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INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: USO E PARECER DE PSICÓLOGOS Sandra Padilha 1 - Universidade Comunitária Regional de Chapecó Ana Paula Porto Noronha - Universidade São Francisco Clarissa Zanchet Fagan - Universidade Comunitária Regional de Chapecó RESUMO A utilização de instrumentos de avaliação psicológica é uma prática necessária para a atuação do psicólogo. Nessa perspectiva, esse estudo teve como objetivo investigar o uso de instrumentos de avaliação psicológica por psicólogos que atuam em cidade do interior do estado de Santa Catarina. Participaram do estudo 85 psicólogos, inscritos no CRP/12ª região. O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi um questionário. A aplicação foi realizada de forma coletiva, em uma sala cedida pela Associação dos Psicólogos. Os resultados revelaram que a maior parte dos profissionais respondentes não utiliza instrumentos de avaliação psicológica em sua prática profissional. Em relação aos instrumentos mais utilizados, constatou-se que são os testes de avaliação da personalidade. Palavras-chave: Testes psicológicos; Formação profissional; Psicometria INSTRUMENTS FOR PSYCHOLOGICAL ASSESSMENT: USE AND REFEREE BY PSYCHOLOGISTS ABSTRACT The use of psychological assessment tests is a practice that is often necessary, whether for clinical, selection or research purposes. Within this perspective, this study sought to investigate the use of psychological assessment tools by psychologists operating in a town in the interior of Santa Catarina. It lists the most frequently-used tests and establishes links between the tools used for psychological assessment and the list of tests approved by the CFP (Federal Psychology Council). 85 psychologists took part in this study, registered in the CRP (Regional Psychology Council)/12 th region. The tool used for the data collection was a questionnaire. This was applied in a collective form, in a room granted by the headquarters of the Associação dos Psicólogos. The results show that the majority of the professionals who responded to the questionnaire do not use psychological assessment tools in their professional practice. It was observed that personality assessment tests are the most frequent tool used, and that many were used, though without the status of “in condition of use”. Keywords: Psychological tests; Professional training; Psychometric INTRODUÇÃO 1 A avaliação psicológica no Brasil é função privativa do psicólogo, definida pela lei nº 4.119, de 1962, que regulamenta a profissão; e corresponde ao processo de coleta de dados e interpretações de informações, por meio de teorias, métodos e instrumentos psicológicos. Tem por finalidade obter maior conhecimento do indivíduo, do grupo ou situações, a fim de atingir os objetivos definidos e, assim, auxiliar em processos de tomada de decisões (Wechsler, 1999). A avaliação psicológica é uma atividade ampla e fundamental, cuja utilização pode se dar em vários contextos de atuação do psicólogo. A preocupação com a área tem sido um tema 1 Contato: Universidade Comunitária Regional de Chapecó, Centro de Ciências Humanas e Sociais. Rua Atílio Fontana. 591 E, Efapi, 89809-000 - Chapeco, SC - Brasil - Caixa-Postal: 747. Telefone: (49) 3218000 Ramal: 8294 Fax: (49) 32388263 e:mail: [email protected] amplamente discutido por pesquisadores em todo o Brasil. Esse movimento de reflexão é decorrente dos inúmeros problemas identificados na área, o que parece pertinente, uma vez que a ciência psicológica, assim como em outras, possui característica dinâmica e necessidade de atualização constante, gerando o seu desenvolvimento em todos os âmbitos, bem como na área de avaliação psicológica. Os problemas relativos à área, descritos nos mais variados estudos, referem-se à precária formação dos profissionais, ao uso inadequado de instrumentos psicológicos, aos instrumentos desatualizados e sem fundamentação científica, à falta de professores especializados e à falta de consenso sobre como deve ser feita a formação do psicólogo nessa área, no âmbito da graduação (Alchieri & Bandeira, 2002; Andriola, 1996; Hutz & Bandeira, 2003; Noronha, 1999; Sbardelini, 1991). Nesse particular, vale destacar, que grande parte desses problemas são decorrentes das Avaliação Psicológica, 2007, 6(1), pp.69-76 69

