Inserção Social e No Mercado Formal de Trabalho Um Estudo Realizado Com Portadores de Deficiência Em Cabo Verde – África

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    pelo partido que liderou a luta pela libertao do pas. Atualmente, o pas tenta consolidar oregime democrtico, atravs de uma repblica parlamentar, tendo realizado abertura poltica eeconmica, alm de buscar no capital estrangeiro um aliado para seu desenvolvimento. um

    pas de clima desrtico com carncia de recursos naturais, sendo muito dependente de

    importaes. Segundo dados do Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil (2005), mais de50% da populao caboverdiana emigra para os pases da Europa e para o continenteamericano em busca de melhores condies de vida, contudo, continuam encaminhando seusrecursos para o pas de origem. O turismo uma das principais apostas de investimentorealizadas no pas, devido a beleza e diversidade das dez ilhas que compem o pas. Segundodados do Censo 2000, a populao do pas possui aproximadamente 450.000 habitantes, amaioria de origem africana; a populao de PPDs de 13.948 pessoas, o que representa 3,2%de pessoas com pelo menos alguma incapacidade de andar, ouvir ou enxergar, deficientesmentais, paraplgicos, falta de membro ou parte dele (INSTITUTO NACIONAL DEESTATSTICA, 2005). No existem no pas leis que obriguem a contratao de PPDs por

    parte das empresas ou entidades pblicas, apenas incentivos s empresas atravs da reduo

    nos encargos relativos a impostos sobre o rendimento (CABO VERDE, 2001).

    No mundo, de uma forma geral, a questo da insero de PPDs nunca foi uma preocupaomais sistematizada do mercado de trabalho, apesar de Ford (1925) ter mandado classificar asoperao da fbrica segundo a espcie de mquina e trabalho, levando em considerao oesforo fsico necessrio; as condies de trabalho e os requisitos para o desempenho datarefa (utilizao de uma ou duas mos, trabalho em p ou sentado, nvel de rudo,luminosidade etc.). Somente aps a Segunda Guerra Mundial o direito ao trabalho da PPD foilegalizado, em funo dos ex-combatentes que voltavam mutilados da guerra, sendo essedireito estendido s demais PPDs. No sculo XX, foram criadas, no mundo inteiro,instituies especializadas no atendimento das deficincias e implantados programas dereabilitao. Organizaes intergovernamentais, como a ONU (Organizao das NaesUnidas); OMS (Organizao Mundial da Sade), UNESCO (Organizao das Naes Unidas

    para a Educao, a Cincia e a Cultura) e OIT (Organizao Internacional do Trabalho),passaram a apoiar a equiparao de oportunidades para as PPDs e a criar um intercmbio deconhecimentos sobre a deficincia.

    Segundo Goss; Goss e Adam-Smith (2000), desde a dcada de 1940 a Europa tem adotado oesquema de cotas de emprego para ex-combatentes, aplicvel a outras PPDs, como uma formade caridade social. Segundo esses autores, sob essa viso de caridade esto duas poderosasideologias: o modelo mdico e o modelo da tragdia, ambos dando forte nfase

    perspectiva profissional e legislao para a comunidade. O modelo mdico define adeficincia como um atributo individual, resultado de uma patologia, e que necessita de umainterveno profissional para sua retificao. O modelo da tragdia, baseado no sensocomum, complementar ao modelo mdico e defende a existncia de instituies quecuidem das PPDs e incentivam a difuso de donativos como uma forma de caridade para essasinstituies. Ambas perspectivas sobre as PPDs esto calcadas na premissa de que as PPDsno so capazes de cuidar de si mesmas ou fazer escolhas para suas prprias vidas, alm deenfatizar uma percepo negativa das PPDs se comparadas s pessoas no portadoras dedeficincia.

