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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 1
ISBN 978-85-463-0198-0 Sumário Início
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ISBN 978-85-463-0198-0 Sumário Início
Cícero Início
Da Natureza dos Deuses I (De Natura Deorum – Liber I)
Tradução, Introdução e Notas
Willy Paredes Soares Doutor em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PPGL). Professor Adjunto II da UFPB, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV).
Edição Bilíngue
Latim/Português
Ideia – João Pessoa – 2017
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ISBN 978-85-463-0198-0 Sumário Início
Todos os direitos e responsabilidades sobre textos e imagens são do autor.
Capa/Diagramação: Magno Nicolau
Ilustração da capa
Revisão Latim/Português: Jaynnoã Fernando Silva Lopes
_____________________________________________ C568n Cícero.
Da natureza dos deuses - Livro I / Willy Paredes Soares (tradutor do Latim para o Português). Bilingue. João Pessoa: Ideia, 2017.
145 p. ISBN 978-85-463-0198-0 1. Latim - Português
CDU: 807.1
E D I T O R A
www.ideiaeditora.com.br [email protected]
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ISBN 978-85-463-0198-0 Sumário Início
Sumário
Do Autor e da Obra ..................................................... 5
Da Tradução ............................................................... 15
Das Variações Textuais no Livro I ......................... 15
DE NATVRA DEORVM - LIBER I ........................ 21
DA NATUREZA DOS DEUSES - LIVRO I ......... 21
Referências................................................................ 145
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Do Autor e da Obra
O século em que Cícero está inserido é marcado por diversos conflitos políticos, que exercem direta ou
indiretamente influência em sua vasta obra literária, pois desde muito jovem participou efetivamente da vida pública
romana. O nascimento de Cícero (Marcus Tullius Cicero) data de 106 a.C, em Arpino, situada a cerca de 110 Km de
Roma, sendo sua família ligada à ordem dos equites e ele era constantemente considerado um estrangeiro ou
chamado de homo nouus, pois sua ascendência não era nobre. Sua educação, juntamente com a de seu irmão Quinto,
foi realizada em Roma, onde ainda muito jovem teve a oportunidade de aprender e ouvir os mais ilustres oradores e
filósofos.
Seu primeiro marco como orador, aos 26 anos, foi Pro Roscio Amerino, em que discursava em defesa de
Róscio Amerino, acusado de parricídio. A partir desse momento, conseguiu êxito na maior parte de seus discursos,
quer fossem estes em prol de um acusado ou contra um provável inimigo de Roma. Através deles conseguiu ascensão
no âmbito político, chegando até os mais altos cargos da República e, por outro lado, despertou o rancor em muitos
de seus adversários. Seu interesse pela oratória e pela filosofia fez com que a partir de 79 a.C, Cícero buscasse um
aprofundamento de seus estudos nas letras gregas em Rodes e em Atenas, procurando adquirir conhecimento,
despertado pela leitura principalmente de filósofos gregos.
Após sua volta a Roma, em 75 a.C, foi feito questor1 (quaestor), ganhando destaque entre os magistrados, pois
em tal função exercia a guarda do tesouro público e assessorava o Praetor e o Proconsul, tendo este na província
autoridade de Consul, o exercício daquele cargo por Cícero se deu na Silícia ocidental. Juntamente à sua ascensão
político-social, Cícero cada vez mais ganhava destaque por seus discursos, sendo crescente a procura de seus serviços
de orador pelos membros da aristocracia romana. Dentre as suas dezenas de discursos, alguns foram marcantes para o
estabelecimento do autor como um célebre orador romano, considerado pela crítica como igualável apenas, no poder
argumentativo, ao orador grego Demóstenes.
1 Magistrado romano.
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Por ser o mais notável orador naquele momento em Roma e por parecer o mais propício aos interesses do
Senado, em 70 a.C, foi convidado a acusar Verres (Cornelius Verres), que desempenhava a função de propraetor da
Sicília, durante 3 anos, cujo governo era considerado como símbolo de corrupção e de crueldade. O discurso vitorioso
de Cícero contra Verres é publicado em Verrines, que Grimal (Cicéron, p.113) afirma ser uma forma que o orador
encontrou de denunciar a má administração do Estado por seus responsáveis.
Devido a sua constante preocupação com os interesses públicos, em 66 a.C, foi feito Praetor Vrbanus, o que
aumentava ainda mais sua importância no cenário político. No entanto, apesar de sua fama, Cícero não havia
conseguido juntar grande fortuna, exercendo seus atributos de orador, pois uma lei denominada Lex Cincia impedia
que o defensor recebesse pela causa defendida. Deste modo, em 62 a.C, para que pudesse comprar a casa de Crasso,
no Palatino, teve que pedir empréstimo a Cornélio Sila2, que viria a defender posteriormente.
Sua condição financeira garantia-lhe a possibilidade de viver entre os filósofos e os filólogos de sua época.
Este último termo deve ser entendido como designador de homem que tinha interesse pela linguagem antiga,
particularmente a dos filósofos, que tanto era prezada por Cícero. Segundo Grimal (Cicéron, p.116), estas
preocupações revelam um homem envolvido pela vontade de saber, que não estava apenas ligado aos interesses
políticos, como se pode observar em várias de suas obras de cunho filosófico, principalmente as escritas no final de
sua vida.
No entanto, parece que seu prestígio como orador e homem público lhe garantia respeito de figuras romanas
ilustres que, de certo modo, ajudariam em sua ascensão política à pretura, em 66 a.C, e ao consulado, em 63 a.C.
Fatos que não seriam possíveis sem a ajuda da arte oratória por que tanto Cícero prezava.
É evidente que a importância do orador e sua subida política não seriam imagináveis sem o apoio da
aristocracia, que via no autor a oportunidade de convencimento do Senado para a expansão dos domínios romanos
ocidentais e orientais. Pode-se afirmar que havia também do lado da aristocracia interesse em que Cícero fosse feito
senador, principalmente por parte de Pompeu, que o considerava um exímio aliado, apto à defesa de seus interesses e
contra o qual, dificilmente, pouco se poderia fazer no que se refere à arte do discurso.
O posicionamento favorável de Cícero a Pompeu pode ser verificado em um dos seus primeiros discursos
políticos, denominado de De imperio Pompei, em que, afirma Grimal (Cicéron, p. 122), defendia os interesses de
2 Cornlio Sila não deve ser confundido com Sila (Lucius Cornelius Sylla), ditador romano, morto em 78 a.C.
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Pompeu sobre uma possível centralização do poder, mostrando que este seria o mais bem preparado para enfrentar as
adversidades internas ou externas vivenciadas por Roma, em 60 a.C, como a possibilidade de guerra civil e as
invasões bárbaras, uma vez que Roma, devido à disputa pelo poder, mostrava-se fragilizada. Este posicionamento de
Cícero gerava, por outro lado, hostilidades por parte daqueles que também se mostravam interessados na
centralização do poder em suas mãos, como César.
Para o convencimento do Senado e do povo a respeito dos interesses, ou seja, do que Pompeu representaria na
defesa do Império, não é pouco provável que o orador tenha se valido de um discurso tocante a respeito dos valores
romanos, como a fides e a uirtus, o que representaria para a honra daqueles a vitória sobre Mitridates. De um modo
geral, tal discurso parece apresentar-se ambíguo, tanto fortalecendo a figura de Pompeu quanto fazendo com que o
povo romano buscasse apoiá-lo pela exaltação de sua glória. A vitória, neste caso, não seria de uma classe em
especial, mas da própria Roma.
A exaltação de Pompeu seria também a sua própria, pois Cícero queria se apresentar como um cidadão
notável, além disto, quando tenta levantar a moral do povo pela fides e pela uirtus, o que conduziria a religio, além da
notoriedade oratória, nesse momento, já podem ser observados elementos que o conduzem aos escritos filosóficos,
que produziria nos anos finais de sua vida, como o livro De Natura Deorum. Por volta de 69 a.C, Cícero se considera
um intermediário entre o mundo divino e a cidade, talvez por perceber a fragilidade ou mesmo a fidelidade do povo
aos ritos religiosos.
Em 63 a.C, apesar de ser homo nouus, completa o cursus honorum e consegue ser eleito Consul. Profere em
seus primeiros dias de consulado discursos que, segundo Grimal (Cicéron, p. 141), aparentemente vão ao encontro
dos interesses da aristocracia, pois tentava diferir uma lei agrária sugerida por Seruilius Rullus em que seriam
distribuídas terras na própria Itália àqueles que não as possuíssem. Cícero, para evitar um conflito interno
considerável, consegue através de sua força discursiva convencer os cidadãos romanos dos graves problemas que
surgiriam, se tal lei fosse aprovada.
Não se pode, porém, classificar a atitude do orador como defesa dos interesses aristocráticos, se se considerar
que Seruilius Rullus, agindo daquela maneira, garantia os interesses de César e Crasso, que, gerando conflitos
internos, enfraqueceriam a figura de Pompeu. Dessa forma, deve-se perceber que Cícero não buscava prejudicar as
classes menos favorecidas, impedindo sua possível melhoria, mas garantir os interesses de Pompeu, que lutava no
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Oriente, e também os seus, mostrando-se um excelente lutador, quando não se tratava do uso da força física, mas do
poder da palavra.
Outra preocupação de Cícero na função de Consul estava diretamente ligada à popularidade, o que pode ser
verificado em suas atitudes. Quando lhe foi atribuída a Macedônia através da eleição para que ele a comandasse e a
Gália Cisalpina a Antonius, providenciou Cícero uma troca no comando das províncias, pois se assumisse a província
da Macedônia deveria se afastar de Roma, como este não era seu interesse, uma vez que poderia haver articulações
contrárias à sua política, preferiu a Gália Cisalpina, o que foi aceito por Antonius em acordo.
Tal atitude garantia-lhe manobras políticas de seu interesse, porque Cícero se preocupava com sua
popularidade, o que facilitava de um modo geral a persuasão do povo. Certamente, argumentando que seria mais útil
sua presença em Roma que, por outro lado, dava-lhe possibilidades de desmanchar conspirações que fossem
contrárias ao Estado, articuladas por Catilina, ou mesmo por César, já que Pompeu ainda se encontrava fora de Roma.
O fato, que lhe restabeleceu a confiança do Senado e do povo de uma forma geral, foi a descoberta da
conjuração de Catilina, denunciada e levada ao Senado. Por este motivo, Cícero recebe dos senadores o título de
Senatus consultum ultimum, com o qual receberia a missão de defender a República por todos os meios. Este episódio
foi escrito pelo autor em um dos seus mais conhecidos discursos, denominado de Catilinárias (In L. Catilinam), com
o objetivo de servir como exemplo para todos aqueles que pretendessem ir de encontro aos interesses da República
romana, o que ainda o fez ser chamado de pater patriae.
A importância político-social do orador mostra-se não apenas pelos títulos recebidos, mas por sua ascensão
social, conseguida pela defesa dos mais notáveis políticos romanos através de seus discursos, de quem recebeu nobres
honrarias, dignas de poucos cidadãos, mesmo Cícero não tendo nascido em Roma.
Eventos como esse geravam, por mais que demonstrassem a força do orador, intrigas, não apenas por parte
daqueles sobre os quais Cícero havia proferido discursos contrários, como é o caso dos partidários de Catilina, mas
também por parte daqueles romanos mais conservadores que o consideravam, por ser proveniente de Arpino, um
estrangeiro. É estabelecida, então, sua residência na parte nobre de Roma, em momento de grande agitação política,
quando Cícero tinha muitos admiradores por um lado, mas por outro, vários interessados em seu afastamento da vida
pública e da própria Roma.
Constata-se, nesta agitação política, que em 60 a.C o Senado e a ordem equestre praticamente se mesclavam,
crescendo a cada dia a força da segunda. Nesse mesmo período, César governava a Espanha Ulterior, em que havia
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exercido durante um período de oito anos a função de Quaestor. César havia comandado várias expedições, o que
fazia crescer sua experiência militar, fato que posteriormente iria ser-lhe de bastante utilidade. Em junho do mesmo
ano, retornou a Roma almejando um lugar no Senado, não seria muito difícil de consegui-lo, já que suas conquistas
militares o igualavam em glória a Pompeu.
Então, em 60 a.C, César é eleito Consul, não demorando para estabelecer a aliança secreta com Pompeu e
Crasso, denominada primeiro Triunvirato. Não parece impossível que Cícero tenha sido convocado a participar dessa
aliança, devido ao seu grau de importância perante o Senado. No entanto, pode-se dizer que de acordo com seu
caráter e ética instituídos na concepção grega de cidadão, principalmente influenciado pelos filósofos peripatéticos,
Cícero não poderia participar de tal aliança, pois seria uma espécie de traição a si mesmo e a sua pátria. Suas atitudes,
seus discursos o conduziam a uma concepção de equilíbrio no regime de governo, em que o Senado pudesse atuar
mais favoravelmente à estabilidade social, e não apenas de acordo com o interesse de poucos.
Os anos que se seguem são marcados também por grande agitação política. Em 59 a.C, Clódio Pulcher é eleito
tribuno, tendo apoio de César e de Pompeu, não demora em fazer ser admitida uma nova lei, chamada de De capite
ciuium, em que cidadão algum poderia ser condenado à morte se não tivesse sido julgado por um tribunal composto
por populares do qual Cícero não faria parte. Sentindo-se perseguido por Clódio, uma vez que praticamente não
participaria dos julgamentos, o que tornava mais prática a absolvição dos aliados dos triúnviros, Cícero abandona
suas vestes de senador e, segundo Grimal (Cicéron, p. 193), passa a usar trajes de simples cavaleiro, fato que
conduziu a uma manifestação geral de senadores e cavaleiros, afirmavam estes que o Estado não tinha mais um
governo, que se configurava na pessoa de Cícero, demonstrando o grau de importância do orador nas causas públicas.
Diante das manifestações, Cícero é aconselhado pelo cônsul Calpurnius Piso Caesoninus a deixar Roma para
que não houvesse conflitos entre os cônsules. A sua saída da cidade era desejada por Clódio que, desde que havia
sido eleito tribuno, buscava meios legais para expulsar Cícero de Roma. Após sua saída, Clódio providenciou um
novo projeto de lei que condenaria Cícero ao exílio, principalmente, por este ter julgado e condenado os cúmplices de
Catilina.
No exílio, certamente, longe da vida pública, Cícero preparava seu retorno a Roma, além de se dedicar à
leitura e à escrita, pois é desse mesmo período o primeiro livro do tratado De Diuinatione. Após várias tentativas de
anulação da lei do exílio por parte de seus partidários para que Cícero pudesse voltar a Roma, em sua totalidade
vetadas por Clódio, em 57 a.C, Pompeu convoca uma reunião do Senado, que vota um projeto confirmando o retorno
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de Cícero a Roma. Esta reunião certamente não contou com a presença de Clódio e seus partidários. Dias depois
Cícero deixaria a casa de seu amigo Atticus em Butroto, cidade marítima do Épiro, para ser aclamado em Roma
durante os Ludi romani, retomando assim seus afazeres públicos.
Em 51 a.C, Cícero foi enviado como proconsul para administrar a província da Cilícia durante um ano, ao
retornar a Roma, assistia cada vez mais à ruína da República, que era conduzida com fins pessoais pelos triúnviros.
Desse momento em diante, o autor parece ter buscado na filosofia e na Retórica um abrigo para as suas decepções na
vida política, que se distanciava dia a dia dos ideais de cidadão, que lhe garantira o título de pater patriae, uma vez
que parte considerável de sua obra retórico-filosófica foi datada a partir desse período.
Aparentemente decepcionado com o caminho pelo qual o Estado era conduzido e vendo-se fragilizado, pois
seus discursos já não tinham o mesmo grau de importância que na década anterior, Cícero parte para algumas
investidas contra influentes romanos, proferindo acusações mais diretas ao herdeiro direto do cesarismo Marco
Antônio, que havia formado com Caio Otávio e Lépido uma ditadura coletiva denominada de segundo Triunvirato. O
discurso intitulado Orationes Philippicae pronunciado nos anos 44 e 43 a.C, no Senado e diante do povo, atraíram
contra Cícero a antipatia implacável de Marco Antônio, que a partir daquele momento perseguiu-o de todas as formas
possíveis, colocando o nome do orador nas listas de proscrição. Deste modo, Cícero foi morto em 7 de dezembro de
43 a.C.
A decadência da República e perda da influência do autor em tal regime, conduzem-no à centralização de suas
atividades na produção literária, o que certamente pode ser visto como de valor diminuto,ou seja, mesmo o autor
sendo considerado um homem das letras, não se dedicava prioritariamente à literatura, pois apenas distante das
atividades políticas, embora tendo publicado alguns de seus discursos, parece preocupar-se em escrever sobre
assuntos que não tivesse conteúdo político, mas ligação com as aflições da alma e com a formação filosófica que
havia recebido ao longo da vida.
Durante os últimos anos de sua vida, entre 45 e 44 a.C, o período marcado por grande agitação, tanto no
âmbito pessoal quanto no político, exerceu profunda influência em seus textos, a que faz referência em De Natura
Deorum, na narratio do primeiro livro, como a morte de sua filha Túlia, em 45 a.C e a ascensão de César ao poder
após a vitória sobre Pompeu, em 48 a.C, fato que conduziu o regime republicano ao final.
Tantas aflições de caráter pessoal deixaram marcas no espírito inquieto de Cícero que, desde muito jovem,
demonstrou interesse pela filosofia e, nessa fase especificamente, deu ênfase à temática filosófica, parecendo cumprir
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vários objetivos ao mesmo tempo, como a busca de consolo pela morte de sua filha, verificadas nas cartas a Ático,
que podem ser consideradas as principais fontes sobre os conflitos vividos em Roma nas últimas décadas da vida de
Cícero.
Sed me mihi non defuisse tu testis es. Nihil enim de maerore minuendo scriptum ab ullo est quod ego non domi tuae legerim.
Sed omnem consolationem vincit dolor. (Cartas a Ático, XII, 14,3)
Mas não tenho me abandonado, tu és testemunha. Na verdade, nada que eu tenha lido em tua casa, que foi escrito por alguém,
deve diminuir a aflição. Mas a dor vence toda consolação.
Os termos domi tuae, certamente se refere ao período de exílio, em que grande parte do tempo Cícero passou
na casa de Ático, lendo possivelmente filósofos gregos, o que o conduzia a uma reflexão que não se pode dizer
comum em Roma, já que constantemente estava envolvido na defesa de alguma causa. No entanto, este
distanciamento da agitada vida política romana, que gerava, naquele momento, várias decepções, associada à
ambição de produzir um corpus filosófico extenso e de qualidade, que até aquele momento não havia sido feito em
língua latina, que pudesse ser comparado às grandes obras gregas. Esta ambição leva o orador a escrever, entre 44 e
45 a.C, algumas de suas principais obras filosóficas, como De Natura Deorum, De Finibus, Tusculanae
Disputationes, De Officiis.
Distanciado de seus ofícios políticos, marcado por desilusões produzidas pela situação em que se encontrava
Roma, verificando que todos os esforços empregados no intuito de oferecer melhorias ao Estado, mais
especificamente à República, que não mais existia, Cícero resolve dar sua contribuição a Roma de outra maneira, que
não tentar livrá-la de conspirações idealistas de pequenos grupos de aristocratas, mas tentar elevar a língua latina ao
nível da grega, com isto exaltar os romanos, através da produção de obras filosóficas, o que até aquele momento não
havia sido feito, pois os próprios escritores romanos consideravam a língua latina privada de termos que pudessem
traduzir com objetividade os conceitos aprendidos dos helenos.
Observando a carência de uma produção intelectual que pudesse lhe atender as necessidades, Cícero resolve
escrever sobre filosofia, utilizando de dois recursos básicos no que se refere às lacunas latinas, ora traduzir os termos
gregos por perífrases, ora transcrevê-los usando caracteres latinos, porém os explica para que possam ser entendidos
pelos romanos.
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É nessa atmosfera de tentativas de esclarecimento que o autor observa o quanto são ambíguos os cultos
religiosos, as definições de deuses, a interpretação dos auspícios e todos os atos que se ligavam à religião. Esta
situação não era verificada apenas em relação aos latinos, os gregos também não haviam explicado objetivamente
muitas questões que envolviam os deuses, que em sua maioria praticavam atitudes dignas dos seres humanos, como
roubos, trapaças, perseguições. Então, que seriam realmente os deuses? Fariam apenas parte do devaneio humano?
Poderiam influenciar nas atitudes dos homens?
Objetivando a discussão destes questionamentos, não com o intuito de explicá-los diretamente, Cícero
escreve o seu tratado filosófico que trata de questões referentes aos deuses, intitulado De Natura Deorum, em 45 a.C,
dois anos antes de sua morte, período em que o autor se inquietava com questões relacionadas às sublimes
preocupações da alma e com as aflições da velhice, marcada pela presença de uma morte cada vez mais próxima.
O tratado De Natura Deorum, juntamente com De Inuentione e De fato, configura os escritos teológicos
ciceronianos em que o autor se dedica à apreciação das relações entre as divindades e os humanos, sobretudo em
questões referentes à tradição romana, calcadas em pilares como pietas, fides e uirtus. Cícero não propõe em De
Natura Deorum a dar explicações objetivas sobre os diversos conceitos usados para caracterizar os deuses, nem
mesmo explicar qual seria a origem dos deuses, como sugere o próprio título da obra.
No entanto, usando-se de um hábil estilo dialético, propõe a exposição das teorias elaboradas pelos filósofos
gregos mais conhecidos, até aquele momento, com o intuito de confrontar suas proposições, a fim de levar ao leitor o
maior número de informações possível no que se refere ao pensamento humano a respeito dos deuses.
Cícero retoma conceitos filosóficos sobre os deuses, pois naquele período Roma sofria grande influência
cultural da Grécia, além de a formação do autor ter sido basicamente realizada de acordo com os ideais gregos. Para
que se entenda o pensamento e as conjecturas intelectuais durante o século em que está inserido o autor, é necessário
saber que as das correntes filosóficas de maior êxito em Roma eram a epicurista e a estoica, as quais muito já haviam
se desvinculado do pensamento grego de que eram provenientes e, constantemente, sofriam interpretações de cunho
popular e simplista.
A escola fundada por Epicuro era categoricamente criticada por Cícero devido ao seu caráter ideológico e
materialista, sobretudo no que se refere à teoria atômica de formação do cosmos, o que era visto pelo autor com o
mais completo ceticismo, típico dos adeptos da Academia, escola filosófica a que estava vinculado e que se
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caracterizava por um ponto de vista metodológico bem mais amplo em relação à flexibilidade teórica que o
epicurismo e o estoicismo sugeriam.
As variadas correntes de pensamento que são utilizadas pelo autor, em De Natura Deorum, apresentam uma
tentativa de ele demonstrar que tais correntes se encontram intimamente relacionadas, mas que, por outro lado, em
muitos pontos divergem completamente. Esta tentativa de vinculação de teorias é proposta com o intuito de motivar
uma solução para uma série de problemas que envolvem o julgamento da população acerca dos seres divinos, porém
a expectativa de que as mais conhecidas teorias propostas pelos mais célebres filósofos é anulada, no decorrer do
texto, quando Cícero tenta demonstrar, principalmente, através dos personagens que aquilo que aparentemente é
entendido como um conceito inquestionável, na verdade não passa de mera contradição.
O acadêmico Cícero, afirma Ángel Escobar (1999, 21), recorre a um variado repertório de fontes para a
elaboração de tratado filosófico De Natura Deorum, pois é notório, no decorrer do texto, que muitos conceitos são
levantados pelo autor, alguns erroneamente, o que conduz ao entendimento de que ele tinha conhecimento teórico
suficiente para levantá-lo corretamente, quando preciso, ou distorcê-lo objetivando a exaltação de uma teoria
posterior.
Desse modo, Cícero não aceita uma verdade única e se mostra questionador da unidade filosófica, em notável
estilo dialético. Pode-se antecipar a ideia de que o autor não tem por objetivo, com o tratado De Natura Deorum,
conduzir o leitor a uma possível verdade, que seria demonstrada no término do livro, sobre as questões que envolvem
os deuses. Isto é sugerido pelo autor no exordium do primeiro livro, porém esta concepção é desfeita pouco a pouco
ao longo do texto.
Então, qual seria o objetivo de seu tratado? Qual a razão da utilização do título De Natura Deorum, se não
haverá a explicação para a natureza dos seres divinos? Pode-se dizer que o autor tem o interesse em demonstrar as
mais variadas concepções sobre os deuses, os cultos que os envolvem, as díspares crenças de diferentes povos e
épocas, sua possível forma física aparente à do homem, revelando-se conhecedor dos fundamentos das principais
escolas filosóficas o suficiente para usá-las em prol de sua causa, ou seja, a de retomar antigas questões ligadas ao
culto religioso que, naquele momento, ainda exercia grande influência nas relações sociais.
Apesar de sua influência no campo social, a religio romana, especialmente na época de Cícero, passava por
profundas transformações, geradas também pelas relativas mudanças no âmbito político-social, como a importância
do papel do auspicium, que experimentava uma decomposição relevante e, frequentemente, associava-se aos
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interesses políticos vigentes, perdendo gradativamente as características arcaicas que a constituíam. Sendo, portanto,
neste panorama de ansiedade e incertezas, em época marcada pelo surgimento de novos cultos e superstições
referentes aos deuses, que é escrito seu tratado.
Em De Natura Deorum, o autor deixa transparecer a influência grega recebida durante sua formação, optando
pelo uso da estruturação dialógica para a composição de seu tratado, o que pode lhe permitir o alcance do objeto
desejado sem grandes dificuldades, ou seja, a produção de uma obra filosófica relevante, apesar de este campo em
língua latina apresentar-se praticamente intacto. O modelo seguido por Cícero fora basicamente o diálogo platônico,
utilizando-se de personagens contemporâneos, que fazem uso de monólogos extensos para a exposição de suas teorias
acerca das concepções divinas, associando-se a estes monólogos a participação do próprio autor, que conduz a
exposição teórica dos personagens.
Cícero estrutura o seu tratado em três livros, em que se pode observar uma sucessão de quatro monólogos
extensos: o primeiro discurso de Veleio (Gaius Velleius), adepto da escola de Epicuro, é marcado pela tentativa de o
personagem enumerar os ideais epicuristas sobre a questão dos deuses, proposta pelo próprio Cícero no início do
diálogo. Àquele discurso se sucede o de Cota (Gaius Aurelius Cotta), partidário da Academia, o qual realiza críticas
às ideias levantadas por Veleio e, em seguida, constrói sua argumentação acerca dos deuses sob a ótica acadêmica. A
estes dois discursos, que são proferidos no primeiro livro, segue-se o do estóico Balbo (Quintus Lucilius Balbus), que
tenta abordar a temática sugerida munido dos ensinamentos da escola estoica, no decorrer de todo o segundo livro.
Retomando seus argumentos, o acadêmico Cota intervém pela segunda vez, no terceiro livro, refutando a
argumentação de Balbo, finalizando o tratado sobre a natureza dos deuses.
Com esta estruturação do diálogo, o autor pretende garantir os interesses acadêmicos, mostrando-se
partidário da Academia, principalmente, por revelar certo ceticismo em relação à temática abordada, propondo uma
discussão que parece, em seu início, tentar esclarecer questões ambíguas sobre os deuses, mas que se mostra, ao
término do livro, acentuar mais as dúvidas vigentes.
Isto ocorre devido à própria estruturação do livro, o autor garante ao acadêmico Cota posição privilegiada
para a exposição de seus argumentos, sempre sucede, nunca é sucedido. Levando a acreditar que o autor não deseja
que o acadêmico seja refutado. Associado à posição do discurso de Cota está o espaço a ele concedido, que ocupa
cerca de cinquenta por cento da obra, ou seja, mais da metade do primeiro livro e todo o terceiro livro, que é
finalizado com os ideais de Cícero, representado pela figura de Cota.
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Da Tradução
O texto latino, que se apresenta à esquerda da tradução, é de Otto Plasberg, do ano de 1917, edição: M. Tullius
Cicero. De Natura Deorum. O. Plasberg. Leipzig. Teubner. 1917. Foram consultados também os seguintes textos
latinos: Otto Plasberg, do ano de 1993 (nas notas é denominado b), edição: Cicerone. La Natura Divina; a cura de
Cesare Marco Calcante, texto latino a fronte. 6.ed. Milano: BUR, 2007; Joannes Davisius, do ano de 1723 (nas notas
é denominado g), edição: M. Tulli Ciceronis. De Natura Deorum, Libri Tres; cum notis integris Paulli Manucii, Petri
Victorii, Joachimi Camerarii et alii. Editio secunda. Cantabrigiae: typis academicis, MDCCXXIII; Società Editrice
Dante Alighieri, do ano de 1984 (nas notas é denominado d), presente na edição: M. Tullio Cicerone. De Natura
Deorum; texto, costruzion e versione letterale e note. 3.ed. Roma: Società Editrice Dante Alighieri, 1984. Não há
indicação nesta edição (1984) do manuscrito utilizado.
