se a ordem for descumprida e a multa aplicada, a finalidade passa a ser a de impor uma sanção pelo descumprimento (caráter sancionatório); - as astreintes não têm finalidades ressarcitória e não tem relação direta com o direito material que está sendo discutido em juízo. Desse modo, fato de a multa processual ter sido imposta em uma reclamação trabalhista não faz com que esta multa passe a ter a mesma natureza jurídica do direito material ali discutido. Em outras palavras, as astreintes não terão caráter trabalhista porque não possuem origem remuneratória ou indenizatória. Primeiro, porque a obrigação judicial inadimplida, ensejadora da imposição de sanção pecuniária, não se confunde, necessariamente, com o direito ao final reconhecido na reclamação trabalhista. Segundo e principalmente, porque a sanção pecuniária imposta em razão do descumprimento da obrigação judicial, de natureza processual, não possui nenhum conteúdo alimentar, que é, justamente, o critério justificador do privilégio legal dado às retribuições trabalhistas de origens remuneratória e indenizatória.

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Se for feita uma interpretação muito alargada do que seja “crédito trabalhista” isso pode até servir para beneficiar um trabalhador em específico, mas, por outro lado, irá gerar indesejado desequilíbrio no processo concursal de credores, sobretudo na classe dos trabalhistas, em manifesta violação ao princípio da par conditio creditorum (princípio da igualdade entre os credores). Em suma:

O crédito decorrente das astreintes aplicadas no bojo de processo trabalhista deve ser habilitado na recuperação judicial na classe dos quirografários, e não na dos créditos trabalhistas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.804.563-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Pode-se arguir como matéria de defesa, em impugnação de crédito incidente à recuperação judicial,

a existência de abusividade em cláusulas dos contratos de que se originou o crédito impugnado

Em uma impugnação de crédito incidente à recuperação judicial é possível que a empresa recuperanda alegue e que o juiz reconheça a existência de abusividade na cláusula do contrato de que se originou o crédito impugnado?

Sim. O incidente de impugnação de crédito configura procedimento de cognição exauriente, possibilitando o pleno contraditório e a ampla instrução probatória, em rito semelhante ao ordinário (arts. 13 e 15 da Lei nº 11.101/2005).

Não há, na Lei nº 11.101/2005, qualquer restrição à defesa que pode ser apresentada na impugnação de crédito, não se tratando de procedimento simplificado ou mais célere, mas de procedimento semelhante ao ordinário.

Diante disso, devem ser examinadas todas as alegações trazidas pela recuperanda, o que inclui a eventual existência de abusividades nas cláusulas contratuais relativas aos encargos moratórios que o impugnante busca acrescer aos seus créditos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.799.932-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária “ABC” está sofrendo processo de recuperação judicial. O Banco habilitou um crédito para receber no processo de recuperação judicial. A empresa recuperanda questionou o crédito do Banco, apresentando ao juiz uma impugnação do crédito, nos termos do art. 8º e do art. 13 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º, § 2º, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 desta Lei.

Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias. Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos a ela relativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre o mesmo crédito.

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Na impugnação, a empresa “ABC” afirma que os R$ 300 mil cobrados pelo Banco são decorrente de um contrato assinado entre elas. Ocorre que esse contrato seria nulo por conter uma cláusula abusiva quanto aos juros cobrados. O Banco refutou o argumento afirmando que essa matéria (abusividade de cláusula contratual) não poderia ser discutida em impugnação de crédito. Quem tem razão: a empresa “ABC” ou a “RZZ”? Em uma impugnação de crédito incidente à recuperação judicial é possível que a empresa recuperanda alegue e que o juiz reconheça a existência de abusividade na cláusula do contrato de que se originou o crédito impugnado? SIM.

Pode-se arguir como matéria de defesa, em impugnação de crédito incidente à recuperação judicial, a existência de abusividade em cláusulas dos contratos de que se originou o crédito impugnado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.799.932-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

O incidente de impugnação de crédito configura procedimento de cognição exauriente, possibilitando o pleno contraditório e a ampla instrução probatória, em rito semelhante ao ordinário (arts. 13 e 15 da Lei nº 11.101/2005). Não há, na Lei nº 11.101/2005, qualquer restrição à defesa que pode ser apresentada na impugnação de crédito, não se tratando de procedimento simplificado ou mais célere, mas de procedimento semelhante ao ordinário. Diante disso, devem ser examinadas todas as alegações trazidas pela recuperanda, o que inclui a eventual existência de abusividades nas cláusulas contratuais relativas aos encargos moratórios que o impugnante busca acrescer aos seus créditos.

ECA

PROTEÇÃO CÍVEL É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de

poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena

A intervenção da FUNAI nos litígios relacionados à destituição do poder familiar e à adoção de menores indígenas ou menores cujos pais são indígenas é obrigatória e apresenta caráter de ordem pública.

O objetivo dessa intervenção é fazer com que sejam consideradas e respeitadas a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes e tradições, suas instituições, bem como que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia.

As regras do art. 28, §6º, I e II, do ECA, visam conferir às crianças de origem indígena um tratamento verdadeiramente diferenciado, pois, além de crianças, pertencem elas a uma etnia minoritária, historicamente discriminada e marginalizada no Brasil, bem como pretendem, reconhecendo a existência de uma série de vulnerabilidades dessa etnia, adequadamente tutelar a comunidade e a cultura indígena, de modo a minimizar a sua assimilação ou absorção pela cultura dominante.

Nesse contexto, a obrigatoriedade e a relevância da intervenção obrigatória da FUNAI decorre do fato de se tratar do órgão especializado, interdisciplinar e com conhecimentos aprofundados sobre as diferentes culturas indígenas, o que possibilita uma melhor verificação das condições e idiossincrasias da família biológica, com vistas a propiciar o adequado

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acolhimento do menor e, consequentemente, a proteção de seus melhores interesses, não se tratando, pois, de formalismo processual exacerbado apenar de nulidade a sua ausência.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.698.635-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: O Ministério Público estadual ajuizou, na Justiça Estadual, ação de destituição de poder familiar contra Jaciara. O Promotor de Justiça alegou que Jaciara abandonou a filha de 2 anos, razão pela qual deve ser destituída do poder familiar e a criança encaminhada à adoção. A Defensoria Pública estadual, que fez a defesa de Jaciara, argumentou que seria obrigatória a intervenção da Fundação Nacional do Índio - FUNAI e a realização de estudo antropológico considerando que a genitora requerida é indígena. Assiste razão à Defensoria Pública? SIM.

É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena. STJ. 3ª Turma. REsp 1.698.635-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

Essa exigência encontra-se expressamente prevista no art. 28, § 6º, III, e no art. 157, § 2º do ECA:

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. (...) § 6º Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.

Art. 157 (...) § 2º Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe interprofissional ou multidisciplinar referida no § 1º deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6º do art. 28 desta Lei.

(Promotor MP/GO 2016 banca própria) Em se tratando de colocação em família substituta de criança ou adolescente indígena é, entre outros, obrigatório a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista e de antropólogos, perante equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. (certo) A regra segundo a qual é obrigatória a intervenção da FUNAI nos litígios que envolvam destituição de poder familiar e adoção de menores indígenas ou oriundos de pais indígenas tem caráter de ordem pública, na medida em que resguardam valores e objetivos político-sociais muitíssimo caros à sociedade e, portanto, são imperativas e inderrogáveis.

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O art. 28, §6º, do ECA, embora trate especificamente das crianças indígenas, aplica-se inteiramente às crianças cujos pais são de origem indígena, devendo a referida regra ser igualmente respeitada nas ações de destituição de poder familiar e adoção que as envolvam. Por se tratar de órgão especializado, é a FUNAI que reúne as melhores condições de avaliar a situação do menor de origem indígena, não apenas à luz dos padrões de adequação da sociedade em geral, mas, sobretudo, a partir das especificidades de sua própria cultura, o que influencia, inclusive, na escolha de uma família substituta de tribo que possua maiores afinidades com aquela da qual se origina o menor. A obrigatoriedade e a relevância da intervenção obrigatória da FUNAI decorre do fato de se tratar do órgão especializado, interdisciplinar e com conhecimentos aprofundados sobre as diferentes culturas indígenas, o que possibilita uma melhor verificação das condições e idiossincrasias da família biológica, com vistas a propiciar o adequado acolhimento do menor e, consequentemente, a proteção de seus melhores interesses. Não se trata, portanto, de excesso de formalismo processual. No mesmo sentido:

(...) 2. A intervenção da FUNAI nesses tipos de processos é de extrema relevância, porquanto os povos indígenas possuem identidade social e cultural, costumes e tradições diferenciados, tendo, inclusive, um conceito de família mais amplo do que o conhecido pela sociedade comum, de maneira que o ideal é a manutenção do menor indígena em sua própria comunidade ou junto a membros da mesma etnia. A atuação do órgão indigenista visa justamente a garantir a proteção da criança e do jovem índio e de seu direito à cultura e à manutenção da convivência familiar, comunitária e étnica, tendo em vista que a colocação do menor indígena em família substituta não indígena deve ser considerada a última medida a ser adotada pelo Estado. 3. A adoção de crianças indígenas por membros de sua própria comunidade ou etnia é prioritária e recomendável, visando à proteção de sua identidade social e cultural. Contudo, não se pode excluir a adoção fora desse contexto, pois o direito fundamental de pertencer a uma família sobrepõe-se ao de preservar a cultura, de maneira que, se a criança não conseguir colocação em família indígena, é inconcebível mantê-la em uma unidade de abrigo até sua maioridade, sobretudo existindo pessoas não indígenas interessadas em sua adoção. 4. A ausência de intervenção obrigatória da FUNAI no processo de colocação de menor indígena em família substituta é causa de nulidade. A decretação de tal nulidade, contudo, deve ser avaliada em cada caso concreto, pois se, a despeito da não participação da FUNAI no processo, a adoção, a guarda ou tutela do menor indígena envolver tentativas anteriores de colocação em sua comunidade ou não for comprovado nenhum prejuízo ao menor, mas, ao contrário, forem atendidos seus interesses, não será recomendável decretar-se a nulidade do processo. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1566808/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/09/2017.

Competência da Justiça Federal Vale ressaltar que, havendo intervenção da FUNAI, o feito deverá ser apreciado pela Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Nesse sentido: STJ. Decisão monocrática. CC 133798/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/02/2015.

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GUARDA Sentença que afastou criança do lar não impede pedido judicial de guarda pela mesma família

Situação hipotética: um casal exerceu irregularmente a guarda de uma criança nos anos de 2014 e 2016. O juiz, atendendo a pedido do Ministério Público, determinou que essa criança fosse levada a acolhimento institucional em razão de burla ao cadastro de adoção. Houve trânsito em julgado dessa decisão que determinou o afastamento da criança do convívio com essa família.

Ocorre que se passaram quatro anos e a criança permanece no “abrigo”, sem que tenha sido adotada.

Diante disso, em 2020, o casal formulou novo pedido de guarda alegando que existem vínculos socioafetivos entre a criança e a família.

O STJ afirmou que é possível o deferimento do pedido.

As ações que envolvam a guarda da criança, por suas características peculiares, são modificáveis com o tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado.

Assim, transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento.

