Inovar Ou Inovar

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Inovar ou InovarTexto sobre inovação

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  • INOVAR OU INOVAR A Indstria Brasileira entre o Passado e o Futuro

    Glauco Arbix

    So Paulo, 2007

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    Jamais houve uma poca que no se sentisse moderna, no sentido excntrico do termo, e no acreditasse estar diante de um

    abismo iminente. A lcida conscincia desesperada de estar no meio de uma crise decisiva algo anacrnico na humanidade.

    Walter Benjamin

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    Agradecimento

    Meus agradecimentos ao professor Mario Salerno, da Escola Politcnica da USP, que me deu o prazer e a honra de seu convvio. Salerno esteve frente da Diretoria de Estudos Setoriais e foi responsvel pela elaborao dos projetos e textos da poltica industrial do Governo. Juntamente com Joo Alberto De Negri, um dos mais dinmicos e promissores pesquisadores do Instituto, Mario Salerno foi responsvel pela construo de toda uma diretoria voltada para o estudo da inovao tecnolgica. Os trabalhos que produzimos conjuntamente foram condio de possibilidade deste texto. Publicamos artigos em revistas acadmicas. Participamos de debates. Escrevemos para os grandes jornais sobre temas que giraram em torno da inovao, em todas as suas dimenses. A base economtrica, as simulaes, modelagens, clculos e projees no seriam possveis sem os pesquisadores do IPEA.

    Minha elaborao sobre inovao tambm se apoiou fortemente no que aprendi de economia brasileira com Paulo Levy, diretor do IPEA do Rio de Janeiro, Paulo Tafner, Renato Villela e Fabio Giambiagi. Ainda no Rio de Janeiro, o contato com Ricardo Paes de Barros e Mirela Carvalho foi especialmente marcante, seja pela qualidade de sua produo cientfica, seja pela dedicao e esprito cooperativo. Agradeo tambm de modo especial a Prsio Davison, amigo e colega de trabalho. Deixo um abrao a todos os funcionrios do IPEA, pela pacincia que tiveram comigo ao longo desses quase quatro anos. Fao meno especial a Anna Peliano, Marcelo Piancastelli, Cinara Lima, Alexandre Gomide, Ronald Menezes, Srgio Piola, Lenita Turchi, Jos Aroudo Mota, Luiz Fontoura Lima, Joo Brigido Lima, Philippe Rhieter, Ivan Guimares, Murilo Lobo, Alice Abreu, Ldia Pereira, Maria Teresa da Silva, Fernanda De Negri, Christian Vonbun, Giovana Tiziani, Ftima Mattos, Ana Lizarda, Ester, Yolanda, Vera Lcia, Maria Emilia e Lidiane. Aos que coordenaram a revista Desafios, Ottoni Fernandes e Andra Wolffenbttel.

    Aos meus amigos de longa data, queria deixar um forte abrao a Luiz Henrique Proena Soares, atual presidente do IPEA, e a Celso Fonseca, ex-diretor de Administrao do Instituto.

    Para alm do IPEA, minha permanncia em Braslia trouxe novas amizades. Conheci espcimens raros como Evando Mirra. E tambm pesquisadores de ponta que animam o CGEE, como Lucia Melo, Marcio Miranda e Llio Fellows.

    No NAE, meu reconhecimento ao ex-ministro e amigo Luiz Gushiken, pela persistncia e sensibilidade estratgica. Deixo um beijo para Clara Ant, pela tolerncia. E um abrao para Edmundo de Oliveira, amigo de todas as horas.

    Aos que contriburam para o amadurecimento de minhas idias, como Eugenio Bucci, Maria Paula Dallari e os colegas do Ministrio do Planejamento.

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    Aos parceiros do PNUD, com quem trabalhei intensamente em vrios projetos, como Francisco Gaetani e Lucien Muoz. Fao um registro especial ao Carlos Lopes, amigo do PNUD e assessor especial das Naes Unidas. Assim como professora Maria Joo Rodrigues, presidente do Social Sciences Advisory Group da Comisso Europia.

    Aos meus colegas Alvaro Comin, Sedi Hirano e Maria Arminda Arruda, pelo incentivo. Aos pesquisadores de sempre, Brani, Cadu, Demetrio, Zil, Dimitri e a todos os meus alunos da USP, pelo reencontro.

    minha linda me, dona Lourdes, que distncia me guiou. Aos meus irmos, Lori e Miriam.

    Aos meus filhos, Daniel e Cristina. Aos outros filhos, Lucio e Maria Fernanda, que me deram o pequeno Victor de presente.

    Para minha querida Helena.

    Glauco Arbix

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    ndice

    Introduo: A Indstria Brasileira entre o Passado e o Futuro _______ 6 Inovao e Competitividade _____________________________________________ 11

    Captulo 1: Desenvolvimento e Inovao ____________________________ 16 Dimenses da Inovao ________________________________________________ 18 Investimentos Crescentes em P&D _______________________________________ 19 Novos Instrumentos de Incentivo Inovao ________________________________ 22 Riscos do Atraso _____________________________________________________ 24 Inovao e Conhecimento no Brasil _______________________________________ 25 Polticas Nacionais de Inovao __________________________________________ 33 Para onde ir? ________________________________________________________ 35

    Captulo 2: Competitividade, Inovao e Internacionalizao ______ 36 Razes da Internacionalizao das Empresas _______________________________ 36 Caractersticas das Firmas de Capital Brasileiro Internacionalizadas _____________ 43 Escala e Eficincia das Firmas Internacionalizadas ___________________________ 50 Qualidade do Emprego _________________________________________________ 51 Diversificar as Exportaes _____________________________________________ 54 Primeiras Concluses __________________________________________________ 58

    Captulo 3: Novo Empreendedorismo no Brasil? ____________________ 61 Transformaes Recentes nas Empresas Industriais _________________________ 64 Classificao das Firmas por sua Estratgia Competitiva ______________________ 66 Caractersticas das Firmas ______________________________________________ 68 Inovao Tecnolgica na Indstria Brasileira ________________________________ 70 A insero no comrcio exterior __________________________________________ 77 Internacionalizao com Foco na Inovao _________________________________ 79 Como Avanar na Pesquisa? ____________________________________________ 82

    Captulo 4: Cincias Sociais, Inovao e Incerteza _________________ 86 Encontros e Desencontros ______________________________________________ 87 Dilogo e Conflito _____________________________________________________ 90 Pequena Odissia de um Conceito _______________________________________ 92 Novos Rumos ________________________________________________________ 98 Universo Imprevisvel _________________________________________________ 101

    Bibliografia ____________________________________________________________ 105

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    Introduo: A Indstria Brasileira entre o Passado e o Futuro

    Melhor se arrepare: pois, num cho, e com igual formato de ramos e folhas, no d a mandioca mansa, que se come

    comum, e a mandioca-brava, que mata? Agora, o senhor j viu uma estranhez? A mandioca-doce pode de repente virar

    azangada motivos no sei; s vezes se diz que replantada no terreno sempre, com mudas seguidas, de manabas vai

    em amargando, de tanto em tanto, de si mesma toma peonhas. E, ora veja: a outra, a mandioca brava, tambm que, s vezes, pode ficar mansa, a esmo, de se comer sem

    nenhum mal. E que isso ?

    Joo Guimares Rosa, Grande Serto: Veredas.

    No po de queijo, polvilho doce ou polvilho azedo? Nem um nem outro, mas os dois. Essa foi a resposta certeira que ps fim a uma querela oitocentista que dividia as cozinheiras das velhas fazendas mineiras. Com o fim da dvida, o universo ao redor do po de queijo jamais seria o mesmo. Hoje todos sabem da nova receita. O que poucos sabem que o casamento do polvilho doce com o polvilho azedo no ocorreu num forno a lenha, mas num moderno laboratrio de biotecnologia.

    A varinha de condo foi uma inovao que transformou um ritual familiar num empreendimento de enorme valor econmico, num exemplo claro de transformao da cincia em tecnologia. O caso comeou h 15 anos, quando fabricantes mineiros tentaram em vo congelar o pozinho de queijo. Descobriram, para sua tristeza, que o congelamento impedia o pozinho de sair do forno corado e fofinho. Pesquisadores do grupo de tecnologia da faculdade de Farmcia da UFMG (e, em seguida, das Federais de Viosa e de Lavras e do Centro Tecnolgico de Minas) descobriram que as baixas temperaturas matavam o fermento natural. E trabalharam numa variante criognica do fermento, tornando-o resistente ao frio. Conseguiram. A nova receita, alm do fermento especial, misturou os dois polvilhos. E possibilitou o surgimento de mais de 400 empresas e a criao de oito mil pontos de venda s no Brasil. Gerou tambm um mercado externo at ento inexistente, que

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    cresceu nos Estados Unidos, Argentina, Canad, Frana, Espanha a um ritmo de 100% ao ano1.

    Fomos tentados a comear esse trabalho citando a Petrobrs. Ou a Vale do Rio Doce, a Weg, a Embraer. Afinal, grandes empresas de sucesso so sempre bons exemplos de inovao. Preferimos, porm, comear por um caso que no to grande. Mas que teve xito. E que mostra como um pequeno passo inovador pode gerar impactos econmicos e sociais de envergadura.

    A histria do po de queijo, longe de soar pitoresca, uma das histrias que podem mudar o tecido produtivo de nosso pas.

    Isso porque a preocupao com a competitividade da economia s se justifica quando est ligada possibilidade de o Brasil gerar mais empregos, tornar o crescimento do PIB mais robusto e aumentar a renda do trabalho e do capital. A experincia internacional clara ao indicar que todos os pases que lograram transitar para nveis mais altos de renda e desenvolvimento migraram em direo a uma pauta de exportaes intensiva em conhecimento e de maior valor agregado.

    Os indicadores internacionais servem como um alerta para o caso brasileiro. Permitem sociedade reconhecer cada vez mais que o Brasil depende da intensificao de seu prprio esforo tecnolgico para melhorar sua insero em mercados intensivos em conhecimento. Essa a base para uma ampliao significativa da participao do Pas no comrcio internacional, o que exige uma elevao do patamar competitivo da indstria e uma alterao de qualidade no seu sistema produtivo, seja do ponto de vista das empresas, do mercado de trabalho, da produo de tecnologia e do universo regulatrio.

    Pesquisas recentes mostraram empiricamente que a inovao tecnolgica e o esforo empresarial nessa direo conseguem interferir positiva e diretamente nas exportaes brasileiras. Apesar das inmeras evidncias dessa efetividade, essa realidade est longe de ter sido incorporada pelos formuladores de polticas pblicas e pelo mundo empresarial.

    Mais que uma palavra da moda, os processos de inovao constituem-se em requisitos fundamentais para o necessrio salto de qualidade da produo brasileira. Por qu?

