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Informativo 905-STF (13/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 905-STF Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo pelo fato de não terem sido ainda concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: ARE 906203 AgR-EDv/SP; ADPF 395/DF; ADPF 444/DF; MS 34401/DF. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL LIBERDADE DE EXPRESSÃO Cabe reclamação contra decisão judicial que determina retirada de matéria jornalística de blog. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Não cabe ADI contra decreto regulamentar de lei. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA Lei estadual que regule a forma de cobrança do ITCMD pela PGE não viola o CPC. VOTO IMPRESSO Inconstitucionalidade do voto híbrido previsto no art. 59-A da Lei 9.504/97. DIREITO ELEITORAL VOTO IMPRESSO Inconstitucionalidade do voto híbrido previsto no art. 59-A da Lei 9.504/97. DIREITO PENAL CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL Legitimidade ativa do Ministério Público e crime de estupro sem lesão corporal. DIREITO TRIBUTÁRIO CONTRIBUIÇÕES Constitucionalidade da contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários para as instituições financeiras (Lei 7.787/89). COFINS Instituições financeiras e majoração de alíquota da COFINS. PIS/PASEP PIS e alteração da base de cálculo para instituição financeira.

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Informativo 905-STF (13/06/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

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Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo pelo fato de não terem sido ainda concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: ARE 906203 AgR-EDv/SP; ADPF 395/DF; ADPF 444/DF; MS 34401/DF.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

LIBERDADE DE EXPRESSÃO Cabe reclamação contra decisão judicial que determina retirada de matéria jornalística de blog. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Não cabe ADI contra decreto regulamentar de lei. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA Lei estadual que regule a forma de cobrança do ITCMD pela PGE não viola o CPC. VOTO IMPRESSO Inconstitucionalidade do voto híbrido previsto no art. 59-A da Lei 9.504/97.

DIREITO ELEITORAL

VOTO IMPRESSO Inconstitucionalidade do voto híbrido previsto no art. 59-A da Lei 9.504/97.

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL Legitimidade ativa do Ministério Público e crime de estupro sem lesão corporal.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÕES Constitucionalidade da contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários para as instituições financeiras (Lei

7.787/89). COFINS Instituições financeiras e majoração de alíquota da COFINS. PIS/PASEP PIS e alteração da base de cálculo para instituição financeira.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

LIBERDADE DE EXPRESSÃO Cabe reclamação contra decisão judicial que determina retirada de matéria jornalística de blog

Importante!!!

Uma decisão judicial determinou a retirada de matéria de “blog” jornalístico, bem como a proibição de novas publicações, por haver considerado a notícia ofensiva à honra de delegado da polícia federal.

Essa decisão afronta o que o STF decidiu na ADPF 130/DF, que julgou não recepcionada a Lei de Imprensa.

A ADPF 130/DF pode ser utilizada como parâmetro para ajuizamento de reclamação que verse sobre conflito entre a liberdade de expressão e de informação e a tutela das garantias individuais relativas aos direitos de personalidade.

A determinação de retirada de matéria jornalística afronta a liberdade de expressão e de informação, além de constituir censura prévia. Essas liberdades ostentam preferência em relação ao direito à intimidade, ainda que a matéria tenha sido redigida em tom crítico.

O Supremo assumiu, mediante reclamação, papel relevante em favor da liberdade de expressão, para derrotar uma cultura censória e autoritária que começava a se projetar no Judiciário.

STF. 1ª Turma. Rcl 28747/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 5/6/2018 (Info 905).

Sobre o mesmo tema: STF. 1ª Turma. Rcl 22328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/3/2018 (Info 893).

A situação concreta foi a seguinte: Determinado blog publicou matéria jornalística criticando vazamentos de informações na “Operação Lava-Jato” e os atribuindo a uma Delegada e a membros do Ministério Público Federal que atuam na força tarefa. A referida Delegada ajuizou ação de indenização por danos morais acusando o jornalista responsável pelo blog de ter veiculado matérias jornalísticas supostamente atentatórias a sua honra. A autora, além de requerer reparação pecuniária pelas alegadas ofensas, postulou, em sede de tutela de urgência, a retirada das matérias publicadas do blog do jornalista, bem como a proibição de que ele divulgasse novas matérias acerca de sua atuação na “Operação Lava-Jato”. O juízo do 8ª Juizado Especial Cível de Curitiba (PR) concedeu liminar determinando a retirada da matéria jornalística veiculada no blog, sob pena de multa diária. Diante disso, o jornalista ingressou com reclamação no STF alegando que o magistrado, ao assim agir, teria violado a autoridade do que decidiu o Tribunal na ADPF 130, que entendeu que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) não foi recepcionada pela Constituição de 1988. A reclamação foi acolhida pelo STF (foi julgada procedente)? SIM. A 1ª Turma do STF julgou procedente a reclamação. Em matéria de liberdade de expressão, o STF tem aceitado julgar reclamações mesmo que não tenham correlação direta com o julgado no caso paradigma. A decisão representa afronta ao julgado na ADPF 130, pois não ficou claro que o intuito do jornalista tenha sido o de ofender a honra da delegada mediante a divulgação de notícia sabidamente falsa contra sua honra, mas sim apontar a existência de vazamentos de informações na Operação Lava-Jato e, para tanto, identificou supostas fontes.

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A jurisprudência do STF é no sentido de que deve haver uma maior tolerância quanto às matérias de cunho potencialmente lesivo à honra de agentes públicos, especialmente quando existente interesse público, como considera ser o caso do conteúdo das matérias jornalísticas excluídas do blog. A retirada de matéria divulgada em blog jornalístico exige uma caracterização inequívoca de comportamento doloso contra alguém. No caso concreto, houve apenas a divulgação de matéria com críticas à Lava-Jato. Em suma:

Essa decisão realmente afronta o que o STF decidiu na ADPF 130/DF, que julgou não recepcionada a Lei de Imprensa. A ADPF 130/DF pode ser utilizada como parâmetro para ajuizamento de reclamação que verse sobre conflito entre a liberdade de expressão e de informação e a tutela das garantias individuais relativas aos direitos de personalidade. A determinação de retirada de matéria jornalística afronta a liberdade de expressão e de informação, além de constituir censura prévia. Essas liberdades ostentam preferência em relação ao direito à intimidade, ainda que a matéria tenha sido redigida em tom crítico. O Supremo assumiu, mediante reclamação, papel relevante em favor da liberdade de expressão, para derrotar uma cultura censória e autoritária que começava a se projetar no Judiciário. STF. 1ª Turma. Rcl 28747/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 5/6/2018 (Info 905).

Se quiser aprofundar o tema, veja STF. 1ª Turma. Rcl 22328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/3/2018 (Info 893).

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Não cabe ADI contra decreto regulamentar de lei

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é meio processual inadequado para o controle de decreto regulamentar de lei estadual.

Seria possível a propositura de ADI se fosse um decreto autônomo. Mas sendo um decreto que apenas regulamenta a lei, não é hipótese de cabimento de ADI.

STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

Qual é o objeto da ADI? Quando se fala em objeto da ADI, o que se está querendo dizer é o seguinte: a ADI é proposta contra o que, contra qual norma... Assim, o objeto da ADI significa a norma que é impugnada por esta ação. O objeto da ADI está previsto no art. 102, I, “a”, da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (...)

