43

Infra-estrutura 1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Pesquisa FAPESP - Suplemento Ed. 63

Citation preview

ESPECIAL

INFRA-ESTRUTURA 1

Revolução silenciosa Programa especial da FAPESP reforça bases da pesquisa paulista

ilenciosa e discretamente, um programa da FA­PESP provocou, a partir de 199S, uma mudança radical nas bases físicas da pesquisa científica e tecnológica em São Paulo. E produziu, em con­seqüência, um impacto positivo de tal ordem em

seus resultados qualitativos e quantitativos que, embora ainda mal mensurado, pode-se apostar em suas repercus­sões a médio e longo prazos sobre a pesquisa paulista. O programa nasceu com um caráter emergencial que expres­sava a forte preocupação do Conselho Superior da FA­PESP com o progressivo sucateamento dos laboratórios e outras instalações de pesquisa no Estado. Esse caráter foi explicitado no extenso nome com que foi batizado- Pro­grama Emergencial de Apoio à Recuperação e Moderniza­ção da Infra-Estrutura de Pesquisa do Estado de São Pau­lo-, logo simplificado para Programa de Infra-Estrutura ou, melhor, Infra, como passaram a chamá-lo os pesqui­sadores (alguns milhares) que dele têm se beneficiado.

Em seis anos, investindo em equipamentos para a re­cuperação e a modernização de centros de pesquisa de universidades públicas e particulares por todo o estado, reformando laboratórios, biotérios, bibliotecas, arquivos

PESQUISA FAPESP

e museus e instalando redes de informática, o Infra apli­cou R$ SOO milhões - boa parte deles investida quando real e dólar eram quase equivalentes. Assim, vale compa­rá-lo, sem demérito para o programa paulista, com um programa similar nos laboratórios do Reino Unido, no qual foram investidos US$ 1,S bilhão- US$ 1 bilhão do governo britânico e US$ SOO milhões do Wellcome Trust -, de acordo com artigo do primeiro-ministro Tony Blair na revista Science de 21 de agosto de 1998.

Os importantes resultados do Infra já há algum tem­po demandavam uma apresentação mais sistemática, proposta, aliás, pelo Conselho Superior da Fundação. E é isso que pretende a série de suplementos especiais so­bre o programa que começa a ser publicada nesta edição de Pesquisa FAPESP. Com reportagens de Maria Apare­cida Medeiros e edição de Mário Leite Fernandes, inicia­mos a série por bibliotecas, arquivos e museus, essenciais não apenas para a preservação e a circulação da cultura, mas para o próprio desenvolvimento da pesquisa.

Quando o Programa de Infra-Estrutura foi lançado, em 1994, já era consenso que a situação do parque esta­dual de pesquisa impedia o avanço normal da atividade.

O sistema de financiamento da FAPESP sempre dera su­porte aos custos diretos dos projetas de pesquisa, mas não havia mecanismos para garantir que os equipa­mentos fossem adequadamente instalados e mantidos. Tampouco as instituições dispunham de recursos para isso. "Deveríamos conseguir condições até ótimas, quando possível, para grupos de excelência", diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, ao esclare­cer que os recursos do Infra não

ma: 3.017 projetas inscritos, dos quais 1.261 foram apro­vados. Os recursos liberados foram de R$ 146,5 milhões.

Para o Infra III, de 1997, a única alteração foi a exclu­são do FAP-Livros, que se tornou autônomo. Inscreve­ram-se 1.825 projetas: 1.045 foram aprovados, totali­zando investimentos de R$ 122,4 milhões. O Infra N, de 1998, teve novas mudanças: o financiamento de equipa­mentos multiusuários passou a integrar as linhas per-

manentes de fomento da FA­PESP e cinco módulos foram se destinavam a grupos emergen­

tes e sua concessão foi sempre precedida de criteriosa avaliação por especialistas de fora de São Paulo, para que se garantisse a to­tal isenção no julgamento e a credibilidade do programa.

Programa já liberou cerca

definidos para os projetas ins­critos no Programa de Infra-Es­trutura: redes locais de informá­tica, bibliotecas, infra-estrutura geral, museus e arquivos. Para essa fase, foram inscritos 1. 798 projetas, aprovados 1.054. Os aprovados somaram investi­mentos de R$ 136 milhões.

Também a compreensão do Conselho Superior sobre a neces­sidade de financiar a adequação de instalações de pesquisa termi­nou ganhando caráter perma-

de R$ 500 milhões para dar suporte

material à pesquisa em São Paulo

Ao final do Infra N, o Conse­lho Superior e o Conselho Téc­nico Administrativo da FAPESP

fizeram uma avaliação do programa e decidiram por uma nova fase, dividindo os projetas em dois grandes módulos: tratamento de resíduos químicos, destinado a investimentos na área de tratamento de resíduos de la­boratórios, e centros depositários de informações e do­cumentos- incluindo os módulos bibliotecas, museus e arquivos. As solicitações para essa fase do programa to­talizaram 570 projetas, todos ainda em fase de avaliação.

nente. O mecanismo da reserva técnica para os projetas financiados - mais 25% do va­lor concedido aos ordinários e mais 40% aos temáticos -é resultado dessa evolução. Assim, a FAPESP procurou se antecipar a futuros problemas.

Alicerces- "Não investir no Infra teria sido como querer construir uma casa sem seus alicerces", compara Joa­quim José de Camargo Engler, diretor administrativo da FAPESP, responsável pela administração do programa. De fato, com o Infra a Fundação consolidou os alicerces do sistema estadual de pesquisa, sem jamais dotá-lo de uma concepção estática. E foi justamente sua flexibilida­de para atender a novas necessidades do sistema que ga­rantiu o sucesso do programa.

No início, o Infra podia financiar obras civis em labo­ratórios para restauração, por exemplo, dos sistemas de eletricidade e de abastecimento de água; a recuperação de biotérios e estufas e a compra de equipamentos, inclu­sive de informática. Os primeiros projetas inscritos na cha­mada Fase I (ou Infra I), já em 1995, foram divididos em dois grandes módulos: infra-estrutura geral e biotérios. No total, havia 1.103 projetas inscritos, dos quais 849 fo­ram aprovados, com investimentos de R$ 77,1 milhões.

O Infra II, de 1996, organizou-se em cinco módulos: equipamentos especiais multiusuários, redes locais de in­formática, infra-estrutura para biblioteca, FAP-Livros (des­tinado à aquisição de livros) e infra-estrutura geral. "Essa alteração no programa decorreu da experiência adquirida na primeira etapa, que demonstrou ser necessário separar as principais áreas de auxílio à infra-estrutura, de modo a permitir uma melhor avaliação das solicitações recebidas, por meio de comitês específicos': diz Engler. A demanda verificada naquele ano justificava mais uma vez o progra-

2

PROGRAMA INFRA-ESTRUTURA (Situação em 31.03.01)

OS NÚMEROS DO INFRA

PROJETOS INFRA I INFRA 11 INFRA III INFRA IV FAP-LIVROS IV TOTAL

Recebidos 1.103 3.017 1.825 1.798 209 7.952

Denegados 247 1.745 750 734 16 3.492

Aprovados 849 1.261 1.045 1.054 193 4.402

Cancelados 7 11 30 10 58

Concluídos 847 1.243 998 892 3.980

O INVESTIMENTO NO PROGRAMA

PROJETOS APROVADOS VALORES RS

849 77.118.021,80

INFRA 11 1.261 146.471.035,30

INFRA III 1.045 122.407.125,53

INFRA IV 1.054 135.993.849,59

FAP-LIVROS IV 193 12.466.289,77

TOTAL 4.402 494.456.321,99

PESQUISA FAPESP

Sem memória não se constrói o futuro

Quando se transferiu para sua nova sede, no campus da Universidade de São Paulo (USP), o Museu de Arte Contemporânea (MAC) deixou para trás, em seu antigo prédio, no Parque do Ibirapue-

gero. Documentos, alguns deles com muitos séculos, fo­ram restaurados e podem ser consultados pela Internet. Salas onde fios elétricos desencapados corriam entre li­vros valiosíssimos, com considerável risco de incêndio, foram restauradas. Áreas foram climatizadas, para pro­teção do material e maior conforto de funcionários e usu­ários. Portões eletrônicos ajudam a salvaguardar o acer­vo. No próprio MAC, onde obras preciosíssimas de

Modigliani e Picasso eram separa­

ra, dezenas de pacotes e caixas, muitos deles nunca abertos. Era, basicamente, material doado por pintores e outras pessoas li­gadas às artes plásticas. Esse ma­terial precisou esperar a chegada de uma verba de R$ 172,6 mil, um investimento do Programa de Infra-estrutura da FAPESP, para ser aberto. Simplesmente não havia dinheiro, antes, para tratar e conservar adequada-

Nas bibliotecas, museus e arquivos estão

das da rua apenas por uma pare­de de vidro, a segurança foi au­mentada.

Essa revolução é ainda mais significativa porque coincidiu com uma enorme transforma­ção nos próprios conceitos de biblioteca, museu e arquivo, tra­zida pela informatização e pela Internet. Uma biblioteca hoje não é mais um local onde ape-

os documentos e informações

indispensáveis à pesquisa de alto nível

mente o material. Valeu a pena. Documentos, cartazes, objetos pessoais e outros mate­riais de muitos artistas modernos brasileiros enriquece­ram significativamente o acervo do museu.

Por todo o Estado de São Paulo, as verbas do Progra­ma de Infra-estrutura da FAPESP estão provocando uma revolução em bibliotecas, museus e arquivos. Não é exa-

PROJETOS

INFRA-ESTRUTURA

BIBLIOTECAS, ARQUIVOS E MUSEUS A DEMANDA

INFRA 11 INFRA III INFRA IV BIBLIOTECA BIBLIOTECA BIBLIOTECA ARQUIVOS MUSEUS

Recebidos 199 243 263 112 57

Denegados 52 46 93 59 18

Aprovados 147 193 170 51 38

Cancelados 4 2 1

Concluídos 144 184 129 37 30

OS RECURSOS LIBERADOS

PROJETOS APROVADOS RS

INFRA 11 Biblioteca 147 17.763.655,05

INFRA III Biblioteca 193 22 .170.612,68

INFRA IV Biblioteca 170 24.750.203,60 Arquivos 51 10.973.774,59 Museus 38 8.261.577,53

TOTAL 599 83 .919.823,45

PESQUISA FAPESP

nas se guardam livros e outros documentos. Ela é uma porta de

acesso à informação e bibliotecários e outros funcioná­rios fazem curso atrás de curso para se adaptar à nova situação. Pesquisadores agora podem fazer consultas pe­las redes de suas universidades de suas salas ou laborató­rios. Os bibliotecários, por sua vez, preparam-se para orientá-los na fartura de informações da Internet.

A origem de toda essa transformação está, sem som­bra de dúvida, no Programa de Apoio à Infra-Estrutura, que já investiu R$ 84 milhões nas bibliotecas, arquivos e museus do Estado de São Paulo. O reconhecimento da necessidade de recuperação e modernização das biblio­tecas surgiu com o Infra II, de 1996, que criou um mó­dulo específicE) para projetas dessa natureza: recebeu 199 solicitações de auxílio, das quais 147 foram aprova­das, com investimentos de R$ 17,8 milhões. O Infra III recebeu, para esse módulo, 243 solicitações, aprovou 193 e liberou investimentos de R$ 22,2 milhões. O Infra IV, de 1998, finalmente incorporou os museus e os arqui­vos, pelo entendimento da FAPESP de que eles são fun­damentais no seu papel de apoio à pesquisa, quando não realizam, eles mesmos, relevantes pesquisas. Nessa fase, o módulo bibliotecas recebeu 263 pedidos de investi­mentos, dos quais 170 foram aprovados, com recursos de R$ 24,8 milhões. O módulo referente a museus teve 57 pedidos, com 38 aprovados, totalizando investimen­tos de R$ 8,3 milhões. O módulo referente a arquivos re­cebeu 112 pedidos de auxílio, dos quais 51 foram apro­vados, correspondendo a investimentos de R$ 11 milhões. O Infra V, cujas solicitações de auxílio ainda se encon­tram em avaliação, reuniu os três módulos em um: cen­tros depositários de informações e documentações. Nas páginas seguintes, conheça um pedacinho da história que revolucionou a pesquisa paulista.

3

Programa de Infra-Estru­tura da FA­PESP fez mui­to mais do

Uma mudança de conceito com bases tecnológicas Programa modernizou as principais bibliotecas do Estado

que permitir a renovação das principais bibliotecas do Estado. Ele chegou num momento em que está ocorrendo uma verdadeira revolução no conceito de como deve funcionar uma biblioteca pública. "Está havendo uma mudança fundamental na filosofia de o que é uma biblioteca': diz Rosaly Favero Krzyza­nowski, que, como coorde­nadora das bibliotecas da Universidade de São Paulo (USP), acompanhou boa parte dessas mudanças e ho­je, aposentada, trabalha co­mo coordenadora operacio­nal do Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE) da FA-

Bibliotecas: obras em papel agora convivem COfll as informações espalhadas pela Internet

PESP. Sem o apoio e os investimentos da Fundação, dificilmente as biblio­tecas públicas do Estado teriam co­mo acompanhar essas modificações.

Essa revolução, em grande parte, tem bases na tecnologia. Por exem­plo, os arquivos deslizantes permi­tem que muito mais documentos se­jam guardados num espaço muito menor. Houve avanços considerá­veis nas técnicas e processos para a restauração e conservação de livros e outros documentos antigos. As redes de computadores, muitas vezes ope­rando por meio de fibras ópticas, abriram novas perspectivas para as consultas. Hoje, o usuário pode en­trar na rede de uma biblioteca de seu próprio laboratório ou mesmo de sua

4

casa e obter a informação de que pre­cisa de onde estiver. No caso de pu­blicações e documentos antigos, isso diminui o manuseio e, conseqüente­mente, ajuda a conservar a obra.

Há outras vantagens. Com a for­mação da rede e a padronização dos recursos, uma universidade pode agora centralizar a aquisição de li­vros e revistas. Ou seja, em vez de comprar um exemplar para cada uma de suas bibliotecas, pode obter um exemplar, colocar a publicação na rede e, assim, torná-la acessível a todos. A administração, incluindo aí os setores de empréstimo e circula­ção, também é facilitada. "Elimina­mos muitas etapas de trabalho des­necessárias': conta a coordenadora

do sistema de bibliotecas da Univer­sidade Estadual de Campinas (Uni­camp ), Maria Alice Rebello Nasci­mento. Com um único sistema, ela registra a compra de um livro, faz a catalogação com os dados já digitali­zados, quando ele chega, e, depois, controla os empréstimos em todas as 19 bibliotecas do sistema.

Extensão - Isso é extremamente útil para sistemas que funcionam em mais de uma cidade. A Unicamp, por exemplo, além de 17 bibliotecas em Campinas, tem mais duas unidades, em Limeira e em Piracicaba. Mas, em extensão, nada se compara ao siste­ma da Universidade Estadual Paulis­ta (Unesp ), que cobre o Estado de

PESQUISA FAPESP

uma ponta à outra. A Unesp tem bi­bliotecas em nada menos de 16 cida­des - Araçatuba, Araraquara, Assis, Bauru, Botucatu, Franca, Guaratin­guetá, Ilha Solteira, Jaboticabal, Ma­rília, Presidente Prudente, Rio Claro, São José dos Campos, São José do Rio Preto, São Paulo e São Vicente. O acervo sobe a mais de 800 mil itens.

Ou seja, o bibliotecário agora é um profissional que está disposto- e tem competência - para participar ativamente de uma pesquisa, indi­cando ao interessado os locais onde sua busca vai ser mais frutífera. Para isso, faz cursos constantes de atuali­zação, algo que as reformas feitas com os investimentos da FAPESP

cia, as bibliotecárias de frente, que trabalham com o usuário", diz a pro­fessora. Elas organizam programas de treinamento dentro de suas uni­dades. Há casos em que são dados cursos também para os usuários. Es­ses cursos, quase sempre, servem pa­ra mostrar a melhor maneira de usar as bases de dados.

Bibliotecários e funcionários ganham nova função: trabalho, agora, inclui indicas:ão dos veios mais ricos aos pesquisadores

Estar longe, porém, não significa es­tar distante do conhecimento. Todas essas bibliotecas têm acesso a bases de dados eletrônicas, como a Athena, a

· ERL, o ProBE e a Web of Science. Surge, assim, um problema agra­

dável, mas um problema. Há dados demais circulando pela rede e o usu­ário, nem sempre, tem tempo para caçar aquilo do que precisa em lon­gas buscas na Internet. Surge, então, um dos novos papéis do bibliotecá­rio, o de poupar etapas e indicar ca­minhos para os veios mais ricos de dados. "O perfil do bibliotecário mudou", afirma Rosaly. "Sua princi­pal função, agora, é a de trabalhar com o pesquisador na busca da in­formação': diz.

