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Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial Associado à Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP Rua Ceará, 2 – 01243-010 – São Paulo SP – Tel. (11) 3824-9633 / Fax: 825-2637 [email protected] / www.braudel.org.br ENERGIA ELÉTRICA E INFLAÇÃO CRÔNICA NO BRASIL A Descapitalização das Empresas Estatais Diomedes Christodoulou Roberto Y. Hukai Norman Gall Relatório Final Este trabalho, patrocinado pela Fundação Ford e um Grupo de empresas brasileiras de bens de capital, faz parte do programa de pesquisas do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial sobre problemas de formação de capital. São Paulo, 1993

Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial · datas marcadas para privatização até o final de 1993 e fala-se em 1994 como o ano da privatização do setor elétrico. É óbvio

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Instituto Fernand Braudel de Economia MundialAssociado à Fundação Armando Alvares Penteado - FAAPRua Ceará, 2 – 01243-010 – São Paulo SP – Tel. (11) 3824-9633 / Fax: 825-2637

[email protected] / www.braudel.org.br

ENERGIA ELÉTRICA E INFLAÇÃO CRÔNICA NO BRASILA Descapitalização das Empresas Estatais

Diomedes ChristodoulouRoberto Y. Hukai

Norman Gall

Relatório Final

Este trabalho, patrocinado pela Fundação Ford e um Grupo de empresas brasileiras de bens de capital, faz parte do programa de

pesquisas do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial sobre problemas de formação de capital.

São Paulo, 1993

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SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................................................................... 3Sumário ............................................................................................................................................ 5Apresentação ................................................................................................................................... 7

1. ENERGIA, INFLAÇÃO CRÔNICA E POLARIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

1.1. A deterioração da infraestrutura básica............................................................................... 111.2. A onda de hiperinflação na América Latina ...................................................................... 121.3. A crise de energia e elétrica no Terceiro Mundo .............................................................. 14

2. A CRÍTICA SITUAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

2.1. A implosão financeira: política tarifária e de investimentos............................................. 182.2. A questão da dívida externa................................................................................................... 212.3. Prenúncios de um colapso operacional e suas implicações.............................................. 252.4. Causas e efeitos da crise: o problema político-industrial.................................................. 32

3. O NOVO AMBIENTE TÉCNICO-ECONÔMICO

3.1. As mudanças nos custos de capital e taxas de descontos................................................. 363.2. Novos combustíveis para geração de eletricidade............................................................. 433.3. A oferta mundial de novas tecnologias.............................................. ................................ 57

4. AS GRANDES QUESTÕES: EM BUSCA DE UM NOVO MODELO

4.1. Formação de capital próprio: a questão de custos e preços de eletricidade.................. 624.2. Subsídios e transferências como instrumentos de distribuição de renda....................... 724.3. Privatização e o papel do capital estrangeiro...................................................................... 794.4. Eficiência energética e abertura econômica........................................................................ 86

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES

NOTAS

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PREFÁCIO

O velho modelo de planejamento centralizado cumpriu a sua tarefa e se esgotou naturalmente. Permeava na comunidade energética do país um latente estado de espírito de que algo de muito errado estava ocorrendo no setor energético nos últimos tempos. A inadimplência era generalizada, das distribuidoras para com as supridoras de energia, do setor elétrico para com o tesouro nacional e do setor para com suas prestadoras de serviços. Para os renhidos corporativistas do setor elétrico, o panorama era de total perplexidade.

Esta pesquisa pioneira, primeiro fruto do programa de investigações do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial sobre o problema civilizacional de inflação crônica, circulou nos meios perplexos do setor elétrico em 1990, levantando, pela primeira vez de modo integral, as grandes questões do modelo envelhecido, expondo os seus principais mitos e tabus: a homogeneização tarifária, o excessivo planejamento e controle estatal, as perdas na formação de capital e o predomínio hidroelétrico.

Desde então, vimos acontecer fatos e ações que reafirmaram as principais teses levantadas em nosso trabalho:

a) A falência do Estado como fonte e garantidor dos investimentos em infraestrutura energética. Uma mudança cultural já então se avizinhava, na qual o processo de financiamento dos investimentos no setor deveria mudar do modo “recourse financing” para “limited recourse financing”, ou seja, na qual cada projeto energético deveria se sustentar econômica e financeiramente por si só, sem a muleta do Estado provedor e garantidor. Hoje, o Estado está atravessando o purgatório da crise de identidade, cujo resultado final dependerá essencialmente da revisão constitucional; se tudo correr a contento, isso deverá redundar no retorno às origens da formação do Estado, ou seja, de provedor de bens sociais básicos e promotor da justiça, da segurança etc., deixando de vez o papel de Estado-empresário;

b) A descentralização tarifária e seus reflexos na formação bruta de capital do setor e da economia como um todo. Nosso trabalho propôs a abertura da economia em geral e do setor elétrico em particular, de modo que a tarifa se assentasse em patamares naturais de uma economia de mercado. As distorções tarifárias eram escabrosas e assim permaneceram desde 1974, conduzindo o setor ao descalabro financeiro e à ineficiência.

A tarifa média econômica para o Brasil foi estimada, em nosso trabalho, em US$75/MWh, mais do dobro daquela então vigente, atrasada por vontade política. As primeiras reações foram de choque. Contudo, hoje, já se fala em tarifa média de US$ 67/MWh e em alguns setores mais esclarecidos, em até US$ 80/MWh. O Banco Mundial aponta para um custo marginal de longo prazo de US$ 90 a US$ l10/MWh nos países do Terceiro Mundo. Uma análise financeira exata das usinas do plano de expansão da CESP, ainda que baseada em taxas de desconto irrealistas de 12% ao ano e 50 anos de prazo para as usinas hidroelétricas, ou 20 anos para as termoelétricas, aponta para um custo médio real

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de US$ 89,3/MWh. Obviamente, o mundo terá que se acostumar com tarifas elétricas em patamares maiores que os atuais, contudo, mais realistas.

Desde então, a questão tarifária tomou um rumo inesperado visando a correção das distorções. Zeraram-se as dívidas mútuas entre concessionárias e entre estas e o Governo Federal. E, ainda mais, descentralizou-se o processo decisório no estabelecimento das tarifas: a Lei 8631 de abril de 1993 delegou às concessionárias a fixação das tantas com base nos custos.

c) Uma análise da participação dos diversos componentes na formação bruta do capital nacional, feita em nosso trabalho, apontava para a necessidade de se contar com o capital privado, a única com saldo positivo, no desenvolvimento da infraestrutura elétrica. A privatização do setor ainda é um sonho, mas os primeiros sinais aparecem claramente no horizonte: as distribuidoras de energia elétrica Light-Rio e Escelsa (Espírito Santo) têm datas marcadas para privatização até o final de 1993 e fala-se em 1994 como o ano da privatização do setor elétrico. É óbvio que a extinção das estatais elétricas não ocorrerá de um momento para outro, como ocorreu com a Hidronor, na Argentina. Mas, os sinais são claros de que a direção geral está apontando para um sentido correto. A exigência não é só da necessidade de capital do setor elétrico, mas de saneamento de todo o Estado.

d) Nosso trabalho apontou para o advento da termoeletricidade na matriz elétrica nacional. Esta inserção é motivada por diversos fatores: a preferência dos empreendedores privados por usinas de menor investimento, os recentes avanços tecnológicos resultando em maiores eficiências termodinâmicas e, portanto, menores custos, a versatilidade na localização das usinas, o controle dos impactos ambientais por meios tecnológicos e tempo de construção menores. Os caminhos tecnológicos apontados em nosso trabalho estão sendo trilhados, ainda que devagar por exemplo, o Estado de São Paulo lançou recentemente (23 de julho de 1993) um programa concreto de incentivo à cogeração em asmas de álcool e açúcar aproveitando-se melhor o bagaço; a eventual importação do gás natural boliviano levou à adoção de grandes usinas de ciclos combinados como suas âncoras financeiras, e a cogeração industrial com o uso de gás natural já está se tomando uma realidade (Ilha Shopping, no Rio, e o projeto de cogeração do BANESPA, em São Paulo). Ainda há muito que percorrer nesse sentido, mas uma coisa está se tomando clara: a termogeração não é mais vista como uma complementação térmica à hidroeletricidade, mas sim, como economicamente competitiva, com seus próprios méritos.

Enfim, os autores manifestam a sua satisfação de que nosso trabalho mostrou-se como um marco que estabeleceu um novo limiar: o limiar da abertura do setor elétrico para a participação privada.

Os autores

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SUMÁRIO EXECUTIVO

Este relatório explica a falência do setor elétrico estatal brasileiro, como parte da deterioração geral da infraestrutura básica no Brasil e nos países vizinhos. O esfacelamento da infraestrutura básica no continente, assim como a inflação crônica que aflige os seus principais países, são frutos das mesmas políticas econômicas populistas que têm incentivado o consumo ao invés da formação de capital; perturbado o equilíbrio entre o Estado e o Mercado; e contribuído para a crescente polarização da economia mundial em duas correntes: das nações que caminham para o progresso econômico e das nações que caminham para o desastre.

A solução para a questão econômico-energética brasileira implica, necessariamente, num rearranjo estrutural da economia, que inclui a privatização, liberalização e integração com a economia mundial. O aumento das tarifas elétricas ao nível dos custos marginais e a abertura do setor para investimentos privados, inclusive estrangeiros, são medidas primordiais para a captação dos imensos recursos de capitais necessários para a expansão futura do sistema elétrico. Ao mesmo tempo, e para que este aumento não resulte apenas na simples transferência das ineficiências e distorções acumuladas no setor elétrico estatal ao longo dos anos para os ombros dos consumidores, é essencial a adoção de medidas para o aumento da eficiência econômica do sistema, permitindo uma maior abertura de importação de equipamentos, serviços, materiais, combustíveis, e novas tecnologias, descentralizando a política de preços e investimentos, privatizando, e submetendo o setor aos métodos e critérios de gestão da iniciativa privada.

O presente estudo, baseado em demoradas pesquisas e anos de vivência profissional dentro do sistema, procura analisar as justificativas e a urgência destas recomendações. No decorrer dos trabalhos, procuramos a todo custo isentar-nos de quaisquer preconceitos que normalmente afetam uma investigação deste tipo, dados os interesses envolvidos. Procuramos, desta forma, apresentar uma síntese livre da visão defensiva do Governo, das teorias acadêmicas, da sede tarifária do setor estatal, das pressões por obras das empreiteiras e fabricantes de equipamentos etc. Obviamente, o resultado não pode e nem pretendeu ser exaustivo dado o tempo disponível frente à magnitude do problema, além de que praticamente todos os temas aqui abordados já têm sido objetos de estudos em maior ou menor profundidade pelos analistas e planejadores do setor elétrico, e dos meios acadêmicos. O “ponto forte” do trabalho reside, talvez, na junção das partes e no exame das consistências num único bloco de idéias. Igualmente que tornasse o trabalho acessível também ao entendimento de pessoas fora do setor elétrico.

Algumas das coisas que temos a dizer são duras e necessárias para o confronto das idéias. Mas, o trabalho repele o pessimismo e firma a convicção de que existem soluções técnicas e econômicas relativamente simples para a questão elétrica. A estatização e o dirigismo do setor tiveram sua fase completada. Criou-se no Brasil, durante as últimas décadas, um dos parques hidroelétricos mais importantes do mundo e uma capacitação humana de profissionais de primeira luinha. Contundo, é o próprio sistema que agora cheio de contradições e distorções, esgotou-se em si mesmo e deverá se substituído. Com tudo em vida, a crise atual é também uma oportunidade para um aperfeiçoamento maior. O pêndulo

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do dirigismo já dá indícios de esgotamento de forças, e o seu vetor aponta para um outro sentido.

Os indícios da adaptação da sociedade brasileira aos novos tempos encontram a sua manifestação mais pungente nas crescentes tensões entre o Mercado e o Estado, que tendem a redefinir os conceitos e os limites de atuação e interferência governamental na economia. Os frutos desta adaptação não serão produtos imediatos de um milagre, de um pacote ou de uma eleição. Serão conseqüências de um esforço de 10 ou 20 anos vindouros, que podem representar muito tempo para os que sempre aguardam milagres, mas pouco tempo na vida de uma grande nação.

Os autores.

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APRESENTAÇÃO

A infra-estrutura deficiente, a formação de capital insuficiente e a inflação persistente, problemas endêmicos da América Latina e o Brasil, são temas entrelaçados que o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial escolheu para seus trabalhos atuais.

Como membro deste Instituto e devido à minha vivência com o setor elétrico, acompanhei o preparo do estudo: “Energia Elétrica e Inflação Crônica no Brasil: A Descapitalização das empresas Estatais”, de autoria de Diretores do instituto, Srs. Diomedes Christodoulou, Roberto Y. Hukai e Norman Gall.Este estudo é singular na sua visão externa, independente e profissional, do setor elétrico estatal brasileiro. Busca uma visão histórica e partindo dela, debate questões presente e traz reflexões abrangentes e proposições relevantes para a construção do futuro do setor.

Quanto ao passado, nada pode ser feito a não ser pesquisa-lo e buscar entende-lo. Na linha de Fernand Braudel, os autores realizaram uma abordagem não apenas descritiva mas analítica. Preocuparam-se essencialmente com o desmoronamento financeiro do setor elétrico estatal, trazido pela inflação crescente, pela longa e profunda contenção tarifária, pelo princípio da tarifa única nacional, pelo pesado endividamento externo e por deficiências mais recentes na vida das estatais do setor que, iludidas por sucessos colhidos, não souberam envelhecer.

Na primeira fase da minha vida profissional assisti à ascensão e à queda do capital estrangeiro no setor, finalmente sufocado pelas tarifas congeladas versus a inflação. Se a AMFORP foi pouco agressiva no seu crescimento no interior do Brasil, submetidas a uma fornecimetno limitado, a Light em São Paulo e no Rio de Janeiro não dava motivos a que surgissem empresas estatais. Assisti novamente, nos últimos 30 anos, à ascensão e o declínio das empresas agora estatais, por ironia igualmente sufocadas pelas tarifas vaixas. Estaremos assistindo ao fim de um ciclo? É o que este trabalho examina.

Não é do seu escopo estudar eventuais benefícios criados pelo custo da transferência, resultante da compressão tarifária, de dezenas de bilhões de dólares equivalentes, do setor elétrico a seus usuários, dentro de uma política governamental de substituição de derivados do petróleo, combate ilusório à inflação, estímulo à exportação e à formação de grupos empresariais privados. Ainda que não tenham sido mensurados, conclui-se do trabalho que estes benefício terão sido menores do que os custos incorridos para o setor elétrico estatal. Particularmente, no combate à inflação, os autores observam que a política adotada, em vez de reduzi-la, aumentou-a.

Ao longo do trabalho, os autores abordam temas polêmicos, mas o fazem ao meu ver, competentemente e convincentemente no conteúdo e na forma. O estudo evidentemente não exaure o tema, e não pretende nem poderia pretender ser completo nem final. O campo é amplo e dinâmico e há outros ângulos de abordagem e há outras visões, mas com este trabalho o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial traz importante contribuição.

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Cooperei com o estudo, apresentando perguntas, críticas e sugestões de terceiros e as minhas próprias. Algumas foram aceitas, outras não, sempre preservada a total independência e a visão externa dos autores que o assinam.

Quanto ao futuro, o estudo é fértil em sugestões, que deverão ser debatidas. Algumas delas poderão parecer não convencionais. Mas, estas sugestões só foram apresentadas depois de longos estudos e de debates internos e externos e da busca de idéias que sejam contemporâneas com o mundo novo que nasce.

O destaque principal que dou a este trabalho é o conjunto, o seu “todo” coerente, que flui chegando a conclusões tornadas evidentes. São conclusões, a meu ver, realistas e, aperfeiçoadas pelo debate, se for o caso, facilitarão o renascimento do setor. Pois creio que as estatais brasileiras passam por aquela fase que ocorre quando “o que era velho já morreu; o novo ainda não nasceu; no intervalo ocorrem coisas mórbidas”.

O renascimento implica na inserção na modernidade. Mas, que é modernidade? Será a ruptura com o passado? Não, pois precária e fugidia seria a modernidade se ela não se servisse do diálogo entre a maturidade e a mocidade.

Modernidade será “queimar” etapas, buscando tecnologias e capitais onde forem disponíveis? Será o reconhecimento de que sem o desenvolvimento político, o econômico não serve ao social? Será o entendimento de que a vitória do indivíduo se dará não pela sociedade mas por ele mesmo? Será o correto equilíbrio entre o consumo e a poupança, para gerar o bem-estar de hoje e de amanhã? Será a compreensão de que as fronteiras políticas não devem ser barreiras econômicas ainda que fronteiras? Será a não aceitação pelos governos e pela sociedade da inflação, buscando, pelo contrário, a estabilidade da moeda como base de coesão social e do progresso econômico? Será o entendimento do lucro como fator criador e agregador de capitais e como o custo da sobrevivência e do crescimento da empresa, geradora de recursos e de empregos?

A imensa maioria dos leitores responderá “Sim” a estas perguntas e concluiremos então, ao lê-lo, que o estudo a seguir é moderno. Este é outro grande destaque.

Tratando de temas específicos, destacam-se as proposições detalhadas referentes a:

1. Necessidade de tarifas que, após corretamente reavaliados os investimentos, remunerarem adequadamente o capital, a valores de mercado e assim gerem recursos que, formando capital próprio, criem a base para tomada de empréstimos e lançamento de aumentos de capital.

2. Aumento da taxa de desconto usada para planejamento da expansão.

3. Uso do bagaço de cana e do gás natural, inclusive provindo da Bolívia e da Argentina, para futuros projetos de geração, após testados pelo seu poder competitivo.

4. Busca e utilização de novas tecnologias já disponíveis ou a serem desenvolvidas para aplicação nos sistemas de geração e distribuição e para conservação de energia.

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5. Privatização em convivência com as estatais, não só na margem, em novos projetos, mas inicialmente pela aquisição de projetos já existentes ou em fase avançada de construção.

6. Mais pluralismo de decisão, com maior obediência ao mercado, e reconhecimento da necessidade de fortalecimento do DNAEE, como autoridade central do poder concedente.

São pontos relevantes, nem sempre novos nas idéias, mas abordados e consolidados aqui de maneira singular e avançados em detalhes importantes.

Passando a outro ângulo de observação, parece-me que a visão seja do passado, seja do futuro, nem sempre pode medir adequadamente soluções baseadas nos problemas da época de decisão e da perspectiva de então. Muitas vezes, o curto prazo sobrepõe-se ao longo prazo, e os administradores sabem da grande dificuldade de conciliar soluções que atendam às duas necessidades.

Em reuniões de governo fui muitas vezes convencido ou vencido que decisões relativas à contenção de preços de energia elétrica, aço, telecomunicações, etc. pareciam ou eram necessárias naquele momento. O problema foi, que tomado este desvio para um processo que deveria ser raso e curto, surgiram novos problemas ou novos administradores que o aprofundaram na dimensão e o alongaram no tempo. O resultado foi o desastre da intra-estrutura, tão bem relatado aqui, refletindo casos conhecidos na história, O país, como um todo, sobreviveu, pois, destes custos também resultaram benefícios em outras áreas. Mas, terá sido este o melhor caminho?

Os resultados parecem demonstrar que não houve a necessária, porém difícil, conciliação do curto prazo com o médio e longo prazo. Já foi dito que “a alienação humana pode dar-se pelo esquecimento do dia em nome do eterno e também pelo abandono do eterno em nome do dia”. Mas, para ser eterno, é preciso ser moderno.

Este trabalho demonstra, à exaustão, que o recurso à contenção de preços públicos, visando outros objetivos que não os do setor, foi longe demais e esgotou-se como ferramenta de governo; constata-se ainda que o governo brasileiro, nos últimos anos, buscou o crescimento através do estímulo à demanda, mas esta prática, obrigatoriamente, iria esbarrar e esbarrou no desestimulo à formação de capitais que hoje escasseiam para os investimentos necessários.

O resultado, agravado por outros fatores, todos conhecem: o desmoronamento das finanças federais e de suas estatais, arrastando a moeda, criando a inflação crescente com todo o seu cortejo, desembocando finalmente no forte choque econômico do Brasil Novo.

O Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial se propôs que este estudo não se tomasse apenas em mais um livro nas estantes, mas que fosse útil à nova fase de vida brasileira que se inicia nesta década dos anos 90, com um novo governo, democraticamente

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eleito, e com propostas de inserção do Brasil na modernidade e na competitividade em consonância com a nova era da economia mundial.

Conhecendo o setor elétrico brasileiro, vivendo o momento presente, e havendo analisado este estudo, eu o considero oportuno e crio que ele poderá ser útil aos planejadores e responsáveis pelas diversas áreas do setor, pela relevância de sua análise e validade das suas conclusões.

João Camilo Penna

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ENERGIA, INFLAÇÃO CRÔNICA E POLARIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

1.1. A deterioração da infraestrutura básica

A infraestrutura básica de muitos países em desenvolvimento está se transformando em sucata. Na escolha entre o consumo atual de bens e serviços e a poupança e investimentos para crescimento futuro, governos fracos e populistas têm reiteradamente optado pelo consumo. Este declínio na capacidade de poupar e investir são particularmente pronunciado nos setores públicos dos países da África e da América Latina que, tradicionalmente, têm-se encarregado da implantação e manutenção da infraestrutura essencial como estradas, telecomunicações, energia elétrica, saneamento e sistemas de distribuição de água.

A deterioração da infraestrutura em alguns países tem atingido níveis que começam a ameaçar a sobrevivência da própria sociedade organizada. O Banco Mundial estima que, durante as últimas duas décadas, 85 países em desenvolvimento têm desperdiçado um patrimônio de cerca de US$45 bilhões em infraestrutura de estradas devido à falta de manutenção, perdas estas que poderiam ter sido evitadas com obras de manutenção que teriam custado menos que US$12 bilhões. Em Ghana, pelo menos 60% das principais estradas pavimentadas estavam esburacadas em 1.984, aumentando os custos de transporte em 50% nas principais rodovias e 100% nas estradas rurais, e fazendo com que os caminhoneiros se recusassem a abastecer algumas regiões rurais por temor de estragar os seus veículos1. No Peru, as despesas com a manutenção de estradas diminuíram a níveis insuficientes para permitir a remoção de entulhos causados por avalanches nas montanhas e garantir a transitabilidade das principais estradas do país, entre elas as rodovias Central e Panamericana, que se encontram em estado grave de deterioração. No Brasil, onde a extensão das estradas federais aumentou de 8.500 quilômetros em 1955 para 65.000 quilômetros atualmente, representando um patrimônio estimado em US$150 bilhões, a parcela de rodovias em mau estado aumentou de 18% do total em 1.979 para 28% hoje2.

A infraestrutura de transportes é apenas um aspecto da desintegração dos serviços públicos. As perdas de distribuição no sistema de abastecimento de água na cidade de Lima atingem 40%. Tarifas defasadas não chegam a cobrir 50% da depreciação, e nenhum novo reservatório foi construído desde meados da década de 1.970, apesar da população da cidade ter crescido em aproximadamente 40% deste mesmo período. As perdas nos sistemas de distribuição de água de Buenos Aires e da Cidade do México são de 40% e 30%, respectivamente, versus apenas 15% nos Estados Unidos e 12% na Europa3. Ao mesmo tempo, com tarifas defasadas em mais de 75% em relação a 1.980, e com uma abrupta queda dos investimentos, o sistema telefônico do Brasil ameaça emudecer, O congestionamento das 9 milhões de linhas telefônicas hoje existentes no país tem se agravado da taxa de 6 insucessos a cada cem tentativas de ligação em 1.984, para quase 30 insucessos no final de 1.9884.

O colapso da infraestrutura básica na Nigéria tem chegado a tal ponto que obriga as indústrias com menos de 50 empregados a gastarem aproximadamente a metade dos seus investimentos e, no caso de empresas maiores, cerca de 20% dos investimentos, em máquinas e equipamentos para compensar as falhas crônicas dos serviços públicos. Boa parte destes investimentos destina-se a geradores elétricos particulares para suprir de um terço à metade da demanda das empresas, a custos de até 66 vezes maiores que os preços

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da rede pública. Outros investimentos feitos para compensar as falhas da infraestrutura pública incluem poços cavados para suprir a falta de abastecimento de água, mensageiros e equipamentos de rádio para substituir o sistema telefônico que não funciona, e veículos próprios para o recolhimento de lixo e transporte de trabalhadores e mercadorias. Os executivos e gerentes de empresas nigerianas desperdiçam, em média, 10 horas por semana para levar mensagens ou tratar pessoalmente fora da empresa assuntos que poderiam ser resolvidos em poucos instantes se o sistema telefônico estivesse funcionando5.

Embora o Brasil ainda esteja longe do grau de deterioração das instituições e da infraestrutura que se observa em outros países em desenvolvimento, os sinais de perigo são claros. Será preciso grande esforço para que isto não aconteça aqui também.

1.2. A onda de hiperinflações na América LatinaO espectro da falta de serviços vitais em alguns países faz parte de um processo maior,

de polarização da economia mundial, que tende a acentuar as diferenças entre a prosperidade de um seleto grupo de nações bem sucedidas e o restante do mundo, e cujas vítimas mais atingidas, países como Peru e Argentina, estão literalmente sendo apagadas do mapa da economia mundial. Além da deterioração da infraestrutura básica, outros sintomas deste processo polarizador são o enfraquecimento da capacidade econômica de instituições nacionais, e as dificuldades de um número crescente de países para continuar participando de transações comerciais e financeiras internacionais. A quota da América Latina no comércio mundial caiu para menos de um terço durante o período pós-guerra, de 10% do total no início da década de 1950, para 7,7% em 1960, e para apenas 3% atualmente6. Em todo o mundo, nações que em décadas recentes lideravam a corrida do desenvolvimento e crescimento econômico, estarão, nas próximas décadas, procurando caminhos para preservar a estabilidade de suas instituições, a sua capacidade produtiva, e a sua integridade política e territorial.

Algumas das diferenças mais dramáticas desta brecha crescente no ritmo e na estabilidade de crescimento e inversões entre as diferentes regiões mundiais estão surgindo entre países em desenvolvimento, fenômeno este que os economistas do Banco Mundial chamam de “desenvolvimento em duas pistas”7. Os caminhos divergentes de desenvolvimento estão intimamente ligados às taxas de formação de capital e de investimentos. A longo prazo, a poupança, os investimentos, a capacidade de obter créditos, o progresso tecnológico e o aumento da população integram-se no processo do crescimento, ou da estagnação. A aceleração da atividade econômica nos países em desenvolvimento tecnologicamente mais avançados, exportadores de produtos manufatureiros e “merecedores de crédito’’, está auto-realimentando o processo de formação de capital, tendendo a perpetuar e acentuar as suas diferenças com os demais países em desenvolvimento, a maioria deles produtores de matérias primas, que ficam cada vez mais para trás.

O avanço acelerado deste processo de polarização da economia mundial encontra seu combustível no fracasso do modelo de planificação e controle estatal da economia, adotado com fervor religioso na maioria dos países que hoje correm o risco de tomar-se casos terminais de desintegração econômica. Além dos recentes acontecimentos no leste Europeu, a demonstração mais pungente do fracasso deste modelo dirigista estatal, pode ser vista na recente onda de hiperinflações que tem atingido alguns dos principais países da América Latina. As forças de longo prazo que impelem a inflação crônica no continente, desorganizando e descapitalizando as economias dos seus países, reduzindo a sua

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participação na economia mundial, são radicalmente diferentes das hiperinfllaçôes européias das décadas de 1920 e 1940, que foram estouros episódicos gerados pelas guerras. As hiperinflações que hoje afligem algumas das nações mais importantes da América Latina são conseqüências de décadas de distorções econômicas e sociais, e de políticas de descontrole fiscal e monetário. Segundo dados do F.M.I. (Fundo Monetário Internacional), entre 1960 e o fim de 1989, na pior época inflacionária da economia mundial, o nível dos preços havia-se multiplicado 11,5 vezes no mundo como um todo, 118 vezes na África, e 732 mil vezes na América Latina. Neste mesmo período, o aumento dos preços no Brasil foi de 29 milhões de vezes e na Argentina de 20 bilhões de vezes8.

A inflação na escala observada nos países da América Latina é reflexo de um sistema de comportamento muito diferente do prevalecente no resto do mundo, exceto talvez do que pode ser encontrado em muitos dos países comunistas, onde dados mais recentes mostram que a crescente desorganização de suas economias pode também leva-los brevemente à hiperinflação. Os elos comuns entre as economias políticas dos países da América Latina e aquelas das nações comunistas são o dirigismo e exagerada interferência governamental na economia, a falta de competição e o isolamento comercial, e a rejeição do mecanismo de preços como meio de alocação de recursos e de promoção de equilíbrio entre a oferta e a procura. Em ambos os casos, apesar das pretensões de racionalização de recursos através do “planejamento integrado”, e de “distribuição de renda” através da concessão de subsídios e transferências orçamentárias, o Estado-Empresário faliu porque, na prática, não soube controlar os seus gastos, nem tampouco assegurar as suas receitas. A Figura 1 mostra que o nível real de tarifas públicas no Brasil era, em 1988, da ordem de 40-50% menor que em 1975, apesar dos enormes investimentos exigidos na expansão da infraestrutura ocorrida durante aquele período9.

Esta política nitidamente autofágica, de achatamento das receitas e descontrole dos gastos, vem ocorrendo em praticamente todos os países que hoje estão ameaçados pela hiperinflação e o colapso da sua infraestrutura básica, como parte de uma espécie de “ritual de auto-destruição” que vem sendo praticado com cansativa repetição: investimentos estatais maciços, colapso das tarifas públicas, empréstimos externos e, quando estes param, aumento da dívida interna e financiamento através da emissão de moeda. Assim, importa perceber que, no Brasil como em outros países vizinhos, a crise financeira das empresas estatais de serviços públicos, muito longe de ser o “remédio amargo’ que estas empresas devem tomar na luta contra a inflação, em verdade alimenta e faz parte do processo de desintegração inflacionária, com as empresas tentando futilmente aumentar os seus preços reais, mas sendo obrigadas a assistir à anulação destes aumentos com a escalada da inflação. Como resultado do colapso da sua capacidade de arrecadação e do fim dos empréstimos externos, as empresas públicas vêm cada vez mais buscar o dinheiro que lhes falta no Tesouro do Estado. Este, simplesmente imprime o dinheiro que também lhe falta. E o consumidor, muito longe de ser ‘protegido” por estas medidas ilusórias de controles de preços e descontroles de moeda, em verdade sofre cada vez mais os efeitos da inflação e, ainda, corre o risco de ficar sem os serviços essenciais devido aos investimentos insuficientes das empresas públicas.

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A demonstração de que a inflação crônica e a crise de investimentos no setor público são duas faces da mesma moeda, pode ser vista na Figura 2, que apresenta a evolução da poupança pública e da inflação no Brasil, entre 1972 e 1984.10

1.3. A crise da energia elétrica no Terceiro Mundo

Uma das demonstrações mais visíveis e assustadoras do esfacelamento da infraestrutura nos países do Terceiro Mundo pode ser encontrada na condição precária em que se acham os seus sistemas elétricos, que requerem alta concentração de capital e grande capacidade organizacional, além de planejamento e investimentos a longo prazo. Uma grave crise institucional, cujas repercussões se manifestam em agudos problemas financeiros, baixos níveis de investimento, falta de manutenção, uso ineficiente de energia, baixa produtividade do capital investido, má alocação de recursos, e dificuldades de ordem técnica e administrativa, tem levado os sistemas elétricos de vários países de baixa e de média renda à beira do colapso.

A capacidade geradora elétrica dos países do Terceiro Mundo como um todo, de cerca de 450.000 MXV (incluindo-se a China com capacidade instalada de 86.000 MWX é de apenas dois terços da capacidade instalada dos E.U. A, de aproximadamente 690.000 MW.11

Conforme mostra a Figura 3, o consumo dos países em desenvolvimento corresponde a 566 kWh/capita-ano, versus 11.000 kWh/capita-ano nos E.U.A. e Canadá, e mais de 5.000 kWh/capita-ano na Europa e no Japão, 12 o que explica em parte as extremamente altas taxas de aumento da demanda elétrica observada nestes países. Outras razões para estas altas taxas de crescimento da demanda nos países do Terceiro Mundo são a crescente industrialização e aumento de produção de insumos básicos eletro-intensivos e, principalmente, o uso ineficiente de energia. Ao contrário dos países desenvolvidos que têm conseguido melhoras substanciais na eficiência de utilização de energia, os países do Terceiro Mundo continuam aumentando as suas necessidades de energia para cada unidade de PIB (Produto Interno Bruto) produzido. Conforme mostra a Figura 4, a intensidade energética desses países, isto é, o consumo de energia dividido pelo PIB, medido em dólares de 1985, era em 1985 cerca de 90% superior à do Japão, apesar dos dois terem partido do mesmo patamar no inicio dos anos de 1970. Este contínuo crescimento da intensidade energética nos países do Terceiro Mundo contrasta também com as melhoras observadas nos E.U.A e na Europa Ocidental. Se as atuais tendências persistirem a intensidade energética dos países do Terceiro Mundo superará a dos E.U.A. antes dos meados desta década.13 Observa-se, contudo, que estes índices podem não representar a realidade fidedignamente, devido ao fato de terem sido baseados em estimativas do PIB oficial, sem considerar os efeitos do contínuo crescimento da economia informal nos países em desenvolvimento ao longo das últimas duas décadas.

As implicações econômicas destas altas taxas de crescimento da demanda elétrica podem ser vistas na Tabela 1, que mostra as projeções do WEC (World Energy Conference) sobre os requisitos de capital para a expansão da infraestrutura elétrica nas diversas regiões do mundo. Ela mostra que, devido às tendências de aumento da demanda e os custos cada vez mais altos de eletricidade, até o fim deste século, os países em desenvolvimento deverão destinar entre 2,6 e 5,5% do seu PIB para investimentos em infraestrutura elétrica, versus 1,5% do PIB em 1.980.14 Outro estudo recente da U.S.A.I.D. (LIS. Agency for International Development), adverte que, se as taxas atuais de

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crescimento da demanda persistirem e a eficiência de utilização de eletricidade não melhorar, e assumindo um cenário de médio crescimento econômico, os países em desenvolvimento como um todo precisarão investir quase US$100 bilhões anuais nos seus setores elétricos no período 1990-1995, e uma média de US$125 bilhões anuais durante os próximos 20 anos. Contudo, e ainda segundo a U.S.A.I.D., ao nível atual das tarifas elétricas nesses países, é possível gerar urna receita de apenas 15% desta quantia. O Banco Mundial e outros organismos multilaterais de desenvolvimento poderiam financiar, no máximo, até 15% a mais, e os financiamentos dos bancos comerciais têm efetivamente cessado a sua contribuição. Mesmo com as transferências governamentais, as empresas de eletricidade nos países em desenvolvimento atualmente conseguem investir apenas US$50-60 bilhões anuais, cerca da metade dos recursos necessários.15 Igualmente preocupantes com os problemas de escassez de capital são os problemas da qualidade dos investimentos. Anos e anos de interferências governamentais de toda espécie e, principalmente, as manipulações do mecanismo de preços, têm resultado em graves distorções no processo de alocação de recursos, dificultando ainda mais a situação dos setores elétricos destes países.

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Tabela 1: Requisitos mundiais de capital para a infraestrutura elétrica

CUSTOS DE GERAÇÃO EM US$/KW

Tipos de Usina/Ano 1980 2000 (baixa) 2000 (alta)

Hidro 2740 3360 4110Nuclear 2060 2540 3080Fóssil 1030 1230 1510

REQUISITOS MÉDIOS DE CAPITAL POR REGIÃO EM US$/KW

Região/Ano 1980 2000 (baixa) 2000 (alta)

Países industrializados- Geração 1480 2000 2390- Transmissão e distribuição 2740 2770 3030- Total 4220 4770 5420Países em Desenvolvimento- Geração 1690 2070 2480- Transmissão e distribuição 810 1700 2480- Total 2500 3770 4960Países de Economia Planificada- Geração 1370 1810 2320- Transmissão e distribuição 1370 1960 2620- Total 2740 3770 4940

REQUISITOS TOTAIS DE CAPITAL EM US$ BILHÕES/ANO (% do PIB)

Região/Ano 1980 200 (baixa) 2000 (alta)

Países Industrializados 226 (2.2) 302 (2.0) 488 (2,7)Países em Desenvolvimento 44 (1.5) 148 (2.6) 381 (5.5)Países de Economia Planificada

60 147 233

Fonte: WEC (World Energy Conference)

Os efeitos desta combinação, de altos índices de aumento da demanda, uso ineficiente de energia, aumentos nos custos, investimentos insuficientes, e baixa produtividade do capital investido, têm sido devastadores. Nos anos recentes, muitos países têm sofrido falhas crônicas no fornecimento de energia elétrica: Argentina, Bangladesh, Chile, Costa Rica, República Dominicana, Egito, Índia, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Perú, Filipinas, Taiwan e Tanzânia são exemplos de países que viram as suas atividades produtivas tomarem-se menos previsíveis e a integração de suas complexas atividades econômicas e sociais prejudicadas por falta de eletricidade. De acordo com o Banco Mundial, há países na África onde os aviões não podem mais aterrissar durante a noite devido à falta de eletricidade para iluminação das pistas de pouso.16 Na Nigéria, onde os preços de eletricidade foram congelados durante dez anos após o último aumento, e chegaram assim a apenas um sexto do custo marginal de fornecimento, o consumo de energia elétrica cresceu 143% entre 1.980 e 1.989, enquanto a economia nacional encolhia cerca de 11% no

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mesmo período. No Peru, onde a receita das empresas estatais diminuiu de 26% do PIB em 1.985 para 14% em 1.987, e os investimentos da empresa estatal de eletricidade, a ELECTROPERU, caíram de 1,4% para 0,8% do PIB no mesmo período, 17 cortes severos no fornecimento de energia elétrica atingem hoje a maior parte do parque industrial do país 2% Argentina, onde os investimentos públicos diminuíram de 11,1% do PIB em 1.977 para 3,8% em 1.985, a irrealista política tarifária e a crescente economia informal fizeram com que, entre 1.970 e 1.987, a demanda de eletricidade crescesse 153%, face ao aumento de apenas 23% do PIB oficial.19 Como conseqüência destas políticas, nos meados de 1989, a população Argentina passou por momentos extremamente difíceis, com o fornecimento de eletricidade sofrendo cortes rotativos de até seis horas por dia. No Uruguai, onde a mais grave seca dos últimos 50 anos fez com que em meados de 1.989 a principal usina hidroelétrica do país operasse somente com uma das suas 14 turbinas, os cortes de energia também foram de seis horas por dia.

