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Insubordinação na mídia: jornalismo de ongs e movimentos sociais na Internet 28/03/2006 Vivianne Amaral* RESUMO O jornalismo estudado é fruto de novas formas de expressão propiciadas pela Internet e apresenta características que o diferenciam de sua expressão comercial, produzida pela grande imprensa e corporações globais. Entre as características identificadas na análise de três sites estão: a produção coletiva, o ativismo, o copyleft, o padrão organizacional rede e a presença de audiências ativas. PALAVRAS-CHAVES: mídia radical; jornalismo; internet; movimentos sociais. INTRODUÇÃO O trabalho de conclusão de curso que subsidia este texto procurou identificar a emergência de um novo tipo de jornalismo, que acontece na internet e é diretamente relacionado a movimentos sociais[1] e grupos organizados da sociedade civil. O texto é uma sistematização dos resultados da investigação, tendo o foco no padrão identificado no jornalismo sob análise. As idéias apresentadas resultam de revisão bibliográfica que perseguiu entender algumas tensões existentes no jornalismo atual e que constituem o contexto desta mídia que podemos chamar de autônoma. Resultam igualmente do esforço para descrever, a partir de exemplos, algumas formas de sua realização. Visitas a sites, blogs, textos e conversações em listas de discussão na web, além da experiência (no sentido de estar vivendo simultaneamente, não de acúmulo) de edição de site de uma rede de educadores ambientais também contribuíram como fontes. O texto não tem fidelidades ideológicas, é fruto de um processo de leitura não-linear entre autores diversos, procurando conexões que permitam entender o contexto, o processo e identificar os padrões dos fenômenos estudados. As leituras permitiram perceber que algumas das tensões, ou ambigüidades, que tanto atormentam os jornalistas e seus críticos, estão relacionadas com questões constitutivas da atividade jornalística e ao seu caráter de atividade industrial. Como exemplos de tensões destaco aquelas geradas entre a subordinação da imprensa aos interesses das grandes corporações e o potencial emancipatório que os atuais sistemas de comunicação têm, ou então, as tensões geradas pela informática e pela internet na atividade jornalística. A investigação teve como estímulo político/intelectual a questão que Hans Magnus Enzensberger (2003) considera fundamental para os movimentos sociais e grupos políticos a partir da existência dos veículos eletrônicos (tv, rádio, cinema): a contradição entre a atual condição de hegemonia da mídia e o potencial revolucionário derivado do estágio tecnológico das mesmas. Nos anos 70, o pensador elaborou leituras críticas sobre as relações da direita e da esquerda com as mídias eletrônicas e sobre o potencial de democratização da produção que estas possuem. Ele afirmava que, com o desenvolvimento tecnológico alcançado pelos veículos eletrônicos (em relação à autonomia na produção), seria possível a participação da massa em um processo produtivo socializado, cujos meios práticos (os equipamentos) encontravam-se nas mãos das próprias massas (filmadoras, mesas de

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Insubordinação na mídia: jornalismo de ongs e movimentos sociais na Internet 28/03/2006 Vivianne Amaral* RESUMO O jornalismo estudado é fruto de novas formas de expressão propiciadas pela

Internet e apresenta características que o diferenciam de sua expressão comercial, produzida pela grande imprensa e corporações globais. Entre as características identificadas na análise de três sites estão: a produção coletiva, o ativismo, o copyleft, o padrão organizacional rede e a presença de audiências ativas.

PALAVRAS-CHAVES: mídia radical; jornalismo; internet; movimentos sociais. INTRODUÇÃO O trabalho de conclusão de curso que subsidia este texto procurou identificar a

emergência de um novo tipo de jornalismo, que acontece na internet e é diretamente relacionado a movimentos sociais[1] e grupos organizados da sociedade civil. O texto é uma sistematização dos resultados da investigação, tendo o foco no padrão identificado no jornalismo sob análise.

As idéias apresentadas resultam de revisão bibliográfica que perseguiu entender

algumas tensões existentes no jornalismo atual e que constituem o contexto desta mídia que podemos chamar de autônoma. Resultam igualmente do esforço para descrever, a partir de exemplos, algumas formas de sua realização. Visitas a sites, blogs, textos e conversações em listas de discussão na web, além da experiência (no sentido de estar vivendo simultaneamente, não de acúmulo) de edição de site de uma rede de educadores ambientais também contribuíram como fontes. O texto não tem fidelidades ideológicas, é fruto de um processo de leitura não-linear entre autores diversos, procurando conexões que permitam entender o contexto, o processo e identificar os padrões dos fenômenos estudados.

As leituras permitiram perceber que algumas das tensões, ou ambigüidades, que

tanto atormentam os jornalistas e seus críticos, estão relacionadas com questões constitutivas da atividade jornalística e ao seu caráter de atividade industrial. Como exemplos de tensões destaco aquelas geradas entre a subordinação da imprensa aos interesses das grandes corporações e o potencial emancipatório que os atuais sistemas de comunicação têm, ou então, as tensões geradas pela informática e pela internet na atividade jornalística.

