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INSURGÊNCIAS Arte,Tecnologia e Território

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Publicação que marca a realização do projeto Media Lab São Mateus em Movimento, que contou com o apoio do edital Redes e Ruas da cidade de São Paulo. Organizado pelo Coletivo Coletores ( Toni William CROSSS e Flávio Camargo SERES ) e Aluízio Marino. Os textos tratam das relações entre arte, tecnologia e território pela visão de diversos pesquisadores e ativistas. As imagens foram selecionadas de uma série de intervenções digitais e ações culturais realizadas pelo coletivo, durante o ano de 2015.

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ISBN: 978-85-68877-01-2

Centro Cultural São Mateus em Movimento

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05 PREFÁCIO Aluízio Marino

12 A CIDADE COMO OBRA ABERTA Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira

18 ARTE, TECNOLOGIA E DIREITO À CIDADE. Aluízio Marino e Toni William CROSSS

32 TERRITÓRIO: ESPAÇOS AFETIVOS Antonio Eleilson Leite

38 EXISTE SANGUE COLETIVO ESCORRENDO AQUI!!! Bruno POG

45 OCUPAR A CIDADE E LIBERTAR SUAS ENTRANHAS Beá Tibiriçá

56 A EXPERIÊNCIA DE SÃO MATEUS Kéroly Gritti e Carol Santos

66 TECNOLOGIA E PARTICIPAÇÃO: HORIZONTES AO GOVERNO ABERTO Laila Bellix

95 AGRADECIMENTOS E FICHA TÉCNICA

98 ÍNDICE DAS IMAGENS

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A organização deste livro é fruto de um trabalho coletivo. Trata-se da materiali-zação de um processo de pesquisa-ação desenvolvida pelo Coletivo COLETORES – formado pela dupla de artistas multimídia, Toni William (CROSSS), e Flávio Ca-margo (SERES) - em parceria com aquele que escreve o presente prefácio.

De forma breve, compreendemos a pesquisa ação como um exercício onde “en-quanto você trabalha, você também observa”. Em um cenário onde a observação /avaliação tem como finalidade o aperfeiçoamento das práticas rotineiras. Na pesquisa ação, a teoria e a prática são indissociáveis.

Especificamente, é uma pesquisa que se debruça sob a atuação dos COLETO-RES, que durante o ano de 2015 contaram com o apoio do edital Redes e Ruas para criar o Media Lab São Mateus em Movimento. Uma proposta ousada, cujo objetivo principal foi implementar um polo de cultura digital, sob a gestão de um coletivo cultural, o primeiro localizado em uma favela, a saudosa Vila Flávia.

Acredito que cumprimos com nosso objetivo inicial. No período de um ano, con-figuramos um espaço aberto e livre, destinado à formação, criação e difusão de diversos elementos que compõe a cultura digital.

Dentre as experiências vivenciadas, destaco:

Intervenções urbanas: com video mappings que circularam em espaços públicos importantes da cidade de São Paulo, tais como o MASP, a Praça da Sé e o Largo do Arouche.

Aluízio Marino

Pesquisador e militante da cultura é membro da Rede São Mateus em Movimento.

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Processos formativos e de multiplicação: com oficinas realizadas no espaço São Mateus em Movimento, de raciocínio lógico e lúdico, para crianças, e de ela-boração de games, fotografia digital e video mapping, para jovens e adultos; e workshops em diferentes telecentros, onde foram abordadas a história e as téc-nicas de video projeção existentes.

Interações estéticas: a partir de um evento cultural que integrou elementos tradicionais, urbanos e digitais que compõe a diversidade cultural presente na região de São Mateus. Um espetáculo que juntou, em um só palco, SAMBA, com a presença de membros do Berço do Samba de São Mateus, RAP, do grupo for-mado por mulheres, Odisseia das Flores, GRAFFITI, do reconhecido Grupo OPNI e CULTURA DIGITAL, com os video mappings do coletivo COLETORES.

Durante o desenrolar das ações culturais, observamos, entre muitas questões, a necessidade de refletir acerca da relação entre a arte e a tecnologia, especifi-camente a partir do contexto das periferias. Tema este que nos rendeu um leque de inquietações, dentre elas: de que forma os coletivos se apropriam das novas tecnologias; a compreensão da (re)significação das resistências; e, neste novo cenário de possibilidades, qual seria o verdadeiro papel do Estado e das políticas públicas?

Com base nisso, convidamos produtores, militantes da cultura, artivistas, pes-quisadores e gestores públicos para que colocassem visões e colaborassem na construção do presente livro, cuja intenção é servir como referência para outras ações semelhantes, pesquisas e para a construção de novas políticas culturais.

Nos três primeiros textos, encontramos reflexões acerca da cidade como um território em disputa. A professora da Universidade de São Paulo, Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, evidencia a cidade como uma obra aberta, onde os coletivos culturais são atores importantes na construção de novas possibilidades e sub-jetividades.

Como forma de (re)significar as lutas e resistências, os coletivos se apropriaram do universo da cultura digital. Por exemplo, através de ações que propõe um di-álogo entre a arte e a tecnologia. Essa relação, em conjunto a noção do “direito à cidade” é a discussão que estabeleço com meu amigo Toni William, no segundo texto do livro.

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A cidade compreendida de forma ampliada, como um território afetivo, e o urba-nismo observado para além do mercado, como um urbanismo cidadão, são discus-sões estabelecidas no terceiro texto, contribuição do historiador e coordenador de cultura da ONG Ação Educativa, Antonio Eleilson Leite.

Os dois textos seguintes – de cunho poético e militante –, autoria do produtor cultural, Bruno POG (Coletivo Lado Sujo da Frequência), e da artivista, Beá Ti-biriça, evidenciam a importância dos coletivos culturais. Para tanto, ambos os autores utilizaram sua rica experiência prática para justificar o potencial destes grupos, se queixar da conjuntura atual e exigir um outro cenário, onde exista maior espaço para suas vozes e ações.

Os dois últimos, mas não menos importantes, são textos que trazem o olhar da política pública. Primeiramente, a visão da equipe do edital redes e ruas na Secretaria Municipal de Cultura, formado por Kéroly Gritti e Carol Santos, sobre o projeto Media Lab São Mateus em Movimento. Para finalizar, o olhar inovador da educadora e gestora, Laila Bellix, que, a partir da realidade vivenciadas na iniciativa São Paulo Aberta, desenvolve uma reflexão acerca da relação entre a tecnologia e a participação social.

Ao longo do livro, é possível verificar registros fotográficos de todo o projeto, com ênfase nas intervenções realizadas pelos COLETORES. Ao final, no índice de imagens, podemos encontrar a localização exata de cada intervenção.

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Início da noite de um sábado de maio. Praça da República, centro de São Paulo, ocupada por uma multidão de pessoas entre frequentadores ocasionais e habituais, muitos deles moradores da praça. Som alto vindo do palco montado para o show, cir-cundado por barracas de comidas, vendedores ambulantes circulando pela multidão ou montando estruturas precárias para exibir seus produtos. Mudança efêmera na paisagem da praça. Como é outono em São Paulo, a cidade já se fez noite, escura o suficiente para que intervenções projetivas na fachada dos prédios situados em seu entorno sejam visíveis. Alvos, rostos, palavras, personagens, compõem o banco de imagens projetadas e remixadas sobre a parede inerte que ganha potência no ato da projeção. Imagens são criadas, superpostas e recombinadas. Transeuntes param para ver a fachada que se fez tela, passageiros avistam as imagens através da janela dos ônibus, os que na praça percebem a intervenção fixam seu olhar na fluidez das imagens que revelam uma multiplicidade de relatos.