PESQUISA FAPESP

não esqueceram de criar. Um ponto positivo é que a esmagadora maio­ria dos funcionários das bibliotecas renovadas, mesmo os mais vetera­nos, aceitou e aderiu com entusias­mo à nova situação. Foram raros os casos de não adaptação.

Manual-padrão - "As próprias salas em que são dados os cursos se torna­ram viáveis com os investimentos da FAPESP': lembra Rosaly. Não se tra­ta de enormes instalações. Identifica­do o problema, são formados os cha­mados agentes multiplicadores, que fazem um curso e recebem um ma­nual-padrão pronto a servir de base para a fase seguinte. "Esse é o treina­mento das bibliotecárias de referên-

As necessidades de formação tam­bém não esquecem o pessoal auxiliar. A instalação dos portões de controle eletrônico de saída de material, por exemplo, levantou a necessidade de o pessoal do balcão aprender a tra­balhar com as etiquetas de códigos de barra. Mesmo a técnica de pegar e re­colocar os livros nas estantes é alvo de cursos para os funcionários. Eles pre­cisam aprender a pegar um livro pe­lo meio da lombada, não pelo alto, pa­ra conservar melhor a encadernação; a deixar espaços entre os livros, para melhorar o arejamento e impedir que as capas colem; e a manejar a espátu­la, o pincel especial com o qual os do­cumentos são limpos, para evitar que o pó fique preso nos livros e revistas.

5

Esses cuidados simples con­vivem com equipamentos de alta tecnologia. A onda de reno­vação e os recursos tornados disponíveis pelo Programa de Infra-Estrutura levaram às prin­cipais bibliotecas de São Paulo máquinas que parecem ter saído de projetos espaciais. Numa de­las, o livro é colocado numa mesa especial, com um armário trans­parente, e limpo com uma espé­cie de aspirador de pó, maneja-do por luvas que penetram no seu interior. Tem impacto importante também ensinar aos funcionários tarefas que antes eram feitas fora do local. Vários deles, por exemplo, fa­zem pequenos trabalhos de restau­ração em livros e outros documen­tos, o que poupa tempo e dinheiro para a biblioteca.

Informática - "Um bom bibliotecá­rio tem que ser também um pesqui­sador", declara a coordenadora Ma­ria Alice, da Unicamp. A adaptação às mudanças na rotina de trabalho exigiu e continua a exigir grande empenho dos profissionais. Na Unicamp, todos os funcionários das bibliotecas participam, com fre­qüência, de cursos e workshops. A universidade montou também pro­gramas de treinamento para os usuários e, com esse objetivo, criou um laboratório de informática es­pecial. Não foi só isso. "O trabalho desenvolvido hoje pelo bibliotecá­rio requer uma interação mais ati­va", declara Maria Alice. "Antes, ele simplesmente preparava o material, colocava na estante e esperava o pú­blico aparecer. Hoje, ele tem que to­mar decisões, muitas delas sobre as­suntos complexos."

Ela cita um exemplo. Muitas ve­zes, cabe ao bibliotecário a palavra decisiva sobre a aquisição de um pa­cote de publicações. Não é uma es­colha fácil. Ele deve levar em conta, por exemplo, se o material é impor­tante para as linhas de pesquisa de­senvolvidas pela universidade e pen­sar no seu custo/benefício, não só no

6

Os recursos tornados disponíveis pelo

programa levaram também às bibliotecas modernas máquinas de conservação de I ivros

valor da aquisição. "Para realizar um bom trabalho, o bibliotecário hoje precisa saber como estão a ciência e a tecnologia no país", diz Maria Ali­ce. "Ele precisa dominar a política, para estar em consonância com esse contexto': acrescenta.

Atualização - Nada mudou mais a biblioteca do que a automação, diz Maria Alice. Mas a mudança exigiu muito mais que o domínio das fer­ramentas da informática. "Além de conhecer e saber usar as ferramen­tas à sua disposição, o bibliotecário foi obrigado a ampliar sua visão", afirma a coordenadora. Ele não lida mais apenas com seu acervo, fisicamente disponível na bibliote­ca, mas com um universo muito mais amplo, o espalhado pela rede. O papel do bibliotecário inclui o de saber indicar o melhor para o usuá­rio dentro desse universo. Isso não é possível sem uma constante atua­lização, sem saber o que há de novo na rede, o que, por sua vez, exige muita pesquisa.

As mudanças também trouxe­ram novas necessidades, entre elas a de melhorar a requalificação dos pro­fissionais que já atuam na área e a formação de novos funcionários. "O mercado hoje carece de profissionais mais qualificados, especialmente dentro das universidades, que são o núcleo do desenvolvimento científi­co do país", diz Maria Alice. Isso não se aplica apenas a questões de curto prazo. "Estamos lidando com um universo novo e há dificuldades de várias ordens", ela prossegue. "Elas

vão desde as novas técnicas ope­racionais na área de informática até uma melhor compreensão da política tecnológica do país e como a biblioteca se insere nesse contexto."

A informatização também ampliou os contatos para a tro­ca de documentos com biblio­tecas do exterior. Maria Cristi­na Olaio Villela, diretora técnica da biblioteca da Escola Politéc­nica da USP, conta que seu or-

ganismo participa, por meio de um convênio com a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, de um consórcio chamado Istec (Ibero-American Science & Techno­logy Education Consortium). Outro convênio a liga à British Library, considerada um modelo de eficiên­cia, pois atende qualquer pedido em menos de 24 horas.

Métodos diferentes - Formada na década de 1960, Maria Cristina con­firma que houve uma revolução na sua área. "Quase tudo o que aprendi durante minha formação está ultra­passado': ela diz. "Os processos de catalogação e classificação de obras ainda são os mesmos, mas a forma de disponibilizar o acervo aos usuá­rios é completamente diferente", acrescenta.

A assistente técnica da Coorde­naria Geral de Bibliotecas da Uni­versidade Estadual Paulista (Unesp ), Margarida Ferreira, formou-se em 1983 e aprendeu por iniciativa pró­pria tudo o que sabe sobre informá­tica. Mesmo assim, para ajudar os funcionários a trabalhar com os novos programas, traduziu para o português o manual de formato de registro eletrônico da Biblioteca do Congresso, o Marc 21. Esse forma­to, adotado pelas principais biblio­tecas do mundo, padronizou a lin­guagem dos catálogos eletrônicos. A tradução foi publicada pela pró­pria Unesp e está sendo adotada em outros lugares.

"O universo da biblioteca cresceu e isso exige uma mudança de postu-

PESQUISA FAPESP

poníveis on-line e in­formações mais deta­lhadas, se necessário, poderiam ser obtidas na biblioteca. Haveria um cuidado especial para otimizar a par­ticipação dos orien­tadores.

ra", afirma Margarida. Seu trabalho a faz man­ter contato com os fun­cionários de todas as bibliotecas da Unesp, espalhadas pelo Estado. "O ritmo acelerado do desenvolvimento da in­formática faz com que todos os dias apareça uma novidade, algo a ser superado': ela con­ta. ''Alguns ainda não consegmram compre­ender que essa agitação faz parte da nova dinâ­mica da profissão. Às vezes, me perguntam: quando tudo vai voltar

Rosaly: as mudanças devem atingir as cabeças das pessoas

Padronização - A preo­cupação com as teses se explica. Elas estão colocadas entre os do­cumentos mais impor­tantes das bibliotecas universitárias e sua di­gitalização está entre

ao normal? Mas a profissão mudou, e isso não tem volta!'

Número limitado - O importante é que essas mudanças estão ao alcan­ce de todos, pelo menos no Estado. Uma queixa freqüente, de pesqui­sadores de fora do Estado de São Paulo, é a de que muitas vezes são instalados em suas bibliotecas equi­pamentos monousuários, que fun­cionam com CD-ROMs, ou peque­nas redes nas quais os CD-ROMs são instalados ou gravados num computador principal e seus dados ficam disponíveis apenas em um número limitado de micros. Isso, além de obrigar o pesquisador a ir à biblioteca para consultar as infor­mações, cria outro problema: o usuário precisa agendar previa­mente sua visita, para ter certeza de que poderá acessar os dados no momento em que chegar ao local.

Nas reformas feitas em São Pau­lo, o material está disponível inclusi­ve para os alunos de graduação. "O aluno, dentro da universidade, aces­sa tudo o que está disponível", diz a professora Rosaly. Há a firme inten­ção de acostumar o estudante desde o início a fazer pesquisas na Internet, inclusive para seus trabalhos de curso. "Nossa intenção é a de que o aluno se torne um pesquisador': ela diz. Rosaly afirma que, no início, havia uma preo-

PESQUISA FAPESP

cupação com a possibilidade de que os alunos de graduação usassem mal o acesso à Internet e, inclusive, foram tomadas medidas para controlar seus passeios pela rede.

Hoje, essa preocupação pratica­mente desapareceu. ''A conscientiza­ção dos alunos de graduação está muito boa", afirma a professora. "Sentimos que seu trabalho está cada vez mais consciente." Quanto à pós-graduação, nunca houve gran­des problemas. ''A pós-graduação é um dos grandes drenadores de todos os produtos da nova biblioteca", ela diz. "O aluno precisa produzir sua'S monografias e, como futuro pesqui­sador, procura trabalhar de maneira eficiente em suas buscas e pesqui­sas", acrescenta. Quanto aos pesqui­sadores, há alguns que ainda prefe­rem ir à biblioteca para trabalhar. Mas a maioria somou o acesso on­line ao seu dia-a-dia e busca infor­mações dos micros instalados em seus próprios laboratórios.

Entre os projetos para o futuro, está a digitalização das teses dire­tamente na rede. O mestrando ou doutorando iria preparando seu material na rede e, no momento em que sua tese fosse aprovada pela banca examinadora, o texto ficaria imediatamente disponível na Inter­net. As indicações gerais para a rea­lização do trabalho estariam dis-

as prioridades dos no­vos programas, agora que as ne­cessidades mais urgentes foram atendidas. Esse trabalho envolve, também, uma nova filosofia. "Essa noção envolve uma padronização que é uma nova atitude das biblio­tecas", explica Rosaly. Antes, uma revista era apenas um documento a mais, que podia ser consultado. Ho­je, ela se transformou na origem de textos completos, que servem co­mo fontes de informação e são co­locados de maneira independente na rede.

Para chegar a isso, foi necessária uma mudança total nos métodos de trabalho e na cabeça das pessoas. "Passou-se de um mundo mais fe­chado, dentro da unidade, para a visualização de um contexto maior, de padrão internacional", diz Ro­saly. O padrão internacional não é exagero. As reformas das bibliote­cas, arquivos e museus de São Pau­lo estão inspirando não só outras instituições brasileiras, mas também organismos da Argentina, do Uru­guai e da Venezuela. E são aprovadas mesmo nas altas esferas mundiais. O sistema de catalogação adotado pela USP, por exemplo, não é reco­nhecido só no Brasil. Ele é oficial­mente aceito pela própria Bibliote­ca do Congresso de Washington, uma das mais importantes institui­ções da área no mundo.

7

Preservada a mais antiga biblioteca pública paulista Faculdade de Direito trabalha sem risco de incêndio

Dona Giacomina con­fessa: tinha tanto medo que nem conseguia dor­mir direito. Entre as grandes prateleiras de

ferro e madeira maciça, que guarda-vam livros e documentos preciosos, alguns feitos há vários séculos, cor­riam fios elétricos instalados 70 anos antes, praticamente já sem nenhum isolamento. O risco de um incêndio, que fatalmente destruiria a maior parte do acervo, era constan-te. Não seria o primeiro. Em 1880, o fogo consumiu o an-tigo prédio do convento de São Francisco, onde funcio­nava a faculdade. A biblioteca escapou por pouco.

Dona Giacomina Faldini é diretora da biblioteca da Fa­culdade de Direito da Univer­sidade de São Paulo (USP), que funciona no largo de São Francisco, no centro de São Paulo. Trata-se da mais antiga biblioteca pública da capital

pilhavam pelos cantos. Cerca de 6.500 obras classificadas como raras, mui­to preciosas, não tinham nenhum cuidado especial de preservação.

Barulho do trânsito - Na parte reser­vada ao público, na sala de leitura da biblioteca central, a situação não era

C V~Í'uTEVc~ A · ~-­DO BRASJL

• ~ S DROGAS, E. ~fJN.-\S, .. ._:. cunoJasdomododef.rA:ro Affill"".lr; plantar~

,I., o Tab;tco , tinrOurotbs:\lmas; & defcu-bar ~s da Prata i

_. .M!t' .. '•dú nrul•nuct~s, IJ"'tji<A C•J•Jft• U Am~ru.c ~frnJi,~:lll 41ÍMR'}II• { r PO RTVGAL tf1'1t}1tsJ\;, .. _,trht.nu­

r~s, &c.,, .. ,,,.Rr..u. OBRA_

DE ANDREJOAO ANTONIL OFFl~ICt " ....t

'lCi&cado 1:011A!tarruo V~ .-! P~ J01o•m•'•~ocaT .. ..t\ oeh.iadtjlSl' · Mrlf"·"anc,•ro'!*" · a-TI••

• lllta• ••• r.. , "il.

do Estado. Sob sua guarda e Obras raras: antes empilhadas, de sua equipe estão 320 mil agora guardadas em salas com ar .. . itens, alguns do século 16. Desde sua construção, na dé-cada de 1930, o prédio erguido no mesmo local em que estava o antigo convento destruído pelo fogo, onde funciona o Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Di­reito, nunca passara por uma reforma.

O perigo de incêndio era apenas um aspecto da questão. Nos bastidores da biblioteca, os locais onde normal­mente entram apenas os funcionários, o cenário era trágico. A iluminação era precária, as estantes estavam abarro­tadas, livros, jornais e revistas se em-

8

muito melhor. Não havia espaço pa­ra os usuários, o barulho do trânsito intenso do largo de São Francisco dominava tudo. Os freqüentadores queixavam-se da falta de computa­dores para pesquisas. Nas dez biblio­tecas departamentais, espalhadas pelos segundo e terceiro andares do prédio, a situação era semelhante.

Se alguém quisesse um livro que estivesse no alto das imensas estantes que cobriam todas as paredes, era pre­ciso arrastar uma pesada escada de

aço, com mais de quatro metros de altura, e subir, sem nenhuma segu­rança. Na biblioteca circulante, que funcionava em duas salas no andar térreo, não era raro que usuários e funcionários, carregando pilhas de livros, escorregassem em escadas es­treitas e íngremes.

BARTOLVS A SAXO FERRATO

In P0tmam ·J nforttao ~arccm. Cu111 Adoot.ttiooibas AJa. Bnb. l'udi~a-La. ~ A&cL Poma. Jou.

Fr.onc.. R.o-. Mqt..ziorum ; aléktnq, (a~~t onttpis, G«Yf •lll(b.-c:oncú.IJ 1&:•nfrall:a. •

'fY.I/l_ ...pãu_, ... A,RlAII • •o-.t!/&••!·- · --­..._>'f'UCMn,..,..<..,.____.,, ...... ....,.._,~_

c.alo.tllo<'Jflei'I""1*_....IUI<li•B~<aT.~.di,.oul""'f'ér-.._~ VOWII,Itl.oka~_.....-,~~.qoa: ......

alíp""p~•d.Gdn~IA".Pf'ÇUSO BA.lOlt v ...... ..

~-&-·'-i,..._fo*_,_----~,.,t::;.~·-~!W~::-·-:T:t;.:,_.+-.

-/dr-.. _..,..,_M,;, .... ~ ......... ,_v ... Orv....-.....

... condicionado e acesso restrito a visitantes com autorização especial

Não é de admirar o alívio com que Giacomina e os outros funcio­nários da biblioteca receberam o apoio e financiamento da FAPESP. Desde 1996, um investimento de R$ 800 mil da Fundação contribuiu para salvar um tesouro de valor in­calculável. A primeira medida a ser tomada foi uma reforma completa nas instalações elétricas. Mas o tra­balho não ficou nisso. Vieram outras reformas nas instalações, a higieni­zação e reorganização do acervo, a

PESQUISA FAPESP

restauração de obras raras e a informatiza­ção dos serviços.