    O acompanhamento pelo IPEA dos indicadores de crescimento e das caractersticas de 15.694 empresas industriais brasileiras no perodo de sete anos (entre 1997 e 2003) revelou pelo menos quatro resultados esclarecedores:

    (i) No perodo recente, de 2002 a 2004, cresceram as empresas mais produtivas;

    1 Cf.: http://revista.fapemig.br/2/queijo. Narrativas desse casamento so do prof. Evando Mirra. Dados da Associao Brasileira de Produtores de Po de Queijo (ABPQ), para 2004.

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    (ii) Cresceram as empresas que mais inovaram e exportaram;

    (iii) Cresceu quem emprega mo-de-obra com maior qualificao. A escolaridade da mo de obra ocupada uma varivel relevante na anlise da estratgia competitiva das firmas;

    (iv) As empresas que mais cresceram foram as que se esforaram mais para inovar e investiram mais em inovao. Os grficos abaixo apenas explicitam essas concluses.

    Grfico 1: Inovao, Faturamento e Produtividade

    Fonte: IPEA

    Grfico 2: Inovao e Exportaes

    Fonte: IPEA

    Grfico 3: Inovao e Escolaridade

    Fonte: IPEA

    Faturamento e produtividade das empresas brasileiras classificadas por crescimento - 2003

    01020304050607080

    Faturamento (MI R$) Produtividade (Mil R$/PO)

    Inferior Medio Inferior Medio Superior Superior

    Percentual de exportadoras e inovadoras das empresas brasileiras classificadas por crescimento - 2003

    0102030405060

    Exportadoras Inovadoras

    Inferior Medio Inferior Medio Superior Superior

    Escolaridade da mo de obra ocupada nas empreas brasilerias classificadas por crescimento - 2003

    77,2

    7,47,6

    7,88

    8,28,4

    Inferior Medio Inferior Medio Superior Superior

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    Grfico 4: Inovao e Crescimento

    Fonte: IPEA

    A pesquisa classificou as empresas em quatro grupos, definindo os quartis de crescimento do seguinte modo: (i) Inferior, (ii) Mdio inferior, (iii) Mdio superior; e (iv) Superior. O crescimento foi definido como a taxa de crescimento do faturamento da firma em relao ao seu setor industrial (CNAE com trs dgitos). As caractersticas analisadas foram: escala, exportao, inovao, investimento e mo-de-obra.2

    Foi por conta da forte associao entre a inovao nas empresas e seu crescimento, melhor desempenho exportador, maior escolaridade da mo-de-obra, melhores salrios, maior faturamento e produtividade que esses estudos recomendaram fortemente a intensificao do esforo de inovao e a concentrao do investimento nas atividades intensivas em conhecimento.

    Isso equivale a dizer que as imensas possibilidades abertas pela definio de uma poltica industrial, por mais avanada que seja, somente se tornaro realidade se for mantido e aprofundado o foco no reforo das estratgias empresariais baseadas na inovao e diferenciao de produto. Para tanto, os programas voltados para impulsionar o investimento das empresas em tecnologia (seja na rea de produto, de processos, de gesto, organizao e outras) tornam-se cada vez mais essenciais.

    Apesar do salto exibido por muitas empresas e setores brasileiros, apenas cerca de 30% de nossas firmas so inovadoras. Nos pases da Unio Europia, em mdia, essa cifra representa 50%.

    2 IPEA, Crescimento e Inovao, Diretoria de Estudos Setoriais. Braslia: IPEA, 2006.

    Gastos em inovao como proporo do faturamento (%) das empresas brasileiras classificadas por crescimento - 2000

    00,5

    11,5

    22,5

    33,5

    4

    Inferior Medio Inferior Medio Superior Superior

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    Grfico 5: Firmas que inovam em produto e processo (1998-2000)

    Entre 2000 e 2003 houve reduo dos investimentos em P&D das empresas brasileiras de 0,75% para 0,6% do faturamento. Na Alemanha este percentual de 2,7% e na Frana de 2,5%3. Em 2000, cerca de 7.000 empresas brasileiras realizaram gastos com P&D. Em 2003, esse nmero caiu para 5.000. Apenas 2,8% das empresas industriais brasileiras fizeram alguma inovao de produto para o mercado em 2003, em comparao com 4,2% em 2000. E das 28.036 empresas inovadoras, apenas 177 inovaram para o mercado internacional (0,6 %).

    Um dos problemas centrais da pouca capacidade de inovao das empresas brasileiras e da baixa intensidade de conhecimento envolvido na inovao tecnolgica no Brasil que no h mecanismos de apoio nem linhas de financiamento adequadas para a inovao nas empresas.

    Menos de 19% das empresas inovadoras usaram algum apoio do governo em suas atividades inovativas e menos de 10% das empresas utilizaram fundos pblicos para financiar P&D. Mais de 90% dos gastos das empresas industriais com P&D so recursos prprios ou de fontes privadas. Isso expressa no somente um enorme contraste com os pases avanados e com os concorrentes diretos do Brasil, mas, fundamentalmente, confirma a suspeita de que os mecanismos de financiamento, em especial os de origem pblica, no

    3 Ainda que existam problemas metodolgicos que dificultam uma comparao mais rigorosa, esses indicadores servem de referncia para uma reflexo sobre os limites e potencialidades da indstria brasileira. Indicadores da OCDE, 2003b.

    Grfico 1 - Percentual das empresas industriais que implementaram e que no implementaram inovaes de 1998 a 2000, para pases selecionados.

    60 5951 49

    44 43 42 40 40 38 3731

    26

    40 4149 51

    56 57 58 60 60 62 6369

    74

    0%

    20%

    40%

    60%

    80%

    100%A

    lem

    anha

    Bl

    gica

    Hol

    anda

    Din

    amar

    ca

    us

    tria

    Finl

    ndi

    a

    Por

    tuga

    l

    Fran

    a

    Su

    cia

    Itlia

    Esp

    anha

    Bra

    sil

    Gr

    cia

    Implementam inovaes No implementam inovaes Fontes: EUROSTAT, 2004; IBGE1, 2004 (elaborao Ipea).

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    esto conseguindo atuar exatamente no espao em que os mercados falham muito, dado o alto risco do investimento.

    Neste sentido, fundamental buscar o aumento da eficincia e da qualidade do gasto pblico com o investimento em inovao e concentrar os recursos disponveis de modo a facilitar e viabilizar as aes das empresas brasileiras nessa direo. Um esforo nesse sentido permitiria a definio conjunta (Estado e empresrios, Unio e governos estaduais) de metas claras e de longo prazo (dez anos) para a nossa indstria, como: i) aumentar os investimentos das empresas em P&D como percentual do faturamento de 0,6% para 1,5%; ii) dobrar o nmero de graduados e ps-graduados ocupados em P&D nas empresas.

    A definio de um foco claro para a poltica industrial e a priorizao das atividades de financiamento e de incentivo P&D com maior impacto econmico e potencial comercial condio chave para estimular a interao com o sistema universitrio e os centros de pesquisa nacionais, assim como para concretizar a busca de cooperaes tcnico-cientficas com firmas ou organizaes internacionais que se traduzam em inovaes de propriedade de firmas residentes no Pas.

    A criao de um sistema de prmios e incentivos para as empresas, instituies e pesquisadores inovadores essencial para se disseminar no Pas a contra-cultura da inovao, avessa ao protecionismo vulgar, s reservas de mercado e acomodao, tanto empresarial quanto acadmica. Os avanos regulatrios dos ltimos anos, a comear da aprovao da Lei de Inovao, permitem uma fresta de esperana. Mas a lentido com que se processa a regulamentao e a definio dos dispositivos que lhe do praticidade sempre soa como sinal de alerta, lembrando que as oportunidades, em geral, no correm atrs do Brasil. Muito pelo contrrio.

    Inovao e Competitividade

    Que estratgias seriam capazes de interferir positivamente na transformao da estrutura produtiva e do padro de competitividade da indstria brasileira? Quais seriam os principais obstculos a dificultar a implementao de aes, programas e polticas de estmulo aos processos de inovao?

    No existem respostas fceis a essas duas perguntas. Ajudar a construir algumas referncias bsicas para uma boa reflexo a esse respeito o primeiro objetivo deste trabalho.

    Nosso ponto de partida que o reconhecimento da importncia da inovao tecnolgica na economia contempornea atingiu um ponto de amplo consenso entre empresrios, governantes, formuladores de polticas pblicas e a comunidade cientfica dos pases mais avanados e da maior parte dos emergentes. Essa realidade se deve, em grande parte, aos resultados positivos que os processos de inovao introduziram nessas economias, sendo, em

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    muitas delas, diretamente responsveis por saltos na competitividade e na qualidade de seu sistema produtivo.

    No Brasil, desde meados dos anos 90, o termo inovao passou a freqentar pronunciamentos de autoridades de governo e de empresrios e conta atualmente com grande aceitao e audincia. A 1 Conferncia Nacional de Cincia e Tecnologia e Inovao, realizada em 2001, encarregou-se de consolidar o conceito como alvo e ferramenta de parte significativa da comunidade cientfica brasileira. O anncio da Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior (PITCE) em 2004 estabeleceu uma ponte entre as polticas pblicas e o mundo empresarial, colocando no centro das preocupaes governamentais a busca de alteraes de qualidade em nosso sistema produtivo.

    Diferentemente do passado, quando o conceito bsico de inovao apresentava-se imediatamente relacionado aos segmentos de alta tecnologia ou, pelo menos, muito associado pesquisa cientfica de longa durao. Inovao tende atualmente a se revestir de um sentido mais amplo, que abrange todos os processos capazes de transformar uma idia em um produto ou processo com diferencial de mercado, seja na indstria, nos servios, comrcio ou agricultura. Essa viso mais dinmica e prtica enfrenta resistncias cada vez menores, seja no meio empresarial, seja entre instituies e rgos de governo, que passaram a trabalhar a inovao como conceito ordenador no somente das diretrizes de poltica industrial, mas de todas as orientaes para o desenvolvimento de Cincia e Tecnologia.

    Essa nova realidade reveste-se de especial importncia para o presente e futuro do Pas, pois enseja, antes de tudo, um debate pblico sobre a construo de uma agenda de inovao, capaz de preparar o Brasil para os desafios que se colocam diante de ns.

    Inovao um conceito mvel que acompanha a evoluo das sociedades e se desenvolve num invlucro de incerteza. A compreenso de seus mecanismos mais sutis exige intenso tratamento multidisciplinar. Como processo, alimentado e se alimenta de insumos originados em diversas reas; como produto, provoca impactos em campos distintos. Seus determinantes profundos fincam razes em distintas esferas da vida social; e o seu desenvolvimento se desdobra em mltiplas dimenses.