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A CRÍTICA SITUAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

2.1. A implosão financeira: política tarifária e de investimentosHá claros e inquietantes sinais de que o setor elétrico brasileiro pode estar caminhando

na mesma direção que seus similares em outros países em desenvolvimento. O setor, que segundo a ELETROBRÁS vem necessitando investimentos da ordem de US$6-8 bilhões anuais para atender a demanda e manter o sistema elétrico com a confiabilidade necessária, tem conseguido levantar menos que a metade destes recursos. Apesar das projeções oficiais da demanda elétrica podem, de fato, ter sido exageradas diante das atuais perspectivas de crescimento do país, conforme mostrado mais adiante, os custos assumidos para as obras futuras do setor podem, por sua vez, ter sido sensivelmente subestimados, levantando, assim, sérias dúvidas sobre a possibilidade de diminuição dos investimentos previstos pela ELETROBRÁS.

Os preços reais efetivamente pagos para a energia elétrica no Brasil ainda estão muito defasados e corroídos pela inflação, em média cobrindo menos da metade do custo marginal de longo prazo. Os muito comentados aumentos das tarifas após o Plano Cruzado têm sido muito menores que o imaginado, e em alguns casos até fictícios, uma vez que estes “aumentos’ se referem à data da publicação das portarias do DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica) enquanto o setor recebe os faturamentos em caixa cerca de 40 dias depois. O aumento “real”, portanto, de 26% durante 1.987, foi quase que completamente corroído pelo salto da inflação, de 10 para 30% por mês. O Plano Verão agravou ainda mais a situação, ficando os reajustes das tarifas elétricas nos primeiros três meses de 1.989 em apenas 14,8%, enquanto a inflação acumulada no período alcançou 87,1%.20 Nos níveis da inflação de janeiro de 1990, da ordem de 56% mensais, a situação financeira do setor elétrico, tal como de todos os setores da economia que não recebem à vista, tomou-se realmente insuportável, com as tarifas no dia de seu efetivo recebimento valendo menos de três quintos do valor do dia de sua publicação. A situação é especialmente critica para as supridoras de energia elétrica, cujo prazo de efetivo pagamento (prazo entre a data de publicação da tarifa e a data do recebimento em caixa) para vendas às empresas distribuidoras pode chegar a 62 dias.

Esta situação tem levado o setor elétrico a reclamar, com boas razões, o encurtamento dos prazos de pagamento, ou a cobrança das tarifas com base no BTN (Bônus do Tesouro Nacional) fiscal. Mas, apesar de necessárias para garantir a sobrevivência das empresas elétricas a curto prazo, tais medidas seriam, infelizmente, muito efêmeras. De nada adiantaria uma cirurgia na cauda do cachorro sem uma operação no próprio cachorro, isto é, no próprio sistema econômico, que comanda e “abana” o setor elétrico e toda a infraestrutura básica do país. Muito mais importante e

efetivo que um remédio para diminuir a febre inflacionária seria a cura das próprias causas da inflação. Importa realçar, sobretudo, que apesar dos recentes “planos de estabilização” terem alimentado a inflação e agravado a situação financeira das empresas de eletricidade, a aguda crise que hoje ameaça o setor e, em verdade, o resultado de políticas distorcidas de preços e investimentos que vêm de longa data. Assim, a correção deste gritante desfalque nas finanças do setor elétrico certamente não pode ser resultante de uma ação pontual e limitada ao próprio setor, mas dependerá, sim, de mudanças muito mais profundas, que envolvem a própria estrutura das instituições econômicas do país como um todo.

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Entre 1.974 e 1.986, o setor elétrico foi palco de extraordinária expansão e, conforme indica a Figura 5, a capacidade geradora instalada no país aumentou de 18 mil para 45 mil MW, o que corresponde a uma taxa anual de crescimento de 7,8%. As Figuras 6a-b mostram que, para financiar esta expansão, foi necessário investir nada menos que US$48,6 bilhões tem dólares constantes de 1.986) na geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, valor este que não inclui os juros durante a construção. De acordo com a Tabela 2, esta quantia foi equivalente a 1,9% do P1B e a 9,2% da FBC (Formação Bruta de Capital) do Brasil acumulados naquele período.21

Neste mesmo período, contudo, apesar dos imensos gastos públicos incorridos pelo sistema elétrico, e apesar dos custos unitários de geração e transmissão (medidos em dólares constantes de 1.986 por kW instalado) terem sofrido altas consideráveis, as tarifas de energia elétrica literalmente despencaram. A tarifa residencial, corrigida através do IGP’ (Índice Geral de Preços), caiu para menos de 40% do seu valor inicial, e a tarifa média industrial, que já era propositadamente baixa, inicialmente para subsidiar o modelo de substituição de importações e, em seguida, para incentivar o aumento das exportações, sofreu queda de 16%. Ademais, estes valores podem não representar adequadamente a realidade devido à manipulação das taxas de câmbio e dos índices de inflação. Medida em dólares constantes de 1.986, atualizados através da taxa do câmbio da época e do deflator do PIB americano, a tarifa para um consumidor residencial com consumo mensal de 200 kWh, diminuiu de US$120/MWh em 1.974 para US$26/MWh em 1.986, ou seja, o valor real desta tarifa em 1.986 era apenas 22% do seu valor em 1.974. Quedas substanciais nas tarifas de eletricidade também ocorreram em outros setores tais como comercial e rural. Conforme mostram as Figuras 7a-c, 22 de maneira geral, as tarifas da eletricidade vendida em faixas de baixa tensão foram as que apresentaram as quedas mais dramáticas. Não bastasse esta queda absoluta nas tarifas, os preços relativos da eletricidade frente aos seus principais concorrentes também diminuíram substancialmente. A razão entre o preço de eletricidade industrial e o preço do óleo combustível de alto teor de enxofre diminuiu 2,8 vezes entre 1.974 e 1.986 e, apesar dos subsídios estendidos ao CLI’ (Gás Liquefeito de Petróleo) para uso doméstico, a razão entre o preço de eletricidade residencial e o preço daquele combustível diminuiu 1,5 vez no mesmo período.23

Para completar este círculo vicioso, entre 1.974 e 1.986, o mercado consumidor respondeu aos sinais claros de estímulo à substituição de petróleo via EGTD.24

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Tabela 2: investimentos no setor elétrico brasileiro e sua relação com alguns dos principais índices macroeconômicos

AnoPIB

(109 US$)FBCF

(109 US$)ISE

(109 US$)FBCF

(%)ISE(%)

ISE/FBCF(%)

1974 144,2 36,6 2,7 25,4 1,9 7,31975 151,7 40,6 3,1 26,8 2,0 7,61976 166,5 38,5 3,4 23,1 2,0 8,81977 174,2 38,4 3,7 22,0 2,1 9,61978 182,5 41,3 4,2 22,6 2,3 1,21979 195,0 44,0 4,1 22,5 2,1 9,31980 213,5 47,8 4,0 22,4 1,9 8,41981 206,5 46,1 4,4 22,3 2,1 9,61982 208,3 42,1 4,7 20,2 2,3 11,21983 203,1 31,9 3,7 15,7 1,8 11,61984 214,7 35,4 3,4 16,5 1,6 9,61985 232,5 41,9 3,7 18,0 1,6 8,81986 251,6 46,5 3,5 18,5 1,4 7,5

Total 2.545,0 531,1 48,6 20,9 1,9 9,2

FBCF = Formação Bruta de Capital Fixo; ISE = Investimentos no Setor Elétrico.

Fonte: Plano 2010, ELETROBRÁS

(caso da Itaipu), ao aumento das exportações via subsídios diretos (caso da Tucuruí), e ao desperdício desenfreado nos setores residencial e comercial, insuflados pela política tarifária do governo, apresentando uma taxa média de crescimento da demanda superior a 9% ao ano. Conforme mostra a Figura 8, enquanto o consumo de todas as outras fontes de energia juntas (petróleo, biomassa, etc.) cresceu apenas 43,6% entre 1.974 e 1.986, o consumo de eletricidade quase triplicou, tendo registrado um aumento de 195% (o aumento do PIB no mesmo período foi 72,2%). Em conseqüência, a energia elétrica em 1.986 passou a participar com 37,3% no total de energia final consumida no país, contrastando com apenas 22,4% em 1,974.25 Assim, a intensidade elétrica nacional, isto é, o número médio de kWh consumidos por unidade de PIB gerado, cresceu 71,4% de 1.974 a 1.986, enquanto neste mesmo período esse fator permaneceu praticamente inalterado nos países industrializados.26 Ou seja, no Brasil, grande parte da resposta às crises de petróleo foi à substituição deste combustível por hidroeletricidade (e, também, por etanol), enquanto nos países industrializados houve aumentos reais na eficiência dos usos finais de energia - que foram, por sua vez, provocados em grande parte por aumentos constantes dos preços. Embora seja impróprio fazer comparações diretas entre um país que ainda está em vias de desenvolvimento e cuja indústria básica esteja em construção com países cujo crescimento principal ocorre no setor de serviços e de alta tecnologia (atividades estas pouco intensivas em materiais e energia), e mesmo levando em consideração os efeitos da crescente economia informal, não restam dúvidas de que uma política realista de preços teria produzido um perfil energético brasileiro muito diferente do atual.

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Ademais, e não obstante as pretensões extemporâneas manifestadas de vez em quando pelo governo, de contornar a inflação através do controle dos preços, há fortes indicações de que a compressão tarifária, além de ter alimentado a inflação monetariamente e de ter incentivado a demanda artificialmente, na prática causou também altas consideráveis nos custos reais de fornecimento de eletricidade no país. A razão disso provém da criação de sérios problemas de fluxo de caixa nas empresas de energia elétrica, que resultaram, por sua vez, nos bem conhecidos e quase permanentes atrasos nas suas obras - atrasos estes muito onerosos numa época de juros explosivos e para projetos tão capital-intensivos e com longos prazos de construção como os de hidroeletricidade Também, além de terem elevado os custos financeiros das obras, os problemas de fluxo de caixa induziram os fornecedores do setor elétrico (empreiteiras e fabricantes de equipamentos) a aumentar os seus preços, a fim de incorporar os riscos de atrasos no pagamento em regime de inflação galopante. Enquanto o salário mínimo entre janeiro de 1.980 e janeiro de 1.986 aumentou cerca de 205 vezes (em termos nominais), o custo de mão-de-obra não especializada no setor hidroelétrico aumentou 366 vezes. Durante o mesmo período, o aumento dos preços de equipamentos nacionais no setor hidroelétrico foi 420 vezes, contrastando com o aumento de apenas 285 vezes no IPA (Índice de Preços por Atacado). O aumento do IGP (Índice Geral de Preços) neste período foi de 260 vezes.27 Apesar de boa parte destes aumentos ter sido uma resposta aos atrasos no pagamento pelas empresas estatais numa época altamente inflacionária, e apesar dos custos internacionais de bens de capital também terem aumentado mais que a inflação, o resultado final foi, sem dúvida, altamente negativo para o setor elétrico brasileiro.

2.2. A questão da dívida externaPressionado, por um lado, pelo problema do financiamento da Balança de Pagamentos

e, por outro, pela ausência de um mecanismo tarifário adequado, capaz de arrecadar os recursos necessários para a expansão do setor elétrico e dos demais serviços públicos, o governo recorreu a empréstimos externos. A queda constante dos preços reais de eletricidade, iniciada em 1.975 com a equalização das tarifas em todo o território nacional, não parecia prejudicar nem a confiança, nem os créditos dos organismos internacionais de financiamento. Ao contrário, até o início dos anos 1980, a disponibilidade de empréstimos externos parecia crescer em relação inversa ao nível das tarifas. Enquanto o serviço da divida do setor em 1.975 correspondia a 13,2% do total de seus recursos (próprios e de terceiros), este percentual elevou-se para 62,4% em 1.986.28 Hoje, a dívida externa do setor supera os US$30 bilhões quando se incluem ltaipu e o programa nuclear, o que representa cerca de 25% do total da dívida externa do país.

Foram os empréstimos externos que camuflaram, de início, esta mistura paradoxal e obviamente insustentável, de investimentos maciços e preços declinantes. Mais recentemente, quando os empréstimos externos cessaram, o resultado não foi apenas a queda preocupante dos investimentos na infraestrutura elétrica (que diminuíram de 67,0% do total dos recursos das empresas de eletricidade em 1.975 para 34,9% em 1.986)29 mas, talvez mais grave ainda, o setor elétrico foi tratado de tal modo que passou a constituir-se numa importante fonte de inflação, forçando o governo a recorrer à Casa da Moeda para fazer as injeções de recursos necessários para mantê-lo em atividade.

Enquanto os empréstimos e financiamentos contraídos pelo setor no exterior diminuíram de 18,0% do total dos seus recursos em 1.975 para 10,1% em 1.986, e os empréstimos e financiamentos contraídos dentro do país se mantiveram essencialmente

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estáveis, aumentando apenas de 8,9% do total em 1.975 para 9,6% em 1986, os recursos provindos do Banco do Brasil via avisos do Ministério da Fazenda (empréstimos “especiais” autorizados peio Governo Federal), que em 1.975 sequer participavam das fontes de recursos do setor, em 1.986 passaram a representar nada menos que 28,0% do total do seu orçamento, ou seja, US$ 3 bilhões frente a tem total de US$10,6 bilhões.30 A Tabela 3 mostra que as medidas de saneamento econômico-financeiro das empresas de eletricidade, implementadas no âmbito do PRS (Plano de Recuperação Setorial) entre 1986 e 1988, atingiram US$8,5 bilhões (em valores correntes). 31 Esta injeção de recursos, destinados, em princípio, ao serviço da dívida das empresas de eletricidade (apesar desta distinção, muito comum no Brasil, entre despesas operacionais e despesas financeiras, fazer pouco sentido em termos de fluxo de caixa), contribuiu significativamente para a expansão da base monetária do país nos últimos anos, ou seja, da inflação.

Em verdade, a virtual falência do setor elétrico estatal, manifesta na declarada incapacidade das empresas de eletricidade de pagar a sua dívida e levantar os recursos necessários para a expansão futura, com todos os seus efeitos e implicações para a macroeconornia brasileira, tem duas raízes:

Por um lado, há os efeitos bem conhecidos do “choque dos juros” que, a partir do início dos anos 1.980, literalmente explodiram, passando a custar 2 a 3 vezes o seu valor histórico. Obviamente, este aumento nos custos de capital foi extremamente prejudicial para um setor altamente endividado e cuja dívida foi contraída a juros flutuantes. Mas, além disso, por mais custosas que fossem as flutuações dos juros, mais caras ainda foram as conseqüências de um verdadeiro festival de taxas, comissões e cláusulas rígidas, embutidas em contratos de financiamento negociados por partes igualmente ansiosas por assiná-los mas desigualmente preparadas para administrá-los. Estas condições de financiamento, pouco compatíveis com a capacidade gerencial e administrativa do setor público de um país em desenvolvimento, junto aos efeitos desastrosos da desvalorização do dólar americano frente ao marco alemão e o iene (muitos dos empréstimos do setor elétrico foram captados antes desta desvalorização e alguns foram indexados com base numa cesta destas moedas, onde o peso do marco e do iene representava até 70%), têm resultado, na prática, em juros reais muito maiores para as empresas de eletricidade que os praticados no mercado, atingindo em alguns casos a inacreditável faixa de 20 a 30% ao ano32.

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Tabela 3: medidas de saneamento econômico-financeiro implementados no âmbito do Plano de recuperação setorial – PRS

ItemValor em US$ milhões (valores correntes)

1986 1987 1988 Sub-total

1. Reembolso do serviço da dívida associada às usinas nucleares

226 567 906 1.699

2. Empréstimo setorial BIRD (Banco Mundial)

500 500

3. Capitalização de serviços da dívida junto ao Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal

147 378 525

4. Capitalização de serviço da dívida junto ao Banco do Brasil (Avisos do Ministério da Fazenda)

707 339 409 1.455

5. Recursos de capital FND(Fundo Nacional de Desenvolvimento)

- 790 242 1.032

6. Capitalização do Empréstimo Compulsório - 863 8637. Amortização de avisos do Ministério da Fazenda com a utilização da CRC (Conta de Resultados a Compensar)

- 2.400 2.400

Total 1.580 1.696 5.198 8.474

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

No entanto, e apesar da conveniência de atribuir todas as dificuldades do setor elétrico à sua dívida externa, não se pode esquecer que os atuais problemas financeiros são também o resultado de políticas internas irresponsáveis que, numa época de investimentos pesados e custos marginais crescentes, permitiram o colapso das tarifas de energia elétrica. Por um lado, a prática de fixar as taxas de câmbio sem levar em consideração adequadamente a inflação dos países credores, tomou os juros nominais internacionais em juros ‘reais” para o setor elétrico. Por outro, as dificuldades criadas pelo aumento dos juros poderiam, no mínimo, ter sido amenizadas com um aumento correspondente nas tarifas e nas taxas de remuneração dos investimentos do setor. Infelizmente, contudo, conforme ilustra claramente a Figura 9, o que aconteceu foi exatamente o contrário, e o aumento nos custos de capital nos mercados financeiros internacionais foi acompanhado por uma queda abrupta nas taxas de retorno obtidas pelo conjunto das empresas do setor elétrico, que diminuíram de 11,4% em 1976 para apenas 4,2% em 1986.33 Esta diminuição nas taxas de retomo no setor elétrico do Brasil são reminiscentes do que ocorreu nos países da África abaixo do Saara, onde a taxa média anual de retomo dos investimentos despencou de mais de 30% no período 1961-73, para 13% no período 1973-80. e menos de 3% no período 1980-87. Para comparação, nos países do Sul Asiático estas taxas aumentaram de 21% no período 1961-73 para 22% no período 1973-80, e 23% no período 1980-87.34

As perdas resultantes do achatamento tarifário das concessionárias elétricas brasileiras são estarrecedoras. A Tabela 4 mostra a evolução das vendas de energia elétrica de todas as concessionárias do setor elétrico estatal, junto com a tarifa média nominal no dia de sua

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publicação pelo DNAEE, e a tarifa média real no dia do seu efetivo recebimento em caixa, 40 dias após a sua publicação pelo DNAEE, ambas em dólares constantes de 1988, durante o período 1975-1988.35 Esta tabela revela que o setor elétrico estatal neste período arrecadou uma quantia acumulada equivalente a US$74,5 bilhões (em dólares de 1988) para a venda total de pouco mais de 1.740 TWh, ou seja uma media de US$42,8/MWh vendido. Contudo, se a tarifa elétrica neste período tivesse sido mantida no seu nível real de 1975, o setor elétrico estatal teria arrecadado uma quantia adicional (isto é, além da arrecadada pela tarifa vigente) equivalente a US$ 54,3 bilhões, valor este cerca do dobro da sua dívida externa atual e cerca da metade do total da dívida externa brasileira. Mesmo levando em consideração que este valor refere-se a quantias que teriam sido captadas em cruzados e não em dólares, a magnitude das perdas demonstra claramente que, para as próprias empresas de eletricidade, o problema principal não foi a dívida em si, que apesar de não ter sido investida na melhor maneira possível, foi, de um modo geral, aplicada em investimentos produtivos, mas principalmente as políticas tarifárias irrealistas ditadas pelo governo federal.

Tabela 4: Efeitos da defasagem tarifária nas recitas das concessionárias elétricas (valores em dólares médio em 1988)

AnoVendas(1)

(TWh)Tarifa Nominal (2)

(US$/MWh)Tarifa recebida (3)

(US$/MWh)Receita efetiva(US$ milhões)

Perdas em relação a 1975(US$ milhões)

1975 62,8 76,0 73,9 4,641 01976 71,7 68,6 66,0 4,732 5671977 81,1 65,0 62,5 5,069 9241978 90,3 62,7 60,5 5,463 1.2101979 101,5 57,1 54,5 5,532 1.9691980 112,2 50,8 47,5 5,330 2.9621981 115,6 60,3 55,8 6,450 2.0931982 123,0 54,0 50,1 6,162 2.9281983 131,8 35,9 32,6 4,297 5.4431984 146,9 32,8 29,1 4,275 6.5811985 161,3 30,2 26,5 4,274 7.6461986 173,9 29,7 26,9 4,678 8.1731987 179,6 44,0 38,6 6,933 6.3391988 190,8 43,9 35,0 6,678 7.422

Total 1.742,5 46,8 42,8 74,514 54.257(1) Apenas das concessionárias; não inclui os autoprodutores(2) Valor médio no dia de publicação da tarifa pelo DNAEE(3) Valor médio no dia do recebimento efetivo em caixa, 40 dias após a publicação da tarifa pelo DNAEE

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2.3. Prenúncios de um colapso operacional e suas implicaçõesEsta crônica escassez de capital parece prenunciar uma iminente crise de fornecimento

elétrico que poderá advir antes dos meados desta década. Os prenúncios da crise já se fazem sentir por todo o Brasil. De acordo com a ELETROBRÁS, mesmo assumindo que não haja atrasos adicionais nas obras, o risco de racionamento em algumas regiões do país poderá subir para níveis superiores a 10% em 1994.36 Para comparação, os critérios atualmente em vigor estabelecem que o parque gerador deve ser capaz de atender o mercado previsto de energia a um nível de risco de déficit anual de 5% dos anos da série hidrológica, e o mercado previsto de demanda máxima anual a um nível de risco de déficit de potência de 0,68%, ou 5h/mês.37 Importa lembrar, também, que além dos problemas de redução da quantidade de energia, há o problema igualmente importante da diminuição da qualidade do abastecimento, que para os segmentos mais sofisticados da indústria pode ser tão fatal quanto o racionamento.

Os atrasos nas obrasEm Rondônia, onde a população já convive com uma crise de fornecimento elétrico

desde a explosão do crescimento demográfico iniciado há mais de 15 anos, a primeira usina hidroelétrica de grande porte, a de Samuel, de 217 MW, programada para aliviar o sufoco de Porto Velho, está semi-paralizada a partir do mês de abril de 1.989, por falta de pagamento á empreiteira de obras, colocando em desespero a CERON, concessionária local de distribuição de eletricidade. Também na região Norte, outra peça importante do sistema gerador, a usina Tucurui II, de 3.300 MW, originalmente programada para entrar em operação em 1994, foi adiada para 1996.38

No Nordeste, que já no ano de 1.987 sofreu o mais duro processo de racionamento de eletricidade desde a década de 1.950, a hidroelétrica de Xingó, de 5.000 MW, originalmente programada para iniciar sua operação em 1.992, depois adiada para 1.994 por falta de verbas, necessitará de US$2,8 bilhões nos próximos 5 anos para manter o cronograma de obras em dia. O nível hidrológico do Rio São Francisco. fonte de 90% de toda eletricidade gerada no Nordeste, será acompanhado ano a ano com grande expectativa. Uma queda na capacidade de enchimento da sua principal barragem, a de Sobradinho, poderá indicar o inicio de mais uma “via crucis” para a população urbana da região. As últimas previsões oficiais da ELETROBRÁS apontam para um risco de déficit no Nordeste de 11% em 1994, mesmo com todos os cronogramas das obras mantidos em dia.

No Sudeste brasileiro, onde a falta de chuvas de março até novembro de 1.986 fez com que a região escapasse de raspão por uma crise de racionamento, a uma vez maldita Itaipu, batizada então como um dos símbolos do malfadado sonho do Brasil Grande, tomou-se a peça fundamental capaz de manter acesas as lâmpadas da região, pelo menos até 1.993, ano limite em que a acumulação das águas da Bacia do Paraná conseguirá acionar a última de suas turbinas de 700 MW (cada uma das suas 18 máquinas têm potência superior em 15% à da usina nuclear de Angra 1), o que deverá exaurir a capacidade geradora da usina. Após a entrada em operação dessa última máquina de Itaipu, a próxima grande usina na região Sudeste seria a de Porto Primavera, da CESP, de 1.818 MXV. Esta usina está sendo construída desde 1.980, e deverá entrar em operação em 1.995, caso suas obras sejam retomadas de imediato. Mas a CESP, corroída por uma dívida externa de cerca de US$4,5 bilhões, não tem recursos para Porto Primavera, a não ser para mantê-la em “ponto morto”, isto é, em estado de obra suficiente somente para não corroer os investimentos já

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realizados. Outro fator crítico do suprimento elétrico do Sudeste refere-se aos atrasos na conclusão das obras das usinas nucleares de Angra II e III, cada uma com potencial de 1.245 MW, que deveriam entrar em operação em 1992 (Angra II) e 1995 (Angra III), mas que foram agora reprogramadas para 1995 e 1998, respectivamente.

No Sul, a hidroelétrica de há, da ELETROSUL, com capacidade de 1.620 MW, estava originalmente programada para operar em 1.992. Hoje, suas obras estão semiparalisadas também por falta de verbas, e foram reprogramadas para 1.995. Esta usina é peça fundamental para os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As usinas termoelétricas de carvão, Unidade IV de Jorge Lacerda e a de Jacuí, ambas de 350 MW, também estão com seus cronogramas atrasados em 9 meses. No Rio lguaçu, a Usina de Segredo, de 1.260 MW, da COPFL, deveria começar a operar em 1.991, mas suas obras, prejudicadas por acusações de formação de cartel pelas empresas de construção, foram atrasadas por um ano. A região Sul lá havia sofrido um racionamento de 20% durante dois meses, em 1.986, e a situação só não foi pior devido à transferência de 1.400 MW do Sudeste, através de uma precária conexão entre os dois sistemas, operando ambos no limite máximo de suas capacidades.

Além dos efeitos desastrosos sobre os custos finais das obras e as finanças das empresas de eletricidade, estes atrasos generalizados, resumidos na Tabela 5, 39 são muito preocupantes, porque mesmo se os cronogramas de todas as usinas já contratadas e a 5erem iniciadas a curto prazo forem mantidos, seria possível incrementar a capacidade elétrica instalada no pais no período 1990-1995 a urna taxa média de menos de 5% ao ano. Em comparação, o Plano 2010 previa aumentos médios na capacidade geradora de 7,1% ao ano neste período. Apesar das taxas de crescimento econômico no país durante os últimos três anos terem sido menores que as previstas no Plano 2010, é importante lembrar que durante 1980-1987, não exatamente um período de “boom” econômico, os preços declinantes de energia elétrica e outras políticas equivocadas fizeram com que o crescimento do consumo elétrico no Brasil, fosse, em média, de 7,4% ao ano. Nos anos de 1988 e 1989, caracterizados pela semi-estagnação do PIB oficial, as altas taxas de crescimento populacional e a economia informal fizeram com que o consumo de eletricidade continuasse crescendo na faixa de 5% ao ano. 40

Assim, mesmo reconhecendo a possibilidade de adoção de políticas econômicas recessivas pelo futuro Governo, resultantes de um eventual combate à inflação, a experiência passada mostra que, sem mudanças radicais na política de preços, quaisquer atrasos adicionais nas obras poderiam resultar em racionamento. As preocupações com O futuro do setor tornam-se ainda maiores quando se lembra que além dos atrasos nas obras, os últimos anos têm sido caracterizados por uma acentuada queda nos gastos com manutenção, principalmente nos sistemas de distribuição de eletricidade.

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Tabela 5a: Atrasos e/ou reprogramações no programa de obras do Plano Decenal de Geração na região Sudeste.

Entrada em Operação

Usina PotênciaInstalada

(MW)

Previsão Atual(A)

Previsão do Plano 2010 (B)

Adiantamento (meses)(A-B)

Taquarucu 505 Fev-90 Ago-89 6C. Dourada 190 Jun-90 Set-87 33Três Irmãos 648 Jun-90 Jun-67 12Jaguara 648 Jun-92 Jul-90 23Manso 210 Dez-93 Dez-91 24Igarapava 200 Mar-94 Jun-94 -3Corumbá I 375 Abr-94 Dez-92 16Miranda 390 Jun-94 Mar-93 15Nova Ponte 510 Jun-94 Jun-92 24Paulínia I 350 Jun-94 - -Paulínia II 350 Dez-94 - -Serra da Mesa 1200 Abr-95 Abr-93 24Porto Primavera 1818 Mai-95 Mai-91 48S.J. dos Campos 350 Jun-95 - -Cana Brava 480 Set-95 Mar-94 18Simplício 180 Out-95 Out-92 36Angra II 1245 Dez-95 Dez-92 36Igarapé II 125 Dez-95 - -Queimado 100 Set-96 Mar-97 -6Sapucaia 200 Dez-96 Dez-92 48Couto Magalhães 220 Mar-97 - -Formoso 340 Mar-97 Mar-95 24Itaocara 210 Mar-97 Mar-93 48Serra do Falcão 210 Mar-97 Mar-94 36Bocaina 165 Mar-98 Mar-94 48Picada 100 Mar-98 Mar-95 36Angra III 1245 Set-98 Dez-95 34Foz do Bezerra 360 Mar-99 Mar-95 48Capim Branco 600 Jun-99 Jun-94 61Irapé 420 Jun-99 - -Sobragi 110 Jun-99 Jun-95 48Barra do Peixe 450 Set-99 Set-95 48Corumba II 235 Set-99 Set-96 36Fonte: ELETROBRÁS

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Tabela 5b: Atrasos e/ou reprogramações no programa de obras do Plano Decenal de Geração na região Sul.

Entrada em Operação

Usina PotênciaInstalada

(MW)

Previsão Atual(A)

Previsão do Plano 2010 (B)

Adiantamento (meses)(A-B)

J. Lacerda IV 350 Jun-91 Set-90 9Jacuí 350 Mar-92 Jun-91 9Segredo 1260 Set-92 Set-91 12Bolívia-Gás 450 Jun-93 - -Candiota III-1 350 Dez-94 Jul-92 29Desvio Jordão - Jun-95 Jun-92 36Itá 1620 Jun-95 Out-92 32Dona Francisca 125 Set-95 Set-92 36Carvão - 50 MW 200 Dez-96 Dez-95 2Campos Novos 890 Set-97 Set-93 49Sto. Caxias 1000 Set-97 Set-94 36Candiota III-2 350 Dez-97 Dez-96 12Machadinho 1200 Mar-98 Mar-94 49Mauá 422 Set-98 Set-95 36Cebolão 194 Set-99 Mar-96 43Candiota III-3 350 Dez-99 Dez-98 12Carvão - 125 MW 250 Dez-99 Dez-98 12Fonte: ELETROBRÁS

Tabela 5c: Atrasos e/ou reprogramações no programa de obras do Plano Decenal de Geração na região Norte/Nordeste.

Entrada em Operação

Usina PotênciaInstalada

(MW)

Previsão Atual(A)

Previsão do Plano 2010 (B)

Adiantamento (meses)(A-B)

Boa Esperança 126 Dez-89 Jun-89 6Pedra do Cavalo 600 Jan-94 Mar-92 22Xingó 5000 Jul-94 Out-92 21Tucuruí II 3300 Jun-96 Jan-94 29Araçá 120 Jun-98 - -Sacos 114 Jun-98 - -Itapebi 617 Nov-98 Nov-95 36Fonte: ELETROBRAS

Aliás, com relação a uma certa tendência de alguns analistas de menosprezar os riscos das atuais políticas do setor elétrico com base em argumentos de que o Plano 2010 teria superestimado as projeções de demanda, 41 importa lembrar que as taxas menores de consumo em relação às previstas no Plano não ocorreram em conseqüência de ações

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específicas do setor elétrico, tais como aumentos na eficiência do uso de energia, ou campanhas de conservação, ambos prejudicados pela baixa tarifa, mas principalmente devido à estagnação da economia do país. Pior ainda, a oferta menor de energia em relação à prevista não foi somente uma resposta à diminuição da demanda, mas, em grande parte, uma imposição, provinda da falta absoluta de recursos para conclusão das obras. Em outras palavras, uma eventual queda nas taxas de crescimento da demanda elétrica nestas condições não deveria ser vista com nenhum tipo de ‘alívio; pelo contrário, os problemas estruturais do setor elétrico brasileiro (uso ineficiente de energia, formação insuficiente de capitais e baixa produtividade do capital investido) continuam, com a agravante adicional que o crescimento econômico futuro do país poderá ser agora comprometido pelas limitações de expansão da intraestrutura elétrica e de outros serviços básicos.

É importante também destacar que a crise de suprimento elétrico de 1.986/1.987 foi essencialmente uma crise de transmissão elétrica. As ‘pontes de safena’ providenciadas para levar o sangue elétrico da Usina de ltumbiara na fronteira de Minas Gerais com Goiás para a Grande Belo Horizonte; a ligação, por FURNAS, de Itaipu com a subestação de lvaiporã, no Paraná, que possibilitou escoar a energia daquela usina para o Sul; e a ligação da subestação de Tijuco Preto (em Corrente Alternada) e lbiúna (em Corrente Contínua), em São Paulo, com o anel que supre a cidade do Rio de Janeiro e todo o Sudeste e Centro-Oeste, trazendo-lhes a energia de Itaipu, conseguiram salvar o Brasil de um ataque eletro-cardíaco a tempo. Da mesma forma, o término da transmissão a “toque de caixa” desde a subestação de Presidente Dutra, no Maranhão, até o sistema da CHESF, levou a energia da Usina de Tucuruí, da ELETRONORTE, até o Nordeste, suspendendo o racionamento naquela região. A próxima crise, contudo, que poderá ocorrer entre 1.993 e 1.995 (1993 no Nordeste e 1995 no Sudeste), será primordialmente uma crise de geração e não mais de transmissão. As aortas elétricas” estarão funcionando mas o coração elétrico, que é o parque gerador, estará deficitário. Neste sentido, vale a pena lembrar que as obras de geração se caracterizam por requerer período de maturação muito maior que aquelas de transmissão de eletricidade. Enquanto é possível construir 500 1cm de linhas de transmissão em um ano a “toque de caixa”, leva-se 5 a 6 anos para construir uma usina hidroelétrica da mesma forma.

Por outro lado, é importante assinalar que diversas obras de usinas hidroelétricas e termoelétricas estão no meio do caminho e capazes de serem colocadas na trilha da conclusão ainda em tempo hábil para solucionar, ou pelo menos minimizar, eventuais problemas de racionamento a curto e médio prazo. A recuperação do programa de obras de usinas como Xingó no Nordeste, Há, Segredo e Jacuí no Sul, e Porto Primavera, Angra II e Serra da Mesa no Sudeste, poderiam adicionar uma capacidade geradora suficiente para afastar o perigo do racionamento num prazo de 3 a 4 anos (apenas as usinas mencionadas somam quase 12.500 MW). Na região Norte, o aproveitamento do gás natural de Juruá/Urucú para acionar usinas termoelétricas de ciclo combinado para socorrer o sistema Acre - Rondônia, junto com a praticamente concluída hidroelétrica de Samuel, poderia ser viabilizado em menos de 3 anos. Eventualmente, até o suprimento de Manaus poderá vir do gás Amazônico através de um projeto integrado, adiando-se as controvertidas usinas hidroelétricas na Amazônia para mais adiante. E a usina térmica Boliviana, de 450 MW, a ser instalada em Puerto Suarez, perto da fronteira com o Brasil, para exportar energia à região Centro-Oeste, poderia ajudar a resolver os problemas de suprimento elétrico do Mato Grosso do Sul, também em menos de 3 anos.

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Os custos de uma crise elétricaÉ difícil medir a exata dimensão de uma crise de racionamento elétrico. Os efeitos do

racionamento ocorrido na Argentina e do que afeta atualmente o Peru, só podem ser sentidos por quem estiver imerso na crise. Mas as conseqüências de um colapso no fornecimento de energia elétrica não podem ser confundidas com as meras inconveniências de um “black-out” temporário, que não passam de amostra do que realmente poderá acontecer. No caso de cortes de energia pré-programados, as conseqüências de déficits no suprimento podem ser amenizadas e os custos reduzidos. Mas, a longo prazo, os efeitos potenciais de uma crise elétrica aguda e prolongada sobre as atividades cotidianas de uma sociedade contemporânea são, em alguns aspectos, semelhantes aos de um terremoto. Muita da infraestrutura básica que move uma sociedade moderna entra em estado de colapso. Hospitais e escolas deixam de funcionar, as indústrias diminuem o ritmo produtivo com dispensa de pessoal, a iluminação pública é cortada drasticamente aumentando a delinqüência criminosa, e os serviços públicos como o transporte urbano e o abastecimento de água ficam ameaçados. O censo nacional de 1.990 irá revelar um Brasil com cerca de 15 cidades com população superior a 1 milhão de pessoas, quando havia apenas duas cidades deste tamanho em 1.960. Poucos membros do governo, da comunidade acadêmica ou empresarial, e da imprensa, que informa a opinião pública, foram devidamente informados para ter uma visão clara da logística e das operações envolvidas no processo de abastecimento de alimentos para uma população urbana de quase 110 milhões, espalhada sobre um território de tamanho continental. E assustador tentar imaginar os efeitos de uma crise prolongada de abastecimento elétrico, envolvendo perdas parciais ou totais dos sistemas de refrigeração, sobre o processo de transporte, armazenamento e distribuição de gêneros alimentícios para estas populações urbanas.

