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Inspetoria Salesiana de São Paulo
Comunidade Salesiana Dom Bosco Americana - SP
P. Irineu Leopoldino de Souza
"No dia 30 de agosto de 2004, a Comunidade Salesiana de Americana teve a
grande alegria de receber a visita do Reitor-Mor, P. Pascual Chavez Villanueva, 9o
sucessor de Dom Bosco. Repetindo o gesto paterno de nosso fundador, que quando
visitava uma casa, visitava os doentes, o Reitor-Mor fez uma emocionante visita à
enfermaria da Comunidade, onde P. Irineu Leopoldino estava há mais de 10 anos
acamado, num estado de semicoma. Quando o Reitor-Mor se colocou ao seu lado e
lhe disse que, em nome de Dom Bosco, ele agradecia a doação de sua vida na
Comunidade Salesiana, tivemos a impressão de que o P. Irineu entendia o que estava
se passando. Ao se despedir o Reitor-Mor o abençoou e o beijou carinhosamente.
No dia 28 de setembro, serenamente o P. Irineu entregou sua alma a Deus, com
certeza purificado de suas fraquezas humanas após tantos anos de sofrimento. Para
as exéquias, presidida pelo P. Pessinatti, Inspetor, e concelebrada por grande número
de sacerdotes, esteve também presente o nosso Bispo Diocesano. Dom Augusto Zini
Filho, que conheceu o P. Irineu nos anos de sua formação inicial. Ele que rezou as
2
orações finais de despedida. O P. Irineu Leopoldino repousa no jazigo dos Salesianos,
emAmericana". (P. Antonio Carlos Galhardo)
1. ORIGEM
Filho de Sebastião Leopoldino de Souza e Isaira de Campos, nasceu, em São
Gotardo (MG), "no Alto Paraíba, terra de ricas fazendas, onde o pai era comerciante",
aos 09/07/1921, o menino IRINEU LEOPOLDINO FERREIRA DE SOUZA.
Em 1933 o menino Irineu frequentou, como interno, o Colégio Bom Bosco de
Araxá (MG). "O Irineu e o irmão saíam sempre muito bem nos estudos; sempre
classificados, no quadro de honra, no primeiro lugar. Tinha uma memória muito feliz,
que se acrescentava aos dotes de invulgar inteligência. Era de comunhão diária,
ajudava a Missa e rezava o terço diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na
capela". (P. Henrique R. Brito)
"Queria ressaltar sua devoção a Nossa Senhora, que sempre me impressionou.
Tinha uma grande fé na ajuda da Virgem Auxiliadora e conseguia transmitir a nós
essa fé", afirma o P. Antônio da Silva Ferreira, anos mais tarde.
"Ele sempre teve um temperamento forte, altaneiro, decidido e corajoso.
Impunha-se perante a turma. Era estimado por todo professorado e era um bom
esportista. O Irineu desde a casa paterna, escrevia muito bem à máquina, coisarara
naqueles tempos" (P. H. R. B); mais tarde se dedicará ao computador e à
informatização das paróquias.
2. FORMAÇÃO SALESIANA
Aspirantado. Era fevereiro de 1936 chega a Lavrinhas (SP), para frequentar o 3°
ginasial. "De maio em diante nunca mais perdeu, em todo o seu tempo de aspirante,
o primeiro lugar. Seus modos de brincar, rir, mais que espontâneos, pareciam
forçados. Dava impressão de não naturalidade. Creio que era o seu jeito, ou a sua
conquista em controlar o seu temperamento; uma conquista que durou toda a vida,
nem sempre bem interpretada, que lhe trouxe provações íntimas". (P.H.R.B)
"O Irineu, como aspirante foi muito piedoso, responsável e de maneiras afáveis.
Sempre sereno, tratava com delicadeza. Não ofendia a ninguém". (P. Albano Slomp,
seu colega em Lavrinhas e no Pio XI)
Noviciado. Fez o noviciado de 27/01 /1938 a 31 /01 /l 939, em São Paulo, no
bairro Ipiranga. Teve como mestre o P. Luiz Garcia de Oliveira. "Foi um noviço
modelo: inteligentíssimo e exatíssimo em tudo". (P. Júlio Comba)
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Filosofia e História. Na época, o Inspetor, P. Orlando Chaves, mais tarde
arcebispo de Cuiabá, incentivava todos os salesianos à "Campanha pelas mil
vocações" e estimulou a formação de salesianos-professores, reconhecidos pelo
governo. Assim, os jovens salesianos que estudavam Filosofia em Lavrinhas em 1939,
em 1940 foram divididos. Uns ficaram em Lavrinhas e outros foram para a Faculdade
São Bento em São Paulo (Mosteiro). O Irineu "escolheu o curso de História e
Geografia e, em fevereiro de 1945, defendeu a tese de doutorado em História. Assim
foi o primeiro salesiano que alcançou, no Brasil, esse altíssimo título académico" (P.
