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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E TECNOLOGIAS APLICADAS AO DIREITO - III PROFESSSORES YURI NATHAN DA COSTA LANNES RÔMULO SOARES VALENTINI RAQUEL BETTY DE CASTRO PIMENTA

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E TECNOLOGIAS APLICADAS AO … · I61 Inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao direito III [Recurso eletrônico on-line] organização Congresso

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INTELIGÊNCIA ARTIFICIALE TECNOLOGIAS APLICADAS

AO DIREITO - III

PROFESSSORESYURI NATHAN DA COSTA LANNES

RÔMULO SOARES VALENTINIRAQUEL BETTY DE CASTRO PIMENTA

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SKEMA BUSINESS SCHOOL

SKEMA BUSINESS SCHOOLWWW.SKEMA.EDU

SKEMA CAMPUSES

Belo Horizonte CampusR. Bernardo Guimarães, 3071Santo Agostinho, Belo HorizonteMG, 30140-083, Brazil

Lille CampusAvenue Willy Brandt59777 Euralille, France

Paris CampusPôle Universitaire Léonard de VinciEsplanade Mosa Lisa - Courbevoie92916 Paris La Défense Cédex, France

Raleign Campus920 Main Campus DriveVenture II, Suite 101 RaleignNC 27606 - USA

Sophia Antipolis Campus60 rue Dostoïevski CS 3008506902 Sophia Antipolis Cédex, France

Stellenbosch CampusRyneveld Street,Stellenbosch 7 600, South Africa

Buzhou CampusBuilding A4 & A599, Ren’ai Road, Dushu LakeHigher Education Town215123 SIP SuzhouJiangsu Province, China

Global Lab in AI4200 Boulevard Saint-LaurentPorte 685, Montréal, H2W 2R2 (QC),Canada

Belo Horizonte Cape Town-Stellenbosch Lille Paris Raleigh Sophia Antipolis Suzhou

SKEM

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Raleigh, USACampus

Montreal, CanadaGlobal Lab in Al

Lille, FranceCampus

Sophia Antipolis, FranceCampus Suzhou, China

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Stellenbosch, South AfricaCampus

Belo Horizonte, BrazilCampus

Paris, FranceCampus

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I61

Inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao direito III [Recurso eletrônico on-line]

organização Congresso Internacional de Direito e Inteligência Artificial: Skema Business

School – Belo Horizonte;

Coordenadores: Yuri Nathan da Costa Lannes, Rômulo Soares Valentini e Raquel Betty

de Castro Pimenta – Belo Horizonte: Skema Business School, 2020.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-65-5648-098-5

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Desafios da adoção da inteligência artificial no campo jurídico.

1. Direito. 2. Inteligência Artificial. 3. Tecnologia. I. Congresso Internacional de Direito

e Inteligência Artificial (1:2020 : Belo Horizonte, MG).

CDU: 34

_____________________________________________________________________________

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CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E TECNOLOGIAS APLICADAS AO DIREITO III

Apresentação

É com enorme alegria que a SKEMA Business School e o CONPEDI – Conselho Nacional

de Pesquisa e Pós-graduação em Direito apresentam à comunidade científica os 14 livros

produzidos a partir dos Grupos de Trabalho do I Congresso Internacional de Direito e

Inteligência Artificial. As discussões ocorreram em ambiente virtual ao longo dos dias 02 e

03 de julho de 2020, dentro da programação que contou com grandes nomes nacionais e

internacionais da área, além de 480 pesquisadoras e pesquisadores inscritos no total. Estes

livros compõem o produto final deste que já nasce como o maior evento científico de Direito

e da Tecnologia do Brasil.

Trata-se de coletânea composta pelos 236 trabalhos aprovados e que atingiram nota mínima

de aprovação, sendo que também foram submetidos ao processo denominado double blind

peer review (dupla avaliação cega por pares) dentro da plataforma PublicaDireito, que é

mantida pelo CONPEDI. Os quatro Grupos de Trabalho originais, diante da grande demanda,

se transformaram em 14 e contaram com a participação de pesquisadores de 17 Estados da

federação brasileira. São cerca de 1.500 páginas de produção científica relacionadas ao que

há de mais novo e relevante em termos de discussão acadêmica sobre os temas Direitos

Humanos na era tecnológica, inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao Direito,

governança sustentável e formas tecnológicas de solução de conflitos.

Os referidos Grupos de Trabalho contaram, ainda, com a contribuição de 41 proeminentes

professoras e professores ligados a renomadas instituições de ensino superior do país, os

quais indicaram os caminhos para o aperfeiçoamento dos trabalhos dos autores. Cada livro

desta coletânea foi organizado, preparado e assinado pelos professores que coordenaram cada

grupo. Sem dúvida, houve uma troca intensa de saberes e a produção de conhecimento de

alto nível foi, certamente, o grande legado do evento.

Neste norte, a coletânea que ora torna-se pública é de inegável valor científico. Pretende-se,

com esta publicação, contribuir com a ciência jurídica e fomentar o aprofundamento da

relação entre a graduação e a pós-graduação, seguindo as diretrizes oficiais. Fomentou-se,

ainda, a formação de novos pesquisadores na seara interdisciplinar entre o Direito e os vários

campos da tecnologia, notadamente o da ciência da informação, haja vista o expressivo

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número de graduandos que participaram efetivamente, com o devido protagonismo, das

atividades.

A SKEMA Business School é entidade francesa sem fins lucrativos, com estrutura

multicampi em cinco países de continentes diferentes (França, EUA, China, Brasil e África

do Sul) e com três importantes acreditações internacionais (AMBA, EQUIS e AACSB), que

demonstram sua vocação para ensino e pesquisa de excelência no universo da economia do

conhecimento. A SKEMA, cujo nome é um acrônimo significa School of Knowledge

Economy and Management, acredita, mais do que nunca, que um mundo digital necessita de

uma abordagem transdisciplinar.

Agradecemos a participação de todos neste grandioso evento e convidamos a comunidade

científica a conhecer nossos projetos no campo do Direito e da tecnologia. Já está em

funcionamento o projeto Nanodegrees, um conjunto de cursos práticos e avançados, de curta

duração, acessíveis aos estudantes tanto de graduação, quanto de pós-graduação. Até 2021,

será lançada a pioneira pós-graduação lato sensu de Direito e Inteligência Artificial, com

destacados professores da área.

Agradecemos ainda a todas as pesquisadoras e pesquisadores pela inestimável contribuição e

desejamos a todos uma ótima e proveitosa leitura!

Belo Horizonte-MG, 07 de agosto de 2020.

Profª. Drª. Geneviève Daniele Lucienne Dutrait Poulingue

Reitora – SKEMA Business School - Campus Belo Horizonte

Prof. Dr. Edgar Gastón Jacobs

Coordenador Acadêmico da Pós-graudação de Direito e Inteligência Artificial da SKEMA

Business School

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E-JUSTIÇA: DESAFIOS DA INTEROPERABILIDADE DIGITAL NO PROCESSO JUDICIAL

E-JUSTICE: CHALLENGES OF DIGITAL INTEROPERABILITY IN THE JUDICIAL PROCESS

Luciana Cristina de Souza

Resumo

O conceito de e-Justiça é mais amplo do que a Era Digitalização de documentos e o uso de

links da Internet para realizar atos procedimentais à distância. Representa uma nova forma de

conhecimento e o exercício da racionalidade humana, através do qual a interação entre

Estado e Cidadãos ocorre para defender direitos fundamentais. Nesse cenário, é crucial

analisar a importância das ontologias nas comunicações digitais e o papel dos profissionais

da informação técnica, bem como dos juristas, no que se refere à preocupação com a

manipulação de vocabulários controlados aplicados em juízo.

Palavras-chave: Acesso à justiça, Interoperabilidade, Processo, Tecnologia, Tesauro

Abstract/Resumen/Résumé

The concept of e-Justice is broader than the mere digitization of documents and the use of

internet links to perform procedural acts at a distance. It represents a new form of knowledge

and the exercise of human rationality through which the interaction between the State and

Citizens happens in order to defend fundamental rights. In this scenario, it is crucial to

analyze the importance of ontologies in digital communications and the role of technical

information professionals, as well as jurists, regarding the concern with the manipulation of

controlled vocabularies applied in courts.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Access to justice, Interoperability, Process, Technology, Thesaurus

4

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e-JUSTIÇA: DESAFIOS DA INTEROPERABILIDADE DIGITAL NO PROCESSO

JUDICIAL

e-JUSTICE: CHALLENGES OF DIGITAL INTEROPERABILITY IN THE JUDICIAL

PROCESS

RESUMO

O conceito de e-Justiça é mais amplo do que a mera Digitalização de documentos e o uso de links

da Internet para realizar atos procedimentais à distância. Representa uma nova forma de

conhecimento e o exercício da racionalidade humana, através do qual a interação entre Estado e

Cidadãos ocorre para defender direitos fundamentais. Nesse cenário, é crucial analisar a

importância das ontologias nas comunicações digitais e o papel dos profissionais da informação

técnica, bem como dos juristas, no que se refere à preocupação com a manipulação de vocabulários

controlados aplicados em juízo.

Palavras-chave: Acesso à justiça, Interoperabilidade. Processo. Tecnologia. Tesauro.

ABSTRACT

The concept of e-Justice is broader than the mere digitization of documents and the use of internet

links to perform procedural acts at a distance. It represents a new form of knowledge and the

exercise of human rationality through which the interaction between the State and Citizens

happens in order to defend fundamental rights. In this scenario, it is crucial to analyze the

importance of ontologies in digital communications and the role of technical information

professionals, as well as jurists, regarding the concern with the manipulation of controlled

vocabularies applied in courts.

Keywords: Access to justice. Interoperability. Process. Technology. Thesaurus.

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é refletir sobre a importância da comunicação entre os sistemas

judiciais e o uso de terminologias específicas na área jurídica como instrumento para garantir

direitos processuais de base constitucional, como devido processo legal, contraditório e acesso a

Justiça. O texto discute o problema de garantir que as prerrogativas desses cidadãos continuem

sendo preservadas, mesmo com o uso de ações digitais em vez do sistema anterior, impresso e

mais presencial em relação à execução de atos processuais. A tecnologia traz avanços, mas deve

ser implementada para que todos possam continuar sendo usuários do sistema judicial sem

problemas de entendimento ou acessibilidade; os órgãos judiciais podem manter um padrão de

operação que homogeneiza o tipo de serviço oferecido em todo o território nacional. Esses dois

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desafios dependem, primeiro, do estabelecimento de um vocabulário controlado1 compartilhado

que contém os descritores que serão aplicados aos procedimentos legais; segundo, dos padrões de

interoperabilidade entre os sistemas em uso pelo Poder Judiciário para desempenhar sua função

constitucionalmente prevista.

Para a realização da pesquisa descritiva que resultou neste texto, foi utilizado o método

dedutivo, através do qual foi utilizada a metodologia de análise documental dos instrumentos

normativos relacionados ao vocabulário controlado e à interoperabilidade, no caso, como é uma

pesquisa de estudo de caso do Brasil. Para a realização da pesquisa descritiva que resultou neste

texto, foi utilizado o método dedutivo, através do qual foi utilizada a metodologia de análise

documental dos instrumentos normativos relacionados ao vocabulário controlado e à

interoperabilidade, no caso, como é uma pesquisa de estudo de caso do Brasil. O texto explica o

que é um vocabulário controlado e quais são os padrões de interoperabilidade.

2 RELEVÂNCIA DE UMA COMUNICAÇÃO EFETIVA

Jürgen Habermas2 nos ensina que é essencial estabelecer um discurso comunicativo na

relação política e jurídica entre o Estado e os cidadãos, com base na ética3. Portanto, esse discurso

deve ter uma reivindicação de validade, que inclua sua veracidade e inteligibilidade, sem a qual

uma das partes é afetada na interação, tornando-a ilegítima. Considerando as declarações de

Habermas, conclui-se que há uma necessidade urgente de interoperabilidade nos sistemas digitais

do Judiciário, uma vez que o direito ao devido processo é afetado quando a comunicação entre a

parte técnica dos serviços judiciais digitais, a parte o técnico-jurídico representado pelos

operadores do direito e a parte social representada pelos usuários do sistema não se comunicam

com transparência e inteligibilidade. É necessário desenvolver melhor o conceito de cidadania

digital, em que uma das características essenciais da dinâmica de interação pelas redes sociais é a

troca de informações.

Dessa percepção da interação digital como uma via de mão dupla surge um novo perfil

de cidadão, o qual, em razão do processo de redemocratização das últimas décadas

intensificou sua pressão por mais espaços deliberativos junto ao Estado, agora, com a

1 KOBASHI, Nair Yumiko. Vocabulário controlado: estrutura e utilização. Escola Nacional de Administração

Pública (ENAP), Rede de Escolas de Governo, 2008. Disponível em:

https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/1289/41/Vocabul%C3%A1rio%20controlado%20-

%20estrutura%20e%20utiliza%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em 12 de março de 2020. 2 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio

de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. 3 CORTINA, Adela. Cidadãos do Mundo: para uma teoria da cidadania. Tradução de Silvana Cobucci Leite. São

Paulo: Ed. Loyola, 2005.

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criação de agências virtuais devido ao uso das novas tecnologias pelo governo, apresenta

em sua conduta junto a estas o mesmo perfil proativo que neles é percebido quando

trocam experiências e buscam informações na internet.4

Considerando a existência, hoje, da cidadania digital, é correto afirmar que os meios

processuais eletrônicos devem obedecer a padrões de interoperabilidade que garantam o gozo de

direitos fundamentais relacionados ao acesso à justiça. Isso significa maior transparência na

composição dos descritores utilizados nos modelos de e-Justiça e inclusão de vários segmentos

afetados pelo processo judicial digital nos debates sobre a padronização da tecnologia da

informação aplicada a essa área. Todo o processo de governança digital deve estar impregnado

dos valores democráticos e constitucionais, a exemplo do que revela o exemplo espanhol:

garantizar la independencia en la elección de alternativas tecnológicas por parte de los

ciudadanos y las Administraciones Públicas y la adaptabilidad al progreso de la

tecnología5

Para que isso seja alcançado, cada discurso deve ter as reivindicações de: validade,

inteligibilidade, verdade e sinceridade6. Os sujeitos devem poder confiar um no outro para que a

democracia aconteça e que os direitos fundamentais sejam protegidos. O desenvolvimento de

padrões de interoperabilidade para os sistemas utilizados pelo Judiciário deve seguir essas

premissas Habermasianas e, como tal, ampara-se nas condições de comunicação pelas quais o

processo político busca desenvolver resultados racionais decorrentes de um debate deliberativo7.

A evolução tecnológica contribuiu muito para o desenvolvimento, promovendo novas

iniciativas que ajudaram a transformar a relação entre Estado e Cidadãos. Por isso, principalmente

nos processos judiciais digitais, a ética de reconhecer o outro como sujeito é essencial para a

criação de sistemas interoperáveis e, como resultado, dos vocabulários controlados de cada Área

de Conhecimento, em casos legais, para refletir sobre No seu conteúdo padronizado, a diversidade

de tópicos e direitos ali presentes. Se não forem adequadamente representados como informações

4 SOUZA, L. C. Contribuição das práticas de e-cidadania para a formulação, implantação e monitoramento das

políticas públicas. Revista Direito Público, 13(74), p. 187-202, 2017. p. 189 5 ESPANHA. Código de Administración Electrónica. Disponível em:

https://www.boe.es/legislacion/codigos/abrir_pdf.php?fich=029_Codigo_de_Administracion_Electronica.pdf.

Acesso em 05 de março de 2020. p. 608 6 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio

de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990; HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, São

Paulo, 36, p. 39-53, 1995. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-

64451995000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso em 01 de março de 2020. 7 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, São Paulo, 36, p. 39-53, 1995. Disponível

em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451995000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso

em 01 de março de 2020. p. 45

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no sistema por meio do uso de descritores, eles poderão se tornar sub-cidadãos no ambiente digital

de e-Justiça.

2.1 Padrões de interoperabilidade

Para compreender a dinâmica entre Estado e cidadãos na Era Digital é preciso assegurar

espaço democrátivco e acesso à informação, o que é assegurado por meio de alguns requisitos de

regulação do governo eletrônico. Um deles é a adoção de padrões de interoperabilidade. Para que

se possa proseguir a análise desse artigo, seguem algumas definições sobre o termo:

La interoperabilidad es la capacidad de los sistemas de información y de los

procedimientos a los que estos dan soporte, de compartir datos y posibilitar el intercambio

de información y conocimiento entre ellos.8

Interoperabilidade é a capacidade de vários sistemas e organizações de trabalharem em

conjunto (interoperar), a fim de garantir que pessoas, organizações e sistemas de

computador interajam para trocar informações de maneira eficaz e eficiente.9

O site do governo brasileiro que determina as diretrizes nacionais de interoperabilidade

dentro do conceito de governo eletrônico, ePING, explica que

Visando facilitar o cruzamento de dados de diferentes fontes de informação, quando da

sua utilização por outras organizações integrantes da administração pública, por

organizações da sociedade civil ou pelo cidadão, devem ser utilizados recursos tais como

vocabulários controlados, taxonomias, ontologias e outros métodos de organização e

recuperação de informações.

Tais recursos podem ser desenvolvidos colaborativamente por pessoas com

conhecimento na área específica e/ou em metodologias de modelagem específicas, e os resultados devem ser compartilhados, reaproveitados e disponibilizados em um

repositório de vocabulários e ontologias de Governo Eletrônico.10

A interoperabilidade pode ser classificada em três tipos: organizacional, técnico e

semântico 11. O aspecto técnico refere-se à interconexão de sistemas; a organização se refere à

8 ESPANHA. Portal Administración Electrónica, Estratégias, 2020. Disponível em:

https://administracionelectronica.gob.es/pae_Home/pae_Estrategias/pae_Interoperabilidad_Inicio.html. Acesso em

05 de março de 2020. 9 ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Introdução à interoperabilidade – Módulo 1. Brasília:

ENAP, 2015. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2399/1/M%C3%B3dulo_1_EPING.pdf.

Acesso em 12 de março de 2020. 10 PROGRAMA DE GOVERNO ELETRÔNICO BRASILEIRO. Padrões de Interoperabilidade de Governo

Eletrônico – ePING. 2018. Dimensão Semântica. Diponible en: http://eping.governoeletronico.gov.br/#p1s2.1.2.

Acesso em 01 de março de 2020. 11 ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Introdução à interoperabilidade – Módulo 1. Brasília:

ENAP, 2015. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2399/1/M%C3%B3dulo_1_EPING.pdf.

Acesso em 12 de março de 2020. p. 6-8; FUNDACIÓN TELEFÓNICA. Las TIC en la justicia del futuro. Madrid:

Editora Ariel, 2009. Colección Fundación Telefónica, Cuaderno 21. p. 205

8

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criação de estruturas organizacionais para gerenciamento tecnológico; o aspecto semântico garante

o significado do conteúdo e dos dados compartilhados pelos sistemas. Este último é o foco central

do debate deste artigo, pois representa o espaço público em que o Estado, a Tecnologia da

Informação e os Cidadãos se encontram como partes importantes da definição de conteúdo para a

identificação do vocabulário controlado por cada Área de Conhecimento, in casu, o processo

judicial.

Todas essas reflexões são cruciais para a democratização dos sistemas digitais e

determinar o modelo de governança do governo eletrônico e da e-Justiça. De acordo com o Plano

Estratégico Europeu12 para a interoperabilidade da e-justiça devem ser aplicados os princípios

fundamentais da governança eletrônica são: igualdade, acessibilidade, legalidade, privacidade,

responsabilidade, adaptação tecnológica, reutilização, entre outros. Nesse cenário, espera-se que

cada agente envolvido se comprometa com a ação ética e, em relação ao Poder Público, estabeleça

limitações ao excesso de poder que alguns grupos podem querer exercer para sobrepor o princípio

da igualdade. Isso é crucial para estabelecer as bases para o padrão de interoperabilidade,

especialmente para a e-Justiça, em que vocabulários controlados que trocam informações podem

servir tanto para inclusão quanto para exclusão, neste último caso, se forem mal administrados.

Em suma, a semântica da interoperabilidade visa criar uma base dialética e acessível, facilitando

a comunicação entre sistemas para tirar proveito de seu conteúdo por diferentes setores, além de

reduzir o impacto do uso de diferentes idiomas ou meios de tradução on-line, que podem adotar

diferentes semânticas e causar desinformação ou perda de dados. Isso pode ser conseguido através

do uso de vocabulários controlados, que serão descritos no próximo subtópico.

2.2 Vocabulários controlados

Segundo o site da Financiero de Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública brasileira

que promove a ciência, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação:

O vocabuário controlado é um instrumento de controle terminológico que estabelece a

forma de representar os termos que compõem um conjunto de áreas do conhecimento,

tornando possível maior coerência entre os termos indexados. Os termos podem ser

acessados por ordem alfabética ou digitado o termo específico.13

12 EUROPEAN UNION. 2019-2023 Action Plan European e-Justice. Official Journal of the European Union,

13/03/2019. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52019XG0313(02)&rid=6. Acesso em 05 de março de 2020. 13 FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS - FINEP. Vocabulário controlado. Disponível em:

http://www.finep.gov.br/biblioteca-2/biblioteca/produtos-e-servicos/biblioteca-vocabulario

9

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O Comitê Europeu, em seu Plano Estratégico de e-Justiça, define o seguinte:

The aim of semantic interoperability is to facilitate communication between systems by

aligning terms used in metadata and standards. It also intended to reduce the impact of

language differences by providing automatic translation, thus freeing resources for urgent

translations.

A controlled vocabulary consists of a list of terms used to index content and make it easier

to retrieve of information. The processing of data and discoverability of information can

be further enhanced and rendered more efficient by using controlled vocabularies,

identifiers such as ELI or ECLI, Artificial Intelligence and analysis of legal Open Data

and Big Data.14

Vocabulários controlados, também chamados de descritores, fazem parte das ontologias

das Áreas de Conhecimento, como hoje definidas de acordo com a Web Semântica15. O termo

ontologia, aqui, não é usado da mesma maneira que na filosofia, por exemplo, mas como um

indicador de padrões de comunicabilidade que permite que diferentes sistemas compartilhem

informações no ambiente digital16. Os vocabulários controlados são, portanto, representações do

conhecimento, que devem usar a linguagem comunicável no sentido técnico-digital e, também, no

sentido de entendimento dos sujeitos que os utilizam em suas tarefas. Não basta ter significado

para a equipe de Tecnologia da Informação, deve ser acessível e inteligível para os profissionais

que a utilizam, como advogados, e para os usuários dos sistemas que eles os aplicam, que fazem

parte de um processo judicial. Se não houver atenção suficiente na elaboração da ontologia de uma

área, pode haver pessoas excluídas, problemas processados fora de seu campo ou falhas de

comunicação entre seus setores internos (tribunais, por exemplo). Nessa perspectiva, o uso da

inteligência artificial (IA) na lei pode ser útil, pois permitiria o uso de uma maneira de aprender

novas representações do conhecimento à medida que a realidade muda.

3 IMPACTOS E DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE MODELOS DE E-JUSTICIA

Um dos principais desafios para a interoperabilidade é a falta de treinamento de

profissionais do direito em questões tecnológicas, o que os torna menos capazes de enfrentar os

desafios existentes. Outro é que muitos pensam que o processo judicial eletrônico é o resultado de

decisões tomadas apenas por juristas, quando, de fato, em cada país existem comitês de

14 EUROPEAN UNION. 2019-2023 Action Plan European e-Justice. Official Journal of the European Union,

13/03/2019. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52019XG0313(02)&rid=6. Acesso em 05 de março de 2020. 15 SOUZA, Luciana C. A (des)proteção normativa da cidadania. Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 5, n. 9, p. 119-

134, jul./dez. 2010. 16 SOUZA, Luciana C. A (des)proteção normativa da cidadania. Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 5, n. 9, p. 119-

134, jul./dez. 2010. p. 21

10

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administração da Internet que determinam muitos descritores e formas de comunicação entre

sistemas sem advogados, juízes ou mesmo cidadãos que conhecem quem são e como trabalham.

No Brasil, os responsáveis pela coordenação das comunicações por meios digitais, principalmente

na área pública, são o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e o Programa de Padrões de

Interoperabilidade do Governo Eletrônico. E, infelizmente, atualmente não há representantes do

Judiciário participando desses órgãos. Portanto, algumas decisões cruciais sobre

interoperabilidade são tomadas sem pensar no impacto sobre o conteúdo da comunicação no caso

de procedimentos legais, nos quais a transmissão de dados e a segurança digital, embora

tecnicamente adequada, não são suficientes para garantir o devido processo legal.

Portanto, ao aplicar as diretrizes de Habermas, afirma-se que a implantação de um conjunto

de descritores deve representar o conhecimento da área e, da mesma forma, deve reconhecer os

sujeitos que fazem parte dela para estabelecer uma comunicação eficaz. Quando as pessoas não

podem ser representadas, os vocabulários podem ser parciais, como eu disse antes.

4 CONCLUSÃO

A interoperabilidade é o que torna a informação digital comunicável entre diferentes

sistemas. Comunicar significa não apenas transmitir dados eletronicamente, mas conteúdo cujo

significado condiciona a vida humana. No caso de vocabulários controlados, é inegável que existe

uma relação de poder que deve ser analisada para evitar que seu uso indevido cause discriminação

e exclusão de cidadãos. Como resultado, o debate sobre tecnologias, para ser utilizado no processo

judicial digital e, em geral, nas atividades relacionadas ao conceito de justiça eletrônica, deve ser

deliberativo na composição das ontologias, pois seu conteúdo não é apenas técnico. Tem uma base

constitucional e pode expandir ou restringir o acesso à justiça, devido processo legal, direito de

defesa e outros direitos fundamentais significativos.

11

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1 Graduando em Direito, modalidade Integral, pela escola Dom Helder Câmara.1

GAMEFICAÇÃO: A METODOLOGIA QUE VAI REVOLUCIONAR O ENSINO DO DIREITO

GAMIFICATION: THE METHODOLOGY THAT WILL REVOLUTIONIZE THE TEACHING OF LAW

Vitoria Assis Anselmo 1

Resumo

Esse estudo busca trazer a luz da ciência a gameficação, como alternativa para as

metodologias tradicionais para o ensino jurídico. Embasando em livros, artigos e filmes,

apresenta-se a conceituação da metodologia e a análise sobre se a implementação de

elementos de jogos no ensino superior é beneficial para o individuo e para sua carreira

profissional, ou se esse método é prejudicial. Além de averiguar as regulamentações legais

atuais sobre as novas metodologias que vem transformando o espaço de sala de aula. A

pesquisa conta com o posicionamento de Karl M Kapp e diversos outros pesquisadores do

assunto.

Palavras-chave: Ensino jurídico, Gameficação, Metodologias inovadoras

Abstract/Resumen/Résumé

This study seeks to bring the light of science to gamification, as an alternative to traditional

methodologies for Legal Education. Based on books, articles, and documentaries, it presents

the concept of the methodology and the analysis of whether the implementation of game

elements in college education is beneficial for the individual and for his professional career,

or if this method is harmful. In addition to investigating the current legal regulations on the

new methodologies that have been transforming the classroom environment. This research

was done based on the position of Karl M Kapp and several other researchers on the subject.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Legal education, Gamification, Innovative methodologies

1

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa apresenta seu nascedouro na busca pela análise sobre o que

diz a literatura cientifica sobre o uso da metodologia da gameficação para o ensino

jurídico. Atualmente, as universidades e faculdades tem ficado para atrás em relação a

crescente tecnológica do mundo, sendo um grande prejudicial para seus alunos. A

pesquisa procura responder questões, como os benefícios da gameficação, e definir

parâmetros para possível aplicação das metodologias inovadoras para todos.

Além dos problemas de desigualdade, um dos grandes responsáveis para evasão

escolar e pela a desistência do ensino superior são as metodologias de ensino atrasadas, que não

incentivam e intrigam o aluno a persuadir o conhecimento. Por isso, ao longo dos últimos ano,

várias pesquisas e métodos foram desenvolvidos para aumentar a participação dos alunos no

próprio ensino e, também, para desenvolver outras habilidades no estudante que o vão preparar

para a vida adulta e para o futuro emprego. Uma das mais intrigantes metodologias criadas é a

gamificação da educação, que busca provocar o aluno a buscar pelo conhecimento e desenvolver

habilidades cognitivas que não são estimuladas pela metodologia tradicional.

Nesse sentido, o Direito, por ser uma ciência muito antiga, na maioria das

faculdades e universidades, é ensinado de uma forma tradicional, ou seja, conteudista e

teórica. Contudo, devido a globalização e o crescimento da tecnologia, os profissionais

do Direito se tornaram obsoleto em algumas das suas áreas de atuação, sendo essa uma

tendência crescente. Agora, burocracias de contratos e até defesas em tribunais podem

ser feitas por robôs e computadores e por isso é preciso que o direito, assim como seu

ensino, se reinvente.

A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica.

No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e

Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente dialético. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a analisar a

viabilidade da aplicação dessa metodologia perante a questão orçamentaria e judiciaria,

além de estudar os benefícios e desvantagens da gameficação.