Desse modo, a ADI pode ser proposta contra lei ou ato normativo federal ou estadual. Esse é o objeto da ADI. Objeto da ADI Podem ser objeto de ADI:

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- Lei ou ato normativo - federal ou estadual - editados posteriormente à promulgação da CF/88 e - que ainda estejam em vigor (se a lei perde vigência depois de proposta a ADI, esta, em regra, perde o objeto) E se uma lei estadual ou municipal for contrária à Constituição estadual? Nesse caso, quem julga a ADI é o Tribunal de Justiça local (art. 125, § 2º). No entanto, se a lei também contraria a CF/88, cabe recurso extraordinário para o STF. A lei municipal também pode ser objeto de ADPF julgada diretamente pelo STF (mas aí é assunto para uma outra oportunidade). Uma lei distrital (lei do DF) pode ser objeto de ADI? Depende. Como o Distrito Federal não é dividido em Municípios, ele goza cumulativamente das competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios (art. 32, § 1º, da CF/88). Em outras palavras, o Distrito Federal pode editar leis como se fosse um Estado-membro e também leis como se fosse um Município. Assim, existem leis do DF que tratam de assuntos estaduais e outras de assuntos locais (municipais). As leis que o DF editou no exercício de competência de Estado-membro (leis de assuntos estaduais) podem ser objeto de ADI. As leis que o DF editou no exercício de competência de Município (leis que ele editou como se fosse um Município) NÃO podem ser objeto de ADI. O que é lei ou ato normativo para fins de ADI? • todas as espécies normativas do art. 59 da CF/88; • qualquer outro ato que tenha conteúdo normativo (ex.: resolução ou deliberação administrativa de Tribunal). Um Decreto pode ser considerado ato normativo para os fins do art. 102, I, da CF/88? Um decreto pode ser objeto de ADI? Depende. • Decreto que apenas regulamenta uma lei: NÃO. Não cabe ADI contra decreto meramente regulamentar de lei. Isso porque, neste caso, esse decreto terá natureza de ato secundário. Nesse sentido:

(...) Vocacionada ao controle da constitucionalidade das leis e atos normativos, a ação direta de inconstitucionalidade não constitui meio idôneo para impugnar a validade de ato regulamentar e secundário em face de legislação infraconstitucional. (...) STF. Plenário. ADI 4127 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 16/10/2014.

• Decreto autônomo: SIM. Cabe ADI contra decreto autônomo. O decreto autônomo possui “coeficiente mínimo de normatividade, generalidade e abstração”, ou seja, ele retira seu fundamento de validade diretamente da Constituição Federal, não regulamentando nenhuma lei. Ele possui caráter essencialmente abstrato e primário.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é meio processual inadequado para o controle de decreto regulamentar de lei estadual. Seria possível a propositura de ADI se fosse um decreto autônomo. Mas sendo um decreto que apenas regulamenta a lei, não é hipótese de cabimento de ADI. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI

Importante!!!

O advogado que assina a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade precisa de procuração com poderes específicos. A procuração deve mencionar a lei ou ato normativo que será impugnado na ação. Repetindo: não basta que a procuração autorize o ajuizamento de ADI, devendo indicar, de forma específica, o ato contra o qual se insurge.

Caso esse requisito não seja cumprido, a ADI não será conhecida.

Vale ressaltar, contudo, que essa exigência constitui vício sanável e que é possível a sua regularização antes que seja reconhecida a carência da ação.

STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

Ex: uma entidade de classe de âmbito nacional contrata um escritório de advocacia para ajuizar uma ADI; na procuração outorgada pelo presidente dessa entidade deverá constar expressamente algo como: outorga poderes para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra os artigos X, Y e Z, da Lei nº XXX/XXXX. Veja outro precedente no mesmo sentido:

(...) A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da necessidade de subscrição da exordial por procurador devidamente amparado por poderes especiais para o questionamento do ato normativo. Nesse sentido, o ato de mandato deve conter descrição mínima do objeto digno de hostilização. 2. Admite-se a regularização processual do feito, contudo é próprio da economia processual deixar de intimar o Requerente para fazê-lo, quando se nota a carência da ação, que torna desnecessária a providência. (...) STF. Plenário. ADPF 480 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 13/04/2018.

VOTO IMPRESSO Inconstitucionalidade do voto híbrido previsto no art. 59-A da Lei 9.504/97

Importante!!!

É inconstitucional a lei que determina que, na votação eletrônica, o registro de cada voto deverá ser impresso e depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado (art. 59-A da Lei 9.504/97, incluído pela Lei 13.165/2015).

Essa previsão acaba permitindo a identificação de quem votou, ou seja, permite a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto, violando o art. 14 e o § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF/88 nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas.

O modelo híbrido trazido pelo art. 59-A constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem.

STF. Plenário. ADI 5889/DF, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

Veja comentários em Direito Eleitoral.

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COMPETÊNCIA LEGISLATIVA Lei estadual que regule a forma de cobrança do ITCMD pela PGE não viola o CPC

As disposições legais sobre a forma de cobrança do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) pela Procuradoria Geral do Estado e de sua intervenção em processos de inventário, arrolamento e outros de interesse da Fazenda Pública são regras de procedimento que não violam o Código de Processo Civil.

Neste caso, são normas eminentemente procedimentais, autorizadas pelo art. 24 da CF/88, que prevê a competência concorrente da União e dos Estados. A possibilidade de a Procuradoria-Geral do Estado intervir e ser ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos em nada atrapalha o processo.

STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

Lei do Estado de São Paulo A Lei nº 10.705/2000, do Estado de São Paulo, dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD. A Lei prevê, em seu art. 10, §§ 1º e 3º e em seu art. 28, as seguintes disposições:

Art. 10. O valor do bem ou direito na transmissão "causa mortis" é o atribuído na avaliação judicial e homologado pelo Juiz. § 1º - Se não couber ou for prescindível a avaliação, o valor será o declarado pelo inventariante, desde que haja expressa anuência da Fazenda, observadas as disposições do artigo 9°, ou o proposto por esta e aceito pelos herdeiros, seguido, em ambos os casos, da homologação judicial. (...) § 3º - As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, ás demais partilhas ou divisões de bens sujeitas a processo judicial das quais resultem atos tributáveis.

Art. 28. Compete à Procuradoria Geral do Estado intervir e ser ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos processados neste Estado, no interesse da arrecadação do imposto de que trata esta lei.

ADI O Conselho Federal da OAB ajuizou ADI contra este dispositivo. A entidade alegou que os §§ 1º e 3º do art. 10 e o art. 28 da Lei nº 10.705/2000 apresentam vício de inconstitucionalidade formal porque teriam invadido a competência da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF/88). O STF concordou com a tese? Tais dispositivos são inconstitucionais? NÃO. Neste caso, o Estado-membro não está legislando sobre Processo Civil, que é de competência privativa da União (art. 22, I, da CF/88). Os dispositivos impugnados tratam sobre PROCEDIMENTOS, sendo isso de competência concorrente, nos termos do art. 24, XI, da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XI - procedimentos em matéria processual;

• PROCESSO: competência privativa da União. • PROCEDIMENTOS em matéria processual: competência concorrente da União, Estados e DF.

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Dessa feita, em matéria de procedimento, cabe à União estabelecer as normas gerais (art. 24, § 1º) e os Estados têm competência para suplementar, ou seja, complementar (detalhar) essas normas gerais. O CPC (Lei federal nº 13.105/2015) traz regras de processo e também algumas normas gerais sobre procedimento. Desse modo, os Estados-membros podem legislar sobre procedimentos naquilo que não contrariar as normas gerais da União. Se não houver normas gerais da União tratando sobre procedimento, os Estados possuem competência legislativa plena. É isso que preveem os parágrafos do art. 24:

Art. 24 (...) § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Assim, o STF entendeu que os preceitos da Lei nº 10.705/2000 são normas eminentemente procedimentais, autorizadas pelo art. 24 da CF/88. A possibilidade de a Procuradoria-Geral do Estado intervir e ser ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos em nada atrapalha o processo. Pela legislação federal, a Fazenda Pública não fica adstrita ao valor declarado no processo dos bens do espólio. Será sempre notificada e irá instaurar procedimento administrativo para verificar se aqueles valores estão corretos ou não. A lei estadual dispõe que será instaurado o respectivo procedimento administrativo — como estabelece o CPC — se a Fazenda não concordar com o montante declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio. Por outro lado, se a Fazenda concordar com o valor nem será necessário instaurar qualquer procedimento administrativo. Os §§ 1º e 3º do art. 10 não afrontam a divisão de competência e têm a finalidade de facilitar a situação do contribuinte, com vistas à celeridade da prestação jurisdicional. Tais dispositivos estão inseridos também na competência concorrente em matéria tributária (art. 24, I, da CF/88). O art. 28 da Lei também pode ser considerado como norma de organização administrativa. Isso porque seu objetivo é definir qual órgão irá atuar naquele caso (PGE). Em suma:

As disposições legais sobre a forma de cobrança do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) pela Procuradoria Geral do Estado e de sua intervenção em processos de inventário, arrolamento e outros de interesse da Fazenda Pública são regras de procedimento que não violam o Código de Processo Civil. Neste caso, são normas eminentemente procedimentais, autorizadas pelo art. 24 da CF/88, que prevê a competência concorrente da União e dos Estados. A possibilidade de a Procuradoria-Geral do Estado intervir e ser ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos em nada atrapalha o processo. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

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DIREITO ELEITORAL

VOTO IMPRESSO Inconstitucionalidade do voto híbrido previsto no art. 59-A da Lei 9.504/97

Importante!!!