Os prejuízos econômicos de uma crise deste tipo podem ser avaliados ao se verificar que enquanto o custo de energia elétrica representa, em média, 1,5 a 3% do valor agregado do produto industrial, o efeito multiplicador de sua falta é de algumas dezenas de vezes maior. No caso extremo da Argentina, onde no auge da crise houve um virtual colapso do sistema elétrico, estima-se que o racionamento de cerca de 25% do total da energia elétrica consumida naquele país provocou uma queda na atividade industrial e comercial da ordem de US$420 milhões por mês.42 Uma pesquisa internacional sobre o custo de interrupção de energia elétrica para o setor residencial indica que o custo do kWh faltante é 35 vezes superior ao preço do kWh fornecido em condições normais.43

Diversos outros estudos recentes de casos reais a nível mundial também comprovam que os custos de interrupções no abastecimento elétrico são sempre muito elevados. No caso da Índia, por exemplo, o NCAER (Nationai Council for Applied Economic Research) estudou os custos das faltas de energia elétrica que vêm castigando aquele país desde a década passada e que hoje atingem 10% da demanda total. De acordo com o NCAER, as perdas na produção industrial foram de US$2,1 bilhões no período 1982-1983 e de US$2,7 bilhões no período 1983-1984 (ambos expressos em valores de 1987), equivalentes à cerca de 1,5% do PIB daquele país.44 Outro estudo, preparado em 1987 para a U.S.A.I.D. e a WAPDA (Water and Power Development Authority) do Paquistão, estimou os custos de interrupções no fornecimento elétrico ao setor industrial do Paquistão. O prejuízo, que se vem agravando desde 1982, com a falta de eletricidade chegando a superar hoje 25% da demanda, atinge USS35O milhões anuais (em valores de 1987), equivalentes a 8,2% do valor do PIB industrial paquistanês. O mesmo estudo avaliou, também, os custos de racionamento antecipadamente programado para os diversos setores industriais,

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concluindo que este varia de US$290/MWh no caso da indústria têxtil a US$1.770/Mwh no caso da indústria mecânica e de equipamentos, ficando o custo médio em US$460/MWh. No caso de interrupções não programadas o custo médio foi estimado em US$810/Mwh. Ainda conforme este estudo, aquelas indústrias que optaram por autogerar a sua eletricidade o fazem ao custo de US$140 a US$740/MWh. Para efeitos de comparação, o custo marginal de longo prazo do sistema da WAPDA é de US$76/MWh.45

A Tabela 6 mostra exemplos de custos de interrupções no fornecimento elétrico em países em desenvolvimento, calculados pelo Oak Ridge National Laboratv dos E.U.A.46 e como pode ser visto, de modo geral, as perdas globais a curto prazo atingem 1 a 3% do PIB. Para colocar estes números em perspectiva vale a pena mencionar que as quedas na produção são equivalentes à redução no nível da atividade econômica ocorrida nos E.U.A. durante a recessão de 1982, que foi de cerca de 2,5% do PIB.47 A longo prazo, os prejuízos podem ser ainda maiores, afetando negativamente os investimentos e o próprio processo de desenvolvimento e modernização de um país.48

Tabela 6: Custos de interrupções no fornecimento elétrico de diversos países em desenvolvimento (valores em dólares de 1987).

País Setor(es) Tipos de interrupções Custos das intetrupções

Bangladesh Todos Não programadas US$ 1.000/MWh

Brasil Residencial Não programadas US$ 1.959-3.000/ MWh

Chile ResidencialIndustrial

Não programadasNão programadas

US$ 530/MWhFaixa:US$ 250-12.000/MWhTendência central:US$ 1.500-6.000/MWh

Egito Industrial Não programadas US$400/MWh

Índia Industrial Programadas Custo anual varia de 1 a 3% do PIB (US$ 1,5-3,0 bilhões/ano)

Jamaica Industrial Não programados US$1.250/MWh

Paquistão Industrial Programadas Faixa:US$ 260-1.770/MWhMédia: US$460/MWh

Não programadas Faixa:US$ 360- 2.540/MWhMédia: US$ 810/MWh

Taiwan Industrial US$ 60-2.160/MWh

Tanzânia Residencial US$ 500/MWhComercial US$ 1.000/ MWh

Industrial US$ 700-1-400/MWh

Fonte: Oak Ridge National Laboratory

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2.4 Causas e efeitos da crise: o problema político-institucionalDiante deste quadro preocupante, toma-se extremamente importante, bem como

urgente, o exame sério e minucioso das causas da crise elétrica brasileira, não apenas para a formulação de um novo modelo para o próprio setor elétrico, consistente com a nova conjuntura econômica e política nacional, mas também porque as dificuldades que este setor enfrenta são bem representativas daquelas que desafiam outros serviços públicos essenciais e, talvez mais importante ainda, porque exemplificam de modo bastante fidedigno as ações e políticas que levaram o país à beira da hiperinflação. Principalmente, para que sejam adotadas respostas eficazes, é fundamental a identificação das origens institucionais da crise e uma distinção clara entre suas causas e seus efeitos, conceitos que, infelizmente, muitas vezes são confundidos.

A gravidade da crise das instituições e a sua interligação com a deterioração da infraestrutura básica é relatada em trabalho recente do Banco Mundial que aponta os problemas encontrados nos setores públicos dos países do continente africano: “As principais dificuldades aqui encontradas são mais de ordem institucional do que técnica, e referem-se a roubo de materiais, falta de pagamento de contas pelos consumidores, alteração delinqüente de medidores, falsificação de contratos para investimentos e manutenção, mau desvio de recursos, falta de documentarão adequada e de normas de auditoria que permitam verificação, e assim por diante... O principal é que um sistema funcional de preços no setor público depende, em grande parte, da capacidade, responsabilidade e Integridade das instituições que o administram.49 Outro exemplo concreto da forte componente institucional no processo da deterioração da infraestrutura básica encontra-se no virtual colapso dos serviços públicos na Argentina, que começou a ganhar proporções reminiscentes da África. Nas palavras do superintendente da usina térmica de Costanera, de 910 MXV, em Buenos Aires: 50

SEGBA (a empresa geradora de Buenos Aires) julgava que as usinas térmicas eram obsoletas e parou de dar-lhes manutenção, pois novas usinas hidroelétricas estavam sendo construídas. Por volta de 1986, porém, a direção da SEGBA deu-se conta de que o término dos projetos hidroelétricos estava atrasado, e que uma crise se aproximava à medida que as unidades termoelétricas velhas falhavam mais freqüentemente. O custo de reformar uma de nossas unidades geradoras de 120 MW é de US$30 milhões. A SEGBA começou a gastar mais na manutenção, mas era muito tarde. Não éramos capazes de fazer as reformas como precisávamos, pois faltavam recursos. Faltava-nos dinheiro devido ás baixas tarifas, porque temos excesso de empregados, e por causa das exigências sindicais por salários melhores. Todo o sistema sofria de fadiga térmica e corrosão. Quando começaram as faltas de energia em dezembro de 1988, nossos equipamentos velhos começaram a falhar mais rapidamente, pois exigíamos mais deles. A primeira parada foi das caldeiras que apresentavam rachaduras sob mais calor e pressão. Seguiram-se os ventiladores, bombas e compressores. A crise deflagrou-se quando da escalada da inflação, com aumentos de salários de tipo ‘gangorra’ entre empregados administrativos e de produção. SEGBA tem 24.000 empregados, dos quais a metade em serviços de apoio. Quanto mais empregados houver, menos recursos há para cada um, e em decorrência trabalham menos. O sindicato sempre exerce pressão por maiores salários por horas-extras trabalhadas e para que maior número de novos empregados seja admitido. Engenheiros que exercem a supervisão de cem homens ganham 20% menos do que os seus trabalhadores. Temos atritos constantes entre nossos sindicatos e engenheiros.

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Embora o sistema hidroelétrico brasileiro com seus reservatórios plurianuais seja muito diferente do sistema hidro-térmico argentino, 51 o exemplo do país vizinho não deixa de ser preocupante especialmente porque nos últimos anos o setor elétrico brasileiro também começou a apresentar sinais de quebra da sua ordem institucional. Uma manifestação desta nova fragilidade das instituições do setor encontra-se na luta jurídica que está sendo travada entre uma série de empresas estaduais de eletricidade e o sistema federal da ELETROBRÁS. Há mais de um ano, os governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul decidiram não permitir as empresas estaduais de eletricidade pagar as cotas de garantia e reversão a ELETROBRÁS, apesar de continuar a cobrá-las do público. Mais recentemente, o problema estendeu-se às concessionárias do Nordeste, O valor acumulado do débito das empresas estaduais (incluindo dividas referentes às cotas de reversão e garantia e também energia) alcançou cerca de US$900 milhões em dezembro de 1989,52 Além de ter desencadeado um efeito dominó em que, por exemplo, ELETROPAULO não pagou à CESP que não pagou à FURNAS que não pagou à ITAIPÚ que não pagou ao Banco Central que garantiu grande parte da dívida da bi-nacional, este episódio comprometeu ainda mais a capacidade de investimento das empresas federais de fornecimento elétrico, responsáveis por mais da metade da capacidade geradora do país. Para os mais pessimistas, o clima de confronto e tumulto institucional criado pela inadimplência circular das empresas estaduais pode constituir-se no início do fim dos sonhos de interligação da rede elétrica em todo o Brasil. A gravidade e efeito multiplicador da situação ficam claros ao se considerar que em janeiro de 1990, os empregados da CHESF entraram em estado de greve pelo não recebimento dos seus salários, causado por problemas de caixa que, por sua vez, foram provocados pelo não recebimento, por meses a fio, das faturas de suprimento elétrico das companhias estaduais de eletricidade do Nordeste. Diante desta situação, a Procuradoria Geral da República decretou a inadimplência das empresas estaduais ilegal, e sugeriu colocar as empresas envolvidas sob intervenção federal para o “seqüestro” das dívidas acumuladas junto aos consumidores finais.

Outro sintoma desta profunda e perigosa crise institucional que aflige o setor elétrico brasileiro manifesta-se na sua incapacidade de resistir à demasiada influência política que, além de ditar a política tarifária e de investimentos, interfere cada vez mais abertamente, e em maior grau, na própria gestão administrativa das empresas de eletricidade. A interferência da política na gestão empresarial das concessionárias públicas, vistas como nichos de oportunidades para ganhos políticos, não se tem restringido ao apadrinhamento e às nomeações de pessoas sem qualificação técnica alguma a cargos de gerência (problema este mais acentuado nas empresas estaduais que nas federais); mais recentemente, tem se manifestado, também, em tentativas de formação de uma espécie de poder paralelo dentro de algumas empresas pelos empregados e seus sindicatos. Um indicador da ineficiência provocada por estas práticas encontra-se na relação entre o número de consumidores ligados à rede elétrica e o número total de funcionários das empresas de eletricidade, que é hoje no Brasil de 145:1 (206.061 empregados para um total de 29.880.000 de consumidores), comparado com 429:1 no Japão, ou seja, a produtividade brasileira é 3 vezes menor que a japonesa.53 Tais diferenças não são justificadas apenas pelo fato do Japão ser um país de altíssima densidade populacional, ao contrário do Brasil que é um pais rarefeito’. Além dos custos diretos desta ineficiência administrativa (folha salarial e outras despesas de pessoal), talvez mais prejudiciais ainda sejam as perdas resultantes da

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interferência política nas decisões de investimentos e contratação de obras e serviços. As conseqüências desmoralizantes deste processo crescente de “politização” do setor, e dos sinais de inicio de um processo de ‘desprofissionalização’ dos seus quadros gerenciais, em que as concessionárias elétricas parecem estar servindo não mais aos interesses da sociedade como um todo, mas sim àqueles dos seus próprios funcionários, da máquina estatal, de certos grupos empresariais e, em alguns casos, até aos interesses de determinados grupos e candidatos partidários, podem ser o problema mais grave e irreparável da crise do setor a longo prazo. A reposição de quadros técnicos competentes e a sua motivação pelo trabalho são fáceis de serem quebradas mas difíceis de serem resolidificadas.

Sobretudo, e sempre visando às origens institucionais da crise, importa realçar que as distorções hoje existentes no setor elétrico brasileiro não são fenômeno isolado ou periódico, mas, sim, reflexo de políticas macroeconômicas mais amplas e persistentes, que têm incentivado o consumo ao invés da formação de capital, e que têm tratado as políticas tarifária e de investimentos como instrumentos ilusórios para manipulação da inflação, como fontes inesgotáveis de subsídios para promoção de desenvolvimento regional e distribuição de renda, e até como máscaras para captação de financiamentos externos. A queda dos preços da eletricidade, por exemplo, foi apenas o reflexo das mesmas políticas “sociais” e de “incentivos”, que esmagaram as tarifas de quase todos os serviços públicos no país (telecomunicações, água, etc.) e que literalmente devastaram a capacidade de arrecadação de uma das principais fontes de recursos do Tesouro Nacional - as empresas estatais. As baixas tarifas aplicadas ao consumo industrial chegaram a ser vistas pelas autoridades econômicas como um meio para subsidiar as exportações brasileiras fora do controle do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). Estas mesmas autoridades justificavam que a política de preços baixos visava transferir recursos do setor público para o setor privado porque este é mais eficiente. Hoje, o setor privado é de fato, financeiramente mais forte que o setor público, mas, além da sua desconfiança na legislação e na política macroeconômica, reluta em investir por temor da inflação e da falta de infraestrutura básica. E o Estado e suas empresas, que criam a inflação, não podem investir em infraestrutura básica por falta de recursos.

O pesado endividamento do setor elétrico, por sua vez, reflete um modelo econômico altamente centralizado em que o governo se sentiu (e ainda se sente) á vontade para interferir na gestão microeconômica das suas empresas, a fim de atingir objetivos macroeconômicos - por exemplo, forçando as empresas de eletricidade, e as estatais em geral, a buscar recursos no exterior para financiar o Balanço de Pagamentos de modo mais barato (as taxas de juros envolvidas nestas transações eram menores que as do setor privado). Este endividamento é, ainda, o reflexo de uma decisão puramente política (ao invés de econômica), que forçou as empresas estatais a financiar sua expansão através de empréstimos (ao invés de capitais de risco), fato que na prática significou assumir integralmente e soberanamente todos os riscos envolvidos nos seus investimentos, esquecendo que nas economias capitalistas o sucesso das empresas reside, em grande parte, na sua capacidade de partilhar os riscos com demais investidores. E, finalmente, a própria evolução do parque elétrico brasileiro, com o predomínio de grandes obras hidroelétricas implantadas por empresas estatais (conforme mostram as Figuras l0 a-b, a participação da hidroeletricidade na capacidade elétrica instalada no país aumentou de 75% do total em 1.974 para mais que 85% em 1.986, e a participação do setor privado diminuiu de 13% para 7% do total no mesmo período), 54 nada mais é que o espelho do modelo econômico

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adotado pelo país como um todo, de substituição de importações através de investimentos públicos de grande porte, em regime de “custe o que custar”.

O problema é que este modelo está implodindo. A tese aqui defendida é que a recuperação da capacidade do setor elétrico para atender às necessidades energéticas do país não passa por pequenos ajustes ou mudanças paliativas, mas pela reestruturação profunda das suas próprias bases político-institucionais e daquelas da macroeconomia brasileira em geral. É preciso, enfim, elaborar um novo modelo consistente com as mudanças radicais que têm ocorrido no campo técnico-econômico e político brasileiro e mundial nos últimos anos.

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O NOVO AMBIENTE TÉCNICO-ECONÔMICO

3.1. As mudanças nos custos de capital e taxas de descontoUm dos acontecimentos econômicos mais importantes das últimas duas décadas refere-

se às transformações radicais que vêm ocorrendo nos mercados financeiros e fluxos internacionais de capital. A substituição da economia real pela economia financeira reflete-se no aumento da importância das transações financeiras internacionais, que correspondem hoje a 20 vezes o valor das exportações mundiais de mercadorias. Os mercados mundiais de insumos básicos estão saturados e com excesso de capacidade, limitando as perspectivas de exportação tradicionais de muitos países. Ao mesmo tempo em que o uso e importância relativa de materiais estão declinando, as indústrias intensivas em mão de obra e materiais estão emigrando, em modos diversos, dos tradicionais pólos industriais na Europa e América do Norte e, mais recentemente, também do Japão, para os países do Terceiro Mundo. Nos países industrializados, a estagnação demográfica significa que o crescimento econômico futuro está condicionado a ganhos de produtividade, que só poderiam ocorrer através de avanços tecnológicos e maiores investimentos. Devido á diminuição da importância dos custos do insumo “trabalho” no processo produtivo, as vantagens competitivas de mão-de-obra barata nas exportações manufatureiras dos países mais pobres estão diminuindo.

Embora os mecanismos e conseqüências finais deste processo de "revalorização de capital" ainda não estejam completamente claros, um dos seus resultados práticos encontra-se nas altas ocorridas nos custos de capital durante os anos 1980. Esta mudança, por sua vez, tem implicações profundas para o setor elétrico brasileiro, especialmente no que se refere à taxa de desconto adotada para a avaliação dos seus investimentos e a atualização dos seus fluxos financeiros. Este parâmetro é vital para as empresas e para a economia do país como um todo. Um erro na sua avaliação pode conduzir, não apenas à destruição do mecanismo de formação de capital mas, também, a interpretações totalmente errôneas no processo de seleção dos projetos mais viáveis e, conseqüentemente, na alocação de recursos na economia. Contudo, e apesar da taxa de desconto ser especialmente importante no caso do setor elétrico brasileiro (devido à sua natureza hidroelétrica e, portanto, altamente capital-intensiva), este fato não é percebido com a devida nitidez por muitos dos planejadores do setor.

As técnicas mais sofisticadas de avaliação de investimentos de capital consideram o fator tempo no valor do dinheiro. De uma forma ou de outra, as técnicas descontam os fluxos de caixa (custos e benefícios), a uma taxa especificada, para o seu valor presente. O axioma implícito nesta prática é que um dólar hoje vale mais do que um dólar a ser recebido numa data futura. Por conseqüência, a taxa usada é conhecida como taxa de desconto, ou custo de oportunidade do capital, e representa a taxa mínima de retomo que precisa ser obtida sobre um projeto a fim de manter inalterado o valor de mercado da empresa, ou seja, o valor atual dos lucros esperados da empresa.

Esta taxa de desconto, adotada na avaliação econômica de projetos, não deve ser confundida com a taxa de remuneração financeira das empresas. A função da taxa de desconto é, principalmente, a otimização do processo de investimentos e, portanto, da alocação de recursos na economia, enquanto que a taxa de remuneração visa, principalmente, garantir a rentabilidade e necessidades financeiras das empresas. De certo modo, do ponto de vista macroeconômico do setor elétrico, pode-se dizer que a taxa de

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desconto é uma espécie de “contrapartida" à taxa de remuneração. Por um lado, a taxa de remuneração determina o preço que, por sua vez, determina o nível da demanda por energia elétrica em relação às demais fontes secundárias de energia (e.g derivados de petróleo, gás natural etc.); por outro lado, a taxa de desconto determina o nível da oferta de uma determinada fonte primária para geração de eletricidade (e.g. hidroeletricidade, eletricidade através de petróleo, carvão, gás natural etc.). Também, importa ressaltar que no mesmo modo que não devem ser confundidos os conceitos de “taxa de desconto” e “taxa de remuneração” é também importante não contundir o “custo financeiro" de capital com o "custo de oportunidade" de capital. Quaisquer altas nos custos financeiros de capital, provenientes de fatores tais como atrasos nas obras, ou no caso brasileiro, dos efeitos da inflação, constituem distorções que devem ser tratadas no processo de fixação dos preços, mas nunca nas taxas de desconto que, conforme já mencionado, visam otimizar o processo de alocação de recursos.

Em princípio, a taxa de desconto reflete a disposição para poupar, ou seja, a preferência de um indivíduo, empresa, ou sociedade, para consumo presente, ao invés de consumo futuro. Em teoria, a taxa prevalecente de juros nos mercados financeiros deveria refletir adequadamente estas preferências. Na prática, contudo, a taxa de desconto utilizada para a avaliação de investimentos deve ser maior que a taxa de juros, a fim de incorporar os riscos envolvidos em determinado projeto e também para compensar a preferência que os portadores de capital têm para aplicações que possuem liquidez.56 Esta parcela da taxa de desconto referente aos fiscos e à perda de liquidez, que no caso de um investimento bem sucedido se traduzem em lucros, é fundamental, uma vez que sem a sua existência o investidor simplesmente aplicaria seu capital em títulos do governo ou em outras aplicações financeiras que, teoricamente, não envolvem riscos e possuem mais liquidez que um investimento fixo. O nível de investimentos de uma empresa ou sociedade depende, em grande parte, da lucratividade das taxas de retorno das alternativas de investimento a ela disponível frente aos juros prevalecentes nos mercados financeiros.

Tradicionalmente, o setor elétrico brasileiro tem adotado a taxa real (isto é, corrigida da inflação) de desconto de 10% ao ano para a avaliação da viabilidade dos seus projetos e o planejamento do seu programa de investimentos. Aparentemente, a origem deste número encontra-se num estudo realizado, há mais de duas décadas, por um consórcio brasileiro-canadense-americano, chamado CANAMBRA,57 que foi, por muito tempo, uma espécie de "bíblia" para o setor elétrico. Este estudo concluiu, na ocasião, que o custo de oportunidade de capital para o setor era de 9% ao ano, tendo adicionado mais 1% para efeitos de serviço dos financiamentos.

Acontece que, no decorrer dos anos, a situação se modificou completamente, resultando que, hoje, a taxa de desconto de 10% ao ano não corresponde mais à realidade. Mas, apesar do estudo do CANAMBRA ter sido substituído por outras bíblias, cuja edição mais recente foi o Plano 2010, este parâmetro tem-se mantido inalterado. A sua manutenção tem criado enormes distorções e, junto à supressão das tarifas, tem sido uma das principais causas do desequilíbrio econômico-financeiro de um setor que, conforme já mencionado, foi responsável por nada menos que 9,2% do total dos investimentos do país entre 1974 e 1986. Este artificialismo fez com que o setor elétrico brasileiro, apesar de completamente descapitalizado, ainda planeje muitos dos seus investimentos à base de obras faraônicas, sem levar adequadamente em consideração fatores tais como concentração de capital e risco de prazo de construção. Na mais recente versão do Programa Decenai de Geração do GCPS (Grupo Coordenador de Planejamento do Sistema), da ELETROBRÁS, constam,

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para as regiões Norte-Nordeste, 10 usinas, somando uma capacidade instalada de 23.152 MW, sendo que 5 destas usinas somam 20.775 MW.58 Observa-se, entretanto, que projetos como Angra II, Angra III, Tucurui e Itaipu, foram decisões extra-setoriais, tomadas a nível do Governo Federal, visando objetivos além daqueles do setor elétrico e, portanto, não foram submetidos à seqüência de otimização de custos em geral procurada pelos planos de expansão. Pior ainda, esta taxa irrealista de desconto dos fluxos financeiros praticamente inviabiliza o ingresso de capitais privados no setor elétrico, mantendo-o sob o permanente monopólio do Estado, e faz mera retórica dos discursos do governo sobre a abertura a investimentos privados.39

A alta dos juros internacionaisHá duas razões principais pelas quais a taxa de desconto de 10% ao ano não

corresponde mais à realidade atual do setor elétrico brasileiro. A primeira tem a ver com a diminuição da taxa de poupança no país e, especialmente, com a poupança negativa do governo, a falta de dinheiro novo de empréstimos externos, a elevada dívida interna, financeira e social, e, conseqüentemente, o alto custo de capital nos mercados financeiros; a segunda, com os riscos mais elevados hoje inerentes à economia brasileira em geral e aos investimentos em eletricidade em particular.

Quando foi adotada a taxa de 10% ao ano, há mais de duas décadas, os juros reais nos mercados financeiros internacionais, conforme mostra a Figura 11, situavam-se ao redor de 2% ao ano, e logo após a primeira crise de petróleo chegaram a ser até negativos. A partir do início dos anos 1980, contudo, esses juros praticamente decolaram e, desde então, têm flutuado a níveis 3 a 4 vezes o seu valor histórico.60 Os juros nominais dos principais organismos multilaterais de desenvolvimento, tais como BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - Banco Mundial) e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), hoje se situam ao redor de 8 a 10% ao ano (sem contar as taxas e comissões), e as condições de financiamento de credores privados são ainda mais desanimadoras. Inevitavelmente, esses créditos são ligados às condições dos mercados financeiros internacionais e, atualmente, a taxa de juros interbancária, que é a menor taxa cobrada sobre empréstimos comerciais aos melhores devedores (chamada “prime” no mercado financeiro de Nova Iorque e “libor” no mercado de Londres) situa-se ao redor de 10-11% ao ano e há poucas perspectivas para diminuição substancial em Futuro próximo.61

Sobretudo, os empréstimos de instituições bancárias privadas para os países em desenvolvimento em geral, e o Brasil em particular, têm efetivamente cessado, e dificilmente se reiniciarão sem mudanças radicais na própria política macroeconômica e Legislação destes países.

Um bom indicador de que esta alta nos custos de capital não representa aberração conjuntural dos mercados financeiros, mas reflete mudanças estruturais na economia mundial, é que, em 1.988, as taxas médias reais de retorno para a indústria privada em todos os países industrializados do OECD (Organization for Economic Cooperation and Development) foram superiores a 10% ao ano.62 No caso especifico das concessionárias elétricas norte-americanas, o retorno ao capital próprio, que deve corresponder a pelo menos 50% do investimento total de um projeto, foi da ordem de 14% ao ano e este índice chegou a 25% ao ano no caso dos produtores independentes de energia.63 O setor privado no Brasil desconsidera quaisquer investimentos industriais cuja previsão de rentabilidade global (capital próprio e de terceiros) não ultrapasse 15% ao ano. Mais indicativas ainda, são as quedas generalizadas que ocorreram nos níveis de poupança dos países ricos ao

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longo das últimas três décadas. A poupança líquida (sem a depreciação) dos setores privado e público dos E.U.A., por exemplo, diminuiu de 9% do Produto Nacional na década de 1960, para 8% nos anos 1970, e para apenas 3% nos anos 1980. Até a taxa espetacular de poupança do Japão diminuiu, de 26% para 20% neste período. Os países industrializados como um todo pouparam menos de 10% do seu Produto Nacional na década de 1980, em comparação com cerca de 15% nos anos 1960. Estas quedas são reflexos de déficits públicos elevados, políticas tributárias equivocadas e outras causas estruturais que incentivam o consumo ao invés da acumulação de capital e que como tais, levarão anos para serem reformadas.64

O fator riscoA segunda razão pela qual a taxa de desconto de 10% ao ano pode não mais ser

adequada para a avaliação dos investimentos do setor elétrico tem a ver com os maiores riscos hoje inerentes à economia em geral, e aos investimentos em geração de eletricidade em particular. Por uma série de razões, na situação atual brasileira, os investimentos no setor elétrico não podem mais ser considerados como investimentos seguros, de baixo risco, como anteriormente.

Por um lado, a experiência mundial durante os últimos anos tem mostrado que, para todos os efeitos práticos, foi quebrada a longa e "conveniente" correlação entre crescimento econômico (PIB) e consumo de energia, correlação esta que tradicionalmente tem norteado as projeções de demanda de eletricidade pelos planejadores do setor elétrico em todo o mundo. Sabe-se, hoje, que a evolução do consumo de energia não obedece a critérios “determinísticos”, baseados na simples extrapolação do passado para o futuro, mas que este consumo é mais uma questão de escolha e do grau de sucesso de políticas de penetração de novas tecnologias de uso eficiente de energia na economia.65 Assim, e apesar do setor elétrico brasileiro já ter começado a incorporar metas de conservação no seu processo de planejamento, há grandes incertezas sobre a evolução futura do consumo, especialmente com a manutenção da atual política tarifária. Pior ainda, no caso especifico atual do Brasil, é quase impossível prever a evolução do próprio PIB, o que torna qualquer tentativa de prever o comportamento da demanda de eletricidade com base em índices econométricos, um exercício de futurologia altamente suspeito. O Plano 2010, por exemplo, elaborado durante 1986 e 1987 pela ELETROBRAS, projetou as condições de oferta e demanda de energia elétrica no país entre 1986 e 2010 e previu um aumento na demanda das concessionárias públicas, de 162,5 TWh em 1986, para 321.0 TWh em 995 e 420,7 TWh no ano 2000. Menos de dois anos depois da sua divulgação, contudo, o plano sofreu modificações importantes. cujo resultado, conforme mostra a Tabela 7, foi de diminuir drasticamente as projeções de crescimento do PIB e da demanda elétrica a curto prazo. Em termos práticos estas alterações implicaram na redução do consumo previsto para 1995, dos 321,0 TWh originais para 280,4 TWh, e do consumo previsto para o ano 2000, de 420,7 TWh originalmente, para 364,1 TWh nas previsões atuais.66

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Tabela 7: Previsões atuais do PIB e consumo de energia em relação às previsões do Plano 2010.

Ano/período Taxas de crescimento do PIB(% ao ano)

Taxa de crescimento do consumo das concessionárias (% ao ano)

Plano 2010 Previsão atual Plano 2010 Previsão atual

1985/1988 6,5 3,6(1) 7,6 4,9(1)

1988/1990 7,0 1,0 7,8 4,91990/1995 6,1 5,4 6.6 6,31995/2000 5,8 6,0 5,5 5,41985/2000 6,2 4,6 6,6 5,5

(1) Dados Comprovados

Fonte: ELETROBRÁS

Estas incertezas no crescimento da demanda implicam em si riscos enormes para um setor que se baseia em grandes obras, levando de 5 a 10 anos para serem construídas (haja visto o caso da usina hidroelétrica do Porto Primavera da CESP). O argumento tradicional, portanto, de que o setor hidroelétrico deve adotar taxas de desconto menores que o setor de petróleo (a PETROBRAS, tradicionalmente, tem aplicado taxas de desconto de 15% ao ano), porque suas atividades envolvem riscos menores (ao contrário de uma queda d'água no rio, é preciso perfurar para identificar reservas de petróleo), deve ser modificado para incorporar os altos riscos hoje existentes do lado da demanda (comercialização) de energia elétrica (no caso do petróleo, estes riscos são menores, pois ao contrário da eletricidade este energético pode facilmente ser vendido no mercado mundial). Outros riscos específicos a investimentos no setor elétrico, que fariam aumentar a taxa de desconto, são os resultantes de potenciais falhas na operação e, também, os decorrentes de períodos hidrológicos críticos que, devido à impossibilidade, do ponto de vista econômico, de se estocar energia elétrica, inevitavelmente se traduzem em vendas menores. Há também os riscos decorrentes de incertezas quanto à produção final de energia de um determinado projeto, devido a possíveis interferências de outros projetos à montante que, eventualmente, venham a ser construídos no futuro. E, finalmente, apesar de ainda faltarem dados mais precisos sobre as implicações e, mesmo, a ocorrência (ou não) de mudanças climáticas devido a um possível aquecimento global (efeito estufa), os planejadores do setor elétrico brasileiro devem começar a preocupar-se com os possíveis riscos que tais mudanças trariam para um sistema quase que completamente hídrico e dependente das chuvas para o seu funcionamento.

Acresce que, além dos tradicionais riscos técnicos e comerciais do negócio em si, há, no caso do Brasil, riscos políticos e financeiros maiores, decorrentes da cada vez maior interferência do governo na economia (controles de preços etc.), da inflação, e das grandes alterações que ocorreram na composição dos recursos das empresas de eletricidade. A experiência prática das empresas do setor elétrico, por exemplo, demonstra que os empréstimos contraídos junto aos organismos multilaterais de financiamento, podem aumentar substancialmente em relação ao valor nominal da sua contratação. Estudo recente de economistas da SEPLAN (Secretaria do Planejamento), “descobriu” que a taxa média de juros que o Brasil efetivamente pagou ao Banco Mundial nos últimos 8 anos foi de 15% ao ano, ou seja, quase o dobro das taxas nominais dos empréstimos.67 Para as

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próprias empresas de eletricidade, quando são levados em conta os desembolsos referentes às Comissões de Compromisso (“Commitment Fees”), os Impostos Sobre Operações de Câmbio/Crédito (IOC), e os períodos de "internação" no Banco Central, é comum que os juros "efetivos" atinjam patamares superiores a 20% ao ano. Exemplos de projetos recentes indicam que, dentro das concessionárias de energia elétrica, o custo médio real de capital, incluindo-se os juros nominais e outras taxas e encargos, e admitindo uma taxa de retomo de apenas 10% para o capital próprio, mas excluindo-se o risco (lucro) dos investimentos, é da ordem de 16% ao ano, valor este que está se elevando constantemente.68 A própria ELETROBRÁS já cobra dos seus mutuários (concessionárias estaduais e federais) juros de 12% ao ano, mais outras taxas somando pouco menos de 1 % ao ano.69

Mesmo reconhecendo que esta alta nos custos financeiros de capital não pode ser confundida com o custo de oportunidade de capital, ela reflete riscos maiores que devem ser incorporados nas taxas de desconto. Ademais, a inexistência de capacidade adicional de endividamento das empresas de eletricidade implica em que elas deveriam, atualmente, ser muito mais conservadoras ao assumir compromissos de investimentos de longo prazo, fato este que deve, tembém, ser refletido em taxas de desconto maiores para obras de grande porte.

As implicações de uma taxa de 15% ao anoLevando em conta todos esses argumentos, e sempre lembrando a metodologia aqui

adotada para definir a taxa de desconto, isto é custo de oportunidade de capital em si mais riscos e, ademais, lembrando a importância de basear as decisões finais de investimento em detalhadas análises de sensibilidade, pode-se dizer que uma taxa de desconto que reflete melhor a realidade atual do setor elétrico brasileiro é de cerca de 15% ao ano. No caso de adoção de uma metodologia alternativa de avaliação de projetos, onde os riscos seriam incorporados numa análise probabilística dos fluxos de custos e benefícios esperados, a taxa de desconto seria menor, de cerca de 12% ao ano, mas, mesmo assim, bem superior aos 10% tradicionalmente usados pelo setor elétrico brasileiro. Assumindo que as empresas de eletricidade consigam financiar 50-60% do valor total de seus projetos com capital de terceiros a taxas de juros na faixa de 10-12% ao ano, a taxa de desconto de 15% implicaria em retornos para o capital próprio da ordem de 18-22%, valor este consistente com a realidade brasileira atual e, quando somado à existência de credibilidade governamental, será capaz de atrair capitais privados nos investimentos do setor.

A taxa de 15% ao ano pode, numa primária instância, parecer um tanto elevada quando aplicada ao setor elétrico, cujos projetos caracterizam-se por vidas úteis superiores a 20 anos. Contudo, o fato é que o único meio de se diminuir os custos do capital é justamente através de aumentos na sua disponibilidade, que passam, primeiro, por aumentos nas taxas de desconto aplicadas (favorecendo, assim, projetos menos capital-intensivos e com prazos curtos de construção). Ademais, apesar de uma escola de economistas argumentar que as concessionárias públicas, devido à sua função "social", deveriam adotar taxas de desconto inferiores às praticadas no mercado, há o perigo de que, desinteressado o setor privado, crie-se uma espécie de "espaço vazio' que o setor público se julga obrigado a ocupar, absorvendo assim recursos que poderiam ser melhor empregados no setor privado - como de fato ocorreu no Brasil nos últimos anos. De qualquer modo, para efeitos de avaliação de investimentos, é aconselhável que o setor público também adote o custo real de oportunidade de capital, independentemente de eventuais decisões ulteriores para concessão de subsídios. Em outras palavras: os conceitos de custos e preços não devem ser

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confundidos.A adoção de uma taxa de 15% ao invés de 10% ao ano, teria impacto enorme sobre o

setor elétrico. Basta mencionar que, para os investimentos unitários e condições de operação típicos do sistema elétrico brasileiro, a taxa de 15% ao ano implicaria num custo marginal médio quase 40% maior que o resultante da adoção da taxa de 10% ao ano.70 Esta diferença na taxa de desconto, portanto, muito longe de ser um "detalhe acadêmico", tem implicações profundas para as empresas de energia elétrica, criando graves distorções no processo de seleção de investimentos, afetando negativamente a produtividade de capital, resultando na descapitalização das empresas através da escolha de projetos menos rentáveis, e reduzindo a eficiência econômica do sistema como um todo. Mais especificamente, a adoção de taxas de desconto menores conduz ao favorecimento de obras maiores em detrimento de obras menores, minimizando os fatores negativos das obras maiores, tais como os advindos de longos prazos de construção, capacidade ociosa momentânea, e impactos adversos de eventuais adiamentos nos cronogramas de construção. Ademais, conforme mostra a Figura 12, a adoção de taxas de desconto menores exagera as vantagens de obras com vidas úteis maiores. Esta figura apresenta a variação do fator de recuperação de capital71 em relação à vida útil de um projeto, e mostra que, no caso de uma taxa de desconto de 5% ao ano, o custo de capital de uma obra com vida útil de 20 anos é 41% maior que aquele de uma obra exatamente igual em todos os demais aspectos mas cuja vida útil é de 50 anos, enquanto que no caso de uma taxa de desconto de 15% ao ano esta diferença diminui para apenas 6%.

Assim, na prática, a sub-valorização da taxa de desconto resulta em distorções na seqüência ótima das obras, fazendo com que usinas hidroelétricas de porte menor, com investimentos específicos (medidos em US$/kW) diretos (isto é, sem os juros durante a construção) aparentemente mais elevados, sejam postergadas em favor de usinas hidroelétricas de grande porte, cujo custo direto é menor mas cujo custo final (investimentos diretos mais custos financeiros durante a construção) acaba sendo maior. Também, a utilização de taxas de desconto subestimadas prejudica as usinas termoelétricas em geral (geralmente, de baixo investimento inicial, alto custo operacional e vida útil menor), em favor de usinas hidroelétricas (alto investimento inicial, baixo custo operacional e vida útil maior). A adoção da taxa de 15% ao ano, em lugar de 10% ao ano, modificaria completamente tanto a seqüência quanto a composição de obras no Plano 2.010. A Figura 13 exemplifica este fato através da comparação dos custos de geração hidroelétrica e dos custos de eletricidade gerada com gás natural em usinas de ciclo combinado (combinação de turbinas a gás e a vapor) para diferentes taxas de desconto. Os custos de energia hidroelétrica foram calculados para investimentos unitários de US$ 1.900/kw e USS 2.200/kW (geração e transmissão), custos de operação e manutenção dos sistemas de geração e transmissão de US$4,0/MWh, e perdas de geração e transmissão de 5%. Os custos de geração a gás, por outro lado, foram baseados em investimentos iniciais de US$700/kW (as usinas a gás, por serem localizadas nos centros de consumo, dispensam investimentos em transmissão), custos de operação e manutenção de US$4,0/MWh, eficiência de geração de 45%, poder calorífico inferior do gás de 8.970 kad/Nm3, e preços de gás iguais a US$16 e US$24 BEP (barril equivalente de petróleo). O fator de capacidade adotado para ambas as usinas foi de 60%.72 Conforme se vê, neste caso, a geração termoelétrica se torna mais atraente para taxas de desconto maiores, sendo que para uma taxa de 15% ao ano, a termoeletricidade, mesmo com o gás ao preço de US$24/BEP, é mais barata que a hidroeletricidade de US$1.900/kw.