2. A FALÊNCIA DO MODELO ATUAL DE ENSINO E COMO A

GAMEFICAÇÃO PODE AJUDAR

No Brasil, o ensino fundamental, médio e superior sofre com metodologias

ultrapassadas, conteudistas e maçantes das salas de aula. Uma notícia do G1, publicada

em 19/06/2019, traz dados do IBGE que afirmam que que 52,6% dos brasileiros até 25 anos

não concluíram o ensino básico, sendo o abandona da educação um dos grandes problemas da

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educação no Brasil, o percentual da população que terminou o ensino superior é ainda menor

(OLIVEIRA, 2019) . É evidente que grande parte desse problema tem como responsável a

desigualdade social que obriga jovens a ingressarem no mercado de trabalho mais rapidamente

para aumentar a renda familiar. Entre as duas jornadas, estudo e trabalho, os jovens optam por

deixar de lado a faculdade e se dedicarem exclusivamente ao trabalho. Diante dessa realidade, o

problema se intensifica pelo fato de que os currículos das universidades e escolas são muito

engessados e pouco integrados. A coordenadora do Todos pela educação, organização não

governamental, Thaiane Pereira afirma que a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) aponta

que uma das formas mais positivas de superar a questão da evasão escolar é deixando o ensino

mais interessante, dando ao jovem mais protagonismo no seu estudo e trazendo mais

flexibilidade para os cursos, esse posicionamento valendo, também, para o ensino superior

(PERREIRA,2019).

Dessa forma, as novas metodologias aparecem como possíveis caminhos para

estimular tal protagonismo. De acordo com o portal do FNDE, metodologias inovadoras

na educação, por definição, são aquelas compostas por novos produtos e sistemas

construtivos, ou seja, métodos inovadores são aqueles capazes de construir e modificar o

ensino com ideias novas, trazendo diversos benefícios para a educação no geral (FNDE,

2018). Uma dessas técnicas é a “gameficação”. Apesar de ser um termo recente,

aparecendo em artigos pela primeira vez em 2010, o conceito que ele abarca já é bem

antigo. Esse método de ensino busca aplicar elementos de jogos no ensino, com o objetivo

de tornar o conhecimento mais dinâmico e atrativo para os estudantes de todas as idades.

De acordo com o livro “Gameficaçao na educação”, essa metodologia é a construção, de

sistemas, módulos ou modos de produção, tendo em foco as pessoas, usando premissa de

a lógica dos games, por meio do estabelecimento de metas e premiações, esse modelo

leva em consideração a motivação do aluno, o trabalho em equipe e a noção de liderança.

Além disso, a gameficação incentiva o pensamento lógico e melhora a habilidade de

resolução de problemas e a tomada de decisão dos estudantes (FADEL, 2014). No meio

jurídico, essa metodologia é de grande ajuda, uma vez que busca integrar a teoria com a

prática. Dessa forma, os estudantes de direito seriam capazes de desenvolver capacidades

cognitivas que os permitiriam, por exemplo, interpretar leis e aplicá-las de forma mais

natural e eficaz, podendo facilitar o trabalho de um advogado.

No ensino jurídico os métodos tradicionais e conteudistas estão sendo usados faz

séculos, o que vem desmotivando os alunos a seguir com o curso. Além disso, há um

fosso abissal entre as metodologias usadas no ensino jurídico e o exercício concreto das

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propostas (FACHIN, 2014). É necessário que os futuros graduandos de direito tenham

conhecimentos teóricos e habilidades práticas para estarem preparados para suas carreiras

profissionais. No artigo publicado na Revista de pesquisa e educação jurídica em 2018,

os autores Paulo Santos e Luiza Benedito, trazem a toda a ideia de que os futuro

profissionais do direito precisam de elevado padrão e desenvolvimento no conhecimento

técnico mas, é uma demanda, também, que esses conhecimentos sejam aplicados de forma

transdisciplinar e humana (BENEDITO; SANTOS, 2018) . Uma vez que com a crescente

tecnológica os trabalhos que antes eram de advogados e juízes estão sendo delegado a

robôs que são capazes de fazer o pedido, como retratado na notícia publicada no dia 18

de novembro de 2018 no site da Folha (OLIVEIRA,2018). Sendo assim, as metodologias

inovadoras são a mudança necessária para adequar o ensino ao momento histórico atual.

Por meio da gameficação, será possível integrar os conteúdos teóricos, como a

constituição e leis, à prática, por meio de simulações, jogos online ou até gincanas que

estimulem a busca do conhecimento pelo aluno.

Muito embora a gamificação no ensino jurídico ainda seja uma promessa a se

cumprir, já existem algumas instituições que já investem e incentivam o uso de tais

metodologias nas suas aulas. Um exemplo é o “Juri game”, plataforma digital em que

reúne alunos e permite que eles participem em uma serie de casos fictícios. Os estudantes

podem se dividir em acusação e defesa e simular um júri online, no qual eles poderão

aprender sobre o conteúdo jurídico da causa, compartilhar informações relativas à

disciplina, interagir e se sentirem desafiados a vencê-la. Essa plataforma é uma das muitas

que podem estimular o interesse do aluno no estudo e ainda agregar a educação a prática.

É importante ressaltar que essa metodologia, além de poder ser aplicada por meios

tecnológicos, como jogos online e dinâmicas promovidas pela internet pode, também, ser

feita sem o auxílio da internet, como por exemplo em um jogo de tabuleiro ou gincanas

na sala de aula que estimulem o estudo ativo.

3. A LEGISLAÇÃO SOBRE AS NOVAS METODOLOGIAS E O QUE É

NECESSÁRIO PARA COLOCA-LAS EM PRÁTICA

Atualmente, no Brasil, não existem legislações que regulem o uso de

metodologias inovadoras nas instituições de ensino. Contudo, de acordo com a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 é obrigatório que cada

instituição de ensino tenha o seu Projeto Político Pedagógico. Esse documento tem a

função de criar um guia para a comunidade das instituições – alunos, pais, gestores,

professores, funcionários – estipulando os objetivos e modo de funcionamento. Nesse

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projeto devem constar diretrizes sobre a formação dos professores, diretrizes para a gestão

administrativa e a proposta curricular (BRASIL,1996).

Dentro desse último tópico é especificado o método de aprendizagem, ou seja,

metodologias inovadoras. Para preencher essas partes do projeto é necessário que seja

especificada qual metodologia será usada, as técnicas de avaliação, benefícios e práticas

que ocorrerão durante o curso. Sob uma visão do ensino jurídico, a gameficação seria

uma boa metodologia para ser especificada no Projeto Político Pedagógico das universais

de Direito . Isso se deve, pois, a flexibilidade curricular é um dos grandes facilitadores

para que as metodologias ativas possam ser implantadas.

Outro ponto a ser pensado e que deve ser explicitado no projeto é a formação dos

professores em relação a gameficaçao, já que eles precisam ser capazes de aplicar essa

técnica em sala de aula. Como discutido na pesquisa, há necessidade de mudanças no

processo de ensino e aprendizagem no ensino superior. No entanto, os professores

reproduzem, geralmente, as mesmas estratégias de ensino às quais foram submetidos,

reforçando o ensino tradicional. Sendo assim, com o objetivo de estudar as práticas em

sala de aula, relacionando-as com a aprendizagem do estudante e as estratégias de ensino

dos professores, foi constituído um campo de estudo denominado Scholarship of

Teaching and Learning (SoTL) (BOYER, 1990). Esse projeto busca estudar como o

ensino dos professores pode ajudar o profissional a introduzir as metodologias inovadoras

na sua forma de ensinar. Além disso, deseja que a formação de um professor não seja

apenas da formação de um pesquisador já que, um lecionador deve ser capaz de ensinar

e estimular quatro capacidades nos alunos: o descobrimento do conhecimento , a

integração do novo, a aplicação do conhecimento e a habilidade de ensinar o estudado,

como dito por Ernest Boyer em um dos seu seminários sobre o método. Dessa forma, é

evidente que para que a gameficaçao do ensino jurídico deixe de ser uma proposta no

papel é necessário que se repense, também, as pós-graduações que devem adotar um

método que vise introduzir as metodologias inovadoras, como o SoTL.

Sendo assim, não existem legislações que regulem especificamente o uso de

metodologias inovadoras na educação superior, em especial no ensino jurídico. Porém,

existem leis em que devem ser seguidas e exigem que as instituições de ensino

especifiquem seu modo de operação, a fim de analisar e verificar que eles estão de acordo

com o previsto na Lei N°9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, conclui-se que, as metodologias inovadoras, em especial a

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gameficaçao da educação, são essenciais para suprir um distanciamento entre o ensino

jurídico e a prática do Direito. Tal incongruência se deve a crescente globalização, que

modificou diversos aspectos do trabalho e da vida dos indivíduos, que por sua vez,

continuam tendo aulas tradicionais e conteudistas que são se adaptam ao novo mundo

tecnológico.

A gameficação, é uma metodologia pensada para desenvolver habilidades cognitivas

nos alunos. Essa metodologia, que utiliza elementos de jogos para estimular diversas

capacidades nos estudantes, possibilita que os alunos, por meio de um ensino mais ativo

relacionar, consigam relacionar com mais facilidade a matéria e as situações do dia a dia,

se tornando profissionais melhores e mais prestativos. Esse método é capaz também de

formar indivíduos mais preparados para as dificuldades que eles encontrarão nessa nova

era tecnológica,

Esse tipo de metodologia pode ser facilmente aplicado nas universidades e

faculdades, visto que não existem regulamentações sobre o assunto. Contudo, são

necessárias algumas mudanças, até na formação dos professores de universidade, que

precisam ser menos tradicionais e mais voltadas para a gameficação. Tudo isso deve ser

incluso, obrigatoriamente, no Projeto Político Pedagógico, e aí sim poderá funcionar

facilmente nas universidades e faculdades de Direito.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOYER, E. 1990. Scholarship reconsidered: Priorities of professoriate. San

Francisco: Jossey-Bass

BENEDITO, Luiza. SANTOS, Vitor;. O ensino jurídico sob a ótica da gameficação.

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educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.

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repensando paradigmas. Argumenta Journal Law, 2014. Disponível em:

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FONFOCA, Eduardo. et al. Metodologias Pedagógicas Inovadoras - Contexto da

Educação Básica e da Educação Superior. Ed. IFPF, 2018.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a

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https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/proinfancia/eixos-de-atuacao/mobiliario-

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OLIVEIRA, Elida. Mais da metade dos brasileiros de 25 anos ou mais ainda não

concluiu a educação básica, aponta IBGE. G1, 19/06/2019. Disponível em:

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25-anos-ou-mais-ainda-nao-concluiu-a-educacao-basica-aponta-ibge.ghtml. Acesso em:

01/05/2020.

OLIVEIRA, Felipe. Robôs advogados analisam processos, fazem petições e

aceleram contratos. G1, 10 de novembro de 2018. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/robos-advogados-analisam-processos-

fazem-peticoes-e-aceleram-contratos.shtml. Acesso em: 01/06/2020

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derechoPautas metodológicas y

técnicas para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

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1 Graduanda em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.1

IMPRESSÃO 3D: UMA ANÁLISE JURÍDICA

3D PRINTING: A JURIDICAL ANALYSIS

Júlia Natividade Teixeira 1

Resumo

O presente trabalho, pertencente a vertente metodológica jurídico-sociológica, tem como

tema principal o impacto das impressoras 3D no mundo jurídico, no que diz respeito à

criminalidade, seja em um aspecto positivo ou negativo para o Direito, ou seja, diz respeito

explicitamente ao Direito Penal. O principal objetivo desta pesquisa é constatar de que

maneira as impressoras 3D seriam capazes de contribuir com a aplicabilidade da lei, e

examinar como essa tecnologia auxilia o mundo do crime, requerendo uma atualização no

Direito, para que se englobe esse novo aspecto do crime na sociedade.

Palavras-chave: Impressoras 3d, Direito, Criminalidade, Lei, Tecnologia, Sociedade

Abstract/Resumen/Résumé

The presente work, belonging to the juridical-sociological methodological aspect, has as it’s

main theme the impacto f 3D printers in the legal word, with regard to crime, whether in

positive or negative aspect for the Law, that is, it explicitly concerns the criminal law. The

main objective of this research is to find out how 3D printers would be able to contrinute to

the applicability of the Law, and to examine how technology helps the world of crime,

requiring na update in the law, to include this new aspect of crime in the society.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: 3d printers, Law, Criminality, Legislation, Technology, Society

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa, a qual tem como base as inovações positivas e negativas

produzidas pelas impressoras 3D no que concerne à criminalidade, é de fundamental

importância para o mundo jurídico e para a sociedade contemporânea. Isso se deve ao fato de

que propõe uma análise das contribuições já existentes, e em potência, das criações das

impressoras 3D para a aplicação do Direito, sem, contudo, deixar de relatar suas obras

favoráveis ao mundo do crime, o que exige, também, esforços do mundo legal para acompanhar

tais inovações.

Essas impressoras são capazes de imprimir objetos inimagináveis, e o que vem sendo

descoberto pode ser revolucionário. Apenas com algumas informações, essa tecnologia pode

contribuir imensuravelmente com os governos e as polícias na busca de criminosos procurados.

Isso é possível a partir de reconstruções feitas em 3D, como faciais ou até mesmo de digitais.

Com isso, a hipótese de ter acesso a informações privilegiadas para investigações criminais,

através de impressoras 3D, é profundamente inovadora.

Contudo, é inegável a possibilidade do uso desta tecnologia para o mal. Uma questão

que já é uma realidade em todo o mundo é a fabricação de armas de fogo em casa, e até mesmo o

roubo de propriedade intelectual, entre outros. Sem uma legislação mais específica a cerca desta

problemática, não haverá um controle eficiente sobre a questão. Além disso, este trabalho poderá

dar base a um futuro do Direito mais imerso nas tecnologias, possibilitando uma maior

acessibilidade aos aplicadores de tal.

A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No

tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin

(2010), o tipo jurídico-interpretativo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente dialético. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a expor a eficácia das

impressoras 3D no que tange à criminalidade, contribuindo com a possibilidade de mudança na

legislação e de uma adaptação dos aplicadores do Direito para com essa tecnologia.

2. AS IMPRESSORAS 3D E SUAS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA A

APLICAÇÃO DO DIREITO

O projeto Stranger Visions, da artista transdisciplinar e educadora Heather Dewey-

Hagborg, é um excelente exemplo para esta possibilidade. Neste projeto, ela criou esculturas

faciais a partir da análise de materiais genéticos que ela mesma coletou nas ruas de Nova York.

Apenas com essa informação, ela foi capaz de construir figuras reais, e extremamente

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semelhantes à face humana. É uma espécie de retrato falado, mas basta apenas um vestígio com

o material genético do indivíduo para ajudar a procura do criminoso, sem expor a vítima ao

constrangimento de se recordar do rosto da pessoa que a lesou (HAGBORG, 2013).

Ademais, essa reconstrução facial 3D pode auxiliar o trabalho policial de outra maneira.

Através do DNA de alguma vítima, extraído, por exemplo, de fragmentos de ossos encontrados,

seria possível fazer uma reconstrução facial que ajude a reconhecer pessoas dadas como

desaparecidas. Segundo Moraes e Miamoto (2015, p.317-318): “Para o auxílio à identificação

humana através da estimativa da aparência antemortem do indivíduo [...] e o reconhecimento

desencadeado pelo reavivamento da memória de pessoas que possam conhecer a suposta

vítima”.

É válido ressaltar que, no final do ano de 2019, o Instituto Técnico-Científico de Perícia

do Rio Grande do Norte (Itep-RN) decidiu começar a utilizar a tecnologia 3D para reconstruir a

face de cadáveres não identificados. Com isso, será possibilitada a reconstrução a partir de

crânios encontrados em cenas de crimes, até mesmo quando o cadáver for encontrado em

decomposição (O INSTITUTO..., 2019).

Além dessa questão, é importante salientar quando o Departamento de Polícia de

Michigan procurou o professor Anil Jain, da Universidade Estadual de Michigan, para solicitar

sua ajuda na investigação de um crime. Foi pedido ao professor para que ele recriasse, na

impressora 3D, o dedo de um homem assassinado. A polícia já havia as digitais da vítima, e

acreditava que seu celular continha informações importantes para a investigação. Dessa forma,

com o material impresso, eles teriam acesso a seu dispositivo eletrônico. Para tanto, os cientistas

cobriram as próteses com uma fina camada de partículas metálicas que podem carregar energia e

“enganar” a tela, imitando um dedo de alguém vivo (EVELETH, 2016).

O professor Anil Jain também estudou, junto a sua equipe de biometria, a construção de

mãos através das impressoras 3D, para auxiliar, e melhorar, a segurança de scanners de

impressões digitais comumente usados em todo o mundo. Segundo Jain, em um artigo da “MSU

Today”:

Agora, outra aplicação dessa tecnologia será avaliar a resistência à falsificação

de scanners de impressões digitais comerciais. Destacamos uma brecha na

segurança e as limitações da tecnologia existente de digitalização de impressões

digitais, agora cabe aos fabricantes do scanner projetar um scanner resistente à

falsificação. O ônus deles é saber se o dedo que está sendo colocado no scanner

é uma pele humana real ou um material impresso (JAIN, 2016, tradução

nossa)1.

1 No original: Now, another application of this technology will be to evaluate the spoof-resistance of commercial

fingerprint scanners. We have highlighted a security loophole and the limitations of existing fingerprint scanning

technology, now it’s up to the scanner manufacturers to design a scanner that is spoof-resistant. The burden is on

them to tell whether the finger being placed on the scanner is real human skin or a printed material.

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A partir da afirmação do professor, pode-se concluir que as impressoras 3D são capazes

de contribuir com o desenvolvimento de scanners mais seguros, questão essencial quando se

trata de cofres (principalmente públicos), departamentos de polícia, entre outros. Com modelos

em 3D, a tecnologia desses equipamentos de segurança poderá ser aperfeiçoada, de modo que se

tornem inacessíveis à falsidade ideológica.

Com base no supracitado, nota-se que essas impressoras são capazes de fornecer

benefícios à aplicação do Direito em diferentes âmbitos, na identificação de criminosos, na

reprodução de casos criminais, no reconhecimento de pessoas desaparecidas, e até mesmo no

aprimoramento da segurança.

3. AS IMPRESSORAS 3D E SEU AUXÍLIO E INOVAÇÃO AO MUNDO DO

CRIME

Hod Lipson, doutor pela Technion - Israel Institute of Technology e pós-doutor pela

Brandeis University e pelo MIT, junto a Melba Kurman, formada na Universidade de Cornell, na

I-School da Universidade de Illinois e na U.S. Peace Corps, produziram o livro “Fabricated: The

New World of 3D Printing”. Segundo os autores:

Como a varinha mágica de contos de fadas infantis, impressão 3D nos oferece a

promessa de controle sobre o mundo físico. Impressão 3D fornece a pessoas

comuns novas ferramentas poderosas de design e produção. [...] Em um futuro

impresso em 3D, as pessoas farão o que elas precisarem, quando e onde elas

precisarem. Porém, tecnologias são tão boas quanto as pessoas que as usam. As

pessoas podem fabricar armas e novas drogas não regulamentadas ou até

tóxicas (KURMAN; LIPSON, 2012, p.11, tradução nossa).2

Na assertiva, que é o marco teórico do presente trabalho, os autores retratam a

capacidade das impressoras 3D de reproduzirem quase qualquer objeto, devido ao fato de fazer o

que, por muitos séculos, era considerado impossível. Sustenta eles que, o que qualquer indivíduo

quiser, ele será capaz de fazer, sem, contudo, deixar de ressaltar que o que for produzido é um

reflexo da pessoa que manipula a impressora 3D. Desta forma, eles abrem o questionamento

sobre a capacidade dessa tecnologia de fabricar itens comumente usados na criminalidade.

Relacionando-se ao tópico anteriormente exposto, a possibilidade de facções criminosas

utilizarem do mesmo artefato para uso de dados de outras pessoas é uma realidade. Como

existem no mundo diversas bases de dados que armazenam as impressões digitais de cidadãos,

2 No original: Like the magic wand of childhood fairy tales, 3D printing offers us the promise of control over the

physical world. 3D printing gives regular people powerful new tools of design and production. [...] In a 3D printed

future world, people will make what they need, when and where they need it. Yet, technologies are only as good as

the people using them. People might fabricate weapons and unregulated or even toxic new drugs.

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isso gera o risco de que, caso essas bases de dados sejam hackeadas, fossem criadas réplicas de

dedos ou mãos em larga escala. Com isso, os sistemas de segurança que operam com a

impressão digital ficam sujeitos a esse crime.

Uma realidade extremamente preocupante é a fabricação de armas de fogo em casa,

mais conhecidas como “armas fantasma”, que variam desde pistolas Glock 17 até AR-15. Essas

armas são um problema enorme para os aplicadores do Direito, tendo em vista o total anonimato

da existência delas. Elas não têm número de série, ou seja, não tem registro. Como seria possível

rastreá-las? Como a maioria de suas partes é feita de plástico, elas podem facilmente passar

despercebidas por equipamentos de detecção, como os de aeroportos. Além disso, indivíduos

proibidos pela lei de possuírem armas de fogo, poderiam produzi-las em casa sem que o

Governo e a polícia façam a menor ideia (GOMES, 2019).

Um exemplo real de tal acontecimento foi quando jornalistas do Channel 10 TV

testaram a segurança do Governo de Israel ao conseguirem ter feito uma arma 3D passar

despercebida pelo detector do Parlamento Israelense. Arma esta produzida com base em projetos

da Defense Distributed, organização sem fins lucrativos dos EUA, que fornece esquemas digitais

de armas de fogo que podem ser baixadas pela internet e utilizadas em aplicativos de impressão

3D (CAPTAIN, 2013).

Esse tipo de arma já foi banido da Austrália e do Reino Unido, e no Brasil a lei também

proíbe a produção de armas sem licença adequada. Contudo, sem uma legislação mais específica

a cerca deste tema, não haverá controle sobre a produção. Para se ter uma maior noção do

problema, ressalta-se que o primeiro modelo de arma criado em computador e impresso em três

dimensões teve seu projeto, em dois dias, baixado mais de 100 mil vezes (CORDEIRO, 2015).

Em outro contexto, destaca-se um crime denominado skimmer, que consiste em

produzir uma abertura de caixa automático semelhante a original, para os criminosos consigam

uma cópia dos dados bancários dos indivíduos durante as transações. Para tanto, eles,

denominados skimmers, conectam uma pequena câmera à placa de identificação do caixa

eletrônico. O alarmante sobre o uso das impressoras 3D na execução deste crime é o fato de que,

apenas com fotos do caixa eletrônico, elas conseguem imprimir cópias quase idênticas,

dificultando a identificação dessas fraudes pela polícia (FINANCIALLY..., 2014).

Outro fator agravante do uso das impressoras 3D é o roubo de propriedade intelectual.

Isso se deve pelo fato de ser possível a produção de réplicas de bolsas, relógios, obras, entre

outros, tão visualmente perfeitas quanto as originais. Basta apenas uma foto para que os

criminosos já consigam imprimir seu conteúdo nessas impressoras. Além disso, as invasões de

domicílio e de outros locais pode se tornar realidade, pois é possível a criação de chaves nessa

inteligência, até mesmo, como foi dito, a partir de uma foto das chaves originais (SOUZA,

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2016).

Com base no exposto, é evidente a necessidade de estudos sobre o tema, para que haja

uma legislação extensa e completamente dedicada ao combate a esses novos tipos de delitos, em

que a tendência é aumentar cada vez mais. O Direito deverá determinar o que poderá e o que não

poderá ser feito por criadores e usuários de impressoras, de modo a conciliar o melhor

aproveitamento desta tecnologia com o combate aos crimes expostos e que ainda não são

conhecidos pela sociedade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no apresentado, conclui-se que as impressoras 3D, de fato, são uma

alternativa interessante aos aplicadores de Direito, sendo conveniente seu uso em todas as

esferas desta área, não só às grandes agências de investigação. Percebe-se que, se os

benefícios dessa tecnologia fossem mais discutidos, ela seria extremamente eficiente na

identificação de criminosos procurados, na solução de crimes, na identificação de

desaparecidos e até mesmo no desenvolvimento de dispositivos de segurança mais eficazes.

Outrossim, observa-se sua utilização pelo mundo do crime, sobre perspectivas ainda

inimagináveis. A produção de armas de fogo, uso indevido da impressão digital alheia, roubo

de propriedade intelectual, skimming, entre outros, são transgressões a partir das impressoras

3D já existentes e de gravidade ainda pouco discutida. Além disso, há a possibilidade de

crimes ainda nem conhecidos pela sociedade.

Portanto, essa tecnologia deve ser utilizada pelo Direito tanto em sua aplicação,

quanto em seu conteúdo normativo. O Direito deve acompanhar as inovações tecnológicas do

século XXI e abandonar técnicas muitas vezes rudimentares. Ademais, é necessário que os

legisladores se atentem acerca desta novidade, para que o combate ao crime oriundo das

impressoras 3D seja efetivo.

5. REFERÊNCIAS

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2013. Disponível em: https://www.nbcnews.com/technology/journalists-smuggle-3-d-printed-

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real. Revista Galileu, 24 jun. 2015. Disponível em:

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hands-to-keep-us-safe-and-increase-security/. Acesso em: 18 maio. 2020.

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2014. Disponível em: https://3dprinting.com/news/criminals-use-3d-printers-mass-produce-

skimming-devices/. Acesso em: 06 jun. 2020.

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https://defdist.org/. Acesso em: 18 maio. 2020.

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19 ago. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-

norte/noticia/2019/08/19/itep-vai-usar-tecnologia-3d-para-reconstrucao-facial-de-cadaveres-nao-

identificados-no-rn.ghtml. Acesso em: 07 jun. 2020.

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WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para el

estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

25

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1 Advogado. Possui graduação em Direito pela UFMG e pós-graduação em Direito Civil pela PUC-MG.1

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ADVOCACIA: ALGUMAS APLICAÇÕES PRÁTICAS

ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND ADVOCACY: SOME PRACTICAL APPLICATIONS

Otávio Morato de Andrade 1

Resumo

A inteligência artificial (IA) está rapidamente ganhando força no setor jurídico. Na

advocacia, novos softwares têm possibilitado a automatização no gerenciamento de processos

jurídicos, aperfeiçoando a qualidade dos serviços legais e tornando-os mais ágeis. Esse

estudo irá demonstrar alguns dos principais softwares de IA disponíveis na advocacia, bem

como as possíveis consequências da massificação dessas ferramentas nos próximos anos.

Palavras-chave: Softwares jurídicos, Inteligência artificial, Automatização

Abstract/Resumen/Résumé

Artificial intelligence (AI) is rapidly gaining traction in the legal sector. In advocacy, new

software has enabled automation in the management of legal processes, improving the quality

of legal services and making them more agile. This study will demonstrate some of the main

AI software available in law, as well as the possible consequences of the widespread use of

these tools in the coming years.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Legal software, Artificial intelligence, Automation

1

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1. INTRODUÇÃO

A automação informática já é uma realidade no mundo e o universo jurídico vem se

beneficiando há anos desses avanços tecnológicos. No Brasil, o processo eletrônico foi

difundido massivamente e se aprimora cada vez mais, ao passo que a consulta jurisprudencial

está largamente disponível nos meios digitais. Para além da automação, as inovações recentes

da computação vêm permitindo o desenvolvimento de ferramentas que utilizam uma tecnologia

instigante e desafiadora: a inteligência artificial (IA). A IA está dando origem a softwares de

arquitetura sofisticada, dotados de algoritmos capazes de desenvolver raciocínios e tomar

decisões que emulam o pensamento humano.

Mais do que automatizar tarefas repetitivas, os sistemas baseados em IA possuem

aptidão para analisar documentos e executar ações com altos índices de acerto, substituindo

trabalhadores humanos em diversas tarefas. No âmbito do Direito, essas novas plataformas têm

se mostrado capazes de aprimorar pesquisas jurisprudenciais, revisar contratos e elaborar peças

jurídicas simples. Tudo isso de forma autônoma, com pouca ou nenhuma interferência humana.

Este estudo tem o objetivo de examinar o funcionamento alguns dos principais

softwares de inteligência artificial existentes atualmente, bem como as contribuições que essas

ferramentas podem proporcionar à advocacia.

2. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA) E ADVOCACIA

Russel & Norvig (1995) descrevem a inteligência artificial como a capacidade da

máquina de interpretar dados de forma racional e humana, tomando decisões autônomas com

base em padrões preexistentes. Simons (2016) preleciona que é a ciência de ensinar

computadores a “aprender, raciocinar, perceber, inferir, comunicar e tomar decisões como os

humanos”. Mas como um sistema artificial é capaz de pensar de forma inteligente? De acordo

com o Grupo de Experts em IA da União Europeia, o software “percebe o ambiente em que

está imerso através de sensores, coletando e interpretando dados, processando as informações

sobre os dados recebidos para decidir qual é a melhor ação”. Esses sistemas de IA também

podem adaptar seu comportamento analisando como o ambiente foi afetado por suas ações

anteriores.

Luiz Fux entende que o conceito de IA é indissociável de um mecanismo fundamental

para a sua existência: o método de aprendizado de máquina, ou machine learning. Harry Surden

(2019) fornece uma definição precisa sobre essa técnica: “[...] consiste na capacidade de os

sistemas se adaptarem a novas circunstâncias e extrapolar padrões previamente estabelecidos,

aprendendo com os dados já conhecidos e subsidiando tomadas de decisão futuras”. No

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machine learning, o computador é desenvolvido para “se autoprogramar” com base em sua

própria experiência. Ele reúne dados, interpreta essas informações e toma decisões

diferenciadas, trabalhando com padrões cognitivos similares aos usados por humanos (ARENS,

2017). Além das adaptações realizadas pelo próprio sistema com base em sua experiência

prévia, o machine learning pode se dar através da intervenção humana. Neste sentido, os

desenvolvedores podem reeditar o código do software, fazendo ajustes e correções até que o

computador passe a executar a tarefa com grau aceitável de acuidade.