    Estudos recentes em pases avanados mostram que se trata de um processo essencialmente colaborativo e comunicativo, fruto de um fluxo contnuo de informao entre empresrios, engenheiros, cientistas e usurios, mas tambm entre instituies que facilitam ou dificultam a interao com seu entorno produtivo e o ambiente social. Com a intensificao dos processos de inovao, a reunio e anlise de novos dados consolidam a recusa de toda viso linear, a que apontava uma suposta trajetria hierarquizada para a inovao surgir e se realizar ao longo do tempo. A viso de que a inovao

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    seguiria sempre os caminhos da atividade mais nobre at a mais vulgar, ou seja, da pesquisa cientfica bsica, passando pela aplicada para finalmente desembocar na inovao orientada para os mercados, mostrou-se analiticamente frgil e insustentvel.

    Estudos consistentes revelaram que os processos de inovao no campo do software e hardware provocaram profunda reviravolta na indstria de computao e no prprio sistema de pesquisa universitrio, numa dinmica produtiva oposta prevista pelo modelo linear.

    As pesquisas indicaram, portanto, que a inovao pode seguir dos laboratrios para o mercado, mas que, freqentemente, realiza o caminho inverso. Ou seja, nasce nas empresas, se desenvolve no mercado e alimenta novos desdobramentos inovadores, tanto nos mercados quanto nas Universidades.

    Uma viso no-linear recusa tanto a rigidez hierrquica, que fixa etapas para o florescimento do novo, assim como qualquer comportamento provinciano, na medida em que se abre para receber demandas, tecnologias e captar tendncias de qualquer canto do planeta.

    Um dos mais respeitados pesquisadores da Cincia e Tecnologia, Nathan Rosenberg, afirmou: Todos sabem que o modelo linear de inovao est morto. Um modelo de inovao no qual a mudana tecnolgica era no somente dependente como tambm gerada por uma pesquisa cientfica anterior. Um modelo que se mostrou economicamente ingnuo e extremamente simplista ao longo do tempo.

    Apesar dessa caracterizao contundente, Rosenberg disparava:

    It has been accorded numerous decent burials, and I do not intend to resurrect it [the linear model] only to arrange for it to be interred once again4.

    Ou seja, segundo ele, o modelo linear, apesar de todas as suas fraquezas explicativas, era dotado de grande vitalidade. Por isso mesmo, continuava orientando, muitas vezes de modo determinante, grande parte das discusses sobre alocao de recursos pblicos, investimentos e polticas de C&T ao redor do mundo.

    Nos ltimos vinte anos, os pases que enfrentaram com seriedade a construo de seu futuro tenderam a desenvolver programas orientados para estimular a gerao de uma nova cultura, de modo a criar condies para o estabelecimento de mercados amigveis para a inovao, capazes de produzir e absorver talentos e de organizar o fluxo de conhecimento necessrio para dar origem a um novo padro de competitividade.

    4 N. Rosenberg, Economic experiments, in N. Rosenberg, Exploring the black box. Cambridge: Cambridge Un. Press, 1994.

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    Para tanto, as agendas dos pases que mais alcanaram resultados positivos quanto elevao de seu desempenho inovador estiveram marcadas por termos como cooperao, envolvimento, persuaso e mobilizao da comunidade empresarial e acadmica em torno de um novo compromisso entre aqueles que trabalham com os fundamentos da cincia e os que visualizam e buscam suas aplicaes prticas.

    Esse compromisso no pode ser pea retrica. Deve integrar e movimentar toda uma cadeia de conhecimento, ligando a experincia do dia-a-dia com os nveis mais elevados da produo cientfica, para depois retornar ao cotidiano. Trata-se, portanto, de garantir um fluxo de conhecimento, sustentado tanto pelos processos abstratos que movem a Cincia quanto pelo retorno ao plano da experincia real e da sua aplicabilidade.

    A rpida elevao da competitividade e do padro tecnolgico em pases como a Irlanda, Finlndia, Coria e Taiwan revelou o dinamismo e o poder multiplicador dos processos de inovao. Esses pases viveram transformaes disruptivas, com profundo impacto em todas as reas da economia e da sociedade. A trajetria recente desses pases ajudou a consolidar a viso de que uma economia baseada na inovao fundamentalmente distinta de uma economia sustentada pela indstria ou mesmo pela informao. Basicamente, porque a economia da inovao se desenvolve diferenciadamente em meio incerteza, o que exige intensa participao dos sistemas de produo e difuso de conhecimento, integrados dinmica das empresas e dos mercados.

    Esses caminhos foram descortinados, mas ainda no desbravados. Pases em desenvolvimento como o Brasil, se quiserem seguir rumos semelhantes precisaro mobilizar o empresariado, rgos de governo, as universidades e comunidade de pesquisadores de modo a criar uma contracultura da inovao. Isso significa alterar mentalidades e hbitos. Mas, fundamentalmente, significa buscar o domnio de novas tecnologias, facilitar a introduo de novos modelos de negcio, de produtos, de organizao, de gesto e de todos os processos intensivos em conhecimento.

    A estrutura da economia, a regulao clara de seus processos, o sistema de prmios e incentivos ao inovador, o financiamento, a relao entre Universidade e as empresas, entre pesquisa bsica e os mercados, assim como uma constelao de polticas pblicas voltadas para a construo de um ambiente amigvel para o empreendedorismo, esto na base das mudanas sobre as quais a sociedade brasileira deveria refletir.

    O presente trabalho desenvolver algumas dessas questes na seguinte ordem:

    (i) O primeiro captulo, Desenvolvimento e Inovao, est voltado para a discusso das relaes entre inovao e os processos de catching

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    up. O levantamento que realizamos sobre as novas polticas de incentivo inovao nos pases avanados permitiram-nos o estabelecimento de uma primeira comparao de sua evoluo com o Brasil. Parte do acompanhamento da trajetria da inovao no Brasil se encontra em trabalho ainda indito, realizado com Mauricio Mendona, a ser publicado pela UFRJ;

    (ii) No segundo captulo, Competitividade, Inovao e Internacionalizao, apresentamos dados empricos sobre o movimento de internacionalizao realizado por empresas brasileiras e seu impacto sobre faturamento, competitividade, salrio, exportao e emprego. A base desse captulo foi dada por pesquisa desenvolvida com Mario Salerno e Joo Alberto De Negri em nossa passagem pelo IPEA. Uma primeira verso desse trabalho foi publicada na revista Dados, do IUPERJ/RJ;

    (iii) No captulo trs, Um novo empreendedorismo no Brasil?, discutimos a hiptese de configurao no Brasil de uma nova camada de empreendedores, marcada por um comportamento e aceitao do risco inditos em nosso Pas. A noo de empreendedorismo ser aqui rastreada e debatida em seus fundamentos sociolgicos e econmicos. A idia que originou esse artigo ganhou uma pequena apresentao, feita em conjunto com Joo De Negri, publicada na revista So Paulo em Perspectiva, do Seade/SP;

    (iv) No quarto e ltimo captulo, Cincias Sociais, Inovao e Incerteza, resgatamos alguns pontos da trajetria das cincias sociais no debate sobre inovao e procuramos estabelecer alguns novos parmetros para a sua compreenso em meio incerteza. O captulo se encerra com uma sugesto de agenda para as cincias sociais, em especial para a sociologia, que, em muitos momentos, foi empurrada para as margens desse debate.

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    Captulo 1: Desenvolvimento e Inovao

    Innovation is a crucial way of achieving high economic development

    Agenda de Lisboa, Unio Europia5

    Innovation will be the single most important factor in determining Americas success through the 21st century

    Conselho de Competitividade, EUA6

    Inovao elemento-chave para o crescimento da competitividade industrial e nacional

    Poltica Industrial, Brasil7

    Innovation has become the industrial religion of the late 20th century The Economist8

    As sucessivas ondas de desenvolvimento, conhecidas como Revolues Industriais, foram amplamente baseadas na introduo de inovaes. Essas mudanas tecnolgicas foram responsveis por transformaes estruturais na economia e na sociedade, que alteraram seus padres de consumo e produo, gerao e distribuio de renda, bem como formas de ocupao e gesto dos processos produtivos9. Essas mudanas revelaram novas hierarquias entre pases, cuja mobilidade viria em funo da liderana alcanada com o domnio de novas tecnologias. O rpido crescimento de algumas dessas lideranas inspiraram estratgias de catching up, com o objetivo de reproduzir em outros pases o sucesso econmico e social dos desbravadores, de reduzir a desigualdade de renda e, ainda, de melhorar a qualidade de vida de sua populao.

    Pases como Japo, Coria, China, Brasil, Mxico e Argentina so reconhecidos tanto por suas experincias de sucesso quanto de fracasso nos processos de catching up em relao aos pases desenvolvidos10. O resultado 5 Unio Europia, Agenda de Lisboa, 2000. 6 Council on Competitiveness, National Innovation Initiative Report. Nova Iorque, 2004. 7 Diretrizes de Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior (PITCE). Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior. Braslia: 2004. 8 The Economist, 1999. A survey of innovation in industry, 20 de fevereiro. 9 C. Freeman e C. Perez, Structural crises of adjustment: business cycle and investment behaviours, in G. Dosi et alli.(eds), Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers Limited, 1988, pp. 38-68. 10 A literatura sobre os processos de catching up extensa. C. Perez e L. Soete, Catching up in technology: entry barries and windows of opportunity, in G. Dosi et alli.(eds), Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers Limited, 1988, pp. 458-480 discutem

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    dos processos de desenvolvimento esteve associado capacidade demonstrada por cada um desses pases de promover a qualificao tecnolgica de suas empresas, levando-as a ampliar sua participao no comrcio internacional, intensificar seus investimentos em tecnologia e inovao e a fortalecer suas posies no mercado domstico.

    Grande parte dos resultados alcanados por pases que adotaram estratgias de catching up est freqentemente associada eficcia de suas polticas industriais. Dentre os casos de sucesso, o Japo11 e a Coria12 so apontados como paradigmticos, seja pelo sucesso na criao de multinacionais em setores intensivos em tecnologia, seja pelo seu desempenho exportador ou mesmo pelo nmero de suas patentes depositadas nos Estados Unidos e Europa. Em outro patamar, os pases latino-americanos so apontados como exemplos falhos de polticas de desenvolvimento.

    No Brasil, o nacional-desenvolvimentismo sustentou o crescimento do PIB por um longo perodo. Mas isso se deu com base em um forte intervencionismo e centralizao estatal, elevadas barreiras tarifrias e generosos subsdios aos produtores locais. Apesar dos incentivos pblicos, a contrapartida empresarial nunca foi clara. A reciprocidade no existiu e muitos subsdios, anunciados como transitrios, tornaram-se permanentes. A busca de autonomia por meio dos processos de substituio de importaes resultou em enclausuramento produtivo, quase-autrquico, cujo sistema de proteo interrompeu os fluxos de conhecimento e tecnologia oferecidos pela ampliao da corrente de comrcio. A acomodao do Estado e do setor privado resultante foi um dos determinantes profundos da ineficincia e falta de competitividade que envolveu a nossa indstria, e est na raiz do esgotamento de todo o ciclo desenvolvimentista.