Das Variações Textuais no Livro I
Divergências de pontuação:
a: “et eos, quos maiorum institutis accepimus.” (I, 30) e b: “et eos quos maiorum institutis accepimus (...)” (I,
30); a: “In quo non vidit neque motum sensu iunctum et [in] continentem infinito ullum esse posse (...)” (I, 26), g:
“in quo non vidit, neque motum sensui junctum et continentem, infinito ullum esse posse (...)” e d: “in quo non vidit
motum sensui junctum et continentem in infinito nullum esse posse.”; a: “Xenocrates in hoc genere prudentior est,
cuius in libris (...)” (I, 34), g: “Xenocrates in hoc genere prudentior: in cuius libris (...)” e d: “Xenocrates in hoc
genere prudentior, cuius in libris (...)”; a: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor eos esse habitos deos, a quibus
aliqua magna utilitas (...)” (I, 38),g: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos deos, a quibus
magna utilitas (...)”e d: “At Persaeus, eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos deos, a quibus magna utilitas
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(...)”; a: “in secundo autem volt Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique fabellas (...)” (I, 41), g: “in secundo autem volt
Orphei, Musaei, Hesiodi, Homerique fabellas (...)” e d: “in secundo autem vult Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique
fabellas (...)”;a: “animus et formam et vitam et actionem mentis atque agitationem in deo.” (I, 45), g: “animus et
formam, et vitam, et actionem mentis atque agitationem in deo.” ed: “animus et formam et vitae actionem mentisque
agitationem in deo.”; a: “alia aspera, rutunda alia, partim autem angulata et hamata, curvata quaedam et quasi adunca
(...)” (I, 66),g: “alia aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” e d: “alia
aspera, partim autem angulata, hamata quaedam et quase adunca (...)”; a: “Nihil horum nisi +valde (...)” (I, 70), g:
“Nihil horum, nisi calide (...)” e d: “Nihil horum nimis callide (...)”; a: “quam vos inter vos risum tenere possitis?” (I,
70),g: “quod vos inter vos risum tenere possitis.” ed: “quod vos inter vos risum tenere possitis.”; a: “deinde cum,
quoniam rebus omnibus (...)” (I, 76),g: “deinde, ut, quoniam rebus omnibus (...)” e d: “deinde quod, quoniam rebus
omnibus (...)”; a: “quae funditus gens vestra non novit, [angustia] argumenti sententiam conclusisti.” (I, 89), g:
“(quae funditus gens vestra non novit) argumenti sententiam conclusisti.” E d: “que funditus gens vestra non novit,
argumento sententiam conclusisti (...)”; a: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra
pertinent (...)” (I, 99), g: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent?” e d:
“feminibus, cruribus. Quia haec ad vitam membra pertinent (...)”; a: “Non arbitror te velle similem esse Epicureorum
reliquorum (...)” (I, 111), g: “Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum (...)” e d: “Non arbitror
te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum (...)”.
Divergências vocabulares:
a: “De qua [cum] tam variae sint (...)” (I, 1),g: “De qua tam variae sunt(...)” e d: “De qua tam variae
sunt(...)”; a: “magno argumento esse debeat [ea] (...)” (I, 1),g: “ut magno argumento esse debeat (...)” e d: “ut magno
argumento esse debeat (...)”; a: “causa, principium philosophiae ad h* scientiam (...)” (I, 1), g: “caussam, id est,
principium philosophiae, esse scientiam (...)” e d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”;a: “et de
actione (...)” (I, 2),g: “et actione (...)” e d: “et actione (...)”; a: “deque is summa (...)” (I, 2),g: “deque his summa (...)”
e d: “deque his summa (...)”; a: “in primis [quae] magna dissensio est (...)” (I, 2),g: “In primis quoque magna
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dissensio est (...)” e d: “in primis magna dissensio est (...)”; a: “et hi quidem magni atque nobiles (...)” (I, 4), g: “et hi
quidem magni atque nobiles (...)” e d: “et ii quidem magni atque nobiles (...)”; a: “tam auctoritatis (...)” (I, 10) e d:
“tam auctores (...)”; a: “his quattuor (...)” (I, 11) e d: “iis quattuor (...)”; a: “In quo non vidit neque motum sensu
iunctum et [in] continentem infinito ullum esse posse (...)” (I, 26), g: “in quo non vidit, neque motum sensui junctum
et continentem, infinito ullum esse posse (...)” e d: “in quo non vidit motum sensui junctum et continentem in infinito
nullum esse posse.”; a: “tum sententiam intellegentiamque nostram (...)” (I, 29), g: “tum scientiam intelligentiamque
nostram (...)” e d: “tum scientiam intellegentiamque nostram (...)”; a: “eos, quos maiorum institutis accepimus.” (I,
30),g: “et eos, quos maiorum institutis accepimus (...)”; a: “quo porro modo mundus moveri carens corpore (...)” (I,
33) eg: “Quo porro modo mundus moveri potest carens corpore (...)”; a: “et tamen modo mundum (...)” (I, 34),g: “et
tamen modo mundum (...)” e d: “et modo mundum (...)”; a: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor eos esse habitos
deos, a quibus aliqua magna utilitas (...)” (I, 38), g: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos
deos, a quibus magna utilitas (...)” e d: “At Persaeus, eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos deos, a quibus
magna utilitas (...)”; a: “tum fatalem +umbram et necessitatem rerum futurarum (...)” (I, 39), g: “tum fatalem vim et
necessitatem rerum futurarum (...)” ed: “tum fatalem vim et necessitatem rerum futurarum (...)”; a: “nec ad numerum
(...)” (I, 49) e d: “Nec sit ad numerum (...)”; a: “imaginum species (...)” (I, 49) e d: “imaginum [series] (...)”; a: “et
ad deos adfluat (...)” (I, 49) ed: “et ad nos adfluat (...)”; a: “tanto mihi spes videtur obscurior.” (I, 60), g: “tanto mihi
res videtur obscurior.” e d: “tanto mihi res videtur obscurior.”; a: “alia aspera, rutunda alia, partim autem angulata et
hamata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” (I, 66),g: “alia aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curvata
quaedam et quasi adunca (...)” ed: “alia aspera, partim autem angulata, hamata quaedam et quase adunca (...)”; a:
“deinde cum, quoniam rebus omnibus (...)” (I, 76), g: “deinde, ut, quoniam rebus omnibus (...)” e d: “deinde quod,
quoniam rebus omnibus (...)”; a: “quod nulla in alia figura domicilium mentis esse possit.” (I, 76),g: “quod nulla in
alia figura domicilium mentis esse possit.” E d: “quod nulla alia figura domicilium mentis esse possit.”; a:
“[Primum] omnium quis tam caecus in contemplandis rebus umquam fuit (...)” (I, 77),g: “Omnium quis tam caecus in
contemplandis rebus umquam fuit (...)” e d: “Omnino quis tam caecus in contemplandis rebus umquam fuit (...)”; a:
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“Si igitur nec humano (...)” (I, 85), g: “Si igitur nec humano visu (...)” e d: “Si igitur nec humano visu (...)”; a: “quae
funditus gens vestra non novit, [angustia] argumenti sententiam conclusisti.” (I, 89),g: “(quae funditus gens vestra
non novit) argumenti sententiam conclusisti.” e d: “que funditus gens vestra non novit, argumento sententiam
conclusisti (...)”; a: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent (...)” (I, 99), g:
“feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent?” e d: “feminibus, cruribus. Quia haec
ad vitam membra pertinent (...)”; a: “Non arbitror te velle similem esse Epicureorum reliquorum (...)” (I, 111),g:
“Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum (...)” e d: “Non arbitror te, Vellei, similem esse
Epicureorum reliquorum (...)”.
Divergências de grafia:
a: “causa, principium philosophiae ad h* scientiam (...)” (I, 1),g: “caussam, id est, principium philosophiae,
esse scientiam (...)” e d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”; a: “quod maxime veri simile est et
quo omnes +sese (...)” (I, 2), g: “quod maxume veri simile est et quo omnes duce natura vehimus (...)” e d: “quod
maxime verisimile est, et quo omnes duce natura venimus (...)”; a: “res tam gravis (...)” (I, 7) e d: “res tam graves
(...)”; a: “tum facillume (...)” (I, 9),g: “Tum facillime (...)” e d: “Tum facillime (...)”; a: “Atqui mihi quoque videor
(...)” (I, 16), d: “Atque mihi quoque videor (...)”;a: “maxumas regiones (...)” (I, 24) e d: “maximas regiones (...)”; a:
“In quo non vidit neque motum sensu iunctum et [in] continentem infinito ullum esse posse (...)” (I, 26), g: “in quo
non vidit, neque motum sensui junctum et continentem, infinito ullum esse posse (...)” e d: “in quo non vidit motum
sensui junctum et continentem in infinito nullum esse posse.”; a: “per omnium naturam rerum (...)” (I, 36), g: “per
omnem naturam rerum (...)” ed: “per omnem naturam rerum (...)”; a: “de deis inmortalibus dixerit (...)”,g: “de dis
inmortalibus dixerit (...)” e d: “de deis immortalibus dixerat (...)”; a: “Naevos in articulo pueri delectat Alcaeum (...)”
(I, 79),g: “Naevus in articulo pueri delectat Alcaeum.” e d: “Naevus in articulo pueri delectat Alcaeum.”; a: “quae
funditus gens vestra non novit, [angustia] argumenti sententiam conclusisti.” (I, 89), g: “(quae funditus gens vestra
non novit) argumenti sententiam conclusisti.” e d: “que funditus gens vestra non novit, argumento sententiam
conclusisti (...)”; a: “quo modo aeterne?” (I, 109),g: “quo modo aeternae?” e d: “quo modo aeternae?”.
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Fragmentos nos textos:
a: “causa, principium philosophiae ad h* scientiam (...)” (I, 1),g: “caussam, id est, principium philosophiae,
esse scientiam (...)” e d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”; a: “quod maxime veri simile est et
quo omnes +sese (...)” (I, 2), g: “quod maxume veri simile est et quo omnes duce natura vehimus (...)” e d: “quod
maxime verisimile est, et quo omnes duce natura venimus (...)”; a: “qualia vero* est (...)” (I, 25),g: “qualia vero alia
sint (...)” e d: “[Qualia vero sint](...)”; a: “tum fatalem +umbram et necessitatem rerum futurarum (...)” (I, 39), g:
“tum fatalem vim et necessitatem rerum futurarum (...)” ed: “tum fatalem vim et necessitatem rerum futurarum (...)”;
a: “alia aspera, rutunda alia, partim autem angulata et hamata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” (I, 66), g: “alia
aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” ed: “alia aspera, partim autem
angulata, hamata quaedam et quase adunca (...)”; a: “Nihil horum nisi +valde (...)” (I, 70),g: “Nihil horum, nisi calide
(...)” e d: “Nihil horum nimis callide (...)”; a: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra
pertinent (...)” (I, 99),g: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent?” e d:
“feminibus, cruribus. Quia haec ad vitam membra pertinent (...)”.
Divergências nos empregos verbais:
a: “De qua [cum] tam variae sint (...)” (I, 1), g: “De qua tam variae sunt(...)” e d: “De qua tam variae
sunt(...)”; a: “quod maxime veri simile est et quo omnes +sese (...)” (I, 2),g: “quod maxume veri simile est et quo
omnes duce natura vehimus (...)” e d : “quod maxime verisimile est, et quo omnes duce natura venimus (...)”; a:
“disputatumst.” (I, 15),g: “disputatum sit.” e d: “disputatum est.”; a: “ducenda sunt (...)” (I, 24),g: “dicenda sunt
(...)” e d: “dicenda sunt (...)”; a: “qualia vero* est (...)” (I, 25),g: “qualia vero alia sint (...)” e d: “[Qualia vero
sint](...)”; a: “de ipsa mente item reprehendetur (...)” (I, 28),g: “de ipsa mente ita reprehenditur (...)” e d: “de ipsa
mente item reprehenditur (...)”; a: “continentem ardorum lucis orbem, qui cingit caelum (...)” (I, 28), g: “continentem
ardore lucis orbem, qui cingit caelum (...)” e d: “continente ardore lucis orbem, qui cingat caelum (...)”; a:
“quae de Platone dicimus.” (I, 31) e d: “quae de Platone diximus.”; a: “designarit deum (...)” (I, 33) ed: “designavit
deum.”; a: “quae infixa caelo sint (...)” (I, 34),g: “quae infixa caelo sunt (...)” e d: “quae infixa caelo sunt (...)”;
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a: “in secundo autem volt Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique fabellas (...)” (I, 41),g: “in secundo autem volt
Orphei, Musaei, Hesiodi, Homerique fabellas (...)” e d: “in secundo autem vult Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique
fabellas (...)”;a: “quae pulcherrimast omnium.” (I, 48),g: “quae pulcherrima sit omnium (...)” e d: “quae pulcherrima
sit omnium (...)”; a: “non modo videat animo (...)” (I, 49),g: “non modo viderat animo (...)” e d: “non modo viderit
animo (...)”; a: “longeque peregrinatur (...)” (I, 54) e d: “longeque peregrinatus (...)”; a: “Quia enim ex atomis, id
natum aliquandost (...)” (I, 68), g: “quia enim ex atomis sit, id natum aliquando sit (...)” e d: “Quod enim ex atomis,
id natum aliquando est (...)”.
Divergências sintáticas:
a: “aut infixus aut infusus esset in mundo?” (I, 28), g: “aut infixus aut infusus esset in mundo?” e d: “infixus
infususque esset in mundo?”; a: “Xenocrates in hoc genere prudentior est, cuius in libris (...)” (I, 34), g: “Xenocrates
in hoc genere prudentior: in cuius libris (...)” e d: “Xenocrates in hoc genere prudentior, cuius in libris (...)”.
Divergências de grafia:
a: “continentem ardorum lucis orbem, qui cingit caelum (...)” (I, 28), g: “continentem ardore lucis orbem, qui
cingit caelum (...)” e d: “continente ardore lucis orbem, qui cingat caelum (...)”.
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DE NATVRA DEORVM -
LIBER I
[1] Cum multae res in philosophia nequaquam satis
adhuc explicatae sint, tum perdifficilis, Brute, quod tu
minime ignoras, et perobscura quaestio est de natura
deorum, quae et ad cognitionem animi pulcherrima est
et ad moderandam religionem necessaria. De qua
[cum] tam uariae sint3 doctissimorum hominum
tamque discrepantes sententiae, magno argumento esse
debeat [ea]4 causa, principium philosophiae ad h*
scientiam5, prudenterque Academici a rebus incertis
adsensionem cohibuisse. Quid est enim temeritate
turpius aut quid tam temerarium tamque indignum
sapientis grauitate atque constantia quam aut falsum
sentire aut, quod non satis explorate perceptum sit et
cognitum, sine ulla dubitatione defendere?
3 g: “De qua tam uariae sunt(...)”.
d: “De qua tam uariae sunt(...)”. 4 g: “ut magno argumento esse debeat (...)”.
d: “ut magno argumento esse debeat (...)”. 5 g: “caussam, id est, principium philosophiae, esse scientiam
(...)”.
d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”.
DA NATUREZA DOS DEUSES -
LIVRO I
Como muitas coisas na filosofia não tenham sido
explicadas suficientemente até aqui, então é muito
difícil, ó Bruto, o que tu de modo algum ignoras, e é
muito obscura a questão sobre a natureza dos deuses,
que tanto é necessária para regular a religio6 quanto é
excelente para o conhecimento da alma, sobre a qual
existam tão variadas e tão discrepantes sentenças dos
homens sábios. Sobre o nobre argumento, aquela causa
deve ser o princípio da filosofia para o conhecimento
e, prudentemente, os acadêmicos contiveram a
aprovação das coisas incertas. Que é então mais
vergonhoso que a falta de reflexão ou que é mais
impudente e mais indigno da seriedade e da constância
do sábio do que ou experimentar a falsidade ou, o que
não tenha sido percebido e conhecido com bastante
certeza, defender sem dúvida alguma?
6 Alguns termos latinos não foram traduzidos por consideramos
que não há correspondente preciso no português ou que sua
tradução poderia conduzir a possíveis equívocos linguísticos.
Neste caso, as palavras serão explicitadas em notas. Religio:
religião, culto prestado aos deuses.
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[2] Velut in hac quaestione plerique, quod maxime ueri
simile est et quo omnes +sese7 duce natura uenimus,
deos esse dixerunt, dubitare se Protagoras, nullos esse
omnino Diagoras Melius et Theodorus Cyrenaicus
putauerunt. Qui uero deos esse dixerunt, tanta sunt in
uarietate et dissensione, ut eorum infinitum sit
enumerare sententias. Nam et de figuris deorum et de
locis atque sedibus et de actione8 uitae multa dicuntur,
deque is summa9 philosophorum dissensione certatur;
quod uero maxime rem causamque continet, utrum
nihil agant, nihil moliantur, omni curatione et
administratione rerum uacent, an contra ab iis et a
principio omnia facta et constituta sint et ad infinitum
tempus regantur atque moueantur, in primis [quae]
magna dissensio est10, eaque nisi diiudicatur, in
summo errore necesse est homines atque in
maximarum rerum ignoratione uersari.
7 g: “quod maxume ueri simile est et quo omnes duce natura
uehimus (...)”.
d: “quod maxime uerisimile est, et quo omnes duce natura
uenimus (...)”. 8 g: “et actione (...)”.
d: “et actione (...)”. 9 g: “deque his summa (...)”.
d: “deque his summa (...)”. 10 g: “In primis quoque magna dissensio est (...)”.
d: “in primis magna dissensio este (...)”.
Como nesta questão muitos disseram que11 os deuses
existem, o que é extremamente provável e a que todos
chegamos, conduzindo a natureza. Protágoras duvida
deles, Diágoras de Melo e Theodoro Cyrenaico
consideraram completamente não existirem. Muitos12
verdadeiramente disseram que os deuses existem,
tantas coisas estão em grande variedade e discórdia,
que é infinito enumerar as suas sentenças. Pois tanto
sobre as aparências dos deuses, quanto sobre os
lugares e as sedes, como sobre o modo de vida muitas
coisas são ditas, e sobre eles se discute com a extrema
discórdia dos filósofos, porque verdadeira e
extremamente contém a essência e a causa. Se por
acaso nada fazem, nada executam, estão vazios de todo
cuidado e administração das coisas ou, ao contrário,
por eles tanto tudo tem sido feito, desde o princípio,
quanto estabelecido como se governa e se move até um
tempo infinito. Primeiramente, há uma grande
discordância, e caso ela não seja julgada, é necessário
os homens viverem no mais elevado erro e na
ignorância das grandes coisas.
11 As palavras, que se encontram em itálico, foram acrescentadas
na tradução para dar fluidez à leitura. Inserindo, geralmente, ora
termos subentendidos no latim, ora conectivos usados para
desenvolver orações latinas reduzidas. 12 Qui.
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[3] Sunt enim philosophi et fuerunt, qui omnino
nullam habere censerent rerum humanarum
procurationem deos. Quorum si uera sententia est,
quae potest esse pietas, quae sanctitas, quae religio?
Haec enim omnia pure atque caste tribuenda deorum
numini ita sunt, si animaduertuntur ab is et si est
aliquid a deis inmortalibus hominum generi tributum;
sin autem dei neque possunt nos iuuare nec uolunt nec
omnino curant nec, quid agamus, animaduertunt nec
est, quod ab is ad hominum uitam permanare possit,
quid est, quod ullos deis inmortalibus cultus, honores,
preces adhibeamus? In specie autem fictae
simulationis sicut reliquae uirtutes item pietas inesse
non potest; cum qua simul sanctitatem et religionem
tolli necesse est, quibus sublatis perturbatio uitae
sequitur et magna confusio;
Então existem e existiram filósofos que julgaram que
os deuses não têm absolutamente nenhum cuidado das
coisas humanas, se a sentença deles é verdadeira, qual
pietas13 pode haver, qual sanctitas14, qual religio?
Todas estas coisas, pois, devem ser atribuídas assim
pura e honestamente à vontade dos deuses, se são
observadas por eles e se algo é concedido à raça dos
homens pelos deuses imortais. Mas se, ao contrário, os
deuses não podem ajudar, nem querem, nem cuidam
absolutamente, nem observam o que fazemos, nem há
o que se possa comunicar através deles para a vida dos
homens, por que é que oferecemos aos deuses imortais
alguns cultos, honras, preces? No entanto, na aparência
das imitações fingidas como as demais virtudes
igualmente não pode haver pietas, com a qual
simultaneamente é necessário abolir a sanctitas e a
religio; com elas abolidas, segue a perturbação da vida
e uma grande confusão;
13 Pietas: sentimento de dever em relação aos deuses. 14 Sancititas: caráter sagrado, integridade de costumes.
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[4] atque haut scio, an pietate aduersus deos sublata
fides etiam et societas generis humani et una
excellentissuma uirtus iustitia tollatur. Sunt autem alii
philosophi, et hi quidem magni atque nobiles15, qui
deorum mente atque ratione omnem mundum
administrari et regi censeant, neque uero id solum, sed
etiam ab isdem hominum uitae consuli et prouideri;
nam et fruges et reliqua, quae terra pariat, et
tempestates ac temporum uarietates caelique
mutationes, quibus omnia, quae terra gignat, maturata
pubescant, a dis inmortalibus tribui generi humano
putant, multaque, quae dicentur, in his libris colligunt,
quae talia sunt, ut ea ipsa dei inmortales ad usum
hominum fabricati paene uideantur. Contra quos
Carneades ita multa disseruit, ut excitaret homines non
socordes ad ueri inuestigandi cupiditatem.
15 g: “et hi quidem magni atque nobiles (...)”.
d: “et ii quidem magni atque nobiles (...)”.
e não sei se abolida a pietas para com dos deuses, seria
extinta também a fides16, e a sociedade do gênero
humano, e a uirtus17 excelentíssima, a justiça. Existem,
porém, outros filósofos e, eles são grandes e nobres
certamente, que estimam todo o mundo ser governado
e regido pela mente e razão dos deuses, e certamente
não é apenas isto mas também, para vida dos homens,
ser cuidado e provido por eles mesmos. Com efeito,
tanto os frutos quanto o resto que a terra produz, como
as tempestades e as variações de tempos, e as
mutações dos céus através das quais todas as coisas,
que a terra gera, brotem após a maturação, consideram
ser ao gênero humano concedidos pelos deuses
imortais, e reúnem muitas coisas que são ditas nestes
livros que são tais, de modo que os deuses imortais
fabricados quase pareçam aquelas mesmas coisas para
o uso dos homens, contra os quais Carneade expôs
assim muitas coisas, para que despertasse os homens
prudentes ao desejo de se investigar a verdade.
16 Fides: palavra dada, honestidade, honra para com os deuses. 17 Virtus: coragem, virtude, qualidade moral relativa aos deuses.
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[5] Res enim nulla est, de qua tantopere non solum
indocti, sed etiam docti dissentiant; quorum opiniones
cum tam uariae sint tamque inter se dissidentes,
alterum fieri profecto potest, ut earum nulla, alterum
certe non potest, ut plus una uera sit. Qua quidem in
causa et beniuolos obiurgatores placare et inuidos
uituperatores confutare possumus, ut alteros
reprehendisse paeniteat, alteri didicisse se gaudeant;
nam qui admonent amice, docendi sunt, qui inimice
insectantur, repellendi.
De fato, nenhuma coisa há sobre a qual não apenas os
ignorantes, mas também os doutos tanto discordem,
cujas opiniões como são tão variadas e tão
discordantes entre si, uma pode certamente ser
considerada, como nenhuma delas, outra certamente
não pode, para que uma só seja verdadeira. Na qual, na
verdade, sobre causa podemos tanto acalmar os
benévolos censuradores, quanto refutar os invejosos
críticos, de modo que repreender não satisfaça uns,
outros se regozijam de ter aprendido, pois os que
advertem amigavelmente devem ser instruídos, os que
atacam não amigavelmente, devem ser desprezados.
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[6] Multum autem fluxisse uideo de libris nostris, quos
compluris breui tempore edidimus, uariumque
sermonem partim admirantium, unde hoc
philosophandi nobis subito studium extitisset, partim,
quid quaque de re certi haberemus, scire cupientium;
multis etiam sensi mirabile uideri eam nobis
potissimum probatam esse philosophiam, quae lucem
eriperet et quasi noctem quandam rebus offunderet,
desertaeque disciplinae et iam pridem relictae
patrocinium necopinatum a nobis esse susceptum. Nos
autem nec subito coepimus philosophari nec
mediocrem a primo tempore aetatis in eo studio
operam curamque consumpsimus et, cum minime
uidebamur, tum maxime philosophabamur; quod et
orationes declarant refertae philosophorum sententiis
et doctissimorum hominum familiaritates, quibus
semper domus nostra floruit, et principes illi Diodotus,
Philo, Antiochus, Posidonius, a quibus instituti sumus.
Porém vejo que muita coisa tem decorrido de nossos
livros, muitos desses em um breve tempo editamos e,
em parte, de admirar um variado sermão, de onde
surgiu em nós subitamente este desejo de filosofar, em
parte, de desejar saber o que de certo tínhamos sobre
cada assunto; percebi também que para muitos parece
admirável ter sido examinada por nós, sobretudo,
aquela filosofia, que retirava a luz e espalhava
aparentemente certa noite sobre as coisas, e ter sido
sustentada por nós inesperadamente a defesa de uma
disciplina abandonada e há muito tempo desprezada.
Nós, porém, não começamos subitamente a filosofar,
nem, desde o primeiro momento da infância,
empregamos um medíocre trabalho e cuidado naquele
estudo e, quando pouco éramos vistos, então
demasiadamente filosofávamos; pois tanto os discursos
plenos com as sentenças dos filósofos quanto as
amizades dos homens doutíssimos declaram, com os
quais sempre floreceu a nossa casa, e estes foram os
primeiros pelos quais fomos instruídos: Diódoto, Filo,
Antíoco, Posidônio.
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[7] Et si omnia philosophiae praecepta referuntur ad
uitam, arbitramur nos et publicis et priuatis in rebus ea
praestitisse, quae ratio et doctrina praescripserit. Sin
autem quis requirit, quae causa nos inpulerit, ut haec
tam sero litteris mandaremus, nihil est, quod expedire
tam facile possimus. Nam cum otio langueremus et is
esset rei publicae status, ut eam unius consilio atque
cura gubernari necesse esset, primum ipsius rei
publicae causa philosophiam nostris hominibus
explicandam putaui magni existimans interesse ad
decus et ad laudem ciuitatis res tam grauis18 tamque
praeclaras Latinis etiam litteris contineri.
18 d: “res tam graues (...)”.
E se todos os ensinamentos da filosofia são obtidos
para a vida, nós consideramos tanto nas coisas públicas
quanto nas privadas serem preferíveis aqueles que a
razão e a doutrina prescreveram. Do contrário quem
busca que causa nos impeliu para que déssemos isto
tão tarde às letras, não há nada que não possamos
explicar tão facilmente. Quando, pois, nos
entorpecíamos no ócio e este fosse o estado da
República, de modo que era necessário que a
República fosse governada pela autoridade e pela
diligência de um só. Primeiramente considerei de
grande valor que a filosofia deveria ser explicada à
causa da própria República aos nossos homens,
julgando ser do interesse à honra e à glória da cidade,
coisa tão importante e tão grandiosa de ser conservada
também nas letras latinas.
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[8] Eoque me minus instituti mei paenitet, quod facile
sentio, quam multorum non modo discendi, sed etiam
scribendi studia commouerim. Complures enim
Graecis institutionibus eruditi ea, quae didicerant, cum
ciuibus suis communicare non poterant, quod illa, quae
a Graecis accepissent, Latine dici posse diffiderent;
quo in genere tantum profecisse uidemur, ut a Graecis
ne uerborum quidem copia uinceremur.
E até aqui não me satisfaz menos meu propósito,
porque facilmente percebo quanto em muitos eu tenha
despertado não só o desejo de aprender, mas também
de escrever. Muitos eruditos, pois, nas instituições
gregas não puderam comunicar aos seus cidadãos o
que tinham aprendido, porque não confiavam que
pudesse ser dito em Latim o que recebiam dos gregos;
em tal gênero parecemos ter progredido tanto que
certamente não perdemos a abundância das palavras
dos gregos.
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[9] Hortata etiam est, ut me ad haec conferrem, animi
aegritudo fortunae magna et graui commota iniuria;
cuius si maiorem aliquam leuationem reperire
potuissem, non ad hanc potissimum confugissem. Ea
uero ipsa nulla ratione melius frui potui, quam si me
non modo ad legendos libros, sed etiam ad totam
philosophiam pertractandam dedissem. Omnes autem
eius partes atque omnia membra tum facillume19
noscuntur, cum totae quaestiones scribendo
explicantur; est enim admirabilis quaedam continuatio
seriesque rerum, ut alia ex alia nexa et omnes inter se
aptae conligataeque uideantur.