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  • IINNSSTTRRUUMMEENNTTOOSS DDEE AAVVAALLIIAAOO PPSSIICCOOLLGGIICCAA:: UUSSOO EE PPAARREECCEERR DDEE PPSSIICCLLOOGGOOSS

    Sandra Padilha1 - Universidade Comunitria Regional de Chapec Ana Paula Porto Noronha - Universidade So Francisco

    Clarissa Zanchet Fagan - Universidade Comunitria Regional de Chapec

    RESUMO A utilizao de instrumentos de avaliao psicolgica uma prtica necessria para a atuao do psiclogo. Nessa perspectiva, esse estudo teve como objetivo investigar o uso de instrumentos de avaliao psicolgica por psiclogos que atuam em cidade do interior do estado de Santa Catarina. Participaram do estudo 85 psiclogos, inscritos no CRP/12 regio. O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi um questionrio. A aplicao foi realizada de forma coletiva, em uma sala cedida pela Associao dos Psiclogos. Os resultados revelaram que a maior parte dos profissionais respondentes no utiliza instrumentos de avaliao psicolgica em sua prtica profissional. Em relao aos instrumentos mais utilizados, constatou-se que so os testes de avaliao da personalidade. Palavras-chave: Testes psicolgicos; Formao profissional; Psicometria

    IINNSSTTRRUUMMEENNTTSS FFOORR PPSSYYCCHHOOLLOOGGIICCAALL AASSSSEESSSSMMEENNTT:: UUSSEE AANNDD RREEFFEERREEEE BBYY PPSSYYCCHHOOLLOOGGIISSTTSS

    ABSTRACT The use of psychological assessment tests is a practice that is often necessary, whether for clinical, selection or research purposes. Within this perspective, this study sought to investigate the use of psychological assessment tools by psychologists operating in a town in the interior of Santa Catarina. It lists the most frequently-used tests and establishes links between the tools used for psychological assessment and the list of tests approved by the CFP (Federal Psychology Council). 85 psychologists took part in this study, registered in the CRP (Regional Psychology Council)/12th region. The tool used for the data collection was a questionnaire. This was applied in a collective form, in a room granted by the headquarters of the Associao dos Psiclogos. The results show that the majority of the professionals who responded to the questionnaire do not use psychological assessment tools in their professional practice. It was observed that personality assessment tests are the most frequent tool used, and that many were used, though without the status of in condition of use. Keywords: Psychological tests; Professional training; Psychometric

    INTRODUO1

    A avaliao psicolgica no Brasil funo privativa do psiclogo, definida pela lei n 4.119, de 1962, que regulamenta a profisso; e corresponde ao processo de coleta de dados e interpretaes de informaes, por meio de teorias, mtodos e instrumentos psicolgicos. Tem por finalidade obter maior conhecimento do indivduo, do grupo ou situaes, a fim de atingir os objetivos definidos e, assim, auxiliar em processos de tomada de decises (Wechsler, 1999).

    A avaliao psicolgica uma atividade ampla e fundamental, cuja utilizao pode se dar em vrios contextos de atuao do psiclogo. A preocupao com a rea tem sido um tema

    1 Contato:

    Universidade Comunitria Regional de Chapec, Centro de Cincias Humanas e Sociais. Rua Atlio Fontana. 591 E, Efapi, 89809-000 - Chapeco, SC - Brasil - Caixa-Postal: 747. Telefone: (49) 3218000 Ramal: 8294 Fax: (49) 32388263 e:mail: [email protected]

    amplamente discutido por pesquisadores em todo o Brasil. Esse movimento de reflexo decorrente dos inmeros problemas identificados na rea, o que parece pertinente, uma vez que a cincia psicolgica, assim como em outras, possui caracterstica dinmica e necessidade de atualizao constante, gerando o seu desenvolvimento em todos os mbitos, bem como na rea de avaliao psicolgica.

