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44 INSTRUMENTOS FINANCEIROS DERIVADOS 1. A técnica / relação de derivação I. Referência aos aspectos essenciais da técnica de derivação na construção de instrumentos financeiros [remissão para a introdução desta matéria já feita atrás]: - o mercado ou realidade subjacente; - a construção da situação jurídica derivada tendo por referência o activo subjacente; - a função de “materialidade” do activo subjacente e da relação com ele estabelecida. II. Técnica de derivação, causalidade e abstração. Remissão para as características dos instrumentos financeiros. III. Referência às normas, revogadas do CVM (antigos arts. 252 ss.) relativas a derivados negociados em mercado regulamentado, em particular os futuros e as opções.

INSTRUMENTOS FINANCEIROS DERIVADOS - … · Web viewRefira-se, ainda, que havendo lugar à transmissão da titularidade de algum bem ou activo [contrato com liquidação física]

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INSTRUMENTOS FINANCEIROS DERIVADOS

1. A técnica / relação de derivação

I. Referência aos aspectos essenciais da técnica de derivação na construção

de instrumentos financeiros [remissão para a introdução desta matéria já

feita atrás]:

- o mercado ou realidade subjacente;

- a construção da situação jurídica derivada tendo por referência o

activo subjacente;

- a função de “materialidade” do activo subjacente e da relação com

ele estabelecida.

II. Técnica de derivação, causalidade e abstração. Remissão para as

características dos instrumentos financeiros.

III. Referência às normas, revogadas do CVM (antigos arts. 252 ss.)

relativas a derivados negociados em mercado regulamentado, em particular

os futuros e as opções.

2. Conceito e características

I. Como instrumentos financeiros que são, os instrumentos financeiros

derivados partilham as características daqueles. Como característicos devem

salientar-se dois aspectos:

- o contrato é construído por referência a uma realidade subjacente [activo,

mercado], devendo notar-se que têm sempre natureza contratual, aspecto

que é acentuado na lei [CVM, art. 2];

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- a sua valorização (preço) está dependente dessa realidade subjacente; neles

se verifica com particular incidência uma efeito de alavancagem do preço;

- a sua função visa quase exclusivamente a cobertura de risco, que já atrás

assinalámos como uma das funções centrais dos instrumentos financeiros.

II. Convém aqui deixar uma nota sobre a função de cobertura de risco

desempenhada pelos instrumentos financeiros derivados, já que essa função

assume uma importante materialidade, essencial na análise da sua licitude.

Quando estamos a falar da função da cobertura de risco, pretendemos deixar

claro que deve tratar-se de um risco real, isto é, ligado a um qualquer

aspecto financeiro ou económico e não um risco meramente forjado para

efeitos de obtenção de algum resultado financeiro. Por vezes essa ligação

entre o risco e a realidade económico-financeira é muito ténue e distante,

mas deve existir em qualquer caso sob pena de não haver limites à

construção de derivados.

Deve ainda referir-se que a cobertura de risco pode ser efectuada por

qualquer técnica a tal orientada, seja através da transferência do risco, seja

através da sua dispersão.

III. Há quem também refira a especulação como função dos instrumentos

financeiros derivados, porém pensamos que não se trata de uma verdadeira

função nem ela é característica dos instrumentos financeiros derivados. Com

efeito a especulação [que visa antecipar um preço futuro e negoceia nessa

base para obter um ganho] é uma técnica de negociação de quaisquer

instrumentos financeiros, incluindo os valores mobiliários, cuja importância

deriva da sua essencialidade para se assegurar a adequada liquidez nos

mercados desses instrumentos e concorrer para a eficiência dos preços aí

formados. Vista por um outro prisma, a especulação nada mais é que o outro

lado da cobertura de risco, pois tal não será possível se ninguém assumir

esse risco. Neste sentido, ao referir a cobertura de risco, já estamos a incluir

aí a especulação.

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IV. Os derivados podem ser construídos como posições jurídicas individuais

ou serem múltiplas, com características de homogeneidade. Estão neste

último caso os derivados de bolsa [futuros e opções].

Além desse aspecto, os derivados de bolsa apresentam alguns aspectos

específicos quanto à sua negociação, de que se salientam:

- a existência de uma contraparte central;

- a margem [garantia]: inicial e ajustes diários de perdas e ganhos;

- a compensação entre posições contrárias (compra vs. venda) como

meio de saída do mercado e extinção da relação contratual.