19 g: “Tum facillime (...)”.
d: “Tum facillime (...)”.
Também me instigou, de modo que me trouxesse até
aqui, uma angústia da alma gerada por uma injúria
grande e grave da fortuna da qual se tivesse eu podido
encontrar algum consolo maior, não teria me refugiado
sobretudo na filosofia. Destas mesmas coisas,
verdadeiramente, por nenhuma razão, pude usufruir
melhor do que se me tivesse dado não só a ler livros,
mas também a ler com cuidado toda a filosofia. Todas
suas partes, porém, e todos os membros se conhecem
facilmente, quando todas as perguntas são explicadas
pelo escrever; há, pois, uma admirável continuação e
encadeamento das coisas, de maneira que um pareça
estar ligado a outro e todos pareçam estar juntos e
coligados entre si.
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[10] Qui autem requirunt, quid quaque de re ipsi
sentiamus, curiosius id faciunt, quam necesse est; non
enim tam auctoritatis20 in disputando quam rationis
momenta quaerenda sunt. Quin etiam obest plerumque
iis, qui discere uolunt, auctoritas eorum, qui se docere
profitentur; desinunt enim suum iudicium adhibere, id
habent ratum, quod ab eo, quem probant, iudicatum
uident. Nec uero probare soleo id, quod de Pythagoreis
accepimus, quos ferunt, si quid adfirmarent in
disputando, cum ex iis quaereretur, quare ita esset,
respondere solitos “ipse dixit”; ipse autem erat
Pythagoras: tantum opinio praeiudicata poterat, ut
etiam sine ratione ualeret auctoritas.
20 d: “tam auctores (...)”.
Os que, porém, procuram o que nós mesmos pensamos
sobre cada coisa, fazem isto com mais cuidado do que
é necessário, pois em discutir não se devem buscar
tanto as influências das autoridades, quanto as da
razão; como também, geralmente, a autoridade deles
não prejudica aqueles que desejam aprender, também
não aqueles que se propõem a ensinar; deixam, pois,
de aplicar seu julgamento. Têm isto fixado, pois veem
julgado por aquele que aprovam. Verdadeiramente não
estou habituado a examinar aquilo que recebemos dos
pitagóricos, admitem o que é de costume. Se
confirmassem no disputar, quando se exigisse deles,
porque é assim, responderiam o que é de costume “ele
mesmo disse”, ele mesmo, porém, seria Pitágoras.
Tanto tinha formada uma opinião que a autoridade
prevalecia mesmo sem razão.
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[11] Qui autem admirantur nos hanc potissimum
disciplinam secutos, his quattuor21 Academicis libris
satis responsum uidetur. Nec uero desertarum
relictarumque rerum patrocinium suscepimus; non
enim hominum interitu sententiae quoque occidunt,
sed lucem auctoris fortasse desiderant. Vt haec in
philosophia ratio contra omnia disserendi nullamque
rem aperte iudicandi profecta a Socrate, repetita ab
Arcesila, confirmata a Carneade usque ad nostram
uiguit aetatem; quam nunc prope modum orbam esse
in ipsa Graecia intellego. Quod non Academiae uitio,
sed tarditate hominum arbitror contigisse. Nam si
singulas disciplinas percipere magnum est, quanto
maius omnis; quod facere is necesse est, quibus
propositum est ueri reperiendi causa et contra omnes
philosophos et pro omnibus dicere.
21 d: “iis quattuor (...)”.
Porém aqueles que se admiram de nós que seguimos
de preferência esta disciplina, parece uma resposta
suficiente aos quatro livros Acadêmicos. Nem
assumimos verdadeiramente a defesa das coisas
abandonadas e do que está desamparado; não é porque
com a morte do homem padecem também os
pensamentos, mas provavelmente exigem a luz do
autor. Como na filosofia este método de discutir contra
toda e nenhuma coisa, de julgar abertamente,
proveniente de Sócrates, repetido por Arcesilau,
confirmado por Carneade, vigorou continuamente até
nosso tempo, que agora entendo que tinha sido quase
abandonado na própria Grécia, pois penso ter sido
atingido não pelo vício da Academia, mas pela
lentidão dos homens. Se compreender, pois, cada
disciplina é grandioso, bem mais todas; porque é
necessário para eles fazer, aos quais foi proposto, para
descobrir a causa da verdade, falar contra todos os
filósofos e a favor de todos.
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[12] Cuius rei tantae tamque difficilis facultatem
consecutum esse me non profiteor, secutum esse prae
me fero. Nec tamen fieri potest, ut, qui hac ratione
philosophentur, hi nihil habeant, quod sequantur.
Dictum est omnino de hac re alio loco diligentius, sed
quia nimis indociles quidam tardique sunt, admonendi
uidentur saepius. Non enim sumus i, quibus nihil
uerum esse uideatur, sed i, qui omnibus ueris falsa
quaedam adiuncta esse dicamus tanta similitudine, ut
in is nulla insit certa iudicandi et adsentiendi nota. Ex
quo exsistit et illud multa esse probabilia, quae,
quamquam non perciperentur, tamen, quia uisum
quendam haberent insignem et inlustrem, his sapientis
uita regeretur.
Dos quais não declaro ter alcançado a faculdade de
tantas e tão difíceis coisas, mostro em mim ter seguido.
Todavia pode acontecer que aqueles que filosofem
nesta matéria, eles não tenham nada o que seguir. Foi
completamente dito sobre este argumento mais
cuidadosamente em outro lugar, mas porque alguns
são excessivamente ignorantes e preguiçosos, parecem
que devem ser advertidos mais vezes. Não somos,
pois, aqueles para quem nada pareça ser verdadeiro,
mas aqueles que afirmam estarem ligadas algumas
coisas falsas a muitas verdadeiras com tanta
semelhança que nelas não há nenhuma marca segura
para julgar e comprovar. Disto surge também aquilo:
muitas coisas são prováveis, as quais não foram
percebidas, porque tivessem certo aspecto distinto e
claro, ainda que a vida do sábio fosse guiada por elas.
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[13] Sed iam, ut omni me inuidia liberem, ponam in
medio sententias philosophorum de natura deorum.
Quo quidem loco conuocandi omnes uidentur, qui,
quae sit earum uera, iudicent; tum demum mihi procax
Academia uidebitur, si aut consenserint omnes aut erit
inuentus aliquis, qui, quid uerum sit, inuenerit. Itaque
mihi libet exclamare ut in Synephebis:
“pro deum, popularium omnium, [omnium]
adulescentium
clamo, postulo, obsecro, oro, ploro atque inploro
fidem”
non leuissuma de re, ut queritur ille in ciuitate fieri
facinora capitalia:
“ab amico amante argentum accipere meretrix non
uult”,
Mas agora para que me libertasse de toda inveja,
ponho no centro as sentenças dos filósofos sobre a
natureza dos deuses. Neste lugar, certamente, parecem
dever se reunir todos que julgam qual seja a sua
verdade. Então, finalmente a Academia parecerá
impudente para mim, se ou todos consetirem ou se
tiver sido encontrado alguém que descobriu o que seja
verdadeiro. Assim me agrada exclamar como em
Sinefebos22:
“Diante do deus de todos os habitantes, de todos os
adolescentes, clamo, peço, rogo, falo, choro e imploro
a fides.”
Não de uma coisa insignificante como ele se lamenta
na cidade de fazer crimes capitais:
“a meretriz não quer receber dinheiro de seu amigo
amante”
22 Comédia de Menandro.
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[14] sed ut adsint, cognoscant, animaduertant, quid de
religione, pietate, sanctitate, caerimoniis, fide, iure
iurando, quid de templis, delubris sacrificiisque
sollemnibus, quid de ipsis auspiciis, quibus nos
praesumus, existimandum sit (haec enim omnia ad
hanc de dis inmortalibus quaestionem referenda sunt):
profecto eos ipsos, qui se aliquid certi habere
arbitrantur, addubitare coget doctissimorum hominum
de maxuma re tanta dissensio.
mas de modo que participem, conheçam, observem o
que deve ser verificado sobre a religião, sobre a pietas,
sobre a sanctitas, sobre as cerimônias, sobre a fides,
sobre a justiça através do juramento, o que deve ser
verificado sobre os templos, sobre os ídolos, sobre os
ritos e sacrifícios, o que deve ser verificado sobre os
próprios auspícios que nós presidimos (pois todas estas
coisas devem-se referir a esta questão sobre os deuses
imortais). Certamente tanta desavença dos homens
doutíssimos levará eles mesmos a duvidar de tão
grande coisa, os quais se julgam ter algo de certo.
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[15] Quod cum saepe alias, tum maxime animaduerti,
cum apud C. Cottam, familiarem meum, accurate sane
et diligenter de dis inmortalibus disputatumst23. Nam
cum feriis Latinis ad eum ipsius rogatu arcessituque
uenissem, offendi eum sedentem in exedra et cum C.
Velleio senatore disputantem, ad quem tum Epicurei
primas ex nostris hominibus deferebant. Aderat etiam
Q. Lucilius Balbus, qui tantos progressus habebat in
Stoicis, ut cum excellentibus in eo genere Graecis
compararetur. Tum, ut me Cotta uidit, “Peroportune”
inquit “uenis; oritur enim mihi magna de re altercatio
cum Velleio, cui pro tuo studio non est alienum te
interesse.”
23 g: “disputatum sit (...)”.
d: “disputatum est (...)”.
O que como já muitas vezes em outras ocasiões
observei principalmente, quando na casa de Cota, meu
amigo, foi discutido de fato cuidadosa e
diligentemente sobre os deuses imortais. Durante as
férias latinas, pois, quando fui até ele por seu próprio
pedido e chamado, encontrei-o sentado na exedra,
discutindo com o senador C. Veleio que então os
epicuristas declaravam como primeiro dos nossos
homens. Estava presente também Q. Lucílio Balbo,
que havia realizado tantos progressos nos estoicos que
era comparado com os excelentíssimos gregos naquele
gênero. Então quando Cota me viu “oportunamente” –
disse ele – “vens, surge, pois entre mim e Veleio uma
disputa sobre uma importante questão da qual, de
acordo com teu estudo, não é inapropriado que tu
participes”.
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[16] “Atqui mihi quoque uideor24” inquam “uenisse, ut
dicis, oportune. Tres enim trium disciplinarum
principes conuenistis. M. enim Piso si adesset, nullius
philosophiae - earum quidem, quae in honore sunt -
uacaret locus.”
Tum Cotta “Si” inquit “liber Antiochi nostri, qui ab eo
nuper ad hunc Balbum missus est, uera loquitur, nihil
est, quod Pisonem, familiarem tuum, desideres;
Antiocho enim Stoici cum Peripateticis re concinere
uidentur, uerbis discrepare; quo de libro, Balbe, uelim
scire, quid sentias.”
“Egone” inquit ille “miror Antiochum, hominem in
primis acutum, non uidisse interesse plurimum inter
Stoicos, qui honesta a commodis non nomine, sed
genere toto diiungerent, et Peripateticos, qui honesta
commiscerent cum commodis, ut ea inter se
magnitudine et quasi gradibus, non genere differrent.
Haec enim est non uerborum parua, sed rerum
permagna dissensio.
24 d: “Atque mihi quoque uideor (...)”.
“Na verdade me parece também” – digo – “ter vindo,
como dizes, oportunamente. Juntaste, pois, os três
principais homens das três disciplinas. Se, pois,
estivesse presente M. Piso de nenhuma filosofia
daquelas que, certamente, existem em prestígio estaria
vazio o lugar.”
Então Cota disse: “Se o livro de nosso Antíoco25, que
há pouco foi enviado por ele a este Balbo, fala a
verdade, não há nada o que requeiras de Piso, teu
amigo. Os estoicos, pois, com os peripatéticos parecem
concordar em pensamento com Antíoco, discordam em
palavras. Sobre tal livro, Balbo, desejo saber o que
pensas”.
Ele disse: “Eu me admiro de Antíoco, um homem
antes de tudo astuto,
não ter visto que haja muitas coisas entre os estóicos,
que diferenciassem as honestas das cômodas não pelo
nome, mas por todo gênero, e os peripatéticos, que
misturassem as honestas com as cômodas, de modo
que elas entre si diferissem em grandeza e quase em
graus, não em gênero. Esta, pois, não é uma pequena
desavença de palavras, mas uma grande de
pensamentos.
25 Filósofo acadêmico, mestre de Cícero e de Bruto.
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[17] Verum hoc alias; nunc quod coepimus, si
uidetur.”
“Mihi uero” inquit Cotta “uidetur. Sed ut hic, qui
interuenit,” me intuens “ne ignoret, quae res agatur, de
natura agebamus deorum, quae cum mihi uideretur
perobscura, ut semper uideri solet, Epicuri ex Velleio
sciscitabar sententiam. Quam ob rem” inquit “Vellei,
nisi molestum est, repete, quae coeperas.”
“Repetam uero, quamquam non mihi, sed tibi hic uenit
adiutor; ambo enim” inquit adridens “ab eodem
Philone nihil scire didicistis.”
Tum ego: “Quid didicerimus, Cotta uiderit, tu autem
nolo existimes me adiutorem huic uenisse, sed
auditorem, et quidem aecum, libero iudicio, nulla eius
modi adstrictum necessitate, ut mihi uelim, nolim sit
certa quaedam tuenda sententia.”
Verdadeiramente isto aliás que começamos, se
parece.”
Cota disse: “verdadeiramente me parece, mas para que
este que intervém”, olhando para mim, “não ignore de
qual pensamento se trata; tratávamos sobre a natureza
dos deuses, a qual embora para mim pareça obscura,
como sempre é de costume parecer, perguntava a
Veleio o pensamento de Epicuro. Disse: “Veleio, se
não é incômodo, repete o pesamento disso26, que
tinhas começado.”
“Repetirei com certeza, ainda que não tenha chegado
para mim, mas para ti este partidário, pois ambos” –
disse sorridente – “aprendestes daquele mesmo Fílon a
não saber nada.”
Então eu disse: “O que aprendemos, Cota verá, porém
não quero que tu me julgues ter vindo como partidário
dele, mas ouvinte, e certamente imparcial, de livre
pensamento, não ligado a nenhuma necessidade
daquele modo, de maneira que por mim, queira ou não
queira, deva ser observada alguma sentença segura.”
26 Quam ob rem.
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[18] Tum Velleius fidenter sane, ut solent isti, nihil
tam uerens, quam ne dubitare aliqua de re uideretur,
tamquam modo ex deorum concilio et ex Epicuri
intermundiis descendisset, “Audite” inquit “non futtilis
commenticiasque sententias, non opificem
aedificatoremque mundi Platonis de Timaeo deum, nec
anum fatidicam Stoicorum Pronoeam, quam Latine
licet Prouidentiam dicere, neque uero mundum ipsum
animo et sensibus praeditum, rutundum, ardentem,
uolubilem deum, portenta et miracula non disserentium
philosophorum, sed somniantium.
Então Veleio sabiamente com audácia como estão
habituados esses, tanto não temendo nada, quanto não
parecesse duvidar sobre coisa alguma, assim como há
pouco tivesse descido do concílio dos deuses e dos
intermundos de Epicuro, disse: “Ouvi não fúteis e
inventadas sentenças, nem o autor e edificador do
mundo, o deus do Timeu de Platão, nem a velha
profetisa, a Pronoiados estoicos, que em latim é
possível dizer Providência, nem certamente o próprio
mundo provido de alma e sentidos, redondo, ardente,
deus mutável, presságios e coisas maravilhosas de que
não discorrem os filósofos, mas sonham.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 39
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[19] Quibus enim oculis animi intueri potuit uester
Plato fabricam illam tanti operis, qua construi a deo
atque aedificari mundum facit; quae molitio, quae
ferramenta, qui uectes, quae machinae, qui ministri
tanti muneris fuerunt; quem ad modum autem oboedire
et parere uoluntati architecti aer, ignis, aqua, terra
potuerunt; unde uero ortae illae quinque formae, ex
quibus reliqua formantur, apte cadentes ad animum
afficiendum pariendosque sensus? Longum est ad
omnia, quae talia sunt, ut optata magis quam inuenta
uideantur;
Com que olhos da alma pôde, pois, vosso Platão
observar aquela construção de tantos trabalhos, através
da qual faz o mundo ser construído e edificado por um
deus. Qual esforço, quais instrumentos, quais
máquinas, quais foram os ajudantes de tantos
trabalhos? De que modo, porém, o ar, o fogo, a água, a
terra puderam obedecer e produzir a vontade do
artífice? De onde verdadeiramente são provenientes
aquelas cinco formas, de quais outras se formam, que
se aplicam convenientemente para mover a alma e
produzir o sentido? É demorado diante de tudo, que
haja tais coisas, de modo que pareçam mais escolhidas
do que encontradas.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 40
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[20] sed illa palmaris, quod, qui non modo natum
mundum introduxerit, sed etiam manu paene factum, is
eum dixerit fore sempiternum. Hunc censes primis, ut
dicitur, labris gustasse physiologiam, id est naturae
rationem, qui quicquam, quod ortum sit, putet
aeternum esse posse? Quae est enim coagmentatio non
dissolubilis, aut quid est, cuius principium aliquod sit,
nihil sit extremum? Pronoea uero si uestra est, Lucili,
eadem, requiro, quae paulo ante, ministros, machinas,
omnem totius operis dissignationem atque apparatum;
sin alia est, cur mortalem fecerit mundum, non, quem
ad modum Platonicus deus, sempiternum.
Mas o que há de mais prodigioso é que não só tenha
introduzido o mundo gerado, mas também quase
criado com a mão, ele tenha dito que o mundo27 há de
ser sempre. Pensas que este, como se diz, tenha
estudado superficialmente a fisiologia, isto é, a ciência
da natureza, como alguém julga poder ser eterno o que
tenha nascimento? Qual união não é, pois, separável,
ou há algo em que haja algum princípio, mas não tenha
fim? Se vossa Providência, certamente, é, Lucílio,
aquilo mesmo que busco um pouco antes: ajudantes,
máquinas, todo plano e preparação de toda obra; mas
se é outra, porque tenha feito o mundo mortal, não
eterno, como o deus de Platão.
27 Eum.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 41
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[21] Ab utroque autem sciscitor, cur mundi
aedificatores repente exstiterint, innumerabilia saecla
dormierint; non enim, si mundus nullus erat, saecla
non erant (saecla nunc dico non ea, quae dierum
noctiumque numero annuis cursibus conficiuntur; nam
fateor ea sine mundi conuersione effici non potuisse;
sed fuit quaedam ab infinito tempore aeternitas, quam
nulla circumscriptio temporum metiebatur, spatio
tamen qualis ea fuerit intellegi potest, quod ne in
cogitationem quidem cadit, ut fuerit tempus aliquod,
nullum cum tempus esset).
Porém pergunto a ambos os lados por que os
construtores do mundo tenham surgido de repente, por
que tenham dormido por inumeráveis séculos?
Seguramente não, se nenhum mundo existia, não
existiam os séculos (não digo neste momento aqueles
séculos que se realizam nos cursos anuais em número
de dias e noites; pois, confesso que os séculos28 não
tenham podido se realizar sem o movimento circular
do mundo, mas houve em um infinito momentâneo
certa eternidade, que nenhum período de tempo
mensurava. No espaço, porém, pode-se entender como
aquelas coisas tenham sido, pois não covém ao
pensamento certamente como algum tempo teria
existido, quando não existia nenhum tempo).
28 Ea.
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[22] isto igitur tam inmenso spatio, quaero, Balbe, cur
Pronoea uestra cessauerit. Laboremne fugiebat? At iste
nec attingit deum nec erat ullus, cum omnes naturae
numini diuino, caelum, ignes, terrae, maria, parerent.
Quid autem erat, quod concupisceret deus mundum
signis et luminibus tamquam aedilis ornare? Si, ut
[deus] ipse melius habitaret, antea uidelicet tempore
infinito in tenebris tamquam in gurgustio habitauerat.
Post autem: uarietatene eum delectari putamus, qua
caelum et terras exornatas uidemus? Quae ista potest
esse oblectatio deo? Quae si esset, non ea tam diu
carere potuisset.
Ali, pois, em tão grande espaço, pergunto, Balbo, por
que vossa Providência permaneceu inativo? Por acaso
fugia do trabalho? Mas isso não atinge um deus, nem
havia trabalho algum, quando toda natureza, o céu, os
fogos, as terras, os mares obedeciam à vontade divina.
Por que era, porém, que o deus desejava ornar o
mundo com signos29 e com luzes30 como um edil? Se
pois o deus mesmo habitasse melhor, até então,
certamente no tempo infinito, teria habitado nas trevas
como em uma caverna. Ora, depois, por que
consideramos que aquele se deleita com a variedade
com a qual vemos o céu e a terra ornada? Por que pode
haver esse deleite para um deus? Por que se houvesse,
não poderia se privar disto por tanto tempo.
29 Astros. 30 Estrelas.
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[23] An haec, ut fere dicitis, hominum causa a deo
constituta sunt? Sapientiumne? Propter paucos igitur
tanta est rerum facta molitio. An stultorum? At
primum causa non fuit, cur de inprobis bene mereretur;
deinde quid est adsecutus, cum omnes stulti sint sine
dubio miserrimi, maxime quod stulti sunt (miserius
enim stultitia quid possumus dicere), deinde quod ita
multa sunt incommoda in uita, ut ea sapientes
commodorum conpensatione leniant, stulti nec uitare
uenientia possint nec ferre praesentia. Qui uero
mundum ipsum animantem sapientemque esse
dixerunt, nullo modo uiderunt animi natura
intellegentis in quam figuram cadere posset. De quo
dicam equidem paulo post, nunc autem hactenus:
Ou estas coisas, como ordinariamente dizeis, foram
criadas pelo deus por causa dos homens? Por causa dos
sábios? Por causa de poucos, pois, foi feita tamanha
trama das coisas, ou por causa dos insensatos? Mas em
primeiro lugar não havia uma causa, para que bem
servisse os impudentes. Depois, o que se seguiu, já que
todos os tolos são sem dúvida extremamente
miseráveis, pois são tolos (mais miserável, então, do
que a loucura o que podemos dizer?). Em seguida, por
que há assim na vida muitos incômodos, pois os sábios
os acalmam através do equilíbrio das oportunidades.
Os tolos não podem evitar as coisas que vêm, nem
suportar as que estão presentes. Os que na verdade
disseram que o próprio mundo é sábio e animado, de
modo algum viram na natureza da alma inteligente em
qual aspecto pudesse finalizar. Sobre isto falarei
certamente um pouco depois, porém agora é o
bastante.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 44
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[24] Admirabor eorum tarditatem, qui animantem
inmortalem et eundem beatum rutundum esse uelint,
quod ea forma neget ullam esse pulchriorem Plato: At
mihi uel cylindri uel quadrati uel coni uel pyramidis
uidetur esse formosior. Quae uero uita tribuitur isti
rutundo deo? Nempe ut ea celeritate contorqueatur, cui
par nulla ne cogitari quidem possit; in qua non uideo,
ubinam mens constans et uita beata possit insistere.
Quodque in nostro corpore, si minima ex parte
significetur, molestum sit, cur hoc idem non habeatur
molestum in deo? Terra enim profecto, quoniam
mundi pars est, pars est etiam dei; atqui terrae
maxumas regiones31 inhabitabilis atque incultas
uidemus, quod pars earum adpulsu solis exarserit, pars
obriguerit niue pruinaque longinquo solis abscessu;
quae, si mundus est deus, quoniam mundi partes sunt,
dei membra partim ardentia partim refrigerata ducenda
sunt32.
31 d: “maximas regiones (...)”. 32 g: “dicenda sunt (...)”.
d: “dicenda sunt (...)”.
Admirarei a lentidão daqueles que querem que o ser
vivo seja imortal e a própria natureza seja arredondada,
porque Platão nega que alguma forma seja mais bela
do que aquela forma. Mas para mim parece ser mais
formosa ou a de cilindro, ou a de quadrado, ou a de
cone, ou a de pirâmide. Qual vida, na verdade, é
concedida a esse deus arredondado? Naturalmente pois
é contornada por aquela celeridade, da qual não se
pode certamente cogitar nada igual; em que não vejo
onde possa se apoiar uma mente constante e uma vida
feliz. Cada coisa é complexa no nosso corpo, caso seja
mostrada desde a mínima parte, por que isto também
não é considerado complexo no deus? Pois certamente
a terra, já que é parte do mundo, é também parte do
deus; contudo vemos abundantes regiões da terra
desabitadas e incultas, porque uma parte delas ardeu
pela ação do sol, outra parte endureceu com a neve e
com a geada por longíqua ausência de sol; as quais33,
se o mundo é um deus, já que são partes do mundo, os
membros do deus devem ser considerados em parte
ardente, em parte congelados.
33 Regiões.
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[25] Atque haec quidem uestra, Lucili; qualia uero*
est34, ab ultimo repetam superiorum. Thales enim
Milesius, qui primus de talibus rebus quaesiuit, aquam
dixit esse initium rerum, deum autem eam mentem,
quae ex aqua cuncta fingeret: si dei possunt esse sine
sensu; et mentem cur aquae adiunxit, si ipsa mens
constare potest uacans corpore? Anaximandri autem
opinio est natiuos esse deos longis interuallis orientis
occidentisque, eosque innumerabilis esse mundos. Sed
nos deum nisi sempiternum intellegere qui possumus?
34 g: “qualia uero alia sint (...)”.
d: “[Qualia uero sint](...)”.
E estas vossas palavras, Lucílio; quais são
verdadeiramente, repetirei desde a mais remota. Tales
de Mileto, pois, que primeiro questionou sobre tais
coisas, disse que a água era o início das coisas, porém
que deus era aquela mente, que a partir da água
formava todas as coisas. Se os deuses podem existir
sem sentido, por que juntou também a mente à água, se
a própria mente pode permanecer estando vazia de
corpo? A opinião de Anaxímandro é, porém, a de que
os deuses foram gerados de longos intervalos do
nascente e do poente e a de que aqueles mundos são
inumeráveis. Porém como podemos entender um deus
que não seja eterno?
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[26] Post Anaximenes aera deum statuit, eumque gigni
esseque inmensum et infinitum et semper in motu:
quasi aut aer sine ulla forma deus esse possit, cum
praesertim deum non modo aliqua, sed pulcherrima
specie deceat esse, aut non omne, quod ortum sit,
mortalitas consequatur. Inde Anaxagoras, qui accepit
ab Anaximene disciplinam, primus omnium rerum
discriptionem et modum mentis infinitae ui ac ratione
dissignari et confici uoluit. In quo non uidit neque
motum sensu iunctum et [in] continentem infinito
ullum esse posse35, neque sensum omnino, quo non
ipsa natura pulsa sentiret36. Deinde si mentem istam
quasi animal aliquod uoluit esse, erit aliquid interius,
ex quo illud animal nominetur; quid autem interius
mente: cingatur igitur corpore externo;
35 g: “in quo non uidit, neque motum sensui junctum et
continentem, infinito ullum esse posse (...)”.
d: “in quo non uidit motum sensui junctum et continentem in
infinito nullum esse posse.” 36 g: “neque sensum omnino, quo non ipsa natura pulsa sentiret.”
Depois Anaxímenes estabeleceu o deus ar, e que este
foi gerado, e que era imenso e infinito, e que sempre
estava em movimento. Como se ou o ar pudesse sem
nenhuma forma ser um deus, uma vez que na verdade
é conveniente que um deus seja não só de alguma
aparência, mas da mais bela, ou como se a mortalidade
não acompanhasse tudo o que foi gerado. Em seguida,
Anaxágoras, que recebeu o ensinamento de
Anaxímenes, primeiro quis que a distribuição de todas
as coisas e a medida fossem notadas e executadas pela
força e razão de uma mente infinita, nisto não viu nem
que pudesse haver movimento junto ao sentido e
naquele se mantendo o infinito, nem sentido
absolutamente, a que a própria natureza não se sentisse
impulsionada. Depois, já que quis que esta mente fosse
por assim dizer como um ser animado, seria algo mais
íntimo a partir de que aquele ser animado fosse
nomeado. O que, porém, mais íntimo do que a mente é
então envolvido pelo corpo externo.
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[27] quod quoniam non placet, aperta simplexque
mens nulla re adiuncta, quae sentire possit, fugere
intellegentiae nostrae uim et notionem uidetur.
Crotoniates autem Alcmaeo, qui soli et lunae
reliquisque sideribus animoque praeterea diuinitatem
dedit, non sensit sese mortalibus rebus inmortalitatem
dare. Nam Pythagoras, qui censuit animum esse per
naturam rerum omnem intentum et commeantem, ex
quo nostri animi carperentur, non uidit distractione
humanorum animorum discerpi et lacerari deum, et
cum miseri animi essent, quod plerisque contingeret,
tum dei partem esse miseram, quod fieri non potest.
O que, pois, não agrada, uma mente aberta e simples,
não unida a nada, que possa sentir, parece afastar-se da
força e do conhecimento de nossa inteligência.