A partir de 2010, os consequentes avanços científicos possibilitaram a introdução da

inteligência artificial em softwares jurídicos como o ROSS e o LawGeex, sistemas que, como

veremos adiante, são capazes de analisar contratos e emitir pareceres jurídicos com enorme

velocidade e precisão. Luiz Fux (2019, p. 3) relata que a IBM definiu seis categorias de

potenciais aplicações da inteligência artificial ao Direito, a saber: previsão de resultados de

conflitos judiciais, elaboração de peças jurídicas; revisão de contratos; identificação de padrões

em decisões judiciais; rastreamento de propriedade intelectual e mecanização do faturamento

de honorários.

O uso da IA na advocacia tem atraído muita atenção nos últimos anos. Atualmente, a

Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) registra mais de cinquenta startups no

mercado legal no país. Há dois anos atrás existiam apenas vinte empresas do gênero. A AB2L

divide as Lawtechs brasileiras em onze categorias, a saber: i) analytics e jurimetria; ii)

automação e gestão de documentos; iii) compliance; iv) conteúdo jurídico, educação e

consultoria, v) extração e monitoramento de dados públicos; vi) gestão jurídica; vii) inteligência

artificial; viii) redes de profissionais; ix) regtechs; x) resolução de conflitos online e xi) taxtech.

Dentre essa extensa gama de aplicações, nos interessa, em especial, o uso da

inteligência artificial no cotidiano da advocacia. Nos tópicos a seguir, demonstraremos

exemplos de softwares que utilizam alta tecnologia para solucionar problemas jurídicos.

Embora também executem tarefas tradicionais de automação, todos estes sistemas possuem um

diferencial importante: eles são equipados com algoritmos de inteligência artificial, que

permitem o processamento de informações, a interação fluida com o usuário e o

aperfeiçoamento constante do software através do aprendizado de máquina.

2.1 CONFIABILIDADE E PRECISÃO: O ROBÔ “ROSS” DA IBM

Desde 2014, pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, vêm

desenvolvendo o software ROSS. A plataforma é baseada em tecnologia de inteligência

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artificial da IBM1, e tem por objetivo oferecer pesquisas detalhadas e confiáveis aos advogados

na busca de argumentos para suas ações, através da comparação de jurisprudência, doutrina e

normas legais. O ROSS pode processar, em apenas um segundo, quinhentos gigabytes de dados,

o equivalente a um milhão de livros. Isso permite que ele arquive toda a legislação do país,

jurisprudências, precedentes, citações e qualquer outra fonte de informação jurídica. Além

disso, pode atualizar seu conteúdo vinte e quatro horas por dia, todos os dias, e alertar o

advogado sobre informações recentes que afetem um caso em que está trabalhando.

De acordo com Michal Addady (2016), a plataforma também é capaz de extrair

conclusões ao analisar a literatura jurídica, selecionar informações relevantes para um caso

específico, formular hipóteses, gerar respostas sustentadas por referências e interagir com o

usuário. A interface do sistema é simples e intuitiva: o advogado faz uma pergunta e o robô

soluciona a questão, citando precedentes jurídicos, leis relacionadas e até um percentual de

confiabilidade da resposta fornecida. O sistema também é capaz de pesquisar em outros idiomas

e alertar o advogado para novas mudanças de entendimento e tendências jurisprudenciais.

Em 2016, a Baker & Hostetler, uma das maiores bancas de advocacia dos EUA,

“contratou” o ROSS para a automatização de tarefas jurídicas na área de falências. O software

foi instalado nos computadores dos escritórios da firma, e já está operando como fonte de

pesquisas para cinquenta advogados da divisão de falências. Segundo Luiz Fux (2019, p. 3), o

ROSS possui um subsistema ainda mais automatizado, chamado EVA, que funciona

especificamente para a análise de peças processuais. No EVA, o usuário pode inserir a petição

inicial ou contestação apresentada pelo advogado da outra parte, deixando que a máquina

pesquise a jurisprudência citada, identifique as partes do texto mais relevantes, busque

jurisprudência atualizada sobre essas informações e apresente-as de forma concisa.

2.2 RASTREANDO DEFEITOS: “LAWGEEX” E A ANÁLISE CONTRATUAL

A LawGeex é uma empresa israelense fundada em 2014, que desenvolve tecnologia

automatizada de revisão de contratos. O sistema visa reduzir os recursos humanos e financeiros

com a análise e aprovação de minutas, e foi projetado para responder à seguinte pergunta:

"Posso assinar isso?”. Para solucionar a questão, o robô utiliza algoritmos computacionais que

examinam as cláusulas, verificam a sua legalidade com base no ordenamento jurídico e

investigam se o contrato cumpre critérios preestabelecidos pelo usuário. Caso seja encontrada

1 O Ross utiliza como base o sistema de inteligência artificial Watson, desenvolvido pela IBM. Pode-se dizer,

portanto, que o Ross é uma variante jurídica do Watson (SILLS, 2016)

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uma contradição jurídica ou um dispositivo contratual que possa prejudicar os interesses do

usuário, o sistema envia um alerta ao advogado para que ele revise a cláusula defeituosa ou

indesejada.

Em um estudo divulgado pela LawGeex (Comparing the Performance of Artificial

Intelligence to Human Lawyers in the Review of Standard Business Contracts), advogados

americanos com décadas de experiência em direito societário e revisão de contratos foram

confrontados com um computador para detectar problemas em cinco contratos NDA (Non-

Disclosure Agreement)2. Os profissionais humanos competiram contra um sistema LawGeex,

que foi desenvolvido por três anos e treinado através de machine learning com base em dezenas

de milhares de contratos.

Após extensos testes, o sistema alcançou uma média de 94% de acertos na

identificação de cláusulas problemáticas, enquanto os advogados atingiram um índice de 85%.

Em média, foram necessários 92 minutos para que os profissionais humanos analisassem todos

os cinco NDA’s propostos. O advogado que consumiu mais tempo gastou 156 minutos na

análise, enquanto o profissional mais rápido fez a revisão em 51 minutos. Por sua vez, o

computador concluiu a tarefa em apenas 26 segundos.

2.3 “LEXMACHINA”: EXAME DE PATENTES E AVALIAÇÃO DE RISCOS

Fundada em 2010, a LexMachina é fruto de pesquisas desenvolvidas nas faculdades

de Direito e de Ciência da Computação da Universidade de Stanford. O nome da empresa é

uma expressão latina que significa “máquina do direito”. A empresa oferece um conjunto de

aplicativos que possibilitam uma gama de ferramentas aos advogados, entre as quais: i) avaliar

o grau de ameaça representada por um novo caso, simulando riscos de prejuízos financeiros e

sanções judiciais; ii) permitir a elaboração de peças jurídicas com argumentação robusta e

confiável e iii) emitir relatórios sobre patentes e avaliar disputas de propriedade intelectual.

De 2000 a 2013, o LexMachina compilou dados de 147.000 casos de propriedade

intelectual, montando uma extensa base de dados de patentes, direitos autorais, marcas

registradas e casos antitruste. O sistema também é capaz de extrair publicações do

Departamento de Marcas e Patentes e das cortes judiciais estadunidenses, disponibilizando-os

para pesquisa dentro da plataforma. A mineração dessas informações permite que os advogados

2 Um acordo de não-divulgação (NDA, Non-Disclosure Agreement) é um contrato legal de confidencialidade,

através do qual as partes concordam em não divulgar determinadas informações.

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acompanhem tendências processuais de tribunais específicos, históricos de advogados e das

partes adversárias, além de estimar prováveis custos e desdobramentos do litígio.

2.4 ASSISTENTES VIRTUAIS INTELIGENTES

Chatbots (em inglês “chat” = conversa; “bot” = robô) são softwares que tentam simular

um ser humano na conversação com as pessoas. O objetivo desses programas é responder

perguntas de tal forma que o usuário tenha a impressão de estar conversando com outra pessoa

e não com um programa de computador. Depois que o usuário formula um questionamento por

mensagem de texto, o programa consulta seu banco de dados ou a internet, e em seguida fornece

uma resposta em linguagem humana e acessível. Desta forma, o software constrói respostas

automatizadas com base em palavras-chave contidas na pergunta inserida. Os chatbots também

utilizam aprendizado de máquina para aumentar o grau de precisão das respostas e dar mais

naturalidade às conversas, tornando os chats com mais parecidos com as interações humanas.

O DoNotPay, ou numa tradução livre, “Não pague a sua multa”, é um aplicativo

disponível na AppleStore, que utiliza um sofisticado chatbot para responder consumidores

insatisfeitos com serviços de outras empresas ou órgãos públicos. Quando foi criado, em 2015,

a ideia inicial era que o DoNotPay examinasse multas de trânsito inseridas pelo usuário,

formulando dicas personalizadas para que o motorista escolhesse os melhores recursos

administrativos ou jurídicos para contestar a sanção. De acordo com o The Guardian, o

aplicativo solucionou 160.000 casos em menos de dois anos, livrando usuários de mais de 4

milhões de dólares em multas.

Com o tempo, a abrangência e complexidade do sistema aumentaram, e o aplicativo

passou a oferecer “assistência jurídica” a pessoas com as mais diversas reclamações sobre

órgãos públicos ou empresas, tais como: problemas com aplicativos de entrega,

desentendimentos com companhias aéreas, contestação de taxas bancárias consideradas

abusivas, etc. Ao receber a reclamação do cliente, o programa faz uma série de perguntas

específicas sobre a situação para, então, orientar o usuário sobre seus direitos e formular uma

lista de documentos que autor precisaria para dar entrada no processo. O DoNotPay também

fornece orientações sobre os trâmites processuais, como audiências e estimativas de prazo, caso

o autor decida processar a empresa.

3. CONCLUSÃO

A crescente indústria de tecnologia jurídica está colocando um conjunto cada vez

maior de ferramentas de IA à disposição dos escritórios de advocacia. Atualmente, a maioria

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desses recursos está direcionada para a revisão de contratos, análise jurisprudencial e pesquisa

de documentos. Neste contexto, o uso de robôs pode transformar a vida jurídica e o cotidiano

dos escritórios, suscitando novas perspectivas para a advocacia, como por exemplo: 1)

eliminação de algumas tarefas do advogado, sobretudo as que envolvem organização de

documentos e pesquisas jurisprudenciais; 2) criação de empregos relacionados à concepção e

gerenciamento de ferramentas automatizadas; 3) aumento da eficiência dos escritórios, com

economia de tempo e recursos financeiros, que poderão ser reinvestidos pelo advogado de

várias formas; 4) redução da morosidade na Justiça, ensejando maior eficácia na prestação

jurisdicional e melhoria no atendimento dos advogados pela estrutura dos órgãos judiciários.

Todavia, os softwares de IA dificilmente substituirão, com plenitude, o trabalho de um

bom advogado na redação de peças jurídicas sofisticadas e no raciocínio estratégico em casos

mais complexos, uma vez que a IA ainda está longe de adquirir capacidade de dimensionamento

ético e ponderação de valores para mensurar as especificidades de cada caso em concreto.

REFERÊNCIAS

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15/06/2019] Disponível: http://fortune.com/2016/05/12/robot-lawyer/

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https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/brasil-chega-a-1-milhao-de-

advogados-636e8p084e82q2vq2du4excr1/

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lawyer-donotpay-parking-tickets-london-new-york.

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FERRAZ, Fred. Jurimetria é ferramenta importante nas mãos de um bom advogado. Rev Conjur. Out

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SILLS, Anthony. ROSS and Watson tackle the law. AI for Enterprise. IBM. Jan 2016. [acesso em

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Vol. 35, 2019 University of Colorado Law Legal Studies Research Paper No. 19-22.

ZIMMERMANN, Gustavo. Empresas Analitcs e Jurimetria. Lexnet. Jun 2018. [acesso em 15/06/2019]

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1 Pós-Doutor pela Universidade Nove de Julho e USP. Professor do PPGCJ - UNICESUMAR. Professor visitante na Universidade de Coventry, Inglaterra (Programa de Doutorado em Direito e Negócios).

2 Pós-doutoranda e bolsista da CAPES - artigo vinculado do PPGCJ do Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR, através da linha de pesquisa de instrumentos de efetivação dos direitos da personalidade.

1

2

INTERNET DAS COISAS E DIREITO DA PERSONALIDADE: LIMITES ÉTICOS E JURÍDICOS DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA

IOT AND PERSONALITY RIGHTS: ETHICAL AND LEGAL LIMITS OF THE INTIMACY AND PRIVATE LIFE

Marcelo Negri Soares 1Valéria Julião Silva Medina 2

Resumo

Por meio do método dedutivo, baseado em análise e revisão bibliográficas, o estudo objetiva

apresentar a importância das normas éticas e jurídicas para garantir os direitos da

personalidade dos indivíduos, como a intimidade e vida privada, diante dos avanços da

tecnologia, em especial da internet das coisas (IoT).

Palavras-chave: Internet das coisas (iot), Direito da personalidade, Limites ético-jurídicos

Abstract/Resumen/Résumé

Through the deductive method, based on bibliographic analysis and review, the study aims to

present the importance of ethical and legal rules to garantee the individual personality rights,

such as intimacy and private life, in face of advances in tecnology, especially the internet of

things (IoT).

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Internet of things (iot), Personality rights, Ethical-legal limits

1

2

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1

INTRODUÇÃO

Inovações disruptivas são, geralmente, desenvolvidas para garantir um avanço para seus

destinatários. É natural pensar que se Thomas Edison não tivesse descoberto a lâmpada,

Graham Bell, o telefone, dentre outras tantas inovações, certamente esta sociedade não estaria

no estágio de desenvolvimento tecnológico que vive hoje.

Entretanto, é evidente que muitas destas descobertas, podem e devem ser temidas pela

sociedade atual, em virtude do grau de ofensividade que podem trazer ao ser humano, o que

deve ser objeto de análise e tutela pelo direito.

Há muito se ouve a história de que os inventores da bomba atômica, os físicos Szilard e

Oppenheimer, consubstanciados nos estudos iniciais desenvolvidas por Einstein,

arrependeram-se da grande descoberta que fizeram, considerando os efeitos devastadores que

causaram na humanidade durante a 2ª Grande Guerra.1

Ao adentrar no século XXI, é perceptível que a automação é um caminho sem volta.

Vive-se em uma sociedade formada essencialmente por pessoas jovens pertencentes à chamada

‘geração Y’ ou ‘millennial’, ou seja, os nativos digitais, considerados aqueles nascidos entre os

anos de 1977 a 1997, do século XX. Não se pode, entretanto, afastar a existência dos super

jovens, integrantes da ‘geração Z’ ou ‘centenial’, considerados aqueles nascidos entre os anos

de 1998 a 2010, cuja inovação tecnológica já pode ser considerada parte de seus DNA’s e a ora

denominada ‘geração ALPHA’, que ainda crianças e/ou adolescentes na data de hoje, também

pertencem ao ambiente tecnológico por essência. Por fim, não se pode descartar a sobrevivência

de alguns integrantes da ‘Geração X’, os nascidos entre 1965 e 1976, que foram obrigados a se

adaptar aos ditames das novas tecnologias modernas. (TAPSCOTT, 2010)

Neste contexto de globalização tecnológica, tornou-se imprescincível uma mudança de

paradigmas axiológicos, culturais, sociais e até mesmo educacionais e comunicativos. Dentre

as tecnologias disruptivas que integram a sociedade pós-moderna, ora denominada de quarta

revolução industrial2, está a IoT - internet of things, sigla em inglês que significa ‘internet das

1 Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/a-historia-da-bomba-atomica-e-seu-genocidio-instantaneo/ Acesso em 10.06.2020. 2 Denominação dada à atual revolução tecnológica do planeta; a primeira ocorreu aproximadamente entre 1760 e 1840, provocada pela construção das ferrovias e pela invenção da máquina a vapor, dando início à produção mecânica; a segunda revolução industrial, foi iniciada no final do século XIX, entrou no século XX e, pelo advento da eletricidade e da linha de montagem, possibilitou a produção em massa; a terceira revolução industrial começou na década de 1960 e costuma ser chamada de revolução digital ou do computador, pois foi impulsionada pelo desenvolvimento dos semicondutores, da computação em mainframe (década de 1960), da computação pessoal (décadas de 1970 e 1980) e da internet (década de 1990); já a quarta revolução industrial teve início na virada do século e baseia-se na revolução digital, mas é bem mais avançada, eis que caracterizada por uma internet mais

35

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2

coisas’, o qual impõe uma interconexão entre pessoas e coisas através da internet, objetivando

uma facilitação da vida humana em sociedade. (SOARES, KAUFFMAN, CHAO, SAAD,

2020)

Diante destas premissas, serão analisados, a partir do método hipotético-dedutivo de

pesquisa, o que, de fato, é a internet das coisas (IoT) e como ela se apresenta perante a sociedade

atual, assim como quais seus efeitos no que tange à possíveis violações de direitos da

personalidade do indivíduo. Por fim, será objeto de análise fatores éticos de seu uso e como as

regras jurídicas devem servir como instrumento de proteção contra possíveis abusos.

1. A INTERNET DAS COISAS COMO UMA INOVAÇÃO DISRUPTIVA À

DISPOSIÇÃO DA SOCIEDADE

A experiência vivida nesta sociedade de informação, dentro do contexto já exposto

acerca da quarta revolução industrial, decorrente da evolução da inteligência artificial,

demonstra que o desenvolvimento de softwares que venham auxiliar o humano na tomada de

decisão e/ou facilitação de suas atividades cotidianas, dentre outros aspectos, cada vez mais tem

se tornado uma ferramenta essencial.

A partir desta premissa, é possível constatar a função predominante da internet nesta

realidade. Por ser um ecossistema de informações constantes, foi e é através desta que a

sociedade se tornou ainda mais globalizada, reduziu suas diferenças culturais, as barreiras do

binômio espaço e tempo, uma vez que é possível falar com várias pessoas que estejam em todas

as partes do planeta, simultaneamente. E é importante pensar em termos de inovações globais,

inclusive no campo legislativo, admitindo, alguns, até mesmo uma supra legalidade (SOARES,

KAUFFMAN, SALES, 2019).

Enquanto a internet limitava-se a uma rede privada para uso pessoal, havia uma regra

de conduta estabelecida, denominada netiquette3. No entanto, com a comercialização da rede

tais “regramentos” foram esvaziados e durante algum tempo chegou a ser chamada de “terra

ubíqua e móvel, por sensores menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos e pela inteligência artificial e aprendizagem automática (ou aprendizado de máquina). SCHWAB, 2016, p. 19-20 3 A etiqueta na Internet (netiquette) era um elemento importante nas relações entre usuários de redes acadêmicas.

Uma preocupação permanente da comunidade foi a de estabelecer regras de educação e de convivência entre pares, que começaram nos dias das listas de discussões e persistiram por algum tempo na Internet. Algumas regras básicas referiam-se à postagem: use assinaturas simples, evite a postagem de mensagens repetidas e as listas de distribuição indiscriminada, use de modo apropriado os campos de destinatário e de cópia. Outras diziam respeito ao conteúdo: mantenha-se aderente aos temas da lista de discussões ou do fórum, seja sucinto na mensagem, evite abreviações e gíria, evite críticas ou agressões pessoais, não procure encerrar um thread com a postagem de mensagens desqualificadoras. E, muito ofensivo, não use letras maiúsculas, pois equivale a dizer que você está gritando. (LINS, 2013, p.21)

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sem lei”, até que legislações específicas fossem aprovadas com a finalidade de estabelecer os

limites de uso e as respectivas responsabilizações.

A evolução das relações interpessoais no ambiente virtual é um fato notório. É

perceptível que a evolução tecnológica, com o auxílio da internet, trouxe uma ruptura

significativa com a realidade social experimentada antes de sua ascensão, no qual se encontra

a internet das coisas (IoT).

Em que pese as divergências conceituais, internet das coisas (IoT) pode ser entendido

como um ambiente de objetos físicos interconectados com a internet por meio de sensores

pequenos e embutidos, criando um ecossistema de computação onipresente (ubíqua), voltado

para a facilitação do cotidiano das pessoas, introduzindo soluções funcionais nos processos do

dia a dia. O que todas as definições de IoT têm em comum é que elas se concentram em como

computadores, sensores e objetos interagem uns com os outros e processam informações/dados

em um contexto de hiperconectividade. (MAGRANI, 2018, p. 20)

Na prática, a IoT já engloba bilhões dos chamados dispositivos “inteligentes” que

podem ser identificados de maneira exclusiva e são capazes de coletar, armazenar, processar e

compartilhar uma ampla gama de dados sobre o funcionamento das próprias coisas e sobre

ambiente – e, portanto, também sobre os indivíduos – em torno delas. De fato, o objetivo da

IoT é facilitar a conexão de todos os objetos e dispositivos do dia a dia a redes eletrônicas, que

podem compor a internet, mas também redes fechadas, como intranets privadas, para melhorar

a coleta de dados e melhorar a eficiência por meio do processamento de dados. (BELLI, 2019)

Segundo McKinsey Global Institute, o impacto econômico da internet das coisas será

de US$ 3,9 a 11,1 trilhões por ano, em 2025, significando 11% da economia mundial. Neste

contexto, conclui a pesquisa que os usuários serão o maior potencial econômico, rendendo cerca

de US$ 7,5 trilhões, diante da oferta de maior comodidade, melhores produtos e serviços,

através do uso de IoT, mas deixa claro que essa tecnologia digital deve impactar a estratégia

empresarial, impondo novos modelos de gestão. (MANYIKA; et al., 2015)

Devido a estimativas como essas, a IoT vem recebendo fortes investimentos do setor

privado e surge como possível solução diante dos novos desafios de gestão pública,

prometendo, a partir do uso de tecnologias integradas e do processamento massivo de dados,

soluções mais eficazes para problemas como poluição, congestionamentos, criminalidade,

eficiência produtiva, entre outros. Com o aumento exponencial de utilização desses dispositivos

que já existem ou que entrarão em breve no mercado, devemos estar atentos aos riscos que isso

pode acarretar para a privacidade e a segurança dos usuários. (MAGRANI, 2018, p. 24)

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2. CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS DA INTERNET DAS COISAS (IoT)

Em uma visão monocular, a ideia de utilização de dispositivos inteligentes

interconectados que propiciam o auxílio de humanos nas tarefas cotidianas, por máquinas, é

inequivocamente positiva. A utilização de utensílios inteligentes, como relógios, celulares,

óculos, carros, casas etc., que possam não só ampliar o contato, mas também enviar mais

informações sobre o uso e/ou consumo sobre esta mesma coisa, a princípio, só pode ser

concebida como uma realidade iminente e benéfica para a sociedade como um todo, seja para

o indivíduo, como para a coletividade.

No entanto, é importante enxergar que no ambiente de internet, o bem mais valioso são

os dados pessoais de seus usuários. Hodiernamente, dados pessoais valem mais do que petróleo,

o que se pode confirmar pelo volume financeiro já movimentado e em crescente expansão do

segmento, consoante dados e projeções estatísticas já mencionados.

É perceptível que muitos dados pessoais são colhidos por dispositivos interconectados

voluntariamente pelos usuários, sem que estes saibam do destino e consequências destes dados

armazenados, sendo certo que podem oferecer riscos a direitos fundamentais destas pessoas,

como privacidade e intimidade, expondo-os à danos sem que tenham conhecimento.

A captação não consentida de dados é facilmente percebida em qualquer lar deste país,

desde que seus integrantes tenham um aparelho celular em formato smartphone ou até mesmo

televisões, relógios e outros dispositivos do mesmo formato smart. E não é só por busca de

informações digitadas na rede mundial de computadores que os dados são captados. Tem sido

cada vez mais comum estes aparelhos inteligentes, interconectados, detectarem a voz das

pessoas e transformá-la em algoritmos, hipótese em que ao abrir qualquer dispositivo ligado à

internet, diversas propagandas serão exibidas para este usuário.

Este é um fato da vida real e não um filme de ficção científica!

As práticas disruptivas como fenômeno social também são verificadas na sociedade pós-

moderna em que vivemos até nos dias de hoje. A desumanização é uma realidade corrente,

guerras, pobreza, milhares de pessoas refugiadas e outras mazelas sociais vistas diuturnamente

acabaram gerando um sentimento mais passional na humanidade que passou a encarar esses

fatos de uma forma mais distante, atribuindo a responsabilidade aos governantes.

É verídico que a globalização e o estreitamento de barreiras trazidos pela internet, foi

um fato positivo, mas as agruras que a sociedade tem suportado diante desta “desumanização”

perceptível é, sem dúvida, em parte, surgida pela crescente tendência deste ambiente volátil que

a internet criou.

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A “alienação do eu” é objeto de críticas desde o século XIX, através das ideias de Marx

que afirmava que os humanos haviam se tornado alienados de sua própria essência como

resultado sistêmico do capitalismo. Já no século XX, o sociólogo e psicanalista alemão Erich

Fromm afirmou que o problema havia mudado, pois as pessoas alienadas do senso do eu,

haviam perdido a habilidade de amar e raciocinar por si mesmas e corriam o risco de se tornar

robôs. (FROMM, 2015, p. 188)

A integração entre os mundos físico e digital fomentada pela IoT e a capacidade de

coleta de dados que ela facilita, provavelmente afetará não apenas o desempenho dos serviços

e dispositivos conectados, mas também poderá ter implicações diretas sobre os indivíduos.

Notavelmente, o fato de objetos estarem permanentemente conectados a outros objetos,

aplicações e redes de comunicação, e que tais objetos podem ser controlados remotamente,

impacta diretamente os indivíduos. Esse impacto não se refere apenas à forma como os

indivíduos interagem com os objetos, mas também, e crucialmente, às relações entre pessoas,

entre pessoas e empresas, bem como entre pessoas, empresas e órgãos públicos. (BELLI, 2019)

Assim, compete ao ordenamento jurídico, a partir desta complexidade envolvendo o

direito da personalidade, atuar como instrumento de defesa da pessoa humana, estabelecendo

regras e limites para sua proteção, bem como os meios de responsabilização contra estes abusos.

3. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO BRASIL COMO INSTRUMENTO EM

DEFESA DOS ABUSOS DA TECNOLOGIA.

Os direitos da personalidade no ordenamento pátrio são regulados pelo Código Civil

que em seus artigos 11 a 21 e são decorrentes dos direitos fundamentais da pessoa humana,

cláusula geral valorativa existencial, disposta no art. 1º, III, da Constituição, dentre eles os

direitos à intimidade e vida privada, expressamente garantidos no art. 5º, X. Os aludidos

estatutos legais estabelecem, ainda, o dever de reparação de quaisquer danos causados a estes

direitos.

Neste contexto, é por meio dos direitos da personalidade que o ser humano tem

resguardados a intimidade e a vida privada, assim entendida como conjunto de ações,

comportamentos, opiniões, preferências, informações pessoais, sobre os quais o interessado

pretende manter o controle exclusivo. (RODOTÁ, 2008)

Partindo-se deste pressuposto, bem como da inequívoca vulnerabilidade dos usuários

da internet das coisas (IoT), nos dias de hoje, uma vez que a intimidade e vidas privadas estão

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sendo violadas sem que as pessoas tenham o devido conhecimento do fato, é que se torna

fundamental o acionamento das ferramentas jurídicas aptas à salvaguarda deste direito.

Sem prejuízo das respectivas tutelas processuais existentes, seja inibitória ou de

remoção do ilícito, previstas na legislação processual civil vigente (lei 13.105/2015), há a

possibilidade de formular pretensão de tutela ressarcitória objetivando indenização pelo dano

causado, independentemente da verificação da ocorrência de crime, mediante violação da lei

penal vigente. É mister registrar, ainda, a existência de regulamentos próprios para a utilização

de ambientes virtuais no sistema jurídico nacional, a saber: a Lei nº 12.968/2014 (Marco Civil

da Internet) e a Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de dados).

É relevante registrar que a Lei nº 12.968/2014 disciplina do uso da internet no Brasil e

tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, garantindo os direitos humanos, o

do desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais, objetivando

o amplo acesso à rede com vistas à promoção do bem da coletividade, incitando a cultura,

educação, cidadania e todos os direitos sociais constitucionais. Já a Lei nº 13.709/2018 dispõe

sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por

pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos

fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da

pessoa natural, consoante o disposto no art. 1º.

É mister destacar que as legislações trazem à baila a devida responsabilização pelos

danos causados no ambiente virtual, às vítimas, como o disposto no art. 7º, I daquela e arts. 42

a 45 desta, ratificando o disposto na regra constitucional. Não é demasiado registrar que o

causador do dano ainda pode sofrer multas administrativas e/ou sanções penais, previstas no

próprio ordenamento jurídico, ou em Tratados Internacionais, a exemplo da Convenção de

Budapeste sobre o Cibercrime (do ano de 2001), primeiro instrumento internacional assinado

sobre o assunto.

CONCLUSÃO

A garantia de acesso à internet tem por escopo a promoção do bem da coletividade,

incitando a cultura, educação, cidadania e todos os direitos sociais constitucionais. No entanto,

o ambiente virtual, tanto quanto o real, devem se submeter à proteção dos direitos humanos e

da personalidade, assim compreendidos os da intimidade e vida privada.

No entanto, o avanço tecnológico gerou não só uma dependência inequívoca do ser

humano à máquina, como esta se tornou uma fonte perigosa de captação de dados e violação

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da intimidade e vida privada do cidadão que, na grande maioria das vezes, sequer possui ciência

desta invasão.

É fato que a problemática das ameaças no mundo digital parece ser objeto de ficção

científica, ou literatura distópica como a obra 1984, de George Orwell, em que os cidadãos são

controlados sem limites por um governo autoritário, sofrendo maciva invasão da privacidade e

da intimidade por meio de uma tecnologia chamada teletela, na qual constava um letreiro

escrito: “o grande irmão está de olho em você!”.

