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Cícero Início

Da Natureza dos Deuses I (De Natura Deorum – Liber I)

Tradução, Introdução e Notas

Willy Paredes Soares Doutor em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PPGL). Professor Adjunto II da UFPB, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV).

Edição Bilíngue

Latim/Português

Ideia – João Pessoa – 2017

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Todos os direitos e responsabilidades sobre textos e imagens são do autor.

Capa/Diagramação: Magno Nicolau

Ilustração da capa

Revisão Latim/Português: Jaynnoã Fernando Silva Lopes

_____________________________________________ C568n Cícero.

Da natureza dos deuses - Livro I / Willy Paredes Soares (tradutor do Latim para o Português). Bilingue. João Pessoa: Ideia, 2017.

145 p. ISBN 978-85-463-0198-0 1. Latim - Português

CDU: 807.1

E D I T O R A

www.ideiaeditora.com.br [email protected]

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Sumário

Do Autor e da Obra ..................................................... 5

Da Tradução ............................................................... 15

Das Variações Textuais no Livro I ......................... 15

DE NATVRA DEORVM - LIBER I ........................ 21

DA NATUREZA DOS DEUSES - LIVRO I ......... 21

Referências................................................................ 145

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Do Autor e da Obra

O século em que Cícero está inserido é marcado por diversos conflitos políticos, que exercem direta ou

indiretamente influência em sua vasta obra literária, pois desde muito jovem participou efetivamente da vida pública

romana. O nascimento de Cícero (Marcus Tullius Cicero) data de 106 a.C, em Arpino, situada a cerca de 110 Km de

Roma, sendo sua família ligada à ordem dos equites e ele era constantemente considerado um estrangeiro ou

chamado de homo nouus, pois sua ascendência não era nobre. Sua educação, juntamente com a de seu irmão Quinto,

foi realizada em Roma, onde ainda muito jovem teve a oportunidade de aprender e ouvir os mais ilustres oradores e

filósofos.

Seu primeiro marco como orador, aos 26 anos, foi Pro Roscio Amerino, em que discursava em defesa de

Róscio Amerino, acusado de parricídio. A partir desse momento, conseguiu êxito na maior parte de seus discursos,

quer fossem estes em prol de um acusado ou contra um provável inimigo de Roma. Através deles conseguiu ascensão

no âmbito político, chegando até os mais altos cargos da República e, por outro lado, despertou o rancor em muitos

de seus adversários. Seu interesse pela oratória e pela filosofia fez com que a partir de 79 a.C, Cícero buscasse um

aprofundamento de seus estudos nas letras gregas em Rodes e em Atenas, procurando adquirir conhecimento,

despertado pela leitura principalmente de filósofos gregos.

Após sua volta a Roma, em 75 a.C, foi feito questor1 (quaestor), ganhando destaque entre os magistrados, pois

em tal função exercia a guarda do tesouro público e assessorava o Praetor e o Proconsul, tendo este na província

autoridade de Consul, o exercício daquele cargo por Cícero se deu na Silícia ocidental. Juntamente à sua ascensão

político-social, Cícero cada vez mais ganhava destaque por seus discursos, sendo crescente a procura de seus serviços

de orador pelos membros da aristocracia romana. Dentre as suas dezenas de discursos, alguns foram marcantes para o

estabelecimento do autor como um célebre orador romano, considerado pela crítica como igualável apenas, no poder

argumentativo, ao orador grego Demóstenes.

1 Magistrado romano.

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Por ser o mais notável orador naquele momento em Roma e por parecer o mais propício aos interesses do

Senado, em 70 a.C, foi convidado a acusar Verres (Cornelius Verres), que desempenhava a função de propraetor da

Sicília, durante 3 anos, cujo governo era considerado como símbolo de corrupção e de crueldade. O discurso vitorioso

de Cícero contra Verres é publicado em Verrines, que Grimal (Cicéron, p.113) afirma ser uma forma que o orador

encontrou de denunciar a má administração do Estado por seus responsáveis.

Devido a sua constante preocupação com os interesses públicos, em 66 a.C, foi feito Praetor Vrbanus, o que

aumentava ainda mais sua importância no cenário político. No entanto, apesar de sua fama, Cícero não havia

conseguido juntar grande fortuna, exercendo seus atributos de orador, pois uma lei denominada Lex Cincia impedia

que o defensor recebesse pela causa defendida. Deste modo, em 62 a.C, para que pudesse comprar a casa de Crasso,

no Palatino, teve que pedir empréstimo a Cornélio Sila2, que viria a defender posteriormente.

Sua condição financeira garantia-lhe a possibilidade de viver entre os filósofos e os filólogos de sua época.

Este último termo deve ser entendido como designador de homem que tinha interesse pela linguagem antiga,

particularmente a dos filósofos, que tanto era prezada por Cícero. Segundo Grimal (Cicéron, p.116), estas

preocupações revelam um homem envolvido pela vontade de saber, que não estava apenas ligado aos interesses

políticos, como se pode observar em várias de suas obras de cunho filosófico, principalmente as escritas no final de

sua vida.

No entanto, parece que seu prestígio como orador e homem público lhe garantia respeito de figuras romanas

ilustres que, de certo modo, ajudariam em sua ascensão política à pretura, em 66 a.C, e ao consulado, em 63 a.C.

Fatos que não seriam possíveis sem a ajuda da arte oratória por que tanto Cícero prezava.

É evidente que a importância do orador e sua subida política não seriam imagináveis sem o apoio da

aristocracia, que via no autor a oportunidade de convencimento do Senado para a expansão dos domínios romanos

ocidentais e orientais. Pode-se afirmar que havia também do lado da aristocracia interesse em que Cícero fosse feito

senador, principalmente por parte de Pompeu, que o considerava um exímio aliado, apto à defesa de seus interesses e

contra o qual, dificilmente, pouco se poderia fazer no que se refere à arte do discurso.

O posicionamento favorável de Cícero a Pompeu pode ser verificado em um dos seus primeiros discursos

políticos, denominado de De imperio Pompei, em que, afirma Grimal (Cicéron, p. 122), defendia os interesses de

2 Cornlio Sila não deve ser confundido com Sila (Lucius Cornelius Sylla), ditador romano, morto em 78 a.C.

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Pompeu sobre uma possível centralização do poder, mostrando que este seria o mais bem preparado para enfrentar as

adversidades internas ou externas vivenciadas por Roma, em 60 a.C, como a possibilidade de guerra civil e as

invasões bárbaras, uma vez que Roma, devido à disputa pelo poder, mostrava-se fragilizada. Este posicionamento de

Cícero gerava, por outro lado, hostilidades por parte daqueles que também se mostravam interessados na

centralização do poder em suas mãos, como César.

Para o convencimento do Senado e do povo a respeito dos interesses, ou seja, do que Pompeu representaria na

defesa do Império, não é pouco provável que o orador tenha se valido de um discurso tocante a respeito dos valores

romanos, como a fides e a uirtus, o que representaria para a honra daqueles a vitória sobre Mitridates. De um modo

geral, tal discurso parece apresentar-se ambíguo, tanto fortalecendo a figura de Pompeu quanto fazendo com que o

povo romano buscasse apoiá-lo pela exaltação de sua glória. A vitória, neste caso, não seria de uma classe em

especial, mas da própria Roma.

A exaltação de Pompeu seria também a sua própria, pois Cícero queria se apresentar como um cidadão

notável, além disto, quando tenta levantar a moral do povo pela fides e pela uirtus, o que conduziria a religio, além da

notoriedade oratória, nesse momento, já podem ser observados elementos que o conduzem aos escritos filosóficos,

que produziria nos anos finais de sua vida, como o livro De Natura Deorum. Por volta de 69 a.C, Cícero se considera

um intermediário entre o mundo divino e a cidade, talvez por perceber a fragilidade ou mesmo a fidelidade do povo

aos ritos religiosos.

Em 63 a.C, apesar de ser homo nouus, completa o cursus honorum e consegue ser eleito Consul. Profere em

seus primeiros dias de consulado discursos que, segundo Grimal (Cicéron, p. 141), aparentemente vão ao encontro

dos interesses da aristocracia, pois tentava diferir uma lei agrária sugerida por Seruilius Rullus em que seriam

distribuídas terras na própria Itália àqueles que não as possuíssem. Cícero, para evitar um conflito interno

considerável, consegue através de sua força discursiva convencer os cidadãos romanos dos graves problemas que

surgiriam, se tal lei fosse aprovada.

Não se pode, porém, classificar a atitude do orador como defesa dos interesses aristocráticos, se se considerar

que Seruilius Rullus, agindo daquela maneira, garantia os interesses de César e Crasso, que, gerando conflitos

internos, enfraqueceriam a figura de Pompeu. Dessa forma, deve-se perceber que Cícero não buscava prejudicar as

classes menos favorecidas, impedindo sua possível melhoria, mas garantir os interesses de Pompeu, que lutava no

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Oriente, e também os seus, mostrando-se um excelente lutador, quando não se tratava do uso da força física, mas do

poder da palavra.

Outra preocupação de Cícero na função de Consul estava diretamente ligada à popularidade, o que pode ser

verificado em suas atitudes. Quando lhe foi atribuída a Macedônia através da eleição para que ele a comandasse e a

Gália Cisalpina a Antonius, providenciou Cícero uma troca no comando das províncias, pois se assumisse a província

da Macedônia deveria se afastar de Roma, como este não era seu interesse, uma vez que poderia haver articulações

contrárias à sua política, preferiu a Gália Cisalpina, o que foi aceito por Antonius em acordo.

Tal atitude garantia-lhe manobras políticas de seu interesse, porque Cícero se preocupava com sua

popularidade, o que facilitava de um modo geral a persuasão do povo. Certamente, argumentando que seria mais útil

sua presença em Roma que, por outro lado, dava-lhe possibilidades de desmanchar conspirações que fossem

contrárias ao Estado, articuladas por Catilina, ou mesmo por César, já que Pompeu ainda se encontrava fora de Roma.

O fato, que lhe restabeleceu a confiança do Senado e do povo de uma forma geral, foi a descoberta da

conjuração de Catilina, denunciada e levada ao Senado. Por este motivo, Cícero recebe dos senadores o título de

Senatus consultum ultimum, com o qual receberia a missão de defender a República por todos os meios. Este episódio

foi escrito pelo autor em um dos seus mais conhecidos discursos, denominado de Catilinárias (In L. Catilinam), com

o objetivo de servir como exemplo para todos aqueles que pretendessem ir de encontro aos interesses da República

romana, o que ainda o fez ser chamado de pater patriae.

A importância político-social do orador mostra-se não apenas pelos títulos recebidos, mas por sua ascensão

social, conseguida pela defesa dos mais notáveis políticos romanos através de seus discursos, de quem recebeu nobres

honrarias, dignas de poucos cidadãos, mesmo Cícero não tendo nascido em Roma.

Eventos como esse geravam, por mais que demonstrassem a força do orador, intrigas, não apenas por parte

daqueles sobre os quais Cícero havia proferido discursos contrários, como é o caso dos partidários de Catilina, mas

também por parte daqueles romanos mais conservadores que o consideravam, por ser proveniente de Arpino, um

estrangeiro. É estabelecida, então, sua residência na parte nobre de Roma, em momento de grande agitação política,

quando Cícero tinha muitos admiradores por um lado, mas por outro, vários interessados em seu afastamento da vida

pública e da própria Roma.

Constata-se, nesta agitação política, que em 60 a.C o Senado e a ordem equestre praticamente se mesclavam,

crescendo a cada dia a força da segunda. Nesse mesmo período, César governava a Espanha Ulterior, em que havia

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exercido durante um período de oito anos a função de Quaestor. César havia comandado várias expedições, o que

fazia crescer sua experiência militar, fato que posteriormente iria ser-lhe de bastante utilidade. Em junho do mesmo

ano, retornou a Roma almejando um lugar no Senado, não seria muito difícil de consegui-lo, já que suas conquistas

militares o igualavam em glória a Pompeu.

Então, em 60 a.C, César é eleito Consul, não demorando para estabelecer a aliança secreta com Pompeu e

Crasso, denominada primeiro Triunvirato. Não parece impossível que Cícero tenha sido convocado a participar dessa

aliança, devido ao seu grau de importância perante o Senado. No entanto, pode-se dizer que de acordo com seu

caráter e ética instituídos na concepção grega de cidadão, principalmente influenciado pelos filósofos peripatéticos,

Cícero não poderia participar de tal aliança, pois seria uma espécie de traição a si mesmo e a sua pátria. Suas atitudes,

seus discursos o conduziam a uma concepção de equilíbrio no regime de governo, em que o Senado pudesse atuar

mais favoravelmente à estabilidade social, e não apenas de acordo com o interesse de poucos.

Os anos que se seguem são marcados também por grande agitação política. Em 59 a.C, Clódio Pulcher é eleito

tribuno, tendo apoio de César e de Pompeu, não demora em fazer ser admitida uma nova lei, chamada de De capite

ciuium, em que cidadão algum poderia ser condenado à morte se não tivesse sido julgado por um tribunal composto

por populares do qual Cícero não faria parte. Sentindo-se perseguido por Clódio, uma vez que praticamente não

participaria dos julgamentos, o que tornava mais prática a absolvição dos aliados dos triúnviros, Cícero abandona

suas vestes de senador e, segundo Grimal (Cicéron, p. 193), passa a usar trajes de simples cavaleiro, fato que

conduziu a uma manifestação geral de senadores e cavaleiros, afirmavam estes que o Estado não tinha mais um

governo, que se configurava na pessoa de Cícero, demonstrando o grau de importância do orador nas causas públicas.

Diante das manifestações, Cícero é aconselhado pelo cônsul Calpurnius Piso Caesoninus a deixar Roma para

que não houvesse conflitos entre os cônsules. A sua saída da cidade era desejada por Clódio que, desde que havia

sido eleito tribuno, buscava meios legais para expulsar Cícero de Roma. Após sua saída, Clódio providenciou um

novo projeto de lei que condenaria Cícero ao exílio, principalmente, por este ter julgado e condenado os cúmplices de

Catilina.

No exílio, certamente, longe da vida pública, Cícero preparava seu retorno a Roma, além de se dedicar à

leitura e à escrita, pois é desse mesmo período o primeiro livro do tratado De Diuinatione. Após várias tentativas de

anulação da lei do exílio por parte de seus partidários para que Cícero pudesse voltar a Roma, em sua totalidade

vetadas por Clódio, em 57 a.C, Pompeu convoca uma reunião do Senado, que vota um projeto confirmando o retorno

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de Cícero a Roma. Esta reunião certamente não contou com a presença de Clódio e seus partidários. Dias depois

Cícero deixaria a casa de seu amigo Atticus em Butroto, cidade marítima do Épiro, para ser aclamado em Roma

durante os Ludi romani, retomando assim seus afazeres públicos.

Em 51 a.C, Cícero foi enviado como proconsul para administrar a província da Cilícia durante um ano, ao

retornar a Roma, assistia cada vez mais à ruína da República, que era conduzida com fins pessoais pelos triúnviros.

Desse momento em diante, o autor parece ter buscado na filosofia e na Retórica um abrigo para as suas decepções na

vida política, que se distanciava dia a dia dos ideais de cidadão, que lhe garantira o título de pater patriae, uma vez

que parte considerável de sua obra retórico-filosófica foi datada a partir desse período.

Aparentemente decepcionado com o caminho pelo qual o Estado era conduzido e vendo-se fragilizado, pois

seus discursos já não tinham o mesmo grau de importância que na década anterior, Cícero parte para algumas

investidas contra influentes romanos, proferindo acusações mais diretas ao herdeiro direto do cesarismo Marco

Antônio, que havia formado com Caio Otávio e Lépido uma ditadura coletiva denominada de segundo Triunvirato. O

discurso intitulado Orationes Philippicae pronunciado nos anos 44 e 43 a.C, no Senado e diante do povo, atraíram

contra Cícero a antipatia implacável de Marco Antônio, que a partir daquele momento perseguiu-o de todas as formas

possíveis, colocando o nome do orador nas listas de proscrição. Deste modo, Cícero foi morto em 7 de dezembro de

43 a.C.

A decadência da República e perda da influência do autor em tal regime, conduzem-no à centralização de suas

atividades na produção literária, o que certamente pode ser visto como de valor diminuto,ou seja, mesmo o autor

sendo considerado um homem das letras, não se dedicava prioritariamente à literatura, pois apenas distante das

atividades políticas, embora tendo publicado alguns de seus discursos, parece preocupar-se em escrever sobre

assuntos que não tivesse conteúdo político, mas ligação com as aflições da alma e com a formação filosófica que

havia recebido ao longo da vida.

Durante os últimos anos de sua vida, entre 45 e 44 a.C, o período marcado por grande agitação, tanto no

âmbito pessoal quanto no político, exerceu profunda influência em seus textos, a que faz referência em De Natura

Deorum, na narratio do primeiro livro, como a morte de sua filha Túlia, em 45 a.C e a ascensão de César ao poder

após a vitória sobre Pompeu, em 48 a.C, fato que conduziu o regime republicano ao final.

Tantas aflições de caráter pessoal deixaram marcas no espírito inquieto de Cícero que, desde muito jovem,

demonstrou interesse pela filosofia e, nessa fase especificamente, deu ênfase à temática filosófica, parecendo cumprir

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vários objetivos ao mesmo tempo, como a busca de consolo pela morte de sua filha, verificadas nas cartas a Ático,

que podem ser consideradas as principais fontes sobre os conflitos vividos em Roma nas últimas décadas da vida de

Cícero.

Sed me mihi non defuisse tu testis es. Nihil enim de maerore minuendo scriptum ab ullo est quod ego non domi tuae legerim.

Sed omnem consolationem vincit dolor. (Cartas a Ático, XII, 14,3)

Mas não tenho me abandonado, tu és testemunha. Na verdade, nada que eu tenha lido em tua casa, que foi escrito por alguém,

deve diminuir a aflição. Mas a dor vence toda consolação.

Os termos domi tuae, certamente se refere ao período de exílio, em que grande parte do tempo Cícero passou

na casa de Ático, lendo possivelmente filósofos gregos, o que o conduzia a uma reflexão que não se pode dizer

comum em Roma, já que constantemente estava envolvido na defesa de alguma causa. No entanto, este

distanciamento da agitada vida política romana, que gerava, naquele momento, várias decepções, associada à

ambição de produzir um corpus filosófico extenso e de qualidade, que até aquele momento não havia sido feito em

língua latina, que pudesse ser comparado às grandes obras gregas. Esta ambição leva o orador a escrever, entre 44 e

45 a.C, algumas de suas principais obras filosóficas, como De Natura Deorum, De Finibus, Tusculanae

Disputationes, De Officiis.

Distanciado de seus ofícios políticos, marcado por desilusões produzidas pela situação em que se encontrava

Roma, verificando que todos os esforços empregados no intuito de oferecer melhorias ao Estado, mais

especificamente à República, que não mais existia, Cícero resolve dar sua contribuição a Roma de outra maneira, que

não tentar livrá-la de conspirações idealistas de pequenos grupos de aristocratas, mas tentar elevar a língua latina ao

nível da grega, com isto exaltar os romanos, através da produção de obras filosóficas, o que até aquele momento não

havia sido feito, pois os próprios escritores romanos consideravam a língua latina privada de termos que pudessem

traduzir com objetividade os conceitos aprendidos dos helenos.

Observando a carência de uma produção intelectual que pudesse lhe atender as necessidades, Cícero resolve

escrever sobre filosofia, utilizando de dois recursos básicos no que se refere às lacunas latinas, ora traduzir os termos

gregos por perífrases, ora transcrevê-los usando caracteres latinos, porém os explica para que possam ser entendidos

pelos romanos.

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É nessa atmosfera de tentativas de esclarecimento que o autor observa o quanto são ambíguos os cultos

religiosos, as definições de deuses, a interpretação dos auspícios e todos os atos que se ligavam à religião. Esta

situação não era verificada apenas em relação aos latinos, os gregos também não haviam explicado objetivamente

muitas questões que envolviam os deuses, que em sua maioria praticavam atitudes dignas dos seres humanos, como

roubos, trapaças, perseguições. Então, que seriam realmente os deuses? Fariam apenas parte do devaneio humano?

Poderiam influenciar nas atitudes dos homens?

Objetivando a discussão destes questionamentos, não com o intuito de explicá-los diretamente, Cícero

escreve o seu tratado filosófico que trata de questões referentes aos deuses, intitulado De Natura Deorum, em 45 a.C,

dois anos antes de sua morte, período em que o autor se inquietava com questões relacionadas às sublimes

preocupações da alma e com as aflições da velhice, marcada pela presença de uma morte cada vez mais próxima.

O tratado De Natura Deorum, juntamente com De Inuentione e De fato, configura os escritos teológicos

ciceronianos em que o autor se dedica à apreciação das relações entre as divindades e os humanos, sobretudo em

questões referentes à tradição romana, calcadas em pilares como pietas, fides e uirtus. Cícero não propõe em De

Natura Deorum a dar explicações objetivas sobre os diversos conceitos usados para caracterizar os deuses, nem

mesmo explicar qual seria a origem dos deuses, como sugere o próprio título da obra.

No entanto, usando-se de um hábil estilo dialético, propõe a exposição das teorias elaboradas pelos filósofos

gregos mais conhecidos, até aquele momento, com o intuito de confrontar suas proposições, a fim de levar ao leitor o

maior número de informações possível no que se refere ao pensamento humano a respeito dos deuses.

Cícero retoma conceitos filosóficos sobre os deuses, pois naquele período Roma sofria grande influência

cultural da Grécia, além de a formação do autor ter sido basicamente realizada de acordo com os ideais gregos. Para

que se entenda o pensamento e as conjecturas intelectuais durante o século em que está inserido o autor, é necessário

saber que as das correntes filosóficas de maior êxito em Roma eram a epicurista e a estoica, as quais muito já haviam

se desvinculado do pensamento grego de que eram provenientes e, constantemente, sofriam interpretações de cunho

popular e simplista.

A escola fundada por Epicuro era categoricamente criticada por Cícero devido ao seu caráter ideológico e

materialista, sobretudo no que se refere à teoria atômica de formação do cosmos, o que era visto pelo autor com o

mais completo ceticismo, típico dos adeptos da Academia, escola filosófica a que estava vinculado e que se

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caracterizava por um ponto de vista metodológico bem mais amplo em relação à flexibilidade teórica que o

epicurismo e o estoicismo sugeriam.

As variadas correntes de pensamento que são utilizadas pelo autor, em De Natura Deorum, apresentam uma

tentativa de ele demonstrar que tais correntes se encontram intimamente relacionadas, mas que, por outro lado, em

muitos pontos divergem completamente. Esta tentativa de vinculação de teorias é proposta com o intuito de motivar

uma solução para uma série de problemas que envolvem o julgamento da população acerca dos seres divinos, porém

a expectativa de que as mais conhecidas teorias propostas pelos mais célebres filósofos é anulada, no decorrer do

texto, quando Cícero tenta demonstrar, principalmente, através dos personagens que aquilo que aparentemente é

entendido como um conceito inquestionável, na verdade não passa de mera contradição.

O acadêmico Cícero, afirma Ángel Escobar (1999, 21), recorre a um variado repertório de fontes para a

elaboração de tratado filosófico De Natura Deorum, pois é notório, no decorrer do texto, que muitos conceitos são

levantados pelo autor, alguns erroneamente, o que conduz ao entendimento de que ele tinha conhecimento teórico

suficiente para levantá-lo corretamente, quando preciso, ou distorcê-lo objetivando a exaltação de uma teoria

posterior.

Desse modo, Cícero não aceita uma verdade única e se mostra questionador da unidade filosófica, em notável

estilo dialético. Pode-se antecipar a ideia de que o autor não tem por objetivo, com o tratado De Natura Deorum,

conduzir o leitor a uma possível verdade, que seria demonstrada no término do livro, sobre as questões que envolvem

os deuses. Isto é sugerido pelo autor no exordium do primeiro livro, porém esta concepção é desfeita pouco a pouco

ao longo do texto.

Então, qual seria o objetivo de seu tratado? Qual a razão da utilização do título De Natura Deorum, se não

haverá a explicação para a natureza dos seres divinos? Pode-se dizer que o autor tem o interesse em demonstrar as

mais variadas concepções sobre os deuses, os cultos que os envolvem, as díspares crenças de diferentes povos e

épocas, sua possível forma física aparente à do homem, revelando-se conhecedor dos fundamentos das principais

escolas filosóficas o suficiente para usá-las em prol de sua causa, ou seja, a de retomar antigas questões ligadas ao

culto religioso que, naquele momento, ainda exercia grande influência nas relações sociais.

Apesar de sua influência no campo social, a religio romana, especialmente na época de Cícero, passava por

profundas transformações, geradas também pelas relativas mudanças no âmbito político-social, como a importância

do papel do auspicium, que experimentava uma decomposição relevante e, frequentemente, associava-se aos

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interesses políticos vigentes, perdendo gradativamente as características arcaicas que a constituíam. Sendo, portanto,

neste panorama de ansiedade e incertezas, em época marcada pelo surgimento de novos cultos e superstições

referentes aos deuses, que é escrito seu tratado.

Em De Natura Deorum, o autor deixa transparecer a influência grega recebida durante sua formação, optando

pelo uso da estruturação dialógica para a composição de seu tratado, o que pode lhe permitir o alcance do objeto

desejado sem grandes dificuldades, ou seja, a produção de uma obra filosófica relevante, apesar de este campo em

língua latina apresentar-se praticamente intacto. O modelo seguido por Cícero fora basicamente o diálogo platônico,

utilizando-se de personagens contemporâneos, que fazem uso de monólogos extensos para a exposição de suas teorias

acerca das concepções divinas, associando-se a estes monólogos a participação do próprio autor, que conduz a

exposição teórica dos personagens.

Cícero estrutura o seu tratado em três livros, em que se pode observar uma sucessão de quatro monólogos

extensos: o primeiro discurso de Veleio (Gaius Velleius), adepto da escola de Epicuro, é marcado pela tentativa de o

personagem enumerar os ideais epicuristas sobre a questão dos deuses, proposta pelo próprio Cícero no início do

diálogo. Àquele discurso se sucede o de Cota (Gaius Aurelius Cotta), partidário da Academia, o qual realiza críticas

às ideias levantadas por Veleio e, em seguida, constrói sua argumentação acerca dos deuses sob a ótica acadêmica. A

estes dois discursos, que são proferidos no primeiro livro, segue-se o do estóico Balbo (Quintus Lucilius Balbus), que

tenta abordar a temática sugerida munido dos ensinamentos da escola estoica, no decorrer de todo o segundo livro.

Retomando seus argumentos, o acadêmico Cota intervém pela segunda vez, no terceiro livro, refutando a

argumentação de Balbo, finalizando o tratado sobre a natureza dos deuses.

Com esta estruturação do diálogo, o autor pretende garantir os interesses acadêmicos, mostrando-se

partidário da Academia, principalmente, por revelar certo ceticismo em relação à temática abordada, propondo uma

discussão que parece, em seu início, tentar esclarecer questões ambíguas sobre os deuses, mas que se mostra, ao

término do livro, acentuar mais as dúvidas vigentes.

Isto ocorre devido à própria estruturação do livro, o autor garante ao acadêmico Cota posição privilegiada

para a exposição de seus argumentos, sempre sucede, nunca é sucedido. Levando a acreditar que o autor não deseja

que o acadêmico seja refutado. Associado à posição do discurso de Cota está o espaço a ele concedido, que ocupa

cerca de cinquenta por cento da obra, ou seja, mais da metade do primeiro livro e todo o terceiro livro, que é

finalizado com os ideais de Cícero, representado pela figura de Cota.

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Da Tradução

O texto latino, que se apresenta à esquerda da tradução, é de Otto Plasberg, do ano de 1917, edição: M. Tullius

Cicero. De Natura Deorum. O. Plasberg. Leipzig. Teubner. 1917. Foram consultados também os seguintes textos

latinos: Otto Plasberg, do ano de 1993 (nas notas é denominado b), edição: Cicerone. La Natura Divina; a cura de

Cesare Marco Calcante, texto latino a fronte. 6.ed. Milano: BUR, 2007; Joannes Davisius, do ano de 1723 (nas notas

é denominado g), edição: M. Tulli Ciceronis. De Natura Deorum, Libri Tres; cum notis integris Paulli Manucii, Petri

Victorii, Joachimi Camerarii et alii. Editio secunda. Cantabrigiae: typis academicis, MDCCXXIII; Società Editrice

Dante Alighieri, do ano de 1984 (nas notas é denominado d), presente na edição: M. Tullio Cicerone. De Natura

Deorum; texto, costruzion e versione letterale e note. 3.ed. Roma: Società Editrice Dante Alighieri, 1984. Não há

indicação nesta edição (1984) do manuscrito utilizado.