A investigação teve como estímulo político/intelectual a questão que Hans Magnus

Enzensberger (2003) considera fundamental para os movimentos sociais e grupos políticos a partir da existência dos veículos eletrônicos (tv, rádio, cinema): a contradição entre a atual condição de hegemonia da mídia e o potencial revolucionário derivado do estágio tecnológico das mesmas.

Nos anos 70, o pensador elaborou leituras críticas sobre as relações da direita e da

esquerda com as mídias eletrônicas e sobre o potencial de democratização da produção que estas possuem. Ele afirmava que, com o desenvolvimento tecnológico alcançado pelos veículos eletrônicos (em relação à autonomia na produção), seria possível a participação da massa em um processo produtivo socializado, cujos meios práticos (os equipamentos) encontravam-se nas mãos das próprias massas (filmadoras, mesas de

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edição de som e imagem, máquinas fotográficas, gravadores, aparelhos de rádios, impressoras).

Se durante a maior parte do século XX o desenvolvimento da mídia eletrônica

industrial não realizou as idéias libertárias de Enzensberger, o advento da Internet, o desenvolvimento de satélites, dos computadores pessoais e a convergência de todas as linguagens dos veículos de comunicação (imagem, som, escrita) para um tipo de registro – o digital, tornaram as possibilidades emancipatórias da comunicação massiva cada vez mais fortes, resultando em movimentos pró-democratização e anti-hegemônicos nos sistemas de comunicação social.

Entre eles destacam-se experiências de mídia independente que emergem do

movimento antiglobalização. Desde 1999, com a criação do Centro de Mídia Independente[2] na mobilização e divulgação das ações contra a Organização Mundial do Comércio em Seattle e com as atividades da Ciranda Internacional da Informação Independente[3], rede de comunicadores que atua na mobilização e cobertura dos Fóruns Sociais Mundiais, desde 2001, o movimento antiglobalização vem desenvolvendo experiências de comunicação autônoma.[4]

Os ativistas envolvidos nestas ações entendem e exploraram as possibilidades de

comunicação em tempo real e à distância, as liberdades da re-edição permanente das informações na web, a produção coletiva, a comunicação todos-todos e a centralidade da informação e da comunicação nas sociedades atuais e na ação política.

No contexto do estudo realizado, o jornalismo desenvolvido por redes de

comunicadores e movimentos sociais na Internet foi interpretado a partir do conceito de mídia radical, definido como aquela atividade de comunicação “... que expressa uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas” (DOWNING, 2002, p.21). O autor se interessa pelas

… experiências radicais em que as mídias foram praticadas fora de sua expressão

industrial hegemônica, por sujeitos sociais movidos por projetos de intervenção crítica, expressando posições alternativas às políticas dominantes, mesmo quando estas experiências são comparativamente menos extensivas que aquelas praticadas nos setores do entretenimento de massa amparados pelo capital global (DOWNING, 2002, p.10).

Enzensberger já indicara, nos anos 70, em Elementos para uma teoria dos meios de

comunicação, a possibilidade de outros contextos comunicativos, além do mercado, para usos dos veículos eletrônicos. “Pela primeira vez na história, as mídias tornam possível a participação em massa de um processo produtivo social e sociabilizado, cujos meios práticos encontram-se nas mãos das próprias massas” (ENZENSBERGER, 2003, p. 16).

Trinta anos depois, a mídia radical produzida pelos coletivos de comunicadores e

ativistas dos movimentos sociais, atualiza as questões levantadas por Enzensberger a partir de duas estratégias inovadoras - o padrão organizacional rede e a Internet. A web permite a exploração radical dos princípios da horizontalidade na produção coletiva de informação. “A Internet não é simplesmente uma tecnologia: é um meio de comunicação e é a infra-estrutura material de determinada forma organizacional: a rede” (CASTELLS, 2003, p. 28).

Manuel Castells (2003, p.116) destaca duas razões que tornaram a Internet

indispensável para os movimentos sociais que estão emergindo na sociedade informacional:

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1- Como os movimentos atuais são mobilizados em torno de valores culturais, a comunicação de valores e a mobilização em torno de significados tornam-se essenciais. Os movimentos culturais articulam-se em torno de sistemas de comunicação – principalmente a Internet e a mídia – porque é através deles que conseguem atingir aquelas pessoas, grupos e comunidades sensíveis aos seus valores.

2 - As organizações formais de ação política (partidos, sindicatos, associações civis)

foram substituídas por coalizações menos institucionalizadas, ações coletivas coordenadas.

O autor ressalta como características do paradigma tecnológico da sociedade informacional:

1. são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir

sobre as tecnologias, como foi no caso das revoluções tecnológicas anteriores; 1. a penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias em toda a atividade humana,

individual e coletiva, que são moldadas (e não determinadas) pelo novo meio tecnológico;

2. a lógica das redes presente em qualquer sistema ou conjunto de relações que utilize as novas tecnologias de informação;

3. a flexibilidade dos processos, das organizações e das instituições, derivada da

capacidade de reconfiguração, pois se tornou possível inverter as regras sem destruir a organização.