À cidade profusão são acrescidas camadas que permitem novas composições, ci-dade caligrafia, enorme caderno de desenho no qual podem ser inscritas palavras e imagens. Potência na fugacidade, na rapidez, na criação de fluxos múltiplos de linhas que saltam, inventam rostos, paisagens e palavras. O acréscimo de imagens que se sobrepõem em camadas dá forma às fachadas rijas, gesto oposto ao do escultor que

Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira

Docente e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Escola de Comunicações e Artes da Universida-de de São Paulo (ECA-USP).

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desbasta para compor, dar forma. Videomapping que age por adição, cria tensões e novas poéticas às fachadas cansadas da cidade que se dão a ver através de novas experiências de tempo e de espaço. A cidade como arquivo vivo cria novas memórias a partir das intervenções, potência para novas escrituras a partir da recombinação de imagens.

*Cidade relação, interação, aglutinação. Cidade superfície. Cidade leveza. Cidade densidade. Cidade refugo. Cidade processo. Cidade polifônica. Cidade irredutível. Ci-dade patrimônio. Cidade antropofágica. Cidade performance. Cidade exposta, reme-xida, incompleta. Cidade poética*

A ação do Coletivo Coletores tensiona a cidade, faz refletir acerca do posiciona-mento de sujeitos e coletivos frente a novas formas de produzir e usar a cultura e a arte, de habitar a cidade e de criá-la, de lidar com novos suportes e linguagens, de se comunicar a partir de outros meios, de criar discursos que consubstanciam experiências individuais e coletivas. As tecnologias digitais potencializam ações: ora suporte, ora território, como afirmam. A cidade colagem, formada e transformada na sobreposição de imagens efêmeras, é criação coletiva e processual, fugaz. A cidade como arquivo vivo gera e recombina enunciados a partir do emaranhado de relações que se tece em seu interior, gerando novos documentos.As ações propostas pelo Coletivo Coletores (ademais, como muitas ações que pipo-cam pela cidade) são performances, apreendidas através de suas manifestações, daí seu caráter processual e experimental. A intensidade da experiência performática cria uma zona de suspensão temporal e espacial que provoca, afeta, abala e inspira. Performance é risco, suspensão. Os coletivos efetuam novas agregações, outras maneiras de trabalhar, de criar, de viver, instaurando laços em interações conecti-vas. São atores fundamentais em ação na cidade e nas redes.

A complexidade dos processos contemporâneos se manifesta de maneira mais visível nas cidades. No território da cidade se dá a cultura ao vivo a partir dos encontros, confrontos, interações, interseções, interconexões, reivindicações. Henri Lefebvre em seu clássico livro O Direito à Cidade, destaca que tal direito expressa uma rela-ção orgânica entre o individual e o coletivo a partir da ideia de que a vida urbana se efetua nos encontros e confrontos das diferenças, dos reconhecimentos recíprocos, dos diferentes modos de viver, usar e habitar a cidade. O direito à vida urbana diz respeito à apropriação da cidade como lugar que se habita, obra de participação e criação coletiva. Lefebvre reivindica o direito à cidade lúdica, à vida urbana renovada, transformada, obra aberta na qual a arte pode gerar estruturas de encantamento.

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Ainda Lefebvre: por que não opor à cidade eterna, as cidades efêmeras e aos centros estáveis as centralidades móveis?Performances efêmeras na cidade ativam a ideia da cidade como obra aberta, como devir. A fisionomia da cidade é dada pela dinâmica dos sujeitos que a ocupam. Es-paços de criação poética coletiva são instituídos como forma de intensificar a exis-tência, de alargá-la e, nesse sentido, a ação performática na cidade potencializa o instante em que a obra se realiza.

David Harvey retoma Lefebvre e repensa o direito à cidade como um dos mais precio-sos direitos humanos, na perspectiva da liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e as nossas cidades. Para isso, temos que reivindicar o direito ativo de fazer a cidade diferente daquela que já existe, de transformá-la a partir de vontades e necessi-dades coletivas, configurando formas alternativas de simplesmente ser humano, criando, reimaginando e refazendo permanentemente o espaço urbano. A cidade como processo ressuscita a ideia da cidade como espaço fundamental da experiên-cia humana, propiciadora de contatos e intercâmbios, arena onde se tornam visíveis e audíveis os desejos da multiplicidade de vozes que constituem a sociedade. Para Rogério Proença Leite, o espaço público constitui-se em categoria sociológica da visibilidade, da diferença e dos conflitos, que se estrutura através da presença de ações que atribuem diferentes sentidos aos espaços: usos e contra-usos consubs-tanciam espaços públicos a partir de dialógica interação política e exteriorização dos conflitos e das discordâncias, locais de publicização das diferenças e, por isso mesmo, de confrontos e de diálogos.

Vivemos hoje a emergência de processos criativos em espaços distribuídos pela cidade, muitos deles improváveis, fortalecendo microlocalidades e a multiplicidade de vozes, imbricações e interações, estabelecendo redes de tensão, potencializando o desejo de criação de outros tempos e espaços, a geração de experiências, afetos e sinergias.

A sociedade civil é ator chave na dinâmica contemporânea e a compreensão dos novos processos nas práticas culturais e artísticas, amplamente ancorados nas tecnologias de informação e comunicação, não pode ser apartada da dinâmica po-lítico-social de forma mais ampla. A proximidade e a vida sem mediação são eixos emergentes do protagonismo que vem ganhando corpo e se efetuando nas ruas e nas redes - fluxos e nós - centrados de maneira crescente nas experimentações, ensaios, tentativas e erros.

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A obra que ora apresentamos é composta de artigos de coletivos digitais que re-fletem sobre sua experiência, além de textos de colaboradores cuja abordagem as-sume perspectiva teórica. No conjunto, esta publicação é uma rica abordagem da forma como se configura a ação cultural na cidade, permeada pela emergência de uma multiplicidade de vozes, interações e tensões.

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Nas periferias de São Paulo os jovens sempre se organizaram em grupos distintos, trabalhando com arte e cultura. Nos anos 80 e 90 era forte a presença das posses de HIP HOP, crews de graffiti, saraus de literatura periférica, grupos de pichação, skatistas, etc... Já nas duas últimas décadas verificamos um processo em que esses grupos distintos passam a se identificar como coletivos culturais.

Os coletivos culturais das periferias de São Paulo, bem como de outras metrópoles latino americanas, pouco tem haver com a noção acadêmica que o termo conota. Sua história não possui relação direta com os situacionistas, com o movimento flu-xus ou com a ideia de pop-art.

Seu DNA de origem é a naturalidade como esses sujeitos sempre se organizaram, encontrando na arte uma forma de se relacionar e expor suas demandas. Se for-mos mais além, podemos dizer que o surgimento dos coletivos culturais periféricos possui forte relação com as coletividades estabelecidas no processo de autocons-trução desses territórios, em outras palavras, os filhos e netos daqueles que - com muitas dificuldades - tiveram que construir suas próprias moradas, prosseguem com a autoconstrução da periferia, contribuindo diretamente para a fortalecimento das identidades culturais, a partir da criação de novas subjetividades coletivas.

Atualmente, esses movimentos atuam com uma estratégia muita interessante, pro-pondo a ressignificação lutas e resistências passadas. As tecnologias da informação

Aluízio Marino e Toni William CROSSS

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e as redes sociais são ferramentas utilizadas para reforçar demandas históricas, a cultura digital potencializa elementos urbanos e saberes populares, ampliando o debate e amplificando audiências de uma forma até antes nunca imaginada.