Das Variações Textuais no Livro I

Divergências de pontuação:

a: “et eos, quos maiorum institutis accepimus.” (I, 30) e b: “et eos quos maiorum institutis accepimus (...)” (I,

30); a: “In quo non vidit neque motum sensu iunctum et [in] continentem infinito ullum esse posse (...)” (I, 26), g:

“in quo non vidit, neque motum sensui junctum et continentem, infinito ullum esse posse (...)” e d: “in quo non vidit

motum sensui junctum et continentem in infinito nullum esse posse.”; a: “Xenocrates in hoc genere prudentior est,

cuius in libris (...)” (I, 34), g: “Xenocrates in hoc genere prudentior: in cuius libris (...)” e d: “Xenocrates in hoc

genere prudentior, cuius in libris (...)”; a: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor eos esse habitos deos, a quibus

aliqua magna utilitas (...)” (I, 38),g: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos deos, a quibus

magna utilitas (...)”e d: “At Persaeus, eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos deos, a quibus magna utilitas

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(...)”; a: “in secundo autem volt Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique fabellas (...)” (I, 41), g: “in secundo autem volt

Orphei, Musaei, Hesiodi, Homerique fabellas (...)” e d: “in secundo autem vult Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique

fabellas (...)”;a: “animus et formam et vitam et actionem mentis atque agitationem in deo.” (I, 45), g: “animus et

formam, et vitam, et actionem mentis atque agitationem in deo.” ed: “animus et formam et vitae actionem mentisque

agitationem in deo.”; a: “alia aspera, rutunda alia, partim autem angulata et hamata, curvata quaedam et quasi adunca

(...)” (I, 66),g: “alia aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” e d: “alia

aspera, partim autem angulata, hamata quaedam et quase adunca (...)”; a: “Nihil horum nisi +valde (...)” (I, 70), g:

“Nihil horum, nisi calide (...)” e d: “Nihil horum nimis callide (...)”; a: “quam vos inter vos risum tenere possitis?” (I,

70),g: “quod vos inter vos risum tenere possitis.” ed: “quod vos inter vos risum tenere possitis.”; a: “deinde cum,

quoniam rebus omnibus (...)” (I, 76),g: “deinde, ut, quoniam rebus omnibus (...)” e d: “deinde quod, quoniam rebus

omnibus (...)”; a: “quae funditus gens vestra non novit, [angustia] argumenti sententiam conclusisti.” (I, 89), g:

“(quae funditus gens vestra non novit) argumenti sententiam conclusisti.” E d: “que funditus gens vestra non novit,

argumento sententiam conclusisti (...)”; a: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra

pertinent (...)” (I, 99), g: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent?” e d:

“feminibus, cruribus. Quia haec ad vitam membra pertinent (...)”; a: “Non arbitror te velle similem esse Epicureorum

reliquorum (...)” (I, 111), g: “Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum (...)” e d: “Non arbitror

te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum (...)”.

Divergências vocabulares:

a: “De qua [cum] tam variae sint (...)” (I, 1),g: “De qua tam variae sunt(...)” e d: “De qua tam variae

sunt(...)”; a: “magno argumento esse debeat [ea] (...)” (I, 1),g: “ut magno argumento esse debeat (...)” e d: “ut magno

argumento esse debeat (...)”; a: “causa, principium philosophiae ad h* scientiam (...)” (I, 1), g: “caussam, id est,

principium philosophiae, esse scientiam (...)” e d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”;a: “et de

actione (...)” (I, 2),g: “et actione (...)” e d: “et actione (...)”; a: “deque is summa (...)” (I, 2),g: “deque his summa (...)”

e d: “deque his summa (...)”; a: “in primis [quae] magna dissensio est (...)” (I, 2),g: “In primis quoque magna

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dissensio est (...)” e d: “in primis magna dissensio est (...)”; a: “et hi quidem magni atque nobiles (...)” (I, 4), g: “et hi

quidem magni atque nobiles (...)” e d: “et ii quidem magni atque nobiles (...)”; a: “tam auctoritatis (...)” (I, 10) e d:

“tam auctores (...)”; a: “his quattuor (...)” (I, 11) e d: “iis quattuor (...)”; a: “In quo non vidit neque motum sensu

iunctum et [in] continentem infinito ullum esse posse (...)” (I, 26), g: “in quo non vidit, neque motum sensui junctum

et continentem, infinito ullum esse posse (...)” e d: “in quo non vidit motum sensui junctum et continentem in infinito

nullum esse posse.”; a: “tum sententiam intellegentiamque nostram (...)” (I, 29), g: “tum scientiam intelligentiamque

nostram (...)” e d: “tum scientiam intellegentiamque nostram (...)”; a: “eos, quos maiorum institutis accepimus.” (I,

30),g: “et eos, quos maiorum institutis accepimus (...)”; a: “quo porro modo mundus moveri carens corpore (...)” (I,

33) eg: “Quo porro modo mundus moveri potest carens corpore (...)”; a: “et tamen modo mundum (...)” (I, 34),g: “et

tamen modo mundum (...)” e d: “et modo mundum (...)”; a: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor eos esse habitos

deos, a quibus aliqua magna utilitas (...)” (I, 38), g: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos

deos, a quibus magna utilitas (...)” e d: “At Persaeus, eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos deos, a quibus

magna utilitas (...)”; a: “tum fatalem +umbram et necessitatem rerum futurarum (...)” (I, 39), g: “tum fatalem vim et

necessitatem rerum futurarum (...)” ed: “tum fatalem vim et necessitatem rerum futurarum (...)”; a: “nec ad numerum

(...)” (I, 49) e d: “Nec sit ad numerum (...)”; a: “imaginum species (...)” (I, 49) e d: “imaginum [series] (...)”; a: “et

ad deos adfluat (...)” (I, 49) ed: “et ad nos adfluat (...)”; a: “tanto mihi spes videtur obscurior.” (I, 60), g: “tanto mihi

res videtur obscurior.” e d: “tanto mihi res videtur obscurior.”; a: “alia aspera, rutunda alia, partim autem angulata et

hamata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” (I, 66),g: “alia aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curvata

quaedam et quasi adunca (...)” ed: “alia aspera, partim autem angulata, hamata quaedam et quase adunca (...)”; a:

“deinde cum, quoniam rebus omnibus (...)” (I, 76), g: “deinde, ut, quoniam rebus omnibus (...)” e d: “deinde quod,

quoniam rebus omnibus (...)”; a: “quod nulla in alia figura domicilium mentis esse possit.” (I, 76),g: “quod nulla in

alia figura domicilium mentis esse possit.” E d: “quod nulla alia figura domicilium mentis esse possit.”; a:

“[Primum] omnium quis tam caecus in contemplandis rebus umquam fuit (...)” (I, 77),g: “Omnium quis tam caecus in

contemplandis rebus umquam fuit (...)” e d: “Omnino quis tam caecus in contemplandis rebus umquam fuit (...)”; a:

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“Si igitur nec humano (...)” (I, 85), g: “Si igitur nec humano visu (...)” e d: “Si igitur nec humano visu (...)”; a: “quae

funditus gens vestra non novit, [angustia] argumenti sententiam conclusisti.” (I, 89),g: “(quae funditus gens vestra

non novit) argumenti sententiam conclusisti.” e d: “que funditus gens vestra non novit, argumento sententiam

conclusisti (...)”; a: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent (...)” (I, 99), g:

“feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent?” e d: “feminibus, cruribus. Quia haec

ad vitam membra pertinent (...)”; a: “Non arbitror te velle similem esse Epicureorum reliquorum (...)” (I, 111),g:

“Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum (...)” e d: “Non arbitror te, Vellei, similem esse

Epicureorum reliquorum (...)”.

Divergências de grafia:

a: “causa, principium philosophiae ad h* scientiam (...)” (I, 1),g: “caussam, id est, principium philosophiae,

esse scientiam (...)” e d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”; a: “quod maxime veri simile est et

quo omnes +sese (...)” (I, 2), g: “quod maxume veri simile est et quo omnes duce natura vehimus (...)” e d: “quod

maxime verisimile est, et quo omnes duce natura venimus (...)”; a: “res tam gravis (...)” (I, 7) e d: “res tam graves

(...)”; a: “tum facillume (...)” (I, 9),g: “Tum facillime (...)” e d: “Tum facillime (...)”; a: “Atqui mihi quoque videor

(...)” (I, 16), d: “Atque mihi quoque videor (...)”;a: “maxumas regiones (...)” (I, 24) e d: “maximas regiones (...)”; a:

“In quo non vidit neque motum sensu iunctum et [in] continentem infinito ullum esse posse (...)” (I, 26), g: “in quo

non vidit, neque motum sensui junctum et continentem, infinito ullum esse posse (...)” e d: “in quo non vidit motum

sensui junctum et continentem in infinito nullum esse posse.”; a: “per omnium naturam rerum (...)” (I, 36), g: “per

omnem naturam rerum (...)” ed: “per omnem naturam rerum (...)”; a: “de deis inmortalibus dixerit (...)”,g: “de dis

inmortalibus dixerit (...)” e d: “de deis immortalibus dixerat (...)”; a: “Naevos in articulo pueri delectat Alcaeum (...)”

(I, 79),g: “Naevus in articulo pueri delectat Alcaeum.” e d: “Naevus in articulo pueri delectat Alcaeum.”; a: “quae

funditus gens vestra non novit, [angustia] argumenti sententiam conclusisti.” (I, 89), g: “(quae funditus gens vestra

non novit) argumenti sententiam conclusisti.” e d: “que funditus gens vestra non novit, argumento sententiam

conclusisti (...)”; a: “quo modo aeterne?” (I, 109),g: “quo modo aeternae?” e d: “quo modo aeternae?”.

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Fragmentos nos textos:

a: “causa, principium philosophiae ad h* scientiam (...)” (I, 1),g: “caussam, id est, principium philosophiae,

esse scientiam (...)” e d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”; a: “quod maxime veri simile est et

quo omnes +sese (...)” (I, 2), g: “quod maxume veri simile est et quo omnes duce natura vehimus (...)” e d: “quod

maxime verisimile est, et quo omnes duce natura venimus (...)”; a: “qualia vero* est (...)” (I, 25),g: “qualia vero alia

sint (...)” e d: “[Qualia vero sint](...)”; a: “tum fatalem +umbram et necessitatem rerum futurarum (...)” (I, 39), g:

“tum fatalem vim et necessitatem rerum futurarum (...)” ed: “tum fatalem vim et necessitatem rerum futurarum (...)”;

a: “alia aspera, rutunda alia, partim autem angulata et hamata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” (I, 66), g: “alia

aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curvata quaedam et quasi adunca (...)” ed: “alia aspera, partim autem

angulata, hamata quaedam et quase adunca (...)”; a: “Nihil horum nisi +valde (...)” (I, 70),g: “Nihil horum, nisi calide

(...)” e d: “Nihil horum nimis callide (...)”; a: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra

pertinent (...)” (I, 99),g: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad vitam membra pertinent?” e d:

“feminibus, cruribus. Quia haec ad vitam membra pertinent (...)”.

Divergências nos empregos verbais:

a: “De qua [cum] tam variae sint (...)” (I, 1), g: “De qua tam variae sunt(...)” e d: “De qua tam variae

sunt(...)”; a: “quod maxime veri simile est et quo omnes +sese (...)” (I, 2),g: “quod maxume veri simile est et quo

omnes duce natura vehimus (...)” e d : “quod maxime verisimile est, et quo omnes duce natura venimus (...)”; a:

“disputatumst.” (I, 15),g: “disputatum sit.” e d: “disputatum est.”; a: “ducenda sunt (...)” (I, 24),g: “dicenda sunt

(...)” e d: “dicenda sunt (...)”; a: “qualia vero* est (...)” (I, 25),g: “qualia vero alia sint (...)” e d: “[Qualia vero

sint](...)”; a: “de ipsa mente item reprehendetur (...)” (I, 28),g: “de ipsa mente ita reprehenditur (...)” e d: “de ipsa

mente item reprehenditur (...)”; a: “continentem ardorum lucis orbem, qui cingit caelum (...)” (I, 28), g: “continentem

ardore lucis orbem, qui cingit caelum (...)” e d: “continente ardore lucis orbem, qui cingat caelum (...)”; a:

“quae de Platone dicimus.” (I, 31) e d: “quae de Platone diximus.”; a: “designarit deum (...)” (I, 33) ed: “designavit

deum.”; a: “quae infixa caelo sint (...)” (I, 34),g: “quae infixa caelo sunt (...)” e d: “quae infixa caelo sunt (...)”;

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a: “in secundo autem volt Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique fabellas (...)” (I, 41),g: “in secundo autem volt

Orphei, Musaei, Hesiodi, Homerique fabellas (...)” e d: “in secundo autem vult Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique

fabellas (...)”;a: “quae pulcherrimast omnium.” (I, 48),g: “quae pulcherrima sit omnium (...)” e d: “quae pulcherrima

sit omnium (...)”; a: “non modo videat animo (...)” (I, 49),g: “non modo viderat animo (...)” e d: “non modo viderit

animo (...)”; a: “longeque peregrinatur (...)” (I, 54) e d: “longeque peregrinatus (...)”; a: “Quia enim ex atomis, id

natum aliquandost (...)” (I, 68), g: “quia enim ex atomis sit, id natum aliquando sit (...)” e d: “Quod enim ex atomis,

id natum aliquando est (...)”.

Divergências sintáticas:

a: “aut infixus aut infusus esset in mundo?” (I, 28), g: “aut infixus aut infusus esset in mundo?” e d: “infixus

infususque esset in mundo?”; a: “Xenocrates in hoc genere prudentior est, cuius in libris (...)” (I, 34), g: “Xenocrates

in hoc genere prudentior: in cuius libris (...)” e d: “Xenocrates in hoc genere prudentior, cuius in libris (...)”.

Divergências de grafia:

a: “continentem ardorum lucis orbem, qui cingit caelum (...)” (I, 28), g: “continentem ardore lucis orbem, qui

cingit caelum (...)” e d: “continente ardore lucis orbem, qui cingat caelum (...)”.

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DE NATVRA DEORVM -

LIBER I

[1] Cum multae res in philosophia nequaquam satis

adhuc explicatae sint, tum perdifficilis, Brute, quod tu

minime ignoras, et perobscura quaestio est de natura

deorum, quae et ad cognitionem animi pulcherrima est

et ad moderandam religionem necessaria. De qua

[cum] tam uariae sint3 doctissimorum hominum

tamque discrepantes sententiae, magno argumento esse

debeat [ea]4 causa, principium philosophiae ad h*

scientiam5, prudenterque Academici a rebus incertis

adsensionem cohibuisse. Quid est enim temeritate

turpius aut quid tam temerarium tamque indignum

sapientis grauitate atque constantia quam aut falsum

sentire aut, quod non satis explorate perceptum sit et

cognitum, sine ulla dubitatione defendere?

3 g: “De qua tam uariae sunt(...)”.

d: “De qua tam uariae sunt(...)”. 4 g: “ut magno argumento esse debeat (...)”.

d: “ut magno argumento esse debeat (...)”. 5 g: “caussam, id est, principium philosophiae, esse scientiam

(...)”.

d: “causam et principium philosophiae esse scientiam (...)”.

DA NATUREZA DOS DEUSES -

LIVRO I

Como muitas coisas na filosofia não tenham sido

explicadas suficientemente até aqui, então é muito

difícil, ó Bruto, o que tu de modo algum ignoras, e é

muito obscura a questão sobre a natureza dos deuses,

que tanto é necessária para regular a religio6 quanto é

excelente para o conhecimento da alma, sobre a qual

existam tão variadas e tão discrepantes sentenças dos

homens sábios. Sobre o nobre argumento, aquela causa

deve ser o princípio da filosofia para o conhecimento

e, prudentemente, os acadêmicos contiveram a

aprovação das coisas incertas. Que é então mais

vergonhoso que a falta de reflexão ou que é mais

impudente e mais indigno da seriedade e da constância

do sábio do que ou experimentar a falsidade ou, o que

não tenha sido percebido e conhecido com bastante

certeza, defender sem dúvida alguma?

6 Alguns termos latinos não foram traduzidos por consideramos

que não há correspondente preciso no português ou que sua

tradução poderia conduzir a possíveis equívocos linguísticos.

Neste caso, as palavras serão explicitadas em notas. Religio:

religião, culto prestado aos deuses.

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[2] Velut in hac quaestione plerique, quod maxime ueri

simile est et quo omnes +sese7 duce natura uenimus,

deos esse dixerunt, dubitare se Protagoras, nullos esse

omnino Diagoras Melius et Theodorus Cyrenaicus

putauerunt. Qui uero deos esse dixerunt, tanta sunt in

uarietate et dissensione, ut eorum infinitum sit

enumerare sententias. Nam et de figuris deorum et de

locis atque sedibus et de actione8 uitae multa dicuntur,

deque is summa9 philosophorum dissensione certatur;

quod uero maxime rem causamque continet, utrum

nihil agant, nihil moliantur, omni curatione et

administratione rerum uacent, an contra ab iis et a

principio omnia facta et constituta sint et ad infinitum

tempus regantur atque moueantur, in primis [quae]

magna dissensio est10, eaque nisi diiudicatur, in

summo errore necesse est homines atque in

maximarum rerum ignoratione uersari.

7 g: “quod maxume ueri simile est et quo omnes duce natura

uehimus (...)”.

d: “quod maxime uerisimile est, et quo omnes duce natura

uenimus (...)”. 8 g: “et actione (...)”.

d: “et actione (...)”. 9 g: “deque his summa (...)”.

d: “deque his summa (...)”. 10 g: “In primis quoque magna dissensio est (...)”.

d: “in primis magna dissensio este (...)”.

Como nesta questão muitos disseram que11 os deuses

existem, o que é extremamente provável e a que todos

chegamos, conduzindo a natureza. Protágoras duvida

deles, Diágoras de Melo e Theodoro Cyrenaico

consideraram completamente não existirem. Muitos12

verdadeiramente disseram que os deuses existem,

tantas coisas estão em grande variedade e discórdia,

que é infinito enumerar as suas sentenças. Pois tanto

sobre as aparências dos deuses, quanto sobre os

lugares e as sedes, como sobre o modo de vida muitas

coisas são ditas, e sobre eles se discute com a extrema

discórdia dos filósofos, porque verdadeira e

extremamente contém a essência e a causa. Se por

acaso nada fazem, nada executam, estão vazios de todo

cuidado e administração das coisas ou, ao contrário,

por eles tanto tudo tem sido feito, desde o princípio,

quanto estabelecido como se governa e se move até um

tempo infinito. Primeiramente, há uma grande

discordância, e caso ela não seja julgada, é necessário

os homens viverem no mais elevado erro e na

ignorância das grandes coisas.

11 As palavras, que se encontram em itálico, foram acrescentadas

na tradução para dar fluidez à leitura. Inserindo, geralmente, ora

termos subentendidos no latim, ora conectivos usados para

desenvolver orações latinas reduzidas. 12 Qui.

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[3] Sunt enim philosophi et fuerunt, qui omnino

nullam habere censerent rerum humanarum

procurationem deos. Quorum si uera sententia est,

quae potest esse pietas, quae sanctitas, quae religio?

Haec enim omnia pure atque caste tribuenda deorum

numini ita sunt, si animaduertuntur ab is et si est

aliquid a deis inmortalibus hominum generi tributum;

sin autem dei neque possunt nos iuuare nec uolunt nec

omnino curant nec, quid agamus, animaduertunt nec

est, quod ab is ad hominum uitam permanare possit,

quid est, quod ullos deis inmortalibus cultus, honores,

preces adhibeamus? In specie autem fictae

simulationis sicut reliquae uirtutes item pietas inesse

non potest; cum qua simul sanctitatem et religionem

tolli necesse est, quibus sublatis perturbatio uitae

sequitur et magna confusio;

Então existem e existiram filósofos que julgaram que

os deuses não têm absolutamente nenhum cuidado das

coisas humanas, se a sentença deles é verdadeira, qual

pietas13 pode haver, qual sanctitas14, qual religio?

Todas estas coisas, pois, devem ser atribuídas assim

pura e honestamente à vontade dos deuses, se são

observadas por eles e se algo é concedido à raça dos

homens pelos deuses imortais. Mas se, ao contrário, os

deuses não podem ajudar, nem querem, nem cuidam

absolutamente, nem observam o que fazemos, nem há

o que se possa comunicar através deles para a vida dos

homens, por que é que oferecemos aos deuses imortais

alguns cultos, honras, preces? No entanto, na aparência

das imitações fingidas como as demais virtudes

igualmente não pode haver pietas, com a qual

simultaneamente é necessário abolir a sanctitas e a

religio; com elas abolidas, segue a perturbação da vida

e uma grande confusão;

13 Pietas: sentimento de dever em relação aos deuses. 14 Sancititas: caráter sagrado, integridade de costumes.

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[4] atque haut scio, an pietate aduersus deos sublata

fides etiam et societas generis humani et una

excellentissuma uirtus iustitia tollatur. Sunt autem alii

philosophi, et hi quidem magni atque nobiles15, qui

deorum mente atque ratione omnem mundum

administrari et regi censeant, neque uero id solum, sed

etiam ab isdem hominum uitae consuli et prouideri;

nam et fruges et reliqua, quae terra pariat, et

tempestates ac temporum uarietates caelique

mutationes, quibus omnia, quae terra gignat, maturata

pubescant, a dis inmortalibus tribui generi humano

putant, multaque, quae dicentur, in his libris colligunt,

quae talia sunt, ut ea ipsa dei inmortales ad usum

hominum fabricati paene uideantur. Contra quos

Carneades ita multa disseruit, ut excitaret homines non

socordes ad ueri inuestigandi cupiditatem.

15 g: “et hi quidem magni atque nobiles (...)”.

d: “et ii quidem magni atque nobiles (...)”.

e não sei se abolida a pietas para com dos deuses, seria

extinta também a fides16, e a sociedade do gênero

humano, e a uirtus17 excelentíssima, a justiça. Existem,

porém, outros filósofos e, eles são grandes e nobres

certamente, que estimam todo o mundo ser governado

e regido pela mente e razão dos deuses, e certamente

não é apenas isto mas também, para vida dos homens,

ser cuidado e provido por eles mesmos. Com efeito,

tanto os frutos quanto o resto que a terra produz, como

as tempestades e as variações de tempos, e as

mutações dos céus através das quais todas as coisas,

que a terra gera, brotem após a maturação, consideram

ser ao gênero humano concedidos pelos deuses

imortais, e reúnem muitas coisas que são ditas nestes

livros que são tais, de modo que os deuses imortais

fabricados quase pareçam aquelas mesmas coisas para

o uso dos homens, contra os quais Carneade expôs

assim muitas coisas, para que despertasse os homens

prudentes ao desejo de se investigar a verdade.

16 Fides: palavra dada, honestidade, honra para com os deuses. 17 Virtus: coragem, virtude, qualidade moral relativa aos deuses.

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[5] Res enim nulla est, de qua tantopere non solum

indocti, sed etiam docti dissentiant; quorum opiniones

cum tam uariae sint tamque inter se dissidentes,

alterum fieri profecto potest, ut earum nulla, alterum

certe non potest, ut plus una uera sit. Qua quidem in

causa et beniuolos obiurgatores placare et inuidos

uituperatores confutare possumus, ut alteros

reprehendisse paeniteat, alteri didicisse se gaudeant;

nam qui admonent amice, docendi sunt, qui inimice

insectantur, repellendi.

De fato, nenhuma coisa há sobre a qual não apenas os

ignorantes, mas também os doutos tanto discordem,

cujas opiniões como são tão variadas e tão

discordantes entre si, uma pode certamente ser

considerada, como nenhuma delas, outra certamente

não pode, para que uma só seja verdadeira. Na qual, na

verdade, sobre causa podemos tanto acalmar os

benévolos censuradores, quanto refutar os invejosos

críticos, de modo que repreender não satisfaça uns,

outros se regozijam de ter aprendido, pois os que

advertem amigavelmente devem ser instruídos, os que

atacam não amigavelmente, devem ser desprezados.

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[6] Multum autem fluxisse uideo de libris nostris, quos

compluris breui tempore edidimus, uariumque

sermonem partim admirantium, unde hoc

philosophandi nobis subito studium extitisset, partim,

quid quaque de re certi haberemus, scire cupientium;

multis etiam sensi mirabile uideri eam nobis

potissimum probatam esse philosophiam, quae lucem

eriperet et quasi noctem quandam rebus offunderet,

desertaeque disciplinae et iam pridem relictae

patrocinium necopinatum a nobis esse susceptum. Nos

autem nec subito coepimus philosophari nec

mediocrem a primo tempore aetatis in eo studio

operam curamque consumpsimus et, cum minime

uidebamur, tum maxime philosophabamur; quod et

orationes declarant refertae philosophorum sententiis

et doctissimorum hominum familiaritates, quibus

semper domus nostra floruit, et principes illi Diodotus,

Philo, Antiochus, Posidonius, a quibus instituti sumus.

Porém vejo que muita coisa tem decorrido de nossos

livros, muitos desses em um breve tempo editamos e,

em parte, de admirar um variado sermão, de onde

surgiu em nós subitamente este desejo de filosofar, em

parte, de desejar saber o que de certo tínhamos sobre

cada assunto; percebi também que para muitos parece

admirável ter sido examinada por nós, sobretudo,

aquela filosofia, que retirava a luz e espalhava

aparentemente certa noite sobre as coisas, e ter sido

sustentada por nós inesperadamente a defesa de uma

disciplina abandonada e há muito tempo desprezada.

Nós, porém, não começamos subitamente a filosofar,

nem, desde o primeiro momento da infância,

empregamos um medíocre trabalho e cuidado naquele

estudo e, quando pouco éramos vistos, então

demasiadamente filosofávamos; pois tanto os discursos

plenos com as sentenças dos filósofos quanto as

amizades dos homens doutíssimos declaram, com os

quais sempre floreceu a nossa casa, e estes foram os

primeiros pelos quais fomos instruídos: Diódoto, Filo,

Antíoco, Posidônio.

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[7] Et si omnia philosophiae praecepta referuntur ad

uitam, arbitramur nos et publicis et priuatis in rebus ea

praestitisse, quae ratio et doctrina praescripserit. Sin

autem quis requirit, quae causa nos inpulerit, ut haec

tam sero litteris mandaremus, nihil est, quod expedire

tam facile possimus. Nam cum otio langueremus et is

esset rei publicae status, ut eam unius consilio atque

cura gubernari necesse esset, primum ipsius rei

publicae causa philosophiam nostris hominibus

explicandam putaui magni existimans interesse ad

decus et ad laudem ciuitatis res tam grauis18 tamque

praeclaras Latinis etiam litteris contineri.

18 d: “res tam graues (...)”.

E se todos os ensinamentos da filosofia são obtidos

para a vida, nós consideramos tanto nas coisas públicas

quanto nas privadas serem preferíveis aqueles que a

razão e a doutrina prescreveram. Do contrário quem

busca que causa nos impeliu para que déssemos isto

tão tarde às letras, não há nada que não possamos

explicar tão facilmente. Quando, pois, nos

entorpecíamos no ócio e este fosse o estado da

República, de modo que era necessário que a

República fosse governada pela autoridade e pela

diligência de um só. Primeiramente considerei de

grande valor que a filosofia deveria ser explicada à

causa da própria República aos nossos homens,

julgando ser do interesse à honra e à glória da cidade,

coisa tão importante e tão grandiosa de ser conservada

também nas letras latinas.

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[8] Eoque me minus instituti mei paenitet, quod facile

sentio, quam multorum non modo discendi, sed etiam

scribendi studia commouerim. Complures enim

Graecis institutionibus eruditi ea, quae didicerant, cum

ciuibus suis communicare non poterant, quod illa, quae

a Graecis accepissent, Latine dici posse diffiderent;

quo in genere tantum profecisse uidemur, ut a Graecis

ne uerborum quidem copia uinceremur.

E até aqui não me satisfaz menos meu propósito,

porque facilmente percebo quanto em muitos eu tenha

despertado não só o desejo de aprender, mas também

de escrever. Muitos eruditos, pois, nas instituições

gregas não puderam comunicar aos seus cidadãos o

que tinham aprendido, porque não confiavam que

pudesse ser dito em Latim o que recebiam dos gregos;

em tal gênero parecemos ter progredido tanto que

certamente não perdemos a abundância das palavras

dos gregos.

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[9] Hortata etiam est, ut me ad haec conferrem, animi

aegritudo fortunae magna et graui commota iniuria;

cuius si maiorem aliquam leuationem reperire

potuissem, non ad hanc potissimum confugissem. Ea

uero ipsa nulla ratione melius frui potui, quam si me

non modo ad legendos libros, sed etiam ad totam

philosophiam pertractandam dedissem. Omnes autem

eius partes atque omnia membra tum facillume19

noscuntur, cum totae quaestiones scribendo

explicantur; est enim admirabilis quaedam continuatio

seriesque rerum, ut alia ex alia nexa et omnes inter se

aptae conligataeque uideantur.

19 g: “Tum facillime (...)”.

d: “Tum facillime (...)”.