Júlio Comba). "Teve como professores e orientadores na tese: Dom Sigaud, Dom
Meyer e o Plínio Correia". (PH. R. B)
Tirocínio e Secretário do Inspetor. O jovem salesiano Irineu de 1940a 1944
permanece no Liceu Coração de Jesus Casa Inspetorial e se torna secretário do
Inspetor, P. Orlando Chaves. "Por causa de ser escolhido por Dom Orlando Chaves,
sendo o mesmo P. Inspetor criticado por muitos salesianos, (...) o Irineu foi ficando
também mal visto por companheiros de vida salesiana". Interessante este
testemunho do P. Henrique, que pode explicar um pouco da vida isolada ou fora da
comunidade que P. Irineu terá após sua ordenação. "Nesse período, de secretário,
também foi secretário da então União dos Cooperadores. Grande organizador, criou
a coordenação do arquivo de 30 mil cooperadores, com expedição mensal do
Suplemento do Boletim Salesiano, cartão de parabéns aos aniversariantes e registro
das ofertas e agradecimento individual para os que contribuíam para a bolsa de
estudo em favor da formação de sacerdotes. Ao mesmo tempo organizou o fichário
para atendimento do pedido de alistamento militar e progressivamente de
adiamento de incorporação. Eram centenas os seminaristas em idade de prestação
de serviço militar" (P. Antônio S. Ferreira). "Estava sempre planejando algo a realizar
de novo, alimentando, às vezes, ideias impossíveis ou difíceis de se realizar" (P.
Albano Slomp). "Era de expressivo tino organizador, de olhos voltados para o futuro"
(P. Antonio Lages Magalhães).
Teologia. De 1945 a 1948, frequentou o curso de Teologia no Instituto
Salesiano Pio XI, em São Paulo. "Neste tempo da Lapa, fervia a questão operária. A
JOC era como que uma predileção do Cardeal Vasconcelos Mota. O P. Eduardo
Roberto, SDB, estava na frente e precisou do auxílio dos teólogos. O P. Diretor, futuro
Dom João Resende Costa, apoiou e o Irineu foi posto na frente do trabalho. Os
folhetos impressos eram distribuídos nas portas das fábricas pelos teólogos, que
conversavam com os operários. O P. Charbel deu contra, pois não queria, conforme
as normas, estudantes preocupando-se com outros problemas que não fossem
estudos" (P. H. R. B.). "Distinguiu-se pelo desempenho nos estudos. Iniciaram-se as
"Publicações Populares", coisa impensável para aqueles tempos (1948-1949). Eram
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opúsculos mensais de formação cristã. O primeiro número foi dedicado à vida de S.
Pancrácio, que era o patrono do "Título" do senhor Cardeal Mota, arcebispo de São
Paulo". (P. Ugo Guarnieri)
3. VIDAPÚBLICA
Ordenado presbítero em São Paulo, no dia 8 de dezembro de 1948, o P. Irineu
trabalha, em 1949 e 1950 com os estudantes de filosofia em São João Del Rey (MG).
"Seus alunos de Filosofia e de outras matérias, sempre disseram c dizem que ele era
um ótimo professor, pela clareza didática e pela compreensão. Nunca humilhou
nenhum aluno". (P.H.R.B.)
De 1951 a 1954, residindo no Colégio Santa Rosa de Niterói, trabalha na
"Procuradoria Salesiana", junto ao Governo Federal, então na cidade do Rio de
Janeiro. Nesse período muito fez pela Congregação Salesiana, conseguindo verbas,
titulações de professores salesianos, e a instalação das Faculdades Salesianas de
Lorena e de São João Del Rey! "A Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras
de Lorena, fruto inconteste do labor do P. José Fernandes Stringari, deve muito ao P.