É inconstitucional a lei que determina que, na votação eletrônica, o registro de cada voto deverá ser impresso e depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado (art. 59-A da Lei 9.504/97, incluído pela Lei 13.165/2015).

Essa previsão acaba permitindo a identificação de quem votou, ou seja, permite a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto, violando o art. 14 e o § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF/88 nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas.

No entanto, o modelo híbrido trazido pelo art. 59-A constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem.

STF. Plenário. ADI 5889/DF, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

Impressão do voto eletrônico Em 2015, foi editada a Lei nº 13.165, que incluiu o art. 59-A da Lei nº 9.504/97 prevendo que, no dias das eleições, após o eleitor fazer a votação eletrônica na urna (como acontece hoje em dia), a urna eletrônica deveria imprimir o voto dado pelo eleitor e esse comprovante em papel seria depositado em uma urna tradicional. Isso serviria para o eleitor conferir que a urna eletrônica registrou seu voto corretamente e para eventual recontagem de votos caso houvesse alguma suspeita de fraude. Seria uma espécie de voto híbrido, sendo parte eletrônica e parte em papel. Veja a redação do dispositivo:

Art. 59-A. No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica. (Incluído pela Lei nº 13.165/2015)

ADI A Procuradoria-Geral da República ajuizou ADI contra essa previsão. Para a PGR, a reintrodução do voto impresso como forma de controle do processo eletrônico de votação “caminha na contramão da proteção da garantia do anonimato do voto e significa verdadeiro retrocesso”. Ao determinar a impressão do voto no processo de votação eletrônica, a norma legal coloca em risco o direito fundamental do cidadão ao sigilo de seu voto, previsto no art. 14 da Constituição Federal. Além disso, segundo a procuradora, a adoção do modelo impresso provoca risco à confiabilidade do sistema eleitoral, fragilizando o nível de segurança e eficácia da expressão da soberania nacional por meio do sufrágio universal. Na petição inicial argumenta-se também a respeito da situação das pessoas com deficiência visual e das analfabetas, que não terão condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que, mais uma vez, importará quebra do sigilo de voto.

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O que foi decidido? O STF deferiu liminar na ADI para suspender o art. 59-A na Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 13.165/2015. Este dispositivo viola a regra constitucional que garante o voto livre e secreto. Os Ministros entenderam que a sistemática prevista no art. 59-A permite a identificação de quem votou, ou seja, a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto. Outros argumentos apresentados pelos Ministros sustentaram a falta de proporcionalidade e razoabilidade da medida, uma vez que impõe altos custos de implantação – estimados em mais de R$ 2 bilhões – e traz riscos para a segurança das votações, sem haver garantia de que aumenta a segurança do sistema. Isso em um contexto em que faltam indícios de fraude generalizada no sistema de voto eletrônico, existente desde 1996. Foi ressaltada a confiança da população no sistema, tido como referência internacional, e no fato de que a alteração poderia, pelo contrário, minar essa confiança. Retrocesso Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas. No entanto, o modelo híbrido trazido pelo dispositivo impugnado constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem. Em suma:

É inconstitucional a lei que determina que, na votação eletrônica, o registro de cada voto deverá ser impresso e depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado (art. 59-A da Lei 9.504/97, incluído pela Lei 13.165/2015). Essa previsão acaba permitindo a identificação de quem votou, ou seja, permite a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto, violando o art. 14 e o § 4º do art. 60 da Constituição Federal. Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF/88 nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas. No entanto, o modelo híbrido trazido pelo art. 59-A constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem. STF. Plenário. ADI 5889/DF, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

Segunda tentativa Vale ressaltar que esta foi a segunda tentativa do legislador de retornar, pelo menos em parte, com o voto impresso no Brasil. A primeira ocorreu com a Lei nº 12.034/2009, que previu que, a partir das eleições de 2014, além do voto eletrônico, a urna deveria também imprimir um voto em papel para ser conferido pelo eleitor e depositado em um local previamente lacrado. Em 2013, o STF também julgou essa previsão inconstitucional sob o argumento de que haveria maiores possibilidades de violação ao sigilo dos votos, além de potencializar falhas e impedir o transcurso regular dos trabalhos nas diversas seções eleitorais. STF. Plenário. ADI 4543/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6/11/2013 (Info 727).

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DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL Legitimidade ativa do Ministério Público e crime de estupro sem lesão corporal

Importante!!!

A Súmula 608 do STF prevê que “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.”

O entendimento dessa súmula pode ser aplicado independentemente da existência da ocorrência de lesões corporais nas vítimas de estupro. A violência real se caracteriza não apenas nas situações em que se verificam lesões corporais, mas sempre que é empregada força física contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir segundo a sua vontade.

Assim, se os atos foram praticados sob grave ameaça, com imobilização de vítimas, uso de força física e, em alguns casos, com mulheres sedadas, trata-se de crime de estupro que se enquadra na Súmula 608 do STF e que, portanto, a ação é pública incondicionada.

STF. 2ª Turma. RHC 117978, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 05/06/2018 (Info 905).

A Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei nº 12.015/2009.

Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada mesmo após a Lei nº 12.015/2009.

STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/2/2018 (Info 892).

Ação penal no crime de estupro A ação penal no crime de estupro deve ser analisada antes e depois da Lei nº 12.015/2009. Veja como essa Lei alterou o art. 225 do Código Penal:

CÓDIGO PENAL

Antes da Lei nº 12.015/2009 Depois da Lei nº 12.015/2009

Art. 225. Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. § 1º Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família; II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. § 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

O estupro pode ser praticado mediante grave ameaça ou violência. Se o estupro é praticado mediante violência real, qual será a ação penal neste caso? Em 1984, o STF editou uma súmula afirmando que se trata de ação pública incondicionada. Confira:

Súmula 608-STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

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Com a edição da Lei nº 12.015/2009, a maioria da doutrina defendeu a ideia de que esta súmula teria sido superada. Isso porque o caput do art. 225 do Código Penal falou que a regra geral no estupro é a ação pública condicionada. Ao tratar sobre as exceções nas quais o crime será de ação pública incondicionada, o parágrafo único do art. 225 não fala em estupro com violência real. Logo, para os autores, teria havido uma omissão voluntária do legislador. O STF acatou esta tese? Depois da Lei nº 12.015/2009, o estupro praticado mediante violência real passou a ser de ação pública condicionada? Com a Lei nº 12.015/2009, a Súmula 608 do STF perdeu validade? NÃO. O tema ainda não está pacificado, mas a 1ª Turma do STF decidiu que:

A Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei nº 12.015/2009. Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada. STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/2/2018 (Info 892).

Vale ressaltar que é dispensável a ocorrência de lesões corporais para a caracterização da violência real nos crimes de estupro. Em outras palavras, mesmo que a violência praticada pelo agressor não deixe marcas, não gere lesões corporais na vítima, ainda assim a ação será pública incondicionada:

Nos termos da Súmula 608 do STF, no crime de estupro praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada. O entendimento dessa súmula pode ser aplicado independentemente da existência da ocorrência de lesões corporais nas vítimas de estupro. A violência real se caracteriza não apenas nas situações em que se verificam lesões corporais, mas sempre que é empregada força física contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir segundo a sua vontade. Assim, se os atos foram praticados sob grave ameaça, com imobilização de vítimas, uso de força física e, em alguns casos, com mulheres sedadas, trata-se de crime de estupro que se enquadra na Súmula 608 do STF e que, portanto, a ação é pública incondicionada. STF. 2ª Turma. RHC 117978, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 05/06/2018 (Info 905).