4. a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente

integrado. O paradigma sociotécnico que emerge deste conjunto de características possibilita o

desenvolvimento de uma nova economia em escala global que, “... é informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou

agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global porque as principais atividades produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria, administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados em escala global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos (CASTELLS, 2000, p.87)”.

Neste contexto histórico, a concentração da mídia aproveitou-se da liberalização

desenfreada, da insuficiência de marcos regulatórios e da omissão ou subserviência dos poderes públicos em todo o mundo e evoluiu para o padrão atual das grandes corporações.

Estruturadas em redes intra/inter/multissetoriais, as corporações estendem seus

tentáculos por ramos correlatos, interligam unidades descentralizadas e sincronizam processos decisórios. Negri e Hardt comparam a feição oligopolística à ‘uma estrutura em forma de árvore, que subordina todos os galhos a raiz central’. Segundo eles, existe um ponto único e relativamente fixo de emissão, mas os pontos de recepção são potencialmente infinitos e o territorialmente indefinidos’. Onde quer que se pretenda atuar em mídia, lá estará desfraldada a bandeira de um player global (MORAES, 2003, p.207).

No campo da comunicação social, o professor John B. Thompson (1998, 2004) situa

a tendência à formação de redes de comunicação global no final do século XIX, graças ao desenvolvimento de novas tecnologias destinadas a dissociar a comunicação do transporte físico da mensagem. Destaca outros acontecimentos que influíram no processo da organização da comunicação em escala global: o desenvolvimento dos

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sistemas de cabos submarinos pelas potências imperiais européias; o estabelecimento de novas agências internacionais de notícias e a divisão do mundo em esferas de operação exclusivas, criando assim um ordenamento multilateral de redes de comunicação que atuavam efetivamente em escala global; e a formação de organizações internacionais interessadas na distribuição do espectro eletromagnético.

A teoria social da mídia enunciada por Thompson (1998, 2004) possibilita

instrumentos adequados para subsidiar a compreensão das relações entre emissor – mensagem – receptor na comunicação atual. A partir de análise focada nas formas de interação que a mídia cria entre os indivíduos, podemos distinguir três diferentes contextos comunicativos:

- a comunicação face a face, forma clássica de interação entre indivíduos e que

acontece num contexto de co-presença; - a interação mediada (por exemplo: o telefone, correspondência via carta) que

implica no uso de um meio técnico que possibilita a transmissão da informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no espaço, no tempo ou em ambos e, por último, e.

- a quase-interação mediada (jornal, televisão, rádio etc): Uso este termo para me referir às relações sociais estabelecidas pelos meios de

comunicação de massa (livros, jornais, rádio, televisão, etc). [...] este terceiro tipo de interação implica uma extensa disponibilidade de informação e conteúdo simbólico no espaço e no tempo – ou, em outras palavras, a quase-interação mediada se dissemina através do espaço e do tempo (THOMPSON, 2004, p.78).

Ramonet (2003) chama a atenção para outro aspecto importante da mídia

globalizada: a dificuldade de estabelecermos distinções entre o mundo da mídia, o mundo da comunicação, a cultura de massa e a publicidade, em razão da revolução digital que mescla texto, som e imagem.

Analisando as características do discurso mediático contemporâneo, o autor destaca: 1. é um discurso rápido, os artigos são cada vez mais curtos, as frases são breves e

os títulos impactantes, como um modelo publicitário ou qualquer discurso da cultura de massa;

2. o discurso dominante é muito simples, elementar, com um vocabulário que todo

mundo possui; 3. utiliza constantemente os elementos da espetacularização, de dramatização,

expressando-se através das emoções. Um sistema de mídia como o atual (altamente concentrado do ponto de vista

econômico e homogeneizado em suas características discursivas) representa um risco e, aparentemente, uma impossibilidade, para a idéia de uma imprensa livre, autônoma. No entanto, os movimentos progressistas e antineoliberais no mundo todo estão incluindo cada vez mais a questão da mídia em suas plataformas políticas. Igualmente partidos democráticos de esquerda estão trabalhando na reforma estrutural da mídia em diversos países (Suécia, França, Índia, Austrália, entre outros) procurando desmembrar grandes empresas, recuperar o rádio e a TV não comercial.

Considero que a mídia alternativa, objeto de estudo do trabalho, faz parte do

movimento que emerge no esforço para a experimentação de outros contextos

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comunicativos que não os dominados pela globalização neoliberal e suas corporações produtoras e distribuidoras de bens simbólicos e culturais.

São modelos de comunicação em rede, construídos a partir do princípio da

reciprocidade: um site de notícias escrito e distribuído por seus leitores-produtores, uma revista eletrônica que publica notícias enviadas pelos leitores ou listas de discussão de comunidades virtuais como fontes para pautas. As formas da subversão são variadas e estimulam a interatividade, criando uma audiência cada vez mais ativa e modificando radicalmente a relação emissor-receptor.

METODOLOGIA A pesquisa procurou identificar como a Internet facilita a comunicação das ongs e

movimentos sociais junto a seus públicos, a partir do desenvolvimento do jornalismo on-line, explorando possibilidades de trabalho coletivo e com experimentações em comunicação.

