Insólito, alegoria e sociedade em José J. Veiga

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  • 7/24/2019 Inslito, alegoria e sociedade em Jos J. Veiga

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    UNIVERSIDADE DE TAUBATRODOLFO JOS ALVES DE MELLO

    INSLITO, ALEGORIA E SOCIEDADE EM J. J. VEIGA

    Taubat - SP2013

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    RODOLFO JOS ALVES DE MELLO

    INSLITO, ALEGORIA E SOCIEDADE EM J. J. VEIGA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentadocomo exigncia parcial para a obteno do t!tulode "specialista do curso de #iteratura da$ni%ersidade de Taubat& sob a orientao dapro'essora Thais Tra%assos(

    Taubat - SP2013

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    RODOLFO JOS ALVES DE MELLO

    INSLITO, ALEGORIA E SOCIEDADE EM J. J. VEIGA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentadocomo exigncia parcial para a obteno do t!tulode "specialista do curso de #iteratura da$ni%ersidade de Taubat& sob a orientao dapro'essora Thais Tra%assos(

    )pro%ado em

    *rientador+

    RESUMO

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    * escritor goiano ,os ,( eiga escre%eu cator.e li%ros ao longo de sua carreira& /ue

    renderam ao autor di%ersos rtulos& na busca de uma categori.ao de sua obra( este

    trabalho& para alm do deseo de encontrar uma %ertente literria /ue contenha o autor&

    nosso intuito promo%er uma anlise dos elementos inslitos e alegricos presentes noconto 4) usina atrs do morro5& publicado na colet6nea de estreia do autor Os Cavalinhos

    de Platiplanto( Pautados nesses elementos& promo%emos uma leitura do conto 7 lu. das

    proposi8es de )nt9nio Candido e :alter ;enamin& em seus trabalhos 4#iteratura e

    Subdesen%ol%imento5 e 4Sobre o Conceito de

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    The ;ra.ilian escitor ,os ,( eiga =rote o%er a do.en boo>s& =hich earned the author

    se%eral labels in search o' a categori.ation o' his boo>s( ?n this =or>& be@ond the desire to

    'ind a literar@ strand containing the author& our goal is to promote an anal@sis o' unusual

    gi'ts and allegorical elements in the stor@ AThe plant behind the hill&A published in the

    collection o' the authorBs debut Ca%alinhos o' Platiplanto ( uided these elements& =e

    promote a reading o' the stor@ in the light o' the propositions o' )ntonio Candido and

    :alter ;enamin& in the@rs =or>s A#iterature and $nderde%elopmentA and A*n the Concept

    o'

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    INTRODU()O.........................................................................................................................................

    ALGUMAS FACES DE J. J. VEIGA......................................................................................................

    O INSLITO E SUAS ADJAC*NCIAS...............................................................................................

    CONSIDERA(+ES SOBRE A USINA ATR'S DO MORRO......................................................

    UMA LEITURA ALEGRICA.............................................................................................................

    A CONSCI*NCIA DO SUBDESENVOLVIMENTO E A ISTRIA A CONTRAPELO.... .... ... ..

    CONCLUS)O.........................................................................................................................................

    REFER*NCIAS......................................................................................................................................

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    "scre%o para conhecer melhor omundo e as pessoas( Duem prestarateno %er /ue os meus li%rosso indagati%os& no explicati%os(?sso 'a. deles um ogo ou umbrin/uedo entre autor e leitorEambos indagando& untos ou no&e descobrindo F ou no( *s meustextos so um exerc!cio& ou umaa%entura& ou um passeiointelectual( "les no 4acabam5 nosentido tradicional& e nesse noacabar /ue entra a colaboraodo leitor( Gais tarde encontreiesta 'rase num li%ro de ,ulienrac/+ 4"scre%o para saber o /ue%ou encontrar5( Hi/uei 'eli.(

    ,( ,( "?)& 1IIJ

    INTRODU()O

    * escritor goiano ,os ,( eiga1 K1I1L F 1IIIM iniciou sua carreira de escritor

    tardiamente& aos NN anos& com a publicao da colet6nea de contos Os Cavalinhos de

    Platiplanto& no ano de 1ILI& recebido com algum entusiasmo pela cr!tica e ganhador do

    prmio Habio Prado& concedido no Oio de ,aneiro a escritores estreantes( Publicou mais

    tre.e t!tulos& dentre os /uais se destacam os romances A hora dos ruminantes K1IJM e

    Sombras de Reis BarbudosK1IJ2M( Sua Qltima publicao 'oi a colet6nea de contos Objetos