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Entretanto, é fundamental esclarecer aqui que a taxa de desconto proposta, de 15% ao ano, deve ser vista como uma taxa média para efeito de planejamento preliminar (“pre-screening”) de projetos, que deve ser definida mais cuidadosamente caso a caso, e que, também, deve ser ajustada se e quando as condições econômicas do país se reverterem, favorecendo a formação de capitais, e diminuindo os juros e os riscos atuais para os investidores. A prática atual de adoção de uma taxa única de desconto, aplicada para todas as atividades do sistema elétrico (geração, transmissão e distribuição), para todos os projetos (quer seja para uma Itaipu, de 12.600 MW, quer seja para uma pequena térmica de 20 MW), por todas as empresas e em todo o Brasil e pura e simplesmente inaceitável, pois que a taxa de desconto aplicável a dado projeto pode diferir substancialmente quando comparada com a taxa de outro projeto, devido a diferenças no grau de risco de projetos diferentes e na capacidade e condições de endividamento de cada empresa. Os efeitos de utilização de uma taxa única de desconto para a avaliação dos investimentos do setor elétrico têm sido muito danosos para as empresas e têm contribuído tanto para o seu desequilíbrio econômico-financeiro quanto os efeitos da política de equalização tarifária. Aliás, é difícil entender porque o Governo teria de se preocupar com a fixação de uma ou de outra taxa de desconto. Ele deveria, sim, preocupar-se com os preços, protegendo os consumidores de eventuais ineficiências de um setor de caráter monopolístico, cabendo aos investidores escolherem a taxa de desconto que eles próprios consideram mais adequada.

Em outras palavras, do ponto de vista político-institucional, a preocupação principal não deveria ser a "correção" da taxa de desconto atualmente em vigor mas, principalmente, a criação das condições para que o mercado (isto é o investidor) determine ele próprio a taxa mais apropriada para cada opção de investimento. A descentralização da política de preços e de investimentos será uma das peças fundamentais do processo de reestruturação financeira do setor e da economia em geral.

3.2. Novos combustíveis para geração de eletricidadeO Brasil tem o privilégio de possuir um potencial hidroelétrico dos maiores do mundo e

em grande parte economicamente viável. Atualmente, o potencial hidroelétrico conhecido no país atinge 213.000 MW (o que, para um fator médio de capacidade de 50%, equivale a 106.700 MW firmes), sendo que cerca de um quarto deste potencial, ou seja 50.000 MW, já se encontram instalados e em operação.73 Apesar deste potencial não representar um dado puramente físico, por ser estimado para custos de geração que superam os US$150/MWh, com taxas de desconto de apenas 10% ao ano e, conforme mostrado mais adiante, com estimativas de investimento irrealistas para as usinas hidroelétricas futuras, ele não deixa de ser impressionante. Para gerar 106.700 MW firmes com fontes térmicas, seriam necessários nada menos que 4,4 milhões de barris equivalentes de petróleo por dia (assumindo-se uma eficiência liquida de conversão de 35%), ou seja, mais de quatro vezes o total do consumo de derivados de petróleo no país hoje. Ainda, para gerar esta eletricidade por um período de 50 anos seriam necessários 80.2 bilhões de barris equivalentes de petróleo, o que corresponde quase à soma das reservas de petróleo dos Estados Unidos (26,9 bilhões de barris) e da União Soviética (59,0 bilhões de barris) conhecidas em 1986.74

Em consonância com este grande potencial, e conforme mostra a Tabela 8, o Brasil é hoje o quarto maior produtor de hidroeletricidade no mundo, superado apenas pelo Canadá, Estados Unidos e União Soviética e, ademais, é o pais em que a produção de hidroeletricidade mais cresceu nos últimos anos, tendo exibido uma taxa média de crescimento igual a 8,1% ao ano no período 1976-1986. A Figura 14 mostra que o Brasil

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junto com a Noruega são os únicos países no mundo onde a hidroeletricidade fornece mais de 90% do total da eletricidade produzida (em confronto com 67% no caso de Canadá e 23% no caso da China)75. Ademais, os planos oficiais do setor elétrico brasileiro projetam o mesmo grau de participação de hidroeletricidade até o ano 2010, quando a produção atingiria 600 TWh por ano, colocando o país na posição do maior produtor desta fonte de energia no mundo. A Figura 15 apresenta a composição dos investimentos previstos no Plano 2010 e, como pode ser visto, planeja-se continuar fornecendo cerca de 90% do total de energia elétrica do país nas próximas duas décadas através de usinas hidroelétricas. Também, e sempre segundo os planos oficiais de expansão, a participação de usinas nucleares e a carvão aumentara significativamente, de 31% do total da capacidade termoelétrica instalada em 1986, para 80% do total no ano 2010.76 Para avaliar a validade destas projeções, contudo, é preciso primeiro analisar o contexto no qual foi baseado o crescimento do setor elétrico no passado, e as suas perspectivas atuais perante uma série de mudanças importantes que vêm ocorrendo a nível político, econômico e técnico. Mais especificamente, o apogeu da expansão do sistema hidroelétrico brasileiro (1.970 a 1.986) foi alcançado no bojo das duas crises de petróleo e das maiores transferências transnacionais de capital já conhecidas. A crise no Balanço de Pagamentos do Brasil que, em 1.974, importava 85% de suas necessidades de petróleo,77 a inundação dos mercados financeiros internacionais com créditos praticamente ilimitados e aparentemente baratos, e a existência de grandes recursos hidroelétricos próximos aos centros de consumo, fatos estes consolidados no plano ideológico pelo modelo de substituição de importações, pela proliferação de empresas estatais, e pelo fascínio com obras de grande porte, marcaram profundamente os planos de expansão e a composição do parque gerador elétrico do país.

Tabela 8: Principais produtores mundiais de hidroeletricidade.

PaísProdução

(TWh)Aumento

médio (% a.a)

1976 1978 1980 1982 1984 1986 1976- 1986

1.Canadá 212,8 234,0 251.0 255,3 233,4 307,7 3,762.E.U.A. 286,9 283,5 279,2 312,4 324,3 294,0 0,243.U.R.S.S 134,4 168,0 182.0 172,9 200,8 210,6 4,594.Brasil 82,4 102,7 127,4 139,7 164,9 180,0 8,135.Noruega 51,2 80,1 83,0 92,0 105,3 95,8 1,676.China 50,5 44,2 57,6 73,7 85,9 92,0 6,187.Japão 87,5 73,9 91,2 83,2 77,7 77,5 -1,218.França 48,6 68,5 69,2 71,0 67,4 64,0 2,799.Suécia 34,2 57,0 58,7 55,0 67,4 59,8 0,9910.Índia 14,5 46,7 46,1 47,9 53,3 58,0 5,33

(1) Dados preliminares

Fonte:Energy information Adminstration, U. S. Government

Acontece que, com o passar do tempo, a situação mudou dramaticamente. No plano econômico-financeiro conforme já mencionado, o setor encontra-se praticamente falido, e

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o custo do dinheiro, decorrente da alta vertiginosa dos juros, tem modificado a economicidade das alternativas comparativas de geração elétrica. Também no plano econômico, e conforme mostrado mais adiante, há indicações de que os custos adotados para a avaliação de novas usinas hidroelétricas no Plano 2010 foram substancialmente sub-dimensionados. No plano ideológico, a tendência para uma maior participação de capitais privados favorece investimentos de porte menor e de rápida maturação, que envolvem riscos menores. E no plano tecnológico, diversas mudanças importantes também ocorreram nestes últimos anos que, aliadas às novas injeções de consciência ecológica da população,78 conduzem à oportunidade de repensar o futuro da indústria de energia elétrica no Brasil.

Em particular, nos últimos anos, novos combustíveis e novas tecnologias, antes inexistentes, tornaram-se disponíveis. Os combustíveis de biomassa, por exemplo, principalmente os derivados da cana de açúcar, surgiram com bastante ênfase somente na década de 1.980. São cerca de 59 milhões de toneladas anuais de bagaço de cana (equivalentes à cerca de 480.000 barris diários de petróleo durante os quase seis meses de colheita por ano), um combustível limpo, já minerado, beneficiado, e colocado em pátio de estocagem, mas que hoje é queimado em sua maior parte de modo vil e irresponsável, em conseqüência de políticas governamentais que sinalizam o mercado neste sentido, colocando o “ponto ótimo" econômico no fulcro do desperdício e, simultaneamente, cerceando a criatividade empresarial. O conteúdo energético das pontas e palhas da cana-de-açúcar, hoje queimadas ou deixadas no campo, é ainda maior que o do bagaço. Também não existiam os resíduos de refinaria, que representam um "carvão" quase puro, de baixo custo de oportunidade, disponível junto aos centros de carga de energia elétrica, que coincidem com a localização das refinarias, e cujo potencial técnico pode atingir 120.000 a 200.000 barris equivalentes de petróleo por dia, dependendo dos estímulos que o setor elétrico prover ao setor de petróleo. Finalmente, o gás natural começou a surgir como importante potencial combustível para geração de eletricidade, isoladamente ou de forma cogerada com calor industrial. O gás natural da Amazônia, as novas descobertas nas Bacias de Campos, Santos e Paraná, e ao longo da costa nordestina, oferecem excelentes perspectivas para a utilização de um combustível limpo e barato para geração elétrica. Principalmente, o gás natural importado. "in natura" ou na forma de eletricidade, da Bolívia, Argentina e do Peru, poderá tornar-se um “commodity” essencial para o incremento das trocas comerciais com os países vizinhos, através da exportação de bens manufaturados em troca de insumos básicos.

Todos estes novos combustíveis constituem uma grande oportunidade para a diminuição dos custos do setor elétrico, uma maior participação do setor privado, e a redução dos riscos de racionamento. Contudo, esta nova oportunidade no plano tecnológico esbarra nos traumas de absorção de usinas termoelétricas adquiridas do exterior à guisa de captar dólares para o reforço do Balanço de Pagamentos (caso das usinas a carvão) e de tecnologia “estrategicamente sensitiva” (caso das nucleares). Estas experiências, e também a forte cultura hidráulica do setor elétrico, fizeram das termoelétricas brasileiras intrusos indesejáveis e, pior ainda, competidores das hidroelétricas. Em verdade, as usinas térmicas e hidráulicas são “animais” totalmente distintos, que possuem extraordinário grau de complementaridade, na prática pouco utilizada no Brasil. Apesar dos planejadores do setor serem conscientes destas características complementares, uma série de premissas preconceituosas (taxas de desconto sub-estimadas, custos demassiamente otimistas para as futuras hidroelétricas), inviabilizam

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qualquer papel mais decisivo para as termoelétricas. No caso mais extremo, os inimigos das usinas termoelétricas costumam compará-las diretamente com as hidroelétricas. Isto equivale a comparar a tromba do elefante com o pescoço da girafa. O ideal seria colocar ambos os animais no zoológico elétrico, que o tornaria mais diversificado, seguro e atraente.

Um sistema fortemente hidroelétrico, como o brasileiro, funciona de modo totalmente diverso de um sistema acentuadamente térmico como o americano.79 Fundamentalmente, as hidroelétricas armazenam água durante os períodos úmidos para poder gerar eletricidade também nos períodos secos. Se houvesse maior disponibilidade de usinas térmicas, não haveria necessidade de se preocupar tanto nos tempos de seca, mesmo os prolongados. Além disso, as hidroelétricas brasileiras poderiam produzir maior quantidade de energia durante os períodos úmidos, pois poderiam ser "super motorizadas" com pequenos investimentos adicionais. Num sistema essencialmente hidroelétrico há, em geral, sobra de energia de ponta, e o planejamento para o atendimento do mercado é feito com base na energia e não na demanda como no caso de um sistema térmico. Esta sobra poderia ser melhor utilizada quando complementada por usinas térmicas de operação sazonal. Existiria também a alternativa de se instalar usinas reversíveis (usinas que produzem eletricidade nas horas de ponta de demanda e consomem energia nas horas de baixa demanda), cujo potencial é astronômico (somente no Estado de São Paulo, graças à Serra do Mar, existe um potencial técnico contabilizado de 70.000 MW de usinas reversíveis) que operariam idealmente em conjunto com usinas térmicas na base. Enfim, a existência de mais usinas térmicas no sistema gerador proporcionaria melhor flexibilidade operacional, maior confiabilidade frente às variações pluviométricas, e maior disponibilidade de energia firme.

Contudo, e antes de prosseguir com uma análise mais detalhada destas novas alternativas de geração, cabe aqui uma importante observação de "economia política": a decisão sobre a escolha de alternativas de geração, bem como sobre a própria conveniência de adoção, ou não, de um programa maior de complementação térmica, deve ser relegada ao mercado, não cabendo aos autores, nem tampouco a uma tecnoburocracia centralizadora e dirigista, definir em todos os seus detalhes os rumos de um setor de tanta importância para o país. Ao Governo, caberia sim, a sinalização correta ao mercado para, através da competição e dentro das limitações legais pertinentes a uma atividade de caráter público, conduzir o sistema econômico-energético a novos patamares de maior eficiência. Assim, importa ressaltar que as referências aqui feitas sobre a existência de novos combustíveis, devem ser vistas apenas como uma espécie de "identificação de oportunidades", ou como exemplos, não exaustivos, de novas alternativas de geração, e nunca como “solicitação” para mais interferências governamentais para incentivação deste ou daquele combustível. Este trabalho limita-se apenas à afirmação que, com base em critérios de viabilidade técnico-econômica, de confiabilidade de fornecimento, e de indicações de disponibilidade, os novos combustíveis mencionados teriam o potencial de fornecer de 20% a 30% da capacidade elétrica instalada no país nos próximos 20 anos. A decisão final para a adoção de uma ou de outra alternativa de geração, contudo, deveria ser, mais uma vez, da responsabilidade das concessionárias regionais e dos investidores privados que, eventualmente, venham a participar das obras do setor elétrico.

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Bagaço e outros resíduos da cana-de-açúcarUm dos elementos mais interessantes de um eventual programa de complementação

térmica seria, indubitavelmente, o bagaço e os demais resíduos da cana-de-açúcar (pontas e palhas). Uma vez considerado o maior programa de energia alternativa do mundo, o PROÁLCOOL encontra-se hoje sob o fogo cada vez mais cerrado de seus inimigos que o reputam anti-econômico. O lado benéfico do programa, representado pela criação de cerca de 775.000 empregos diretos para trabalhadores rurais de baixa qualificação técnica e fixados no campo, e pela diminuição significativa da poluição nas regiões metropolitanas do Brasil, está aparecendo cada vez menos importante, e os imensos investimentos realizados no parque agro-industrial, em veículos automotores, e em indústrias de bens de capital, encontram-se sob ameaça de sucateamento gradativo.

Em primeiro lugar, e antes de analisar o potencial de geração de eletricidade na indústria sucro-alcooleira, cabe observar que o PROÁLCOOL oferece uma excelente demonstração dos perigos de programas provindo de decisões tecno-burocráticas, mesmo quando feitos com as melhores intenções e os maiores cuidados. Menos de 15 anos após o lançamento do programa (um período extremamente curto em termos de desenvolvimento e comercialização de novas fontes de energia) e investimentos estimados em US$ 9 bilhões, a participação dos produtos da cana de açúcar no total do consumo final de energia no pais atingiu a impressionante fatia de 11,5%. Principalmente, importa lembrar que o PROÁLCOOL, que foi originalmente concebido na PETROBRAS como uma resposta à primeira crise do petróleo, foi, em seguida, minuciosamente estudado por uma ampla equipe interdisciplinar, abrangendo técnicos de diversos ministérios e entidades federais, dos setores petrolífero e sucro-alcooleiro, das indústrias automobilística e de bens de capital, do sistema bancário estatal e da comunidade acadêmica, chegando, em 1981, a ter o aval do próprio Banco Mundial em estudo realizado por esta entidade sobre o assunto. O que, sem dúvida, não faltou na elaboração do programa foi "planejamento integrado".

A fragilidade, contudo, de empreendimentos de tal magnitude quando feitos por conseqüência de decisões centralizadas, ao invés de no âmbito do mercado, fica clara com os atuais problemas de desabastecimento que ameaçam o futuro do PROÁLCOOL, resultantes dos mesmos males dirigistas que afetam o setor elétrico e, especialmente, de políticas de preços administrados e mercados manipulados, em que a alocação de recursos depende do poder relativo de cartórios e monopólios de toda espécie, e que, além do setor sucro-alcooleiro, podem levar a própria PETROBRÁS ao colapso. Ao contrário das economias de mercado, onde as decisões de investimentos e preços são “espalhadas” entre centenas e até milhares de investidores e consumidores, nas economias planificadas e dirigistas elas dependem de apenas algumas dezenas de pessoas. E exatamente esta “difusão” do processo decisório que diminui os riscos nas economias de mercado, tanto através da multiplicação do número dos agentes econômicos envolvidos, quanto em termos de alongamento dos prazos necessários para a implementação das decisões tomadas. Assim, o mesmo modelo econômico que tomou possível a rápida implantação e sucesso inicial espetacular do PROÁLCOOL, poderá agora, com a mesma rapidez, levar o programa ao colapso - o que, conforme mostrado mais adiante, poderia e deveria ser evitado.

Isto posto, cabe também observar que o PROÁLCOOL fornece um outro tipo de demonstração em economia política, ou seja, a de como as distorções e desequilíbrios criados pelas interferências governamentais em um setor (no caso o de energia elétrica) agem de forma cumulativa, acentuando as distorções e desequilíbrios criados por outras

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interferências governamentais em outro setor (no caso o setor sucro-alcooleiro). Assim, apesar do uso do bagaço e dos demais resíduos da cana-de-açúcar na geração da eletricidade poder representar uma extraordinária oportunidade (quer seja para o PROÁLCOOL quer seja para o sistema elétrico), esta oportunidade esbarra no monopólio estatal de compra e venda de energia elétrica e, principalmente, nos preços irrealistas (baseados nas tarifas subsidiadas fixadas pelo governo), oferecidos pelas concessionárias públicas aos auto-produtores de eletricidade.

Sob o ponto de vista econômico, a defesa do PROÁLCOOL com base em argumentos de sua renovabilidade (ficou provado que a renovabilidade do álcool é inversamente proporcional ao preço do açúcar nos mercados de Chicago e Londres), de balanços energéticos favoráveis (nem sempre a eficiência termodinâmica coincide com a eficiência econômica), de economia de divisas (na prática, o álcool substituiu a gasolina e, parcialmente, o diesel contido no petróleo, e não o petróleo), de uso de fatores de produção disponíveis internamente (o incentivo ao produtor nacional torna-se, na maioria dos casos, em punição ao consumidor nacional), e de reserva estratégica frente a um longínquo esgotamento de suprimento de petróleo (dados recentes do Departamento de Energia dos EUA mostram que durante o ano passado foi descoberto 5,5 vezes mais petróleo do que foi consumido mundialmente - do qual, contudo, cerca de 2 vezes em países do Oriente Médio e o restante em locais de difícil extração),81 não agrega os dois pontos verdadeiramente cruciais da questão: a economia energética e o modo de operação de um sistema elétrico essencialmente hídrico como o brasileiro.

A essência da questão reside em saber se o álcool, como substituto da gasolina, pode ter custo inferior ao custo de oportunidade da gasolina (em verdade, um custo do álcool de até 10-15% superior ao custo da gasolina é plenamente justificável pela redução dos custos de poluição). O "ovo de Colombo" deste problema de viabilização econômica do álcool pode encontrar-se num sistema integrado de centenas de usinas termoelétricas, com capacidade variando de 15 a 120 MW, espalhadas geograficamente junto às destilarias de álcool e cogerando eletricidade em baixa tensão (13,8 kV), com entrega da eletricidade excedente à rede local. A receita adicional provinda da venda desta eletricidade ao setor elétrico poderia melhorar significativamente a economicidade de ambos os setores, e viabilizar, de modo definitivo e duradouro, o PROÁLCOOL.

Na situação atual, o bagaço é o único resíduo da cana que é usado na geração de eletricidade. Pior ainda, ele é queimado quase na sua totalidade para a geração de energia térmica (vapor de processo), e a energia elétrica é cogerada apenas nas quantidades necessárias para o consumo interno das usinas e destilarias. As necessidades típicas atuais de energia de uma usina ou destilaria são de 350-500 kg/tc (quilogramas por tonelada de cana moída) de vapor de processo e de 15-25 kWh/tc de energia elétrica.82 Com os sistemas existentes, baseados na sua grande maioria em turbinas de contra-pressão, cuja eficiência de conversão elétrica é de apenas 4-5%, cerca de 90-95% do total do bagaço disponível é utilizado para atender ao consumo interno de energia (vapor e eletricidade) das usinas.83

Assim, a idéia convencional com que a maioria dos plantadores do setor elétrico e do próprio setor sucro-alcooleiro tem avaliado a utilização dos resíduos da cana-de-açúcar para geração de eletricidade, baseia-se no pressuposto de que apenas os 5-10% excedentes do bagaço poderiam ser colocados externamente para produção de eletricidade com turbinas de condensação que, quando operando exclusivamente para produção de energia elétrica, sem cogeração de vapor de processo, poderiam atingir eficiências da ordem de 20-23%

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(considerando-se unidades com capacidades de 10-30 MW).84 Os restantes 90-95% do bagaço, segundo esta visão convencional, só poderiam ser usados em regime de cogeração com turbinas de contra-pressão, cuja eficiência de conversão elétrica, conforme já mencionado, é baixíssima. Mesmo no caso de adoção de medidas para diminuição da demanda de vapor nas usinas e destilarias que, conforme estimativas de técnicos do setor sucro-alcooleiro, poderiam aumentar a disponibilidade dos excedentes de bagaço dos 5-10% atuais para cerca de 20-25%,85 este conceito convencional de utilização dos resíduos da cana continuaria limitando a venda de energia elétrica excedente a uma atividade marginal do ponto de vista das receitas do setor sucro-alcooleiro, e menos significativa ainda para o setor elétrico.

A proposta aqui apresentada vai além da idéia convencional de utilizar apenas o excesso do bagaço para cogeração, e implicaria na reposição total dos sistemas atuais de queima de bagaço nas destilarias de álcool por outros sistemas especificamente voltados para cogeração de eletricidade em altas eficiências. Impossível? Não, desde que seja economicamente e institucionalmente viável. O ponto focal desta questão encontra-se no preço que a destilaria poderia obter pela venda de eletricidade ao sistema elétrico, o que está relacionado, por um lado, com o custo marginal de expansão do sistema e, por outro, à capacidade do setor sucro-alcooleiro negociar o fornecimento de um grande "bloco" de energia ao sistema elétrico. A viabilização institucional, por sua vez, depende da remoção das barreiras legislativas que hoje estrangulam a produção e comercialização independente de energia no país. Esta opção, uma vez concretizada, poderá resultar em substancial incremento da energia firme disponível e no reforço do sistema elétrico nas épocas de seca, além de significar a permanência dos aspectos sociais e ambientais benéficos do PROÁLCOOL, abrindo a possibilidade, inclusive, através de otimização tecnológica, de baixar o custo do álcool aquém do custo de oportunidade da gasolina.

O potencial energético dos resíduos da cana é enorme. Conforme mostra a Tabela 9, a produção de álcool no Brasil cresceu de 556 milhões de litros na safra de 1975/76 para 12.746 milhões de litros na safra de 1988/89.86 A produção deste volume de álcool na safra de 1988/89 corresponde a uma quantidade de cana esmagada de quase 220 milhões de toneladas que, por sua vez, resulta em 59 milhões de toneladas anuais de bagaço, (considerando-se 270 kg de bagaço por tonelada de cana para o bagaço com umidade média de 50%),87 Para o poder calorífico médio de 1.790 kcal/kg, típico do bagaço de cana com umidade de 50%,88 a disponibilidade total de energia do bagaço é de 105,7 Pcal/ano, ou seja, de cerca de 210.000 BEP/dia durante todo o ano, ou 480.000 BEP/dia durante os 160 dias da safra.89 O conteúdo energético das palhas, que hoje são queimadas antes do corte da cana, e das pontas, que são abandonadas no campo após o corte, é superior ao do bagaço. A utilização desta enorme quantidade de energia térmica para produção de energia elétrica com tecnologias de alta eficiência voltadas especificamente para este fim (atendendo, naturalmente, às necessidades de vapor de processo nas usinas e destilarias) poderia modificar significativamente a economicidade de produção de álcool no país.

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Tabela 9: Evolução de produção de álcool e bagaço de cana no Brasil.

Safra

(Ano)

Produção de cana

(mil toneladas)

Produção de álcool

(milhões de litros)

Disponibilidade de

bagaço (mil toneladas)

Conteúdo energético (BEP/dia)(2)

Álcool Bagaço(3)

1975/76 68.300 556 18441 6.138 60.7361976/77 57.800 664 23.571 7.330 77.6321977/78 104.600 1.470 28.242 16.229 93.0171978/79 107.600 2.491 29.052 27.500 95.6841979/80 117.600 3.397 31.752 37.502 104.5771980/81 132.500 3.700 33.775 40.847 111.2401981/82 133.300 4.240 35.991 46.809 118.5381982/83 166.700 5.822 5.009 64.274 148.2401983/84 198.000 7.864 53.460 86.817 176.0741984/85 202.900 9.250 54.783 102.119 180.4311985/86 223.700 11.821 60.399 130.302 198.9281986/87 217.000 10.307 58.590 115.996 192.9701987/88 223.300 11.458 60.291 126.495 198.5721988/89 218.700 12.746 59.049 140.714 194.481

(1) Com 50% de umidade

(2) Barris equivalentes de petróleo por dia, calculados na base de 6.000 Kcal/l para o álcool, 1.790 Kcal/kg para o bagaço, e

1.489 Mcal/BEP.

(3) Incluir o bagaço das usinas de açúcar, além das destilarias de álcool.

Fonte: COPERSUCAR

A opção tecnológica mais fácil de ser implementada seria a utilização de todo o bagaço produzido, substituindo-se os sistemas atuais, baseados em turbinas de contra-pressão, por sistemas de condensação-extração, de alta pressão e eficiência,90 junto com a adoção de medidas para diminuição da demanda de vapor de processo nas usinas e destilarias. Assumindo-se uma eficiência de conversão elétrica igual a 15%, típica para unidades de 10-30 MW operando em regime de cogeração com extração de vapor de processo,91 e fator de capacidade médio de 44%, correspondendo a 160 dias de safra, a quantidade de bagaço de cana acima mencionada permitiria a instalação de cerca de 4.800 MW de capacidade elétrica e a geração de 18,5 TWh anuais, quantia esta equivalente a cerca de 8% do total de geração bruta das concessionárias de energia elétrica durante 1989.92 Obviamente, este potencial técnico poderia ser reduzido substancialmente na prática, dependendo das condições técnicas e econômicas específicas de cada usina e destilaria. Mais especificamente, o potencial econômico dos sistemas de condensação-extração poderia ser reduzido devido à combinação dos relativamente altos custos de capital desta tecnologia,93 e do baixo fator de utilização das usinas, que gerariam energia elétrica apenas durante o período da safra.

Duas soluções potenciais têm sido sugeridas para este problema: A primeira refere-se à possibilidade de utilização das palhas e pontas para geração de eletricidade no período fora da safra, com as turbinas de extração reguladas para operação em regime pleno de condensação, sem extração de vapor, gerando somente eletricidade para venda ao sistema elétrico. Conforme já mencionado, a quantidade de energia contida nas palhas e pontas é superior à contida no bagaço, e a experiência mundial (Cuba etc.) mostra que não haveria problemas técnicos para sua coleção, secagem, transporte e armazenamento. A utilização

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das palhas e pontas permitiria a operação dos sistemas de condensação ao longo de todo o ano, com o conseqüente aumento dos fatores de utilização (de 44% para cerca de 80%), e a diminuição dos custos de capital. Uma segunda potencial solução ao problema dos altos custos e baixos fatores de utilização dos sistemas baseados em turbinas de condensação envolveria a troca dos atuais sistemas de contra-pressão, não por turbinas de condensação-extração, mas por uma nova tecnologia de geração, com gaseificadores e turbinas a gás queimando gás de biomassa (resíduos de cana).94 Esta tecnologia, conhecida como BIG/STIG (Biomass lntegrated Gasifier/Steam Injected Gas Turbine), poderia aumentar dramaticamente o potencial técnico e econômico de geração elétrica com resíduos de cana em futuro próximo, isto é, dentro de aproximadamente 5 anos.95 Basicamente, os sistemas BIG/STIG poderiam aumentar as eficiências de geração para cerca de 30% durante o período de safra, quando seria produzido, também, vapor de processo (versus apenas 15% no caso de turbinas de condensação-extração), e para 33% ao longo do resto do ano, quando seria produzida apenas eletricidade (versus 23% no caso das turbinas de condensação-extração). Além de serem mais eficientes, aumentando, assim, o potencial técnico de geração, dos 4.800 MW no caso das turbinas de condensação para cerca de 9.600 MW, os sistemas BIG/STIG prometem também apresentar custos de instalação menores.96

Todas estas potenciais melhoras na economicidade de geração elétrica no setor sucro-alcooleiro (diminuição da demanda de vapor com o conseqüente aumento da disponibilidade de bagaço, utilização das palhas e pontas para o aumento do fator de utilização dos sistemas de condensação, e instalação de sistemas BIG/STIG, visando o aumento das eficiências de geração elétrica e diminuição dos investimentos), vêm recebendo cada vez maior atenção dos planejadores dos setores elétrico e sucro-alcooleiro. Contudo, uma outra questão de grande importância, pouco percebida pela maioria dos analistas que vêm examinando a viabilidade de geração elétrica através dos resíduos de cana, refere-se à prática de avaliar a economicidade dos sistemas de geração termoelétrica (quer seja de condensação-extração, quer seja de sistemas baseados em turbinas a gás) com base em comparações diretas com os custos de expansão do sistema interligado. Acontece que, como decorrência da natureza hidroelétrica do parque gerador brasileiro, onde numa mesma bacia hidrográfica podem existir dezenas de usinas hidroelétricas, compondo uma rede de barragens de acumulação e de fio d'água, os critérios de operação obedecem a um regime plurianual, onde a água armazenada pode permanecer, em média, de 2 a 4 anos nos reservatórios, tornando impossíveis comparações diretas e isoladas entre usinas hidroelétricas e usinas termoelétricas.

Para se obter um aproveitamento otimizado do bagaço nos tempos de seca, uma idéia a ser explorada é a de modular o sistema hídrico propositadamente, com freqüência anual (permanecendo a ciclagem plurianual inalterada), de modo a inserir uma grande massa de termoeletricidade nos tempos da colheita, que coincide com o período hidrológico seco (dentro do ciclo sazonal). Desta maneira, o sistema hídrico, que já se encontra super-motorizado, em conjunto com a geração bagaço-elétrica, aumentaria a quantidade de energia firme disponível, praticamente sem investimentos no setor hidroelétrico. Como conseqüência desta complementação sazonal-anual térmica, o setor elétrico poderia pagar pela energia térmica mais que o custo marginal de longo prazo, dado o aumento da energia firme do sistema global. Conforme mostrado mais adiante, o custo marginal real do sistema hidroelétrico brasileiro (baseando-se em investimentos de geração e transmissão de US$ 1.900/kW, perdas até esta tensão de 5%, vida útil média dos sistemas de geração e

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transmissão de 40 anos, fator de capacidade médio de 63%, taxa de desconto de 15% ao ano, e custos de operação e manutenção do sistema gerador e de transmissão de US$ 3,5/Mwh) é de US$ 58,l/MWh. É bem provável que a incorporação dos potenciais benefícios adicionais, provindos do aumento da capacidade firme do sistema global, torne as tarifas pagas pela geração bagaço-elétrica compensatórias para o setor sucro-alcooleiro que, por sua vez, ficaria motivado a abandonar os sistemas energéticos existentes nas suas destiladas para outros sistemas novos de maior eficiência.

No mínimo, a possibilidade de utilização dos resíduos de cana-de-açúcar para geração elétrica em grande escala, é uma alternativa que merece estudos mais cuidadosos. Especialmente, dada à crise atual do setor sucro-alcooleiro, é de maior urgência que sejam iniciadas pesquisas para se avaliar a viabilidade técnica e econômica dos sistemas BIG/STIG, uma tecnologia com implicações potencialmente revolucionárias para o setor energético brasileiro, e para se quantificar as implicações tarifárias da inserção de grandes blocos de energia termoelétrica no sistema hídrico. Sob o ponto de vista energético, o potencial total dos resíduos de cana-de-açúcar é muito maior daquele do álcool, e as plantações de cana-de-açúcar poderiam converter-se em verdadeiras "fazendas energéticas", processadoras de energia solar, em que o álcool passaria a ser um co-produto, ou até mesmo um mero sub-produto de geração de eletricidade. Cabe observar que o aproveitamento de todo o potencial técnico do bagaço e das pontas e palhas disponível com as tecnologias BIG/STIG implicada na produção anual de nada menos que 67,3 TWh (assumindo-se a instalação de 9.600 MW, e operação ao longo de todo o ano com fator de capacidade de 80%) que, por sua vez, corresponderia a potenciais receitas superiores a US$3,6 bilhões anuais (assumindo que o consumo próprio de eletricidade no setor sucro-alcooleiro é de 4,4 TWh, isto é, de 20 kWh/tc, e que o restante fosse vendido ao sistema elétrico ao preço de US$58,1/MWh). Em comparação, a receita anual atual do setor alcooleiro é de US$ 2,2 bilhões.97 Para sistemas BIG/STIG na faixa de 20-30 MW, custando US$1.200/kW, com custos de operação e manutenção de US$5/MWh, taxa de desconto de 15% ao ano, vida útil de 20 anos, e assumindo que o custo médio de coleção e manuseio do bagaço e dos demais resíduos da cana fosse igual a US$8/BEP, o custo de geração seria de US$47,1/MWh. Assim, o potencial lucro líquido dos sistemas BIG/STIG (já descontados todos os custos operacionais e o retorno de 15% sobre o capital investido), para a eletricidade vendida ao preço de US$58,1 /MWh, seria de cerca de US$740 milhões, o que poderia diminuir o custo de produção do álcool em aproximadamente 30%, tornando-o, então, competitivo com o custo da gasolina.

E realmente irônico que o setor energético brasileiro, que tanto tem glorificado o conceito de planejamento integrado, não possa aproveitar esta grande oportunidade de sinergismo entre os setores elétrico e sucro-alcooieiro.

Resíduos de refinariaUma segunda oportunidade para a ampliação da base térmica do parque gerador

brasileiro reside na utilização de resíduos de refinadas de petróleo na geração de energia elétrica, oportunidade essa que representa interessante possibilidade de sinergismo entre os setores de petróleo e eletricidade, com características bastante benéficas para ambos.

A estrutura de refino do petróleo no Brasil tem sido modificada nos últimos anos para fazer frente aos constantes aumentos do consumo de diesel e GLP, em conseqüência da política de preços adotada para esses combustíveis, e à dramática redução do consumo da gasolina devido ao PROÁLCOOL.98 Conforme mostra a Figura 16, as unidades de

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craqueamento catalítico (FCC), junto com as unidades de destilação a vácuo, desasfaltização e coqueificação, têm enfatizado a produção de destilados leves e medianos e, no seu extremo oposto, sobram os resíduos ultra-viscosos: resíduos de vácuo (RESVAC), resíduos asfálticos (RASF), e o coque de petróleo. Todos estes materiais constituem combustíveis de grande interesse para a geração termoelétrica, pois são de alto poder calorífico (o poder calorífico inferior do RESVAC é de 9.400 kcal/kg e do RASF de 9.300 kcal/kg, ou seja, mais de 2 vezes maior que o do carvão mineral nacional) e baixo custo de oportunidade.

Segundo dados da PETROBRAS, o potencial dos resíduos de refinarias poderá atingir, a curto prazo, 120.000 a 200.000 barris equivalentes de petróleo por dia que, utilizados na geração de eletricidade em termoelétricas convencionais (turbinas a vapor), com eficiência de conversão de 35%99 e fator de capacidade de 80%, resultariam numa capacidade elétrica instalada de entre 3.600 a 6.000 MW. Conforme mostra a Tabela 10, o custo de oportunidade destes resíduos é de 60-75% do valor do óleo combustível no caso dos resíduos de vácuo, e de 45-55% do valor do óleo combustível no caso dos resíduos asfálticos.100 Ainda mais interessante do ponto de vista de geração termoelétrica é o coque de petróleo que, sendo sólido, permite seu armazenamento em pátios a céu aberto, possibilitando maior flexibilidade de complementação térmica ao sistema hidroelétrico, comparado com os resíduos ultra-viscosos (RASE e RESVAC) que são produzidos em altas temperaturas (200 a 300 graus Centígrados) e, portanto, caso se queira aproveitar o seu calor sensível para aumentar a eficiência termodinâmica da usina, necessitam de serem queimados diretamente e, portanto, favorecem ser utilizados para geração em regime de base (isto é, com fatores de capacidade elevados). O custo de oportunidade do coque é de apenas 443% do custo do óleo combustível.

Para o setor petrolífero, a venda desses resíduos para o setor elétrico, além de representar fonte de recursos, teria dupla vantagem estratégica: reduziria a exportação de Diesel misturado ao RESVAC para formar o óleo combustível tipo Bunker C de exportação, e possibilitaria a introdução do gás natural sem resultar em sobras demasiadas do óleo combustível, que poderia ser craqueado. Como contrário, a entrada do gás natural no mercado no lugar do óleo resultaria na diminuição da poluição ambiental espalhada geograficamente nas indústrias, e proporcionaria a oportunidade de limpeza dos compostos de enxofre que seriam concentrados em poucas usinas termoelétricas.

A Figura 17 mostra o custo de geração de eletricidade através destes resíduos para diferentes preços de petróleo, assumindo-se o investimento de US$1.400/kW para a construção das termoelétricas (este custo refere-se a unidades de 350-500 MW e já inclui previsão para sofisticados sistemas anti-poluição, de redução das emissões de enxofre, representando cerca de 20-25% do custo total da usina)101 e o custo de operação e manutenção de US$6/MWh. A taxa de desconto implícita foi de 15% ao ano e a vida útil assumida para as usinas foi de 25 anos. Conforme pode ser visto, para o preço internacional atual do óleo combustível, de cerca de US$20/barril, o custo resultante de geração elétrica com resíduos de vácuo situa-se na faixa de US$57,0-61,9/MWh e, no caso dos resíduos asfálticos, na faixa de US$52,0-55,3/MWh. Conforme já mencionado, estes valores são competitivos com os custos reais de expansão do sistema hidroelétrico quando se leva em consideração os investimentos em geração e transmissão (as térmicas a resíduos de refinaria por serem localizadas perto dos centros de carga dispensam de investimentos em transmissão e as perdas associadas), que são da ordem de US$58,1/MWh, além de que as usinas termoelétricas a resíduos de refinaria proporcionariam ao sistema elétrico todos

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os efeitos benéficos de uma disponibilidade substancial de energia firme, independente dos humores de São Pedro.