    Os problemas relativos rea, descritos nos mais variados estudos, referem-se precria formao dos profissionais, ao uso inadequado de instrumentos psicolgicos, aos instrumentos desatualizados e sem fundamentao cientfica, falta de professores especializados e falta de consenso sobre como deve ser feita a formao do psiclogo nessa rea, no mbito da graduao (Alchieri & Bandeira, 2002; Andriola, 1996; Hutz & Bandeira, 2003; Noronha, 1999; Sbardelini, 1991). Nesse particular, vale destacar, que grande parte desses problemas so decorrentes das

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  • dificuldades que permearam a rea da avaliao no incio da dcada de 60, ainda quando os primeiros instrumentos estavam sendo estudados no pas. A crise ocorreu por muitas razes, entre elas, as questes de ordem ideolgica, na direo de que os instrumentos no eram adequados realidade brasileira. Tambm nesse sentido, com o advento do pensamento humanista, houve um movimento contra o positivismo e suas tcnicas, o que acarretou prejuzos no que se refere s pesquisas e ao ensino.

    Em outra medida, o crescimento do nmero de cursos de psicologia no pas, necessitava de docentes qualificados, sendo que poucas instituies conseguiam manter o nvel de qualidade na preparao em avaliao psicolgica, acarretando certo comprometimento no ensino e, conseqentemente o desinteresse e a falta de investimento na construo e atualizao dos testes psicolgicos existentes (Hutz & Bandeira, 2003).

    A fim de ilustrar o cenrio dos testes no Brasil e com o intuito de avaliar a presena ou ausncia de estudos de validade e preciso, Noronha, Freitas e Ottati (2002) investigaram 26 testes psicolgicos de inteligncia, comercializados no Brasil. Alm disso, as autoras verificaram se havia padronizao, sendo que, para os testes estrangeiros, avaliou-se a existncia de padronizao brasileira. Os dados demonstraram que quanto validade e preciso, 75% dos testes nacionais tm esse tipo de estudo, enquanto que nos testes estrangeiros, 90% detm algum estudo. Com relao padronizao dos testes, 25% dos nacionais no informavam em seus respectivos manuais e, 40% dos estrangeiros tambm no informaram os estudos realizados.

    De acordo com Pasquali e Alchieri (2001), a partir de 1980 pde-se observar um crescente interesse pela rea no Brasil, por meio do aumento de pesquisadores e docentes qualificados, do surgimento de linhas de pesquisa em vrios programas de ps-graduao, do aumento do nmero de pesquisas e a criao de novos instrumentos, assim como a publicao de uma revista especializada na rea e a inaugurao de laboratrios de avaliao psicolgica.

    Nesse sentido, os primeiros sinais de recuperao da rea no Brasil foram reforados pela interveno do Conselho Federal de Psicologia, que publicou em novembro de 2001 a primeira edio da Resoluo CFP n 25/01 (CFP, 2001). Depois de algumas reformulaes, a partir de 2003, passou a vigorar a Resoluo CFP n 02/2003 (CFP, 2003).

    O documento define e regulamenta o uso, a elaborao e a comercializao de testes psicolgicos, com o objetivo de aprimorar os procedimentos de avaliao por meio da aferio da qualidade dos instrumentos existentes, impedindo o uso de instrumentos de m qualidade. Para isso, estabelece os requisitos mnimos que os testes devem possuir para serem utilizados pelos profissionais, tais como, fundamentao terica, estudos de validade e de preciso e normas com amostras brasileiras, com vistas realizao de um exerccio profissional tico e adequado ao atendimento das diferentes demandas sociais.

    Porm, ainda no que se refere aos problemas apontados, vale destacar que alguns no se localizam nos prprios testes psicolgicos, mas sim no uso deles, como j mencionado. E, nesse mesmo raciocnio, h que se ressaltar que por trs da m utilizao dos testes est o profissional que selecionou, aplicou, avaliou e interpretou tais tcnicas. Assim, de acordo com as concepes de Almeida (2005), as informaes decorrentes do uso dos testes psicolgicos dependem no somente da qualidade do instrumento, mas tambm do conhecimento e competncia do profissional que o utiliza.

    Desse modo, convm reconhecer a importncia de uma formao slida em avaliao psicolgica, sustentada pelo ensino que privilegie o aprofundamento terico, as atividades prticas e investigativas. Hutz e Bandeira (2003) acrescentam que a formao em avaliao psicolgica vai alm do ensino de graduao. Faz-se ainda necessrio que o profissional realize cursos de atualizao e se insira em programas de ps-graduao para a continuidade de sua formao e aprimoramento do conhecimento pertinente construo e ao uso dos instrumentos de avaliao.