    Turbulentos& em 1IIJ& muito bem recebida pela cr!tica(

    Resde sua estreia& eiga chamou a ateno pela atmos'era de seus textos& permeados

    por enredos em /ue 'atos extra%agantes con%i%em com situa8es cotidianas do uni%erso

    rural brasileiro& apresentando& com uma linguagem concisa& as rela8es humanas

    estabelecidas nesses cenrios& geralmente a partir da perspecti%a do olhar in'antil ouu%enil( "ssas marcas de estilo& incomuns para a poca& 'i.eram com /ue os cr!ticos

    apressassem-se em encontrar um rtulo para o autor& /ue 'oi chamado de escritor

    'antstico& gtico& regionalista& distpico& representante do realismo mara%ilhoso& entre

    1,( de ,acinto& /ue no pertence ao nome de batismo do autor& mas /ue ele inseriu para con'erir e/uil!brio aonome( K)GC?*& 1I2& p( 3M

    J

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    outras categori.a8es as /uais& in%aria%elmente& acabam por negar a pluralidade de sua obra

    /ue& ao abarcar todos os elementos citados e apresentar outros tantos& no cabe em um

    rtulo /ue de alguma maneira a limite(

    este artigo& interessados nos recursos estticos de /ue lana mo o autor para

    construir suas narrati%as& estudaremos alguns elementos constituintes do conto 4) usina

    atrs do morro5& segundo da colet6nea OsCavalinhos de Platiplanto& de modo a %eri'icar a

    'uno /ue cumprem os elementos inslitos presentes na narrati%a e propor uma

    interpretao do conto tomando-o como uma representao alegrica das rela8es entre os

    grupos sociais nele apresentados( ;uscamos& assim& e%idenciar& na narrati%a em /uesto& a

    presena da 4conscincia do subdesen%ol%imento5 aludida por )nt9nio Candido em seu

    ensaio 4#iteratura e Subdesen%ol%imento5 K1IIM bem como a escrita da 4

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    eiga nasceu em Corumb& no interior de ois& em 1I1L2( Passada a in'6ncia na

    cidade.inha do interior F o censo de 1IN0 registra%a uma populao por %olta de mil

    habitantes no munic!pio K)G)C?*& 1I2+ p( 3M F o autor mudou-se para a capital do

    estado para dar continuidade aos estudos e& aos %inte anos& mudou-se para o Oio de ,aneiro&

    onde cursou a Haculdade acional de Rireito& ao mesmo tempo em /ue trabalha%a como

    locutor na Odio uanabara( Hormou-se 1IN3& mas no chegou e exercer a pro'isso+ em

    1INL partiu para a ?nglaterra trabalhar na rdio ;;C de #ondres& retornando ao ;rasil em

    1IL0 para trabalhar como redator da re%ista Selees do Readers& cargo /ue ocupou por 20

    anos( "ssa rpida biogra'ia auxilia-nos a compreender alguns aspectos relati%os 7 sua obra e

    7 cr!tica produ.ida a seu respeito(

    Guitas das histrias do autor tm como cenrio uma paisagem rural& reminiscncias

    da %ida no interior de ois( "sse aspecto 'a. com /ue o autor sea 're/uentemente inseridono grupo de autores regionalistas( )ssis ;rasil& por exemplo& a'irma a seu respeito+

    ,os ,( eiga no situa 4no mapa5 Kcomo se re'ere num de seuscontosM as suas narrati%as& mas temos um escritor brasileiro& pelasexpress8es /ue usa& pelos costumes /ue apresenta& e o mara%ilhoso e'antstico de seus trabalhos so apenas o pano de 'undo de seus trabalhos&/ue tm a sua cor local caracter!stica( K;O)S?#& 1IJL+ p( NLM

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    Percebemos a reiterada re'erncia 7 presena do elemento 'antstico na obra do

    autor F discutiremos 7 'rente por/ue pre'erimos o termo inslito para o conto em anlise F o

    /ue usti'ica o 'ato de o autor ser considerado um dos precursores da literatura 'antstica no

    ;rasil e 'iliado ao grupo de autores latino-americanos representantes do Oealismo