    A entrada em cena e a rpida difuso da microeletrnica na base dos processos de gerao e difuso de uma nova plataforma tecnolgica nos anos 70 acentuaria, por contraste, as limitaes das experincias latino-americanas, que se mostraram despreparadas e mesmo impotentes para acompanhar a evoluo das novas tendncias. No Brasil, o impacto dessa onda sobre uma economia despreparada se faz sentir at os dias de hoje.

    O conhecimento e a capacidade inovadora das empresas concentrou-se, aceleradamente, nos pases desenvolvidos e naqueles, como os Tigres Asiticos, as barreiras e janelas de oportunidades que surgem ao longo do processo histrico. Esses autores destacam que os processos reais de catching up s ocorrem quando os pases, alm do uso, tornam-se capazes de gerar e melhorar tecnologias. 11 C. Freeman, Japan: a new national system of innovation?, in G. Dosi et alli., Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers Limited, 1988, pp. 330-338; M. Hobday, Innovation in East Asia: the Challenge to Japan. Londres: Edward Elgar, 1995; D. Okimoto, Between MITI and the market: Japanese industrial policy for high technology. Stanford: Stanford University Press, 1989; C. Johnson, MITI and the Japanese Miracle. Stanford: Stanford University Press. 1982. 12 L. Kim, Imitation to innovation: the dynamics of Korea's technological learning. Boston: Harvard Business School Press, 1997; H. Chang, Kicking away the ladder: Development Strategy in Historical Perspective. Londres: Anthem, 2002.

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    que optaram por aplicar polticas industriais ativas, dotaram-se de instrumentos e haviam disposto suas empresas para entrar em sintonia com as novas tendncias. Enquanto o ritmo de introduo de novos produtos e processos produtivos tornava-se mais intenso, e as economias eram tensionadas para gerar e acumular essas novas competncias, o Brasil, nesse perodo, exibia enorme descompasso com a evoluo tecnolgica, como o atraso na rea de micro-eletrnica bem demonstrou.

    Dimenses da Inovao

    O processo de inovao resulta crescentemente de interaes complexas entre indivduos, firmas e outras instituies produtoras de conhecimento, em nveis local, nacional e mundial. Seus determinantes, porm, ainda so objeto de estudo e controvrsia.

    No entanto, algumas de suas dimenses podem ser analiticamente alinhavadas, pois servem de referncia para a reflexo sobre o Brasil.

    Primeiro motor. O agente fundamental do processo de inovao continua a ser a empresa, em especial a de grande porte. A P&D desenvolvida nas empresas exige a alocao intensiva de recursos humanos e consome grande parte dos investimentos. Por isso, em todo o mundo, as polticas de governo buscam facilitar os processos de cooperao, em particular na pesquisa pr-competitiva (tanto entre empresas, quanto entre empresas e universidades). Para tanto, o acompanhamento do mercado e da concorrncia exige a prospeco de tendncias e antecipao de oportunidades, o que cobra das autoridades pblicas ao no sentido de construir sistemas de acompanhamento, mensurao e avaliao dos processos inovativos.

    Compartilhamento de riscos. As caractersticas atuais da gerao e difuso tecnolgica aumentaram o risco do investimento, dada a sua complexidade e altos custos. Por isso, os processos de P&D tm induzido as empresas a buscar cada vez mais a cooperao e a interao, de modo a compartilhar riscos na apropriao de ativos e conhecimentos complementares.

    Novas empresas e clusters. Com a mesma preocupao, o empreendedorismo e a criao de pequenas e mdias empresas (PMEs) tambm tm sido incentivados, assim como a criao de ambientes favorveis ao crescimento de empresas de base tecnolgica, em incubadoras e parques tecnolgicos (clustering). Esses novos espaos de concentrao de empresas tambm ganham importncia na medida em que, alm do aprendizado conjunto, permitem o compartilhamento de conhecimentos tcitos e no codificveis.

    Novos recortes cientficos. Embora as cincias bsicas (fsica, qumica e biologia) ainda concentrem grande parte do esforo de formao de

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    recursos humanos e dos investimentos em infra-estrutura, essas reas vm perdendo espao para campos especficos que envolvem objetivos econmicos e sociais relevantes, tais como biotecnologia e tecnologias da informao e comunicao. Mais recentemente, a nanotecnologia passou a receber uma ateno redobrada das polticas pblicas em praticamente todos os pases avanados13 e nos emergentes mais dinmicos.

    Prospeco. Em praticamente todos os pases com peso no comrcio internacional nota-se a ampliao das iniciativas de mapeamento e prospeco tecnolgica (foresight). Esses exerccios tm sido largamente difundidos e utilizados para orientar a escolha de polticas, reorientar programas e, sobretudo, identificar oportunidades14.

    Na base de todos esses processos encontramos transformaes estruturais que sacodem o mundo desde os anos 70.

    Diversos estudos sobre os pases avanados tm enfatizado o lugar central que o conhecimento e a informao passaram a ocupar como emuladores do crescimento econmico e do bem-estar social. Mais especificamente, as pesquisas tm revelado enorme incremento da velocidade de produo, disseminao e utilizao do conhecimento em escala mundial15.

    O Brasil tem um longo caminho a trilhar na definio de programas e polticas capazes de criar e fortalecer pontos de apoio como os citados acima. O debate atual sobre essas tendncias ajuda a desenhar linhas de futuro.

    Investimentos Crescentes em P&D

    A produo e apropriao da riqueza social esto cada vez mais baseadas no conhecimento e na informao. Custos tecnolgicos declinantes, aumento da velocidade de transmisso e capacidade crescente de armazenamento da informao16 alteraram a dinmica empresarial e suas estratgias. Estudos da OCDE17 destacaram que o crescimento econmico nos pases desenvolvidos esteve relacionado ao aumento da participao dos investimentos empresariais

    13 Segundo a OCDE, o governo dos EUA triplicou seus investimentos em P&D para nanotecnologia entre 1997 e 2000, alcanando US$ 293 milhes. No mesmo perodo, a Unio Europia dobrou para US$ 210 milhes e o Japo duplicou para US$ 190 milhes seus gastos com P&D nessa rea. OCDE, ICT and economic growth: evidence from OECD countries, industries and firms. Paris: OCDE, 2003a. 14 D. Santos e M. Santos, A atividade de foresight e a Unio Europia, in Revista Parcerias Estratgicas, Braslia, n. 17, set. 2003, pp. 165-192. 15 Banco Mundial, Knowledge for development. Washington: World Bank Institute, 1999; C. Dahlman, A Economia do Conhecimento: Implicaes para o Brasil, in J. P. dos R. Velloso (org.), O Brasil e a Economia do Conhecimento. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2002. 16 Dahlman, 2002, idem; OCDE, 2003a; OCDE, The new economy: beyond the hype. Paris: OCDE, 2001. 17 OCDE, 2001, idem; OCDE, A new economy? The changing role of innovation and information technology in growth. Paris: OCDE, 2000.

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    em P&D&I e reduo das despesas de P&D nos programas militares, o que abriu espao para investimentos governamentais na esfera civil.

    O aumento crescente do peso relativo do software, do design e da engenharia de projetos e servios financeiros levou as empresas mais dinmicas a modificar sua estratgia em relao aos investimentos, sendo que muitas delas passaram a atuar como provedores de solues integradas e no mais como simples fornecedoras de bens como mquinas ou equipamentos.

    O investimento em conhecimento entendido como a soma dos gastos em P&D, em educao superior (pblica e privada) e mais o investimento em software alcanou 4,8% do PIB entre os pases da OCDE no ano 2000. Se fossem includos nesse clculo os demais gastos com educao, o montante chegaria a 10% do PIB18.

    Em valores absolutos, em 2001, os Estados Unidos mantiveram a liderana mundial de investimentos em conhecimento. Se tomarmos as taxas de investimento em relao ao PIB, a Sucia (com 7,2%), os EUA (com 6,8%) e a Finlndia (com 6,2%) realizaram investimentos bem acima da mdia dos pases da OCDE (4,8%). Em contraste, a taxa de investimentos dos pases do Sul (inclusive o Mxico) e da Europa Central foi inferior a 2,5% do PIB.

    Durante os anos 90, muitos pases da OCDE ampliaram seus investimentos em conhecimento de forma consistente. Irlanda, Sucia, Finlndia e Dinamarca destacaram-se com taxas de crescimento acima de 7,5% do PIB nos ltimos anos. Outros pases, como a Grcia, Irlanda e Portugal registraram taxas de investimento relativamente baixas. Em geral, para os pases da OCDE, o crescimento dos gastos em software foi o principal responsvel pelo aumento dos investimentos em conhecimento.

    O volume de gastos em P&D o indicador bsico que sintetiza o esforo inovador de uma empresa ou de um pas. O modo de organizar e gerenciar as atividades de P&D assume papel cada vez mais importante para a efetividade desses investimentos. Em 2001, os pases da OCDE alocaram cerca de US$ 645 bilhes em P&D, o que significou algo em torno de 2,3% do PIB total19. Nos pases da OCDE, entre 1995 e 2001, os gastos com P&D cresceram continuamente a uma taxa anual de 4,7%. Os Estados Unidos foram responsveis por cerca de 44% do total dos investimentos em P&D da OCDE, praticamente se igualando soma dos gastos da Unio Europia (28%) e do Japo (17%).

    Em 2001, Sucia, Finlndia, Japo e Islndia foram os nicos pases da OCDE nos quais o investimento em P&D ultrapassou 3% do PIB. O grfico 1 mostra o crescimento contnuo desse indicador nos pases da OCDE, com destaque para

    18 OCDE, Science, technology and industry scoreboard. Paris: OCDE, 2003b. 19 Valores calculados levando-se em conta a Paridade do Poder de Compra (PPC) do perodo indicado. OCDE, 2003b, idem.

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    Sucia, Finlndia, Japo, EUA e Alemanha. A mdia de gastos em P&D como percentual do PIB nos pases da OCDE foi de 2,3% em 2001, contra cerca de 1,1% no caso brasileiro20.

    Grfico 1 Investimentos em P&D/PIB

    (Em porcentagem) 0 ,3

    0 ,7

    0 ,8

    0 ,9

    1,1

    1,1

    1,2

    1,9

    2 ,2

    2 ,4

    2 ,8

    3

    3 ,3

    4 ,3

    0 0 ,5 1 1,5 2 2 ,5 3 3 ,5 4 4 ,5 5

    Sucia

    F inlndia

    J apo

    EUA

    A lemanha

    F rana

    R eino Unido

    Itlia

    C hina

    B ras il

    Espanha

    ndia

    P ortugal

    Mxico

    Fonte: OCDE.

    Pases emergentes como China e ndia tambm apresentaram desempenho notvel nos ltimos anos. A China passou a ocupar a terceira posio entre os pases que mais investiram em P&D no mundo21. Seus gastos atingiram a cifra de US$ 60 bilhes em 2001, inferior apenas dos EUA (US$ 282 bilhes) e do Japo (US$ 104 bilhes). Os dispndios da China em P&D crescem de forma acelerada: passaram de 0,6% do PIB, em 1996, para 1,1%, em 2001. Cerca de 60% dos gastos chineses foram realizados por empresas estatais e privadas, enquanto os 40% restantes foram financiados pelo governo.