Em suma: o trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.878.043-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: Isabela, quando tinha 2 anos de idade, foi entregue por sua mãe biológica e registral para ser criada por João e Regina. A mãe alegou que não tinha condições de sustentar a filha. Vale ressaltar que essa entrega foi feita de modo informal. O casal cuidou de Isabela de 2014 até 2016. Isso porque a situação foi descoberta pelo Conselho Tutelar, que informou o fato ao Ministério Público. O Promotor de Justiça ajuizou ação contra o casal argumentando que eles estavam exercendo irregularmente a guarda da criança. O MP pediu ao juiz que a menor fosse encaminhada ao acolhimento institucional (“abrigo”) em razão de a guarda exercida pelo casal representar “burla” ao cadastro de adoção. O juiz acolheu o pedido e a criança foi tirada do convívio do casal e encaminhada a um abrigo. A decisão transitou em julgado. Ocorre que se passaram 4 anos e a criança permanece no “abrigo”, sem que tenha sido adotada. Diante disso, em 2020, o casal formulou novo pedido de guarda alegando que existem vínculos socioafetivos entre a criança e a família. O Ministério Público manifestou-se contrariamente afirmando que, como houve o trânsito em julgado, não é possível o deferimento da guarda nessa nova ação. É possível o deferimento do pedido? O casal poderá obter a guarda da criança? SIM.

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As ações que envolvam a guarda da criança, por suas características peculiares, são modificáveis com o tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado. Nesse sentido:

“Por fim, sem qualquer alteração, determina o art. 35 da Lei 8.069/1990 que a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamento, ouvido o Ministério Público, sempre tendo como parâmetro o princípio de proteção integral ou de melhor interesse da criança. Justamente por isso é que a jurisprudência tem apontado que a decisão quanto à guarda não faz coisa julgada material. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 754).

Assim, transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento. Em suma:

O trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.878.043-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR Processo em que foi decretada a destituição do poder familiar não pode ser anulado por falta de

citação de suposto pai com identidade ignorada

É juridicamente existente a sentença proferida em ação de destituição de poder familiar ajuizada em desfavor apenas da genitora, no caso em que pretenso pai biológico não conste na respectiva certidão de nascimento do menor.

Caso concreto: em ação proposta pelo Ministério Público, o juiz decretou a destituição do poder familiar da mãe biológica e a sua adoção. Após o trânsito em julgado, o suposto pai biológico da criança ajuizou ação declaratória de inexistência de sentença (querela nullitatis insanabilis) por meio da qual tentou anular a destituição do poder familiar da mãe biológica. O argumento principal do autor foi a falta de sua citação no processo de destituição. Ocorre que o STJ manteve válido o processo porque concluiu que o homem era desconhecido na época do nascimento da criança, tanto que não constou de seu registro civil.

Segundo os autos, a criança foi abandonada no hospital pela genitora horas após o parto, e o registro de nascimento foi feito apenas com o nome da mãe, já que era ignorada a identidade do pai.

O ECA disciplinou de modo detalhado como deverão ser citados os réus na ação de destituição de poder familiar, como forma de reduzir ao máximo a possibilidade de inexistência ou irregularidade na citação, especialmente pela medida drástica que pode resultar dessa ação.

Entretanto, as hipóteses legais se referem a pais biológicos conhecidos – situação completamente distinta da analisada nos autos, na qual o suposto genitor era absolutamente desconhecido na época da ação de destituição ajuizada pelo Ministério Público.

Por essa razão, o pretenso pai que não mantinha relação jurídica de poder familiar com o menor não poderia ser réu na ação em que se pretendia decretar a destituição desse poder.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.860-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

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O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: Giovana, foi abandonada por sua genitora (Francisca) na maternidade, horas após o parto. O registro de nascimento foi feito apenas com o nome da mãe, já que era ignorada a identidade do pai. O Ministério Público ajuizou ação de destituição do poder familiar contra Francisca. O Promotor de Justiça alegou que Francisca abandonou a filha, razão pela qual deve ser destituída do poder familiar e a criança encaminhada à adoção. O pedido foi julgado procedente, tendo havido o trânsito em julgado. Algum tempo depois, Paulo ajuizou querela nullitatis insanabilis alegando que é o pai biológico de Giovana e que não foi citado na ação de destituição do poder familiar proposta pelo Ministério Público. Paulo pediu para que fosse declarada a inexistência da sentença proferida na ação de destituição de poder familiar em razão da ausência de citação do genitor biológico. O pedido de Paulo deve ser acolhido? NÃO.

O processo em que foi decretada a destituição do poder familiar não pode ser anulado por falta de citação de suposto pai com identidade ignorada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.860-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

O processo deve ser mantido válido porque o suposto pai era desconhecido na época do nascimento da criança, tanto que não constou de seu registro civil. O ECA disciplinou de modo detalhado como deverão ser citados os réus na ação de destituição de poder familiar, como forma de reduzir ao máximo a possibilidade de inexistência ou irregularidade na citação, especialmente pela medida drástica que pode resultar dessa ação. Entretanto, as hipóteses legais se referem a pais biológicos conhecidos – situação completamente distinta da analisada nos autos, na qual o suposto genitor era absolutamente desconhecido na época da ação de destituição ajuizada pelo Ministério Público. Por essa razão, o pretenso pai que não mantinha relação jurídica de poder familiar com o menor não poderia ser réu na ação em que se pretendia decretar a destituição desse poder.

DIREITO AMBIENTAL

CÓDIGO FLORESTAL O cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta

deve ser regido pelo Código Florestal vigente à época da celebração do acordo

Caso concreto: o Termo de Ajustamento de Conduta foi celebrado sob a égide da Lei nº 4.771/65 (antigo Código Florestal). Ocorre que entrou em vigor o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) com regras diferentes daquelas que haviam sido ajustas no TAC. Será possível aplicar as regras do novo Código Florestal?

Não. O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada.

Uma vez celebrado, e cumpridas as formalidades legais, o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC constitui ato jurídico perfeito, imunizado contra alterações legislativas posteriores que enfraqueçam as obrigações ambientais nele estabelecidas. Deve, assim, ser cabal e fielmente implementado, vedado ao juiz recusar sua execução, pois do contrário desrespeitaria a garantia da irretroatividade da lei nova, prevista no art. 6º da LINDB

STJ. 2ª Turma. REsp 1.802.754-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/10/2019 (Info 679).

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Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2009, João celebrou Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público estadual assumindo o compromisso de demarcar área de preservação permanente e fazer a recomposição da vegetação danificada. Segundo o TAC, João deveria instituir e averbar área de reserva florestal legal em área mínima equivalente a 30% do imóvel até o dia 31 de dezembro de 2011. Esses 30% estavam previstos no antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65) que vigorava na época.

• antigo Código Florestal: Lei nº 4.771/65;

• novo Código Florestal: Lei nº 12.651/2012, que entrou em vigor em 28/05/2012, revogando a Lei nº 4.771/65. Chegou o dia 31/12/2011 e João averbou apenas 22% da área de reserva legal, descumprindo assim o TAC. Diante disso, em 05/06/2012, o Promotor de Justiça ingressou com execução de título extrajudicial cobrando a multa pelo descumprimento do TAC. João apresentou embargos à execução afirmando que, o novo Código Florestal passou a exigir apenas 20% da área de reserva legal e que, portanto, como ele já está em vigor, deve retroagir para se considerar que a sua obrigação legal enquanto proprietário foi cumprida. Em outras palavras, nesse exemplo hipotético, o particular: - assinou o TAC na vigência do antigo Código Florestal; - ele não cumpriu o TAC se consideramos as exigências do antigo Código Florestal; - ele teria cumprido o TAC se consideramos as exigências (menos rigorosas) do novo Código Florestal. Logo, o particular pediu para aplicar o novo Código Florestal. A tese do particular encontra abrigo na jurisprudência do STJ? Será possível aplicar as regras do novo Código Florestal? NÃO.

O cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta deve ser regido pelo Código Florestal vigente à época da celebração do acordo. STJ. 2ª Turma. REsp 1.802.754-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/10/2019 (Info 679).

O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada. Uma vez celebrado, e cumpridas as formalidades legais, o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC constitui ato jurídico perfeito, imunizado contra alterações legislativas posteriores que enfraqueçam as obrigações ambientais nele estabelecidas. Deve, assim, ser cabal e fielmente implementado, vedado ao juiz recusar sua execução, pois do contrário desrespeitaria a garantia da irretroatividade da lei nova, prevista no art. 6º da LINDB.

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I, da CF/88). STJ. 2ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1241128/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 28/03/2019.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

O novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) pode ser aplicado para situações consolidadas antes de sua vigência? Regra: NÃO. Em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental. Exceção: o STJ admite a aplicação retroativa de alguns dispositivos do novo Código Florestal, como o caso do art. 66 da Lei nº 12.651/2012, tendo em vista que esse dispositivo traz em seu próprio texto uma possibilidade retroação da norma.

CÓDIGO FLORESTAL Compensação ambiental feita no mesmo bioma, mas fora da mesma bacia hidrográfica

A compensação de danos ambientais ocorridos em reserva legal em data anterior à vigência da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal) não precisa ser feita na mesma microbacia, sendo suficiente que ocorra no mesmo bioma do imóvel a ser compensado.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.532.719-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

Em que consiste a área de reserva legal? Reserva legal é... - uma área (uma porção de terra) - localizada no interior de um imóvel rural - e dentro da qual o proprietário ou possuidor fica obrigado, por força de lei (Código Florestal), - a manter a cobertura de vegetação nativa, - com a função de: • assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, • auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, • promover a conservação da biodiversidade e • assegurar abrigo e proteção da fauna silvestre e da flora nativa. Natureza jurídica A Área de Reserva Legal consiste em uma limitação ao direito de propriedade (limitação administrativa existente em função do princípio da função socioambiental da propriedade). Trata-se de obrigação propter rem, ou seja, é uma obrigação que acompanha a coisa e vincula todo e qualquer proprietário ou possuidor de imóvel rural, já que adere ao título de propriedade ou à posse. Qual é o tamanho da área de reserva legal? Será um percentual do imóvel baseado na região do país onde ele está situado e na natureza da vegetação. A Lei prevê os percentuais de cada imóvel rural que deverão ser separados e protegidos como área de reserva legal. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, proprietário de um imóvel rural, utilizou indevidamente a área de reserva legal de sua propriedade, causando danos ambientais. Diante disso, o Ministério Público estadual, em 2011, ajuizou ação civil pública contra João, pleiteando a recuperação da área de reserva legal em seu imóvel rural. Vale ressaltar que, na época (2011), vigorava ainda o antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65).

• antigo Código Florestal: Lei nº 4.771/65;

• novo Código Florestal: Lei nº 12.651/2012.