    Gara%ilhoso( Y recorrente a apresentao de situa8es extra%agantes na obra de eigaE

    estas& entretanto& no se con'iguram como matria Qnica em sua produo( Gesmo seu li%ro

    de estreia& considerado por Se@mour Genton representante do Oealismo Ggico #atino-

    americano apresenta contos sem nenhuma intromisso 7 cadeia natural das a8es& como 4)

    ilha dos gatos pingados5& 4Pro'essor Pul/urio5 e 4"ntre ?rmos5( eiga& alis& a'irma%a

    se/uer ter conhecimento da literatura hispano-americana /uando da publicao de seu

    primeiro li%ro e /ue tem em Va'>a uma de suas in'luncias F o /ue se nota nas rela8es de

    opresso entre personagens e no clima in/uietante de 4) usina atrs do morro5 F comolemos em entre%ista por ele concedida+

    C%/01r2% c!r3a 1/0l45/c1a &! "a03a, c46a &!sc%7!r3a acarr!3%442 a7al% !2 21/as c%/c!89:!s. Os %43r%s 8%&!2 3!r 1/0l4!/c1a&%.A01/al, 34&% 1/0l45/c1a, a3; % C;2. ?4a/3% a%s 1s8a/%-a2!r1ca/%s /@% ac% 4! s!r1a2 42a2 1/0l45/c1a, a8!/as /@% %s c%/!c1 a 3!28% &! s!r 1/0l4!/c1a&% 8%r!l!s !2 2!4s 8r12!1r%s l1vr%s. apudSOUA, H 8.

    O43r% as8!c3% r!c%rr!/3! /a crK31ca %7ra v!1=41a/a ; a r!0!r5/c1a a%

    c%/3!3% s

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    de opresso+ se 'osse& os li%ros 'icariam datados /uando o regime seexaurisse& como se exauriu Kalis& durou mais do /ue eu calcula%aM( * meuproeto era mostrar situa8es mais pro'undas do /ue a/uelas impostas porum go%erninho de uns generai.inhos cuos nomes a nao depressaes/uecer KapudS*$U)& 1II0& p( 1LNM

    Postas essas considera8es& passemos 7 discusso sobre o inslito e o alegrico /uebuscaremos em 4) usina atrs do morro5(

    O INSLITO E SUAS ADJAC*NCIAS

    Re'inir o /ue denominamos inslito neste trabalho exige /ue percorramos um bre%e

    panorama dos estudos sobre as narrati%as /ue de alguma maneira escapam a uma

    reproduo totalmente 'iel da realidade(

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    ) /uebra do pacto com a %erossimilhana ocorrida no sculo ZZ

    encontrou na produo literria da )mrica #atina& especialmente na segunda metade desse

    sculo& um pro'!cuo caminho para sua expanso( emos surgir a/ui escritores do calibre de

    ,uan Oul'o& ,ulio Cort.ar& abriel arcia Gr/ue.& ,oo uimares Oosa& s para citar

    alguns& /ue exploraram esse no%o modelo narrati%o e /ue o tornaram popular( "sse boom

    latino-americano populari.ou& tambm& express8es como Realismo &%'ico e Realismo

    &aravilhoso& /ue pretendiam encontrar semelhanas entre esses autores espalhados pelo

    continente( Reixando de lado a discusso sobre a pertinncia dessas nomenclaturas& 7s

    /uais poder!amos acrescentar outras& como Oealismo Hantstico ou Suprarrealismo&

    interessa-nos compreender as caracter!sticas consideradas uni'icadoras por alguns tericos

    presentes nessas narrati%as( ?rlemar Chiampi assim as caracteri.a+

    )o contrrio da Bpotica da incerte.aB calculada para obter oestranhamente do leitor& o realismo mara%ilhoso desaloa /ual/uer e'eitoemoti%o de cala'rio& medo ou terror sobre o e%ento inslito W ((( X *sobetos& seres ou e%entos /ue no 'antstico exigem a proeo lQdica deduas probabilidades externas e inating!%eis de explicao& so no realismomara%ilhoso destitu!dos de mistrio& no du%idosos /uanto ao uni%erso desentido a /ue pertencem( ?sto & possuem probabilidade interna& temcausalidade no prprio 6mbito da digese e no apelam& portanto& 7ati%idade de deci'ramento do leitor( KC

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    redirecionadas para a criao de um pacto 'iccional com o leitor /ue admite a presena do

    elemento /ue con'lita com sua realidade circundante& mas /ue pertence 7 diegese narrati%a(

    Postas essas considera8es& %eri'icamos /ue usti'ic%el a considerao de /ue a

    obra de ,( ,( eiga pertence 7 tradio latino-americana do Oealismo Gara%ilhosoE para

    alm da /uesto geogr'ica& temos muito das /uest8es outrora apresentadas em sua obra(