Também me instigou, de modo que me trouxesse até

aqui, uma angústia da alma gerada por uma injúria

grande e grave da fortuna da qual se tivesse eu podido

encontrar algum consolo maior, não teria me refugiado

sobretudo na filosofia. Destas mesmas coisas,

verdadeiramente, por nenhuma razão, pude usufruir

melhor do que se me tivesse dado não só a ler livros,

mas também a ler com cuidado toda a filosofia. Todas

suas partes, porém, e todos os membros se conhecem

facilmente, quando todas as perguntas são explicadas

pelo escrever; há, pois, uma admirável continuação e

encadeamento das coisas, de maneira que um pareça

estar ligado a outro e todos pareçam estar juntos e

coligados entre si.

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[10] Qui autem requirunt, quid quaque de re ipsi

sentiamus, curiosius id faciunt, quam necesse est; non

enim tam auctoritatis20 in disputando quam rationis

momenta quaerenda sunt. Quin etiam obest plerumque

iis, qui discere uolunt, auctoritas eorum, qui se docere

profitentur; desinunt enim suum iudicium adhibere, id

habent ratum, quod ab eo, quem probant, iudicatum

uident. Nec uero probare soleo id, quod de Pythagoreis

accepimus, quos ferunt, si quid adfirmarent in

disputando, cum ex iis quaereretur, quare ita esset,

respondere solitos “ipse dixit”; ipse autem erat

Pythagoras: tantum opinio praeiudicata poterat, ut

etiam sine ratione ualeret auctoritas.

20 d: “tam auctores (...)”.

Os que, porém, procuram o que nós mesmos pensamos

sobre cada coisa, fazem isto com mais cuidado do que

é necessário, pois em discutir não se devem buscar

tanto as influências das autoridades, quanto as da

razão; como também, geralmente, a autoridade deles

não prejudica aqueles que desejam aprender, também

não aqueles que se propõem a ensinar; deixam, pois,

de aplicar seu julgamento. Têm isto fixado, pois veem

julgado por aquele que aprovam. Verdadeiramente não

estou habituado a examinar aquilo que recebemos dos

pitagóricos, admitem o que é de costume. Se

confirmassem no disputar, quando se exigisse deles,

porque é assim, responderiam o que é de costume “ele

mesmo disse”, ele mesmo, porém, seria Pitágoras.

Tanto tinha formada uma opinião que a autoridade

prevalecia mesmo sem razão.

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[11] Qui autem admirantur nos hanc potissimum

disciplinam secutos, his quattuor21 Academicis libris

satis responsum uidetur. Nec uero desertarum

relictarumque rerum patrocinium suscepimus; non

enim hominum interitu sententiae quoque occidunt,

sed lucem auctoris fortasse desiderant. Vt haec in

philosophia ratio contra omnia disserendi nullamque

rem aperte iudicandi profecta a Socrate, repetita ab

Arcesila, confirmata a Carneade usque ad nostram

uiguit aetatem; quam nunc prope modum orbam esse

in ipsa Graecia intellego. Quod non Academiae uitio,

sed tarditate hominum arbitror contigisse. Nam si

singulas disciplinas percipere magnum est, quanto

maius omnis; quod facere is necesse est, quibus

propositum est ueri reperiendi causa et contra omnes

philosophos et pro omnibus dicere.

21 d: “iis quattuor (...)”.

Porém aqueles que se admiram de nós que seguimos

de preferência esta disciplina, parece uma resposta

suficiente aos quatro livros Acadêmicos. Nem

assumimos verdadeiramente a defesa das coisas

abandonadas e do que está desamparado; não é porque

com a morte do homem padecem também os

pensamentos, mas provavelmente exigem a luz do

autor. Como na filosofia este método de discutir contra

toda e nenhuma coisa, de julgar abertamente,

proveniente de Sócrates, repetido por Arcesilau,

confirmado por Carneade, vigorou continuamente até

nosso tempo, que agora entendo que tinha sido quase

abandonado na própria Grécia, pois penso ter sido

atingido não pelo vício da Academia, mas pela

lentidão dos homens. Se compreender, pois, cada

disciplina é grandioso, bem mais todas; porque é

necessário para eles fazer, aos quais foi proposto, para

descobrir a causa da verdade, falar contra todos os

filósofos e a favor de todos.

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[12] Cuius rei tantae tamque difficilis facultatem

consecutum esse me non profiteor, secutum esse prae

me fero. Nec tamen fieri potest, ut, qui hac ratione

philosophentur, hi nihil habeant, quod sequantur.

Dictum est omnino de hac re alio loco diligentius, sed

quia nimis indociles quidam tardique sunt, admonendi

uidentur saepius. Non enim sumus i, quibus nihil

uerum esse uideatur, sed i, qui omnibus ueris falsa

quaedam adiuncta esse dicamus tanta similitudine, ut

in is nulla insit certa iudicandi et adsentiendi nota. Ex

quo exsistit et illud multa esse probabilia, quae,

quamquam non perciperentur, tamen, quia uisum

quendam haberent insignem et inlustrem, his sapientis

uita regeretur.

Dos quais não declaro ter alcançado a faculdade de

tantas e tão difíceis coisas, mostro em mim ter seguido.

Todavia pode acontecer que aqueles que filosofem

nesta matéria, eles não tenham nada o que seguir. Foi

completamente dito sobre este argumento mais

cuidadosamente em outro lugar, mas porque alguns

são excessivamente ignorantes e preguiçosos, parecem

que devem ser advertidos mais vezes. Não somos,

pois, aqueles para quem nada pareça ser verdadeiro,

mas aqueles que afirmam estarem ligadas algumas

coisas falsas a muitas verdadeiras com tanta

semelhança que nelas não há nenhuma marca segura

para julgar e comprovar. Disto surge também aquilo:

muitas coisas são prováveis, as quais não foram

percebidas, porque tivessem certo aspecto distinto e

claro, ainda que a vida do sábio fosse guiada por elas.

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[13] Sed iam, ut omni me inuidia liberem, ponam in

medio sententias philosophorum de natura deorum.

Quo quidem loco conuocandi omnes uidentur, qui,

quae sit earum uera, iudicent; tum demum mihi procax

Academia uidebitur, si aut consenserint omnes aut erit

inuentus aliquis, qui, quid uerum sit, inuenerit. Itaque

mihi libet exclamare ut in Synephebis:

“pro deum, popularium omnium, [omnium]

adulescentium

clamo, postulo, obsecro, oro, ploro atque inploro

fidem”

non leuissuma de re, ut queritur ille in ciuitate fieri

facinora capitalia:

“ab amico amante argentum accipere meretrix non

uult”,

Mas agora para que me libertasse de toda inveja,

ponho no centro as sentenças dos filósofos sobre a

natureza dos deuses. Neste lugar, certamente, parecem

dever se reunir todos que julgam qual seja a sua

verdade. Então, finalmente a Academia parecerá

impudente para mim, se ou todos consetirem ou se

tiver sido encontrado alguém que descobriu o que seja

verdadeiro. Assim me agrada exclamar como em

Sinefebos22:

“Diante do deus de todos os habitantes, de todos os

adolescentes, clamo, peço, rogo, falo, choro e imploro

a fides.”

Não de uma coisa insignificante como ele se lamenta

na cidade de fazer crimes capitais:

“a meretriz não quer receber dinheiro de seu amigo

amante”

22 Comédia de Menandro.

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[14] sed ut adsint, cognoscant, animaduertant, quid de

religione, pietate, sanctitate, caerimoniis, fide, iure

iurando, quid de templis, delubris sacrificiisque

sollemnibus, quid de ipsis auspiciis, quibus nos

praesumus, existimandum sit (haec enim omnia ad

hanc de dis inmortalibus quaestionem referenda sunt):

profecto eos ipsos, qui se aliquid certi habere

arbitrantur, addubitare coget doctissimorum hominum

de maxuma re tanta dissensio.

mas de modo que participem, conheçam, observem o

que deve ser verificado sobre a religião, sobre a pietas,

sobre a sanctitas, sobre as cerimônias, sobre a fides,

sobre a justiça através do juramento, o que deve ser

verificado sobre os templos, sobre os ídolos, sobre os

ritos e sacrifícios, o que deve ser verificado sobre os

próprios auspícios que nós presidimos (pois todas estas

coisas devem-se referir a esta questão sobre os deuses

imortais). Certamente tanta desavença dos homens

doutíssimos levará eles mesmos a duvidar de tão

grande coisa, os quais se julgam ter algo de certo.

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[15] Quod cum saepe alias, tum maxime animaduerti,

cum apud C. Cottam, familiarem meum, accurate sane

et diligenter de dis inmortalibus disputatumst23. Nam

cum feriis Latinis ad eum ipsius rogatu arcessituque

uenissem, offendi eum sedentem in exedra et cum C.

Velleio senatore disputantem, ad quem tum Epicurei

primas ex nostris hominibus deferebant. Aderat etiam

Q. Lucilius Balbus, qui tantos progressus habebat in

Stoicis, ut cum excellentibus in eo genere Graecis

compararetur. Tum, ut me Cotta uidit, “Peroportune”

inquit “uenis; oritur enim mihi magna de re altercatio

cum Velleio, cui pro tuo studio non est alienum te

interesse.”

23 g: “disputatum sit (...)”.

d: “disputatum est (...)”.

O que como já muitas vezes em outras ocasiões

observei principalmente, quando na casa de Cota, meu

amigo, foi discutido de fato cuidadosa e

diligentemente sobre os deuses imortais. Durante as

férias latinas, pois, quando fui até ele por seu próprio

pedido e chamado, encontrei-o sentado na exedra,

discutindo com o senador C. Veleio que então os

epicuristas declaravam como primeiro dos nossos

homens. Estava presente também Q. Lucílio Balbo,

que havia realizado tantos progressos nos estoicos que

era comparado com os excelentíssimos gregos naquele

gênero. Então quando Cota me viu “oportunamente” –

disse ele – “vens, surge, pois entre mim e Veleio uma

disputa sobre uma importante questão da qual, de

acordo com teu estudo, não é inapropriado que tu

participes”.

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[16] “Atqui mihi quoque uideor24” inquam “uenisse, ut

dicis, oportune. Tres enim trium disciplinarum

principes conuenistis. M. enim Piso si adesset, nullius

philosophiae - earum quidem, quae in honore sunt -

uacaret locus.”

Tum Cotta “Si” inquit “liber Antiochi nostri, qui ab eo

nuper ad hunc Balbum missus est, uera loquitur, nihil

est, quod Pisonem, familiarem tuum, desideres;

Antiocho enim Stoici cum Peripateticis re concinere

uidentur, uerbis discrepare; quo de libro, Balbe, uelim

scire, quid sentias.”

“Egone” inquit ille “miror Antiochum, hominem in

primis acutum, non uidisse interesse plurimum inter

Stoicos, qui honesta a commodis non nomine, sed

genere toto diiungerent, et Peripateticos, qui honesta

commiscerent cum commodis, ut ea inter se

magnitudine et quasi gradibus, non genere differrent.

Haec enim est non uerborum parua, sed rerum

permagna dissensio.

24 d: “Atque mihi quoque uideor (...)”.

“Na verdade me parece também” – digo – “ter vindo,

como dizes, oportunamente. Juntaste, pois, os três

principais homens das três disciplinas. Se, pois,

estivesse presente M. Piso de nenhuma filosofia

daquelas que, certamente, existem em prestígio estaria

vazio o lugar.”

Então Cota disse: “Se o livro de nosso Antíoco25, que

há pouco foi enviado por ele a este Balbo, fala a

verdade, não há nada o que requeiras de Piso, teu

amigo. Os estoicos, pois, com os peripatéticos parecem

concordar em pensamento com Antíoco, discordam em

palavras. Sobre tal livro, Balbo, desejo saber o que

pensas”.

Ele disse: “Eu me admiro de Antíoco, um homem

antes de tudo astuto,

não ter visto que haja muitas coisas entre os estóicos,

que diferenciassem as honestas das cômodas não pelo

nome, mas por todo gênero, e os peripatéticos, que

misturassem as honestas com as cômodas, de modo

que elas entre si diferissem em grandeza e quase em

graus, não em gênero. Esta, pois, não é uma pequena

desavença de palavras, mas uma grande de

pensamentos.

25 Filósofo acadêmico, mestre de Cícero e de Bruto.

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[17] Verum hoc alias; nunc quod coepimus, si

uidetur.”

“Mihi uero” inquit Cotta “uidetur. Sed ut hic, qui

interuenit,” me intuens “ne ignoret, quae res agatur, de

natura agebamus deorum, quae cum mihi uideretur

perobscura, ut semper uideri solet, Epicuri ex Velleio

sciscitabar sententiam. Quam ob rem” inquit “Vellei,

nisi molestum est, repete, quae coeperas.”

“Repetam uero, quamquam non mihi, sed tibi hic uenit

adiutor; ambo enim” inquit adridens “ab eodem

Philone nihil scire didicistis.”

Tum ego: “Quid didicerimus, Cotta uiderit, tu autem

nolo existimes me adiutorem huic uenisse, sed

auditorem, et quidem aecum, libero iudicio, nulla eius

modi adstrictum necessitate, ut mihi uelim, nolim sit

certa quaedam tuenda sententia.”

Verdadeiramente isto aliás que começamos, se

parece.”

Cota disse: “verdadeiramente me parece, mas para que

este que intervém”, olhando para mim, “não ignore de

qual pensamento se trata; tratávamos sobre a natureza

dos deuses, a qual embora para mim pareça obscura,

como sempre é de costume parecer, perguntava a

Veleio o pensamento de Epicuro. Disse: “Veleio, se

não é incômodo, repete o pesamento disso26, que

tinhas começado.”

“Repetirei com certeza, ainda que não tenha chegado

para mim, mas para ti este partidário, pois ambos” –

disse sorridente – “aprendestes daquele mesmo Fílon a

não saber nada.”

Então eu disse: “O que aprendemos, Cota verá, porém

não quero que tu me julgues ter vindo como partidário

dele, mas ouvinte, e certamente imparcial, de livre

pensamento, não ligado a nenhuma necessidade

daquele modo, de maneira que por mim, queira ou não

queira, deva ser observada alguma sentença segura.”

26 Quam ob rem.

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[18] Tum Velleius fidenter sane, ut solent isti, nihil

tam uerens, quam ne dubitare aliqua de re uideretur,

tamquam modo ex deorum concilio et ex Epicuri

intermundiis descendisset, “Audite” inquit “non futtilis

commenticiasque sententias, non opificem

aedificatoremque mundi Platonis de Timaeo deum, nec

anum fatidicam Stoicorum Pronoeam, quam Latine

licet Prouidentiam dicere, neque uero mundum ipsum

animo et sensibus praeditum, rutundum, ardentem,

uolubilem deum, portenta et miracula non disserentium

philosophorum, sed somniantium.

Então Veleio sabiamente com audácia como estão

habituados esses, tanto não temendo nada, quanto não

parecesse duvidar sobre coisa alguma, assim como há

pouco tivesse descido do concílio dos deuses e dos

intermundos de Epicuro, disse: “Ouvi não fúteis e

inventadas sentenças, nem o autor e edificador do

mundo, o deus do Timeu de Platão, nem a velha

profetisa, a Pronoiados estoicos, que em latim é

possível dizer Providência, nem certamente o próprio

mundo provido de alma e sentidos, redondo, ardente,

deus mutável, presságios e coisas maravilhosas de que

não discorrem os filósofos, mas sonham.

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[19] Quibus enim oculis animi intueri potuit uester

Plato fabricam illam tanti operis, qua construi a deo

atque aedificari mundum facit; quae molitio, quae

ferramenta, qui uectes, quae machinae, qui ministri

tanti muneris fuerunt; quem ad modum autem oboedire

et parere uoluntati architecti aer, ignis, aqua, terra

potuerunt; unde uero ortae illae quinque formae, ex

quibus reliqua formantur, apte cadentes ad animum

afficiendum pariendosque sensus? Longum est ad

omnia, quae talia sunt, ut optata magis quam inuenta

uideantur;

Com que olhos da alma pôde, pois, vosso Platão

observar aquela construção de tantos trabalhos, através

da qual faz o mundo ser construído e edificado por um

deus. Qual esforço, quais instrumentos, quais

máquinas, quais foram os ajudantes de tantos

trabalhos? De que modo, porém, o ar, o fogo, a água, a

terra puderam obedecer e produzir a vontade do

artífice? De onde verdadeiramente são provenientes

aquelas cinco formas, de quais outras se formam, que

se aplicam convenientemente para mover a alma e

produzir o sentido? É demorado diante de tudo, que

haja tais coisas, de modo que pareçam mais escolhidas

do que encontradas.

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[20] sed illa palmaris, quod, qui non modo natum

mundum introduxerit, sed etiam manu paene factum, is

eum dixerit fore sempiternum. Hunc censes primis, ut

dicitur, labris gustasse physiologiam, id est naturae

rationem, qui quicquam, quod ortum sit, putet

aeternum esse posse? Quae est enim coagmentatio non

dissolubilis, aut quid est, cuius principium aliquod sit,

nihil sit extremum? Pronoea uero si uestra est, Lucili,

eadem, requiro, quae paulo ante, ministros, machinas,

omnem totius operis dissignationem atque apparatum;

sin alia est, cur mortalem fecerit mundum, non, quem

ad modum Platonicus deus, sempiternum.

Mas o que há de mais prodigioso é que não só tenha

introduzido o mundo gerado, mas também quase

criado com a mão, ele tenha dito que o mundo27 há de

ser sempre. Pensas que este, como se diz, tenha

estudado superficialmente a fisiologia, isto é, a ciência

da natureza, como alguém julga poder ser eterno o que

tenha nascimento? Qual união não é, pois, separável,

ou há algo em que haja algum princípio, mas não tenha

fim? Se vossa Providência, certamente, é, Lucílio,

aquilo mesmo que busco um pouco antes: ajudantes,

máquinas, todo plano e preparação de toda obra; mas

se é outra, porque tenha feito o mundo mortal, não

eterno, como o deus de Platão.

27 Eum.

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[21] Ab utroque autem sciscitor, cur mundi

aedificatores repente exstiterint, innumerabilia saecla

dormierint; non enim, si mundus nullus erat, saecla

non erant (saecla nunc dico non ea, quae dierum

noctiumque numero annuis cursibus conficiuntur; nam

fateor ea sine mundi conuersione effici non potuisse;

sed fuit quaedam ab infinito tempore aeternitas, quam

nulla circumscriptio temporum metiebatur, spatio

tamen qualis ea fuerit intellegi potest, quod ne in

cogitationem quidem cadit, ut fuerit tempus aliquod,

nullum cum tempus esset).

Porém pergunto a ambos os lados por que os

construtores do mundo tenham surgido de repente, por

que tenham dormido por inumeráveis séculos?

Seguramente não, se nenhum mundo existia, não

existiam os séculos (não digo neste momento aqueles

séculos que se realizam nos cursos anuais em número

de dias e noites; pois, confesso que os séculos28 não

tenham podido se realizar sem o movimento circular

do mundo, mas houve em um infinito momentâneo

certa eternidade, que nenhum período de tempo

mensurava. No espaço, porém, pode-se entender como

aquelas coisas tenham sido, pois não covém ao

pensamento certamente como algum tempo teria

existido, quando não existia nenhum tempo).

28 Ea.

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[22] isto igitur tam inmenso spatio, quaero, Balbe, cur

Pronoea uestra cessauerit. Laboremne fugiebat? At iste

nec attingit deum nec erat ullus, cum omnes naturae

numini diuino, caelum, ignes, terrae, maria, parerent.

Quid autem erat, quod concupisceret deus mundum

signis et luminibus tamquam aedilis ornare? Si, ut

[deus] ipse melius habitaret, antea uidelicet tempore

infinito in tenebris tamquam in gurgustio habitauerat.

Post autem: uarietatene eum delectari putamus, qua

caelum et terras exornatas uidemus? Quae ista potest

esse oblectatio deo? Quae si esset, non ea tam diu

carere potuisset.

Ali, pois, em tão grande espaço, pergunto, Balbo, por

que vossa Providência permaneceu inativo? Por acaso

fugia do trabalho? Mas isso não atinge um deus, nem

havia trabalho algum, quando toda natureza, o céu, os

fogos, as terras, os mares obedeciam à vontade divina.

Por que era, porém, que o deus desejava ornar o

mundo com signos29 e com luzes30 como um edil? Se

pois o deus mesmo habitasse melhor, até então,

certamente no tempo infinito, teria habitado nas trevas

como em uma caverna. Ora, depois, por que

consideramos que aquele se deleita com a variedade

com a qual vemos o céu e a terra ornada? Por que pode

haver esse deleite para um deus? Por que se houvesse,

não poderia se privar disto por tanto tempo.

29 Astros. 30 Estrelas.

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[23] An haec, ut fere dicitis, hominum causa a deo

constituta sunt? Sapientiumne? Propter paucos igitur

tanta est rerum facta molitio. An stultorum? At

primum causa non fuit, cur de inprobis bene mereretur;

deinde quid est adsecutus, cum omnes stulti sint sine

dubio miserrimi, maxime quod stulti sunt (miserius

enim stultitia quid possumus dicere), deinde quod ita

multa sunt incommoda in uita, ut ea sapientes

commodorum conpensatione leniant, stulti nec uitare

uenientia possint nec ferre praesentia. Qui uero

mundum ipsum animantem sapientemque esse

dixerunt, nullo modo uiderunt animi natura

intellegentis in quam figuram cadere posset. De quo

dicam equidem paulo post, nunc autem hactenus:

Ou estas coisas, como ordinariamente dizeis, foram

criadas pelo deus por causa dos homens? Por causa dos

sábios? Por causa de poucos, pois, foi feita tamanha

trama das coisas, ou por causa dos insensatos? Mas em

primeiro lugar não havia uma causa, para que bem

servisse os impudentes. Depois, o que se seguiu, já que

todos os tolos são sem dúvida extremamente

miseráveis, pois são tolos (mais miserável, então, do

que a loucura o que podemos dizer?). Em seguida, por

que há assim na vida muitos incômodos, pois os sábios

os acalmam através do equilíbrio das oportunidades.

Os tolos não podem evitar as coisas que vêm, nem

suportar as que estão presentes. Os que na verdade

disseram que o próprio mundo é sábio e animado, de

modo algum viram na natureza da alma inteligente em

qual aspecto pudesse finalizar. Sobre isto falarei

certamente um pouco depois, porém agora é o

bastante.

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[24] Admirabor eorum tarditatem, qui animantem

inmortalem et eundem beatum rutundum esse uelint,

quod ea forma neget ullam esse pulchriorem Plato: At

mihi uel cylindri uel quadrati uel coni uel pyramidis

uidetur esse formosior. Quae uero uita tribuitur isti

rutundo deo? Nempe ut ea celeritate contorqueatur, cui

par nulla ne cogitari quidem possit; in qua non uideo,

ubinam mens constans et uita beata possit insistere.

Quodque in nostro corpore, si minima ex parte

significetur, molestum sit, cur hoc idem non habeatur

molestum in deo? Terra enim profecto, quoniam

mundi pars est, pars est etiam dei; atqui terrae

maxumas regiones31 inhabitabilis atque incultas

uidemus, quod pars earum adpulsu solis exarserit, pars

obriguerit niue pruinaque longinquo solis abscessu;

quae, si mundus est deus, quoniam mundi partes sunt,

dei membra partim ardentia partim refrigerata ducenda

sunt32.

31 d: “maximas regiones (...)”. 32 g: “dicenda sunt (...)”.

d: “dicenda sunt (...)”.

Admirarei a lentidão daqueles que querem que o ser

vivo seja imortal e a própria natureza seja arredondada,

porque Platão nega que alguma forma seja mais bela

do que aquela forma. Mas para mim parece ser mais

formosa ou a de cilindro, ou a de quadrado, ou a de

cone, ou a de pirâmide. Qual vida, na verdade, é

concedida a esse deus arredondado? Naturalmente pois

é contornada por aquela celeridade, da qual não se

pode certamente cogitar nada igual; em que não vejo

onde possa se apoiar uma mente constante e uma vida

feliz. Cada coisa é complexa no nosso corpo, caso seja

mostrada desde a mínima parte, por que isto também

não é considerado complexo no deus? Pois certamente

a terra, já que é parte do mundo, é também parte do

deus; contudo vemos abundantes regiões da terra

desabitadas e incultas, porque uma parte delas ardeu

pela ação do sol, outra parte endureceu com a neve e

com a geada por longíqua ausência de sol; as quais33,

se o mundo é um deus, já que são partes do mundo, os

membros do deus devem ser considerados em parte

ardente, em parte congelados.

33 Regiões.

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[25] Atque haec quidem uestra, Lucili; qualia uero*

est34, ab ultimo repetam superiorum. Thales enim

Milesius, qui primus de talibus rebus quaesiuit, aquam

dixit esse initium rerum, deum autem eam mentem,

quae ex aqua cuncta fingeret: si dei possunt esse sine

sensu; et mentem cur aquae adiunxit, si ipsa mens

constare potest uacans corpore? Anaximandri autem

opinio est natiuos esse deos longis interuallis orientis

occidentisque, eosque innumerabilis esse mundos. Sed

nos deum nisi sempiternum intellegere qui possumus?

34 g: “qualia uero alia sint (...)”.

d: “[Qualia uero sint](...)”.

E estas vossas palavras, Lucílio; quais são

verdadeiramente, repetirei desde a mais remota. Tales

de Mileto, pois, que primeiro questionou sobre tais

coisas, disse que a água era o início das coisas, porém

que deus era aquela mente, que a partir da água

formava todas as coisas. Se os deuses podem existir

sem sentido, por que juntou também a mente à água, se

a própria mente pode permanecer estando vazia de

corpo? A opinião de Anaxímandro é, porém, a de que

os deuses foram gerados de longos intervalos do

nascente e do poente e a de que aqueles mundos são

inumeráveis. Porém como podemos entender um deus

que não seja eterno?

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[26] Post Anaximenes aera deum statuit, eumque gigni

esseque inmensum et infinitum et semper in motu:

quasi aut aer sine ulla forma deus esse possit, cum

praesertim deum non modo aliqua, sed pulcherrima

specie deceat esse, aut non omne, quod ortum sit,

mortalitas consequatur. Inde Anaxagoras, qui accepit

ab Anaximene disciplinam, primus omnium rerum

discriptionem et modum mentis infinitae ui ac ratione

dissignari et confici uoluit. In quo non uidit neque

motum sensu iunctum et [in] continentem infinito

ullum esse posse35, neque sensum omnino, quo non

ipsa natura pulsa sentiret36. Deinde si mentem istam

quasi animal aliquod uoluit esse, erit aliquid interius,

ex quo illud animal nominetur; quid autem interius

mente: cingatur igitur corpore externo;

35 g: “in quo non uidit, neque motum sensui junctum et

continentem, infinito ullum esse posse (...)”.

d: “in quo non uidit motum sensui junctum et continentem in

infinito nullum esse posse.” 36 g: “neque sensum omnino, quo non ipsa natura pulsa sentiret.”

Depois Anaxímenes estabeleceu o deus ar, e que este

foi gerado, e que era imenso e infinito, e que sempre

estava em movimento. Como se ou o ar pudesse sem

nenhuma forma ser um deus, uma vez que na verdade

é conveniente que um deus seja não só de alguma

aparência, mas da mais bela, ou como se a mortalidade

não acompanhasse tudo o que foi gerado. Em seguida,

Anaxágoras, que recebeu o ensinamento de

Anaxímenes, primeiro quis que a distribuição de todas

as coisas e a medida fossem notadas e executadas pela

força e razão de uma mente infinita, nisto não viu nem

que pudesse haver movimento junto ao sentido e

naquele se mantendo o infinito, nem sentido

absolutamente, a que a própria natureza não se sentisse

impulsionada. Depois, já que quis que esta mente fosse

por assim dizer como um ser animado, seria algo mais

íntimo a partir de que aquele ser animado fosse

nomeado. O que, porém, mais íntimo do que a mente é

então envolvido pelo corpo externo.

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[27] quod quoniam non placet, aperta simplexque

mens nulla re adiuncta, quae sentire possit, fugere

intellegentiae nostrae uim et notionem uidetur.

Crotoniates autem Alcmaeo, qui soli et lunae

reliquisque sideribus animoque praeterea diuinitatem

dedit, non sensit sese mortalibus rebus inmortalitatem

dare. Nam Pythagoras, qui censuit animum esse per

naturam rerum omnem intentum et commeantem, ex

quo nostri animi carperentur, non uidit distractione

humanorum animorum discerpi et lacerari deum, et

cum miseri animi essent, quod plerisque contingeret,

tum dei partem esse miseram, quod fieri non potest.

O que, pois, não agrada, uma mente aberta e simples,

não unida a nada, que possa sentir, parece afastar-se da

força e do conhecimento de nossa inteligência.

Alcméon de Crotona, porém, que deu divindade ao sol

e à Lua e aos demais astros e também à alma, não

percebeu que ele dava imortalidade às coisas mortais.