Embora no passado tenham sido negociados derivados em bolsa portuguesa

[Bolsa de Derivados do Porto], hoje apenas são negociados na LIFE

[London International Futures Exchange] os futuros relativos a activos

portugueses.

3. Espécies de instrumentos financeiros derivados e suas classificações

I. São três as espécies ou tipos clássicos de instrumentos financeiros

derivados:

i. os contratos a prazo, que admitem dois sub-tipos:

. os contratos a prazo individualizados, também conhecidos

pelo termo em língua inglesa forward;

. os futuros;

ii. as opções;

iii. os swaps.

II. A expressão legal [CVM, art. 2/1/e] usa uma terminologia pouco

rigorosa, nomeadamente porque emprega a expressão contratos a prazo

como se eles fossem uma categoria específica de derivados, quando na

verdade todos os contratos de derivados são contratos a prazo. Nesse sentido

o texto inglês da directiva 2004/39/EC, de 30/4/2004 [MIFID – Markets in

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Financial Instruments Directive] é elucidativo por usa a palavra forward

(rate agreements), o que é clarificador, pois o forward é um contrato a

prazo.

É a lei que considera todos esses instrumentso como derivados, ao inserir

após a cláusula geral extensiva e quaisquer outros contratos derivados [“as

opções, os futuros, os swaps, os contratos a prazo e quaisquer outros

contratos derivados…”]. Esta clásula legal extensiva não pretende

acrescentar outros instrumentos financeiros derivados que não se

reconduzam a um daqueles três tipos, mas apenas estabelecer diferenciações

em função do activo subjacente, como resulta da expresssão relativos a

inserta na lei [relating to]. Esse aspecto, porém, apenas dará lugar a

classificações dentro de cada um dos tipos, não afectando a sua estrutura.

III. Também os art. 45 e 45-A do RJOIC se referem a instrumentos

financeiros derivados enquanto activos elegíveis para as carteiras dos fundos

de investimento mobiliário. Trata-se de um elenco mais amplo que o do

CVM, pois aí se incluem também, por ex., depósitos bancários [art. 45/1d].

IV. Uma primeira classificação respeita à distinção entre:

- instrumentos financeiros derivados que são valores mobiliários,

como é o caso dos warants [e que estudaremos no capítulo dos

valores mobiliários];

- instrumentos financeiros derivados que não são valores mobiliários.

V. Uma classificação a ter em contra tem como critério o local de

negociação, assim se distinguindo entre:

. derivados de bolsa;

. derivados fora de bolsa [OTC].

Esta classificação apenas se aplica aos futuros e às opções, já que os swaps

são sempre negociados fora de bolsa.

As principais características dos instrumentos derivados negociados em

bolsa respeitam:

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- à sua criação em massa e à consequente padronização e

homogeneidade das posições jurídicas, limitando-se a aderir às

cláusulas gerais estabelecidas pela entidade gestora do mercado;

- à possibilidade de resolução do contrato através de compensação /

confusão, realizando em mercado a operação inversa [compra ou

venda], regime que é possibilitado pela existência de uma

contraparte central.

VI. Uma classificação a que a lei [CVM, ART. 2/1/e, i, ii] dá particular

importância respeita ao tipo de liquidação, assim se distinguindo:

. instrumentos financeiros derivados com liquidação física [settled

physically];

. instrumentos financeiros derivados com liquidação financeira

[settled in cash].

Nos primeiros há lugar à entrega do activo subjacente no fim do prazo

contratual; nos segundos apenas dá lugar à entrega de uma diferença entre

dois preços, em regra o preço acordado no contrato e o preço do activo

subjacente numa determinada data.

A questão particular que aqui se coloca respeita aos contratos diferenciais,

na lei autonomizados como um tipo específico de instrumento financeiro

[CVM, art. 2/1/d]. Como adiante veremos, os contratos de derivados com

liquidação financeira têm sempre a natureza de contratos diferenciais. A

questão que pode colocar-se é se todos os contratos diferenciais são

contratos de derivados com liquidação financeira, questão que abordaremos

mais adiante.

Deve acrescentar-se que a tradução inserida na lei portuguesa também não é

feliz, sendo mais rigorosa a expressão inglesa constante da MIFID, financial

contracts for differences, onde fica bem saliente a natureza financeira dos

contratos em causa.