    "ntretanto& deseamos problemati.ar a presena do inslito em sua obra& de modo /ue no

    nos basta de'ini-lo& mas compreender sua ocorrncia(

    #enira Gar/ues Co%i..i K1IJM associa o inslito das narrati%as contempor6neas ao

    estado de 'ragmentao em /ue se encontra a sociedade ps-moderna( esse sentido& a

    aparente incoerncia das narrati%as apenas reprodu.em uma incoerncia imanente 7 prpria

    realidade( isto dessa maneira& o elemento metaemp!rico passa a mimeti.ar a crise /ue est

    presente na prpria sociedade& a /ual& descrita apenas com as cores da realidade& no terexibida toda a sua extenso( Sobre isso a'irma a autora+

    Crise de %alores por/ue a realidade con%encionada& seus conceitos erepresenta8es no so mais aceitos sem du%ida( Se essa realidade trans'igurada artisticamente numa irrealidade /ue a contm& e se asprodu8es art!sticas contempor6neas en'ati.am esta Qltima escamoteandoa/uela& nada mais necessrio /ue 'a.er o estudo da dosagem de ambaspara apreender a signi'icao maior do obeto analisado( KC*?UU?&1IJ& p( 2JM

    )ssim& a presena do inslito supera a discusso sem6ntica inicial e apresenta-se

    como elemento /ue comp8e uma narrati%a /ue busca capitular a essncia da realidade

    circundante( )ntes de tirar da obra seu cunho realista& ele auda a real-lo aos olhos do

    leitor( ossa a'irmao 'a. eco 7 opinio de Theodor )dorno& para /uem

    W(((X /uanto mais densa e cerradamente se 'echa a super'!cie do processosocial da %ida& tanto mais hermeticamente esta encobre a essncia comoum %u( Se o romance (uiser permanecer )iel " sua herana realista e

    di*er como realmente as coisas s!o+ ent!o ele precisa renunciar a umrealismo (ue+ na medida em (ue reprodu* a )achada+ apenas a au,ilia na

    produ!o do en'odo(K)R*O*& 2003+ p(( LJ & gri'o do autorM

    Y a partir da perspecti%a de /ue o inslito naturali.ado 7 narrati%a do cotidiano

    apresenta essa possibilidade de des%elamento do real /ue abordaremos o conto de ,( ,(

    eiga(

    13

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    CONSIDERA(+ES SOBRE A USINA ATR'S DO MORRO

    ) colet6nea de /ue 'a. parte a narrati%a obeto desse estudo contm do.e contos( Re

    temtica %ariada& alguns elementos so recorrentes entre eles( )penas o Qltimo& 4)

    espingarda do rei da S!ria5& narrado em terceira pessoa e h apenas um F 4"ntre irmos5

    F em /ue o cenrio no rural( Temos& portanto& narrati%as ambientadas em pe/uenas

    cidades do interior contadas por seus moradores( ) maior parte dos narradores so crianas

    e adolescentes& ainda /ue haa algumas com narradores adultos( *s acontecimentos

    inslitos no aparecem em todas as histrias& h desde relatos bastante realistas de dramas

    pessoais& como em 4) ilha dos gatos pingados5 e 4Ooupa no coradouro5 at outras /ue

    criam uni%ersos on!ricos /ue remetem a procedimentos surrealistas& como 4*s do outrolado5( Se h& entretanto& um aspecto /ue permeia todos os contos& este o da %iolncia( "la

    est presente de di'erentes 'ormas nos contos+ dentro da 'am!lia& entre grupos sociais&

    praticada pelos agentes do "stado& na castrao dos sonhos in'antis((( o uni%erso

    interiorano pintado por ,( ,( eiga h pouco espao para 'inais 'eli.es( )s narrati%as do li%ro

    em nenhum momento particulari.am situa8es entranhadas no interior do pa!s& todas elas

    assumem uma dimenso mais ampla 7 medida /ue se interessam pelas rela8es humanas de

    maneira uni%ersal& /ue no se ligam diretamente a paisagem local(

    * conto 4) usina atrs do morro5 pertence ao grupo dos /ue so narrados por

    crianas e o%ens( )/ui& um o%em re%ela ao leitor todas as trans'orma8es ocorridas na

    outrora pacata cidade em /ue mora%a com sua 'am!lia depois da chegada de estrangeiros&

    /ue constroem uma 'brica na regio e passam a empregar os moradores dali( #ogo a

    primeira 'rase do conto o situa na condio de um relato de uma lembrana+ 4#embro-me