Tenta demonstrar como o jornalismo produzido pelos movimentos e ongs beneficia-

se dos aspectos mais positivos dos avanços tecnológicos no campo da comunicação e da informática: baixo custo da produção, interatividade, mudanças na relação emissor-receptor, visibilidade, transparência, autonomia.

Além disso, procura assinalar o surgimento ou a existência de um novo contexto de

produção jornalística que possibilita o desenvolvimento de uma mídia independente, criando brechas na hegemonia que as grandes empresas de comunicação exercem sobre a produção de bens culturais.

Para demonstrar o uso da Internet pelos movimentos sociais e ongs procurou-se

identificar como são realizadas a produção da notícia e sua distribuição por meio dos sites. Também os recursos tecnológicos utilizados e as características da produção jornalística realizada foram importantes referências nas abordagens realizadas. A descrição da apropriação da Internet como mídia pelos movimentos sociais e organizações não governamentais apresentada no trabalho foi realizada a partir das seguintes abordagens: características do jornalismo on-line produzido pelas ongs e movimentos sociais e demonstração do uso da internet como mídia independente pelos movimentos sociais e ongs a partir da análise dos seguintes casos: Centro de Mídia Independente; Ciranda da Informação Independente e Revista Eletrônica do Terceiro Setor – RETS.

As atividades desenvolvidas foram pesquisa na internet, exploração dos sites

escolhidos para análise, revisão bibliográfica, participação em listas de discussão de webjornalismo e de jornalismo ambiental, entrevista com jornalista da Rets por meio de correio eletrônico.

A MÍDIA INSUBORDINADA “Toda produção que tem como objetivo os interesses dos produtores pressupõe uma

forma coletiva de produção. Ela própria já é uma forma de auto-organização das necessidades sociais” (ENZENSBERGER, 2003, p. 56).

Segundo Downing (2002, p.27-30), a mídia radical se define primeiramente por

expressar uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas, ou seja, é uma comunicação ativista, engajada. Outra característica é ser, geralmente, de pequena escala: estabelece conversações coletivas em setores, com grupos, não se dirige a toda a sociedade. Alimenta comunidades de afinidades que funcionam como caldeirões efervescentes de idéias e de iniciativas e é nutrida por elas. Estes sistemas de

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comunicação autônoma são como mini esferas públicas das quais emergem mudanças sociais e culturais em muitas direções (libertárias, conservadoras, reacionárias, oposicionistas, situacionistas, etc).

O autor constrói seu conceito de mídia radical como um campo de confluência de

culturas populares, cultura de massa, culturas de oposição e como uma produção de audiências ativas, Audiências ativas são aquelas co-produtoras dos conteúdos veiculados na mídia da qual são também públicos. Ele chama a atenção para o fato de que audiências estáticas e domésticas são apenas uma das formas de apropriação do conteúdo da mídia e que são característica da comunicação de massa produzida e distribuída pela mídia comercial. Critica a forma como a questão das audiências é tratada usualmente, com foco no resultado momentâneo, destacando a necessidade de vincular a noção de audiência à escala de tempo. Segundo o autor, esta vinculação é particularmente necessária na avaliação da mídia autônoma engajada numa proposta de mudança social, pois seu conteúdo sugere a necessidade de mudanças e, embora seja claro que estas mudanças sejam muitas vezes inatingíveis no momento presente, o seu papel é também manter a visão de como as coisas podem ser até que sejam exeqüíveis.

O conceito de audiência ativa é central em sua definição de mídia radical. Nas audiências ativas, multiculturais, podemos ver co-arquitetos – juntamente com

os produtores de textos - dos significados da mídia, surrupiando, às vezes, o que desejam dos produtos da mídia e subvertendo os valores originalmente pretendidos. Por sua vez, alguns desses co-arquitetos, recorrendo aos movimentos populares e às culturas de oposição, podem tornar-se, eles próprios, produtores da mídia radical e, então, expor-se ao risco dos larápios de texto (DOWNING, 2002, p. 40- 41).

Atualmente a Internet, como um campo de tensão entre o copyright e o copyleft e

com a disseminação do acesso, dos equipamentos, desenvolvimentos de plataformas abertas à experimentação e de softwares para publicação, possibilita a emergência de experiências de produção coletiva e de audiências ativas, abrindo novas perspectivas para o debate público.

Outro aspecto importante na caracterização da mídia radical é sua vinculação aos

movimentos sociais, a sua face ativista. Mas a organização democrática da mídia radical precisa expressar a democracia dos

movimentos sociais, ao mesmo tempo em que apresenta uma abordagem totalmente realista dos aspectos práticos de se publicar um jornal diário ou de organizar uma emissora de rádio que transmita 24 horas por dia. (DOWNING, 2002, p.117).

Enzensberger também percebeu a íntima vinculação entre o ativismo e a mídia

autônoma, identificando o caráter renovador que a organização da produção coletiva de comunicação, em redes poderia trazer aos movimentos, pois.