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VII. As mais importantes classificações respeitam aos activos subjacentes

ao instrumento financeiro derivado. A lei é particularmente cuidadosa na

enumeração dos activos subjacentes admitidos, aí se podendo sentir uma

certa tendência para limitar esses activos, embora sem chegar a uma

verdadeira tipicidade. Com efeito, nada impede que sejam celebrados

contratos de derivados sobre outros activos subjacentes, aí regendo o art.

405 CC, porém esses contratos já não serão instrumentos financeiros

sujeitos ao CVM e à DMIF.

Quanto ao activo subjacente podemos destacar as seguintes classificações de

instrumentos financeiros derivados:

i. derivados sobre activos financeiros, nomeadamente:

. derivados sobre valores mobiliários;

. derivados sobre índices ou outros indicadores financeiros;

derivados sobre divisas;

. derivados sobre taxas de juro [conhecidos como FRA –

forward rate agreements] ou outros tipos de rendibilidades;

. derivados sobre outros derivados financeiros;

ii. derivados sobre activos não finaceiros, nomeadamente:

. derivados sobre mercadorias;

. derivados sobre variáveis climáticas;

. derivados sobre tarifas de fretes;

. derivados sobre licenças de emissão;

. derivados sobre taxas de inflação ou sobre quaisquer outras

estatísticas económicas oficiais.

O CVM art. 2º/1/f alarga em muito o número de activos subjacentes

relevantes ao remeter para o art. 39 do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da

Comissão, de 10 de Agosto, já atrás referido, para lá se remetendo.

VIII. A lei refere ainda como um tipo autónomo de instrumentos

financeiros derivados, os instrumentos derivados para a transferência do

risco de crédito [CVM, art. 2/1/c]. Porém esses derivados podem

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reconduzir-se a qualquer um dos tipos base acima referidos, embora em

regra adoptem o tipo de swaps, embora se caracterizem pela sua função, a

saber, a transferência do risco de crédito.

Já sabemos que a função de cobertura de risco [e a transferência de risco é

uma forma de cobertura desse risco] é uma das funções dos instrumentos

financeiros. Aqui a lei limita-se a salientar essa função em especial.

IX. Outras classificações são possíveis, ainda que não tenham base legal,

pois é possível estabelecer outros critérios. Reina bastante confusão nessa

matéria e não devemos aqui desenvolver essa questão, pois não ceberia no

tempo e objecto da disciplina.

Nesse sentido pululam no mercado termos e gírias que em rigor não

designam novos tipos de derivados, mas apenas que contêm cláusulas

limite, como é o caso de clausulas cap [limite superior] ou floor [limite

inferior] ou collar [limite definido por uma banda / corredor entre um cap e

um floor], típicas dos forward sobre taxas de juro e que podem assumir a

natureza de opções unidas a esses contratos.

Tal como os anteriores, são frequentes os contratos de derivados que

resultam da combinação de outros instrumentos financeiros de base, e que

podemos chamar de híbridos [e que, em regra integram a classificação de

instrumentos financeiros complexos de que falamos acima] e incorporam

características muito próprias, que exigem uma particular atenção ao

contrato que as define, havendo quem nesses casos fale de derivados

exóticos. Porém, esse híbridos não permitem estabelecer uma nova

classificação, devendo o jurista estabelecer quais os contratos de base que o

compõem e depois proceder ao estabelecimento da sua estrutura e regime,

como em qualquer contrato misto.

4. Os contratos financeiros a prazo e os futuros

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I. Os contratos financeiros de compra e venda a prazo são contratos

tradicionalmente negociados em bolsa, mas sofreram uma evolução muito

significativa a partir dos anos 70 do século passado, na sequência do

chamado 1.º choque petrolífero. Até aí eram sobretudo negociadas como

operações firmes a prazo, que ainda estavam consagradas no CMVM [arts.

409 e 413], que distinguia entre operações firmes a prazo e operações a

prazo condicionais, nestas últimas se integrando as operações a prazo

liquidáveis por compensação (operações a futuro), o que era bem a mostra

do ‘atraso’ jurídico em relação a outras jurisdições e práticas negociais, mas

também revelava grandes incompreensões sobre essas operações. As

operações firmes a prazo eram assim definidas.

Nas operações firmes a prazo o comprador e o vendedor assumem a obrigação irrevogável, o primeiro, de pagar o preço, e o segundo, de entregar os valores transaccionados, na data estabelecida para a liquidação.