Por esta razão, é que impõe ao ordenamento jurídico a proteção dos direitos da

personalidade de seus membros, sem prejuízo na adoção de medidas que visem a promoção de

transparência na captação e armazenamento dos dados das pessoas, evitando a dissipação das

mazelas que o ambiente virtual pode desenvolver nas pessoas.

Obstar a propagação da ditadura tecnológica não é perder a crença na humanidade,

apenas despertar nesta valores éticos e morais diante do uso da internet, de modo a evitar que

esta se torne a nova bomba atômica!

REFERÊNCIAS

BELLI, Luca. Uma perspectiva de Direitos Humanos para decriptar a ascensão da internet das coisas (IOT). Revista de Direitos Fundamentais & Justiça. Belo Horizonte, ano 13, nº 41, 2019. FROMM, Erich. In O livro da Sociologia. São Paulo: Globo Livros, 2015. LINS, Bernardo Felipe Estellita. A evolução da internet: uma perspectiva histórica. Revista Cadernos ASLEGIS, nº 48, 2013. MAGRANI, Eduardo. A internet das coisas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018. MANYIKA, James; et al. The internet of things: mapping the value beyond the hype. Technical report, Mckinsey Gobal Institute, 2015. ORWEL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância: a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. SCHAW, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. SOARES, Marcelo Negri; Kauffman, Marcos Eduardo; CHAO, Kuo Ming; SAAD, Maktoba Omar. New Technologies and the Impact on Personality Rights in Brazil. Pensar-Revista de Ciências Jurídicas, v. 25.1, 2020. SOARES, Marcelo Negri; KAUFFMAN, Marcos Eduardo; SALES, Gabriel Mendes de Catunda. Avanços da comunidade europeia no direito de propriedade intelectual e indústria 4.0: extraterritorialidade e aplicabilidade do direito comparado no Brasil. Revista do Direito, 2019, 1.57: 117-137. TAPSCOTT, Don. A hora da Geração Digital. Rio de Janeiro: Agir Negócios, 2010.

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1 Graduanda do 3° ano da Universidade Estadual de Londrina - UEL. Endereço eletrônico: [email protected].

2 Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, vinculado ao projeto Internet: Aspectos Jurídicos. Pesquisador e bolsista CAPES. Advogado. Pós-graduado em Direito Empresarial pela UEL. E-mail: [email protected].

1

2

INTERNET DAS COISAS E OS REFLEXOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ALIADA AO BIG DATA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

INTERNET OF THINGS AND THE REFLECTIONS OF ARTIFICIAL INTELLIGENCE ALLIED TO BIG DATA IN CONSUMER RELATIONS

Isabela Akemi Marcussi Daikohara 1André Pedroso Kasemirski 2

Resumo

A Inteligência artificial (IA) aliada ao Big Data e a Internet das Coisas têm alterado

profundamente todas as estruturas econômicas e sociais, em especial, as relações de

consumo. A implementação dessas tecnologias, de forma conjunta e coordenada, permite que

grandes volumes de dados sejam analisados, verificados e transformados em informações

organizadas para as empresas, o que afeta em diversos aspectos as relações de consumo,

especialmente no tocante às preferencias do consumidor e a proteção dos seus dados

pessoais. Portanto, se faz necessário a analise desse conjunto tecnológico frente às relações

de consumo.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Internet das coisas, Relações de consumo

Abstract/Resumen/Résumé

Artificial Intelligence (AI) combined with Big Data and the Internet of Things have

profoundly altered all economic and social structures, especially consumer relations. The

implementation of these technologies, in a joint and coordinated manner, allows large

volumes of data to be analyzed, verified and transformed into organized information for

companies, which affects consumer relations in several aspects, especially with regard to

consumer preferences and the protection of your personal data. Therefore, it is necessary to

analyze this technological set in view of consumer relations.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Internet of things, Consumer relations

1

2

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INTERNET DAS COISAS E OS REFLEXOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

ALIADA AO BIG DATA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

1. INTRODUÇÃO

A Inteligência artificial (IA) é um ramo da ciência que tem como objetivo a criação

de dispositivos que simulem a capacidade humana de racionar. Um exemplo de sua aplicação

no dia a dia está nas redes sociais, algumas ferramentas, conhecidas como pixel ou até mesmo

algoritmos, avaliam os padrões de busca, e assim, selecionam os conteúdos que aparecem linha

do tempo do consumidor.

Já a Big data, em expressão literal, grandes dados, diz respeito a quantidade de dados

que a internet possui por segundo, constitui instrumento da Inteligência Artificial, a qual se

utiliza dos dados e informações existentes na nuvem para que máquina aprenda

comportamentos e realize atividades.

É possível citar como exemplo empresas que atuam no esportivo e de vestimentas,

como Nike ou Adidas que se utilizamdo big data para monitorar os hábitos e comportamentos

esportivos do seu público por meio dos aplicativos e dispositivos vestíveis, conhecidos como

wearables, que são capazes de gerar informações relacionadas com a distância percorrida,

velocidades, locais preferidos para treino etc.

Nesse sentido, a Internet das coisas, conhecido como IoT, do inglês, Internet of Things,

tem relação com os objetos cotidianos que estão conectados a internet, compartilhando

informações e banco de dados.

Dentre os exemplos, esta a maçaneta das portas com acesso biométrico e que passa a

entrar para o rol de produtos tecnológicos. A tendência é que cada vez mais objetos que antes

eram usados apenas para uma utilidade, estejam conectados e sejam capazes de se comunicar

com usuários através da internet.

Portanto, este conjunto: Inteligência Artificial, Big data, e Internet das coisas,

ocasionam impactos nas relações de consumo, vez que, os itens estão interconectados por meio

da rede mundial de computadores.

Como consequência é necessário estudar sobre os impactos dessa inter-relação frente

às relações de consumo. Portanto o presente trabalho, por meio do método dedutivo e da

pesquisa bibliográfica, tem como objetivo estudar a influencia do conjunto entre Inteligência

Artificial (IA), Big data e Internet das Coisas, nas relações de consumo.

2. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

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A Internet das coisas apresenta como conceito principal a tecnologia dos itens

interconectados utilizados diariamente e que estarão submergidos na rede mundial de

computadores.

O pesquisador britânico Kevin Ashton do Massachusetts Institute of Technology

(MIT) utilizou pela primeira vez o termo Internet das Coisas em 1999, ele relata que desejava

expressar algo que considerava válido para os dias atuais, que seria o encontro de duas redes, a

de comunicação humana (a internet) e a outra seria o mundo real das coisas (a IoT) (FINEP,

2014).

Contudo o termo internet das coisas só se tornou efetivamente popular por volta de

2010 e atualmente, já é uma realidade, acrescidas dos recursos de Inteligência Artificial e Big

Data.

Segundo Hieaux (2015) em entrevista ao site Computerword, o conjunto de IoT e Big

Data dará base para uma economia de produtos e serviços personalizados, em que os

consumidores terão o perfil mapeado, com possibilidade de se obter produtos e serviços.

É valido usar como exemplo, a MapLinkque, uma empresa brasileira especializada em

digitalização de mapas. De acordo com Dalmazo (2012, p.1), alguns anos atrás a empresa pôs

em xeque a credibilidade da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) da cidade de São

Paulo.

Outra empresa que utiliza esses recursos é a Walmart, que é a maior varejista do

mundo. A empresa é considerada referência por colher dados on-line para impulsionar as

vendas de suas lojas físicas. Em 2012 a Walmart possuía mais de 12 sistemas diferentes que

processam, diariamente, cerca de 300 milhões de atualizações de internautas em redes sociais,

como o Facebook e o Twitter (DALMAZO 2012, pg. 2).

Segundo Cruz (2016) os riscos envolvendo esses sistemas (IA, IoT e Big Data) são

seguranças e privacidades, Cruz divide a IoT em duas funções: Dispositivos que coletam

informações por intermédio de sensores do ambiente para transmitir informação de forma

constante; e, dispositivos desenvolvidos para receberem instruções por meio da Internet e

realizarem alguma atividade no local onde estão instalados.

Ainda segundo Cruz (2016), os fabricantes de tais dispositivos podem não estar cientes

de tais riscos e de toda a vulnerabilidade que estão expondo os usuários e os dados trafegados,

sendo assim, não aplicam nenhum tipo de prevenção.

Por essa razão, a regulamentação sobre a proteção de dados pessoais é um tema

extremamente importante, pois necessário regular a atividade de tratamento de dados pessoais,

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que acabam se tornando verdadeira “moeda” na internet, chegando a compor avaliação do ativo

de empresas digitais (PINHEIRO, 2016).

Para Ragazzo (2012), o Big Data não modificará somente os negócios, mas também

haverá a necessidade de adequação de leis, juízes e reguladores para garantir a confiabilidade e

a segurança nas informações.

No Brasil ainda não esta definido de forma eficaz um órgão que fiscalize os

mecanismos da internet, haja vista que a Lei Geral de Proteção de Dados ainda não se encontra

vigente, bem como ainda não há sinais claros de definidos para a criação de uma Autoridade

Nacional de Proteção de Dados, de modo que assegure com que finalidade os dados trafegados

poderão ser tratados.

Destarte, a legislação brasileira passou a dispor sobre normas reais da proteção de

dados, através da criação da Lei 13.709/2018, de 14.08.2018, alterando a Lei 12.065/2014, mas

conhecida como Marco Civil da Internet. Além dessa norma regulamentadora, no Brasil esta

em tramite projeto de Lei que dispõe sobre a proteção de dados.

É verdade que o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014 já trazia dentre os princípios

para o uso da internet, a proteção da privacidade e a proteção dos dados pessoais, conforme art.

3, incisos II e III.

Contudo, ante a prorrogação da LGPD, a atual legislação brasileira ainda é escassa

quando se pretende medidas efetivas para a proteção dos dados pessoais no ambiente virtual.

Neste cenário, não há dúvidas que a inteligência artificial aliada ao big data e ainda

implementada pela internet das coisas, torna praticamente todos os objetos interconectados, de

modo que os dados pessoais do titular são tratados sem o seu consentimento ou ainda fora das

finalidades previstas.

Nesse sentido, para Wimmer (2014) é necessário ainda examinar os casos em que os

dados são usados de maneira transnacional, causando o uso indevido de larga escala de

informações, uma vez que invisibilidade é um fator agravante e difícil de ser controlado no uso

da IoT. Outrossim, a regulamentação da utilização da big data aliada à inteligência artificial em

um cenário transnacional merece ser refletida, vez que não somente o Estado Nacional deverá

implementar uma proteção adequada, mas também a comunidade internacional.

Aliado a isso, a internet das coisas, como uma tecnologia em que torna tudo

interconectado, proporciona que grandes empresas, como por exemplo que como a Amazon,

por intermédio do aparelho Alexa, tenha acesso a todos os sons que são captados em um

determinado ambiente, ainda que o dispositivo esteja desligado, podendo tais dados pessoais

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serem transferidos ou compartilhados para outros países em que a empresa possua sede ou

armazenamento de seus dados (MAGRANI, 2019).

Nesse enlace, a problemática da segurança nos dispositivos de internet é recorrente,

em especial porque muitos dos consumidores não querem se envolver, enquanto que não é de

interesse das empresas informar os consumidores o suficiente sobre o tratamento de dados que

é feito, se é comercializado ou utilizado para outros fins.

3. CONCLUSÃO

Com base em todo exposto, a Inteligência Artificial, Big Data e Internet das Coisas,

poderão trazer grandes benefícios para a empresa e para o consumidor, com a utilização de

sensores para monitorar ambientes e pessoas, cruzando informações proporcionando uma

gestão otimizada da informação.

Por outro lado, é necessário que haja uma regulamentação legal eficaz para solucionar

de forma adequada os novos impasses causados pela tecnologia entre o consumidor e a empresa

fornecedora.

Além disso, é necessário um posicionamento melhor das empresas buscando

melhorias, reduzindo problemas e aumentando a segurança dos dispositivos.

Por sua vez, é função do consumidor se informar sobre como seus dados estão sendo

tratados e até que ponto está disposto a abrir mão de sua privacidade em prol da utilização de

serviços tecnológicos.

4. REFERÊNCIAS

CRUZ E. V. A vulnerabilidade da Internet das coisas (IoT), um risco para as empresas,

2016. Disponível em: http://www.segs.com.br/info-ti/18046-a-vulnerabilidade-da-internetdas-

coisas-iot-um-risco-para-as-empresas.html. Acesso em: 12 jun. 2020.

DALMAZO, Luiza. Um fenômeno chamado Big Data. Exame.com, São Paulo, out. 2012.

Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1025/noticias/para-nao-se-

afogar-em-numeros?page=1>. Acesso em: 12 jun. 2020.

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HIEAUX E. Big Data e Internet das coisas serão motores de uma nova economia,

jun.2015. Disponível em: http://computerworld.com.br/big-data-e-internet-das-coisas-serao-

motores-deuma-nova-economia>. Acesso em: 12 jun. 2020.

MARTINS, Carmen Luisa Palhau, O Impacto da Internet no Processo de Decisão de

Compra do Consumidor – O Caso dos Produtos Turísticos, Faculdade de Ciências Humanas

e Sociais, Universidade Fernando Pessoa, 2013. Disponível em:

https://www.researchgate.net/publication/277300588_O_Impacto_da_Internet_no_Processo_

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MAGRANI, Eduardo. Professor da Direito Rio analisa impacto da 'Internet das Coisas'

na sociedade. Disponível em: <https://portal.fgv.br/noticias/professor-direito-rio-analisa-

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PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Não paginado.

Arquivo E-Books.

RAGAZZO C. Big Data: O novo padrão de competição, 2012. Disponível em:

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SHIAO, Feng Su; Lancaster FW. Avaliação de sistemas especialistas em aplicativos de

serviços de referência. RQ 35, n.2, inverno de 1995, p.219-228.

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1 Técnico em automação industrial pelo Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e graduando em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC).

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LAW TECHS: AS NOVAS FERRAMENTAS JURÍDICAS ANTE A DISRUPÇÃO DIGITAL NO DIREITO E OS IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

LAW TECHS: THE NEW LEGAL TOOLS FACED WITH THE DIGITAL DISRUPTION IN LAW AND THE IMPACTS ON WORK RELATIONSHIPS

João Victor de Faria Freire 1

Resumo

A revolução 4.0 intensificou o processo de disrupção digital, proporcionando a instauração

de novas tecnologias que passaram a permear novas relações de trabalho. Neste sentido, as

law techs passaram a desempenhar papel fundamental no desenvolvimento de ferramentas

tecnológicas que permitiram a otimização do ofício jurídico através de softwares e sistemas

que automatizam procedimentos no Direito. Este trabalho tem o objetivo de analisar a

inserção destas ferramentas no Direito, bem como as respectivas implicações nas relações de

trabalho. A pesquisa utiliza a vertente metodológica jurídico-sociológica e pertence ao tipo

jurídico-projetivo, de acordo com a classificação de Witker (1985) e Gustin (2010).

Palavras-chave: Revolução 4.0, Disrupção digital, Law techs, Relações de trabalho, Direito

Abstract/Resumen/Résumé

The revolution 4.0 intensified the digital disruption process, providing the introduction of

new technologies that started to permeate new work relationships. In this sense, law techs

started to play a fundamental role in the development of legal technological tools that

allowed the optimization of the legal profession through software’s and systems that

automate procedures in law. This work aims to analyze the insertion of these tools for the

Law, as well as their respective implications for work relationships. The research uses the

legal-sociological methodological approach and belongs to the legal-projective type,

according the classification of Witker (1985) and Gustin (2010).

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Revolution 4.0, Digital disruption, Law techs, Work relationships, Law

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos últimos anos, os termos “revolução 4.0” e “disrupção digital” ganharam

relevância no mundo. De acordo com Schwab (2016) a revolução 4.0 pode ser entendida

como uma revolução tecnológica atual que transformará significativamente as relações sociais

entre seres humanos através da utilização de tecnologias de ponta para automação e troca de

dados em larga escala e com alta velocidade. Essa revolução digital recorrente na

contemporaneidade resultou na chamada disrupção digital, que consiste na competência das

inovações tecnológicas em romper com os modelos tradicionais de trabalho (CUNHA, 2018).

Neste sentido, o Direito também deve passar por este processo de transformação nas

relações de trabalho impulsionado pelas tecnologias da revolução 4.0. Cabe ressaltar que as

limitações nas relações de trabalho geradas pela crise do corona vírus intensificaram a

necessidade da disrupção digital no Direito com a inserção de novas tecnologias jurídicas. No

entanto, a realidade revela que ainda nos dias atuais o Direito é uma área que está em fase

embrionária no tocante a inserção de tecnologias que otimizem e quebrem com os modelos

tradicionais jurídicos (ARABI, 2018). Isso se deve a visão negativista da tecnologia permeada

pelo senso comum, que a coloca como a grande vilã da contemporaneidade.

É evidente então, que a necessidade de adaptação do Direito às tecnologias da

revolução 4.0 se intensificou, uma vez que a crise pandêmica do corona vírus afetou

intensamente as relações de trabalho no século XXI. Neste sentido, a presente pesquisa se

propõe a analisar quais são as novas tecnologias, também conhecidas como law techs, que

podem ser aplicadas ao Direito de maneira a otimizar o mundo jurídico como um todo. Além

disso, a pesquisa também aborda a disrupção digital no Direito causada pela revolução 4.0,

isto é, apresenta de que maneira as tecnologias jurídicas transformarão as relações de trabalho

do mundo jurídico.

A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No

que diz respeito ao tipo de investigação, foi eleito, na classificação de Witker (1985) e Gustin

(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente dialético. A presente pesquisa se baseará principalmente em análises

anteriores acerca do assunto retiradas de artigos, revistas e outros documentos.

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2. AS TRANSFORMAÇÕES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO DIREITO

O mundo do trabalho passou por diversas transformações transitivas ao longo dos

anos. A exemplo, a primeira revolução industrial inglesa deu início a esse processo de

transformação no mundo do trabalho através da substituição dos modelos de produção

agrícola e artesanal pela produção seccionada nas fábricas, através do modelo fordista que

introduziu a divisão dos processos de trabalho. Atualmente a sociedade se encontra na quarta

revolução industrial, iniciada em 2011 e teorizada por Schwab (2016) em seu livro, “A Quarta

Revolução industrial”. A revolução 4.0 tem como um dos seus pilares a integração de

sistemas, ocasionando na disrupção digital, que por sua vez, consiste na quebra dos modelos

tradicionais de trabalho através da introdução de sistemas, softwares e tecnologias.

A necessidade de transformação nas relações de trabalho no Direito é discorrida por

Richard Susskind em seu livro “Tomorrow Layers” que ganhou relevância em todo o mundo,

sendo traduzido e estudado em diversas línguas. Uma das proposições de Susskind é

discorrida no livro “O advogado do amanhã: estudos em homenagem ao professor Richard

Susskind”. Segundo afirma o autor

A próxima geração de advogados não ficará mais isolada uns dos outros e da

tecnologia. Eles precisam aprender não apenas a fazer parte de equipes, mas

também, na minha opinião, devem ser treinados para serem capazes de desenvolver

os sistemas que substituirão os velhos métodos de trabalho dos advogados. Para esse

fim, precisaremos ensinar nossos advogados a serem tecnólogos jurídicos, analistas

de processos, finalistas de conhecimento, projetistas de sistemas, gerentes de risco e

cientistas de dados. Estes são os advogados de amanhã. São pessoas que

desenvolverão os sistemas que resolverão problemas legais para os quais atualmente

os advogados são a única solução. O problema aqui é que pouquíssimos professores

de direito reconhecem ou aceitam o movimento em direção a soluções baseadas em

tecnologia para os clientes. Nem eles são experientes ou especializados o suficiente

para treinar seus alunos (SUSSKIND apud FEIGELSON, 2019, p. 8, tradução

nossa).

A análise de Susskind acerca do futuro jurídico implica duas afirmações. A primeira

diz respeito à necessidade de adaptação frente aos anseios hodiernos, isto é, transformação nas

relações de trabalho através de tech skills que envolvem o desenvolvimento de sistemas

baseados em Inteligência Artificial, Integração de Dados, BigData entre outros softwares de

otimização. A segunda está relacionada à resistência no reconhecimento da necessidade de

disrupção digital, já que grande parte dos juristas ainda se baseiam nos modelos tradicionais

de trabalho, principalmente por desconhecimento do potencial benéfico da tecnologia no

Direito e por preconceito com as ferramentas tecnológicas.

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O reflexo deste estigma que envolve tecnologia, Direito e trabalho se dá no atraso do

mundo jurídico em inserir ferramentas que quebrem com o modelo tradicional de trabalho.

Pesquisas da Global Access to justice sobre o comportamento do poder judiciário em 51

países durante a pandemia do corona vírus revelaram que 65% dos Estados não adotaram

medidas especiais que otimizassem o atendimento de novas demandas processuais (GLOBAL

ACCESS TO JUSTICE, 2020). Estes dados evidenciam que a maioria dos países não adotam

soluções inovadoras ou tecnológicas para otimizar a prestação de serviços jurídicos, o que

implica na perpetuação de vícios que afetam o mundo jurídico. Para este caso, é possível

inferir que a não adoção de novas medidas para suprir as demandas processuais durante a

pandemia, resulta em um aumento no número de processos, já que de acordo com essa mesma

pesquisa, 49% dos sistemas jurídicos pesquisados suspenderam a tramitação de processos

(GLOBAL ACCESS TO JUSTICE, 2020).

No entanto, apesar do atraso da inserção de tecnologias disruptivas no Direito, é

importante ressaltar que atualmente há uma maior preocupação em inserir tecnologias no

Direito que otimizem as relações de trabalho. As LawTechs e LegalTechs por exemplo, são

startups que oferecem soluções jurídicas inovadoras para a advocacia através do

desenvolvimento e aplicação de softwares.

Neste sentido, cabe citar a criação da Associação Brasileira de LawTechs e

LegalTechs (AB2L) que instituiu programas de fomento à tecnologia jurídica. No que diz

respeito à advocacia, uma pesquisa feita pela AB2L em parceria com o Centro de Estudos das

Sociedades de Advogados (CESA) revelou que os escritórios que contam com o apoio de

startups de LegalTechs tiveram impacto negativo menor durante a pandemia ou até mesmo

impulsionaram suas demandas (SANTOS, 2020). No tocante à inserção de tecnologias no

poder judiciário, Daniel Marques, diretor-executivo da AB2L aponta que a pandemia também

ajudou a acelerar a inserção de ferramentas tecnológicas para o poder judiciário (SANTOS,

2020). Um exemplo que evidencia a adoção de tecnologias no judiciário é o julgamento

eletrônico e sustentação oral em processos do STF, possibilitados pela emenda regimental 53

de 20 de março de 2020 (MEDINA, 2020). Além disso, a adoção do processo eletrônico

também é uma evidência de disrupção digital e transformação das relações de trabalho no

judiciário.

Desta forma, é possível observar que a pandemia do corona vírus e também o

advento da globalização exigem uma transformação nas relações de trabalho para que o

Direito supra as necessidades de demanda jurídica. A implementação de tecnologias jurídicas

é vital no processo de disrupção digital do Direito, já que flexibiliza o atendimento das

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demandas jurídicas permitindo maior alcance, efetividade e otimização para o exercício do

ofício jurídico.

3. AS NOVAS FERRAMENTAS JURÍDICAS E A OTIMIZAÇÃO DO OFÍCIO

JURÍDICO

A revolução industrial 4.0 permitiu a ascensão de novas tecnologias que passaram a

ser fundamentais nos sistemas e mercados das diversas áreas profissionais. Deste modo,

atualmente, existem diversos sistemas que utilizam máquinas controladas por Inteligência

Artificial e Softwares de otimização de dados que auxiliam as relações de trabalho no Direito

no tocante à prestação de serviços jurídicos. Sendo assim, é fundamental o conhecimento das

áreas de inserção de tecnologia jurídica, bem como o conhecimento da aplicação e

funcionamento dos softwares e sistemas de IA.

Inicialmente cabe citar as LawTechs e LegalTechs que nada mais são que, startups

voltadas para o desenvolvimento de tecnologias jurídicas que otimizem o ofício do Direito por

meio de softwares, aplicativos e ferramentas jurídicas (ALBUQUERQUE, 2019). Cabe

ressaltar que estas ferramentas já estão sendo aplicadas e difundidas no controle de prazos e

intimações de processo e também na mediação de conflitos online, que são fundamentais

perante a era globalizada (ALBUQUERQUE, 2019). A fins de exemplificação de softwares

desenvolvidos por este tipo de startup, é possível citar o software brasileiro PROADV da

empresa Impacta que gerencia escritórios de médio e grande porte através de um sistema de

armazenamento de dados com alta eficiência, segurança e precisão. O PROADV é o único

software chancelado e conveniado pelo conselho federal da OAB (FOLHA

METROPOLITANA, 2020).

Além disso, é possível citar também a inserção de processos eletrônicos para

substituir as pilhas de folhas físicas que ocupavam grande espaço e eram de difícil acesso. Os

processos eletrônicos foram regulamentados, no Brasil, através da lei 11.419 de 2006. Essa

transformação resultou em praticidade de acesso aos processos, não sendo necessário mais se

descolar até o fórum onde se localiza o processo, além da economia de impressão ao utilizar

processos eletrônicos.

Outra ferramenta jurídica tendência para o ofício do Direito é a utilização de

inteligência artificial. Primeiramente é preciso diferenciar os softwares da inteligência

artificial. Neste sentido, os softwares são soluções de suporte administrativo para otimizar o

tempo e o processamento de dados jurídicos. Já a IA pode ser qualquer programa com

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algoritmos e BigData capazes de auxiliar nas decisões relacionadas à atividade-fim jurídica

em que é implementado (INTELIGÊNCIA, 2019).

No tocante aos exemplos de IA’s aplicadas ao Direito, é possível citar os algoritmos

da plataforma “Digesto”, que consulta dados jurídicos de todo o Brasil e a partir disso cria

uma base centralizada e precisa, proporcionando um rápido levantamento de dados pelo

operador do Direito (INTELIGÊNCIA, 2019). Outro software de inteligência artificial é o

“LegAut” que possui um algoritmo capaz de analisar processos e até proferir sentenças

através da IA, de forma automatizada e eficaz, por meio do sistema de machine learning que

aprimora o sistema de acordo com a experiência de semelhança entre os processos

(INTELIGÊNCIA, 2019).

Estes são os principais sistemas atuais de ferramentas jurídicas desenvolvidas com o

objetivo de integrar Direito e tecnologia. É importante reiterar que apesar do baixo

investimento nessa área, a revolução 4.0 e a crise pandêmica causada pelo corona vírus

aumentaram o interesse pelo fomento às tecnologias jurídicas. Estima-se inclusive, em estudo

feito pelo McKinsey Global Institute, que a adoção de novas ferramentas tecnológicas devem

acrescer US$ 13 trilhões à economia global até o ano de 2030 (TAVARES, 2020).

Sendo assim, é vital o investimento do setor jurídico em tecnologias de pontas para

otimização das relações jurídicas. Atualmente, o cenário de tecnologias jurídicas ainda é

embrionário, com poucas empresas e Estados investindo neste tipo de tecnologia. Cabe citar

então, a empresa International Business Machines Corporation (IBM), líder mundial em

desenvolvimento de softwares e IA’s no Direito. Nacionalmente, é possível citar a Joint

Venture, maior lawtech do Brasil que atua na criação de sistemas de otimização jurídica.

Por fim, reitera-se que a tecnologia jurídica é o futuro da advocacia e do Direito

como um todo e, portanto, é de suma relevância o investimento e o fomento às tecnologias

jurídicas, às startups e aos softwares. Juntas, estas tecnologias possuem grande potencial na

resolução de problemas jurídicos hodiernos. Através de softwares e IA’s, por exemplo, é

possível desinchar o montante de processos no Brasil que passa dos 80 milhões (POMPEU,

2018). Além disso, os processos eletrônicos poupam dinheiro e tempo e oferecem maior

precisão na consulta de processos. Por fim as IA’s são capazes de resolver impasses e analisar

processos de maneira mais rápida e mais eficiente através do BigData e do machine learning.

Desta forma, através da utilização da tecnologia como aliada e não vilã será possível construir

os advogados do amanhã, assim como projetado por Richard Susskind em seu livro

“Tomorrow Lawyers: An Introduction to Your Future”.

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4. COSNIDERAÇÕES FINAIS

A partir das reflexões expostas sobre o tema, verifica-se que a adaptação do Direito

às novas tecnologias provenientes do advento da revolução 4.0, que transformou as

tradicionais relações de trabalho por meio do uso de tecnologia de ponta, o encaminha para

uma otimização e maior eficiência no que diz respeito a atividade jurídica diante ao aumento

expressivo da demanda legal e da necessidade de agilização de processos jurídicos.

No entanto, a realidade revela que mesmo com os adventos da globalização, da

revolução 4.0 e do corona vírus, que intensificaram a necessidade de transformação nas

relações de trabalho, o Direito ainda é uma área que carece de fomento e investimento à

tecnologia.

Neste sentido, é imprescindível a inserção de IA’s e softwares jurídicos de alto nível

de processamento de informação no ofício jurídico. Estas tecnologias conferem alto grau de

precisão e segurança no ofício jurídico e proporcionam maior eficiência e otimização do

tempo da atividade jurídica. Portanto, verifica-se que a disrupção digital no Direito é de suma

vitalidade para o futuro e o sucesso da prática do ofício jurídico.

5. REFERÊNCIAS

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para

el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa

jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2016.

CUNHA, Murilo. O que é disrupção digital? Synnex Westcon, 2018. Disponível em:

https://blogbrasil.westcon.com/o-que-e-disrupcao-digital. Acesso em: 11 mai 2020.