    /uando eles chegaram(5 K"?)& 1IIJ+ p( 21M $m elemento in/uietante inserido logo

    nessa primeira 'rase+ /uem seriam eles\ * 'ato de o narrador iniciar o relato dessa maneira

    atribui uma import6ncia crucial a esses terceiros a /uem se re'ere( Trata-se de um casal de

    estrangeiros /ue se hospedam na penso de Rona "lisa& tra.endo di%ersos obetos e

    'erramentas& algumas desconhecidas dos moradores do lugar( ) chegada dos estrangeiros

    instaura o con'lito na narrati%a e d in!cio a se/uncia de 'atos inslitos /ue sero

    recorrentes no conto( * casal no se comunica com ningum da %ila& se/uer respondem aos

    1N

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    cumprimentos dos moradores& o /ue desencadeia atitudes destes no intuito de descobrir

    seus obeti%os ali+ primeiro tentam interceptar suas cartas& depois buscam aux!lio da pol!cia(

    )mbas atitudes em %o(

    ) situao /ue inaugura a se/uncia de atitudes %iolentas surgidas em decorrncia

    da chegada dos estrangeiros F /ue ser o aspecto 'undamental na narrati%a F ocorre /uando

    o narrador tenta descobrir a nature.a dos obetos contidos nas caixas dos hspedes na

    penso( Rescoberto pelo estrangeiro& o garoto se%eramente espancado e ura %ingana& o

    /ue nunca conseguir reali.ar( ) inrcia dos moradores 'rente 7s atitudes do casal

    estrangeiro aspecto bastante signi'icati%o no conto(

    * obeti%o dos intrusos comea a ser re%elado /uando "st%o& proprietrio de uma

    chcara alugada a Seu Garcos& %ende-a aos estrangeiros e desaloa o amigo( ) maneira

    como o narrador anuncia esse 'ato prenQncio do /ue est por %ir+ 4* primeiro a se passarpara o outro lado 'oi o carpinteiro "st%o(5 K"?)& 1IIJ+ p( 2JM( )/ui temos algo

    rele%ante e /ue ser uma das cha%es para a interpretao do conto( * 4outro lado5&

    entendido inicialmente apenas como passar a audar os estrangeiros& ganha no%a

    signi'icao /uando %eri'icamos /ue nessa chcara& locali.ada atrs do morro& /ue ser

    constru!da a indeci'r%el usina( *sman #ins K1IJM a'irma /ue a narrati%a 4 um obeto

    compacto e inextrinc%el& todos os seus 'ios se enlaam entre si e cada um re'lete inQmeros

    outros5 K#?S& 1IJ+ p( NM( Resse modo& o isolamento de determinado aspecto relati%o 7

    constituio da narrati%a re%elador da maneira como ele se re'lete sobre os demais( )

    di%iso entre 4dois lados5 pode ser entendida tanto de maneira ideolgica F a 'a%or ou

    contra os estrangeiros F como de maneira espacial F a/ueles /ue esto do lado da 'brica&

    atrs do morro& e a/ueles /ue esto no %ilareo( #ins a'irma& sobre os espaos da narrati%a&

    /ue de%emos compreender 4/ue 'uno desempenham& /ual a sua import6ncia e como os

    introdu. o narrador5 K#?S& 1IJ+ p( NME dessa maneira& o 'ato de o narrador no ter

    nenhum conhecimento do outro lado do morro ser 'ator determinante em nossa

    interpretao do conto( * 'ato de "st%o re%elar ao pai do narrador /ue no hou%e

    possibilidade de agir de maneira di'erente ao %ender a chcara e desaloar o amigo mais

    um 'ato /ue causa estranhamento no leitor& re%ela a resignao dos moradores e contribui

    para a atmos'era in/uietante do conto& /ue parece reprodu.ir o /ue )nt9nio Candido K1IIM

    1L

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    a'irmou sobre o li%ro Os Cavalinhos de Platiplanto+ 4W(((X contos marcados por uma espcie

    de tran/]ilidade catastr'ica5 KC)R?R*& 1II+ p( 211(M

    * segundo morador a 4mudar de lado5 'oi o caminhoneiro eraldo Gagela& /ue

    passara a dirigir somente para os estrangeiros( )/ui a mudana de lado %em acompanhada

    de um 'ato absolutamente inslito+ o motorista& outrora bondoso e preocupado com a me&

    apenas por comear a trabalhar para os estrangeiros passa a ser grosseiro e agressi%o& a