Pitágoras, pois, que pensou que haja uma alma através

de toda natureza das coisas em aplicação e

movimento37, a partir da qual nossas almas seriam

colhidas, não viu na separação das almas humanas ser

dividido e repartido o deus, e quando as almas fossem

infelizes, o que atingiria uma grande parte; então seria

infeliz uma parte do deus, o que não pode acontecer.

37 intentum et commeantem.

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[28] Cur autem quicquam ignoraret animus hominis, si

esset deus? Quo modo porro deus iste, si nihil esset

nisi animus, aut infixus aut infusus esset in mundo?38

Tum Xenophanes, qui mente adiuncta omne praeterea,

quod esset infinitum, deum uoluit esse, de ipsa mente

item reprehendetur39 ut ceteri, de infinitate autem

uehementius, in qua nihil neque sentiens neque

coniunctum potest esse. Nam Parmenides quidem

commenticium quiddam: coronae similem efficit

(stefa/nhn appellat) continentem ardorum lucis

orbem, qui cingit caelum40, quem appellat deum; in

quo neque figuram diuinam neque sensum quisquam

suspicari potest. Multaque eiusdem monstra, quippe

qui bellum, qui discordiam, qui cupiditatem ceteraque

generis eiusdem ad deum reuocet, quae uel morbo uel

somno uel obliuione uel uetustate delentur; eademque

de sideribus, quae reprehensa in alio iam in hoc

omittantur.

38 g: “aut infixus aut infusus esset in mundo?”

d: “infixus infususque esset in mundo?” 39 g: “de ipsa mente ita reprehenditur (...)”.

d: “de ipsa mente item reprehenditur (...)”. 40 g: “continentem ardore lucis orbem, qui cingit caelum (...)”.

d: “continente ardore lucis orbem, qui cingat caelum (...)”.

Por que ignoraria, porém, alguma coisa a alma do

homem, se fosse um deus? De que modo depois esse

deus, se não fosse nada, a não ser alma, teria sido ora

fixado ora infundido no mundo? Então Xenófanes, que

pela mente unida, quis que, tudo além disso que fosse

infinito, fosse deus, sobre essa mente também seria

repreendido como os outros, sobre a imensidão,

porém, mais veementemente, na qual nada que não

sente e não se une pode existir. Por sua vez

Parmênides, certamente, demonstra algo imaginário

semelhante a uma coroa (chama de stefa/nhn41),

contendo uma órbita de luz de calor, que cinge o céu,

que chama de deus, no qual nem se pode contemplar

uma aparência divina nem algum sentido. E daquilo

muitas coisas extraordinárias como a guerra, como a

discórdia, como o desejo e outras coisas do mesmo

gênero atribui ao deus, as quais são destruídas ou pela

doença, ou pelo sono, ou pelo esquecimento, ou pela

velhice; e as mesmas coisas sobre os astros, as quais

refutadas no outro, agora neste ponto, são omitidas.

41 Círculo entorno da cabeça, coroa.

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[29] Empedocles autem multa alia peccans in deorum

opinione turpissume labitur. Quattuor enim naturas, ex

quibus omnia constare censet, diuinas esse uult; quas

et nasci et extingui perspicuum est et sensu omni

carere. Nec uero Protagoras, qui sese negat omnino de

deis habere, quod liqueat, sint, non sint qualesue sint,

quicquam uidetur de natura deorum suspicari. Quid

Democritus, qui tum imagines eorumque circumitus in

deorum numero refert, tum illam naturam, quae

imagines fundat ac mittat, tum sententiam

intellegentiamque nostram42, nonne in maximo errore

uersatur? Cum idem omnino, quia nihil semper suo

statu maneat, neget esse quicquam sempiternum,

nonne deum omnino ita tollit, ut nullam opinionem

eius reliquam faciat? Quid aer, quo Diogenes

Apolloniates utitur deo, quem sensum habere potest

aut quam formam dei?

42 g: “tum scientiam intelligentiamque nostram (...)”.

d: “tum scientiam intellegentiamque nostram (...)”.

Empédocles, porém, muitas outras coisas errando

sobre a opinião dos deuses, engana-se

vergonhosamente. Quer, pois, que haja quatro

naturezas divinas a partir das quais julga que todas as

coisas são compostas, as quais é claro terem nascido e

morrido e serem privadas de todo sentido. Na verdade

nem Protágoras, que se nega absolutamente a tratar

sobre os deuses, o que não seja claro: existam, não

existam ou quais sejam. Parece suspeitar de algo sobre

a natureza dos deuses. Por que Demócrito, que tanto

conta as imagens e os seus movimentos no número dos

deuses, quanto aquela natureza, que constrói e emite

imagens, como o julgamento e nossa inteligência, não

incorre em um grande erro? Quando o mesmo nega

absolutamente, já que nada permanece sempre em seu

estado, que haja algo eterno; não gera absolutamente

um deus tal, que faça nula a sua outra opinião? E o ar,

que Diógenes de Apolônia tem como deus, que sentido

ou que forma de deus pode ter?

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[30] Iam de Platonis inconstantia longum est dicere,

qui in Timaeo patrem huius mundi nominari neget

posse, in Legum autem libris, quid sit omnino deus,

anquiri oportere non censeat. Quod uero sine corpore

ullo deum uult esse (ut Graeci dicunt a)sw/maton), id,

quale esse possit, intellegi non potest: careat enim

sensu necesse est, careat etiam prudentia, careat

uoluptate; quae omnia una cum deorum notione

conprehendimus. Idem et in Timaeo dicit et in Legibus

et mundum deum esse et caelum et astra et terram et

animos et eos, quos maiorum institutis accepimus43.

Quae et per se sunt falsa perspicue et inter se

uehementer repugnantia.

43 g: “et eos, quos maiorum institutis accepimus (...)”.

b: “et eos quos maiorum institutis accepimus (...)”.

Já demorado é falar sobre a inconstância de Platão, que

no Timeu nega que se possa nomear o pai deste

mundo, porém nos livros das Leis não considera que

seja preciso se investigar o que absolutamente seja um

deus, porque, na verdade, quer que haja um deus sem

nenhum corpo (como dizem os gregos a)sw/maton44),

isso não se pode compreender, como possa ser, pois é

necessário que seja privado de sentido, também

privado de prudência, privado de vontade; tudo que

compreendemos juntamente com a noção de deuses. E

o mesmo diz tanto no Timeu quanto nas Leis que tanto

o mundo é um deus, quanto que o céu e os astros, e a

terra, e as almas, e aqueles que recebemos dos

ensinamentos dos antigos. Essas coisas45 tanto por si

são claramente falsas quanto veementemente

contraditórias entre si.

44 Sem corpo, incorpóreo. 45 Quae.

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[31] Atque etiam Xenophon paucioribus uerbis eadem

fere peccat; facit enim in his, quae a Socrate dicta

rettulit, Socratem disputantem formam dei quaeri non

oportere, eundemque et solem et animum deum dicere,

et modo unum, tum autem plures deos; quae sunt

isdem in erratis fere quibus ea, quae de Platone

dicimus46.

46 d: “quae de Platone diximus.”

E também Xenofonte com menos palavras erra quase

as mesmas coisas, pois faz com que nestas coisas, que

referiu como ditas por Sócrates, não convenha a

Sócrates, ao debater, que se busque uma forma de

deus, e faz ele mesmo dizer tanto o sol quanto a alma

como um deus, ora apenas um, ora, porém, muitos

deuses. Essas coisas estão quase nos mesmos erros que

aquelas que falamos de Platão.

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[32] Atque etiam Antisthenes in eo libro, qui physicus

inscribitur popularis, deos multos, naturalem unum

esse dicens tollit uim et naturam deorum. Nec multo

secus Speusippus Platonem auunculum subsequens et

uim quandam dicens, qua omnia regantur, eamque

animalem, euellere ex animis conatur cognitionem

deorum.

E também Antístenes naquele livro, que é intitulado

Físico47 popular, dizendo que muitos deuses são uma

força natural, frisa a força e a natureza dos deuses. Não

muito diferente Speusipo, seguindo seu tio materno

Platão, e dizendo que há uma força, a partir da qual se

governam todas as coisas, e que ela é animada, tenta

tirar das almas o conhecimento dos deuses.

47 Referente às ciências naturais.

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[33] Aristotelesque in tertio de philosophia libro multa

turbat a magistro suo Platone dissentiens; modo enim

menti tribuit omnem diuinitatem, modo mundum

ipsum deum dicit esse, modo alium quendam praeficit

mundo eique eas partis tribuit, ut replicatione quadam

mundi motum regat atque tueatur, tum caeli ardorem

deum dicit esse non intellegens caelum mundi esse

partem, quem alio loco ipse designarit deum48, quo

modo autem caeli diuinus ille sensus in celeritate tanta

conseruari potest? Vbi deinde illi tot dii, si numeramus

etiam caelum deum? Cum autem sine corpore idem

uult esse deum, omni illum sensu priuat, etiam

prudentia, quo porro modo mundus moueri carens

corpore49 aut quo modo semper se mouens esse quietus

et beatus potest?

48 d: “designauit deum.” 49 g: “Quo porro modo mundus moueri potest carens corpore

(...)”.

d: “Quo porro modo deus moueri carens corpore (...)”.

E Aristóteles no terceiro livro sobre a filosofia turva

muitas coisas, divergindo de seu mestre Platão, porque

ora atribui à mente toda divindade, ora afirma que o

próprio mundo é um deus, ora estabelece algum outro

deus ao mundo e a ele atribui aquelas partes para que

governe e observe o movimento do mundo em certa

rotação. Então afirma que deus é o ardor do céu, não

compreendendo que o céu é uma parte do mundo, que

ele próprio noutro lugar tinha designado como deus.

De que modo, porém, aquele sentimento divino do céu

pode ser conservado em tão grande velocidade? Em

seguida onde estão todos aqueles deuses, se contamos

também o céu como um deus? Como, porém, o mesmo

quer que um deus exista sem corpo, priva-o de todo

sentido, também da prudência. De que modo então o

mundo pode se mover, privado de corpo, ou de que

modo, sempre se movendo, pode ser imóvel e beato?

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[34] Nec uero eius condiscipulus Xenocrates in hoc

genere prudentior est, cuius in libris50, qui sunt de

natura deorum, nulla species diuina describitur; deos

enim octo esse dicit, quinque eos, qui in stellis uagis

nominantur, unum, qui ex omnibus sideribus, quae

infixa caelo sint51, ex dispersis quasi membris simplex

sit putandus deus, septimum solem adiungit

octauamque lunam; qui, quo sensu beati esse possint,

intellegi non potest. Ex eadem Platonis schola Ponticus

Heraclides puerilibus fabulis refersit libros, et tamen

modo mundum52, tum mentem diuinam esse putat,

errantibus etiam stellis diuinitatem tribuit sensuque

deum priuat et eius formam mutabilem esse uult,

eodemque in libro rursus terram et caelum refert in

deos.

50 g: “Xenocrates in hoc genere prudentior: in cuius libris (...)”.

d: “Xenocrates in hoc genere prudentior, cuius in libris (...)”. 51 g: “quae infixa caelo sunt (...)”.

d: “quae infixa caelo sunt (...)”. 52 g: “et tamen modo mundum (...)”.

d: “et modo mundum (...)”.

Nem, na verdade, o seu discípulo Xenócrates neste

gênero é mais prudente, em cujos livros, que são sobre

a natureza dos deuses, nenhum aspecto divino é

descrito; afirma, pois, que há oito deuses, aqueles

cinco que são nomeados de estrelas errantes, um único

que é nomeado a partir de todos os astros, que estão

fixos no céu. O deus simples deve ser considerado a

partir de membros quase dispersos, junta como sétimo

o sol e como oitavo a lua, que não se pode

compreender em que sentido possam ser beatos. Da

mesma escola de Platão, Heráclides de Pontos

reescreve livros com fábulas pueris e, contudo,

considera que o mundo é então uma mente divina,

atribui divindade também às estrelas errantes e priva o

deus de sentido, e quer que a sua forma seja mutável, e

naquele mesmo livro refere novamente entre os deuses

a terra e o céu.

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[35] Nec uero Theophrasti inconstantia ferenda est;

modo enim menti diuinum tribuit principatum, modo

caelo, tum autem signis sideribusque caelestibus. Nec

audiendus eius auditor Strato, is, qui physicus

appellatur, qui omnem uim diuinam in natura sitam

esse censet, quae causas gignendi, augendi, minuendi

habeat, sed careat omni et sensu et figura.

Nem, na verdade, deve ser mostrada a inconstância de

Teofrasto, pois ora atribui a superioridade divina à

mente, ora ao céu; depois, porém, aos astros e às

estrelas celestes. Nem deve ser ouvido seu discípulo

Estrato, aquele que é chamado de físico, que julga que

toda força divina está situada na natureza, que tem as

causas do nascer, do crescer, do diminuir, mas está

privada tanto de todo sentido quanto de forma.

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[36] Zeno autem, ut iam ad uestros, Balbe, ueniam,

naturalem legem diuinam esse censet, eamque uim

obtinere recta imperantem prohibentemque contraria.

Quam legem quo modo efficiat animantem intellegere

non possumus; deum autem animantem certe uolumus

esse, atque hic idem alio loco aethera deum dicit: si

intellegi potest nihil sentiens deus, qui numquam nobis

occurrit neque in precibus neque in optatis neque in

uotis. Aliis autem libris rationem quandam per

omnium naturam rerum53 pertinentem ui diuina esse

adfectam putat. Idem astris hoc idem tribuit, tum annis

mensibus annorumque mutationibus. Cum uero

Hesiodi Theogoniam, id est originem deorum,

interpretatur, tollit omnino usitatas perceptasque

cognitiones deorum; neque enim Iouem neque

Iunonem neque Vestam neque quemquam, qui ita

appelletur, in deorum habet numero, sed rebus

inanimis atque mutis per quandam significationem

haec docet tributa nomina.

53 g: “per omnem naturam rerum (...)”.

d: “per omnem naturam rerum (...)”.

Zenão, porém, para que eu chegue agora aos vossos,

Balbo, julga que a lei natural é divina, e que exerce

aquela força, comandando as coisas alinhadas e

afastando as contrárias. De que modo tal lei se faz

animada, não podemos entender; porém queremos

certamente que o deus seja animado. E este mesmo em

outro lugar afirma como deus o éter, como se um deus

que nada sente possa ser entendido, que nunca vem a

nós nem nas preces, nem nos desejos, nem nos votos.

Em outros livros, porém, considera que há certa razão

dotada de força divina que se estende através da

natureza de todas as coisas. O mesmo atribui aos astros

isto mesmo, depois aos anos, aos meses e às estações

do ano. Quando interpreta na verdade a Teogonia de

Hesíodo, isto é, a origem dos deuses, suprime

absolutamente os conhecimentos dos deuses usados e

compreendidos, pois não há no número dos deuses

Júpiter, nem Juno, nem Vesta, nem algo que assim seja

chamado, mas ensina estes nomes atribuídos por certo

significado às coisas inanimadas e mudas.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 57

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[37] Cuius discipuli Aristonis non minus magno in

errore sententiast, qui neque formam dei intellegi

posse censeat neque in dis sensum esse dicat

dubitetque omnino, deus animans necne sit. Cleanthes

autem, qui Zenonem audiuit una cum eo, quem

proxime nominaui, tum ipsum mundum deum dicit

esse, tum totius naturae menti atque animo tribuit hoc

nomen, tum ultimum et altissimum atque undique

circumfusum et extremum omnia cingentem atque

conplexum ardorem, qui aether nominetur,

certissimum deum iudicat; idemque quasi delirans in

his libris, quos scripsit contra uoluptatem, tum fingit

formam quandam et speciem deorum, tum diuinitatem

omnem tribuit astris, tum nihil ratione censet esse

diuinius. Ita fit, ut deus ille, quem mente noscimus

atque in animi notione tamquam in uestigio uolumus

reponere, nusquam prorsus appareat.

A sentença de seu discípulo Aristão não está menos em

grande erro, que tanto julga não poder ser entendida a

forma de um deus, quanto afirma não haver sentido

nos deuses, como duvida completamente de que não

haja um deus animado. Cleantes, porém, que ouviu

Zenão juntamente com aquele que anteriormente

nomeei, ora diz que o próprio mundo é um deus, ora

atribui este nome à mente e à alma de toda natureza,

ora julga como certíssimo um deus, mais afastado e

mais elevado, e espalhado por todos os lados e

extremo o ardor que rodeia54 e que cincunda todas as

coisas, que é nomeado éter; e o mesmo quase

delirando nestes livros que escreveu contra a vontade,

ora imagina certa forma e aspecto dos deuses, ora

atribui toda divindade aos astros, ora julga que nada é

mais divino do que a razão. Assim sucede que aquele

deus que conhecemos pela mente e queremos

reproduzir na noção de alma como por indício em

nenhuma parte se apresente totalmente.

54 Conplexum.

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[38] At Persaeus eiusdem Zenonis auditor eos esse

habitos deos, a quibus aliqua magna utilitas55 ad uitae

cultum esset inuenta, ipsasque res utiles et salutares

deorum esse uocabulis nuncupatas, ut ne hoc quidem

diceret illa inuenta esse deorum, sed ipsa diuina; quo

quid absurdius quam aut res sordidas atque deformis

deorum honore adficere aut homines iam morte deletos

reponere in deos, quorum omnis cultus esset futurus in

luctu.

55 g: “At Persaeus eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos

deos, a quibus magna utilitas (...)”.

d: “At Persaeus, eiusdem Zenonis auditor, eos dicit esse habitos

deos, a quibus magna utilitas (...)”.

Mas Perseu, discípulo do mesmo Zenão, quer que

estes deuses sejam corpulentos, pelos quais tivesse

sido descoberta alguma grande utilidade para o culto

da vida, e as próprias coisas úteis e salutares que foram

chamadas com nomes de deuses, de modo que nem

mesmo dizia isto: aquelas coisas são invenções dos

deuses, mas elas próprias divinas; o que é mais

absurdo do que pôr em honra de deuses as coisas sujas

e disformes ou pôr entre os deuses os homens já

destruídos pela morte, dos quais todo culto tivesse de

existir na dor.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 59

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[39] Iam uero Chrysippus, qui Stoicorum somniorum

uaferrumus habetur interpres, magnam turbam

congregat ignotorum deorum, atque ita ignotorum, ut

eos ne coniectura quidem informare possimus, cum

mens nostra quiduis uideatur cogitatione posse

depingere. Ait enim uim diuinam in ratione esse

positam et in uniuersae naturae animo atque mente,

ipsumque mundum deum dicit esse et eius animi

fusionem uniuersam, tum eius ipsius principatum, qui

in mente et ratione uersetur, communemque rerum

naturam uniuersam atque omnia continentem, tum

fatalem +umbram et necessitatem rerum futurarum56,

ignem praeterea et eum, quem ante dixi, aethera, tum

ea, quae natura fluerent atque manarent, ut et aquam et

terram et aera, solem, lunam, sidera uniuersitatemque

rerum, qua omnia continerentur, atque etiam homines

eos, qui inmortalitatem essent consecuti.

56 g: “tum fatalem uim et necessitatem rerum futurarum (...)”.

d: “tum fatalem uim et necessitatem rerum futurarum (...)”.

Já certamente Crisipo, que é tido como intérprete mais

astuto dos sonhos dos estoicos, reúne uma grande

desordem de deuses desconhecidos, e tão

desconhecidos que certamente não podemos informá-

los por conjectura, ainda que a nossa mente pareça

poder pintar qualquer coisa por cogitação. Diz, pois,

que uma força divina foi posta na razão, e na alma de

toda natureza, e na mente, e afirma que deus é o

próprio mundo e toda difusão daquela alma; ou o seu

próprio princípio, que reside na mente e na razão, e

toda natureza comum das coisas e que abrange tudo,

ou a sombra do destino e a necessidade das coisas

futuras, além disso aquele fogo que antes chamei de

éter, ou aquelas coisas que fluíam e se espalhavam

pela natureza, como a água, e a terra, e o ar, o sol, a

lua, as estrelas e a totalidade das coisas na qual tudo

estava contido, e também aqueles homens que tinham

conseguido a imortalidade.

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[40] Idemque disputat aethera esse eum, quem

homines Iouem appellarent, quique aer per maria

manaret, eum esse Neptunum, terramque eam esse,

quae Ceres diceretur, similique ratione persequitur

uocabula reliquorum deorum. Idemque etiam legis

perpetuae et aeternae uim, quae quasi dux uitae et

magistra officiorum sit, Iouem dicit esse, eandemque

fatalem necessinatem appellat sempiternam rerum

futurarum ueritatem; quorum nihil tale est, ut in eo uis

diuina inesse uideatur.

E o mesmo discute que o éter é aquele que os homens

chamavam de Júpiter, e o ar que provinha através dos

mares, aquele é Netuno, e a terra é aquela que era

chamada de Ceres, e na mesma lógia segue as

designações dos demais deuses. E o mesmo também

afirma que Júpiter é a força da lei durável e eterna, a

qual é como a condutora da vida e a mestra dos

deveres, e chama aquela necessidade funesta de eterna

verdade das coisas futuras; nada disso é tal que nele

pareça haver uma força divina.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 61

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[41] Et haec quidem in primo libro de natura deorum;

in secundo autem uolt Orphei, Musaei, Hesiodi

Homerique fabellas57 accommodare ad ea, quae ipse

primo libro de deis inmortalibus dixerit58, ut etiam

ueterrimi poetae, qui haec ne suspicati quidem sint,

Stoici fuisse uideantur. Quem Diogenes Babylonius

consequens in eo libro, qui inscribitur de Minerua,

partum Iouis ortumque uirginis ad physiologiam

traducens deiungit a fabula.

57 g: “in secundo autem uolt Orphei, Musaei, Hesiodi, Homerique

fabellas (...)”.

d: “in secundo autem uult Orphei, Musaei, Hesiodi Homerique

fabellas (...)”. 58 g: “de dis inmortalibus dixerit (...)”.

d: “de deis immortalibus dixerat (...)”.

E estas coisas certamente estão no primeiro livro sobre

a natureza dos deuses; no segundo, porém, quer

adaptar as fábulas de Orfeu, das Musas, de Hesíodo e

de Homero àquilo que disse ele mesmo no primeiro

livro sobre os deuses imortais, pois também os mais

velhos poetas, que ainda nem tinham suspeitado disto,

pareciam ser estoicos. Seguindo ele, Diógenes da

Babilônia, naquele livro em que se trata sobre

Minerva, expondo o parto de Júpiter e o nascimento da

virgem, separou da fábula a fisiologia.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 62

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[42] Exposui fere non philosophorum iudicia, sed

delirantium somnia. Nec enim multo absurdiora sunt

ea, quae poetarum uocibus fusa ipsa suauitate

nocuerunt, qui et ira inflammatos et libidine furentis

induxerunt deos feceruntque, ut eorum bella, proelia,

pugnas, uulnera uideremus, odia, praeterea discidia,

discordias, ortus, interitus, querellas, lamentationes,

effusas in omni intemperantia libidines, adulteria,

uincula, cum humano genere concubitus mortalisque

ex inmortali procreatos.

Expus praticamente não juízos de filósofos, mas

sonhos de delirantes. Não são muito mais absurdas,

pois, aquelas coisas que difundidas pelas vozes de

poetas com a suavidade própria prejudicaram, os que

tanto inflamados pela ira quanto delirantes de desejo

introduziram os deuses e fizeram com que víssemos

suas guerras, combates, lutas, feridas, ódios, além

disso os divórcios, discórdias, nascimentos, ruínas,

queixas, lamentações, espalhadas em toda inteperança,

desejos, adultérios, laços, relações com o gênero

humano e mortais gerados de imortais.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 63

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[43] Cum poetarum autem errore coniungere licet

portenta magorum Aegyptiorumque in eodem genere

dementiam, tum etiam uulgi opiniones, quae in

maxima inconstantia, ueritatis ignoratione uersantur.

Ea qui consideret, quam inconsulte ac temere dicantur,

uenerari Epicurum et in eorum ipsorum numero, de

quibus haec quaestio est, habere debeat. Solus enim

uidit primum esse deos, quod in omnium animis eorum

notionem inpressisset ipsa natura. Quae est enim gens

aut quod genus hominum, quod non habeat sine

doctrina anticipationem quandam deorum, quam

appellat pro/lhyin Epicurus, id est anteceptam animo

rei quandam informationem, sine qua nec intellegi

quicquam nec quaeri nec disputari potest. Quoius

rationis uim atque utilitatem ex illo caelesti Epicuri de

regula et iudicio uolumine accepimus.

Com o erro dos poetas, porém, é possível unir as

histórias fictícias dos magos e a demência dos egípcios

no mesmo gênero, assim também as opiniões do vulgo,

que na maior inconstância vivem na ignorância da

verdade. Nela considera, que sejam ditas coisas tão

levianas e sem ponderação, venerar Epicuro e deva tê-

lo no número deles mesmos59, sobre os quais é esta

discussão. O único que viu, pois, primeiramete que os

deuses existem, pois a própria natureza imprimira a

noção deles nas almas de todos. Qual é, pois, a espécie

ou qual a raça dos homens, que não tenha sem

ensinamento algum pressentimento dos deuses, o qual

Epicuro chama de pro/lhyin60, que é certa

informação antecipada das coisas na alma, sem a qual

nem se pode entender coisa alguma nem buscar nem

discutir. A força e a utilidade desta razão percebemos a

partir daquele escrito do divino Epicuro sobre a regra e

o juízo.

59 Deuses. 60 Prolepse, ação de tomar antes, noção adquirida pelos sentidos.

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[44] Quod igitur fundamentum huius quaestionis est,

id praeclare iactum uidetis. Cum enim non instituto

aliquo aut more aut lege sit opinio constituta

maneatque ad unum omnium firma consensio, intellegi

necesse est esse deos, quoniam insitas eorum uel

potius innatas cognitiones habemus; de quo autem

omnium natura consentit, id uerum esse necesse est61;

esse igitur deos confitendum est. Quod quoniam fere

constat inter omnis non philosophos solum, sed etiam

indoctos, fatemur constare illud etiam, hanc nos habere

siue anticipationem, ut ante dixi, siue praenotionem

deorum (sunt enim rebus nouis noua ponenda nomina,

ut Epicurus ipse pro/lhyin appellauit, quam antea

nemo eo uerbo nominarat) .

61 g: “id uerum esse necesse est.”

O que, pois, é o fundamento desta questão, isto

claramente dito, vedes. Ainda que não tenha sido, pois,

estabelecida uma opinião por qualquer assunto ou

modo ou lei e permaneça um firme acordo de todos

para um, é necessário se compreender que os deuses

existem, porque temos conhecimentos recebidos deles

ou antes inatos; sobre isto, porém, consente a natureza

de tudo, isto é necessário que seja verdadeiro; deve ser

declarado, pois, que os deuses existem. O que, pois,

consta geralmente entre todos não só filósofos, mas

também indoutos; reconhecemos também que aquilo

consta; nós temos isto: ou o conhecimento antecipado,

como disse antes, ou a noção prévia dos deuses (pois

em coisas novas devem ser postos novos nomes, como

o próprio Epicuro denominou pro/lhyin, que antes

disso ninguém designara com esta palavra.).

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[45] hanc igitur habemus, ut deos beatos et inmortales

putemus. Quae enim nobis natura informationem

ipsorum deorum dedit, eadem insculpsit in mentibus,

ut eos aeternos et beatos haberemus. Quod si ita est,

uere exposita illa sententia est ab Epicuro, quod

beatum aeternumque sit, id nec habere ipsum negotii

quicquam nec exhibere alteri, itaque neque ira neque

gratia teneri, quod, quae talia essent, inbecilla essent

omnia. Si nihil aliud quaereremus, nisi ut deos pie

coleremus et ut superstitione liberaremur, satis erat

dictum; nam et praestans deorum natura hominum

pietate coleretur, cum et aeterna esset et beatissima

(habet enim uenerationem iustam, quicquid excellit), et

metus omnis a ui atque ira deorum pulsus esset;

intellegitur enim a beata inmortalique natura et iram et

gratiam segregari; quibus remotis nullos a superis

inpendere metus. Sed ad hanc confirmandam

opinionem anquirit animus et formam et uitam et

actionem mentis atque agitationem in deo62.

62 g: “animus et formam, et uitam, et actionem mentis atque

agitationem in deo.”

d: “animus et formam et uitae actionem mentisque agitationem in

deo.”

Temos, pois, esta noção prévia, de modo que

consideramos os deuses beatos e imortais. A mesma

natureza, pois, que nos concedeu a informação dos

próprios deuses gravou nas mentes a fim de que os

considerássemos eternos e beatos. O que se é assim,

verdadeiramente, foi exposta por Epicuro aquela

sentença, porque é beato e eterno. Isto não tem o

próprio deus: algo de preocupação nem demonstra para

outro, e assim nem é possuído por ira, nem por

bondade, porque são fracas todas as coisas, que são

assim. Se nenhuma outra coisa buscávamos, a menos

que cultivássemos piamente os deuses e que fôssemos

libertados das superstições, fora dito suficientemente,

pois tanto a natureza superior dos deuses era buscada

pela pietas dos homens, como tanto eterna quanto

muito beata fosse (pois tem justa veneração, qualquer

coisa que é notável) e todo medo tivesse sido

impulsionado pela força e pela ira dos deuses;

compreende-se, pois, que tanto a ira quanto a bondade

estão afastadas da natureza beata e imortal; com elas63

afastadas, o medo não dedica nada aos deuses. Mas

para confirmar esta opinião, o ânimo examinou tanto a

forma, quanto a vida, como a ação da mente e a

agitação no deus.