ARABI, Abhner Y. Mota. Direito e tecnologia: relação cada vez mais necessária. AB2L,

2018. Disponível em: https://www.ab2l.org.br/direito-e-tecnologia-relacao-cada-vez-mais-

necessaria/. Acesso em: 11 jun 2020.

FEIGELSON, Bruno (org.). O advogado do amanhã: estudos em homenagem ao professor

Richard Susskind. São Paulo: Future Law, 2019.

GLOBAL ACCESS TO JUSTICE. Impactos do COVID-19 nos sistemas de justiça. ConJur,

2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/maioria-paises-nao-facilita-acesso.pdf.

Acesso em: 11 jun 2020.

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SANTOS, Rafa. Lawtechs e novas ferramentas despertam interesse do mercado jurídico na

quarentena. ConJur, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-13/lawtechs-

despertam-interesse-mercado-juridico-epidemia. Acesso em: 11 jun 2020.

MEDINA, Damares. Julgamento eletrônico no plenário virtual do STF: reflexos para a

advocacia. AB2L, 2020. Disponível em: https://www.ab2l.org.br/julgamento-eletronico-no-

plenario-virtual-do-stf-reflexos-para-a-advocacia/. Acesso em: 12 jun 2020.

ALBUQUERQUE, Humberto. Direito e tecnologia: as inovações no mundo jurídico. CERS,

2019. Disponível em: https://noticias.cers.com.br/noticia/direito-e-novas-tecnologias-as-

inovacoes-no-mundo-juridico/. Acesso em: 12 jun 2020.

FOLHA METROPOLITANA. Joint Venture formada pela Elaw e Impacta cria a maior

lawtech do Brasil. AB2L, 2020.Disponível em: https://www.ab2l.org.br/joint-venture-

formada-pela-elaw-e-impacta-cria-a-maior-lawtech-do-brasil/. Acesso em: 12 jun 2020.

INTELIGÊNCIA Artificial no Direito: O que é e Principais Impactos. FIA, 2019. Disponível

em: https://fia.com.br/blog/inteligencia-artificial-no-direito/. Acesso em: 12 jun 2020.

TAVARES, Patrícia. As múltiplas vantagens da tecnologia no apoio aos profissionais do

Direito. Law Innovation, 2020. Disponível em: https://lawinnovation.com.br/tecnologia-a-

servico-do-direito/. Acesso em: 12 jun 2020.

POMPEU, Ana. Judiciário brasileiro tem 80,1 milhões de processos em tramitação. ConJur,

2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/judiciario-brasileiro-801-

milhoes-processos-tramitacao. Acesso em: 13 jun 2020.

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LEGAL DESIGN E VISUAL LAW: NOVAS TECNOLOGIAS E O CONTEXTO ATUAL

LEGAL DESIGN THINKING AND VISUAL LAW -NEW TECHNOLOGIES AND THE CURRENT CONTEXT

Angélica Soares OliveiraGabriela Brandão Arrouk de Oliveira

Resumo

Em um mundo hiperconectado, que vive a “4ª revolução industrial”, é imperioso o estudo das

novas tecnologias disruptivas e seus impactos no Direito. Com o cenário global pandêmico

acelerou-se o processo da necessidade-adequação às inovações de modo que os juristas

buscam atender de forma mais simples, ágil e eficaz às demandas dos clientes. O Legal

Design e a subárea Visual Law vieram para auxiliar nas soluções jurídicas e descomplicar o

Direito complexo, inacessível e estático.

Palavras-chave: Visual law, Direito e tecnologia, Legal design thinking

Abstract/Resumen/Résumé

In a hyperconnected world, which is experiencing the “4th industrial revolution”, it is

imperative to study new disruptive technologies and their impact on law. With the global

pandemic scenario, the process of necessity-adaptation to innovations was accelerated so that

lawyers seek to meet the demands of clients in a simpler, more agile and effective way. Legal

Design and the Visual Law sub-area have come to assist in legal solutions and to simplify

complex, inaccessible and static law.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Visual law, Law and technology, Legal design thinking

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1 INTRODUÇÃO

É sabido que as ações ingressadas em juízo devem observar critérios como o binômio

necessidade-adequação, que nada mais é que a imprescindibilidade de se acionar o judiciário

para que o direito do Autor seja assegurado e a adequação do meio utilizado para que se

chegue ao resultado pretendido.

Ocorre que, em um mundo hiperconectado, que vive a “4ª revolução industrial”, é

essencial atender de modo simples, ágil e eficaz às necessidades do cliente, bem como

questionar se a propositura de uma ação em esfera judiciária de fato é necessária e significa a

solução para o problema trazido por esse cliente.

A partir dessa reflexão, é possível que tenhamos uma nova perspectiva do disposto

pelo artigo 3º do Código de Processo Civil de 2015, já que a prestação dos serviços da

advocacia não mais são considerados eficientes somente por ingressar em juízo atrás de uma

sentença favorável, mas inclusive por fazer com que o postulante se torne parte do trâmite e

da solução que será desenvolvida para ele.

Entretanto, como incluir o cliente na narrativa jurídica sem saturá-lo de informações

complexas, expressões jurídicas, também conhecidas como “juridiquês”, artigos de leis e

jurisprudência? Como trazer inovação para o universo jurídico que, durante anos se sustentou

na concepção de que os operadores do Direito são os únicos detentores de todo saber jurídico?

Como admitir a participação do cliente nos processos e procedimentos jurídicos sem transferir

a responsabilidade do conhecimento técnico para esse terceiro?

Durante anos essas e outras tantas perguntas foram ignoradas pelos juristas que,

entendiam e ainda entendem que o Direito é uma ciência isolada das demais e que a

multidisciplinaridade se aplica a todas as áreas menos a área jurídica.

A tecnologia tem modificado a economia e as relações de trabalho. Dessa forma, a

revolução tecnológica e a pandemia tem forçado os operadores do direito a se adequarem às

soluções tecnológicas e a quebrarem a resistência diante do novo. O cenário imposto pela

pandemia acelerou o futuro e mostrou como as novas tecnologias estão aí para ajudar a

solucionar problemas que perpetuam há mais de 100 anos no Direito. Entre as novas

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abordagens estão o Legal Design Thinking e o Visual Law (Direito Visual), metodologias e

ferramentas extraídas de outras áreas e aplicadas ao Direito.

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Entender como o universo jurídico está se relacionando com as novas tecnologias

resultantes da quarta revolução industrial, em especial abordagens e metodologias trazidas de

outras áreas como o Legal Design Thinking e o Visual Law.

2.2 Objetivos Específicos

a) Conceituar Visual Law e Legal Design Thinking; b) Correlacionar a

necessidade-adequação às tecnologias durante e após a pandemia do COVID-19; c)

Compreender como se dá a aplicação do Design Thinking no Direito; d) Analisar a utilização

do Visual Law em documentos jurídicos; e) Verificar os impactos na relação entre Advogados

e Clientes a partir da utilização de novas ferramentas de trabalho; f) Entender como a

revolução tecnológica tem afetado o universo jurídico.

3 METODOLOGIA

O trabalho será desenvolvido através da análise de publicações e pesquisas já feitas

que suscitam o Legal Design Thinking e o Visual Law, bem como seus efeitos práticos pois

“o design é cada vez mais considerado ferramenta estratégica para a inovação centrada no

usuário” (...) “como atividade de inovação complementa a P&D transformando pesquisas em

produtos e serviços comercialmente viáveis, e aproximando a inovação das necessidades dos

usuários” (CEC, 2009)

Dessa forma, será feito um estudo dos problemas que ainda acometem o mundo

jurídico e a necessidade de adequação às novas tecnologias, de forma a dirimir a resistência

dos juristas para o novo.

4 O PENSAMENTO DO DESIGN TRADUZIDO PARA O DIREITO

4.1 Legal Design Thinking e o Ciclo de Aprendizagem

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Conhecimentos padronizados tendem a produzir ideias padronizadas.

Repetir padrões é algo habitual no Direito, desde as salas de aulas das Universidades

de Direito do Brasil até as decisões judiciais, o que vemos é uma constante repetição de

padrões. A título de exemplo, qualquer advogado formado há mais de 40 anos, exerce a

advocacia sem maiores problemas nos tempos atuais, ressalvadas é claro as dificuldades

tecnológicas que são reduzidas apenas ao uso de computadores, internet, processo judicial

eletrônico (PJE), impressoras e armazenamento em nuvem.

O fato desse advogado exercer a advocacia da mesma forma há 40 anos não é o

problema central, mas a questão é por qual motivo os novos profissionais ainda estão

trabalhando dessa mesma maneira. Qual a dificuldade em reinventar a forma de trabalho e

porque várias profissões inovam constantemente, mas o Direito insiste em utilizar formas,

padrões e expressões do tempo do império.

A resposta para essas perguntas talvez esteja relacionada a eterna aversão ao risco que

precisamos sempre mitigar, conforme ensinado durante anos. Tudo que é padronizado não

apresenta risco constante, uma vez que já foi experimentado, testado e seus resultados são

conhecidos e esperados. Uma outra possibilidade talvez seja o apreço ao Princípio

Constitucional da Segurança Jurídica.

A Segurança Jurídica é um dos princípios gerais e que trazem sustentação ao Estado

Democrático de Direito e tem como função garantir a estabilidade das relações jurídicas, seja

no âmbito da Administração Pública ou da sociedade. Este princípio constitucional deve ser

respeitado e preservado, contudo não deve servir de justificativa para impedir a modernização

do Direito.

O fato é que apesar de trabalharmos da mesma forma os destinatários deste trabalho,

ou seja, a sociedade (clientes) não consomem mais produtos e serviços como antes.

Atualmente estamos vivenciando a era da informação causada pela quarta revolução

industrial. O consumidor que antes tinha pouco ou nenhuma informação sobre o trabalho do

advogado, funcionamento do judiciário e acesso à justiça, hoje conseguem obter e comparar

informações de forma quase instantânea através da internet.

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Trazer o Direito e a advocacia para a era da informação deixou de ser uma opção e

passou a ser uma necessidade, haja vista que já não é possível exercer o Direito de forma

arcaica e tradicional em um mundo imerso na revolução tecnológica. A multidisciplinariedade

tornou indispensável aprender conteúdos, ensinamentos e ferramentas de outras áreas. Nesse

sentido surge o Legal Design Thinking.

A expressão Design Thinking foi primeiro utilizada no livro The Science of the

Artificial de Herbert A. Simon, onde o autor trouxe o entendimento de que o design é na

verdade um pensamento, ou seja, o pensamento do design. Tempos depois Tim Brown passou

a divulgar com mais notoriedade o termo Design Thinking que:

Não se trata de uma proposta apenas centrada no ser humano; ela é

profundamente humana pela própria natureza. O design thinking se baseia

em nossa capacidade de ser intuitivos, reconhecer padrões, desenvolver

ideias que tenham um significado emocional além do funcional, nos

expressar em mídias além de palavras ou símbolos (BROWN, 2017).

O Design Thinking é a capacidade de compreender o ser humano (cliente) de forma

profunda através do exercício de empatia, cocriar junto com esse cliente soluções para os

problemas complexos conhecidos e desconhecidos, experimentar essas soluções de forma

interativa, com a participação dos envolvidos, em um eterno ciclo de aprendizagem composto

por ver-criar-testar- ver-criar-testar.

Ver é observar o que a sociedade não diz e não faz, pois aí está a real necessidade, para

então criar experiências de forma interativa e testando-as no mundo real em busca de

feedbacks constantes. Esse trabalho deve ser realizado sob o prisma da empatia que é “a

tentativa de ver o mundo através dos olhos dos outros, de compreender o mundo por meio das

experiências alheias e de sentir o mundo por suas emoções”(BROWN, 2017).

Essa abordagem é conhecida e utilizada por várias áreas como design, administração,

marketing e quando trazida para o universo jurídico ficou denominada como Legal Design

Thinking. Margaret Hagan, diretora do Legal Design Lab da Stanford Law School, professora

do Stanford Institute of Design, e uma das precursoras do tema afirma que o Legal Design

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Thinking “é a forma como avaliamos e desenhamos negócios jurídicos de maneira simples,

funcional, atrativa e com boa usabilidade” (HAGAN,2017)

Simples, funcional, atrativo e com boa usabilidade não são características atribuídas

aos documentos jurídicos tradicionais, o que vemos são documentos complexos, inacessíveis

e estáticos que não permitem qualquer interação entre quem o está elaborando e o seu

destinatário final, seja ele o cliente ou o magistrado. Consequentemente, as informações

inseridas nesse tipo de documento não são compreendidas e interpretadas em sua totalidade,

comprometendo a finalidade desses documentos.

Para conseguir objetividade, clareza e foco nas informações relevantes, além observar

e escutar de forma empática as necessidades dos clientes junto com o Legal Design Thinking

existe uma subárea denominada Visual Law (Direito Visual).

4.2 Visual Law - Transformando Informações em Elementos Visuais

É imperioso que haja uma nova forma de fazer o Direito e de interpretar o cerne do

problema trazido pelo cliente. A pandemia afetou e afeta a saúde, a economia, negócios,

relações internacionais e observando esse cenário macro que teremos uma visão

multidisciplinar para obter pistas em busca de soluções. É preciso uma visão sistêmica.

O Visual Law utiliza elementos visuais (imagens, gráficos, vídeos, infográficos) em

documentos jurídicos com o objetivo de tornar o Direito mais claro, fazendo com que as

informações jurídicas sejam compreendidas de forma rápida. Isto porque conforme Relatório

Justiça em Números extraído pelo CNJ existem cerca de 78,7 milhões de processos judiciais

em tramitação no Brasil e apenas 21 mil juízes para analisá-los.

Os seres humanos são naturalmente atraídos por conteúdos visuais e também possuem

a capacidade de armazenar na memória imagens por até 3 dias, conforme nos mostra a

pesquisa publicada na revista Psychonomic Science, conduzida por Lionel Standing, Jerry

Conezio e Ralph Norman Haber, em 1970.

A prática do Visual Law (Direito Visual) além de tornar as informações e expressões

jurídicas mais acessíveis na relação advogado x cliente, também proporciona uma melhor

compreensão daquilo que os advogados pretendem ao ingressar com petições e documentos

no Judiciário, uma vez que ao analisar as informações através de imagens o magistrado

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consegue ter uma visão ampla daquilo que está sendo explanado pelo advogado, fazendo com

que o pedido seja melhor analisado.

Tendo em vista esses dados e considerando a urgente necessidade de fazer com que o

Direito seja entendido não apenas por advogados e magistrados, mas por toda sociedade que

utiliza dos serviços jurídicos surge o Visual Law (Direito Visual) que transforma a escrita em

imagem, as informações complexas em imagens simples, claras e inteligíveis.

5 CONCLUSÃO

A quarta revolução industrial está em curso e com ela inúmeras tecnologias estão

surgindo nas mais variadas áreas de conhecimento, em especial no Direito. Expressões antes

desconhecidas no universo jurídico como Big Data, Inteligência Artificial, Design Thinking,

Machine Learning, hoje permeiam as discussões sobre o futuro do Direito e também da

advocacia.

Ignorar a existência desse “novo Direito” é como ignorar o futuro que se apresenta a

cada dia. É ignorar que as relações de trabalho, consumo, pessoais e profissionais estão

mudando e aceitar ser pego de surpresa e arrastado por essa onda tecnológica.

Os profissionais jurídicos que entenderem que o Direito não pode se desassociar dessa

nova realidade, com certeza estarão na frente daqueles profissionais que insistirem em olhar o

Direito como uma ciência única e isolada das demais. É o momento da multidisciplinaridade e

de aprender conhecimentos diversificados, pois, saber apenas Direito já não é suficiente.

Neste contexto de pandemia e de relações virtuais, entender o que o cliente precisa e

se fazer entender nunca foi tão importante. Por esse motivo, o Legal Design Thinking e o

Visual Law (Direito Visual) se apresentam como opções para uma relação mais simples, clara

e objetiva entre advogados e clientes, advogados e magistrados e entre Direito e sociedade.

6 REFERÊNCIAS

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LIMITES À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO PARA CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA NO ESTADO

CONSTITUCIONAL DE DIREITO

LIMITS TO ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN THE PROCEDURAL LABOR OF LAW FOR THE ACHIEVEMENT OF JUSTICE IN THE CONSTITUTIONAL

STATE OF LAW

Sandra Mara De Oliveira Dias

Resumo

RESUMO: O uso da Inteligência Artificial no Direito Processual do Trabalho é um

instrumento eficaz para assegurar o acesso à justiça, o que pode ser verificado através do

sistema PJE-JT, plataforma digital desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça. Este

artigo traz a discussão quais seriam os limites ao uso da Inteligência Artificial no Direito

Processual do Trabalho. Nesta delimitação, evidencia-se que não há espaço para robotização

das decisões judiciais por vulnerar o princípio constitucional da independência funcional do

juiz do trabalho. Emprega-se o método dedutivo com análise bibliográfica de artigos

científicos, doutrinas e legislações aplicáveis à matéria.

Palavras-chave: Palavras-chave: inteligência artificial, Direito processual do trabalho, Limites

Abstract/Resumen/Résumé

ABSTRACT: The use of Artificial Intelligence in Labor Procedural Law is an effective

instrument to ensure access to justice, which can be verified through the PJE-JT system, a

digital platform developed by the National Council of Justice. This article discusses the limits

of the use of Artificial Intelligence in Labor Procedural Law. It turns out that the robotization

of judicial decisions cannot be made because it violates the constitutional principle of the

functional independence of the labor judge. The deductive method is used in conjunction

with the bibliographic analysis of scientific articles, doctrines and legislation.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: . kewwords: artificial intelligence, Labor procedural law, Limits

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1. INTRODUÇÃO A aproximação entre o Poder Judiciário e os jurisdicionados, advogados, membros do

Ministério Público se torna possível através do processo eletrônico, viabilizado pelo sistema PJE da Justiça do Trabalho.

A atividade jurisdicional é essencial no Estado Constitucional de Direito, assim como a Inteligência Artificial que faz com que ela se concretize, já que todos os processos trabalhistas são eletrônicos e permite serem alimentados por algoritmos.

Na primeira parte deste estudo procura se demonstrar como a tecnologia tem sido adotada na Justiça do Trabalho para prática de atos processuais, impondo celeridade, qualidade e eficiência na entrega da prestação jurisdicional. Em seguida traz a discussão sobre quais seriam os limites ao uso da inteligência artificial nas decisões judiciais trabalhistas, ainda pendente de regulamentação pelo Congresso Nacional.

A Inteligência artificial vincula à observância dos princípios constitucionais e aos princípios específicos do Processo Eletrônico.

A imposição de limites ao uso da Inteligência Artificial nas decisões judiciais da Justiça do trabalho é importante para evitar a estagnação da jurisprudência e solipsismo algorítmico, pois a padronização das decisões judiciais pode obstar o acesso à justiça assegurado no artigo 5º, XXXV da CF/88.

Espera-se, por meio deste estudo contribuir para o entendimento de quais seriam os limites para o uso da inteligência artificial no Direito Processual do Trabalho. 2. O USO DA TECNOLOGIA COMO UM INSTRUMENTO EFICAZ DE

ACESSO À JUSTIÇA O uso da tecnologia tem sido adotado no Processo do Trabalho para prática de atos

processuais como forma de democratizar o acesso à justiça, de tornar a prestação da tutela jurisdicional mais célere e eficiente com resultados positivos.

Através do sistema de videoconferência, as partes e testemunhas podem participar de audiências trabalhistas virtuais em qualquer lugar do mundo, exemplos de aplicação desta tecnologia nos atos processuais são através de cartas rogatórias, cartas precatórias, audiências de conciliação, entre outros.

O uso da inteligência Artificial no Direito Processual do trabalho, ainda na fase inicial, pode contribuir com a redução dos custos do processo na Justiça do Trabalho, no momento estão sendo desenvolvidos dois sistemas o Sistema Bem-te-vi, para tramitação de processos no TST (análise automática da tempestividade)1 e o Projeto Gemini do TRTs da 5ª, 7ª, 15ª e 20ª Região, que auxilia na elaboração de votos e na distribuição de processos por matéria nos Gabinetes2.

A utilização da tecnologia e da inteligência artificial para prática de atos processuais têm sido um instrumento eficaz para efetivação dos direitos sociais, concretizando os ensinamentos de Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988, p. 12), que reconhecem o acesso à justiça como “requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema

jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de

todos.” Deste modo, o presente trabalho busca responder às seguintes perguntas, a inteligência

artificial pode ser utilizada no Processo do trabalho de forma ampla e irrestrita para prática de

1 O sistema Bem-te-vi, Inteligência Artificial traz melhorias inovadoras na tramitação de processos no TST, Disponível em:< http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/inteligencia-artificial-traz-melhorias-inovadoras-para-tramitacao-de-processos-no-tst.> Acesso em 11.04.2020. 2 TRT5 realiza projeto-piloto que utiliza inteligência artificial. Disponível em:< https://www.cnj.jus.br/trt5-realiza-projeto-piloto-que-utiliza-inteligencia-artificial, >Acesso em 11.04.2020.

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todos os atos processuais, inclusive decisões judiciais, sem que isso possa gerar nulidade processual ou violação de princípios? Ela deve submeter aos princípios constitucionais? Esses questionamentos demonstram a importância de estabelecer alguns limites para o uso da Inteligência Artificial no Processo do Trabalho.

3. LIMITES À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO PROCESSUAL DO

TRABALHO A Inteligência Artificial no Direito Processual do Trabalho deve observar os seguintes

princípios constitucionais, a saber o 1) Dignidade da Pessoa Humana (artigos 1º, III da CF/88 e 8º do CPC/2015, 1º DUDH/1948); 2) Igualdade (artigos 5º, caput da CF/88, 7º da

DUDH/1948, e 7º, CPC/2015); 3) Preservação dos dados sensíveis (artigos 93, IX da CF/88, 11

do CPC/2015 e 10, da DUDH/1948); 4) Imparcialidade; 5) Interação, contraditório e ampla

defesa (artigos 5º, LV da CF/88, 9 e 10 do CPC/2015); 6) Transparência Algorítmica (artigos 5º, XXXIII, 37, 216 da CF/88, 14 da Lei 11.419/2006 e 195 do CPC);

Quanto ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o uso da Inteligência Artificial no Direito Processual do Trabalho não está devidamente regulamentado, existe um Projeto de Lei 5051 de 2019, em seu artigo 2º, que estabelece os princípios para aplicação da tecnologia no Brasil que deve ser desenvolvida para melhorar o bem-estar humano em geral. Quanto ao Princípio da Preservação dos Dados Sensíveis, Resende Chaves Jr, menciona que no Processo eletrônico “A lógica tem a preocupação de preservar os dados sensíveis,

porque tem outros valores constitucionais em jogo, como o direito à privacidade que deve ser

respeitado”. Os artigos 6º e 11 da Lei 11.419/2006 busca a preservação das informações, restringindo o acesso aos documentos apenas àqueles processualmente implicados e fazem parte da relação processual3. Quanto ao princípio da Imparcialidade, com o sistema PJE, mídias, as audiências trabalhistas podem ser gravadas, impedindo o arbítrio, abuso de poder e parcialidade do magistrado de primeiro grau na colheita das provas.

Quanto ao princípio da transparência algorítmica, toda decisão judicial tomada com o auxílio de inteligência artificial deve conter essa informação em sua fundamentação, sob pena de gerar nulidade processual. Neste mesmo sentido, é entendimento dos autores Dierle Nunes e Ana Luiza Marques (2018) e Alves e Almeida (2020, p. 57).

Corroborando que a falta de transparência dos algoritmos pode ensejar erros gravíssi-mos no processo decisório trabalhista, Ana Frazão (2017) esclarece que “os algoritmos se

baseiam em dados sigilosos sem qualquer transparência, que podem ser incorretos ou falsos,

e reproduzirem correlações que podem ser frutos de discriminações e uma serie de injustiças

da vida social. ” Nathalia Medeiros (2019, p. 132), sustenta que a teoria normativa da comparticipação

atua como garantia da transparência e da fiscalidade do processo de tomada de decisões, para que haja uma “transparência algorítmica” com fiscalidade (accountability) das ferramentas de-senvolvidas para tomada de decisões pelo Estado no exercício de suas funções, não somente de forma prévia, mas, sim, uma fiscalidade externa e constante por parte de determinados segui-mentos da sociedade (v.g. OAB, advogados, juízes, jurisdicionados, especialistas de outras áreas).

Considerando a posição da doutrina majoritária sobre o tema pode se afirmar que a transparência digital é condição de validade para aplicação da Inteligência Artificial no Pro-cesso do Trabalho.

3Desembargador José Eduardo Resende Júnior expõe princípios do direito processual eletrônico. Disponível em:< https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/des-jose-eduardo-expoeprincipios-do-direito-processual-eletronico,>Acesso em 04.05.2020.

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Há ainda outros princípios, no caso da inteligência Artificial no Direito Processual do Trabalho, esta está vinculada aos princípios específicos do Processo Eletrônico: 1) Lealdade Processual, Ética e Boa-fé (artigos 5º, 80 e 489, 3º do CPC); 2) Imaterialidade (CHAVES, 2015) ; 3) Conexão (artigos 1º, 8º, 13 e 14 da Lei n. 11.419/06 e 422, § 1º do CPC/ 2015); 4) Intermidialidade (art. 1º, e 2º, I da Lei 11419/2006); 5) Hiper-realidade (CHAVES, 2015); 6) Instantaneidade (CHAVES, 2015); 7) Desterritorialização (art. 144 da CF). Os limites abordados no presente artigo envolvem 1) poder decisório ser uma função constitucional indelegável; 2) o uso de algoritmos poderiam ocasionar a estagnação da jurisprudência; 3) vedação ao solipsismo algorítmico; 4) necessidade de supervisão humana na aplicação da IA e 5) independência funcional do juiz do trabalho.

Em relação ao primeiro limite, segundo Alexandre Zavaglia (2017): “O limite da

tecnologia deve ser o limite das prerrogativas dos profissionais. No caso do médico, o software

pode dar informações e até sugerir o diagnóstico, mas a decisão quem toma é o ser humano”. Atualmente na Justiça do Trabalho é possível automatizar a maior parte dos atos processuais, mas a decisão judicial continua sendo um trabalho intelectual humano exclusivo dos juízes do trabalho, únicos detentores da jurisdição estatal, segundo o disposto nos artigos 5º, XXXV, LIII, 114 da CF/88. Este entendimento é corroborado por autores como Luiz Fernando Féola (2015, p. 45-48), Dierle Nunes e Viana (2018), Viana (2019) e Alexandre Pereira (2017).

A Inteligência Artificial por não ter racionalidade interpretativa de ponderação característica afeta ao homem, não estaria apta a julgar os seres humanos com justiça, respeitando os valores e princípios inerentes ao Estado Constitucional de Direito.

Quanto ao segundo limite, Jordi Fenoll (2018, p. 32-33) justifica a necessidade de impor limites à inteligência artificial pois não pode conferir a decisão final em um julgamento para que não venha ensejar a estagnação da jurisprudência.

A Inteligência Artificial através de seus algoritmos, pode incorrer na padronização das decisões judiciais, acarretando uma imutabilidade na jurisprudência dos Tribunais trabalhista e obstando o acesso à justiça, assegurado no artigo 5º, XXXV da CF/88.

Quanto ao terceiro limite, Almeida Filho (2015, p. 17) menciona que “não podemos

permitir que o Processo Eletrônico encontre modificações a ponto de termos sentenças

cartesianas, emitidas por um computador.”. Não se coaduna com Estado Constitucional de Direito decisões trabalhistas padronizadas por algoritmos, por afrontar o princípio da jurisdição de o Estado juiz dizer o direito em cada caso concreto, de acordo com os princípios e valores estabelecidos na Constituição Federal. Este entendimento é corroborado por autores como Viana (2019), Medeiros (2019, p. 68) e Wandelli (2015, p.83).

No Estado Constitucional de Direito é necessário utilizar a inteligência artificial e tirar proveito de seus benefícios, mas o seu uso deve ser sempre direcionado por juiz do Trabalho numa interpretação racional humana com ponderação de valores, e respeito aos direitos e garantias que fundam o processo jurisdicional democrático, refutando dessa forma “solipsismo algoritmo”.

Em relação ao quarto limite, a matéria ainda pende de regulamentação, mas o artigo 2º, V do Projeto de Lei 5051/2019, estabelece a necessidade de supervisão humana no uso da inteligência artificial. A inteligência artificial caso seja adotado nas decisões da Justiça do Trabalho deve ser feita com autorização e supervisão do juiz do trabalho, responsável pela condução do processo no Estado Constitucional de Direito, sob pena de nulidade processual.

Por fim, com relação ao quinto limite, o pensar humano sobre a concretização da Justiça, fica destacado no pensamento de Hanna Arendt (SCHIO, 2011): “o julgamento é aquele

que prepara os dados pensados para serem decididos, para receber o impulso da vontade e

adentrarem no mundo externo por meio da ação. O julgar, então, não existe sem o pensar. ” Resende Chaves Jr (XXXX): “Automatizar mecanicamente decisões é uma via rápida

para alcançar a completa falta de legitimação social do judiciário brasileiro". Ainda mais a

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Justiça do Trabalho, que tem a função social de proteger e tutelar os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores hipossuficientes na relação entre capital e trabalho.

Daí porque não pode se admitir no Estado Constitucional de Direito a robotização das decisões judiciais, porque o ato de julgar depende de interação entre os seres humanos, o bom juiz precisa saber ouvir, e o jurisdicionados precisa sentir que está sendo ouvido e que seu processo vai ser examinado e julgado de forma singular, está interação entre o juiz, as partes, advogados e participantes do processo trabalhista é fundamental para concretização da justiça.