Chapelaria - Apesar de tudo isso, a reforma não tirou o caráter do que é um dos pontos mais tra­dicionais de São Paulo. Por exemplo, todas as mesas compradas para a ampliação dos lugares dos usuários foram fei­tas sob encomenda, no mesmo estilo das já existentes. A velha cha-pelaria foi mantida na entrada da sala de leitura da bibliote­ca central. O salão mantém a impo­nência dos tempos em que a faculda­de do largo de São Francisco já era um dos grandes centros culturais e intelectuais do país. O pé-direito tem quase 5 metros de altura. A luz que entra pelas grandes janelas envidra­çadas bate na madeira escura de me­sas e estantes.

Um velho carrinho sobre trilhos e o elevador usado para transportar os livros do depósito para o salão ainda funcionam. O ambiente é tradicio­nal, mas os equipamentos de infor­mática, colocados num dos cantos do salão, mostram que as coisas es­tão mudando. Perto de compêndios jurídicos editados em séculos passa­dos, os computadores dão acesso a informa­ções de bancos de da­dos brasileiros e es­trangeiros, como Web of Science, Probe, Scie­lo e outras bibliotecas virtuais.

"••

interna dá acesso a bancos de dados da própria Faculdade de Direito, fa­cilitando consultas a teses e artigos de periódicos e tornando mais fácil a busca a referências bibliográficas.

Primeiro dia - A biblioteca ganhou uma home page. Por meio dela, uma pessoa de qualquer parte do mundo pode consultar o acervo e fazer pedi­dos por telefone, fax ou e-mail. A su­pervisora do Serviço de Atendimento ao Usuário, Maria Lúcia Beffa, diz que ficou espantada com o aumento do número de pesquisas. Logo no pri­meiro dia em que o si te entrou no ar, chegaram dez pedidos por e-mail.

As bibliotecas departamentais foram agrupadas em seis salas num

Dos 25 microcom­putadores comprados para a informatização dos sistemas, 13 ficaram para os usuários. Com eles, fazem-se consultas a revistas e publicações jurídicas em CD-ROM e são feitas conexões pela Internet a sites es­pecializados. Uma rede

Revista de estudantes: muitas obras do século passado

PESQUISA FAPESP

!&·

Poema de Anchieta: acervo pode ser consultado de qualquer parte do mundo

corredor do segundo andar. A entrada é pro­tegida por um portão eletrônico. As salas ga­nharam novas mesas e

::: cadeiras, aumentando ~ ;;: o número de lugares ~ disponíveis para os ~ ~ usuários, além de com-§ - putadores e impresso-

ras. Não menos impor-tantes são as escadas

mais leves e seguras, destinadas a facilitar o acesso às prateleiras mais altas. Com o ar-condicionado, ins­talado em todas as salas, as ,janelas ficam fechadas, diminuindo o ba­rulho da rua.

Obras raras - No segundo andar, está outro resultado dos investimentos da FAPESP: duas salas foram completa­mente reformadas e agora servem para abrigar obras raras e jornais an­tigos. A reforma incluiu a instalação de ar-condicionado e de estantes deslizantes. Lá estão, por exemplo, 6.500 volumes de obras editadas en­tre os séculos 16 e 18. O acesso, po­rém, é restrito. Para consultar essas obras, só com autorização especial e

na presença de um bi­bliotecário.

A criação das novas salas ajudou a desafo­gar o grande depósito central, que agora tem uma organização bem melhor e já pode acei­tar o crescimento do acervo, de 320 mil itens atualmente. Parte do acervo já foi submetido a um tratamento de limpeza e preservação. Além disso, foram res­taurados 231 volumes dos séculos 16 e 17. Al­gumas dessas obras par-ticiparam, no ano pas-

9

Novas instalações: tradição de uma faculdade que formou sete presidentes da República

Mas é nos periódicos acadêmicos, os jornais e revistas editados por alu­nos da própria faculdade, que parece existir o maior potencial para novas pes­quisas. Durante muito tempo, a faculdade do lar­go de São Francisco ofere­cia um dos únicos dois cursos de Direito existen­tes no Brasil- o outro fun­cionava em Olinda, em Pernambuco. Pessoas de todo o país vinham a São Paulo em busca de um tí­tulo que era uma escada firme para os mais altos postos no governo central, no Império e nos primei­ros anos da República.

Não é exagero. No pri-

sado, de exposições relativas aos SOO anos do Descobrimento do Brasil.

A obra mais antiga da biblioteca é uma edição italiana de 1520 da Divi­na Comédia, de Dante Alighieri. Os lugares seguintes são ocupados por obras de caráter jurídico. As Anotações sobre os 20 Livros das Pandectas, um trabalho de Guillaume Budé que tra­ta da legislação do Império Romano, é de 1534. Há ainda o Compêndio do Direito Processual, de Andrea Alciato, de 1537. Só existem mais dois exem­plares desse livro no mundo. Um está em Paris, o outro, em Berlim.

Em português, a obra mais antiga é um exemplar de outro livro jurídico, as Ordenações Manuelinas, de 1539. Há também relíquias religiosas, como uma Bí­blia de 1584, impressa em hebraico, e um curioso re­lato das riquezas do Brasil endereçado à Corte Portu­guesa, o Cultura e Opulência do Brasil, escrito pelo padre João André Antonil e edi­tado em Lisboa em 1711.

Por exemplo, ainda não começaram os trabalhos de preservação e restau­ração de mais de 700 livros do sécu­lo 17. Há ainda a preciosa coleção de jornais e periódicos acadêmicos an­tigos. A biblioteca tem coleções com­pletas de jornais antigos de São Paulo, como o Farol Paulistano, o primeiro jornal impresso em prelo de madei­ra da cidade, e o Observador Consti­tucional, criado por Líbero Badaró. Não faltam também coleções de jor-· nais mais modernos, como o Correio Paulistano, O Commercio e O Estado de S. Paulo.

Século 17 - Muito, ainda, porém, está por ser feito. A diretora Giacomina: medo dos fios desencapados

lO

meiro governo republica­no, nada menos de cinco ministros, entre os quais Ruy Barbosa, eram formados no largo de São Francisco. Também passaram pelos seus ban­cos sete presidentes da República: Prudente de Moraes, Campos Salles, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Del­fim Moreira, Wenceslau Brás, Artur Bernardes, Washington Luiz e Jânio Quadros. A eles se somam 12 gover­nadores do Estado de São Paulo.

Folheando os periódicos acadêmi­cos, não é difícil encontrar artigos assinados por políticos famosos ou literatos, como Castro Alves, Álvares

de Azevedo, Fagundes Va­rella e José de Alencar. O curso de Direito podia ser sisudo e austero. Mas o di­retório dos estudantes, o Centro Acadêmico XI de Agosto, era um centro de efervescência cultural. Pro­vavelmente, muitas obras ainda desconhecidas de grandes escritores e pensa­dores estão nesses periódi­cos (o uso de pseudónimos era comum no século 19). Preservá-los, diz Giacomi­na, é o próximo passo da revitalização da biblioteca.

PESQUISA FAPESP

Boa parte dos re­cursos do Pro­grama de In­fra-Estrutura da FAPESP está in­

do para a restauração de obras raras e outras peças importantes para a memó­ria do Estado e do país, como fotografias antigas. Não sem motivo. Esse pa­trimônio, muito rico em São Paulo, estava seria­mente ameaçado. O pro­blema não se encontrava apenas na ação do tempo. Faltavam políticas adequa­das de preservação.

Não era difícil encon­trar livros com mais de 300 anos empilhados de qualquer maneira, cober­tos de poeira e sujeitos à ação de insetos e fungos. As marcas do descaso eram claras. As obras tinham capas soltas, costuras des­feitas, folhas ressecadas e quebradiças. Fotografias tinham marcas profundas, perdiam a nitidez e fica­vam amarelecidas.

"A tarefa de restauro não é simples': diz a espe­cialista Lucy Aparecida Luccas, que participou de vários projetos patrocina­dos pela FAPESP, inclusive o da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "Exige pes­soal especializado, material quase sempre importado e o trabalho é demorado", acrescenta.

PESQUISA FAPESP

Contra os efeitos do tempo e o descaso com obras raras

Restaurar um livro antigo é caro e demorado

SUPPIJEMENT O AO

VOCABl JLARIO , PORTUGUEZ E Ll\.TINO,

Q.Yi ACABO U D E SAl .RALV:Z,AN NOOEM.DCCXXL

r~IVIDIDO EM OUTO VOLUMES D DIC .A'DO

AO MAGNI FICO KEY DE PO UGAL,

D. AO V. P A R T E II.

PELO p. D- RAFAEL BLUTEAU Q.ERIGO REGULAR , DOUTOR NA SAGRADA _Theologtt, P~dor daRainha deGramBertanha. Henri­

q1lenMaria de Franl:' Q.ualificador doSantoOfficiono flkrado T rib":}c:o L~:R;t"', c Aade-

LltL.~·~-· ,r ~lõAOCCIDENTAI, -N...:A=P:::;AT.E:R..::IA::..::R~C-"'A=i.l ~~têÁ

Livro raro: restauração pode custar R$ 4 mil

documentos: é preciso ter ordem na casa

Ordem na casa- É também um tra­balho caro. Restaurar um livro anti­go custa, em média, R$ 4 mil, depen­dendo do tamanho e do estado de conservação. Assim, só vale a pena se o material for mesmo raro e impor­tante. Além disso, é um trabalho que só pode ser feito depois de se colocar ordem na casa. Se o livro restaurado não for guardado de forma adequa­da, o serviço é perdido.

Ao contrário do que parece, é bom que o livro seja constantemen­te manuseado. O virar das páginas oxigena o material, impede a acu­mulação de microrganismos que atacam o papel e colabora para que as folhas não fiquem ressecadas e que-

II

bradiças. Um conselho prático: fo­lheie rapidamente o livro sempre que for colocá-lo de volta na prateleira.

Há mais. Um tratamento anual contra insetos, por exemplo, é muito importante. Além disso, como isso faz com que os livros sejam pegos um por um, serve como uma revisão geral do seu estado de conservação.

Empurrar e puxar - Lucy dá outros conselhos. Não usar clipes como marcadores de páginas é um deles, pois o processo de oxidação do me­tal mancha e estraga o papel. Quan­do tirar um livro da prateleira, não o puxe pela parte superior da lomba­da, pois isso danifica a encaderna­ção. O certo é empurrar os volumes

Obras: registres do crescimento do Estado

dos dois lados e puxar o volume de­sejado pelo meio da lombada.

"O problema mais comum é a perda de papel, provocada pela ação de insetos e mesmo pela mão do ho­mem': diz a restauradora. Antiga­mente, era hábito comum guilhoti­nar as margens de páginas de livros e fotografias, especialmente na parte de cima. Com isso, perderam-se da­dos importantes, como números de página e mesmo títulos.

12

Política: boa parte da memória do país está nos arquivos de São Paulo

Os restauradores tentam apro­veitar ao máximo o material origi­nal. Mas nem sempre isso é possível. "Até hoje, nunca encontrei um livro antigo com a capa original", diz Lucy. O caminho dos restauradores é refazer a encadernação, seguindo os padrões da época em que o livro foi impresso.

Caixas especiais - O normal é dar ao livro uma capa nova, de pergami­nho, com cordões amarrados, para protegê-los do calor. Os livros mais· raros ficam em caixas especiais, fei­tas de um papelão especial, de pH neutro. Vários materiais são usados. Para os livros impressos até o fim do século 18, é preciso buscar o papel usado na época, à base de linho.

pedido do Sistema Integrado de Bi­bliotecas da USP, precisou viajar para a Itália a fim de especializar-se no assunto.

"É uma tarefa cansativa, mas muito delicada", ela diz. Na Faculda­de de Direito, tratou livros que não desciam das prateleiras há mais de 200 anos. As páginas estavam cola­das e foi preciso separá-las uma a uma. Havia muitos tipos de sujeira, de pó a fezes de pombo. "É preciso muito cuidado para não danificar ainda mais essas obras", afirma. "Mas, no final, o trabalho é recom­pensado. Parece que o livro olha para nós e agradece:'

A restauração de li­vros e outros documen­tos antigos é prática re­lativamente recente no Brasil. Seu desenvolvi­mento coincidiu com o início dos investimen­tos da FAPESP. Há cin­co anos, afirma Lucy, quando aceitou a in­cumbência de restaurar os primeiros livros, a

Trabalho de restauração: papéis especiais

PESQUISA FAPESP

F oi preciso muito trabalho e muito dinheiro. Só a FAPESP investiu R$ 1,4 milhão e

US$ 26,2 mil. Mas, depois de cinco anos de reformas e informatização, as oito bibliotecas que compõem o complexo da Escola Poli­técnica da Universidade de São Paulo (USP) ganharam vida nova e elogios cons­tantes de funcionários e usuários. "É o melhor espa­ço da escola para o estudo, individual ou em grupo", diz um aluno. "A biblioteca não é mais aquele monstro assustador': acrescenta uma aluna. Antes da reforma, ela entrara apenas três ve­zes no local. Agora, é visi­tante constante.

"Foi uma transforma­ção total", afirma a direto­ra técnica Maria Cristina Olaio Villela, informando que a freqüência subiu de 300 mil alunos em 1996 para 458 mil em 1999, um aumento de 35%. Maria Cristina ocupa o cargo apenas há cerca de um ano, mas é funcionária desde 1989. Quando en­trou para a Politécnica, o serviço de bibliotecas ti­nha passado por uma rees­truturação, coordenada pe­la antiga diretora, Maria Alice Fernandes Carrera. Por ela, a biblioteca central manteve o acervo básico para os dois primeiros

PESQUISA FAPESP

Recursos para melhorar a pesquisa em todo o Estado Novos tempos nas universidades públicas

Maria Cristina: transformação total

Engenharia Mecânica: fim da idéia do monstro assustador

anos e as obras mais antigas. O res­tante foi distribuído por sete biblio­tecas setoriais, que atendem aos 15 departamentos da escola.

Em todas elas, o panorama era o mesmo: móveis muito antigos, espa­ços mal distribuídos, organização deficiente do acervo, equipamentos em falta. "Felizmente, recebemos da FAPESP todo o apoio necessário para reverter essa situação", diz Ma­ria Cristina. Houve bibliotecas, co­mo a de Engenharia Mecânica, Na­val e Oceânica e a de Engenharia Elétrica, em que toda a antiga estru-

13

tura foi substituída. As ins­talações foram reformadas do teta ao piso. Ganharam móveis novos, computa­dores, ar-condicionado, portões eletrônicos e nova sinalização.

Saletas - Um dos pontos fortes da reforma é o me­lhor aproveitamento dos espaços. A biblioteca de Engenharia Mecânica, por exemplo, ganhou quase 500 metros quadrados com o aproveitamento de um porão que servia ape­nas como depósito de mó­veis quebrados. Foram cri­ados ambientes para tipos de atividades diversas, como pesquisas on-line, salas de vídeo e locais para pequenas palestras. Várias

Novas instalações: trabalhos que duravam um mês são feitos hoje em três dias

saletas foram dedicadas a trabalhos em grupo. Isso solucionou o problema do barulho, que prejudi­cava a concentração, e aumentou a liberdade para a troca de informa­ções e discussões em grupo.

Formada na década de 1960, Ma­ria Cristina diz que assistiu a uma revolução nos serviços de biblioteca. "Quase tudo o que aprendi está hoje ultrapassado", afirma. Os novos mé­todos de trabalho chegaram a assustar alguns funcionários. Uma funcioná­ria, responsável pelo serviço de troca de documentos entre bibliotecas, entrou em pânico quando os formu­lários preenchidos manualmente e enviados pelo correio foram substi­tuídos por um processo informati­zado. "Ela ficou desesperada, achan­do que não iria conseguir", lembra Maria Alice. Mas, afinal, conseguiu.

A biblioteca da Poli foi pioneira em vários métodos, inclusive o ser­viço Comut-on-line. Seu sucesso chamou a atenção de outras biblio­tecas da USP e serviu de modelo ao programa de informatização desen­volvido pelo Serviço Integrado de Bibliotecas (SIBi). O programa ba­seia-se no uso do softwareAriel, com

14

o qual artigos e capítulos de livros são copiados por um scanner e converti­dos em arquivos. Podem, assim, ser transmitidos por correio eletrônico. Um processo que antes levava um mês dura hoje no máximo três dias.