Alcméon de Crotona, porém, que deu divindade ao sol
e à Lua e aos demais astros e também à alma, não
percebeu que ele dava imortalidade às coisas mortais.
Pitágoras, pois, que pensou que haja uma alma através
de toda natureza das coisas em aplicação e
movimento37, a partir da qual nossas almas seriam
colhidas, não viu na separação das almas humanas ser
dividido e repartido o deus, e quando as almas fossem
infelizes, o que atingiria uma grande parte; então seria
infeliz uma parte do deus, o que não pode acontecer.
37 intentum et commeantem.
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[28] Cur autem quicquam ignoraret animus hominis, si
esset deus? Quo modo porro deus iste, si nihil esset
nisi animus, aut infixus aut infusus esset in mundo?38
Tum Xenophanes, qui mente adiuncta omne praeterea,
quod esset infinitum, deum uoluit esse, de ipsa mente
item reprehendetur39 ut ceteri, de infinitate autem
uehementius, in qua nihil neque sentiens neque
coniunctum potest esse. Nam Parmenides quidem
commenticium quiddam: coronae similem efficit
(stefa/nhn appellat) continentem ardorum lucis
orbem, qui cingit caelum40, quem appellat deum; in
quo neque figuram diuinam neque sensum quisquam
suspicari potest. Multaque eiusdem monstra, quippe
qui bellum, qui discordiam, qui cupiditatem ceteraque
generis eiusdem ad deum reuocet, quae uel morbo uel
somno uel obliuione uel uetustate delentur; eademque
de sideribus, quae reprehensa in alio iam in hoc
omittantur.
38 g: “aut infixus aut infusus esset in mundo?”
d: “infixus infususque esset in mundo?” 39 g: “de ipsa mente ita reprehenditur (...)”.
d: “de ipsa mente item reprehenditur (...)”. 40 g: “continentem ardore lucis orbem, qui cingit caelum (...)”.
d: “continente ardore lucis orbem, qui cingat caelum (...)”.
Por que ignoraria, porém, alguma coisa a alma do
homem, se fosse um deus? De que modo depois esse
deus, se não fosse nada, a não ser alma, teria sido ora
fixado ora infundido no mundo? Então Xenófanes, que
pela mente unida, quis que, tudo além disso que fosse
infinito, fosse deus, sobre essa mente também seria
repreendido como os outros, sobre a imensidão,
porém, mais veementemente, na qual nada que não
sente e não se une pode existir. Por sua vez
Parmênides, certamente, demonstra algo imaginário
semelhante a uma coroa (chama de stefa/nhn41),
contendo uma órbita de luz de calor, que cinge o céu,
que chama de deus, no qual nem se pode contemplar
uma aparência divina nem algum sentido. E daquilo
muitas coisas extraordinárias como a guerra, como a
discórdia, como o desejo e outras coisas do mesmo
gênero atribui ao deus, as quais são destruídas ou pela
doença, ou pelo sono, ou pelo esquecimento, ou pela
velhice; e as mesmas coisas sobre os astros, as quais
refutadas no outro, agora neste ponto, são omitidas.
41 Círculo entorno da cabeça, coroa.
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[29] Empedocles autem multa alia peccans in deorum
opinione turpissume labitur. Quattuor enim naturas, ex
quibus omnia constare censet, diuinas esse uult; quas
et nasci et extingui perspicuum est et sensu omni
carere. Nec uero Protagoras, qui sese negat omnino de
deis habere, quod liqueat, sint, non sint qualesue sint,
quicquam uidetur de natura deorum suspicari. Quid
Democritus, qui tum imagines eorumque circumitus in
deorum numero refert, tum illam naturam, quae
imagines fundat ac mittat, tum sententiam
intellegentiamque nostram42, nonne in maximo errore
uersatur? Cum idem omnino, quia nihil semper suo
statu maneat, neget esse quicquam sempiternum,
nonne deum omnino ita tollit, ut nullam opinionem
eius reliquam faciat? Quid aer, quo Diogenes
Apolloniates utitur deo, quem sensum habere potest
aut quam formam dei?
42 g: “tum scientiam intelligentiamque nostram (...)”.
d: “tum scientiam intellegentiamque nostram (...)”.
Empédocles, porém, muitas outras coisas errando
sobre a opinião dos deuses, engana-se
vergonhosamente. Quer, pois, que haja quatro
naturezas divinas a partir das quais julga que todas as
coisas são compostas, as quais é claro terem nascido e
morrido e serem privadas de todo sentido. Na verdade
nem Protágoras, que se nega absolutamente a tratar
sobre os deuses, o que não seja claro: existam, não
existam ou quais sejam. Parece suspeitar de algo sobre
a natureza dos deuses. Por que Demócrito, que tanto
conta as imagens e os seus movimentos no número dos
deuses, quanto aquela natureza, que constrói e emite
imagens, como o julgamento e nossa inteligência, não
incorre em um grande erro? Quando o mesmo nega
absolutamente, já que nada permanece sempre em seu
estado, que haja algo eterno; não gera absolutamente
um deus tal, que faça nula a sua outra opinião? E o ar,
que Diógenes de Apolônia tem como deus, que sentido
ou que forma de deus pode ter?
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 50
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[30] Iam de Platonis inconstantia longum est dicere,
qui in Timaeo patrem huius mundi nominari neget
posse, in Legum autem libris, quid sit omnino deus,
anquiri oportere non censeat. Quod uero sine corpore
ullo deum uult esse (ut Graeci dicunt a)sw/maton), id,
quale esse possit, intellegi non potest: careat enim
sensu necesse est, careat etiam prudentia, careat
uoluptate; quae omnia una cum deorum notione
conprehendimus. Idem et in Timaeo dicit et in Legibus
et mundum deum esse et caelum et astra et terram et
animos et eos, quos maiorum institutis accepimus43.
Quae et per se sunt falsa perspicue et inter se
uehementer repugnantia.
43 g: “et eos, quos maiorum institutis accepimus (...)”.
b: “et eos quos maiorum institutis accepimus (...)”.
Já demorado é falar sobre a inconstância de Platão, que
no Timeu nega que se possa nomear o pai deste
mundo, porém nos livros das Leis não considera que
seja preciso se investigar o que absolutamente seja um
deus, porque, na verdade, quer que haja um deus sem
nenhum corpo (como dizem os gregos a)sw/maton44),
isso não se pode compreender, como possa ser, pois é
necessário que seja privado de sentido, também
privado de prudência, privado de vontade; tudo que
compreendemos juntamente com a noção de deuses. E
o mesmo diz tanto no Timeu quanto nas Leis que tanto
o mundo é um deus, quanto que o céu e os astros, e a
terra, e as almas, e aqueles que recebemos dos
ensinamentos dos antigos. Essas coisas45 tanto por si
são claramente falsas quanto veementemente
contraditórias entre si.
44 Sem corpo, incorpóreo. 45 Quae.
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[31] Atque etiam Xenophon paucioribus uerbis eadem
fere peccat; facit enim in his, quae a Socrate dicta
rettulit, Socratem disputantem formam dei quaeri non
oportere, eundemque et solem et animum deum dicere,
et modo unum, tum autem plures deos; quae sunt
isdem in erratis fere quibus ea, quae de Platone
dicimus46.
46 d: “quae de Platone diximus.”
E também Xenofonte com menos palavras erra quase
as mesmas coisas, pois faz com que nestas coisas, que
referiu como ditas por Sócrates, não convenha a
Sócrates, ao debater, que se busque uma forma de
deus, e faz ele mesmo dizer tanto o sol quanto a alma
como um deus, ora apenas um, ora, porém, muitos
deuses. Essas coisas estão quase nos mesmos erros que
aquelas que falamos de Platão.
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[32] Atque etiam Antisthenes in eo libro, qui physicus
inscribitur popularis, deos multos, naturalem unum
esse dicens tollit uim et naturam deorum. Nec multo
secus Speusippus Platonem auunculum subsequens et
uim quandam dicens, qua omnia regantur, eamque
animalem, euellere ex animis conatur cognitionem
deorum.
E também Antístenes naquele livro, que é intitulado
Físico47 popular, dizendo que muitos deuses são uma
força natural, frisa a força e a natureza dos deuses. Não
muito diferente Speusipo, seguindo seu tio materno
Platão, e dizendo que há uma força, a partir da qual se
governam todas as coisas, e que ela é animada, tenta
tirar das almas o conhecimento dos deuses.
47 Referente às ciências naturais.
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[33] Aristotelesque in tertio de philosophia libro multa
turbat a magistro suo Platone dissentiens; modo enim
menti tribuit omnem diuinitatem, modo mundum
ipsum deum dicit esse, modo alium quendam praeficit
mundo eique eas partis tribuit, ut replicatione quadam
mundi motum regat atque tueatur, tum caeli ardorem
deum dicit esse non intellegens caelum mundi esse
partem, quem alio loco ipse designarit deum48, quo
modo autem caeli diuinus ille sensus in celeritate tanta
conseruari potest? Vbi deinde illi tot dii, si numeramus
etiam caelum deum? Cum autem sine corpore idem
uult esse deum, omni illum sensu priuat, etiam
prudentia, quo porro modo mundus moueri carens
corpore49 aut quo modo semper se mouens esse quietus
et beatus potest?
48 d: “designauit deum.” 49 g: “Quo porro modo mundus moueri potest carens corpore
(...)”.
d: “Quo porro modo deus moueri carens corpore (...)”.
E Aristóteles no terceiro livro sobre a filosofia turva
muitas coisas, divergindo de seu mestre Platão, porque
ora atribui à mente toda divindade, ora afirma que o
próprio mundo é um deus, ora estabelece algum outro
deus ao mundo e a ele atribui aquelas partes para que
governe e observe o movimento do mundo em certa
rotação. Então afirma que deus é o ardor do céu, não
compreendendo que o céu é uma parte do mundo, que
ele próprio noutro lugar tinha designado como deus.
De que modo, porém, aquele sentimento divino do céu
pode ser conservado em tão grande velocidade? Em
seguida onde estão todos aqueles deuses, se contamos
também o céu como um deus? Como, porém, o mesmo
quer que um deus exista sem corpo, priva-o de todo
sentido, também da prudência. De que modo então o
mundo pode se mover, privado de corpo, ou de que
modo, sempre se movendo, pode ser imóvel e beato?
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 54
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[34] Nec uero eius condiscipulus Xenocrates in hoc
genere prudentior est, cuius in libris50, qui sunt de
natura deorum, nulla species diuina describitur; deos
enim octo esse dicit, quinque eos, qui in stellis uagis
nominantur, unum, qui ex omnibus sideribus, quae
infixa caelo sint51, ex dispersis quasi membris simplex
sit putandus deus, septimum solem adiungit
octauamque lunam; qui, quo sensu beati esse possint,
intellegi non potest. Ex eadem Platonis schola Ponticus
Heraclides puerilibus fabulis refersit libros, et tamen
modo mundum52, tum mentem diuinam esse putat,
errantibus etiam stellis diuinitatem tribuit sensuque
deum priuat et eius formam mutabilem esse uult,
eodemque in libro rursus terram et caelum refert in
deos.
50 g: “Xenocrates in hoc genere prudentior: in cuius libris (...)”.
d: “Xenocrates in hoc genere prudentior, cuius in libris (...)”. 51 g: “quae infixa caelo sunt (...)”.
d: “quae infixa caelo sunt (...)”. 52 g: “et tamen modo mundum (...)”.
d: “et modo mundum (...)”.
Nem, na verdade, o seu discípulo Xenócrates neste
gênero é mais prudente, em cujos livros, que são sobre
a natureza dos deuses, nenhum aspecto divino é
descrito; afirma, pois, que há oito deuses, aqueles
cinco que são nomeados de estrelas errantes, um único
que é nomeado a partir de todos os astros, que estão
fixos no céu. O deus simples deve ser considerado a
partir de membros quase dispersos, junta como sétimo
o sol e como oitavo a lua, que não se pode
compreender em que sentido possam ser beatos. Da
mesma escola de Platão, Heráclides de Pontos
reescreve livros com fábulas pueris e, contudo,
considera que o mundo é então uma mente divina,
atribui divindade também às estrelas errantes e priva o
deus de sentido, e quer que a sua forma seja mutável, e
naquele mesmo livro refere novamente entre os deuses
a terra e o céu.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 55
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[35] Nec uero Theophrasti inconstantia ferenda est;
modo enim menti diuinum tribuit principatum, modo
caelo, tum autem signis sideribusque caelestibus. Nec
audiendus eius auditor Strato, is, qui physicus
appellatur, qui omnem uim diuinam in natura sitam
esse censet, quae causas gignendi, augendi, minuendi
habeat, sed careat omni et sensu et figura.
Nem, na verdade, deve ser mostrada a inconstância de
Teofrasto, pois ora atribui a superioridade divina à
mente, ora ao céu; depois, porém, aos astros e às
estrelas celestes. Nem deve ser ouvido seu discípulo
Estrato, aquele que é chamado de físico, que julga que
toda força divina está situada na natureza, que tem as
causas do nascer, do crescer, do diminuir, mas está
privada tanto de todo sentido quanto de forma.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 56
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[36] Zeno autem, ut iam ad uestros, Balbe, ueniam,
naturalem legem diuinam esse censet, eamque uim
obtinere recta imperantem prohibentemque contraria.
Quam legem quo modo efficiat animantem intellegere
non possumus; deum autem animantem certe uolumus
esse, atque hic idem alio loco aethera deum dicit: si
intellegi potest nihil sentiens deus, qui numquam nobis
occurrit neque in precibus neque in optatis neque in
uotis. Aliis autem libris rationem quandam per
omnium naturam rerum53 pertinentem ui diuina esse
adfectam putat. Idem astris hoc idem tribuit, tum annis
mensibus annorumque mutationibus. Cum uero
Hesiodi Theogoniam, id est originem deorum,
interpretatur, tollit omnino usitatas perceptasque
cognitiones deorum; neque enim Iouem neque
Iunonem neque Vestam neque quemquam, qui ita
appelletur, in deorum habet numero, sed rebus
inanimis atque mutis per quandam significationem
haec docet tributa nomina.
53 g: “per omnem naturam rerum (...)”.
d: “per omnem naturam rerum (...)”.
Zenão, porém, para que eu chegue agora aos vossos,
Balbo, julga que a lei natural é divina, e que exerce
aquela força, comandando as coisas alinhadas e
afastando as contrárias. De que modo tal lei se faz
animada, não podemos entender; porém queremos
certamente que o deus seja animado. E este mesmo em
outro lugar afirma como deus o éter, como se um deus
que nada sente possa ser entendido, que nunca vem a
nós nem nas preces, nem nos desejos, nem nos votos.
Em outros livros, porém, considera que há certa razão
dotada de força divina que se estende através da
natureza de todas as coisas. O mesmo atribui aos astros
isto mesmo, depois aos anos, aos meses e às estações
do ano. Quando interpreta na verdade a Teogonia de
Hesíodo, isto é, a origem dos deuses, suprime
absolutamente os conhecimentos dos deuses usados e
compreendidos, pois não há no número dos deuses
Júpiter, nem Juno, nem Vesta, nem algo que assim seja
chamado, mas ensina estes nomes atribuídos por certo
significado às coisas inanimadas e mudas.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 57
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[37] Cuius discipuli Aristonis non minus magno in
errore sententiast, qui neque formam dei intellegi
posse censeat neque in dis sensum esse dicat
dubitetque omnino, deus animans necne sit. Cleanthes
autem, qui Zenonem audiuit una cum eo, quem
proxime nominaui, tum ipsum mundum deum dicit
esse, tum totius naturae menti atque animo tribuit hoc
nomen, tum ultimum et altissimum atque undique
circumfusum et extremum omnia cingentem atque
conplexum ardorem, qui aether nominetur,
certissimum deum iudicat; idemque quasi delirans in
his libris, quos scripsit contra uoluptatem, tum fingit
formam quandam et speciem deorum, tum diuinitatem
omnem tribuit astris, tum nihil ratione censet esse
diuinius. Ita fit, ut deus ille, quem mente noscimus
atque in animi notione tamquam in uestigio uolumus
reponere, nusquam prorsus appareat.
A sentença de seu discípulo Aristão não está menos em
grande erro, que tanto julga não poder ser entendida a
forma de um deus, quanto afirma não haver sentido
nos deuses, como duvida completamente de que não
haja um deus animado. Cleantes, porém, que ouviu
Zenão juntamente com aquele que anteriormente
nomeei, ora diz que o próprio mundo é um deus, ora
atribui este nome à mente e à alma de toda natureza,
ora julga como certíssimo um deus, mais afastado e
mais elevado, e espalhado por todos os lados e
extremo o ardor que rodeia54 e que cincunda todas as
coisas, que é nomeado éter; e o mesmo quase
delirando nestes livros que escreveu contra a vontade,
ora imagina certa forma e aspecto dos deuses, ora
atribui toda divindade aos astros, ora julga que nada é
mais divino do que a razão. Assim sucede que aquele
deus que conhecemos pela mente e queremos
reproduzir na noção de alma como por indício em
nenhuma parte se apresente totalmente.
54 Conplexum.
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[38] At Persaeus eiusdem Zenonis auditor eos esse
habitos deos, a quibus aliqua magna utilitas55 ad uitae
cultum esset inuenta, ipsasque res utiles et salutares
deorum esse uocabulis nuncupatas, ut ne hoc quidem
diceret illa inuenta esse deorum, sed ipsa diuina; quo
quid absurdius quam aut res sordidas atque deformis
deorum honore adficere aut homines iam morte deletos
reponere in deos, quorum omnis cultus esset futurus in
luctu.
55 g: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos
deos, a quibus magna utilitas (...)”.
d: “At Persaeus, eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos
deos, a quibus magna utilitas (...)”.
Mas Perseu, discípulo do mesmo Zenão, quer que
estes deuses sejam corpulentos, pelos quais tivesse
sido descoberta alguma grande utilidade para o culto
da vida, e as próprias coisas úteis e salutares que foram
chamadas com nomes de deuses, de modo que nem
mesmo dizia isto: aquelas coisas são invenções dos
deuses, mas elas próprias divinas; o que é mais
absurdo do que pôr em honra de deuses as coisas sujas
e disformes ou pôr entre os deuses os homens já
destruídos pela morte, dos quais todo culto tivesse de
existir na dor.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 59
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[39] Iam uero Chrysippus, qui Stoicorum somniorum
uaferrumus habetur interpres, magnam turbam
congregat ignotorum deorum, atque ita ignotorum, ut
eos ne coniectura quidem informare possimus, cum
mens nostra quiduis uideatur cogitatione posse
depingere. Ait enim uim diuinam in ratione esse
positam et in uniuersae naturae animo atque mente,
ipsumque mundum deum dicit esse et eius animi
fusionem uniuersam, tum eius ipsius principatum, qui
in mente et ratione uersetur, communemque rerum
naturam uniuersam atque omnia continentem, tum
fatalem +umbram et necessitatem rerum futurarum56,
ignem praeterea et eum, quem ante dixi, aethera, tum
ea, quae natura fluerent atque manarent, ut et aquam et
terram et aera, solem, lunam, sidera uniuersitatemque
rerum, qua omnia continerentur, atque etiam homines
eos, qui inmortalitatem essent consecuti.
56 g: “tum fatalem uim et necessitatem rerum futurarum (...)”.
d: “tum fatalem uim et necessitatem rerum futurarum (...)”.
Já certamente Crisipo, que é tido como intérprete mais
astuto dos sonhos dos estoicos, reúne uma grande
desordem de deuses desconhecidos, e tão
desconhecidos que certamente não podemos informá-
los por conjectura, ainda que a nossa mente pareça
poder pintar qualquer coisa por cogitação. Diz, pois,
que uma força divina foi posta na razão, e na alma de
toda natureza, e na mente, e afirma que deus é o
próprio mundo e toda difusão daquela alma; ou o seu
próprio princípio, que reside na mente e na razão, e
toda natureza comum das coisas e que abrange tudo,
ou a sombra do destino e a necessidade das coisas
futuras, além disso aquele fogo que antes chamei de
éter, ou aquelas coisas que fluíam e se espalhavam
pela natureza, como a água, e a terra, e o ar, o sol, a
lua, as estrelas e a totalidade das coisas na qual tudo
estava contido, e também aqueles homens que tinham
conseguido a imortalidade.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 60
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[40] Idemque disputat aethera esse eum, quem
homines Iouem appellarent, quique aer per maria
manaret, eum esse Neptunum, terramque eam esse,
quae Ceres diceretur, similique ratione persequitur
uocabula reliquorum deorum. Idemque etiam legis
perpetuae et aeternae uim, quae quasi dux uitae et
magistra officiorum sit, Iouem dicit esse, eandemque
fatalem necessinatem appellat sempiternam rerum
futurarum ueritatem; quorum nihil tale est, ut in eo uis
diuina inesse uideatur.
E o mesmo discute que o éter é aquele que os homens
chamavam de Júpiter, e o ar que provinha através dos
mares, aquele é Netuno, e a terra é aquela que era
chamada de Ceres, e na mesma lógia segue as
designações dos demais deuses. E o mesmo também
afirma que Júpiter é a força da lei durável e eterna, a
qual é como a condutora da vida e a mestra dos
deveres, e chama aquela necessidade funesta de eterna
verdade das coisas futuras; nada disso é tal que nele
pareça haver uma força divina.
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[41] Et haec quidem in primo libro de natura deorum;
in secundo autem uolt Orphei, Musaei, Hesiodi
Homerique fabellas57 accommodare ad ea, quae ipse
primo libro de deis inmortalibus dixerit58, ut etiam
ueterrimi poetae, qui haec ne suspicati quidem sint,
Stoici fuisse uideantur. Quem Diogenes Babylonius
consequens in eo libro, qui inscribitur de Minerua,
partum Iouis ortumque uirginis ad physiologiam
traducens deiungit a fabula.
57 g: “in secundo autem uolt Orphei, Musaei, Hesiodi, Homerique
fabellas (...)”.
d: “in secundo autem uult Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique
fabellas (...)”. 58 g: “de dis inmortalibus dixerit (...)”.
d: “de deis immortalibus dixerat (...)”.
E estas coisas certamente estão no primeiro livro sobre
a natureza dos deuses; no segundo, porém, quer
adaptar as fábulas de Orfeu, das Musas, de Hesíodo e
de Homero àquilo que disse ele mesmo no primeiro
livro sobre os deuses imortais, pois também os mais
velhos poetas, que ainda nem tinham suspeitado disto,
pareciam ser estoicos. Seguindo ele, Diógenes da
Babilônia, naquele livro em que se trata sobre
Minerva, expondo o parto de Júpiter e o nascimento da
virgem, separou da fábula a fisiologia.
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[42] Exposui fere non philosophorum iudicia, sed
delirantium somnia. Nec enim multo absurdiora sunt
ea, quae poetarum uocibus fusa ipsa suauitate
nocuerunt, qui et ira inflammatos et libidine furentis
induxerunt deos feceruntque, ut eorum bella, proelia,
pugnas, uulnera uideremus, odia, praeterea discidia,
discordias, ortus, interitus, querellas, lamentationes,
effusas in omni intemperantia libidines, adulteria,
uincula, cum humano genere concubitus mortalisque
ex inmortali procreatos.
Expus praticamente não juízos de filósofos, mas
sonhos de delirantes. Não são muito mais absurdas,
pois, aquelas coisas que difundidas pelas vozes de
poetas com a suavidade própria prejudicaram, os que
tanto inflamados pela ira quanto delirantes de desejo
introduziram os deuses e fizeram com que víssemos
suas guerras, combates, lutas, feridas, ódios, além
disso os divórcios, discórdias, nascimentos, ruínas,
queixas, lamentações, espalhadas em toda inteperança,
desejos, adultérios, laços, relações com o gênero
humano e mortais gerados de imortais.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 63
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[43] Cum poetarum autem errore coniungere licet
portenta magorum Aegyptiorumque in eodem genere
dementiam, tum etiam uulgi opiniones, quae in
maxima inconstantia, ueritatis ignoratione uersantur.
Ea qui consideret, quam inconsulte ac temere dicantur,
uenerari Epicurum et in eorum ipsorum numero, de
quibus haec quaestio est, habere debeat. Solus enim
uidit primum esse deos, quod in omnium animis eorum
notionem inpressisset ipsa natura. Quae est enim gens
aut quod genus hominum, quod non habeat sine
doctrina anticipationem quandam deorum, quam
appellat pro/lhyin Epicurus, id est anteceptam animo
rei quandam informationem, sine qua nec intellegi
quicquam nec quaeri nec disputari potest. Quoius
rationis uim atque utilitatem ex illo caelesti Epicuri de
regula et iudicio uolumine accepimus.
Com o erro dos poetas, porém, é possível unir as
histórias fictícias dos magos e a demência dos egípcios
no mesmo gênero, assim também as opiniões do vulgo,
que na maior inconstância vivem na ignorância da
verdade. Nela considera, que sejam ditas coisas tão
levianas e sem ponderação, venerar Epicuro e deva tê-
lo no número deles mesmos59, sobre os quais é esta
discussão. O único que viu, pois, primeiramete que os
deuses existem, pois a própria natureza imprimira a
noção deles nas almas de todos. Qual é, pois, a espécie
ou qual a raça dos homens, que não tenha sem
ensinamento algum pressentimento dos deuses, o qual
Epicuro chama de pro/lhyin60, que é certa
informação antecipada das coisas na alma, sem a qual
nem se pode entender coisa alguma nem buscar nem
discutir. A força e a utilidade desta razão percebemos a
partir daquele escrito do divino Epicuro sobre a regra e
o juízo.
59 Deuses. 60 Prolepse, ação de tomar antes, noção adquirida pelos sentidos.
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[44] Quod igitur fundamentum huius quaestionis est,
id praeclare iactum uidetis. Cum enim non instituto
aliquo aut more aut lege sit opinio constituta
maneatque ad unum omnium firma consensio, intellegi
necesse est esse deos, quoniam insitas eorum uel
potius innatas cognitiones habemus; de quo autem
omnium natura consentit, id uerum esse necesse est61;
esse igitur deos confitendum est. Quod quoniam fere
constat inter omnis non philosophos solum, sed etiam
indoctos, fatemur constare illud etiam, hanc nos habere
siue anticipationem, ut ante dixi, siue praenotionem
deorum (sunt enim rebus nouis noua ponenda nomina,
ut Epicurus ipse pro/lhyin appellauit, quam antea
nemo eo uerbo nominarat) .
61 g: “id uerum esse necesse est.”
O que, pois, é o fundamento desta questão, isto
claramente dito, vedes. Ainda que não tenha sido, pois,
estabelecida uma opinião por qualquer assunto ou
modo ou lei e permaneça um firme acordo de todos
para um, é necessário se compreender que os deuses
existem, porque temos conhecimentos recebidos deles
ou antes inatos; sobre isto, porém, consente a natureza
de tudo, isto é necessário que seja verdadeiro; deve ser
declarado, pois, que os deuses existem. O que, pois,
consta geralmente entre todos não só filósofos, mas
também indoutos; reconhecemos também que aquilo
consta; nós temos isto: ou o conhecimento antecipado,
como disse antes, ou a noção prévia dos deuses (pois
em coisas novas devem ser postos novos nomes, como
o próprio Epicuro denominou pro/lhyin, que antes
disso ninguém designara com esta palavra.).
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[45] hanc igitur habemus, ut deos beatos et inmortales
putemus. Quae enim nobis natura informationem
ipsorum deorum dedit, eadem insculpsit in mentibus,
ut eos aeternos et beatos haberemus. Quod si ita est,
uere exposita illa sententia est ab Epicuro, quod
beatum aeternumque sit, id nec habere ipsum negotii
quicquam nec exhibere alteri, itaque neque ira neque
gratia teneri, quod, quae talia essent, inbecilla essent
omnia. Si nihil aliud quaereremus, nisi ut deos pie
coleremus et ut superstitione liberaremur, satis erat
dictum; nam et praestans deorum natura hominum
pietate coleretur, cum et aeterna esset et beatissima
(habet enim uenerationem iustam, quicquid excellit), et
metus omnis a ui atque ira deorum pulsus esset;
intellegitur enim a beata inmortalique natura et iram et
gratiam segregari; quibus remotis nullos a superis
inpendere metus. Sed ad hanc confirmandam
opinionem anquirit animus et formam et uitam et
actionem mentis atque agitationem in deo62.
62 g: “animus et formam, et uitam, et actionem mentis atque
agitationem in deo.”
d: “animus et formam et uitae actionem mentisque agitationem in
deo.”