Além de sua função primordial, redes de comunicação que são montadas para tais

fins podem fornecer modelos organizacionais politicamente interessantes. Nos movimentos socialistas, há muito, a discussão dialética sobre disciplina/espontaneidade, centralização/descentralização, condução autoritária/desintegração antiautoritária chegou a um ponto morto. Pistas para a superação desse estado de coisas poderiam ser fornecidas por modelos de comunicação em rede, construídos a partir do princípio de reciprocidade; um jornal de massas escrito e distribuído por seus leitores, uma rede de vídeo de grupos de trabalho político (ENZENSBERGER, 2003, p.57).

Procurando desenhar um padrão que permitisse identificar as mídias autônomas,

selecionei alguns elementos que considero comuns a este tipo de mídia e suas inter-

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relações. Estes elementos aparecem em maior ou menor grau de inter-relação e modelagem recíproca nos três sites que estudei e são a comunicação social como ativismo, a produção coletiva, as audiências ativas, o padrão organizacional rede, o copyleft. Estes elementos serão caracterizados a seguir.

ATIVISMO, PRODUÇÃO COLETIVA E AUDIÊNCIAS ATIVAS Nos sites estudados, a produção da comunicação faz parte de um contexto maior e é

expressão de posição política dos produtores em relação às formas hegemônicas da comunicação. É vivida pelos movimentos e ongs produtoras da comunicação como uma atividade estratégica numa ação política maior. Esta é uma situação comum na mídia radical. Muitas vezes a produção de comunicação social é uma estratégia micro-subversiva que irrompe da cultura de resistência, dos movimentos sociais e de suas redes de discussão e debate.

A ascensão destes movimentos parece ocasionar e, ao mesmo tempo, ser

ocasionada pela mídia radical. De modo inverso, nas épocas em que estes movimentos refluem, o fluxo da mídia alternativa também diminui. [...] Bem entendida, a relação entre os movimentos sociais e a mídia radical não é uma relação de base e superestrutura, mas de forte interdependência dialética. (DOWNING, 2002, p.54-55)

O ativismo, a produção coletiva e as audiências ativas são três fenômenos

interdependentes e de modelagem recíproca no processo da mídia autônoma e podem ser identificados nos discursos dos próprios produtores sobre as suas experiências.

A produção da informação e da comunicação é realizada com a participação da

audiência e atende seus interesses e necessidades. Uma audiência que elabora e molda os produtos da mídia e não apenas absorve passivamente as mensagens. As audiências ativas são identificadas por Downing (2003) como produtoras da mídia radical. No mundo empresarial, o termo audiência designa um grupo específico de leitores, espectadores e ouvintes, derivado das estratégias de mercado e discurso das empresas de cinema, rádio, editores e anunciantes. No contexto da mídia autônoma, as audiências são redefinidas como usuários ativos e diversificados da mídia, libertando o conceito de sua bagagem puramente mercadológica. A produção coletiva se dá por meio da exploração dos recursos de interatividade mediada por tecnologias digitais e da organização em rede.

O ativismo, a produção coletiva e as audiências ativas são três fenômenos

interdependentes e de modelagem recíproca no processo da mídia autônoma e podem ser identificados nos discursos dos próprios produtores sobre as suas experiências.

Segundo a apresentação do Centro de Mídia Independente Brasil (CMI BRASIL), “O Centro de Mídia Independente é uma rede internacional de produtores e

produtoras independentes de mídia preocupados (as) e comprometidos (as) com a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente. [...] O Centro de Mídia Independente do Brasil nasceu como desdobramento da organização do movimento antiglobalização em São Paulo que havia promovido um protesto no dia 26 de Setembro de 2000 (S26) quando se reuniram em Praga, o FMI e o Banco Mundial”. [5]

Da mesma forma, a Ciranda Independente da Informação, com origem em uma

iniciativa de resistência contra a mídia hegemônica, é uma rede de órgãos de imprensa independente de todo o mundo, articulada para realizar a cobertura do FSM. Desde sua criação em 2001, foi-se tecendo uma rede de veículos alternativos comprometidos com a informação isenta durante os Fóruns. Seu slogan no site é uma declaração de ativismo: “Para que outro mundo seja possível, é preciso reinventar o jornalismo crítico”.[6]

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Também na Revista Eletrônica do Terceiro Setor, o jornalismo está relacionado ao

projeto maior de atuação da Rede de Informações para o Terceiro Setor. Conforme Maria Eduarda Mattar, editora da revista, em entrevista por correio eletrônico, em junho de 2003,

“A Rets é uma publicação semanal, criada em 1999. O projeto editorial da Rets prevê

uma abordagem sobre os temas de interesse de ONGs e movimentos sociais, normalmente informações sobre a atuação comprometida desses atores com relação à conquista e garantia de direitos, práticas cidadãs, iniciativas modelo de transformação social etc, com ênfase no caráter múltiplo e diversificado de fontes e referências.” [7]

O PADRÃO ORGANIZACIONAL REDE A compreensão da rede como padrão organizacional para fluxo de informações,

produção e circulação de bens materiais e imateriais é recente. A percepção complexa do padrão organizacional rede e sua aplicação na análise de fenômenos sociais, políticos e econômicos das organizações e da sociedade resulta da confluência de uma série de estudos e é fruto da ação inovadora de pesquisadores em diversos campos das ciências físicas e naturais e da cibernética, e das ciências sociais, em que se procura abordar os sistemas sociais com um instrumental conceitual e teórico que tem origem na química, física, biologia, neurobiologia e ciência de redes.