63 Quibus.

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[46] Ac de forma quidem partim natura nos admonet,

partim ratio docet. Nam a natura habemus omnes

omnium gentium speciem nullam aliam nisi humanam

deorum; quae enim forma alia occurrit umquam aut

uigilanti cuiquam aut dormienti? Sed ne omnia

reuocentur ad primas notiones, ratio hoc idem ipsa

declarat.

E sobre a forma, certamente, parte a natureza nos faz

lembrar; parte a razão ensina. Pois da natureza dos

deuses não temos todos de todas as raças nenhuma

outra aparência a não a humana; que outra forma, pois,

ocorre em algum momento ou a alguém atento ou

desatento? Mas não são reconduzidas todas as coisas

às primeiras noções, a própria razão demonstra isto

mesmo.

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[47] Nam cum praestantissumam naturam, uel quia

beata est uel quia sempiterna, conuenire uideatur

eandem esse pulcherrimam, quae conpositio

membrorum, quae conformatio liniamentorum, quae

figura, quae species humana potest esse pulchrior? Vos

quidem, Lucili, soletis (nam Cotta meus modo hoc,

modo illud), cum artificium effingitis fabricamque

diuinam, quam sint omnia in hominis figura non modo

ad usum, uerum etiam ad uenustatem apta, describere;

Pois como parece convir que a mesma natureza

eminente é belíssima, ou porque é beata ou porque é

eterna: que reunião de membros, que disposição de

linhas, que figura, que aspecto pode ser mais belo do

que o humano? Vós certamente, Lucílio, costumais

descrever (meu amigo Cota, pois, descreve ora isto,

ora aquilo), quando reproduzis a arte e a construção

divina, o quanto todas as coisas estejam adaptadas na

forma de homem, não só ao uso, mas também à

harmonia;

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 68

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[48] quod si omnium animantium formam uincit

hominis figura, deus autem animans est, ea figura

profecto est, quae pulcherrimast omnium64.

Quoniamque deos beatissimos esse constat, beatus

autem esse sine uirtute nemo potest nec uirtus sine

ratione constare nec ratio usquam inesse nisi in

hominis figura, hominis esse specie deos confitendum

est.

64 g: “quae pulcherrima sit omnium (...)”.

d: “quae pulcherrima sit omnium (...)”.

pois se a forma dos homens supera a aspecto de todos

os seres vivos, um deus, porém, é animado, certamente

aquele é o aspecto que é o mais belo de todos. E

porque consta que os deuses são beatíssimos, porém

ninguém pode ser beatus sem virtude, nem a virtude

pode constar sem razão, nem a razão em nenhum lugar

pode estar a não ser no aspecto humano, deve-se

admitir que os deuses têm o aspecto de homem.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 69

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[49] Nec tamen ea species corpus est, sed quasi corpus,

nec habet sanguinem, sed quasi sanguinem. Haec

quamquam et inuenta sunt acutius et dicta subtilius ab

Epicuro, quam ut quiuis ea possit agnoscere, tamen

fretus intellegentia uestra dissero breuius, quam causa

desiderat. Epicurus autem, qui res occultas et penitus

abditas non modo uideat animo65, sed etiam sic tractet

ut manu, docet eam esse uim et naturam deorum, ut

primum non sensu, sed mente cernatur, nec soliditate

quadam nec ad numerum66, ut ea, quae ille propter

firmitatem stere/mnia appellat, sed imaginibus

similitudine et transitione perceptis, cum infinita

simillumarum imaginum species67 ex innumerabilibus

indiuiduis existat et ad deos adfluat68, cum maximis

uoluptatibus in eas imagines mentem intentam

infixamque nostram intellegentiam capere, quae sit et

beata natura et aeterna.

65 g: “non modo uiderat animo (...)”.

d: “non modo uiderit animo (...)”. 66 d: “Nec sit ad numerum (...)”. 67 d: “imaginum [series] (...)”. 68 d: “et ad nos adfluat (...)”.

Porém aquele aspecto não é um corpo, mas um quase-

corpo, nem tem sangue, mas um quase-sangue. Estas

coisas já que tanto foram descobertas mais

aguçadamente quanto ditas mais sutilmente por

Epicuro do que qualquer um possa conhecê-las, porém

a mudança em vossa inteligência discuto mais

brevemente do que a causa necessite. Epicuro, porém,

que não só vê com a alma as coisas ocultas e

profundamente desconhecidas, mas também toca assim

como com a mão, ensina que aquela é a força e a

natureza dos deuses, que primeiramente não se percebe

pelo sentido, mas pela mente, nem por alguma solidez

nem em número, como aquilo que ele em vista da

firmeza chama de stere/mnia69, mas percebeis nas

imagens com semelhança e em transição que - quando

um infinito aspecto de imagens semelhantes a partir de

inumeráveis indivíduos exista e chegue até os deuses

com a máxima satisfação naquelas imagens - captam a

atenta mente aplicada e a nossa inteligência, que é

tanto uma natureza beata quanto eterna.

69 Sólidos, corpos sólidos.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 70

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[50] Summa uero uis infinitatis et magna ac diligenti

contemplatione dignissima est. In qua intellegi necesse

est eam esse naturam, ut omnia omnibus paribus paria

respondeant; hanc i)sonomi/an appellat Epicurus, id

est aequabilem tributionem. Ex hac igitur illud

efficitur, si mortalium tanta multitudo sit, esse

inmortalium non minorem, et si, quae interimant,

innumerabilia sint, etiam ea, quae conseruent infinita

esse debere. Et quaerere a nobis, Balbe, soletis, quae

uita deorum sit quaeque ab is degatur aetas.

A suma força do infinito na verdade é grande e

digníssima e de contemplação diligente, na qual é

necessário se compreender que ela é a natureza, de

modo que todas as coisas produzem seus semelhantes;

a esta Epicuro chama de i)sonomi/an70, isto é, a

distribuição uniforme. A partir dela, pois, aquilo se

estabelece: caso haja grande número de mortais, não

há um menor número de imortais, e se são inumeráveis

aquelas coisas que destroem, também aquelas, que

conservam, devem ser infinitas. E costumais buscar de

nós, Balbo, qual é a vida dos deuses e qual tempo é

vivido por eles.

70 Isonomia, igual repartição.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 71

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[51] Ea uidelicet, qua nihil beatius, nihil omnibus

bonis affluentius cogitari potest. Nihil enim agit, nullis

occupationibus est inplicatus, nulla opera molitur, sua

sapientia et uirtute gaudet, habet exploratum fore se

semper cum in maximis tum in aeternis uoluptatibus.

Certamente nada é mais beato do que ela, nada pode se

cogitar de mais abundante do que todos os bens. O

deus, pois, não age, em nenhuma ocupação foi

envolvido, não realiza nenhum trabalho, alegra-se por

sua sabedoria e virtude, tem assegurado que ele há de

existir sempre não só no maior mas também no eterno

prazer.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 72

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[52] Hunc deum rite beatum dixerimus, uestrum uero

laboriosissimum. Siue enim ipse mundus deus est, quid

potest esse minus quietum, quam nullo puncto

temporis intermisso uersari circum axem caeli

admirabili celeritate: nisi quietum autem, nihil beatum

est; siue in ipso mundo deus inest aliquis, qui regat,

qui gubernet, qui cursus astrorum, mutationes

temporum, rerum uicissitudines ordinesque conseruet,

terras et maria contemplans hominum commoda

uitasque tueatur, ne ille est inplicatus molestis negotiis

et operosis.

Este deus, segundo os ritos, diremos beato; o vosso na

verdade diremos muito ocupado. Ou, pois, o próprio

mundo é um deus, o que pode haver de menos

sossegado do que girar em torno do eixo do céu com

admirável rapidez, sem nenhum só instante

interrompido, se não é quieto, porém, em nada é beato;

ou no próprio mundo há algum deus que rege, que

governa, que conserva o curso dos astros, as estações,

as alterações e ordens das coisas, contemplando terras

e mares, olha as vantagens e as vidas dos homens, ele

não foi envolvido em negócios incômodos e

laboriosos.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 73

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[53] Nos autem beatam uitam in animi securitate et in

omnium uacatione munerum ponimus. Docuit enim

nos idem, qui cetera, natura effectum esse mundum,

nihil opus fuisse fabrica, tamque eam rem esse

facilem, quam uos effici negetis sine diuina posse

sollertia, ut innumerabiles natura mundos effectura sit,

efficiat, effecerit. Quod quia, quem ad modum natura

efficere sine aliqua mente possit, non uidetis, ut tragici

poetae cum explicare argumenti exitum non potestis,

confugitis ad deum.

Nós, porém, pomos a vida beata na tranquilidade da

alma e na isenção de todas as ocupações. O mesmo,

pois, que nos ensinou outras coisas, ensinou que o

mundo tem sido feito pela natureza, nenhuma obra

tenha existido por fabricação e que é tão fácil aquilo,

que vós negais que possa ser realizada sem uma divina

habilidade, de modo que a natureza possa fazer

mundos inumeráveis, faça, tenha feito. O que, pois, do

mesmo modo que a natureza possa fazer sem alguma

mente, não vedes, como os poetas trágicos, quando não

podeis explicar o resultado do argumento, recorreis a

um deus.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 74

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[54] Cuius operam profecto non desideraretis, si

inmensam et interminatam in omnis partis

magnitudinem regionum uideretis, in quam se iniciens

animus et intendens ita late longeque peregrinatur71, ut

nullam tamen oram ultimi uideat, in qua possit

insistere. In hac igitur inmensitate latitudinum,

longitudinum, altitudinum infinita uis innumerabilium

uolitat atomorum, quae interiecto inani cohaerescunt

tamen inter se et aliae alias adprehendentes

continuantur; ex quo efficiuntur eae rerum formae et

figurae, quas uos effici posse sine follibus et incudibus

non putatis. Itaque inposuistis in ceruicibus nostris

sempiternum dominum, quem dies et noctes

timeremus. Quis enim non timeat omnia prouidentem

et cogitantem et animaduertentem et omnia ad se

pertinere putantem curiosum et plenum negotii deum?

71 d: “longeque peregrinatus (...)”.

Um trabalho que certamente não desejarias, se

observásseis a imensa e sem fim grandeza das regiões

em todas as partes, na qual a alma, iniciando-se e se

projetando, assim por largo e longo espaço viaja, de

modo que, porém, não veja nenhuma borda de

extremidade, na qual possa se firmar. Nesta imensidão,

portanto, de larguras, de comprimentos, de alturas,

corre uma infinita força de inumeráveis átomos, que

com meio vazio se unem, porém, entre si, e

prendendo-se uns aos outros, juntam-se; a partir disso

se produzem aquelas formas das coisas e figuras, que

vós não julgais poderem ser feitas sem foles e sem

bigornas. E assim impusestes nas nossas cabeças um

senhor eterno, que temíamos durante dias e noites.

Quem, pois, não teme um deus cuidadoso e cheio de

ocupações que provê tudo, e que pensa, e que observa,

e que julga que tudo se refere a ele?

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 75

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[55] Hinc uobis extitit primum illa fatalis necessitas,

quam ei(marme/nhn dicitis, ut, quicquid accidat, id ex

aeterna ueritate causarumque continuatione fluxisse

dicatis. Quanti autem haec philosophia aestimandast,

cui tamquam aniculis, et his quidem indoctis, fato fieri

uideantur omnia. Sequitur mantikh\ uestra, quae

Latine diuinatio dicitur, qua tanta inbueremur

superstitione, si uos audire uellemus, ut haruspices,

augures, harioli, uates, coniectores nobis essent

colendi.

Daqui se mostrou a vós primeiramente aquela profética

necessidade que chamais ei(marme/nhn72, como dizeis

isso, que cai, decorrer da verdade eterna e da sequência

das causas. Quanto, porém, deve ser estimada aquela

filosofia, para a qual todas as coisas parecem ser feitas

pelo destino assim como para as velhinhas e,

certamente, para estes ignorantes. Segue-se a vossa

mantikh\73, que em latim se chama arte de adivinhar,

pela qual somos impregnados com tanta superstição; se

vos queremos ouvir, que por nós devam ser venerados

os arúspices, os áugures, os adivinhos, os oráculos, os

intérpretes.

72 Fixado pelo destino. 73 Adivinhação.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 76

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[56] His terroribus ab Epicuro soluti et in libertatem

uindicati nec metuimus eos, quos intellegimus nec sibi

fingere ullam molestiam nec alteri quaerere, et pie

sancteque colimus naturam excellentem atque

praestantem. Sed elatus studio uereor, ne longior

fuerim. Erat autem difficile rem tantam tamque

praeclaram inchoatam relinquere; quamquam non tam

dicendi ratio mihi habenda fuit quam audiendi.”

Afastados destes temores por Epicuro e recuperados de

liberdade, não tememos aqueles que compreendemos;

nem criaram para si alguma inquietação, nem

buscaram outra coisa, e pia e santamente veneramos a

excelente e notável natureza. Mas levado pelo

trabalho, temo que não tenha sido muito extenso.

Seria, porém, difícil deixar tanta e tão importante coisa

começada; embora não devesse haver para mim tanto o

interesse em dizer quanto em ouvir.”

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 77

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[57] Tum Cotta comiter, ut solebat, “Atqui,” inquit

“Vellei, nisi tu aliquid dixisses, nihil sane ex me

quidem audire potuisses. Mihi enim non tam facile in

mentem uenire solet, quare uerum sit aliquid, quam

quare falsum; idque cum saepe, tum, cum te audirem

paulo ante, contigit. Roges me, qualem naturam

deorum esse, dicam: nihil fortasse respondeam;

quaeras, putemne talem esse, qualis modo a te sit

exposita: nihil dicam mihi uideri minus. Sed ante quam

adgrediar ad ea, quae a te disputata sunt, de te ipso

dicam, quid sentiam.

Então Cota magnificamente, como estava habituado,

disse: “Porém, Veleio, se tu não tivesses dito algo

sabiamente, nada de modo são poderias certamente

ouvir de mim. A mim, pois, não costuma chegar à

mente facilmente tanto por qual razão algo seja

verdadeiro do que por qual razão seja falso; e isso

então como sempre aconteceu, quando te ouvia um

pouco antes. Me pedes que diga qual seja a natureza

dos deuses. Talvez não responda nada. Queres que eu

julgue que seja tal qual recentemente foi exposta por ti.

Digo que nada me parece suficiente. Mas antes que

fale sobre aquelas coisas que foram discutidas por ti,

digo o que penso sobre tu mesmo.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 78

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[58] Saepe enim de L. Crasso, illo familiari tuo, uideor

audisse, cum te togatis omnibus sine dubio anteferret,

paucos tecum Epicureos e Graecia compararet, sed,

quod ab eo te mirifice diligi intellegebam, arbitrabar

illum propter beniuolentiam uberius id dicere. Ego

autem, etsi uereor laudare praesentem, iudico tamen de

re obscura atque difficili a te dictum esse dilucide,

neque sententiis solum copiose, sed uerbis etiam

ornatius, quam solent uestri.

Frequentemente, pois, pareço ter ouvido de L. Crasso,

aquele teu amigo, quando sem dúvida te antepunha a

todos os cidadãos romanos, comparava contigo poucos

epicuristas da Grécia, mas, porque, eu percebia que tu

eras extremamente amado por ele, pensava que ele

falava isso muito abundantemente por causa da

afeição. Eu mesmo, porém, ainda que tema elogiar o

que se faz presente, julgo, todavia, que sobre o

obscuro e difícil assunto por ti tenha sido dito

claramente, e não apenas com sentenças em

abundância, mas também com palavras mais ornadas

do que costumam os vossos.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 79

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[59] Zenonem, quem Philo noster coryphaeum

appellare Epicureorum solebat, cum Athenis essem,

audiebam frequenter, et quidem ipso auctore Philone,

credo, ut facilius iudicarem, quam illa bene

refellerentur, cum a principe Epicureorum accepissem,

quem ad modum dicerentur. Non igitur ille ut plerique,

sed isto modo ut tu: distincte, grauiter, ornate. Sed

quod in illo mihi usu saepe uenit, idem modo, cum te

audirem, accidebat, ut moleste ferrem tantum

ingenium (bona uenia me audies) in tam leues, ne

dicam, in tam ineptas sententias incidisse.

Quando fui a Atenas, ouvia frequentemente Zenão, que

o nosso Filo costumava chamar de Corifeu dos

epicuristas, e na verdade, sobre o próprio autor Filo,

creio que julgasse mais fácil do que aquelas coisas

fossem mais bem refutadas, quando eu ouvia do

primeiro dos epicuristas na medida em que fossem

ditas. Ele, pois, não é como a maior parte, mas deste

modo é como tu distinto, grave e elegante. Mas o que

sempre me vem daquele hábito, do mesmo modo,

quando te ouvia, acontecia que indecorosamente com

tamanha imaginação falasse (de bom grado me

ouvirás) não digo que incorresse em tão leves, em tão

tolas sentenças.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 80

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[60] Nec ego nunc ipse aliquid adferam melius. Vt

enim modo dixi, omnibus fere in rebus, sed maxime in

physicis, quid non sit, citius, quam quid sit, dixerim.

Roges me, quid aut quale sit deus: auctore utar

Simonide, de quo cum quaesiuisset hoc idem tyrannus

Hiero, deliberandi sibi unum diem postulauit; cum

idem ex eo postridie quaereret, biduum petiuit; cum

saepius duplicaret numerum dierum admiransque

Hiero requireret, cur ita faceret, “Quia, quanto diutius

considero,” inquit “tanto mihi spes uidetur

obscurior74”. Sed Simoniden arbitror (non enim poeta

solum suauis, uerum etiam ceteroqui doctus

sapiensque traditur), quia multa uenirent in mentem

acuta atque subtilia, dubitantem, quid eorum esset

uerissimum, desperasse omnem ueritatem.

74 g: “tanto mihi res uidetur obscurior.”

d: “tanto mihi res uidetur obscurior.”

Nem mesmo eu falarei agora algo melhor. Como na

verdade disse há pouco sobre quase todas as coisas,

mas principalmente na física, tenho dito mais fácil o

que não é do que o que é. Perguntas-me o que ou como

seja um deus: me servirei do autor Simônides, sobre o

qual, quando o próprio tirano tivesse perguntado isto,

postulou um único dia para ele deliberar; quando o

mesmo requereu dele no dia seguinte, pediu dois dias;

como duplicava sempre o número de dias e se

admirando Hierão perguntava, por que fazia assim.

Disse: “Porque quanto mais tempo penso, tanto mais

me parece obscura a esperança.” Mas julgo que

Simônides (pois se apresenta não só como um suave

poeta, mas também além disso douto e sapiente) –

porque viessem à mente muitas coisas aguçadas e

sutis, duvidando do que era verdadeiro entre elas –

perdeu a esperança em toda verdade.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 81

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[61] Epicurus uero tuus (nam cum illo malo disserere

quam tecum) quid dicit, quod non modo philosophia

dignum esset, sed mediocri prudentia? Quaeritur

primum in ea quaestione, quae est de natura deorum,

sintne dei necne sint. “Difficile est negare.” Credo, si

in contione quaeratur, sed in huius modi sermone et in

consessu [familiari] facillimum. Itaque ego ipse

pontifex, qui caerimonias religionesque publicas

sanctissime tuendas arbitror, is hoc, quod primum est,

esse deos persuaderi mihi non opinione solum, sed

etiam ad ueritatem plane uelim. Multa enim occurrunt,

quae conturbent, ut interdum nulli esse uideantur.

Teu Epicuro na verdade (pois prefiro discutir com ele a

discutir contigo) diz algo que fosse digno não só da

filosofia, mas da medíocre prudência? Primeiramente

se busca, naquela questão que há sobre a natureza dos

deuses, se há ou não há deuses. “É difícil negar”.

Creio, se em assembleia fosse perguntado, mas em

uma discussão desse tipo e em uma reunião familiar é

facílimo. Assim, eu mesmo pontífice, que julgo que as

cerimônias e religiões públicas devam ser defendidas

santissimamente, queria com aquelas coisas ser

persuadido nisto, que é o principal: os deuses

existirem, não só em minha opinião, mas também

claramente segundo a verdade. Ocorrem, pois, muitas

coisas que confundem, de modo que às vezes nada

pareça existir.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 82

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[62] Sed uide, quam tecum agam liberaliter: quae

communia sunt uobis cum ceteris philosophis non

attingam, ut hoc ipsum; placet enim omnibus fere

mihique ipsi in primis deos esse. Itaque non pugno;

rationem tamen eam, quae a te adfertur, non satis

firmam puto. Quod enim omnium gentium

generumque hominibus ita uideretur, id satis magnum

argumentum esse dixisti, cur esse deos confiteremur.

Quod cum leue per se, tum etiam falsum est. Primum

enim unde tibi notae sunt opiniones nationum?

Equidem arbitror multas esse gentes sic inmanitate

efferatas, ut apud eas nulla suspicio deorum sit.

Mas vê o quanto ajo educadamente contigo. Não sei

quais coisas vossas são comuns com a de outros

filósofos, como isto mesmo; agrada, pois, a todos

geralmente e a mim mesmo em primeiro lugar que os

deuses existam. Assim não me oponho, porém julgo

que este pensamento, que por ti foi proferido, não é

sólido o bastante. Pois o que assim parece aos homens

de todas as raças e gêneros, isso disseste

satisfatoriamente ser um grande argumento para que

confessássemos que os deuses existem. O que é tanto

leviano por si quanto falso. Primeiramente, pois, de

onde foram conhecidas por ti as opiniões dos povos?

Certamente julgo que há muitos povos assim

embrutecidos pela incivilidade, de modo que não haja

nenhuma suspeita de deuses segundo eles.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 83

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[63] Quid Diagoras, Atheos qui dictus est, posteaque

Theodorus nonne aperte deorum naturam sustulerunt?

Nam Abderites quidem Protagoras, cuius a te modo

mentio facta est, sophistes temporibus illis uel

maximus, cum in principio libri sic posuisset “De diuis

neque, ut sint neque ut non sint, habeo dicere”,

Atheniensium iussu urbe atque agro est exterminatus

librique eius in contione combusti; ex quo equidem

existimo tardioris ad hanc sententiam profitendam

multos esse factos, quippe cum poenam ne dubitatio

quidem effugere potuisset. Quid de sacrilegis, quid de

impiis periurisque dicemus?

“Tubulus si Lucius umquam,

si Lupus aut Carbo aut Neptuni filius”,

ut ait Lucilius, putasset esse deos, tam periurus aut tam

inpurus fuisset?

Por que Diágoras que foi dito ateu e, em seguida,

Teodoro não75 sustentaram abertamente a natureza dos

deuses? Porque na verdade Protágoras de Abdera – de

quem há pouco foi feita por ti uma menção, o maior

sofista naquele tempo, quando no início de seu livro

tinha considerado assim: “sobre os deuses não tenho

que dizer nem que existam, nem que não existam” –

por ordem dos atenienses foi banido da cidade e do

campo, e os seus livros foram queimados na

assembleia, a partir disso certamente creio que muitos

se tornaram mais tímidos para declarar esta sentença,

visto que nem mesmo a dúvida pudesse escapar da

pena.

O que diremos sobre os sacrílegos, o que diremos

sobre os ímpios e sobre os perjuros?

“Se Túbulo Lúcio alguma vez

Se Lobo, ou Carbão, ou o filho de Netuno”

como disse Lucílio, tivesse considerado que os deuses

existem, teria sido tão perjuro ou tão impuro?

75 Nonne: negativa em que se espera resposta afirmativa.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 84

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[64] Non est igitur tam explorata ista ratio ad id, quod

uultis confirmandum, quam uidetur. Sed quia

commune hoc est argumentum aliorum etiam

philosophorum, omittam hoc tempore; ad uestra

propria uenire malo.

Essa consideração não é, pois, tão explorada quanto

parece para se confirmar o que desejas. Mas porque

este argumento é comum também a outros filósofos,

abandonarei neste momento, prefiro chegar até o

vossos próprios.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 85

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[65] Concedo esse deos; doce me igitur, unde sint, ubi

sint, quales sint corpore, animo, uita; haec enim scire

desidero. Abuteris ad omnia atomorum regno et

licentia; hinc quodcumque in solum uenit, ut dicitur,

effingis atque efficis. Quae primum nullae sunt. Nihil

est enim, * * quod uacet corpore. Corporibus autem

omnis obsidetur locus; ita nullum inane nihil esse

indiuiduum potest.

Concedo que os deuses existem; ensina-me, pois, de

onde vêm, onde estão, quais existam com corpo, com

alma, com vida; isto, pois, desejo saber. Usas para tudo

do poder dos átomos e da licença; agora o que

primeiro vem ao espírito, como se diz, retratas e

estabeleces. Primeiramente tais coisas são nulas. Pois

nada há, [lacuna no texto] que seja vazio de corpo.

Todo lugar, porém, é ocupado por corpos; assim nada

pode ser indivisível nem vazio.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 86

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[66] Haec ego nunc physicorum oracla fundo, uera an

falsa nescio, sed ueri [simile] tamen similiora quam

uestra. Ista enim flagitia Democriti siue etiam ante

Leucippi esse corpuscula quaedam leuia, alia aspera,

rutunda alia, partim autem angulata et hamata, curuata

quaedam et quasi adunca76, ex iis effectum esse

caelum atque terram nulla cogente natura, sed

concursu quodam fortuito – hanc tu opinionem, C.

Vellei, usque ad hanc aetatem perduxisti, priusque te

quis de omni uitae statu quam de ista auctoritate

deiecerit; ante enim iudicasti Epicureum te esse

oportere, quam ista cognouisti: ita necesse fuit aut haec

flagitia concipere animo aut susceptae philosophiae

nomen amittere.

76 g: “alia aspera, rotunda alia, partim autem angulata, curuata

quaedam et quasi adunca (...)”.

d: “alia aspera, partim autem angulata, hamata quaedam et quase

adunca (...)”.

Eu agora exponho estes oráculos dos físicos, não sei se

são verdadeiros ou falsos; no entanto, mais semelhante

provavelmente do que os vossos. Pois estas infâmias

de Demócrito ou também, anteriormente, de Leucipo

são alguns átomos ligeiros, uns ásperos, outros

redondos, em parte, porém, angulosos e curvosos,

outros curvados e quase recurvados, a partir destes

teria sido feito o céu e a terra, não os reunindo

nenhuma natureza, mas em um encontro casual – esta

opinião tu, C. Veleio, sempre mantiveste até este

momento, e alguém tinha te precipitado acerca de toda

situação da vida antes do momento desse parecer;

julgaste, pois, que te era necessário ser epicurista,

antes de conheceres isto: assim foi necessário, ora

conter no ânimo estas infâmias, ora retirar o nome da

filosofia adotada.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 87

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[67] Quid enim mereas, ut Epicureus esse desinas?

“Nihil equidem,” inquis “ut rationem uitae beatae

ueritatemque deseram”. Ista igitur est ueritas? Nam de

uita beata nihil repugno, quam tu ne in deo quidem

esse censes, nisi plane otio langueat. Sed ubi est

ueritas? In mundis, credo, innumerabilibus omnibus

minimis temporum punctis aliis nascentibus, aliis

cadentibus; an in indiuiduis corpusculis tam praeclara

opera nulla moderante natura, nulla ratione

fingentibus? Sed oblitus liberalitatis meae, qua tecum

paulo ante uti coeperam, plura complector. Concedam

igitur ex indiuiduis constare omnia; quid ad rem?

O que, pois, queres como prêmio para que deixes de

ser epicurista? “Nada na verdade” – dizes – “para que

abandone a doutrina da vida beata e a verdade.” Essa,

pois, é a verdade? De fato não me oponho a nada da

vida beata, que tu julgas que nem mesmo esteja em um

deus, a não ser que esteja completamente no ócio. Mas

onde está a verdade? Nos mundos inumeráveis, creio,

nos mínimos instantes de tempo, alguns nascem,

outros morrem; por acaso nos corpúsculos indivisíveis,

que modelam sem nenhuma razão, nenhuma natureza

governa obras tão notáveis? Mas impregnado de minha

liberalidade que começara um pouco antes a usar

contigo, compreendo mais coisas. Concedo, portanto,

que todas as coisas sejam estabelecidas a partir de

corpúsculos indivisíveis, o que importa?