Aqui entendemos esses coletivos culturais como uma nova forma de resistência. Atores que, no contexto de uma sociedade informacional (CASTELLS, 2009) se apro-priam das novas tecnologias, atuando nas redes e nas ruas. Nesse bojo, discutimos a questão da cultura digital, como ferramenta e “território” de ação para esses coletivos.

Cultura digital é um termo que surgiu na última década, relacionado ao advento das tecnologias e conexões digitais, principalmente da internet. Portanto, em um cená-rio dinâmico e complexo, onde o surgimento de novas ferramentas amplia significa-tivamente as possibilidades de interação, transformando de forma radical a relação entre a comunicação e a cultura, em escala local e global. Esse cenário complexo torna a definição de cultura digital uma tarefa árdua, podemos afirmar que estamos vivendo esse momento, portanto não existe ainda uma definição consensual de seu significado.

Até aqui, ficou claro que a relação entre o digital e a cultura é complexa, entretan-to podemos sintetizar essa discussão ao entender que, para a cultura, o digital pode servir ora como suporte, ampliando as possibilidades de acesso, conexão e

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intercâmbio, ora como território para ações culturais específicas. Nesse sentido, a cultura digital não deve ser entendida como uma tecnologia, mas como um sistema de símbolos, valores, atitudes e práticas.

Alguns tratam a cultura digital só como uma tecnologia, só como uma técnica [...]. Agora, se pensarmos como cultura e não só como suporte, acredito que captamos a essência desta transformação, que é a cultura das redes, do compartilhamento, da criação coletiva, da convergência. São processos vivos de articulação, processos políticos, sociais, que im-pactam nosso modo de vida.” (SAVAZONI & COHN, 2009. p. 35)

Seja utilizando as tecnológicas digitais como suporte ou como território, esses mo-vimentos ganham novas possibilidades de interagir e criar soluções inovadoras para as questões apresentadas pelo século XXI.

Nosso objetivo aqui é analisar o potencial das ações coletivas que, nas periferias de São Paulo, mesclam arte e tecnologia - trabalhando assim na perspectiva da cultura digital. Para tanto o texto se organiza em duas partes: (i) na primeira discutiremos a cultura digital entendida como possibilidade de resistência no século XXI; (ii) na segunda parte analisaremos, a partir de uma metodologia orientada pela pesquisa ação, uma série de intervenções urbanas realizadas pelo coletivo COLETORES entre 2014 e 2015, que utilizam da técnica do vídeo mapping1, transformam a cidade em um grande suporte para a mescla entre arte e tecnologia.

1. CULTURA DIGITAL COMO FORMA DE RESISTÊNCIA

A sociedade informacional, ou sociedade em rede, é uma definição cunhada pelo sociólogo espanhol, Manuel Castells. Para CASTELLS (2009), o advento das novas tecnologias da informação e comunicação alteraram radicalmente a forma como a sociedade se organiza, sugerindo portanto uma ruptura histórica.No contexto pro-posto por Castells, a informação possui maior valor e importância, já que com a digitalização e a possibilidade de compartilhamento instantâneo e em escala global, o poder de quem detém a informação ganhou proporções até antes nunca imaginadas.

De forma mais crítica do que se comparada a Castells, Antonella Corsani (2003) analisa o cenário informacional sob a ótica do capitalismo. Identificando o surgi-mento de uma nova modalidade, o capitalismo cognitivo. A autora defende a ideia do que a diferença para o capitalismo tradicional é que, o conhecimento, além de um

1Consiste em uma técnica de projeção de vídeos, imagens ou animações em superficiais irregulares, utilizando um software capaz de adaptar os conteúdos da projeção as características de cada super-fície.

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recurso, é também caracterizado como um produto. Graças às novas tecnologias da informação passamos de uma sociedade que prioriza a produção de mercadorias para um sistema que prioriza a produção do conhecimento.

Com o capitalismo cognitivo a novidade da história não consiste tanto na centralida-de do conhecimento como força produtiva [...], mas no fato de que o conhecimento é, agora, ao mesmo tempo um recurso e um produto, desincorporado de qualquer recurso e de qualquer produto. (CORSANI, 2003. p. 26)

O presente trabalho não pretende detalhar as questões abordadas acima. Para nossa reflexão é importante entender principalmente que: vivemos um momento particular da história, onde a sociedade e o capitalismo – entendido como ideologia hegemônica, sob a qual nossa sociedade está organizada – se transformaram radi-calmente após o surgimento das novas tecnologias. Mais importante ainda é com-preender que, neste cenário complexo e dinâmico, as possibilidades de resistência são diferentes e diversas. Uma análise interessante acerca dessa complexidade é estabelecida por Antônio Negri e Michael Hardt, quando esses autores discutem a ideia de multidão, entendido como um substituto da classe operaria. A multidão é o sujeito revolucionário de um novo formato de capitalismo. “O conceito de multidão pretende repropor o projeto politico de luta de classes lançado por Marx” (HARDT; NEGRI, 2004. p. 146).

Para Silveira (2014, p. 28), “nesse complexo contexto, se organizam as resistên-cias, e praticas de enfrentamento e criação são forjadas”. Ou seja, ao mesmo tempo em que as redes digitais servem ao capitalismo cognitivo, também são um recurso para os movimentos sociais. Por isso “as disputas tecnológicas atuais são disputas cada vez mais políticas”. Podemos citar, como formas de resistência existentes nessas disputas tecnológicas, atores como os hackers, ciberativistas, coletivos que mesclam arte e tecnologia, etc...

Portanto a cultura digital pode ser utilizada como uma forma inovadora de resistên-cia ao capitalismo e, dentre suas possibilidades de ação concreta, estão aqueles que integram arte e tecnologia. Os coletivos culturais são os principais expoentes desse tipo de atuação artística e política, realizando intervenções que envolvem técnicas diversas, como o vídeo mapping, o game, o software livre, o geoprocessamento, etc.

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2. ARTE E TECNOLOGIA: COLETORES EM AÇÃO!

O texto aqui apresentado não visa tecer uma base teórica que de conta de con-templar as mais variadas conexões entre arte e tecnologia, no entanto, é preciso elencar alguns fundamentos básicos para facilitar o entendimento da exposição aqui apresentada, e o quanto dessa relação influencia as ações realizadas pelo coletivo COLETORES.

Uma das conexões mais naturais entre arte e tecnologia parte do seu radical grego TEKHNE que baliza os dois conceitos como oriundos dessa mesma matriz. Outro ponto importante de ressaltar nessa exposição é como a relação entre arte e tec-nologia estrutura um caminho para se compreender as manifestações da arte digital na arte contemporânea, assim como Michael Rush enquadra:

“A aliança ocasionalmente conturbada entre arte e tecnologia amadure-ceu: a marcha inexorável do mundo para uma cultura digital (ou computa-dorizada) inclui a arte em seus passos. A arte digital é um meio mecani-zado cujo potencial parece ilimitado.” (RUSH, 2013. p.162).

Para Rush a discussão entre arte tecnologia não se resume a uma discussão fecha-da sobre arte e técnica, mas sim, que essa relação parte de um referencial cultural, que hora se coloca como influência e hora como influenciada. A cultura digital, por exemplo, não se restringe as ferramentas, gadgets, redes sociais, códigos e interfa-ces, mas sim, o quanto desses mecanismos intermediam as relações humanas; com a arte isto não é diferente, pois, como parte intrínseca de sua natureza criadora, muitas vezes é através dela que a cultura se renova e/ou provoca suas transforma-ções.

Wolf Lieser entende que na cultura digital as experiências artísticas, independente da linguagem, tem no digital um potencial existencial, inovador e (re) significante, tencionando na contemporaneidade os cânones processuais, de exibição, interação, autoria e comercio. Tem no desafio da compreensão dos códigos numéricos uma vontade de construir novas linguagens e novos rumos para linguagens pré-estabe-lecidas.