O instrumental conceitual é a abordagem sistêmica, decorrente da teoria dos

sistemas e a identificação do padrão organizacional rede como um elemento comum e gerador dos sistemas vivos. Entre os pesquisadores envolvidos na construção de uma nova compreensão da vida e da sociedade podemos citar Ludwig von Bertalanffly, Eugene Odum, Ilya Prigogine, Norbert Wiener, Humberto Maturana e Francisco J. Varela, Gregory Bateson, Niklas Luhmann, Pierre Lévy, Steven Johnson, Manuel Castells e Fritjof Capra.

Entendendo-se padrão como a configuração das relações que os componentes de um

sistema estabelecem entre si, podemos definir rede como um padrão de relacionamentos que conecta vários elementos a muitos outros elementos atendendo a seguinte característica: o fluxo de informação é multidirecional, não-linear, tem diversas origens dentro do sistema, ou seja, não é atribuição de apenas um setor ou elemento. O fluxo da informação modela a rede.

As redes são organizacionalmente fechadas, mas abertas aos fluxos de energia e

recursos. No caso das redes sociais, os objetivos compartilhados e os ritos e instrumentos organizacionais definem sua identidade e funcionam como um limite entre o dentro e o fora e permitem que o indivíduo e a instituição desenvolvam um sentimento de pertencimento à rede. São comuns expressões como “estou na rede; entrei na rede; faço parte da rede”. Ao mesmo tempo, as redes estão abertas às novas participações e são alimentadas pela entrada e saída permanente de informações, nas trocas com o ambiente externo e na circulação de bens materiais e imateriais.

A Internet permite a operação radical da horizontalização na comunicação, com suas

ferramentas e possibilidades de diálogo todos-todos, um-um e um-todos e seu acesso e utilização têm permitido a crescente expansão e aplicação do padrão organizacional rede. Os elementos que compõem a rede (instituições e pessoas) são autônomos, mas atuam de forma interdependente, a partir de ações coordenadas para o cumprimento de objetivos comuns. Usualmente, as redes congregam em processo de parcerias diversos setores, segmentos e indivíduos com culturas diferentes, criando uma convivência baseada em respeito à diversidade.

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Os sites analisados se beneficiam das possibilidades (tecnológicas e sociais) da organização em rede na produção e na distribuição de seus produtos. Aproveitam das possibilidades de coordenar diversidades, localizadas em espaços diferentes; da alta conectividade interna dando um sentimento de comunidade, dos objetivos, valores e princípios comuns; da constituição de uma esfera pública alternativa no círculo de membros interligados; da relação com teias de comunicação interpessoal, que são uma das dimensões primárias de todos os movimentos sociais e uma audiência vital.

São produzidos por redes de profissionais da área de comunicação e ativistas, frutos

de um mix de trabalho voluntário e remunerado. Estas redes são apoiadas financeiramente por instituições do terceiro setor, públicas e empresariais, consórcios de ongs.

Conforme o site do CMI Brasil “Cada coletivo desenvolve projetos locais e todos eles, coletivamente, participam da

gestão do site. Todos os coletivos se organizam de forma não hierárquica e têm o compromisso de aceitar os princípios e a política editorial.” [8]

Já a RITS tem como missão “ser uma rede virtual de informações, voltada para o

fortalecimento das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais.” [9] O COPYLEFT A mídia autônoma é de pequena escala, normalmente de baixo custo, dependente do

trabalho voluntário. No caso das experiências em análise, tanto a produção coletiva quanto à distribuição acontecem na Internet, um meio onde a publicação é de baixo custo e possível de ser desenvolvida por qualquer um que tenha um computador e uma linha telefônica.

Um dos segredos do sucesso da mídia autônoma está diretamente relacionado ao

conceito de copyleft como política editorial. O princípio do copyleft – a renúncia do direito autoral, partindo da concepção de que a informação é um bem comum para ser compartilhado, não é propriedade, nem mercadoria – é a base do funcionamento da mídia independente. A reprodução livre estimula a difusão e reedição das informações, permitindo ampliar o alcance das notícias veiculadas.