Estes preceitos acabaram por ser sucessivamente modificados, primeiro

quando se estabeleceu a Bolsa de Derivados do Porto e mais recentemente

com o CVM [art. 253], preceitos que foram revogados na sequência da

DMIF.

II. Em rigor o que hoje o CVM art. 2/1/e designa como contrato a prazo, já

vimos que é a tradução da palavra inglesa forward e nada mais são que

operações firmes a prazo, mas realizadas OTC, fora de mercado

regulamentado. A sua estrutura é também a dos futuros financeiros, estes

negociados em mercado regulamentado, obedecendo a um elevado grau de

padronização das posições jurídicas deles resultantes.

Assim, de acordo com a adequada interpretação do CVM art. 2/1/e, quer os

contratos a prazo quer os futuros são contratos nominados na nossa lei,

sendo a designação, em língua inglesa, forward apenas uma gíria de

mercado sem consequência jurídicas ou meramente indiciadora de que

estamos perante aquele contrato nominado na nossa lei.

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III. Pode discutir-se se em todos os casos estes contratos têm a natureza de

uma compra e venda, já que nos contratos com mera liquidação financeira

não há lugar à transmissão de qualquer bem, nem se gera a obrigação de

entregar um bem ou de pagar o preço [prestações típicas do contrato de

compra e venda, segundo o art. 879 CC], mas apenas há lugar ao pagamento

de uma diferença, sendo que nem sempre está determinada à partida a parte

que deve entregar essa diferença. A resposta a esta questão deve ser

negativa.

Efectivamente, os contratos com mera liquidação física não podem ser

considerados como de compra e venda, apesar de a prática e a gíria de

mercado quase sempre os considerar como tal. Tal deriva do facto de o

contrato de compra e venda ser tomado como estrutura de referência para a

determinação das prestações devidas pelas partes que, tal como sempre

acontece nesse contrato, vinculam as partes de modo definitivo.

Assim, podem considerar contratos a prazo e futuros com a seguinte

estrutura:

- contratos de compra e venda efectivos, que há lugar à entrega de

valores mobiliários ou bens corpóreos [em geral, mercadorias];

- contratos em que há transmissão de uma activo financeiro que não

é um valor mobiliários [v.g. uma opção];

- contratos em que o contrato de compra e venda apenas funciona

como estrutura de base para determinar a prestação, antes se

configurando como contratos de gestão do risco, em regra o risco de

preço.

IV. Refira-se, ainda, que havendo lugar à transmissão da titularidade de

algum bem ou activo [contrato com liquidação física] ela apenas opera no

fim do prazo do contrato [princípio da essencialidade do tempo nos

contratos a prazo], não vigorando aqui o disposto no art. 879 CC, que deve

considerar-se limitado aos contratos de compra e venda a contado ou à vista.

Pela mesma razão, as prestações típicas do contrato apenas são exigíveis no

fim do prazo.

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V. Os contratos a prazo e os futuros podem ser classificados de acordo com

qualquer dos critérios já acima apresentados a propósitos dos instrumentos

financeiros derivados em geral.

4. As opções financeiras

I. O contrato de opção tem uma longa tradição no direito privado. Do que

aqui se trata é apenas de opções que sejam também instrumentos financeiros

derivados. Dai a necessidade de uma primeira distinção / classificação entre:

- opções que são instrumentos financeiros, respondendo às

características destes;

- opções que não são instrumentos financeiros, previstas no CVM

art. 2/1/e e portanto um contrato nominado.

II. Polissemia: devemos distinguir entre o contrato de opção e o direito de

opção dele resultante. A lei, ao falar de opções como instrumentos

financeiros [CVM, art. 2/1/e], pretende abranger tanto uma como outra

dessas realidades.

III. O contrato de opção é um contrato a prazo de acordo com qual alguém

que alguém adquire um direito [o direito de opção] cujo exercício é feito a

prazo e de acordo com um determinado preço estipulado [preço de

exercício], podendo ter como contrapartida o pagamento de um preço, o

prémio [que, revestindo a natureza de um preço, não é devolvido mesmo

que a opção não seja exercida].

O preço de exercício é o preço fixado no contrato de opção para a compra /

transferência do activo subjacente ao contrato no fim do prazo do contrato

ou que funciona como referência para a determinação do saldo devido

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[diferença entre o preço de exercício e o preço de mercado na data

relevante].