Fundações - É mais um exemplo de pioneirismo na história da Poli, fun­dada em agosto de 1893. Ela foi a · terceira faculdade de engenharia do país, precedida apenas pela Politéc­nica do Rio de Janeiro, de 1810, e pela Escola de Minas de Ouro Preto, de 1875. Seus professores e alunos são responsáveis por muitas obras im­portantes da cidade de São Paulo. A Poli ajudou a verticalizar São Paulo de diversas maneiras. Foi em seus labo­ratórios que se solucionaram proble­mas de fundações surgidos durante a construção do edifício Martinelli, entre 1925 e 1930, por exemplo.

Durante esses anos, a escola acu­mulou um grande acervo, com li­vros, periódicos, mapas, plantas e fo­tografias antigas. Nem todos estão disponíveis. Cerca de 23 mil volu­mes antigos não podem sequer ser manuseados. Estão cobertos de po-

eira e muitos se esfacelando. Maria Cristina tenta conseguir, agora, ver­bas para higienizar esse acervo, de maneira que ele possa ser examina­do. Assim, serão identificadas as obras mais indicadas para a restau­ração. Será solucionado também ou­tro problema. Esse material provoca tosses e espirros constantes em quem trabalha no depósito de livros da biblioteca central.

Unicamp - Não foram só as grandes escolas da capital que tiveram pro­blemas para adequar as reformas a um grande número de bibliotecas. Na Universidade Estadual de Cam­pinas (Unicamp ), por exemplo, o movimento atingiu 19 bibliotecas, 17 das quais situadas em Campinas, uma em Piracicaba e outra em Li­meira. Todas elas foram beneficia­das, em maior ou menor grau. Junto com as reformas, foi criada a infra­estrutura para o desenvolvimento de um plano de automação, que cobriu desde a adaptação da rede elétrica para suportar a demanda maior de energia à instalação dos cabos para os sistemas de comunicação.

PESQUISA FAPESP

Biblioteca da Unicamp: acervo de 500 mil livros cresce 10% ao ano

"Saímos da Idade Média para en­trar na Modernidade': declara a co­ordenadora do sistema de bibliote­cas da Unicamp, Maria Alice Rebello Nascimento. O número de micro­computadores saltou de 139 para 420. Um impacto enorme teve a aquisição de um software de última geração para o gerenciamento de bi­bliotecas. Com ele, todas as bibliote­cas foram interligadas. Serviços que eram feitos em sistemas independentes foram integra­dos na nova plataforma. "Eli­minamos muitas etapas de trabalho desnecessárias", des­taca Maria Alice.

significa 50 mil livros a mais num período de 12 meses.

Área física - O que quase sempre acontece é que, com isso, o acervo vai invadindo as áreas destinadas aos usuários e diminui o espaço para as consultas. Na Unicamp, ocorreu o contrário. Com o melhor aproveita­mento dos espaços e a adaptação d'e

Não foi só isso. As bibliote­cas ganharam móveis mais adequados. Foi solucionado também, pelo menos tempo­rariamente, o crônico proble­ma da falta de espaço. "Trata­se de um problema muito comum", afirma Maria Alice, "pois, afinal de contas, as bi­bliotecas crescem". O acervo da Unicamp aumenta, em média, 10% ao ano. Para quem tem SOO mil livros, isso

Maria Alice: saindo da Idade Média

PESQUISA FAPESP

um anexo de 1.000 metros quadrados no Instituto de Filosofia e Ciências Huma­nas, a área física das biblio­tecas cresceu de 19.308 para 21.488 metros quadrados. Um passo importante foi a adoção de estantes desli­zantes, para a guarda de coleções especiais e obras raras. De acordo com Ma­ria Alice, esse tipo de es­tante não pode ser usado para obras de grande cir­culação ou de livre acesso. Mas seu emprego, mesmo em áreas especiais, ajuda a ganhar espaço e conserva melhor o material.

Quanto às obras raras, elas agora estão mais bem tratadas, graças a uma lei­tora-copiadora, com a qual os documentos po­dem ser copiados em mi­

crofilme ou em papel. Com isso, re­duz-se sensivelmente o manuseio dos originais. O novo sistema de ar­condicionado ajuda a preservar es­sas obras, muitas das quais vindas de coleções recebidas de intelectuais fa­lecidos, como os historiadores Sér­gio Buarque de Hollanda e Peter Isenberg. O trabalho deve aumentar com a criação de um laboratório de encadernação, restauro e higieniza­ção na própria universidade. Isso significará uma grande economia, já que esses trabalhos são hoje contra­tados a terceiros.

Uma das preocupações de Maria Alice é completar a digitalização do catálogo, pois cerca de metade das obras ainda não está disponível em meios eletrônicos. Outra é um up­grade no sistema de gerenciamento, instalado há quatro anos. Mas, en­quanto isso, medidas aparentemente pequenas, mas de grande impacto, já estão em curso. Para este ano, está prevista a adequação das bibliotecas aos portadores de deficiências físi­cas, o que inclui desde a construção de rampas para cadeiras de rodas à aquisição de equipamentos de infor-

IS

Com sua ampla base geográfica, a Unesp tinha problemas próprios. Na biblioteca de Ilha Solteira, por exemplo, com clima tropical úmido, o calor que chega freqüentemente a 41 graus fazia com que usuá­rios e funcionários manti­vessem as janelas abertas, facilitando a entrada de poeira, fungos e isentos. "A climatização do local solu­cionou o problema", afir­ma Mariângela. A tempe­ratura agora é mantida em 20 graus e a umidade do ar em 50%, o que é conside­rado ideal para a conserva­ção do acervo.

Acervo resguardado: temperatura e umidade do ar ideais para a conservação das obras

De qualquer maneira, os planos futuros das bibli­otecas da Unesp incluem um aperto na segurança.

mática destinados a deficientes vi­suais. "Muitas vezes, essas pessoas chegam a interromper seus cursos diante das dificuldades que encon­tram", afirma Maria Alice.

Unesp - Em matéria de número de bibliotecas, porém, é difícil que tantas tenham sido beneficiadas como as que fazem parte do sistema da Uni­versidade Estadual Paulista (Unesp ). A verba de R$ 12,3 milhões investida pela FAPESP contribuiu para mudar a paisagem em nada me­nos de 23 bibliotecas, três na capital e o restante em outras cidades do Estado. "O aspecto geral era de abandono", diz, lembran­do o período anterior, a coordenadora de bibliote­cas da Unesp, Mariângela Spotti Lopes Fujita. Hoje, ela afirma, os visitantes fi­cam impressionados com a estrutura existente. "Prin­cipalmente os pesquisado­res estrangeiros': destaca.

verbas recebidas da FAPESP foi a ins­talação de um sistema de pesquisa in­formatizado, comparável aos melhores do mundo. "Decididamente, o espaço da biblioteca é multidisciplinar e mul­timídia': diz Mariângela. O número de consultas, que podem ser feitas a dis­tância por todos os alunos e profes­sores da universidade, aumentou bas­tante. "Eles são atraídos pelo conforto · e pelos equipamentos muito rápidos': ela destaca. "Não encontram esses recursos em nenhum outro lugar."

"O furto de livros era uma prática que se tornava cada vez mais freqüente", lembra Mariângela. A instalação de portões eletrônicos e a magnetização do acervo parecem ter solucionado esse problema. A uni­versidade quer, agora, espalhar câ­meras de TV pela biblioteca, para di­minuir os casos de pessoas que rabiscam livros ou arrancam pági­nas e fotografias.

"Isso é fruto de uma cultura que infelizmente ainda não aprendeu a respeitar os livros como parte do pa­

trimônio cultural da huma-

Não é para menos. Um dos trabalhos feitos com as Mariângela: medidas contra livros rasgados e rabiscados

nidade': lamenta Mariân­gela. Mas, enquanto isso, a Unesp se preocupa em aju­dar os usuários a aproveitar bem seu acervo, promo­vendo cursos para ensiná­los a usar da melhor manei­ra os programas de busca. "A intenção da biblioteca é facilitar ao máximo o de­senvolvimento científico", afirma. "Para isso, ela pre­cisa dar aos pesquisadores condições de obter o má­ximo de informação com o mínimo de esforço."

16 PESQUISA FAPESP

Não são só as institui­ções públicas que re­cebem o apoio do Programa de Infra­Estrutura da FAPESP.

Muitas universidades e outros orga-nismos particulares estão receben­do investimentos para ampliar e melhorar seus serviços. Um dos maiores investimentos feitos pela Fundação na área das bibliotecas -cerca de R$ 1,8 milhão - foi para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. A verba per­mitiu que fossem totalmente refor­mados, mobiliados e equipados os 4.350 metros quadrados da biblio­teca e do Centro de Documentação e Informação Científica (Cedic) na rua Monte Alegre, no bairro de Per­dizes, na capital.

"Para acompanhar o desenvolvi­mento tecnológico, foi necessário um grande investimento em refor­mas físicas", explica a bibliotecária­chefe, Ana Maria Rapassi, para ex­plicar por que só agora, com verbas da FAPESP, está em curso a infor­matização da biblioteca. A primeira fase da reforma, terminada em se­tembro de 1999, já serviu para tor­nar mais confortáveis, seguras e efi­cientes as instalações. Foi criada, também, uma infra-estrutura tec­nológica que vai permitir a implan­tação de sistemas mais modernos de suporte à pesquisa, como o aces­so a bases de dados científicos e pe­riódicos eletrônicos.

O primeiro obstáculo estava na rede elétrica precária. O sistema era tão ruim que não tinha condições de suportar um número razoável de computadores. Por isso, só parte dos serviços administrativos estava in-

PESQUISA FAPESP

Investimento em instalações mais seguras e eficientes

PUC prepara a base para passos mais amplos

formatizada. Uma parte do acervo estava catalogada por meios eletrô­nicos, mas, como não havia meios para instalar um sistema de rede, as consultas ficavam limitadas ao espa­ço da biblioteca. Havia outros pro­blemas sérios. As instalações hidráu­licas, por exemplo, também estavam muito ruins. E o forte calor no inte­rior do prédio exigia um sistema de ar-condicionado, para que os equi-

ça e preservação. Entre essas precio­sidades está uma primeira edição de Os Sermões, do padre Antônio Vieira, de 1679.

O Cedic, atormentado pela falta de espaço, foi deslocado do térreo para o subsolo. Com isso, a bibliote­ca ganhou uma grande área livre na entrada, onde foi montado um pe­queno auditório para exposições e lançamentos de livros. O auditório,

Ana Maria: preparada para instalar sistemas mais modernos de apoio à pesquisa

pamentos não fossem danificados pelas altas temperaturas.

Pri meira edição - Com os primeiros trabalhos, já foi possível unificar o acervo, que estava dividido em duas bibliotecas. "As duas já estavam com seus espaços saturados", conta Ana Maria. Também foi possível reunir o acervo de obras antigas e raras numa sala especial. Restringir o acesso a essas obras era um passo essencial para garantir sua seguran-

chamado Centro Cultural Monte Alegre, é um sucesso. Tem sempre agenda lotada para os seis meses se­guintes. Quanto ao Cedic, tem agora 300 metros quadrados, em vez dos 100 metros anteriores. A ampliação do espaço permitiu a instalação de um laboratório de microfilmagem e outras instalações, como um labora­tório de áudio que permite a repro­dução de gravações com qualidade digital. Nada que lembre as antigas e apertadas instalações.

17

O nde, no Brasil, é possí­vel encontrar um exem­plar da raríssima obra Metamorphosis des In­sectes, editada na Fran­

ça em 1705? Trata-se de um trabalho sobre a fauna do Suriname, ilustra­do com muitas aquarelas, de tanto valor que é considerado patrimônio

da humanidade pela Unesco. Uma cópia está no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), ao lado de preciosidades como obras de Georges Cuvier (1769-1832), considerado o pai da paleontologia, todas elas ilustradas à mão. Com a ajuda da FAPESP, o museu, instalado num antigo edifício do bairro do Ipiranga, em São Paulo, está recupe­rando suas instalações e cumprindo com cada vez maior vigor sua fun­ção de ser um dos principais centros mundiais de ensino e pesquisa da fauna da região neotropical, que in-

18

A renovação de um centro de referência em zoologia

Obras dão sobrevida a prédio do museu no Ipiranga

clui o Brasil e outras partes das Américas do Sul e Central.

''A verba da FAPESP serviu até para reformar as instalações do museu, todas em péssimo estado e algumas mesmo sem condições de uso", afirma o diretor, Miguel Tre­faut Rodrigues. Trata-se de um enorme avanço com relação ao es-

tecer quando o museu mudar-se para um novo prédio, já em proje­to, no próprio campus da USP. Mas não há dúvidas de que as condiçõ­es melhoraram bastante. Por en­quanto, o museu vai enfrentando uma situação peculiar: seu próprio sucesso como instituição de ensino e de pesquisa está aumentando em

Coleções: um dos maiores centros· de pesquisas sobre a zoologia neotropical do mundo

tado anterior das instalações que abrigam o museu desde sua funda­ção, em 1939, quando pertencia à Secretaria da Agricultura, e que continuaram após sua transferên­cia para a USP, em 1969. Há alguns anos, até a biblioteca fora obrigada a mudar de lugar, pois a estrutura da parte do prédio onde ela funcio­nava começou a ceder e a situação das instalações elétricas e hidráuli­cas eram precárias.

Os problemas não estão todos resolvidos e, de acordo com o pro­fessor Rodrigues, isso só vai acon-

escala acelerada suas coleções. Isso faz com que o espaço dedicado às coleções avance cada vez mais so­bre o reservado às exposições pú­blicas. ''A exposição tinha original­mente 1.500 metros quadrados e foi reduzida a cerca de 700 metros quadrados", admite o professor Ro­drigues. A solução, segundo ele, só virá quando for inaugurado o novo prédio.

Degeneração - "O museu vem apre­sentando uma produção científica cada vez mais intensiva': explica o

PESQUISA FAPESP

diretor. "Os pesquisadores estão co­letando mais e temos que armazenar esse material, diante da degeneração dos hábitats dos animais, tanto no Estado de São Paulo como no resto do Brasil", acrescenta. Exemplos não faltam. A coleção do museu inclui vários exemplares da borboleta Mor­pho menelaus, de cor azul, apanha­dos em Cubatão em 1966. Não se tratava de uma espécie rara. Podia, na época, ser encontrada em regiões de mata de todo o Brasil. Hoje, su­miu de São Paulo. Só existe na Ama­zônia. Espécies típicas da Mata Atlântica, como o mutum Mitu mitu, uma ave aparentada com as gali­nhas, não existem mais na natureza. Só é encontrada em cativeiro. E, com

incomparáveis a quaisquer outras no mundo e indispensáveis para fa­zer qualquer tipo de trabalho nas áreas de ecologia, evolução e siste­mática no Brasil e para resolver pro­blemas sobre grandes grupos em âmbito mundial", afirma o diretor.

Recursos humanos - Além do mate­rial recolhido por pesquisadores e es­tudantes de pós-graduação da USP, o museu também recebe animais co­letados por pesquisadores de outras instituições brasileiras, material de permuta e doações, além de com­prar coleções de particulares, quan­do surge uma boa oportunidade. "Este museu sempre teve um caráter de museu científico, com coleções

Mamíferos e insetos: borboletas encontradas com

facilidade em Cubatão hoje só sobrevivem na Amazônia

a progressiva destruição de seus há­bitats naturais, dificilmente poderá voltar a desenvolver-se nas matas.

Isso torna o Museu de Zoologia um centro muito importante de pes­quisas, não só para zoólogos, mas também para ecólogos e profissio­nais de outras áreas. Seu acervo, hoje com 7 milhões de exemplares, é o maior da região neotropical. Sua co­leção de insetos neotropicais é a maior do mundo. O mesmo aconte­ce com as de aves, répteis e anfíbios. Só a de mamíferos está em segundo lugar. "São coleções absolutamente

PESQUISA FAPESP

científicas", explica Rodrigues. "Seu impacto na formação de recursos humanos qualificados, na pós-gra­duação do Brasil, vem sendo muito grande. Todos os grandes zoólogos brasileiros tiveram treinamento cien­tífico neste museu."

Quando houve o problema com a parte do prédio onde funcionava a biblioteca, aproveitou-se para mu­dar algumas coisas. O solo foi nivela­do e no local construiu-se um meza­nino, onde foram abrigadas mais coleções. A construção foi feita com verba da USP, mas o ar-condiciona-

do foi instalado com um investi­mento da FAPESP. Quanto à biblio­teca, continua a ser a maior e mais completa do gênero no Brasil, com 89.573 volumes e com séries com­pletas das revistas de zoologia mais usadas nos trabalhos· de pesquisa.