Irineu Leopoldino de Souza, braço direito do P. Stringari na preparação da papelada
oficial" (P. Antônio L. Magalhães). O P. Lages cita o discurso inaugural do P. Stringari:
"que diga ainda o professor P. Ebion de Lima pelos serões levados noites a dentro e,
sobretudo, o professor Dr. P. Irineu Leopoldino de Souza, cujos préstimos para esta
empresa devem ser marcadamente sublinhados".
De 1955 a 1959 encontramo-lo na cidade do Rio de Janeiro, em nossa casa do
Riachuelo. Nesse período, está envolvido com a criação da CRB (Conferência dos
Religiosos do Brasil). Trataremos desse assunto mais à frente, de modo mais
específico. Nesse período, também colaborou como secretário na realização do
Congresso Eucarístico do Rio de Janeiro.
Advertimos que, a partir de agora, os "dados oficiais" do Elenco da Congregação não
correspondem, em geral, às datas da vida do P. Irineu.
Em 1960e 1961 encontra-se na Paróquia Salesiana de São João Del Rey (MG).
"Quando voltou para o ambiente de comunidade, muitas vezes humilhado,
desprezado, nunca se referiu à CRB e ao que lhe acontecera" (P. H. R. B.). Em 1962 e
1963 vemo-lo no noviciado em Barbacena (MG). Diz P. Henrique que ele aí
permaneceu apenas 3 meses.
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De 1964 a 1966 encontramos o P. Irineu novamente no Riachuelo, na cidade
do Rio de Janeiro. Trabalha na revista "Nosso Século", que substituíra as antigas
"Leituras Católicas".
Consta no elenco que de 1967 a 1970 viveu em casa salesiana, na cidade de
Belo Horizonte. Todavia, consta também que em 15 de junho de 1967, tomou posse
como diretor do Serviço Social dos Menores, do governo do Estado de São Paulo,
nomeado pelo governador Abreu Sodré. No seu discurso, P. Irineu afirmara que "se
entregaria à obra do menor desamparado com o mesmo empenho e apostolado com
que sempre tratara questões sociais, dos interesses da família e da eoletividade,
razões fundamentais do seu sacerdócio". O Jornal "O Estado de São Paulo" de 14 de
junho de 1967 afirma:".. .aos seus esforços foram confiados os programas especiais
de concessão de bolsas de estudo pelo Ministério do Trabalho. Deve-se a sua
dedicação a organização de 70 mil bolsas de estudos para este ano. Educador por
excelência, o novo diretor do SSM interessou-se ainda, em sua vida pública, por
importantes problemas do interesse nacional, tendo concluído o curso da Escola
Superior de Guerra". Nesse período o P. Irineu publicou o livro "Apromoção do
menor".
"Quando eu era estudante de Teologia, no Pio XI, São Paulo, o P. Dr. Irineu
Leopoldino de Souza era nosso professor de História da Igreja. Demonstrava grande
sabedoria, grande visão de conjunto da história da Igreja mesclada com a história do
mundo da época que se estudava, mostrando sempre as causas e os efeitos das
atitudes de Reis e Papas, de Concílios e Conciliábulos. Tinha planos bem definidos da
aplicação do Sistema Preventivo de Dom Bosco para técnicos e profissionais da
FEBEM, e um dos seus primeiros movimentos foi colocar as crianças da FEBEM nos
seus próprios municípios e não enviar todas para São Paulo, como se a capital do
Estado fosse o vilão da existência da FEBEM. Quando começou a mexer nesse ninho
de vespas, foi demitido do cargo". (P. Narciso Ferreira)
"O P. Irineu tinha seu temperamento. Muito inteligente. Era de capacidades
diferentes de nós. Tinha uma visão ampla das coisas, bem diversa do comum. Há
pessoas que, sendo muito dotadas, parece que não se adaptam ao nosso mundo
comum. Fazem muito, muito. Entretanto, por ultrapassarem os limites normais, neste
muito, arrasam tanto do muito que fazem. São mal vistos, mal aceitos, mal
compreendidos. Sofrem por demais, nesta ânsia de quererem realizar. Há fatos
interessantes que comprovam esta personalidade tão questionada do P. Irineu: como
o choque que teve com Dom Hélder Câmara; P.José de Vasconcellos; a demanda com
a Manesman, que ganhou; o caso dele, em São Paulo, com o governador do Estado,
Abreu Sodré, ao dirigir a FEBEM, ao constatar o desvio de verbas que destinara para a
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compra de cobertores etc; a ameaça, por causa disto, fruto da prepotência do
governador, de ser cassado pelos militares, na ditadura; o caso com Dom Sigaud, em
Diamantina. E ele fizera, a convite dos militares, com autorização dos superiores,
aquele célebre curso da Escola Superior de Guerra, organizado pelo General Golbery
do Couto e Silva, o ADESG para civis intelectuais, - ou - ESG, para militares, sobretudo
de formação da Sorbone. O Irineu, desde aluno, passou por este crisol da vida.