IV. O direito de opção é um direito potestativo em que fica investido o seu

titular [podendo esse direito ser ou não exercido, caso em que caduca, como

acontece com qualquer direito], pelo que não é necessário um novo

consenso entre as partes para produzir os efeitos já estipulados no contrato

de opção e que se podem reconduzir a uma de três prestações:

i. o direito a receber um instrumento financeiro ou um bem corpório

[opção com liquidação física];

ii. o direito a celebrar um novo contrato, que pode ser de compra e

venda ou outro contrato [opções com liquidação física];

iii. o direito a uma diferença entre o preço de exercício e o preço de

mercado em data estipulada [opções com liquidação financeira].

Quanto à legislação anterior vd. o art. 254 do CVM, entretanto revogado:

Pelo contrato de opção uma das partes adquire o direito de, até ao termo do contrato ou exclusivamente nessa data:

a) Receber ou entregar o activo subjacente; oub) Transmitir ou assumir uma posição contratual a prazo; ou c) Receber ou entregar a diferença entre o preço de exercício e um

preço de referência futuro.

V. É tradicional classificar as opções quanto ao estilo, isto é, quanto ao

tempo do seu exercício em

i. opções de estilo europeu, quando o exercício do direito pode ser

feito no fim do prazo;

ii. opções de estilo americano, quando o exercício do direito pode

ocorrer ao longo de todo o prazo;

iii. opções de estilo misto, quando o exercício do direito combina os

dois estilos anteriores.

VI. Tal como para outros instrumentos financeiros derivados também

podemos distinguir entre as opções individuais [bilaterais], negociadas fora

de mercado organizado, e as opções de bolsa, padronizadas e homogéneas

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envolvendo uma multiplicidade de sujeitos [remissão para o que se disse a

propósito dos instrumentos financeiros derivados de bolsa].

As opções bilaterais, negociadas em OTC, são objecto de grande variedade,

impossível de aqui descrever, devendo atender ao que o contrato estipula.

Veja-se o que acima se disse a propósito dos instrumentos financeiros

derivados híbridos e exóticos.

VII. Principais classificações de opções, que acrescem às classificações que

atrás deixámos para os instrumentos financeiros derivados em geral:

i. opções de compra [call] e opções de venda [put] em relação ao

activo subjacente; deve porém ter em conta que nas opções com

liquidação financeira não estamos propriamente perante compras e

vendas;

ii. - opções in-the-money [quando o preço de exercício é mais

favorável que o preço do activo subjacente], opções out-of-the-

money [quando o preço de exercício é menos favorável que o preço

do activo subjacente], opções at-the-money [quando o preço de

exercício é idêntico ou similar preço do activo subjacente].

VIII. Importa ter presente a diferença ou proximidade entre as seguintes

realidades:

i. opção e warrant - quanto à sua natureza e estrutura os warrants

configuran-se como opções; tratando-se de warrants autónomos estes

são legalmente qualificados como valores mobiliários.

ii. opção e promessa – a promessa não é de exercício potestativo,

mas necessita de uma contrato definitivo para se executar;

iii. opção e direito de preferência – o exercício do direito de

preferência está dependende da vontade de terceiro.

5. Os swaps

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I. Os swaps são contratos a prazo de permuta de fluxos financeiros futuros

durante ou num período determinado, tendo por referência um activo

subjacente.

A partir da sua inclusão na lei [CVM art. 2/1/e], na sequência da

transposição da DMIF, os swaps passaram a ser contratos nominados,

apesar de já serem negociados entre nós desde início dos anos 80 do século

passado.

II. Tal como já referimos para os futuros e as opções, também nos swaps

com liquidação financeira não poderá dizer-se que estamos perante uma

verdadeira permuta, funcionando esta como estrutura usada apenas para

calcular a prestação devida.

III. Até agora, os swaps apenas são negociados fora de mercado organizado

[OTC], adequados a situações individualizadas, que em regra assumem

grande variedade e criatividade, o que leva a que os swaps sejam um dos

contratos financeiros mais usados nos dias de hoje. Deve no entanto fazer-se

referência a um certo grau de padronização que resulta dos uso internacional

das condições contratuais gerais padronizadas [master agreement] do ISDA

[International Swaps and Derivatives Association – vd. http://www.isda.org

] usadas internacionalmente.