A arte digital transformou-se numa disciplina que agrupa todas as ma-nifestações artísticas realizadas por computador. Por definição estas obras de arte devem ter sido obrigatoriamente elaboradas de forma di-gital e podem ser descritas como uma série eletrônica de zeros e uns.

(LIESER, 2009. p. 11).

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A linguagem digital aqui analisada é do vídeo mapping, que se trata de imagens pro-cessadas e executadas digitalmente, via tecnologia computacional, depois exibidas via projetores de imagens. O vídeo mapping dialoga diretamente com a técnica do cinema, entretanto, não se restringe ao espaço fechado e seu suporte (tela) pode ser de natureza bidimensional e tridimensional. Enquanto o cinema prevê uma ação de duração fixa, repetitiva e imóvel, o vídeo mapping tem o frescor e a presença da casualidade, um aqui agora que só se faz possível na convergência do digital. Imagens estáticas e em movimento, imagens capturadas e processadas antes e/ou durante a exposição.

Para o coletivo COLETORES esse foi o ponto mágico que mobilizou sua pesquisa atual, a possibilidade de agrupar um banco de dados e imagens, que podem ser processadas em tempo real permitindo uma ação/adaptação dinâmica em diferentes contextos. Os COLETORES são nômades urbanos, atuam coletivamente e em trân-sito por entre lugares e linguagens; na rua desde 2009, fazem do seu percurso seu atelier, das relações sua matéria prima e dos territórios sua galeria. Com um projeto intitulado Atelier Livre, os COLETORES vem desenvolvendo ações transdisciplinares que discutem arte urbana, tecnologia, arte educação, arquitetura e geografia, con-vergidos numa escultura social.

Especificamente a versão do projeto Atelier Livre realizada entre 2014 e 2015 combina a ação da tecnologia digital e o olhar do artista urbano, em diálogo com as questões presentes em cada lugar por onde o coletivo atuou. O projeto intitulado “Atelier livre Media lab.: Vídeo performance projetiva” propõe uma experiência de arte pública inovadora por meio de vídeo projeções mapeadas em grande escala no espaço público, que incorporam não apenas elementos gráficos e pictóricos dos graffitis e pichações urbanas, mas, aliam também imagens em movimento, como: vídeo, dança e animação numa ação dialética que ocorre na relação com os espaços escolhidos para as intervenções.

Com o desenvolvimento das tecno-imagens, alcançamos o mundo da comunicação nulo-dimensional, uma vez que as imagens técnicas, produzidas por aparelhos, nada mais são que uma fórmula abstrata, um

algoritmo, um número. (BAITTELO, p. 81, 2003)

Embora as projeções mapeadas partam da mesma matriz/banco de dados e do mesmo dispositivo de disparo, tem no território de projeção, ou espaço tela, (assim como o próprio COLETORES define), o fator diferencial para a vídeo performance projetiva.

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Pois, é no lugar (tempo/espaço) que o contexto é (re) significado pelas intervenções, gerando uma experiência única e temporária, para os artistas e os participantes.

Nada mais eloquente do que ver e estar em um evento dos COLETORES. As pessoas encontram em seu cotidiano imagens projetadas que as surpreendem e que - ao mesmo tempo- são imagens delas mesmas; estas as fazem pensar em quem são o que são e onde estão no aqui e no agora. (Salles, 2014. p. 10)

As imagens aqui expostas trazem um pouco das ações do coletivo COLETORES em diferentes contextos pontuando as variadas ações e possibilidades estéticas por meio da arte e tecnologia em diálogo com os territórios.

3. APONTAMENTOS FINAIS

Entendemos aqui que as ações do coletivo COLETORES, tais como de outros cole-tivos culturais que trabalham ou não com as possibilidades existentes na cultura digital estão relacionadas a uma a lógica dos movimentos sociais urbanos, que, em suas ações nas redes e nas ruas, clamam o direito à cidade.

Em sua mais recente obra, intitulada Cidades Rebeldes, o geografo britânico, David Harvey, resgata a ideia de Henri Lefebvre. Para o autor o direito à cidade é entendi-do, simultaneamente, como uma queixa e uma exigência. A queixa seria com relação às condições desfavoráveis ao pleno desenvolvimento da vida cotidiana na cidade. A exigência, de que a partir de um novo olhar e novas práticas urbanas, é possível criar alternativas para uma vida cotidiana “menos alienada, mais significativa e divertida” (HARVEY, 2014, p. 11).

“O direito à cidade não é um direito individual exclusivo, mas um direito coletivo con-centrado” (HARVEY, 2014, p. 246). Todos aqueles que participam ativamente da di-nâmica da cidade, incluindo os coletivos e trabalhadores da cultura, tem direito, “não apenas àquilo que produzem, mas também de decidir que tipo de urbanismo deve ser produzido, onde e como” (HARVEY, 2014. p. 245). Portanto, o direito à cidade não é um direito a algo que já está definido, pelo contrário, caracteriza-se como o direito de reconstruir, recriar uma cidade diferente.

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Portanto, no âmbito das periferias urbanas, o direito à cidade não se traduz como o direito à periferia, e sim como o direito de transformar esse território, proporcio-nando as melhorias necessárias as pessoas que ali vivem. Aqui entendemos que os coletivos culturais são atores importantes nesse processo, tratam-se de movimen-tos de resistência, presentes na periferia de São Paulo, que, através de suas inter-venções artísticas, produzem novas subjetividades coletivas, ressignificam espaços, estimulam o senso estético e crítico.

A mobilização das forças políticas e agitadoras dos produtores de cultura é certamente um objetivo de grande valor para a esquerda. Ainda que um domínio da comercialização e dos incentivos de mercado seja inquestionável nos dias de hoje, há muitas subcorrentes dissidentes e descontentes a serem detectadas entre os produtores de cultura que podem fazer deste um campo fértil para a expressão crítica e a agitação política visando a produção de novos tipos comuns. (HARVEY, 2014, p. 170).

Harvey destaca o potencial político daqueles que produzem arte e cultura. Para o autor, na cultura popular, ou seja, na produção cultural cotidiana se encontra um “espaço de esperança” para a construção de algo diferente, trata-se portanto de um espaço importante de ação política. Conclui-se assim que os coletivos culturais se enquadram nessa possibilidade, e suas “intervenções culturais podem se tornar, elas próprias uma potente arma na luta de classes” (HARVEY, 2014, p. 201).

Se formos além, é possível afirmar que o caso do coletivo COLETORES, bem como a efervescência de coletivos culturais presentes na cidade de São Paulo, não são uma exceção a regra. Existem outros grupos que atuam com arte e tecnologia em outras grandes cidades da América Latina. Assim como aponta a professora da Universida-de Central da Colômbia, Rocío Rueda Ortiz, em seu artigo “Cibercultura: metáforas, prácticas sociales y colectivos en red”:

En los años recientes se está abriendo la posibilidad de narrativas participativas donde los sujetos y colectivos juegan un papel crítico en el diseño de sistemas tecnológicos. En este mismo grupo se encuentran los estudios que integran tecnologías y arte, los movimientos de techno-art, net-art, etc., […]. En América Latina el movimiento de net-art cada vez tiene más fuerza, no sólo en la Red sino en diversos espacios, intervenciones urbanas y de acción colectiva. (ORTIZ, 2008. p. 11)

Acreditamos que, por se tratar de uma realidade latino-americana, a ação dos co-letivos culturais e a junção entre arte e tecnologia são importantes objetos de análise científica. Compreender as especificidades e potencialidades desses atores pode contribuir significativamente para o desenvolvimento de políticas públicas para

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a cultura, juventude, educação e outras temáticas. Nesse sentido, indicamos a ne-cessidade de que se amplie a produção acadêmica acerca desse tema, contemplando análises específicas sobre outros coletivos e territórios.