    ponto de torturar um gato apenas para %er seu so'rimento( "ste 'ato relaciona-se

    diretamente com a a'irmao de Chiampi K1I0M /ue reprodu.imos& embora haa

    causalidade para essa trans'ormao& ela no explicita como nas narrati%as realistas& ela

    apresenta-se di'usa(

    ) partir de ento& a 'brica comea a se instalar& surgem muitos caminh8es e o

    barulho das m/uinas irrompe as madrugadas( eraldo Gagela reaparece& agora comaparente tran/uilidade& propondo emprego a todos os moradores da cidade( [/ueles /ue

    aceitaram& coube uma mudana de comportamento semelhante 7 de eraldo+ 4, no

    segundo dia os caminh8es %ieram busc-los& e 'oi a Qltima %e. /ue os %imos como amigos+

    /uando comearam a aparecer no%amente na cidade& ningum os reconhecia mais(5

    K"?)& 1IIJ+ p( 3NM( )ps essa contratao em massa& os acontecimentos inslitos

    dominam a narrati%a+ primeiro os trabalhadores da 'brica& todos presenteados com

    motocicletas& passam a perseguir e atropelar cruelmente os moradores da cidadeE em

    seguida& os obetos das casas e elas prprias passam misteriosamente a incendiarem-se

    espontaneamente& sem /ue haa nenhuma explicao lgica para isso(

    Gorto atropelado por um dos moto/ueiros o pai do narrador& resta a este

    acompanhar a me partindo da cidade& 4sem se di.er adeus a ningum& le%ando s a roupa

    do corpo e um sa/uinho de matula& como dois mendigos(5 K"?)& 1IIJ+ p( 3IM

    * estrato narrati%o de 4) usina atrs do morro5 ser%iu de argumento para outras

    duas obras de ,( ,( eiga&A hora dos ruminantesK1IJM e Sombras de reis barbudosK1IJ2M(

    )mbas tambm contm a histria de um lugar pacato /ue in%adido por uma indQstria e

    tem sua %ida des'igurada por essa chegada( Como essas duas Qltimas 'oram publicadas aps

    o olpe de 1IN& elas so 're/uentemente consideradas alegorias da Ritadura Gilitar& como

    a'irma Oodrigues+

    1

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    ,( ,( eiga& cua primeira obra data de 1ILI -Cavalinhos dePlatiplanto.& situa seus personagens num espao rural& mas /ue acaba porser um espao alegrico /ue /uer 'alar sempre da relao entre opressor eoprimido ou da possibilidade de %i%er apenas no sonho W(((X Seu 'antstico&/ue comea le%e& se adensa& a%i.inhando-se do absurdo W(((X& e a par dasre'lex8es de carter existencial& parece ser a alegoria da sociedade

    brasileira dos anos de ditadura e opresso K(((M( KO*RO?$"S& 1I+ p(LM

    Considerar& entretanto& essa a Qnica possibilidade de leitura da obra de ,( ,( eiga parece

    bastante limitador( "sse 'ato se agra%a pelo 'ato de Cavalinhos ter sido publicado em 1ILI& ano

    anterior ao in!cio da Ritadura Gilitar( ) prpria autora reconhece essa limitao+ 4 * carter

    alegrico dessa literatura& longe de se esgotar em /ual/uer cha%e interpretati%a& aberto e

    se o'erece ao leitor em mQltiplas possibilidades interpretati%as(5 KO*RO?$"S& 1I+ p(

    M

    Y a partir dessas possibilidades /ue procederemos a uma leitura alegrica do conto

    em /uesto(

    UMA LEITURA ALEGRICA

    * sentido usual da pala%ra alegoria aponta para a construo de histrias em /ue se

    reprodu.a de maneira concreta conceitos abstratos& sendo assim& a materiali.ao de uma

    abstrao( ) etimologia do termo usti'ica essa compreenso+ ale'oria deri%a de allos -outro e a'oriumF 'alar na gora& usar linguagem pQblica( Por di.er algo di'erente do /ue

    /uer di.er& a alegoria essencialmente amb!gua( "ntretanto& a leitura da alegoria exige uma

    atitude cr!tica do leitor+ como no opera com s!mbolos ou met'oras& /ue se constituem a

    partir da noo de similaridade& da atitude do leitor depende essa leitura /ue pode 'icar

    escamoteada na abstrao proposta na alegoria& como a'irma Hl%io O( Vothe K1IM

    "ntendida apenas como representao concreta e con%encional deuma ideia abstrata& a alegoria tem um carter autoritrio /ue inibe

    a%anos( [ medida /ue a ideia no & porm& apenas abstrata ainterpretao precisa a%anar suas hipteses alm do obeto para poderchegar at ele& a alegoria introdu. uma in/uietao ino%adora& assim comose mostra um rico instrumento de expresso( ) leitura alegrica le%a&portanto& W(((X a uma descoberta de sua nature.a alegrica& mediante aleitura cr!tica& mediante a ^leitura alegrica_( KV*T