O fato de a biblioteca ser tão completa tem uma explicação. O museu edita anualmente duas revis­tas especializadas, Papéis Avulsos de Zoologia e Arquivos de Zoologia. Como há interesse nessas obras por parte de outras instituições, isso ren­de para o museu cerca de 700 acor­dos de permuta e significa, nos cál­culos de Rodrigues, uma economia de cerca de R$ 200 mil por ano em assinaturas para a USP. Em compen-

sação, o espaço reservado às revistas cresce, em média, entre 20 e 25 cen­tímetros por dia.

Deslizantes - As verbas da FAPESP foram empregadas, em grande par­te, na compactação das coleções, a começar pela de invertebrados. Com a compactação, o acervo é co­locado em armários deslizantes, o que significa uma enorme econo­mia de espaço. ''A compactação de várias coleções nos deu um hori­zonte de crescimento de mais qua­tro anos", diz Rodrigues. "Sem isso,

19

teríamos sido obrigados a fechar completamente a seção de visita­ção!' A reforma das instalações elé­tricas permitiu a aquisição de um microscópio eletrônico de varredu­ra, também com o apoio da FAPESP. Com ele, o museu tem um dos la­boratórios de microscopia eletrôni­ca mais modernos da USP.

Parte dos animais é conservada a seco, parte em álcool. Cada qual tem

Armários deslizantes e o professor Rodrigues: cada animal tem

um tipo de conservação diferente

um método específico. Os morce­gos, por exemplo, devem ser con­servados em álcool. Se forem con­servados a seco, ficam com o pêlo ressecado, prejudicando a aparência. Rodrigues explica que essas coleções têm uma importância enorme para diversos tipos de estudo, como os que procuram determinar a evolu­ção das espécies.

Se um pesquisador quiser acom­panhar a evolução dos sagüis, por exemplo, encontrará no museu exemplares de diversas regiões, co­mo Mata Amazônica, Mata Atlânti­ca, Cerrados, Caatinga e Mata de Araucária. Comparando caracterís­ticas como a cor do pêlo, o tipo do

20

pêlo, sua distribuição ao longo do corpo, dentes, ossos, crânio e carac­terísticas da anatomia interna e da biologia molecular, será possível res­ponder a diversas perguntas sobre o animal e sua ecologia.

Relação - "O sistemata, o pesquisa­dor que trabalha no museu, parte de características, morfológicas, ecoló­gicas ou moleculares, para sistemati-

zar o conhecimento e responder a questões como quantas espécies existem num grupo e qual sua rela­ção de parentesco': comenta Rodri­gues. "Só quando essas perguntas são respondidas é possível seguir adiante e fazer indagações e procu­rar explicar fatos sobre por que um animal é arborícola ou não, ou se vive em terra ou na água."

Por enquanto, a visitação pública está suspensa, em conseqüência de

outro problema grave. O telhado esta­va danificado, houve uma infiltração de água da chuva e placas de estuque começaram a cair sobre os armários do acervo. O telhado e boa parte do forro foram trocados, com verba da USP, em paralelo aos projetas de in­fra-estrutura financiados pela FA­PESP. Mas o perigo de que uma placa de estuque caísse sobre um visitante levou à interdição. O museu preten­de reabrir as portas em meados do ano, com novas instalações, como catracas e melhor iluminação.

De qualquer maneira, o que está exposto representa menos de um milésimo das coleções do museu. As coleções têm ênfase na fauna brasi­leira, mas incluem animais de várias partes do mundo. O acervo do mu­seu é considerado um dos mais completos da zoologia mundial. Mas é devido ao paciente trabalho de coleta realizado nas últimas déca­das que muita coisa se sabe sobre a fauna brasileira e, especialmente, da Mata Atlântica. O que não livra os pesquisadores de algumas surpresas.

Julgava-se antes que o mu­tum desaparecido da Mata Atlântica era o mesmo en­contrado na Amazônia. Não mais. Agora, sabe-se que o mutum amazônico é uma espécie diferente.

Enquanto houver devas­tação, o papel do museu continuará a crescer. Outra espécie de ave que só existe em cativeiro é a ararinha­azul ( Cyanopsita spixii). O último espécime solto na natureza estava sendo mo­

nitorado por biólogos, no norte da Bahia. Mas desapareceu no ano pas­sado. Outros animais, mesmo de gran­de porte, correm perigo. O exemplar existente no museu do macaco-da­noite (Patos flavus), também conhe­cido como jupará, foi recolhido num pequeno trecho de Mata Atlântica no Estado de Alagoas. Hoje, essa região está completamente devastada. Não se sabe quando será possível dispor de outro macaco-da-noite para estudos.

PESQUISA FAPESP

Estação de Boracéia: biólogos trabalham para preservar e para conhecer mais a fauna da Mata Atlântica

Aada de terra está relativa­ente livre de buracos. Mes­

mo assim, é tão sinuosa que dificilmente o traje­to de cerca de 50 quilô­

metros até a farmácia ou o pequeno supermercado mais próximos dura menos de uma hora. O acesso difícil é proposital. Desestimula os coleto­res clandestinos de palmito e de bro­mélias. Essa é a via de acesso à Esta­ção Biológica de Boracéia, uma área de 96 hectares de Mata Atlântica, no litoral norte do Estado de São Paulo, pertencente ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

PESQUISA FAPESP

No meio da mata, um centro de pesquisas FAPESP ajuda a recuperar estação biológica

Não é uma simples área de preserva­ção. É, também, um importante cen­tro de pesquisas.

Ali, também, se vê a mão do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. Até há pouco, a estação es­tava seriamente comprometida pe­la falta de recursos. As instalações eram muito antigas e não recebiam manutenção. Mal podiam abrigar oito pesquisadores de cada vez. Não havia laboratórios, as salas de aula eram improvisadas. Hoje, os três prédios da estação foram re­formados. Eles são modestos, mas confortáveis - algo importante

para quem fica até mais de uma se­mana no isolamento da estação -que nem tem telefone- para fazer uma pesquisa.

De certa maneira a estação é ca­racterística de uma nova filosofia de trabalho. Antes, os cientistas, em grande parte, procuravam conhecer para preservar. Hoje, infelizmente, é preciso preservar antes de conhecer. "Os biólogos trabalham contra o tempo, concorrendo com interesses econômicos da indústria madeirei­ra e extrativista e com os interesses das comunidades locais, que, por necessidade e ignorância, contri-

21

Prédio reformado: instalações agora podem receber até 25 pessoas

buem para a degradação ambien­tal", diz Sônia Casari, chefe da seção de Apoio à Estação Biológica de Bo­racéia.

Bromélias - A estação está situada numa área de mata primitiva, de 16.450 hectares, preservada pela Cia. de Saneamento Básico do Es­tado de São Paulo (Sabesp ), a Adutora do Rio Claro, situa­da no município de Salesó­polis, cerca de 11 O quilôme­tros a leste da capital. Ao contrário do que ocorre em áreas mais freqüentadas, bro­mélias e orquídeas, muito procuradas pelos coletores clandestinos, são vistas com facilidade nas árvores. Há muitos pássaros e insetos. Mar­cas de pequenos animais apa­recem no chão das picadas.

sem que seja preciso entrar nas pica­das. À noite, basta acender uma lâm­pada especial, instalada na frente de um dos alojamentos, para atrair uma multidão de insetos.

Só no ano 2000, pesquisadores da USP concluíram nove projetos com base em coletas feitas na esta-

Tanta vida selvagem chega a trazer desconforto para os pesquisadores. Apesar do for­te calor, eles só entram na mata com roupas de mangas compridas e botas de borra­cha de cano longo. É uma forma de proteção contra os mosquitos e cobras. Mas mui­tas pesquisas podem ser feitas As professoras Sônia e lzaura: sem telefone

22

ção, na maior parte sobre insetos ou anfíbios. Além disso, a estação rece­beu 60 pesquisadores de outras ins­tituições, 15 deles estrangeiros. Vários pesquisadores vêm de organismos particulares, como a professora Izau­ra Bezerra Francini, da Universidade Católica de Santos, participante do projeto Levantamento da Fauna de Coleópteros da EBB. "Seria difícil fa­zer um trabalho dessa envergadura em outro local", ela afirma.

Quinino - A estação foi criada em 1938, como um centro experimental para o estudo do cultivo da quina do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A quina, um arbusto dos An­des, era a origem do quinino, um re­médio muito usado na época para a malária. A partir de 1941, pesquisa­dores do então Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultu­ra, hoje o Museu de Zoologia da USP, passaram a organizar expedi­ções à área para coletar material cien­tífico. Em 1952, o IAC encerrou os trabalhos com a quina e, em 1954, a estação foi oficialmente transforma­da em centro de estudos.

A estação não serve apenas para pesquisas. Também é importante pon­to de apoio para a formação de mão­de-obra qualificada para trabalhos de campo. No ano passado, 86 alunos e 11 professores participaram de seis cursos oferecidos pela EBB. Isso se tornou possível com a criação da no­va sala de aula e do laboratório, com capacidade para receber 25 alunos.

Mesmo o laboratório não tem equi­pamentos sofisticados. Não há com­putadores na estação. Mas biólogos que trabalham no campo estão acos­tumados a longos períodos apenas com o básico. Há outra vantagem nes­sa maneira austera de pesquisar: ela diminui o lixo que cada um é obri­gado a trazer de volta para a cidade. Uma das regras da estação é a de que cada um deve levar embora o lixo que produz. ''A estação deve perma­necer intacta, para garantir a vida das plantas e animais e o futuro das pes­quisas biológicas", sublinha Sônia.

PESQUISA FAPESP

uando foi formado, em 1975, o Herbário da Universidade Estadual de Campinas (Uni­camp) contava apenas

com dois armários, nos quais guar­dava algumas duplicatas doadas pelo Instituto de Botânica de São

Uma instituição que se tornou modelo

Reforma muda a face do Herbário da Unicamp

Hoje, o Herbário da Unicamp está entre os mais importantes do Brasil. Tem um acervo de 116 miles­pécies. Anualmente, recebe mais 7 mil, fruto de coletas feitas por equi­pes da própria Unicamp, de doações e de permutas com museus de várias partes do mundo. Não é só; ele é re-

Brasil uma organização tão bem es­truturada e equipada': diz Luiza Su­miko Konoshita, professora-assis­tente do Departamento de Botânica da Unicamp.

Essa boa impressão não vem do nada. O Herbário da Unicamp é um exemplo de organização e eficiên-

Amostras conservadas no Herbário da Unicamp: ambiente era tão insalubre que pessoas pensavam em desistir da profissão

Paulo, com as quais começou sua coleção. Esse início modesto, hoje, é apenas uma distante recordação. O herbário ganhou impulso com a criação dos cursos de pós-graduação em Biologia Vegetal, em 1976, e com a necessidade, cada vez mais pre­mente, de recolher e preservar amostras da flora do Estado, especi­almente da Mata Atlântica, antes que seus hábitats fossem completamente destruídos.

PESQUISA FAPESP

conhecido como uma das mais im­portantes instituições de pesquisa da sua área no mundo e ponto de para­da freqüente para pesquisadores vindos de várias regiões do planeta. Sua estrutura, moderna e bem equi­pada, serviu de modelo para a refor­ma de outros herbários, inclusive o do respeitado Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

"Os pesquisadores estrangeiros ficam admirados ao encontrar no

cia. A coleção está toda compactada em armários deslizantes, que ficam em duas salas do andar térreo do Departamento de Botânica. Tem um bom sistema de ar-condiciona­do, fundamental para a preservação do material. Conta ainda com equi­pamentos para a observação do material, como lupas com capaci­dade de aumento de 40 vezes, e para o preparo das plantas, como estufas e freezers.

23

Insalubre - Nem sempre, porém, foi assim. Há pouco tempo, nem ha­via uma bancada ade­quada para o trabalho de estudantes e pesqui­sadores. O velho apare­lho de ar-condicionado funcionava precaria­mente e servia apenas uma das duas salas. Quando chovia, a água entrava pelo aparelho e escorria pelas paredes. Com o alto teor de umidade, os fungos pro­liferavam de tal manei­ra que o ambiente, além de representar um peri­go para as coleções, se tornou insalubre até pa­ra as pessoas.

Lupas especiais permitem exames rápidos no material

a USP de Ribeirão Pre­to, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) de Pira­cicaba e mesmo institui­ções de fora do Estado, como a Universidade Federal de Londrina, no Paraná.

Novas iniciativas fo­ramtomadas.Porexem­plo, o museu passou a patrocinar um projeto de educação ambiental, dirigido por Luiza, do qual participam alunos do primeiro e segundo graus não só de Campi­nas, mas também de São Paulo, Santos e São Carlos. Nesse progra­ma, uma equipe da Unicamp visita escolas públicas e promove ati­vidades em sala de aula e passeios no campo. "A comunidade é um agen­te fundamental da pre­servação': diz a profes­sora. "O resultado é muito gratificante, pois os estudantes começam a respeitar mais as plan­tas': acrescenta.

"Ninguém suporta­va ficar mais de uma hora lá dentro e não era raro um estudante ou professor sofrer uma crise de asma", lembra Luiza. "Alguns profes­sores e alunos chega­ram a pensar em desis­tir da carreira, para não agravar seus problemas de saúde", acrescenta. Os fungos não eram o único problema. Duas detetizações por ano A professora Luiza: projeto de formação nas escolas primárias

A reforma veio em boa hora. O projeto Flo­ra, que está mapeando

não conseguiam mais resolver o caso dos insetos, que en­contravam ambiente propício no ca­lor e umidade.

A isso, se somavam outras ques­tões. Os armários não eram suficien­tes. Materiais preciosos se empilha­vam pelo chão. Chegou-se a um ponto em que nem mesmo no chão havia espaço para o material que chegava. "Isso dava uma impressão tão grande de desorganização que fi­cávamos envergonhados quando re­cebíamos pesquisadores estrangei­ros", diz a professora Luiza.

Pisos e paredes - Ou seja: havia a ne­cessidade de uma reforma completa.

24

Ela veio com um investimento de R$ 416,9 mil do Programa de Infra-Es­trutura da FAPESP. O dinheiro deu para reformar pisos e paredes, instalar um novo sistema de ar-condicionado, comprar armários deslizantes ade­quados para a guarda de espécies ve­getais e até obter duas lupas especiais para exames rápidos do material.

Os armários antigos, substituí­dos pelos deslizantes, ainda estavam em bom estado. Mais de 200, com valor estimado em R$ 600 cada um, foram doados a instituições como o Herbário do Instituto de Botânica, o Herbário da Unesp em Rio Claro, o Instituto Agronômico de Campinas,

todos os vegetais exis­tentes no Estado de São Paulo, tem participação ativa dos pesquisado­res da Unicamp e o herbário recebe amostras de praticamente todas as coletas feitas dentro do projeto. "Com isso, o acervo ainda vai crescer muito", diz o curador do Herbário, Washington Marcondes Ferreira Ne­to". Hoje, o museu abriga 140 tipos nomenclaturais, ou seja, espécies no­vas, descobertas por pesquisadores paulistas, cujas amostras-tipo estão guardadas no local. Poucos herbários, mesmo os mais tradicionais, chegam a tanto. Nada mau para um organis­mo com pouco mais de um quarto de século de existência.

PESQUISA FAPESP

H ouve um tempo em que o terceiro museu em importância da América Latina prima­va pela segurança ze­

ro. Apenas uma porta de vidro sepa-rava o ambiente externo, a rua, da área da exposição, onde se encontram obras de autores valorizadíssimos, como Picasso, Modigliani e Matisse. "O risco de ocorrer um roubo era grande", admite o diretor da insti­tuição, o Museu de Arte Contempo­rânea (MAC) da Universi­dade de São Paulo (USP), José Teixeira Coelho Netto.

Mais problemas? O prédio fora projetado para ter um sistema de ar-con­dicionado, mas ele nunca fora instalado. Assim, o edifício não tinha nem mesmo ventilação natural, por mais precária que fos­se. "O calor era insuportá­vel, o prédio era uma ver­dadeira estufa, as pessoas não conseguiam ficar meia hora no museu': diz Coe­lho Netto. O problema não ficava nisso. O forte calor ameaçava a própria integri­dade das obras.

Um acervo muito valioso agora protegido MAC ganha mais segurança e conforto para os visitantes

com luminárias comuns, as mesmas usadas em fábricas e escritórios, francamente desaconselháveis para um ambiente de exposições.