Temos, pois, esta noção prévia, de modo que
consideramos os deuses beatos e imortais. A mesma
natureza, pois, que nos concedeu a informação dos
próprios deuses gravou nas mentes a fim de que os
considerássemos eternos e beatos. O que se é assim,
verdadeiramente, foi exposta por Epicuro aquela
sentença, porque é beato e eterno. Isto não tem o
próprio deus: algo de preocupação nem demonstra para
outro, e assim nem é possuído por ira, nem por
bondade, porque são fracas todas as coisas, que são
assim. Se nenhuma outra coisa buscávamos, a menos
que cultivássemos piamente os deuses e que fôssemos
libertados das superstições, fora dito suficientemente,
pois tanto a natureza superior dos deuses era buscada
pela pietas dos homens, como tanto eterna quanto
muito beata fosse (pois tem justa veneração, qualquer
coisa que é notável) e todo medo tivesse sido
impulsionado pela força e pela ira dos deuses;
compreende-se, pois, que tanto a ira quanto a bondade
estão afastadas da natureza beata e imortal; com elas63
afastadas, o medo não dedica nada aos deuses. Mas
para confirmar esta opinião, o ânimo examinou tanto a
forma, quanto a vida, como a ação da mente e a
agitação no deus.
63 Quibus.
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[46] Ac de forma quidem partim natura nos admonet,
partim ratio docet. Nam a natura habemus omnes
omnium gentium speciem nullam aliam nisi humanam
deorum; quae enim forma alia occurrit umquam aut
uigilanti cuiquam aut dormienti? Sed ne omnia
reuocentur ad primas notiones, ratio hoc idem ipsa
declarat.
E sobre a forma, certamente, parte a natureza nos faz
lembrar; parte a razão ensina. Pois da natureza dos
deuses não temos todos de todas as raças nenhuma
outra aparência a não a humana; que outra forma, pois,
ocorre em algum momento ou a alguém atento ou
desatento? Mas não são reconduzidas todas as coisas
às primeiras noções, a própria razão demonstra isto
mesmo.
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[47] Nam cum praestantissumam naturam, uel quia
beata est uel quia sempiterna, conuenire uideatur
eandem esse pulcherrimam, quae conpositio
membrorum, quae conformatio liniamentorum, quae
figura, quae species humana potest esse pulchrior? Vos
quidem, Lucili, soletis (nam Cotta meus modo hoc,
modo illud), cum artificium effingitis fabricamque
diuinam, quam sint omnia in hominis figura non modo
ad usum, uerum etiam ad uenustatem apta, describere;
Pois como parece convir que a mesma natureza
eminente é belíssima, ou porque é beata ou porque é
eterna: que reunião de membros, que disposição de
linhas, que figura, que aspecto pode ser mais belo do
que o humano? Vós certamente, Lucílio, costumais
descrever (meu amigo Cota, pois, descreve ora isto,
ora aquilo), quando reproduzis a arte e a construção
divina, o quanto todas as coisas estejam adaptadas na
forma de homem, não só ao uso, mas também à
harmonia;
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[48] quod si omnium animantium formam uincit
hominis figura, deus autem animans est, ea figura
profecto est, quae pulcherrimast omnium64.
Quoniamque deos beatissimos esse constat, beatus
autem esse sine uirtute nemo potest nec uirtus sine
ratione constare nec ratio usquam inesse nisi in
hominis figura, hominis esse specie deos confitendum
est.
64 g: “quae pulcherrima sit omnium (...)”.
d: “quae pulcherrima sit omnium (...)”.
pois se a forma dos homens supera a aspecto de todos
os seres vivos, um deus, porém, é animado, certamente
aquele é o aspecto que é o mais belo de todos. E
porque consta que os deuses são beatíssimos, porém
ninguém pode ser beatus sem virtude, nem a virtude
pode constar sem razão, nem a razão em nenhum lugar
pode estar a não ser no aspecto humano, deve-se
admitir que os deuses têm o aspecto de homem.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 69
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[49] Nec tamen ea species corpus est, sed quasi corpus,
nec habet sanguinem, sed quasi sanguinem. Haec
quamquam et inuenta sunt acutius et dicta subtilius ab
Epicuro, quam ut quiuis ea possit agnoscere, tamen
fretus intellegentia uestra dissero breuius, quam causa
desiderat. Epicurus autem, qui res occultas et penitus
abditas non modo uideat animo65, sed etiam sic tractet
ut manu, docet eam esse uim et naturam deorum, ut
primum non sensu, sed mente cernatur, nec soliditate
quadam nec ad numerum66, ut ea, quae ille propter
firmitatem stere/mnia appellat, sed imaginibus
similitudine et transitione perceptis, cum infinita
simillumarum imaginum species67 ex innumerabilibus
indiuiduis existat et ad deos adfluat68, cum maximis
uoluptatibus in eas imagines mentem intentam
infixamque nostram intellegentiam capere, quae sit et
beata natura et aeterna.
65 g: “non modo uiderat animo (...)”.
d: “non modo uiderit animo (...)”. 66 d: “Nec sit ad numerum (...)”. 67 d: “imaginum [series] (...)”. 68 d: “et ad nos adfluat (...)”.
Porém aquele aspecto não é um corpo, mas um quase-
corpo, nem tem sangue, mas um quase-sangue. Estas
coisas já que tanto foram descobertas mais
aguçadamente quanto ditas mais sutilmente por
Epicuro do que qualquer um possa conhecê-las, porém
a mudança em vossa inteligência discuto mais
brevemente do que a causa necessite. Epicuro, porém,
que não só vê com a alma as coisas ocultas e
profundamente desconhecidas, mas também toca assim
como com a mão, ensina que aquela é a força e a
natureza dos deuses, que primeiramente não se percebe
pelo sentido, mas pela mente, nem por alguma solidez
nem em número, como aquilo que ele em vista da
firmeza chama de stere/mnia69, mas percebeis nas
imagens com semelhança e em transição que - quando
um infinito aspecto de imagens semelhantes a partir de
inumeráveis indivíduos exista e chegue até os deuses
com a máxima satisfação naquelas imagens - captam a
atenta mente aplicada e a nossa inteligência, que é
tanto uma natureza beata quanto eterna.
69 Sólidos, corpos sólidos.
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[50] Summa uero uis infinitatis et magna ac diligenti
contemplatione dignissima est. In qua intellegi necesse
est eam esse naturam, ut omnia omnibus paribus paria
respondeant; hanc i)sonomi/an appellat Epicurus, id
est aequabilem tributionem. Ex hac igitur illud
efficitur, si mortalium tanta multitudo sit, esse
inmortalium non minorem, et si, quae interimant,
innumerabilia sint, etiam ea, quae conseruent infinita
esse debere. Et quaerere a nobis, Balbe, soletis, quae
uita deorum sit quaeque ab is degatur aetas.
A suma força do infinito na verdade é grande e
digníssima e de contemplação diligente, na qual é
necessário se compreender que ela é a natureza, de
modo que todas as coisas produzem seus semelhantes;
a esta Epicuro chama de i)sonomi/an70, isto é, a
distribuição uniforme. A partir dela, pois, aquilo se
estabelece: caso haja grande número de mortais, não
há um menor número de imortais, e se são inumeráveis
aquelas coisas que destroem, também aquelas, que
conservam, devem ser infinitas. E costumais buscar de
nós, Balbo, qual é a vida dos deuses e qual tempo é
vivido por eles.
70 Isonomia, igual repartição.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 71
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[51] Ea uidelicet, qua nihil beatius, nihil omnibus
bonis affluentius cogitari potest. Nihil enim agit, nullis
occupationibus est inplicatus, nulla opera molitur, sua
sapientia et uirtute gaudet, habet exploratum fore se
semper cum in maximis tum in aeternis uoluptatibus.
Certamente nada é mais beato do que ela, nada pode se
cogitar de mais abundante do que todos os bens. O
deus, pois, não age, em nenhuma ocupação foi
envolvido, não realiza nenhum trabalho, alegra-se por
sua sabedoria e virtude, tem assegurado que ele há de
existir sempre não só no maior mas também no eterno
prazer.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 72
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[52] Hunc deum rite beatum dixerimus, uestrum uero
laboriosissimum. Siue enim ipse mundus deus est, quid
potest esse minus quietum, quam nullo puncto
temporis intermisso uersari circum axem caeli
admirabili celeritate: nisi quietum autem, nihil beatum
est; siue in ipso mundo deus inest aliquis, qui regat,
qui gubernet, qui cursus astrorum, mutationes
temporum, rerum uicissitudines ordinesque conseruet,
terras et maria contemplans hominum commoda
uitasque tueatur, ne ille est inplicatus molestis negotiis
et operosis.
Este deus, segundo os ritos, diremos beato; o vosso na
verdade diremos muito ocupado. Ou, pois, o próprio
mundo é um deus, o que pode haver de menos
sossegado do que girar em torno do eixo do céu com
admirável rapidez, sem nenhum só instante
interrompido, se não é quieto, porém, em nada é beato;
ou no próprio mundo há algum deus que rege, que
governa, que conserva o curso dos astros, as estações,
as alterações e ordens das coisas, contemplando terras
e mares, olha as vantagens e as vidas dos homens, ele
não foi envolvido em negócios incômodos e
laboriosos.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 73
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[53] Nos autem beatam uitam in animi securitate et in
omnium uacatione munerum ponimus. Docuit enim
nos idem, qui cetera, natura effectum esse mundum,
nihil opus fuisse fabrica, tamque eam rem esse
facilem, quam uos effici negetis sine diuina posse
sollertia, ut innumerabiles natura mundos effectura sit,
efficiat, effecerit. Quod quia, quem ad modum natura
efficere sine aliqua mente possit, non uidetis, ut tragici
poetae cum explicare argumenti exitum non potestis,
confugitis ad deum.
Nós, porém, pomos a vida beata na tranquilidade da
alma e na isenção de todas as ocupações. O mesmo,
pois, que nos ensinou outras coisas, ensinou que o
mundo tem sido feito pela natureza, nenhuma obra
tenha existido por fabricação e que é tão fácil aquilo,
que vós negais que possa ser realizada sem uma divina
habilidade, de modo que a natureza possa fazer
mundos inumeráveis, faça, tenha feito. O que, pois, do
mesmo modo que a natureza possa fazer sem alguma
mente, não vedes, como os poetas trágicos, quando não
podeis explicar o resultado do argumento, recorreis a
um deus.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 74
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[54] Cuius operam profecto non desideraretis, si
inmensam et interminatam in omnis partis
magnitudinem regionum uideretis, in quam se iniciens
animus et intendens ita late longeque peregrinatur71, ut
nullam tamen oram ultimi uideat, in qua possit
insistere. In hac igitur inmensitate latitudinum,
longitudinum, altitudinum infinita uis innumerabilium
uolitat atomorum, quae interiecto inani cohaerescunt
tamen inter se et aliae alias adprehendentes
continuantur; ex quo efficiuntur eae rerum formae et
figurae, quas uos effici posse sine follibus et incudibus
non putatis. Itaque inposuistis in ceruicibus nostris
sempiternum dominum, quem dies et noctes
timeremus. Quis enim non timeat omnia prouidentem
et cogitantem et animaduertentem et omnia ad se
pertinere putantem curiosum et plenum negotii deum?
71 d: “longeque peregrinatus (...)”.
Um trabalho que certamente não desejarias, se
observásseis a imensa e sem fim grandeza das regiões
em todas as partes, na qual a alma, iniciando-se e se
projetando, assim por largo e longo espaço viaja, de
modo que, porém, não veja nenhuma borda de
extremidade, na qual possa se firmar. Nesta imensidão,
portanto, de larguras, de comprimentos, de alturas,
corre uma infinita força de inumeráveis átomos, que
com meio vazio se unem, porém, entre si, e
prendendo-se uns aos outros, juntam-se; a partir disso
se produzem aquelas formas das coisas e figuras, que
vós não julgais poderem ser feitas sem foles e sem
bigornas. E assim impusestes nas nossas cabeças um
senhor eterno, que temíamos durante dias e noites.
Quem, pois, não teme um deus cuidadoso e cheio de
ocupações que provê tudo, e que pensa, e que observa,
e que julga que tudo se refere a ele?
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 75
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[55] Hinc uobis extitit primum illa fatalis necessitas,
quam ei(marme/nhn dicitis, ut, quicquid accidat, id ex
aeterna ueritate causarumque continuatione fluxisse
dicatis. Quanti autem haec philosophia aestimandast,
cui tamquam aniculis, et his quidem indoctis, fato fieri
uideantur omnia. Sequitur mantikh\ uestra, quae
Latine diuinatio dicitur, qua tanta inbueremur
superstitione, si uos audire uellemus, ut haruspices,
augures, harioli, uates, coniectores nobis essent
colendi.
Daqui se mostrou a vós primeiramente aquela profética
necessidade que chamais ei(marme/nhn72, como dizeis
isso, que cai, decorrer da verdade eterna e da sequência
das causas. Quanto, porém, deve ser estimada aquela
filosofia, para a qual todas as coisas parecem ser feitas
pelo destino assim como para as velhinhas e,
certamente, para estes ignorantes. Segue-se a vossa
mantikh\73, que em latim se chama arte de adivinhar,
pela qual somos impregnados com tanta superstição; se
vos queremos ouvir, que por nós devam ser venerados
os arúspices, os áugures, os adivinhos, os oráculos, os
intérpretes.
72 Fixado pelo destino. 73 Adivinhação.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 76
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[56] His terroribus ab Epicuro soluti et in libertatem
uindicati nec metuimus eos, quos intellegimus nec sibi
fingere ullam molestiam nec alteri quaerere, et pie
sancteque colimus naturam excellentem atque
praestantem. Sed elatus studio uereor, ne longior
fuerim. Erat autem difficile rem tantam tamque
praeclaram inchoatam relinquere; quamquam non tam
dicendi ratio mihi habenda fuit quam audiendi.”
Afastados destes temores por Epicuro e recuperados de
liberdade, não tememos aqueles que compreendemos;
nem criaram para si alguma inquietação, nem
buscaram outra coisa, e pia e santamente veneramos a
excelente e notável natureza. Mas levado pelo
trabalho, temo que não tenha sido muito extenso.
Seria, porém, difícil deixar tanta e tão importante coisa
começada; embora não devesse haver para mim tanto o
interesse em dizer quanto em ouvir.”
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 77
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[57] Tum Cotta comiter, ut solebat, “Atqui,” inquit
“Vellei, nisi tu aliquid dixisses, nihil sane ex me
quidem audire potuisses. Mihi enim non tam facile in
mentem uenire solet, quare uerum sit aliquid, quam
quare falsum; idque cum saepe, tum, cum te audirem
paulo ante, contigit. Roges me, qualem naturam
deorum esse, dicam: nihil fortasse respondeam;
quaeras, putemne talem esse, qualis modo a te sit
exposita: nihil dicam mihi uideri minus. Sed ante quam
adgrediar ad ea, quae a te disputata sunt, de te ipso
dicam, quid sentiam.
Então Cota magnificamente, como estava habituado,
disse: “Porém, Veleio, se tu não tivesses dito algo
sabiamente, nada de modo são poderias certamente
ouvir de mim. A mim, pois, não costuma chegar à
mente facilmente tanto por qual razão algo seja
verdadeiro do que por qual razão seja falso; e isso
então como sempre aconteceu, quando te ouvia um
pouco antes. Me pedes que diga qual seja a natureza
dos deuses. Talvez não responda nada. Queres que eu
julgue que seja tal qual recentemente foi exposta por ti.
Digo que nada me parece suficiente. Mas antes que
fale sobre aquelas coisas que foram discutidas por ti,
digo o que penso sobre tu mesmo.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 78
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[58] Saepe enim de L. Crasso, illo familiari tuo, uideor
audisse, cum te togatis omnibus sine dubio anteferret,
paucos tecum Epicureos e Graecia compararet, sed,
quod ab eo te mirifice diligi intellegebam, arbitrabar
illum propter beniuolentiam uberius id dicere. Ego
autem, etsi uereor laudare praesentem, iudico tamen de
re obscura atque difficili a te dictum esse dilucide,
neque sententiis solum copiose, sed uerbis etiam
ornatius, quam solent uestri.
Frequentemente, pois, pareço ter ouvido de L. Crasso,
aquele teu amigo, quando sem dúvida te antepunha a
todos os cidadãos romanos, comparava contigo poucos
epicuristas da Grécia, mas, porque, eu percebia que tu
eras extremamente amado por ele, pensava que ele
falava isso muito abundantemente por causa da
afeição. Eu mesmo, porém, ainda que tema elogiar o
que se faz presente, julgo, todavia, que sobre o
obscuro e difícil assunto por ti tenha sido dito
claramente, e não apenas com sentenças em
abundância, mas também com palavras mais ornadas
do que costumam os vossos.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 79
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[59] Zenonem, quem Philo noster coryphaeum
appellare Epicureorum solebat, cum Athenis essem,
audiebam frequenter, et quidem ipso auctore Philone,
credo, ut facilius iudicarem, quam illa bene
refellerentur, cum a principe Epicureorum accepissem,
quem ad modum dicerentur. Non igitur ille ut plerique,
sed isto modo ut tu: distincte, grauiter, ornate. Sed
quod in illo mihi usu saepe uenit, idem modo, cum te
audirem, accidebat, ut moleste ferrem tantum
ingenium (bona uenia me audies) in tam leues, ne
dicam, in tam ineptas sententias incidisse.
Quando fui a Atenas, ouvia frequentemente Zenão, que
o nosso Filo costumava chamar de Corifeu dos
epicuristas, e na verdade, sobre o próprio autor Filo,
creio que julgasse mais fácil do que aquelas coisas
fossem mais bem refutadas, quando eu ouvia do
primeiro dos epicuristas na medida em que fossem
ditas. Ele, pois, não é como a maior parte, mas deste
modo é como tu distinto, grave e elegante. Mas o que
sempre me vem daquele hábito, do mesmo modo,
quando te ouvia, acontecia que indecorosamente com
tamanha imaginação falasse (de bom grado me
ouvirás) não digo que incorresse em tão leves, em tão
tolas sentenças.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 80
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[60] Nec ego nunc ipse aliquid adferam melius. Vt
enim modo dixi, omnibus fere in rebus, sed maxime in
physicis, quid non sit, citius, quam quid sit, dixerim.
Roges me, quid aut quale sit deus: auctore utar
Simonide, de quo cum quaesiuisset hoc idem tyrannus
Hiero, deliberandi sibi unum diem postulauit; cum
idem ex eo postridie quaereret, biduum petiuit; cum
saepius duplicaret numerum dierum admiransque
Hiero requireret, cur ita faceret, “Quia, quanto diutius
considero,” inquit “tanto mihi spes uidetur
obscurior74”. Sed Simoniden arbitror (non enim poeta
solum suauis, uerum etiam ceteroqui doctus
sapiensque traditur), quia multa uenirent in mentem
acuta atque subtilia, dubitantem, quid eorum esset
uerissimum, desperasse omnem ueritatem.
74 g: “tanto mihi res uidetur obscurior.”
d: “tanto mihi res uidetur obscurior.”
Nem mesmo eu falarei agora algo melhor. Como na
verdade disse há pouco sobre quase todas as coisas,
mas principalmente na física, tenho dito mais fácil o
que não é do que o que é. Perguntas-me o que ou como
seja um deus: me servirei do autor Simônides, sobre o
qual, quando o próprio tirano tivesse perguntado isto,
postulou um único dia para ele deliberar; quando o
mesmo requereu dele no dia seguinte, pediu dois dias;
como duplicava sempre o número de dias e se
admirando Hierão perguntava, por que fazia assim.
Disse: “Porque quanto mais tempo penso, tanto mais
me parece obscura a esperança.” Mas julgo que
Simônides (pois se apresenta não só como um suave
poeta, mas também além disso douto e sapiente) –
porque viessem à mente muitas coisas aguçadas e
sutis, duvidando do que era verdadeiro entre elas –
perdeu a esperança em toda verdade.
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[61] Epicurus uero tuus (nam cum illo malo disserere
quam tecum) quid dicit, quod non modo philosophia
dignum esset, sed mediocri prudentia? Quaeritur
primum in ea quaestione, quae est de natura deorum,
sintne dei necne sint. “Difficile est negare.” Credo, si
in contione quaeratur, sed in huius modi sermone et in
consessu [familiari] facillimum. Itaque ego ipse
pontifex, qui caerimonias religionesque publicas
sanctissime tuendas arbitror, is hoc, quod primum est,
esse deos persuaderi mihi non opinione solum, sed
etiam ad ueritatem plane uelim. Multa enim occurrunt,
quae conturbent, ut interdum nulli esse uideantur.
Teu Epicuro na verdade (pois prefiro discutir com ele a
discutir contigo) diz algo que fosse digno não só da
filosofia, mas da medíocre prudência? Primeiramente
se busca, naquela questão que há sobre a natureza dos
deuses, se há ou não há deuses. “É difícil negar”.
Creio, se em assembleia fosse perguntado, mas em
uma discussão desse tipo e em uma reunião familiar é
facílimo. Assim, eu mesmo pontífice, que julgo que as
cerimônias e religiões públicas devam ser defendidas
santissimamente, queria com aquelas coisas ser
persuadido nisto, que é o principal: os deuses
existirem, não só em minha opinião, mas também
claramente segundo a verdade. Ocorrem, pois, muitas
coisas que confundem, de modo que às vezes nada
pareça existir.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 82
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[62] Sed uide, quam tecum agam liberaliter: quae
communia sunt uobis cum ceteris philosophis non
attingam, ut hoc ipsum; placet enim omnibus fere
mihique ipsi in primis deos esse. Itaque non pugno;
rationem tamen eam, quae a te adfertur, non satis
firmam puto. Quod enim omnium gentium
generumque hominibus ita uideretur, id satis magnum
argumentum esse dixisti, cur esse deos confiteremur.
Quod cum leue per se, tum etiam falsum est. Primum
enim unde tibi notae sunt opiniones nationum?
Equidem arbitror multas esse gentes sic inmanitate
efferatas, ut apud eas nulla suspicio deorum sit.
Mas vê o quanto ajo educadamente contigo. Não sei
quais coisas vossas são comuns com a de outros
filósofos, como isto mesmo; agrada, pois, a todos
geralmente e a mim mesmo em primeiro lugar que os
deuses existam. Assim não me oponho, porém julgo
que este pensamento, que por ti foi proferido, não é
sólido o bastante. Pois o que assim parece aos homens
de todas as raças e gêneros, isso disseste
satisfatoriamente ser um grande argumento para que
confessássemos que os deuses existem. O que é tanto
leviano por si quanto falso. Primeiramente, pois, de
onde foram conhecidas por ti as opiniões dos povos?
Certamente julgo que há muitos povos assim
embrutecidos pela incivilidade, de modo que não haja
nenhuma suspeita de deuses segundo eles.
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[63] Quid Diagoras, Atheos qui dictus est, posteaque
Theodorus nonne aperte deorum naturam sustulerunt?
Nam Abderites quidem Protagoras, cuius a te modo
mentio facta est, sophistes temporibus illis uel
maximus, cum in principio libri sic posuisset “De diuis
neque, ut sint neque ut non sint, habeo dicere”,
Atheniensium iussu urbe atque agro est exterminatus
librique eius in contione combusti; ex quo equidem
existimo tardioris ad hanc sententiam profitendam
multos esse factos, quippe cum poenam ne dubitatio
quidem effugere potuisset. Quid de sacrilegis, quid de
impiis periurisque dicemus?
“Tubulus si Lucius umquam,
si Lupus aut Carbo aut Neptuni filius”,
ut ait Lucilius, putasset esse deos, tam periurus aut tam
inpurus fuisset?
Por que Diágoras que foi dito ateu e, em seguida,
Teodoro não75 sustentaram abertamente a natureza dos
deuses? Porque na verdade Protágoras de Abdera – de
quem há pouco foi feita por ti uma menção, o maior
sofista naquele tempo, quando no início de seu livro
tinha considerado assim: “sobre os deuses não tenho
que dizer nem que existam, nem que não existam” –
por ordem dos atenienses foi banido da cidade e do
campo, e os seus livros foram queimados na
assembleia, a partir disso certamente creio que muitos
se tornaram mais tímidos para declarar esta sentença,
visto que nem mesmo a dúvida pudesse escapar da
pena.
O que diremos sobre os sacrílegos, o que diremos
sobre os ímpios e sobre os perjuros?
“Se Túbulo Lúcio alguma vez
Se Lobo, ou Carbão, ou o filho de Netuno”
como disse Lucílio, tivesse considerado que os deuses
existem, teria sido tão perjuro ou tão impuro?
75 Nonne: negativa em que se espera resposta afirmativa.
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[64] Non est igitur tam explorata ista ratio ad id, quod
uultis confirmandum, quam uidetur. Sed quia
commune hoc est argumentum aliorum etiam
philosophorum, omittam hoc tempore; ad uestra
propria uenire malo.
Essa consideração não é, pois, tão explorada quanto
parece para se confirmar o que desejas. Mas porque
este argumento é comum também a outros filósofos,
abandonarei neste momento, prefiro chegar até o
vossos próprios.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 85
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[65] Concedo esse deos; doce me igitur, unde sint, ubi
sint, quales sint corpore, animo, uita; haec enim scire
desidero. Abuteris ad omnia atomorum regno et
licentia; hinc quodcumque in solum uenit, ut dicitur,
effingis atque efficis. Quae primum nullae sunt. Nihil
est enim, * * quod uacet corpore. Corporibus autem
omnis obsidetur locus; ita nullum inane nihil esse
indiuiduum potest.
Concedo que os deuses existem; ensina-me, pois, de
onde vêm, onde estão, quais existam com corpo, com
alma, com vida; isto, pois, desejo saber. Usas para tudo
do poder dos átomos e da licença; agora o que
primeiro vem ao espírito, como se diz, retratas e
estabeleces. Primeiramente tais coisas são nulas. Pois
nada há, [lacuna no texto] que seja vazio de corpo.
Todo lugar, porém, é ocupado por corpos; assim nada
pode ser indivisível nem vazio.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 86
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[66] Haec ego nunc physicorum oracla fundo, uera an
falsa nescio, sed ueri [simile] tamen similiora quam
uestra. Ista enim flagitia Democriti siue etiam ante
Leucippi esse corpuscula quaedam leuia, alia aspera,
rutunda alia, partim autem angulata et hamata, curuata
quaedam et quasi adunca76, ex iis effectum esse
caelum atque terram nulla cogente natura, sed
concursu quodam fortuito – hanc tu opinionem, C.
Vellei, usque ad hanc aetatem perduxisti, priusque te
quis de omni uitae statu quam de ista auctoritate
deiecerit; ante enim iudicasti Epicureum te esse
oportere, quam ista cognouisti: ita necesse fuit aut haec
flagitia concipere animo aut susceptae philosophiae
nomen amittere.
76 g: “alia aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curuata
quaedam et quasi adunca (...)”.
d: “alia aspera, partim autem angulata, hamata quaedam et quase
adunca (...)”.
Eu agora exponho estes oráculos dos físicos, não sei se
são verdadeiros ou falsos; no entanto, mais semelhante
provavelmente do que os vossos. Pois estas infâmias
de Demócrito ou também, anteriormente, de Leucipo
são alguns átomos ligeiros, uns ásperos, outros
redondos, em parte, porém, angulosos e curvosos,
outros curvados e quase recurvados, a partir destes
teria sido feito o céu e a terra, não os reunindo
nenhuma natureza, mas em um encontro casual – esta
opinião tu, C. Veleio, sempre mantiveste até este
momento, e alguém tinha te precipitado acerca de toda
situação da vida antes do momento desse parecer;
julgaste, pois, que te era necessário ser epicurista,
antes de conheceres isto: assim foi necessário, ora
conter no ânimo estas infâmias, ora retirar o nome da
filosofia adotada.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 87
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[67] Quid enim mereas, ut Epicureus esse desinas?
“Nihil equidem,” inquis “ut rationem uitae beatae
ueritatemque deseram”. Ista igitur est ueritas? Nam de
uita beata nihil repugno, quam tu ne in deo quidem
esse censes, nisi plane otio langueat. Sed ubi est
ueritas? In mundis, credo, innumerabilibus omnibus
minimis temporum punctis aliis nascentibus, aliis
cadentibus; an in indiuiduis corpusculis tam praeclara
opera nulla moderante natura, nulla ratione
fingentibus? Sed oblitus liberalitatis meae, qua tecum
paulo ante uti coeperam, plura complector. Concedam
igitur ex indiuiduis constare omnia; quid ad rem?
O que, pois, queres como prêmio para que deixes de
ser epicurista? “Nada na verdade” – dizes – “para que
abandone a doutrina da vida beata e a verdade.” Essa,
pois, é a verdade? De fato não me oponho a nada da
vida beata, que tu julgas que nem mesmo esteja em um
deus, a não ser que esteja completamente no ócio. Mas
onde está a verdade? Nos mundos inumeráveis, creio,
nos mínimos instantes de tempo, alguns nascem,
outros morrem; por acaso nos corpúsculos indivisíveis,
que modelam sem nenhuma razão, nenhuma natureza
governa obras tão notáveis? Mas impregnado de minha
liberalidade que começara um pouco antes a usar
contigo, compreendo mais coisas. Concedo, portanto,
que todas as coisas sejam estabelecidas a partir de
corpúsculos indivisíveis, o que importa?