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Território pode ter diferentes concepções, porém, há um dado que lhe é objetivo: trata-se da delimitação de um determinado espaço geográfico. As fronteiras desse espaço, porém, são definidas pelas redes de sociabilidade e de ação política nele existentes e não, somente, pela lógica política- administrativa que organiza a cidade por bairros, distritos, subprefeituras, etc. Seu contorno, portanto, é flexível e tam-bém poroso. A delimitação de um território leva em conta fatores como identidades coletivas estabelecidas por laços de pertencimento, circuitos e determinados tipos de trajetos. A cartografia do território é assim uma construção de grande apelo simbólico e a cultura é a narrativa que trama o tecido social daquele espaço.

Colocar em perspectiva o território é, necessariamente, uma opção pelo local, seja qual for a dimensão que essa instância possa ter. Pode ser toda a periferia de uma cidade, uma determinada fração da zona periférica ou um reduto periférico encra-vado numa área central, entre outras possibilidades. Fazer esse recorte de base territorial nos coloca em contato com as demandas mais imediatas da população e também com as potencialidades que emergem das comunidades mesmo em contex-to de pobreza. Atuar no nível local nos dá a oportunidade de se criar soluções para problemas globais, promovendo ações de desenvolvimento local na chave do direito à cidade, tendo a qualidade de vida como centro articulador das experiências na busca do “bem viver” e do “bem comum”.

Antonio Eleilson Leite

Historiador, programador cultural, mestre em Estudos Culturais Pela EACH/USP e coordenador de cultura da ONG Ação Educativa

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É no âmbito do território que a luta pelo direito à cidade adquire sentido no cotidiano das pessoas. Direito à cidade aqui entendido como direito à vida urbana como define Henri Lefebvre: “o urbano como lugar de encontro, prioridade do valor de uso, inscri-ção no espaço de um tempo à posição de supremo bem entre os bens” (LEFEBVRE, 2009, p. 118) ou como acrescenta David Harvey ( tributário de Lefebvre) ao definir a reivindicação do direito à cidade como “algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização, sobre o modo como nossas cidades são feitas e refeitas, e pressupõe fazê-lo de maneira radical e fundamental” (HARVEY, 2014, p.30). Ou seja, a partir do território podemos organizar a luta por uma vida melhor nas cidades e assim alcançarmos o direito aos benefícios da própria urbanidade.

MOBILIZAÇÃO: URBANISMO CIDADÃO

A organização contemporânea das cidades é uma resposta às demandas do capi-talismo industrial gerado na Revolução Industrial e da ascensão da burguesia. As cidades surgiram para suprir o excedente de capital, resultando na especulação imo-biliária. O planejamento urbano que redefiniu Paris (paradigma dominante até os dias atuais) no século XIX, numa articulação do Capital com o Estado produziu uma massa de excluídos e foi essa massa que se rebelou e levantou a Comuna de 1871. Da mes-ma forma os movimentos sociais urbanos de maio de 1968 na França e em outras partes do mundo “procuravam definir um modo de vida urbana diferente daquele que lhes vinha sendo imposto pelos empreiteiros capitalistas e pelo Estado” (HARVEY, 2014, p. 60). No Brasil, as manifestações de junho de 2013 tiveram como impulso demandas de mobilidade urbana com ênfase na tarifa do transporte público depois ampliada para uma reinvindicação de melhorias nos serviços públicos em geral. Ou seja, as questões urbanas são historicamente estopins de grandes mobilizações de massa. O espaço urbano é latejante e numa cidade como São Paulo onde o desen-volvimento urbano produziu uma periferia segregada com alto déficit de moradia, a tensão é permanente e a mobilização constante, porém dispersa.

Um caminho é articular as diferentes lutas urbanas numa agenda do Direito à Cidade numa luta organizada a partir de redes que se articulam nos territórios. Podemos aqui atuar tanto na organização local quanto nas conexões das redes. Uma mobi-lização articulada a partir das bases locais e não sublevações de massa sazonais produzirá efeitos de mudanças mais efetivos.

O direito à cidade é uma luta necessariamente coletiva, pois trata-se de um direito iminentemente coletivo como explica mais uma vez David Harvey: “[o direito à cidade] é um direito mais coletivo do que individual, uma vez que reinventar a cidade depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo sobre o processo de urbanização” (HARVEY, 2014, p.28). A cultura e as artes têm papel fundamental aqui na medi-da em que produzem imaginários e com isso conferem densidade às mobilizações ativando sentimentos coletivos. “Os imaginários sempre se comportam em redes de contato e contágio e afetam, ao mesmo tempo, várias comunidades no mundo porque as redes de interação de suas comunidades os recolheram e foram contagia-dos de modo simultâneo” (SILVA, 2014, p. 165). Esse movimento converge para um ideário que o sociólogo Armando Silva, acima citado, chama de “urbanismo cidadão”

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um movimento de base pública que se opõe ao privatismo capitalista da especulação imobiliária e que se sustenta numa proposta estética: Urbanismo cidadão que vive as cidades de acordo com as percepções que os habi-tantes constroem delas, onde olhares grupais produzem os novos croquis cidadão e a partir de onde é possível pensarem conquistas sociais embasadas em desejos subversores dos habitantes de cada cidade, em luta para impor outros imaginários aos hegemônicos. As revoltas árabes de 2011 ou o movimento dos indignados na Espanha, que teve como medula o centro de Madri, contra tudo que “está mal feito”, são provas desse urbanismo público que usa a cidade para impor novos modos de ser cidadãos (SILVA, 2014, P. 163)

Tal perspectiva que incorpora à luta árdua pelo direito à cidade a dimensão estética, por meio do artivismo e outras estratégias estéticas tem muito a ver com o que faz na periferia da Zona Sul de São Paulo o JAMAC – Jardim Miriam Arte Clube que realiza ações de pintura de fachada de casas com estampas coloridas aplicadas com técnica de stencil demonstrando o quanto a arte pode mobilizar e tornar a vida mais bela. Também com a linguagem do graffiti, o grupo OPNI, de São Mateus criou uma galeria a céu aberto no bairro com uma série de trabalhos voltados para a de-núncia da violência que sofre a juventude negra e outros temas sociais. Do mesmo modo o movimento “Ocupe Estelita” no Recife demonstra como uma ação cultural pode interromper um empreendimento imobiliário de grandes proporções dada a sua capacidade de mobilizar por meio da arte sensibilizando a população para o impacto daquele empreendimento na paisagem urbana da capital pernambucana.

CULTURA E CIDADE

A perspectiva territorial e o direito à cidade estão na pauta das políticas culturais. Em recente artigo publicado no site do Ministério da Cultura, o ministro Juca Fer-reira, inspirado no Movimento Ocupe Estelita, acima citado, fala de uma “cultura urbana em larga escala em cuja base estão linguagens e ritos de convivência em um espaço público comum que é o espaço da cidadania”. Reconhecendo a ampliação da distribuição de renda e o maior acesso às políticas públicas, o ministro adverte que “essas transformações ainda não redundaram em uma configuração democrática de nosso território, nem funcional, nem ética e muito menos esteticamente”.