Tabela 10: Derivados e resíduos de petróleo que apresentam interesse para o setor elétrico

Derivados Índice de valor Usos atuaisUsos possíveis

adicionais

1. Óleo diesel 200 Combustível -2. Gás de refinaria e gás natural

100/150 Combustível, produção de hidrogênio

Turbina à gás

3. Óleo combustível 100 Combustível Turbina à gás, grupos geradores

4. Resíduo de vácuo 60/75 Produção óleo comb.+ alfasto carga de UFB, consumo refinarias

Termoelétricas, siderurgia, brinquetes

5. Resíduo asfáltico 44-55 - -6. Coque 40 Produção de Eletrodos Siderurgia, termoelétricas7. Nafta de choque 160 Produção de gasolina Turbinas a Gás8. Diesel parafínico 160 Craqueamento, Diesel nº

2Grupos geradores

9. Diesel de craqueamento

150 Óleo de diluição, Diesel nº 2

Turbinas a Gás

10. Gasóleo pesado de vácuo

140 Craqueamento Grupos geradores

11. Diesel coque 140 Craqueamento, Óleo de diluição

Diesel nº 2, Grupos Geradores

12. Gasóleo pesado de coque

120 Craqueamento -

OBS.: Calores definitivos e usos dependem de acordos comerciais e, as vezes, desenvolvimento de tecnologia.

Fonte: Petrobrás

Gás natural

De todas as novas alternativas de termo-geração, no entanto, o gás natural importado é a que se apresenta como a única opção capaz de gerar grandes blocos de energia elétrica em prazos de 3 a 4 anos - horizonte que antecede a possível crise de suprimento de eletricidade que poderá ocorrer em algumas regiões do pais (no campo hidroelétrico, contudo, há também as usinas em avançado estágio de construção que podem ser concluídas neste mesmo período). O gás natural de origem nacional, atualmente, encontra-se disponível para esta finalidade em quantidades limitadas, e somente na Amazônia e em alguns pontos isolados do Nordeste (o total das reservas provadas de gás no país é de apenas 100 bilhões de metros cúbicos). O uso do gás da Amazônia para o abastecimento de Manaus e Porto Velho, por exemplo, poderia adiar a construção de polêmicas usinas hidroelétricas, além de

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ser uma opção mais econômica de geração; e o uso de usinas a gás no Nordeste diminuiria os riscos de racionamento da região, que ao longo dos próximos anos dependerá de uma única obra (a usina de Xingó, de 5.000 MW) para o seu abastecimento elétrico. A geração à gás nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, contudo, se tornaria possível em quantidades significantes apenas com a importação de gás da Bolívia e Argentina. A importação de gás natural para finalidade exclusiva de geração elétrica não perturbaria a matriz de utilização dos derivados de petróleo quando coligada com a produção de resíduos ultra-viscosos nas refinarias e sua queima em usinas termoelétricas, e possibilitaria ao Brasil uma integração maior com os países vizinhos, com conseqüências de grande alcance político e econômico. O Brasil, possuidor de um dos parques industriais mais modernos da América Latina, necessita do mercado externo para otimizar a sua produção e deve, em contrapartida, encontrar artigos de importação que complementem a sua economia. O gás natural é, talvez, o principal artigo de exportação dos países vizinhos.

Desde 1973 as reservas mundiais de gás natural quase dobraram, chegando em 1987, a 93% (das reservas de petróleo em termos de conteúdo energético.102 O consumo mundial de gás natural, por outro lado, equivale a apenas 51% do consumo mundial de derivados de petróleo.103 Além disso, as reservas de gás natural estão mais dispersas geograficamente que as de petróleo - fora do Oriente Médio as reservas de gás superam as de petróleo em 50% - e há grandes perspectivas para novas descobertas de gás em muitos países em desenvolvimento, uma vez que as reservas existentes nestes países não foram conseqüência da procura por gás em si, mas uma espécie de sub-produto encontrado na busca do petróleo. A Tabela 11 apresenta estimativas do Banco Mundial sobre os custos de produção e transporte de gás natural em diversos países em desenvolvimento e, como pode ser visto, estes custos são, quase sempre, competitivos com os preços de petróleo importado.104 Estes fatos, aliados às características de queima limpa do gás natural, praticamente isenta de óxidos de enxofre, de emissão controlada de óxidos de nitrogênio, e de formação reduzida de dióxido de carbono, que é uma das principais causas do assim chamado "efeito estufa",105 deverão fazer o gás natural ocupar um espaço cada vez maior na matriz energética mundial.

Tabela 11: Custos de gás natural em países em desenvolvimento.

PaísCustos em US$/1000 Nm³ (US$/BEP) (¹)

Produção Transporte “City-gate”(2)

Bangladesh 8.5 (1,41) 13,9 (2,18) 22,4 (3,59)Camarões 45,6 (7,60) 20,3 (2,94) 65,9 (10,54)Egito 23,0 (3,81) 3,1 (0,37) 26,1 (4,18)Índia 33,5 (5,60) 22,0 (3,28) 55,5 (8,88)Marrocos 41,0 (6,48) 21.9 (3,59) 62,9 (10,07)Nigéria 23,0 (3.83) 17,5 (2,65) 40,5 ( 6,48)Paquistão 12,7 (2,12) 4,2 (0,59) 16,9 ( 2,71)Tailândia 28,3 (4,71) 26,9 (4,13) 55,2 (8,84)Tunísia 23,7 (3,97) 35,2 (5,46) 58,9 (9,43)

(1) 1982 US$(2) O custo “city-gate” agrega os custo de produção e transporte

Fonte: Banco Mundial

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O fluxo de gás natural através das fronteiras cresceu vertiginosamente no mundo, nos anos recentes. Basta citar o emaranhado de grandes gasodutos cortando a Europa de todos os lados e a recente integração da Europa com a U.R.S.S. e o norte da África, transpondo barreiras geográficas e ideológicas com a maior facilidade. A integração México - E.U.A. e Canadá - E.U.A. são outros exemplos, além da exportação de gás natural do Oriente Médio, Sudeste Asiático e Austrália para o Japão. São cerca de US$ 25 bilhões anuais envolvidos nas transações internacionais do gás natural.106 Entre os nossos vizinhos da América Latina encontra-se o gás natural abundante na Argentina, com uma reserva de quase 650 bilhões de metros cúbicos (equivalente a 4,4 bilhões de barris de petróleo) e um consumo de 41 milhões de metros cúbicos diários (260.000 BEP/dia). As reservas da Venezuela são de 1,67 trilhões de metros cúbicos e o seu consumo diário 25% maior que o da Argentina. As reservas bolivianas são de 137 bilhões de metros cúbicos e o consumo, inclusive as exportações para Argentina, de apenas 7 milhões de metros cúbicos diários.107

Recentemente, a Shell descobriu no Peru, no Vale do Ucaialí, a 650 km de Rio Branco, no Acre, uma reserva de 480 bilhões de metros cúbicos. Cerca de 20 outras estruturas de geologia semelhante estão ainda para serem exploradas naquele Vale, que promete ser uma das maiores reservas do Ocidente.

A utilização de um total de 20 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural (importado e nacional) para geração de eletricidade (a produção nacional, atualmente de 16 milhões de metros cúbicos diários, deverá, segundo a PETROBRAS, atingir 70 milhões de metros cúbicos por dia até o fim do século,108 em unidades de ciclo combinado de alta eficiência (45%), operando com fator de capacidade de 60-80%, possibilitaria a instalação de 4.900-7.200 MW. A Figura 18 mostra os custos da eletricidade gerada para diferentes preços de gás, baseados num investimento típico de US$700/kW para a usina de ciclo combinado, taxa de desconto de 15% ao ano, vida útil da usina de 20 anos, fatores de capacidade de 60 e 80%, eficiência de 45%, e custos de operação e manutenção de US$4,0/MWh. Conforme pode ser visto, para um preço de gás igual a US$125/1000 m3 (US$20/BEP), o custo de eletricidade é de apenas US$46,3/MWh para o fator de capacidade de 80% e de US$51,5/MWh para o fator de capacidade de 60%, custos estes competitivos com os custos de expansão do sistema hidroelétrico brasileiro.

Enfim, todas estas novas oportunidades de geração termoelétrica podem ter implicações profundas para o futuro da indústria de energia elétrica no país. Sem dúvida nenhuma, a hidroeletricidade deve continuar suprindo a grande parcela de energia elétrica nas próximas décadas; de modo geral, a limpeza e renovabilidade desta forma de energia, e a sua independência dos preços do petróleo a fazem, no caso brasileiro, uma das formas mais vantajosas de geração. Principalmente, é bem provável que, com uma eventual abertura da economia brasileira, os custos de construção de usinas hidroelétricas, que têm-se mostrado excessivamente altos no caso das usinas mais recentes construídas no país, possam diminuir substancialmente. Contudo, a hidroeletricidade não pode tornar-se a única fonte geradora no país, e os novos combustíveis acima mencionados constituem alternativas válidas que merecem consideração mais cuidadosa. Certamente, o muro energético seria mais firme e econômico quando constituído de pedras de diferentes tamanhos e variedades.

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3.3. A oferta mundial de novas tecnologiasAlém dos novos combustíveis, e ainda no plano tecnológico, nos últimos 15 anos, tanto

as tecnologias de produção quanto as tecnologias dos usos finais de energia sofreram drásticos aumentos da eficiência termodinâmica.

Do lado do suprimento elétrico, modernos sistemas de controle informatizado, tanto de tensão como de energia, podem diminuir as perdas e aumentar a confiabilidade operacional do sistema elétrico. Novas tecnologias de geração, tais como as STIGs (Steam Injected Gas Turbines). ISTIGs (Intercooled Steam Injected Gas Turbines) e Ciclos Combinados (conjuntos de turbinas a gás e a vapor) prometem revolucionar o modo em que a energia é gerada, quase dobrando a eficiência de geração das usinas tradicionais, a custos de instalação várias vezes menores e sem os problemas ambientais e de segurança das usinas nucleares e a carvão.109 Por exemplo, com um investimento de aproximadamente US$700/kW instalado, é possível hoje em dia construir uma usina térmica de ciclo combinado de 200 a 1.000 MW de capacidade, nos EUA, Japão ou Europa, com eficiência termodinâmica da ordem de 50%. E, do lado da demanda elétrica, avanços na eficiência dos equipamentos de uso final e novas técnicas de gerenciamento da demanda, prometem reduzir significativamente o consumo, sem perdas na produção industrial e no nível de serviços fornecidos pela eletricidade.

Turbinas a gás e ciclos combinadosNo passado, até o início da década de 1980, as turbinas a gás eram caracterizadas por

baixos investimentos iniciais (US$250/kW ou menos, nos E.U.A, ou seja, 8 a 10 vezes menos que as usinas nucleares) mas, também, por baixas eficiências (25-28% em comparação com 35-38% no caso de centrais de turbinas a vapor). Isto, junto à necessidade de utilização de combustíveis limpos, tais como gás natural ou Diesel (ao contrário das turbinas a vapor onde o combustível é primeiro transformado em vapor numa caldeira, nas turbinas a gás o combustível é queimado diretamente na câmara de combustão), tinham limitado a sua utilização apenas para o atendimento de picos de demanda elétrica, ou como capacidade de “stand-by” para casos de emergência. Recentemente, contudo, a tecnologia das turbinas a gás, derivadas da tecnologia dos motores aeronáuticos, vem sofrendo constantes e significativos aperfeiçoamentos. Basta dizer que somente a General Electric, de longe o maior fabricante mundial de turbinas a gás, quer sejam aeronáuticas quer sejam industriais para geração de eletricidade, gastou, somente em 1988, cerca de US$951 milhões em pesquisa e desenvolvimento de turbinas a gás aeronáuticas, quantia esta superior ao total dos gastos em pesquisa tecnológica em todo o Brasil.110 Os gastos do Departamento de Defesa dos E.U.A. em pesquisa e desenvolvimento de turbinas de aviões militares, por sua vez, atingiram, em média, cerca de US$500 milhões anuais durante a década de 1980.111

Como conseqüência desses pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a tecnologia de turbinas a gás tem sofrido avanços revolucionários. Mais especialmente, avanços metalúrgicos têm permitido grandes aumentos na temperatura de entrada das turbinas a gás, com reflexos diretos na eficiência termodinâmica.112 A Figura 19 mostra que enquanto a eficiência das turbinas a vapor tem-se estacionado desde os anos 1960, os mais modernos sistemas de turbinas a gás já atingem eficiências da ordem de 50%.113 A eficiência média da usina de ciclo combinado de FUTTSU, no Japão, por exemplo, baseada em turbinas a gás da General Electric, com potência instalada de 2.000 MW e queimando GNL (Gás Natural Liquefeito), atinge 48%.114 A mais nova unidade de ciclo combinado da Siemens, na Turquia, atinge eficiências de 52,7%.115

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Ao mesmo tempo em que as eficiências das turbinas a gás vêm aumentando, novos avanços prometem, também, resolver o velho problema de utilização de combustíveis de baixa qualidade (e, portanto, baixo custo de oportunidade), diminuindo ainda mais os custos de geração e ampliando enormemente as aplicações das turbinas a gás. É possível, atualmente, queimar óleos combustíveis em turbinas a gás através da instalação de sistemas de pré-tratamento (centrífugos e eletrostáticos)116 cujo custo não excede 10% do custo total da usina.117 E, conforme já mencionado, novos sistemas de gaseificação de biomassas podem, brevemente, permitir também a utilização de combustíveis sólidos em turbinas a gás.118 Mais importante ainda, conforme mostra a Figura 20, os aumentos na eficiência de geração das turbinas a gás não têm sido acompanhados por aumentos equivalentes nos custos de capital, sendo esta tecnologia ainda a menos capital-intensiva de todas as alternativas de geração de grandes blocos de energia elétrica.119 Tais avanços têm feito com que a adoção de usinas baseadas em turbinas a gás sofresse uma expansão acelerada no mundo. Somente na década de 1980, partindo praticamente da estaca zero, o total da capacidade de ciclos combinados instalada no mundo cresceu para mais de 20.000 MW. l20

Segundo projeções de executivos do EPRI (Eletrical Power Research Institute), dos próximos 100.000 MW que serão instalados nos E.U.A. espera-se que 75.000 MW tenham base em turbinas a gás.121 Nos E.U.A., em particular, o uso da tecnologia das turbinas a gás para geração de vapor e eletricidade tem atingido níveis bastante significativos. A Figura 21 mostra que o licenciamento de turbinas a gás para produtores independentes de energia nos E.U.A. desde 1980 subiu para mais de 20.000 MW. Ademais, até 1995, um total adicional de 40.000 MW está sendo planeado por concessionárias elétricas.

Combustão em leito fluidizado circulanteTambém do lado do suprimento elétrico, avanços ocorridos nos últimos dez anos nos

processos de combustão em leito fluidizado têm provocado grande sucesso de vendas no mercado de equipamentos de geração de energia elétrica dos países industrializados a partir da queima de combustíveis sólidos com alta percentagem de enxofre, e baixos qualidade calórica (com até 70% de conteúdo de cinzas). Particularmente, uma variante desta tecnologia, chamada combustão em leito fluidizado circulante (CFB -Circulating Fluidized Bed) tem-se mostrado altamente interessante devido à sua grande flexibilidade de queimar combustíveis líquidos, sólidos e gasosos, ao contrário dos combustores em leito fluidizado borbulhante, que só queimam sólidos de granulometria fixada entre 0,8 e 2,5 cm.l22

No caso brasileiro, a tecnologia CFB tem muito que oferecer devido às características do carvão nacional (alto conteúdo de cinzas, de até 55%, e alta porcentagem de enxofre, de até 2,5%) muito apropriadas à queima em leito fluidizado. Nestes combustores o enxofre é retirado com as cinzas da queima do carvão injetando-se calcários na câmara de combustão. O carbonato de cálcio do calcáreo reage com o enxofre, resultando em sulfato de cálcio que é eliminado como parte das cinzas. Este fato possibilita dispensar o uso de unidades de dessulfurização dos afluentes das usinas convencionais que, geralmente, custam de 20 a 25% do investimento total das usinas. As unidades CFB, por sua vez, custam, em média apenas 10 a 15% mais que as usinas convencionais. Além do carvão nacional, uma outra aplicação perfeitamente passível de realização é a queima, em unidades CFB, de resíduos de refinarias, como RASF, RESVAC e coque de petróleo.

Na Coréia do Sul e no Japão existem quatro unidades CFB de mais de 100 MW térmicos, que operam há mais de 5 anos com a queima de coque de petróleo, com alto conteúdo de enxofre.123 Uma avaliação recente da tecnologia de leito fluidizado a nível

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mundial identificou cerca de 350 caldeiras de leito fluidizado de grande porte, com uma capacidade instalada de aproximadamente 34 milhões de toneladas de vapor por hora.124

Motores dieselOutro exemplo de tecnologia de geração que vem sofrendo avanços significativos é a de

motores Diesel que, apesar do nome, são hoje capazes de queimar óleos combustíveis de baixa qualidade, inclusive ultra-viscosos (na India, existem motores Diesel em operação que queimam um tipo de óleo similar ao RESVAC).

No mercado mundial, existem hoje motores Diesel de altíssima eficiência (até 54% no caso dos motores de 2 tempos), grande capacidade (até 40 MW), e que queimam óleos combustíveis de péssima qualidade, como os disponíveis no Brasil. Mesmo os motores de 4 tempos, de velocidade intermediária (500-700 rpm), são hoje disponíveis em capacidades de até 17 MW, e conseguem gerar eletricidade com óleos combustíveis e eficiências de até 46%. Estes novos motores Diesel são capazes de operar em regime de base com óleos combustíveis cuja viscosidade é de até 700 cSt a 50 graus centígrados, cujo conteúdo de enxofre é de até 5%, e cujo conteúdo de resíduos de carbono é de 22% e conteúdo de vanádio 600 ppm.125 Este avanços, aliados às características tradicionais dos motores Diesel, tais como altíssima disponibilidade (superior a 95%), alta eficiência, mesmo para cargas parciais, procedimentos simples de operação e manutenção, e prazos curtos de instalação, têm tornado esta alternativa de geração uma opção quase ideal para geração elétrica em capacidades de 500 kW a 100 MW. Estes novos desenvolvimentos são particularmente significativos para centenas de localidades isoladas no Brasil onde ainda se gera eletricidade com o uso de óleo Diesel. A substituição das unidades antigas por motores modernos de alta eficiência, queimando óleos combustíveis, diminuiria substancialmente os custos de geração, além de reduzir o consumo de Diesel, que é hoje o derivado que define o nível das importações de petróleo no país.

Conversão e repotenciação de usinas termoelétricas antigasE, finalmente, mais uma nova técnica do lado de suprimento elétrico refere-se à

conversão de antigas usinas termoelétricas em usinas de ciclo combinado de alta eficiência. Nos países industrializados, diversas usinas convencionais antigas, com mais de 30 anos de operação, estão sendo convertidas em usinas de ciclo combinado para queima de gás natural. A combinação entre turbinas a gás e turbinas a vapor, como resultante do uso do calor residual das turbinas a gás, aumenta a capacidade da usina e sua eficiência global em cerca de 50%, com a mesma quantidade de combustível.126 Na conversão de usinas antigas, aproveita-se a existência das turbinas a vapor existentes e seus equipamentos associados (dispensa-se somente as velhas caldeiras) bem como de toda a infraestrutura existente no local, como terreno, condensadores, tomadas de água, subestação etc., acrescentando-lhes somente as turbinas a gás e caldeiras de recuperação à montante. Isto permite obter-se uma substancial economia no investimento inicial.

No Brasil, existem diversas usinas antigas projetadas para queimarem óleo e carvão que estão chegando ao fim de sua vida útil. Duas suscitam interesse especial: (a) as unidades térmicas de Manaus cujas unidades turbo-geradoras eventualmente podem ser aproveitadas para queima de gás natural amazônico e, (b) a conversão da Usina de Piratininga de 472 MW, localizada no coração do maior parque consumidor de eletricidade da América Latina, São Paulo. Estudos exploratórios preliminares indicam que é possível converter Piratininga para uma usina de ciclo combinado de cerca de 1.100 MW com a queima de cerca de 5

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milhões de metros cúbicos de gás natural por dia.127 A possibilidade de conversão de Piratininga é particularmente atraente devido a diversos motivos: geração de 1.100 MW no centro de carga de São Paulo, sem poluição (gás natural) e sem necessidade de linhas de transmissão; o aproveitamento de toda a infraestrutura existente, e o baixo custo das turbinas a gás e caldeiras de recuperação de calor levam a um custo especifico de geração extremamente baixo (cerca de US$500/kW); a criação de um único mercado de mais de 5 milhões de metros cúbicos diários de gás natural pode representar um fator decisivo na economicidade de construção de um gasoduto desde a Bolívia, ou Argentina até São Paulo, ou na importação de gás natural liquefeito do exterior. Vale a pena também ressaltar que uma conversão deste tipo e a construção de um gasoduto podem ser realizadas com extrema rapidez (menos de 3 anos). O porte da conversão de Piratininga não apresenta nenhum problema técnico quando se compara com a conversão para ciclo combinado de usinas nucleares de muito maior porte (aproveitando-se o ciclo da turbina a vapor das usinas nucleares), que estão em estágio avançado de conversão nos E.U.A.

Eficiência dos usos finais de energiaDo lado da demanda elétrica, a moderna microeletrônica, aliada a desenvolvimentos em

novos materiais, inacessíveis no Brasil pela atual legislação de reserva de mercado (inacessíveis em termos de ciclo de obsolência de aproximadamente cinco anos), poderia aumentar substancialmente a eficiência dos usos finais de eletricidade. Detectores de ultra-som e infra-vermelho para apagar iluminação e ar condicionados na ausência de usuários, controladores de velocidade de freqüência variável para adequar a carga de motores elétricos à demanda solicitada, e reatores e ignitores de lâmpadas fluorescentes compactas que economizam de 30 a 70% da eletricidade usada, estão permitindo os países industrializados a efetuar grandes economias nos seus investimentos em eletricidade, mantendo o mesmo nível de bem estar e de serviços.

Muitos dos avanços nas tecnologias de usos finais de energia nas últimas duas décadas já são do conhecimento do público especializado brasileiro. A Figura 22 ilustra o desenvolvimento alcançado na tecnologia de geladeiras domésticas nos países desenvolvidos e, conforme pode ser visto, entre 1972 e 1988, o consumo específico de novas geladeiras disponíveis no mercado, medida em kWh/litro de capacidade volumétrica da geladeira, diminuiu pela metade nos EUA e para um quarto no caso do Japão.128 A Figura 23 mostra que as melhores lâmpadas fluorescentes hoje disponíveis no mercado americano consomem 0,0110 Watts/lumen produzido, versus 0,0588 Watts/lumen no caso das lâmpadas convencionais - uma melhora de mais de 5 vezes.129 Somente estes dois usos finais (iluminação e refrigeração) são responsáveis por mais da metade da eletricidade consumida nos setores residencial e comercial do Brasil. Há que indicar, também, que a melhoria no consumo energético de outros equipamentos como televisores, condicionadores de ar, motores elétricos e quase todos os outros tipos de equipamentos de uso final de energia tem sido impressionante.130

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CogeraçãoTambém do lado da demanda elétrica, uma nova técnica de alta eficiência que se torna

cada vez mais comum nos paises industrializados é a cogeração de vapor industrial e de energia elétrica. Uma boa pane de toda a energia consumida no setor industrial (cerca de 30% no caso do Brasil), é usada para produzir vapor de processo. Essa é uma forma de consumo inerentemente perdulária, uma vez que energia química de alta qualidade, com temperaturas de chama da ordem de 1700 graus centígrados, é usada para a produção de vapor de processo de baixa qualidade, a uma temperatura quase sempre inferior a 200 graus Centigrados.131 A cogeração consiste em um aproveitamento mais eficiente, "em cascata", da energia disponível no combustível, isto é a energia a alta temperatura resultante da combustão é primeiramente usada para produzir eletricidade e a energia térmica, que seria "perdida" na saída da turbina, é subseqüentemente usada para produzir vapor de processo industrial. De especial interesse é a cogeração com turbinas a gás, devido à alta razão de eletricidade/vapor produzida. Através dessas técnicas de cogeração, aproximadamente um terço de energia total é economizada, em comparação com a geração de vapor e eletricidade separadamente.

Os baixos custos de investimento e as altas eficiências termodinâmicas obtidos com estes sistemas têm resultado na proliferação da cogeração nas indústrias dos países desenvolvidos. No Brasil, a maior disponibilidade de gás natural, aliada às tendências para uma maior participação do setor privado nos investimentos do setor elétrico, também devem ampliar o papel da cogeração em futuro próximo.

Estas referências às novas tecnologias hoje existentes no mercado mundial não devem, no entanto, criar a impressão que a indústria de eletricidade do Brasil não dispõe de tecnologias modernas ou de capacidade tecnológica de nível mundial. As turbinas hidráulicas existentes no Brasil, por exemplo, são das melhores do mundo e a capacitação tecnológica nacional em sistemas de transmissão elétrica a longas distâncias é superada por poucos países. Contudo, o atraso existente em áreas como equipamentos de controle e medição, devido às limitações impostas pela lei da informática, pode rapidamente ampliar-se para a área dos equipamentos de geração e utilização de energia, se não forem tomadas medidas imediatas para facilitar a introdução no mercado nacional dos avanços revolucionários que têm ocorrido nestas tecnologias durante os anos 1980.

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AS GRANDES QUESTÕES: EM BUSCA DE UM NOVO MODELO

4.1. Formação de capital próprio: a questão de custos e preços de eletricidadeA questão mais atormentadora para o setor elétrico brasileiro é como equacionar a crise

financeiro-institucional em que se encontra neste momento, frente aos seus planos ambiciosos de expansão e sem os correspondentes financiamentos em vista. A implementação do Plano 2010, que prevê um aumento da capacidade elétrica dos 50.000 MW atuais para 103.000 MW no ano 2000 e 160.000 MW no ano 2010, necessitaria de investimentos da ordem de US$6 a 8 bilhões anuais a curto prazo, e uma quantia acumulada de US$200-US$250 bilhões (em preços de hoje) até o ano 2010. Segundo algumas previsões, no final da próxima década, o setor elétrico estatal necessitará de recursos equivalentes a quase 20% da formação bruta de capital no país, caso as tendências de crescimento da demanda e da alta de custos se mantiverem. Mesmo para um crescimento menor da demanda, da ordem de 5% ao ano, seria necessária a instalação de mais de 30.000 MW no período 1990-2000, muito menos que o previsto no Plano 2010, mas, mesmo assim, muito além da capacidade atual de financiamento das empresas estatais de eletricidade.

As implicações destas considerações tomam-se óbvias quando se lembra que países como os EUA construíram sua infraestrutura básica auxiliada por uma pletora de investimentos baratos de longo prazo - baseados no chamado “long-term bond’. Durante a maior parte do período entre 1.800 e 1.950, o público norte-americano esteve disposto a emprestar o seu dinheiro ao governo ou a empresas privadas, com taxas de juros (nominais) entre 2 e 3% ao ano, por períodos de até 30 anos. 132 Hoje, por outro lado, e conforme já mencionado, os organismos internacionais oficiais de financiamento, se e quando o fazem, emprestam a juros entre 8 a 10% ao ano (sem contar as taxas e comissões) e investidores privados requerem retornos ainda mais altos. E é importante lembrar que, no Brasil, a maior parte da divida interna é, nos dias de hoje, “rodada” a cada 24 horas no ‘overnight’.

Este esgotamento cada vez mais óbvio da capacidade do governo para financiar os seus gastos, tanto através de novos empréstimos externos, quanto pela via tributária e, mesmo, através da emissão da moeda, significa que o sucesso de qualquer tentativa para recuperação do setor elétrico dependerá de uma política de autofinanciamento das empresas de energia elétrica. Tal política, por sua vez, passa, entre outras coisas, pelo reconhecimento da importância da fixação da tarifa com base nos custos marginais de longo prazo. Ao contrário de uma política de preços baseada nos custos médios históricos (atualizados, inclusive, no caso do Brasil, por índices arbitrários que não refletem a inflação adequadamente), a tarifarão com base nos custos marginais valoriza a energia elétrica de acordo com as necessidades de investimentos futuros, fato este fundamental para um sistema em expansão, com custos unitários crescentes, e altamente centralizado, como o brasileiro.133 O próprio fato do Brasil ter baseado a construção do seu porque gerador nos critérios do CANAMBRA, construindo primeiro as usinas mais baratas, toma a tarifação com base nos custos marginais fundamental do ponto de vista de geração de recursos e de sinalização do mercado para usinas elétricas cada vez mais caras.

Tanto a questão de formação de capital próprio nas empresas estatais, quanto a questão de participação de capitais privados, dependerão primordialmente, deste ponto que, em termos práticos, implica numa elevação significativa dos preços reais de energia elétrica no país.

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Custos orçados e custos reaisOs custos reais de eletricidade no Brasil constituem uma questão polêmica e a realidade

é muitas vezes perdida na confusão inflacionária, manipulação das taxas de câmbio, e maciças transferências regionais. No fundo, o problema é que no setor elétrico estatal existe um desestimulo natural ao controle de custos urna vez que a fonte principal de receitas, que é a tarifa, sofre as mais variadas manipulações e, pior ainda, a ineficiência não e penalizada, mas, ao contrário, premiada através da política de equalização tarifária. Esta situação faz com que nem as próprias empresas conheçam com precisão os seus custos, e o conhecimento a nível nacional seja ainda mais precário. Contudo, uma boa indicação dos custos reais de hidroeletricidade no Brasil pode ser vista nas Tabelas 12a-b, que mostram os investimentos feitos nas principais usinas da CESP em São Paulo, e sua composição. Estes custos, apresentados aqui pela primeira vez, foram calculados pelos autores, através de um trabalho minucioso de transformação dos dados contábeis correntes da CESP em dados de engenharia econômica, via a retirada dos efeitos da inflação e das variações das taxas de câmbio. 134 Os resultados permitem algumas conclusões de grande interesse.

Em primeiro lugar, é importante destacar que os custos específicos reais das usinas hidroelétricas a preços constantes de 1986 não são tão baratos como se apregoa geralmente. Para as usinas da CESP, o investimento específico médio direto (isto é, sem os juros durante a construção) para as 14 usinas estudadas, somando um total de 8.391 MW, foi de US$1.152/kW instalado e quando se inclui os juros durante a construção este valor atinge os US$1.726/kW instalado. Ademais, estes custos vêm aumentando constantemente; as usinas iniciadas na década de 1950 foram construídas a um custo unitário direto de US$842/kW e um custo total (com os juros durante a construção) de US$1.277kW; as usinas iniciadas na década de 1960 apresentaram um custo médio direto de US$954/kW e custo total de US$1.552/kW; e aquelas construídas na década de 1970 apresentaram, em média, um custo específico direto de US$l.713/kW e custo específico total de US$2.294/kWi. 135 A consistência desses resultados pode ser averiguada quando se considera que os custos unitários do setor elétrico brasileiro como um todo no período 1.974-1.986 foram de US$1.020/kW para geração, de US$30/kW para transmissão, e de US$280/kW para distribuição/instalações gerais, 136 sem contar os juros durante a construção que, nas condições atuais dos juros e prazos típicos de construção das obras, elevam o custo final das usinas hidroelétricas em 40 a 50% acima dos investimentos diretos.

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Tabela 12a: Custos de Investimento das Usinas Hidroelétricas da CESP

Usina Hidrelétrica

Potência

instalada

(MW)

Início das

Obras

Entrada em Operação

Investimentos(1986 US$milhões)

Custo unitário(1986 US$/KW)

Primeira Máquina

Última Máquina

Direto(1) Total(2) Direto(1) Total(2)

Salto Grande 70,4 1951 1958 1960 59,6 83,6 847 1.187Jurumirim 97,8 1956 1962 1964 98,6 143,2 100,9 1.465Barra Bonita 140.8 1957 1963 1966(3) 69,7 99,4 495 706Cacondé 80,4 1959 1966 1966 70,1 104.5 871 1.300Bariri 143.1 1959 1965 1969 83,6 151,4 584 1.058Xavantes 414,0 1959 1970 1971 415.7 626.6 1.004 1.514Jupiá 1.411.2 1961 1969 1974 1.287,6 2.474.6 912 1.754Ibitinga 131.5 1963 1969 1969 197,0 254,1 1.498 1.932Paraibuna 85,0 1964 1978 1980(3) 105,9 125.4 1.246 1.475Ilha Solteira 3.230,0 1965 1973 1978 2.739,5 4.215,2 848 1.305Promissão 264,0 1966 1975 1977 555,7 878,0 2.105 3.326Capivari 640,0 1971 1977 1978 1.274,4 1.716,4 1.991 2.682Água Vermelha 1.380,0 1973 1978 1983 1.837,4 2.628,3 1.331 1.905N. Avanhadava 302.4 1979 1982 1985 867,0 983.2 2.867 3.251

Total/Média 8.390,6 9.661,77 14.483,83 1.152 1.726

(1) Até a data de entrada da última máquina.(2) Inclui juros durante a construção de 10%a.a. (3) Data de início de operação da última máquina foi alterada para incorporar grandes investimentos posteriores.

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Tabela 12b: Composição dos custos de investimento de hidroeletricidade nas usinas da CESP.Usina Capacidade

InstaladaComposição do investimento direto (% do total)

Terrenos Reservatório/Barragem/Adutoras

Edifícios/Obras Civis

Máquinas e equipamentos

Outros

Salto Grande 70,4 0,95 29,26 43,40 26,07 0.33Jurumirim 97,8 17,60 31,79 34,52 15,96 0,12Barra Bonita 140,8 15,14 27,69 39,91 17,20 0,05Cacondé 80,4 4,30 6232 17,43 14,13 1,81Bariri 143,1 4,67 59,41 21,38 14,37 0,17Xavantes 414,0 3,18 69,57 11,69 14,16 1,40Jupiá 1.411,2 0,71 34,08 35,73 26,01 3,47Ibitinga 131,5 2,50 50,87 28,04 18,58 0,00Paraibuna 85,0 0,03 36,13 35,46 23,06 0,33Ilha Solteira 3.230,0 1,77 48,69 27,23 22,25 0,00Intromissão 264,0 17,67 49,47 23,09 9,77 0,00Capivari 640,0 13,04 61,67 10,81 12,98 1,51Água Vermelha 1.380,0 2,70 51,89 19,83 16,90 8,68Nova Avanhadava

302,4 3,20 42,86 8,44 27,60 17,91

Total 8.390,6 4,89 49,19 22,51 19,55 3,86

Estes valores são muito superiores aos “tradicionais” US$1.000/kW que se utiliza no setor como custo unitário médio típico para usinas hidroelétricas, e maiores ainda que os custos previstos no Plano 2010 para a expansão futura do sistema elétrico. As Tabelas 13a-c mostram que, segundo o Plano 2010, seria possível adicionar uma capacidade de 9.945 MW na região Sudeste a um custo médio de US$833/kW; uma capacidade de 15.169 MW nas regiões Norte/Nordeste a um custo médio de US$741 /kW: e uma capacidade adicional de 15.763 MW na região Sul a um custo médio de US$618/kW. 137 Apesar das usinas hidroelétricas serem ‘tailor made”, cada uma diferente das outras, os dados aqui mostrados sobre os custos das usinas da CESP, aliados aos critérios de expansão do sistema elétrico brasileiro, que seguem o princípio de “Ieast cost” (as usinas mais baratas são construídas primeiramente), levantam sérias dúvidas sobre a validade dos custos adotados no Plano 2010. Os custos previstos para as novas usinas a serem construídas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, por exemplo, são em média 50% mais baratos que os custos das usinas iniciadas pela CBSP na década de 1930, duas vezes mais baratos que as usinas iniciadas na década de 1960, e quase três vezes mais baratos que as usinas iniciadas na década de 1970.

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Tabela 13a: Estimativas de investimento para novas usinas hidroelétricas nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste, segundo Plano 2010.

Usina(1) EstadoPotência

programada(2)

(MW)

Data de entrada (Última

máquina)

Investimento total previstoUS$ milhões

Investimento unitário

(US$/KW)Manso MT 210 1992 284.0 1.352CorumbáL GO 375 1993 401.9 1.072Nova Ponte MG 510 1992 440.8 864Sapucaia RJ/MG 300 1993 272,3 908Simpiício RJ/MG 195 1993 195,7 1.004Serra da Mesa GO 1.200 1993 820,1 683Miranda XC 390 1993 223.4 573ltaocara RJ 210 1993 207,6 989Serra do Facão GO 210 1994 174.2 830Cana Brava GO 480 1994 332.5 tA3Elocaina MG 200 1994 143.6 718Capim Branco MG 600 1994 360.9 602igarapava MG/SP 200 1995 125.4 627Foz Bezerra GO 360 1995 257.8 716Picada MG 100 1995 106,1 1.061Formoso MG 300 1995 337.1 1.124Sobragi MG 110 1995 94,7 861Barra do Peixe MT/GO 280 1995 163.2 583Corumnbá GO 235 1996 293.4 1.249Funil MG 164 1996 95,6 583Terra Branca MG 120 1996 81,4 678Piraju SP 120 1996 144,7 1.206Peixe GO 1.112 1997 709,0 638Queimado MG 113 1997 83,6 740Aimorés MG 300 1997 279,3 931Descobrado SP/PR 123 1999 239,0 1.943Mirador GO 106 1999 121,8 1.149Bananeiras II MG 417 2000 426,4 1.023Turmalina MG 105 2000 118,5 1.129São Romão MG 540 2001 554,0 1.026C. Magalhães MT/CO 260 2001 193,3 743

Total/Média - 9.945 - 8.281,3 833

(1) Refere-se apenas a usinas maiores de 100KW e não inclui obras já em andamento na época da publicação do plano 2010, tais como Três Irmãos, Taquaraçu e Porto Primavera.