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 88

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[68] Deorum enim natura quaeritur. Sint sane ex

atomis; non igitur aeterni. Quia enim ex atomis, id

natum aliquandost77; si natum, nulli dei ante quam

nati; et si ortus est deorum, interitus sit, necesse est, ut

tu paulo ante de Platonis mundo disputabas. Vbi igitur

illud uestrum beatum et aeternum, quibus duobus

uerbis significatis deum? Quod cum efficere uultis, in

dumeta conrepitis. Ita enim dicebas, non corpus esse in

deo, sed quasi corpus, nec sanguinem, sed tamquam

sanguinem.

77 g: “quia enim ex atomis sit, id natum aliquando sit (...)”.

d: “Quod enim ex atomis, id natum aliquando est (...)”.

Procura-se, pois, a natureza dos deuses. Seriam na

verdade de átomos; e assim não eternos. Porque o que

foi gerado de átomos, pois, algum dia; se foi gerado,

não havia nenhum deus antes que tivesse sido gerado;

e se há o nascimento de deuses, é necessário que haja a

morte, como tu discutias um pouco antes sobre o

mundo de Platão. Onde está, pois, vossa beatitude e

eternidade, as duas palavras com que caracterizáveis

um deus? Porque quando desejais fazer, escapais das

dificuldades. Assim, pois, dizias, que em um deus não

há um corpo, mas um quase-corpo, nem sangue, mas

algo como sangue.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 89

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[69] Hoc persaepe facitis, ut, cum aliquid non ueri

simile dicatis et effugere reprehensionem uelitis,

adferatis aliquid, quod omnino ne fieri quidem possit,

ut satius fuerit illud ipsum, de quo ambigebatur,

concedere quam tam inpudenter resistere. Velut

Epicurus, cum uideret, si atomi ferrentur in locum

inferiorem suopte pondere, nihil fore in nostra

potestate, quod esset earum motus certus et

necessarius, inuenit, quo modo necessitatem effugeret,

quod uidelicet Democritum fugerat: ait atomum, cum

pondere et grauitate directo deorsus feratur, declinare

paululum.

Isto muito frequentemente fazeis, de modo que,

quando dizeis algo inverossímil e quereis escapar de

repreensão, anunciais o que absolutamente nem

mesmo pode acontecer, porque abandonar aquilo

mesmo sobre o que se debatia, seria melhor do que

resistir tão impudentemente. Como Epicuro – quando

via que, se são conduzidos ao lugar mais baixo por seu

próprio peso, nada estaria em nosso poder, porque o

seu movimento seria certo e necessário – encontrou de

que modo fugia da necessidade, o que evidentemente

fugira de Demócrito. Disse que o átomo, quando é

conduzido pelo peso e pela gravidade diretamente para

baixo, desvia-se um pouco.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 90

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[70] Hoc dicere turpius est quam illud, quod uult non

posse defendere. Idem facit contra dialecticos; a

quibus cum traditum sit in omnibus diiunctionibus, in

quibus “aut etiam aut non” poneretur, alterum utrum

esse uerum, pertimuit, ne, si concessum esset huius

modi aliquid “aut uiuet cras aut non uiuet Epicurus”,

alterutrum fieret necessarium: totum hoc “aut etiam aut

non” negauit esse necessarium; quo quid dici potuit

obtusius? Vrguebat Arcesilas Zenonem, cum ipse falsa

omnia diceret, quae sensibus uiderentur, Zenon autem

non nulla uisa esse falsa, non omnia; timuit Epicurus,

ne, si unum uisum esset falsum, nullum esset uerum:

omnes sensus ueri nuntios dixit esse. Nihil horum nisi

+ualde78; grauiorem enim plagam accipiebat, ut

leuiorem repelleret.

78 g: “Nihil horum, nisi calide (...)”.

d: “Nihil horum nimis callide (...)”.

Dizer isto é mais vergonhoso do que não poder

defender aquilo que deseja. O mesmo faz contra os

dialéticos, como foi dito por eles em todas as

discussões, nas quais se punha “ou sim ou não”, um ou

outro ser verdadeiro, temeu que, se tivesse sido

permitido algo deste modo “ou viverá amanhã ou não

viverá Epicuro”, um ou outro se fizesse necessário.

Tudo isto “ou sim ou não” negou ser necessário; o que

é que pode ser dito de mais absurdo? Arcesilas acusava

Zenão, quando ele mesmo dizia que eram falsas todas

as coisas, que eram percebidas pelos sentidos; Zenão,

porém, dizia que algumas coisas percebidas eram

falsas, não todas. Epicuro temeu que se algo percebido

fosse falso, nada seria verdadeiro, disse que todos os

sentidos eram intérpretes da verdade. Nada disso a não

ser completamente [lacuna no texto]; recebia, pois, um

dano mais grave, de modo que repelisse um mais leve.

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[71] Idem facit in natura deorum: dum indiuiduorum

corporum concretionem fugit, ne interitus et dissipatio

consequatur, negat esse corpus deorum, sed tamquam

corpus, nec sanguinem, sed tamquam sanguinem.

Mirabile uidetur quod non rideat haruspex, cum

haruspicem uiderit; hoc mirabilius, quam uos inter uos

risum tenere possitis?79 “Non est corpus, sed quasi

corpus”: hoc intellegerem, quale esset, si in cereis

fingeretur aut fictilibus figuris; in deo quid sit quasi

corpus aut quid sit quasi sanguis, intellegere non

possum. Ne tu quidem Vellei, sed non uis fateri.

79 g: “quod uos inter uos risum tenere possitis.”

d: “quod uos inter uos risum tenere possitis.”

O mesmo faz sobre a natureza dos deuses: enquanto

foge da reunião dos corpos indivisíveis, não segue a

morte e a dispersão. Nega que haja corpo de deuses,

mas como que um corpo, nem sangue, mas como que

um sangue. Parece admirável que um arúspice não ria,

embora tenha visto um arúspice, isto é mais admirável

do que vós poderdes conter o riso entre vós mesmos?

“Não há um corpo, mas um quase-corpo.”

Compreenderia isto tal como é, se fosse reproduzido

em cera ou em figuras de barro; não posso

compreender o que seja em um deus um quase-corpo

ou o que seja um quase-sangue. Nem mesmo tu,

Veleio, mas não queres confessar.

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[72] Ista enim a uobis quasi dictata redduntur, quae

Epicurus oscitans halucinatus est, cum quidem

gloriaretur, ut uidemus in scriptis, se magistrum

habuisse nullum. Quod et non praedicanti tamen facile

equidem crederem, sicut mali aedificii domino

glorianti se architectum non habuisse; nihil enim olet

ex Academia, nihil [ne] ex Lycio, nihil ne e puerilibus

quidem disciplinis. Xenocraten audire potuit (quem

uirum, dii inmortales), et sunt, qui putent, audisse; ipse

non uult: credo, plus nemini. Pamphilum, quendam

Platonis auditorem, ait a se Sami auditum (ibi enim

adulescens habitabat cum patre et fratribus, quod in

eam pater eius Neocles agripeta uenerat, sed cum

agellus eum non satis aleret, ut opinor, ludi magister

fuit);

Essas coisas, pois, são repetidas por vós como foram

ditas, com que Epicuro bocejando sonhou, pois

certamente se vangloriava, como vemos nos escritos,

não ter tido nenhum mestre. Também não dizendo o

que, porém, com facilidade acreditasse certamente,

assim como se vangloriasse o dono de uma má

construção de não ter havido um arquiteto; nada, pois,

se percebe da Academia, nada nem de Lycio, nem

mesmo certamente dos ensinamentos pueris. Pôde

ouvir Xenócrates (que homem, deuses imortais), e há

os que consideram ter ouvidos; ele mesmo não quis

ouvir, creio, mais ninguém. Disse que Panfilo, certo

discípulo de Platão, ouviu dele em Samos (aí, pois, o

adolescente habitava com o pai e os irmãos, pois

naquela Samos seu pai Neocles viera como agricultor,

mas quando o pequeno campo não o nutrisse

suficientemente, como penso, foi mestre da escola);

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[73] sed hunc Platonicum mirifice contemnit Epicurus:

ita metuit, ne quid umquam didicisse uideatur. In

Nausiphane Democriteo tenetur; quem cum a se non

neget auditum, uexat tamen omnibus contumeliis.

Atqui si haec Democritea non audisset, quid audierat,

quid est in physicis Epicuri non a Democrito? Nam etsi

quaedam commutauit, ut quod paulo ante de

inclinatione atomorum dixi, tamen pleraque dicit

eadem: atomos, inane, imagines, infinitatem locorum

innumerabilitatemque mundorum, eorum ortus,

interitus, omnia fere, quibus naturae ratio continetur.

Mas Epicuro monospreza maravilhosamente este

platônico. Teme assim o que nunca parece ter

aprendido. Observa-se em Nausífane, discípulo de

Demócrito, que, pois não nega a audiência dele,

inquieta, porém, por todas as censuras. Entretanto, se

não tivesse ouvido isto de Demócrito; o que ouvira, o

que há na física de Epicuro não proveniente de

Demócrito? Se bem que mudou algo, como o que falei

um pouco antes sobre a inclinação dos átomos, porém

falou a maior parte daquilo: sobre os átomos, sobre o

vazio, sobre as imagens dos lugares e os números

infinitos dos mundos, o nascimento deles, a morte,

quase todas as coisas, nas quais se conserva a ideia de

natureza.

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[74] Nunc istuc quasi corpus et quasi sanguinem quid

intellegis? Ego enim te scire ista melius quam me non

fateor solum, sed etiam facile patior; cum quidem

semel dicta sunt, quid est, quod Velleius intellegere

possit, Cotta non possit? Itaque corpus quid sit,

sanguis quid sit intellego, quasi corpus et quasi sanguis

quid sit, nullo prorsus modo intellego. Neque tu me

celas, ut Pythagoras solebat alienos, nec consulto dicis

occulte tamquam Heraclitus, sed, quod inter nos liceat,

ne tu quidem intellegis.

Agora este quase-corpo e quase-sangue como

compreendes? Eu, pois, não só confesso que tu sabes

estas coisas melhor do que eu, mas também admito

facilmente, pois certamente foram ditas uma só vez; o

que há que Veleio pode entender, mas Cota não pode?

Assim entendo o que seja um corpo, o que seja sangue,

mas quase-corpo e quase-sangue o que seja, de modo

algum entendo absolutamente. E nem tu me escondes,

como Pitágoras costumava com estranhos, nem dizes

propositalmente às escondidas como Heráclito, mas o

que é permitido entre nós, nem mesmo tu

compreendes.

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[75] Illud uideo pugnare te, species ut quaedam sit

deorum, quae nihil concreti habeat, nihil solidi, nihil

expressi, nihil eminentis, sitque pura, leuis, perlucida.

Dicemus igitur idem quod in Venere Coa: corpus illud

non est, sed simile corporis, nec ille fusus et candore

mixtus rubor sanguis est, sed quaedam sanguinis

similitudo; sic in Epicureo deo non rem, sed

similitudines esse rerum. Fac id, quod ne intellegi

quidem potest, mihi esse persuasum; cedo mihi

istorum adumbratorum deorum liniamenta atque

formas.

Vejo aquilo que tu combates, pois existe algum

aspecto dos deuses, que não tenha nada de concreto,

nada de sólido, nada de expresso, nada de notável, e

seja puro, leve, transparente. Digamos, portanto, o

mesmo que dissemos sobre a Vênus de Cós80: aquilo

não é um corpo, mas semelhante a um corpo, nem

aquele vermelho espalhado e misturado ao esplendor é

sangue, mas algo semelhante a sangue; assim no deus

de Epicuro não há substância, mas imitação de

substâncias. Mostra aquilo que nem mesmo pode ser

compreendido por mim, nem ser persuadido, dize-me

as feições e as formas desses deuses fictícios.

80 Ilha do mar Egeu.

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[76] Non deest hoc loco copia rationum, quibus docere

uelitis humanas esse formas deorum; primum quod ita

sit informatum anticipatum [que] mentibus nostris, ut

homini, cum de deo cogitet, forma occurrat humana;

deinde cum, quoniam rebus omnibus81 excellat natura

diuina, forma quoque esse pulcherrima debeat, nec

esse humana ullam pulchriorem; tertiam rationem

adfertis, quod nulla in alia figura domicilium mentis

esse possit82.

81 g: “deinde, ut, quoniam rebus omnibus (...)”.

d: “deinde quod, quoniam rebus omnibus (...)”. 82 g: “quod nulla in alia figura domicilium mentis esse possit.”

d: “quod nulla alia figura domicilium mentis esse possit.”

Não falta a este ponto abundância de pensamentos,

com os quais desejais ensinar que as formas dos deuses

são humanas. Primeiramente, o que tem sido formado

e antecipado assim nas nossas mentes que ao homem,

quando cogita sobre um deus, ocorra a forma humana;

segundo, pois, a natureza divina ultrapassa depois

todas as coisas, a forma também deve ser belíssima,

não há nenhuma mais bela do que a humana; como

terceiro argumento, informais que em nenhuma outra

figura pode haver a morada da mente.

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[77] Primum igitur quidque considera, quale sit;

arripere enim mihi uidemini quasi uestro iure rem

nullo modo probabilem. [Primum] omnium quis tam

caecus in contemplandis rebus umquam fuit83, ut non

uideret species istas hominum conlatas in deos aut

consilio quodam sapientium, quo facilius animos

imperitorum ad deorum cultum a uitae prauitate

conuerterent aut superstitione, ut essent simulacra,

quae uenerantes deos ipsos se adire crederent.

Auxerunt autem haec eadem poetae, pictores, opifices;

erat enim non facile agentis aliquid et molientes deos

in aliarum formarum imitatione seruare. Accessit etiam

ista opinio fortasse, quod homini homine pulchrius

nihil uideatur. Sed tu hoc, physice, non uides, quam

blanda conciliatrix et quasi sui sit lena natura? An

putas ullam esse terra marique beluam, quae non sui

generis belua maxime delectetur? Quod ni ita esset, cur

non gestiret taurus equae contrectatione, equus uaccae?

An tu aquilam aut leonem aut delphinum ullam

anteferre censes figuram suae? Quid igitur mirum, si

hoc eodem modo homini natura praescripsit, ut nihil

pulchrius quam hominem putaret? * * eam esse

causam, cur deos hominum similis putaremus:

83 g: “Omnium quis tam caecus in contemplandis rebus umquam

fuit (...)”.

d: “Omnino quis tam caecus in contemplandis rebus umquam fuit

(...)”.

Primeiramente então considera cada coisa como seja;

parecei-me assegurar como vossa autoridade um

argumento de nenhum modo provável. Entre todos,

alguém foi alguma vez tão cego nas coisas

contempladas, de modo que não visse essas aparências

de homens reunidas nos deuses ou em algum consílio

de sábios, no qual levassem mais facilmente os ânimos

dos ignorantes ao culto dos deuses pela falta de

reflexão da vida ou pela superstição, de modo que

fossem simulacros que pensavam se aproximar dos

próprios deuses venerados. Reprodiziram, porém, estas

mesmas coisas os poetas, os pintores, os artistas; não

era fácil, pois, preservar na imitação de outras formas

os deuses se movendo e fazendo algo. Veio certamente

também essa opinião, pois ao homem nada parece mais

belo do que o homem. Mas tu, físico, não vês isto,

quanto a natureza é meiga, conciliadora e quase

sedutora de si mesma? Por acaso pensas que haja na

terra e nos mares algum animal que não se encante

extremamente com um animal de sua raça? Porque se

não fosse assim, por que o touro não desejaria contato

com a égua, o cavalo com a vaca? Por acaso tu pensas

que a águia, ou o leão, ou o golfinho preferem algum

aspecto ao seu? Por que é espantoso, pois, se deste

mesmo modo a natureza prescreveu ao homem que

nada julgasse mais belo do que o homem? [lacuna no

texto] aquela é a causa, porque considerávamos os

deuses semelhantes aos homens.

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[78] Quid censes, si ratio esset in beluis non suo

quasque generi plurimum tributuras fuisse? At

mehercule ego (dicam enim, ut sentio), quamuis amem

ipse me, tamen non audeo dicere pulchriorem esse me,

quam ille fuerit taurus, qui uexit Europam; non enim

hoc loco de ingeniis aut de orationibus nostris, sed de

specie figuraque quaeritur. Quod si fingere nobis et

iungere formas uelimus, qualis ille maritimus Triton

pingitur, natantibus inuehens beluis adiunctis humano

corpori, nolis esse. Difficili in loco uersor; est enim uis

tanta naturae, ut homo nemo uelit nisi hominis similis

esse - et quidem formica formicae.

Por que pensas que, se nos animais houvesse razão,

cada um não haveria de conceder muito ao seu gênero?

Mas, por Hércules, eu (digo, pois, como penso) por

mais que ame a mim mesmo, porém não ouso dizer

que eu sou mais belo do que foi aquele touro que

trasportou Europa. Neste ponto, pois, não se discute

sobre os engenhos ou sobre nossos discursos, mas

sobre o aspecto e sobre a forma; porque se quisermos

nos representar e unir os aspectos, como é

representado aquele Tritão marítimo, transportando os

animais que nadam unidos ao corpo humano, não

queres que assim seja. Encontro-me em um ponto

difícil, pois a força da natureza é tanta que nenhum

homem quer ser igual a não ser a um homem – e

certamente uma formiga à formiga.

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[79] Sed tamen cuius hominis? Quotus enim quisque

formonsus est, Athenis cum essem, e gregibus

epheborum uix singuli reperiebantur - uideo, quid

adriseris, sed ita tamen se res habet. Deinde nobis, qui

concedentibus philosophis antiquis adulescentulis

delectamur, etiam uitia saepe iucunda sunt. Naeuos in

articulo pueri delectat Alcaeum84; at est corporis

macula naeuos; illi tamen hoc lumen uidebatur. Q.

Catulus, huius collegae et familiaris nostri pater,

dilexit municipem tuum Roscium, in quem etiam illud

est eius:

“constiteram exorientem Auroram forte

salutans,

cum subito a laeua Roscius exoritur.

pace mihi liceat caelestes dicere uestra:

mortalis uisus pulchrior esse deo.”

Huic deo pulchrior; at erat, sicuti hodie est,

peruersissimis oculis: Quid refert, si hoc ipsum salsum

illi et uenustum uidebatur?

84 g: “Naeuus in articulo pueri delectat Alcaeum.”

d: “Naeuus in articulo pueri delectat Alcaeum.”

Porém de que homem? Pois um pequeno número é

formoso, quando fui a Atenas apenas um só era

encontrado entre os grupos de jovens – vejo que tens

rido, no entanto a coisa se mantém assim. Depois para

nós que nos sujeitamos aos antigos filósofos, somos

encantados pelos jovens, também os defeitos sempre

são agradáveis. A verruga no dedo do menino seduz

Alceu; mas a verruga é uma marca no corpo; para ele,

porém, aquilo parecia um ornamento. Q. Catulo, pai

daquele nosso colega e amigo, honrou o teu

concidadão Róscio, para quem há aquele seu

epigrama:

“Saudando, continuara Aurora casualmente surgindo,

Quando de repente do lado esquerdo surge Róscio,

Com vossa permissão, ó deuses, permitam-me dizer:

O mortal é uma visão mais bela do que um deus.”

Para este era mais belo do que um deus, mas tinha

assim olhos às avessas, como tem hoje. Que importa se

isto mesmo lhe parecia gracioso e encantador?

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[80] Redeo ad deos. Ecquos si non tam strabones at

paetulos esse arbitramur, ecquos naeuum habere,

ecquos silos, flaccos, frontones, capitones, quae sunt in

nobis, an omnia emendata in illis? Detur id uobis; num

etiam una est omnium facies? Nam si plures, aliam

esse alia pulchriorem necesse est, igitur aliquis non

pulcherrimus deus; si una omnium facies est, florere in

caelo Academiam necesse est: si enim nihil inter deum

et deum differt, nulla est apud deos cognitio, nulla

perceptio.

Volto aos deuses. Julgamos que alguns são, se não tão

estrábicos, mas ligeiramente vesgos, alguns têm

verruga, alguns têm o nariz achatado, orelhas

compridas, testas grandes, cabeças grandes, que

existem em nós, ou tudo é correto neles? Isto vos é

apresentado, por acaso há apenas um aspecto para

todos? Realmente se há muitos, é necessário que um

seja mais belo do que os outros, então nenhum deus é

o mais belo. Se há um só aspecto para todos, é

necessário florescer no céu a Academia. Se, pois, nada

é diferente entre um deus e outro deus, nenhum

conhecimento há junto aos deuses, nenhuma

percepção.

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[81] Quid si etiam, Vellei, falsum illud omnino est

nullam aliam nobis de deo cogitantibus speciem nisi

hominis occurrere: Tamenne ista tam absurda

defendes? Nobis fortasse sic occurrit, ut dicis; a paruis

enim Iouem, Iunonem, Mineruam, Neptunum,

Vulcanum, Apollinem, reliquos deos ea facie nouimus,

qua pictores fictoresque uoluerunt, neque solum facie,

sed etiam ornatu, aetate, uestitu. At non Aegyptii nec

Syri nec fere cuncta barbaria; firmiores enim uideas

apud eos opiniones esse de bestiis quibusdam quam

apud nos de sanctissimis templis et simulacris deorum.

Por que, Veleio, se também aquilo é absolutamente

falso que nenhum outro aspecto, a não ser o humano,

ocorre para nós que pensamos sobre um deus,

defendes, porém, essas coisas tão absurdas? Para nós

provavelmente ocorre assim como dizes; desde

pequenos pois conhecemos Júpiter, Juno, Minerva,

Netuno, Vulcano, Apolo, outros deuses com aquele

aspecto, que os pintores e escultores quiseram, e não

apenas com o aspecto, mas também com o ornamento,

com a idade, com a vestimenta. Mas nem os egípcios,

nem os sírios, nem a maior parte de todos os bárbaros;

entre eles, pois, observas que há opiniões mais

concretas sobre alguns animais do que entre nós sobre

os templos sagrados e sobre os simulacros dos deuses.

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[82] Etenim fana multa spoliata et simulacra deorum

de locis sanctissimis ablata uidemus a nostris, at uero

ne fando quidem auditumst crocodilum aut ibin aut

faelem uiolatum ab Aegyptio. Quid igitur censes Apim

illum sanctum Aegyptiorum bouem nonne deum uideri

Aegyptiis? Tam, hercle, quam tibi illam uestram

Sospitam. Quam tu numquam ne in somnis quidem

uides nisi cum pelle caprina, cum hasta, cum scutulo,

cum calceolis repandis. At non est talis Argia nec

Romana Iuno. Ergo alia species Iunonis Argiuis, alia

Lanuinis. Et quidem alia nobis Capitolini, alia Afris

Hammonis Iouis.

Pois vemos muitos templos vazios e simulacros dos

deuses furtados de locais muito sagrados pelos nossos,

mas nem mesmo se ouviu dizer certamente um

crocodilo ou íbis ou gato violado por um egípcio. Por

que então pensas que Ápis, aquele sagrado boi dos

egípcios, não pareça um deus aos egípcios? Tanto

quanto, por Hércules, a ti aquela vossa Protetora85, que

tu nunca nem mesmo em sonhos vês a não ser com

pele caprina, com lança, com escudo, com pequenos

sapatos recurvos. Mas não é igual à de Argos, nem à

Juno romana. Portanto, um um aspecto tem Juno para

os argivos, outro para os lanuvidos86; e certamente um

de Júpiter capitolino para nós, outro de Júpiter Amão

para os africanos.

85 Juno. 86 Habitantes do Lácio.

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[83] Non pudet igitur physicum, id est speculatorem

uenatoremque naturae, ab animis consuetudine inbutis

petere testimonium ueritatis? Isto enim modo dicere

licebit Iouem semper barbatum, Apollinem semper

inberbem, caesios oculos Mineruae, caeruleos esse

Neptuni. Et quidem laudamus esse Athenis Volcanum

eum, quem fecit Alcamenes, in quo stante atque uestito

leuiter apparet claudicatio non deformis: Claudum

igitur habebimus deum, quoniam de Volcano sic

accepimus. Age et his uocabulis esse deos facimus,

quibus a nobis nominantur?

Não é vergonhoso então que um físico, que é um

observador e um venerador da natureza, procure

atingir o testemunho da verdade pelos ânimos

impregnados de preconceito? Pois desse modo será

permitido dizer que Júpiter sempre é barbado, Apolo

sempre imberbe, os olhos de Minerva são esverdeados,

cerúleos os de Netuno. E certamente elogiamos que

esteja em Atenas Vulcano, aquele que Alcmenes fez,

no qual estando de pé e com roupa aparece

ligeiramente uma claudicação não disforme. Teremos

então um deus coxo, porque assim escutamos sobre

Vulcano. Pois bem fazemos também com que os

deuses existam com estas palavras com as quais são

chamados por nós?

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[84] At primum quot hominum linguae, tot nomina

deorum; non enim ut tu, Velleius, quocumque ueneris,

sic idem in Italia Volcanus, idem in Africa, idem in

Hispania. Deinde nominum non magnus numerus ne in

pontificiis quidem nostris, deorum autem

innumerabilis. An sine nominibus sunt? Istud quidem

ita uobis dicere necesse est; quid enim attinet, cum una

facies sit, plura esse nomina? Quam bellum erat,

Vellei, confiteri potius nescire, quod nescires, quam

ista effutientem nauseare atque ipsum sibi displicere.

An tu mei simile putas esse aut tui deum? Profecto non

putas.

“Quid ergo, solem dicam aut lunam aut caelum deum?

Ergo etiam beatum: quibus fruentem uoluptatibus? et

sapientem: qui potest esse in eius modi trunco

sapientia?” Haec uestra sunt.

Mas primeiramente quantas são as línguas dos

homens, tantos são os nomes dos deuses. Não é, pois,

como tu, onde quer que tenhas ido, és Veleio, assim

não há o mesmo Vulcano na Itália, o mesmo na

África, o mesmo na Espanha. Segundo, não há um

grande número de nomes nem mesmo nos nossos

livros pontificais, porém é inumerável o de deuses. Por

acaso existem sem nomes? Para vós certamente é

necessário dizer algo assim, por que interessa pois que

haja mais nomes, quando há um só aspecto? Que bom

seria, Veleio, confessar não saber, o que não sabes,

melhor do que, dizendo bobagens, causar náuseas com

essas coisas e lhe desagradar isto. Por acaso tu pensas

que haja um deus igual a mim ou a ti? Certamente não

pensas. “Por que direi então que o sol, ou a lua, ou o

céu é um deus? Então também é feliz, usufruindo de

quais prazeres? E sábio: como pode haver sabedoria

em um corpo desta maneira?” Estas são coisas vossas.

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[85] Si igitur nec humano87, quod docui, nec tali

aliquo, quod tibi ita persuasum est, quid dubitas negare

deos esse? Non audes. Sapienter id quidem, etsi hoc

loco non populum metuis, sed ipsos deos. Noui ego

Epicureos omnia sigilla uenerantes. Quamquam uideo

non nullis uideri Epicurum, ne in offensionem

Atheniensium caderet, uerbis reliquisse deos, re

sustulisse. Itaque in illis selectis eius breuibusque

sententiis, quas appellatis kuri/aj do/caj, haec, ut

opinor, prima sententia est: “Quod beatum et inmortale

est, id nec habet nec exhibet cuiquam negotium”; in

hac ita exposita sententia sunt, qui existiment, quod

ille inscitia plane loquendi fecerit, fecisse consulto: De

homine minime uafro male existimant.

87 g: “Si igitur nec humano uisu (...)”.

d: “Si igitur nec humano uisu (...)”.

Se então nem com aspecto humano, o que mostrei,

nem como algo semelhante, o que a ti assim foi dito,

por que hesitas em negar que os deuses existem? Não

ousas, sabia e certamente, aquilo, se bem que neste

caso não temes o povo, mas os próprios deuses. Eu

mesmo conheci os epicuristas, venerando todas as

pequenas imagens. Se bem que vejo que para alguns

Epicuro parece, para que não caísse no descrédito dos

atenienses, ter desprezado com palavras os deuses, por

isso sofreu. Pois naquelas suas breves e escolhidas

sentenças, que chamais kuri/aj do/caj88, esta, como

penso, é a primeira sentença: “O que é feliz e imortal,

isto nem tem nem exibe negócio a alguém.” Nesta

sentença assim exposta há os que acreditem, o que ele

fizera por incapacidade de falar claramente, fez

propositalmente: pensam mal sobre o homem pouco

sagaz.

88 Principais dogmas.

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[86] Dubium est enim, utrum dicat aliquid esse beatum

et inmortale an, si quod sit, id esse tale. Non

animaduertunt hic eum ambigue locutum esse, sed

multis aliis locis et illum et Metrodorum tam aperte

quam paulo ante te. Ille uero deos esse putat, nec

quemquam uidi, qui magis ea, quae timenda esse

negaret, timeret, mortem dico et deos: Quibus

mediocres homines non ita ualde mouentur, his ille

clamat omnium mortalium mentes esse perterritas; tot

milia latrocinantur morte proposita, alii omnia, quae

possunt, fana conpilant: Credo aut illos mortis timor

terret aut hos religionis.