E no caso de estupro que resulta lesão corporal grave ou morte (art. 213, §§ 1º e 2º)? Qual será a ação penal nestas hipóteses? Pela interpretação que a doutrina majoritária tem dado ao art. 225 do CP, a ação penal seria pública condicionada. No entanto, a Procuradoria-Geral da República ajuizou uma ADI contra a nova redação do art. 225 do Código Penal, dada pela Lei nº 12.015/2009. Na ação, a PGR pede que o caput do art. 225 seja declarado parcialmente inconstitucional, sem redução de texto, apenas “para excluir do seu âmbito de incidência os crimes de estupro qualificado por lesão corporal grave ou morte, de modo a restaurar, em relação a tais modalidades delituosas, a regra geral da ação penal pública incondicionada (artigo 100 do Código Penal e artigo 24 do Código de Processo Penal)”. Em outras palavras, a PGR pediu que o STF interprete o art. 225 do CP dizendo que o estupro que resulte lesão corporal grave ou morte será crime de ação pública incondicionada. O processo é a ADI 4301, que deve ser julgada ainda este ano. Vale ressaltar que, com a decisão acima explicada (HC 125360/RJ), ganha força essa ADI proposta pela PGR e a tendência é que ela seja julgada procedente. Resumindo. Ação penal no caso de estupro (após a Lei nº 12.015/2009): Regra: ação penal condicionada à representação. Exceções: • Vítima menor de 18 anos: incondicionada.

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• Vítima vulnerável: incondicionada. • Se foi praticado mediante violência real: incondicionada (Súmula 608-STF). • Se resultou lesão corporal grave ou morte: polêmica acima exposta. Deve ser aplicado o mesmo raciocínio da Súmula 608-STF.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÕES Constitucionalidade da contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários

para as instituições financeiras (Lei 7.787/89)

É constitucional a contribuição adicional de 2,5% (dois e meio por cento) sobre a folha de salários instituída para as instituições financeiras e assemelhadas pelo art. 3º, § 2º, da Lei nº 7.787/89, ainda que considerado o período anterior à EC 20/98.

STF. Plenário. RE 599309/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 6/6/2018 (repercussão geral) (Info 905).

Contribuição previdenciária A contribuição previdenciária é uma espécie de tributo cujo montante arrecadado é destinado ao pagamento dos benefícios do RGPS (aposentadoria, auxílio-doença, pensão por morte etc.). Existem duas espécies de contribuição previdenciária: 1ª) Paga pelo trabalhador e demais segurados do RGPS (art. 195, II); 2ª) Paga pelo empregador, empresa ou entidade equiparada (art. 195, I). EC 20/98 Vale ressaltar que a redação atual do inciso I do art. 195 da CF/88 foi dada pela EC 20/98. Veja:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela EC 20/98); b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela EC 20/98) c) o lucro; (Incluído pela EC 20/98)

Lei nº 8.212/91 A Lei nº 8.212/91 trata sobre o custeio da Previdência Social e, no seu art. 22, regulamenta o art. 195, I, da CF/88:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de

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serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

Valor adicional para o caso de instituições financeiras Ocorre que a Lei nº 8.212/91 decidiu cobrar das instituições financeiras, além da contribuição de 22% prevista no art. 22, I, um “extra”, um adicional de mais 2,5% incidente sobre a folha de salários, na forma do § 1º do art. 22, cuja redação é a seguinte:

Art. 22 (...) § 1º No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional de dois vírgula cinco por cento sobre a base de cálculo definida nos incisos I e III deste artigo.

Tese das instituições financeiras As instituições financeiras questionaram a constitucionalidade do § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91, afirmando que ele teria instituído uma nova contribuição previdenciária sem previsão no art. 195 da CF/88. Além disso, sustentavam que a alíquota seria desarrazoada e ofenderia os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da equidade de forma de participação e custeio. O STF concordou com a tese? O § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91 é inconstitucional? NÃO.

É constitucional a previsão legal de diferenciação de alíquotas em relação às contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salário de instituições financeiras ou de entidade a elas legalmente equiparáveis, após a edição da Emenda Constitucional 20/1998. STF. Plenário. RE 598572/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral) (Info 819).

Segundo entendeu o STF, não houve a instituição de nova modalidade de contribuição, mas apenas de majoração de alíquota. Em outras palavras, o § 1º do art. 22 não criou uma nova contribuição ou fonte de custeio para a Previdência. Ele apenas previu uma alíquota diferenciada para as instituições financeiras. Logo, não há qualquer inconstitucionalidade sob o ponto de vista formal. As instituições financeiras possuem maior capacidade produtiva, de forma que não há qualquer inconstitucionalidade na exigência de uma alíquota maior para que estas entidades contribuam para a manutenção do sistema de seguridade social. Dessa forma, não houve violação ao princípio da igualdade nem aos seus dois subprincípios: o da capacidade contributiva e o da equidade para manutenção do sistema de seguridade social. Vale ressaltar que esta cobrança diferenciada foi autorizada expressamente no § 9º do art. 195 da CF/88 (que foi acrescentado no texto constitucional pela EC 20/98):

Art. 195 (...) § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

Lei nº 7.787/89 Vimos acima que esta alíquota adicional de 2,5% foi prevista no § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91.

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Ocorre que, mesmo antes do § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91, esta alíquota adicional já era prevista no § 2º do art. 3º da Lei nº 7.787/89. Em outras palavras, a Lei nº 7.787/89, mesmo antes da Lei nº 8.212/91, já havia determinado que as instituições financeiras deveriam pagar um adicional de 2,5% sobre a folha de salários. Conforme vimos, os bancos perderam a disputa judicial para questionar o § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91. O STF julgou que essa previsão é constitucional e que foi editada de acordo com a EC 20/98 (STF. Plenário. RE 598572/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/3/2016). Já que haviam perdido a ação questionando o valor atualmente, as instituições financeiras resolveram impugnar a cobrança relativa ao período anterior à EC 20/98. Alegaram que, antes da EC 20/98, não era possível o legislador estabelecer alíquotas diferenciadas para determinados contribuintes. Isso, na visão dos bancos, não teria autorização constitucional, o que só passou a existir com a EC 20/98. Essa segunda tese dos bancos foi aceita pelo STF? Também não. O STF entendeu que o disposto na EC 20/98 se limitou a explicitar a autorização para que o legislador fixasse alíquotas diferenciadas, sem inovar no mundo jurídico. Em outras palavras, antes mesmo da emenda, já era permitida a fixação do adicional com base na capacidade contributiva e na equidade no custeio da seguridade. Portanto, em momento anterior à promulgação da citada emenda, já se colocava em prática o conceito de diversidade da base de financiamento da seguridade pública, cujo fundamento é a ideia de equidade, com base no princípio da solidariedade. Logo, não houve aplicação retroativa da EC 20/98 nem “constitucionalização superveniente” do dispositivo legal atacado, já que ele não era inconstitucional antes da promulgação da EC 20/1998. Observou que não cabe ao Judiciário, salvo em situações excepcionais, julgar se o legislador agiu acertada ou equivocadamente ao optar por determinada solução normativa. Em suma:

É constitucional a contribuição adicional de 2,5% (dois e meio por cento) sobre a folha de salários instituída para as instituições financeiras e assemelhadas pelo art. 3º, § 2º, da Lei nº 7.787/89, ainda que considerado o período anterior à EC 20/98. STF. Plenário. RE 599309/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 6/6/2018 (repercussão geral) (Info 905).

COFINS Instituições financeiras e majoração de alíquota da COFINS

(julgado que só interessa para os concursos que exigem COFINS de forma mais aprofundada)

É constitucional a majoração diferenciada de alíquotas em relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou a receita de instituições financeiras ou de entidades a elas legalmente equiparáveis.

STF. Plenário. RE 656089/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/6/2018 (repercussão geral) (Info 905).