    O Brasil registrou, segundo a OCDE22, gastos anuais da ordem de US$ 14 bilhes, comparveis aos dispndios de pases como Canad (US$ 16 bilhes), Itlia (US$ 14 bilhes) e Taiwan (US$ 10 bilhes), mas inferiores aos da Coria (US$ 22 bilhes) e da ndia (US$ 19 bilhes), como pode ser visto no grfico 2.

    20 OCDE, 2003, idem.; OCDE, Science, technology and industry outlook. Paris: OCDE, 2002; MCT, Indicadores de Pesquisa e Desenvolvimento e Cincia e Tecnologia 2000. Braslia: Ministrio da Cincia e Tecnologia, 2002. 21 OCDE, 2003, idem.. 22 OCDE, 2003, idem.

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    Grfico 2 Investimentos em P&D

    (Bilhes Dlares)

    11

    12

    14

    16

    17

    19

    22

    29

    35

    54

    60

    103

    282

    0 50 100 150 200 250 300

    EUA

    Japo

    China

    Alemanha

    Frana

    Reino Unido

    Korea

    India

    Canad

    Itlia**

    Brasil

    Rssia

    Taiwan

    Fonte: OCDE.

    Ainda segundo a OCDE23, observa-se entre seus membros uma alta correlao entre os investimentos em P&D e o desempenho positivo de suas economias. Esses pases apresentaram, ainda, crescimento das exportaes, do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) e de sua competitividade. Ou seja, os pases mais competitivos tm sido aqueles que melhor tm explorado as janelas de oportunidades abertas pela economia do conhecimento.

    Na base dessa realidade, temos um leque de polticas de implantao de ambientes mais favorveis inovao, que combinam a oferta de novos tipos de financiamento e de melhoria do gerenciamento de risco com a ampliao do financiamento da pesquisa cientfica de alto risco, de modo a fortalecer a cooperao, incentivar a difuso tecnolgica e intensificar os investimentos em capital humano.

    As polticas de governo tm se utilizado amplamente de remodelagens institucionais e de alteraes no ambiente regulatrio com o objetivo de aprimorar seus Sistemas Nacionais de Inovao (SNI) e de aumentar a contribuio dos sistemas pblicos de pesquisa para o salto de qualidade das empresas e do sistema produtivo como um todo.

    Novos Instrumentos de Incentivo Inovao

    At recentemente, os principais instrumentos de promoo da inovao nos pases avanados estavam voltados para o investimento em pesquisa bsica,

    23 OCDE, 2002, idem..

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    para a qualificao de recursos humanos e para o fortalecimento da infra-estrutura de pesquisa. Porm, outros instrumentos passaram a ser utilizados com mais intensidade, como se pode ver pelo quadro abaixo.

    Quadro 1 Novas tendncias de instrumentos para C&T&I

    1. Flexibilizar as estruturas de pesquisa para aumentar a cooperao universidade-indstria.

    2. Garantir financiamento para pesquisa pblica de longo prazo e incentivar a colaborao interfirmas na pesquisa pr-competitiva, de modo a assegurar a continuidade do progresso na C&T.

    3. Construir e facilitar mecanismos de mercado para o financiamento da inovao, como os fundos mistos de capital de risco.

    4. Fortalecer mecanismos de defesa da concorrncia e diminuir barreiras tcnicas entrada de novos agentes no mercado.

    5. Localizar e reduzir desequilbrios de oferta/demanda de recursos humanos qualificados.

    6. Estimular a criao e desenvolvimento de empresas de base tecnolgica. Ampliar sistemas de capacitao gerencial para a inovao. Reduzir barreiras que dificultam a promoo do empreendedorismo tecnolgico.

    7. Promover crescimento da inovao em reas crticas do conhecimento a partir da criao de mecanismos de atrao de investimentos.

    8. Desenvolver sistemas de avaliao e mensurao da Inovao, na indstria, nos servios, agricultura e comrcio.

    9. Incentivar projetos de parcerias pblico-privadas (PPP) voltadas inovao.

    10. Remover obstculos cooperao internacional com a melhoria do acesso e fluxo de pesquisadores estrangeiros aos programas nacionais.

    11. Sintonizar mudanas no mercado de trabalho com as polticas industriais e educacionais.

    12. Melhorar a articulao entre ministrios a fim de assegurar consistncia e credibilidade formulao e implementao de polticas de inovao.

    13. Impulsionar a criao de redes nacionais e internacionais de pesquisa, de acesso, gerao e difuso de conhecimento.

    Fonte: OCDE, Innovate America (EUA), Council of Competitiveness (Finlndia), Innovation Strategy (Canad), Ples de Comptitivit (Frana). Elaborao do autor.

    Os instrumentos diretamente relacionados s atividades de P&D nas empresas, tais como incentivos, renncia fiscal, subsdios, doaes e financiamentos governamentais, ainda so utilizados. Porm, seu uso est cada vez mais restrito a sua integrao a estratgias seletivas, elaboradas a partir de escolhas e definies realizadas pelo governo em conjunto com o meio empresarial.

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    De forma anloga, a promoo das atividades de P&D nas empresas tende cada vez mais a deslocar seu foco do suporte individual s empresas para se concentrar na melhoria do ambiente produtivo. Isso ocorre com os incentivos interao e cooperao entre empresas privadas e o setor pblico; por exemplo, ao assegurar um regime adequado de proteo e disposio da propriedade intelectual criada em parte ou totalmente com recursos pblicos; ou ao garantir instrumentos de crdito para a inovao (mercado de capitais, linhas de financiamento).

    Tambm na mesma direo, nota-se um aumento da presso social sobre as universidades e centros pblicos de pesquisa para que estes se abram cooperao e interao com as empresas e se disponham a colaborar para o equacionamento e soluo dos problemas do sistema produtivo e da sociedade. Isso significa tambm buscar novos arranjos institucionais para viabilizar a difuso do conhecimento acumulado e a transferncia de tecnologias para o setor produtivo nacional.

    Riscos do Atraso

    Decises institucionais geram conseqncias no longo prazo nem sempre fceis de prever. Em uma rea sensvel como a tecnologia, o nvel de capacitao alcanado pelas empresas diretamente dependente de trajetrias anteriores de investimento em atividades de P&D. Ao mesmo tempo, o acmulo de conhecimento atua como fora de atrao para novos investimentos24.

    Um exemplo dos efeitos perversos da interrupo dos investimentos pode ser encontrado no movimento de brain drain que atingiu a Rssia e outras economias na crise dos anos 90, que restringiram drasticamente seu oramento para C&T e foram, por isso, duramente penalizadas. A migrao de cientistas e engenheiros resultante reduziu a capacitao tecnolgica e gerou custos irrecuperveis no mdio prazo para essas sociedades.

    Ameaa maior do processo de gerao de conhecimento a eventual excluso e isolamento dos pases que no conseguem dominar setores intensivos em tecnologias-chave. Amsden25, inspirada por exemplos coreanos, relacionou a capacidade de gerar, difundir e comercializar novas tecnologias s grandes empresas, intensivas em capital. Suas pesquisas insistem em mostrar que os pases em desenvolvimento deveriam estimular a criao de empresas de grande porte, capazes de sustentar estruturas avanadas de P&D de modo a deflagrar processos de catching up. Seu ponto de partida que nem todos os

    24 G. Dosi, The nature of innovative process, in G. Dosi et alli. (eds.), Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers Limited, 1988, pp. 221-238; G. Dosi e L. Orsenigo, Coordination and transformation: an overview of structures, behaviours and change in evolutionary environments, in G. Dosi et alli.(eds.), Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers Limited, 1988, pp. 13-37. 25 A. Amsden, The rise of the rest: challenges to the West from late-industrializing companies. Oxford: Oxford University Press, 2001.

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    ativos tecnolgicos esto disponveis no mercado, uma vez que as grandes empresas, se protegem e criam barreiras aos seus eventuais concorrentes. Sem essas empresas, diz ela, dificilmente os pases emergentes conseguiro desenvolver ou acessar as tecnologias que dominaro o cenrio futuro. Essa discusso ocorre no Brasil h muito. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), por exemplo, definiu polticas para estimular a concentrao de alguns processos produtivos em poucas e grandes empresas, como no setor petroqumico. Esse debate continua atual para os pases emergentes. No Brasil, ainda que a PITCE tenha aberto portas nessa direo, nenhum programa concreto foi apresentado at o momento pelo Governo Federal.

    Inovao e Conhecimento no Brasil

    O esforo sistemtico de investimento na formao de recursos humanos e de pesquisa no Brasil iniciou-se na dcada de 1950, com a criao do ento Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Capes26. Desde ento, como apontam Guimares e Ford27, o Pas vem buscando implementar polticas de desenvolvimento tecnolgico e cientfico28. Entretanto, somente a partir do incio da dcada de 1970, com a elaborao do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), relativo ao perodo 1972-1974, um plano de cincia e tecnologia foi explicitado como meta de poltica pblica29.

    Supervisionado por Jos Ferreira Pelcio30, que esteve frente do Ncleo de Indstria, Cincia e Tecnologia, do Ministrio do Planejamento e Coordenao Geral (MPCG), foi elaborado um diagnstico que previa a definio de um plano para a rea de C&T, bem como medidas relacionadas com o fortalecimento da infra-estrutura, a estruturao de um sistema de financiamento para o desenvolvimento tecnolgico, o estmulo carreira de pesquisador, a implantao do sistema de informao cientifica e tecnolgica, o incentivo integrao Indstria-Universidade e o fomento modernizao das instituies de pesquisa e a reestruturao do CNPq.

    26 J. Teles, Pela Valorizao da Inteligncia. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1985. 27 E. Guimares e E. Ford, Cincia e tecnologia nos planos de desenvolvimento: 1956-73, in Pesquisa e Planejamento Econmico (PPE). Rio de Janeiro:IPEA, Vol. 5, n. 2, dez, 1975. 28 Segundo esses autores, o Plano de Metas, o Plano Trienal e o Programa de Ao Econmica do Governo (PAEG) no explicitavam uma poltica de cincia e tecnologia e, em geral, procuraram dar respostas s necessidades tecnolgicas correspondentes s respectivas etapas do processo de industrializao, alm de preverem medidas e iniciativas esparsas. O Programa Estratgico de Desenvolvimento (1968-1970), por sua vez, enfatizou a importncia do desenvolvimento de pesquisas cientficas e tecnolgicas e, pela primeira vez, apresentou um programa de ao. 29 A. Ferrari, O Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico FNDCT e a Financiadora de Estudos e Projetos Finep, in Revista Brasileira de Inovao. Rio de Janeiro, Ano 1, n. 1, jan-jun, 2002. 30 Jos Ferreira Pelcio foi figura chave em todo o perodo das dcadas de 1960 e 1970. Ocupou cargos estratgicos e desempenhou papel fundamental na formulao de polticas de C&T. Para maiores informaes, consultar A. Ferrari, Jos Pelcio Ferreira e a ps-graduao no Brasil. Braslia: Capes, 2001; A. Ferrari, 2002, idem..