Admirado, criticado, tido por soberbo". (P.H.R.B.)
Em 1971, segundo consta, viveu em casa salesiana na cidade do Rio de Janeiro.
De 1972 a 1973 volta a viver em casa salesiana na cidade de Belo Horizonte.
De 1974 a 1988 consta que obteve licença para viver fora da casa religiosa salesiana,
a fim de cuidar da senhora sua mãe até seu falecimento.
Ao retornar da "ausência com licença", volta insatisfeito para a Inspetoria de Belo
Horizonte e, a seguir, pede transferência para a Inspetoria Salesiana de São Paulo.
Assim escreveu o P. Irineu ao Inspetor de São Paulo, P. Irineu Danelon:
Belo Horizonte, 24 de junho de 1987.
Recebi sua carta de 13 último. Uma enorme surpresa. Ao
longo de muitos, vem se adensando em minha alma um sentimento de inutilidade.
Velho só serve para deixar lugar e herança. Herança, não tenho. Lugar, é tão
insignificante. Suas palavras fizeram renascer-me a confiança. Talvez ainda possa
fazer alguma coisa para o bem das almas e penitência de meus pecados.
Frequentemente fico entre dois sentimentos opostos. "Ama
nesciri et pro nihilo reputari"'da velha Imitação de Cristo, que nunca me sai da
mente. E o desejo defazer alguma coisa pela glória de Deus.
Sua carta despertou em mim tantos pensamentos e tantas
emoções. Se nada mais acontecesse, só por isto já lhe seria devedor de muita
gratidão. Morre-se por antecipação, quando se perde a capacidade, ou desaparece a
oportunidade de olhar ofuturo criar coisas novas. Parece que se renovou, com mais
vigor, a vontade de executar ainda algum projeto para a glória de Deus. E que ainda
há alguma possibilidade para se transformar em realidade concreta.
Na visita do P. Carlos Techera à Inspetoria, falarei com ele.
Conversarei também, muito cordial e salesianamente, com meu Inspetor, P. Décio.
Não quero criar a ele nenhuma dificuldade. Desde o retiro do começo do ano, ele já
sabe desta divergência entre minha pobre mentalidade filosófico-teologica, e aquela
orientação doutrinaria que a mim parece ser a posição oficial da Inspetoria. Única
razão e origem do mal-estar que experimento, integrando uma comunidade
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inspetorial que não é, infelizmente, a meu ver, uma comunidade de uma só e mesma
fé.
Há ainda algum resquício, muito pequeno, de compromissos
temporais de administração familiar. Pastorais, somente a União local dos Ex-Alunos,
que era cuidada, anteriormente, pelo mesmo Delegado Inspetorial, P. Falcone. O
retorno a ele, creio, somente restabeleceria o statu quo ante, do início do ano.
Prévio entendimento sobre a oportunidade do momento, irei
pessoalmente conversar com V.Revma. E renovar o prazer de rever o caríssimo Padre
Mestre, P. Garcia.
Agradecendo-lhe por todo o bem que sua carta me fez, salesianamente,
P. Irineu Leopoldino de Souza
Em 1988, vindo para a Inspetoria Salesiana de São Paulo, foi residir na
Comunidade Salesiana em São Carlos, SP, para trabalhar na Paróquia N* Sra.
Auxiliadora, mas não toma posse. Após dois meses é transferido para a obra salesiana
de Americana para ajudar na Paróquia Dom Bosco e levar adiante o seu Projeto de
Informatização das Paróquias. Neste período escreve o livro "Computador
Renovando a Pastoral" e mantém contatos com a CNBB para a divulgação do seu
trabalho. Dom Luciano Mendes de Almeida apresentou aos Bispos do Brasil o projeto
do P. Irineu sobre a informatização das Paróquias:
Brasília, 02 de novembro de 1988.
Prezado irmão no Episcopado
A paz de Cristo
Tive a oportunidade de ouvir atentamente a exposição do
projeto de autoria do Padre Irineu Leopoldino de Souza, Salesiano.