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João confessou que realmente causou degradação da reserva legal em seu imóvel, no entanto, argumentou que promoveu a compensação ambiental, adquirindo reserva legal em terreno rural diverso. Desse modo, alegou que fez a compensação ambiental. O Ministério Público refutou o argumento de João afirmando que o réu adquiriu a reserva legal em terreno imóvel rural localizado em outra microbacia. Logo, não foi cumprida a exigência do art. 44, III da Lei nº 4.771/65, segundo o qual somente é compensável a reserva legal dentro da mesma microbacia hidrográfica:

Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente: (...) III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento. (obs: revogado pela Lei nº 12.651/2012)

A sentença e o acórdão, proferidos já na vigência da Lei nº 12.651/2012, rejeitaram o pedido do Ministério Público, ao argumento de que o Código Florestal atualmente em vigor não exige que a compensação ocorra na mesma microbacia, bastando que as reservas legais se situem no mesmo bioma, conforme seu art. 66, § 6º, II, da Lei nº 12.651/2012:

Art. 66 (...) § 5º A compensação de que trata o inciso III do caput deverá ser precedida pela inscrição da propriedade no CAR e poderá ser feita mediante: I - aquisição de Cota de Reserva Ambiental - CRA; (...) § 6º As áreas a serem utilizadas para compensação na forma do § 5º deverão: (...) II - estar localizadas no mesmo bioma da área de Reserva Legal a ser compensada;

Assim, aplicando ao caso a modificação legislativa, o juiz e o TJ concluíram que a área de reserva legal adquirida pelo réu localiza-se no mesmo bioma do imóvel a ser compensado, com a chancela do órgão ambiental estadual, o que tornaria válida a compensação. O Ministério Público recorreu ao STJ. A compensação feita pelo proprietário foi válida? SIM.

A compensação de danos ambientais ocorridos em reserva legal em data anterior à vigência da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal) não precisa ser feita na mesma microbacia, sendo suficiente que ocorra no mesmo bioma do imóvel a ser compensado. STJ. 1ª Turma. REsp 1.532.719-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

Vamos entender com calma para não haver confusão. Primeiro ponto: o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) pode ser aplicado para situações consolidadas antes de sua vigência? Em regra, não.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental. Nesse sentido:

(...) o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da incumbência do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1728244/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 06/12/2018.

STJ admite a aplicação retroativa de alguns dispositivos do novo Código Florestal A regra acima explicada possui exceções e o STJ admite a aplicação retroativa de alguns dispositivos do novo Código Florestal. Este é o caso do art. 66, que rege formas alternativas de recomposição da reserva legal para os imóveis consolidados até 22/7/2008. Veja o caput do dispositivo:

Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente: (...)

Assim, conforme se observa acima, o art. 66 já traz em seu próprio texto uma possibilidade retroação da norma. Se a própria lei admite sua aplicação imediata a situações pretéritas, por óbvio, não há falar em irretroatividade.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PRINCÍPIOS O dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,

previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/2015, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado?

A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado.

O art. 489, §1º, VI, do CPC/2015, dispõe:

“Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.698.774-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação ordinária contra Pedro. O juiz julgou o pedido procedente. O réu interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença. Diante disso, Pedro manejou recurso especial alegando que, na apelação interposta, ele transcreveu acórdãos do TJ/SP e do TJ/DF com posicionamento jurídico em sentido contrário ao que foi adotado na sentença. Pedro argumentou que o TJ/RS deveria ter adotado o entendimento jurídico manifestado nos diversos acórdãos transcritos considerando que eles representam a jurisprudência. Para o recorrente, o TJ/RS, ao desconsiderar essa jurisprudência, deveria ter demonstrado textualmente a existência de distinção no caso concreto ou ter demonstrado que houve superação do entendimento. Como o TJ/RS não fez isso, ele teria violado o dever de fundamentação previsto no art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015, que diz o seguinte:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

A tese de Pedro foi acolhida pelo STJ? NÃO. A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes. Esse dever não se aplica para as súmulas e para os precedentes apenas persuasivos. Nesse sentido:

“Diferentemente do que ocorre com o inciso antecedente, o inciso VI do §1º do art. 489 do CPC não se aplica a súmulas e precedentes meramente persuasivos (Enunciado 11 da ENFAM: “Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do §1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332”), porque, nesse caso, o juiz pode simplesmente deixar de aplicá-los por discordar de seu conteúdo, não cabendo exigir-se qualquer distinção ou superação que justifique a sua decisão. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 883/884).

Essa é também a lição de Fredie Didier, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

“Há, no entanto, uma diferença sutil entre os incisos V e VI do § do art. 489: a obrigatoriedade de que fala o inciso VI somente se aplica aos precedentes obrigatórios; não se aplica aos precedentes persuasivos. Assim, se a parte invoca, como reforço argumentativo, numa causa que tramita perante a justiça baiana, um julgado proferido por outro tribunal estadual (não vinculativo; caráter meramente persuasivo), não há obrigação de o magistrado, para não seguir a orientação desse precedente, demonstrar que ele se refere a caso distinto daquele posto sob sua análise ou que ele está superado. Isso porque os casos podem até mesmo ser muito semelhantes - contexto fático praticamente idêntico - e o precedente pode estar vigendo, mas o magistrado pode simplesmente não concordar com a tese jurídica adotada pelo outro tribunal estadual. Trata-se de postura legítima, já que não está ele adstrito à tese jurídica firmada em precedentes não vinculantes.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

Situação diferente se dá quando está ele diante de precedente vinculante - por exemplo, nas hipóteses do art. 332, do art. 932, IV e V, e do art. 927, do CPC. Nesses casos, a não aplicação do precedente precisa ser justificada e as únicas justificativas admissíveis são (i) a realização de distinguishing negativo - isto é, a conclusão de que não há, entre o caso posto e o paradigma, uma semelhança contextual - e (ii) a demonstração de que o precedente está superado.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 427).

Os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado é considerado um precedente meramente persuasivo. Assim, como no caso concreto, o recorrente invocou, para o julgamento da apelação perante o TJ/RS, apenas julgados proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DF, o TJ gaúcho não estava obrigado a considerá-los por ocasião do julgamento da apelação e, por via de consequência, também não estava obrigado a estabelecer qualquer distinção ou superação do entendimento firmado pelo TJ/SP e pelo TJ/FT, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 489, § 1º, VI, do CPC. Em suma:

A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.698.774-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).

DOD PLUS

Precedente vinculante x precedente persuativo O precedente é vinculante (binding precedent), ou dotado de binding authority (autoridade vinculante) quando tiver eficácia vinculativa em relação aos casos que, em situações análogas, lhe forem supervenientes. Os precedentes vinculantes estão elencados no art. 927 do CPC: I - decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; II - súmulas vinculantes; III - acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - súmulas “comuns” do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. O precedente persuasivo (persuasive precedent) não tem eficácia vinculante. Possui apenas força persuasiva (persuasive authority), ou seja, é uma forma de tentar convencer o julgador a partir daquilo que já decidiu outro órgão jurisdicional. Nenhum magistrado está obrigado a segui-lo. (Promotor MP/PR 2017) As decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade que declaram inconstitucional lei ou ato normativo possuem mero efeito persuasivo. (errado)

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

COMPETÊNCIA (OUTROS TEMAS) Compete às Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ (especializada em direito privado) apreciar recurso em que se discute ressarcimento pelo desconto de mensalidades de plano de

saúde cobradas em fatura de energia elétrica

Caso concreto: análise do recurso especial relacionado com ação de indenização ajuizada contra a concessionária de energia elétrica pelo fato de ela ter inserido irregularmente, na conta de energia elétrica do autor, um desconto relacionado com mensalidade de plano de saúde.

Essa discussão versa claramente sobre direito obrigacional privado, sobre responsabilização de empresa privada e de concessionária de serviço público pela cobrança indevida de prestações alusivas a plano de saúde. Não se trata de discussão que envolva matéria afeta ao regime jurídico-administrativo. Logo, a competência é das Turmas da 2ª Seção (especializada em direito privado) e não das Turmas da 1ª Seção (que aprecia matérias de direito público).

STJ. Corte Especial. CC 171.348-DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 02/09/2020 (Info 679).

Órgãos do STJ O STJ é divido em órgãos julgadores internos da seguinte forma:

CORTE ESPECIAL SEÇÕES TURMAS Composta pelos 15 Ministros mais antigos do STJ.

Existem três Seções no STJ (Primeira, Segunda e Terceira). Cada Seção abrange duas Turmas. 1ª Seção: engloba a 1ª e 2ª Turmas. 2ª Seção: abrange a 3ª e 4ª Turmas. 3ª Seção: inclui a 5ª e 6ª Turmas.

Existem seis Turmas no STJ (da Primeira até a Sexta). Cada Turma é composta por 5 Ministros, sendo divididas por assunto (cada Turma é especializada em certos temas).

Suas competências estão previstas no art. 11 do RISTJ.

Suas competências estão previstas no art. 12 do RISTJ.

Suas competências estão previstas no art. 13 do RISTJ.

Principais competências: • julgar as ações penais de competência originária do STJ (ex: Governadores, Desembargadores, Conselheiros do TCE etc.); • embargos de divergência se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, entre Seções, entre Turma e Seção que não integre ou entre Turma e Seção com a própria Corte Especial.

Principais competências: • mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado; • Conflitos de competência que são de atribuição do STJ (ex: conflito de competência entre juiz de direito e juiz federal); • recursos especiais repetitivos que envolvam os assuntos das Turmas que compõe aquela Seção.

As Turmas julgam todos os processos do STJ que não se enquadram nas competências das Seções e da Corte Especial. Assim, por exemplo, em regra, todos os recursos especiais que não sejam “repetitivos” são julgados pelas Turmas. Da mesma forma, a maioria dos habeas corpus são apreciados pelas Turmas.

COMPETÊNCIAS MATERIAIS DAS TURMAS (E DAS SEÇÕES)

Primeira e Segunda (Primeira Seção)

Terceira e Quarta (Segunda Seção)

Quinta e Sexta (Terceira Seção)

• Licitações e contratos administrativos; • nulidade ou anulabilidade de atos administrativos; • ensino superior; • inscrição e exercício profissionais; • direito sindical; • nacionalidade; • desapropriação;

• domínio, posse e direitos reais sobre coisa alheia, salvo quando se tratar de desapropriação; • obrigações em geral de direito privado, mesmo quando o Estado participar do contrato; • responsabilidade civil (sem ser do Estado); • direito de família e sucessões;

À Terceira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos à matéria penal em geral, salvo os casos de competência originária da Corte Especial e os habeas corpus de competência das Turmas que compõem a Primeira e a Segunda Seção.

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• responsabilidade civil do Estado; • tributos de modo geral; • preços públicos e multas de qualquer natureza; • servidores públicos civis e militares; • habeas corpus referentes às matérias de sua competência; • benefícios previdenciários; • direito público em geral.

• direito do trabalho; • propriedade industrial; • sociedades; • comércio em geral, instituições financeiras e mercado de capitais; • falências; • títulos de crédito; • registros públicos, mesmo quando o Estado participar da demanda; • locação predial urbana; • habeas corpus referentes às matérias de sua competência; • direito privado em geral.

Assim, ficam responsáveis por julgar os processos criminais.

Imagine agora a seguinte situação adaptada: João ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada contra a Centrais Elétricas do Sul – CELESC tendo em conta a irregular inserção, na conta de energia elétrica do autor, do valor de R$ 50,00, no mês de agosto de 2012, relativo a um convênio médico firmado com a “Policlínica São Lucas”. Vale ressaltar que João nunca havia contratado o referido plano de saúde nem autorizou a cobrança em sua conta de energia elétrica. Mesmo depois de ter reclamado com a concessionária sobre o fato, continuaram a ocorrer os descontos por mais alguns meses. Após a prolação de sentença pelo juiz e de acórdão pelo TJ, a concessionária interpôs recurso especial ao STJ. Surgiu, no entanto, dúvida no STJ sobre qual seria o órgão competente para julgar esse recurso especial. A competência seria da 1ª ou da 2ª Turmas (que apreciam matérias de direito público) ou seria da 3ª ou 4ª Turmas (que examinam matérias de direito privado)? 3ª ou 4ª Turmas (2ª Seção do STJ), especializadas em direito privado.