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 88
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[68] Deorum enim natura quaeritur. Sint sane ex
atomis; non igitur aeterni. Quia enim ex atomis, id
natum aliquandost77; si natum, nulli dei ante quam
nati; et si ortus est deorum, interitus sit, necesse est, ut
tu paulo ante de Platonis mundo disputabas. Vbi igitur
illud uestrum beatum et aeternum, quibus duobus
uerbis significatis deum? Quod cum efficere uultis, in
dumeta conrepitis. Ita enim dicebas, non corpus esse in
deo, sed quasi corpus, nec sanguinem, sed tamquam
sanguinem.
77 g: “quia enim ex atomis sit, id natum aliquando sit (...)”.
d: “Quod enim ex atomis, id natum aliquando est (...)”.
Procura-se, pois, a natureza dos deuses. Seriam na
verdade de átomos; e assim não eternos. Porque o que
foi gerado de átomos, pois, algum dia; se foi gerado,
não havia nenhum deus antes que tivesse sido gerado;
e se há o nascimento de deuses, é necessário que haja a
morte, como tu discutias um pouco antes sobre o
mundo de Platão. Onde está, pois, vossa beatitude e
eternidade, as duas palavras com que caracterizáveis
um deus? Porque quando desejais fazer, escapais das
dificuldades. Assim, pois, dizias, que em um deus não
há um corpo, mas um quase-corpo, nem sangue, mas
algo como sangue.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 89
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[69] Hoc persaepe facitis, ut, cum aliquid non ueri
simile dicatis et effugere reprehensionem uelitis,
adferatis aliquid, quod omnino ne fieri quidem possit,
ut satius fuerit illud ipsum, de quo ambigebatur,
concedere quam tam inpudenter resistere. Velut
Epicurus, cum uideret, si atomi ferrentur in locum
inferiorem suopte pondere, nihil fore in nostra
potestate, quod esset earum motus certus et
necessarius, inuenit, quo modo necessitatem effugeret,
quod uidelicet Democritum fugerat: ait atomum, cum
pondere et grauitate directo deorsus feratur, declinare
paululum.
Isto muito frequentemente fazeis, de modo que,
quando dizeis algo inverossímil e quereis escapar de
repreensão, anunciais o que absolutamente nem
mesmo pode acontecer, porque abandonar aquilo
mesmo sobre o que se debatia, seria melhor do que
resistir tão impudentemente. Como Epicuro – quando
via que, se são conduzidos ao lugar mais baixo por seu
próprio peso, nada estaria em nosso poder, porque o
seu movimento seria certo e necessário – encontrou de
que modo fugia da necessidade, o que evidentemente
fugira de Demócrito. Disse que o átomo, quando é
conduzido pelo peso e pela gravidade diretamente para
baixo, desvia-se um pouco.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 90
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[70] Hoc dicere turpius est quam illud, quod uult non
posse defendere. Idem facit contra dialecticos; a
quibus cum traditum sit in omnibus diiunctionibus, in
quibus “aut etiam aut non” poneretur, alterum utrum
esse uerum, pertimuit, ne, si concessum esset huius
modi aliquid “aut uiuet cras aut non uiuet Epicurus”,
alterutrum fieret necessarium: totum hoc “aut etiam aut
non” negauit esse necessarium; quo quid dici potuit
obtusius? Vrguebat Arcesilas Zenonem, cum ipse falsa
omnia diceret, quae sensibus uiderentur, Zenon autem
non nulla uisa esse falsa, non omnia; timuit Epicurus,
ne, si unum uisum esset falsum, nullum esset uerum:
omnes sensus ueri nuntios dixit esse. Nihil horum nisi
+ualde78; grauiorem enim plagam accipiebat, ut
leuiorem repelleret.
78 g: “Nihil horum, nisi calide (...)”.
d: “Nihil horum nimis callide (...)”.
Dizer isto é mais vergonhoso do que não poder
defender aquilo que deseja. O mesmo faz contra os
dialéticos, como foi dito por eles em todas as
discussões, nas quais se punha “ou sim ou não”, um ou
outro ser verdadeiro, temeu que, se tivesse sido
permitido algo deste modo “ou viverá amanhã ou não
viverá Epicuro”, um ou outro se fizesse necessário.
Tudo isto “ou sim ou não” negou ser necessário; o que
é que pode ser dito de mais absurdo? Arcesilas acusava
Zenão, quando ele mesmo dizia que eram falsas todas
as coisas, que eram percebidas pelos sentidos; Zenão,
porém, dizia que algumas coisas percebidas eram
falsas, não todas. Epicuro temeu que se algo percebido
fosse falso, nada seria verdadeiro, disse que todos os
sentidos eram intérpretes da verdade. Nada disso a não
ser completamente [lacuna no texto]; recebia, pois, um
dano mais grave, de modo que repelisse um mais leve.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 91
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[71] Idem facit in natura deorum: dum indiuiduorum
corporum concretionem fugit, ne interitus et dissipatio
consequatur, negat esse corpus deorum, sed tamquam
corpus, nec sanguinem, sed tamquam sanguinem.
Mirabile uidetur quod non rideat haruspex, cum
haruspicem uiderit; hoc mirabilius, quam uos inter uos
risum tenere possitis?79 “Non est corpus, sed quasi
corpus”: hoc intellegerem, quale esset, si in cereis
fingeretur aut fictilibus figuris; in deo quid sit quasi
corpus aut quid sit quasi sanguis, intellegere non
possum. Ne tu quidem Vellei, sed non uis fateri.
79 g: “quod uos inter uos risum tenere possitis.”
d: “quod uos inter uos risum tenere possitis.”
O mesmo faz sobre a natureza dos deuses: enquanto
foge da reunião dos corpos indivisíveis, não segue a
morte e a dispersão. Nega que haja corpo de deuses,
mas como que um corpo, nem sangue, mas como que
um sangue. Parece admirável que um arúspice não ria,
embora tenha visto um arúspice, isto é mais admirável
do que vós poderdes conter o riso entre vós mesmos?
“Não há um corpo, mas um quase-corpo.”
Compreenderia isto tal como é, se fosse reproduzido
em cera ou em figuras de barro; não posso
compreender o que seja em um deus um quase-corpo
ou o que seja um quase-sangue. Nem mesmo tu,
Veleio, mas não queres confessar.
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[72] Ista enim a uobis quasi dictata redduntur, quae
Epicurus oscitans halucinatus est, cum quidem
gloriaretur, ut uidemus in scriptis, se magistrum
habuisse nullum. Quod et non praedicanti tamen facile
equidem crederem, sicut mali aedificii domino
glorianti se architectum non habuisse; nihil enim olet
ex Academia, nihil [ne] ex Lycio, nihil ne e puerilibus
quidem disciplinis. Xenocraten audire potuit (quem
uirum, dii inmortales), et sunt, qui putent, audisse; ipse
non uult: credo, plus nemini. Pamphilum, quendam
Platonis auditorem, ait a se Sami auditum (ibi enim
adulescens habitabat cum patre et fratribus, quod in
eam pater eius Neocles agripeta uenerat, sed cum
agellus eum non satis aleret, ut opinor, ludi magister
fuit);
Essas coisas, pois, são repetidas por vós como foram
ditas, com que Epicuro bocejando sonhou, pois
certamente se vangloriava, como vemos nos escritos,
não ter tido nenhum mestre. Também não dizendo o
que, porém, com facilidade acreditasse certamente,
assim como se vangloriasse o dono de uma má
construção de não ter havido um arquiteto; nada, pois,
se percebe da Academia, nada nem de Lycio, nem
mesmo certamente dos ensinamentos pueris. Pôde
ouvir Xenócrates (que homem, deuses imortais), e há
os que consideram ter ouvidos; ele mesmo não quis
ouvir, creio, mais ninguém. Disse que Panfilo, certo
discípulo de Platão, ouviu dele em Samos (aí, pois, o
adolescente habitava com o pai e os irmãos, pois
naquela Samos seu pai Neocles viera como agricultor,
mas quando o pequeno campo não o nutrisse
suficientemente, como penso, foi mestre da escola);
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[73] sed hunc Platonicum mirifice contemnit Epicurus:
ita metuit, ne quid umquam didicisse uideatur. In
Nausiphane Democriteo tenetur; quem cum a se non
neget auditum, uexat tamen omnibus contumeliis.
Atqui si haec Democritea non audisset, quid audierat,
quid est in physicis Epicuri non a Democrito? Nam etsi
quaedam commutauit, ut quod paulo ante de
inclinatione atomorum dixi, tamen pleraque dicit
eadem: atomos, inane, imagines, infinitatem locorum
innumerabilitatemque mundorum, eorum ortus,
interitus, omnia fere, quibus naturae ratio continetur.
Mas Epicuro monospreza maravilhosamente este
platônico. Teme assim o que nunca parece ter
aprendido. Observa-se em Nausífane, discípulo de
Demócrito, que, pois não nega a audiência dele,
inquieta, porém, por todas as censuras. Entretanto, se
não tivesse ouvido isto de Demócrito; o que ouvira, o
que há na física de Epicuro não proveniente de
Demócrito? Se bem que mudou algo, como o que falei
um pouco antes sobre a inclinação dos átomos, porém
falou a maior parte daquilo: sobre os átomos, sobre o
vazio, sobre as imagens dos lugares e os números
infinitos dos mundos, o nascimento deles, a morte,
quase todas as coisas, nas quais se conserva a ideia de
natureza.
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[74] Nunc istuc quasi corpus et quasi sanguinem quid
intellegis? Ego enim te scire ista melius quam me non
fateor solum, sed etiam facile patior; cum quidem
semel dicta sunt, quid est, quod Velleius intellegere
possit, Cotta non possit? Itaque corpus quid sit,
sanguis quid sit intellego, quasi corpus et quasi sanguis
quid sit, nullo prorsus modo intellego. Neque tu me
celas, ut Pythagoras solebat alienos, nec consulto dicis
occulte tamquam Heraclitus, sed, quod inter nos liceat,
ne tu quidem intellegis.
Agora este quase-corpo e quase-sangue como
compreendes? Eu, pois, não só confesso que tu sabes
estas coisas melhor do que eu, mas também admito
facilmente, pois certamente foram ditas uma só vez; o
que há que Veleio pode entender, mas Cota não pode?
Assim entendo o que seja um corpo, o que seja sangue,
mas quase-corpo e quase-sangue o que seja, de modo
algum entendo absolutamente. E nem tu me escondes,
como Pitágoras costumava com estranhos, nem dizes
propositalmente às escondidas como Heráclito, mas o
que é permitido entre nós, nem mesmo tu
compreendes.
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[75] Illud uideo pugnare te, species ut quaedam sit
deorum, quae nihil concreti habeat, nihil solidi, nihil
expressi, nihil eminentis, sitque pura, leuis, perlucida.
Dicemus igitur idem quod in Venere Coa: corpus illud
non est, sed simile corporis, nec ille fusus et candore
mixtus rubor sanguis est, sed quaedam sanguinis
similitudo; sic in Epicureo deo non rem, sed
similitudines esse rerum. Fac id, quod ne intellegi
quidem potest, mihi esse persuasum; cedo mihi
istorum adumbratorum deorum liniamenta atque
formas.
Vejo aquilo que tu combates, pois existe algum
aspecto dos deuses, que não tenha nada de concreto,
nada de sólido, nada de expresso, nada de notável, e
seja puro, leve, transparente. Digamos, portanto, o
mesmo que dissemos sobre a Vênus de Cós80: aquilo
não é um corpo, mas semelhante a um corpo, nem
aquele vermelho espalhado e misturado ao esplendor é
sangue, mas algo semelhante a sangue; assim no deus
de Epicuro não há substância, mas imitação de
substâncias. Mostra aquilo que nem mesmo pode ser
compreendido por mim, nem ser persuadido, dize-me
as feições e as formas desses deuses fictícios.
80 Ilha do mar Egeu.
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[76] Non deest hoc loco copia rationum, quibus docere
uelitis humanas esse formas deorum; primum quod ita
sit informatum anticipatum [que] mentibus nostris, ut
homini, cum de deo cogitet, forma occurrat humana;
deinde cum, quoniam rebus omnibus81 excellat natura
diuina, forma quoque esse pulcherrima debeat, nec
esse humana ullam pulchriorem; tertiam rationem
adfertis, quod nulla in alia figura domicilium mentis
esse possit82.
81 g: “deinde, ut, quoniam rebus omnibus (...)”.
d: “deinde quod, quoniam rebus omnibus (...)”. 82 g: “quod nulla in alia figura domicilium mentis esse possit.”
d: “quod nulla alia figura domicilium mentis esse possit.”
Não falta a este ponto abundância de pensamentos,
com os quais desejais ensinar que as formas dos deuses
são humanas. Primeiramente, o que tem sido formado
e antecipado assim nas nossas mentes que ao homem,
quando cogita sobre um deus, ocorra a forma humana;
segundo, pois, a natureza divina ultrapassa depois
todas as coisas, a forma também deve ser belíssima,
não há nenhuma mais bela do que a humana; como
terceiro argumento, informais que em nenhuma outra
figura pode haver a morada da mente.
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[77] Primum igitur quidque considera, quale sit;
arripere enim mihi uidemini quasi uestro iure rem
nullo modo probabilem. [Primum] omnium quis tam
caecus in contemplandis rebus umquam fuit83, ut non
uideret species istas hominum conlatas in deos aut
consilio quodam sapientium, quo facilius animos
imperitorum ad deorum cultum a uitae prauitate
conuerterent aut superstitione, ut essent simulacra,
quae uenerantes deos ipsos se adire crederent.
Auxerunt autem haec eadem poetae, pictores, opifices;
erat enim non facile agentis aliquid et molientes deos
in aliarum formarum imitatione seruare. Accessit etiam
ista opinio fortasse, quod homini homine pulchrius
nihil uideatur. Sed tu hoc, physice, non uides, quam
blanda conciliatrix et quasi sui sit lena natura? An
putas ullam esse terra marique beluam, quae non sui
generis belua maxime delectetur? Quod ni ita esset, cur
non gestiret taurus equae contrectatione, equus uaccae?
An tu aquilam aut leonem aut delphinum ullam
anteferre censes figuram suae? Quid igitur mirum, si
hoc eodem modo homini natura praescripsit, ut nihil
pulchrius quam hominem putaret? * * eam esse
causam, cur deos hominum similis putaremus:
83 g: “Omnium quis tam caecus in contemplandis rebus umquam
fuit (...)”.
d: “Omnino quis tam caecus in contemplandis rebus umquam fuit
(...)”.
Primeiramente então considera cada coisa como seja;
parecei-me assegurar como vossa autoridade um
argumento de nenhum modo provável. Entre todos,
alguém foi alguma vez tão cego nas coisas
contempladas, de modo que não visse essas aparências
de homens reunidas nos deuses ou em algum consílio
de sábios, no qual levassem mais facilmente os ânimos
dos ignorantes ao culto dos deuses pela falta de
reflexão da vida ou pela superstição, de modo que
fossem simulacros que pensavam se aproximar dos
próprios deuses venerados. Reprodiziram, porém, estas
mesmas coisas os poetas, os pintores, os artistas; não
era fácil, pois, preservar na imitação de outras formas
os deuses se movendo e fazendo algo. Veio certamente
também essa opinião, pois ao homem nada parece mais
belo do que o homem. Mas tu, físico, não vês isto,
quanto a natureza é meiga, conciliadora e quase
sedutora de si mesma? Por acaso pensas que haja na
terra e nos mares algum animal que não se encante
extremamente com um animal de sua raça? Porque se
não fosse assim, por que o touro não desejaria contato
com a égua, o cavalo com a vaca? Por acaso tu pensas
que a águia, ou o leão, ou o golfinho preferem algum
aspecto ao seu? Por que é espantoso, pois, se deste
mesmo modo a natureza prescreveu ao homem que
nada julgasse mais belo do que o homem? [lacuna no
texto] aquela é a causa, porque considerávamos os
deuses semelhantes aos homens.
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[78] Quid censes, si ratio esset in beluis non suo
quasque generi plurimum tributuras fuisse? At
mehercule ego (dicam enim, ut sentio), quamuis amem
ipse me, tamen non audeo dicere pulchriorem esse me,
quam ille fuerit taurus, qui uexit Europam; non enim
hoc loco de ingeniis aut de orationibus nostris, sed de
specie figuraque quaeritur. Quod si fingere nobis et
iungere formas uelimus, qualis ille maritimus Triton
pingitur, natantibus inuehens beluis adiunctis humano
corpori, nolis esse. Difficili in loco uersor; est enim uis
tanta naturae, ut homo nemo uelit nisi hominis similis
esse - et quidem formica formicae.
Por que pensas que, se nos animais houvesse razão,
cada um não haveria de conceder muito ao seu gênero?
Mas, por Hércules, eu (digo, pois, como penso) por
mais que ame a mim mesmo, porém não ouso dizer
que eu sou mais belo do que foi aquele touro que
trasportou Europa. Neste ponto, pois, não se discute
sobre os engenhos ou sobre nossos discursos, mas
sobre o aspecto e sobre a forma; porque se quisermos
nos representar e unir os aspectos, como é
representado aquele Tritão marítimo, transportando os
animais que nadam unidos ao corpo humano, não
queres que assim seja. Encontro-me em um ponto
difícil, pois a força da natureza é tanta que nenhum
homem quer ser igual a não ser a um homem – e
certamente uma formiga à formiga.
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[79] Sed tamen cuius hominis? Quotus enim quisque
formonsus est, Athenis cum essem, e gregibus
epheborum uix singuli reperiebantur - uideo, quid
adriseris, sed ita tamen se res habet. Deinde nobis, qui
concedentibus philosophis antiquis adulescentulis
delectamur, etiam uitia saepe iucunda sunt. Naeuos in
articulo pueri delectat Alcaeum84; at est corporis
macula naeuos; illi tamen hoc lumen uidebatur. Q.
Catulus, huius collegae et familiaris nostri pater,
dilexit municipem tuum Roscium, in quem etiam illud
est eius:
“constiteram exorientem Auroram forte
salutans,
cum subito a laeua Roscius exoritur.
pace mihi liceat caelestes dicere uestra:
mortalis uisus pulchrior esse deo.”
Huic deo pulchrior; at erat, sicuti hodie est,
peruersissimis oculis: Quid refert, si hoc ipsum salsum
illi et uenustum uidebatur?
84 g: “Naeuus in articulo pueri delectat Alcaeum.”
d: “Naeuus in articulo pueri delectat Alcaeum.”
Porém de que homem? Pois um pequeno número é
formoso, quando fui a Atenas apenas um só era
encontrado entre os grupos de jovens – vejo que tens
rido, no entanto a coisa se mantém assim. Depois para
nós que nos sujeitamos aos antigos filósofos, somos
encantados pelos jovens, também os defeitos sempre
são agradáveis. A verruga no dedo do menino seduz
Alceu; mas a verruga é uma marca no corpo; para ele,
porém, aquilo parecia um ornamento. Q. Catulo, pai
daquele nosso colega e amigo, honrou o teu
concidadão Róscio, para quem há aquele seu
epigrama:
“Saudando, continuara Aurora casualmente surgindo,
Quando de repente do lado esquerdo surge Róscio,
Com vossa permissão, ó deuses, permitam-me dizer:
O mortal é uma visão mais bela do que um deus.”
Para este era mais belo do que um deus, mas tinha
assim olhos às avessas, como tem hoje. Que importa se
isto mesmo lhe parecia gracioso e encantador?
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[80] Redeo ad deos. Ecquos si non tam strabones at
paetulos esse arbitramur, ecquos naeuum habere,
ecquos silos, flaccos, frontones, capitones, quae sunt in
nobis, an omnia emendata in illis? Detur id uobis; num
etiam una est omnium facies? Nam si plures, aliam
esse alia pulchriorem necesse est, igitur aliquis non
pulcherrimus deus; si una omnium facies est, florere in
caelo Academiam necesse est: si enim nihil inter deum
et deum differt, nulla est apud deos cognitio, nulla
perceptio.
Volto aos deuses. Julgamos que alguns são, se não tão
estrábicos, mas ligeiramente vesgos, alguns têm
verruga, alguns têm o nariz achatado, orelhas
compridas, testas grandes, cabeças grandes, que
existem em nós, ou tudo é correto neles? Isto vos é
apresentado, por acaso há apenas um aspecto para
todos? Realmente se há muitos, é necessário que um
seja mais belo do que os outros, então nenhum deus é
o mais belo. Se há um só aspecto para todos, é
necessário florescer no céu a Academia. Se, pois, nada
é diferente entre um deus e outro deus, nenhum
conhecimento há junto aos deuses, nenhuma
percepção.
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[81] Quid si etiam, Vellei, falsum illud omnino est
nullam aliam nobis de deo cogitantibus speciem nisi
hominis occurrere: Tamenne ista tam absurda
defendes? Nobis fortasse sic occurrit, ut dicis; a paruis
enim Iouem, Iunonem, Mineruam, Neptunum,
Vulcanum, Apollinem, reliquos deos ea facie nouimus,
qua pictores fictoresque uoluerunt, neque solum facie,
sed etiam ornatu, aetate, uestitu. At non Aegyptii nec
Syri nec fere cuncta barbaria; firmiores enim uideas
apud eos opiniones esse de bestiis quibusdam quam
apud nos de sanctissimis templis et simulacris deorum.
Por que, Veleio, se também aquilo é absolutamente
falso que nenhum outro aspecto, a não ser o humano,
ocorre para nós que pensamos sobre um deus,
defendes, porém, essas coisas tão absurdas? Para nós
provavelmente ocorre assim como dizes; desde
pequenos pois conhecemos Júpiter, Juno, Minerva,
Netuno, Vulcano, Apolo, outros deuses com aquele
aspecto, que os pintores e escultores quiseram, e não
apenas com o aspecto, mas também com o ornamento,
com a idade, com a vestimenta. Mas nem os egípcios,
nem os sírios, nem a maior parte de todos os bárbaros;
entre eles, pois, observas que há opiniões mais
concretas sobre alguns animais do que entre nós sobre
os templos sagrados e sobre os simulacros dos deuses.
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[82] Etenim fana multa spoliata et simulacra deorum
de locis sanctissimis ablata uidemus a nostris, at uero
ne fando quidem auditumst crocodilum aut ibin aut
faelem uiolatum ab Aegyptio. Quid igitur censes Apim
illum sanctum Aegyptiorum bouem nonne deum uideri
Aegyptiis? Tam, hercle, quam tibi illam uestram
Sospitam. Quam tu numquam ne in somnis quidem
uides nisi cum pelle caprina, cum hasta, cum scutulo,
cum calceolis repandis. At non est talis Argia nec
Romana Iuno. Ergo alia species Iunonis Argiuis, alia
Lanuinis. Et quidem alia nobis Capitolini, alia Afris
Hammonis Iouis.
Pois vemos muitos templos vazios e simulacros dos
deuses furtados de locais muito sagrados pelos nossos,
mas nem mesmo se ouviu dizer certamente um
crocodilo ou íbis ou gato violado por um egípcio. Por
que então pensas que Ápis, aquele sagrado boi dos
egípcios, não pareça um deus aos egípcios? Tanto
quanto, por Hércules, a ti aquela vossa Protetora85, que
tu nunca nem mesmo em sonhos vês a não ser com
pele caprina, com lança, com escudo, com pequenos
sapatos recurvos. Mas não é igual à de Argos, nem à
Juno romana. Portanto, um um aspecto tem Juno para
os argivos, outro para os lanuvidos86; e certamente um
de Júpiter capitolino para nós, outro de Júpiter Amão
para os africanos.
85 Juno. 86 Habitantes do Lácio.
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[83] Non pudet igitur physicum, id est speculatorem
uenatoremque naturae, ab animis consuetudine inbutis
petere testimonium ueritatis? Isto enim modo dicere
licebit Iouem semper barbatum, Apollinem semper
inberbem, caesios oculos Mineruae, caeruleos esse
Neptuni. Et quidem laudamus esse Athenis Volcanum
eum, quem fecit Alcamenes, in quo stante atque uestito
leuiter apparet claudicatio non deformis: Claudum
igitur habebimus deum, quoniam de Volcano sic
accepimus. Age et his uocabulis esse deos facimus,
quibus a nobis nominantur?
Não é vergonhoso então que um físico, que é um
observador e um venerador da natureza, procure
atingir o testemunho da verdade pelos ânimos
impregnados de preconceito? Pois desse modo será
permitido dizer que Júpiter sempre é barbado, Apolo
sempre imberbe, os olhos de Minerva são esverdeados,
cerúleos os de Netuno. E certamente elogiamos que
esteja em Atenas Vulcano, aquele que Alcmenes fez,
no qual estando de pé e com roupa aparece
ligeiramente uma claudicação não disforme. Teremos
então um deus coxo, porque assim escutamos sobre
Vulcano. Pois bem fazemos também com que os
deuses existam com estas palavras com as quais são
chamados por nós?
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[84] At primum quot hominum linguae, tot nomina
deorum; non enim ut tu, Velleius, quocumque ueneris,
sic idem in Italia Volcanus, idem in Africa, idem in
Hispania. Deinde nominum non magnus numerus ne in
pontificiis quidem nostris, deorum autem
innumerabilis. An sine nominibus sunt? Istud quidem
ita uobis dicere necesse est; quid enim attinet, cum una
facies sit, plura esse nomina? Quam bellum erat,
Vellei, confiteri potius nescire, quod nescires, quam
ista effutientem nauseare atque ipsum sibi displicere.
An tu mei simile putas esse aut tui deum? Profecto non
putas.
“Quid ergo, solem dicam aut lunam aut caelum deum?
Ergo etiam beatum: quibus fruentem uoluptatibus? et
sapientem: qui potest esse in eius modi trunco
sapientia?” Haec uestra sunt.
Mas primeiramente quantas são as línguas dos
homens, tantos são os nomes dos deuses. Não é, pois,
como tu, onde quer que tenhas ido, és Veleio, assim
não há o mesmo Vulcano na Itália, o mesmo na
África, o mesmo na Espanha. Segundo, não há um
grande número de nomes nem mesmo nos nossos
livros pontificais, porém é inumerável o de deuses. Por
acaso existem sem nomes? Para vós certamente é
necessário dizer algo assim, por que interessa pois que
haja mais nomes, quando há um só aspecto? Que bom
seria, Veleio, confessar não saber, o que não sabes,
melhor do que, dizendo bobagens, causar náuseas com
essas coisas e lhe desagradar isto. Por acaso tu pensas
que haja um deus igual a mim ou a ti? Certamente não
pensas. “Por que direi então que o sol, ou a lua, ou o
céu é um deus? Então também é feliz, usufruindo de
quais prazeres? E sábio: como pode haver sabedoria
em um corpo desta maneira?” Estas são coisas vossas.
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[85] Si igitur nec humano87, quod docui, nec tali
aliquo, quod tibi ita persuasum est, quid dubitas negare
deos esse? Non audes. Sapienter id quidem, etsi hoc
loco non populum metuis, sed ipsos deos. Noui ego
Epicureos omnia sigilla uenerantes. Quamquam uideo
non nullis uideri Epicurum, ne in offensionem
Atheniensium caderet, uerbis reliquisse deos, re
sustulisse. Itaque in illis selectis eius breuibusque
sententiis, quas appellatis kuri/aj do/caj, haec, ut
opinor, prima sententia est: “Quod beatum et inmortale
est, id nec habet nec exhibet cuiquam negotium”; in
hac ita exposita sententia sunt, qui existiment, quod
ille inscitia plane loquendi fecerit, fecisse consulto: De
homine minime uafro male existimant.
87 g: “Si igitur nec humano uisu (...)”.
d: “Si igitur nec humano uisu (...)”.
Se então nem com aspecto humano, o que mostrei,
nem como algo semelhante, o que a ti assim foi dito,
por que hesitas em negar que os deuses existem? Não
ousas, sabia e certamente, aquilo, se bem que neste
caso não temes o povo, mas os próprios deuses. Eu
mesmo conheci os epicuristas, venerando todas as
pequenas imagens. Se bem que vejo que para alguns
Epicuro parece, para que não caísse no descrédito dos
atenienses, ter desprezado com palavras os deuses, por
isso sofreu. Pois naquelas suas breves e escolhidas
sentenças, que chamais kuri/aj do/caj88, esta, como
penso, é a primeira sentença: “O que é feliz e imortal,
isto nem tem nem exibe negócio a alguém.” Nesta
sentença assim exposta há os que acreditem, o que ele
fizera por incapacidade de falar claramente, fez
propositalmente: pensam mal sobre o homem pouco
sagaz.
88 Principais dogmas.
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[86] Dubium est enim, utrum dicat aliquid esse beatum
et inmortale an, si quod sit, id esse tale. Non
animaduertunt hic eum ambigue locutum esse, sed
multis aliis locis et illum et Metrodorum tam aperte
quam paulo ante te. Ille uero deos esse putat, nec
quemquam uidi, qui magis ea, quae timenda esse
negaret, timeret, mortem dico et deos: Quibus
mediocres homines non ita ualde mouentur, his ille
clamat omnium mortalium mentes esse perterritas; tot
milia latrocinantur morte proposita, alii omnia, quae
possunt, fana conpilant: Credo aut illos mortis timor
terret aut hos religionis.