Os movimentos culturais (incluindo aqui os ciclistas) estão na vanguarda do debate sobre o direito à cidade e o fazem por meio da ocupação dos espaços públicos. A forte presença de grupos oriundos de bairros periféricos na III Conferência Municipal de Cultura de São Paulo em 2013 acelerou o processo de territorialização das po-líticas culturais do município aumentando ainda mais a prioridade para os extremos da Cidade. Entre outras medidas foi destinado mais de 90% dos pontos de cultura para a periferia numa tentativa de equalizar a falta de equipamentos públicos (60, dos 96 distritos da Capital não têm equipamentos públicos de cultura) com o apoio à grupos culturais locais.

Por outro lado, o Plano Nacional de Cultura, aprovado em 2010 criou o conceito de “Territórios Criativos” que são “bairros, cidades ou regiões que apresentam poten-

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ciais culturais criativos capazes de promover o desenvolvimento integral e sustentá-vel, aliando preservação e promoção de seus valores culturais e ambientais”, ou seja, localidades que articulam a cadeia produtiva da cultura em arranjos econômicos em circuitos curtos.

Ainda na cidade de São Paulo, o Plano Diretor recentemente aprovado criou os TICP – Território de Interesse da Cultura e da Paisagem e PEC Polo de Economia Criativa. O TICP estimula iniciativas locais na cultura, educação e meio ambiente, incentivando espaços e atividades de economia criativa, apoia grupos culturais independentes, coletivos, cooperativas e pequenos produtores culturais. Já o PEC estimula ativida-des ligadas a patrimônio cultural, artes, mídia, concedendo benefícios fiscais entre outros. A Vila Buarque, onde está a sede da Ação Educativa está no território do PEC Central.

Vivemos, portanto, um contexto que corrobora nossa busca por uma atuação terri-torializada na perspectiva do direito à cidade tendo a cultura como centro articula-dor dessa incidência.

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Há algum tempo os coletivos culturais da cidade vem cumprindo o papel do poder pu-blico nas quebradas de Sampa, eles vem conseguindo alcançar lugares inimagináveis aos gestores, teóricos e especialistas em imaginar situações utópicas dentro de suas salas na Avenida São João. Esses jovens realizadores, arregaçam as mangas e quase sempre sem nenhum recurso, fazem acontecer projetos maravilhosos. Pro-jetos que quase sempre não tem planos pedagógicos, mas transformam a realidade dos participantes, muito mais do que uma tonelada de planos impressos em papel e que quase sempre vão mofar em alguma gaveta.

De norte a sul da cidade a ideia do faça você mesmo (DIY ideologia punk dos anos 70) vem sendo resgatada e colocada em pratica nas quebradas.

O faça você mesmo, que começou com algumas bandas punks que faziam todo o trabalho com suas próprias mãos, ou seja, tudo desde a organização de shows, gravação e produção de discos, produção e venda de seu próprio merchandising, ganhou espaço na cidade e hoje atingi os mais variados tipos de produção cultural, podemos encontrar coletivos produzindo Livros, Discos, zines, shows, palestras, cursos, formações, jornalismo, exposições entre outras atividades. Tudo de maneira muito orgânica e horizontal, esses coletivos vem produzindo uma cultura viva que

Bruno POGColetivo Lado Sujo da Frequência

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quase sempre sofre mutações ao longo do processo de execução. E isso acontece porque quase sempre, esses realizadores tem a humildade de reconhecer seus erros e fazem o contrario do poder publico que acha que é melhor que os outros, e, mesmo vendo que as coisas não estão funcionando, querem manter seus planos pedagógicos a qualquer custo, transformando a produção cultural em uma coisa engessada e muito chata!

Esses coletivos hora ou outra conseguem pequenos subsídios públicos e transfor-mam pequenas quantias em grandes ações, mas não se dão tão bem com toda a burocracia imposta pelo poder publico, que os obriga a se comportarem como em-presas terceirizadas de suas ações! Não, eles não são braços do poder publico na periferia, eles são a periferia e conseguem na grande maioria do tempo, entender seu publico. E entendem porque fazem parte da periferia e estão se relacionando e pensando ações para seus vizinhos, amigos e familiares.

Esses coletivos hoje ocupam grande parte dos espaços ociosos da cidade, fazen-do muita coisa acontecer enquanto, por exemplo, cada CEU (Centro de Educação Unificado) mantém três coordenadores de projetos culturais que na sua grande maioria não executam nenhum projeto, e custam para os cofres públicos mais de R$ 10.000,00 por mês para cada unidade, multiplicando isso por 46 chegamos ao espantoso numero de R$ 460.000,00 por mês que se multiplicados por 12 che-garemos em um valor mais espantoso ainda... Isso mesmo meu caro, 5 milhões de reais são praticamente jogados fora, enquanto muitos coletivos não recebem nem uma bolacha para manterem suas atividades dentro desses espaços e muitas vezes são eles quem engrossam a programação cultural oficial da cidade.

Desburocratizar os subsídios públicos é uma urgência, incentivar empresas e o estado a apoiarem os pequenos coletivos sem constituição jurídica também, ou en-tão, continuaremos com uma lei Rouanet que só serve para grandes empresários encherem o bolso de dinheiro publico, enquanto quem realmente faz...Tem sangue nas mãos! Sangue! Não o sangue de inocentes, como o que está na mão do estado, mas o seu próprio sangue, que muitas vezes escorre ao carregar equipamentos pesados, ao arriscar a vida puxando gatos de luz nos postes da quebrada, ao ser agredido pela policia nas praças, ao terem seus equipamentos apreendidos pela GCM ao tentar desburocratizar o acesso a cultura nas quebradas! E muitas vezes a mesma mão que afaga com um pequeno subsídio, é a mesma que agride com a falta de compreensão na realização de atividades sem autorização, mas que são de grande urgência a todos que vivem por aqui!

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Parece contraditório e é mal visto pelos conservadores, que ocupação possa signi-ficar LIBERDADE.

Para muitos ativistas pode ser incompreensível e pouco organizado o movimento que vem se alastrando pelos territórios urbanos para tomar os corações dos que na cidade vivem e querem dela se apropriar.

Há mais tempo navegando nessa nave urbana, tenho assistido as entidades e asso-ciações de bairro – que desenharam e legitimaram suas ocupações, incorporando-as à cidade real – virem sendo, pouco a pouco, substituídas por coletivos e agrupa-mentos que, agregados por interesses ou causas querem, agora, aprofundar suas conquistas e direitos.

Muitas vezes, esses coletivos dividem um mesmo espaço territorial. Neste cenário, buscam a complementaridade de suas ações, a convivência harmônica e a horizonta-lidade em sua gestão e práticas cotidianas.A intimidade destes coletivos com novas tecnologias e ferramentas que amplificam suas vozes é cada vez maior. Procuram transitar e construir pontes tecnológicas e democráticas entre mundos reais e os que acreditam possíveis.

Beá TibiriçáArtivista cultural

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Para além de escolher entre projetos e propostas que já se apresentam prontos para a escolha, o novo cidadão que está se construindo quer poder propor, interferir, participar do conjunto do processo decisório.

A pauta que vem surgindo entre os ativistas deste novo tempo convergem para o resgate e a produção cultural, debatem e defendem propostas que facilitem a mobi-lidade urbana, querem acesso à educação pública e de qualidade, decidir sobre mu-danças climáticas e a defesa do meio ambiente é sua maneira de defender o mundo e suas populações. Estão atentos à diversidade, à igualdade de direitos e o respeito às opções de cada cidadão. Expressões e intervenções artísticas se multiplicam como elemento agregador.

Os jovens militantes aprenderam no seu ativismo que as ruas e as redes, cada vez mais são um território único em disputa cotidiana. Para tanto, utilizam tudo que tem às mãos e, de forma criativa, recuperaram espaços de convivência, constroem novos cenários, compartilharam e dividem responsabilidades.