    Ainda segundo Goss; Goss e Adam-Smith (2000), a partir das dcadas de 1960 e 1970 a

    dominncia dos modelos ideolgicos mdico e da tragdia tem sido questionada pelosmovimentos sociais, notadamente nos Estados Unidos, onde o movimento pelos direitoshumanos e civis foi fortemente defendido. Esse questionamento, fruto de um movimento da

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    sociedade, dos grupos minoritrios e das prprias PPDs, contriburam para o surgimento deuma nova perspectiva ideolgica em relao s PPDs, o modelo social, que tem uma fortenfase nos direitos civis e na iniciativa individual. Segundo Batavia e Schriner (2001) o The

    Americans with Disabilities Act, regulamentao dos direitos das PPDs nos Estados Unidos,

    baseia-se nos direitos civis de grupos minoritrios e no modelo de vida independente e buscaa eliminao da discriminao das PPDs, colocando como centro de sua ao legal aeliminao das discriminaes sociais e das desvantagens sentidas pelas PPDs.

    Na atualidade, os estudos sobre a insero de PPDs se posicionam, de forma explcita ouimplcita, sob a gide de dois paradigmas polticos internacionais dominantes sobre adeficincia. Um paradigma, derivado dos Estados Unidos, Canad, Dinamarca, NovaZelndia, Sucia e Finlndia, que tem por foco fortes medidas antidiscriminao com nfasenos direitos civis e no modelo de vida independente por parte da PPD (BATAVIA eSCHRINER, 2001; GOSS; GOSS e ADAM-SMITH, 2000); e outro, proveniente dos demais

    pases europeus, que se origina e depende substancialmente de cotas compulsrias de

    emprego e numa extensiva ao do Estado (GOSS; GOSS e ADAM-SMITH, 2000). CaboVerde tem se alinhado aos pases europeus buscando a arbitragem do Estado para as questesda insero de PPDs.

    As pesquisas tanto nacionais quanto internacionais revelam as dificuldades que as PPDs tmpara ingressar, se manter e crescer dentro das empresas (LEWIS e ALLEE, 1992); a falta depreparo do mundo industrial para absorver PPDs devido s adaptaes de postos de trabalhoque precisariam ser feitas em algumas delas (SILVA, 1993); a necessidade de se repensar as

    prticas de Recrutamento e Seleo por parte das empresas (FREITAS; MARQUES eSCHERER, 2004); a maior chance de se contratar PPDs por parte de grandes empresas quetenham profissionais de Recursos Humanos (GOSS; GOSS E ADAM-SMITH, 2000); e ascontradies por parte das empresas ao contratar PPD que vo desce a segregao,contratando essas pessoas por grupos e categorias, em trabalhos considerados inferiorizados,mantendo atitudes de discriminao, at atitudes de insero que reconhecem o desempenhoda PPD e a necessidade de a empresa se adequar s necessidades diferenciadas das pessoas(BATISTA, 2004).

    Por outro lado, pesquisas mostram que o trabalho, associado a um emprego (mercado formal),desempenha um papel importante para os grupos historicamente marginalizados, tais como asPPDs, diminuindo as taxas de pobreza, propiciando a diminuio do isolamento social,aumentando sua participao poltica (SCHUR, 2002); aumentando sua auto-estima

    (OLIVEIRA, 1993); fazendo-os se sentirem cidados completos independente de suaslimitaes fsicas (MARTINS, 1996) e sendo uma dimenso interdependente da percepoque as PPDs tm de si mesmas e da prpria vida (FREITAS; MARQUES e SCHERER,2004).

    A presente pesquisa teve como objetivo contribuir para ampliar o conhecimento sobre arealidade das PPDs em Cabo Verde, atravs da verificao da percepo das PPDs quanto ssuas possibilidades e dificuldades de insero social e no mercado formal de trabalho.

    O texto est organizado em quatro partes, alm dessa introduo: o referencial terico adotadona pesquisa; a metodologia; a anlise de dados e consideraes finais.

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    1 Referencial Terico

    Para entender como ocorre a insero das PPDs necessrio partir do pressuposto de que elasso pessoas que se diferenciam da populao em geral quer seja pela incapacidade gerada peladeficincia, quer seja pela desvantagem social decorrente da ausncia de condies que

    possibilitem a independncia e a autonomia delas. Nesse sentido, necessrio verificar aquesto da insero dentro de uma sociedade pautada pelas diferenas.