É duvidoso, pois, caso diga que algo é beato e imortal
ou, se isto existe, seja algo tal. Não notam que este
aqui falou ambiguamente, mas em muitas outras
ocasiões tanto ele quanto Metrodoro falou abertamente
quanto tu um pouco antes. Ele verdadeiramente julga
que os deuses existem, não vi alguém que mais
temesse aquelas coisas, que negasse deverem ser
temidas, digo a morte e os deuses; pelos quais os
homens moderados não são movidos tanto assim, por
estes ele clama que as mentes de todos os mortais
sejam aterrorizadas; muitos roubam milhares com a
morte à vista89, outros saqueiam todos os lugares
sagrados que podem. Creio ou o medo da morte
aterrorizava àqueles ou o da religião a estes.
89 Referência à pena de morte.
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[87] Sed quoniam non audes (iam enim cum ipso
Epicuro loquar) negare esse deos, quid est, quod te
inpediat aut solem aut mundum aut mentem aliquam
sempiternam in deorum numero ponere? “Numquam
uidi” inquit “animam rationis consilique participem in
ulla alia nisi humana figura.” Quid solis numquidnam
aut lunae aut quinque errantium siderum simile uidisti?
Sol duabus unius orbis ultimis partibus definiens
motum cursus annuos conficit; huius hanc lustrationem
eiusdem incensa radiis menstruo spatio luna complet;
quinque autem stellae eundem orbem tenentes, aliae
propius a terris, aliae remotius, ab isdem principiis
disparibus temporibus eadem spatia conficiunt. Num
quid tale, Epicure, uidisti?
Mas por que não ousas (agora falarei com o próprio
Epicuro) negar que os deuses existem, que é que te
impede de pôr no número dos deuses, ou o sol, ou o
mundo, ou alguma mente eterna? Diz: “Nunca vi uma
alma que participa da razão e da opinião com alguma
outra aparência a não ser a humana.” Que viste na
verdade igual ao sol, ou à lua, ou aos cinco astros
errantes? O sol, que circunscreve o movimento em
duas partes extremas de uma única órbita, completa os
seus percursos anuais; a lua, iluminada pelos raios do
mesmo, completa este mesmo ciclo no espaço de um
mês; as cinco estrelas, porém, que conservam aquela
mesma órbita, umas mais próximas da terra, outras
mais distantes, pelos mesmos princípios percorrem em
tempos diferentes o mesmo espaço. Por acaso viste
algo semelhante, Epicuro?
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[88] Ne sit igitur sol, ne luna, ne stellae, quoniam nihil
esse potest nisi, quod attigimus aut uidimus. Quid
deum ipsum numne uidisti? Cur igitur credis esse?
Omnia tollamus ergo, quae aut historia nobis aut ratio
noua adfert. Ita fit, ut mediterranei mare esse non
credant. Quae sunt tantae animi angustiae, ut, si
Seriphi natus esses nec umquam egressus ex insula, in
qua lepusculos uulpeculasque saepe uidisses, non
crederes leones et pantheras esse, cum tibi, quales
essent, dicerentur, si uero de elephanto quis diceret,
etiam rideri te putares.
Não existe então o sol, nem a lua, nem as estrelas,
porque nada pode haver a não ser o que tocamos ou
vemos. Por que, por acaso, viste o próprio deus? Por
que então crês que existam? Exaltamos, portanto, tudo
que ou a história ou uma nova consideração nos traz.
Assim acorre que os mediterrâneos não acreditam que
exista o mar. Essas são as muitas angútias da alma que
– se tivesses nascido em Serifo90, nunca tivesses saído
da ilha, na qual sempre tivesses visto pequenas lebres e
rapousinhas – não acreditarias que existissem leões e
panteras, quando te dissessem como eram, se alguém
verdadeiramente falasse sobre o elefante, também te
colocarias a rir.
90 Uma das ilhas Cíclades do Mediterrâneo.
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[89] Et tu quidem, Vellei, non uestro more, sed
dialecticorum, quae funditus gens uestra non nouit,
[angustia] argumenti sententiam conclusisti91. Beatos
esse deos sumpsisti: Concedimus. Beatum autem esse
sine uirtute neminem posse: Id quoque damus, et
libenter quidem, uirtutem autem sine ratione constare
non posse: conueniat id quoque necesse est. Adiungis
nec rationem esse nisi in hominis figura. Quem tibi
hoc daturum putas? Si enim ita esset, quid opus erat te
gradatim istuc peruenire? Sumpsisses tuo iure. Quod
autem est istuc gradatim? Nam a beatis ad uirtutem, a
uirtute ad rationem uideo te uenisse gradibus; a ratione
ad humanam figuram quo modo accedis? Praecipitare
istuc quidem est, non descendere.
91 g: “(quae funditus gens uestra non nouit) argumenti sententiam
conclusisti.”
d: “que funditus gens uestra non nouit, argumento sententiam
conclusisti (...)”.
E tu na verdade, Veleio, concluíste a sentença do
argumento não do vosso modo, mas dos dialéticos, os
quais vossa gente não conheceu a fundo. Sustentaste
que os deuses são beatos: consentimos. Porém ningém
pode ser beato sem virtude: isto também consentimos,
e de bom grado certamente, mas não pode haver
virtude sem razão; convém que isto também seja
necessário. Acrescentas que não há razão a não ser na
aparência de homem. Quem pensas que vai concordar
contigo nisto? Se pois fosse assim, que trabalho
haveria de te levar gradativamente àquilo?
Sustentasses com tua justiça; o que porém há aí de
gradativo? Pois vejo que tu chegaste gradativamente
da beatitude à virtude, da virtude à razão; de que modo
chegaste da razão à aparência humana? Isto certamente
é se precipitar, não aprofundar.
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[90] Nec uero intellego, cur maluerit Epicurus deos
hominum similes dicere quam homines deorum.
Quaeres, quid intersit: Si enim hoc illi simile sit, esse
illud huic. Video, sed hoc dico non ab hominibus
formae figuram uenisse ad deos; di enim semper
fuerunt, nati numquam sunt, si quidem aeterni sunt
futuri; at homines nati; ante igitur humana forma quam
homines, eaque erant forma dii inmortales: non ergo
illorum humana forma, sed nostra diuina dicenda est.
Verum hoc quidem, ut uoletis; illud quaero, quae fuerit
tanta fortuna (nihil enim ratione in rerum natura
factum esse uultis)
Não entendo verdadeiramente porque Epicuro tenha
preferido dizer que os deuses fossem semelhantes aos
homens do que os homens aos deuses. Buscarás o que
difere, se pois isto é semelhante àquilo, aquilo é
semelhante a isto. Vejo, mas digo isto: o aspecto da
forma não provém dos homens para os deuses; os
deuses pois sempre existiram, nunca nasceram. Se
certamente existem, hão de ser eternos, mas o homens
nasceram. Então a forma humana existia antes que os
homens, e os deuses imortais eram dessa forma, então
não se deve dizer que a forma deles é humana, mas
divina a nossa. Contudo, certamente isto é como
desejas, questiono aquilo que tenha sido de tamanha
sorte (nada pois quereis que tenha sido realizado pela
razão na natureza das coisas).
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[91] Sed tamen quis iste tantus casus, unde tam felix
concursus atomorum, ut repente homines deorum
forma nascerentur? Seminane deorum decidisse de
caelo putamus in terras et sic homines patrum similes
extitisse? Vellem diceretis; deorum cognationem
agnoscerem non inuitus. Nihil tale dicitis, sed casu
esse factum, ut essemus similes deorum. Et nunc
argumenta quaerenda sunt, quibus hoc refellatur,
utinam tam facile uera inuenire possim quam falsa
conuincere. Etenim enumerasti memoriter et copiose,
ut mihi quidem admirari luberet in homine esse
Romano tantam scientiam, usque a Thale Milesio de
deorum natura philosophorum sententias.
Porém que tamanho acaso foi este, onde houve tão
feliz encontro de átomos que de repente os homens
nascessem com a forma de deuses? Julgamos que as
sementes dos deuses caíram do céu na terra e assim os
homens se ergueram semelhantes aos pais? Queria que
dissésseis, reconheceria o parentesco dos deuses
expontaneamente. Nada dizeis assim, mas que ocorreu
por acaso, que fôssemos semelhantes aos deuses. E
agora devem-se buscar argumentos com os quais isto
seja refutado, tomara que possa encontrar as coisas
verdadeiras tão facilmente quanto demonstrar as falsas.
Pois enumeraste de cor e abundantemente, para que me
fosse certamente agradável admirar em um homem
romamo haver tanto conhecimento, as sentenças dos
filósofos sobre a natureza dos deuses initerruptamente
desde Tales de Mileto.
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[92] Omnesne tibi illi delirare uisi sunt, qui sine
manibus et pedibus constare deum posse decreuerint?
Ne hoc quidem uos mouet considerantis, quae sit
utilitas quaeque oportunitas in homine membrorum, ut
iudicetis membris humanis deos non egere? Quid enim
pedibus opus est sine ingressu, quid manibus, si nihil
conprehendendum est, quid reliqua discriptione
omnium corporis partium, in qua nihil inane, nihil sine
causa, nihil superuacuaneum est, itaque nulla ars
imitari sollertiam naturae potest. Habebit igitur
linguam deus et non loquetur, dentes, palatum, fauces
nullum ad usum, quaeque procreationis causa natura
corpori adfinxit, ea frustra habebit deus; nec externa
magis quam interiora, cor, pulmones, iecur, cetera -
quae detracta utilitate quid habent uenustatis (quando
quidem haec esse in deo propter pulchritudinem
uoltis)?
Pareceram-te delirar todos aqueles que concluíram que
um deus possa subsistir sem mãos e sem pés? Nem
mesmo isto vos comove que considerais qual seja a
utilidade e qual o proveito dos membros no homem,
para que julgueis que os deuses não têm necessidade
de membros humanos? Qual é a necessidade dos pés
sem andar, qual das mãos, se nada há para pegar, qual
a necessidade da restante divisão de todas as partes do
corpo, na qual nada é sem utilidade, nada é sem causa,
nada é supérfluo, pois nenhuma arte pode imitar o
engenho da natureza. Então o deus terá uma língua e
não falará, dentes, palato, garganta para nenhum uso, e
o que a natureza colocou no corpo por causa da
procriação, aquelas coisas em vão terá um deus; não
mais as coisas externas do que as internas: coração,
pulmões, fígado, outras que retirada a utilidade o que
têm de beleza (quando certamente queres que isto haja
em um deus por causa da beleza)?
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[93] Istisne fidentes somniis non modo Epicurus et
Metrodorus et Hermarchus contra Pythagoram,
Platonem Empedoclemque dixerunt, sed meretricula
etiam Leontium contra Theophrastum scribere ausast -
scito illa quidem sermone et Attico, sed tamen: tantum
Epicuri hortus habuit licentiae. Et soletis queri; Zeno
quidem etiam litigabat; quid dicam Albucium; nam
Phaedro nihil elegantius, nihil humanius, sed
stomachabatur senex, si quid asperius dixeram, cum
Epicurus Aristotelem uexarit contumeliosissime,
Phaedoni Socratico turpissime male dixerit, Metrodori
sodalis sui fratrem Timocraten, quia nescio quid in
philosophia dissentiret, totis uoluminibus conciderit, in
Democritum ipsum, quem secutus est, fuerit ingratus,
Nausiphanem magistrum suum, a quo [non] nihil
didicerat, tam male acceperit. Zeno quidem non eos
solum, qui tum erant, Apollodorum, Sillim, ceteros,
figebat maledictis, sed Socraten ipsum, parentem
philosophiae, Latino uerbo utens scurram Atticum
fuisse dicebat, Chrysippum numquam nisi Chrysippam
uocabat.
Confiantes nesses sonhos, não somente Epicuro, e
Metrodoro, e Hermarco falaram contra Pitágoras,
Platão e Empédocles, mas também a meretrizinha de
Leôncio ousou escrever contra Teofrasto, ela
certamente com discurso notável e ático, porém o
jardim de Epicuro teve tamanha quantidade de licença.
E costumais vos queixar, Zenão certamente também
contestava. Que direi de Albúcio, pois mais elegante
de que Fedro, nada de mais humano, mas o velho se
irritava, se tivesse dito algo mais áspero, quando
Epicuro atacou Aristóteles injuriosamente, falou
vergonhosamente mal do Fédon, de Sócrates,
hostilizou em todos os volumes Timócrates, irmão de
seu companheiro Metrodoro, porque não sei o que
divergia em filosofia, foi ingrato com o próprio
Demócrito, quem seguiu, recebeu tão mal Nausífane,
seu mestre, do qual nada aprendera. Zenão certamente
cobria de injúrias não só aqueles que eram então
contemporâneos: Apolodoro, Silo, outros, mas dizia
que o próprio Sócrates, pai da filosofia, usando a
palavra latina era um bobo ático, nunca chamava
Crisipo a não ser de “Crisipa”.
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[94] Tu ipse paulo ante cum tamquam senatum
philosophorum recitares, summos uiros desipere,
delirare, dementis esse dicebas. Quorum si nemo
uerum uidit de natura deorum, uerendum est, ne nulla
sit omnino. Nam ista, quae uos dicitis, sunt tota
commenticia, uix digna lucubratione anicularum. Non
enim sentitis, quam multa uobis suscipienda sint, si
inpetraritis, ut concedamus eandem hominum esse et
deorum figuram. Omnis cultus et curatio corporis erit
eadem adhibenda deo, quae adhibetur homini,
ingressus, cursus, accubitio, inclinatio, sessio,
conprehensio, ad extremum etiam sermo et oratio.
Tu mesmo um pouco antes quando, como se recitasses
na assembleia dos filósofos, dizias que os importantes
homens não tinham juízo perfeito, deliravam, eram
dementes. Se nenhum deles viu a verdade sobre a
natureza dos deuses, deve-se temer que não haja
absolutamente nenhuma. Pois essas coisas, que vós
dizeis, são todas inventadas, dificilmente dignas de
vigílias de velhinhas. Não sentis, pois, que numerosas
coisas por vós devem ser recebidas, caso consigais que
consintamos que seja o mesmo o aspecto dos homens e
dos deuses. Todo culto e ocupação do corpo, que são
oferecidos ao homem, deverão ser o mesmo oferecido
a um deus: o andar, o movimento, a participação no
banquete, a inclinação, a ação de se sentar, a
percepção, finalmente também a palavra e o discurso.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 115
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[95] Nam quod et maris deos et feminas esse dicitis,
quid sequatur, uidetis. Equidem mirari satis non
possum, unde ad istas opiniones uester ille princeps
uenerit. Sed clamare non desinitis retinendum hoc
esse, deus ut beatus inmortalisque sit. Quid autem
obstat, quo minus sit beatus, si non sit bipes, aut ista
siue beatitas siue beatitudo dicendast (utrumque
omnino durum, sed usu mollienda nobis uerba sunt) –
uerum ea, quaecumque est, cur aut in solem illum aut
in hunc mundum aut in aliquam mentem aeternam
figura membrisque corporis uacuam cadere non
potest?
Pois vedes que dizeis que há tanto deuses machos
quanto fêmeos, como se conclui. Certamente não
posso me admirar suficientemente a partir de onde
aquele vosso guia92 tenha chegado até essas opiniões.
Mas não deixais de proclamar que isto deva ser
conservado: que um deus é beato e imortal. O que,
porém, impede que seja menos beato, se não for
bípede, ou essa deve ser chamada ora beatitude ou
felicidade93 (uma e outra absolutamente é duro, mas
com o uso as palavras devem ser suavizadas por nós)
na verdade aquilo, seja o que for, por que não se pode
aplicar àquele sol, ou a este mundo, ou a alguma mente
eterna vazia de aspecto e menbros do corpo?
92 Epicuro. 93 Siue beatitas siue beatitudo.
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[96] Nihil aliud dicis nisi “Numquam uidi solem aut
mundum beatum.” Quid, mundum praeter hunc
umquamne uidisti? Negabis. Cur igitur non sescenta
milia esse mundorum, sed innumerabilia ausus es
dicere? “Ratio docuit.” Ergo hoc te ratio non docebit,
cum praestantissima natura quaeratur eaque beata et
aeterna, quae sola diuina naturast, ut inmortalitate
uincamur ab ea natura, sic animi praestantia uinci,
atque ut animi item corporis? Cur igitur, cum ceteris
rebus inferiores simus, forma pares sumus; ad
similitudinem enim deorum propius accedebat humana
uirtus quam figura.
Nenhuma outra coisa dizes a não ser “Nunca vi o sol
ou o mundo beato.” Quando viste alguma vez um
mundo além deste? Negarás. Por que então não ousaste
dizer que há seiscentos mil mundos, mas inumeráveis?
“A razão ensinou.” Portanto a razão não te ensinará
isto, quando se busca uma natureza mais superior e
sendo esta beata e eterna, que é a única natureza
divina, como somos vencidos na imortalidade por esta
natureza, assim venci na superioridade do ânimo e
como na do ânimo também na do corpo? Por que
então, quando somos inferiores nas outras coisas,
somos iguais na forma? Pois da semelhança dos deuses
chegava mais perto a virtude humana do que o aspecto.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 117
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[97] An quicquam tam puerile dici potest (ut eundem
locum diutius urgeam) quam, si ea genera beluarum,
quae in rubro mari Indiaue gignantur, nulla esse
dicamus? Atqui ne curiosissimi quidem homines
exquirendo audire tam multa possunt, quam sunt
multa, quae terra, mari, paludibus, fluminibus existunt;
quae negemus esse, quia numquam uidimus? Ipsa uero
quam nihil ad rem pertinet, quae uos delectat maxime,
similitudo. Quid, canis nonne similis lupo (atque, ut
Ennius, “simia quam similis turpissuma bestia nobis”);
at mores in utroque dispares. Elephanto beluarum nulla
prudentior; ad figuram quae uastior?
Ou se pode dizer algo tão pueril (pois pesa por muito
tempo sobre o mesmo argumento) quanto se
disséssemos que não há nenhum daqueles gêneros de
animais que são gerados no mar vermelho ou na Índia?
Entretanto, nem mesmo os homens mais cuidadosos,
buscando, podem ouvir muitas coisas tanto quanto são
numerosas, que existem na terra, no mar, nos pântanos,
nos rios, que negamos que existam porque nunca
vimos? A mesma semelhança que em nada é
conveniente à causa que vos deleita maximamente. Por
que o cão não é semelhante ao lobo (e, como Ênio, “o
macaco, animal muito disforme, quanto é semelhante a
nós”)? Mas os modos são diferentes em um e em
outro. Nenhum dos animais é mais prudente que o
elefante, que é o maior em relação ao aspecto?
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 118
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[98] De bestiis loquor; quid, inter ipsos homines nonne
et simillimis formis dispares mores et moribus
[paribus] figura dissimilis? Etenim si semel, Vellei,
suscipimus genus hoc argumenti, attende, quo serpat.
Tu enim sumebas nisi in hominis figura rationem
inesse non posse; sumet alius nisi in terrestri, nisi in
eo, qui natus sit, nisi in eo, qui adoleuerit, nisi in eo,
qui didicerit, nisi in eo, qui ex animo constet et corpore
caduco et infirmo, postremo nisi in homine atque
mortali. Quod si in omnibus his rebus obsistis, quid
est, quod te forma una conturbet? His enim omnibus,
quae proposui, adiunctis in homine rationem esse et
mentem uidebas; quibus detractis deum tamen nosse te
dicis, modo liniamenta maneant. Hoc est non
considerare, sed quasi sortiri, quid loquare.
Falo dos animais; por que não há entre os próprios
homens, tanto modos diferentes em formas
semelhantes, quanto aspecto diferente em modos
iguais? Pois se uma única vez, Veleio, assumimos este
gênero de argumento, presta atenção ao que se insinua.
Tu mesmo, pois, assumias que a razão não pode
existir, exceto na figura humana; outro assumirá,
exceto em terrestres, exceto naquele que nasceu,
exceto naquele que cresceu, exceto naquele que
aprendeu, exceto naquele que se constitui de alma
tanto de corpo perecível quanto fraco, por último,
exceto no homem e mortal. Por que se te opões a todas
estas coisas que há, por que uma só forma te perturba?
Reunidas, pois, todas estas coisas, que tenho exposto,
vias que a mente e a razão existem no homem; as quais
retiradas, porém, dizes que conheces um deus,
permanecem apenas as feições. Isto não é considerar,
mas quase sortear o que falar.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 119
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[99] Nisi forte ne hoc quidem adtendis non modo in
homine, sed etiam in arbore, quicquid superuacuaneum
sit aut usum non habeat, obstare. Quam molestum est
uno digito plus habere; quid ita? Quia nec speciem nec
usum alium quinque desiderant. Tuus autem deus non
digito uno redundat, sed capite, collo, ceruicibus,
lateribus, aluo, tergo, poplitibus, manibus, pedibus,
feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad
uitam membra pertinent94, quid ipsa facies? Magis illa,
cerebrum, cor, pulmones, iecur: Haec enim sunt
domicilia uitae; oris quidem habitus ad uitae
firmitatem nihil pertinet.
94 g: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad uitam
membra pertinent?”
d: “feminibus, cruribus. Quia haec ad uitam membra pertinent
(...)”.
Exceto se, por acaso, nem mesmo entendes que isto
impede não só no homem, mas também na árvore, tudo
o que é supérfluo ou não tenha uso. Quanto é penoso
ter mais de um dedo. Por que é assim? Porque os cinco
dedos não sentem a falta nem da aparência nem do uso
dos outros. Teu deus, porém, não é redundate com um
só dedo, mas com cabeça, com pescoço, com nuca,
com lados, com ventre, com costas, com curvas na
perna, com mãos, com pés, com coxas, com pernas.
Caso seja como imortal, por que estes membros são
importantes para a vida, por que essas formas? Mais
isto: cérebro, coração, pulmões, fígado. Estas coisas
são a morada da vida; na verdade o estado do aspecto
em nada é importante para a firmeza da vida.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 120
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[100] Et eos uituperabas, qui ex operibus magnificis
atque praeclaris, cum ipsum mundum, cum eius
membra, caelum, terras, maria, cumque horum
insignia, solem, lunam, stellasque uidissent, cumque
temporum maturitates, mutationes, uicissitudinesque
cognouissent, suspicati essent aliquam excellentem
esse praestantemque naturam, quae haec effecisset,
moueret, regeret, gubernaret. Qui etiam si aberrant a
coniectura, uideo tamen, quid sequantur: Tu quod opus
tandem magnum et egregium habes, quod effectum
diuina mente uideatur, ex quo esse deos suspicere?
“Habebam” inquis “in animo insitam informationem
quandam dei”. Et barbati quidem Iouis, galeatae
Mineruae: Num igitur esse talis putas?
E criticavas aqueles, que a partir de obras magníficas e
notáveis, quando viram o próprio mundo, com seus
membros, o céu, as terras, os mares, e com suas
insígnias, o sol, a lua e as estrelas, e quando
conheceram as estações, as mutações e sucessões,
conjecturaram que existia alguma natureza excelente e
superior, que criou estas coisas, movia, regia,
gorvenava. Os que também se desviam da conjectura;
vejo, porém, que seguem. Enfim, que obra tu tens de
grande e notável, que pareça realizada pela mente
divina, a partir de que conjucturar que os deuses
existem? Dizes: “Tinha no ânimo certa noção inserida
de deus.” E na verdade, de Júpiter barbado, de
Minerva com capacete. Por acaso então pensas que são
assim?
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 121
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[101] Quanto melius haec uulgus imperitorum, qui non
membra solum hominis deo tribuant, sed usum etiam
membrorum; dant enim arcum, sagittas, hastam,
clipeum, fuscinam, fulmen, et si actiones, quae sint
deorum, non uident, nihil agentem tamen deum non
queunt cogitare. Ipsi, qui inridentur, Aegyptii nullam
beluam nisi ob aliquam utilitatem, quam ex ea
caperent, consecrauerunt; uelut ibes maximam uim
serpentium conficiunt, cum sint aues excelsae cruribus
rigidis, corneo proceroque rostro; auertunt pestem ab
Aegypto, cum uolucris anguis ex uastitate Libyae
uento Africo inuectas interficiunt atque consumunt, ex
quo fit, ut illae nec morsu uiuae noceant nec odore
mortuae. Possum de ichneumonum utilitate, de
crocodilorum, de faelium dicere, sed nolo esse longus.
Ita concludam tamen beluas a barbaris propter
beneficium consecratas, uestrorum deorum non modo
beneficium nullum extare, sed ne factum quidem
omnino.
Quanto melhor esta multidão de imperitos, que
atribuem não só membros de homens a um deus, mas
também o uso dos membros, dão, pois, arco, flechas,
lança, escudo, tridente, raio, e se não vêem ações, que
são dos deuses, não podem cogitar, porém, um deus
que nada faz. Os próprios egípcios, que são risíveis,
não consagraram nenhum animal, a não ser por alguma
utilidade que dele recebessem; como as íbis executam
uma grandíssima quantidade de serpentes, já que são
aves poderosas com pernas fortes, com bico duro e
longo, afastam a peste do Egito, quando matam e
consomem as velozes serpentes trazidas do deserto da
Líbia pelo vento áfrico, do que resulta que aquelas
nem vivas prejudicam com a mordida nem mortas com
o odor. Posso dizer sobre a utilidade do rato do Egito,
sobre a dos crocodilos, sobre a dos gatos, mas não
quero ser longo. Assim, porém, concluirei que os
animais consagrados pelos bárbaros por causa dos
benefícios não só não mostram nenhum benefício de
vossos deuses, mas nem mesmo um feito
absolutamente.
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[102] “Nihil habet” inquit “negotii.” Profecto Epicurus
quasi pueri delicati nihil cessatione melius existimat, at
ipsi tamen pueri etiam, cum cessant exercitatione
aliqua ludicra, delectantur: Deum sic feriatum uolumus
cessatione torpere, ut, si se commouerit, uereamur ne
beatus esse non possit? Haec oratio non modo deos
spoliat motu et actione diuina, sed etiam homines
inertis efficit, si quidem agens aliquid ne deus quidem
esse beatus potest.
Diz: “Não há nenhuma ocupação”. Certamente
Epicuro, como crianças delicadas, pensa que nada é
melhor do que o repouso, porém as próprias crianças
se deleitam, quando repousam de algum exercício
lúdico. Assim queremos que um deus ocioso esteja
entorpecido em repouso, como receamos, se ele se
mover, não pode ser beato? Este discurso não só priva
os deuses do movimento e da ação divina, mas
também faz os homens inertes, se na verdade fazendo
algo, nem mesmo um deus pode ser beato.
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[103] Verum sit sane, ut uultis, deus effigies hominis
et imago: Quod eius est domicilium, quae sedes, qui
locus, quae deinde actio uitae, quibus rebus, id quod
uultis, beatus est? Vtatur enim suis bonis oportet [et]
fruatur, qui beatus futurus est. Nam locus quidem his
etiam naturis, quae sine animis sunt, suus est cuique
propris, ut terra infimum teneat, hanc inundet aqua,
superior [aeri], aetheriis ignibus altissima ora reddatur;
bestiarum autem terrenae sunt aliae, partim aquatiles,
aliae quasi ancipites in utraque sede uiuentes, sunt
quaedam etiam, quae igne nasci putentur,
appareantque in ardentibus fornacibus saepe uolitantes.
Mas seja um deus certamente, como desejais, retrato e
imagem do homem. Qual é sua morada, quais as sedes,
qual o lugar, qual além disso a ação de vida, por quais
coisas, o que desejais é beato? Convém, pois, que se
utilize e usufrua de seus bens, ele há de ser beato. Pois
há na verdade um lugar seu, próprio de cada um
também para estas naturezas, que existem sem ânimos,
como a terra ocupa a parte inferior, a água a inunda, a
parte superior é entregue aos fogos etéreos; dos
animais, porém, uns são terrestres, parte aquáticos,
outros como ambíguos95, vivendo em ambas moradas,
há também alguns que se julgam nascidos no fogo, e
aparecem sempre voando nas fornalhas ardentes.
95 Anfíbios.
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[104] Quaero igitur, uester deus primum ubi habitet,
deinde quae causa eum loco moueat, si modo mouetur
aliquando, post, cum hoc proprium sit animantium, ut
aliquid adpetant, quod sit naturae accommodatum,
deus quid appetat, ad quam denique rem motu mentis
ac rationis utatur, postremo quo modo beatus sit, quo
modo aeternus. Quicquid enim horum attigeris ulcus
est: Ita male instituta ratio exitum reperire non potest.
Procuro, pois, primeiramente onde habita o vosso
deus; depois qual causa o move de lugar, se ao menos
algumas vezes se move; em seguida, já que isto é
próprio dos seres animados, que desejam alguma
coisa, que seja próprio da natureza, o que deseja um
deus; para que coisa finalmente usa o movimento da
mente e da razão; por último, de que modo é beato, de
que modo é eterno. Tudo isto é de nenhum valor.