Compete às Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ (especializada em direito privado) apreciar recurso em que se discute ressarcimento pelo desconto de mensalidades de plano de saúde cobradas em fatura de energia elétrica. STJ. Corte Especial. CC 171.348-DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 02/09/2020 (Info 679).

Essa discussão versa claramente sobre direito obrigacional privado, sobre responsabilização de empresa privada e de concessionária de serviço público pela cobrança indevida de prestações alusivas a plano de saúde. Não se trata de discussão que envolva matéria afeta ao regime jurídico-administrativo. Logo, a competência é das Turmas da 2ª Seção (especializada em direito privado) e não das Turmas da 1ª Seção (que aprecia matérias de direito público).

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A inversão do ônus probatório leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como

simples faculdade, sujeita as consequências processuais advindas da não produção da prova

Importante!!!

Quanto à inversão do ônus da prova, o art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil, em perfeita sintonia com a Constituição de 1988, reproduz, na relação processual, a transição da isonomia formal para a isonomia material. Não se trata de prerrogativa judicial irrestrita, pois depende ora de previsão legal (direta ou indireta, p. ex., como consectário do princípio da precaução), ora, na sua falta, de peculiaridades da causa, associadas quer à impossibilidade ou a excessivo

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custo ou complexidade de cumprimento do encargo probante, quer à maior capacidade de obtenção da prova pela parte contrária. Naquela hipótese, em reação à natureza espinhosa da produção probatória, a inversão foca em dificuldade do beneficiário da inversão; nesta, prestigia a maior facilidade, para tanto, do detentor da prova do fato contrário.

Qualquer elemento probatório, pontualmente - ou todos eles conjuntamente -, pode ser objeto da decretação de inversão, desde que haja adequada fundamentação judicial.

A alteração ope legis ou ope judicis da sistemática probatória ordinária leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade. Logo, não equivale a compelir a parte gravada a pagar ou a antecipar pagamento pelo que remanescer de ônus do beneficiário. Modificada a atribuição, desaparece a necessidade de a parte favorecida provar aquilo que, daí em diante, integrar o âmbito da inversão. Ilógico e supérfluo requisitar que produza o réu prova de seu exclusivo interesse disponível, já que a omissão em nada prejudicará o favorecido ou o andamento processual. Ou seja, a inversão não implica transferência ao réu de custas de perícia requerida pelo autor da demanda, pois de duas, uma: ou tal prova continua com o autor e somente a ele incumbe, ou a ele comumente cabia e foi deslocada para o réu, titular da opção de, por sua conta e risco, cumpri-la ou não. Claro, se o sujeito titular do ônus invertido preferir não antecipar honorários periciais referentes a seu encargo probatório, presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra parte.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.807.831-RO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/11/2019 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: Determinada empresa ajuizou ação de reintegração de posse contra João. O réu apresentou reconvenção pedindo que a empresa pague indenização por danos morais e materiais sob o argumento de que as atividades econômicas desenvolvidas pela autora na área causaram danos ao imóvel e ao meio ambiente. Foi requerida a produção de prova pericial. Segundo a regra geral, o ônus da prova de demonstrar os danos causados seria de João (reconvinte), nos termos do art. 373, I, do CPC:

Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; (...)

Ocorre que, a requerimento do reconvinte, o juiz inverteu o ônus da prova, com base no § 1º do art. 373:

Art. 373 (...) § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

Inversão do ônus da prova no § 1º do art. 373 A inversão do ônus da prova prevista no § 1º do art. 373, do CPC representa uma transição da isonomia formal para a isonomia material. Isso porque deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na exata medida das suas desigualdades. Essa concepção está em perfeita sintonia com a Constituição Federal de 1988. Vale ressaltar que a inversão do ônus da prova não é uma prerrogativa judicial irrestrita, pois depende:

• de previsão legal direta (como no caso do CDC) ou indireta (como nas hipóteses de dano ambiental, amparado no princípio da precaução); ou

• das peculiaridades da causa, associadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

Qualquer elemento probatório, pontualmente - ou todos eles conjuntamente -, pode ser objeto da decretação de inversão, desde que haja adequada fundamentação judicial. Voltando ao caso concreto O juiz argumentou que havendo a constatação de eventual dano ao meio ambiente, é possível a inversão do ônus da prova para atribuir à empresa o ônus de demonstrar que a sua atividade não é a sua causadora. O magistrado afirmou que, como houve decisão de inversão do ônus da prova, o ônus de pagar os honorários periciais também são da empresa. Assim, caso ela queira que a perícia requerida seja realmente realizada, ela deverá pagar os honorários do perito. A decisão do magistrado foi correta? SIM.

A inversão do ônus probatório leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade, sujeita as consequências processuais advindas da não produção da prova. STJ. 2ª Turma. REsp 1.807.831-RO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/11/2019 (Info 679).

Inversão do ônus probatório gera a inversão do custeio dos honorários A alteração ope legis ou ope judicis da sistemática probatória ordinária leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade. Explicando melhor: pela regra geral, o ônus de comprovar o dano ambiental seria de João. Se isso fosse mantido, João teria o ônus de pagar os honorários do perito. Isso porque o interesse primordial dessa prova seria dele. A partir do momento em que o ônus passou a ser da empresa, isso significa que a empresa passou a ter o ônus de comprovar que não houve dano ambiental. Logo, o ônus de pagar os honorários do perito passou a ser da empresa já que, se não houver a perícia, o dano ambiental estará presumivelmente comprovado. Se o sujeito titular do ônus invertido (em nosso exemplo, a empresa) preferir não antecipar honorários periciais referentes a seu encargo probatório, presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra parte (no exemplo, João). Veja trechos da ementa:

(...) 3. A alteração ope legis ou ope judicis da sistemática probatória ordinária leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade. Logo, não equivale a compelir a parte gravada a pagar ou a antecipar pagamento pelo que remanescer de ônus do beneficiário. Modificada a atribuição, desaparece a necessidade de a parte favorecida provar aquilo que, daí em diante, integrar o âmbito da inversão. Ilógico e supérfluo, portanto, requisitar produza o réu prova de seu exclusivo interesse disponível, já que a omissão em nada prejudicará o favorecido ou o andamento processual. Ou seja, a inversão não implica transferência ao réu de custas de perícia requerida pelo autor da demanda, pois de duas, uma: ou tal prova continua com o autor e somente a ele incumbe, ou a ele comumente cabia e foi deslocada para o réu, titular da opção de, por sua conta e risco, cumpri-la ou não. Claro, se o sujeito titular do ônus invertido preferir não antecipar honorários periciais referentes a seu encargo probatório, presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra parte. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1.807.831-RO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/11/2019 (Info 679).

A explicação do julgado encerra aqui. No entanto, se você ainda tiver um tempo e quiser fazer uma revisão ou aprender mais sobre a inversão do ônus da prova, siga abaixo: NOÇÕES GERAIS SOBRE O ÔNUS DA PROVA

Se, ao final do processo, o juiz entender que os fatos alegados não foram provados, o que ele deverá fazer? Qual deve ser a sua decisão neste caso?

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37

O juiz terá que analisar qual das partes tinha o ônus de provar esse fato. A parte que tinha esse ônus e que não conseguiu provar o fato irá suportar as consequências negativas. Em outras palavras, a parte que tinha o ônus e não provou, será “prejudicada” no resultado do processo. Daí a importância de se estudar e analisar o ônus da prova. Ônus da prova Ônus da prova é a regra que atribui a uma das partes o ônus de suportar a falta de prova de um determinado fato. Ônus x obrigação Repare que, em nenhum momento eu disse que a parte tem a “obrigação” ou o “dever” de produzir a prova. Eu falei em “ônus”. Quais as diferenças?

DEVER OBRIGAÇÃO ÔNUS

É a necessidade de observar um comportamento imposto, de forma geral, pelo ordenamento jurídico.

É um dever jurídico específico e individualizado de prestação (dar, fazer, não fazer). A obrigação é uma atividade que a pessoa faz em benefício de outrem.

É a necessidade de adotar determinada conduta para defender um interesse próprio. Se a pessoa não adotar essa conduta, não há uma sanção contra ela. No entanto, deixará de ter uma vantagem.

É possível exigir que a parte cumpra o dever.

É possível exigir que a parte cumpra a obrigação.

Não é possível exigir que a parte cumpra o ônus.

Ex: dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade (art. 77, I, do CPC).

Ex: em um contrato de compra e venda, o vendedor tem a obrigação de pagar o preço.

Ex: o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, do CPC).

Ônus imperfeito Vimos acima que, se a parte tinha um ônus e deixou de adotar a providência necessária, ela terá uma desvantagem, perderá alguma coisa. No caso do ônus da prova, contudo, a doutrina afirma que se trata de um ônus imperfeito. Isso porque, se a parte não se desincumbir do seu ônus (se a parte não conseguir trazer aos autos a prova que deveria), existe a mera possibilidade (mas não certeza) de que ocorra uma situação de desvantagem para ela. Dessa forma, mesmo que a parte não consiga ela própria, provar suas alegações, ainda assim esse fato pode ser provado por outros meios e a parte pode vencer a demanda. Ex: o autor não faz prova de suas alegações; o réu, no entanto, por descuido, juntou determinado documento que prova as afirmações do requerente. Nesse caso, mesmo o autor não tendo feito a prova, ele não sofrerá nenhuma desvantagem e vencerá a demanda. Essa realidade existe em razão do princípio da comunhão das provas: a prova produzida é prova do processo, não interessando quem produziu. Aspectos subjetivo e objetivo O ônus da prova pode ser analisado sob dois prismas:

a) Aspecto subjetivo: Consiste em analisar o instituto sob o ângulo de quem é o responsável pela produção da prova (regra de conduta das partes). Trata-se de informar as partes quem será prejudicado com a não produção da prova: autor ou réu. Ex: o art. 373, I, do CPC prevê que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. A lei já está avisando que o autor será prejudicado caso não demonstre o fato constitutivo de seu direito.