Empenhou-se, por zelo pastoral, em criar um sistema que
facilite a comunicação do pároco com seus paroquianos. A distribuição da mensagem
personalizada será feita preferencialmente por uma rede de agentes de pastoral da
própria paróquia.
O projeto é simples e de fácil aplicação. Acredito que será do
interesse dos Senhores Bispos conhecer o projeto para que possam avaliar as
possibilidades de sua utilização. Agradeço a Padre Irineu este serviço prestado de
modo gratuito aos párocos do Brasil.
Dom Luciano Mendes de Almeida
8
Com o "apoio" da CNBB, seu projeto caminha. Escreveu então ao Inspetor de São
Paulo, P. Luiz Gonzaga Piccoli:
Americana, 16 de abril de 1989.
Revmo. Sr.
Pe. Luiz Gonzaga Piccoli SDB
Inspetoria Salesiana de São Paulo
Revmo. Senhor Padre Inspetor
Como já lhe comuniquei por telefone, a primeira fase do projeto de
informática e pastoral está terminada. 0 Manual foi impresso e enviado às quase
8.000 paróquias. No Natal, se Deus quiser, se fará o sorteio-brinde de um
computador, a impressora e o programa, entre as paróquias que já estiverem
informatizando suas secretarias e já tenham cadastrado pelo menos metade de suas
residências.
Acontece, porém, que o serviço está ficando cada vez mais penoso. Não pelo
volume, mas pela exiguidade do espaço disponível. Nos 3,80 m2 do meu quarto,
reservados para escritório, devo colocar um computador, a impressora, e a máquina
de escrever, que ainda não posso dispensar. Não sobra nem espaço, nas duas mesas,
para se dobrar uma carta. Faço isto noutra mesa, que arranjei e coloquei na área livre
do quarto. Reconheço que a casa não tem espaço disponível, e sou muito agradecido
por tudo o que fez até agora. Penso, entretanto em entregar oprojeto à CNBB, e para
isto estou fazendo sondagens necessárias. A solução pode ser aceita ou não por eles.
Previno que estou fazendo apenas sondagens, e que nada decidirei sem o
conhecimento da Inspetoria.
Sem outro motivo, para o momento, com religiosa e salesiana estima,
esperando tratar também este assunto pessoalmente, na primeira oportunidade que
tiver, subscrevo-me.
P. Irineu Leopoldino de Souza, SDB
Obs: Esta é aprimeira carta que escrevo utilizando o computador. Não acertei com o
final (Desculpe.
Irineu
4. RELAÇÕES COM A CRB
Na história dos Religiosos e da Igreja no Brasil, o P. Irineu, por estar envolvido
na fundação e direção da Conferência dos Religiosos do Brasil, ocupa um lugar
9
relevante. A seguir apresento várias citações do livro "Memória Histórica, as lições de
uma caminhada de 50 anos CRB -1954 a 2004".
A Sagrada Congregação dos Religiosos incentiva a realização de Congressos
Nacionais de Religiosos para "unir e articular os religiosos no exercício do
apostolado".
"No Brasil, a ideia da fundação de um organismo dessa natureza começa a
ganhar consistência e a suscitar adesões logo após a celebração do Congresso de
Roma e, sobretudo, a partir da fundação da CNBB em 1952. Entre o pequeno grupo
de Religiosos envolvidos nessas origens, destaca-se o Pe. Irineu Leopoldino de Souza,
Salesiano, que ocupava então o cargo de Procurador na Inspetoria Salesiana de São
João Bosco". (Ir. Maria Carmelita de Freitas, p.30)
"Em janeiro de 1953, D. Jaime de Barros Câmara, recebeu uma carta do Prefeito
da Sagrada Congregação para os Religiosos, o Cardeal Valério Valeri, sugerindo a
realização do Congresso. Numa reunião dos Provinciais residentes no Rio de Janeiro
com o Sr. Cardeal, realizada no mês de fevereiro daquele ano, foi constituída a
Comissão Executiva do Congresso e nomeado secretário geral da mesma, o Pe. Irineu
Leopoldino de Souza. Homem inteligente, criativo e de grande capacidade de
organização; de formação de corte conservador e visão integrista; grande
empreendedor, ao estilo da época, Pe. Irineu assume, a partir daí, a condução do
processo, imprimindo-lhe, desde a génese, as marcas da sua forte personalidade",
(idem p.33; interessante conferir a nota 34 sobre entrevista com P. Irineu)
O projeto de Estatuto da CRB fora elaborado pelo P. Irineu, que o apresentou
em 10 de fevereiro de 1954. Nesse dia ele foi eleito membro da primeira diretoria da
CRB, para o cargo de Secretário Geral.