    Vrios estudos, em mbito nacional, destacam que o ensino da avaliao psicolgica tem sido insuficiente para o domnio nesta atividade. Dentre as sugestes dos autores para resolver os dficits, destaca-se: maior aprofundamento terico-prtico, compreenso dos limites e alcances das tcnicas, mudanas no currculo, qualidade do ensino da tcnica em detrimento da quantidade do ensino de testes, estabelecimento de contedos mnimos, dentre outras (Alchieri & Bandeira, 2002; CFP, 2000; Hutz & Bandeira, 2003; Jacquemin, 1995; Lima, 2001; Noronha & Alchieri, 2004; Noronha & cols., 2002).

    Considerando a importncia da avaliao psicolgica, e a necessidade de desenvolver estudos

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    atuais relativos ao uso de instrumentos de avaliao psicolgica, esse estudo teve como objetivo investigar o uso de instrumentos de avaliao psicolgica por psiclogos que atuam numa cidade do interior do estado de Santa Catarina. Embora outros estudos j tenham sido realizados com objetivos semelhantes, pesquisas dessa natureza se justificam, considerando a importncia de se construir formaes apropriadas para as diferentes regies do pas.

    MTODO Participantes

    Nesse estudo foi utilizada uma amostra por convenincia, constituda por 85 psiclogos inscritos no Conselho Regional de Psicologia CRP/12 regio, representando 66% do universo de profissionais da regio, cujas caractersticas so apresentadas na Tabela 1. Participaram predominantemente mulheres (92,9%, F = 79), sendo que a idade dos participantes variou entre 23 a 42 anos, mdia de 30 anos e o desvio padro de 4,92. A maior parte se formou h menos de 5 anos e aproximadamente metade fez algum tipo de ps-graduao. Dentre as mais freqentes, encontram-se a clnica e a organizacional.

    Tabela 1. Distribuio dos dados de identificao dos participantes Dados de Identificao F %

    Feminino 79 92,9 Sexo Masculino 06 7,1 21-30 52 61,2 31-40 28 32,9

    Idade

    41-50 05 5,9 Graduao 42 49,4 Especializao 40 47,2

    Titulao

    Mestrado 3 3,4 1985 -1993 3 3,6 1994 -1996 3 3,6 1999 -2001 22 25,8

    Concluso graduao

    2002 -2004 57 67 No realizou 42 49,2 Gesto RH 9 10,6 Psicologia Organizacional 10 11,8 Psicologia Clnica 15 17,6 Psicologia Esporte 1 1,2 Psicologia do Trnsito 1 1,2 Psicologia Comunitria 1 1,2 No Especificou 3 3,6

    Ps-Graduao

    Mestrado Psicologia 3 3,6

    Instrumento O instrumento utilizado constituiu-se de um

    questionrio composto por trs partes. A primeira contemplou informaes relativas caracterizao do sujeito, no que se refere idade, sexo, ano de formao, ps-graduao, cursos direcionados rea de avaliao psicolgica e atuao profissional. Os questionamentos acerca da utilizao de testes psicolgicos na prtica profissional, os testes utilizados, motivos pelos quais no os utiliza e opinio acerca do processo de avaliao dos instrumentos conduzidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2006), se reuniram na segunda

    parte. E, por fim, a terceira correspondeu a informaes relativas formao profissional.

    Procedimentos Os questionrios foram aplicados com a prvia autorizao dos participantes por meio da assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicao foi realizada de maneira coletiva, em uma sala cedida pela Associao dos Psiclogos. As aplicaes eram realizadas antes das reunies mensais de rotina agendadas pela associao e duraram cerca de um ms.

    RESULTADOS

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  • A Tabela 2 apresenta os resultados referentes rea de atuao profissional. Pode-se observar que o contexto de atuao clnica concentra a maioria dos participantes da pesquisa (50,6%), seguido da rea organizacional (28,2%) e

    dos participantes que atuam em ambos contextos (14,1 %). Os resultados desse estudo esto em concordncia com os trabalhos desenvolvidos por Pereira (1972), Bock, (1999) e Ferreira Neto (2004), uma vez que confirmam o predomnio de profissionais atuando no contexto clnico.