Lei nº 10.684/2003 O art. 18 da Lei nº 10.684/2003 aumentou de 3% para 4% a alíquota da COFINS para instituições financeiras. Os bancos ingressaram com ações judiciais questionando a alteração, sob o argumento de que houve afronta ao art. 150, II, da CF/88, que impede a União, os Estados e os municípios de instituirem tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente:

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Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Em outras palavras, como esse aumento da alíquota atingiu apenas as instituições financeiras, elas argumentaram que houve violação ao princípio da igualdade ou isonomia tributária (art. 150, II, da CF/88). Assim, a majoração promovida pela Lei nº 10.684/2003 seria inconstitucional. O STF concordou com a tese exposta? NÃO. A alíquota diferenciada não viola o princípio constitucional da isonomia nem o da capacidade contributiva. Desde a edição da EC 20/98, o art. 195, § 9º, do texto constitucional autoriza, expressamente, em relação às contribuições sociais previstas no art. 195, I, a adoção de alíquotas ou de bases de cálculo diferenciadas em razão, entre outros critérios, da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte:

Art. 195 (...) § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

No âmbito tributário, a Constituição autoriza a adoção de medidas discriminativas. O objetivo disso é privilegiar ou onerar determinadas categorias, incentivar ou desestimular determinados comportamentos, ou, ainda, incrementar o desenvolvimento de certas regiões do País. A Constituição cria mecanismos para a promoção da igualdade em sentido material, portanto. A imposição de alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica pode estar fundada nas funções fiscais ou extrafiscais da exação. Se fundada na função fiscal, a distinção deve corresponder à capacidade contributiva; se embasada na extrafiscal, deve respeitar a proporcionalidade, a razoabilidade, bem como o postulado da vedação do excesso. Em todo caso, a norma de desequiparação e o seu critério de discrímen (a atividade econômica) devem respeitar o conteúdo jurídico do princípio da igualdade. O tratamento constante do art. 18 da Lei nº 10.684/2003 não viola o princípio da isonomia nem o da capacidade contributiva. O próprio texto constitucional permite que o faturamento ou a receita sejam utilizados como um sinal de presunção de riqueza. Ambas as expressões são aptas, portanto, para receber tributação. O art. 18 da Lei nº 10.684/2003 não pode ser considerado inconstitucional sob o argumento de que outro segmento econômico poderia ter maior capacidade contributiva em comparação com o setor financeiro. Embora o outro segmento também deva ter maior colaboração para o custeio da seguridade social, é imprescindível igualmente lembrar que a imposição de alíquotas diferenciadas (art. 195, § 9º) deve ser sopesada não apenas com a função fiscal da exação, mas também com suas finalidades extrafiscais constitucionalmente amparadas. Além disso, o Poder Judiciário não pode, a pretexto de conceder tratamento em conformidade com o princípio da capacidade contributiva, excluir determinada pessoa jurídica, por razões meramente individuais, do âmbito de aplicação da alíquota majorada da COFINS prevista no dispositivo impugnado, sob pena de conceder privilégio odioso.

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Por fim, tomando por base a função fiscal da COFINS, é proporcional e razoável que os contribuintes que exercem atividade econômica reveladora de grande capacidade contributiva contribuam mais para o custeio da seguridade social. Em suma:

É constitucional a majoração diferenciada de alíquotas em relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou a receita de instituições financeiras ou de entidades a elas legalmente equiparáveis. STF. Plenário. RE 656089/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/6/2018 (repercussão geral) (Info 905).

PIS/PASEP PIS e alteração da base de cálculo para instituição financeira

(julgado não relevante para fins de concurso público)

São constitucionais a alíquota e a base de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), previstas no art. 72, V, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), destinada à composição do Fundo Social de Emergência (FSE), nas redações da Emenda Constitucional Revisional 1/1994 e das Emendas Constitucionais 10/1996 e 17/1997, observados os princípios da anterioridade nonagesimal e da irretroatividade tributária.

STF. Plenário. RE 578846/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/6/2018 (repercussão geral) (Info 905).

O art. 72, V, do ADCT O art. 72, V, do ADCT prevê o seguinte:

Art. 72. Integram o Fundo Social de Emergência: (...) III - a parcela do produto da arrecadação resultante da elevação da alíquota da contribuição social sobre o lucro dos contribuintes a que se refere o § 1º do Art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, bem assim no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997, passa a ser de trinta por cento, sujeita a alteração por lei ordinária, mantidas as demais normas da Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988; (...) V - a parcela do produto da arrecadação da contribuição de que trata a Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, devida pelas pessoas jurídicas a que se refere o inciso III deste artigo, a qual será calculada, nos exercícios financeiros de 1994 a 1995, bem assim nos períodos de 1ºde janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997 e de 1º de julho de 1997 a 31 de dezembro de 1999, mediante a aplicação da alíquota de setenta e cinco centésimos por cento, sujeita a alteração por lei ordinária posterior, sobre a receita bruta operacional, como definida na legislação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza. (Redação dada pela EC nº 17/97)

Histórico Esse inciso V do art. 72 foi incluído no ADCT pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994. A ECR 1/1994 previu a cobrança do PIS, devido pelas instituições financeiras e equiparadas, com vigência restrita nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, calculada mediante a aplicação da alíquota diferenciada de 0,75% sobre a receita bruta operacional. Com a EC 10/1996 (de 4/3/1996), a cobrança da exação foi novamente instituída, mas com aplicação entre 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997, mantida a alíquota, a qual passou a ser alterada por lei ordinária.

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Posteriormente, a EC 17/1997 (de 22.11.1997) reinstituiu a contribuição, com incidência entre 1º de julho de 1997 a 31 de dezembro de 1999, preservadas as demais características da norma anterior. LC 7/70 A contribuição de que trata a LC 7/70 é o Programa de Integração Social (PIS). O que fez esse inciso V do art. 72? A Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994, ao inserir o art. 72 no ADCT, elevou a alíquota do PIS de instituições financeiras e alterou a base de cálculo, que passou a ser a receita bruta operacional. A mudança foi introduzida pela ECR nº 1/94 apenas para os exercícios financeiros de 1994 e 1995, e posteriormente estendida pelas Emendas Constitucionais nº 10/1996 e 17/1997 até o ano de 1999. Em outras palavras, esse inciso V do art. 72 aumentou a base de cálculo e a alíquota do PIS cobrado de instituições financeiras entre os anos de 1994 a 1999. Ações judiciais Diversas instituições financeiras e equiparadas (ex: corretora de câmbio) ajuizaram ações judiciais questionando a constitucionalidade dessa cobrança. Diversos pontos foram questionados. No entanto, o aspecto principal impugnado é que as instituições financeiras pediam que a incidência da contribuição se desse apenas sobre a receita de prestação de serviços, rendas de tarifas bancárias e outras receitas operacionais, e não sobre as receitas de intermediação financeira – exatamente as que são as principais atividades das instituições financeiras, como operações de crédito, de arrendamento mercantil, resultados de operações com títulos de valores mobiliários, câmbio, aplicações compulsórias, venda e transferência de ativos financeiros. O que o STF decidiu sobre o tema?

São constitucionais a alíquota e a base de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), previstas no art. 72, V, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), destinada à composição do Fundo Social de Emergência (FSE), nas redações da Emenda Constitucional Revisional 1/1994 e das Emendas Constitucionais 10/1996 e 17/1997, observados os princípios da anterioridade nonagesimal e da irretroatividade tributária. STF. Plenário. RE 578846/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/6/2018 (repercussão geral) (Info 905).

De início, o STF afirmou que deve ser aplicado o princípio da anterioridade nonagesimal à modificação, ainda que por emenda constitucional, de alíquota de contribuição. Em outras palavras, quando essa modificação entrou em vigor, foi necessário aguardar 90 dias para que ela produzisse efeitos. Para o STF, as ECs 10/1996 e 17/1997 violaram os princípios da irretroatividade e da anterioridade nonagesimal. Não se trata de meras prorrogações de emendas anteriores, uma vez que houve a efetiva inovação do ordenamento jurídico nas reinstituições da contribuição ao PIS prevista no inciso V do art. 72 do ADCT, inclusive com aplicação retroativa. Desse modo, o tributo não pode ser cobrado em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência de cada uma dessas emendas, respectivamente, nem antes de decorridos 90 dias de suas publicações. Em seguida, foi analisada a alegação de inconstitucionalidade da MP 517/1994 (e suas reedições), convertida na Lei nº 9.701/98, por suposta violação ao art. 73 do ADCT, segundo o qual o Fundo Social de Emergência não pode ser regulado por medida provisória:

Art. 73. Na regulação do Fundo Social de Emergência não poderá ser utilizado o instrumento previsto no inciso V do art. 59 da Constituição.