(2) A Potência programada representa o acréscimo no período 1987-2001Fonte: Plano 2010

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Tabela 13b: Estimativas de investimento para novas usinas hidroelétricas na Região Sul, segundo o Plano 2010

Usina(1) EstadoPotência

programada (2)

(MW)

Data de entrada (última

máquina)

Investimento total previstoUS$ milhões

InvestimentoUnitário

(US$/KM)Segredo PR 1.260 1992 443,2 352D. Francisca RS 125 1992 136,2 1.090Itá RS/SC 1.620 1994 961,6 594Campos Novos SC 726 1994 362,0 499Machadinho RS/SC 1.200 1994 764,0 637Sto. Caxias PR 472 1995 293,2 621Cebolão PR 194 1996 124,8 643Iatairinho PR 192 1997 132,1 688Mauá PR 472 1995 293,2 621Carabi –50% RS 900 1997 502,0 558Barra Grande RS/SC 880 1996 503,9 573São Jerônimo PR 444 1997 225,6 508Pai Queré RS/SC 288 1997 240,1 834Capanema PR 1.200 1998 484,6 404Garibaldi SC 430 1997 240,1 558Tel. Borba PR 128 1998 113,5 887Fundão PR 154 1998 135,5 880São Roque SC 360 1998 345,0 958Ilha Grande PR/MS 1.400 2.001 1.153,6 824Ivatuva PR 144 1999 139,3 967Foz do Alonzo PR 138 1999 135,2 980Foz do Chapecó RS/SC 1.228 2.000 849,0 691Ubaúna PR 122 2.001 140,0 1.148Itapiranga RS/SC 1.160 2.001 836,6 721

Total/Média 15.765 - 9.738,0 618

(1) Refere-se apenas a usinas maiores de 100 MW e não incluí obras já em andamento na época dapublicação do Plano 2010, tal como ltaipu.

(2) A potência programada representa o acréscimo no período 1987-2001.

Fonte: Plano 2010.

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Tabela 13c: Estimativas de investimento para novas usinas hidroelétricas nas Regiões Norte e Nordeste, segundo o Plano 2010

Usina(1) EstadoPotência

programada (2)

(MW)

Data de entrada (última

máquina)

Investimento total previstoUS$ milhões

InvestimentoUnitário

(US$/KM)P. Cavalo BA 300 1992 204,3 681Xingó AL/SE 3.000 1994 1.551,9 517Itapebi BA 617 1996 458,2 743Belém BA/PE 672 1998 717,6 1.068Pedra Branca BA/PE 1.088 1999 1.290,3 1.186Tucurui II PA 1.320 1995 780,7 591Cararaó PA 6.300 2.001 2.316,5 526Santa Isabel PA 660 2.001 1.810,1 2.743Cachoeira Porteira PA 700 1996 672,0 960Iparana I RO 512 1997 442,9 865Total/Média 15.169 11.244,5 741

(1) Refere-se apenas a usinas maiores de 100 MW e não incluí obras já em andamento na época dapublicação do Plano 2010, tais como Itaparica e Tucurui I.

(2) A potência programada representa o acréscimo no período 1987-2001.

Fonte: Plano 2010.

Uma das implicações mais importantes destes resultados é que eles poderão causar sérios impactos não apenas na economicidade, mas, também, na própria magnitude do potencial hidroelétrico existente no país. Conforme mostra a Tabela 14, o potencial hidroelétrico de 106.700 MW firmes já mencionado anteriormente, inclui usinas cujo custo de geração supera os US$150/MWh.138 Se assumir que o custo médio previsto para as usinas mostradas nas Tabelas 13a-c, de US$716/kW (para um total de 40.879 MXV instalados), na prática acabasse sendo o dobro, o potencial hidroelétrico competitivo (calculado na base de US$60/MWh), inclusive o já instalado, diminuiria para cerca de 63.800 MW firmes (equivalentes a cerca de 128.000 N4W instalados). Finalmente, lembrando-se que os custos de geração mostrados na Tabela 14 foram calculados com base numa taxa de desconto de 10% ao ano, chega-se á conclusão que o potencial hidroelétrico competitivo ainda disponível pode, em verdade, ser sensivelmente menor que o geralmente imaginado e, de fato, sabe-se que, no caso especifico das regiões Sudeste e Nordeste, o potencial competitivo está se aproximando do limite de esgotamento (considerando-se as usinas em operação e em construção).

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Tabela 14: Potencial hidrelétrico e custos de geração previstos no Plano 2010

Limite superior de custo (US$/MWh)(1)

Potencial – Energia Firme (MW ano)(2)

Norte Nordeste Sudeste+C.Oeste

Sul Brasil

(*)(3) 2.571 3.556 15.619 2.745 24.49115 9.182 3.556 15.650 2.745 31.13320 10.064 5.745 15.926 6.012 37.74725 21.809 5.758 19.474 9.108 56.14930 25.276 6.443 20.750 10.353 63.82235 34.376 7.560 22.037 11.900 75.87340 35.260 7.663 23.860 12.689 79.44245 37.595 7.694 24.830 13.393 83.51250 39.849 7.898 25.842 13.795 87.38460 41.194 7.976 28.048 14.380 91.59875 42.919 8.149 29.623 14.809 95.500100 43.651 8.201 30.898 15.384 98.134150 43.457 8.206 32.323 16.848 102.834

Total 48.454 8.206 33.197 16.848 106.705(1) Preços de junho de 1986, taxa de câmbio = Cz$ 13,84/US$(2) Inclui potencial inventariado e estimado.(3) Refere-se a usinas em operação ou em construção.

Fonte: Plano 2010

Tarifação com base nos custos marginais de longo prazoOutra implicação dos resultados obtidos sobre os custos das usinas da CESP, de grande

importância, refere-se aos custos marginais de expansão do sistema hidroelétrico brasileiro. Baseando-se nos dados das usinas de São Paulo, e assumindo-se ainda que os custos de geração em São Paulo são, em geral, superiores aos do restante do país e, ademais, levando em consideração que uma parte dos custos das usinas mais recentes devem-se aos atrasos nas obras e a outras “ineficiências” que poderiam ser eliminadas com uma maior abertura da economia brasileira, foi feita uma tentativa de calcular os custos reais de expansão do sistema hidroelétrico brasileiro (reais no sentido de não incluir as ineficiências passadas provindas de fatores como a natureza fechada do mercado brasileiro, os atrasos nas obras ou despesas para pagamento de dívidas passadas). Adotou-se para isso, custos médios marginais de longo prazo de US$1400/kW para geração, US$5OO/kW para transmissão e US$300/kW para distribuição/instalações gerais, fator de capacidade médio do sistema de 65%, perdas totais de 10%, custo de oportunidade de capital de 15% ao ano, vida útil média das instalações de 40 anos, e custos gerais de administração, operação e manutenção do sistema, de US$10/MWh, condições estas até otimistas para a realidade do sistema elétrico no período 1.989-1010.139

O resultado é um custo marginal médio de nada menos que US$75/MWh (este valor. obviamente, refere-se a custos médios e apresenta grandes variações para diferentes regiões e classes de consumo). Para comparação, a tarifa média nominal global de todo o sistema elétrico (isto é, a tarifa do dia da publicação da portaria cio DNAEE) durante 1.988, foi de US$43,9/MWh, e quando levada em consideração a inflação média do ano, esta tarifa,

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quando recebida em caixa cerca de 40 dias após a publicação da portaria redundou numa receita federal de apenas US$ 35/MWh. Em outras palavras, para financiar os seus investimentos futuros, o setor elétrico precisa mais que dobrar a tarifa média real de 1,988 (de U5S35/MWh) ou, no caso de um regime de inflação zero, aumentar a tarifa nominal daquele ano (de US$43,9/MWh) em 70%. Oficialmente, o próprio setor elétrico admite hoje um custo marginal médio de fornecimento de US$5O/MWh, mas além que basear-se em custos unitários otimistas, que jà se encontram em processo de revisão, este valor é obtido com base numa taxa de retomo de 10% ao ano que conforme explicação acima, não corresponde mais á realidade atual.

O valor da tanta media proposta, de US$75/MWh, refere-se a recursos que devem permanecer no próprio setor, e não inclue quaisquer impostos exceto o imposto de renda incidente sobre qualquer atividade empresarial). Estimativas preliminares indicam que os novos encargos estaduais (ICMS) podem somar, em media, cerca de US$10/MWh, o que significa que o custo final médio para o consumidor deve atingir cerca de US$85/MVVh.140

Deve-se deixar claro, ainda, mais uma vez, que este cálculo não inclui os custos para resolver as distorções passadas relacionadas com o serviço da dívida do setor. Estas distorções, principalmente aquelas decorrentes do fato de que uma parte da dívida das empresas de eletricidade foi contraída deliberadamente para o financiamento do balanço de pagamentos, devem ser reconhecidas pela União, transferindo-se uma parte da dívida do setor para o Tesouro Nacional, numa reestruturação financeira. E importante também mencionar, que é bem provável que as obras a serem realizadas no futuro sejam significativamente mais caras que as já realizadas, como decorrência da exaustão dos melhores recursos hidroelétricos próximos aos centros de consumo, distâncias cada vez maiores das novas usinas, e requisitos mais rígidos de proteção ambiental (por exemplo, hidroeletricidade da Amazônia para servir a região Sudeste).

Conforme mostra a Tabela 15, a tarifa média proposta, de US$75/MWh, é consistente com os preços vigentes em outros países, mesmo quando se soma os impostos de US$10/MWh mencionados anteriormente, que elevariam o preço final médio de eletricidade no País para US$85/MWh. Durante o primeiro trimestre de 1.989, os preços médios praticados para os setores industrial e residencial eram, respectivamente: US$82/MWh e US$144/MWh no caso da Alemanha Ocidental; US$95/MWh e US$126/MWh no caso do Portugal; US$71 /MWh e US$95/MWh no caso do Reino Unido: US$47/MWh e US$75/MWh no caso dos EUA: US$71 /MWh e US$102/MWh no caso da Itália; e, em dados de 1.988, US$146/MWh e USS207/MWh no caso do Japão. A invocação dos exemplos do Canadá (US$38/MWh para o setor industria] e US$48/MWh para o setor residencial durante o primeiro trimestre de 1.989) e da Noruega (US$22/MWh para o setor industrial e US$59/MWh para o setor residencial durante o último trimestre de 1.987),141 como países com grande potencial hidroelétrico e, portanto, similares ao Brasil, não é válida devido ao fato que aqueles países já haviam construído grande parte de sua infraestrutura elétrica numa época de baixíssimos custos de capital, além do que, a sua pequena, praticamente imutável, e altamente concentrada população, tem permitido a escolha dos aproveitamentos elétricos mais baratos. De qualquer modo, mesmo naqueles países ocorre hoje em dia um grande debate sobre os custos crescentes de geração elétrica e as possibilidades vara alternativas mais baratas (principalmente conservação e gás natural).

Também, deve ser lembrado que, no próprio Brasil, a tarifa rara um consumidor residencial com consumo mensal de 200 kWh/mês, era em 1.974 de USSS7/MWh, que

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corrigida rara dólares de 1986, equivalia a nada menos que US$120/MWh (as tarifas industriais, contudo, sempre foram baixas no Brasil). E, finalmente, na comparação de preços deve ser lembrado que as tarifas apresentadas para o Brasil baseiam-se no câmbio oficial, cuja defasagem crônica (estimada, hoje, em 20-30%) reforça ainda mais as teses aqui apresentadas.

Tabela 15: Preços de eletricidade para o consumidor final nos países industrializados

PaisSetor

Preços Médios de Eletricidade (1988 US$/MWh)1978 1980 1982 1984 1986 1988 1989(1)

AustráliaIndustrial 47 47 51 44 37 42 47Residencial 68 66 73 70 57 67 75CanadáIndustrial 26 29 30 30 28 31 38Residencial 42 41 41 43 40 45 48FrançaIndustrial 57 70 49 41 47 48 -Residencial 140 166 123 100 123 131 -AlemanhaIndustrial 81 85 66 55 72 84 82Residencial 147 1446 116 96 125 150 144ItáliaIndustrial 73 93 74 66 72 70 71Residencial 80 104 88 90 102 107 102JapãoIndustrial 107 126 113 110 139 146 -Residencial 161 171 148 146 186 207 -PortugalIndustrial 47 66 70 60 81 95 95Residencial 80 104 94 80 108 122 126SuíçaIndustrial 88 82 63 56 73 83 77Residencial 114 107 80 68 90 102 96Reino UnidoIndustrial 66 92 75 53 58 66 71Residencial 92 130 111 80 85 97 95Estados UnidosIndustrial 49 54 61 58 56 48 47Residencial 75 79 86 87 85 78 75OECDIndustrial 64 73 68 61 68 - -Residencial 92 99 94 88 95 - -Dados do primeiro trimestreFonte: International Energy Agency, OECD

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4.2. Subsídios e transferências como instrumentos de distribuição de renda Uma outra questão, fundamental, que deve ser enfrentada com a maior urgência pelo

setor elétrico brasileiro (e, de fato, por todos os serviços públicos do país) refere-se à utilização generalizada de subsídios e transferências regionais e setoriais como meios de distribuição de renda e desenvolvimento regional e industrial. Esta prática tem atingido níveis inacreditáveis; um custo marginal de US$75/MWh, frente a uma receita real de apenas US$35/MWh e vendas de 190,8 TWh, significa que os subsídios reais embutidos no setor elétrico (definidos aqui como a diferença entre a receita necessária baseada nos custos marginais e a efetivamente recebida pelo setor) durante 1988, atingiram o astronômico valor de US$7,6 bilhões, ou seja, cerca de 2,0% do PIB.

Esta situação é especialmente lamentável porque muito longe de ser deficitário, o setor elétrico poderia contribuir significativamente para as receitas governamentais. Um recente estudo do Banco Mundial sobre um grupo de países do continente africano, concluiu que 0¾ quatro setores principais da infraestrutura básica (eletricidade, telecomunicações, estradas e avia) que hoje contribuem, em media, com 10-15%, do total das receitas públicas daqueles paises, poderiam, no caso de tarifas mais realistas, chegar a contribuir com 27-50% do total. A Tabela 16 mostra a participação atual e potencial de cada um dos setores básicos mencionados, e conforme pode ser visto, a contribuição do setor elétrico poderia chegar a 5-10% do total. 142

No caso do Brasil, o potencial de arrecadação de tributos do setor elétrico também poderia atingir níveis consideráveis. Baseado na tarifa média proposta, de US$75/MWh, e assumindo financiamento dos investimentos com 50% de capital próprio e 50% com recursos de terceiros obtidos a juros de 10% ao ano e pagáveis em 10 anos, despesas gerais de operação e manutenção de US$10/MWh, carga tributária (imposto de renda) média de 45% dos lucros, impostos sobre consumo de US$10/MWh, e vendas totais de 200 TWh/ano, a receita na esfera federal (imposto de renda) poderia atingir US$3 bilhões anuais e aquela na esfera estadual (impostos sobre consumo) US$2 bilhões anuais. O total da receita pública, de US$5 bilhões, equivaleria a quase 1,4% do PIE o que, para uma carga tributária total em todos os níveis do governo estimada em 22-25% do PIB, corresponderia a 5-6% do total das receitas públicas.

Tabela 16: Serviços de Infraestrutura Básica e Receitas Governamentais em Países da África.Setor

Potencial

Contribuição em % das receitas públicas

Situação Atual Situação

Eletricidade Pequena ou Negativa 5 – 10%Telecomunicações Variável mas marginal 5 – 10%Estradas 5 – 10% 15 - 25%Água Pequena ou Negativa 2 - 5%

Total 10 – 15 % 27-50%

Fonte: Banco Mundial

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Impactos sociais e setoriais de um aumento tarifárioApesar de pendas de tal magnitude serem claramente insustentáveis, a eventual

eliminação, e até mesmo diminuição, dos subsídios ao setor elétrico encontra resistências de toda ordem. Um argumento que parece mais preocupar a sociedade refere-se aos impactos de ordem social que adviriam de tais medidas, principalmente os impactos potencialmente negativos para as camadas mais pobres da população.

Em principio, os efeitos de uma elevação abrupta dos preços de energia elétrica para os consumidores de baixa renda poderiam ser amenizados com a adoção de um sistema tarifário onde uma parcela básica dos kWh consumidos seria cobrada a um preço mais acessível, enquanto que o restante seria cobrado ao nível dos custos marginais de longo prazo (“block taniff’)”. 143 Como indicador dos custos relativamente baixos para a implementação de uma política tarifária deste tipo, basta mencionar que, enquanto 48,1% do total dos consumidores residenciais no Brasil situam-se na faixa de 0-100 kWh/mês (o consumo de 100 kWh/mês é mais que suficiente para garantir os serviços básicos de iluminação, geladeira, e televisor), estes consumidores são responsáveis por apenas 18,4% do consumo residencial, ou seja, por 3,7% de toda a eletricidade consumida no país144

(contudo, é preciso observar que a participação destes consumidores no total dos custos do setor é maior, provavelmente da ordem de 5 a 8%, devido aos efeitos de deseconomias de escala).

Também, cabe observar, que estudos do Banco Mundial mostram que a paridade de poder de compra no Brasil é aproximadamente o dobro do que a renda per capita parece sugerir. Baseado em dados de 1986, por exemplo, a relação da renda per capita dos E.U.A. e do Brasil era de 10:1, enquanto que a relação da paridade de poder de compra era de apenas 4:1,145 o que sugere que a capacidade da sociedade brasileira para absorver um aumento nos preços residenciais pode ser maior que a geralmente imaginada.

De qualquer modo, o choque resultante do repasse do custo marginal real aos consumidores poderia ser um preço relativamente pequeno frente as conseqüências desastrosas de um eventual racionamento causado por falta de investimentos - além da vantagem de, através desse repasse, ter eliminado uma grande fonte de inflação que é, hoje, sem dúvida, a principal causa da perversa distribuição de renda no pais e o problema mais grave para a população de baixa renda. Mais importante ainda, uma política realista de preços nos serviços públicos seria a primeira etapa para a restauração do equilíbrio entre o estado e o mercado, e para a criação das condições de retomada dos investimentos, única forma de melhorar os salários e condições de vida da população mais pobre.

Principalmente, é importante lembrar que os “benefícios” dos preços baixos vara os consumidores de baixa renda têm sido, na verdade, muito duvidosos. Além do fato dos enormes subsídios ao setor residencial não terem beneficiado apenas os consumidores menos privilegiados, mas, também, e principalmente, os da alta renda, há indicações de que as políticas generalizadas de contenção tarifária, não apenas no setor elétrico mas, em quase todos os serviços públicos, e os seus efeitos desastrosos sobre o nível dos investimentos, podem ter causado perdas muito maiores para os trabalhadores queda do preço de mão-de-obra) do que os ganhos provindos das tarifas públicas não realistas. Vale a pena, por exemplo, lembrar que, medido em dólares constantes de 1.986, o salário mínimo no país diminuiu de US$111 em 1.974 para US$53 em 1.986146, ou seja, enquanto que em termos absolutos o preço médio de energia elétrica para o setor residencial caiu significativamente, o peso das despesas de eletricidade em relação ao salário das classes menos privilegiadas não ficou mais suportável.

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Afora disso, diversos estudos econométricos sugerem que o insumo energia é um complemento de capital e um substituto de trabalho. Ou seja, a extensão de subsídios, especialmente para a energia consumida no setor industrial, é danosa do ponto de vista de criação de empregos a médio prazo. Tais subsídios resultam em indústrias mais capital-intensivas, o que no caso brasileiro implica numa sub-utilização de um fator abundante de produção (mão-de-obra) e uma sobre-utilização de um fator escasso (capital).

Outra preocupação com relação ao eventual aumento aos preços de energia elétrica ao nível dos custos marginais, refere-se à questão dos potenciais impactos de tal medida na indústria eletrointensiva, onde o custo de energia elétrica é da ordem de 20-30% dos custos totais de produção, versus apenas 1,5-3% no caso da indústria de transformação em geral. Em primeiro lugar deve-se observar que ao se desdobrar a tarifa média proposta, de US$75/MWh, haverá uma grande diferença entre os diversos tipos de consumidores, sendo que, como é de se esperar, o custo de atendimento de indústrias eletrointensivas é de várias vezes inferior ao custo de atendimento de consumidores de baixa tensão (devido a fatores tais como economias de escala e fatores de carga elevados).

O custo de atendimento, por exemplo, de uma indústria de grande porte, recebendo em alta tensão (e.g. 230 kV), calculado com base em investimentos de US$1.700/kW para geração e transmissão, perdas de 3%, vida útil de 40 anos, fator de capacidade de 90%, taxa de desconto de 15% ao ano, e custos de operação e manutenção de US$3/MWh, é de apenas US$36,5/MWh, ou seja menos da metade do custo marginal médio do sistema elétrico como um todo. Ademais, importa realçar que, conforme explicado mais adiante, o aumento das tarifas ao seu nível real não deve ser feito isoladamente, mas sim como parte de um elenco de medidas de liberalização da economia, que visam não apenas aumentar a arrecadação das empresas de eletricidade mas, também, diminuir os seus gastos e melhorar a eficiência econômica do sistema elétrico como um todo. Principalmente, o aumento das tarifas deve ser acompanhado por medidas de abertura do setor elétrico a investimentos privados, que permitem aos consumidores industriais procurarem as suas próprias soluções, sem os impedimentos institucionais hoje existentes no setor.

Finalmente importa lembrar que o problema dos subsídios no setor elétrico chegou a tal ponto que a questão principal não reside mais no preço da energia ou na capacidade dos consumidores de absorver eventuais aumentos, mas sim na própria disponibilidade de energia e confiabilidade de seu fornecimento. Neste contexto, a elevação dos preços de eletricidade ao nível dos custos marginais poderia resultar numa considerável diminuição da demanda e, portanto, dos investimentos necessários para o seu atendimento, além de uma diminuição dos riscos de racionamento. E, talvez mais importante ainda, esta diminuição do consumo ocorreria de um modo controlável pelos próprios consumidores, ao contrário do que aconteceria no caso de um eventual racionamento onde tanto os consumidores ricos quanto os pobres, e tanto a indústria de base quanto a de brinquedos, ficariam sem energia por longos períodos de tempo por força de uma determinação de terceiros, no caso, o Governo.

Também cabe lembrar que o subsídio generalizado dos serviços públicos, não apenas no Brasil, mas na maioria dos países da América Latina e do Terceiro Mundo em geral, tem sido um dos principais responsáveis pela migração de populações rurais para as grandes cidades, processo este que tem fugido do controle dos planejadores urbanos a tal ponto que, hoje, as pressões consumistas exercidas por estas populações recém-urbanizadas superam de longe a sua capacidade produtiva, e induzem os governos destes países a recorrerem à inflação para atendê-las.

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O princípio da tarifa única nacionalA remoção das distorções hoje existentes no setor elétrico brasileiro não depende

apenas da elevação da tarifa média de eletricidade para os US$75/MWh mencionados anteriormente. Exigências de alocação eficiente de recursos, implicam, também, ser necessário repassar aos diferentes tipos de consumidores o custo real que eles impõem ao sistema - tanto no que se refere às diferentes classes de consumo (industrial, residencial, comercial, etc) quanto no que diz respeito às diferentes regiões - a fim de evitar distorções futuras.147 Mais especificamente, é preciso perceber que a tarifação com base nos custos marginais não é importante apenas do ponto de vista microeconômico das receitas das empresas de eletricidade mas, em primeiro lugar, para determinar os “níveis ótimos” de consumo de eletricidade no contexto macroeconômico. Por exemplo, a teoria econômica indica que, no caso de custos marginais maiores que os custos médios passados, o correto seria fixar as tarifas com base nos custos marginais e tratar a questão de “lucros excessivos” nas empresas de eletricidade via mecanismos de tributação-Igualmente, no caso de custos marginais declinantes, eventuais deficiências financeiras nas empresas deveriam ser resolvidas através de meios que não afetem a relação preço-demanda (tais como pagamentos do tipo “lump-sum” pelos consumidores, aumentos nos preços daqueles consumidores cuja elasticidade de demanda em relação ao preço é baixa, e mesmo, transferências governamentais). Em termos práticos, no caso especifico brasileiro, tais considerações implicam, entre outras coisas, no abandono da política de equalização tarifária em todo o país.

Quando foi instituída a política de equalização tarifária, em 1.975, criou-se, também, o fundo RGG (Reserva Global de Garantia), cujo objetivo foi o de distribuir recursos das empresas com remuneração maior para aquelas com rentabilidade menor -Infelizmente, as distorções foram tão grandes que, no ano passados muitos Estados, principalmente os mais ricos das regiões Sul e Sudeste, recusaram-se a recolher as quantias devidas. Conforme mostra a Tabela 17, no primeiro ano de operação do RGG as regiões Norte e Nordeste recolheram 10% e receberam 34% do total do fundo, enquanto que as regiões Sul e Sudeste recolheram 86% e receberam 40% do total. Em 1.986, as regiões Norte e Nordeste recolheram 1% e receberam 73% do total e as regiões Sul e Sudeste recolheram 97% e receberam 13% do total148 Além de constituir-se num nítido sinal de estimulo à ineficiência, vista retrospectivamente, a instituição do RGG mostrou que seria no mínimo ingênuo esperar controlar este tipo de fundo num pais de dimensões continentais, onde os custos de geração e distribuição variam tão acentuadamente como no Brasil.

É também questionável se uma política de desenvolvimento regional deve estar ancorada nos ombros do setor elétrico. Recorda-se, a propósito, que a nova Constituição, além de transferir 30% dos recursos da União para os Estados, criou novos fundos em favor do Norte - Nordeste, além da autorização dos Estados de cobrarem ICMS sobre contas de energia. Assim, os Estados dispõem hoje de novos recursos para assumirem, se assim desejarem, a equalização tarifária, via subsídios ou incentivos estaduais a suas empresas. O valor do ICMS, da ordem de 17% da tarifa de eletricidade, seria mais que suficiente para substituir a atual política de equalização tarifária. Caberia a cada Estado decidir ter energia mais barata para incentivar o desenvolvimento industrial e, para isso, bastaria cobrar o ICMS em porcentagens adequadas.

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Tabela 17: Valores percentuais dos recolhimentos e das dotações da RGG entre as regiões do País.

COBRADO

AnoRegião

Norte Nordeste Sul Sudoeste Sudeste Total1974 - - - - - -1975 1 9 13 4 73 1001976 1 8 15 4 72 1001977 1 10 9 4 76 1001978 2 11 15 3 69 1001979 1 12 13 4 72 1001980 1 13 13 1 69 1001981 - 1 - 1 97 1001982 - 1 2 4 96 1001983 - 1 - 4 95 1001984 - 1 - 4 95 1001985 - 2 2 2 92 1001986 - 1 2 3 95 100

RECEBIDO

AnoRegião

Norte Nordeste Sul Sudoeste Sudeste Total1974 - - - - - -1975 17 17 29 26 11 1001976 18 8 50 8 16 1001977 26 13 41 8 11 1001978 30 14 45 5 6 1001979 35 2 51 7 43 1001980 47 12 29 10 2 1001981 61 16 16 6 1 1001982 55 15 21 9 1 1001983 69 6 15 9 1 1001984 71 6 14 8 1 1001985 79 7 1 10 3 1001986 56 17 - 14 13 100

Fonte: CESP

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O desprezo do lucro como fator de desenvolvimentoMas, talvez mais danosas que as distorções financeiras decorrentes destas políticas de

equalização tarifária e de transferências regionais, foram às distorções conceituais. Convém lembrar, por exemplo, que as principais fontes de auto-financiamento de qualquer empresa (seja ela estatal ou privada) encontram-se nos lucros retidos e nos recursos provenientes da depreciação. Ora, no Brasil, as empresas lucrativas de energia elétrica são forçadas a distribuir os seus lucros (ou seja os seus recursos para investimentos futuros) para outras empresas menos eficientes e, além disso, o seu capital sempre foi atualizado de acordo com a variação da OTN (Obrigação do Tesouro Nacional) até por ocasião da sua extinção, quando então foi substituído peio BTN. Como o valor da OTN não acompanhou a inflação real, os recursos da depreciação, também, têm sido subestimados a cada ano. 149 O ativo imobilizado em serviço do setor elétrico, que é oficialmente calculado em US$24 bilhões, com depreciação e amortização acumuladas de USS7 bilhões (sem incluir ltaipu), 150 vale realmente cerca de 3 vezes mais, pois, além de ter sido atualizado pela correção da OTN, este valor baseia-se em custos históricos, enquanto que os custos de reposição têm aumentado substancialmente, principalmente ao longo dos últimos anos. A anteriormente mencionada diminuição da taxa média de retorno das empresas de eletricidade no Brasil, de 11,4% em 1.976 para 4.2% em 1986, assume dimensões realmente assustadoras quando vista sob a ótica da desatualização tão acentuada do valor do imobilizado do setor. Obviamente, distorções de tal magnitude são particularmente danosas para um setor altamente capital intensivo, como o hidroelétrico. Mesmo na Itália, não exatamente um modelo de administração eficiente da coisa pública, a empresa estatal de eletricidade, a ENEL, tem sido permitida em várias ocasiões a corrigir os seus ativos pelo valor de reposição. 151 É de fundamental importância que alguma coisa deste tipo seja feita no setor elétrico brasileiro, também. Afinal de contas, em nada adianta reivindicar taxas de retorno maiores sobre ativos corroídos pela inflação.

Nesta mesma linha de pensamento, convêm examinar, também, a utilização pelo setor elétrico de métodos de depreciação acelerada e de outros mecanismos utilizados nos países industrializados para incentivar a formação de capital. No Brasil, por exemplo, as usinas hidroelétricas são depreciadas, linearmente, em 50 anos e as usinas a carvão em 25 anos. Na Alemanha Ocidental, por outro lado, as usinas a carvão são depreciadas em apenas 14 anos. Também, na Alemanha, a política tarifária permite a atualização do capital das empresas de eletricidade com base no seu valor de reposição (mesmo valendo apenas para os consumidores residenciais e pequenos consumidores comerciais, e sendo limitado àquela parcela do investimento provinda do capital próprio das empresas) e, além disso, aceita a inclusão das obras em andamento no valor do investimento remunerável, resultando em que as nove maiores concessionárias alemãs de serviço elétrico, responsáveis por 70% da geração total naquele país, conseguissem financiar quase o total dos seus investimentos desde os anos de 1.970 com recursos próprios. 152

Uma reformulação dos mecanismos contábeis do setor elétrico (reavaliação do imobilizado, depreciação acelerada) toma-se ainda mais urgente com a promulgação da nova Constituição, uma vez que há indicações de que o aumento da carga tributada para as empresas de energia elétrica será de tal magnitude que poderá prejudicar ainda mais, e fatalmente, a capacidade de poupança e investimento destas empresas. Mais especificamente, a elevação do Imposto de Renda das empresas prestadoras de serviços públicos, de 6% para aproximadamente 40% do lucro liquido, afetará especialmente os investimentos em hidroeletricidade, onde a maior parcela do preso refere-se ao retomo ao

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capital investido que, no caso de capital próprio, é um item tributável. Ou seja, o resultado final da nova legislação tributária pode ser uma significativa queda na taxa líquida de retorno (isto é, após os impostos) das empresas de energia elétrica, diminuindo de modo bastante expressivo os recursos que permanecem nestas empresas. Ademais, os novos tributos estaduais sobre o consumo, que vieram a substituir os antigos impostos federais (Imposto Único sobre Energia Elétrica no caso do consumo residencial e comercial, e Empréstimo Compulsório no caso ao consumo industrial), e que têm seu custo estimado em USS1O/MWh em média, entrarão nos cofres dos Estados sem nenhum retorno para o setor elétrico, ao contrário dos impostos federais que, teoricamente pelo menos, eram coligados, por lei, a investimentos no próprio setor.

Ao se analisar as causas desta proliferação de subsídios no setor elétrico brasileiro, fica claro que o descontrole financeiro foi facilitado pelo progressivo enfraquecimento institucional da autoridade do Poder Concedente, e responsável pela fixação das tarifas, o DNAEE. O seu poder tarifário foi-lhe retirado ilegalmente e transferido para a SEAP (Secretaria de Abastecimento e Preços). Além disso, não dispondo de verbas mínimas para o seu funcionamento, o DNAEE passou a trabalhar quase que exclusivamente com pessoal cedido por terceiros, vindo de outros órgãos, ou de empresas concessionárias estaduais, fortemente interessadas na equalização tarifária, e como resultado, perdeu a sua capacidade de fiscalização e controle de custos e preços. É fundamental para o futuro do setor elétrico que se estabeleça uma autoridade devidamente aparelhada (tipo Federal Power Commission, dos E.U.A.) que, junto a comissões estaduais, passam não apenas a regular, mas também promover as empresas de energia elétrica. Este fortalecimento e, ao mesmo tempo, descentralização do Poder Regulatório do setor elétrico é fundamental, dado, por um lado, a necessidade de criação de condições para uma remuneração mais adequada das empresas de eletricidade e, por outro, o caráter de serviço público sob regime de monopólio local que caracteriza as atividades de fornecimento de energia elétrica. A existência de comissões estaduais de energia nos E.U.A., por exemplo, foi fundamental no processo de acompanhamento e aperfeiçoamento das determinações da PURPA (Public Utilities Regulatory Policies Act), legislação que regulamentou a participação de produtores privados de energia, e na preservação da saúde financeira das empresas de eletricidade daquele país. 153

No fundo, contudo, a eliminação dos subsídios e a recapitalização das empresas de eletricidade passam, antes de mais nada, por uma reavaliação do conceito de lucro, muitas vezes menosprezado no setor estatal, mas que constitui-se, em verdade, na ferramenta principal do desenvolvimento, uma vez que é somente através de lucros e investimentos que se viabiliza o crescimento econômico. É preciso afinal, que o governo e todos aqueles que se colocam a favor de tarifas públicas subsidiadas, percebam que sem lucro não há investimentos, e sem investimentos não há emprego e salários decentes. Preços reais e retomo adequado ao capital investido constituem, sim, a única via para se ter uma inflação baixa e provocar uma verdadeira e duradoura distribuição de renda através da elevação do poder aquisitivo dos trabalhadores. A solução para o problema dos salários baixos não reside em diminuir os lucros das empresas mas, simplesmente em criar estímulos para que esses lucros sejam aplicados em investimentos, ao invés de no financiamento dos gastos do governo.

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4.3. Privatização e o papel do capital estrangeiro

A participação do setor privado nas obras de expansão do setor elétrico, apesar de ser bastante oportuna não deixa de ser um tanto irônico. E oportuna porque o setor privado é a única fonte de recursos disponível no País, que tem mantido a sua capacidade de poupança ao longo dos anos. A Tabela 18, mostra que em meados da década de 1.970, a poupança do setor privado atingia cerca de 16.5% do PIE, versus 7,5% do PIE no caso do setor público (governo e empresas estatais) e cerca de 5,0% do PIE no caso do capital externo. Em meados dos anos 80, a poupança do setor privado ainda correspondia a 16,5% do PIE versus praticamente zero no caso do setor público e - 0,1% no caso do capital externo (remessas de recursos).154 E é irônica, porque o mesmo processo de compressão tarifária que no passado resultou na transferência de empresas privadas de eletricidade para o setor público,1 55 tem agora completado o ciclo, descapitalizando as empresas estatais e levantando a possibilidade de sua reprivatização.

Mas, apesar da completa descapitalização do setor público, a possível participação do setor privado em obras de energia elétrica é, ainda, uma questão que tem sido objeto das mais variadas reações. Conforme mostra a Tabela 19, se as obras previstas no Plano 2010 forem implantadas e o modelo institucional atual do setor não for modificado, a participação da geração privada (autoprodução) no total de eletricidade produzida no país, diminuirá de 5,3% em 1986 para apenas 1,7% no ano 2010. 156

Tabela 18: Fontes de formação bruta de capital no Brasil

AnoPoupança em % do PIB

SetorPrivado

Empresas estatais

Governo Poupança Exterior

Formação de Capital Bruto

1974 15.4 3.6 4.5 6.7 27.81975 18.2 4.5 3.7 5.3 29.61976 16.2 2.8 4.3 3.8 26.71977 15.9 3.7 3.9 2.2 25.11978 15.6 3.9 3.7 3.6 24.41979 12.8 2.5 2.2 4.5 22.31980 14.3 1.7 1.2 5.1 22.51981 15.8 - 1.0 4.3 21.31982 15.1 - 0.3 5.8 21.21983 14.3 - -0.7 3.3 16.91984 16.5 - - -0.1 16.4

Nota: O total das linhas diverge da formação bruta de capital devido à alteração na moeda brasileira

Fonte: Carlos A. Longo “Trends and Prospects of Savings in Brazil”.

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Tabela 19: Geração pública e privada implícitas no Plano 2010

Ano Geração Pública(TWh/a)

Geração Privada(TWh/a)

Geração Total(TWh/a)

Participação da Geração Privada

(% da Total)1986 175,7 9,9 185,6 5,31987 185,7 10,1 195,8 5,21988 201,5 10,5 211,7 4,81989 217,6 10,3 227,9 4,51990 233,9 10,5 244,4 4,31995 321,0 10,7 331,7 3,2200 420,7 11,0 431,7 2,52005 539,1 11,3 550,4 2,12010 668,8 11,3 680,1 1,7

Fonte: plano 2010

Em primeiro lugar, cabe observar que a participação de capitais privados na construção da infraestrutura básica de um país não é nada novo. Nos E.U.A., por exemplo, durante o período clássico de formação de capital, de 1.870 a 1.929, quase toda a infraestrutura básica daquele país foi erguida pelo setor privado - o que, para alguns resultou em lucros enormes e indevidos e, para outros, em grande acumulação de capitais garantindo a expansão daquela infraestrutura, além de resultar em juros baixos e presos declinantes a longo prazo. Nos países industrializados em geral inclusive naqueles que no período pós-guerra optaram pelo modelo estatal de serviços públicos, assiste-se hoje a programas de privatização considerados impensáveis até há poucos anos atrás, como, por exemplo, a privatização das indústrias de petróleo de aviação, de telecomunicações, de gás, e de eletricidade na Grã Bretanha. No mundo em desenvolvimento, após uma era prolífera de nacionalização e estatização dos serviços públicos, as evidências incontestáveis do fracasso deste modelo de desenvolvimento estão levando um numero crescente de países a contemplarem a participação de capitais privados, tanto nacionais quanto estrangeiros na expansão da sua infraestrutura básica. E mesmo nos países comunistas, as reestruturações profundas agora em andamento podem brevemente desembocar em privatizações das indústrias dos serviços básicos.