Em momentos onde tudo que é sólido se desmancha no ar, lutam para criar ambien-tes e situações onde todos e todas possam construir sua intimidade com a demo-cracia e encontrar o seu jeito de participar.

São esses jovens e suas criaturas coletivas que vem fazendo o contraponto e des-tacando a versão dos oprimidos, dos que foram calados, dos que foram violentados em todos os seus direitos.

Temos que enfrentar nossa perplexidade e descobrir juntos novos traços e texturas que vão construir a Democracia. Em tempos de contradições extremadas, solidarie-dade, respeito e generosidade são fundamentos da nova sociedade.

Temos que cuidar de olhar os que querem mais acesso, os que buscam novos sabe-res e inventiva convivência com as novas tecnologias.

Ocupar cada escola, cada rua, cada parque, cada praça da nossa cidade com ações e atividades democráticas, desvendar a cultura dos territórios excluídos que agora vem conquistando a cidade real, são formas de aprender o que não queremos perder: liberdade para agir, pensar, amar, intervir, mixar, tornar feliz e ser feliz. Cada territó-rio ocupado é um pedaço da cidade que libertamos e (re)significamos.

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A nova militância não quer mais correr o risco de cada vez mais falarmos para con-vertidos ou pior, falarmos com convertidos frustrados. Estamos iniciando uma nova caminhada que deve superar os guetos.

De minha parte, prefiro estar com eles, nas ruas e nas redes do que conspirando às escondidas.

Já passou a hora de a população ter o direito de conhecer e se apropriar das novas tecnologias de informação e comunicação. O acesso ao mundo articulado em redes não deve ser pra poucos e só conhecimento e cultura compartilhados podem colocar o futuro em nossas mãos.

Arte, cultura e tecnologia articuladas com a defesa de nossos direitos são as novas ferramentas da ocupação.A hora é essa: de reinventar nossas causas e nossa luta!

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O edital Redes e Ruas nasce a partir da demanda crescente na cidade por um processo que conseguisse unir os conceitos de cultura digital, a utilização dos pro-gramas de acesso às tecnologias da comunicação e informação do município, da utilização dos espaços públicos e ressignificação do direito à cidade.

De configuração inédita no país, ou seja, utilizando o aporte de recursos de três se-cretarias distintas para o apoio à cultura digital, a iniciativa propõe a possibilidade de muitas linhas de atuação da cultura digital e atende aos diversos públicos que lidam com a temática na cidade: entidades da sociedade civil organizada de caráter privado sem fins lucrativos e coletivos culturais foram contemplados para que pudessem realizar as suas ações nos Telecentros, Praças Wi-FI Livre SP e Pontos de Cultura, articulados por meio das ações propostas nos mais diversos territórios chegando às pontas da cidade.

Proposto pelas Secretarias Municipal de Cultura, Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania e Secretaria Municipal de Serviços, o edital disponibilizou em sua primeira edição a importância de R$ 3.700.000,00 (três milhões e setecentos mil reais), aportando 59 projetos, dentre esses 24 de entidades privadas sem fins lucrativos e 35 de coletivos culturais.

Todos os projetos contemplados pelo edital se iniciaram em janeiro de 2015, sendo possível realizar a proposta no período de seis a doze meses. Para que o processo de acompanhamento se desse de forma efetiva e em parceria, as propostas contem-

Kéroly Gritti e Carol SantosEquipe Redes e RuasSecretaria Municipal de Cultura de São Paulo

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pladas foram divididas entre as três secretarias, promovendo assim a oportunidade de entender e dialogar com a prática de cada coletivo/entidade.

"Media Lab: São Mateus em Movimento" é um dos 9 projetos da categoria A aprova-dos no edital, para realizar 120 horas de atividade em telecentros de 04 macrorre-giões, 72 horas de atividades em Praças WiFi Livre SP e/ou Pontos de Cultura. De oficinas de raciocínio lógico e lúdico à intervenção nas praças do centro da cidade, o projeto do São Mateus em Movimento (do Ponto de Cultura de mesmo nome) em parceria com o Coletivo Coletores realizou atividades das mais diversas naturezas, conseguindo estabelecer linhas de ação nos campos de formação e experimentação, análogas e ao mesmo tempo tão importantes de caminharem lado a lado.

Dialogando com seu espaço de maneira exitosa, ressignificando e se transforman-do - efetiva-se na prática o diálogo que pode fazer crescer e criar novos caminhos. A proposta deste projeto potencializou-se quando levou sua experiência em cultura digital; redimensionando o espaço físico, por meio de vivências de projeções em imóveis do bairro onde está situada sua sede, para outros espaços como o centro da cidade ou para os telecentros, ampliando o público e as atividades que esses espaços recebem. A equipe técnica acompanhou o desenvolvimento das ações e pode perceber o estímulo oferecido pelo projeto à comunidade local, fortalecendo as ações do próprio Ponto de Cultura e envolvendo o entorno em novas atividades promovendo a aproximação da cultura digital, por meio de oficinas de videomapping e elaboração de games. Essa capilaridade de ações nos diferentes espaços e para diferentes públicos enriquece a proposta, bem sucedida do ponto de vista de um projeto expe-rimental num edital inaugural como o Redes e Ruas.

Fortalecer ações de cultura digital a partir de processos estético-criativos nestes diferentes ambientes promove a cidadania, dando ferramentas para criação e produ-ção de redes culturais num momento em que a cidade de São Paulo se revê na busca de meios de participação social e ocupação de seu espaço de direito.

Por meio de iniciativas como essa, coletivos de cultura e entidades podem se forta-lecer, além de cumprirem um papel importante na criação e manutenção de políticas públicas cada vez mais abrangentes, seja nas diversas linguagens culturais e artís-ticas, seja pela ocupação territorializada das mesmas. Uma cidade aberta, livre e ocupada é direito de todo cidadão, bem como o direito de acessar espaços e iniciati-vas que apoiem as diversas forças criadoras que existem e emergem em São Paulo.

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Laila Bellix

Educadora, bacharel em Gestão de Políticas Públicas e mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é assessora na Prefei-tura de São Paulo e trabalha com a iniciativa São Paulo Aberta.

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O uso da tecnologia, sobretudo nos dias de hoje, está em disputa. Governos, grupos da sociedade civil e mercado têm feito usos distintos das ferramentas tecnológicas: seja para aprimorar as políticas públicas, organizar coletivos sociais, seja para oti-mizar os lucros

Especificamente no caso dos governos, a tecnologia – comumente chamada no setor de TICs (Tecnologia da Informação e Comunicação) – foi sendo incorporada dentro da lógica de governo eletrônico. Nessa perspectiva, as TICs servem de apoio à admi-nistração pública ao possibilitar a ampliação da eficiência, agilidade, melhoria dos serviços públicos e a promoção da cidadania (VAZ, 2002).

Apesar desse tema estar posto há pelo menos duas décadas, a agenda da tecno-logia no governo ganhou novos elementos mais recentemente. Por uma “infinidade de agendas mal resolvidas, contradições e paradoxos” (ROLNIK, 2013:8) vimos a reverberação de manifestações populares com as ruas ocupadas, uma crise política--institucional e a baixa capacidade do Estado em dar respostas imediatas aos cida-dãos. Esse cenário colocou outras questões ao poder público e à agenda de TICs nos governos: além de aperfeiçoar as políticas públicas, a tecnologia pode ser um meio para aprofundar e expandir a participação política? Ou de outra forma, é possível usar a tecnologia como ferramenta para os cidadãos se envolverem nas temáticas coletivas?