    Bourdieu (1996) criou uma nova construo terica, tambm denominada como filosofia daao, e alguns conceitos fundamentais como habitus, campo e capital que funcionamcomo princpios para uma leitura relacional e tambm geradora, isto , capaz de ajudar os

    pesquisadores a definirem os princpios fundamentais de diferenciao que tornam asdiferenas significativas, distintivas, nos espaos sociais. Tendo como ponto central a relao

    entre as estruturas objetivas (campo social) e as estruturas incorporadas (habitus), contempla aproblemtica da mediao entre sujeito e objeto e articula objetividade e subjetividadebuscando dar conta da compreenso e explicitao da prtica.

    Esse autor entende o espao social ou campo como uma rede de relaes objetivas entreposies. Cada posio s podendo ser definida por sua relao objetiva com outras posies,isto , s podendo-se apreender as caractersticas de uma posio atravs de sua relao comas demais posies daquele espao social. Todas as posies dependem de sua situao atual e

    potencial na estrutura de distribuio de poder (tipo e volume de capital), cuja possedetermina a obteno de lucros especficos. O poder simblico a concretizao doreconhecimento do valor de um capital especfico que confere aos seus detentores o poder defazer ver o que no visto e de legitimar uma forma de compreender e ver o mundo. Essa

    possibilidade de imposio de uma determinada viso de mundo depende da posio ocupadapor seu detentor e da posse maior ou menor dos capitais valorizados em determinado campo -poder simblico (BOURDIEU, 1996, 1998).

    Bourdieu e Wacquant (1992) afirmam que apesar de os diferentes campos terem seus capitaisespecficos, as sociedades atuais tm nos capitais econmico, cultural e social seus principais

    princpios de diferenciao. Por capital econmico entende-se a posse de rendas, patrimnio,bens materiais e recursos financeiros em geral. O capital cultural refere-se principalmente educao legitimada pelas instituies escolares. O capital social refere-se rede de relaes

    que possui um indivduo e que lhe d possibilidades diferenciadas em seu espao social. Aconcentrao desses diversos tipos de capital transformam-se em poder simblico e confereprestgio ao seu detentor.

    Retomando as diversas concepes de deficincia ao longo da histria verifica-se que adeficincia, desde a antigidade, sempre foi vista como uma temtica marcada pelacontradio excluso versus incluso. Somente aps a Segunda Guerra Mundial o direito aotrabalho por parte das PPDs foi legitimado e ostatus dessas pessoas comeou a se modificar.Essa mudana ocorreu em funo dos ex-combatentes que, mutilados pela guerra, passaram afazer parte da categoria de portadores de deficincia. Como esses ex-combatentes detinhamum capital social e cultural diferenciado e representavam os esforos de luta de um pas, eles

    tinham as condies necessrias para fazer ver a deficincia como desvantagem social. Almdisso, os pases europeus estavam em uma situao precria e precisavam de homens para omercado de trabalho. Essas situaes combinadas propiciaram o incio das mudanas em

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    relao s PPDs. Esse recorte de um fragmento da histria das PPDs bastante emblemticono sentido de mostrar que as mudanas s comearam a serem possveis quando um novo tipode indivduo passou a fazer parte da categoria dos portadores de deficincia, o que implica nanecessidade de contemplar a posio das PPDs em uma determinada sociedade, isto , a posse

    diferenciada, por parte dessas pessoas, dos capitais econmico, cultural e social para entenderseu poder de barganha.

    Alm disso, preciso considerar que as PPDs ocupam uma posio diferenciada na estruturasocial que, conforme Goffman (1982), fruto da histria e das estratgias desse grupo etambm das contingncias que essas pessoas encontram na interao face-a-face (p. 137). A

    posse de uma deficincia entendida como um atributo depreciativo em relao pessoa queo possui. Esse atributo recebe um valor negativo (estigma) no seio das relaes sociais pois asociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos consideradoscomo comuns e naturais (p. 11) para uma determinada categoria social.