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    Como afirma Rappel, em seu depoimento a Ferrari31:

    O propsito do governo era promover a criao de um sistema nacional de C&T que proporcionasse os meios para implantar e operar eficientemente uma economia industrial moderna e dinmica. Haveria, pois, que se estabelecer uma orientao para o desenvolvimento cientfico e tecnolgico, segundo uma perspectiva coerente com a evoluo da economia, a mdio e longo prazo, com apoio de instrumentos institucionais, administrativos e financeiros adequados, e traduzida em programas e projetos com objetivos pertinentes e de convenincia assegurada. Da ter surgido a necessidade de um plano de cincia e tecnologia que expressasse as intenes e realizaes do governo, com o propsito de orientar a atividade da comunidade cientfica, buscando integr-la ou, pelo menos, compatibiliz-la com o modelo econmico adotado.

    Em maio de 1972, o Governo Federal publicou o Decreto n 70.553, determinando que as atividades de C&T fossem organizadas sob a forma de sistema, sendo o CNPq designado como seu corao32. Em meados de 1972 tiveram incio os trabalhos de elaborao do Primeiro Plano Bsico de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (PBDCT), centralizados na Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), que fora designada Secretaria Executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (FNDCT) em junho de 1971.

    Em julho de 1973, o PBDCT foi aprovado pelo Decreto n 72.527 para o perodo de 1973-1974. Segundo o documento do Plano:

    A poltica cientfica e tecnolgica a ser implementada compreendia as seguintes reas de atuao: 1) desenvolvimento de novas tecnologias, notadamente as atividades que incorporassem tecnologia de natureza interdisciplinar e ao mesmo tempo avanadas, tais como energia nuclear, espacial e oceanografia; visando o fortalecimento de novas indstrias intensivas em tecnologia, tais como aeronutica, qumica e eletrnica; e 2) fortalecimento da capacidade de absoro e criao de tecnologia pela empresa nacional, pblica e privada (Brasil, 1973).

    31 A. Ferrari, 2002, idem. 32 O Decreto de 17 de maio de 1972, que estabeleceu o Sistema Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (SNDCT), atribuiu ao MPCG competncia para preparar a proposta do PBDCT, em articulao com o CNPq, e organizou as aes na rea de cincia e tecnologia sob a forma de sistema, do qual deveriam fazer parte todas as unidades organizacionais de qualquer grau que utilizassem recursos governamentais para realizar atividades de planejamento, superviso, coordenao, estmulo, execuo ou controle de pesquisas cientficas e tecnolgicas. A atuao integrada do sistema assim concebido seria objeto de um instrumento de previso, orientao e coordenao, o PBDCT, que teria como esquema financeiro um oramento programa trienal, revisto e complementado a cada ano. O CNPq ficou responsvel pelo acompanhamento da execuo dos programas, projetos e atividades do PBDCT.

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    O esforo de colocar a cincia e tecnologia a trabalhar pelos grandes objetivos nacionais, assinalado no PBDCT, estava fortemente atrelado ao engajamento efetivo da empresa na poltica tecnolgica33. Para tanto, previam-se trs aes bsicas: o estabelecimento de um complexo tecnolgico no Rio de Janeiro, na Ilha do Fundo, que possibilitava criar centros tecnolgicos para atuar em petrleo, energia, recursos minerais, energia nuclear e siderurgia; um Programa de Pesquisa Industrial, coordenado pela Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministrio da Indstria e Comrcio (MIC), que visava a transferir tecnologia para o setor privado; e uma poltica de transferncia de tecnologia do exterior.

    Com a mudana de Governo no incio de 1974, iniciaram-se os trabalhos de preparao do II PND e, logo a seguir, do II PBDCT, cuja elaborao representava uma oportunidade de corrigir as falhas metodolgicas e as imprecises do primeiro Plano e de beneficiar-se do conhecimento acumulado sobre estudos e experincias similares em outros pases e organizaes.

    O PBDCT continha duas partes distintas, mas integradas: a primeira, que tratava dos propsitos (objetivos, diretrizes e estratgias) polticos do governo em relao ao setor de C&T, das orientaes sobre aes (programas, projetos e atividades) a ser desenvolvidas e da estimativa global dos dispndios previstos, abrangendo o qinqnio 1975-1979; e a segunda, que compreendia um detalhamento das aes programadas no plano dos projetos e atividades em razo das diretrizes e metas identificadas na primeira parte , abrangendo um perodo de trs anos, e respectivo oramento-progama.

    O II PBDCT foi, sem dvida, o marco mais importante desse processo, at mesmo pelo volume previsto de dispndios do governo, que entre 1975 e 1977 foi da ordem de US$ 2,3 bilhes a preos de 1975. Esse valor significava uma ampliao de cerca de 80% da mdia anual de gastos em relao ao volume de recursos alocados no I PBDCT (1970-1974) e um montante 27 vezes superior ao dispndio de 196834. Segundo o documento oficial do plano, sua orientao bsica era transformar a cincia e tecnologia em fora motora do processo de desenvolvimento e modernizao do Pas, industrial, econmica e socialmente35. Para tanto, como assinalado no documento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) seria necessrio preservar o equilbrio entre a pesquisa fundamental, pesquisa aplicada e desenvolvimento, como

    33 Brasil, Plano Bsico de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico 1973-74. Braslia: Presidncia da Repblica, 1973. 34 Contudo, como destaca Rappel, a estrutura rgida do II PBDCT e a metodologia adotada na sua elaborao prejudicaram, da mesma forma como ocorreu com seu antecessor, a correo das distores e falhas detectadas durante o acompanhamento, fossem de natureza quantitativa ou qualitativa, perdendo-se a oportunidade de se construir um instrumento de previso, orientao, coordenao e avaliao da atuao integrada do sistema nacional de cincia e tecnologia. 35 Brasil, II Plano Bsico de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico. Braslia: Presidncia da Repblica, 1975.

  • 28

    estgios de um processo orgnico articulado com a economia e a sociedade, com destaque para a preocupao de, cada vez mais, aumentar o componente autnomo de adaptao e de elaborao prpria, dentro da racionalidade econmica36.

    A utilizao da cincia aplicada e do conhecimento com objetivos econmicos acabou, na prtica, sendo preterida em favor dos programas de desenvolvimento cientfico e da ps-graduao, que absorveram a maior parte dos recursos disponveis37. O peso da comunidade cientfica na definio dos rumos da poltica de C&T e da alocao de recursos, em detrimento da participao dos representantes do setor produtivo, tambm constituiu um elemento importante de presso para orientar as prioridades e os programas governamentais de fomento, prevalecendo a lgica e os interesses desse grupo38.

    Como resultado desse processo, ao longo da dcada de 1980 ocorreu um progressivo esvaziamento financeiro39 e tcnico da Finep e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (FNDCT), ao mesmo tempo em que o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (PADCT) era expandido. Embora este programa mantivesse em seu iderio a articulao com o setor produtivo, significou uma forma renovada de suporte s lideranas cientficas do Pas, em especial ao segmento da cincia bsica.

    A criao do Ministrio da Cincia e Tecnologia40 em 1985 restaurou o debate da inovao tecnolgica, incorporando a percepo de que setores estratgicos qumica fina, microeletrnica, biotecnologia e novos materiais seriam portadores de processos futuros e deveriam, portanto, ser fortemente apoiados pelo Estado. Essa viso carregada de sentido estratgico encontraria dificuldades para a sua viabilizao. Primeiro, porque no encontrou ressonncia nem interlocutores no setor produtivo. Segundo, porque o sangramento dos institutos tecnolgicos resultante da descontinuidade de projetos estratgicos da dcada de 1970, como o Prolcool e o Programa Nuclear , ajudara a desarticular parte fundamental dos 36 Brasil, 1975, idem.. 37 No texto do II PBDCT est presente a recomendao de que se evitem falsos dilemas: Pesquisa fundamental, pesquisa aplicada e inovao tecnolgica tm de andar de braos dados (Brasil, 1975, idem). 38 Um bom exemplo desse comportamento o processo de construo do Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron, como descreve M. B. Burgos, Cincia na periferia: a luz sncrotron brasileira. Juiz de Fora: EDUFJF, 1999. 39 Segundo M. Santana et alli, Desempenho industrial e tecnolgico brasileiro. Braslia: Presidncia da Repblica, Secretaria de Cincia e Tecnologia, Editora Universidade de Braslia, 1990, os gastos com C&T foram da ordem de US$ 1,2 bilho em 1984, mas a partir de 1982, o dispndio nacional com C&T vem caindo, apesar do sofisticado complexo e muitas vezes superposto aparato institucional que se montou para gerenciar e promover o desenvolvimento tecnolgico do pas. 40 O Ministrio da Cincia e Tecnologia foi criado pelo Decreto n 91.146, de 15 de maro de 1985. Para uma abordagem de suas atribuies em meados da dcada de 1990, ver L. Dias, A Poltica Nacional de Cincia e Tecnologia: objetivos, estrutura e rumos, in ACIESP, Poltica nacional de cincia e tecnologia e desenvolvimento: alguns componentes fundamentais. So Paulo: Anais do XXIII Simpsio Anual da Academia de Cincias do Estado de So Paulo, pp. 1-21, 2000.

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    atores dos processos de transferncia e desenvolvimento de tecnologias industriais bsicas metrologia, normalizao, propriedade intelectual e outras , o que enfraqueceu ainda mais os elos entre o sistema produtor de C&T e as empresas.

    No incio da dcada de 1990, a desarticulao da poltica de C&T e da poltica industrial restringiu em muito o espao para aplicao de polticas ativas pelo Governo41. O resultado dramtico expressou-se na estagnao dos investimentos em C&T no Brasil que, entre 1986 e 1996, mantiveram-se praticamente no mesmo volume anual, como aponta o grfico 3.

    Grfico 3 Execuo Financeira do MCT

    (Em milhes de reais) 1244126312871166

    625

    849

    1185122312731265

    923

    0

    200

    400

    600

    800

    1000

    1200

    1400

    1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Fonte: MCT

    A partir de 1999, iniciou-se um processo de retomada da adoo de polticas de inovao, especialmente com a criao dos Fundos Setoriais. Esses fundos, destinados a recuperar a capacidade de investimento do sistema de Cincia e Tecnologia (C&T), caracterizam-se por uma gesto compartilhada entre ministrios, agncias reguladoras, setor produtivo e comunidade acadmica. Entre seus objetivos esto a aproximao entre o setor produtivo e a academia e o fomento cooperao entre empresas e centros de pesquisa.

    A publicao, em 2002, da Pesquisa Industrial Inovao Tecnolgica (Pintec), realizada pelo IBGE, indicou que o Brasil tem muito a avanar no campo da produo e da utilizao do conhecimento para gerao de bens e produtos.