Na própria América Latina, uma grande parte da intraestrutura básica hoje existente foi erguida por empresas privadas. A origem da atuação de investidores privados nos serviços públicos do continente encontra-se no Século 19, quando capitais americanos e europeus principalmente ingleses participavam em companhias que obtinham concessões para operação de ferrovias, sistemas telefônicos, administração de portos, geração de eletricidade e prestação de serviços públicos em geral. A Tabela 20 mostra, por exemplo, que os investimentos ingleses em concessionárias públicas na América Latina no período 1865-1913 aumentaram dramaticamente, chegando em 1913 a equivaler a quase 12% do total dos investimentos ingleses no continente. 157 Subseqüentemente, contudo, devido a uma série de razões de ordem política (nacionalização, contenção das tarifas etc.), esta forma de participação de capitais privados de risco foi substituída por um sistema de empréstimos sem participação acionária direta nas concessionárias públicas.

No caso especifico da energia elétrica, há inclusive uma série de mudanças tecnológicas

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que tendem a favorecer uma maior atuação do setor privado nas obras futuras, principalmente naquelas de geração. A razão para isso reside no fato de que as obras de geração, especialmente as usinas hidroelétricas de médio e pequeno porte e as novas opções de termoeletricidade descritas anteriormente, por serem de menor escala e de rápida implantação (e, também, pelo fato da base do consumo ter aumentado vertiginosamente o que faz com que uma região como São Paulo precise de inúmeras usinas para ser atendida), não necessitam de monopólios locais, sendo mais afinadas com um regime de competição do que as obras de transmissão e distribuição, para as quais ainda prevalecem muitas das características clássicas de um monopólio local, tais como grandes economias de escala, ônus de duplicação de linhas, e necessidade de atendimento de todos os consumidores, inclusive os não rentáveis. 158

Tabela 20: Investimentos britânicos nas concessionárias públicas da América Latina no período 1865-1913 (em mil libras esterlinas)

Item/Ano 1865 1875 1885 1895 1905 1913

Canais - 116 201 457 1.760 15.036Eletricidade - - - - 1.207 24.915Gás 848 1.919 2.443 2.250 5.003 7.166Telégrafos e telefones - 5.380 5.614 7.699 7.199 9.953Transporte Urbano - 991 1.539 5.383 23.423 79.185Água - - 703 2.012 1.826 2.837Total dos investimentos britânicos nas concessionárias públicas(1)

848 8.406 10.500 17.801 40.235 139.092

Total dos investimentos britânicos na América Latina(2)

80.869 174.611 246.620 552.505 688.268 1.177.462

(1) Como porcentagem do (2) 1,05 4,8 4,3 3,2 5,8 11,8

Fonte: Linda Jones et al. “Public utility Companies”

Esta tendência, da atividade de geração de eletricidade não possuir mais as características típicas de um monopólio natural (tal como está também ocorrendo no setor de telecomunicações), deve acentuar-se ainda mais no futuro, a nível mundial, devido, entre outras coisas, aos revolucionários avanços tecnológicos que estão acontecendo no campo das tecnologias de geração. A tecnologia das turbinas a gás, por exemplo, já atinge a sua economia de escala a uma capacidade de 20 a 50 MW, versus 500-1.000 MW no caso das usinas nucleares e a carvão, o que a torna opção ideal de investimento para grupos privados empreendedores. Mesmo no caso das tecnologias tradicionais de geração (hidroelétricas, usinas a carvão e usinas nucleares), as exigências cada vez mais rígidas de proteção ambiental, têm ampliado os prazos de construção de tal modo que têm modificado o “mix” ideal de custos de fábrica (equipamentos) e custos de campo (construção), tendendo a favorecer uma maior participação dos primeiros, e resultando, na prática, em uma diminuição das economias de escala (os novos conceitos de usinas nucleares, por exemplo, contemplam unidades menores, de cerca de 300 a 350 MW, ao invés dos 1.000 MW considerados como a capacidade ideal, anteriormente). 159

No que se refere à questão da forma de participação de capitais privados no setor

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elétrico, tanto nacionais quanto estrangeiros, é importante reconhecer, de antemão, que esta participação só poderá basear-se em capitais de risco, e não mais em empréstimos, como antigamente. Isto não é uma questão ideológica e nem tampouco uma opção, mas apenas uma realidade decorrente da incapacidade absoluta de endividamento adicional das empresas públicas. Há assim, três alternativas básicas de privatização do setor elétrico que merecem ser examinadas: compra de ações das concessionárias elétricas existentes; autogeração e cogeração (geração conjunta de vapor de processo industrial e de energia elétrica) nas grandes indústrias: e, finalmente, participação em novos projetos de geração independente de energia sob regime de concessão, sub-contratação, leasing, ou BOI (Build, Operate. Transfer).

Participação acionária em empresas existentesDestas três formas de participação de capital privado, a que parece enfrentar as maiores

dificuldades é a venda de ações das empresas estatais existentes. (1) argumento contrário mais comum é o de não ser fácil obter-se uma participação do capital privado nestas empresas enquanto o controle acionário e, principalmente o poder de fixação das tarifas e a nomeação dos executivos e gerentes permaneça inteiramente nas mãos do governo. Outro argumento contrário refere-se a limitações de ordem “puramente prática”, uma vez que o capital privado, especialmente o nacional, simplesmente não dispõe dos recursos necessários para uma participação acionária expressiva num setor cujo patrimônio (calculado em valores de reposição) é da ordem de US$100 bilhões. Assim, de acordo com esta linha de pensamento, a transformação aa divida do setor elétrico em capital de risco, apesar de ser uma opção interessante e viável teoricamente, na prática ela se constitui apenas em uma possibilidade a médio e longo prazos.

Estes argumentos, contudo, baseiam-se em verdades parciais e, de certo modo, procuram “inventar” impedimentos que poderiam ser contornados com apenas um mínimo de vontade política. O simples e inegável fato é que a única saída para uma empresa falida e sem capacidade adicional de endividamento é a abertura do seu capital e a colocação dos seus ativos, ou parte deles, à venda, O argumento da “inexistência” de recursos privados suficientes assume que o setor elétrico compõe-se de um patrimônio monolítico e indivisível e esquece que há muito tempo. é o setor privado que está sustentando os déficits do governo e das empresas estatais. O argumento de que o próprio setor privado estaria indisposto a participar de forma minoritária nas empresas existentes de eletricidade, poderia ser facilmente resolvido através da venda, ou troca pela dívida, não de uma parte do capital das empresas, mas de uma ou duas de suas usinas, em operação ou em fase avançada de construção, formando assim empresas novas, com participação privada majoritária. A propósito, deve-se lembrar que as obras em andamento, se terminadas a tempo, abastecerão o mercado por mais 7 ou 8 anos a baixíssimos custos marginais de curto prazo. Assim, novas usinas dificilmente competirão com as obras em andamento e apenas transfeririam mercados, desobedecendo à própria legislação que aprovou o Plano 2010, reforçando o argumento a favor da privatização de obras em andamento. E, finalmente, o argumento do alto valor patrimonial das empresas estatais de eletricidade baseia-se numa atitude irrealista que simplesmente ignora os conceitos modernos de avaliação do “valor” de uma empresa, que depende muito mais da sua capacidade de geração de lucros do que do valor do seu patrimônio.Autogeração e cogeração industrial

Uma outra forma de participação de capitais privados no setor elétrico refere-se a

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autogeração e cogeração nas grandes e médias indústrias. O grau de aproveitamento do potencial de autageração e cogeração no setor industrial dependerá, contudo, de uma legislação adequada que garanta a venda da energia produzida em excesso pela indústria autogeradora para terceiros (outras indústrias ou empresas de distribuição de eletricidade) a preços adequados. Esta consideração é de extrema importância porque permitiria uma otimização do sistema de autogeração ou cogeração sem as limitações impostas pelas características de consumo de uma indústria isoladamente.

Nos EUA., por exemplo, a PURPA, votada em 1.978, obriga as concessionárias elétricas a comprarem a energia de auto-geradores e cogeradores a um preço igual ao custo evitado de outras alternativas de geração a elas disponíveis. 180 Este conceito, de compra da eletricidade excedente pelo preço do custo evitado cm concessória deve ser contraposto à proposta do setor elétrico brasileiro de comprar energia de auto-geradores com base no preço de venda de energia elétrica, 161 contundindo conceitos de custos e preços e transferindo as distorções dos subsídios para o processo de planejamento dos investimentos. Ademais, a regulamentação, como nos EUA. do chamado “wheeling”, permitiria a um auto-gerador gerar em um determinado local, insenr a energia gerada ou parte dela, na rede de transmissão ou distribuição da concessionária local, e recebê-la em outro lugar, através do pagamento de um “pedágio”. A regulamentação desta possibilidade no Brasil faria com que por exemplo, um grupo industrial com diversas fábricas, pudesse aproveitar economias de escala para geração elétrica numa única usina, ou que uma indústria cujas características isoladas não fossem favoráveis à autogeração se juntasse com outras empresas a fim de otimizar os custos de geração de todas.

Além da questão de compra de excedentes de energia a preços compensatórios, um outro ponto, fundamental para a participação de auto-produtores nos investimentos futuros do setor elétrico, refere-se à aprovação de legislação isentando os auto-produtores (ou, pelo menos, tratando-os de modo preferencial), no caso de um eventual racionamento de energia no sistema interligado. Com a legislação atual, não há grandes incentivos para auto-geração, uma vez que as indústrias auto-geradoras são sujeitas às mesmas regras de racionamento que os demais consumidores, podendo o Poder Público requerer as suas instalações para o abastecimento do sistema em períodos de crise. A modificação desta legislação, assegurando um tratamento diferenciado a indústrias dispostas a assumirem o risco de investir em projetos de auto-geração, garantindo-lhes exclusividade integral ou parcial sobre a energia por elas produzida, será um passo importante no processo de atração de capitais privados em novos projetos de geração elétrica.

Privatização de novos investimentos: produção independente de energiaMas, talvez a forma mais promissora e interessante (do ponto de vista dos potenciais

resultados) de um envolvimento maior de capitais privados no setor elétrico brasileiro, seja a sua participação em novos projetos de produção independente de energia, sob regime de concessão, sub-contratação, leasing ou locação, na forma dos assim chamados esquemas BOT (Build, Operate, Transfer), 800 (Euild, Own. Operate), ou BLT (Build, Lease, Transfer). A institucionalização da figura do Produtor Independente de Energia Elétrica (PIEE) no Brasil, de personalidade jurídica privada, capaz de implantar usinas de geração de eletricidade (hidroelétricas e termoelétricas) junto a concessionárias e, também, a indústrias interessadas em auto-geração, através de um contrato particular de compra e venda de eletricidade, seria um passo fundamental na realização das intenções para uma maior participação de capitais privados no setor elétrico. Principalmente uma possibilidade

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que poderá ter imediata repercussão no mercado de geração elétrica privada, seria a permissão de “sub-contratação” de terceiros para implantação e operação de usinas de geração elétrica pelos auto-produtores.

A Portaria 246. de 23 de dezembro de 1988, estabeleceu as condições de compra pelas concessionárias de eletricidade do excedente gerado por auto-produtores. 62 Foi concedido a todas as indústrias consumidoras de eletricidade, e somente a elas o direito de requerer autorização junto ao DNAEE para auto-gerar eletricidade. Contudo, em muitos casos, os investimentos em auto-geração são quase tão significativos quanto os investimentos nos programas de expansão das próprias indústrias, de tal forma que estas indústrias interessadas em auto-geração passariam a devotar uma parte substancial de seus recursos e esforços numa área fora do setor normal de suas atividades. Esta questão Shakesperiana. “to be or not te be” urna companhia energética para si própria com direito de venda de energia excedente para a rede externa, pode ser resolvida de se colocar em lei a permissão para que terceiros possam ser contratados para gerar eletricidade para as indústrias interessadas em ter junto a elas um produtor cativo de eletricidade, arcando com os custos dos investimentos e com a responsabilidade de operação e manutenção da usina. Isto seria realizado através de um contrato particular de compra e venda de energia entre as partes (indústria e produtor independente de energia), livres de imposições tarifárias governamentais.

O ponto principal da questão é que, em qualquer investimento privado existirá sempre a questão fundamental das “garantias” sobre os investimentos realizados, especialmente quando estes investimentos envolverem financiamentos bancários. Acontece que, no Brasil, não existem hoje condições de aceitação de garantias de pagamento contra um compromisso (contrato) de compra e venda de eletricidade entre um produtor independente e uma concessionária pública. Geralmente, a situação financeira das concessionárias elétricas encontra-se em estado critico e, ademais, no caso de corte deliberado de fornecimento contra um ato de não pagamento de faturas, a usina estada sujeita a intervenção estatal por “interesse público”. Existem algumas exceções, como o caso de sistemas isolados com garantias federais, mas mesmo estes estão apresentando sérios problemas de ressarcimento das receitas contratuais. Um outro seríssimo problema neste caso seria a própria questão tarifária que, envolvendo uma concessionária pública, estaria sempre sujeita à intervenção governamental. Assim, pelo menos nas circunstâncias atuais, toma-se difícil a participação do setor privado em novos empreendimentos de geração elétrica para fornecimento exclusivo às concessionárias, mesmo com cláusulas contratuais envolvendo tarifas realistas.

Por outro lado, a produção independente de energia elétrica contratada com uma indústria privada interessada em auto-geração, não ofereceria as restrições existentes no caso das concessionárias, quais sejam as restrições tarifárias durante a vida do empreendimento e a questão da garantia de pagamentos, por quanto ambas as questões seriam estabelecidas em contrato com força de juízo cível entre particulares. Assim, uma abertura para a institucionalização da figura do PIEE apresenta-se como uma saída rápida e efetiva para a privatização de novos investimentos em geração elétrica, com grande potencial mercadológico. Inclusive, o monopólio das concessionárias de distribuição não sofreria alteração uma vez que, na prática, não existiria diferença alguma, em termos do mercado elétrico, se o auto-produtor gerasse por conta própria ou por contratação de terceiros. A diferença residiria apenas numa maior dinamização da participação da iniciativa privada na geração de eletricidade.

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Outro passo importante no processo de privatização dos novos investimentos de geração seria a regulamentação de projetos BOT, BQO, e BLT. De acordo com estes esquemas de financiamento, a concessão para a exploração de um serviço público, como a geração de energia elétrica, é dada a um grupo de investidores composto, tipicamente, de fornecedores de equipamentos, empreiteiros, fornecedores de combustível, e outros grupos com interesses diretos no projeto e, minoritariamente, da concessionária local, que normalmente garante a compra da energia gerada ou temporariamente abre mão do seu monopólio para a venda da energia a uma ou mais indústrias privadas. Este grupo constrói e opera a planta por um determinado período, tipicamente da ordem 10 a 20 anos, após o qual a transfere (ou não) ao governo ou à concessionária pública. A lucratividade do projeto é assegurada através de garantias de uma taxa mínima de retomo ao capital investido.

Apesar da experiência prática pequena deste tipo de operações em países do Terceiro Mundo, há diversos projetos BOI em estágio avançado de negociação. 163 Na Turquia, um consórcio liderado pela Chiyoda Corporation, do Japão, e pela Westinghouse Electric Corporation, dos E.U.A., está propondo a construção e operação de uma usina termoelétrica a carvão, de 1.400 MW, envolvendo investimentos da ordem de US$1,2 bilhões. 164 Outro exemplo encontra-se na recente assinatura de um acordo entre a Hopewell Industries, de Hong Kong, e o governo Filipino, para a construção de uma usina em Navotas para fornecer eletricidade a Manila. A usina (turbinas a gás) terá uma capacidade instalada de 200 MW e, conforme o acordo, será construída e operada pela Hopeweil por um período de 12 anos, após o qual ela será transferida à empresa estatal de eletricidade, a NPC (National Power Corporation). A título de garantia, a NPC fornecerá o terreno e o combustível (Diesel) para a operação da usina e, ademais, o projeto tem-se qualificado para receber uma série de incentivos fiscais. 165 A Hopewell e o governo Filipino estão negociando também a construção de uma segunda usina, esta a carvão, com capacidade de 700 MW e custo estimado de US$700 milhões, também a ser financiada no modo BOI. Outro exemplo deste tipo de financiamento refere-se às negociações entre o governo do Paquistão e a empresa inglesa 1-lawker Siddeley para a construção de uma usina termoelétrica de US$350 milhões naquele país. A própria China Comunista já desfruta de um projeto BOI efetivamente implantado. A usina, que queima carvão, com capacidade de 700 MW, foi construída pela Hopewell e está hoje no seu terceiro ano de operação. O sucesso deste empreendimento tem levado a Hopewell e o governo Chinês a abrirem negociações para a construção de mais duas usinas a carvão. 166 No total existem hoje cerca de 80 propostas para participação de capitais privados sob esquemas BOT em cerca de 15 países em desenvolvimento.

As agências multilaterais e os bancos comerciais de financiamento estão começando a criar mecanismos para apoiar financeiramente a implantação de projetos do tipo BOT. O ECGD (Export Credits Guarantee Department), do Reino Unido, por exemplo, anunciou em 1.988 suas novas diretrizes de financiamento, de acordo com as quais, além do tradicional risco político, o Departamento está agora disposto a cobrir até 60% do risco comercial da parcela do projeto envolvendo equipamentos e serviços ingleses, sujeito a investidores privados participando com 40% do risco comercial e um banco participando com pelo menos 10% do risco. O Eximbank do Japão, por sua vez, recentemente formou um Grupo de Financiamento de Projetos, cujo objetivo principal é avaliar e participar de projetos privados para o desenvolvimento da infraestrutura básica. E, talvez mais significativamente ainda, o Banco Mundial está organizando um Fundo Privado de

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Desenvolvimento Energético no Paquistão, que seria autorizado a financiar até 30% do custo total de projetos privados de geração. 167 É de fundamental importância que o Brasil estude meios de aproveitamento destas novas alternativas de financiamento, deixando de lado questões ideológicas e evitando que a busca de capitais privados, tão necessários para a retomada do desenvolvimento, esbarre na empedernecida cultura estatal instalada no país. Principalmente, é fundamental a aprovação de legislação adequada que regulamente a participação do setor privado em novos projetos de energia elétrica, com as devidas garantias. Somente a existência de tal legislação, baseada em leis aprovadas pelo próprio Congresso Nacional (ao invés de em portarias do DNAEE), forneceria aos potenciais investidores a indicação da existência real de consenso político sobre a participação de capitais privados em áreas da economia que envolve a prestação de serviços públicos.

4.4. Eficiência energética e abertura econômicaOs avanços tecnológicos ocorridos nos países industrializados colocam à disposição do

mercado mundial um “estoque” formidável de tecnologias, que aliadas à disponibilidade de novos combustíveis no piano interno, poderiam mudar dramaticamente tanto o perfil do consumo energético brasileiro nos anos 1990, quanto o perfil do suprimento de energia. Ao mesmo tempo, no piano político-institucional surge a necessidade para uma série de mudanças estruturais no setor energético, com políticas realistas de preços, eliminação de subsídios que a sociedade não esteia capaz ou disposta a custear, e maior participação de capitais privados em áreas que, tradicionalmente, têm sido reservadas ao Estado. Contudo, a grande questão que emerge no contexto energético brasileiro é: Como estes benefícios potenciais poderão ser realizados efetivamente e usufruídos pela sociedade brasileira? A tese que surge das conclusões obtidas ao decorrer deste trabalho é que o aumento da eficiência energética poderá ser melhor realizada no Brasil com a maior liberalização e abertura da economia brasileira e sua conseqüente integração com a economia mundial, com todos o benefícios decorrentes do aproveitamento das tecnologias de alta eficiência hoje existentes no mundo e dos fluxos de capitais internacionais.

Omercado como meio de alocação eficiente de recursosA nível mundial, a racionalização dos meios de produção e de utilização de energia foi

amplamente estimulada como decorrência das duas crises de petróleo ocorridas na década passada (1973/74 e 1979/80). Este episódio da cartelização dos preços do petróleo mostrou, uma vez mais, que o controle artificial das forças do mercado não pode durar indefinitivamente. Estas atuam constantemente, enquanto os artificialismos econômicos têm vida curta. Como decorrência da crise energética, as forças do mercado agiram na forma de mudanças tecnológicas sobre os meios de produção e usos finais de energia, aumentando significativamente a eficiência termodinâmica dos equipamentos e possibilitando a exploração de recursos antes considerados inviáveis. Bastou aumentar os preços, que novos meios tecnológicos e fontes de suprimento foram criados, tendendo a reduzir a demanda e diversificar a oferta, recolocando o preço dos combustíveis no patamar do seu verdadeiro custo de oportunidade. A produção da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), por exemplo, diminuiu de 31 milhões de barris por dia em 1973 para 19,6 milhões de barris por dia em 1988.168 Esse processo de flexibilização dos preços é uma característica fundamental do próprio universo econômico nas economias de mercado, que sempre buscam o equilíbrio ótimo entre a oferta e a procura.

Mas talvez o exemplo mais efetivo do poder do mercado de se adaptar às novas

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circunstâncias energéticas é dado pelo fato que nos países membros da OECD (Organization for Economic Cooperation and Development), o consumo energético total (energia primária) entre 1973 e 1986, cresceu em apenas 6,6% (de 3.328 milhões de tep em 1973 para 3.546 milhões de tep em 1986), enquanto o conjunto do produto interno bruto (PIB) desses países, medido em dólares constantes de 1985, cresceu em 38,1% no mesmo período (de US$6.099 bilhões em 1973 para US$8.425 bilhões em 1986). No caso dos Estados Unidos, o crescimento no consumo de energia ficou praticamente inalterado (aumentou de 1.767 milhões de tep em 1973 para 1.799 milhões de tep em 1986, ou seja, um aumento de apenas 1,8%) enquanto o PIE, medido em dólares de 1985, expandiu-se em 36,7% (de US$2.989 bilhões em 1973 para US$4.086 bilhões em 1986). 169

Contudo, por outro lado, é importante assinalar que o mesmo grau de sucesso não foi alcançado nos países em desenvolvimento, em geral, e também, nos países de economia planejada de modo centralizado (países comunistas). Nestes, o consumo de energia em relação ao PIE, em sua grande maioria, cresceu ao invés de diminuir. No caso da União Soviética, por exemplo, o consumo energético entre 1975 e 1985 aumentou em 35,6% (de 951 milhões de tep em 1975 para 1.289 milhões de tep em 1985), enquanto o seu PIB, medido neste caso em dólares constantes de 1984, cresceu somente 25.1% no período (de US$1.702 bilhões em 1975 para US$2.129 bilhões em i985). 170 Em particular, e interessante observar as curvas de crescimento do PIE e do consumo elétrico no Brasil e no Japão, mostradas nas Figuras 24a-b.171 O PIB japonês cresceu à semelhança do consumo elétrico brasileiro, enquanto o PIE brasileiro cresceu de modo similar ao crescimento do consumo elétrico japonês. E desnecessário dizer que o PIB japonês apresentou um dos maiores aumentos dentre todos os países da OECD.

Segundo diversos estudos, em geral, a intensidade elétrica dos países em desenvolvimento tem apresentado um contínuo crescimento 30 longo do tempo. 172 A evolução da intensidade energética como um todo (energia primária total) tem sido igualmente desanimadora. De 1975 a 1985 a intensidade energética da Índia aumentou 6,8%, do México 33,0%, da Nigéria 186,4%, da Argentina 25,5%, da Indonésia 35,6%, do Paquistão 15,9%, da Iugoslávia 13,7%, e da Venezuela 23,2%. Por outro lado, alguns países em desenvolvimento têm apresentado melhores desempenhos energéticos: entre 1975 e 1985 a intensidade energética do Hong Kong diminuiu 24,6%; a intensidade energética do Chile diminuiu 11,2%; e a intensidade energética da Coréia do Sul aumentou apenas 6,4%, apesar do fenomenal crescimento da indústria de base ocorrido naquele país.173 Estes dados empíricos mundiais sobre a experiência em racionalização dos usos de energia mostram que, mantidos os outros fatores econômicos constantes, os países de economia mais aberta, geralmente, apresentam superiores desempenhos energéticos do que os países de economia mais fechada.

Esta observação não envolve nenhuma “grande descoberta” e nem tampouco poderia ser classificada de “original”. Ela apenas reforça a principal tese do presente trabalho, qual seja, que o setor energético nada mais é que uma simples atividade econômica, e como tal ele é sujeito às mesmas regras e limitações que se aplicam para o restante da economia. Neste sentido, a referência a uma economia mais aberta’ deve ser vista dentro do mais amplo contexto possível, não apenas do ponto de vista do comércio externo, mas, também, no que diz respeito à alocação otimizada de recursos através do mecanismo de preços (ao invés de através do planejamento centralizado) e, principalmente, no que se refere ao aumento da eficiência e diminuição dos custos através da competição, tanto por meio de

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uma maior liberação das importações, quanto pela eliminação dos monopólios e cartéis no plano interno.

Assim, a possibilidade de aumento da base térmica do parque gerador brasileiro, mencionada anteriormente, não pode e nem deve depender de novos ‘programas’, ‘planos’, ou mesmo “imposições” governamentais. Será, sim, uma conseqüência natural da eliminação dos subsídios e monopólios, da abertura da economia para novas fontes e tecnologias de energia, e da participação maior de capitais privados nas obras do setor elétrico. Igualmente. a conservação de eletricidade não envolve nenhum esforço de caráter místico, dependente da fé espartana da população; de longe a principal maneira para se atingir o nível economicamente ótimo de consumo de energia é a liberação das forças do mercado, cuja intensidade é diretamente proporcional ao preço de eletricidade. Apesar de medidas como campanhas de conservação, projetos de PD&D (Pesquisa, Desenvolvimento e Demonstração), e outros programas que visam “informar” o consumidor serem importantes, não deve ser esquecido que o principal meio de persuasão e conscientização da população é sempre através da conta de luz.

Aliás, neste sentido, cabe observar que uma das principais razões do relativo insucesso aos programas de conservação nos países em desenvolvimento pode ser encontrada na tendência generalizada de adoção dos mesmos modelos adotados nos países industrializados. Define-se como “modelo dos paises industrializados” uma política de conservação desenhada essencialmente para as condições peculiares do mercado e da economia prevalecentes na Europa, E.U.A. e Japão, isto e, baseada na realização de programas e projetos de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia de usos finais de energia, visando diminuir o consumo especifico dos equipamentos e utensílios; na realização de auditorias energéticas em indústrias, residências e prédios comerciais, para diagnosticar os desperdícios e apontar soluções para racionalizar os usos finais de energia; na realização de campanhas de conscientização da população e de fornecimento de informações técnicas sobre conservação; e na concessão de incentivos fiscais e monetários temporários para os consumidores e produtores de energia para romper a inércia inicial dos processos de mudança. Nos países industrializados, onde os preços de energia encontram-se em patamares realistas e as instituições operam sem os grandes entraves encontrados nos países em desenvolvimento, estas medidas tradicionais de estímulo à conservação têm-se mostrado suficientes para a obtenção de bons resultados.

Contudo, na maioria dos países do Terceiro Mundo, assim como nos países de economia planejada de modo centralizado, as medidas acima mencionadas são periféricas e não foram suficientes para desencadear o processo de melhoria da eficiência energética. É no cerne desta questão básica de insucesso que deve ser procurada a resposta para o desenho de um modelo de política de conservação de energia para os países em desenvolvimento em geral, e o Brasil em particular. As causas do insucesso podem ser encontradas nas “fraquezas” inerentes às economias intervencionistas e dirigistas que, no caso brasileiro, são decorrentes principalmente de tarifas irrealmente baixas e corroídas pela inflação; reservas de mercado para importação de equipamentos, processos, materiais e serviços; total predomínio dos recursos e dos esforços voltados para o aumento da oferta de energia e quase nada para a administração da demanda; e problemas institucionais referentes a legislações para conservação, normatização industrial, centralização decisória, equalização tarifária etc. Um modelo brasileiro mais efetivo de conservação de eletricidade deveria, portanto, atacar frontalmente estas questões fundamentais. O PROCEL (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica) merece ser fortalecido e ter seu escopo

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ampliado para tratar destas questões, cujas soluções encontram-se mais dentro do arcabouço econômico brasileiro do que dentro do próprio setor elétrico.

Pré-requisitas e implicações de urna abertura econômicaEm termos práticos, a “abertura” da economia brasileira passa. em primeiro lugar, por

uma política realista de preços. A experiência acumulada em escala mundial indica claramente que o preço de energia é, de fato, o principal instrumento para a indução da eficiência energética. 174 No Brasil, onde a tarifa elétrica decresceu vertiginosamente desde 1975, o incentivo ao desperdício tem sido o principal sinal que o Governo Federal tem fornecido ao mercado consumidor. A Figura 25a mostra um exemplo claro desta política de desperdício no setor residencial onde o consumo unitário médio de eletricidade tem crescido quase na mesma proporção que o declínio do seu preço. Por outro lado, no setor petrolífero brasileiro, o resultado tem sido o inverso. Os preços dos derivados de petróleo, principalmente o da gasolina, tem refletido (pelo menos ate recentemente) as tendências internacionais do setor. O resultado desta política é mostrado na Figura 25b, onde pode ser visto que o consumo médio da gasolina e álcool por unidade de automóvel ativo na praça tem decrescido no tempo.175 Um aumento ainda maior da eficiência energética do automóvel brasileiro não tem sido realizado provavelmente devido a natureza fechada da economia neste setor, em particular.

Obviamente, o objetivo principal de uma política tarifária realista não deve ser a diminuição do consumo de energia em si (afinal de contas o setor elétrico constitui uma atividade produtiva que contribui para a produção de riqueza), mas sim a otimização do processo de alocação de recursos (isto é, dos níveis de oferta e demanda) que só poderá ser feita através de preços realistas. Ao mesmo tempo, é importante assinalar uma questão coligada, de extrema importância, isto é, que um aumento da tarifa elétrica, realizado isoladamente, significaria colocar sobre os ombros dos consumidores toda a carga das ineficiências acumuladas ao longo dos anos no setor elétrico, o que resultaria no acirramento ainda maior das atuais distorções. Assim, uma elevação real dos preços de energia deverá, necessariamente, ser acompanhada de um elenco integrado de medidas que conduza simultaneamente a um aumento da eficiência energética. Em outras palavras, não basta agir apenas do lado da oferta de capital. E também necessário agir do lado da demanda. Só assim a economia brasileira atingiria um novo patamar de maior eficiência e competitividade.

Uma destas medidas no lado da demanda, já mencionada, é a privatização. Isto significa que um aumento da tarifa elétrica não deve impulsionar o setor público a voltar querer resolver, ele sozinho, a questão do suprimento elétrico, uma vez que a problemática de recursos esteja resolvida. Aliás, muitas das propostas atuais do setor elétrico estatal a respeito da participação do setor privado, tais como participação minoritária nas obras em andamento, compra de ações na condição de sócio minoritário, e pré-compra de energia, 176

parecem conceber a participação do setor privado como uma espécie de ‘mal necessário’, de duração temporária, até que os atuais problemas financeiros do setor estatal sejam resolvidos. A questão fundamental, contudo, reside na busca do setor privado não apenas como fonte de recursos, mas sim como fonte de eficiência econômica. O setor privado tem embutido nele um mecanismo próprio de sobrevivência: ou alcança o sucesso, ou morre, o que o toma em geral mais eficiente que o setor publico. Para este, a realidade mundial tem indicado que: ou se alcança o sucesso ou se vira uma empresa parasita da sociedade.

Uma outra frente de medidas, fundamental para o aumento da eficiência do setor

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elétrico, refere-se a criação de condições para uma maior competição entre fornecedores e fontes de energia, através de uma maior abertura da economia brasileira à competição internacional. Esta abertura deve incluir fluxos comerciais (equipamentos materiais, processos tecnológicos, serviços e combustíveis) e fluxos financeiros (capitais estrangeiros de risco). Uma maior abertura da economia deverá reduzir os custos dos equipamentos e dos serviços de engenharia e construção para o setor elétrico, tanto através da maior competição, quanto através da introdução de novas técnicas e novas tecnologias. De um modo geral, os preços dos equipamentos nacionais são da ordem de 20 a 40% mais caros que os preços de equipamentos equivalentes internacionais,177 e as grandes obras públicas no setor de engenharia civil custam 50% acima dos preços internacionais. 178 Muitas destas distorções nos custos são resultantes de taxas de câmbio irrealistas, custos financeiros decorrentes de atrasos nos pagamentos das empresas estatais, e de outras distorções estruturais na economia, que se solidificaram ao longo das últimas três décadas e que, hoje, com o acúmulo da modernização industrial alcançada pelo Brasil, não mais se justificam. Os subsídios governamentais à indústria nacional, traduzidos em exagerado protecionismo e reservas de mercado, têm certamente, também provocado graves feridas na eficiência produtivos.

É claro que a questão de uma maior abertura do mercado interno aos fornecedores internacionais pode ser uma faca de dois gumes se feita sem os devidos cuidados, além de tocar na alma da economia política brasileira de pós-guerra, cuja palavra de ordem foi a “substituição das importações”. Mas, no mesmo modo que o aumento das tarifas deve ser feito como parte de um elenco integrado de medidas, a maior abertura do mercado interno à competição internacional também não pode ser feita isoladamente, tendo-se em conta que ela não é uma solução em si, e nem tampouco uma panacéia. Mas, sobretudo, ela deve tornar-se uma das conseqüências naturais de mudanças que visam reestabelecer o respeito às leis de mercado, e o maior engajamento da economia brasileira na economia mundial. Este sim deve ser o foco da questão. Uma abertura isolada e momentânea do mercado interno poderia provocar nada menos que o colapso do parque produtivo nacional de bens de capital.

A preocupação principal reside no fato que, com a crise que aflige a economia nacional, o mercado interno pode tomar-se insuficiente para permitir a sobrevivência da indústria nacional, frente à concorrência livre de fornecedores externos quer em muitos casos, vêm armados com todos os tipos de financiamentos na forma de “soft-loans”, e livres de problemas tais como atrasos nos pagamentos e câmbio defasado, uma vez que o pagamento seria feito em moeda forte. Assim, entre outras coisas (por exemplo, liberação do câmbio), o ignitor do processo de abertura da economia brasileira deve ser o crescimento da demanda interna, não num sentido “anti-exportação’, mas no sentido de maiores investimentos que, por sua vez, só poderão ser de capital real não inflacionário, cuja formação, fatalmente, desemboca, mais uma vez, na questão tarifária e na questão da abertura dos investimentos públicos ao setor privado. Além disso, a abertura das importações não pode ser “pontual”, isto é, a importação não deve ser liberalizada setorialmente, mas sim, deve compreender toda, ou quase toda a corrente do sistema produtivo. Ou seja, à indústria nacional de bens de capital deve ser dada a prerrogativa de importar qualquer material e. talvez mais importante ainda, qualquer tecnologia, de qualquer parte do mundo, a fim de otimizar os seus custos e competir igualitariamente neste mesmo mercado mundial.

Isto posto, deve também ser ressaltado que o processo de uma abertura maior da

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economia brasileira não pode ser prorrogado por muito tempo, a fim de poder enfrentar uma série de desafios que estão surgindo no contexto mundial e que, mais cedo ou mais tarde, terão de ser respondidos. Deve-se, principalmente, perguntar como a indústria nacional sobreviverá num mundo de cada vez maior centralização tecnológica. A Brown Boveri e a Asea, por exemplo, dois gigantes da indústria elétrica de bens de capital, formaram um novo conglomerado que está absorvendo empresas de equipamentos elétricos na Itália e Alemanha. A General Electric está reestruturando as suas operações a nível mundial e diversos outros gigantes da indústria elétrica estão afiando as facas para formarem maiores conglomerados transnacionais para fazer frente aos concorrentes. Ignorar os desafios, encastelando-se em reservas de mercado e cercando-se de barreiras tarifárias, certamente não resolverá o problema. E chegada a hora do modelo de substituição de importações sofrer as necessárias correções de curso que todo modelo econômico deve sofrer para acompanhar o fluxo da história. O novo modelo poderia ser o da busca da eficiência econômica, com condicionantes políticos e econômicos modernos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES

O modelo estatizante e centralizador que prevaleceu nas últimas quatro décadas para o setor elétrico brasileiro cumpriu o seu papel e esgotou-se. Aumentou a oferta de eletricidade em mais de 15 vezes e proporcionou os meios para o cumprimento de mais uma etapa do desenvolvimento nacional, a etapa da industrialização. Contudo, como todo modelo de economia política, o modelo estatizante e centralizador envelheceu e hoje é povoado de distorções. Encontra-se maduro para esfacelar-se.

As empresas de energia elétrica no Brasil encontram-se descapitalizadas e incapazes de expandir a produção de energia para satisfazer a crescente demanda, artificialmente estimulada por tarifas baixas. Os déficits nestas empresas e em outras empresas de serviços públicos intensificam a inflação crônica obrigando o governo a imprimir moeda para mantê-las em operação. Ao abrir mão, a partir de 1975, de uma estrutura de preços ias mais altas do mundo, o governo quebrou o principal mecanismo de formação de capital. e viu-se obrigado a recorrer, primeiro, a empréstimos externos e internos, e, depois, à inflação. Ao mesmo tempo tem-se criado um desestimulo natural ao controle de custos, uma vez que a tanta, que é a fonte principal de receitas, vem sendo fixada na mesa como carta de baralho em manga de mágico.

Mas o feitiço está virando contra o feiticeiro. A supressão da tarifa, manipulada tão obstinadamente como instrumento de combate à inflação, mostrou-se, em verdade, uma grande fonte de inflação, e ameaça hoje de colapso o sistema de abastecimento elétrico do país. A grande questão que desafiará os responsáveis pela formulação da política energética e econômica brasileira nesta década focalizar-se-á na busca de um novo modelo que permita não apenas a acumulação dos capitais necessários para a expansão da infraestrutura elétrica (e de outros serviços básicos), mas que garanta também a utilização destes recursos de modo eficiente.

No âmbito interno, o setor elétrico, apesar dos problemas aparentemente gigantescos que enfrenta, não carece de condições básicas para sair da crise. O setor desfruta tanto de fontes primárias relativamente abundantes e diversificadas para geração, quanto de um mercado enorme e consumo ainda represado. E no âmbito externo, existe disponível no mercado mundial uma grande quantidade de novas tecnologias de produção e utilização de energia que poderiam aumentar drasticamente a eficiência global da economia brasileira. Apesar disso, o aproveitamento destas oportunidades tem ocorrido em proporção muito menor do que nos países industrializados e, certamente, menor também que o desejável, principalmente nas circunstâncias econômicas em que se encontra o país desde 1.980.