Enquanto instrumentos financeiros derivados aplica-se aos swaps tudo o que

acima dissemos a respeito desses instrumentos.

IV. Os swaps mais frequentemente usados, atendendo ao activo subjacente

são

. swaps de taxa de juro;

. swaps de divisas [taxas de câmbio ou currency swaps];

. swaps de crédito:

. swaps de mercadorias (commodity swaps);

. swaps de acções (equity swaps).

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5. Os derivados de crédito

I. Os derivados de crédito são um derivado caracterizado pelo seu objecto,

embora em termos estruturais possam assumir uma das modalidades de base

acima referidas, nomeadamente swaps, mas também opções. Tal não é,

porém, forçoso que assim sejam, pois os contratos têm vindo a adquirir

características muito próprias. Talvez por isso, a nossa lei, na sequência da

directiva DMIF [derivative instruments for the transfer of credit risk]

refere-os de modo independente, como contratos nominados, com a

designação de instrumentos derivados para a transferência do risco de

crédito [CVM; art. 2/1/c].

Também o art. 45-A do RJOIC refere que os instrumentos derivados de

crédito incluem-se nos instrumentos financeiros derivados permitindo a

transferência de risco de crédito de um activo, independentemente dos

outros riscos associados a esse activo.

Trata-se de um instrumento que tem vindo a ganhar uma importância

enorme de há poucos anos a esta parte.

II. Podem ser definidos como contratos através dos quais uma parte

transfere para outra um determinado risco de crédito, mediante o pagamento

de um preço, caso ocorra um determinado evento futuro [evento de crédito]

previsto no contrato.

O activo subjacente que serve de referência ao risco de crédito terá a

maioria das vezes a ver com o risco de incumprimento de alguém em

cumprir as suas obrigações. O exemplo mais usado é que tem a ver com o

risco de falência de uma empresa ou de um estado, sendo neste caso o activo

subjacente a dívida soberana emitida por esse estado. Tal como qualquer

outro derivado, também este instrumento pode desempenhas as mais

diversas funções associadas aos derivados.

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III. Os CDS - credit default swaps têm sido o mais usado destes

instrumentos financeiros, estando particularmente em voga na crise

financeira actual. O mercado relativo a estes instrumentos foi criado em

1994 por vários bancos, liderados pelo JPMorgan. Há quem muito aproxime

estes intrumentos do contratos de seguro.

O objectivo de protecção do seu adquirente respeita ao incumprimento de

um crédito de um emitente, por exemplo um crédito relativo a obrigações

desse emitente, o que não impede o seu uso com objectivos exclusivos de

especulação como acontece, em geral com os derivados.

O principal risco destes produtos respeita ao risco de contraparte do seu

alienante, já que não há qualquer garantia de que o detentor da posição

vendedora [em regra empresas de seguros de dívida e hedge funds] tenha

recursos adequados em caso de falência da entidade a que se referem. O

risco de default transfere-se para o vendedor do swap, o que levanta muitos

problemas quanto à capacidade assumida por essas entidades em relação à

entidade cujo default se pretende cobrir, pois pode ser por exemplo a dívida

de um estado.

Recentemente deram que falar os CDS sobre a dívida soberana islandesa e sobre os maiores bancos islandeses [Landsbanki, Kaupthing e Glitnir]. Dada a elevadíssima alavancagem destes produtos, a existência de problemas como estes pode ser demolidora para os compradores dos CDS, nomeadamente Bancos que os tenham nas suas carteiras.

5. Os Contratos Diferenciais

I. Estes contratos são referidos no art. 2/1/d do CVM, e já acima temos

vindo a fazer algumas considerações sobre eles, tendo estabelecido

nomeadamente a sua relação com os instrumentos financeiros derivados

com liquidação financeira. Trata-se, em qualquer caso, de contratos

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legalmente nominados e por isso aqui os abordamos de modo autónomo.

Em termos de gíria de mercado e internacionalmente são sobretudo

conhecidos como CFD’s [contracts for differences] e sofreram um enorme

incremento nos tempos actuais, sendo disponibilizadas para negociação via

internet plataformas com milhares de CFD’s, negociáveis em OTC.