    Tabela 2. Distribuio dos participantes conforme a rea de atuao profissional N % No atua 1 1,2 Clnica 43 50,6 Organizacional 24 28,2 Social-comunitria 3 3,5 Clnica e organizacional 12 14,1 Clnica e docncia 2 2,4 Total 85

    Em relao utilizao dos instrumentos, observou-se que 40% dos participantes da pesquisa utilizam instrumentos psicolgicos em sua prtica profissional, enquanto 60% dos participantes no utilizam por motivos variados. Para compreenso desses motivos foi realizada a anlise de contedo, tal como preconizado por Bardin (1971) e estabelecidas cinco categorias, cujas definies e exemplos sero descritos a seguir. Vale destacar que tais categorias foram elaboradas por uma das pesquisadoras, sendo que as outras duas atuaram como experts, gerando um ndice de concordncia de 80% entre elas. Formao Profissional: rene as respostas que dizem respeito ao no uso do instrumento devido falta de domnio, principalmente por deficincia no processo de formao profissional, como por exemplo, no utilizo por falta de aprofundamento na formao e os testes aprendidos na graduao e utilizados na prtica profissional esto em desuso. Ideolgico: foram includas nessa categoria respostas de carter ideolgico, ou seja, concepes acerca da avaliao psicolgica que dispensam o uso do instrumento na prtica profissional. Alguns exemplos de respostas: no percebo a necessidade do uso dos instrumentos na prtica profissional, desinteresse e considero dispensveis o uso das tcnicas psicolgicas por acreditar que existem outros meios para se chegar aos fins desejados. Uso do instrumento: rene respostas relativas a problemas especficos dos instrumentos quanto a suas caractersticas psicomtricas, bem como variveis externas que impedem o uso do instrumento, como por exemplo: no possuo as

    condies fsicas adequadas para aplicao e falta de tempo. Exigncia do empregador: nessa categoria foram mencionadas respostas que consideram dispensveis o uso do instrumento psicolgico pelo empregador, ou seja, as instituies no aderem ao processo por no considerarem um recurso til para contribuir nos processos de gesto organizacional. Como por exemplo: a empresa ainda no est madura para compreender que o teste um instrumento que auxilia no processo de avaliao e no determinante do perfil dos candidatos avaliados e o valor de alguns testes so vistos como investimento alto para a empresa. Outras respostas: foram includas nessa categoria respostas que no se enquadravam em nenhuma outra categoria. Como por exemplo, Ainda no atuo na rea e As disciplinas que ministro no momento no envolvem tais testes. Dos respondentes que no usam os testes psicolgicos, os argumentos apontaram para a falta de conhecimento, principalmente, decorrente de deficincias no processo de formao profissional (43%) e 29,5%, por razes ideolgicas. Os problemas no instrumento foram apontados por 18,4%, tanto no que se refere s caractersticas psicomtricas quanto a dificuldades de aplicao do mesmo; 3% no usam devido s exigncias do empregador; e por fim, 6,1 % por outras razes. Tendo em vista o interesse na identificao dos testes psicolgicos mais utilizados, a Tabela 3 rene os seguintes resultados: observou-se que entre os dez testes mais utilizados pelos participantes, seis deles avaliam caractersticas de personalidade (HTP - House,

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    Tree, Person, IFP - Inventrio Fatorial de Personalidade, TAT - Teste de Apercepo Temtica, Teste de Wartegg, MACHOVER - Teste da Figura Humana, e o Teste Gestaltico Viso-Motor Bender); os demais so instrumentos de avaliao da inteligncia e/ou aptides (Matrizes Progressivas de Raven, Desenho da Figura Humana, AC Ateno Concentrada e a Escala de Transtorno do

    Dficit de Ateno/ Hiperatividade). Esses dados podem ser corroborados pelo estudo promovido por Noronha (2002). A autora constatou que dos instrumentos mais utilizados pelos psiclogos de So Paulo, a grande maioria tem como objetivo avaliar a personalidade, enquanto a menor parte objetiva avaliar a inteligncia.