    Assim, o estigma considerado um critrio de diferenciao utilizado em relao s PPDs.Esse processo de estigmatizao envolve um duplo movimento: uma atribuio por parte dasociedade de um valor depreciativo para as PPDs e uma legitimao maior ou menor por partedessas pessoas das caractersticas que lhe so atribudas. O resultado desse duplo movimento,de atribuio e de legitimao, orientar ou constranger as percepes que as PPDs tm arespeito de si mesmas, de sua aceitao social e de suas possibilidades.

    A partir dessas perspectivas, a proposta da pesquisa verificar qual a percepo das PPDsde Cabo Verde quanto s suas possibilidades de insero social e no mercado formal detrabalho, levando-se em considerao o posicionamento dessas pessoas quanto a posse doscapitais econmico, cultural e social; e as dificuldades e facilidades que sentem emdecorrncia do estigma social em relao deficincia.

    2 Mtodo de pesquisa utilizado

    A pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas:

    contextualizao histrica e cultural do pas; reviso da literatura, aprofundamento do referencial terico e adequao semntica dos

    instrumentos de pesquisa; aplicao do questionrio amostra de PPDs; e realizao de entrevistas com profissionais de Recursos Humanos de 4 empresas

    caboverdianas: uma instituio pblica, uma empresa de telecomunicaes, uma empresade transporte areo e uma empresa porturia. Alm disso, foi entrevistado o presidente deuma associao de portadores de deficincia da Ilha de So Vicente.

    Em todas as etapas da pesquisa a presena dos bolsistas de pesquisa oriundos de Cabo Verdefoi fundamental para a consecuo da investigao.

    O questionrio utilizado foi uma adaptao feita a partir de uma pesquisa realizada no Brasil(FREITAS, MARQUES e SCHERER, 2004). Contudo, precisou sofrer modificaes como:

    redao de algumas questes, moeda do pas para definio da renda familiar e nomeaoadequada dos nveis educacionais, para se adequar realidade do pas em que seria aplicado.

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    O questionrio definitivo foi composto por questes fechadas, com a utilizao da escalaLikert para medio, considerando-se uma variao de 1 (discorda totalmente) a 5 (concordatotalmente). A opo pelo questionrio se deveu escolha prvia dos fatores discriminantesrealizada a partir do referencial terico utilizado, levando-se em conta os princpios de

    diferenciao propostos por Bourdieu (1996, 1998) e os estigmas atribudos e assumidos pelasPPDs conforme Goffman (1982).

    A pesquisa foi realizada, no ano de 2004, em trs das dez ilhas do pas, a saber: Ilha do Sal,Ilha de So Vicente e Ilha de Santo Anto. Essas trs ilhas possuem conjuntamente uma

    populao de 121.962 habitantes, sendo 4.814 PPDs o que representa 3,95% de portadores dedeficincia. Uma amostra aleatria de cerca de 60 pessoas seria suficiente, contudo, emfuno da dificuldade de se compor uma amostra aleatria, optou-se por trabalhar com umaamostra de convenincia. O critrio adotado foi a possibilidade de acesso s PPDs. Osquestionrios foram respondidos por 67 PPDs com idade superior a 16 anos, as quaisconstituram a amostra pesquisada.

    Os dados coletados, atravs do questionrio, foram analisados com o suporte do programaestatstico SPSS. Foram realizadas anlise descritiva dos dados e a anlise fatorial, posto quese buscava identificar os fatores que explicassem a percepo das PPDs quanto s suas

    possibilidades e dificuldades de insero social e no mercado formal de trabalho. Otratamento preliminar dos dados resultou na excluso das questes para as quais foiidentificada ocorrncia de missing values superior a 30% do total de respostas. O ndice deKaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,682) e o teste de esfericidade de Bartlett (significativo a p