Embora reconhecendo a dificuldade de uma noção unitária, Ferreira de

Almeida sugere a seguinte [art. citado, p. 93]:

contrato em que é devida uma só prestação em dinheiro, igual à diferença

entre o valor de referência inicial de um bem (real ou nocional), de um

indicador de mercado ou da relação entre dois bens ou indicadores de

mercado e o valor de mercado em data futura do mesmo bem, indicador de

mercado ou relação de valores.

II. Em termos históricos, como refere Ferreira de Almeida, estes contratos

surgiram como expediente para permitir a especulação a descoberto, isto é,

a intervenção no mercado por parte de quem não dispõe de bens para

entregar ou de dinheiro para os pagar.

Devemos, porém, prevenir que nem sempre esse expediente implica a

celebração de contratos diferenciais:

- uma coisa é a celebração de contratos de bolsa a contado em que o

vendedor não tem os instrumentos a alienar, as chamadas vendas curtas ou

short selling; nesses casos os mercados dispõem de mecanismos que

permitem que essa pessoa não tenha de cumprir as obrigações assumidas

através da realização de uma operação inversão, mas que possa ser objecto

de compensação com a operação anterior antes da sua liquidação; neste

casos estamos perante duas operações a contado, que nada tema a ver com

os contratos diferenciais;

- questão distinta é a celebração de um contrato a prazo em que as

obrigações das partes não estão determinadas à partida [qualquer delas pode

ter de pagar ou de receber], mas que são determináveis através do cálculo da

diferença entre dois preços, pelo menos um dos quais é um preço futuro;

nestes casos sim, estamos perante contratos diferenciais.

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III. Podemos definir contratos diferenciais como aqueles contratos a prazo

em a prestação característica é o pagamento de uma diferença entre dois

preços ou valores, tal como estabelecidos no contrato.

O que pode variar é modo de calcular a diferença devida no fim do prazo, o

que nos remete para a estrutura de base do contrato, que pode ser uma

compra e venda, um futuro, um swap ou uma opção.

IV. Pensamos que a razão da autonomização deste tipo de contratos

enquanto instrumentos financeiros não se deve à sua estrutura o à prestação

específica, mas a problemas históricos de legalidade desses mesmo

contratos, dada a sua generalizada qualificação como tendo a natureza de

jogo e aposta. Ora a sua inclusão na lei permitiria preencher a excepção do

art. 1245 do CC, assim se assegurando a sua legalidade. Tal, porém, já

resultava da consagração legal dos contratos de derivados com liquidação

financeira, admitida no Código do Mercado de Valores Mobiliários, ainda

que com limitações [art. 418 – operações a prazo liquidáveis por

compensação], clarificado com a alteração a esse diploma introduzida pelo

DL 196/95, de 29 de Julho [arts. 418 e 419, que visou criar as melhores

condições legais para o funcionamento do mercado de futuros e opções, a

funcionar na Bolsa de Derivados do Porto]. Essa orientação manteve-se no

CVM nos arts. 253/c e 254/c, entretanto revogados com a transposição da

DMIF para a ordem interna portuguesa.

A favor daquela razão milita a atribulada história destes contratos e o facto

de lei e/ou a jurisprudência de vários países ainda recentemente ter

invalidado contratos de derivados com base na sua classificação como jogo

e aposta. Para uma perspectiva histórica aprofundada vd. o artigo do

professor Ferreira de Almeida citado na bibliografia.

V. Quanto às classificações de contratos diferenciais é habitual distinguir

dois grandes tipos [sociais]:

i. os contratos diferenciais directos [simples ou stricto sensu];

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ii. os contratos diferenciais indirectos [ou complexos].

Os contratos diferenciais directos reconduzem-se à celebração de um só

contrato a prazo de cuja estrutura resulta o estabelecimento de uma

diferença. Assim, teremos tantos subtipos quantos os dos contratos usados

para o efeito, contrato a prazo, futuro, opção ou swap, para onde se remete.

Note-se que a liquidação por diferenças pode ser uma mera opção atribuída

a uma das partes no contrato, admitindo este também liquidação física [vd.,

por ex. o CVM, art. 2/1/e/ii in fine.

Os contratos diferenciais indirectos são aqueles em que a obrigação de

pagamento de uma diferença não constitui o objecto do contrato, embora

exista a possibilidade de cumprimento por diferenças, podendo resultar da

combinação de contratos sucessivos com liquidação física, objectivamente

concatenados entre si, assim produzindo um efeito semelhante ao do

pagamento de uma diferença.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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