    Tabela 3. Distribuio dos testes mais utilizados pelos psiclogos N % 1 HTP 22 20,8 2 IFP 18 17,1 3 TAT 14 13,3 4 RAVEN 11 10,4 5 DFH 5 4,7 WARTEGG 5 4,7 MACHOVER 5 4,7 6 AC 4 3,8 BENDER 4 3,8 7 TDAH 3 2,8 IHS 3 2,8 8 PFISTER 2 1,9 TOULOSE 2 1,9 ZULLIGER 2 1,9 9 CPS 1 ,9 AC-15 1 ,9 WISC 1 ,9 COLMBIA 1 ,9 CAT 1 ,9 QUATI 1 ,9 Total 106 100,0

    No entanto, um estudo recente, realizado por Noronha, Primi e Alchieri (2004) sobre os parmetros psicomtricos dos testes comercializados no Brasil, indicou que os testes de personalidade so os que mais carecem de evidncias de validade e preciso e os testes de

    inteligncia e aptides so os que mais freqentemente relatam esses estudos. Segundo os autores, tais fatos decorrem da maior facilidade em se pesquisar a validade dos instrumentos de avaliao cognitiva em comparao com os instrumentos de avaliao da personalidade.

    Tabela 4. Avaliao da formao no que se refere s disciplinas de Testes Psicolgicos Avaliao Formao

    N %

    Insatisfatria 45 52,3 Razoavelment

    e satisfatria 35 40,7

    Satisfatria 5 7 Total 85 100,0

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  • Em relao apreciao dos participantes quanto formao em avaliao psicolgica, observou-se que a maior parte dos psiclogos a considera insatisfatria. Sugerem, ento, algumas medidas para o aprimoramento do ensino e do uso dos instrumentos psicolgicos, tais como, maior carga horria nas disciplinas, professores capacitados e especializados na rea, contnua atualizao do profissional que utiliza os recursos da avaliao psicolgica, realizao de pesquisas na rea e continuao do processo de avaliao dos instrumentos psicolgicos.

    Tais sugestes para guiar as aes de aprimoramento da rea reforam os apontamentos j descritos por Hutz e Bandeira (2003), quais sejam, estabelecimento de contedos bsicos que devem ser trabalhados na graduao; reconhecimento da legitimidade da rea de

    avaliao psicolgica; desenvolvimento de estratgias para a educao continuada e especializao; desenvolvimento de programas para a qualificao de professores. Os autores alertam para a importncia de priorizar reas e tpicos de pesquisa que devem, por sua vez, ser fomentados e apoiados pelas agncias, bem como a identificao de outras fontes de financiamento para projetos de grande porte. Sugerem o estabelecimento dos limites da avaliao psicolgica; manuteno de um controle de qualidade permanente sobre instrumentos utilizados pelos psiclogos; apoio criao, ao desenvolvimento e integrao dos laboratrios de avaliao psicolgica. E, por fim, destacam a necessidade do desenvolvimento eficiente da comunicao entre pesquisadores, professores, estudantes e profissionais que atuam na rea da avaliao psicolgica.

    Tabela 5. Relao entre Atuao Profissional e Utilizao do Instrumento Utilizao

    No Sim Total

    No atua 1 0 1 Clnica 26 17 43 Organizacional 9 15 24 Social-comunitria

    3 0 3

    Clnica e organizacional

    9 3 12

    Atuao

    Clnica e docncia

    2 0 2

    Total 50 35 85

    A Tabela 5 apresenta a utilizao de instrumentos em relao rea de atuao dos profissionais. Nesse aspecto, observou-se que no contexto clnico h o predomnio do uso de testes como recurso de avaliao psicolgica. Hutz e Bandeira (2003) sinalizam a necessidade do desenvolvimento de instrumentos de avaliao para a populao com baixa escolaridade, em situao de risco e, sobretudo, que atendam as demandas sociais relevantes e, evidentemente, contribuam para a melhoria da qualidade de vida da sociedade.