Umidade - Felizmente, as mudanças começaram. Em boa parte, com o uso de uma verba de R$ 2,6 milhões do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. Mais da metade dessa ver­ba foi aplicada na instalação de um sistema de ar-condicionado que não se limita a tornar mais confortável a

vida de visitantes e funcionários. Tec­nologicamente bastante avançado, ele controla eletronicamente não só a temperatura, mas também a umida­de relativa do ar, algo importantíssi­mo para a preservação das obras.

Não foi um trabalho fácil pôr esse ar-condicionado em funciona­mento. A infra-estrutura para a ins­talação dos equipamentos já existia. Mas as tubulações eram imensas e, em certos casos, chegavam a cobrir metade de uma parede. A solução foi

instalar paredes falsas de placas de gesso, correndo ao longo das paredes de al­venaria. Com isso, ficaram cobertas as imensas bocas de ar. Ganhou o museu. O equipamento ficou total­mente embutido e as no­vas paredes estão livres para a colocação de qua­dros, sem poluição visual.

A lista continua. O sis­tema de proteção contra incêndios era pouco mais do que alguns extintores espalhados pelo edifício, nada adequado para um museu desse porte. O mí­nimo que se podia dizer para a distribuição de es­paços era que se tratava de algo muito ruim. A ilumi­nação, precária, era feita

Fachada do MAC: maior coleção de arte moderna do Brasil

Para melhorar a segu­rança, a área de exposições foi recuada e agora fica iso­lada do saguão de entrada, protegida por portas mais resistentes. O MAC ganhou, também, um sistema de combate a incêndios muito eficiente, semelhante ao instalado no Museu do Louvre, em Paris. Se um sensor detecta um foco de incêndio, o sistema lança automaticamente na área afetada um gás inerte pres­surizado, o FM-200, que apaga as chamas sem cau­sar danos a pessoas ou às obras. A liberação do gás só se limita à área identifi­cada pelos microprocessa-

PESQUISA FAPESP 25

A Negra, de Tarsila do Amarai: pintado em 1923, é considerado por muitos críticos o quadro mais representativo do Modernismo brasileiro

dores do sistema como a do foco de fogo. Não chega a outros lugares.

Movimentos - Exagero? Provavel­mente, não, se for considerado ova­lor do acervo do MAC. "O museu tem a maior e mais importante cole­ção de arte moderna e contemporâ­nea do Brasil", declara o diretor Coe­lho Netto. Entre óleos, gravuras e esculturas, o MAC tem cerca de 8 mil obras, mais, por exemplo, do que o Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp). O acervo fixo repre­senta praticamente todos os princi­pais movimentos artísticos do século 20, tanto os aparecidos no exterior como no Brasil.

Entre os artistas estrangeiros com obras no MAC estão, por exemplo, Picasso, Modigliani, De Chirico, Lé­ger, Matisse, Kandinsky, Max Ernst, Morandi, Appel, Albers, Vasarely, Fon­tana, Calder, Rauschenberg e Was­selman. Entre os brasileiros, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Portinari, Goeldi, Flávio de Carvalho, Walde­mar Cordeiro, Lygia Clark, Hélio Oi-

26

Bandeirinha,

Auto-retrato de Modigliani: obra do museu mais requisitada para exposições no exterior

de Alfredo Volpi : tela de 1958

ticica, Volpi, Mario Zanini, Bonadei, Gomide, Antônio Henrique Amaral, Nelson Leirner, Tomie Ohtake, Ma­nabu Mabe, Aguilar, Paulo Pasta, Evandro Jardim e Regina Silveira.

Quando aparece uma oportuni­dade de um acesso mais fácil, mes­mo em condições menos ideais, · esse acervo é bastante apreciado pelo público. Uma exposição realizada pelo MAC na Galeria da Fiesp, em São Paulo, entre abril e agosto de 1999, atraiu nada menos de 90 mil pessoas, recorde para exposições de um acervo nacional. Outra medida do valor do acervo do MAC é a fre­qüência com a qual suas obras são solicitadas para exposições em gran­des museus internacionais. Já foram formalizados empréstimos, por exemplo, para instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York (Morna), o Museu Nacional da Alemanha, de Berlim, e a Fundação Antoni Tapies, de Barcelona.

Modigliani - Uma das obras mais re­quisitadas pelos museus estrangeiros

é um dos destaques do museu, o único auto-retrato pintado pelo pin­tor e escultor italiano Amedeo Mo­digliani. "Trata-se de uma obra fun­damental para qualquer exposição desse artista': diz Coelho Netto. Ou­tra obra muito requisitada é A Ne­gra, de Tarsila do Amaral, considera­do o quadro mais representativo do Modernismo brasileiro. Mas o acer­vo tem outras preciosidades, como algumas dezenas de obras deDiCa­valcanti, 21 telas de Volpi e mais de 100 gravuras de Renina Katz. Na úl­tima Bienal de São Paulo, em 1998, havia nada menos do que 40 obras do MAC nas paredes de exposição.

Mas algumas das preciosidades existentes no museu ainda estão sen­do descobertas. O MAC tem um ar­quivo permanente. Parte do seu con­teúdo ficou guardada em pacotes, ignorada, quando o acervo foi trans­ferido do prédio antigo, no Parque do Ibirapuera, para o edifício novo, no campus da USP. Para organizar e tornar esse material acessível, com­posto principalmente por cartazes e

PESQUISA FAPESP

Figuras, de Pablo Picasso: obra de 1945, valorizada pelo novo sistema de iluminação

objetos doados por artistas, era pre­ciso especialmente verba - e, mais uma vez, ela foi conseguida com a ajuda do Programa de Infra-Estru­tura da FAPESP.

"O que tínhamos antes, guarda­do na USP ou no Ibirapuera, era um arquivo morto, empilhado em con­dições inadequadas, dentro de caixas ou pacotes, como veio quando foi doado pelos artistas': diz a especia­listá em documentação Silvana Kar­pinski, uma das responsáveis pelo trabalho, em conjunto com a dire­tora da Biblioteca do MAC, Dina Elizabeth Uliana. "Agora, temos um arquivo vivo, em condições de rece­ber pesquisadores, com fácil acesso ao que quiserem consultar", prosse­gue Silvana.

Armários especiais - O trabalho de abertura do arquivo revelou muitas surpresas, como, por exemplo, os documentos pessoais do artista Er­nesto de Fiori, espalhados entre o material. Todos os documentos fo­ram tratados e a maioria está guar-

PESQUISA FAPESP

O Implacável, bronze de Maria Martins: esculturas também ganharam espaço

dada em arquivos deslizantes de aço. Alguns cartazes e outros documen­tos de manuseio difícil foram para armários especiais. O acervo foi di­gitalizado e gravado em CD-ROM. "Não há mais o risco de parte se per­der ou se deteriorar': afirma Silvana.

A reforma feita no prédio do campus da USP também melhorou o arranjo das áreas de exposição. Antes, o museu funcionava num único salão. Agora, está dividido em oito seções. Com isso, ganhou -se fie-

Nu, de Ismael Nery: destaque para obras contemporâneas brasileiras

xibilidade na hora de distribuir as obras a serem expostas. A ilumina­ção também mudou. Todas as anti­gas luminárias foram substituídas. As novas foram especialmente pro­jetadas para o museu. É possível, com elas, direcionar e controlar a quantidade de luz em cada uma das seções do MAC.

A readequação de espaços per­mitiu a duplicação da reserva técni­ca, os locais onde ficam as obras que não estão em exposição naquele momento. Com isso, foi possível tra­zer parte do material que continua­va no prédio do Ibirapuera - cerca de metade do acervo-, onde as con­dições de segurança continuam a ser ruins. "Ainda faltou espaço para aco­modar todo o acervo no prédio da USP, mas agora o museu está muito mais tranqüilo com relação à segu­rança': declara Coelho Netto. As prin­cipais obras estão todas no MAC.

Grande Galeria - Das oito galerias em que está agora dividido o prédio novo, quatro ficam na Ala Oeste do

27

edifício e duas, gêmeas, no centro. O grupo se completa com uma Alta Galeria, para peças de parede de maior porte, e uma Grande Galeria, preparada como um espaço especi­almente adequado para a apresenta­ção de obras contemporâneas.

As mudanças parecem estar agradando. O museu que reabriu as portas em dezembro do ano passa­do, depois de sete meses de reforma, decididamente não é o mesmo. A média de visitantes, que era de 30 pessoas por dia antes da reforma, passou para 80. No primeiro dia de reinauguração, recebeu 2 mil pes­soas, número nunca antes atingido na sua história.

A entrada envidraçada permane­ce, chamando a atenção entre os ou­tros prédios da rua da Reitoria, no campus da USP. O concreto aparen­te tratado e a instalação de painéis de vidro fumê e de uma marquise de proteção da entrada principal de­ram uma nova aparência à fachada. O saguão de entrada ganhou uma pequena loja para a venda de lem-

28

Obras de Henri Matisse, Fernand Léger, Cândido Portinari, Nelson Leirner, Hélio Oiticica e

Emil iano Di Cavalcanti: museu mais avançado do Brasil

branças, a exemplo de outros gran­des museus do mundo. Em breve, estarão funcionando também locais para a venda de café e lanches. Os domos de fibra de vidro da cobertu­ra foram substituídos por lajes de concreto, aumentando a segurança e a resistência à água da chuva.

Obra Nova - Coelho Netto conta que as reformas tiveram grande reper­cussão também no meio artístico. Dos cem artistas convidados para a inauguração da Obra Nova, a mos­tra que marcou a reabertura do mu­seu depois da reforma, 97 confirma­ram imediatamente a presença e os outros justificaram a ausência, com problemas pessoais ou viagens ao exterior. "Os artistas também têm comparecido mais ao museu", afir­ma o diretor. "Muitos chegaram a fi­car impressionados com o aspecto moderno e agradável do prédio", acrescenta.

Houve casos em que esse reco­nhecimento teve caráter mais práti­co. Vários artistas ficaram tão mo ti-

vados com a renovação do MAC que decidiram contribuir para o acervo do museu. Em poucas semanas, fo­ram feitas mais de 20 doações, inclu­sive por parte de artistas tão conhe­cidos como Cláudio Tozzi, Ubirajara Ribeiro, Maria Bonomi, Archangelo Ianelli e Renina Katz.

Obras em papel - Depois da iniciati­va da FAPESP, outras doações im­portantes começaram a chegar ao museu. Por exemplo, a Vitae, uma associação que apóia projetas nas áreas da cultura e da educação, enca­minhou R$ 98 mil para o organismo da USP. A verba foi usada para pagar parte das despesas de instalação de uma sala especial para a preservação de obras em papel. A empresa de marketing Thompson está prepa­rando gratuitamente um projeto de divulgação do museu. E uma empre­sa de transportes, a Alves Tegan, leva gratuitamente as obras do MAC para exposições em outros locais.

A sala das obras em papel, o Gabi­nete de Papel, levou especialmente em

PESQUISA FAPESP

Interior do MAC: museu mantém laboratórios e estrutura de apoio a pesquisadores

conta as necessidades dos pesquisa­dores, além do interesse do público. As obras não ficam propriamente ex­postas, mas guardadas em gavetas especiais. Assim, cabem no local 400 obras, quando, numa exposi­ção comum, não seria possível guardar a décima parte desse total. O museu coloca o Gabi­nete de Papel num conceito que chama de atendimento varia­do, atendendo simultaneamen­te pesquisadores, artistas, edu­cadores e o público em geral.

Além de suas obras e de uma estru­tura de apoio a pesquisadores, o MAC mantém, também, um con­junto de laboratórios de conserva­ção e restauro. Também nessa área a

Estrutura de apoio - "Tecnolo­gicamente, o MAC é hoje o museu mais avançado doBra­sil': afirma Coelho Netto, "e, em termos de agradabilidade e de adequação de espaço, está entre os melhores da América do Sul". O diretor lembra que essas qualidades são funda­mentais para um organismo criado não só para apresentar belas exposições, mas também para dar apoio à pesquisa.

O diretor Coelho Netto: estrutura pode ser comparada à dos maiores museus estrangeiros

PESQUISA FAPESP

FAPESP esteve presen­te, com investimentos em projetas de caráter científico.

Também é impor­tante lembrar que o MAC tem uma divisão de ensino e de ação cul-tural, que atua junto com as escolas públicas de São Paulo. São fre­qüentes, por exemplo, as visitas monitoradas de alunos de escolas primárias às suas insta­lações. O MAC organi-za, no momento, um manual para os profes­sores, destinado a aju­dá-los a preparar seus alunos para visitas des­se tipo. Há também programas orientados para crianças com defi­ciências físicas e men­tais, contando inclusi­ve com materiais e

atividades dirigidos para esse públi­co especial.

Doação - Coelho Netto afirma que a participação da FAPESP vem sendo decisiva para a vida do museu. Ele declara que o primeiro grande mo­mento do MAC ocorreu em 1963, quando o casal Francisco Matarazzo Sobrinho e Yolanda Penteado doou as obras de arte de suas coleções par­ticulares e as que constituíam o en­tão Museu de Arte Moderna (MAM) à USP. A universidade, em troca, se comprometeu a criar o MAC e a construir um prédio para abrigar esse acervo. Esse prédio é o atual, na rua da Reitoria, inaugurado em ou­tubro de 1992.

O segundo grande momento da instituição, na opinião do diretor, foi quando o MAC, com o apoio da FA­PESP, pôde montar uma infra-es­trutura comparável à dos grandes museus internacionais. "Sem dúvi­da, trata-se do segundo aconteci­mento mais marcante da vida do museu", declarou.

29

O segundo maior acervo de documentos históri­cos do Brasil, superado apenas pelo Arquivo Nacional, fica em São

Paulo. É o Arquivo do Estado (AE), que existe desde 1721, quando o secre­tário do Governo da então capitania de São Paulo, Gervásio Leite Rabelo, começou a organizar os documen­tos oficiais. Os recursos nunca foram muitos. Ao longo de 280 anos, o arqmvo passou por seis sedes diferentes. Mesmo assim, seus do­cumentos sempre ser­viram de base para im­portantes pesquisas sobre São Paulo.

Um mergulho em 280 anos de história paulista

Arquivo do Estado guarda documentos desde 1721

o material que começou a ser orga­nizado por Leite Rabelo. Ganhou então o nome de Repartição de Es­tatística e do Arquivo do Estado da Secretaria do Interior. Foi o bas­tante para que começasse a chegar, e a ser empilhado, material de to­dos os tipos.

trabalharam de modo improvisado e enfrentando as novas situações conforme iam aparecendo. Com isso, foram criados até alguns misté­rios, como o caso das latas. Até o co­meço da década de 1950, os docu­mentos eram arquivados na forma de maços de papel. Foi então que al-

~------, z guém teve a idéia de ~ guardar os documentos

em latas fechadas, =: ~ achando que eles assim

ficariam mais bem pro­tegidos.

A situação começou a melhorar em 1997, quando o Arquivo do Estado recebeu uma nova sede, na rua Vo­luntários da Pátria, em Santana, na zona Norte da capital. Pela primei-

Documentos: acervo aumentado por doações de diversos tipos

O mistério está num pó que foi colocado nas latas, junto com os pa­péis. A princípio, pen­sava-se que se tratava de um veneno para com­bater traças, brocas e fungos. Mas, antes de começar a trabalhar com esse material, o ar­quivo pediu ao Institu­to Adolfo Lutz que ana­lisasse o pó, para ter certeza de que não faria

ra vez na história, o arquivo deixou de ocupar instalações improvisadas e passou para um prédio apropria­do, planejado para suas necessida­des. No ano seguinte, ele começou a receber verbas do Programa de In­fra-Estrutura da FAPESP. Um inves­timento de R$ 565 mil está ajudando o AE a recuperar e tornar acessível seu acervo com mais tecnologia e menos precariedade.

O trabalho está apenas começan­do, mas dá sinais de imensa riqueza. Oficialmente, o arquivo foi formado em 1891, no prédio da Secretaria do Governo, tendo como núcleo inicial

30

Império - Encontram-se no arquivo, por exemplo, papéis das secretarias do governo estadual, do Poder Judiciário, de cartórios e de governos munici­pais. Não faltam, também, documen­tos de origem particular. Ao longo do tempo, o arquivo foi recebendo doa­ções, inclusive de material referente ao período colonial e ao Império. Isso pode ser uma mina de ouro para os pesquisadores, que consideram o arquivo uma referência na historio­grafia de São Paulo e do Brasil. Mas é um pesadelo para os arquivistas.

Durante praticamente toda a his­tória do arquivo, seus funcionários

mal aos funcionários. O resultado foi que o pó era comple­tamente inócuo, nada tendo de ve­neno. "Depois de tanto tempo, não conseguimos mais saber o que era o tal pó", conta o coordenador-geral das Áreas Técnicas do Arquivo, Lau­ra Ávila Pereira.