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b) Aspecto objetivo: Quando se fala em o ônus da prova sob o aspecto objetivo, o que se está dizendo é que se trata de uma regra de julgamento, ou seja, o ônus da prova é uma regra que o juiz deverá verificar no momento da prolação da sentença. Ao decidir, o magistrado irá analisar se as partes juntaram aos autos provas que sirvam para elucidar os fatos controvertidos (ex: o autor alega que o réu bateu na traseira de seu veículo; o requerido argumenta que o autor deu marcha à ré). Caso não tenham sido produzidas provas suficientes e não seja possível elucidar a controvérsia por outros meios (presunções, máximas de experiências etc.), o juiz deverá aplicar as regras do ônus da prova e verificar quem tinha o ônus de provar o fato não demonstrado. A parte que tinha esse ônus sofrerá as consequências negativas e perderá a demanda neste ponto. Os dois aspectos estão umbilicalmente ligados e se trata de uma classificação doutrinária, mas que não tem tanta relevância na prática forense essa distinção. Aplicação subsidiária As regras do ônus da prova são regras de aplicação subsidiária. Só podem ser aplicadas se não houver mais como produzir prova e o juiz ainda estiver em estado de dúvida. A razão de existir das regras do ônus da prova é “evitar o non liquet, ou seja, a falta de resolução da crise de direito material”, de modo que “as regras sobre o ônus da prova constituem a ‘última saída para o juiz’, que não pode deixar de decidir”. Assim, as regras do ônus da prova “são necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não meras ficções”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 127-130). Em outras palavras, o juiz deve sempre tentar decidir com as provas que foram produzidas e com outros elementos de convicção. Somente se não conseguir mesmo, deverá se valer das regras do art. 373 do CPC e decidir em sentido contrário a quem não atendeu o ônus da prova. Prova diabólica Um tema intimamente ligado ao que estamos estudando diz respeito à prova diabólica. Prova diabólica é aquela impossível ou excessivamente difícil de ser produzida. Ex: o autor alega, na petição inicial, que o réu nunca lhe enviou a notificação extrajudicial. O autor não tem como comprovar isso. Seria exigir uma prova diabólica. Outro bom exemplo “é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não ser proprietário de nenhum outro imóvel (pressuposto para essa espécie de usucapião). É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do mundo.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 137). Ainda segundo as lições de Didier, Braga e Oliveira, a prova diabólica pode ser de duas espécies:

Prova unilateralmente diabólica Prova bilateralmente diabólica

Ocorre quando a prova é diabólica para a parte que tinha o ônus de produzi-la (segundo as regras do art. 373 do CPC), no entanto, é uma prova possível de ser juntada pela outra parte.

Ocorre quando a prova é diabólica para ambas as partes, ou seja, é impossível ou muito difícil para ambas as partes.

Neste caso, o juiz poderá inverter o ônus, determinando que a prova seja produzida pela outra parte que não tinha inicialmente o ônus de juntá-la. Isso está previsto no § 1º do art. 373.

Neste caso, não haverá inversão do ônus por conta da prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra.

§ 1º (...) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do

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dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput (...) poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso (...)

encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Distribuição estática do ônus da prova As regras gerais de distribuição do ônus da prova estão previstas no art. 373 do CPC:

Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O sistema processual brasileiro adotou, como regra, a teoria da distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e ao réu cabe provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Na distribuição estática do ônus da prova a lei atribui a uma determinada parte, de modo apriorístico, quais são os fatos específicos que deverão ser por ela provados, dando-lhe ciência prévia sobre como se desenvolverá a atividade instrutória, e o fato de que o ônus da prova, nessa perspectiva – estática – é uma regra de julgamento, motivo pelo qual não deve o juiz com ela se preocupar no curso da atividade probatória, mas somente ao final, e somente se porventura da instrução resultar algum fato relevante não esclarecido. Inversão do ônus da prova O cotidiano forense demonstrou, ao longo dos anos, que as regras de distribuição estática do ônus da prova previamente estabelecidas em lei não eram suficientes ou adequadas para solucionar todas as situações fáticas. Diante disso, chegou-se à conclusão de que seria necessária a criação de algumas regras de distribuição do ônus da prova diferentes daquelas pré-determinadas pela lei. Surgiu, assim, o consenso de que, em determinados casos, haveria a necessidade de modificar (redistribuir, inverter) as regras gerais do ônus da prova. O CPC denomina isso de “distribuição diversa do ônus da prova”. Na prática, é mais comum falarmos em inversão do ônus da prova. A inversão do ônus da prova consiste, portanto, em modificar, em determinados casos excepcionais, as regras gerais do ônus da prova, que são previstas nos incisos do art. 373 do CPC. Essa distribuição diversa pode ser decorrente de acordo entre as partes, da lei ou de decisão judicial. Assim, temos três espécies de inversão do ônus da prova: a) Convencional; b) Legal; c) Judicial. Inversão convencional do ônus da prova Ocorre quando as partes combinam entre si que não seguirão as regras gerais dos incisos do art. 373, adotando um outro arranjo. É um exemplo de negócio jurídico processual. Trata-se de hipótese de difícil ocorrência na prática, mas que é prevista no § 3º do art. 373 do CPC: Em regra, a lei admite a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes. Existem, contudo, três exceções. Assim, não cabe a inversão convencional do ônus da prova quando: a) recair sobre direito indisponível da parte; b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. c) a inversão for estabelecida em detrimento do consumidor (art. 51, VI, do CDC).

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Inversão legal do ônus da prova Também chamada de inversão ope legis do ônus da prova. Ocorre quando a lei determina que, em certas situações, haverá uma regra de ônus da prova diferente do art. 373 do CPC. São, portanto, exceções criadas pelo legislador à regra geral do art. 373 do CPC. Na inversão legal do ônus da prova, a lei cria uma presunção relativa de determinado fato. É o que acontece no art. 12, § 3º, no art. 14, § 3º e no art. 38, todos do CDC:

Art. 12 (...) § 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 14 (...) § 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Inversão judicial do ônus da prova (distribuição do ônus da prova feita pelo juiz) Ocorre quando o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, altera a regra geral prevista nos incisos do art. 373 do CPC. A redistribuição judicial do ônus da prova pode ser feita a requerimento da parte ou até mesmo de ofício. Inversão judicial do ônus da prova no CPC/2015 Encontra-se disciplinada nos §§ 1º e 2º do art. 373. Vejamos, de forma organizada, o que dizem esses dois dispositivos. O juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diferente da regra geral prevista no caput do art. 373 em três situações: 1) nos casos previstos em lei. Ex: art. 6º, VIII, do CDC. 2) quando for impossível ou extremamente difícil cumprir o encargo previsto no caput do art. 373. Trata-se da inversão do ônus da prova para evitar que a parte tenha que produzir uma prova unilateralmente diabólica. Em outras palavras, quando a regra geral do caput do art. 373 exigir que a parte faça uma prova diabólica, o juiz deverá inverter o ônus. Obs: a decisão de inversão não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. Em outras palavras, a inversão não pode gerar para a parte que recebeu esse ônus a tarefa de produzir uma prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra. Não se admite a inversão do ônus em caso de prova duplamente diabólica (§ 2º do art. 373 do CPC). 3) quando a inversão gerar maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Ex: o autor alega determinado fato; pela regra geral, caberia a ele o ônus de provar esse fato; no entanto, as peculiaridades do caso concreto revelam que é muito mais fácil para o réu trazer essa prova. Nesta hipótese seria possível a inversão.

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A lei exige que essa inversão seja feita por decisão fundamentada do magistrado. Além disso, a decisão que determina a inversão deve ser proferida antes da sentença, em um momento processual no qual se permita que a parte possa se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Pela sua importância, vale a pena ler os dispositivos do CPC:

Art. 373 (...) § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Obs: este § 1º do art. 373 do CPC/2015 adotou a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Assim, o caput traz a teoria estática e o § 1º a teoria dinâmica. Obs2: a doutrina afirma que o § 2º do art. 373 do CPC traz a proibição de a redistribuição implicar prova diabólica reversa, ou seja, a inversão do ônus da prova “não pode implicar uma situação que torne impossível ou excessivamente oneroso à parte arcar com o encargo que acabou de receber”. (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 148). Inversão judicial do ônus da prova no CDC O art. 6º, VIII, do CDC permite a inversão judicial do ônus da prova em duas hipóteses: a) quando for verossímil a alegação do consumidor; ou b) quando o consumidor for hipossuficiente. Algumas observações sobre o tema: • as duas situações acima são alternativas, ou seja, a inversão ocorrerá quando a alegação do consumidor for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente; • trata-se de inversão ope iudicis (a critério do juiz), ou seja, não se trata de inversão automática por força de lei (ope legis); • pode ser concedida de ofício ou a requerimento da parte; • a inversão sempre ocorre em benefício do consumidor, isto é, nunca pode ser contrária a ele. • a inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII, do CDC é regra de instrução, devendo a decisão judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos (STJ. 2ª Seção. EREsp 422778-SP, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti julgado em 29/2/2012). Aprofundando. Inversão do ônus da prova x distribuição dinâmica do ônus da prova É comum falarmos em inversão do ônus da prova e distribuição dinâmica do ônus da prova como sendo expressões sinônimas. No entanto, aprofundando o estudo do tema iremos encontrar alguns doutrinadores fazendo a distinção entre os institutos.

Inversão do ônus da prova Distribuição dinâmica do ônus da prova

É uma mudança prévia e abstrata das regras de ônus da prova.

É uma mudança das regras de ônus da prova que se dá no caso concreto, com base na análise de quem está em melhores condições de produzir a prova.

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O juiz não tem ampla liberdade na distribuição do ônus da prova. Não existe a possibilidade de se inverter o ônus de apenas um fato, por exemplo.

Há uma ingerência mais ampla do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente.

Ex: art. 6º, VIII, do CDC. Ex: hipóteses 2 e 3 do § 1º do art. 373 do CPC (veja novamente acima).

Como leciona Eduardo Cambi:

“Pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probandi, como se dá no art. 6º, inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor). Com efeito, na distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concreto. O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir do modelo clássico (CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º).” (CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 332/333).

Destaca a doutrina, ainda, que a distribuição dinâmica do ônus da prova se diferencia da inversão do ônus da prova porque, naquela (distribuição), haverá uma mais ampla ingerência do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente:

“3.4. A possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão mecânica das regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente, repassar ao autor a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do fato constitutivo. Tal se dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na dinamização prevista no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode recair sobre determinado fato, sem que isso envolva necessariamente a atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória, atribuir ao réu a demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o autor o encargo da comprovação da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode modular o ônus das provas de acordo com as peculiaridades da causa, atribuindo a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo objetivando a formação de um melhor módulo probatório.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 271)

Segundo a Min. Nancy Andrighi, “embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido”. Vale ressaltar, no entanto, que você encontrará diversos outros doutrinadores (talvez a maioria) afirmando que a hipótese do § 1º do art. 373 do CPC é inversão do ônus da prova.

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RECURSOS (NOÇÕES GERAIS) É devido o pagamento de honorários advocatícios recursais quando o acórdão recorrido for publicado

na vigência do CPC/2015, mesmo que a sentença tenha sido proferida sob a égide do CPC/1973

Importante!!!

Os direitos subjetivos decorrem da concretização dos requisitos legais previstos pelo direito objetivo vigente. Eventual direito aos honorários advocatícios recursais será devido quando os requisitos previstos no art. 85, § 11, do CPC/2015 se materializam após o início de vigência deste novo Código.

Por isso, o STJ editou o Enunciado Administrativo n. 7, que diz: “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”.

No caso concreto, a sentença foi proferida durante a vigência do CPC/1973; porém, o acórdão a quo (acórdão do TJ) que julgou apelação contra a sentença já foi publicado durante a vigência do CPC/2015. A parte interpôs recurso especial contra esse acórdão e o STJ, ao negar provimento ao recurso, o deverá condenar o recorrente ao pagamento de honorários advocatícios recursais, considerando que, no momento da publicação do acórdão recorrido (acórdão do TJ), os requisitos do art. 85, § 11, do CPC/2015 estavam em vigor.

STJ. 1ª Seção. EAREsp 1.402.331-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 09/09/2020 (Info 679).