    A situao brasileira, em relao inovao, ressente-se tambm da ausncia de polticas de incentivo ao desenvolvimento e participao das empresas privadas nos processos inovativos. O desempenho do sistema de proteo da propriedade industrial ilustra essa situao. Como mostra a tabela 1, os no-residentes no Brasil, em especial empresas multinacionais, estimulados pela lei de 41 Para uma viso crtica desse perodo, ver W. Suzigan e A. Vilela, Industrial policy in Brazil. Campinas: Editora da Unicamp, 1997; F. Erber, Mudanas estruturais e poltica industrial. Rio de Janeiro: IPEA, 1992; E. Guimares, A experincia recente da poltica industrial no Brasil: uma avaliao. Rio de Janeiro: Ipea, 1994.

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    propriedade intelectual sancionada em 1996, aumentaram significativamente sua participao no patenteamento entre 1992 e 2002. Em particular, observa-se um forte crescimento no pedido de exame de patentes no mbito do Tratado de Cooperao de Patentes (PCT), com expressiva participao dos no-residentes. No mesmo perodo, os pedidos de depsitos de patentes de residentes cresceram 87%. Em 2002, foram solicitadas cerca de 24,1 mil patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Quando desagregado esse dado, observa-se que os no-residentes foram responsveis por 58% dos pedidos registrados. Somados os itens PCT e Patentes de Inveno, que melhor expressam a proteo de inovaes tecnolgicas, o predomnio de no-residentes ainda maior. Os residentes (empresas brasileiras), ao contrrio, foram os responsveis pela quase totalidade dos pedidos de proteo dos modelos de utilidade (99%) e pelos novos desenhos industriais (80%), que expressam as melhorias incrementais de produto e processo e novas formas plsticas.

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    Tabela 1 Brasil: Pedidos de patentes depositados no INPI (segundo tipos e origem do depositante, 1992-2002)

    Tipos de patentes e origem do

    depositante

    1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

    Total 10.909 12.639 13.362 15.839 17.916 20.388 21.593 23.947 24.192 23.707 24.098 Residentes 5.393 6.402 6.279 7.232 7.008 7.140 7.057 8.322 8.946 9.519 10.102

    No-residentes

    5.516 6.237 7.083 8.607 10.908 13.248 14.536 15.625 15.246 14.188 13.996

    Patente de inveno

    5.130 5.387 5.254 5.978 5.895 6.441 6.171 6.696 6.728 6.587 5.997

    Residentes 2.100 2.429 2.269 2.707 2.611 2.683 2.514 2.849 3.077 3.298 3.098 No-

    residentes 3.030 2.958 2.985 3.271 3.284 3.758 3.657 3.847 3.651 3.289 2.899

    Modelo de utilidade

    2.232 2.618 2.505 3.074 2.975 3.010 2.835 3.323 3.189 3.366 3.462

    Residentes 2.207 2.575 2.446 3.024 2.911 2.916 2.762 3.247 3.104 3.280 3.416 No-

    residentes 26 43 59 50 64 94 73 76 85 86 46

    Desenho industrial

    1.472 2.091 2.186 2.081 2.144 2.289 2.592 2.951 3.555 3.717 4.349

    Residentes 1.086 1.398 1.564 1.497 1.467 1.497 1.677 2.135 2.676 2.849 3.848 No-

    residentes 368 693 622 584 677 792 915 816 879 868 865

    PCT1 2.074 2.543 3.417 4.706 6.902 8.614 9.928 10.907 10.645 9.950 10.187 Residentes 4 19 15 42 30 21 13 4

    No-residentes

    2.074 2.543 3.417 4.702 6.883 8.599 9.886 10.877 10.624 9.937 10.183

    Fonte: INPI -Nota1: Pedidos computados pelo ano de depsito internacional, at 2001.

    O argumento exposto exemplifica a forma como o setor privado organiza e realiza P&D. Dados compilados pelo Ministrio de Cincia e Tecnologia42 mostram que o setor empresarial, em 2000, realizou dispndios da ordem de R$ 4,4 bilhes em P&D. No mesmo ano, o governo realizou gastos da ordem de R$ 7 bilhes, sendo que desse total apenas R$ 8 milhes (menos de 1%) foram dirigidos diretamente para as empresas. Embora esses valores estejam subestimados e no registrem corretamente contribuies indiretas e incentivos fiscais a P&D, eles ainda assim so baixos e sugerem que a articulao e a cooperao entre os agentes do processo de inovao so reduzidas.

    Em 2001, realizou-se a Conferncia Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao, com o objetivo de discutir as diretrizes de uma poltica de longo

    42 MCT, 2002, idem.

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    prazo e pr em curso um projeto de desenvolvimento em C&T. Nesse contexto, a inovao passou a ser foco importante das polticas nessa rea43. Em 2002, uma nova legislao foi enviada ao Congresso, com vistas a flexibilizar as relaes entre o setor pblico e o privado, a capacidade gerencial das instituies de pesquisa e a relao entre pesquisadores e essas instituies44.

    O anncio pelo Governo Federal da Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior (PITCE) em 2004 foi extremamente positivo. Seja porque dotou o Pas de diretrizes ausentes h mais de 25 anos, centradas na Inovao Tecnolgica, seja porque recusou presses para a definio de polticas com perfil antiquado, baseadas em subsdios, protecionismo e enclausuramento econmico. Tentativas houve, fato. Dentro e fora dos rgos pblicos. Mas a PITCE rejeitou uma postura de forte intervencionismo estatal e orientou o esforo do Pas para se capacitar em reas portadoras de futuro. E, o fez sem a arrogncia que costuma atribuir ao Estado a condio de ser o nico ente social capaz de conceber a poltica, decidir prioridades e alocao de investimentos. Dessa forma, a PITCE foi armada para identificar novas oportunidades para superar os velhos obstculos que comprometem o desenvolvimento, em cooperao com o setor privado, a comear pela nfase na capacitao para a tecnologia e inovao. Foi um passo, ainda que pequeno, em direo a um novo tempo.

    A definio da PITCE, em 2004, desenvolveu pressupostos referentes inovao assentados pela Conferncia Nacional de C&T, em 2001, que haviam sido constrangidos em seu desenvolvimento pela conduo da poltica econmica ento vigente. Por motivos diversos, em 2004, a PITCE, diferentemente, encontrou suporte no Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, coordenador da Cmara de Poltica Econmica, rgo que comandou a elaborao e definio da poltica industrial do Governo Lula.

    Por essa trajetria, podemos afirmar que nos ltimos anos o Brasil avanou na construo de uma poltica de inovao. A constituio do MCT, dos Fundos Setoriais e a definio da PITCE aumentaram a solidez das diretrizes do Estado e deram relativa estabilidade aos sistemas de financiamento, criando, praticamente, as condies para uma consistente mobilizao nacional, capaz de envolver empresrios e empresas, universidades, centros e pesquisadores e rgos e planejadores do Governo.

    Essa mobilizao, se quiser avanar, dever enfrentar os desafios colocados para transformar profundamente a estrutura produtiva brasileira, que dever se abrir para acolher novas empresas e empreendedores em reas inovadoras e de maior densidade tecnolgica.

    43 MCT, 2002, idem. 44 Lei 10.973, de 02 de dezembro de 2004 (Lei da Inovao Tecnolgica).

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    Polticas Nacionais de Inovao

    Para dar seqncia a essa estratgia, a PITCE dever concentrar esforos para a criao de novas competncias empresariais.

    Nesse sentido, a opo pela inovao deve ser ampla, global e irrestrita. Evidentemente, essa opo no significa excluir da agenda de C&T a articulao com os programas sociais, mas implica definir estratgias que permitam coordenar aes de desenvolvimento social com os objetivos de promover a inovao e o conhecimento, preservando a viso de longo prazo.

    A poltica de inovao, intensiva em conhecimento, encontra sustentao no carter transversal das atividades de C&T. Por isso mesmo, abre perspectivas de articulao com diversas reas, como a educao, sade, segurana alimentar, desenvolvimento regional e urbano e agricultura familiar, entre outras. O debate pblico certamente ajudar a (re)definir prioridades e a criar condies efetivas para o seu fomento e avaliao.

    Na construo de uma agenda de futuro, necessria para as redefinies estruturais, apresentamos o seguinte roteiro de obstculos a serem removidos:

    1. No Brasil, o nmero de empresas inovadoras ainda baixo. Tambm so baixas as atividades privadas de P&D, que dependem, em grande parte, de suporte governamental. preciso, portanto, ampliar a mobilizao no setor empresarial com o objetivo de parir uma nova cultura e construir um ambiente favorvel inovao.

    2. Ateno especial deve ser dada reduzida capacidade de inovao da grande empresa privada de capital nacional. Dadas as opes feitas pelo Pas, a tecnologia no foi uma restrio ao nosso crescimento. Historicamente, ou importamos tecnologia ou nos apegamos a produtos e processos j maduros. Muitas vezes, trabalhamos apenas com a tecnologia embarcada em bens de capital. Note-se que nos setores intensivos em capital e recursos naturais, nos quais a mudana tecnolgica foi gradual e sem descontinuidades, o Brasil construiu uma indstria bastante competitiva. Mas essa trajetria aponta para impasses no longo prazo, uma vez que a dinmica desses setores exige investimentos frente da demanda e com padro internacional de escala e tecnologia. O futuro dessas empresas nacionais ainda uma incgnita, sendo o debate sobre as alternativas urgente.

    3. Situao semelhante encontramos nos setores intensivos em tecnologia, como a nano e a biotecnologia, biodiversidade e materiais avanados. A PITCE deu passos nessa direo, mas o caminho mostra-se ainda longo e o tempo est contra o Pas.

    4. No complexo eletro-eletrnico, em que pese a existncia de vrias empresas montadoras eficientes e competitivas, o Pas quase no produz semi-condutores, nem avanou em reas mais dedicadas. O

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    setor de software, apesar do apoio recebido e das oportunidades identificadas, ainda no foi capaz de se organizar para garantir recursos humanos qualificados (matemticos, analistas, engenheiros) e crescer aceleradamente.

    5. No setor de Tecnologia da Informao, as pequenas e mdias empresas (PMEs), embora possam servir de base para a expanso do setor, ainda no desabrocharam. Apesar disso, elas devem continuar sendo alvo das polticas de inovao, pois o desenvolvimento do mercado de capital de risco pode levar ao seu florescimento.

    6. Quanto oferta de tecnologias e conhecimento (universidades e centros de pesquisa), o maior obstculo continua sendo institucional. A falta de autonomia para resolver problemas de administrao de pessoal (carreira, salrios), a ausncia de investimentos em infra-estrutura, os entraves para a cooperao e a maneira de se olhar a pesquisa, distanciada da sua transformao em inovaes para o mercado, so obstculos a ser superados.