"Não cabe dúvida de que por trás do forte dinamismo da CRB está a
personalidade daquele que foi nesses anos o homem-chave: o seu Secretário Geral,
Pe. Irineu Leopoldino de Souza. De fato, Pe. Irineu era um homem de Igreja que
tratou de situar-se no horizonte da modernidade e que, portanto, assimilou um dos
aspectos mais típicos dessa época: o empresarial. Na sua apreciação, a Igreja e a Vida
Religiosa no Brasil estavam em descompasso com a época e necessitadas de uma
urgente modernização. E foi com este sentido de adequação aos tempos que ele
procurou dar à CRB uma sólida base administrativa, capaz de fazer frente às
exigências do mundo moderno empresarial. Além disso, o Pe. Irineu estava dotado de
um forte sentido prático. Assumindo a Secretaria Geral da Conferência, incumbia-lhe
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a difícil tarefa de levar adiante uma organização sem precedentes na história dos
religiosos no Brasil, e o não menos difícil trabalho de unir esses mesmos religiosos/as,
habituados a viver e atuar no âmbito da própria Ordem ou Congregação muito mais
do que conviver e colaborar em nível extra ou intercongregacional. E a maneira mais
prática que encontrou para uni-los foi. precisamente, a prestação de serviços, numa
ampla gama de necessidades das Congregações. Daí o slogan amplamente difundido
pela CRB entre religiosos/as naqueles anos: - "Na união todas as vantagens". Além
disso, os serviços eram considerados, então, como meio necessário para dar
sustentação económica às atividades mais específicas da Conferência", (idem p.39-
40)
"Não todas as Congregações viam com bons olhos esse acentuado crescimento
"empresarial" da CRB, nem concordavam com os rumos que os negócios iam
tomando. Mas o impasse mais relevante se deu com a CNBB e culminou na
substituição do Secretário Geral em 1959". (idem p.41)
"De outro lado, havia na CRB, especialmente no Secretário Geral, a
preocupação em manter a própria autonomia face ao que se considerava uma
possível interferência dos Bispos. Isto, aliado à convicção de que sem a sua rede de
serviços e sem um sólido patrimônio a CRB era inviável, foi determinando
inevitavelmente uma radicalização das posições que só seria superada depois da
Assembleia Geral de 1959, com a substituição do Secretário Geral, por sugestões do
Episcopado, através do Núncio Apostólico, D. Armando Lombardi.
O desenrolar-se dos fatos em torno a esse impasse pode ser seguido, inclusive
cronologicamente, através das atas das reuniões da Diretoria da CRB, que se
encontram nos arquivos da sede nacional, no Rio de Janeiro", (idem p.42)
"No que toca a CRB, durante boa parte de sua vida pré-conciliar, o sistema que
a caracterizou foi, atê o ano de 1968, tentar captar recursos através da prestação de
serviços com algum retorno em gratuidade ou em comissões percentuais. Os
resultados da aplicação destes rendimentos revertiam no funcionamento de quatro
modalidades de serviços. A primeira foi a margem de operações que redundavam na
montagem e funcionamento de uma rede de venda de veículos, eletrodomésticos e
outros produtos utilitários, em forma de um serviço prestado aos religiosos dispersos
pelo país, quando era já muito alta a taxa de inflação e havia muito pouco desta atual
estrutura no comércio brasileiro (UNILOJAS). A segunda modalidade de sustentação
foi manter a procuradoria. Ela se encarregava de conseguir retirar, nos diversos
ministérios públicos, as verbas que os deputados e outras instâncias alocavam,
11
percebendo a CRB e outras instituições uma comissão neste processo. A terceira
forma de obter recursos era a de captar das próprias instituições religiosas e de
outras pessoas físicas e jurídicas ligadas a eles, subvenções, para projetos cuja
aplicação parcial no mercado mobiliário ofereceria um resíduo financeiro importante
para o custeio da organização. Finalmente, o quarto modo de gerar sustento
económico era dispor de uma agência de viagens, (EXITUR). Dada a grande
mobilidade dos religiosos para seus serviços, obras e encargos, as comissões sobre
passagens tinham certo peso no afluxo de rendimentos e na indispensável e
acelerada geração de capital de giro.