Honorários advocatícios recursais Se a parte recorrente perde (seu recurso é improvido), ela deverá, como regra, ser condenada em honorários advocatícios mesmo já tendo sido condenada em 1ª instância? SIM. Agora, com o novo CPC, em regra, existe condenação em honorários advocatícios para a parte que interpôs recurso, mas sucumbiu. Esta previsão encontra-se no § 11 do art. 85 do CPC/2015:

Art. 85 (...) § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

Ex: Ricardo ajuizou ação contra Antônio, sendo o pedido julgado improcedente. O juiz condenou Ricardo a pagar 10% de honorários advocatícios (§ 2º do art. 85). O autor não se conformou e interpôs apelação, tendo o Tribunal de Justiça mantido a sentença e aumentado a condenação em honorários para 15%, na forma do § 11 do art. 85. Veja o que diz a doutrina sobre este importante § 11 do art. 85 do novo CPC:

“Esta é uma das principais inovações do CPC/2015. No CPC/1973, em cada processo, havia uma única condenação em honorários. No novo sistema, a cada recurso, há a majoração na condenação em honorários – além daqueles já fixados anteriormente. 13.1. O teto para a fixação dos honorários é o limite previsto no § 2º (20%, no caso de particulares) e § 3º (3% a 20%, conforme a faixa, no caso da Fazenda Pública). Ou seja, mesmo com a sucumbência recursal, o teto de 20% de honorários não poderá ser ultrapassado. (...) 13.3. Ao julgar o recurso, de ofício, o tribunal irá aumentar os honorários. Assim, é possível que, no cotidiano, ocorra o seguinte: condenação em 10% quando da sentença, majorada para 15% quando do acórdão da apelação e para 20% quando do acórdão do recurso especial (por ser esse o teto legal, como visto). Mas o mais provável é que

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ocorra o seguinte: condenação em 10% quando da sentença, majorada para 20% quando do acórdão da apelação e mantida nesses 20% quando do acórdão de eventual recurso especial (exatamente por ser o teto legal). 13.4. Em virtude de quais recursos deve ser aplicada a sucumbência recursal? Seriam todos os recursos previstos no artigo 994 do CPC/2015? Como o § 11 destaca “tribunal”, é de se concluir que não há a aplicação em 1º grau. Assim, quando dos embargos de declaração da interlocutória ou sentença, descabe aplicar honorários recursais." (DELLORE, Luiz. Comentários ao art. 85 do CPC. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015 - Parte Geral. São Paulo: Método, 2015, p. 298-299).

Essa nova previsão tem dois objetivos principais: 1º) Remunerar o trabalho do advogado que terá que atuar também na fase de recurso; 2º) Desestimular a interposição de recursos, considerando que, agora, se eles forem improvidos, o recorrente terá que pagar honorários advocatícios, o que não existia antes. Nesse sentido:

O § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade, devendo atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir recursos provenientes de decisões condenatórias antecedentes. (...) STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 370.579/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 23/06/2016.

Requisitos Para que haja a fixação dos honorários advocatícios recursais, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos: a) a decisão recorrida deve ter sido publicada na vigência do CPC/2015, consoante o Enunciado Administrativo 7; b) o recurso deve ter sido desprovido ou não conhecido; c) a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; d) deve-se respeitar os percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1630330/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 07/12/2020. Vimos acima que os honorários advocatícios recursais são uma novidade do CPC/2015. A partir dessa premissa, imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação contra Pedro. Em 2014, ou seja, na vigência do CPC/1973, o juiz julgou o pedido improcedente, condenando o autor a pagar 10% de honorários advocatícios de sucumbência em favor do réu. João interpôs apelação. Em 2016, já sob a vigência do CPC/2015, o Tribunal de Justiça negou provimento à apelação. O TJ deverá condenar o autor ao pagamento de honorários advocatícios recursais? NÃO. Como a decisão recorrida (no caso, a sentença) foi publicada na vigência do CPC/1973, não será cabível honorários recursais. O direito subjetivo decorre da concretização dos requisitos legais previstos pelo direito objetivo vigente. Em palavras mais simples, o direito subjetivo (direito de exigir algo) surge no momento em que são preenchidos os requisitos legais. Assim, o direito aos honorários advocatícios recursais será devido quando os requisitos previstos no art. 85, § 11, do CPC/2015 se materializam após o início de vigência deste novo Código. No exemplo acima, a decisão contra a qual se recorreu (sentença) foi publicada na vigência do CPC/1973. Logo, no momento em que o TJ julgar o recurso interposto contra essa decisão (sentença), não haverá condenação em honorários advocatícios recursais.

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Por isso, o STJ editou o Enunciado Administrativo n. 7, que diz: “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”. Nesse sentido:

(...) II. Firme é o entendimento do STJ no sentido de que “deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ (...) (...) Assim, somente nos recursos interpostos contra decisão publicada após a entrada em vigor do CPC/2015 podem incidir os novos regramentos acerca da fixação de verba honorária recursal. Nessa intelecção, não seria a data do ato judicial decisório que determinaria a aplicação do art. 85, § 11, do CPC/2015, mas a data em que publicada a decisão contra a qual é interposto o recurso. (...) STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1275224/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 29/04/2020.

Suponhamos que João não se conforme e, contra o acórdão do TJ, ele interpõe recurso especial. O STJ, em 2017, nega provimento ao Resp. O STJ deverá condenar o recorrente ao pagamento de honorários advocatícios recursais? SIM.

No caso, a sentença foi proferida durante a vigência do CPC/1973; porém, o acórdão a quo (acórdão do TJ) foi publicado durante a vigência do CPC/2015. Logo, ao negar provimento ao recurso especial, o STJ deverá condenar o recorrente ao pagamento de honorários advocatícios recursais, considerando que, no momento da publicação do acórdão recorrido (acórdão do TJ), os requisitos do art. 85, § 11, do CPC/2015 estavam em vigor. STJ. 1ª Seção. EAREsp 1.402.331-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 09/09/2020 (Info 679).

Para resumir:

• Decisão foi publicada na vigência do CPC/1973: se a parte recorrer contra essa decisão e perder, não pagará honorários advocatícios recursais (quando a parte optou por recorrer não existia essa figura).

• Decisão foi publicada na vigência do CPC/2015: se a parte recorrer contra essa decisão e perder, haverá pagamento de honorários advocatícios recursais. Isso porque quando a parte optou por recorrer, já existia o art. 85, § 11 do CPC/2015. Logo, ela sabia da possibilidade de pagar essa quantia. Confira essa ilustrativa ementa em voto do mesmo Relator, o excelente Ministro Mauro Campbell Marques:

(...) 2. A despeito de ter a sentença sido proferida na égide do CPC/1973, o recurso especial foi interposto na vigência do CPC/2015, sendo cabível, portanto, a majoração dos honorários a título de sucumbência recursal na forma do § 11 do art. 85 do CPC/2015 e do Enunciado Administrativo nº 7 do STJ. No caso, a verba honorária foi arbitrada na sentença em 5% sobre o valor da causa, razão porque se majora tal verba para 6% sobre o valor da causa (montante total de honorários advocatícios), respeitados os limites máximos previstos nos § § 2º e 3º do referido dispositivo legal. Ressalte-se que não poderia haver majoração de honorários no Tribunal a quo a título de sucumbência recursal, uma vez que a apelação foi interposta na vigência do CPC/1973 que não previa o instituto da sucumbência recursal, o que não afasta sua aplicação no âmbito do recurso especial interposto na vigência do novo código processual, consoante a inteligência do Enunciado Administrativo nº 7 desta Corte (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC). (...) STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1374617/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 23/11/2020.

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Vale a pena também transcrever a seguinte ementa:

(...) 2. O Superior Tribunal de Justiça tem farta jurisprudência no sentido de que é indiferente a data do ajuizamento da ação ou a do julgamento dos recursos correspondentes, pois a lei aplicável para a fíxação inicial da verba honorária é aquela vigente na data da sentença/acórdão que a impõe. (...) 3. A essa jurisprudência há que se adicionar o entendimento do STJ em relação à vigência do novo Código de Processo Civil (CPC/2015), que estabeleceu como novidade os honorários sucumbenciais recursais. Sendo assim, para os recursos interpostos de decisões/acórdãos publicados já na vigência do CPC/2015 (em 18.03.2016) é cabível a fixação de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85. §11, do CPC/2015: Enunciado Administrativo 7/STJ - "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, §11, do NCPC". 4. São possíveis, em princípio, quatro situações: a) se o processo tiver sentença, decisão em segundo grau e decisão em instância especial todos na vigência do CPC/1973: aplica-se integralmente o regime previsto no art. 20 do CPC/1973 para todo o processo, não havendo que se falar em honorários sucumbenciais recursais; b) se o processo tiver sentença e decisão em segundo grau na vigência do CPC/1973 e decisão em instância especial na vigência do CPC/2015: b.1) utiliza-se o regime previsto no art. 20. do CPC/1973 para a fixação dos honorários na sentença; b.2) não há honorários sucumbenciais recursais no julgamento do recurso da sentença (v.g. no julgamento da Apelação ou do Agravo); b.3) não há honorários sucumbenciais recursais no julgamento do recurso da decisão de segundo grau (v.g. no julgamento do Recurso Especial); c) se o processo tiver sentença na vigência do CPC/1973 e acórdão em segundo grau e acórdão em instância especial na vigência do CPC/2015: c.1) adota-se o regime previsto no art. 20 do CPC/1973 para a fixação dos honorários na sentença, c.2) não há honorários sucumbenciais recursais no julgamento do recurso da sentença (v.g. no julgamento da Apelação ou do Agravo), c.3) há honorários sucumbenciais recursais no julgamento do recurso da decisão de segundo grau (v.g. no julgamento do Recurso Especial); d) se o processo tiver sentença, acórdão em segundo grau e acórdão em instância especial na vigência do CPC/2015: d.1) aplica-se o regime previsto no art. 85. do CPC/2015 para a fixação dos honorários na sentença, d.2) há honorários sucumbenciais recursais no julgamento do recurso da sentença (v.g. no julgamento da Apelação ou do Agravo), d.3) há honorários sucumbenciais recursais no julgamento do recurso da decisão de segundo grau (v.g. no julgamento do Recurso Especial). Dito de outra forma, ocorre a aplicação integral do CPC/2015. (...) STJ. 2ª Turma. EDcl no REsp 1826150/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/04/2020.

Lembrando que os honorários advocatícios recursais funcionam como um ônus processual devido em razão da inauguração de nova instância recursal, tendo o objetivo de desestimular que a parte interponha recursos. Logo, se no momento em que foi publicada a decisão já estava em vigor o art. 85, § 11 do CPC/2015 e mesmo assim a parte quis “arriscar” e recorrer, ela já sabe que, em caso de improvimento, deverá pagar honorários advocatícios recursais.

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PROCESSO COLETIVO / JUIZADOS ESPECIAIS Não é possível ajuizar cumprimento de sentença no Juizado Especial da Fazenda Pública para executar individualmente título judicial oriundo de ação coletiva, ainda que o valor individual

cobrado seja inferior a 60 SM

Caso concreto: uma ação coletiva que envolveu milhares de servidores públicos de Santa Catarina tramitou na vara da Fazenda Pública e foi julgada procedente. Um dos servidores formulou pedido de cumprimento individual da sentença. Ocorre que esse pedido de execução foi feito no juizado especial da Fazenda Pública (e não na vara da Fazenda Pública). O argumento do autor foi o de que o valor da execução individual era inferior a 60 salários mínimos.