    7. A consolidao de um sistema de incentivos para a produo tecnolgica de qualidade imprescindvel. Para tanto, no curto prazo, preciso trabalhar urgentemente na eliminao de sobreposio de funes e de polticas em rgos de governo; na melhoria da articulao institucional (entre, por exemplo, o INPI e ANVISA); e na definio de polticas claras para a propriedade intelectual, no sentido de fomentar a absoro de tecnologias por empresas e rgos nacionais de pesquisa.

    Todos sabemos que os sete obstculos enunciados so de difcil remoo. Mas possvel avanar no estabelecimento de prioridades para a sua superao. Nesse sentido, apresentamos abaixo algumas recomendaes:

    Primeiro: desenvolver no interior da PITCE um programa de fomento para inovaes empresariais em tecnologias de alto impacto econmico e social.

    Segundo: repensar e readequar os instrumentos de fomento, de financiamento e de incentivos fiscais para torn-los mais eficientes no estmulo inovao empresarial; em especial, compatibilizando a legislao de incentivos fiscais e integrando sua gesto (entre setores e nos trs nveis federativos).

    Terceiro: elaborar um programa especfico para as PMEs de fomento ao desenvolvimento de produtos e processos, com nfase nos setores de ponta (materiais avanados, biotecnologia).

    Quarto: criar redes virtuais ou fsicas para capturar tendncias internacionais, auxiliar as empresas na pesquisa e desenvolvimento e

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    estimular processos de interao entre agentes do Sistema Nacional de Inovao.

    Quinto: ampliar os incentivos e prmios ao empreendedorismo de professores universitrios e pesquisadores no mbito das instituies de ensino e pesquisa.

    Sexto: construir um sistema nacional de crdito e financiamento para todas as modalidades de C&T&I, articulado com o BNDES, Finep e Fundos Setoriais.

    Para onde ir?

    Este primeiro captulo procurou mostrar a centralidade das polticas de inovao e conhecimento para a discusso sobre desenvolvimento e competitividade. Na maioria dos pases, o conhecimento vem ganhando espao na discusso das polticas pblicas e na definio de prioridades nacionais como elemento definidor do crescimento e da capacidade competitiva dos pases.

    No caso brasileiro, em razo da necessidade de retomada do desenvolvimento de forma sustentvel, urgente prosseguir e aprofundar a PITCE, em especial no que se refere aos incentivos construo de um ambiente favorvel inovao e ao conhecimento no Pas.

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    Captulo 2: Competitividade, Inovao e Internacionalizao45

    Mas afinal, por que a preocupao com as empresas? Mais ainda, por que a preocupao com as empresas que inovam? E que exportam? Ou que buscam informaes no exterior para inovar? As razes que nos movem, como sempre, so de vrias ordens. Para efeitos deste trabalho, porm, queremos capturar algumas alteraes de qualidade no comportamento das empresas brasileiras que, acreditamos, vm se desenvolvendo de modo especial ao longo dos ltimos vinte anos.

    Nesse sentido, buscamos respostas para quatro perguntas sobre o investimento estrangeiro das firmas industriais brasileiras: (i) Qual a relao entre inovao e exportao? (ii) Ser que a busca de informaes no exterior ajuda a melhorar o desempenho das indstrias? (iii) Ser que investimentos no exterior podem gerar empregos em outros pases em detrimento dos empregos no Brasil? (iv) At que ponto o esforo pela inovao pode gerar aumento no desempenho exportador?

    Nosso estudo revelou que as firmas brasileiras que fazem investimentos no exterior tm capacidade de criar postos de trabalho de melhor qualidade e tm maior potencial de crescimento e de gerao de emprego. Os resultados mostraram tambm que a inovao tecnolgica (no caso, pelo menos um produto novo para o mercado) um ativo importante para a empresa internacionalizar-se via investimento direto no exterior. O investimento no exterior, por sua vez, mostrou-se positiva e fortemente relacionado com a obteno de preo-prmio nas exportaes. Os resultados alcanados reforaram nossa convico de que a internacionalizao das empresas brasileiras contribui significativamente para melhorar os processos de inovao e diferenciao de produtos, elevando seu padro de competitividade.

    Razes da Internacionalizao das Empresas

    O que leva uma firma a tomar a deciso de produzir no exterior? O debate sobre essa questo no recente. Nem consensual. Teorias explicativas consistentes foram construdas ao longo do tempo. Para Dunning (1988, 1991,

    45 Este captulo foi baseado, parcialmente, na primeira verso do artigo: G. Arbix, J. De Negri e M. Salerno, O impacto da internacionalizao com foco na inovao tecnolgica sobre as exportaes das firmas brasileiras. Dados, vol.48, n 2, Rio de Janeiro, Iuperj, 2005b.

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    1993), que ajudou a fazer avanar de um modo mais sofisticado esse debate, em especial com seus estudos sobre a internacionalizao das firmas, a escolha das firmas entre produzir em outro pas, por meio de investimento direto, ou entre exportar para um mercado especfico, depende: (i) de seus ativos especficos46 e (ii) do grau de incerteza ao qual a empresa est submetida. Existem razes para acreditar que nas transaes internacionais as incertezas so maiores e que, portanto, so maiores os custos de transao via mercado47 quando comparados aos custos de transao intrafirma. Os riscos que as empresas correm so, portanto, maiores no mercado internacional do que no mercado domstico.

    Vrios estudos mostram que um dos motivos especialmente relevantes para uma firma tornar-se uma empresa multinacional pode ser encontrado em seus ativos intangveis48. Ou seja, conhecimento tecnolgico para produzir mais, ou melhor, por menores preos; a capacidade de diferenciar produtos; o conhecimento mercadolgico vinculado ao esforo de venda e fixao de marcas com lealdade de consumidores; o conhecimento organizacional capaz de reduzir os custos internos de transao e aumentar a capacidade de

    46 Ver O. Williamson, The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1985. 47 Sobre custos de transao, R. Coase, The nature of the firm [1937], in O. Williamson e S. Winter, The nature of the firm origins, evolution, and development. Nova York: Oxford University Press, 1991, sugere que as atividades econmicas dos indivduos so coordenadas de duas formas alternativas: espontaneamente, por meio de preos via mercado, ou planejado, via hierarquia. Do lado de fora da firma, o movimento dos preos dirige a alocao de recursos na produo, cabendo ao mercado a funo de coordenao das trocas interfirmas. Dentro da firma, essas transaes so eliminadas e a funo coordenadora do mercado substituda pelo empresrio que dirige a produo e as transaes intrafirma. O limite entre a firma e o mercado encontrado onde os custos marginais de cada modo de transao so igualados. A firma tenderia a expandir at o ponto em que o custo marginal de organizar a transao dentro da firma torna-se igual ao custo marginal de uma troca aberta no mercado ou os custos de organizar uma outra firma. Esse equilbrio explica o tamanho da firma. De acordo com O. Williamson, 1985, idem, a firma surge quando o mercado falha. O mercado imperfeito em organizar as transaes porque os agentes econmicos revelam informaes de maneira seletiva e distorcida. As imperfeies de mercado so causadas pelo comportamento dos indivduos os quais, na busca de seus interesses prprios, esto sujeitos a racionalidade limitada e oportunismo. 48 O core business ou core competence das firmas representa um ativo intangvel acumulado pela firma e que possui capacidade de gerao de renda futura atravs da diversificao. A diversificao da firma uma forma de preveno da empresa s restries da demanda futura. O elemento central desta anlise do processo de diversificao das firmas, o argumento de E. Penrose, Teoria del crescimiento de la empresa. Madri: Aguillar, 1956, sobre a base de produo ou rea de especializao. A firma pode atuar em vrios mercados em vrios pases tendo uma nica base de produo. Cada atividade produtiva emprega mquinas, equipamentos, processos, conhecimentos e matrias primas; esses elementos so a chamada base produtiva da firma. A firma possui, entretanto, diversas possibilidades de diversificao e pode escolher a mais lucrativa de acordo com o montante de recursos comprometidos com a diversificao. A firma pode, com sua base produtiva, optar por produzir no mercado externo, tornando-se uma firma multinacional em vez de diversificar no seu prprio mercado nacional, ou seja, fazer a diversificao dentro de uma mesma rea de especializao da firma atravs da entrada em novos mercados nacionais, com novos produtos, empregando a mesma base de produo; ou ento fazer a expanso dentro de um mesmo mercado nacional com novos produtos baseados em outras tecnologias; ou entrar em novos mercados nacionais com novos produtos baseados em tecnologias diferentes.

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    gerenciamento e melhorar a tomada de decises. Esses fatores esto entre os ativos que mais informam as escolhas empresariais crticas. H outros motivos que tambm podem explicar a internacionalizao de uma empresa, como escala de produo e de distribuio que, muitas vezes, induzem as firmas a se expandirem geograficamente em direo s fontes de matria prima.

    Para este trabalho, suficiente anotar que uma empresa dificilmente se internacionaliza sem ser uma empresa lder no seu pas de origem, acumulando ativos tangveis e intangveis de modo a enfrentar elevados custos de transao gerados pelo mercado internacional. Essa acumulao de ativos est relacionada diretamente acumulao global da firma que determinado, por sua vez, por suas estratgias competitivas. Como essas empresas, em geral, surgem nas reas em que o processo de diferenciao de produto a principal forma de competio, as firmas multinacionais, como regra, so mais diversificadas que as firmas uninacionais, enraizadas em pases hospedeiros do investimento externo direto.

    As firmas multinacionais, portanto, possuem caractersticas qualitativamente distintas dos seus competidores uninacionais. Caractersticas que esto na origem das vantagens que possuem diante das firmas domsticas no processo de competio. De acordo com Dunning49, conhecer essas vantagens permite conhecer os elementos determinantes da maior competitividade das firmas multinacionais.

    Inspirado nessas consideraes, nosso estudo procurou no caso brasileiro localizar os elos de ligao entre a inovao tecnolgica, a internacionalizao das firmas industriais e a obteno de um preo-prmio nas exportaes, trs componentes capazes de alterar a dinmica de uma empresa. As conexes encontradas tornaram-se mais significantes medida que a pesquisa revelou que a inovao tecnolgica gera ativos especficos que possibilitam e pressionam a internacionalizao da firma. Esse movimento de internacionalizao, por sua vez, contribui positivamente para a firma obter um preo-prmio nas suas exportaes. O que viabiliza outro mecanismo de retroalimentao, que vai da internacionalizao inovao e, com esta, permite a obteno de preo-prmio em relao aos demais exportadores.

    Esse mecanismo foi desvendado e identificado empiricamente pelas pesquisas conduzidas pelo IPEA, que deram sustentao nossa anlise dos determinantes das exportaes brasileiras e das caractersticas da internacionalizao se analisada pelo vis da inovao tecnolgica.

    Foram vrios os estudos sobre os determinantes das exportaes brasileiras que se voltaram para estimar os custos dos recursos domsticos, que procuram medir as vantagens comparativas de um pas a partir das teorias

    49 J. Dunning, The globalization of bu