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Para o colegiado, o ato impugnado não regulou o fundo, nem modificou o conceito de receita bruta operacional mencionado no art. 72, V, do ADCT. Ao contrário, apenas dispôs sobre deduções e exclusões da base de cálculo da contribuição ao PIS, sem introduzir um novo conceito de receita. Ademais, consignou ser válida a fixação de alíquota maior para as instituições financeiras e equiparadas, ausente violação ao princípio da isonomia. O STF já firmou entendimento de que não viola o princípio da isonomia o estabelecimento de alíquotas e de bases de cálculo diferenciadas para essas pessoas jurídicas, em período anterior ou posterior à introdução do § 9º do art. 195 pela EC 20/98 (RE 235.036-5; e RE nº 598.572). É válida a adoção de alíquota majorada para contribuintes que se encontrem em situações diversas, para fins de custeio da seguridade social. As pessoas jurídicas enquadradas no conceito de instituições financeiras auferem vultoso faturamento ou volumosa receita. No mais, quanto à base de cálculo da contribuição, a ECR 1/1994 e suas sucessoras, no art. 72, V, do ADCT, cuidaram de estabelecer qual a base de cálculo da contribuição ao PIS — a receita bruta operacional conforme definida na legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR). Para o STF, essa regulamentação infraconstitucional poderia ter sido feita validamente por medida provisória. Por fim, o Tribunal decidiu que, no que tange às instituições financeiras e congêneres, a base de cálculo do PIS abrange: a) as receitas da intermediação financeira, tais como as decorrentes de operações de câmbio e com títulos e valores mobiliários; e também b) outras receitas operacionais, categoria em que se enquadram as receitas decorrentes da prestação de serviços e as advindas de tarifas bancárias.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (MPE/RO CESPE 2013) Consoante o STF, o decreto autônomo editado pelo presidente da República não

pode ser objeto de ADI visto que se qualifica como ato normativo secundário. ( ) 2) (PGM Sertãozinho VUNESP 2016) Não pode ser objeto de ADI perante o Supremo Tribunal Federal:

a) Resoluções do Conselho Nacional de Justiça ou do Conselho Nacional do Ministério Público em qualquer hipótese. b) Lei Distrital no exercício de competência municipal do Distrito Federal. c) Emendas Constitucionais. d) Decreto Legislativo. e) Decreto autônomo.

3) (Advogado Terracap Consulplan 2014) Abstraindo‐se o decreto autônomo da discussão, pode‐se afirmar

que os regulamentos ou decretos regulamentares expedidos pelo Poder Executivo não podem ser objeto de ADI. ( )

4) (Juiz Militar CESPE 2013) São objeto de ADI: atos normativos primários; tratados internacionais, atos normativos federais, regimento interno, decreto autônomo; leis ou atos normativos anteriores a 5/10/1988; constituições e leis estaduais, decretos (com força de lei) e atos normativos estaduais. ( )

5) É inconstitucional a lei que determina que, na votação eletrônica, o registro de cada voto deverá ser impresso e depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. ( )

Gabarito

1. E 2. Letra B 3. C 4. E 5. C

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OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio

eletrônico*

Em curso Finalizados

Pleno 6.6.2018 7.6.2018 3 22 2

1ª Turma 5.6.2018 — 3 29 75

2ª Turma 5.6.2018 — 1 3 35

* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 1 a 7 de junho de 2018.

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada

do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam

despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica. HC 155.363/ RJ*

Oitiva de testemunhas arroladas em fase de defesa prévia (CPP, art. 396-A). Alegado cerceamento de defesa. Indeferimento

das testemunhas arroladas pela defesa. Frustrada a possibilidade de os acusados produzirem as provas que reputam

necessárias à demonstração de suas alegações. Infringência à matriz constitucional da plenitude de defesa (CF, art. 5º, inciso

LV) e do “due process of law” (CF, art. 5º, inciso LIV).

RELATOR: Ministro Dias Toffoli

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):

Consoante relatado, Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira e Rosângela Rosinha Garotinho Barros Assed Matheus de Oliveira

impetraram este habeas corpus apontando como autoridade coatora o eminente Ministro Jorge Mussi, do Tribunal Superior Eleitoral, que negou

seguimento ao HC nº 0600275-61.

É necessário consignar, de largada, que pertence ao Plenário da Corte a competência originária para processar e julgar habeas corpus quando a coação provier do Tribunal Superior Eleitoral (RISTF, art. 6º, inciso I).

Todavia, a Corte registra precedentes nos quais esta Segunda Turma julgou habeas corpus proveniente de ato emanado do Tribunal Superior Eleitoral. Por exemplo:

“HABEAS CORPUS. PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL (ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL).

DOSIMETRIA DA PENA. AFERIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP. INVIABILIDADE. REPRIMENDA MAIOR DO QUE A FIXADA À CORRÉ. PARTICULARIDADES ENVOLVIDAS. INCIDÊNCIA DA

AGRAVANTE DO ART. 62, I, DO CP. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. CONTINUIDADE

DELITIVA. AUMENTO DE 2/3. FRAÇÃO FUNDAMENTADA NA DURAÇÃO DO PERÍODO DELITUOSO E NO NÚMERO DE CONDUTAS. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR

RESTRITIVA DE DIREITOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. NÃO CUMPRIMENTO DO REQUISITO

SUBJETIVO PREVISTO NO ART. 44, III, DO CP. PRISÃO DOMICILIAR. QUESTÃO NÃO EXAMINADA NO ACÓRDÃO ATACADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO (ART. 66, V,

“G”, DA LEP). ORDEM DENEGADA” (HC nº 117.719/RN, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de

20/8/14). No mesmo sentido: HC nº 142.488-AgR/MS, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 27/3/18.

Logo, não vejo impedimento para o julgamento desta causa na Turma, que versa sobre matéria eminentemente processual, consubstanciada

em suposto cerceamento de defesa, decorrente do indeferimento de oitiva das testemunhas em juízo.

Fixada essa premissa, passo à transcrição da decisão ora questionada:

“Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Rosângela Rosinha Garotinho Barros

Assed Matheus de Oliveira e Anlhony William Garotinho Matheus de Oliveira, ambos radialistas, contra suposto ato coator de juiz-membro do TRE/RJ que indeferiu liminar pleiteada HC 0600144-58.

O impetrante afirma que, por meio desse writ, buscou perante, perante a Corte, a quo, suspender a AP 12-81/2017,

em que os pacientes são investigados e que tramita no juízo da 98ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro. Alega que, na AP 12-81, a defesa arrolou de modo tempestivo testemunhas de seu interesse e que, mediante

despacho, o juiz de primeiro grau determinou fossem explicitadas as razões para a oitiva de cada uma delas.

Entende ser ‘evidente o abuso de direito e a ilegalidade praticada pela autoridade coatora, o que desafiou a impetração de haheas corpus’ (ID 204814, fl. 4).

Negada a liminar na origem, tem-se o presente haheas corpus, em que se aduz, em síntese, que ‘a decisão é

teratológica, justificando-se a superação da Súmula 69 l/STF para ver concedida a liminar’ (ID 204814, fl. 7). Sustenta que o perigo da demora decorre da iminente oitiva de testemunhas, determinada pelo juízo de primeiro grau

para o dia 3/4/2018.

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Pugna, liminarmente, ‘seja concedida a medida liminar para determinar a suspensão do processo, até que sobrevenha

o julgamento desse writ’ (ID 204814, fl. 16). No mérito, pede concessão da ordem.

É o relatório. Decido. Corno se sabe, nos termos do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não cabe habeas corpus

contra decisão que indefere liminar na origem.

Isso porque, sem o exame do mérito do mandamus originário, qualquer pronunciamento da instância superior sobre tópicos nele aventados configuraria prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.

A propósito, colhem-se os seguintes precedentes do c. Supremo Tribunal Federal:

(…) Por conseguinte, somente em casos excepcionais, nos quais a ilegalidade é flagrante ou o decisum impugnado é

teratológico, admite-se superação do referido óbice, o que não se demonstrou, na espécie.