Até o Concílio Vaticano II inclusive, este esquema e sua motivação funcionaram
com certo êxito, assegurando à CRB seus próprios recursos não só para os religiosos e
religiosas, como também para pessoas físicas e para outras instituições de algum
modo ligadas aos institutos religiosos. Entre 1964 e 1968, grandes modificações na
estrutura econômico-financeira e política do país, puseram em cheque e levaram ao
colapso várias destas instituições, bancos pequenos e grandes, casas de câmbio e
corretoras. A essa altura, ficou patente a complexidade e fragilidade deste esquema
de trabalho e o risco que ele trazia consigo. As tentativas de correção de rota
acarretaram consequências indesejáveis e levaram a CRB, depois de alguns anos
(1964 a 1970), à insolvência e inviabilidade.
Depois de uma luta dramática que fez sofrer muitas pessoas e corporações, a
CRB, já reforçada também pela motivação pós-conciliar de sensibilidade à pobreza e
de opção preferencial pelos pobres, conseguiu enxugar boa parte de seu passivo e
pagar seus débitos ou tê-los perdoados por credores religiosos. Dois fatores
viabilizaram a solução desta problemática tão complexa. O primeiro foi a venda de
boa parte do patrimônio imobiliário da CRB, que já era respeitável àquela altura. O
segundo, foi a decidida disposição e generosidade de muitas congregações que
ofereceram os recursos para tanto. Esta disponibilidade foi o melhor indicador de
apreço dos religiosos e religiosas do país pela sua Conferência de Religiosos (CRB)".
(Pe. Marcelo Azevedo, SJ, p. 204-205). Eis a carta de solidariedade da CRB por ocasião
da morte de R Irineu:
Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2004.
Há quase três meses celebrávamos na XXAssembleia Geral, a
culminância do Jubileu dos 50 anos da Conferência dos Religiosos no Brasil. Na
relação dos presentes, constava uma saudosa ausência por motivo de saúde, de uma
das mais notáveis pessoas na história da fundação de nossa Conferência Pe. Irineu
12
Leopoldino de Souza primeiro Secretário Geral, que, como homem da Igreja, soube
descortinar o horizonte da urgência do processo de abertura para além do âmbito
dos próprios Institutos.
A delicadeza de Deus presenteou nossa história, por
coincidência ou providência, ilustrando-a com a "PÁSCOA " definitiva de Pe. Irineu,
ainda nos limites deste ano celebrativo.
Unida à Diretoria e a todas as religiosas e religiosos do Brasil,
vimos hoje, participar, através da fé na Comunhão dos Santos e Santas, da eterna
ação de graças onde vive nosso irmão. Apresentamos nossos sentimentos á "Família
Salesiana ", na solidariedade e gratidão pela partilha de uma vida tão preciosa para
um serviço que ele soube desempenhar com tanta dignidade, competência e
sentimento de pertença a uma outra "Família de Consagradas e Consagrados ".
Desejamos que, a seu exemplo, a comunidade pedida naquele
momento, através do slogan "Na união todas as vantagens " se confirme na missão
carismática de Dom Bosco e fecunde a história de um intenso amor.
Nossas saudações sororais, com as bênçãos de Maria
Auxiliadora ".
Ir. Maris Bolzan, SDS Presidente
Nacional da CRB
CONCLUINDO
"Eis aí o P. Irineu Leopoldino. Um salesiano de inteligência superior e imaginação
fértil, cheio de grandes ideias nem sempre aderentes ao terra-a-terra, que lhe
trouxeram (e provocaram) não pouco sofrimento. Além do mais, a preocupação de
nado fazer "sozinho" prejudicou-lhe e muito a concretização de seus sonhos. Ao lado,
porém, do sonhador frustrado, descobrimos, sem esforço, o salesiano sacerdote fiel à
sua vocação, espiritualmente rico, zeloso, e em seus projetos sempre animado das
melhores intenções. Deus, em seus planos para nós insondáveis, deu-lhe uma
oportunidade (e que oportunidade!) de refletir e redimir-se. Colocando sobre seus
ombros pesada cruz, preparou-o para realizar o grande projeto de sua vida, o unum
necessarium, a que sempre visou. Pudéssemos adivinhar os pensamentos que lhe
ocupavam a mente agredida por impiedoso mal, muita coisa se esclareceria e
tomaríamos, sem dúvida, preciosas lições para nosso caminhar. Quem tudo conhece
e avalia é o Deus bom e justo, que o P. Irineu pregou e amou. Descanse em paz!". (P.