A Inteligência Artificial pode ser adotada na Justiça do Trabalho nos easy cases, decisões que envolvem simples cálculos matemáticos, demandas repetitivas, matérias exclusivamente de direitoe supervisionadas e validadas por um juiz do trabalho.

Nos “hard cases”, em que o intérprete algumas vezes atua com discricionariedade, exerce o papel criativo do direito, considera valores éticos, morais e faz sopesamento de normas no momento de julgar, não seria possível o uso da Inteligência Artificial nas decisões na Justiça do Trabalho por encontrar óbice no princípio do juiz natural artigos 5º, incisos XXXVII, LIII e 114 da CF/88, que estabelece um juiz constitucionalmente competente, humano, independente e imparcial para julgar os conflitos trabalhistas.

A inteligência artificial ainda não tem programação para substituir o juiz do trabalho em seus julgamentos mais complexos que exige um critério de racionalidade argumentativa nas decisões judiciais, por força do artigo 93, IX da CF, 832 da CLT, 489 CPC, que estabelece o princípio do dever de fundamentação estrutural das decisões judiciais. 4. CONCLUSÃO

A inteligência Artificial pode ser adotada na Justiça do Trabalho para prática de atos processuais desde que cientificada as partes de sua utilização em observância ao princípio da transparência algorítmica para evitar nulidade processual.

Os limites ao seu uso se concretiza na observância dos princípios constitucionais e específicos do processo eletrônico previstos no ordenamento jurídico nacional e internacional.

Não tem respaldo no Estado Constitucional de Direito decisões trabalhistas padronizadas por algoritmos, por afrontar o princípio da jurisdição de o Estado juiz dizer o direito em cada caso concreto, de acordo com os princípios e valores estabelecidos na Constituição Federal.

Estabelecer limites ao uso da inteligência artificial se faz necessário para evitar a estagnação da jurisprudência, solipsismo jurídico e a robotização das decisões judiciais.

Delimitado, o uso da inteligência artificial, evidencia-se que pode ser adotada, na Justiça do Trabalho, nos easy cases, decisões que envolvam simples cálculos matemáticos, matérias exclusivamente de direito, com limitação ao valor da causa, demandas repetitivas, mediante autorização e supervisão de um juiz do trabalho, dependendo de regulamentação pelo Poder Legislativo. Já nos “hard cases”, não seria possível o uso da Inteligência Artificial por violar princípio do juiz natural, artigos 5º, incisos XXXVII, LIII da CF/88 e dever de fundamentação estrutural previsto nos artigos 93, IX da CF/88, 489 do CPC/2015, 832 da CLT.

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MAQUINAS INTELIGENTES – A PROPRIEDADE INTELECTUAL E A INTELIGENCIA ARTIFICIAL

MAQUINAS INTELIGENTES - PROPIEDAD INTELECTUAL E INTELIGENCIA ARTIFICIAL

Paula Chaves CostaLuysa Hellena Guimarães Maruques

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar como a propriedade intelectual é aplicada as

inovações tecnológicas e as consequências das lacunas legislativas. Buscou-se analisar qual a

necessidade de criação de uma Lei que regulamente de quem é o direito autoral quando a obra

/criação é fruto exclusivo de uma máquina. A inteligência artificial é de extrema importância

para que o país se desenvolva como um todo de forma rápida e eficaz. O método utilizado foi

o indutivo, analisando leis e doutrinas que abrangem o tema, tendo como marco teórico a

propriedade intelectual e as inovações tecnológicas.

Palavras-chave: Propriedade intelectual, Inovações tecnológicas, Lacuna legislativa, Inteligência artificial

Abstract/Resumen/Résumé

Este artículo tiene como objetivo analizar cómo se aplica la propiedad intelectual a las leyes

y doctrinas que innovaciones tecnológicas y las consecuencias de las brechas legislativas.

Intentamos analizar la necesidad de crear una Ley que regule quién posee los derechos de

autor cuando el trabajo / creación es el resultado exclusivo de una máquina. La inteligencia

artificial es extremadamente importante para que el país se desarrolle en su conjunto de

manera rápida y efectiva. El método utilizado fue el inductivo, analizando cubren el tema,

tomando la propiedad intelectual y las innovaciones tecnológicas como marco teórico.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Propiedad intelectual, Innovaciones tecnológicas, Brecha legislativa, Inteligencia artificial

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INTRODUÇÃO:

A evolução tecnológica, a expansão das ferramentas de comunicação,

quantidades incalculáveis de dados sendo transmitidos dia após dia ( IT² - Indicador de

Transformação da TI - IDC), bem como a demanda crescente por desenvolvimento,

inovação, sustentabilidade, economia, celeridade, desdobram na urgente necessidade de

criação de sistemas, de aplicações, de softwares, com o fim de acompanhar os desafios

impostos pelo contexto social contemporâneo.

Com a existência de máquinas dotadas de inteligência artificial (IA), é

plenamente possível que tais aparelhos desenvolvam obras, sejam estas científicas,

artísticas, literárias, industriais e comerciais.

Com a possibilidade de se utilizar da AI, para que computadores criem sozinhos,

novos dados, caminhos, algoritmos, utilizando sua complexa rede neural (SILVA, 2016,

p. 24), o Direito é desafiado a decidir se tais criações pertencem a alguém, a quem

pertencem e se seria viável a proteção jurídica por meio das normas de propriedade

industrial, revelando-se, nestes termos o problema da pesquisa.

A princípio, é necessária a compreensão de que ao tratar do direito autoral e das

novas tecnologias, é fundamental a regulamentação das novas situações, com a

colaboração dos operadores do Direito, em especial da academia.

O marco teórico parte das Leis presentes no ordenamento jurídico pátrio, leis

genéricas que abordam a criação intelectual ou comercial, como a Convenção de Berna

(Lei 75.699/75), Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) e Lei de Direitos Autorais

(Lei 9.610/98) abrangendo doutrinas.

O objetivo da pesquisa revela-se em demostrar a (des) necessidade da criação de

uma legislação que regule a propriedade intelectual a respeito das obras produzidas,

autonomamente, por meio da inteligência artificial, bem como demonstrar os contornos

contemporâneos da propriedade intelectual, suas espécies, com a finalidade de lançar

luzes sobre a temática e contribuir para um melhor tratamento da matéria, inclusive pelos

legisladores.

O método adotado para a presente pesquisa foi o indutivo, na medida que a

indução é um processo mental, que conclui/deduz uma verdade geral ou universal. O

objetivo do método indutivo é obter conclusões amplas, a partir dos seus embasamentos.

(LAKATOS; MARCONI, 2009, p.86). Tal opção metodológica se coaduna com o

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proposito deste artigo, uma vez que a propriedade intelectual e as inovações tecnológicas

partem de premissas, onde observamos os fatos, reais e sistemáticas, além disso, é

passível que os fatos sejam alterados, sendo a conclusão ampla, pois não é infalível nem

unanime, tendo em vista que a realidade pode vir a ser alterada a partir de uma construção

argumentativa. A técnica adotada é a bibliográfica.

PROPRIEDADE INTELECTUAL E INTELIGENCIA ARTIFICIAL

A propriedade intelectual se manifesta como as criações humanas, e em razão do

pertencimento, a princípio, a determinadas pessoas, merece tutela, a fim de que os

direitos morais e patrimoniais dessas sejam garantidos, a propriedade intelectual tende a

garantir ao dono da obra a exclusividade do seu produto, mesmo que de forma

temporária, como é o caso das patentes e dos registros de desenho industrial.

Reprimindo, desta forma, a concorrência desleal (ABIMAQ - Manual da Prop.

Industrial - pg. 1)

De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) a

propriedade intelectual tem como objetivo incentivar a atividade de criação e a promover

em todo o mundo a sua proteção. Tornando eficiente a administração das Uniões, quando

se tratar de propriedade industrial (indústrias e comércios), e proteção as obras literárias

e artísticas (produção literária, cientifica e artística), respeitando a autonomia de cada

União. (Convenção de Berna, 1979, p. 3).

No Brasil o direto autoral é subdividido em Direitos do Autor, Direitos Conexos

e Programas de Computador. Os Direitos Autorais são os que se relacionam ao autor de

uma obra. (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais)

Valendo-se do art. 7º da mencionada codificação, as obras intelectuais

protegidas pela lei são as criações de espírito, podendos essas, serem expressas por

qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. No Brasil, atualmente a Fundação

Biblioteca Nacional é a responsável por registrar as obras produzidas no país.

Importante subdivisão dos Direitos Autorais, Programas de Computador, tem

previsão na Lei de Direitos Autorais, mas sua proteção de fato esta na Lei 9.609 de 19,

de Fevereiro de 1998, a qual define programa de computador sendo a expressão de um

complexo de linguagens naturais e codificadas, suas respectivas instruções que se

baseiam em técnicas digitais ou análogas.

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Outra modalidade de propriedade intelectual é a Sui generis, a qual inclui

Topografia de Circuito Integrado, Conhecimentos Tradicionais (Lei 11.484, de 31 de

Maio de 2007) e Cultivares, (Lei 9.456, de 25 de Abril de 1997).

Por outro lado, a inteligência artificial é um instrumento utilizado para criar

mecanismos como, softwares e robôs com capacidade para solucionar problemas, pensar

e até mesmo agir de forma inteligente, similar à humana, podendo, em alguns casos,

uma criação gerar outra, de forma autônoma e não prevista pelo criador/autor.

(GRIMMELMANN, 2015)

Atualmente, com o avanço dos estudos da Inteligencia Artificial, sabe-se que

dela surge outros 5 conceitos/condições que possibilitam a aplicação da IA, quais sejam:

i) Big Data; ii) Machine Learning; iii) Deep Learning; iv) Algorítimos e; v) Campos

Neurais. (ROSA, 2016 - pg. 3)

Certo é que o desenvolvimento na principal área dessa pesquisa, que é a de

fazer uma inteligência similar à do ser humano, é gradual. (EXAME, 2018). Entretanto,

os estudos têm surtido efeito em outros âmbitos sociais, como o planejamento

automatizado e escalonamento, jogos, programas de diagnóstico médico, controle

autônomo, robótica.

Conforme discorrido, há no ordenamento jurídico pátrio, leis genéricas que

abordam a criação intelectual ou comercial, como a Convenção de Berna (Lei

75.699/75), Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.270/96) e Lei de Direitos Autorais (Lei

9.610/98). Tais codificações permitem tanto a concessão de direitos ao autor e inventor

do produto, quanto a participação do autor/inventor em toda a dimensão econômica

decorrente de sua criação.

No entanto, esta proteção não se demonstra eficaz e suficiente para abranger

todos os fundamentos derivados da Inteligencia Artificial, tais como: ciência de dados e

utilização nos diversos âmbitos sociais, tais como: i) Reconhecimento de Palavras

(Speach Recognition), ii) Predição de taxas de cura de pacientes com diferentes doenças;

iii) Detecção do uso fraudulento de cartão de créditoo; iv) Condução de automóveis de

forma autônoma; v) adversários virtuais em jogos digitais.

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Certo é que, atualmente, tramitam na Câmara dos Deputados, alguns Projetos

de Lei voltados à regulamentação da Inteligência Artificial e consubstanciados nas

proposições da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico), entidade que anunciou princípios para o desenvolvimento de inteligência

artificial, sendo o Brasil um dos signatários do documento. Duas PL’s merecem destaque

neste cenário, quais sejam, PL 21/2020 (Dep. Eduardo Bismark) e PL 240/2020 (Dep.

Léo Moraes).

Embora os aspectos abordados por tais projetos legislativos tragam

transformações genuínas aos processos inerentes à Inteligência Artificial, importante se

faz elucidar que algumas questões técnicas ainda se encontram descobertas, como a

evidente possibilidade de criações oriundas exclusivamente dos softwares de

Inteligência Artificial, sendo necessário tratar com mais clareza a despeito de quem seria

considerado autor de tais criações.

Segundo Grimmelmann (2015, pg. 89), há a possibilidade de atribuir às

máquinas dotadas de IA a qualidade de pessoa jurídica, concedendo proteção às suas

criações, segundo as leis da Propriedade Intelectual. De certo, a situação merece

destaque visto que tais criações não podem ficar a critério da discricionariedade do

proprietário da inteligência artificial, conceber ou não proteção à autonomia da IA, em

seu nome.

Por oportuno, a situação não é incomum. Recente software desenvolvido pelo

engenheiro Zack Thoutt é responsável pelo desenvolvimento de 5 capítulos de Game of

Thrones, na intenção de dar à saga o final ainda não escrito por George R. R. Martin.

A Lei de propriedade intelectual por muitos anos foi suficiente para proteger o

direito de autores, no entanto, devido ao desenvolvimento, não é mais. A tecnologia hoje

está presente em tudo, desde o alimento ate o software mais sofisticado, não sendo

possível ignorar sua presença.

CONCLUSÃO:

A lei de direitos autorais e industriais regulam muito bem as relações que tem

presente o ser humano como autor, no entanto, nada falam sobre o que se deve fazer

quando a é a inteligência artificial quem cria a obra, quer que seja, cientifica, artística,

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literária, industrial ou comercial. Daí vem á necessidade de criar uma legislação acerca

da inteligência artificial no âmbito da propriedade intelectual, regulando que o direito

moral e patrimonial oriundos do direito a propriedade intelectual é das maquinas e todo

o dinheiro recebido em função da obra/criação deve ser reinvestido no mesmo setor.

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1 Mestrando em Direito Econômico pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas/UFPB. Bolsista CAPES/DEMANDA SOCIAL. Advogado licenciado. Editor Assistente da Prim@ Facie (Revista do PPGCJ/UFPB).

1

NOVAS TECNOLOGIAS, SANDBOX REGULARÓTIO E AS CONSEQUÊNCIAS PARA AS RELAÇÕES DE CONSUMO

NEW TECHNOLOGIES, REGULAROTIC SANDBOX AND THE CONSEQUENCES FOR CONSUMER RELATIONS

Igor Barbosa Beserra Gonçalves Maciel 1

Resumo

O presente trabalho versa sobre as novas tecnologias, que têm impactado os mercados, os

Estados e os consumidores, além do sandbox regulatório aplicado àquelas, a fim de

compreender as consequências nas relações de consumo. Através do método de abordagem

hipotético-dedutivo, de procedimental exploratório e da técnica de pesquisa bibliográfica-

documental, objetiva-se: primeiramente, fazer um panorama das novas tecnologias. Em

seguida, apresentar o sandbox regulatório e como este pode ser aplicado às novas

tecnologias. Posteriormente, abordar as possíveis consequências da implementação daquele

às inovações e os efeitos no âmbito consumerista. Por fim, trazer as considerações finais

sobre a temática.

Palavras-chave: Novas tecnologias, Sandbox regulatório, Relações de consumo

Abstract/Resumen/Résumé

The present work deals with the new technologies, which have impacted the markets, the

States, and the consumers, in addition to the regulatory sandbox applied to those, in order to

understand the consequences in the consumer relations. Through the hypothetical-deductive

approach method, exploratory procedural and bibliographic-documentary research technique,

the objectives are: first, to provide an overview of new technologies. Then, introduce the

regulatory sandbox and how it can be applied to new technologies. Subsequently, address the

possible consequences of implementing that to innovations and the effects in the consumer

sphere. Finally, bring the final considerations on the theme.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: New technologies, Regulatory sandbox, Consumer relations

1

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1 INTRODUÇÃO

A partir da criação do World Wide Web, na década de 1990, o Mundo tem vivenciado

uma revolução tecnológica sem tamanho, a qual atinge os mais diversos setores econômicos e

sociais, bem como não possui fronteira dado o atual estágio de globalização. Por conseguinte,

o surgimento de novos produtos, serviços, plataformas, fornecidos através de meios digitais,

trazem consigo incertezas, que acabam repercutindo diretamente nos mercados, nos Estados e,

especialmente, nas relações de consumo.

Nesse contexto tecnológico e disruptivo, o conhecimento prévio, ainda que mínimo,

das novas tecnologias pode proteger as relações de consumo de eventuais problemas, sobretudo,

pelo fato de, em regra, os consumidores serem a parte hipossuficiente da relação contratual,

uma vez que não dominam as características, as funcionalidades, os perigos, entre outras

questões, principalmente, frente às inovações.

Entrementes, como viabilizar a revolução tecnológica e, ao mesmo tempo, proteger às

relações de consumo frente às incertezas por aquelas trazidas?

Dentro deste quadrante, novas ferramentas têm surgido, como o sandbox, a fim de

conjugar o desenvolvimento tecnológico com os direitos básicos do consumidor, de modo que,

antes da entrada do produto e/ou do serviço no mercado, já seja possível antever algumas

questões que repercutirão no âmbito jurídico e, portanto, regulá-las se preciso o for.

Assim, em síntese, com o presente trabalho objetiva-se, inicialmente, fazer um

panorama das novas tecnologias. Em seguida, apresentar o sandbox regulatório e como este

pode ser aplicado àquelas. Posteriormente, abordar as possíveis consequências da

implementação daquele às inovações e os efeitos no âmbito consumerista. Por fim, trazer as

considerações finais sobre a presente temática.

Destaca-se que o debate sobre as novas tecnologias e suas consequências têm recebido

a atenção de diversos âmbitos do saber jurídico, não só no Brasil como em todo o Mundo, já

que aquelas impactam, máxime, as relações de consumo. Desse modo, almeja-se contribuir com

as discussões sobre novas tecnologias, sandbox regulatório e as relações consumeristas.

2 METODOLOGIA

Como metodologia, o presente trabalho utiliza-se do método de abordagem hipotético-

dedutivo, quando hipoteticamente traz o sandbox regulatório como ferramenta solucionadora

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do problema das inseguranças nas relações de consumo devido às novas tecnologias. Desse

modelo hipotético geral, busca-se deduzir se pode ser aplicado aos demais casos.

No âmbito procedimental, a pesquisa tem caráter exploratório, uma vez que não se

pretende esgotar a temática, mas descortiná-la, já que o tema é novo e, por isso, não possui

entendimentos consolidados.

Por fim, no tocante à técnica de pesquisa, a adotada foi a bibliográfica-documental,

posto que se valerá de alguns escritos, de legislação, de doutrinas, para construir o raciocínio.

3 NOVAS TECNOLOGIAS, SANDBOX REGULATÓRIO E AS CONSEQUÊNCIAS

NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1 NOVAS TECNOLOGIAS

Com o advento da internet, notadamente, com o desenvolvimento do World Wide Web

(WWW), no começo dos anos de 1990, pelo professor e cientista Timothy John Berners-Lee,

do Massachusetts Institute University – MIT (BERNERS-LEE, 1992), aquela ganhou maior

serventia, tendo em vista que o acesso às informações ficaram mais fáceis e, com isso,

contribuiu para a difusão do conhecimento, para a globalização dos mercados, das culturas, das

tecnologias, criando um ambiente de constantes inovações ao redor de todo o Mundo.

Além das redes sociais tradicionais, como e-mail, salas de bate-papos, chats, blogs,

surgiram inúmeras outras plataformas, sites, instrumentos de busca, a exemplo do Google, do

Cadê, ainda na década de 90. Contudo, nos anos 2000 é que ocorreu o boom, a consolidação e

mais revoluções decorrentes da internet (BARROS, 2013).

De fato, com a virada do século, os avanços continuaram, notadamente, com o

desenvolvimento de várias redes sociais, entre elas: o Fotolog (em 2002), o Orkut (em 2004), o

Facebook (em 2004), o Twitter (em 2006), o WhatsApp (em 2009), o Instagram (em 2010), o

Snap Chat (em 2011). A que mais se destacou foi o Facebook, que se tornara a maior rede social

do mundo. No ano de 2012, superou um bilhão de usuários (FOLHA, 2012) e, em 2017, a

empresa ultrapassou os dois bilhões de pessoas conectadas as suas redes (G1, 2017).

Todavia, a revolução tecnologia não foi restrita às redes sociais, lojas e empresas

começaram a funcionar através do e-commerce. Ainda, os serviços de streaming ganharam

destaque, seja de vídeo, com o crescimento da Netflix, que embora tenha sido criada em 1997,

o funcionamento nos moldes atuais passou a ocorrer a partir de 2007 (KLEINA, 2017), seja de

áudio, a exemplo do Deezer (2007), da Amazon MP3 (2007), do Spotify (2008).

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Outrossim, concomitante aos avanços da internet, a indústria tecnológica foi

crescendo, as tvs de tubo deram lugar as de plasma, lcd, led, oled. Os celulares viraram

smartphones, isto é, minicomputadores, sendo possível fazer tudo através dele. A inteligência

artificial foi adicionada os dispositivos, a exemplo da Siri (Apple), da Alexa (Amazon).

A virtualização do mundo tem transformado os negócios, os quais muitos já têm

nascido totalmente digitais, a exemplo da Amazon, do Airbnb, Uber, 99táxi, Nubank, Banco

Inter, Gympass, iFood, Rappi. No mundo financeiro, a virtualização tem sido agressiva, com a

criação de várias fintechs. A economia está sendo desmaterializada (FEIGELSON, 2018).

Ressalta-se que, em 2008, nasceu a primeira criptomoeda, o Bitcoin, a qual provocou

uma grande disrupção no sistema financeiro, com a apresentação de um sistema de pagamento

totalmente distribuído e sem a presença de um Estado ou ente intermediário, além de seguro,

rápido, barato e dotado de privacidade. Ainda, trouxe em seu cerne o Blockchain

(NAKAMOTO, 2008). Inclusive, muito embora na maioria dos países não haja definição

jurídica quanto a estas, observa-se que várias Nações, mercados e consumidores já têm se valido

das criptomoedas e do Blockchain para a realização de transações e o registro de dados

(CAMPOS, 2018; RODRIGUES, TEIXEIRA, 2019).

O uso da internet pelas pessoas é cada vez maior, as novas tecnologias trazem consigo

a necessidade de constante conexão, e mais, fazem com que as pessoas tenham as vidas

espelhadas no mundo virtual, além de outras questões mais. Tudo isto demonstra quão

incontrolável é revolução tecnológica e que as inovações estão em constante ebulição. Ainda,

estas acabam repercutindo diretamente nos mercados, nos Estados e nas relações de consumo.

Com efeito, verifica-se que os institutos jurídicos existentes são incapazes de proteger

as relações de consumo e, desse modo, precisam acompanhar a disrupção proporcionada pelo

mundo virtual (BARBOSA, 2019). Caso contrário, não servirá à regulação de eventuais

problemas, gerando insegurança jurídica às relações, destacadamente, às consumeristas.

Entrementes, como antever o desconhecido, de modo racional e sem exageros

desnecessários, para que, concomitantemente, não se diminua o interesse e os investimentos em

inovações? Foi dentro desse contexto que veio à tona o sandbox regulatório, ferramenta que se

apresentará a seguir, almejando uma regulamentação das novas tecnologias sem castrá-las.

3.2 SANDBOX REGULATÓRIO

As novas tecnologias têm demostrado a inaptidão dos atuais regulamentos para a

correção de problemas eventualmente causados pelo uso daquelas, uma vez que não há

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possibilidade de enquadrá-las nas normas já postas. Ademais, não raro, a elaboração de medidas

emergenciais, como fito de atender alguma urgência social, muitas vezes acaba por prejudicar

bastante o mercado, recrudescendo os investimentos, ao tempo em que para o consumidor não

passa de um direito meramente simbólico, sem qualquer eficácia prática.

Nesse mote, veio à tona a aplicação do sandbox regulatório às inovações, a fim de

contribuir para a segurança jurídica das relações e conferir outros benefícios a mais

(FEIGELSON, 2019). Entretanto, que é o sandbox regulatório?

Inicialmente, aponta-se que o sandbox diz respeito à “caixa de areia para brincar”

(SOARES, 2019), como as existentes nas praças, nos colégios, onde os pais e os professores

deixam as crianças brincando e desenvolvendo atividades livremente, enquanto ficam apenas

as observando de fora e, eventualmente, fornecem alguma orientação e/ou repressão.

Pode-se dizer que foi partindo desta ideia, isto é, da diversão das crianças em um

ambiente controlado, cujos efeitos e consequências se restringe a estes, que, em 2015, a

Autoridade de Controle Financeiro da Inglaterra, a Financial Conduct Authority (FCA), atentou

para o potencial do uso do sandbox com fins regulatórios. Na oportunidade, observou-se que

em um ambiente delimitado (número limitado de consumidores, tempo e espaço pré-fixados),

ficava mais propício para o atingimento de maior eficácia, de economicidade e de segurança

para os produtos e os serviços, especialmente, no que diz respeito aos financeiros.

Isto porque, com os resultados obtidos da experiência dos produtos e dos serviços pelos

consumidores, acompanhados pelas autoridades e pelas próprias empresas, é possível fomentar

o desenvolvimento de inovações sem que estas incorram em infrações legais ou regulatórias,

além de possibilitar o compartilhamento de informações e a construção conjunta de soluções

para o aprimoramento dos produtos e dos serviços (BARBOSA, 2019).

O sistema de assistido de regulação traz algumas vantagens, como a diminuição do

tempo de mercado, o estímulo aos investimentos, ao desenvolvimento de novas tecnologias

(FEIGELSON, 2019; RODRIGUES, TEIXEIRA, 2019). Ademais, muito embora no ambiente

de testas não seja garantido o resultado, as empresas participantes do sandbox devem arcar com

eventuais prejuízos aos consumidores que se dispuseram à experiência (SOARES, 2019).

Noutro giro, quanto às desvantagens, estas dizem respeito ao fato de em muitos países

ter várias autoridades reguladoras e, por sua vez, fazer com que as empresas tenham de

participar de vários sandboxes, inviabilizando os projetos. Ainda, se não houver regras claras,

pode pecar na transparência, também conferir privilégios as grandes empresas (BARBOSA,

2019). Todavia, estas questões podem ser superadas, na medida em que os Estados e os

mercados forem adotando o referido modelo de viabilidade das inovações.

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Destarte, com o sandbox regulatório aplicado às novas tecnologias, estas são postas à

prova e, uma vez aprovadas, vão para o mercado com mais segurança para todos, já que as

intervenções regulamentares e jurídicas necessárias são conjuntamente formuladas.

3.3 AS CONSEQUÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO SANDBOX REGULATÓRIO ÀS

RELAÇÕES DE CONSUMO

Considerando a revolução tecnológica, bem como a criação de ferramentas para

viabilizá-la, como o sandbox regulatório, é importante conjecturar quais os impactos nas

relações de consumo, tendo em vista que a proteção ao consumidor e as relações de consumo

possuem atenção especial no ordenamento jurídico brasileiro, pois, em regra, os consumidores

correspondem ao polo hipossuficiente da relação. Tal preocupação levou à proteção ao

consumidor a ter guarida no artigo 5º, XXXII, da Constituição da República Federativa do

Brasil (CRFB/1988), bem como no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC/1990),

principalmente em seu artigo 6º, que traz os direitos básicos daqueles.

Entretanto, à época da elaboração dos respectivos textos legais não se conseguiu

antever tamanhas inovações proporcionadas pela revolução cibernética. Consequentemente, vê-

se um abismo jurídico entre o ordenamento vigente e as novas tecnologias, em virtude de aquele

não poder ser aplicado aos conflitos decorrentes das recentes invenções.

Ao romperem com o até então conhecido, as novas tecnologias trazem consigo várias

incertezas e, com isso, impõem que as instituições tradicionais também se reciclem para as

acompanharem a contento (BARBOSA, 2019). Inclusive, muitas das inovações surgem sem

definição de qual seja a sua natureza jurídica, dificultando ainda mais a aplicação das normas

já postas as eventuais questões envolvendo as partes que as utilizam ou as adquirem.

A ausência de regulamentação ou de instrumentos necessários à eventual controle

reflete diretamente nos mais diversos ramos jurídicos, em especial, no âmbito consumerista,

que exige ajustes com celeridade. Nesse mote, o sandbox regulatório aplicado às novas

tecnologias, às fintechs, às startups, tende a dar às relações de consumo mais segurança, já que

os envolvidos não serão pegos de surpresa, quando da ocorrência de eventuais problemas.

Outrossim, com a diminuição dos custos de operacionalização e mais investimentos,

haverá um maior número de produtos e de serviços postos no mercado, aumentando o leque de

opções, elevando a qualidade daqueles, bem como diminuindo os preços para o consumidor.

Destaca-se que a necessidade de proteção das relações de consumo frente às novas

tecnologias e ao mesmo tempo viabilizar o empreendedorismo, chamou a atenção da Comissão

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de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil, que, desde 2017, vem sinalizando para a utilização

do sandbox regulatório, com a realização de inúmeros debates ao ponto de, em maio de 2020,

ter sido elaborada e aprovada a Instrução Normativa nº 626 (CVM, 2020).

Com a normativa, foi institucionalizando a utilização do sandbox regulatório para o

mercado financeiro brasileiro. Entre as finalidades da ferramenta estão: o incentivo à inovação,

conferir celeridade ao mercado, diminuir os custos, fomentar a competição, aprimorar as

normas, entre outras. Ademais, assentou-se que todo o processo de seleção das novas

tecnologias, a forma de monitoramento dos participantes e as demais questões, têm como foco

conferir benefícios e proteger os consumidores, em ultima ratio, as relações de consumo.

4 CONCLUSÕES

A revolução tecnológica proporcionada pelo desenvolvimento da internet tem

viabilizado a desmaterialização da economia, que cada vez mais é virtual. Nos últimos anos,

viu-se o aumento exponencial das redes sociais, do surgimento de várias fintechs, do Bitcoin,

de aplicativos como Uber, iFood, Nubank. Ainda, observou-se que as novas tecnologias têm

rompido com os modelos de mercado até então visto e, por sua vez, trazem consigo inúmeras

incertezas, insegurança jurídica, sobretudo, para as relações de consumo, já que as normas

existentes não abarcam os eventuais problemas que aquelas geram.