Manutenção - Um dos pontos prin­cipais da reforma é a informatiza­ção. Do total investido pela FAPESP, cerca de um terço, aproximadamen­te R$ 200 mil, destina-se a essa área. Só com a criação de um sistema con­fiável e a digitalização dos documen­tos será possível servir bem os pes-

PESQUISA FAPESP

quisadores e o restante do público. Já houve uma iniciativa, em 1994, que se mostrou desastrosa, de acor­do com Pereira. Uma empresa con­tratada montou uma rede interna, com 16 pontos. Mas os programas escolhidos não eram adequados e a manutenção dos equipamentos não se mostrou à altura das necessidades.

termediários, ou seja, que podem ser descartados depois de certo tempo.

Imagens - Como parte do programa de informatização, informa Pereira, o arquivo está criando no momento três segmentos de fundos fechados, ou seja, a digitalização de documen­tos dentro de estruturas que não vão

Material que nunca será descartado cobre quatro quilômetros

Com a verba da FAPESP, foi cria­do um sistema de digitalização. O arquivo ganhou também mais com­putadores, inclusive para consultas do público, e um servidor de rede. Os pontos da rede aumentaram de 12 para 62. O objetivo agora é microfil­mar e digitalizar todo o acervo. Não é pouca coisa. Somente no prédio de Santana, são 4 mil metros lineares de documentação permanente, ou seja, que nunca será descartada.

A eles se somam outros materiais, como os vindos do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), classificados como documentos in-

PESQUISA FAPESP

crescer. O primeiro é constituído por imagens vindas do antigo jornal últi­ma Hora. São cerca de 2 mil imagens, de entre 1951 e 1971, com destaque para caricaturas dos cartunistas Nás­sara, Jaguar e Lan.

Esse material vem do acervo do fundador do jornal, Samuel Wainer, comprado de sua filha, Pinky Wainer, pela Secretaria da Cultura do Esta­do, em 1989, e entregue à guarda do Arquivo do Estado. São 170 mil có­pias de fotografias, 800 mil negativos e 2 mil caricaturas, além de 246 vo­lumes encadernados, com as edições paulista e carioca do jornal. Esse ma-

terial também está sendo publicado em papel, com quatro volumes já prontos da série Arquivo em Imagens - série última Hora.

O segundo segmento é constituí­do por cartas, mapas e plantas, com destaque para cerca de mil fotografias que documentam, passo a passo, a construção do prédio do Museu do

Ipiranga. O terceiro reúne material de revistas ilustradas do começo do século 20, como A Cigarra, Revista Feminina e A Lua, com cerca de 40 mil imagens.

Liquidificador - Os investimentos da FAPESP, no entanto, não se limitam à área da informática. Uma boa par­te foi aplicada na reforma do labora­tório de conservação do arquivo. "Sinto como se estivesse saindo de um barraco para um belo aparta­mento", afirma a conservadora do arquivo, Maria Amélia Arraes de Alencar Pinheiro de Castro. Para

31

Documentos antigos: de acordo com os conservadores, qualidade do papel sofreu uma grande piora a partir de 1928

tratar os documentos do AE, muitos dos quais tão deterio­rados que se esfarelam a um simples toque, Maria Amélia tinha apenas luvas, máscara, mesa, estilete e cola. A cola de metilcelulose, usada na res­tauração de documentos, era preparada num liquidificador comum, de cozinha.

Agora, o arquivo conta com equipamentos como a Máquina Obturadora de Pa­pel, usada para restaurar as fi­bras do papel. O papel é feito de fibras, que se rompem quando ele é atacado por uma broca ou outro tipo de inseto, por exemplo. A Máquina Ob­turadora recompõe as fibras e tampa com celulose os bura­cos feitos pelos insetos.

Outro exemplo é a cabine de segurança biológica, usada para evitar que o restaurador

Preparando a restauração: laboratório respeitado

tenha contato com produtos tóxi­cos, os usados para remover resí­duos de cola e fita adesiva ou os ve­nenos colocados antigamente nos papéis para combater insetos ou mi­crorganismos. Uma novidade é a ca­bine de sucção, usada na limpeza dos documentos. ''Antes da chegada dessa cabine, trabalhávamos com capelas improvisadas em papelão, que nós mesmos fazíamos", conta Maria Amélia.

32

Celulose - A conservadora comenta que a qualidade do papel usada hoje é muito inferior à dos documentos mais antigos. No século 19 e começo do século 20, usava-se principal­mente papel feito de trapos, com destaque para o linho. "De 1928 em diante, começou-se a usar polpa de madeira e a qualidade piorou': ela comenta. De qualquer maneira, os conservadores pensam no futuro. A cola de metilcelulose, por exemplo,

preparada no próprio labora­tório, é feita de forma a poder ser retirada com facilidade em restaurações futuras.

O laboratório do AE é tão respeitado que costuma ser procurado por organismos públicos ou particulares em busca de conselhos sobre como preservar documentos antigos. O Esporte Clube Pi­nheiros, por exemplo, foi re­centemente ao laboratório, para saber como conservar sua coleção de fotografias, al­gumas com mais de cem anos. "Conservar significa prevenir a deterioração e prolongar a vida do documento", ensina Maria Amélia. "É necessário intervir o mínimo possível no documento e as intervenções inevitáveis devem ser aparen-tes. Já a restauração usa técni­cas que reparam o material

danificado': completa.

Inventário - Ao todo, o Arquivo do Estado guarda mais de SOO toneladas de documentos. Eles incluem 50 mil livros, 12 mil exemplares de jornais, 1 milhão de imagens e centenas de milhares de outros papéis, oficiais e particulares. O mais antigo docu­mento existente no arquivo é o in­ventário do sapateiro Damião Si­mões, de 1578. Ele faz parte de um

PESQUISA FAPESP

Material pronto: de inventários e testamentos do tempo colonial a registras da vida cultural de São Paulo

fundo, ou setor, chamado Inventários e Testamentos, que vai de 1578 a 1801 e é muito importante para o estudo de São Paulo no pe­ríodo colonial.

Sobre o período do Im­pério, guardou-se toda a correspondência emitida e recebida pelos governado­res da província, além de registras de atos do gover­no. Uma leitura interessan­te é a da correspondência entre o chefe de polícia e o governador e o registro dos atos policiais, tratando, por exemplo, de escravos fugi­dos. O material não se limi-

Mapa: documento mais antigo é de sapateiro morto em 1578

Graças a uma parceria com a Imprensa Oficial do Estado, o trabalho do AE não se limita à guarda de documentos. Ele já editou vários estudos sobre a his­tória do Estado e guias so­bre seu acervo. Uma série semelhante à feita com o arquivo da última Hora está sendo preparada com o material dos Diários As­sociados, também incor­porado ao AE. Ele edita também uma revista, cha­mada Histórica, com arti­gos de pesquisadores, e tem uma série, Como Fa-

ta, porém, a atos oficiais. Pessoas im­portantes na política deixaram seus documentos pessoais para o AE. En­tre eles estão Washington Luís, Júlio Prestes e Armando Salles Oliveira.

Dossiês - Nos últimos tempos, porém, o que mais vem atraindo a atenção de visitantes e pesquisadores é o fun­do do Deops. Ele cobre o período de 1924 a 1983, mas a época que tem o maior número de consultas é a refe­rente à última fase do período mili­tar. Ao todo, explica o coordenador Pereira, o fundo Deops tem 1,1 mi­lhão de fichas nominais e 9 mil pas­tas com dossiês. Os dossiês são te­máticos e às vezes um documento de

PESQUISA FAPESP

apenas uma página remete para mais de 150 fichas. Por exemplo, o docu­mento sobre o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna leva a fichas da maioria dos estudantes presos no local.

As buscas nesse fundo não são rea­lizadas apenas por interesse histórico. "Parentes de pessoas mortas duran­te a repressão política ou atingidas de outra forma pelo regime, ou que pre­cisam de documentos para a aposen­tadoria, fazem pesquisas no nosso Arquivo': comenta o coordenador. Uma certidão emitida pelo Arquivo do Estado é reconhecida como prova em casos de pedidos de indenização ou de justificativa de inatividade forçada.

zer, que trata de trabalhos de conservação preventiva em ar­quivos e bibliotecas.

Outra atividade do AE é a prepa­ração de kits com material didático para professores de história e visitas monitoradas de estudantes de pri­meiro e segundo graus para conhe­cer o acervo. Recentemente, foi feito um acordo com o campus da Unesp de Assis para que estudantes da uni­versidade façam estágios nas insta­lações de São Paulo. O Arquivo do Estado não se limita a cumprir com competência a tarefa de guardar grande parte da memória de São Paulo. Permite, também, que o co­nhecimento chegue com maior faci­lidade aos interessados.

33

Espaço para a política em arquivo

Na Unicamp e na Unesp, a história das esquerdas

Ãa de formar um arquivo bre assuntos políticos bra­ileiros surgiu no início da década de 1970. Um gru­po de professores do Ins­

tituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) decidiu criar um centro de documentação adequado para as pesquisas

Araújo, do Departamento de Ciên­cia Política do IFCH. Ângela Maria era diretora do arquivo em 1998, quando começaram a chegar os in­vestimentos do Programa de Infra­Estrutura da FAPESP. O financia­mento recebido pelo AEL, de R$ 619 mil, foi um dos maiores do progra-

que começavam a ser feitas nos programas de pós-gradu­ MAICIIÂ~ ação. O ponto de partida foi a aquisição do material acu­mulado ao longo da vida pelo

FRENTE POPULAR

líder anarquista Edgar Leuen­roth (1881-1968).A Unicamp comprou a coleção de jornais, revistas, panfletos, cartas e outros documentos. O arqui­vo, que recebeu o nome de Leuenroth, surgiu em 197 4.

Foi o ponto de partida de um dos maiores conjuntos de documentos existentes sobre os movimentos operários e a esquerda em geral no Brasil. O material de Leuenroth logo ganhou a companhia de ou­tros documentos, adquiridos

Jornais esquerdistas: material brasileiro ganhou ...

por permuta, doações ou compras. Do exterior, veio material do Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis, de Amsterdã, do Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano, de Milão, do Ministerio degli Affari Ersteri, de Roma, e do National Ar­chives, de Washington. No Brasil, deu-se atenção especial à repressão política no regime militar.

"O AEL cresceu muito e o espaço original ficou de tal maneira reduzi­do que era difícil trabalhar", conta a professora Ângela Maria Carneiro

34

ma. Com ele, o material recebeu acomodação adequada, o prédio do arquivo foi recuperado e equipa­mentos necessários para a manuten­ção do acervo foram instalados.

Mesas corretas - O trabalho come­çou com a informatização do acervo e a recuperação da rede de computa­dores. "Fomos equipando o local com o que era necessário", lembra a professora. Por exemplo, a mesa de higienização, onde os documentos

são limpos, com a eliminação de pó e insetos, era improvisada. "Com o dinheiro do Infra, compramos as me­sas corretas, atualizamos a rede de in­formática, trocamos as estantes fixas por deslizantes, climatizamos o prédio inteiro e estabelecemos um sistema de segurança': lembra Ângela Maria.

... companhia de documentos vindos da Holanda, Itália e Estados Unidos

Uma parte importante da refor­ma do arquivo foi o cuidado extre­mo do pessoal da Unicamp com o dinheiro recebido. A conservadora e restauradora Maria Aparecida Re­médio, por exemplo, foi uma das en­carregadas de esticar ao máximo a verba. Ela mesma mediu os espaços, desenhou estantes e prateleiras e ne­gociou com fornecedores.

Maria Aparecida chegou a acom­panhar a fabricação de peças feitas por encomenda. Isso teve enorme

PESQUISA FAPESP

utilidade. No meio do caminho, des­cobriu que algumas prateleiras iriam vergar sob o peso de livros e docu­mentos. "Como conhecia bem as normas técnicas, convenci o fabri­cante a refazer tudo, dentro das es­pecificações, para que o dinheiro não fosse perdido': recorda.

Nitrogênio - Maria Aparecida tam­bém criou um sistema de desinfesta­ção de insetos, para o qual pediu pa­tente, para evitar que a Unicamp venha a pagar royalties por um tra­balho desenvolvido lá mesmo. O processo consiste, basicamente, em colocar documentos em sacos plásti­cos, nos quais ficam em gás carbôni-

Material recuperado: Unicamp desenvolveu método simples e barato ...

co por cinco dias e em nitrogênio por dez dias. "Isso é suficiente para matar piolhos de livros, brocas e cu­pins': afirma. O processo, além de simples, é barato e não deixa resí­duos que possam prejudicar funcio­nários ou usuários.

O processo é aplicado também nos chamados "documentos bastar­dos': aqueles deixados em caixas, na porta do prédio do arquivo, por pessoas que não querem se identifi­car. Eles se juntam a preciosidades

PESQUISA FAPESP

como partes dos arquivos do líder comunista Luiz Carlos Prestes e do jornal Voz da Unidade, do PCB; as pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibo­pe), entre 1942 e 1987; e a coleção Brasil Nunca Mais, com mais de 700 processos de presos políticos.

Memória da Unesp - Não se trata, porém, do único arquivo dedicado a temas políticos que teve o apoio decisivo da FAPESP. Quando foi criado, em 1987, o Centro de Docu­mentação e Memória (Cedem) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) tinha como objetivo pre­servar a memória da universidade.

ANISTIA

atual PPS. Ao mesmo tempo, o Ce­dem recebeu o Archivio del Movi­mento Operaio Brasiliano, que estava sob custódia da Fundação Feltrinel­li, em Milão, na Itália.

A eles se juntaram os arquivos do Centro de Documentação Mário Pedrosa (Cemap), sob custódia da Universidade de São Paulo (USP), e o Centro de Documentação da Ci­dade de São Paulo (Cedesp), com documentos relativos ao período em que Luiza Erundina foi prefeita, de 1989 a 1992. O Cedem via-se, as­sim, diante de dois desafios: organi­zar toda essa documentação e cum­prir a tarefa original, de registrar a história da Unesp.

PaPtldu Comunista do Bmll

Site na Internet - O investi­mento feito pela FAPESP no Cedem foi de R$ 413,6 mil. "Solicitamos recursos para organizar documentos e para comprar móveis, arquivos deslizantes, leitora de micro­filmes e copiadoras", lembra a

r.IIIIQIIIII - IIilifllilliliiiQ . ... -. .. _ . .., ... c-.

Circular _ -•· "" 1..,.

•e-o.--.... ,.._ ............

r.. ,- ........... ,_ .. _ ~­

P artido Co m unlttl do 8 n•ll ..

.. - ..-·-··--· ., - ... ....,.._ .. _ .........

ODm!lcino

~~-,~·· •. ~." .. ..

• P.C. L

coordenadora Anna Maria Martinez Correia. Antes, a documentação não era aber­ta ao público. Hoje, qualquer pessoa pode obter informa­ções a distância, no site ce­dem. unesp.br .

- -- O arquivo tem informa­ções extremamente valiosas sobre as origens do Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo. Há outros docu-... para eliminar insetos que

atacam documentos das bibliotecas

Hoje, ele se transformou num dos mais importantes centros de docu­mentação sobre a história das es­querdas no Brasil.

O momento decisivo veio em 1994, quando o Instituto Astrogildo Pereira transferiu para o Cedem, em regime de custódia, parte do arquivo do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O material continha a maior parte da documentação relativa às décadas de 1980 e 1990, mostrando, assim, a transição do PCB para o

mentos de valor, como a ata, redigida em russo, da reu­nião da Internacional Co-

munista que aprovou o levante de 1935 no Brasil.

Agora, os pesquisadores do Ce­dem se dedicam a organizar um acervo referente ao Movimento dos Sem-Terra (MST), com mais de 50 mil fotografias e outros documen­tos, e a reunir a memória dos 31 ins­titutos e centros de estudo, espalha­dos por 15 cidades do Estado, que compõem a universidade. Para isso, além do material escrito, já foram gravadas 165 entrevistas.

35

D urante muito tempo, ele ficou praticamente esquecido. Mas poucos arquivos têm material tão interessante como

o Wanda Svevo, da Fundação Bienal de São Paulo. Onde encontrar, por exemplo, um registro das complica­das negociações que per­mitiram a vinda, para o Brasil, do quadro Guernica, de Pablo Picasso, em 1953? Com uma verba de R$ 130 mil do Programa de Infra­Estrutura da FAPESP, o ar­quivo da Bienal está or­ganizando seu acervo e preparando o lançamen­to de novas iniciativas.