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    Pisamos no terreno da alegoria com algum cuidado& pois muitas %e.es a

    interpretao alegrica de um texto literrio tende a redu.i-lo 7 condio de uma 'bula& em

    /ue os elementos intratextuais tm %alor apenas en/uanto comunicadores de um outro

    signi'icado( o dessa maneira /ue compreendemos a leitura alegrica( Segundo

    Todoro%& poss!%el& nesse tipo de narrati%a& a coexistncia de di'erentes estratos+ 4a

    alegoria implica na existncia de pelo menos dois sentidos para as mesmas pala%rasE di.-se

    7s %e.es /ue o sentido primeiro de%e desaparecer& outras ve*es (ue os dois devem estar

    presentes juntos5 KT*R*O*& 200J+ p(J1& gri'o nossoM(

    o conto /ue estudamos& a constituio dos elementos esttico-narrati%os

    possibilitam uma interpretao para alm da realidade brasileira& pois& cremos& est

    diretamente ligada 7s rela8es de trabalho e dominao no sistema capitalista( "ssa leitura

    alegrica do texto p8e em prtica o /ue seu %erdadeiro papel& segundo Vothe+

    ) leitura alegrica do texto& como re%erso de seu processo deaurati.ao3& condu. o seu gesto sem6ntico 7 relao das 'oras existentesno meio de produo e de consumo do texto( ) /uesto prximo`distanteacaba des%elando a sua relao com a hierar/uia social( ) aurati.ao &na prtica& preponderantemente um processo de legitimao dodominante( Caberia 7 leitura alegrica 'a.er o des%endamento de taismecanismos( KV*T

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    ) separao entre lados& a /ue aludimos na apresentao do conto& mais um

    elemento /ue merece desta/ue em nossa interpretao+ no poss!%el ao oprimido conhecer

    o lado do opressor& este est protegido pela 'ora( * narrador relata o episdio em /ue um

    amigo recebe um tiro ao aproximar-se da 'brica( Para descobrir o outro lado& preciso

    mudar-se para ele( "ssa mudana de lado ocasiona F ou obriga F uma mudana radical no

    comportamento das pessoas( ?sso nos 'a. lembrar duas passagens interessantes( $ma delas

    a descrio de ornada de trabalho elaborada por Garx+

    "ntende-se por si& desde logo& /ue o trabalhador& durante toda a suaexistncia& nada mais /ue 'ora de trabalho e /ue& por isso& todo seutempo dispon!%el por nature.a e por direito tempo de trabalho& portantopertencente 7 auto%alori.ao do capital( Tempo para a educao humana&para o preenchimento das 'un8es sociais& para o con%!%io social K(((M pura

    'utilidade KG)OZ& 1IL+ p( 211M

    *s trabalhadores passam a %i%er exclusi%amente para a 'brica& inclusi%e moram l&

    %isto /ue no retornam para a cidade seno para atropelar as pessoas(

    *utra re'erncia ao estranho comportamento dos trabalhadores da 'brica est

    presente no antolgico 4Se os tubar8es 'ossem homens5& de ;ertold ;recht+

    )lm disse se os tubar8es 'ossem homens tambm acabaria a ideiade /ue os peixinhos so iguais entre si( )lguns deles se tornariam'uncionrios& seriam colocados acima dos outros( )/ueles ligeiramentemaiores poderiam inclusi%e comer os menores( ?sto seria agrad%el paraos tubar8es pois eles teriam& com maior 're/uncia& bocados maiores paracomer( " os peixinhos maiores& detentores de cargos& cuidariam da ordementre os peixinhos W(((X Kapud:*S*?CU& 200L+ p( 3M

    Com outra alegoria& temos a exata imagem dos trabalhadores /ue& outrora

    oprimidos& agora ser%em aos estrangeiros& contribuindo para o desen%ol%imento da usina e

    contribuindo para a opresso dos moradores do %ilareo(

    * melanclico des'echo do conto tra. uma Qltima alegoria+ aos /ue no se

    submetem ao poder da 'brica& cabe a 'uga& a mendic6ncia& pois o inimigo& nesse caso&apresenta-se in%enc!%el(