Nesse contexto, o sandbox regulatório apresenta-se como uma importante ferramenta,

pois através de uma experiência assistida das inovações, é possível que os mercados, os Estados

e os consumidores identifiquem as reais necessidades de regulação, sem, contudo, frear o

interesse nos investimentos em novas tecnologias, bem como sem pôr em risco o consumidor.

Destarte, o uso do sandbox regulatório para as inovações confere consequências

bastantes positivas ao âmbito consumerista, como o fornecimento de segurança jurídica,

aumento da oferta, diminuição dos custos. No Brasil, a CVM já regulamentou o uso da

ferramenta alhures para o mercado financeiro, almejando beneficiar máxime os consumidores.

5 REFERÊNCIAS

BARBOSA, Marcus Vinicius Cardoso. Blockchain e o mercado financeiro e de capitais: riscos, regulação e sandboxing. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/ noticias/anexos/2019/20190821_blockchain_mercado_financeiro_capitais_riscos_regulacao_sandboxing.pdf. Acesso em: 04 jun. 2020.

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BARROS, Thiago. Internet completa 44 anos; relembre a história da web. In: Portal TechTudo. Publicado em: 07.04.2013. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/ artigos/noticia/2013/04/internet-completa-44-anos-relembre-historia-da-web.html. Acesso em: 08 jun. 2020. BERNERS-LEE, T.J., et al. World-Wide Web: information universe, Electronic Publishing: Research, Applications and Policy, April 1992. Disponível em: http://www.emeraldgrouppublishing.com/products/backfiles/pdf/backfiles_sample_5.pdf. Acesso em: 07 jun. 2020. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 05 jun. 2020. ______. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução Normativa nº 626 de 15 de maio de 2020. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst626.html. Acesso em: 09 jun. 2020. ______. Lei nº 8.078 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 09 jun. 2020. CAMPOS, Emília Malgueiro. Criptomoedas e blockchain: o direito no mundo digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. FACEBOOK MOSTRA RAIO-X DE 1 BILHÃO DE USUÁRIOS. In: Folha de São Paulo. Tec. Publicado em: 04.10.2012. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/tec/2012/10/ 1163808-facebook-mostra-o-raio-x-de-1-bilhao-de-usuarios.shtml. Acesso em: 08 jun. 2020. FACEBOOK ATINGE OS 2 BILHÕES DE USUÁRIOS. In: G1. Economia. Tecnologia. Publicado em: 27.06.2017. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/facebook-atinge-os-2-bilhoes-de-usuarios.ghtml. Acesso em: 08 jun. 2020. FEIGELSON, Bruno. Sandbox: primeiras reflexões a respeito do instituto. In: Revista dos Tribunais Online. Revista de Direito e as Novas Tecnologias. Vol. 1, 2018. Out-Dez. KLEINA, Nilton. A história da Netflix, a rainha do streaming [vídeo]. In: TecMundo. Publicado em: 04.07.2017. Disponível em: encurtador.com.br/ghmGU. Acesso em: 08 jun. 2020. NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system. 2008. Disponível em: https://bitcoin.org/bitcoin.pdf. Acesso em: 08 jun. 2020. RODRIGUES, Carlos Alexandre; TEIXEIRA, Tarcisio. Blockchain e Criptomoedas. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. SOARES, Luciana de Paula. Sandbox, um modelo regulatório atraente para incentivar a oferta de serviços financeiros inovadores e que contribui para uma legislação mais assertiva. In: Direito, governança e novas tecnologias. Organização CONPEDI/CESUPA Coordenadores: Danielle Jacon Ayres Pinto; Elísio Augusto Velloso Bastos; Aires Jose Rover – Florianópolis: CONPEDI, 2019.

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O AVANÇO TECNOLÓGICO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO: O DIREITO À DESCONEXÃO

TECHNOLOGICAL ADVANCEMENT AND LABOR RELATIONS: THE RIGHT TO DISCONNECT

Victória Diamantino Ferreira Mont'AlvãoCarolina Bedeschi Calais

Resumo

O uso constante de tecnologias afetou a forma como os indivíduos organizam suas vidas e

interagem entre si. Essas transformações alcançam as relações de trabalho, uma vez que o

excesso de conectividade por parte do empregado dificulta o respeito aos limites da sua

jornada de trabalho. Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo expor o Direito à

Desconexão como fundamental à manutenção da dignidade do trabalhador, analisando de que

maneira a legislação e a jurisprudência brasileira abordam a temática.

Palavras-chave: Direito à desconexão, Relações de trabalho, Dignidade humana

Abstract/Resumen/Résumé

The constant use of technologies has affected the way individuals organize their lives and

interact with each other. These changes affect employment relationships, since the excessive

connectivity of the employee makes it difficult to respect the limits of their workday. Thus,

the present research aims to expose the Right to Disconnect as fundamental to preserve the

worker's dignity, analyzing how Brazilian's legislation and jurisprudence deals with the

theme.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Right to disconnect, Labor relations, Human dignity

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1 Introdução

O progresso tecnológico promete alterar cada vez mais a maneira tradicional como a

sociedade de organiza. A partir deste, os direitos à privacidade e à intimidade, sobretudo nas

relações e no ambiente de trabalho, ganham maior atenção, haja vista que o empregador, ao

exercer seu poder diretivo da atividade econômica, acaba, por muitas vezes, cometer excessos

e submeter o trabalhador a jornadas de trabalho extenuantes.

A partir dos instrumentos eletrônicos, cria-se a possibilidade, e até mesmo a

obrigatoriedade, de que o empregado mantenha-se conectado ao ambiente laboral por período

integral, já que os mesmos permitem a troca de e-mails, o recebimento de mensagens

instantâneas e manutenção do constante contato entre empregadores e empregados, o que

acaba afetando a maneira como a jornada de trabalho é percebida e torna-se uma ameaça à sua

limitação.

Nesse sentido "a flexibilização do local e da jornada de trabalho, ao menos em

alguns setores, ocorre através da organização espacial do trabalho por meios eletrônicos, a

exemplo do trabalho eletrônico em casa, e de forma descentralizada, difusa e independente."

(LEAL; ROCHA, 2018)

O excesso de conectividade do empregado, que fica à disposição do empregador

constantemente, caracteriza completa afronta aos mais relevantes direitos sociais e

fundamentais do trabalhador, sendo totalmente prejudicial à sua vida, à saúde, ao direito ao

convívio familiar e ao direito ao não trabalho, além de oferecer um obstáculo à limitação de

uma jornada que lhe permita uma vida digna.

Dessa maneira, surge a importância de se garantir que o empregado tenha o direito

de se desconectar das obrigações laborais, de maneira a ter momentos de descanso, lazer e

liberdade para realizar atividades de seu interesse. Assim, o presente projeto visa analisar as

consequências do excesso de conectividade existente nas relações de emprego, sobretudo

quando contextualizado com o momento vivenciado mundialmente em 2020, o direito à

desconexão, sua importância e a maneira como a legislação brasileira trata do assunto.

A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No

tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin

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(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente dialético.

Quanto à natureza dos dados, serão fontes primárias: dados extraídos de documentos

oficiais ou não oficiais, legislação, jurisprudência, dados estatísticos e informações de

arquivos. Serão dados secundários: livros, artigos e artigos de revistas especializadas sobre o

tema.

2 O Direito à Desconexão e sua importância

O direito à desconexão consiste na faculdade do empregado utilizar seu tempo fora

do expediente de trabalho para realizar atividades de seu interesse não relacionadas ao

trabalho. Em resumo, é o direito de não ocupar-se com afazeres profissionais fora da sua

jornada laboral diária, sendo uma forma de se garantir que não será interrompido durante os

seu horários livres e de férias.

Assim, o direito à desconexão seria a permissão para que o trabalhador desprenda-se

da necessidade de permanecer sempre disponível e conectado ao trabalho quando fora de seu

expediente. Desta forma, o referido direito busca evitar que o empregado receba

comunicados, e-mails ou mensagens instantâneas relativas ao seu trabalho durante seu

período de descanso e, consequentemente, retirar a obrigação de, caso receba, respondê-los,

sem que a omissão prejudique sua posição profissional. Deve-se ressaltar que é fundamental

que o direito à desconexão vincule não apenas as relações em nível hierárquico, entre

empregador e empregado, mas também se oponha à relação horizontal relativa a clientes e

colegas de trabalho.

Apesar dos avanços tecnológicos agravarem a problemática acerca do direito à

desconexão, resta relevante esclarecer que o presente direito não está condicionado

exclusivamente a este cenário atual. Antes mesmo da evolução tecnológica, jornadas

extenuantes e o compromisso de estar sempre à disposição do empregador já eram parte das

relações de emprego. A informatização das relações humanas apenas tornou o referido direito

ainda mais importante.

A Constituição Federal de 1988 consolidou, em seu artigo 6º, que qualquer cidadão

possui o direito ao lazer e à saúde. Portanto, para garantir estes direitos fundamentais, é

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imprescindível o direito a desconectar-se do labor e de qualquer atividade profissional quando

fora de seu horário de ofício.

Apesar do trabalho ter passado por uma ressignificação, adquirindo um conceito

relacionado à dignidade do cidadão e abandonando suas raízes escravocratas, o trabalhador

ainda mantém uma posição de hipossuficiência, sendo extremamente importante que seus

direitos e interesses sejam protegidos. Logo, torna-se crucial que haja uma preocupação não

apenas com o trabalho, mas também com o não-trabalho, tendo em vista que ambos são

essenciais para o bem-estar do empregado.

Com a informatização das relações humanas e o avanço tecnológico, as relações de

emprego passaram a extrapolar barreiras físicas, o que permitiu a existência das mesmas em

meio virtual. Dessa maneira, criou-se a possibilidade que empregados pudessem exercer suas

profissões de casa, ou seja, em home office. Esses novos hábitos, muitas vezes, acarretam ao

trabalhador um desgaste mental maior e uma jornada exaustiva de trabalho, além do que

aparenta realizar.

Em razão do cenário vivenciado mundialmente em 2020, o assunto em tela ganha

ainda mais importância, pois a pandemia de Corona vírus, e o seu alto nível de contágio, teve

como consequência um aumento exponencial da modalidade de trabalho em home office a fim

de evitar aglomerações e proteger a vida e a saúde dos funcionários. Assim, a tarefa de limitar

a jornada laboral dos empregados tornou-se ainda mais árdua e, consequentemente, o direito à

desconexão, uma promessa ainda mais distante.

E, sem que haja uma efetiva limitação da jornada, não há como o trabalhador exercer

suas funções de maneira salubre e segura e, se não há respeito à segurança e à saúde no

trabalho, o mesmo perde sua função social, não gerando qualquer benefício à dignidade do

empregado.

Ademais, a atenção constante em que se exige do trabalhador a prestação do serviço

fora de seu expediente, e da forma mais qualificada possível, tende a ocasionar enfermidades

ao trabalhador, como a Síndrome de Burnout, distúrbio emocional que tem como sintomas a

exaustão extrema, o estresse e o esgotamento físico e mental.

“Esta doença caracterizada pelo esgotamento físico, psíquico e emocional, em decorrência de trabalho em condições muito estressantes, provoca distúrbios mentais e psíquicos que tem como efeitos: stress, hipertensão

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arterial, perda de memória, ganho de peso e depressão entre outros problemas.” (DARCHANCHY, 2006)

Assim, o direito à desconexão se mostra essencial não apenas para assegurar o

lazer e o descanso do trabalhador, mas também para garantir direitos fundamentais, de forma

a visar a proteção à vida e à saúde, física e mental, do empregado e afastar moléstias

ocupacionais que ameaçam a busca pela dignidade humana.

3 O direito à desconexão no ordenamento jurídico brasileiro

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7o, demonstra preocupação em

regular a jornada de trabalho e o repouso, afirmando ser direito dos trabalhadores:

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.

Essa interesse se estende à Consolidação das Leis do Trabalho, que trabalha a

temática em sua Seção II. Percebe-se, portanto, que a legislação brasileira em matéria

trabalhista busca delimitar o tempo necessário e suficiente para que cada trabalhador

desempenhe sua função de forma a não prejudicar outros aspectos de sua vida. Nesse sentido:

Se tanto a legislação constitucional como a infraconstitucional se preocuparam em determinar qual o limite normal da jornada de trabalho e também das horas excedentes é porque consideram esse limite como socialmente aceitável para o trabalhador desempenhar suas atividades sem lhe acarretar prejuízos ou trazer-lhe limitações de natureza física bem como a sua própria segurança. (DIAS; SANTOS, 2019)

Destarte, percebe-se que todos aspectos concernentes à jornada de trabalho devem

ser altamente considerados, a fim de promover a atividade legislativa em prol de sua

regulamentação.

O direito à desconexão, como apontado, apresenta grande relevância na relações de

trabalho atuais, uma vez que o uso constante de tecnologias acaba por transformar a dinâmica

entre empregador e empregados, afetando significativamente os limites da jornada de

trabalho.

Não obstante sua influência, o Direito Brasileiro ainda é omisso quando se trata de

uma legislação que trate pormenorizadamente acerca do direito à desconexão. Com a recente

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Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13. 467/2017, o legislador perdeu a oportunidade de

abordar a temática, não fazendo menção ao assunto.

Para fins de comparação, a França, pioneira no assunto, promoveu, em 2016,

alterações em seu Código do Trabalho, a fim de abordar expressamente o referido direito. A

Itália, por sua vez, editou a Lei 81/2017, tratando de forma mais detalhada o direito à

desconexão, indicando medidas a serem adotadas para que seja possível garantir que em

períodos de repouso o empregado possa se afastar de quaisquer aspectos referentes ao seu

trabalho.

A realidade brasileira, contudo, pode vir a ser modificada ao longo dos anos. Nesse

sentido, já é possível identificar uma abordagem ao direito à desconexão no Judiciário, a

partir de decisões em que os tribunais brasileiros enfrentaram a questão, como neste julgado

do Tribunal Superior do Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. JORNADA DE TRABALHO. HORAS DE SOBREAVISO. O regime de sobreaviso caracteriza-se como o tempo, previamente ajustado, em que o empregado permanece, fora do horário normal de serviço, à disposição do empregador, no aguardo de eventual chamada para o trabalho. Tal situação importa diminuição ou cerceamento da liberdade de dispor do seu próprio tempo, pois a constante expectativa de ser chamado ao serviço no momento de fruição do seu descanso, seja em casa ou em qualquer outro lugar que possa vir a ser acionado por meios de comunicação, impede que desempenhe as suas atividades regulares [...] A exigência para que o empregado esteja conectado por meio de smartphone , notebook ou BIP, após a jornada de trabalho ordinária, é o que caracteriza ofensa ao direito à desconexão [...] O direito à desconexão certamente ficará comprometido, com a permanente vinculação ao trabalho, se não houver critérios definidos quanto aos limites diários, os quais ficam atrelados à permanente necessidade do serviço. (AIRR-2058-43.2012.5.02.0464, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 27/10/2017). (grifos nossos)

Além disso, em 2011 a CLT sofreu alterações em seu artigo 6o, que passou a

equiparar o trabalho realizado pelo empregado em sua residência com aquele realizado no

estabelecimento do empregador.

4 Considerações finais

A utilização de tecnologia promove inúmeras facilidades, mas altera

significativamente a forma como os indivíduos se organizam e interagem. No que tange às

relações de trabalho, a possibilidade de contato constante pelo uso de recursos eletrônicos

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gera uma grande preocupação em preservar os limites estabelecidos entre a jornada de

trabalho e o repouso.

Com a Covid-19, pandemia enfrentada por todo o mundo em 2020, a discussão

ganhou ainda mais relevância, tendo em vista que a maioria dos empregados passou a

trabalhar em regime de home office, dificultando aos empregadores e empregados a necessária

separação entre o tempo dedicado a jornada de trabalho e o repouso.

Assim, o direito à desconexão ganha destaque, sendo aquele segundo o qual os

empregados devem ter assegurado o tempo de descanso sem interrupções relativas ao seu

trabalho. Como visto, apenas se afastando de suas obrigações laborais o indivíduo conseguirá

se dedicar à outros aspectos de sua vida pessoal.

O Brasil ainda não possui legislação que trate de modo específico do direito à

conexão, mas já é possível verificar avanços nesse sentido, uma vez que jurisprudência

aborda o assunto e a Consolidação das Leis do Trabalho já apresenta dispositivos abordando

temáticas próximas à esta.

Portanto, é possível concluir que, para além do direitos relativos ao trabalho, deve

existir uma preocupação em garantir o direito ao não-trabalho, sobretudo ao considerar-se que

atualmente os indivíduos fazem uso de diversas tecnologias que permitem uma interação

constante com empregadores e colegas, o que dificulta a efetiva desconexão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: [s. n.], 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 jun. 2020.

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento de Recurso de Revista 2058-43.2012.5.02.0464. Relator: Min. Cláudio Mascarenhas Brandão. Brasília, 27 de Outubro de 2017. Disponível em: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/514456120/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-20584320125020464. Acesso em: 10 de Junho de 2020.

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O DESAFIO DA UNIFICAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

THE CHALLENGE OF UNICATION OF ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN BRAZILIAN JUDICIARY

Quithéria Maria de Souza RochaMylene Manfrinato Dos Reis Amaro

Resumo

O presente estudo tem por objetivo analisar a problemática do grande desafio de conseguir

reunir em apenas um único software de inteligência artificial os sistemas já utilizados em

vários Tribunais de Justiça do país. Visa-se que esse software possa ser utilizado no

judiciário brasileiro inteiro, para auxiliar nas diversas etapas do processo. Assim, o estudo

examinará as inteligências que estão sendo testadas e aplicadas, os impactos que essas

inovações trazem para a economia e produtividade processual, bem como observar quais

cuidados devem ser tomados para que se evite que vieses humanos sejam empregados e

comprometam a acuidade da máquina.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Judiciário brasileiro, Tribunais

Abstract/Resumen/Résumé

The present study aims to analyze the challenge of being able to gather in just one single

artificial intelligence software the systems already used in several Courts of Justice in the

country. It is intended that this software can be used in the entire Brazilian judiciary, to assist

in the various stages of the process. Thus, the study will examine the intelligences that are

being applied, the impacts they bring to the economy and procedural productivity, as well as

observe what precautions must be taken to avoid that human biases are employed and

compromise the accuracy of the machine.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Brazilian judiciary, Courts

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1 INTRODUÇÃO

A inteligência artificial (IA) nasce com o desenvolvimento tecnológico, o qual trouxe

grandes mudanças para a humanidade, trazendo ganhos como a inovação, o desenvolvimento,

a minimização do tempo gasto, maximização da produtividade, bem como, afastou

substancialmente do ser humano atividades que são exaustivas e repetitivas no qual, quase não

demandam capacidade intelectual e cognitiva.

É evidente que a tecnologia invadiu a vida dos indivíduos nos mais diversos âmbitos do

cotidiano, muitos já chamam essa era digital de “4º Revolução Industrial ou Tecnológica”.

Dessa forma, tem-se a utilização da inteligência artificial de forma massiva em vários campos,

como a medicina, a agricultura, a economia, a engenharia entre muitas outras.

Propagandas na Internet direcionadas a pesquisas recentes do usuário na rede, análise

do perfil do usuário com recomendações de compras, reconhecimento facial, processamento de

voz humano, chatbots, carros autônomos, aplicativos de celular recomendando em tempo real

da melhor rota a ser seguida pelo usuário, bem como aplicativos que fazem diagnósticos

médicos preliminares, internet das coisas, robôs, estes são alguns exemplos da aplicação da

inteligência artificial em distintas formas.

Desse modo, essas inovações mostram que a união máquina e homem tornou-se

inevitável, devendo ser utlizada corretamente para trazer contribuições a sociedade.

Isto posto, não seria diferente que a inteligência artificial também chegasse ao direito,

com a finalidade de auxiliar os juristas e assim efetivar o Princípio da Celeridade Processual,

tantas vezes debatido e necessário, em meio ao caos da sobrecarga processual do judiciário,

sendo que o Brasil é o país com maior carga judicial, congestionamento das ações e lentidão no

deslinde dos processos.

Assim, o chamado direito digital no judiciário teve início com o processo eletrônico que

atualmente abrange quase todo os estados do país, movimentando-se agora para se tornar

“Direito 4.0”, testando e implantando a inteligência artificial em alguns tribunais para auxiliar

na realização de tarefas repetitivas como: a triagem, a realização de pesquisas, classificação de

informações, desenvolvimento de peças, aplicação de jurisprudência entre outras atividades;

reduzindo a morosidade de tramitação de processos e o custo exorbitante.

Deste modo, o presente artigo visará abordar sobre a inteligência artificial aplicada no

âmbito do judiciário e seus impactos, trazendo à tona os vários sistemas que estão sendo

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testados e aplicados pelos Tribunais brasileiros, tendo como problemática central a ser debatida

o desafio da unificação desses softwares que desempenham diferentes funções, em algo uno

que execute todas as funções já desenvolvidas, e que seja utilizado em todo território nacional.

Por último, a metodologia de abordagem utilizada neste trabalho foi a dedutiva,

envolvendo análise de textos e obras correlatas para alcançar os objetivos pretendidos, enquanto

a metodologia de procedimento foi o resumo expandido. Já a técnica utilizada é a pesquisa

bibliográfica que consiste na consulta a doutrina, artigos, legislação, notícias e pesquisa

audiovisual, pautada em filmes e documentários, relacionados com a temática.

2 DESENVOLVIMENTO

Tendo em vista, o exponencial crescimento da tecnologia, é nítido que o futuro chegou

e as instituições precisam moldar-se a isso para corresponder as exigências que as inovações

trazem e assim não ficarem defasadas e ultrapassadas, pois a modernização transformou a

sociedade numa velocidade imensurável, principalmente com a introdução da inteligência

artificial.

Dessa forma, conforme elucida Jairo Melo (2020) a “inteligência artificial (IA)é um

ramo de pesquisa da ciência da computação que busca, através de algoritmos e processos

estatísticos, construir mecanismos e/ou dispositivos que simulem a capacidade do ser humano

de aprender e resolver problemas, ou seja, de ser inteligente”, no qual esse aprendizado da

máquina é conhecido como machine learning.

Sendo que esse aprendizado pode ocorrer de duas formas: supervisionado e não

supervisionado. O primeiro consiste na inserção na IA de dados e resultados já conhecidos e

esperados por quem os insere para que aquela aprenda padrões, enquanto o segundo baseia-se

na imprevisibilidade do que a maquina irá gerar, pois o “controlador”1 irá inserir os dados e

pedir que a maquina busque uma lógica dentro do que foi inserido para gerar um resultado; ou

dará um resultado para a maquina dizer quais dados seriam necessários ali para que gerasse tal

resultado.

1 Adota-se neste artigo como controlador, em regra, o Técnico de Tecnologia da Informação, o qual dependendo

da área em que a IA será aplicada demandará de auxilio técnico de profissionais das demais áreas da ciência.

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Assim, por mais que muitas vezes se utiliza a palavra máquina para referir-se à

inteligência artificial, esta, não necessariamente encontra-se tendo um corpo físico, sendo na

verdade um software2, que pode ser constituída da parte física, o chamado hardware3.

Isto posto, é necessário ressaltar, portanto, o importante papel do controlador no

processo de aprendizado da máquina, pois é este que irá inserir as informações na máquina e

depois monitorará os resultados ou padrões encontrados/aplicados pela IA.

Por isso é imprescindível que esse criador seja prudente e cauteloso, para não inserir

vieses4 na máquina, tendo em vista que a IA é programada por seres humanos e que estes,

mesmos sem perceber podem cometer discriminações e preconceitos, o que levaria a máquina

a repetir esses padrões, levando-a a cometer possíveis erros ou até mesmo injustiças.

Essa ponderação, torna-se ainda mais relevante quando se adentra ao campo da

aplicação da IA no judiciário, tendo em vista que os processos judiciais lidam com casos que

impactará significativamente a vida dos envolvidos na lide.

Em vista disso, é primordial analisar como vem sendo utilizada a inteligência artificial

pelo poder judiciário, no qual, os próprios tribunais desenvolveram sistemas de IA, o que diga-

se de passagem se faz muito positivo, tendo em vista que a terceirização da criação de IA por

alguém de fora, seria algo muito delicado, pois estes poderiam se aproveitar para recolher dados

com interesses pessoais e econômicos.

Assim, primeiramente cabe destacar o projeto VICTOR “que é uma parceira do

Supremo Tribunal Federal (STF) com a Universidade de Brasília (UnB), em homenagem a

Victor Nunes Leal, Ministro do STF de 1960 a 1969, principal responsável pela sistematização

da jurisprudência do STF em Súmula, o que facilitou a aplicação dos precedentes judiciais aos

recursos, basicamente o que será feito por VICTOR” (STF, 2018).

Conforme aponta Jeferson Melo (2019) o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

(TJRN) em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), criou

“POTI, CLARA E JERIMUM. O primeiro está em plena atividade e executa tarefas de

bloqueio, desbloqueio de contas e emissão de certidões relacionadas ao BACENJUD. Em fase

de conclusão, JERIMUM foi criado para classificar e rotular processos, enquanto CLARA lê

documentos, sugere tarefas e recomenda decisões”.

2 Software é o conjunto de programas ou aplicativos, instruções e regras que permitem ao equipamento

funcionar. 3 Hardware são as partes físicas do equipamento. 4 Dicionário Online de Português: Vieses: é um termo usado em estatística para expressar o erro sistemático ou

tendenciosidade.

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Já no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) o sistema de IA recebeu o nome de

RADAR no qual “é capaz de ler processos e separar os que são similares, dessa forma, ao juntar

processos parecidos, o sistema sugere um padrão de voto, que então é revisado por um relator.

O Radar também pode ser aplicado aos processos administrativos do Sistema Eletrônico de

Informações (SEI) do TJMG. O sistema conta também com taquigrafia digital, em que capta

áudio e vídeo dos participantes das audiências e converte voz em texto, assim arquivo gerado

vai para a Central de Taquigrafia que gerência os documentos e os encaminha para anexação

ao processo” (JURISBLOG, 2019).

Cabe ressaltar que o “tribunal mineiro reduziu em R$ 800 mil o gasto com capas de

processos, folhas de papel e grampos” (CNJ, 2019), o que é muito positivo economicamente

para a justiça e para o meio ambiente.

No Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) desenvolveu o sistema chamado SINAPSE

o qual “auxilia na elaboração de sentenças” (JURISBLOG, 2019).

Por último, discorre-se sobre a ELIS, sistema de IA criada no Tribunal de Justiça de

Pernambuco (TJPE), no qual sua função é “realizar a triagem de processos ajuizados (execuções

fiscais) eletronicamente e confere os dados, classificando-os e verificando a existência de

prescrição e competência (IBID, 2019). Assim conforme elucidação do CNJ:

“A importância da ferramenta é demonstrada nos levantamentos do TJPE, em que

53% de todas as ações pendentes de julgamento são relativas à execução fiscal. São

cerca de 375 mil processos relativos ao tema, com a expectativa de ajuizamento de

mais 80 mil feitos no decorrer do ano. A triagem e movimentação desse volume de

processos por servidores consumiria 18 meses. A mesma tarefa, com maior eficiência,

é realizada por Elis em apenas 15 dias”.

Dessa forma, verificou-se alguns dos softwares de inteligência artificial que estão

espalhados pelos tribunais brasileiros, suas funções e os impactos positivos dessas inovações,

seja no fato otimizar a gerencia do tempo, vez que a máquina trabalha 24 hora por dia, todos os

dias, em tarefas repetitivas, liberando os servidores a dedicarem maior tempo a tarefas

cognitivas.

Bem como, ser benéfico: ao meio ambiente, já que os meios materiais estão entrando

em desuso; ao judiciário, sociedade e Estado, tendo em vista a redução de custos; e finalmente

caminhar para efetivar o Princípio da Celeridade Processual e da Razoável Duração do

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Processo, elencado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LXXVIII5,

diminuindo a morosidade no poder judicial.

Entretanto, há um grande desafio a ser superado, que é poder unificar esses sistemas

para que todo o judiciário brasileiro possa se beneficiar das inovações já alcançadas, tendo em

vista que, os sistemas acimas supracitados exerce funções distintas, seria ainda mais proveitoso

e útil poder juntá-las em apenas um único software.

3 CONCLUSÃO

Portanto, tendo em vista o problema da imensa carga processual no judiciário, a

aplicação da inteligência artificial se faz extremamente necessária para auxiliar na efetividade

da celeridade processual, visto que a demanda de processos é enorme e que muitos escritórios

de advocacia já aderiram as inovações da IA por meio das lawtechs6.

Assim, o desafio a ser solucionado agora, é o de combinar em um software diversas

funções que possam atender todas as instâncias do judiciário, de forma integrada, para facilitar

nas tomadas de decisões, sugestão de peças e penas, pesquisas jurisprudências, uniformização

de decisões, armazenamento e gerenciamento de dados, classificação de informações,

identificação de demandas de massa, recursos vinculados, temas repetitivos ou de repercussão

geral, e evitar convergências de decisões dadas pelo mesmo magistrado em casos semelhantes.

Essa discussão é necessário, pois cabe ao próprio poder judiciário buscar uma forma de

solucionar esse problema tendo em vista que não há nenhuma regulamentação e fiscalização

por parte do Estado quanto a utilização da IA, assim deve o judiciário estudar a melhor maneira

para dizer como se dará a utilização de IA, como serão utilização os recursos financeiros para

investir em IA, a realocação dos servidores para funções de maior capacidade cognitiva (já que

tarefas repetitivas e automatizadas serão realizadas pela máquina), bem como as

responsabilidades éticas que seu emprego exige.