Obras das bienais terão acesso eletrônico

O arquivo reúne 50 anos da mostra paulista de arte

dia do Museu de Arte Moderna de Nova York (Morna). Picasso não permitia sua entrega à Espanha en­quanto o país fosse governado pela ditadura do general Francisco Franco. Só depois da morte de Franco, em 1975, o quadro pôde ir para Madri.

"Já começamos um projeto para criar um site na Internet com o acervo do arquivo", informa o presidente da Fundação Bienal, Carlos Bratke. Síl­via, por sua vez, considera as obras já feitas apenas a primeira parte de um processo de reestruturação. "Vamos dar continuidade", promete.

"Todo o acervo já está acondicionado em caixas de arquivos apropriados e desacidificados, armazena­dos em armários deslizan­tes, que ganham muito es­paço", diz a coordenadora da instituição, Sílvia Caste­lo Branco. Os recursos da FAPESP permitiram ainda a contratação como esta­giários de estudantes de

O acervo foi reestruturado, ganhou armários deslizantes e criou-se um banco de dados

História, que estão organizando os documentos, e a aquisição de equi­pamentos de informática, a partir do qual foi criado um banco de dados.

O arquivo foi criado em 1955, como Arquivo de Arte Contemporâ­nea do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Recebeu, então, documentos relativos às bienais que eram realizadas em São Paulo desde 1951, livros de arte e dossiês de artistas.

As negociações sobre a vinda do Guernica foram difíceis pelo fato de o quadro, na época, estar sob custó-

36

A bienal foi realizada no Museu de Arte Moderna até 1993. Nesse ano, o conde Francisco Matarazzo Sobri­nho extinguiu o MAM, doou seus quadros para o Museu de Arte Con­temporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP) e criou a Funda­ção Bienal. Os documentos passa­ram para o acervo da fundação. O nome de Wanda Svevo vem de uma secretária-geral da fundação que mor­reu em 1962, num desastre de avião, quando ia ao Peru, para tratar de uma exposição de arte pré-colombiana.

A professora Ana Maria de Al­meida Camargo, do Departamento de História da USP, responsável pelo projeto de reforma do arquivo, acha que um ponto fundamental é chamar a atenção do público e dos pesquisadores para o potencial in­formativo do acervo da instituição. "Seria interessante ter um guia ou catálogo que desse visibilidade a es­ses documentos", sugere.

O acervo do arquivo, de qual­quer maneira, será a base de uma exposição que vai comemorar, este

PESQUISA FAPESP

ano, os 50 anos da Bienal. Bratke informa que será editado um livro, a partir desse acervo, para contar a história das bienais e mostrar a per­sonalidade do conde Matarazzo, responsável por várias outras ini­ciativas culturais em São Paulo, como a criação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).

revelações sobre as complicadas negociações que permitiram a vinda para

o Brasil do quadro Guernica, de Picasso

Há muitas outras preciosidades espalhadas pelos arquivos do Esta­do de São Paulo. A FAPESP está contribuindo para aproximá-las de pesquisadores e outros interessa­dos. Na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sa­besp ), por exemplo, um dos proble­mas era alterar a forma de arquivar desenhos, guardados em enormes mapotecas de aço, que demandam muito espaço e não conservam ade­quadamente os originais. Além dis­so, conta o responsável pelo arqui­vo, o professor Milton Tomoyuki Tsutiya, da USP, o simples manu­seio já representava um risco para o material.

A solução encontrada foi infor­matizar o controle da documenta­ção, com um software específico para as necessidades da própria Sa­besp. Os recursos para a compra dos equipamentos necessários ape­nas numa primeira etapa, abran­gendo 300 mil de um total de 1 mi-

PESQUISA FAPESP

lhão de desenhos, foram fornecidos pela FAPESP.

Verificou-se, então, um problema. O investimento prometido, de R$ 300 mil, mostrou-se inadequado diante da mudança do câmbio, ocorrida justamente no processo de liberação. Uma suplementação acabou saindo -fato não muito raro, pois normal­

mente uma mudança de patamar gera novas demandas. De qualquer maneira, era um traba­lho importante. "Tra­ta-se de preservar a memória técnica do sa­neamento ambiental do Estado de São Paulo, um patrimônio da na­ção brasileira", diz o professor Tsutiya.

Em Campinas, uma ação inicia­da em 1983, por professores da Uni­camp, transformou-se numa refe­rência para os moradores de toda a região, o Centro de Memória da Unicamp (CMU). Um contato entre professores e dirigentes dos tribunais de Justiça de Campinas e Jundiaí, apoiado pela reitoria da universida­de, chegou a um acordo pelo qual o acervo das instituições passou para a Unicamp. Vieram logo depois os ar­quivos do Corpo de Bombeiros local e várias doações de particulares. O centro transformou-se em realidade em 1985.

"O espaço físico foi conquistado gradualmente", conta o coordena­dor do centro, Paulo Miceli, lem-

brando que sua sede funciona onde era antes a da Faculdade de Educa­ção da Unicamp e que, além dos três andares do local, tem instala­ções espalhadas por vários pontos da universidade. O apoio da FA­PESP, obtido em 1998, foi funda­mental para que esse espaço fosse mais bem aproveitado.

Só a instalação de estantes desli­zantes significou uma economia de 70o/o de espaço. Aproximadamente 60o/o dos livros da biblioteca estão digitalizados e à disposição do pú­blico na Internet. Dos 50 mil artigos da coleção de jornais e outros perió­dicos, que começa em 1920, 20 mil estão na mesma situação. A maior parte do investimento de R$ 475 mil, porém, foi para os arquivos his­tóricos. Com a instalação de um ele­

vador de carga, todo o acervo passou para a parte inferior do pré­dio. A parte de catalo­gação ganhou assim 80 metros quadrados.

O acervo do centro tem materiais impor­tantes, como os mapas, desenhos e diários das viagens do naturalista Langsdorff ao Brasil en­tre 1824 e 1829 e a cor­respondência pessoal do abolicionista Francisco

Glicério. Mas entre os mais procura­dos estão os registras de 1882 a 1922 da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo. "As pessoas querem do­cumentos que permitam requerer a dupla cidadania", conta Miceli.

Enquanto isso, o centro vai de­senvolvendo um trabalho especial com várias cidades, para resgatar sua memória. O trabalho, normalmente, dura dois anos e envolve principal­mente professores, que divulgam suas descobertas em programas de rádio e artigos de jornal. Em Jarinu, o tra­balho levou a uma exposição públi­ca, a pedido dos próprios morado­res. No dia da inauguração, estavam presentes nada menos do que 5 mil dos 12 mil habitantes da cidade.

37

Dificilmente alguém pode­rá fazer uma pesquisa de peso sobre a

política brasileira no Im-

Registro de transformações históricas

Arquivo da Assembléia mostra como Estado evoluiu

pério e nas primeiras déca­das da República sem con­sultar o Arquivo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. É uma das melhores fontes de documentos sobre o período que vai de 1824, pouco depois da Indepen­dência, até 9 de julho de 1947, quando a Assem­bléia retomou suas ativi­dades, depois de um fecha­mento de dez anos, em conseqüência do Estado Novo. A Assembléia tam- São Paulo antigo: governadores nomeados pelas autoridades do Rio de Janeiro

bém tem um riquíssimo material sobre o período a partir de 1947. Mas ele fica no arquivo nor­mal, não no Arquivo Histórico.

O material, só no Arquivo Histó­rico, soma 480 mil páginas de docu­mentos, 90 mil negativos de fotogra­fias, 25 mil livros e 1 O mil textos de emendas parlamentares, explica o diretor da Divisão do Acervo Históri­co da Assembléia, Dainis Karepous. O investimento feito pela FAPESP no arquivo foi muito importante para preservar tudo isso. Ele ajudou, por exemplo, a digitalizar 150 mil páginas de documentos e fotografias e, ainda, a restaurar 5.020 livros.

Os documentos originais, agora, estão em arquivos deslizantes, o que facilita seu manuseio e economiza espaço. O apoio da Fundação per­mitiu, ainda, a instalação de uma rede de computadores, com um ser-

38

vidor, quatro estações de trabalho, um scanner e três impressoras. Ou-' tra iniciativa tomada com a verba da FAPESP foi a organização de peque­nas exposições, especialmente desti­nadas a visitas de grupos de alunos de escolas públicas.

Prado Júnior- Essas exposições se cen­tralizam num tema, geralmente um período da história de São Paulo ou em um parlamentar específico. Não há problemas para que sejam incluí­dos, na mesma exposição, materiais do Arquivo Histórico e do arquivo nor­mal. Nos próximos meses, será reali­zada, por exemplo, uma exposição sobre o escritor Caio Prado Júnior, deputado estadual em 1947 e 1948.

"Estamos agora pleiteando novos recursos, para concluir a digitaliza­ção dos documentos': diz Karepous.

Ele explica que a digitalização é mui­to importante por dois motivos: tor­na as consultas mais ágeis e, como não há mais contato físico com os documentos, prolonga sua duração. Numa etapa posterior, ele pretende colocar todo o material digitalizado na Internet, permitindo assim a rea­lização de consultas a distância.

Se isso acontecer, será possível aces­sar documentos anteriores, inclusive, à constituição da Assembléia Legisla­tiva, em 1835. O Arquivo Histórico tem documentos que remontam a 1824, quando foi organizado o Con­selho Geral da província de São Pau­lo. Naquele período, os presidentes, ou governadores, da província eram nomeados pelo governo central. Os conselhos eram órgãos consultivos, compostos por 21 membros. Os con­selheiros podiam elaborar leis, que

PESQUISA FAPESP

eram encaminhadas ao presidente, mas não tinham poderes exatamente legis­lativos. Esses pertenciam aos membros de outro or­ganismo, a Câmara Geral.

~ aumentado para 50. ~ Os senadores passa­~ ram a ser 24, com ~ mandatos de nove ~ anos.

Todo esse movi-~ :J

~ mento se reflete nos o ~ documentos do Ar-~ quivo Histórico. "Até ~ 1935, o Executivo :J

g era proibido de S. apresentar projetos

~ ~~~~!: t~~sa:i:::r~~

Paraná - As Assembléias Legislativas das províncias, com poderes legislativos, só seriam criadas na Re­gência, com o Ato Adicio­nal de 1834. Na época, São Paulo era bem maior que hoje. Seu território abran­gia todo o Estado do Para­ná e partes de Santa Catari­na. A separação do Paraná só viria em 1853.AAssem­bléia Legislativa de São

São Paulo em 1836: Paraná e partes de Santa Catarina

Assembléia", lembra Karepous. A ativi­dade parlamentar reflete, também, as mudanças na eco-

Paulo foi instalada oficialmente no dia 2 de fevereiro de 1835. Funciona­va num prédio vizinho ao do palácio do governador, no Pátio do Colégio, no centro de São Paulo.

Os deputados passavam mais tempo em suas casas e fazendas do que no plenário. Os trabalhos legis­lativos ocupavam apenas entre três e quatro meses por ano, geralmente no princípio do ano. O Arquivo His­tórico mantém os registras da ativi­dade parlamentar até 1889, quando ela foi interrompida, com o fim do Império. Os trabalhos recomeçariam em 1891, já na República.

de 1 milhão de habitantes, no início da década de 1890, para 5 milhões, em 1930, dos quais 1 milhão na capital.

Mudança ainda mais profunda, São Paulo transformou-se no Estado mais importante do país. A Repúbli­ca eliminou as exigências de renda para quem quisesse ser eleitor. Mas continuaram outras restrições: anal­fabetos, mendigos e parte dos mili­tares e dos padres não podia votar. No começo, a Assembléia tinha 40 deputados, com mandatos de três anos, e 20 senadores, com mandatos de seis anos. Isso logo mudou. Em 1906, o número de deputados foi

nomia. "Temos do­cumentados, por exemplo, os con­tratos de imigração, realizados por iniciativa do senador Nicolau Ver­gueiro': afirma o diretor. Por outro lado, surgem constantemente proje­tas de emergência, preparados à últi­ma hora, para contornar crises em torno do preço do café no mercado internacional.

Modernidade- O voto não era obri­gatório e não faltavam campanhas de incentivo ao alistamento, com car­tazes, por exemplo, que misturavam as tradições paulistas, como o ban­deirante, com toques de modernida-

Transformações -Em 1891, a Assembléia Constituinte determinou que o Legisla­tivo de São Paulo seria bi­cameral, com Assembléia e Senado estadual. Cada Es­tado, na ocasião, pôde es­colher como seria seu par­lamento. Ao contrário da administração muito cen­tralizada do Império, a nova República queria au­mentar a autonomia dos Estados. A República Velha foi cenário de enormes transformações. Nesse pe­ríodo, a população do Es­tado saltou de pouco mais

Covas, Quércia, Montoro, Fernando Henrique: fotografias também estão preservadas

PESQUISA FAPESP 39

de, como os arranha-céus que começavam a surgir na capi­tal e outras cidades importan­tes. O interessado, de qualquer maneira, tinha muito o que apresentar: prova de ter mais de 21 anos, atestados mos­trando que morava há mais de dois meses (mais tarde, quatro) no município e uma prova de que tinha meios de subsistência. Para demonstrar que sabia ler e escrever, escre­via seu nome e dados pessoais num livro especial.

~oo::::::--.::::::::""':::::--o::::oo::::"""~~='f7777="'7"~,..::;..;;.;:::;,...J i tentativas de mobilização po­. pular. Os moradores de uma ::! ----_-_-_-_-"11., g localidade, quando queriam a ~ instalação de uma escola pú-

----• ~ blica na área, se organizavam § para preparar um abaixo-as­~ sinado, que era então enviado ~ ~ à Assembléia com o pedido. g

Os dados do Arquivo His­tórico permitem acompanhar características do processo eleitoral que hoje soam estranhas. Por exem­

Charge: caça ao eleitor valoriza o pobre

~ Corporativismo - A Assem­g bléia voltou a suspender seus

trabalhos em 1930, com a vi­tória da revolução liderada por Getúlio Vargas. O Legisla­tivo só foi reaberto em 1935, para ser novamente fechado em 1937, com a chegada do Estado Novo. Karepous acha a

plo, o voto era s.ecreto, mas não obrigatoria­mente secreto - quem quisesse (ou fosse pres­sionado a tal) podia vo­tar a descoberto. Havia umas tão estreitas que os votos se empilhavam um sobre o outro, per­mitindo que, pela or­dem de votação, fosse descoberto quem vota­va em quem. E, especial­mente, havia a chama­ Época de eleições: críticas dos jornais também são preservadas

documentação sobre esses dois anos extre­mamente significativa. De um lado, alguns de­putados já começam a apresentar projetas de iniciativa popular, rom­pendo o domínio quase absoluto das elites so­bre o plenário. De outro, aparecem propostas claramente inspiradas no corporativismo e no regime fascista de Beni­to Mussolini na Itália.

Seja como for, o Ar­quivo Histórico, mes­mo sem fazer concor-

da "degola". Por uma lei vinda do Império, mas que foi usada especialmente na Pri­meira República, os resultados das eleições deviam ser confirmados pela própria Assembléia. Não é ne­cessário dizer que muitos eleitos in­desejáveis para o partido dominante viam sua carreira interrompida an­tes até de assumir o cargo.

Mas o acervo do arquivo da As­sembléia não se limita a dar infor­mações sobre a política. O exame dos trabalhos legislativos dá impor­tantes informações sobre a educa­ção, a saúde e sobre as grandes ques­tões sociais. Por exemplo, durante o Império, a Assembléia era a respon­sável pelo trato dos índios, que ain­da dominavam grandes trechos do Estado. E há sinais das primeiras

40

CEIHR.O DE ALISTAHEWTO ELE I TOlA L- R. DO THESOUl0.2.

Alistamento: toques de modernidade

rência ao arquivo normal, é um campo de estudos que ultrapassa o ano de 1947, quando foram reinicia­das as sessões depois do Estado Novo. Tem, por exemplo, uma cole­ção de negativos de fotografias sobre os trabalhos da Assembléia, no perí­odo de 1950 a 1992, e cópias de pro­nunciamentos feitos de 1948 a 1996. Isso cobre um período importante da história brasileira, inclusive a re­democratização depois do regime militar. A isso se somam 25 volumes, que guardam os trabalhos do Con­gresso Legislativo, e toda a biblioteca de José Carlos Macedo Soares, minis­tro das Relações Exteriores e da Jus­tiça de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, recebida em 1965.

PESQUISA FAPESP