Na espécie, o impetrante nem sequer apresentou cópia da decisão indeferitória da liminar proferida pela Relatora no âmbito do TRE/RJ, o que reforça descabimento do writ.

Ante o exposto, indefiro a liminar nego seguimento ao habeas corpus” (anexo 10 - grifos do autor).

Como se verifica, esta impetração tem como escopo a decisão monocrática proferida em sede de habeas corpus dirigido ao TSE não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Tal circunstância atrai o entendimento segundo o qual

“é inadmissível o habeas corpus que se volta contra decisão monocrática do Relator da causa no Superior Tribunal

de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância

antecedente” (HC nº 101.407/PR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 19/3/14).

No mesmo sentido: HC nº 118.189/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 24/4/14; e RHC nº 111.395/DF,

Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/9/13, entre outros. Do mesmo modo, percebe-se que aquela Corte Eleitoral, ao invocar verbete sumular deste Supremo Tribunal e apontar a deficiência instrutória

do writ, não analisou a matéria ora suscitada, o que caracteriza inegável supressão de instância (v.g. HC nº 113.172/SP, Primeira Turma, de minha

relatoria, DJe de 17/4/13; HC nº 118.836/PA-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 8/10/13; HC nº 116.857/ES-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 21/5/13; HC nº 114.583/MS, Segunda Turma, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de

27/8/12; HC nº 92.264/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 14/12/07; e HC nº 90.654/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro

Sepúlveda Pertence, DJ de 25/5/07). Cabe ressaltar, todavia, inexistir impedimento para que o Supremo Tribunal Federal, quando do manejo inadequado do habeas corpus, analise

a questão de ofício quando evidenciada flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, o que entendo presente na espécie.

Vide a esse respeito: “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DE

TRÁFICO DE DROGAS PREVISTO NO ART. 33, § 4°, DA LEI 11.343/2006. LAPSOS PARA A PROGRESSÃO DE

REGIME E LIVRAMENTO CONDICIONAL. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. SUPERAÇÃO. ORDEM

CONCEDIDA, DE OFÍCIO. I - A não interposição de agravo regimental no Superior Tribunal de Justiça e, portanto, a

ausência da análise da decisão monocrática pelo colegiado, impede o conhecimento do habeas corpus por esta Suprema Corte. A superação desse entendimento constitui medida excepcional, que somente se legitima quando a decisão atacada se mostra

teratológica, flagrantemente ilegal ou abusiva. II - A situação, no caso concreto, é excepcional, apta a superar o entendimento

sumular, diante do evidente constrangimento ilegal ao qual está submetido o paciente. (…) VI – Impetração não conhecida,

mas ordem concedida de ofício, para determinar ao Juízo de Direito da Unidade Regional de Departamento Estadual de

Execução Criminal-DEECRIM 10ª RAJ/Sorocaba, que promova a alteração do cálculo da pena do paciente, permitindo, se for o caso, que o condenado seja promovido ao regime mais benéfico e possa ser beneficiado pelo livramento condicional

após o cumprimento, respectivamente, de 1/6 e 1/3 da pena” (HC nº 136.886/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo

Lewandowski, DJe de 4/8/17 – grifos nossos);

“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO

MONOCRÁTICA DE MINISTRO DO STJ. INVIABILIDADE. CABIMENTO DE AGRAVO INTERNO. EXCESSO DE PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA. CARACTERIZAÇÃO. SITUAÇÃO INCOMPATÍVEL COM O PRINCÍPIO DA

RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO (CF, ART. 5º, LXXVIII). CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O habeas corpus ataca

diretamente decisão monocrática de Ministro do STJ. Essa decisão tem o respaldo formal do art. 38 da Lei 8.038/1990 e contra ela é cabível o agravo previsto no art. 39 da mesma lei. Ambos os dispositivos estão reproduzidos, tanto no Regimento

Interno do STF (arts. 192 e 317), quanto no Regimento do STJ (arts. 34, XVIII, e 258). Em casos tais, o exaurimento da

jurisdição e o atendimento ao princípio da colegialidade, pelo tribunal prolator, se dá justamente mediante o recurso de agravo interno, previsto em lei, que não pode simplesmente ser substituído pela ação de habeas corpus, de competência de outro

tribunal. (...) A hipótese dos autos, todavia, autoriza a superação dessa regra procedimental. (...) Ordem concedida para

confirmar a liminar, com a ressalva de que fica o juízo competente autorizado a impor, considerando as circunstâncias de fato e as condições pessoais do paciente, quaisquer das medidas diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo

Penal” (HC nº 113.797, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe 9/9/14 – grifos nossos).

De acordo com os autos, os pacientes foram denunciados ao Juízo da 98ª Zona Eleitoral/RJ como supostamente incursos nos seguintes delitos:

“Anthony Garotinho: como incurso no artigo 2º, §§ 2º e 3º, da Lei 12.850/13; artigo 317, do Código Penal, sete

vezes; artigo 350, do Código Eleitoral, três vezes; artigo 158, § 1º, do Código Penal; artigo 1º, caput e § 1º, II, da Lei 9.613/98,

tudo na forma dos artigos 69 e 29 do Código Penal; Rosinha Garotinho: como incursa no Artigo 2º, §§ 2º e 3º, da Lei 12.850/13; artigo 317, do Código Penal, seis vezes;

artigo 350, do Código Eleitoral, três vezes; artigo 158, § 1º, do Código Penal; artigo 1º, caput e § 1º, II, da Lei 9.613/98, tudo

na forma dos artigos 69 e 29 do Código Penal” (anexo 5).

Intimados para apresentar resposta à acusação, a defesa arrolou 8 (oito) testemunhas para cada um dos acusados, a tempo e modo da lei

processual penal (CPP, art. 396-A). Ato contínuo, o juízo processante determinou que fossem explicitadas as razões para a oitiva das testemunhas arroladas. Porém, a defesa

quedou-se inerte a esse respeito, por entender, em sua visão, “não haver previsão legal neste sentido”.

Em face do ocorrido, o Juízo da 98ª Zona Eleitoral/RJ, à luz do § 1º do art. 400 do Código de Processo Penal, indeferiu a oitiva de todas as testemunhas arroladas pela defesa, cuja oitiva se faria necessária por carta precatória. Aduziu, para tanto, o seguinte:

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“Ante as petições dos réus quanto à justificativa acerca da pertinência das testemunhas arroladas na resposta à

acusação, primeiramente vale ressaltar que o § 1º, do artigo 400, do CPP determina que o juiz poderá indeferir as consideradas

irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, razão pela qual quando as partes forem instadas a se manifestar sobre a presente questão, deverão fazê-las sob pena de indeferimento da produção daquela prova, cuja matéria já foi analisada pelo plenário

da Corte Estadual em diversos HCs impetrados no ano passado, inclusive pelo réu Anthony William Garotinho Matheus de

Oliveira, no âmbito da operação denominada ‘Chequinho’, tendo aquele Tribunal rejeitado os argumentos da defesa por entender que cabe ao juiz verificar a relevância e pertinência dos depoimentos requeridos e rejeitar, os quais considero

protelatórios.

Neste diapasão, a petição apresentada pelos réus Anthony William e Rosinha Garotinho, no bojo da qual alegam que não tem a obrigação de justificar a produção da prova testemunhal, falece de respaldo jurídico, até porque existem várias

testemunhas cuja oitiva se faria necessária por carta precatória, não podendo, assim, ser deferido tais requerimentos à míngua

de qualquer explicação razoável, havendo, portanto, a perda da oportunidade para justificar a oitiva de suas testemunhas. Como se vê da petição apresentada às fls. 1035/1036, os réus supramencionados arrolaram como testemunha três

Procuradores da República do Rio de Janeiro, o atual Procurador Geral de Justiça, José Eduardo Ciotola Gussem,e o

desembargador do Tribunal de Justiça José Carlos Paes, demonstrando, ao sentir deste magistrado, que trata-se de requerimento protelatório, pois tais pessoas não tem qualquer vinculação com os fatos criminosos imputados aos mesmos, o

que nos leva a crer que a não indicação por parte dos réus, dos motivos para as oitivas das referidas testemunhas também é

um ato que deve ser considerado procrastinatório, com o único objetivo de retardar o processo com diligências desnecessárias.