Antonio Martins, um dos editores da Ciranda, afirma que "A Ciranda tornou-se conhecida menos pela facilidade prática que ofereceu aos

jornais independentes, e muito mais pela ousadia de materializar, durante um fórum que debate alternativas, uma saída contra a mercantilização do saber." [10]

Paulo Henrique Lima, coordenador de informações da Rede de Informações para o

Terceiro Setor (Rits), ong que é apoiadora da Ciranda e produtora da Rets, explica que "... a noção de informação livre foi o mote para transpor para o jornalismo o conceito

que permitiu o florescimento, nos últimos anos, do chamado 'software livre': o copyleft. A palavra é um trocadilho notável. O direito de propriedade intelectual é conhecido, em todo o mundo, pela expressão inglesa copyright. Mas right, em inglês, significa direito e também direita. Left é a tradução de esquerda e, ao mesmo tempo, o particípio do verbo to leave: deixar, autorizar, oferecer. Copyleft, portanto, é o contrário de copyright...” ·

No CMI Brasil, na página de orientação para a publicação de matérias no programa

Publique, o copyleft é apresentado como uma política de comunicação com link para uma extensa matéria sobre a questão da propriedade privada e livre dos direitos intelectuais, da qual transcrevemos o seguinte trecho que elucida a origem do movimento:

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“Quando Stallman iniciou o movimento pelo software livre, ele concebeu um tipo de licença de direitos autorais que assegurava a manutenção das liberdades em versões reproduzidas e melhoradas dos programas. A esse tipo de licença, Stallman deu o nome de "copyleft" (esquerdo autoral), num trocadilho com "copyright" (direito autoral) [15]. Ao invés de simplesmente abrir mão dos direitos autorais, o que permitiria que empresas se apropriassem de um programa livre, modificando-o e redistribuindo-o de forma não livre, Stallman pensou num mecanismo de constrangimento que assegurasse a manutenção da liberdade que o programador havia dado ao programa. O mecanismo pensado era reafirmar os direitos autorais abrindo mão da exclusividade de distribuição e alteração desde que o uso subseqüente não restringisse aquelas liberdades. Em outras palavras, a pessoa que recebia um programa livre, recebia esse programa com a condição de que se o copiasse ou o aprimorasse, mantivesse as características livres que tinha recebido: o direito de rodar livremente, de modificar livremente e de copiar livremente. Com isso, os programas livres, frutos de esforços coletivos voluntários, ganhavam uma licença que garantia que mesmo que as empresas quisessem usá-los e distribuí-los, o fizessem de forma a manter suas liberdades iniciais.” ·

Atualmente o movimento pelo copyleft, pela livre circulação da cultura e do saber

ampliou-se muito além do universo dos programadores do software livre e é uma das bandeiras dos movimentos anti-hegemônicos. Da mesma forma que as redes de economia solidária e as feiras de trocas na área de produção e de consumo de bens materiais, o copyleft, no campo da produção de bens culturais, é uma experiência que aponta para formas alternativas de organizar a economia. Atualmente, o conceito de copyleft é aplicado na produção literária, científica, artística e jornalística.

Conclusão Os estudos permitiram entender melhor a questões colocadas inicialmente: como a

Internet facilita a comunicação das ongs e movimentos sociais junto a seus públicos, a partir do desenvolvimento do jornalismo on-line e qual o padrão de comunicação social que emerge da experiência.

A investigação realizada mostra que atuação de grupos autônomos de produtores de

mídias como reação ao poder das corporações na área da comunicação e a propagação global de uma cultura unidimensional voltada para o estímulo do consumo e de apoio à globalização capitalista é, de forma incontestável, um fenômeno atual, com diferentes expressões e exploração de linguagens e ferramentas de comunicação.

O trabalho identifica como a Internet facilita a comunicação das ongs e movimentos

sociais junto a seus públicos, a partir do desenvolvimento do jornalismo on-line, explorando possibilidades de trabalho coletivo e com experimentações em comunicação. Mostra como o jornalismo produzido pelos movimentos e ongs beneficia-se dos aspectos mais positivos dos avanços tecnológicos no campo da comunicação e da informática: baixo custo da produção, interatividade, mudanças na relação emissor-receptor, visibilidade, transparência, autonomia.

As pesquisas sobre a mídia radical, realizadas por John D. H. Downing e sua equipe,

iluminam um tipo de comunicação que tem características bem demarcadas, que a diferenciam da produção das corporações de mídias e de grandes empresas de comunicação: a produção da comunicação tem o propósito de expressar verticalmente, a partir de setores subordinados, oposição direta à estrutura de poder; seu comportamento rompe regras, mas não totalmente; normalmente tem poucos fundos; tipicamente de pequena escala; pode ser vítimas de perseguição e repressão; pode ter vida curta; apresentam formatos variados; às vezes e na maioria dos casos, se atrapalha com seu radicalismo e com a eficácia de sua comunicação; pode representar forças radicalmente negativas (como o racismo) e forças construtivas.

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As experiências analisadas variam em decorrência das diferentes maneiras de viver a

radicalidade da relação entre auto-expressão e trabalho coletivo, do uso de tecnologias de comunicação, das relações de poder e cultura política e objetivos dos produtores da mídia. A autonomia e a ação coletiva coordenada de forma horizontal (não subordinada) são princípios formativos destes grupos de comunicadores e orientam sua ação. O produto é diferente porque há diferenças nas relações de produção. A mídia alternativa não é só um outro formato e conteúdo, ela é também uma outra forma de produzir comunicação.

A nova forma de produzir comunicação cria alternativas para o exercício de um

jornalismo diferenciado e conseqüentemente aponta para novas configurações do mercado de trabalho para o profissional de comunicação.