Fausto Santa Catarina)
13
Eis um valioso testemunho do enfermeiro, Sr. Wilson Vargas, que por vários
anos esteve junto do P. Irineu acamado:
No ano de 1993, com certo receio fui contratado pelo Colégio
Salesiano Dom Bosco para auxiliar o Pe. Irineu Leopoldino de Souza, que começava a
apresentar os primeiros sintomas da Hidrocefalia, doença que ele nunca aceitou, pois
insistia em dizer que sofria de mal de Parkinson, a mesma doença que teve seu pai.
Padre Irineu tinha fama de bravo, não era; aparentava ser rude, mas era só fachada;
na verdade Pe. Irineu era doce e meigo a sua maneira, valorizava a família se
preocupando com todos a sua volta.
Em 1995, sofre um A. V. C. acidente vascular cerebral, perdendo
a fala e os movimentos dos membros superiores e inferiores, ficando acamado até 28
de setembro de 2004, data em que veio falecer.
O que mais incomodava a todos aqueles que conviviam ao seu
redor, era a exigência da perfeição nas mínimas coisas que a partir dele próprio tinha
para com tudo, desde o tom da voz quefazíamos a leitura diariamente, até a
arrumação das caixinhas dos medicamentos dentro do armário.Conviver com ele pra
mim foi uma escola, mudou meus conceitos, meus valores, mefez olhar para a vida
sem pedir muito dela.
Agradeço a Deus a oportunidade de poder ter convivido com ele
por 10 anos, e só no decorrer desse tempo fui percebendo a grandeza da Alma e a
pureza do coração que habitavam dentro dele.
P. Irineu, eu sei que o senhor sabe que os cuidados e carinho,
dedicados por mim ao senhor, foram os mesmos que eu
dedicaria a meu pai que não conheci.
Wilson Vargas
Finalizamos com dois valiosos testemunhos. O primeiro, de Dom Ercílio Turco,
então Bispo Diocesano de Limeira, hoje de Osasco, "Nos primeiros anos de
episcopado na Diocese de Limeira tive ocasião de sentir todo seu ardor apostólico,
bem como o desejo de servir. Mais tarde o visitei algumas vezes, já acamado, sempre
conformado, silencioso, cheio de fé".
O segundo, do P. Inspetor da Inspetoria Salesiana de São João Bosco Belo
Horizonte (MG): "Recebemos a notícia do falecimento do P. Irineu. O sentimento que
nos invade é de grande admiração e gratidão pela acolhida que lhe foi concedida por
esta Inspetoria irmã. Deus lhes há de retribuir com novas e valiosas vocações. O P.
Irineu foi um homem de muitas iniciativas. O Senhor da Vida o acolha e derrame
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sobre sua família e sobre a Inspetoria Nossa Senhora Auxiliadora suas bênçãos e os
melhores frutos vocacionais". (P. Ovídio Geraldo Zancanella Inspetor)
AGRADECIMENTOS
Na redação desta carta mortuária, fiz uso de depoimentos de SDB, seus colegas;
muitas citações são do P. Henrique Ribeiro de Brito, da Inspetoria de Belo Horizonte,
que foi seu colega desde o ginásio em Araxá. Também fiz uso do livro dos 50 anos da
CRB.
Quero agradecer a todos aqueles que colaboraram com testemunhos e
informações. Agradeço a dedicação do Dr. José Getúlio Thuler e a gentileza, no trato,
dos enfermeiros e enfermeiras que assistiram o P. Irineu neste longo calvário. Deus
lhes pague.
Que P. Irineu interceda por nós.
P. Gilberto Luiz Pierobom, diretor e
Comunidade Salesiana Dom Bosco de
Americana, SP-Brasil.
DADOS PARA O NECROLÓGIO
P. IRINEU LEOPOLDINO DE SOUZ
* São Gotardo (MG), 06/07/1921
† Americana (SP), 28/09/2004 com
83 anos de idade
65 anos de vida religiosa salesiana
56 anos de presbiterado
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COMUNIDADE SALESIANA DOM BOSCO
R. Dom Bosco, 100 – Santa Catarina
13466-327
AMERICANA – SP
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