A solução para esta questão econômico-energética passa necessariamente por um rearranjo estrutural da economia brasileira, de privatização, abertura e integração com a economia mundial. Por um lado, deve-se tratar de incentivar a formação de capital, definindo e garantindo, rápida e claramente, o papei futuro e forma de participação das três fontes não inflacionárias de recursos para o setor elétrico: capital próprio, capital privado nacional e capital estrangeiro. Por outro lado, é essencial a adoção de medidas para aumentar a produtividade do capital investido através do aproveitamento de novas tecnologias e novos combustíveis hoje disponíveis, permitindo uma maior abertura na importação de equipamentos1 combustíveis e serviços, privatizando e submetendo o setor aos métodos e critérios de gestão da iniciativa privada. Isto implica, fatalmente, na colocação dos preços e tarifas de energia nos seus patamares reais. Uma política sensata de preços que respeite as regras básicas do mercado - principalmente aquela de que a receita

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das empresas de eletricidade deve superar os seus gastos (desde de que sejam racionais e eficientes), além de permitir lucros para garantir a expansão fritura - é uma necessidade primordial para um setor onde a maturação dos investimentos pode levar de 20 a 50 anos. Por sua vez, este aumento nos preços deverá impulsionar a adoção de tecnologias de maior eficiência energética e incentivar a participação de capitais privados e estrangeiros no setor. As tecnologias e os capitais seriam totalmente acessíveis dentro de um regime econômico aberto e de integração com a economia mundial.

Entretanto, importa realçar que um aumento unilateral da tarifa de energia elétrica, realizada isoladamente, significaria transferir para os consumidores todas as ineficiências hoje existentes no setor elétrico, que resultaria em distorções ainda maiores na economia. O aumento das tarifas só pode ser feito acompanhado de um elenco integrado de medidas que conduzam ao aumento da eficiência energética. Esta questão, de uma ação “orquestrada”, não “pontual”, envolvendo o conjunto dos agentes básicos do sistema econômico, é tão fundamental quanto a questão de “choque” versus “gradualismo” na implementação das medidas. A opinião dos autores, baseada nos dados e resultados deste trabalho, é que as distorções do sistema econômico-energético têm chegado a tais níveis que não há mais espaço para tratamentos pontualistas ou gradualistas. Assim, a maior abertura da economia passa primeiro pela recuperação da capacidade de investimentos do setor, que desemboca na questão tarifária. E, por sua vez, o aumento dos preços passa pela maior abertura e liberalização da economia, para que os consumidores tenham a opção de procurar as suas próprias soluções de geração, talvez mais baratas que as do sistema estatal. A economia política do setor elétrico, sendo uma peça coadjuvante do sistema econômico, não pode prescindir da realização de uma profunda cirurgia no sistema econômico como um todo. E todas as soluções apontadas nos capítulos anteriores devem compor um conjunto de medidas, cujo centro de gravidade deve residir na economia de mercado.

Se encontrar as causas e as soluções para a crise é simplesmente uma questão de investigação correta e honesta, e isto não é impossível de se realizar, por que então não se aplicam as soluções? Esta é a questão fundamental. E a resposta1 talvez se encontre no início destas conclusões: o sistema, agora cheio de contradições e distorções esgotou-se em si e deverá ser substituído. Das lições apreendidas deve nascer um novo modelo, mais flexível e mais sensível às forças do mercado, onde o Estado e o Mercado talvez venham a se somar em beneficio de ambos, onde o prêmio maior pertencerá à competência e eficiência econômica, e onde o apelo da soberania nacional não cerceie o combate à miséria.

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NOTAS

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21 “Road Deterioration in Devoloping Countries”, The World Bank, Washington, D.C., maio de 1988.2 “Nossas Estradas Estão Morrendo”, Veja. Reportagem Especial, São Paulo, 19 de abril de 1989.3 Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, “World Trends in Capital Formation”,Documento Interno, São Paulo, 1988.4 Veja, “O Brasil Parado”, Reportagem Especial, São Paulo, 2 de agosto de 1989.5 Kyu Sik Lee e Alex Anas, “Manufacturers” Responses to Infrastructure Deficiencies in Nigeria”, Banco Mundial, Washington D.C., julho de 1989.

6 Enrique lglesias, Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, “Perspectivas do Brasil no Próximo Governo”, Apresentação ao Forum Nacional, Rio de Janeiro, janeiro de 1990.7 Banco Muncial, “Two Development Tracks?”, Washington D.C., fevereiro de 1989.8 Os dados para o período 1960-1988 foram obtidos do FMI, “International Financial Statistics: Supplement on Price Statistics Series No 12”, Washington D.C., 1986. Os dados para o ano de 1989 foram obrtidos de anúncios oficiais no Brasil e na Argentina, e de estimativas preliminares da OCDE, FMI e ONU.9 Dados obtidos da ABDIB - Associação Brasileira de Desenvolvimento da Indústria de Base, São Paulo, janeiro de 1990.10 Flávio Augusto de Castro Nolasco, “O Modelo Brasileiro de Desenvolvimento”, Monografia para a conclusão do curso de Economia da FEA, USP, São Paulo, 1988.11 Christopher Flavin, “Electricity for a Developing World: New Directions”, Worldwatch Paper 70, Washington D.C., junho de 1986.12 Organização das Nações Unidas, “1984 Energy Statistics Yearbook”, Nova lorque, 1986.13 John H. Gibbons, Peter D. Blair e Holly L. Gwin, “Strategies for Energy Use”, Scientific American, Nova Iorque, setembro de 1989.14 H.K. Schneider e W. Schulz, “Investment Requirernents of the World Energy Industries: 1980-2000”, World Energy Conference, Londres. setembro de 1987.15 U.S. Agency for International Development, “Power Shortages in Developing Countries: Magnitude, Impacts, Solutions, and the Role of the Priva te Sector”, A Report to Congress, Washington D.C., março de 1988.16 Banco Mundial, “Toward Sustained Development in Sub-Saharan Africa”, Washington D.C.,1984.17 Kyu Sik Lee e Alex Anas, “Manufacturers” Responses to Infrastructure Deficiencies in Nigeria”, Banco Mundial, Washington D.C., julho de 1989.18 Banco Mundial, “Peru: Policies to Stop Hyperinflation and Initiate Economic Recovery”,Washington D.C., dezembro de 1988.19 Banco Mundial, “Argentina: Economic Recovery and Growth”, Washington D.C., maio de 1987.20 Dados obtidos das portarias de fixação de preços do DNAEE e dos anúncios oficiais de inflação do IBGE.21 ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de Janeiro, 1988.22 Os preços apresentados referem-se à data de publicação das portarias do DNAEE. Os valores em cruzados (ou cruzeiros) foram transformados em dólares correntes através da taxa média do câmbio no ano em referência e depois corrigidos para dólares constantes de 1986 através do deflator do PIB dos EUA. Os valores originais das tarifas em moeda nacional foram obtidos do DNAEE, e as taxas de câmbio e o deflator do PIB americano, do FMI, “International Financial Statistics Yearbook 1988”.23 Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.24 O programa EGTD (Energia Garantida por Tempo Determinado), encerrado em 1987, envolveu a venda de energia hidroelétrica secundária excedente, a preços extremamente baixos, para fins eletrotérmicos (principalmente para geração de vapor e aquecimento industrial) por tempo pré determinado, visando a substituição de óleos combustíveis no setor industrial.25 Estes percentuais são baseados no “Balanço Energético Nacional 1987”, do MME, que adotou um coeficiente de equivalência entre energia térmica e energia elétrica igual a 0,29 TEP/MWh. Para o poder calorífico superior do “petróleo médio” brasileiro, de 10.800 kcal/kg, este coeficiente equivale a 3.132 kcal/kWh, ou seja, a uma eficiência de conversão de energia térmica para eletricidade igual a 27,5%.26 Agência Internacional de Energia, “Energy Policies and Programmes in IEA Countries: 1988 Review”, OCDE, Paris, 1989.27 Dados coletados de diversas edições da Conjuntura Econômica, Rio de Janeiro, 1980-1986.28 ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de Janeiro, 1988.29 Idem.30 Idem.3 1 Dados obtidos da Secretaria do Tesouro Nacional, Brasília, julho de 1989.32 Paulo Procopiak de Aguiar, Diretor Financeiro da ELETROBRÁS, Apresentação ao IX Seminário de Produção e Transmissão de Energia Elétrical, Rio de Janeiro, 1987.33 José Maurício Moura, “Revisão do Modelo Institucional do Setor Elétrico: Preços”, CESP, São Paulo, abril de 1988; e

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FMI, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.3 4 Banco Mundial, “Sub-Saharan Africa: from Crisis lo Sustainable Growth”, Washington D.C., 1989.35 Os dados primários das tarifas nominais foram obtidos do DETA (Departamento de Tarifas) da ELETROBRÁS. As tarifas efetivamente recebidas foram calculadas através da subtração das perdas resultantes do prazo de 40 dias entre a data de publicação das tarifas nominais e a data de efetivo recebimento do pagamento no caixa das concessionárias, com base na inflação média mensal de cada ano do período em consideração. A diferença entre a receita que teria sido arrecadada se a tarifa de 1975 tivesse prevalecido ao longo dos anos e a receita efetivamente arrecadada, foi corrigida para dólares constantes de 1988 através da taxa média do câmbio do ano em consideração e do deflator do PIB dos EUA, obtidos do FMI, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.36 ELETROBRÁS, “Perspectivas do Setor Elétrico e da Participação da Iniciativa Privada”. Rio de Janeiro, janeiro de 1990.37 Marco Antonio Amaral Sureck, “Processo de Planejamento da Geração de Energia Elétrica no Brasil”, Florianópolis, maio de 1989.38 Todos os dados apresentados aqui sobre o andamento das obras refletem a situação em outubro de 1989 e foram obtidos através de contatos com as empresas responsáveis pelas obras e a ELETROBRÁS.39 ELETROBRÁS, “Perspectivas do Setor Elétrico e da Participação da Iniciativa Privada”, Rio de Janeiro, janeiro de 1990.40 Os dados para o período 1980-1987 foram obtidos do MME, “Balanço Energético Nacional 1988”, Brasília, 1988. Os dados para os anos de 1988 e 1989 foram obtidos da ELETROBRÁS e refletem estimativas preliminares.41 O “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, elaborado em 1986, previu um consumo total para o ano de 1988 igual a 211,7 TWh, sendo que 201,5 TWh seriam fornecidos pelas concessionárias públicas e as restantes por auto-produtores. O consumo real registrado, contudo, foi de 190,8 TWh no caso das concessionãrias e 10,2 TWh no caso dos auto-produtores, resultando num consumo total igual a 201 TWh, valor este cerca de 5% inferior ao previsto.42 ELETROBRÁS, “Relatório de Viagem a Buenos Aires”, Rio de Janeiro, março de 1989.43 Agência Internacional de Energia, “Electricity in IEA Countries: Issues and Outlook’, OCDE, Paris, 1985.44 NCAER, “lmpacts of Power Shortages in Agriculture and Industry”, 1985.45 EBASCO/AEPES/ITECO, “The Financial and Economic lmpact of Power Interruption and Load Shedding in lhe Industrial Sector in Pakistan”, 1987.46 Oak Ridge National Laboratory, “The Impact of Inadequate Electricity Supply in Developing Countries”, 1988.47 Fundo Monetário Internacional, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.48 Fundo Monetário Internacional, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.49 Dennis Anderson, “Infrastructure Pricing Policies and the Public Revenue in African Countries”, Banco Mundial, Washington D.C., 1987.50 Comunicação pessoal com o Superintendente da SEGBA, Buenos Aires, setembro de 1989.51 A participação de energia termoelétrica na Argentina é de cerca de 52% do total (dos quais 11% são de origem nuclear) em comparação com apenas cerca de 6% do total no caso do Brasil. Ademais, o sistema hidroelétrico argentino não dispõe da mesma capacidade plurianual de armazenamento do sistema brasileiro. Assim, uma combinação desastrosa de falta de manutenção no parque termoelétrico e de falta de chuvas no parque hidroelétrico, resultou numa das piores crises de racionamento elétrico já conhecidas.52 Informação fornecida por João Camilo Penna, ex-Presidente da FURNAS, São Paulo, janeiro de 1990.53 SIESE - Sistema de Informações Empresariais do Setor de Energia Elétrica, “Boletim Trimestral: Síntese 1989”, ELETROBRÁS, Rio de Janeiro, 1990; e USAID, “Power Shortages in Developing Countries: Magnitude, Impacts, Solutions and the Role of lhe Private Sector”, A Report to Congress, Washington D.C., março de 1988.54 Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.55 Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, “Research on the World Economy: A Prospectus”, São Paulo, 1988.56 Para uma explicação detalhada dos princípios básicos da taxa de desconto ver, por exemplo, Lawrence J. Gitman, “Prínciples of Managerial Finance”, 3rd edition, Harper & Row Publishers mc., 1987; ou A.A. Groppelli e Ehsan Nikbakht, “Finance”, Barron’s Business Review Series, 1986. Para uma aplicação desses conceitos para o caso específico de avaliação de projetos energéticos ver, por exemplo, Doan L. Phung, “Cost Com parison of Energy Projects: Discounted Cash Flow and Revenue Requirement Methods”, Energy, Vol. 5, Londres, 1980.57 CANAMBRA Engineering Consultants Limited, “Power Study of South Central Brazil: Summary” Rio de Janeiro, dezembro de 1966.58 Frederico Magalhães, Chefe do Departamento de Planejamento da ELETROBRÁS, Palestra proferida no “Forum Nacional: A Redução de Investimentos e a Ameaça de Colapso nos Setores Básicos da Economia”, AJOESP, São Paulo, 6 de dezembro de 1989.59 Pela legislação atual o preço máximo que as empresas de eletricidade são permitidas a oferecer para comprar excedentes de eletricidade gerada por indústrias auto-produtoras é limitado ao custo marginal do sistema, que é, por sua vez, calculado com base numa taxa de desconto de 10% ao ano.60 Fundo Monetário Internacional, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.61 Fundo Monetário Internacional, “Annual Report 1987”, Washington D.C., 1989.62 The Economist, “The 10% Solution”, Londres, 9 de julho de 1988.63 Business Week, “lndustry Outlook 1990s: New Boys Shake Up the Power Grid”, Nova Iorque, 8 de janeiro de 1990.64 The Economist, “Whatever Happened lo Saving?”, Londres, 3 de fevereiro de 1990.

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65 José Goldemberg, Thomas B. Johansson, Amulya K.N. Reddy, Robert H. Williams, “Energy for a Sustainable World”, World Resources Institute, Washington D.C., 1987.66 Frederico Magalhães, Chefe do Departamento de Planejamento da ELETROBRÁS, Palestra proferida no “Forum Nacional: A Redução de Investimentos e a Ameaça de Colapso nos Setores Básicos da Economia”, AJOESP, São Paulo, 6 de dezembro de 1989.67 Estado de São Paulo, “BIRD Cobra o Dobro de Juros do Brasil”, São Paulo, 8 de março de 1989.68 Luis Theodoro Appel Mauer e João Luiz Becker, “O Plano 2010 e o Custo de Capital”, São Paulo Energia, São Paulo, janeiro de 1989.69 Informação fornecida por João Camilo Penna, ex-Presidente da FURNAS, São Paulo, janeiro de 1996.70 Conforme mostrado mais adiante, o custo marginal de expansão do sistema hidroelétricobrasileiro (incluindo-se os investimentos de geração, transmissão e distribuição, os custos de operação e manutenção e levando em consideração todas as perdas até o ponto final de consumo),calculado com base numa taxa de desconto de 15% ao ano, é de US$ 75/MWh. A adoção de uma taxa de 10% ao ano, por outro lado, resultaria num custo marginal de US$ 54/MWh.71 O fator de recuperação de capital, FRC, é definido por FRC = d/{(1+d)N), onde d = taxa de desconto e N = vida útil do projeto. A multiplicação do fator de recuperação de capital pelo investimento determina o custo nivelizado anual de capital.72 Em verdade, as vantagens da geração termoelétrica a gás podem ser ainda maiores devido à maior flexibilidade de operação das usinas a gás, que podem operar tanto em regime de ponta ou semi-ponta, quanto de base, chegando a atingir fatores de capacidade da ordem de 85-90%.73 ELETROBRÁS, “Relatório Anual 1987”, Rio de Janeiro, 1988.74 Energy Information Administration, “International Energy Annual 1986”, U.S. Department of Energy, Washington D.C., outubro de 198775 Idem.76 ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de Janeiro, 1988.77 Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.78 Mais da metade do potencial hidroelétrico ainda não aproveitado encontra-se na região amazônica, e mais de um terço da capacidade elétrica prevista nos planos oficiais de expansão para os próximos 10-12 anos provirá da construção de 14 usinas hidroelétricas na Amazônia, somando uma capacidade de 16.655 MW.79 Para uma apresentação excelente do modo de operação e critérios de planejamento do sistema elétrico brasileiro ver Marco Antônio Amaral Sureck “Processo de Planejamento da Geração de Energia Elétrica no Brasil”, Florianópolis, maio de 1989.80 Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.81 The Economist, “The Price of Oil: Déjà vu, Again”, 13 de janeiro de 1990.82 Eric D. Larson, Joan M. Ogden, Robert H. Williams, “Steam-Injected Gas-Turbine Cogeneration for the Cane Sugar Industry”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1987.83 COPERSUCAR, “Proálcool: Fundamentos e Perspectivas”, São Paulo, 1989.84 David A. Tillman, Amadeo J. Rossi, William D. Kitto, “Wood Combustion”, Academic Press Inc., Londres, 1981.85 Estas estimativas são de técnicos da COPERSUCAR. Diversos estudos, contudo, indicam que as necessidades de vapor de processo nas usinas e destiladas poderiam diminuir ainda mais dramaticamente. Por exemplo, J.L.Oliveira, J.D.Neto e J.F.P.de Miranda, em “Energy Optimization and Electricity Production in Sugar Mills and Alcohol Distilleries”, São Paulo, outubro de 1989, estimam que a demanda de vapor de uma destilaria autônoma, que é hoje de cerca de 466 kg/tc, poderia, com a adoção de diversas medidas de conservação, diminuir para apenas 258 kg/tc. 86 COPERSUCAR, “Agroindústria Canavieira: Um Perfil”, São Paulo, 1989.87 O bagaço “in-natura”, com 50% de umidade, poderia, submetido a um processo de secagem natural, atingir níveis de umidade de 20-30%. A queima de bagaço com níveis mais baixos de umidade permitida mais estável, e as eficiências atingidas nas caldeiras seriam maiores.88 Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.89 O fator de conversão de calorias para BEP foi obtido do relatório da British Petroleum “BP Statistical Review of World Energy”, Londres, 1986.90 Mais fácil no sentido da tecnologia de turbinas a vapor ser disponível comercialmente e completamente dominada, inclusive no Brasil.91Assumindo-se a queima de bagaço pré-secado para 20-30% de umidade que permitiria atingir eficiências da ordem de 75-80% nas caldeiras. No caso de queima de bagaço com 50% de umidade a eficiência das caldeiras seria menor, da ordem de 65-70%, e a eficiência de conversão elétrica diminuiria, de 15% para cerca de 13%.92 SIESE - Sistema de Informações Empresariais do Setor de Energia Elétrica, “Boletim Trimestral: Síntese 1989”, ELETROBRÁS, Rio de Janeiro, 1990.93 O custo de instalação de unidades termoelétricas a vapor com capacidades na faixa de 25-30 MW seria da ordem de US$ 1.5001kW; de 10-15 MW, da ordem de US$ 2.000/kW; e de 3-6MW da ordem de US$ 3.0001kW. Ver, por exemplo, Eric D. Larson, Joan M. Ogden, Robert H. Williams, “ Steam-Injected Gas-Turbine Cogeneration for lhe Cane Sugar Industry”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1987; e David A. Tillman, Amadeo J. Rossi, William D. Kitto, ‘Wood Combustion”, Academic Press Inc., Londres, 1981.94 Luis Otávio Comes Koblitz, “Geração de Energia Elétrica no Setor Sucro-Alcooleiro”, Mundo Elétrico, São Paulo, março de 1988.95 Joan M. Ogden, Robert H. Williams, Mark E. Fulmer, “Cogeneration Applications of Biomass Gasfier/Gas Turbine Technologies in

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the Cane Sugar and Alcohol Industries”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1990.96 O custo de instalação de sistemas BIG/STIG estão estimados em US$ 1.000/kW para unidades de 50 MW, US$ 1.2(10/kw para unidades da ordem de 20 MW e US$ 1.700/kW para unidades de 5 MW. Ver, por exemplo, Joan M. Ogden, Robert H. Williams, Mark E. Fulmer, “Cogeneration Applications of Biomass Gasfier/Gas Turbine Technologies in the Cane Sugar and Alcohol Industries”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1990.97 O custo real da produção de álcool, segundo a COPERSUCAR, “Proálcool: Fundamentos e Perspectivas”, São Paulo, 1989, situa-se na faixa de US$ 0,22/litro que, para a produção de 1988/89, de 12.746 milhões de litros, implica num custo total de cerca de US$ 2,8 bilhões.98 Segundo o Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987, entre 1973 e 1987,o preço do CLI’ diminuiu 94% em termos reais e o preço do diesel aumentou 6%. O preço da gasolina, por outro lado, aumentou 120%.99 Ao contrário de usinas termoelétricas queimando biomassa, onde considerações de manuseio do combustível limitariam o tamanho máximo para 50-60 MW que, por sua vez, limitaria as possibilidades para obtenção de altas eficiências (regeneração, pré-aquecimento, e assim por diante), as usinas a RASF ou RESVAC (tal como as usinas a óleo combustível ou a carvão) podem facilmente atingir tamanhos superiores a 500 MW, e eficiências da ordem de 35% (para pressões de vapor de 16,5 MPa).100 PETROBRÁS, Diretoria Industrial, Rio de Janeiro, 1986.101 De acordo com Ruben Carter, Vice-Superintendente de Operação, Applied Energy Services, Houston, o custo direto de instalação de uma usina de coque de 135MW é da ordem de US$ 1.100-1.200/kW instalado, que, junto com os juros durante a construção, resultaria em US$ 1.400/kW, aproximadamente. Comunicação Pessoal, novembro de 1986.102 The Oil and Gas Journal, “Worldwide Oil and Gas at a Glance”, Tulsa, edições de dezembro de 1973 a dezembro de 1987.103 Energy Information Administration, “International Energy Annual 1986”, U.S. Department of Energy, Washington, Outubro de 1987.104 Afsaneh Mashayekhi, “Marginal Cost of Natural Gas in Developing Countries: Concepts and Applications”, Banco Mundial, Washington D.C., agosto de 1983105 De acordo com Rotty, R.M., “Atmospheric C02 Consequences of Burning Fossil Fuels”, trabalho publicado em Karidoglu D.K., Arnold Perlmutter, e Linda Scott, eds., “Nuclear Energy and Alternatives”, Ballinger, Cambridge, 1978, o carvão, óleo e gás natural emitem na atmosfera uma média de 25,4 kg, 20,0 kg e 14,4 kg de carbono por milhão de BTU queimados, respectivamente. 106 Segundo a Ruhrgas, “1988 Annual Report”, Essen, 1989, as exportações mundiais de gás natural durante 1987 atingiram 215 milhões de TEP, equivalentes a cerca de 13% da produção mundial. 107 Energy Information Administration, “International Energy Annual 7986”, U.S. Department of Energy, Washington D.C., outubro de 1987. 108 Comissão Nacional de Energia, “Plano Nacional de Gás”, Sub-Grupo de Referências Básicas, Brasília, março de 1989.109 Robert H. Williams e Eric D. Larson, “Expanding Roles for Gas Turbines in Power Generation”, trabalho publicado em “Electricity: Efficient End-Use and New Generation Technologies and Their Planning and Implications”, Lund University Press, Lund, 1989.110 General Electric, “Marine and Industrial Engines and Service Division Overview: Aeroderivative Gas Turbines and Associated Services”, Evendale, 1989.111 Robert H. Williams, “Biomass Gasifier/Gas Turbine Power and Greenhouse Warming”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1989.112 As mais modernas turbinas a gás atingem temperaturas de entrada de 1.260 graus Centígrados e eficiências, no ciclo simples, de 34,5%. Ver, por exemplo, Modern Power Systems, “Frame 7F Field Tests lo Prove Shop Performance”, Londres, janeiro de 1990.113 Williams, R.H., Larson, E.D., “Aeroderivative Turbines for Stationary Power”, Annual Review of Energy 13, 1988.114 Modern Power Systems, “Futtsu - The First 1000 MW”, Londres, julho de 1987.115 Siemens - KWU, “TEK Ambarli Combined Cycle Power Plant”, Erlangen, fevereiro de 1988.116 Andrew F. Bromley, “Fundamentals of Fuel Treatment: Gas Turbines”, Petrolite, Houston, 1987.117 Comunicação pessoal com Giacomo Vento, Gerente de Vendas, Petrolite, Bad Homburg, setembro de 1989118 Joan M. Ogden, Robert H. Williams, Mark E. Fulmer, “Cogeneration Applications of Biomass Gasifier/Gas Turbine Technologies in the Cane Sugar and Alcohol Industries”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1990.119 Robert H. Williams e Eric D. Larson, “Expanding Roles for Gas Turbines in Power Generation”, trabalho em “Electricity: Efficient End-Use and New Generation Technologies and Their Planning and Implications”, Lund University Press, Lund, 1989.120 De acordo com Debra Adelstein, “Pay-as-You-Grow Power Plants”, A.G.A. Monthly, Chicago, outubro de 1986, a capacidade instalada de usinas de ciclo combinado em 1986 já era de 17.000 MW. 121Dwain Spencer, Vice-Presidente, EPRI (Electric Power Research Institute), Diretor da Divisão de Sistemas Avançados de Geração, mencionado por R. H. Willianis, em “Aeroderivative Turbines for Power”, palestra proferida na COMGÁS, São Paulo, 5 de setembro de 1988.122 Para uma explicação dos princípios básicos da combustão em leito fluidizado ver, por exemplo, J. T. Tang e F. Egstrom, “Technical Assessment of lhe Ahlstrom Pyroflow Circula ting and Conventional Bubbling Fluidized Bed Combustion Systems”, Pyropower Corporation, Los Angeles, 1986. 123 Ahlstrom, “Ahlstrom Pyroflow: Reference List” , Varkaus, 1989.124 Dale R. Simbeck e Stanley A. Vejtasa, “Status of Technology and Markets for Atmospheric Fluidized Bed Combustion”, apresentado à Décima Conferência Internacional de Combustão em Leito Fluidizado, San Francisco, maio de 1989.

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125 H.P. Schlachter e E.H. Schaad, “Reliable Diesel Power Generation With Heavy Fuel Oils”, Sulzer, fevereiro de 1987.126 A temperatura dos gases de exaustão das turbinas a gás, da ordem de 450-500 graus Centígrados, permite o seu aproveitamento numa caldeira de recuperação para geração de vapor e o subsequente acionamento de uma turbina a vapor, sem queima adicional de combustível.127 Normalmente, nos ciclos combinados, a capacidade das turbinas a gás em relação às turbinas a vapor é de 2:1 (2 MW de ciclo de gás para cada MW de ciclo de vapor). No caso de Piratininga, contudo, apenas parte do ciclo de vapor poderia ser aproveitado, resultando no aumento de sua capacidade para 1100MW. A operação desta potência em regime de base, com eficiência de 43%, fator de carga de 85%, e com gás natural com poder calorífico inferior de 8.970 kcal/Nm3, necessitaria de 5,0 milhões de Nm3/dia de gás.128 Dados do Lawrence Berkeley Laboratory, publicados no Economist, “Money lo Burn”, Londres, 6 de janeiro de 1990.129 Agência Internacional de Energia, “Electricity End-Use Efficiency”, OCDE, Paris, 1989.130 Para uma estimativa do potencial de conservação de energia através da utilização de equipamentos de uso final mais eficientes no Brasil ver Howard S. Geller, José Goldemberg, José Roberto Moreira, Roberto Hukai, Cláudio Scaipinella e Mamiro Yoshizawa, “Electricity Conservation in Brazil: Potential and Progress”, Energy, Vol. 13, Londres, 1988.131 Diomedes Christodoulou e Francisco Correa, “Cogeração Industrial com Gás Natural”, Eletricidade Moderna, São Paulo, junho de 1986.132 Herman Kahn, “The Coming Boom”, The Hudson lnstitute, Simon & Schuster mc., Nova Iorque, 1982.133 No caso de um sistema que já se encontra desenvolvido, esta distinção entre custos marginais e custos médios torna-se menos importante, sendo a questão principal um nível de retorno ao capital suficiente para a formação de recursos próprios (lucros) e o levantamento de financiamentos nos mercados de capitais. Por outro lado, é importante lembrar sempre, que a importância do mecanismo de preços não reside apenas na garantia da saúde financeira das empresas, mas, principalmente, na sinalização correta ao mercado consumidor para a determinação dos níveis ótimos de consumo de um determinado bem ou serviço.134 Os dados primários dos investimentos, expressos originalmente em cruzados (ou cruzeiros), foram somados anualmente desde o início de construção até o ano de 1986. Estas somas anuais foram transformadas em dólares através da taxa média do câmbio do ano em questão e, subsequentemente, foram corrigidas para valores constantes de 1986 através do deflator do PIB americano. O investimento direto mostrado foi obtido somando-se todos os investimentos anuais desde o ano de início das obras até o ano de entrada da última máquina em operação. Em alguns casos excepcionais (caso das usinas de Barra Bonita, Paraibuna e Água Vermelha) foram também incluídos investimentos de 1 ou 2 anos posteriores da entrada da última máquina, por serem dispêndios de porte que não poderiam ser considerados como despesas de manutenção. Nos demais casos, os investimentos posteriores da entrada da última máquina (até o ano de 1986) não foram incluídos no custo total por serem considerados como despesas de manutenção.135 Em verdade, a metodologia adotada para o cálculo dos custos financeiros durante a construção, com a aplicação de juros de 10% ao ano para todas as usinas, subestimou os custos das usinas de Água Vermelha e Nova Avanhandava, por ignorar a alta dos juros ocorrida no início dos anos 1980. Ademais, a metodologia adotada não levou em consideração os benefícios provindos da venda de energia entre o período de instalação das primeiras e últimas máquinas.136 ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de Janeiro, 1988.137 Idem.138 Idem.139 É importante destacar que os custos aqui assumidos para obras futuras de geração, transmissão e distribuição são bem menores que os custos de obras recentes do setor elétrico. O investimento médio adotado para as obras futuras de geração, por exemplo, de US$ 1.400/kW, é cerca de 65% menor que o custo médio das usinas da CESP concluídas durante a década de 1970 que, conforme já foi mencionado, foi de US$ 2.294/kW. Contudo, ao longo desse trabalho foram também feitas diversas referências a custos de termoelétricas com base em dados de países industrializados. Assim, por ser impróprio fazer comparações de custos de hidroelétricas brasileiras com termoelétricas alhures e, ademais, por utilizar os custos unitários de investimento das hidroelétricas para calcular o custo marginal de expansão dos sistemas que, por sua vez, determina o nível das tarifas, optou-se por adotar um custo “otimizado” para as hidroelétricas brasileiras, baseado em condições de uma economia aberta e eficiente.140 O ICMS substituiu o Imposto Único sobre Energia Elétrica e o Empréstimo Compulsório, que também eram somados à tarifa elétrica.141 Agência Internacional de Energia, “Energy Prices and Taxes: First Quarter 1989”, OCDE, Paris, 1989.142 Dennis Anderson, “lnfrastructure Pricing Policies and the Public Revenue in African Countries”, Banco Mundial, Washington D.C., 1987.143 No caso da tarifação de todos os consumidores com base em critérios de custos marginais, um consumidor residencial com consumo mensal de 100 kWh teria de pagar cerca de US$ 10-15/mês (equivalente a unia tarifa de US$ 100-150/MWh).144 ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de Janeiro, 1988.145 Banco Mundial, “World Development Report 1987”, Washington D.C., 1987.146 Dados obtidos de diversas edições da Conjuntura Econômica, Rio de Janeiro.147 Para uma explicação abrangente e ao mesmo tempo detalhada dos princípios e conceitos da metodologia de custos marginais ver Yves Albouy, “Guidelines for Marginal Cost Analysis of Power Systems”, Banco Mundial, Washington D.C., junho de 1984.

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148 José Maurício Moura, “Revisão do Modelo Institucional do Setor Elétrico: Preços”, CESP, São Paulo, abril de 1988.149 Segundo dados de atualização de ativos da SUMA ECONÔMICA, Rio de Janeiro, novembro de 1988, entre janeiro de 1970 e janeiro de 1987 a valorização da OTN foi de 2.512 vezes, versus 8.444 vezes no caso do IGP.150 ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia. Rio de Janeiro, 1988.151 Agência Internacional de Energia, “Electricity in IEA Countries: Issues and Outlook”, OCDE, Paris, 1985.152 Idem.153 Donald Vial, “Independent Power Generation and Electricity Market Structure: A CaliforniaRegulators Perspective”, California Public Utilities Comission, Trabalho apresentado no Seminário de Geração Privada de Eletricidade via BOT, Manila, outubro de 1988.154 Carlos A. Longo, “Trends and Prospects for Savings in Brazil”, Trabalho publicado em “External Debt, Savings and Growth in

L.atin America”, Instituto Torquato di Tella, Buenos Aires, 1987.155 Linda Jones, Charles Jones, Robert Greenhill, “Public Utility Companies” em156 ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2020: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de Janeiro, 1988.157 Linda Jones, Charles Jones, Robert Greenhill, “Public Utility Companies”, Trabalho publicado em “Business Imperialism 1840-1930: An Inquiry Based on British Experience in Latin America”, editado por D. C. M. Platt, Oxford, 1977.158 Esta observação não significa que o setor privado não poderia participar de obras de transmissão e distribuição também, mas apenas que, do ponto de vista econômico, seria mais “justificável” a aprovação de legislação para privatização das obras de geração elétrica.159 Por outro lado, deve ser reconhecido, também, que no Brasil, o capital privado dificilmente participaria dos grandes projetos de geração hidroelétrica (especialmente daqueles que superam os 1000 MW) que, pelos seus enormes investimentos e longos prazos de construção, implicariam em riscos inaceitáveis para a iniciativa privada. As últimas previsões para a usina de Itaipu, por exemplo, de 12.600 MW, apontam um custo total (custos diretos mais custos financeiros durante a construção) da ordem de US$22 bilhões. Mesmo assim, contudo, o custo da eletricidade gerada será aceitável.160 U. S. Congress, “Public Utility Regulatory Policy Ad”, Washington D.C., 1978.161 A atual legislação brasileira permite o pagamento do custo marginal regional, mas, na prática, as empresas de distribuição oferecem o preço pago às fornecedoras federais, que é altamente subsidiado. 162 DNAEE, “Manual do Auto-Produtor”, Brasília, 1989.163 Para uma explicação dos conceitos básicos dos esquemas BOT, ver Ernest Y. Lam, “The BuildOperate-Transfer Concept”, Trabalho apresentado no Seminário de Geração Privada de Eletricidade via BOT, Manila, outubro de 1988.164 European Energy Report, “Westinghouse and Chiyoda Chosen for Turkey’s BOT Plant”, Financial Times Business Information, Londres, 12 de agosto de 1988.165 Williams Dykes, “Opportunities in Private Electric Power Generation and Energy Conservation in Developing Countries: Financing Private Power Projects”, Citibank - Citicorp, Washington D.C., julho de 1989.166 South, “Money to BOOT’, Londres, fevereiro de 1989.167 Informações obtidas da Mitsubishi Trading, São Paulo, janeiro de 1990.168 Paul Tempest, “The Security of Oil Conflicts and New Thinking in OPEC and the Gulf’, Shell, São Paulo, 1989.169 Agência Internacional de Energia, “Energy Balances of EOCD Countries 2986/87”, OCDE, Paris, 1989.170 R. H. Williams, “Decoupling Energy and Economic Growth in the Soviet Union”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, outubro de 1983.171 Dados obtidos do Banco Mundial, “World Tables 1987”, Washington D.C., 1988 e da Agência Internacional de Energia, “Energy Balances of OECD Countries 2986/1987”, OCDE, Paris 1989; “Energy Statistics 1970/1985”, OCDE, Paris 1987; e “World Energy Statistics and Balances 1971-1987”, OCDE, Paris, 1989.172 Stephen Meyers e Jayant Sathaye, “Electricity Use in the Developing Countries: Changes Since 1970”, Energy, Vol. 14, Londres, 1989.173 Os dados sobre consumo energético foram obtidos da Agência Internacional de Energia, ‘World Energy Statistics and Balances 1971-1987”, OCDE, Paris, 1989. Os dados sobre atividade econômica foram obtidos do FML, “International Financial Statistics Yearbook 2987”, Washington D.C., 1988. 174 Agência Internacional de Energia, “Electricity End-Use Efficiency”, OCDE, Paris, 1989.175 Os dados primários foram obtidos do MME, “Balanço Energético Nacional”, Brasília 1988, e da ANFAVEA, “Relatório Anual 1988”, São Paulo, 1988. O Balanço Energético Nacional fornece diretamente os preços e consumo residencial per capita de energia elétrica, ano a ano. O Relatório Anual da ANFAVEA permite extrair a frota circulante, ano a ano, assumindo-se uma taxa de 5% de retirada dos veículos circulantes no ano anterior. Finalmente, o Balanço Energético Nacional fornece diretamente o volume de combustíveis vendidos para uso automotivo (transporte).176 A proposta de “pré-compra” de energia envolve o pagamento antecipado do consumo de uma indústria por um certo número de anos, ao preço atual, para financiar as obras em andamento das concessionárias. A “vantagem” seria que as indústrias teriam garantido o seu fornecimento por um determinado período, pagando apenas ao nível dos preços atuais, ao mesmo tempo em que as concessionárias elétricas captariam recursos para continuação das suas obras. É difícil, contudo, ver como este processo pode ser classificado de “privatização”.177 José Tavares de Araújo Jr., Lia Hagenauer e João Bosco M. Machado, “Proteção Competitividade e Desempenho Exportador da Economia Brasileira nos Anos 80”, IEI/UFRJ, julho de 1989.178 Adriano Murgel Branco, ex-Secretário de Transportes do Estado de São Paulo, “Privatização das Estatais”, artigo no Estado de São Paulo, 10 de março de 1990.