O estudo confirmou a percepção de que a área de comunicação é estratégica para

ongs e movimentos sociais, facilitando sua articulação, expressão e sustentabilidade. Neste contexto de estratégia vital, ficou clara a vinculação entre os novos movimentos sociais, por exemplo, o ambiental, gênero, direitos humanos, antiglobalização capitalista, identidade étnica, com a Internet.

Em relação às questões relativas com a formação de uma esfera pública sempre

presentes quando se trata de comunicação social, concordo que o desenvolvimento dos meios de comunicação criou novas formas de interação,

novos tipos de visibilidade e novas redes de informação no mundo moderno [...] precisamos repensar o significado do ‘caráter público’ hoje, num mundo permeado por novas formas de comunicação e de difusão de informações, onde os indivíduos são capazes de interagir com outros e observar pessoas e eventos sem sequer os encontrar no mesmo ambiente espaço-temporal (THOMPSON, 2004, p. 72).

Sobre as relações mídia empresarial, sociedade e interesse público, recupero as

palavras do professor Arlindo Machado, Em se tratando de discussão sobre mídias, parece-me que, no Brasil, são as próprias

mídias hegemônicas que colocam temas para o debate público. Jornais e televisão, principalmente, ditam as questões que em seguida serão discutidas não apenas nos lares, bares e escritórios, mas também nos ambientes intelectuais, nas salas de aula, nas publicações e nas revistas especializadas. Não há nada de errado no fato das mídias convencionais buscarem impor à sociedade os debates que lhe interessam. Isso só atesta sua força. O problema é saber porque nos tornamos incapazes de colocar os nossos próprios temas e nos restringimos à tarefa secundária de intervir num debate desencadeado pelas mídias hegemônicas (in DOWNING, 2002, p.10).

Acredito que a mídia que foi objeto de estudo é resultado de um esforço de auto

agendamento realizado por grupos organizados de cidadãos para um debate público que corresponda aos interesses anti-hegemônicos da sociedade. A nova forma de produzir comunicação cria alternativas para a produção de um jornalismo diferenciado e conseqüentemente aponta para novas configurações do mercado de trabalho para o profissional de comunicação.

Além destas questões, como trabalho de conclusão de curso, o estudo levou-me

muitas vezes a refletir sobre a formação do jornalista e o campo da comunicação que estava estudando. Poucos cursos universitários da área de comunicação social incorporaram em seus currículos os conteúdos e práticas adequadas para o desenvolvimento destas novidades sociais, políticas, econômicas, tecnológicas. Atualmente esta formação é, em grande parte, resultado de forte autodidatismo de

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pessoas e instituições envolvidas nas práticas da comunicação alternativa. Processo riquíssimo de produção coletiva de conhecimentos e de cultura gerado em redes de pessoas, grupos, instituições em todo o mundo e que acontece com grande distanciamento da maioria das instituições de ensino superior, penetrando nelas apenas como projetos marginais, localizados.

Por isso, destaco a estruturação destas experiências como campos de conhecimento

e de trabalho profissional como uma questão de importância e de interesse para setores que atuam na formação dos comunicadores. Domínio de programas para trabalho coletivo, criação, alimentação e edição de conteúdo para sites, produção de conteúdo multimídia (reportagens e textos que explorem as imagens, o som e o texto no discurso) exploração do hipertexto, edição de imagem, som e texto, enfim são muitas as habilidades e conhecimentos exigidos para a atuação profissional nas novas mídias. Além destes, as mídias alternativas abrangem conteúdos políticos que valorizam a cooperação, o interesse público, a cidadania e temas contemporâneos como as relações sociedade e natureza, as questões de gênero, os conflitos étnicos, direitos humanos, todos com grande potencial de contribuir para a atualização do ensino do jornalismo. Notas [1] Movimentos sociais: ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. (GOHN, 2003) [2] http://www.indymedia.org/pt/index.shtml [3] http://www.ciranda.net/ [4] Estou citando apenas duas experiências, mas são inúmeras. [5] Disponível em http://www.midiaindependente.org [6] Disponível http://www.ciranda.net. [7] Entrevista realizada por meio de correio eletrônico, em junho de 2003. [8]Disponível em htpp://www.midiaindependente.org [9] Disponível em http://www.rits.org.br/oquee_teste/oq_earits.cfm [10] Disponível em http://www.comciencia.br/reportagens/internet/net09.htm Referências CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 2001. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra. Vol.I., 2000. ______. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor. 2003. DOWNING, John. D. H. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo. Editora SENAC, 2003. ENZENSBERGER, Hans Magnus. Indústria da consciência. In:______. Com raiva e paciência: ensaios sobre Literatura, Política e Colonialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. ______. Elementos para uma teoria dos meios de comunicação. São Paulo, Conrad Editora do Brasil. 2003. MORAES, Denis de. O capital da Mídia na lógica da globalização. In: MORAES, Denis de (Org.) Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. RAMONET, Ignácio. O poder midíatico. In: MORAES, Denis de (Org.) Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes. 2004. *Vivianne Amaral é Jornalista, consultora na área de redes organizacionais, editora do site www.rebea.org.br, facilitadora da Rede Brasileira de Educação Ambiental. Gradução na UNAERP Guarujá – 2004. Contato: [email protected]

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