    A CONSCI*NCIA DO SUBDESENVOLVIMENTO E A ISTRIA A

    CONTRAPELO

    1I

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    )nt9nio Candido K1IIM em seu artigo 4#iteratura e Subdesen%ol%imento5 con'ere

    especial ateno 7 /uesto do regionalismo nos pa!ses latino-americanos& en'ati.ando o

    caso brasileiro e estabelecendo uma linha paralela entre o modo como os elementos locais

    so apresentados nas narrati%as 'iccionais e a conscincia pol!tica de seus ideali.adores(

    Resta maneira& Candido di%ide as narrati%as regionais em trs grupos& as de mera laudao

    7 ptria& a /ue chama 4regionalismo pitoresco5& t!picas do Oomantismo& as /ue demonstram

    a percepo da realidade do interior& pertencentes 7 'ase da 4pr-conscincia do

    subdesen%ol%imento5& das dcadas de 1I30 e 1IN0 e& por 'im& uma terceira 'ase& a da

    conscincia do subdesen%ol%imento& a /ue chamou tambm de Suprarregionalismo( Sobre

    essa 'ase& a'irma o autor+

    * /ue %emos agora& sob este aspecto& uma 'lorada no%el!sticamarcada pelo re'inamento tcnico& graas ao /ual as regi8es setrans'iguram e os seus contornos humanos se sub%ertem& le%ando ostraos antes pitorescos a se descarnarem e ad/uirirem uni%ersalidade(KC)R?R*& 1II+ p( 1NM

    o conto de ,( ,( eiga ocorre essa trans'igurao& a paisagem local pouco

    reprodu.ida e se/uer a linguagem regional mimeti.adaE a uni%ersalidade re'erida por

    Candido est presente tambm nesse aspecto+ ainda /ue em uma linguagem simples& no h

    o deseo de reprodu.ir o lxico e a sintaxe locais& o aspecto /ue determina a percepo do

    regional a organi.ao do local e& como obser%amos na interpretao do conto& h a

    apresentao de um aspecto particular /ue capitula situa8es uni%ersais(

    )inda sobre essa Qltima 'ase de nosso regionalismo& Candido a'irma+

    "la corresponde 7 conscincia dilacerada do subdesen%ol%imento eopera uma exploso do tipo de naturalismo& /ue se baseia na re'erncia auma %iso emp!rica do mundoE naturalismo /ue 'oi a tendncia estticapeculiar a uma poca onde triun'a%a a mentalidade burguesa ecorrespondia 7 consolidao das nossas literaturas( KC)R?R*& 1II+ p(1NM

    o%amente percebemos no conto analisado essa 4conscincia dilacerada do

    subdesen%ol%imento5& com a sublimao do olhar naturalista& em outros tempos& marca

    recorrente de nossa literatura(

    "m 4Sobre o conceito de

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    ) ideia de um progresso da humanidade na histria insepar%el daidia de sua marcha no interior de um tempo %a.io e homogneo( ) cr!ticada idia do progresso tem como pressuposto a cr!tica da idia dessamarcha( K;",)G?& 1IJ+ p( 22IM

    * autor prop8e a necessidade de se contar a

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    con%i%ncia harm9nica entre um progresso tcnico desen'reado e o ambiente rural& dada a

    imensa di'erena entre os modelos de sociedade /ue se con'rontam(

    )liada 7s situa8es de estranhamento pro%ocadas por esses episdios& uma leitura

    alegrica do conto e%idencia elementos /ue o tornam uma met'ora das rela8es sociais

    estabelecidas no mundo capitalista& em /ue o deseo incessante de incremento da produo

    ignora os impactos negati%os com isso ocasionados(

    ista dessa maneira& a narrati%a %eiguiana ganha um mani'esto tom social& ao passo

    /ue mani'esta uma conscincia das rela8es estabelecidas em um microcontexto& mas /ue

    poder ser reconhecidas em outros tantos /ue en%ol%am as rela8es de in%aso e

    dominao& como a'irma Carlos Oeis K2001M+ 4a literatura poss!%el surpreender tambm

    uma dimenso histrica& /ue le%a acentuar a sua capacidade para testemunhar o de%ir da

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    C)R?R*& )ntonio( 4) no%a narrati%a5( ?n ( A !&4ca9@% 8!la /%13! ! %43r%s

    !/sa1%s0 So Paulo+ tica& 1IJ(

    4#iteratura e subdesen%ol%imento( ?n ( A !&4ca9@% 8!la /%13!

    %43r%s !/sa1%s( So Paulo+ tica& 1II(

    C