Com isso, ficam rejeitadas as oitivas das testemunhas dos réus acima mencionados por entender esse juiz serem as

mesmas irrelevantes e impertinentes, já que não há qualquer esclarecimento acerca do motivo de suas oitivas, transparecendo

que aqueles réus desejam procrastinar este feito” (anexo 7 - grifos nossos). Daí o motivo desta impetração, na qual se sustenta a violação dos postulados constitucionais da ampla defesa (CF, art. 5º, inciso LV) e do

devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV).

Não se deve perder de vista que o princípio do livre convencimento motivado (CPP, art. 400, § 1º) “faculta ao juiz o indeferimento das provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Logo, se o juízo processante indefere fundamentadamente a oitiva de testemunhas, “não cabe

a esta Corte imiscuir-se em seu juízo de conveniência para aferir se a oitiva (...) era pertinente ou não ao interesse da defesa” (RHC nº 126.853/SP-AgR,

Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 15/9/15). Esse, aliás, é o entendimento que se infere da jurisprudência da Corte. Cito, por exemplo:

“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE

DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA DITA IMPRESCINDÍVEL. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS IMPRÓPRIO NA VIA ELEITA. FUNDAMENTAÇÃO APRESENTADA PARA

NÃO OITIVA DA TESTEMUNHA. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO” (HC nº 113.160/SP, Segunda Turma,

Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 12/12/12); “HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ALEGADA NECESSIDADE DE OITIVA DE

NOVAS TESTEMUNHAS. INDEFERIMENTO JUSTIFICADO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA.

ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA. CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. VIOLÊNCIA REAL CARACTERIZADA. AÇÃO

PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA MESMO APÓS A LEI 12.015/2009. HIGIDEZ DA SÚMULA 608 DO STF” (HC

nº 125.360/RJ, Primeira Turma, Relator para o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 6/4/18).

Todavia, esse ponto de vista deve ser mitigado, pois não se trata, na espécie, do indeferimento de uma ou duas testemunhas, mas de todas

aquelas em questão, o que se afigura inadmissível em um estado democrático de direito, em que a plenitude de defesa é garantia constitucional de todos os acusados (CF, art. 5º, inciso LV), bem assim o due process of law, que garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa (v.g.

ADI nº 1.511-MC/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 6/6/03).

É evidente, a meu ver, que a decisão do juízo eleitoral, à luz do livre convencimento motivado, extrapola os limites do razoável, mormente se levado em consideração que a medida extrema foi tomada em estágio inicial do processo (defesa prévia) e a motivação para tanto está consubstanciada

tout court na impressão pessoal do magistrado de que o requerimento seria protelatório, já que as testemunhas não teriam, em tese, vinculação com os

fatos criminosos imputados aos pacientes. A respeito da prova testemunhal, ensina o magistério de Júlio Fabbrini Mirabete que

“[o] oferecido tempestivamente o rol de testemunhas pela parte, até o número permitido, não tem o juiz o direito de

indeferir a oitiva de qualquer uma delas, independentemente de justificação por parte do arrolante, sob o pretexto de que se visa a procrastinação ou de que a pessoa arrolada nada sabe sobre os fatos, nem mesmo quando deve ser ouvida em carta

precatória (...)” (Código de Processo Penal interpretado. 7. ed., São Paulo: Atlas, 2000. p.492).

Para Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, “[as] partes têm o direito de arrolar testemunhas, desde que o façam no momento processual adequado (denúncia,

queixa, e defesa prévia) e observem o número máximo fixado em razão da espécie de procedimento. O Cerceamento desse

direito implica nulidade absoluta” (As nulidades no processo penal. 9. ed., São Paulo: RT, 2006. p. 174). Esse entendimento é ressonante nas palavras do eminente Ministro Celso de Mello, que, embora vencido no julgamento do HC nº 94.542/SP,

consignou, com muita propriedade, que

“o direito à prova -, cuja inobservância, pelo Poder Público, qualifica-se como causa de invalidação do procedimento

estatal instaurado contra qualquer pessoa, seja em sede criminal, seja em sede meramente disciplinar, seja, ainda, em sede

materialmente administrativa:

‘- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade do princípio que consagra o ‘due process of law’, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege

e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de

nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina. - Assiste, ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria

garantia constitucional do ‘due process of law’ (CF, art. 5º, LIV) - independentemente, portanto, de haver previsão normativa

nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado -, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LV), inclusive o direito à prova.

- Abrangência da cláusula constitucional do ‘due process of law’.’

(MS 26.358-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)’” (Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 20/3/09 – grifos do autor).

Ainda segundo Sua Excelência, qualifica-se como

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“causa geradora de nulidade processual absoluta, por ofensa ao postulado constitucional do ‘due process of law’, a

decisão judicial que, mediante ‘exclusão indevida de testemunhas’, compromete e impõe gravame ao direito de defesa do

réu, sob a alegação de que as testemunhas, embora tempestivamente arroladas, com estrita observância do limite máximo permitido em lei, nada saberiam sobre os fatos objeto da persecução penal ou, então, que a tomada de depoimento testemunhal

constituiria manobra meramente protelatória do acusado (RJDTACRIM/SP 11/68-69 – RJTJESP/LEX 117/485 - RT 542/374

- RT 676/300 – RT 723/620 – RT 787/613-614, v.g.). Em suma: por representar uma das projeções concretizadoras do direito à prova, configurando, por isso mesmo,

expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, não pode ser negado, ao réu - que também não está obrigado a justificar

ou a declinar, previamente, as razões da necessidade do depoimento testemunhal -, o direito de ver inquiridas as testemunhas que arrolou em tempo oportuno e dentro do limite numérico legalmente admissível, sob pena de inqualificável desrespeito

ao postulado constitucional do ‘due process of law’:

‘Prova – Testemunha – Oitiva indeferida por não ter o juiz se convencido das razões do arrolamento – Inadmissibilidade - Direito assegurado independentemente de justificação.

- Não pode o juiz indeferir a oitiva de testemunha, sob pena de transgredir o direito límpido que assiste às partes de

arrolar qualquer pessoa que não se insira nas proibidas, independentemente de justificação.’(RT 639/289, Rel. Des. ARY BELFORT – grifei)

‘Cerceamento de Defesa – Inquirição de testemunhas por rogatória indeferida a pretexto de ter intuito

procrastinatório – Inadmissibilidade - Preliminar acolhida - Processo anulado - Inteligência do art. 222, e seus §§, do CPP.

- Não é permitido ao juiz, sem ofensa ao preceito constitucional que assegura aos réus ampla defesa, inadmitir

inquirição de testemunhas por rogatória, a pretexto de que objetiva o acusado procrastinar o andamento do processo.’

(RT 555/342-343, Rel. Des. CUNHA CAMARGO – grifei)” (grifos do autor). Inegável, portanto, que a medida levada ao extremo pelo Juízo da 98ª Zona Eleitoral/RJ infringiu a matriz constitucional do due process of law

(CF, art. 5º, inciso LIV), visto que frustrou a possibilidade de os acusados produzirem as provas que reputavam necessárias à demonstração de suas

alegações. Não se argumente, por fim, que não causaria prejuízo a faculdade conferida à defesa pelo juízo de apresentar, independentemente de intimação,

as testemunhas em audiência a ser designada.

Com efeito, consoante se infere da doutrina, “de nada adiantaria assegurar o direito de arrolar testemunhas sem que, em seguida, fossem tomadas providências para garantir efetiva inquirição”1(grifos nossos). Assim, “antes da data designada, incube ao juiz determinar a intimação das

testemunhas, dando-lhes conhecimento sobre o processo em relação ao qual devem depor, do local em que devem comparecer, do dia e hora da audiência

marcada”2. Em face do exposto, considerando o não exaurimento da instância antecedente e a sua supressão caracterizada, não conheço desta impetração.

Todavia, evidenciado patente o constrangimento ilegal, concedo a ordem de habeas corpus de ofício para, por força da matriz constitucional do due

process of law, assegurar a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa dos pacientes. É como voto.

1 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 9ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 17.

2 Op. cit. p. 176

* Decisão publicada no DJe de 02.05.2018

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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