O STJ afirmou que essa execução individual da sentença coletiva não poderia tramitar no Juizado.

Não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em ação coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei nº 12.153/2009 ao juízo comum da execução.

O art. 2º, § 1º, I, da Lei nº 12.153/2009 afirma que não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos, o que é argumento suficiente para excluir a competência executória de sentenças exaradas em ações coletivas.

A Lei nº 12.153/2009 e as respectivas normas de aplicação subsidiária determinam que os Juizados Especiais da Fazenda Pública têm competência para apreciar apenas as execuções de seus próprios julgados ou de títulos extrajudiciais.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.804.186-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/08/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1029) (Info 679).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: O Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público de Blumenau/SC ajuizou ação contra o Poder Público pedindo o reconhecimento de determinada gratificação. A ação foi distribuída para a 1ª Vara da Fazenda Pública. O pedido foi julgado procedente e houve trânsito em julgado. Agora é necessária a execução individual por parte de cada servidor beneficiado. João, um dos servidores beneficiados, formulou pedido de cumprimento individual da sentença. Ocorre que esse pedido de execução foi feito no juizado especial da Fazenda Pública (e não na vara da Fazenda Pública). O argumento do autor foi o de que o valor da execução individual era inferior a 60 salários mínimos. Agiu corretamente João? Essa execução individual da sentença coletiva pode tramitar no Juizado Especial da Fazenda Pública? NÃO.

Não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em ação coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei nº 12.153/2009 ao juízo comum da execução. STJ. 1ª Seção. REsp 1.804.186-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/08/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1029) (Info 679).

Juizados Especiais da Fazenda Pública Compete ao Juizado Especial da Fazenda Pública processar e julgar as causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 salários mínimos.

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Neste microssistema, são julgadas as causas de até 60 salários mínimos, de competência da Justiça Estadual, e que tenham como réus os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública são regidos pela Lei nº 12.153/2009:

Art. 1º Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência. Parágrafo único. O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Lei nº 12.153/2009 exclui de sua competência o julgamento de demandas envolvendo interesses difusos ou coletivos O art. 2º, § 1º, I, da Lei nº 12.153/2009 afirma que não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos. Confira:

Art. 2º É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. § 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública: I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos; (...)

Essa previsão é argumento suficiente para excluir do Juizado Especial da Fazenda Pública a competência para executar sentenças exaradas em ações coletivas. Além disso, a Lei nº 12.153/2009 e as respectivas normas de aplicação subsidiária (ex: Lei nº 9.099/95 e CPC) determinam que os Juizados Especiais da Fazenda Pública têm competência para fazer a execução apenas de seus próprios julgados ou de títulos extrajudiciais.

DIREITO PENAL

AGRAVANTES Não se aplica a agravante do art. 61, II, “h”, do CP ao furto praticado

aleatoriamente em residência sem a presença do morador idoso

Não se aplica a agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal na hipótese em que o crime de furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários não se encontravam no imóvel, não havendo que se falar, portanto, em ameaça à vítima ou em benefício do agente para a prática delitiva em razão de sua condição de fragilidade.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

II - ter o agente cometido o crime:

h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;

STJ. 5ª Turma. HC 593.219-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João caminhava nas ruas de um bairro e decidiu furtar uma da casa. Ele arrombou o cadeado do portão e a fechadura da porta e ingressou na residência. Subtraiu um notebook que estava em cima da mesa e fugiu. Ocorre que um dos vizinhos presenciou o momento em que João saía da casa e chamou a polícia, que prendeu o agente quando ele caminhava na outra rua. Vale ressaltar que a casa e o notebook pertenciam à Paul, um aposentado de 63 anos, que não se encontrava na residência no momento do furto. João foi denunciado e condenado pela prática de furto qualificado pelo arrombamento. O juiz aplicou contra João a agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal considerando que a vítima é mais de 60 anos:

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II - ter o agente cometido o crime: h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;

A defesa recorreu afirmando que não poderia incidir essa agravante com base em dois argumentos: 1) o agente não conhecia a vítima e não sabia que ele tinha mais que 60 anos de idade; 2) a vítima não estava em casa no momento do furto. O primeiro argumento da defesa pode ser acolhido? NÃO. Por se tratar de agravante de natureza objetiva, a incidência do art. 61, II, “h”, do CP não depende da prévia ciência pelo réu da idade da vítima, sendo, de igual modo, desnecessário perquirir se tal circunstância, de fato, facilitou ou concorreu para a prática delitiva, pois a maior vulnerabilidade do idoso é presumida. Nesse sentido:

Quanto à agravante prevista no art. 61, II, h, do Código Penal, da mesma maneira o aresto atacado expõe claramente o motivo pelo qual não se faz pertinente a pretensão recursal da defesa de afastá-la do caso concreto. Foi considerado a prática do crime de constrangimento ilegal contra pessoa idosa, maior de 60 (sessenta) anos, e registrado, ainda, o entendimento prevalecente nesta Corte Superior, no sentido de que o critério para a aplicação da referida agravante é objetivo, sendo irrelevante o conhecimento desta circunstância pelo agressor. STJ. 5ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1722345/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 20/8/2019.

Quanto à alegação de que o paciente não teria conhecimento da idade da vítima, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a referida circunstância tem natureza objetiva, a qual independe do conhecimento do agente para sua incidência, uma vez que a vulnerabilidade do idoso é presumida. STJ. 5ª Turma. HC 403.574/AC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/5/2018.

O segundo argumento da defesa pode ser aceito? SIM. A incidência da agravante ocorre em razão da fragilidade, vulnerabilidade da vítima perante o agente, em razão de sua menor capacidade de defesa, o que, conforme já explicado, é presumida. Contudo, no caso concreto, não se verifica qualquer nexo entre a ação do réu e a condição de vulnerabilidade da vítima. Isso porque o furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando o proprietário não se encontrava no imóvel, não havendo que se falar, portanto, em ameaça à vítima ou em benefício do agente para a prática delitiva em razão de sua condição de fragilidade.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 50

Além disso, a residência foi escolhida de forma aleatória, restando claro que o bem subtraído poderia ser de propriedade de qualquer pessoa, nada indicando a condição de idoso do morador da casa invadida. Em suma:

Não se aplica a agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal na hipótese em que o crime de furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários não se encontravam no imóvel, não havendo que se falar, portanto, em ameaça à vítima ou em benefício do agente para a prática delitiva em razão de sua condição de fragilidade. STJ. 5ª Turma. HC 593.219-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

HOMICÍDIO A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de

homicídio pela valoração negativa das consequências do crime

Importante!!!

O homicídio perpetrado conta a vítima jovem ceifa uma vida repleta de possibilidades e perspectivas, que não guardam identidade ou semelhança com aquelas verificadas na vida adulta.

Há que se sopesar, ainda, as consequências do homicídio contra vítima de tenra idade no núcleo familiar respectivo: pais e demais familiares enlutados por um crime que subverte a ordem natural da vida. Não se pode olvidar, ademais, o aumento crescente do número de homicídios perpetrados contra adolescentes no Brasil, o que reclama uma resposta estatal.

Assim, deve prevalecer a orientação no sentido de que a tenra idade da vítima (menor de 18 anos de idade) é elemento concreto e transborda aqueles inerentes ao crime de homicídio, sendo apto, pois, a justificar o agravamento da pena-base, mediante valoração negativa das consequências do crime, ressalvada, para evitar bis in idem, a hipótese em que aplicada a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º (parte final), do Código Penal.

STJ. 3ª Seção. AgRg no REsp 1.851.435-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/08/2020 (Info 679).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: João, de forma dolosa, matou Pedro, jovem de 15 anos de idade. Após ser condenado pelo Tribunal do Júri, o juiz togado lavrou a sentença e, na primeira fase da dosimetria da pena (art. 59 do CP), aumentou a pena-base utilizando-se da seguinte fundamentação: “considero que as CONSEQUÊNCIAS do crime foram especialmente graves porque a vítima perdeu sua vida quando ainda jovem”. Agiu corretamente o magistrado? O fato de a vítima ser menor de 18 anos é justificativa idônea para que o juiz aumente a pena-base (consequências negativas)? SIM.

A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de homicídio pela valoração negativa das consequências do crime. STJ. 3ª Seção. AgRg no REsp 1.851.435-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/08/2020 (Info 679).

O homicídio perpetrado conta a vítima jovem ceifa uma vida repleta de possibilidades e perspectivas, que não guardam identidade ou semelhança com aquelas verificadas na vida adulta.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 51

Há que se sopesar, ainda, as consequências do homicídio contra vítima de tenra idade no núcleo familiar respectivo: pais e demais familiares enlutados por um crime que subverte a ordem natural da vida. Não se pode esquecer, ademais, o aumento crescente do número de homicídios perpetrados contra adolescentes no Brasil, o que reclama uma resposta estatal. Assim, deve prevalecer a orientação no sentido de que a tenra idade da vítima (menor de 18 anos de idade) é elemento concreto e transborda aqueles inerentes ao crime de homicídio, sendo apto, pois, a justificar o agravamento da pena-base, mediante valoração negativa das consequências do crime. Não pode gerar bis in idem Vale fazer uma última ressalva: se a vítima for menor de 14 anos, a decisão tecnicamente mais correta é utilizar a idade da vítima como causa de aumento de pena, nos termos do art. 121, § 4º, parte final, do CP:

Art. 121 (...) § 4º (...) Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

Não é possível utilizar a idade da vítima para aumentar a pena-base (primeira fase da dosimetria da pena) e para fazer incidir a causa de aumento de pena do art. 121, § 4º, do CP. Se essa circunstância (tenra idade da vítima) for utilidade em dois momentos diferentes da dosimetria da pena, o caso é de bis in idem, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA A ausência de contumácia no não recolhimento do ICMS em operações próprias conduz ao

reconhecimento da atipicidade da conduta

No caso dos autos, a conduta típica imputada ao réu restringe-se ao não recolhimento do ICMS relativo a 1 (um) mês. Portanto, nos termos do atual entendimento do STF, deve-se concluir que, embora a conduta do réu se se subsuma formalmente ao art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, diante da ausência de contumácia, não há tipicidade na conduta, o que gera, por conseguinte, à absolvição do réu.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.867.109-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é sócio-gerente de uma loja de confecções. Ele vendeu diversas roupas e, no preço, embutiu os custos que ele teria com o ICMS. Em outras palavras, ele realizou operações que configuram fato gerador de ICMS. O agente entregou a Guia de Informação e Apuração do ICMS (chamada de GIA) ao Fisco Estadual, mas não recolheu o tributo devido. Sobre o tema, vale lembrar a Súmula 436 do STJ: A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco. Diante da ausência de pagamento, João foi cobrado pelo Fisco. Além disso, o Ministério Público denunciou o agente pela prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. A Lei nº 8.137/90 define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Os arts. 1º e 2º da Lei trazem os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária. O art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 é conhecido pela doutrina e jurisprudência como “apropriação indébita tributária”. Veja:

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 52

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (...) Art. 2º Constitui crime da mesma natureza: (...) II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; (...) Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Vale ressaltar que João vem praticando essa mesma conduta há pelo menos dois anos. A conduta de João, em tese, enquadra-se no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90? SIM.

O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. STF. Plenário. RHC 163334/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/12/2019 (Info 964).