Assim um pensamento mal colocado, não pode
encontrar êxito.
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[105] Sic enim dicebas speciem dei percipi
cogitatione, non sensu nec esse in ea ullam soliditatem
neque eandem ad numerum permanere eamque esse
eius uisionem, ut similitudine et transitione cernatur,
neque deficiat umquam ex infinitis corporibus
similium accessio, ex eoque fieri, ut in haec intenta
mens nostra beatam illam naturam et sempiternam
putet. Hoc, per ipsos deos, de quibus loquimur, quale
tandem est? Nam si tantummodo ad cogitationem
ualent nec habent ullam soliditatem nec eminentiam,
quid interest, utrum de hippocentauro an de deo
cogitemus; omnem enim talem conformationem animi
ceteri philosophi motum inanem uocant, uos autem
aduentum in animos et introitum imaginum dicitis.
Assim, pois, dizias que a aparência de um deus é
compreendida pelo pensamento, sem sentimento, que
não há nela nenhuma solidão e que a mesma não se
conserva de acordo com uma classe e que ela é uma
visão dele, como se percebe pela semelhança e
transição, e o acesso de semelhanças nunca se afasta
de corpos infinitos, e a partir disto resulta que a nossa
mente julga dirigida a estas coisas aquela natureza
beata e eterna. Isto, pelos próprios deuses, de que
falamos, é o que finalmente? Pois se valem apenas
segundo o pensamento, não têm nenhuma solidez nem
excelência, o que importa se pensamos sobre um
hipocentauro ou sobre um deos; outros filósofos
chamam toda esta disposição da alma de movimento
vazio, vós, porém, chamais de entrada e chegada das
imagens nos ânimos.
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[106] Vt igitur, Ti. Gracchum cum uideor
contionantem in Capitolio uidere de M. Octauio
deferentem sitellam, tum eum motum animi dico esse
inanem, tu autem et Gracchi et Octaui imagines
remanere, quae, in Capitolium cum peruenerint, tum
ad animum meum referantur – hoc idem fieri in deo,
cuius crebra facie pellantur animi, ex quo esse beati
atque aeterni intellegantur.
Porque então quando pareço ver Tibério Graco,
falando no Capitólio, trazendo uma urna, então digo
que aquele movimento da alma é vazio, porém tu dizes
que permanecem as imagens tanto de Graco quanto de
Otávio, que, quando chegam ao Capitólio, então são
trazidas de volta à minha alma – isto mesmo acontece
no deus em cuja face frequentemente os ânimos se
encontram, a partir disso se compreende que são
beatos e eternos.
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[107] Fac imagines esse, quibus pulsentur animi:
Species dumtaxat obicitur quaedam; num etiam cur ea
beata sit, cur aeterna? Quae autem istae imagines
uestrae aut unde? A Democrito omnino haec licentia;
sed et ille reprehensus a multis est, nec uos exitum
reperitis, totaque res uacillat et claudicat. Nam quid
est, quod minus probari possit, omnium in me incidere
imagines, Homeri, Archilochi, Romuli, Numae,
Pythagorae, Platonis – nec ea forma, qua illi fuerant:
Quo modo illi ergo? Et quorum imagines: Orpheum
poetam docet Aristoteles numquam fuisse, et hoc
Orphicum carmen Pythagorei ferunt cuiusdam fuisse
Cerconis; at Orpheus, id est imago eius, ut uos uultis,
in animum meum saepe incurrit.
Faz com que existam imagens, nas quais os ânimos se
encontram; apenas certa aparência se apresenta; por
acaso, por que também ela é beata, por que é eterna?
Quais, porém, são estas vossas imagens ou de onde?
De Demócrito é absolutamente esta licença, mas
também ele foi repreendido por muitos, nem vós
encontrais uma saída, e todo argumento hesita e
claudica. Pois o que é que pode ser menos aprovado
que imagens de todos que recaem sobre mim: de
Homero, de Arquíloco, de Rômulo, de Numa, de
Pitágoras, de Platão – não naquela forma em que eles
existiram. De que modo eles são então? E as imagens
deles: Aristóteles ensina que o poeta Orfeu nunca
existiu, e os pitagóricos afirmam que este poema órfico
foi de certo Cercão, mas Orfeu, isto é, sua imagem,
como vós quereis, sempre me vem à alma.
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[108] Quid, quod eiusdem hominis in meum, aliae
aliae in tuum; quid, quod earum rerum, quae numquam
omnino fuerunt neque esse potuerunt, ut Scyllae, ut
Chimaerae; quid, quod hominum, locorum, urbium
earum, quas numquam uidimus; quid, quod, simul ac
mihi collibitum est, praesto est imago; quid, quod
etiam ad dormientem ueniunt inuocatae. Tota res,
Vellei, nugatoria est. Vos autem non modo oculis
imagines, sed etiam animis inculcatis: Tanta est
inpunitas garriendi. At quam licenter.
Por que é que há uma imagem do mesmo homem
presente na minha alma, muitas outras na tua; por que
é que há imagem destas coisas que nunca existiram
absolutamente e nem puderam existir, como a de
Scylla96, como a da Quimera; por que é que há imagem
de homens, de lugares, destas cidades, que nunca
vimos; por que é que a imagem me veio à mente
assim; por que é que também vem aos que dormem
sem serem chamadas. Todo argumento, Veleio, foi
fútil. Vós, porém, não só amontoais imagens nos
olhos, mas também na alma. Há tanta impunidade para
se tagarelar, tão desenfreadamente.
96 Filha de Phorco, transformada em monstro marinho.
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[109] “Fluentium frequenter transitio fit uisionum, ut e
multis una uideatur.” Puderet me dicere non
intellegere, si uos ipsi intellegeretis, qui ista defenditis.
Quo modo enim probas continenter imagines ferri, aut
si continenter, quo modo aeterne?97 “Innumerabilitas”
inquit “suppeditat atomorum.” Num eadem ergo ista
faciet, ut sint omnia sempiterna? Confugis ad
aequilibritatem (sic enim i)sonomi/an, si placet,
appellemus) et ais, quoniam sit natura mortalis,
inmortalem etiam esse oportere. Isto modo, quoniam
homines mortales sunt, sint aliqui inmortales, et
quoniam nascuntur in terra, nascantur in aqua. “Et quia
sunt, quae interimant, sint, quae conseruent.” Sint
sane, sed ea conseruent, quae sunt; deos istos esse non
sentio.
97 g: “quo modo aeternae?”
d: “quo modo aeternae?”
“Acontece frequentemente uma passagem das imagens
que fluem, de modo que de muitas se veja uma.”
Envergonhar-me-ia dizer que não entendo, se vós
mesmos, que defendeis essas coisas, entendêsseis. De
que modo, pois, aprovas que as imagens se movem
continuamente, ou se se movem continuamente, de que
modo são eternas? Diz: “Basta uma infinidade de
átomos.” Por acaso ela mesma fará, portanto, com que
todas as coisas sejam eternas? Tu te refugias na exata
proporção das partes (pois chamamos assim
i)sonomi/an98, se é agradável) e afirmas, porque a
natureza seja mortal, é preciso também ser imortal.
Desse modo, porque existem homens mortais, existem
alguns imortais, e porque nasçam na terra, nascem na
água. “E porque existem coisas que destroem, existem
as que conservam.” Existe sem dúvida, mas conservam
aquelas que existem; não penso que os deuses sejam
esses.
98 Isonomia, igual partição.
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[110] Omnis tamen ista rerum effigies ex indiuiduis
quo modo corporibus oritur? Quae etiam si essent,
quae nulla sunt, pellere sepse et agitari inter se
concursu fortasse possent, formare, figurare, colorare,
animare non possent. Nullo igitur modo inmortalem
deum efficitis. Videamus nunc de beato. Sine uirtute
certe nullo modo; uirtus autem actuosa; et deus uester
nihil agens; expers uirtutis igitur; ita ne beatus quidem.
De que modo, porém, toda essa imagem das coisas
surge a partir de corpos indivisíveis? As quais também,
se existem, elas não são nada, podem provavelmente
se lançar e serem lançadas entre si com o encontro, não
podem formar, figurar, colorir, animar. De nenhum
modo então demonstrais um deus imortal. Vejamos
agora sobre ser beato. Certamente de modo algum será
sem virtude; porém a virtude é diligente, e o vosso
deus que nada faz, então é desprovido de virtude,
assim nem mesmo é beato.
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[111] Quae ergo uita? “Suppeditatio” inquis “bonorum
nullo malorum interuentu.” Quorum tandem bonorum?
Voluptatum credo, nempe ad corpus pertinentium;
nullam enim nouistis nisi profectam a corpore et
redeuntem ad corpus animi uoluptatem. Non arbitror te
uelle similem esse Epicureorum reliquorum99, quos
pudeat quarundam Epicuri uocum, quibus ille testatur
se [ne] intellegere quidem ullum bonum, quod sit
seiunctum a delicatis et obscenis uoluptatibus; quas
quidem non erubescens persequitur omnis nominatim.
99 g: “Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum
reliquorum (...)”.
d: “Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum
(...)”.
Qual vida então? Dizes: “A abundância de bens sem
nenhuma intervenção de males.” De quais bens enfim?
Dos prazeres creio, isto é, do que pertence ao corpo,
pois não conhecestes nenhum prazer do ânimo a não
ser o que provém do corpo e que volta ao corpo. Não
julgo que tu queres ser igual aos outros epicuristas, que
se envergonham de algumas palavras de Epicuro, pelas
quais ele afirma que nem mesmo entende algum bem,
que tenha sido separado dos prazeres delicados e
obscenos, os quais certamente todos perseguem, não se
envergonhando, designando pelo nome.
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[112] Quem cibum igitur aut quas potiones aut quas
uocum aut florum uarietates aut quos tactus, quos
odores adhibebis ad deos, ut eos perfundas
uoluptatibus? Ac poetae quidem nectar, ambrosiam
epulas conparant et aut Iuuentatem aut Ganymedem
pocula ministrantem, tu autem, Epicure, quid facies?
Neque enim, unde habeat ista deus tuus, uideo, nec
quo modo utatur. Locupletior igitur hominum natura
ad beate uiuendum est quam deorum, quod pluribus
generibus fruitur uoluptatum.
Qual alimento, pois, ou quais bebidas, ou quais
variedades de palavras, ou de ornamentos, ou quais
contatos, quais odores, oferecerás aos deuses para que
os cubras com prazeres? E os poetas certamente
apresentam as refeições, néctar, ambrosia e, ou
Juventude ou Ganimedes servindo as bebidas, tu,
Epicuro, que fazes, porém? Não vejo, pois, onde teu
deus tenha essas coisas, nem de que modo use. Mais
rica então é a natureza dos homens do que a dos deuses
para viver beatamente, porque usufrui de muitos tipos
de prazeres.
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[113] At has leuioris ducis uoluptates, quibus quasi
titillatio (Epicuri enim hoc uerbum est) adhibetur
sensibus. Quo usque ludis? Nam etiam Philo noster
ferre non poterat aspernari Epicureos mollis et
delicatas uoluptates. Summa enim memoria
pronuntiabat plurimas Epicuri sententias is ipsis uerbis,
quibus erant scriptae. Metrodori uero, qui est Epicuri
collega sapientiae, multa inpudentiora recitabat;
accusat enim Timocratem, fratrem suum, Metrodorus,
quod dubitet omnia, quae ad beatam uitam pertineant,
uentre metiri, neque id semel dicit, sed saepius.
Adnuere te uideo, nota enim tibi sunt; proferrem
libros, si negares. Neque nunc reprehendo, quod ad
uoluptatem omnia referantur (alia est ea quaestio), sed
doceo deos uestros esse uoluptatis expertes, ita uestro
iudicio ne beatos quidem.
Mas pensas estes prazeres mais agradáveis, com os
quais quase cócegas se apresentem aos sentidos (pois
esta é palavra de Epicuro). Até quando brincarás? Pois
também nosso amigo Filo não podia suportar que os
epicuristas rejeitassem os prazeres moles e delicados.
Com suma memória, pois, pronunciava as muitas
sentenças de Epicuro com aquelas mesmas palavras
com as quais foram escritas. Recitava certamente
muitas coisas mais impudentes de Metrodoro, que é
amigo da sabedoria de Epicuro; Metrodoro acusa, pois,
Timócrates, seu irmão, de medir grosseiramente
porque duvidava de tudo que é pertinente à vida beata,
não disse isso uma só vez, mas sempre. Vejo que tu
aprovas, pois são coisas conhecidas por ti; exibiria os
livros, caso negasses. Não repreendo agora, porque
todas as coisas se referem ao prazer (esta questão é
outra), mas ensino que os vossos deuses são
desprovidos de prazer, assim nem mesmo por vosso
julgamento são beatos.
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[114] “At dolore uacant.” Satin est id ad illam
abundantem bonis uitam beatissimam? “Cogitat”
inquiunt “adsidue beatum esse se; habet enim nihil
aliud, quod agitet in mente.” Conprehende igitur animo
et propone ante oculos deum nihil aliud in omni
aeternitate nisi “Mihi pulchre est” et “Ego beatus sum”
cogitantem. Nec tamen uideo, quo modo non uereatur
iste deus beatus, ne intereat, cum sine ulla
intermissione pulsetur agiteturque atomorum
incursione sempiterna, cumque ex ipso imagines
semper afluant. Ita nec beatus est uester deus nec
aeternus.
“Mas são desprovidos de dor.” Por acaso existe isto
para aquela vida muito beata abundante de bens?
Dizem: “Pensa que ele é sempre beato, pois não há
nenhuma outra coisa que perturbe na mente.”
Compreende então na alma e põe diante dos olhos que
um deus não pensa nenhuma outra coisa a não ser em
toda eternidade, “para mim tudo bem” e “eu sou
beato”. Não vejo, porém, de que modo este deus beato
não tema, nem pereça, quando sem nenhum repouso
seja impelido e movido no eterno choque de átomos e
quando a partir dele afluam sempre as imagens. Assim
vosso deus nem é beato, nem eterno.
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[115] “At etiam de sanctitate, de pietate aduersus deos
libros scripsit Epicurus.” At quo modo in his loquitur:
ut [Ti.] Coruncanium aut P. Scaeuolam pontifices
maximos te audire dicas, non eum, qui sustulerit
omnem funditus religionem nec manibus ut Xerses,
sed rationibus deorum inmortalium templa et aras
euerterit. Quid est enim, cur deos ab hominibus
colendos dicas, cum dei non modo homines non
colant, sed omnino nihil curent, nihil agant?
“Mas Epicuro escreveu livros também sobre a
sanctitas, sobre a pietas para com os deuses.” Mas de
que modo fala disto: como dizes que tu ouves Tibério
Coruncânio ou Públio Scaevola, pontífices máximos,
não aquele que aboliu até o fim toda religio, não com
as mãos como Xerxes, mas com argumentos destruiu
templos e altares de deuses imortais. Por que é então
que dizes que os deuses devem ser venerados pelos
homens, quando os deuses não só não veneram os
homens, mas não cuidam de absolutamente nada, nada
fazem?
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[116] “At est eorum eximia quaedam praestansque
natura, ut ea debeat ipsa per se ad se colendam elicere
sapientem.” An quicquam eximium potest esse in ea
natura, quae sua uoluptate laetans nihil nec actura sit
umquam neque agat neque egerit? Quae porro pietas ei
debetur, a quo nihil acceperis, aut quid omnino, cuius
nullum meritum sit, ei deberi potest? Est enim pietas
iustitia aduersum deos; cum quibus quid potest nobis
esse iuris, cum homini nulla cum deo sit communitas?
Sanctitas autem est scientia colendorum deorum; qui
quam ob rem colendi sint, non intellego nullo nec
accepto ab his nec sperato bono.
“Mas há uma notável e superior natureza deles, de
modo que ela por si mesma deve atrair o sábio para
venerá-la.” Por acaso pode haver algo de notável
naquela natureza, que em nada se alegra com o seu
prazer, nem nunca fará, nem faz, nem fez? Qual pietas,
pois, se deve àquele, de quem nada recebeste, ou o
que, absolutamente, pode-se dever àquele cujo mérito
seja nulo? A pietas é, pois, a justiça para com os
deuses; com eles, que direito pode haver para nós,
quando não há para o homem nenhuma conformidade
com um deus? A sanctitas, porém, é a ciência de
venerar os deuses, que não entendo por qual motivo
devam ser venerados, nada é recebido deles, nenhum
bem esperado.
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[117] Quid est autem, quod deos ueneremur propter
admirationem eius naturae, in qua egregium nihil
uidemus? Nam superstitione, quod gloriari soletis,
facile est liberare, cum sustuleris omnem uim deorum.
Nisi forte Diagoram aut Theodorum, qui omnino deos
esse negabant, censes superstitiosos esse potuisse; ego
ne Protagoram quidem, cui neutrum licuerit, nec esse
deos nec non esse. Horum enim sententiae omnium
non modo superstitionem tollunt, in qua inest timor
inanis deorum, sed etiam religionem, quae deorum
cultu pio continetur.
Por que é, porém, que veneramos os deuses, pela
admiração de sua natureza, na qual nada de insigne
vemos? Pois é fácil livrar-se da superstição, que estás
habituado a vangloriar, quando retiraste toda a força
dos deuses. A não ser que penses por acaso que
Diágoras e Teodoro, que negam absolutamente que os
deuses existem, possam ser supersticiosos; eu penso
que nem mesmo Protágoras possa ser supersticioso,
que não admitiu nem um nem outro: nem que existem
deuses, nem que não existem. As sentenças, pois, de
todos estes não só elevam a superstição, na qual há um
temor vazio dos deuses, mas também a religio, que se
conserva em um pio culto dos deuses.
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 138
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[118] Quid i, qui dixerunt totam de dis inmortalibus
opinionem fictam esse ab hominibus sapientibus rei
publicae causa, ut, quos ratio non posset, eos ad
officium religio duceret, nonne omnem religionem
funditus sustulerunt? Quid Prodicus Cius, qui ea, quae
prodessent hominum uitae, deorum in numero habita
esse dixit, quam tandem religionem reliquit?
Por que aqueles que disseram que toda opinião sobre
os deuses imortais foi inventadas pelos homens sábios
por causa da República para que a religio conduzisse
ao trabalho aqueles que a razão não podia, não é
verdade que destruiu toda religio completamente? Por
que Pródico de Ceos disse que aquelas coisas, que
fossem úteis à vida dos homens, teriam sido contadas
no número dos deuses, qual religio deixou finalmente?
D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 139
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[119] Quid, qui aut fortis aut claros aut potentis uiros
tradunt post mortem ad deos peruenisse eosque esse
ipsos, quos nos colere, precari uenerarique soleamus,
nonne expertes sunt religionum omnium? Quae ratio
maxime tractata ab Euhemero est, quem noster et
interpretatus est et secutus praeter ceteros Ennius; ab
Euhemero autem et mortes et sepulturae demonstrantur
deorum; utrum igitur hic confirmasse uidetur
religionem an penitus totam sustulisse? Omitto
Eleusinem sanctam illam et augustam, “Vbi initiantur
gentes orarum ultimae”, praetereo Samothraciam
eaque, quae Lemni “Nocturno aditu occulta coluntur
siluestribus saepibus densa”; quibus explicatis ad
rationemque reuocatis rerum magis natura cognoscitur
quam deorum.
Por que aqueles que ensinam que depois da morte os
homens, ou fortes, ou ilustres, ou poderosos, chegaram
até os deuses, e que eles mesmos que nós costumamos
cultuar, invocar e venerar, não são desprovidos de toda
religio? Qual opinião principalmente foi trazida por
Euhemero, que nosso amigo Ênio, além de outros,
interpretou e seguiu; por Euhemero, porém, tanto as
mortes quanto as sepulturas dos deuses se mostram;
então, um e outro parece aqui ter confirmado a religio
ou tê-la sustentado completamente? Omito aquela
santa e augusta Elêusis, “onde se iniciam pessoas mais
afastadas no que é secreto”, ultrapasso a Samotrácia e
aquelas coisas que em Lemnos “no encontro noturno
as frequentes coisas ocultas são cultuadas atrás das
cercas silvestres”, com elas explicadas e
reestabelecidas a partir da razão se conhece mais a
natureza das coisas do que dos deuses.
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[120] Mihi quidem etiam Democritus, uir magnus in
primis, cuius fontibus Epicurus hortulos suos inrigauit,
nutare uidetur in natura deorum. Tum enim censet
imagines diuinitate praeditas inesse in uniuersitate
rerum, tum principia mentis, quae sunt in eodem
uniuerso, deos esse dicit, tum animantes imagines,
quae uel prodesse nobis solent uel nocere, tum
ingentes quasdam imagines tantasque, ut uniuersum
mundum conplectantur extrinsecus, quae quidem
omnia sunt patria Democriti quam Democrito digniora;
Para mim certamente também Demócrito, grande
homem entre os primeiros, com cujas fontes Epicuro
irrigou seus pequenos jardins, parece titubear na
natureza dos deuses. Pois, por um lado, julga que há na
universalidade das coisas imagens providas de
divindade; por outro, diz que os deuses são os
princípios da mente, que estão no mesmo universo. Por
um lado, diz que há imagens animadas, que costumam
ou nos ajudar ou prejudicar; por outro, diz que há
certas imagens grandes e tantas que abranjam todo
mundo por fora, certamente todas essas coisas são
mais dignas do que Demócrito na pátria de Demócrito;
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[121] quis enim istas imagines conprehendere animo
potest, quis admirari, quis aut cultu aut religione
dignas iudicare? Epicurus uero ex animis hominum
extraxit radicitus religionem, cum dis inmortalibus et
opem et gratiam sustulit. Cum enim optimam et
praestantissumam naturam dei dicat esse, negat idem
esse in deo gratiam: Tollit id, quod maxime proprium
est optimae praestantissimaeque naturae. Quid enim
melius aut quid praestantius bonitate et beneficentia;
qua cum carere deum uultis, neminem deo, nec deum
nec hominem carum, neminem ab eo amari, neminem
diligi uultis: ita fit, ut non modo homines a deis, sed
ipsi dei inter se ab aliis alii neglegantur. Quanto Stoici
melius, qui a uobis reprehenduntur: Censent autem
sapientes sapientibus etiam ignotis esse amicos; nihil
est enim uirtute amabilius, quam qui adeptus erit,
ubicumque erit gentium, a nobis diligetur.
Quem pode, pois, compreender no ânimo estas
imagens, quem pode admirar, quem pode julgar dignas
ou de culto ou de religio? Epicuro com certeza extraiu
pela raiz a religio dos ânimos dos homens, quando dos
deuses imortais suprimiu tanto a ajuda quanto a
gratidão. Como, pois, diz que a natureza de um deus é
ótima e eminente, ele nega que há no deus gratidão;
tira o que é bem próprio de uma natureza ótima e
eminente. O que, pois, é melhor ou o que é mais
eminente do que a bondade e a beneficência, quando
quereis privar um deus dela, quereis que ninguém, nem
deus nem homem seja caro, para o deus, que ninguém
seja amado por ele, que ninguém seja apreciado.
Assim ocorre que não só os homens sejam
negligenciados pelos deuses, mas os próprios deuses
entre si uns pelos outros. Tanto melhor os estoicos, que
são repreendidos por vós, julgam, porém, que os sábios
sejam amigos dos sábios e também dos ignorantes;
nada há, pois, mais amável do que a virtude, a qual
quem tiver adquirido, em qualquer lugar que estiver,
será apreciado por nós.
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[122] Vos autem quid mali datis, cum [in] inbecillitate
gratificationem et beniuolentiam ponitis. Vt enim
omittam uim et naturam deorum, ne homines quidem
censetis, nisi inbecilli essent, futuros beneficos et
benignos fuisse? Nulla est caritas naturalis inter
bonos? Carum ipsum uerbum est amoris, ex quo
amicitiae nomen est ductum; quam si ad fructum
nostrum referemus, non ad illius commoda, quem
diligemus, non erit ista amicitia, sed mercatura
quaedam utilitatum suarum. Prata et arua et pecudum
greges diliguntur isto modo, quod fructus ex is
capiuntur, hominum caritas et amicitia gratuita est;
quanto igitur magis deorum, qui nulla re egentes et
inter se diligunt et hominibus consulunt. Quod ni ita
sit, quid ueneramur, quid precamur deos, cur sacris
pontifices, cur auspiciis augures praesunt, quid
optamus a deis inmortalibus, quid uouemus? “At etiam
liber est Epicuri de sanctitate.”
Vós, porém, que permitis algo de mal, quando
apresentais na fraqueza o benefício e a benevolência.
De que modo omitirei, pois, a força e a natureza dos
deuses, nem mesmo julgais que os homens, a não ser
que fossem fracos, tinham de ser benéficos e
bondosos? Não há nenhuma afeição natural entre os
bons? A própria palavra ‘amor’ é estimada, da qual
proveio o nome ‘amizade’; se nos referimos a ela para
o nosso proveito, não ao proveito daquele que
apreciamos, não haverá essa amizade, mas certa
compra de suas necessidades. Os prados e os campos e
os rebanhos de animais são apreciados deste modo,
pois deles são colhidos os frutos, a afeição e a amizade
dos homens é gratuita; quanto mais a dos deuses
então, que de nada precisam, tanto se apreciam entre
si, quanto cuidam dos homens. Por que se não fosse
assim, por que veneramos, por que invocamos os
deuses, por que os pontífices presidem as coisas
sagradas, por que os áugures presidem os auspícios,
por que pedimos aos deuses imortais, por que fazemos
votos? “Mas também há um livro de Epicuro sobre a
sanctitas.”
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[123] Ludimur ab homine non tam faceto quam ad
scribendi licentiam libero. Quae enim potest esse
sanctitas, si dii humana non curant, quae autem
animans natura nihil curans? Verius est igitur nimirum
illud, quod familiaris omnium nostrum Posidonius
disseruit in libro quinto de natura deorum, nullos esse
deos Epicuro uideri, quaeque is de deis inmortalibus
dixerit inuidiae detestandae gratia dixisse; neque enim
tam desipiens fuisset, ut homunculi similem deum
fingeret, liniamentis dumtaxat extremis, non habitu
solido, membris hominis praeditum omnibus usu
membrorum ne minimo quidem, exilem quendam
atque perlucidum, nihil cuiquam tribuentem, nihil
gratificantem, omnino nihil curantem, nihil agentem.
Quae natura primum nulla esse potest, idque uidens
Epicurus re tollit, oratione relinquit deos;
Somos ridicularizados por um homem não tão
engraçado quanto livre na licença de escrever. Qual
sanctitas, pois, pode haver, se os deuses não cuidam
das coisas humanas, qual natureza animada, porém,
que de nada cuida? Há então algo certamente mais
verdadeiro – que Posidônio, amigo de todos nós, expôs
no quinto livro sobre a natureza dos deuses – que para
Epicuro parece não haver deuses e isto ele disse sobre
os deuses imortais, disse por causa de uma destestável
inveja; pois não teria sido tão insensato, quando
imaginava um deus semelhante a um pobre homem,
tão somente nas feições externas, sem estado sólido,
provido de todos os membros de homens sem ao
menos o mínimo uso dos membros, algo fraco e
transparente, que nada atribui a ninguém, a nada
favorece, não cuida absolutamente de nada, nada faz.
Primeiramente, tal natureza não pode haver e, vendo
isto, Epicuro com a palavra suprimiu, com o discurso
abandonou os deuses;
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[124] deinde si maxime talis est deus, ut nulla gratia,
nulla hominum caritate teneatur, ualeat – quid enim
dicam “propitius sit”; esse enim propitius potest
nemini, quoniam, ut dicitis, omnis in inbecillitate est et
gratia et caritas.”
Depois, se sobretudo um deus é tal, de modo que a
nenhum reconhecimento, a nenhuma caridade dos
homens esteja sujeito, prevaleça – diga eu, pois, que
“seja propício”; a ninguém, pois, pode ser propício,
porque, como dizeis, tanto o reconhecimento quanto a
afeição estão na debilidade de tudo.
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Referências
M. Tullius Cicero. De Natura Deorum. O. Plasberg. Leipzig. Teubner. 1917
Cicerone. La Natura Divina; a cura de Cesare Marco Calcante, texto latino a fronte. 6.ed. Milano: BUR, 2007
M. Tulli Ciceronis. De Natura Deorum, Libri Tres; cum notis integris Paulli Manucii, Petri Victorii, Joachimi Camerarii et alii. Editio
secunda. Cantabrigiae: typis academicis, MDCCXXIII
M. Tullio Cicerone. De Natura Deorum; texto, costruzion e versione letterale e note. 3.ed. Roma: Società Editrice Dante Alighieri, 1984
Cicerón. Sobre la Natureza de los Dioses; introducción, traducción y notas de Ángel Escobar. Madrid: Editorial Gredos, 1999.
GRIMAL, Pierre. Cicéron. Paris: Fayard, 1997.