Nesse sentido, as estratégias de uso da tecnologia foram sendo (re)significadas para permitir que os governos pudessem se abrir cada vez mais à participação so-cial, além de aprofundar a transparência e o combate à corrupção. Dessa maneira, o “governo aberto” surge como agenda política que visa o aprimoramento da participa-tiva digital ao possibilitar que a participação, a transparência e a integridade pública sejam catalisados pela tecnologia.

PARTICIPAÇÃO DIGITAL, CULTURA POLÍTICA E GOVERNO ABERTO

Opinar em questões que afetam o rumo da cidade. Decidir sobre transformações no seu território. Construir, de forma colaborativa, saídas para problemas cotidianos. Organizar sua atuação política. Esses têm sido grandes desafios para um governo que se abre: estabelecer novas relações com a sociedade por meio de ferramentas virtuais e, mais que isso, empoderar e partilhar o processo de tomada de decisão com os cidadãos/ãs.

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Entretanto, o governo aberto não deve se restringir somente à inserção de ele-mentos eletrônicos ou, ainda, ser reflexo da participação presencial em ambiente digital. Implementar uma agenda de participação digital compreende a criação de ar-ranjos mais complexos entre os mecanismos participativos, a articulação de canais e instâncias de participação e o incentivo às práticas de coprodução e colaboração realizadas em ambientes digitais.

Nesse sentido, um governo aberto é aquele que, gradativamente, modifica a forma de se fazer gestão e o modo de se relacionar com a sociedade. Essa é uma mudança cultural tanto para o Estado, quanto para os cidadãos/ãs. Compreender o ambiente virtual como espaço político de discussão, articulação e mobilização e, a partir dele, estruturar dinâmicas de relação mais horizontais e democráticas possibilita novos rumos para a cultura política brasileira.

No entanto, para promover a mudança de cultura política, é prioritário investir em processos formativos que sirvam para qualificar os gestores públicos e a sociedade no geral. Conteúdos para a reflexão sobre governo aberto, vivências, imersões no cotidiano da gestão e oficinas práticas com ferramentas de participação e tecnolo-gia são partes essenciais de uma ação formativa transformadora.

A formação qualifica o uso da internet, na medida em que fornece parâmetros e conteúdos voltados às questões da cidadania. Por outro lado, as formações práticas que apresentam ferramentas de participação e controle social e de transparência e acesso à informação servem para potencializar a atuação dos agentes sociais e dos gestores públicos. Além desses conteúdos, cursos sobre ferramentas abertas e livres, que podem ser apropriadas e modificadas, democratizam a produção de tec-nologia e permitem que qualquer cidadão, além de interferir nos rumos da política, possa criar suas ferramentas de forma autônoma.

A formação em governo aberto, assim, é um processo de empoderamento de cida-dãos/ãs que compreendem os desafios postos ao Estado e à sociedade na democra-tização das instituições políticas e no exercício incansável da cidadania. Ademais, as práticas formativas aprimoram o trabalho dos atores públicos e aperfeiçoam a ação política de grupos e movimentos sociais ao trazer novos elementos que fortalecem suas lutas cotidianas.

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CONSIDERAÇOES FINAIS

A incorporação da tecnologia por parte do Estado é um processo de grande relevân-cia para a administração pública de um modo geral. Uma nova agenda de desafios e oportunidades, que se materializa na prática de governo aberto, tem permitido que os governos agreguem a tecnologia para a promoção da participação social e da transparência. Nesse viés, as ferramentas tecnológicas são elementos transver-sais que estão a serviço da cidadania e, dessa forma, provocam mudanças culturais no sentido de democratizar a gestão pública e modificar a relação do Estado com a sociedade.

A formação política sobre a temática de governo aberto e seus ferramentais é um passo para difundir esses conceitos e, além do mais, permitir o empoderamento so-cial. Para que isto aconteça é fundamental que itinerários formativos sejam criados, tanto pelo Estado quanto pela sociedade, e consolidados como políticas permanen-tes. Com isto, pode-se criar condições para o desenvolvimento uma nova cultura política mais participativa e inovadora. Ou seja, uma cultura de governo aberto.

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Agradecimentos:

São Mateus em MovimentoDona VeraNegotinhoOdisseia das FloresGrupo OPNIYvison PessoaTia CidaComunidade de Samba Maria CursiFogueteira da Vila FláviaSKIP MCQuinho FonsecaEdlane Barbosa Diego Farisan (Peripensa)André FelisminoAdalberto Santana (Beto)Sarau Comungar Karina MarquesGuilherme MarinoMiguel SorbaraAstec SP

Ficha Técnica:

Projeto Media Lab São Mateus em MovimentoAprovado na primeira edição do edital redes e ruas, categoria A.

Coordenação do Projeto:Aluízio Marino (executiva)Flávio Camargo SERES (artística)Toni William CROSSS (artística)

Produção executiva:Aluízio MarinoDaniela Cordeiro

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Oficinas de formação em cultura digital:

Educadores:Daniela Cordeiro (fotografia digital)Flávio Camargo SERES (elaboração de games e videomapping)Leonardo Marino (raciocínio lúdico e lógico)Toni William CROSSS (fotografia digital, elaboração de games e videomapping)

PIXO DIGITAL (Intervenções urbanas nas praças wi-fi)

Conceito:Coletivo Coletores

Produção:Aluízio Marino

Evento final: SAMBA + RAP + CULTURA DIGITAL

Curadoria:Coletivo COLETORES

ProduçãoFernando Rodrigo de Carvalho (Negotinho)Diego Farisan (Peripensa)André FelisminoEdilaine Barbosa

Mestre de Cerimônias:Fernando Macário

Artistas convidados:Yvison PessoaTia CidaTimaiaRubão das MulheresSeu Jair

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Dulce MonteiroJurema PessanhaRony KingNino MiauMarquinho JacaMarquinho DikuaComunidade de Samba da Maria CursiNegotinho RimaOdisseia das FloresSKIP MC

Livro - Insurgências: arte, tecnologia e território

Organização:Aluízio Marino

Diagramação e arte gráfica:Flávio Camargo SERES

Fotos:Daniela CordeiroToni William CROSSS

Textos:Aluízio MarinoAntonio Eleilson LeiteBeá TibiriçáBruno POGCarol SantosKéroly GrittiLaila BellixLúcia Maciel Barbosa de OliveiraToni William CROSSS

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Imagens

Paginas:

02-03 Largo da Ana Rosa

04 Praça da República

08 e 09 Páteo do Colégio

10 e11 -15 Largo do Arouche

16 e17 Praça da República

18 e19 Cidade Tiradentes

23- 28 e 29 Largo do Paissandú

30 e 31 Páteo do Colégio

36 e 37 - 40 e 41 Praça da Bandeira

42 e 42 - 44 Largo do Arouche

48 e 49 -50 e 51 Praça da Bandeira

52 e 53 Páteo do Colégio

54 e 55 - 56 e 57 Sede do São Mateus em Movimento – Vila Flávia

62 e 63 - 64 e 65 Fogueteira da Vila Flávia

70 e 71 Páteo do Colégio

72 e 73 Largo do Paissandú

74 e 75 Praça da Bandeira

76 e 77 - 78 e 79 Largo da Batata

80 e 81 Estação da luz

82 e 83 Praça da República

83 e 84 - 85 e 86 - 87 e 88 Largo do São Bento

88 - 89 Praça da República

92 e 93 Praça da Bandeira

95 Largo da Batata

Capa: Praça da Bandeira

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Realização

Esse Edital foi contemplado pelo edital Redes e Ruas de Inclusão, Cidadania e Cultura Digital

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Coletivo Coletores www.dasding.org/medialab/

www.atelierlivresp.blogspot.com www.saomateusemmovimento.org/

[email protected]/coletorescoletivo/

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