    DISCUSSO

    Constatou-se que a maioria dos participantes da pesquisa no utiliza instrumentos em sua prtica profissional devido falta de

    domnio e conhecimento nos instrumentos, principalmente por falhas no processo de formao profissional. Esse aspecto pode ser ilustrado por meio da seguinte afirmao os testes apreendidos na graduao e utilizados na prtica profissional esto em desuso. Tal afirmao revela a problemtica da formao profissional j evidenciada no estudo de Alchieri e Bandeira (2002). De acordo com os autores, o ensino amparado na seqncia dos inmeros testes repassados pelos professores, em sucessivos semestres, cuja nfase a aplicao e a correo, desconsiderando a identificao das condies de uso ou limitao dos testes a ensinar, sendo o critrio de escolha relegado freqncia de utilizao pela comunidade docente. Essa condio, da falta do aprofundamento terico sobre os

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    fundamentos da medida, impossibilita que o aluno avalie a qualidade dos instrumentos e saiba utiliz-los de maneira adequada, limitando-se apenas ao uso das tcnicas ensinadas na graduao. Ento, entende-se que a qualidade do exerccio profissional em avaliao psicolgica depende, em grande parte, do processo de formao proporcionado pelas disciplinas no currculo universitrio.

    Outros estudos tambm relatam que o ensino da avaliao psicolgica tem sido insuficiente para o domnio nesta atividade, assim como para o diagnstico psicolgico. Dentre as sugestes descritas nessas pesquisas, destaca-se maior aprofundamento terico sobre a prtica; qualidade do ensino da tcnica em detrimento da quantidade do ensino de testes; compreenso dos limites e alcances das tcnicas; mudanas no currculo; estabelecimento de contedos bsicos que devam ser trabalhados na graduao; dentre outras (Jacquemin, 1995; CFP, 2000; Lima, 2001; Alchieri & Bandeira, 2002; Hutz & Bandeira, 2003; Noronha & cols., 2002; Noronha & Alchieri, 2004).

    No que se refere s medidas de controle da qualidade e da elaborao dos testes no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia, por meio da edio da Resoluo 002/2003, emite regularmente uma listagem de testes com pareceres favorveis tanto para uso e comercializao. Considerando essa relao, possvel observar que muitos dos instrumentos utilizados no exerccio profissional por esses participantes quando da coleta de dados, no estavam em condies de uso, como por exemplo, Wartegg, Machover, Bender, Toulose e o CAT. Essa questo leva a refletir se esses profissionais realmente possuem a informao a respeito do processo de avaliao dos testes psicolgicos, assim como as razes pelas quais os utilizam.

    De acordo com os Art. 10 e 16 desta mesma Resoluo CFP n. 002/2003, s permitida a utilizao dos testes psicolgicos aprovados pelo CFP, e ser considerada falta tica a utilizao de instrumento que no esteja em condies de uso, salvo os casos de pesquisa (CFP, 2003). O uso de testes no-avaliados ou reprovados pela Comisso Consultiva prejudicial tanto para cincia psicolgica, quanto para os profissionais da categoria, que perdem a credibilidade do seu trabalho perante a sociedade. Desse modo, preciso reverter essa situao, por meio de maior mobilizao dos rgos e associaes de classe da psicologia, assim como de pesquisadores,

    profissionais e estudantes, em um processo de conscientizao para a utilizao de instrumentos confiveis que ofeream melhores servios sociedade.

    REFERNCIAS

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    Recebido em Novembro de 2006 Reformulado em Fevereiro de 2007

    Aceito em Maro de 2007

    SOBRE OS AUTORES: Sandra Padilha:Psicloga pela Universidade de Passo Fundo e mestrado em Psicologia pela Universidade So Francisco. Professor titular da Universidade Comunitria Regional de Chapec. Ana Paula Porto Noronha: Doutora em Psicologia: Cincia e Profisso pela Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Docente do Programa de Ps-graduo Stricto Sensu em Psicologia da Universidade So Francisco. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq. Clarissa Zanchet Fagan: graduanda em Psicologia pela Universidade Comunitria Regional de Chapec.

    76 Sandra Padilha, Ana P. P. Noronha & Clarissa Z. Fagan

    Avaliao Psicolgica, 2007, 6(1), pp.69-76