E se João tivesse feito isso apenas uma vez, ou seja, o débito com o Fisco se refere tão somente a 1 mês. Neste caso, mesmo assim, teria havido o crime? NÃO. Segundo a tese fixada pelo STF no RHC 163334/SC, para que reste configurado o crime é indispensável que o não recolhimento do tributo tenha ocorrido de forma reiterada, ou seja, é indispensável a contumácia. Em suma:

A ausência de contumácia no não recolhimento do ICMS em operações próprias conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta. No caso dos autos, a conduta típica imputada ao réu restringe-se ao não recolhimento do ICMS relativo a 1 (um) mês. Portanto, nos termos do atual entendimento do STF, deve-se concluir que, embora a conduta do réu se se subsuma formalmente ao art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, diante da ausência de contumácia, não há tipicidade na conduta, o que gera, por conseguinte, à absolvição do réu. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.867.109-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício,

converta a prisão em flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento)

Importante!!!

Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento)

Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial.

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Informativo 679-STJ (09/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 53

A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial.

Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.

A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.

STJ. 5ª Turma. HC 590.039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

Em sentido contrário temos a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve: mesmo após as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019), não há ilegalidade na conversão da prisão em flagrante em preventiva, de ofício, pelo magistrado (STJ. 6ª Turma. HC 605.305-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 06/10/2020).

Antes da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a jurisprudência entendia que o juiz, após receber o auto de prisão em flagrante, poderia, de ofício, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva. A conclusão era baseada na redação do art. 310, II, do CPP:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (...) II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Nesse sentido:

Jurisprudência em Teses (Ed. 120) Tese 10) Não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP.

Ocorre que a Lei nº 13.964/2019 revogou os trechos do CPP que previam a possibilidade de decretação da prisão preventiva ex officio. Veja:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 282. (...) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Art. 282. (...) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Conclusões: Antes da Lei nº 13.964/2019, o juiz podia conceder medidas cautelares de ofício?

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Com base na redação anterior do art. 282, § 2º do CPP, a posição majoritária era a seguinte: • Na fase do inquérito policial: NÃO. Aqui era necessário pedido ou requerimento. Exceção: conversão do flagrante em prisão preventiva. • Na fase judicial: SIM. O § 2º do art. 282 afirmava isso expressamente.

Após a Lei nº 13.964/2019, o juiz pode conceder medidas cautelares de ofício? NÃO. A Lei alterou a redação do § 2º do art. 282 do CPP e acabou com a possibilidade.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Conclusão: foi excluída expressamente a possibilidade que existia antes de que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício (sem requerimento).

E o art. 310 do CPP, foi alterado pelo Pacote Anticrime? Apenas o caput, para deixar clara a indispensabilidade da realização da audiência de custódia. Confira:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (...)

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (...)

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Conclusão: o caput do art. 310 foi alterado para incluir, no texto do CPP, a obrigatoriedade da audiência de custódia. O inciso II não foi modificado.

Depois das alterações promovidas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), permanece a possibilidade de o juiz converter, de ofício, a prisão em flagrante em prisão preventiva? A maioria da doutrina que comentou o Pacote respondeu que não.

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Para a doutrina majoritária, esse entendimento estaria superado com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que teria proibido qualquer prisão decretada de ofício pelo magistrado. Veja:

“De acordo com a nova redação do art. 310, II, do CPP, verificada a legalidade da prisão em flagrante, o juiz poderá fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, hipótese em que deverá ser expedido um mandado de prisão. Para tanto, é indispensável que seja provocado nesse sentido, pois jamais poderá fazê-lo de ofício, sob pena de violação aos arts. 3º-A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1052).

E a jurisprudência? Também seguiu no mesmo caminho:

Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial. A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial. Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade. A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. STJ. 5ª Turma. HC 590.039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020 (Info 682). STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

Em sentido contrário temos a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:

Mesmo após as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019), não há ilegalidade na conversão da prisão em flagrante em preventiva, de ofício, pelo magistrado. STJ. 6ª Turma. HC 605.305-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 06/10/2020.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS Dilatação volumétrica de combustível pelo calor não constitui fato gerador de ICMS

A entrada a maior do combustível, em razão da variação da temperatura ambiente de carregamento e descarregamento se constitui em um fenômeno físico de dilatação volumétrica.

A fenomenologia física de dilatação volumétrica do combustível não se amolda à descrição normativa hipotética que constitui o fato gerador do ICMS.

Se o volume de combustível se dilatou ou se retraiu, não há se falar em estorno ou cobrança a maior do ICMS, uma vez que, na hipótese, não há que se qualificar juridicamente um fenômeno da física, por escapar da hipótese de incidência tributária do imposto.

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Não há novo fato gerador ocorrido com a variação volumétrica de combustíveis líquidos, uma vez que não se está diante de uma nova entrada ou saída intermediária não considerada para o cálculo do imposto antecipado, mas de mera expansão física de uma mercadoria volátil por natureza.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.884.431-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

ICMS O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

O ICMS pode ter os seguintes fatos geradores:

• circulação de mercadorias;

• prestação de serviços de transporte intermunicipal;

• prestação de serviços de transporte interestadual;

• prestação de serviços de comunicação. É cabível ICMS na compra e venda de combustíveis? SIM. Isso porque o combustível é considerado uma mercadoria. Imagine agora a seguinte situação hipotética: A Ipiranga Produtos de Petróleo S.A adquiriu 1000 litros de combustível para serem revendidos. Ao fazer isso, a Ipiranga pagou ICMS ao Estado-membro, tributo calculado com base em 1000 litros. Ocorre que, no momento da saída da mercadoria, o Fisco constatou a existência de quantidade a maior de combustível no estoque do que aquela documentalmente registrada. Havia 1050 litros de combustível. Isso, contudo, se deu por causa da variação da temperatura ambiente de carregamento e descarregamento. No momento do carregamento, a temperatura estava em 18ºC. Ocorre que na saída, a temperatura havia subido para 30ºC, o que gerou a dilatação volumétrica do combustível. Cobrança do Fisco da diferença O Fisco estadual argumentou que essa diferença volumétrica tem gerado perdas de arrecadação ao Estado considerando que o volume do produto aferido para fins de tributação é inferior ao comercializado. De acordo com a Fazenda Pública, o combustível adquirido pelas distribuidoras para comercialização é entregue pelas refinarias a uma temperatura padrão definida pelos órgãos reguladores, mas a variação da temperatura ambiente durante o transporte, o armazenamento e a comercialização faz com que o produto sofra retração ou dilatação. No caso dos Estados do Nordeste, as temperaturas em que o combustível é comercializado são bem superiores à padrão, o que gera ganho de volume para a distribuidora. Diante disso, a Fazenda Pública da Paraíba defendeu que seria possível a cobrança do ICMS sobre a diferença entre o volume de entrada e o de saída do combustível, sustentando que a caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitui, nos termos do § 2º do art. 2º da LC 87/96 (Lei Kandir):

Art. 2º (...) § 2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.

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O argumento do Fisco foi acolhido pelo STJ? NÃO.

A dilatação volumétrica de combustível pelo calor não constitui fato gerador de ICMS. STJ. 1ª Turma. REsp 1.884.431-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 08/09/2020 (Info 679).

A entrada a maior do combustível, em razão da variação da temperatura ambiente de carregamento e descarregamento se constitui em um fenômeno físico de dilatação volumétrica. A fenomenologia física de dilatação volumétrica do combustível não se amolda à descrição normativa hipotética que constitui o fato gerador do ICMS. Se o volume de combustível se dilatou ou se retraiu, não há se falar em estorno ou cobrança a maior do ICMS, uma vez que, na hipótese, não há que se qualificar juridicamente um fenômeno da física, por escapar da hipótese de incidência tributária do imposto. Não há novo fato gerador ocorrido com a variação volumétrica de combustíveis líquidos, uma vez que não se está diante de uma nova entrada ou saída intermediária não considerada para o cálculo do imposto antecipado, mas de mera expansão física de uma mercadoria volátil por natureza.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Mandado de injunção é via própria para pleitear a regulamentação do direito militar de ascensão

funcional do quadro especial do Exército Brasileiro. ( ) 2) O valor a ser restituído ao devedor fiduciante, quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de

busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito, deve ser o valor do veículo na Tabela FIPE à época da busca e apreensão. ( )

3) Após a citação, é possível a mera juntada da planta e do memorial descritivo, sem a anuência do demandado, desde que não implique em alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. ( )

4) Em dissolução de vínculo conjugal, é possível a partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento irregular, quando ausente a má-fé dos possuidores. ( )

5) É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. ( ) 6) Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta

(informação disjuntiva, material ou temporalmente) servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade. ( )

7) A eficácia do contrato de plano de saúde se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento da beneficiária, descabendo cobranças efetuadas em relação ao período posterior à comunicação e sendo viável que a notificação ocorra nos autos de processo cujo objeto seja o referido contrato. ( )

8) É legal a Resolução nº 113/2013 do INPI que afasta a aplicação do direito de restauração de patente, previsto no art. 87 da Lei nº 9.279/96, para as hipóteses de inadimplemento superior uma retribuição anual. ( )

9) O crédito decorrente das astreintes aplicadas no bojo de processo trabalhista deve ser habilitado na recuperação judicial na classe dos quirografários, e não na dos créditos trabalhistas. ( )

10) Não se pode arguir como matéria de defesa, em impugnação de crédito incidente à recuperação judicial, a existência de abusividade em cláusulas dos contratos de que se originou o crédito impugnado. ( )

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11) É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena. ( )

12) (Promotor MP/GO 2016 banca própria) Em se tratando de colocação em família substituta de criança ou adolescente indígena é, entre outros, obrigatório a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista e de antropólogos, perante equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. ( )

13) O trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas. ( )

14) É juridicamente existente a sentença proferida em ação de destituição de poder familiar ajuizada em desfavor apenas da genitora, no caso em que pretenso pai biológico não conste na respectiva certidão de nascimento do menor. ( )

15) O cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta deve ser regido pelo Código Florestal vigente à época da celebração do acordo. ( )

16) A compensação de danos ambientais ocorridos em reserva legal em data anterior à vigência da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal) precisa ser feita na mesma microbacia. ( )

17) A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado. ( )

18) (Promotor MP/PR 2017) As decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade que declaram inconstitucional lei ou ato normativo possuem mero efeito persuasivo. ( )

19) A inversão do ônus probatório leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade, sujeita as consequências processuais advindas da não produção da prova. ( )

20) Não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em ação coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei nº 12.153/2009 ao juízo comum da execução. ( )

21) Não se aplica a agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal na hipótese em que o crime de furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários não se encontravam no imóvel, não havendo que se falar, portanto, em ameaça à vítima ou em benefício do agente para a prática delitiva em razão de sua condição de fragilidade. ( )

22) A tenra idade da vítima não é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de homicídio pela valoração negativa das consequências do crime. ( )

23) A ausência de contumácia no não recolhimento do ICMS em operações próprias conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta. ( )

24) Dilatação volumétrica de combustível pelo calor constitui fato gerador de ICMS. ( ) Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. C 5. C 6. E 7. C 8. E 9. C 10. E

11. C 12. C 13. C 14. C 15. C 16. E 17. C 18. E 19. C 20. C

21. C 22. E 23. C 24. E