É duvidoso, pois, caso diga que algo é beato e imortal

ou, se isto existe, seja algo tal. Não notam que este

aqui falou ambiguamente, mas em muitas outras

ocasiões tanto ele quanto Metrodoro falou abertamente

quanto tu um pouco antes. Ele verdadeiramente julga

que os deuses existem, não vi alguém que mais

temesse aquelas coisas, que negasse deverem ser

temidas, digo a morte e os deuses; pelos quais os

homens moderados não são movidos tanto assim, por

estes ele clama que as mentes de todos os mortais

sejam aterrorizadas; muitos roubam milhares com a

morte à vista89, outros saqueiam todos os lugares

sagrados que podem. Creio ou o medo da morte

aterrorizava àqueles ou o da religião a estes.

89 Referência à pena de morte.

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[87] Sed quoniam non audes (iam enim cum ipso

Epicuro loquar) negare esse deos, quid est, quod te

inpediat aut solem aut mundum aut mentem aliquam

sempiternam in deorum numero ponere? “Numquam

uidi” inquit “animam rationis consilique participem in

ulla alia nisi humana figura.” Quid solis numquidnam

aut lunae aut quinque errantium siderum simile uidisti?

Sol duabus unius orbis ultimis partibus definiens

motum cursus annuos conficit; huius hanc lustrationem

eiusdem incensa radiis menstruo spatio luna complet;

quinque autem stellae eundem orbem tenentes, aliae

propius a terris, aliae remotius, ab isdem principiis

disparibus temporibus eadem spatia conficiunt. Num

quid tale, Epicure, uidisti?

Mas por que não ousas (agora falarei com o próprio

Epicuro) negar que os deuses existem, que é que te

impede de pôr no número dos deuses, ou o sol, ou o

mundo, ou alguma mente eterna? Diz: “Nunca vi uma

alma que participa da razão e da opinião com alguma

outra aparência a não ser a humana.” Que viste na

verdade igual ao sol, ou à lua, ou aos cinco astros

errantes? O sol, que circunscreve o movimento em

duas partes extremas de uma única órbita, completa os

seus percursos anuais; a lua, iluminada pelos raios do

mesmo, completa este mesmo ciclo no espaço de um

mês; as cinco estrelas, porém, que conservam aquela

mesma órbita, umas mais próximas da terra, outras

mais distantes, pelos mesmos princípios percorrem em

tempos diferentes o mesmo espaço. Por acaso viste

algo semelhante, Epicuro?

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[88] Ne sit igitur sol, ne luna, ne stellae, quoniam nihil

esse potest nisi, quod attigimus aut uidimus. Quid

deum ipsum numne uidisti? Cur igitur credis esse?

Omnia tollamus ergo, quae aut historia nobis aut ratio

noua adfert. Ita fit, ut mediterranei mare esse non

credant. Quae sunt tantae animi angustiae, ut, si

Seriphi natus esses nec umquam egressus ex insula, in

qua lepusculos uulpeculasque saepe uidisses, non

crederes leones et pantheras esse, cum tibi, quales

essent, dicerentur, si uero de elephanto quis diceret,

etiam rideri te putares.

Não existe então o sol, nem a lua, nem as estrelas,

porque nada pode haver a não ser o que tocamos ou

vemos. Por que, por acaso, viste o próprio deus? Por

que então crês que existam? Exaltamos, portanto, tudo

que ou a história ou uma nova consideração nos traz.

Assim acorre que os mediterrâneos não acreditam que

exista o mar. Essas são as muitas angútias da alma que

– se tivesses nascido em Serifo90, nunca tivesses saído

da ilha, na qual sempre tivesses visto pequenas lebres e

rapousinhas – não acreditarias que existissem leões e

panteras, quando te dissessem como eram, se alguém

verdadeiramente falasse sobre o elefante, também te

colocarias a rir.

90 Uma das ilhas Cíclades do Mediterrâneo.

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[89] Et tu quidem, Vellei, non uestro more, sed

dialecticorum, quae funditus gens uestra non nouit,

[angustia] argumenti sententiam conclusisti91. Beatos

esse deos sumpsisti: Concedimus. Beatum autem esse

sine uirtute neminem posse: Id quoque damus, et

libenter quidem, uirtutem autem sine ratione constare

non posse: conueniat id quoque necesse est. Adiungis

nec rationem esse nisi in hominis figura. Quem tibi

hoc daturum putas? Si enim ita esset, quid opus erat te

gradatim istuc peruenire? Sumpsisses tuo iure. Quod

autem est istuc gradatim? Nam a beatis ad uirtutem, a

uirtute ad rationem uideo te uenisse gradibus; a ratione

ad humanam figuram quo modo accedis? Praecipitare

istuc quidem est, non descendere.

91 g: “(quae funditus gens uestra non nouit) argumenti sententiam

conclusisti.”

d: “que funditus gens uestra non nouit, argumento sententiam

conclusisti (...)”.

E tu na verdade, Veleio, concluíste a sentença do

argumento não do vosso modo, mas dos dialéticos, os

quais vossa gente não conheceu a fundo. Sustentaste

que os deuses são beatos: consentimos. Porém ningém

pode ser beato sem virtude: isto também consentimos,

e de bom grado certamente, mas não pode haver

virtude sem razão; convém que isto também seja

necessário. Acrescentas que não há razão a não ser na

aparência de homem. Quem pensas que vai concordar

contigo nisto? Se pois fosse assim, que trabalho

haveria de te levar gradativamente àquilo?

Sustentasses com tua justiça; o que porém há aí de

gradativo? Pois vejo que tu chegaste gradativamente

da beatitude à virtude, da virtude à razão; de que modo

chegaste da razão à aparência humana? Isto certamente

é se precipitar, não aprofundar.

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[90] Nec uero intellego, cur maluerit Epicurus deos

hominum similes dicere quam homines deorum.

Quaeres, quid intersit: Si enim hoc illi simile sit, esse

illud huic. Video, sed hoc dico non ab hominibus

formae figuram uenisse ad deos; di enim semper

fuerunt, nati numquam sunt, si quidem aeterni sunt

futuri; at homines nati; ante igitur humana forma quam

homines, eaque erant forma dii inmortales: non ergo

illorum humana forma, sed nostra diuina dicenda est.

Verum hoc quidem, ut uoletis; illud quaero, quae fuerit

tanta fortuna (nihil enim ratione in rerum natura

factum esse uultis)

Não entendo verdadeiramente porque Epicuro tenha

preferido dizer que os deuses fossem semelhantes aos

homens do que os homens aos deuses. Buscarás o que

difere, se pois isto é semelhante àquilo, aquilo é

semelhante a isto. Vejo, mas digo isto: o aspecto da

forma não provém dos homens para os deuses; os

deuses pois sempre existiram, nunca nasceram. Se

certamente existem, hão de ser eternos, mas o homens

nasceram. Então a forma humana existia antes que os

homens, e os deuses imortais eram dessa forma, então

não se deve dizer que a forma deles é humana, mas

divina a nossa. Contudo, certamente isto é como

desejas, questiono aquilo que tenha sido de tamanha

sorte (nada pois quereis que tenha sido realizado pela

razão na natureza das coisas).

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[91] Sed tamen quis iste tantus casus, unde tam felix

concursus atomorum, ut repente homines deorum

forma nascerentur? Seminane deorum decidisse de

caelo putamus in terras et sic homines patrum similes

extitisse? Vellem diceretis; deorum cognationem

agnoscerem non inuitus. Nihil tale dicitis, sed casu

esse factum, ut essemus similes deorum. Et nunc

argumenta quaerenda sunt, quibus hoc refellatur,

utinam tam facile uera inuenire possim quam falsa

conuincere. Etenim enumerasti memoriter et copiose,

ut mihi quidem admirari luberet in homine esse

Romano tantam scientiam, usque a Thale Milesio de

deorum natura philosophorum sententias.

Porém que tamanho acaso foi este, onde houve tão

feliz encontro de átomos que de repente os homens

nascessem com a forma de deuses? Julgamos que as

sementes dos deuses caíram do céu na terra e assim os

homens se ergueram semelhantes aos pais? Queria que

dissésseis, reconheceria o parentesco dos deuses

expontaneamente. Nada dizeis assim, mas que ocorreu

por acaso, que fôssemos semelhantes aos deuses. E

agora devem-se buscar argumentos com os quais isto

seja refutado, tomara que possa encontrar as coisas

verdadeiras tão facilmente quanto demonstrar as falsas.

Pois enumeraste de cor e abundantemente, para que me

fosse certamente agradável admirar em um homem

romamo haver tanto conhecimento, as sentenças dos

filósofos sobre a natureza dos deuses initerruptamente

desde Tales de Mileto.

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[92] Omnesne tibi illi delirare uisi sunt, qui sine

manibus et pedibus constare deum posse decreuerint?

Ne hoc quidem uos mouet considerantis, quae sit

utilitas quaeque oportunitas in homine membrorum, ut

iudicetis membris humanis deos non egere? Quid enim

pedibus opus est sine ingressu, quid manibus, si nihil

conprehendendum est, quid reliqua discriptione

omnium corporis partium, in qua nihil inane, nihil sine

causa, nihil superuacuaneum est, itaque nulla ars

imitari sollertiam naturae potest. Habebit igitur

linguam deus et non loquetur, dentes, palatum, fauces

nullum ad usum, quaeque procreationis causa natura

corpori adfinxit, ea frustra habebit deus; nec externa

magis quam interiora, cor, pulmones, iecur, cetera -

quae detracta utilitate quid habent uenustatis (quando

quidem haec esse in deo propter pulchritudinem

uoltis)?

Pareceram-te delirar todos aqueles que concluíram que

um deus possa subsistir sem mãos e sem pés? Nem

mesmo isto vos comove que considerais qual seja a

utilidade e qual o proveito dos membros no homem,

para que julgueis que os deuses não têm necessidade

de membros humanos? Qual é a necessidade dos pés

sem andar, qual das mãos, se nada há para pegar, qual

a necessidade da restante divisão de todas as partes do

corpo, na qual nada é sem utilidade, nada é sem causa,

nada é supérfluo, pois nenhuma arte pode imitar o

engenho da natureza. Então o deus terá uma língua e

não falará, dentes, palato, garganta para nenhum uso, e

o que a natureza colocou no corpo por causa da

procriação, aquelas coisas em vão terá um deus; não

mais as coisas externas do que as internas: coração,

pulmões, fígado, outras que retirada a utilidade o que

têm de beleza (quando certamente queres que isto haja

em um deus por causa da beleza)?

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[93] Istisne fidentes somniis non modo Epicurus et

Metrodorus et Hermarchus contra Pythagoram,

Platonem Empedoclemque dixerunt, sed meretricula

etiam Leontium contra Theophrastum scribere ausast -

scito illa quidem sermone et Attico, sed tamen: tantum

Epicuri hortus habuit licentiae. Et soletis queri; Zeno

quidem etiam litigabat; quid dicam Albucium; nam

Phaedro nihil elegantius, nihil humanius, sed

stomachabatur senex, si quid asperius dixeram, cum

Epicurus Aristotelem uexarit contumeliosissime,

Phaedoni Socratico turpissime male dixerit, Metrodori

sodalis sui fratrem Timocraten, quia nescio quid in

philosophia dissentiret, totis uoluminibus conciderit, in

Democritum ipsum, quem secutus est, fuerit ingratus,

Nausiphanem magistrum suum, a quo [non] nihil

didicerat, tam male acceperit. Zeno quidem non eos

solum, qui tum erant, Apollodorum, Sillim, ceteros,

figebat maledictis, sed Socraten ipsum, parentem

philosophiae, Latino uerbo utens scurram Atticum

fuisse dicebat, Chrysippum numquam nisi Chrysippam

uocabat.

Confiantes nesses sonhos, não somente Epicuro, e

Metrodoro, e Hermarco falaram contra Pitágoras,

Platão e Empédocles, mas também a meretrizinha de

Leôncio ousou escrever contra Teofrasto, ela

certamente com discurso notável e ático, porém o

jardim de Epicuro teve tamanha quantidade de licença.

E costumais vos queixar, Zenão certamente também

contestava. Que direi de Albúcio, pois mais elegante

de que Fedro, nada de mais humano, mas o velho se

irritava, se tivesse dito algo mais áspero, quando

Epicuro atacou Aristóteles injuriosamente, falou

vergonhosamente mal do Fédon, de Sócrates,

hostilizou em todos os volumes Timócrates, irmão de

seu companheiro Metrodoro, porque não sei o que

divergia em filosofia, foi ingrato com o próprio

Demócrito, quem seguiu, recebeu tão mal Nausífane,

seu mestre, do qual nada aprendera. Zenão certamente

cobria de injúrias não só aqueles que eram então

contemporâneos: Apolodoro, Silo, outros, mas dizia

que o próprio Sócrates, pai da filosofia, usando a

palavra latina era um bobo ático, nunca chamava

Crisipo a não ser de “Crisipa”.

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[94] Tu ipse paulo ante cum tamquam senatum

philosophorum recitares, summos uiros desipere,

delirare, dementis esse dicebas. Quorum si nemo

uerum uidit de natura deorum, uerendum est, ne nulla

sit omnino. Nam ista, quae uos dicitis, sunt tota

commenticia, uix digna lucubratione anicularum. Non

enim sentitis, quam multa uobis suscipienda sint, si

inpetraritis, ut concedamus eandem hominum esse et

deorum figuram. Omnis cultus et curatio corporis erit

eadem adhibenda deo, quae adhibetur homini,

ingressus, cursus, accubitio, inclinatio, sessio,

conprehensio, ad extremum etiam sermo et oratio.

Tu mesmo um pouco antes quando, como se recitasses

na assembleia dos filósofos, dizias que os importantes

homens não tinham juízo perfeito, deliravam, eram

dementes. Se nenhum deles viu a verdade sobre a

natureza dos deuses, deve-se temer que não haja

absolutamente nenhuma. Pois essas coisas, que vós

dizeis, são todas inventadas, dificilmente dignas de

vigílias de velhinhas. Não sentis, pois, que numerosas

coisas por vós devem ser recebidas, caso consigais que

consintamos que seja o mesmo o aspecto dos homens e

dos deuses. Todo culto e ocupação do corpo, que são

oferecidos ao homem, deverão ser o mesmo oferecido

a um deus: o andar, o movimento, a participação no

banquete, a inclinação, a ação de se sentar, a

percepção, finalmente também a palavra e o discurso.

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[95] Nam quod et maris deos et feminas esse dicitis,

quid sequatur, uidetis. Equidem mirari satis non

possum, unde ad istas opiniones uester ille princeps

uenerit. Sed clamare non desinitis retinendum hoc

esse, deus ut beatus inmortalisque sit. Quid autem

obstat, quo minus sit beatus, si non sit bipes, aut ista

siue beatitas siue beatitudo dicendast (utrumque

omnino durum, sed usu mollienda nobis uerba sunt) –

uerum ea, quaecumque est, cur aut in solem illum aut

in hunc mundum aut in aliquam mentem aeternam

figura membrisque corporis uacuam cadere non

potest?

Pois vedes que dizeis que há tanto deuses machos

quanto fêmeos, como se conclui. Certamente não

posso me admirar suficientemente a partir de onde

aquele vosso guia92 tenha chegado até essas opiniões.

Mas não deixais de proclamar que isto deva ser

conservado: que um deus é beato e imortal. O que,

porém, impede que seja menos beato, se não for

bípede, ou essa deve ser chamada ora beatitude ou

felicidade93 (uma e outra absolutamente é duro, mas

com o uso as palavras devem ser suavizadas por nós)

na verdade aquilo, seja o que for, por que não se pode

aplicar àquele sol, ou a este mundo, ou a alguma mente

eterna vazia de aspecto e menbros do corpo?

92 Epicuro. 93 Siue beatitas siue beatitudo.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 116

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[96] Nihil aliud dicis nisi “Numquam uidi solem aut

mundum beatum.” Quid, mundum praeter hunc

umquamne uidisti? Negabis. Cur igitur non sescenta

milia esse mundorum, sed innumerabilia ausus es

dicere? “Ratio docuit.” Ergo hoc te ratio non docebit,

cum praestantissima natura quaeratur eaque beata et

aeterna, quae sola diuina naturast, ut inmortalitate

uincamur ab ea natura, sic animi praestantia uinci,

atque ut animi item corporis? Cur igitur, cum ceteris

rebus inferiores simus, forma pares sumus; ad

similitudinem enim deorum propius accedebat humana

uirtus quam figura.

Nenhuma outra coisa dizes a não ser “Nunca vi o sol

ou o mundo beato.” Quando viste alguma vez um

mundo além deste? Negarás. Por que então não ousaste

dizer que há seiscentos mil mundos, mas inumeráveis?

“A razão ensinou.” Portanto a razão não te ensinará

isto, quando se busca uma natureza mais superior e

sendo esta beata e eterna, que é a única natureza

divina, como somos vencidos na imortalidade por esta

natureza, assim venci na superioridade do ânimo e

como na do ânimo também na do corpo? Por que

então, quando somos inferiores nas outras coisas,

somos iguais na forma? Pois da semelhança dos deuses

chegava mais perto a virtude humana do que o aspecto.

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[97] An quicquam tam puerile dici potest (ut eundem

locum diutius urgeam) quam, si ea genera beluarum,

quae in rubro mari Indiaue gignantur, nulla esse

dicamus? Atqui ne curiosissimi quidem homines

exquirendo audire tam multa possunt, quam sunt

multa, quae terra, mari, paludibus, fluminibus existunt;

quae negemus esse, quia numquam uidimus? Ipsa uero

quam nihil ad rem pertinet, quae uos delectat maxime,

similitudo. Quid, canis nonne similis lupo (atque, ut

Ennius, “simia quam similis turpissuma bestia nobis”);

at mores in utroque dispares. Elephanto beluarum nulla

prudentior; ad figuram quae uastior?

Ou se pode dizer algo tão pueril (pois pesa por muito

tempo sobre o mesmo argumento) quanto se

disséssemos que não há nenhum daqueles gêneros de

animais que são gerados no mar vermelho ou na Índia?

Entretanto, nem mesmo os homens mais cuidadosos,

buscando, podem ouvir muitas coisas tanto quanto são

numerosas, que existem na terra, no mar, nos pântanos,

nos rios, que negamos que existam porque nunca

vimos? A mesma semelhança que em nada é

conveniente à causa que vos deleita maximamente. Por

que o cão não é semelhante ao lobo (e, como Ênio, “o

macaco, animal muito disforme, quanto é semelhante a

nós”)? Mas os modos são diferentes em um e em

outro. Nenhum dos animais é mais prudente que o

elefante, que é o maior em relação ao aspecto?

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 118

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[98] De bestiis loquor; quid, inter ipsos homines nonne

et simillimis formis dispares mores et moribus

[paribus] figura dissimilis? Etenim si semel, Vellei,

suscipimus genus hoc argumenti, attende, quo serpat.

Tu enim sumebas nisi in hominis figura rationem

inesse non posse; sumet alius nisi in terrestri, nisi in

eo, qui natus sit, nisi in eo, qui adoleuerit, nisi in eo,

qui didicerit, nisi in eo, qui ex animo constet et corpore

caduco et infirmo, postremo nisi in homine atque

mortali. Quod si in omnibus his rebus obsistis, quid

est, quod te forma una conturbet? His enim omnibus,

quae proposui, adiunctis in homine rationem esse et

mentem uidebas; quibus detractis deum tamen nosse te

dicis, modo liniamenta maneant. Hoc est non

considerare, sed quasi sortiri, quid loquare.

Falo dos animais; por que não há entre os próprios

homens, tanto modos diferentes em formas

semelhantes, quanto aspecto diferente em modos

iguais? Pois se uma única vez, Veleio, assumimos este

gênero de argumento, presta atenção ao que se insinua.

Tu mesmo, pois, assumias que a razão não pode

existir, exceto na figura humana; outro assumirá,

exceto em terrestres, exceto naquele que nasceu,

exceto naquele que cresceu, exceto naquele que

aprendeu, exceto naquele que se constitui de alma

tanto de corpo perecível quanto fraco, por último,

exceto no homem e mortal. Por que se te opões a todas

estas coisas que há, por que uma só forma te perturba?

Reunidas, pois, todas estas coisas, que tenho exposto,

vias que a mente e a razão existem no homem; as quais

retiradas, porém, dizes que conheces um deus,

permanecem apenas as feições. Isto não é considerar,

mas quase sortear o que falar.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 119

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[99] Nisi forte ne hoc quidem adtendis non modo in

homine, sed etiam in arbore, quicquid superuacuaneum

sit aut usum non habeat, obstare. Quam molestum est

uno digito plus habere; quid ita? Quia nec speciem nec

usum alium quinque desiderant. Tuus autem deus non

digito uno redundat, sed capite, collo, ceruicibus,

lateribus, aluo, tergo, poplitibus, manibus, pedibus,

feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad

uitam membra pertinent94, quid ipsa facies? Magis illa,

cerebrum, cor, pulmones, iecur: Haec enim sunt

domicilia uitae; oris quidem habitus ad uitae

firmitatem nihil pertinet.

94 g: “feminibus, cruribus. Si ut inmortalis sit, quid haec ad uitam

membra pertinent?”

d: “feminibus, cruribus. Quia haec ad uitam membra pertinent

(...)”.

Exceto se, por acaso, nem mesmo entendes que isto

impede não só no homem, mas também na árvore, tudo

o que é supérfluo ou não tenha uso. Quanto é penoso

ter mais de um dedo. Por que é assim? Porque os cinco

dedos não sentem a falta nem da aparência nem do uso

dos outros. Teu deus, porém, não é redundate com um

só dedo, mas com cabeça, com pescoço, com nuca,

com lados, com ventre, com costas, com curvas na

perna, com mãos, com pés, com coxas, com pernas.

Caso seja como imortal, por que estes membros são

importantes para a vida, por que essas formas? Mais

isto: cérebro, coração, pulmões, fígado. Estas coisas

são a morada da vida; na verdade o estado do aspecto

em nada é importante para a firmeza da vida.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 120

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[100] Et eos uituperabas, qui ex operibus magnificis

atque praeclaris, cum ipsum mundum, cum eius

membra, caelum, terras, maria, cumque horum

insignia, solem, lunam, stellasque uidissent, cumque

temporum maturitates, mutationes, uicissitudinesque

cognouissent, suspicati essent aliquam excellentem

esse praestantemque naturam, quae haec effecisset,

moueret, regeret, gubernaret. Qui etiam si aberrant a

coniectura, uideo tamen, quid sequantur: Tu quod opus

tandem magnum et egregium habes, quod effectum

diuina mente uideatur, ex quo esse deos suspicere?

“Habebam” inquis “in animo insitam informationem

quandam dei”. Et barbati quidem Iouis, galeatae

Mineruae: Num igitur esse talis putas?

E criticavas aqueles, que a partir de obras magníficas e

notáveis, quando viram o próprio mundo, com seus

membros, o céu, as terras, os mares, e com suas

insígnias, o sol, a lua e as estrelas, e quando

conheceram as estações, as mutações e sucessões,

conjecturaram que existia alguma natureza excelente e

superior, que criou estas coisas, movia, regia,

gorvenava. Os que também se desviam da conjectura;

vejo, porém, que seguem. Enfim, que obra tu tens de

grande e notável, que pareça realizada pela mente

divina, a partir de que conjucturar que os deuses

existem? Dizes: “Tinha no ânimo certa noção inserida

de deus.” E na verdade, de Júpiter barbado, de

Minerva com capacete. Por acaso então pensas que são

assim?

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 121

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[101] Quanto melius haec uulgus imperitorum, qui non

membra solum hominis deo tribuant, sed usum etiam

membrorum; dant enim arcum, sagittas, hastam,

clipeum, fuscinam, fulmen, et si actiones, quae sint

deorum, non uident, nihil agentem tamen deum non

queunt cogitare. Ipsi, qui inridentur, Aegyptii nullam

beluam nisi ob aliquam utilitatem, quam ex ea

caperent, consecrauerunt; uelut ibes maximam uim

serpentium conficiunt, cum sint aues excelsae cruribus

rigidis, corneo proceroque rostro; auertunt pestem ab

Aegypto, cum uolucris anguis ex uastitate Libyae

uento Africo inuectas interficiunt atque consumunt, ex

quo fit, ut illae nec morsu uiuae noceant nec odore

mortuae. Possum de ichneumonum utilitate, de

crocodilorum, de faelium dicere, sed nolo esse longus.

Ita concludam tamen beluas a barbaris propter

beneficium consecratas, uestrorum deorum non modo

beneficium nullum extare, sed ne factum quidem

omnino.

Quanto melhor esta multidão de imperitos, que

atribuem não só membros de homens a um deus, mas

também o uso dos membros, dão, pois, arco, flechas,

lança, escudo, tridente, raio, e se não vêem ações, que

são dos deuses, não podem cogitar, porém, um deus

que nada faz. Os próprios egípcios, que são risíveis,

não consagraram nenhum animal, a não ser por alguma

utilidade que dele recebessem; como as íbis executam

uma grandíssima quantidade de serpentes, já que são

aves poderosas com pernas fortes, com bico duro e

longo, afastam a peste do Egito, quando matam e

consomem as velozes serpentes trazidas do deserto da

Líbia pelo vento áfrico, do que resulta que aquelas

nem vivas prejudicam com a mordida nem mortas com

o odor. Posso dizer sobre a utilidade do rato do Egito,

sobre a dos crocodilos, sobre a dos gatos, mas não

quero ser longo. Assim, porém, concluirei que os

animais consagrados pelos bárbaros por causa dos

benefícios não só não mostram nenhum benefício de

vossos deuses, mas nem mesmo um feito

absolutamente.

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[102] “Nihil habet” inquit “negotii.” Profecto Epicurus

quasi pueri delicati nihil cessatione melius existimat, at

ipsi tamen pueri etiam, cum cessant exercitatione

aliqua ludicra, delectantur: Deum sic feriatum uolumus

cessatione torpere, ut, si se commouerit, uereamur ne

beatus esse non possit? Haec oratio non modo deos

spoliat motu et actione diuina, sed etiam homines

inertis efficit, si quidem agens aliquid ne deus quidem

esse beatus potest.

Diz: “Não há nenhuma ocupação”. Certamente

Epicuro, como crianças delicadas, pensa que nada é

melhor do que o repouso, porém as próprias crianças

se deleitam, quando repousam de algum exercício

lúdico. Assim queremos que um deus ocioso esteja

entorpecido em repouso, como receamos, se ele se

mover, não pode ser beato? Este discurso não só priva

os deuses do movimento e da ação divina, mas

também faz os homens inertes, se na verdade fazendo

algo, nem mesmo um deus pode ser beato.

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[103] Verum sit sane, ut uultis, deus effigies hominis

et imago: Quod eius est domicilium, quae sedes, qui

locus, quae deinde actio uitae, quibus rebus, id quod

uultis, beatus est? Vtatur enim suis bonis oportet [et]

fruatur, qui beatus futurus est. Nam locus quidem his

etiam naturis, quae sine animis sunt, suus est cuique

propris, ut terra infimum teneat, hanc inundet aqua,

superior [aeri], aetheriis ignibus altissima ora reddatur;

bestiarum autem terrenae sunt aliae, partim aquatiles,

aliae quasi ancipites in utraque sede uiuentes, sunt

quaedam etiam, quae igne nasci putentur,

appareantque in ardentibus fornacibus saepe uolitantes.

Mas seja um deus certamente, como desejais, retrato e

imagem do homem. Qual é sua morada, quais as sedes,

qual o lugar, qual além disso a ação de vida, por quais

coisas, o que desejais é beato? Convém, pois, que se

utilize e usufrua de seus bens, ele há de ser beato. Pois

há na verdade um lugar seu, próprio de cada um

também para estas naturezas, que existem sem ânimos,

como a terra ocupa a parte inferior, a água a inunda, a

parte superior é entregue aos fogos etéreos; dos

animais, porém, uns são terrestres, parte aquáticos,

outros como ambíguos95, vivendo em ambas moradas,

há também alguns que se julgam nascidos no fogo, e

aparecem sempre voando nas fornalhas ardentes.

95 Anfíbios.

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[104] Quaero igitur, uester deus primum ubi habitet,

deinde quae causa eum loco moueat, si modo mouetur

aliquando, post, cum hoc proprium sit animantium, ut

aliquid adpetant, quod sit naturae accommodatum,

deus quid appetat, ad quam denique rem motu mentis

ac rationis utatur, postremo quo modo beatus sit, quo

modo aeternus. Quicquid enim horum attigeris ulcus

est: Ita male instituta ratio exitum reperire non potest.

Procuro, pois, primeiramente onde habita o vosso

deus; depois qual causa o move de lugar, se ao menos

algumas vezes se move; em seguida, já que isto é

próprio dos seres animados, que desejam alguma

coisa, que seja próprio da natureza, o que deseja um

deus; para que coisa finalmente usa o movimento da

mente e da razão; por último, de que modo é beato, de

que modo é eterno. Tudo isto é de nenhum valor.

Assim um pensamento mal colocado, não pode

encontrar êxito.

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[105] Sic enim dicebas speciem dei percipi

cogitatione, non sensu nec esse in ea ullam soliditatem

neque eandem ad numerum permanere eamque esse

eius uisionem, ut similitudine et transitione cernatur,

neque deficiat umquam ex infinitis corporibus

similium accessio, ex eoque fieri, ut in haec intenta

mens nostra beatam illam naturam et sempiternam

putet. Hoc, per ipsos deos, de quibus loquimur, quale

tandem est? Nam si tantummodo ad cogitationem

ualent nec habent ullam soliditatem nec eminentiam,

quid interest, utrum de hippocentauro an de deo

cogitemus; omnem enim talem conformationem animi

ceteri philosophi motum inanem uocant, uos autem

aduentum in animos et introitum imaginum dicitis.

Assim, pois, dizias que a aparência de um deus é

compreendida pelo pensamento, sem sentimento, que

não há nela nenhuma solidão e que a mesma não se

conserva de acordo com uma classe e que ela é uma

visão dele, como se percebe pela semelhança e

transição, e o acesso de semelhanças nunca se afasta

de corpos infinitos, e a partir disto resulta que a nossa

mente julga dirigida a estas coisas aquela natureza

beata e eterna. Isto, pelos próprios deuses, de que

falamos, é o que finalmente? Pois se valem apenas

segundo o pensamento, não têm nenhuma solidez nem

excelência, o que importa se pensamos sobre um

hipocentauro ou sobre um deos; outros filósofos

chamam toda esta disposição da alma de movimento

vazio, vós, porém, chamais de entrada e chegada das

imagens nos ânimos.

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[106] Vt igitur, Ti. Gracchum cum uideor

contionantem in Capitolio uidere de M. Octauio

deferentem sitellam, tum eum motum animi dico esse

inanem, tu autem et Gracchi et Octaui imagines

remanere, quae, in Capitolium cum peruenerint, tum

ad animum meum referantur – hoc idem fieri in deo,

cuius crebra facie pellantur animi, ex quo esse beati

atque aeterni intellegantur.

Porque então quando pareço ver Tibério Graco,

falando no Capitólio, trazendo uma urna, então digo

que aquele movimento da alma é vazio, porém tu dizes

que permanecem as imagens tanto de Graco quanto de

Otávio, que, quando chegam ao Capitólio, então são

trazidas de volta à minha alma – isto mesmo acontece

no deus em cuja face frequentemente os ânimos se

encontram, a partir disso se compreende que são

beatos e eternos.

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[107] Fac imagines esse, quibus pulsentur animi:

Species dumtaxat obicitur quaedam; num etiam cur ea

beata sit, cur aeterna? Quae autem istae imagines

uestrae aut unde? A Democrito omnino haec licentia;

sed et ille reprehensus a multis est, nec uos exitum

reperitis, totaque res uacillat et claudicat. Nam quid

est, quod minus probari possit, omnium in me incidere

imagines, Homeri, Archilochi, Romuli, Numae,

Pythagorae, Platonis – nec ea forma, qua illi fuerant:

Quo modo illi ergo? Et quorum imagines: Orpheum

poetam docet Aristoteles numquam fuisse, et hoc

Orphicum carmen Pythagorei ferunt cuiusdam fuisse

Cerconis; at Orpheus, id est imago eius, ut uos uultis,

in animum meum saepe incurrit.

Faz com que existam imagens, nas quais os ânimos se

encontram; apenas certa aparência se apresenta; por

acaso, por que também ela é beata, por que é eterna?

Quais, porém, são estas vossas imagens ou de onde?

De Demócrito é absolutamente esta licença, mas

também ele foi repreendido por muitos, nem vós

encontrais uma saída, e todo argumento hesita e

claudica. Pois o que é que pode ser menos aprovado

que imagens de todos que recaem sobre mim: de

Homero, de Arquíloco, de Rômulo, de Numa, de

Pitágoras, de Platão – não naquela forma em que eles

existiram. De que modo eles são então? E as imagens

deles: Aristóteles ensina que o poeta Orfeu nunca

existiu, e os pitagóricos afirmam que este poema órfico

foi de certo Cercão, mas Orfeu, isto é, sua imagem,

como vós quereis, sempre me vem à alma.

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[108] Quid, quod eiusdem hominis in meum, aliae

aliae in tuum; quid, quod earum rerum, quae numquam

omnino fuerunt neque esse potuerunt, ut Scyllae, ut

Chimaerae; quid, quod hominum, locorum, urbium

earum, quas numquam uidimus; quid, quod, simul ac

mihi collibitum est, praesto est imago; quid, quod

etiam ad dormientem ueniunt inuocatae. Tota res,

Vellei, nugatoria est. Vos autem non modo oculis

imagines, sed etiam animis inculcatis: Tanta est

inpunitas garriendi. At quam licenter.

Por que é que há uma imagem do mesmo homem

presente na minha alma, muitas outras na tua; por que

é que há imagem destas coisas que nunca existiram

absolutamente e nem puderam existir, como a de

Scylla96, como a da Quimera; por que é que há imagem

de homens, de lugares, destas cidades, que nunca

vimos; por que é que a imagem me veio à mente

assim; por que é que também vem aos que dormem

sem serem chamadas. Todo argumento, Veleio, foi

fútil. Vós, porém, não só amontoais imagens nos

olhos, mas também na alma. Há tanta impunidade para

se tagarelar, tão desenfreadamente.

96 Filha de Phorco, transformada em monstro marinho.

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[109] “Fluentium frequenter transitio fit uisionum, ut e

multis una uideatur.” Puderet me dicere non

intellegere, si uos ipsi intellegeretis, qui ista defenditis.

Quo modo enim probas continenter imagines ferri, aut

si continenter, quo modo aeterne?97 “Innumerabilitas”

inquit “suppeditat atomorum.” Num eadem ergo ista

faciet, ut sint omnia sempiterna? Confugis ad

aequilibritatem (sic enim i)sonomi/an, si placet,

appellemus) et ais, quoniam sit natura mortalis,

inmortalem etiam esse oportere. Isto modo, quoniam

homines mortales sunt, sint aliqui inmortales, et

quoniam nascuntur in terra, nascantur in aqua. “Et quia

sunt, quae interimant, sint, quae conseruent.” Sint

sane, sed ea conseruent, quae sunt; deos istos esse non

sentio.

97 g: “quo modo aeternae?”

d: “quo modo aeternae?”

“Acontece frequentemente uma passagem das imagens

que fluem, de modo que de muitas se veja uma.”

Envergonhar-me-ia dizer que não entendo, se vós

mesmos, que defendeis essas coisas, entendêsseis. De

que modo, pois, aprovas que as imagens se movem

continuamente, ou se se movem continuamente, de que

modo são eternas? Diz: “Basta uma infinidade de

átomos.” Por acaso ela mesma fará, portanto, com que

todas as coisas sejam eternas? Tu te refugias na exata

proporção das partes (pois chamamos assim

i)sonomi/an98, se é agradável) e afirmas, porque a

natureza seja mortal, é preciso também ser imortal.

Desse modo, porque existem homens mortais, existem

alguns imortais, e porque nasçam na terra, nascem na

água. “E porque existem coisas que destroem, existem

as que conservam.” Existe sem dúvida, mas conservam

aquelas que existem; não penso que os deuses sejam

esses.

98 Isonomia, igual partição.

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[110] Omnis tamen ista rerum effigies ex indiuiduis

quo modo corporibus oritur? Quae etiam si essent,

quae nulla sunt, pellere sepse et agitari inter se

concursu fortasse possent, formare, figurare, colorare,

animare non possent. Nullo igitur modo inmortalem

deum efficitis. Videamus nunc de beato. Sine uirtute

certe nullo modo; uirtus autem actuosa; et deus uester

nihil agens; expers uirtutis igitur; ita ne beatus quidem.

De que modo, porém, toda essa imagem das coisas

surge a partir de corpos indivisíveis? As quais também,

se existem, elas não são nada, podem provavelmente

se lançar e serem lançadas entre si com o encontro, não

podem formar, figurar, colorir, animar. De nenhum

modo então demonstrais um deus imortal. Vejamos

agora sobre ser beato. Certamente de modo algum será

sem virtude; porém a virtude é diligente, e o vosso

deus que nada faz, então é desprovido de virtude,

assim nem mesmo é beato.

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[111] Quae ergo uita? “Suppeditatio” inquis “bonorum

nullo malorum interuentu.” Quorum tandem bonorum?

Voluptatum credo, nempe ad corpus pertinentium;

nullam enim nouistis nisi profectam a corpore et

redeuntem ad corpus animi uoluptatem. Non arbitror te

uelle similem esse Epicureorum reliquorum99, quos

pudeat quarundam Epicuri uocum, quibus ille testatur

se [ne] intellegere quidem ullum bonum, quod sit

seiunctum a delicatis et obscenis uoluptatibus; quas

quidem non erubescens persequitur omnis nominatim.

99 g: “Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum

reliquorum (...)”.

d: “Non arbitror te, Vellei, similem esse Epicureorum reliquorum

(...)”.

Qual vida então? Dizes: “A abundância de bens sem

nenhuma intervenção de males.” De quais bens enfim?

Dos prazeres creio, isto é, do que pertence ao corpo,

pois não conhecestes nenhum prazer do ânimo a não

ser o que provém do corpo e que volta ao corpo. Não

julgo que tu queres ser igual aos outros epicuristas, que

se envergonham de algumas palavras de Epicuro, pelas

quais ele afirma que nem mesmo entende algum bem,

que tenha sido separado dos prazeres delicados e

obscenos, os quais certamente todos perseguem, não se

envergonhando, designando pelo nome.

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[112] Quem cibum igitur aut quas potiones aut quas

uocum aut florum uarietates aut quos tactus, quos

odores adhibebis ad deos, ut eos perfundas

uoluptatibus? Ac poetae quidem nectar, ambrosiam

epulas conparant et aut Iuuentatem aut Ganymedem

pocula ministrantem, tu autem, Epicure, quid facies?

Neque enim, unde habeat ista deus tuus, uideo, nec

quo modo utatur. Locupletior igitur hominum natura

ad beate uiuendum est quam deorum, quod pluribus

generibus fruitur uoluptatum.

Qual alimento, pois, ou quais bebidas, ou quais

variedades de palavras, ou de ornamentos, ou quais

contatos, quais odores, oferecerás aos deuses para que

os cubras com prazeres? E os poetas certamente

apresentam as refeições, néctar, ambrosia e, ou

Juventude ou Ganimedes servindo as bebidas, tu,

Epicuro, que fazes, porém? Não vejo, pois, onde teu

deus tenha essas coisas, nem de que modo use. Mais

rica então é a natureza dos homens do que a dos deuses

para viver beatamente, porque usufrui de muitos tipos

de prazeres.

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[113] At has leuioris ducis uoluptates, quibus quasi

titillatio (Epicuri enim hoc uerbum est) adhibetur

sensibus. Quo usque ludis? Nam etiam Philo noster

ferre non poterat aspernari Epicureos mollis et

delicatas uoluptates. Summa enim memoria

pronuntiabat plurimas Epicuri sententias is ipsis uerbis,

quibus erant scriptae. Metrodori uero, qui est Epicuri

collega sapientiae, multa inpudentiora recitabat;

accusat enim Timocratem, fratrem suum, Metrodorus,

quod dubitet omnia, quae ad beatam uitam pertineant,

uentre metiri, neque id semel dicit, sed saepius.

Adnuere te uideo, nota enim tibi sunt; proferrem

libros, si negares. Neque nunc reprehendo, quod ad

uoluptatem omnia referantur (alia est ea quaestio), sed

doceo deos uestros esse uoluptatis expertes, ita uestro

iudicio ne beatos quidem.

Mas pensas estes prazeres mais agradáveis, com os

quais quase cócegas se apresentem aos sentidos (pois

esta é palavra de Epicuro). Até quando brincarás? Pois

também nosso amigo Filo não podia suportar que os

epicuristas rejeitassem os prazeres moles e delicados.

Com suma memória, pois, pronunciava as muitas

sentenças de Epicuro com aquelas mesmas palavras

com as quais foram escritas. Recitava certamente

muitas coisas mais impudentes de Metrodoro, que é

amigo da sabedoria de Epicuro; Metrodoro acusa, pois,

Timócrates, seu irmão, de medir grosseiramente

porque duvidava de tudo que é pertinente à vida beata,

não disse isso uma só vez, mas sempre. Vejo que tu

aprovas, pois são coisas conhecidas por ti; exibiria os

livros, caso negasses. Não repreendo agora, porque

todas as coisas se referem ao prazer (esta questão é

outra), mas ensino que os vossos deuses são

desprovidos de prazer, assim nem mesmo por vosso

julgamento são beatos.

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[114] “At dolore uacant.” Satin est id ad illam

abundantem bonis uitam beatissimam? “Cogitat”

inquiunt “adsidue beatum esse se; habet enim nihil

aliud, quod agitet in mente.” Conprehende igitur animo

et propone ante oculos deum nihil aliud in omni

aeternitate nisi “Mihi pulchre est” et “Ego beatus sum”

cogitantem. Nec tamen uideo, quo modo non uereatur

iste deus beatus, ne intereat, cum sine ulla

intermissione pulsetur agiteturque atomorum

incursione sempiterna, cumque ex ipso imagines

semper afluant. Ita nec beatus est uester deus nec

aeternus.

“Mas são desprovidos de dor.” Por acaso existe isto

para aquela vida muito beata abundante de bens?

Dizem: “Pensa que ele é sempre beato, pois não há

nenhuma outra coisa que perturbe na mente.”

Compreende então na alma e põe diante dos olhos que

um deus não pensa nenhuma outra coisa a não ser em

toda eternidade, “para mim tudo bem” e “eu sou

beato”. Não vejo, porém, de que modo este deus beato

não tema, nem pereça, quando sem nenhum repouso

seja impelido e movido no eterno choque de átomos e

quando a partir dele afluam sempre as imagens. Assim

vosso deus nem é beato, nem eterno.

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[115] “At etiam de sanctitate, de pietate aduersus deos

libros scripsit Epicurus.” At quo modo in his loquitur:

ut [Ti.] Coruncanium aut P. Scaeuolam pontifices

maximos te audire dicas, non eum, qui sustulerit

omnem funditus religionem nec manibus ut Xerses,

sed rationibus deorum inmortalium templa et aras

euerterit. Quid est enim, cur deos ab hominibus

colendos dicas, cum dei non modo homines non

colant, sed omnino nihil curent, nihil agant?

“Mas Epicuro escreveu livros também sobre a

sanctitas, sobre a pietas para com os deuses.” Mas de

que modo fala disto: como dizes que tu ouves Tibério

Coruncânio ou Públio Scaevola, pontífices máximos,

não aquele que aboliu até o fim toda religio, não com

as mãos como Xerxes, mas com argumentos destruiu

templos e altares de deuses imortais. Por que é então

que dizes que os deuses devem ser venerados pelos

homens, quando os deuses não só não veneram os

homens, mas não cuidam de absolutamente nada, nada

fazem?

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 136

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[116] “At est eorum eximia quaedam praestansque

natura, ut ea debeat ipsa per se ad se colendam elicere

sapientem.” An quicquam eximium potest esse in ea

natura, quae sua uoluptate laetans nihil nec actura sit

umquam neque agat neque egerit? Quae porro pietas ei

debetur, a quo nihil acceperis, aut quid omnino, cuius

nullum meritum sit, ei deberi potest? Est enim pietas

iustitia aduersum deos; cum quibus quid potest nobis

esse iuris, cum homini nulla cum deo sit communitas?

Sanctitas autem est scientia colendorum deorum; qui

quam ob rem colendi sint, non intellego nullo nec

accepto ab his nec sperato bono.

“Mas há uma notável e superior natureza deles, de

modo que ela por si mesma deve atrair o sábio para

venerá-la.” Por acaso pode haver algo de notável

naquela natureza, que em nada se alegra com o seu

prazer, nem nunca fará, nem faz, nem fez? Qual pietas,

pois, se deve àquele, de quem nada recebeste, ou o

que, absolutamente, pode-se dever àquele cujo mérito

seja nulo? A pietas é, pois, a justiça para com os

deuses; com eles, que direito pode haver para nós,

quando não há para o homem nenhuma conformidade

com um deus? A sanctitas, porém, é a ciência de

venerar os deuses, que não entendo por qual motivo

devam ser venerados, nada é recebido deles, nenhum

bem esperado.

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[117] Quid est autem, quod deos ueneremur propter

admirationem eius naturae, in qua egregium nihil

uidemus? Nam superstitione, quod gloriari soletis,

facile est liberare, cum sustuleris omnem uim deorum.

Nisi forte Diagoram aut Theodorum, qui omnino deos

esse negabant, censes superstitiosos esse potuisse; ego

ne Protagoram quidem, cui neutrum licuerit, nec esse

deos nec non esse. Horum enim sententiae omnium

non modo superstitionem tollunt, in qua inest timor

inanis deorum, sed etiam religionem, quae deorum

cultu pio continetur.

Por que é, porém, que veneramos os deuses, pela

admiração de sua natureza, na qual nada de insigne

vemos? Pois é fácil livrar-se da superstição, que estás

habituado a vangloriar, quando retiraste toda a força

dos deuses. A não ser que penses por acaso que

Diágoras e Teodoro, que negam absolutamente que os

deuses existem, possam ser supersticiosos; eu penso

que nem mesmo Protágoras possa ser supersticioso,

que não admitiu nem um nem outro: nem que existem

deuses, nem que não existem. As sentenças, pois, de

todos estes não só elevam a superstição, na qual há um

temor vazio dos deuses, mas também a religio, que se

conserva em um pio culto dos deuses.

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 138

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[118] Quid i, qui dixerunt totam de dis inmortalibus

opinionem fictam esse ab hominibus sapientibus rei

publicae causa, ut, quos ratio non posset, eos ad

officium religio duceret, nonne omnem religionem

funditus sustulerunt? Quid Prodicus Cius, qui ea, quae

prodessent hominum uitae, deorum in numero habita

esse dixit, quam tandem religionem reliquit?

Por que aqueles que disseram que toda opinião sobre

os deuses imortais foi inventadas pelos homens sábios

por causa da República para que a religio conduzisse

ao trabalho aqueles que a razão não podia, não é

verdade que destruiu toda religio completamente? Por

que Pródico de Ceos disse que aquelas coisas, que

fossem úteis à vida dos homens, teriam sido contadas

no número dos deuses, qual religio deixou finalmente?

D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I ) | 139

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[119] Quid, qui aut fortis aut claros aut potentis uiros

tradunt post mortem ad deos peruenisse eosque esse

ipsos, quos nos colere, precari uenerarique soleamus,

nonne expertes sunt religionum omnium? Quae ratio

maxime tractata ab Euhemero est, quem noster et

interpretatus est et secutus praeter ceteros Ennius; ab

Euhemero autem et mortes et sepulturae demonstrantur

deorum; utrum igitur hic confirmasse uidetur

religionem an penitus totam sustulisse? Omitto

Eleusinem sanctam illam et augustam, “Vbi initiantur

gentes orarum ultimae”, praetereo Samothraciam

eaque, quae Lemni “Nocturno aditu occulta coluntur

siluestribus saepibus densa”; quibus explicatis ad

rationemque reuocatis rerum magis natura cognoscitur

quam deorum.

Por que aqueles que ensinam que depois da morte os

homens, ou fortes, ou ilustres, ou poderosos, chegaram

até os deuses, e que eles mesmos que nós costumamos

cultuar, invocar e venerar, não são desprovidos de toda

religio? Qual opinião principalmente foi trazida por

Euhemero, que nosso amigo Ênio, além de outros,

interpretou e seguiu; por Euhemero, porém, tanto as

mortes quanto as sepulturas dos deuses se mostram;

então, um e outro parece aqui ter confirmado a religio

ou tê-la sustentado completamente? Omito aquela

santa e augusta Elêusis, “onde se iniciam pessoas mais

afastadas no que é secreto”, ultrapasso a Samotrácia e

aquelas coisas que em Lemnos “no encontro noturno

as frequentes coisas ocultas são cultuadas atrás das

cercas silvestres”, com elas explicadas e

reestabelecidas a partir da razão se conhece mais a

natureza das coisas do que dos deuses.

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[120] Mihi quidem etiam Democritus, uir magnus in

primis, cuius fontibus Epicurus hortulos suos inrigauit,

nutare uidetur in natura deorum. Tum enim censet

imagines diuinitate praeditas inesse in uniuersitate

rerum, tum principia mentis, quae sunt in eodem

uniuerso, deos esse dicit, tum animantes imagines,

quae uel prodesse nobis solent uel nocere, tum

ingentes quasdam imagines tantasque, ut uniuersum

mundum conplectantur extrinsecus, quae quidem

omnia sunt patria Democriti quam Democrito digniora;

Para mim certamente também Demócrito, grande

homem entre os primeiros, com cujas fontes Epicuro

irrigou seus pequenos jardins, parece titubear na

natureza dos deuses. Pois, por um lado, julga que há na

universalidade das coisas imagens providas de

divindade; por outro, diz que os deuses são os

princípios da mente, que estão no mesmo universo. Por

um lado, diz que há imagens animadas, que costumam

ou nos ajudar ou prejudicar; por outro, diz que há

certas imagens grandes e tantas que abranjam todo

mundo por fora, certamente todas essas coisas são

mais dignas do que Demócrito na pátria de Demócrito;

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[121] quis enim istas imagines conprehendere animo

potest, quis admirari, quis aut cultu aut religione

dignas iudicare? Epicurus uero ex animis hominum

extraxit radicitus religionem, cum dis inmortalibus et

opem et gratiam sustulit. Cum enim optimam et

praestantissumam naturam dei dicat esse, negat idem

esse in deo gratiam: Tollit id, quod maxime proprium

est optimae praestantissimaeque naturae. Quid enim

melius aut quid praestantius bonitate et beneficentia;

qua cum carere deum uultis, neminem deo, nec deum

nec hominem carum, neminem ab eo amari, neminem

diligi uultis: ita fit, ut non modo homines a deis, sed

ipsi dei inter se ab aliis alii neglegantur. Quanto Stoici

melius, qui a uobis reprehenduntur: Censent autem

sapientes sapientibus etiam ignotis esse amicos; nihil

est enim uirtute amabilius, quam qui adeptus erit,

ubicumque erit gentium, a nobis diligetur.

Quem pode, pois, compreender no ânimo estas

imagens, quem pode admirar, quem pode julgar dignas

ou de culto ou de religio? Epicuro com certeza extraiu

pela raiz a religio dos ânimos dos homens, quando dos

deuses imortais suprimiu tanto a ajuda quanto a

gratidão. Como, pois, diz que a natureza de um deus é

ótima e eminente, ele nega que há no deus gratidão;

tira o que é bem próprio de uma natureza ótima e

eminente. O que, pois, é melhor ou o que é mais

eminente do que a bondade e a beneficência, quando

quereis privar um deus dela, quereis que ninguém, nem

deus nem homem seja caro, para o deus, que ninguém

seja amado por ele, que ninguém seja apreciado.

Assim ocorre que não só os homens sejam

negligenciados pelos deuses, mas os próprios deuses

entre si uns pelos outros. Tanto melhor os estoicos, que

são repreendidos por vós, julgam, porém, que os sábios

sejam amigos dos sábios e também dos ignorantes;

nada há, pois, mais amável do que a virtude, a qual

quem tiver adquirido, em qualquer lugar que estiver,

será apreciado por nós.

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[122] Vos autem quid mali datis, cum [in] inbecillitate

gratificationem et beniuolentiam ponitis. Vt enim

omittam uim et naturam deorum, ne homines quidem

censetis, nisi inbecilli essent, futuros beneficos et

benignos fuisse? Nulla est caritas naturalis inter

bonos? Carum ipsum uerbum est amoris, ex quo

amicitiae nomen est ductum; quam si ad fructum

nostrum referemus, non ad illius commoda, quem

diligemus, non erit ista amicitia, sed mercatura

quaedam utilitatum suarum. Prata et arua et pecudum

greges diliguntur isto modo, quod fructus ex is

capiuntur, hominum caritas et amicitia gratuita est;

quanto igitur magis deorum, qui nulla re egentes et

inter se diligunt et hominibus consulunt. Quod ni ita

sit, quid ueneramur, quid precamur deos, cur sacris

pontifices, cur auspiciis augures praesunt, quid

optamus a deis inmortalibus, quid uouemus? “At etiam

liber est Epicuri de sanctitate.”

Vós, porém, que permitis algo de mal, quando

apresentais na fraqueza o benefício e a benevolência.

De que modo omitirei, pois, a força e a natureza dos

deuses, nem mesmo julgais que os homens, a não ser

que fossem fracos, tinham de ser benéficos e

bondosos? Não há nenhuma afeição natural entre os

bons? A própria palavra ‘amor’ é estimada, da qual

proveio o nome ‘amizade’; se nos referimos a ela para

o nosso proveito, não ao proveito daquele que

apreciamos, não haverá essa amizade, mas certa

compra de suas necessidades. Os prados e os campos e

os rebanhos de animais são apreciados deste modo,

pois deles são colhidos os frutos, a afeição e a amizade

dos homens é gratuita; quanto mais a dos deuses

então, que de nada precisam, tanto se apreciam entre

si, quanto cuidam dos homens. Por que se não fosse

assim, por que veneramos, por que invocamos os

deuses, por que os pontífices presidem as coisas

sagradas, por que os áugures presidem os auspícios,

por que pedimos aos deuses imortais, por que fazemos

votos? “Mas também há um livro de Epicuro sobre a

sanctitas.”

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[123] Ludimur ab homine non tam faceto quam ad

scribendi licentiam libero. Quae enim potest esse

sanctitas, si dii humana non curant, quae autem

animans natura nihil curans? Verius est igitur nimirum

illud, quod familiaris omnium nostrum Posidonius

disseruit in libro quinto de natura deorum, nullos esse

deos Epicuro uideri, quaeque is de deis inmortalibus

dixerit inuidiae detestandae gratia dixisse; neque enim

tam desipiens fuisset, ut homunculi similem deum

fingeret, liniamentis dumtaxat extremis, non habitu

solido, membris hominis praeditum omnibus usu

membrorum ne minimo quidem, exilem quendam

atque perlucidum, nihil cuiquam tribuentem, nihil

gratificantem, omnino nihil curantem, nihil agentem.

Quae natura primum nulla esse potest, idque uidens

Epicurus re tollit, oratione relinquit deos;

Somos ridicularizados por um homem não tão

engraçado quanto livre na licença de escrever. Qual

sanctitas, pois, pode haver, se os deuses não cuidam

das coisas humanas, qual natureza animada, porém,

que de nada cuida? Há então algo certamente mais

verdadeiro – que Posidônio, amigo de todos nós, expôs

no quinto livro sobre a natureza dos deuses – que para

Epicuro parece não haver deuses e isto ele disse sobre

os deuses imortais, disse por causa de uma destestável

inveja; pois não teria sido tão insensato, quando

imaginava um deus semelhante a um pobre homem,

tão somente nas feições externas, sem estado sólido,

provido de todos os membros de homens sem ao

menos o mínimo uso dos membros, algo fraco e

transparente, que nada atribui a ninguém, a nada

favorece, não cuida absolutamente de nada, nada faz.

Primeiramente, tal natureza não pode haver e, vendo

isto, Epicuro com a palavra suprimiu, com o discurso

abandonou os deuses;

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[124] deinde si maxime talis est deus, ut nulla gratia,

nulla hominum caritate teneatur, ualeat – quid enim

dicam “propitius sit”; esse enim propitius potest

nemini, quoniam, ut dicitis, omnis in inbecillitate est et

gratia et caritas.”

Depois, se sobretudo um deus é tal, de modo que a

nenhum reconhecimento, a nenhuma caridade dos

homens esteja sujeito, prevaleça – diga eu, pois, que

“seja propício”; a ninguém, pois, pode ser propício,

porque, como dizeis, tanto o reconhecimento quanto a

afeição estão na debilidade de tudo.

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Referências

M. Tullius Cicero. De Natura Deorum. O. Plasberg. Leipzig. Teubner. 1917

Cicerone. La Natura Divina; a cura de Cesare Marco Calcante, texto latino a fronte. 6.ed. Milano: BUR, 2007

M. Tulli Ciceronis. De Natura Deorum, Libri Tres; cum notis integris Paulli Manucii, Petri Victorii, Joachimi Camerarii et alii. Editio

secunda. Cantabrigiae: typis academicis, MDCCXXIII

M. Tullio Cicerone. De Natura Deorum; texto, costruzion e versione letterale e note. 3.ed. Roma: Società Editrice Dante Alighieri, 1984

Cicerón. Sobre la Natureza de los Dioses; introducción, traducción y notas de Ángel Escobar. Madrid: Editorial Gredos, 1999.

GRIMAL, Pierre. Cicéron. Paris: Fayard, 1997.