A ausência de uniformidade pode trazer insegurança jurídica, tanto quanto causar

insegurança na sociedade a respeito da aplicação da inteligência artificial no judiciário, devendo

dessa forma ser aplicada de maneira transparente e confiável, com reflexão, no qual sejam

definidos e divulgados critérios e políticas acerca da automação, tal qual a forma de revisão

5 Art.5º, inciso LXXVIII, CF/88: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004). 6 São empresas especializadas em automação de serviços jurídicos.

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humana e capacidade de explicação dos processos automáticos de decisão, de modo a legitimar

o emprego das ferramentas, sem gerar questionamento e desconfiança por parte dos

destinatários e seus operadores, advogados e procuradores.

Ainda, essa uniformização ajudaria na melhor destinação dos recursos públicos pois

sabendo-se que vários tribunais estão investindo em IA, sem comunicação com os demais

tribunais, tais poderiam estar gastando tempo e dinheiro criando sistemas praticamente iguais,

quanto o melhor seria compartilhar as ideias, ajusta-las e implementar um sistema que seja

compatível com todos. Não se quer desestimular a criação de IA, e sim, que esses

desenvolvimentos sejam organizados, planejados, discutidos, coordenados, para maximizar

seus benefícios e eliminar pontos negativos, discriminatórios, preconceituosos e divergentes

Desse modo, é necessário buscar entender as necessidades do poder judiciário para que

estas sejam atendidas de forma inteligente e satisfatória, criando uma base de dados segura,

para isso é necessário avaliar as ferramentas já desenvolvidas de modo isolado, para ajudar a

resolver o desafio da unificação do software de IA de forma harmônica respeitando os

princípios constitucionais, éticos e legais no qual a inovação seja transparente e cautelosa, pois

seus impactos e consequências são ainda incertos.

Por fim, cabe ressaltar que a IA aplicada com todas essas observâncias não irá substituir

o trabalho humano, mas sim dar efetividade a devida duração do processo.

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MELO, Jairo. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 2020. Inteligência artificial: uma

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MELO, Jeferson. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 2019. Judiciário ganha agilidade

com uso da inteligência artificial. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/judiciario-ganha-

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a tramitação de processos no STF. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038 Acesso em:

05jun. 2020.

103

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1 Mestranda em Direito do PPGD-IMED. Bolsista CAPES. Advogada.1

O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES AUTOMATIZADAS

THE DUTY OF RATIONALE FOR AUTOMATED DECISIONS

Fausto Santos de MoraisSabrina Daiane Staats 1

Resumo

O trabalho trata da utilização da Inteligência Artificial como suporte das decisões judiciais e

a necessidade de fundamentação. Assim, o problema de pesquisa do trabalho é se as decisões

de casos repetitivos por programa de IA atendem ao dever de fundamentação previsto no

artigo 489 do CPC? A hipótese de trabalho que as decisões proferidas em casos repetitivos

por programa de IA atendem o dever de fundamentação quando realizado o explanation. O

objetivo é investigar de que forma a IA vem sendo aplicada pelo Poder Judiciário e utilizar a

teoria de Manuel Atienza para um modelo de fundamentação dessas decisões.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Dever de fundamentação, Argumentação, Decision trees, Explainability

Abstract/Resumen/Résumé

The work deals with the use of Artificial Intelligence to support judicial decisions and the

need for justification. So, the problem of job research is whether the decisions of repetitive

cases by AI program meet the duty of reasoning provided for in article 489 of the CPC? The

working hypothesis that decisions made in repetitive cases by AI program meet the duty of

reasoning when the explanation is carried out. The objective is to investigate how AI has

been applied by the Judiciary and to use Manuel Atienza's theory for a model to support these

decisions.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Duty to state reasons, Argumentation, Decision trees, Explainability

1

104

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INTRODUÇÃO

O crescente desenvolvimento de novas tecnologias impactou a todos no momento em

que se fez presente e acessível na vida cotidiana de grande parte da população mundial e

brasileira. Também no Sistema do Direito e no Judiciário brasileiro, as tecnologias se fizerem

presentes nos últimos anos, principalmente desde o início do uso da internet, com o

desenvolvimento de softwares de comunicação interna dos Tribunais e, dentre outros, a

utilização do processo eletrônico. Para além do uso da tecnologia, no âmbito do Poder

Judiciário brasileiro, também há iniciativas nesse mesmo sentido de utilização da inteligência

artificial.

No âmbito do Poder Judiciário brasileiro há iniciativas nesse mesmo sentido,

tendo-se como exemplo o sistema RADAR do TJMG, que consiste em um sistema para

indexação automática de processos, a fim de identificar com maior facilidade a existência de

demandas repetitivas, já o Supremo Tribunal Federal criou seu próprio programa de IA,

chamado VICTOR com o objetivo inicial de ler os recursos extraordinários interpostos,

identificando vinculações aos temas de repercussão geral, com o objetivo de aumentar a

velocidade de tramitação.

A presença desses sistemas de inteligência artificial no âmbito do Poder Judiciário

levanta questões que fazem com que se passe a refletir sobre os reflexos do emprego dessas

tecnologias no direito, especialmente no Brasil, onde os elevados números de processos que

aguardam uma solução lotam os Tribunais. Com vistas a isso, sistemas como o VICTOR e

RADAR foram desenvolvidos com o escopo de agilizar os trâmites dos processos, proferindo-

se decisões judiciais em menos tempo.

Apesar disso, não se deve esquecer o dever de fundamentação das decisões judiciais

posto no art. 93, IX da Constituição e como um dos marcos norteadores do CPC/2015, assim

como exigência constitucional a fundamentação das decisões é um modo de garantir a

proteção dos direitos fundamentais presentes no processo.

Ainda tem-se a consideração do Direito como argumentação, isso porque, com as

mudanças que tem se produzido nos sistemas jurídicos contemporâneos levam a um

crescimento em termos quantitativos e qualitativos da exigência de fundamentação e de

argumentação das decisões provenientes dos órgãos públicos e essa exigência se torna ainda

maior com a utilização de tecnologias pelo Judiciário.

Por isso, a presente pesquisa pretende investigar se as decisões proferidas em casos

repetitivos por programa de IA atendem ao dever de fundamentação previsto no artigo 489 do

Código de Processo Civil. Tendo como hipótese de trabalho que as decisões proferidas em

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casos repetitivos por programa de IA atendem o dever de fundamentação quando são

utilizados algoritmos dotados de explanation. Sendo assim, os objetivos do trabalho são:

Investigar de que forma a IA vem sendo aplicada no Direito e pelo Poder Judiciário,

especialmente no brasileiro com o programa RADAR e utilizar a teoria da argumentação de

Manuel Atienza como suporte teórico a um modelo de fundamentação das decisões

automatizadas.

O ponto chave que relaciona a utilização de IA no Judiciário, especialmente quanto a

busca pela eficiência, com a aplicação da ideia de precedentes, adaptada ao contexto dado

pelo CPC, é o desenvolvimento de um modelo de argumentação baseado nas teorias já

existentes, como de Manuel Atienza, mas que utilize os recursos da IA, como as decision

trees. Para isso, inicialmente é preciso ter uma noção sobre o que representa a argumentação

jurídica e a teoria de Manuel Atienza, e entender os conceitos de decision trees e explaination.

DESENVOLVIMENTO

Conforme já apontado por Karl Branting (1998, p. 106), é difícil crer na elaboração de

um robô que assuma plenamente as funções do juiz, resolvendo todas as dificuldades que

envolvem a jurisdição como ela funciona hoje. Contudo, a aplicação da inteligência artificial à

prática judicial pretende fornecer instrumentos para auxiliar a atividade jurisdicional e

garantir o aprimoramento de novas técnicas de modelização da racionalidade legal e construir

um novo modelo de decisões judiciais que não pretenda ser igual aos juízes humanos, e sim

comparável em diversos critérios com eles.

Para exemplificar a ajuda que uma inteligência artificial pode proporcionar a

atividade jurisdicional tem-se o sistema RADAR desenvolvimento pelo TJ/MG, onde o

Núcleo de Gerenciamento de Precedentes – Nugep utiliza a ferramenta para pesquisar

processos em tramitação nos quais o ponto controvertido demonstra potencial repetitividade,

sendo útil para identificar eventual existência de decisões divergentes. Nesse caso, após a

verificação dos requisitos de instauração de incidentes de resolução de demandas repetitivas

(IRDR), elencados no artigo 976 do CPC, o Nugep encaminha essas informações ao

desembargador que é relator do processo em que se discutem essas questões de direito, o que

pode ensejar a admissão do IRDR. Desse modo, a ferramenta permite a identificação de

processos ainda não julgados e que podem ser paradigmas para instauração do incidente.

Como o RADAR também está alimentado com dados relativos aos temas repetitivos

do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (como questão

submetida a julgamento, número do processo-paradigma, tese firmada), os servidores do

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Nugep utilizam-no para realizar pesquisas quando há distribuição de novos IRDR/IAC, a fim

de verificar se há temas semelhantes nos tribunais superiores – em sede de recurso

extraordinário com repercussão geral no âmbito do STF ou em sede de recurso especial

repetitivo no STJ. Essa modalidade de pesquisa é também feita de forma reversa: quando se

criam novos temas nesses tribunais, verifica-se se há algum IRDR em trâmite no TJMG. Por

fim, por meio de termos e palavras-chave, é possível identificar recursos que tratam do

mesmo objeto e que estejam em trâmite nesta Corte para os quais já existem precedentes no

STJ, no STF ou mesmo no TJMG, procedimento que possibilita a aplicação de uma solução

uniforme ao julgamento dos processos em curso. Nessa perspectiva, o RADAR traz

celeridade e segurança jurídica à prestação jurisdicional oferecida pelo Tribunal mineiro.

A aplicação da IA ao processo judicial agiliza a leitura, compreensão e aponta possí-

veis soluções ao processo, aproveitando a capacidade de processamento dos processadores

dos hardwares e as chamadas redes neurais, onde os computadores, dispostos e interligados

em redes conectadas à internet, possibilitam que os algoritmos busquem informações e as

apresentem aos usuários de maneira rápida e segura. Nesta senda, novas tecnologias surgem

como uma promessa de facilitar a vida dos servidores públicos, sendo capazes de executar

ações repetitivas para que os funcionários possam se dedicar a tarefas mais sofisticadas. Vale

lembrar que a utilização da inteligência artificial se conecta aos princípios da eficiência (arts.

37 da CF e 8º do CPC/15) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII e 4º, 6º e 139,

II, do CPC/15), na medida em que o novo diploma processual delegou ao Conselho Nacional

de Justiça a regulamentação dos avanços tecnológicos (art. 196 do CPC/15).

Uma das formas de atender com maior eficiência a grande quantia de demandas no

judiciário brasileiro foi a sistematização dos precedentes no CPC/15, bem como os institutos

de demandas repetitivas. O cerne da ideia de precedente judicial, que o Direito brasileiro cada

vez mais procura incorporar, consiste, portanto, na atribuição de eficácia vinculante às

decisões sucessivas àquelas proferidas em casos idênticos ou análogos. (TARUFFO, 2014, p.

465) o caráter vinculante dos precedentes decorre da necessidade de tratamento isonômico

entre os jurisdicionados, a qual é atingida por intermédio da seleção de aspectos relevantes de

um caso submetido a julgamento (ratio decidendi), com a posterior aplicação deste

entendimento a casos semelhantes.(WAMBIER, 2009, p. 129). Importante compreender de

que é imprescindível justificar-se sempre a aplicação de um precedente, identificando-se os

fundamentos determinantes do precedente que se deseja aplicar, bem como os fatos

subjacentes no precedente, a fim de verificar-se a correlação fática e jurídica entre o

paradigma e o caso concreto. (MARINONI, 2015, p. 2077)

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Aqui cabe compreender que o dever de fundamentação está relacionado à necessidade

de controle político e social da função jurisdicional, é exigência constitucional que a sentença

e demais atos jurisdicionais sejam motivados, sob pena de nulidade (art. 93, IX). No mesmo

sentido é o novo CPC, ao determinar que todas as decisões do Poder Judiciário sejam

fundamentadas (art. 11, 2ª parte). A motivação é considerada a parte mais importante da

decisão. Nela, o juiz subsumirá os fatos em apreço às normas, fixando as bases sobre as quais

se assentará o julgamento.

Esse exercício de fundamentação pressupõe uma lógica jurídica da argumentação, de

modo que a decisão judicial é um ato em que ocorre a argumentação jurídica, pois, se o juiz é

obrigado por lei a fundamentar de sua decisão judicial, o caminho para alcançar esse fim

passa, necessariamente, pela argumentação. Segundo aduz Humberto Theodoro Júnior (2015,

p. 344), a decisão judicial não pode ser produto de pura decisão (escolha), mas deve reclamar

para si a pretensão de correção, vale dizer, não é suficiente que exista a decisão judicial, sendo

imperioso que ela seja íntegra, coerente, conforme o Direito Positivo (justificação interna) e

racionalmente aceitável, isto é, fundamentada (justificação externa).

O ponto chave que relaciona a utilização de IA no Judiciário, especialmente quanto a busca

pela eficiência, com a aplicação da ideia de precedentes, adaptada ao contexto dado pelo CPC,

é o desenvolvimento de um modelo de argumentação baseado nas teorias já existentes, como

de Manuel Atienza, mas que utilize os recursos da IA, como as decision trees. Para isso,

inicialmente é preciso ter uma noção sobre o que representa a argumentação jurídica e a teoria

de Manuel Atienza.

Proposto por Atienza, um modelo que incorpora a perspectiva pragmática da

argumentação, pois essa perspectiva permite dar conta dos elementos formais e materiais da

argumentação. O método assinalado por Atienza (2009), se baseia na utilização de diagramas

e setas e nele se encontra tanto o aspecto inferencial, ou seja, a passagem de uns argumentos a

outros, quanto os tipos de enunciados, a natureza das premissas e seu conteúdo proposicional,

e os diversos atos de linguagem que são levadas a cabo em cada um dos passos. Ainda, esse

método permite captar a diferença entre as argumentações, as linhas argumentativas e os

argumentos.

Nesse ponto, é possível, então, relacionar a teoria da argumentação jurídica de Manuel

Atienza apresentada no item anterior com o conceito de decision trees, eis que se assemelham

e podem ser complementares. Uma árvore de decisão é uma ferramenta de suporte à tomada

de decisão que usa um gráfico no formato de árvore e demonstra visualmente as condições e

as probabilidades para se chegar a resultados. O algoritmo utilizado para chegar na

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representação visual da árvore pertence ao grupo de aprendizado de máquina supervisionado,

e funciona tanto para regressão quanto para classificação.

O processo de construção do modelo da árvore se chama de indução, e pode exigir

bastante poder computacional. O propósito da árvore de decisão é fazer diversas divisões dos

dados em subconjuntos, de tal forma que os subconjuntos vão ficando cada vez mais puros.

Um subconjunto dos dados será mais puro na medida em que contém menos classes (ou

apenas uma) da variável target.

Decision Tree são técnicas de machine learning que aprendem as três perguntas mais

comuns ou solicitadas determinam se uma instância é uma instância positiva de um

classificador. Cada pergunta é um teste: por exemplo, se o peso de um recurso específico for

menor que um valor limite, ramifique para um lado, caso contrário, para o outro. (ASHLEY,

2017, p. 396) Para aprender uma árvore de decisão a partir das unidades de texto em um

conjunto de treinamento, o algoritmo primeiro escolhe um recurso na base do que será

apresentado aos dados. Onde os recursos são binários, um algoritmo pode incluir o banco de

dados como uma qualidade da avaliação da característica e das condições do teste. O

algoritmo adiciona um nó de decisão à árvore que testa o valor do recurso: se "sim", pegue o

ramo direito e se "não" vá para a esquerda. (ASHLEY, 2017, p. 279)

Esse modelo como auxílio para a tomada de decisões pode se relacionar com a

argumentação já conhecidas, pois um sistema de machine learning baseado em árvores de

decisão ou redes bayesianas é muito mais transparente para programadores inspeção, que

pode permitir que um auditor descubra quais informações o algoritmo de IA usa na construção

de sua decisão. (BOSTROM; YUDKOWSKY, 2013, p. 3) Dessa forma, as decision trees se

abrem em uma rede de argumentos que geram informações que permitem a justificação e a

fundamentação da decisão tomada e, por isso, podem ser consideradas transparentes e

semelhantes a decisão humana.

A presença de IA nos sistemas judiciários se tornou uma preocupação grande o

suficiente para a União Europeia promulgar um regulamento sobre o tema, relativo à proteção

das pessoas no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses

dados. Em seu artigo 22º o documento normativo firma que “O titular dos dados tem o direito

de não ficar sujeito a nenhuma decisão tomada exclusivamente com base no tratamento

automatizado(...)” Os princípios desse documento da União Europeia articulam requisitos

para que os sistemas de IA sejam projetados e implementados para permitir a supervisão,

inclusive através da tradução de suas operações em saídas inteligíveis e no fornecimento de

informações sobre onde, quando e como eles estão sendo usados.

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Os princípios da transparência e explainbility são os meios de respostas a essa

preocupação, sendo que a transparência refere-se as informações necessárias para justificar ou

explicar uma decisão, bem como detalhes sobre quem pode ser responsabilizado por essa

decisão. E a “explicabilidade” implica que o público receba uma explicação ou justificativa

para a decisão tomada, uma descrição do processo que a antecedeu e uma descrição de quem é

responsável por ela. (Floridi, 2018, p. 699) Dito de outra forma, uma explicação satisfatória

deve ter a mesma forma que a justificativa que exigiríamos que um ser humano tomasse o

mesmo tipo de decisão.

A explicabilidade é particularmente importante para sistemas que podem causar danos,

têm um efeito significativo sobre os indivíduos, ou impacto na vida da pessoa. (Fjeld, 2018, p.

42) Assim, o princípio da explicabilidade está intimamente relacionado ao tema da

Responsabilidade, bem como ao princípio do “direito à revisão humana da decisão

automatizada”. A Declaração de Toronto (2018) menciona a explicabilidade como um

requisito necessário para examinar efetivamente o impacto dos sistemas de IA nos indivíduos

e grupos afetados, estabelecer responsabilidades e responsabilizar os atores.

CONCLUSÃO

Recursos de inteligência artificial já são uma realidade no Direito, sendo

implementado nos seus mais diversos âmbitos, uma atenção especial deve ser dada para a

utilização desses recursos pelo Poder Judiciário como suporte para a tomada de decisões pois

num processo judicial, atentando-se ao dever de fundamentação e explicabilidade da decisão.

Diante disso, percebe-se que as novas tecnologias, como a Inteligência Artificial, se juntaram

ao Direito como um modo de avanço e de adaptação às novas realidades. Essas tecnologias

vêm para auxiliar nas tarefas do Judiciário, fazendo com que os processos tenham andamento

mais rápido, enquanto as partes recebem tratamento isonômico. Por isso, é muito importante

que se tenha a devida diligência no momento em que os recursos de inteligência artificial são

construídos, pois no design dessas tecnologias devem constar a garantia de proteção dos

direitos das partes.

Exemplo disso, pode ser a utilização de um modelo baseado nas decision trees como

auxílio para a tomada de decisões que pode se relacionar com a argumentação já conhecidas,

como a teoria de Atienza, pois um sistema de machine learning baseado em árvores de

decisão ou redes bayesianas é muito mais transparente para programadores inspeção, que

pode permitir que um auditor descubra quais informações o algoritmo de IA usa na construção

de sua decisão. Dessa forma, as decision trees se abrem em uma rede de argumentos que

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geram informações que permitem a justificação e a fundamentação da decisão tomada e, por

isso, podem ser consideradas transparentes e semelhantes a decisão humana.

Assim, a automação da justiça deve ser implementada e desenvolvida com o devido

cuidado ao dever de proteção aos direitos dos jurisdicionados para que combata a opacidade e

a irrefutabilidade dos resultados algorítmicos, de sua programação e aprendizado, para assim

se ter um maior controle sobre a utilização de IA. Para tanto, deve ser franquiado o

conhecimento sobre os dados e os algoritmos que formaram tal decisão para que seja atendido

o dever de correta fundamentação exigido pelo ordenamento jurídico brasileiro tanto na

Constituição Federal quanto pelo Código de Processo Civil.

REFERÊNCIAS

ASHLEY, Kevin. Artificial Inteligence and Legal Analytics: New tools for Law Practice in digital age. New York: Cambridge University Press, 2017.

ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2003.

ATIENZA, Manuel. El derecho como argumentación.Barcelona: Ariel, 2006.

BOSTROM, Nick, and Eliezer Yudkowsky. Forthcoming. The Ethics of Artificial Intelligence.In Cambridge Handbook of Artificial Intelligence, edited by Keith Frankish and William Ramsey. New York: Cambridge University Press.

BRANTING, L. Karl; Bruce W. Porter. Rules e Precedents as Complementary Warrants. Proceedings of the Ninth National Conference on Artificial Intelligence, Anaheim, California, July 14-19, 1991.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. Processos Coletivos. Porto Alegre: vol. 2, n. 2, 01 abr. 2011.

TARUFFO, Michelle. Precedente e giurisprudenza, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 2007, p. 714.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1.

TORONTO DECLARATION: Protecting the Right to Equality and Non-Discrimination in Machine Learning Systems’ (2018) <https://www. accessnow.org/cms/assets/uploads/2018/08/The-Toronto-Declaration_ENG_08-2018. pdf>

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e Adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. ln: Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, Vol. 172, ano 34, jun. 2009, p. 129.

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1 Graduanda em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC).1

O FENÔMENO DA UBERIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS ENTREGADORES

THE PHENOMENON OF UBERIZATION AND THE PREPARATION OF THE WORK OF EMPLOYERS

Maria Tereza Castro Ozava 1

Resumo

Este projeto de pesquisa objetiva analisar como que as empresas aplicativos de “uberização”

estão se comportando de forma errônea com os entregadores, não atendendo aos direitos dos

trabalhadores. Com isso, procurou-se entender o porquê das empresas de delivery ainda não

consolidarem a relação de trabalho que opera como trabalho mas não confere a identidade

profissional. Pela análise da pesquisa, conclui-se que constitui um novo modelo de trabalho,

onde os trabalhadores tornam-se microempreendedores, mas com a caracterização de um

trabalho precário e explorativo. Por tanto, a metodologia adotada no projeto de pesquisa foi a

jurídico-sociológica, a técnica usada foi à teórica.

Palavras-chave: Empresas aplicativos de entrega, Uberização e precarização do trabalho, Regulamentação e reconhecimento dos motofreitistas

Abstract/Resumen/Résumé

This research project aims to analyze how the “uberization” application companies are

behaving in an erroneous way with the delivery personnel, not attending to the workers'

rights. With this, we tried to understand why delivery companies still do not consolidate the

working relationship that operates as work but does not confer professional identity. By

analyzing the research, it is concluded that it constitutes a new model of work, where workers

become microentrepreneurs, but with the characterization of precarious and exploratory

work. Therefore, the methodology adopted in the research project was legal-sociological, the

technique used was theoretical.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Application delivery companies, Uberization out of precarious work, Regulation out of the recognition of motorcyclists

1

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa tem-se seu começo no tema que aborda a questão do novo

modelo de trabalho informal, a “uberização”, na qual tem a precariedade e o modo

explorativo como principais características. No Brasil as startups de delivery interpõem a

oferta de serviços de quatro milhões de trabalhadores mal remunerados. Esse vínculo

trabalhista transformou mais dinâmica a força de geração de empregos debilitados no país, na

qual esse modelo de trabalho está associado à inconsistência por causa das empresas estarem

tentando burlar o Direito Trabalhista. É bastante normal ver hoje em dia trabalhadores na

profissão de motoboys, na forma de delivery, não tendo reconhecimento de seu vínculo

empregatício com a empresa para qual presta serviços.

É preciso considerar que a taxa de desemprego em nosso país aumentou muito

durante os anos, atingindo 11,2% no trimestre encerrado em janeiro de 2020 (BRASIL,

2020), o que consequentemente houve um aumento no número de pessoas que trabalham

informalmente, principalmente na área de delivery. Contudo, nota-se que não há uma

configuração laboral entre a empresa e o entregador, o que gera uma falta de

regulamentação mais efetiva dos direitos dos motofretistas, na qual nos mostra que “o

trabalhador “uberizado” encontra-se inteiramente desprovido de garantias, direitos ou

segurança associados ao trabalho; arca com riscos e custos de sua atividade; está disponível

ao trabalho e é recrutado e remunerado sob novas lógicas” (ABILIO, 2019).

Contudo, a uma necessidade de olharmos para a “precariedade dessa relação” de

trabalho, que já se submete os trabalhadores, onde tem-se a necessidade de revisar o vínculo

trabalhista entre as startups de delivery e os entregadores e fazer-se cumprirem os diretos

fundamentais, colocando os trabalhadores em condições mais dignas de trabalho, visto que a

Constituição Federal de 1988 assegura em seu Art.7 inciso XXXIV “igualdade de direitos

entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (BRASIL,

1988).

A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No

tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin

(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será

predominantemente teórico. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a esclarecer se o Direito

Trabalhista, no que diz respeito se as regulamentações estão se cumprido e se está sendo

eficaz no novo modelo de trabalho informal e encobrindo os direitos dos motofretistas.

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2. A INCONSISTÊNCIA DO TRABALHO DOS ENTREGADORES DE

DELIVERY

O fenômeno da “uberização” do trabalho está cada vez mais recorrente no Brasil,

visto que é um trabalho que é vendido como atraente e ideal para aquela pessoa que deseja ser

um empreendedor, autônomo, com flexibilidade de trabalho e com retorno financeiro

imediato, mas não enxergando a real realidade distinta desse modelo de trabalho.

Segundo afirma Ludimilla Abilio:

Tratou-se aqui da uberização como uma nova forma de controle e gerenciamento do

trabalho, apresentando-a como uma tendência de organização que eliminam direitos

e transforma trabalhadores em auto gerentes subordinados, disponíveis ao trabalho,

utilizados como trabalhadores just-in-time. No Brasil, os últimos anos foram

marcados pela crise econômica e pelas mudanças de rumo do governo,

acompanhados de um crescimento significativo do desemprego e do trabalho

informal. Investigando-se o trabalho dos motoboys, foi possível acompanhar sua

mobilização e engajamento, que na realidade são o que lhes permite garantir a

sobrevivência material em um meio cada vez mais competitivo. Concorrem entre si,

submetidos às empresas que vão monopolizando setores do mercado; criam suas

próprias estratégias de sobrevivência, a qual envolve polivalência, intensificação do

trabalho, extensão do tempo de trabalho e trabalho amador (ABILIO, 2019).

A teoria conceitual proposta pela autora procura demonstrar que o fato é que a

“uberização” deixa evidente uma relação obscurecida, entre desenvolvimento tecnológico e a

precarização do novo modelo de trabalho, visto que, para a compreensão da “uberização”,

temos que tirar um olho da inovação tecnológica para olhar o que há de mais precário e

socialmente invisível no mundo do trabalho. Abilio sustenta que “o trabalhador “uberizado”

encontra-se inteiramente desprovido de garantias, direitos ou segurança associados ao

trabalho” (ABILIO, 2019), que por sua vez nos mostra como a precarização desse trabalho

informal se da de forma alarmante no mundo contemporâneo.

Mesmo com a nossa Constituição Federal de 1998 assegurando os direitos desses

trabalhadores, as empresas preferem ignora-los para não terem que proporcionar certos

benefícios que lhes são garantidos, na qual a empresa se ausenta de qualquer tipo de

responsabilidade ou obrigação em relação aos seus “parceiros”, como são denominados os

cadastrados nesses aplicativos.

Contudo, vale ressaltar que além dos trabalhadores desse modelo estarem isentos a

qualquer tipo de benefícios, estão expostos a um trabalho explorativo, na qual a carga horário

de trabalho pode chegar a 18h para mais, sem pausa para o almoço e não tendo recompensa

por “hora extra”, além de terem que arcar com todas as despesas, como o celular, internet,

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combustível, reparos no veículo tributos, seguros além de assumir a responsabilidade por

danos causados a terceiros. Isso nos mostra que a “uberização” do trabalho está cada vez mais

desumana, visto que as empresas aplicativos de delivery não atende a um dos principais

artigos dos Direitos Humanos, o Art. 23 estabelece:

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições

justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por

igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,

que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a

dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção

social.

4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para

proteção de seus interesses. (ONU, 1948).

Contudo, podemos concluir que o Art. 23 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos (DUDH) de 1948, consiste garantir que todos os trabalhadores tenham condições

mínimas para que possam conseguir o seu sustento, a onde não serão submetidos às situações

precárias no exercício de seu ofício e que possam ter os mesmo direitos que os demais

trabalhadores, tendo acesso aos benefícios como acesso à saúde, segurança e vida do

trabalhador.

Essa violação dos Direitos Humanos na questão dos motofretistas de delivery se dá

com maior frequência por causa da falta de reconhecimento do vínculo empregatício entre as

empresas aplicativos e os entregadores, um vez que não atende aos requisitos para veicular a

relação empregatícia, mesmo tendo constatações que existe esse vínculo laboral, o que acaba

gerando uma falta de regulamentação mais efetiva.

Dessa forma, a questão da inconstância do trabalho dos entregadores de delivery por

aplicativo vem se intensificando cada vez mais por causa dessa falta de regulamentação e

intervenção do Estado nesse trabalho informal, onde não se tem fiscalização ou instituição

para defender e regulamentar os direitos, assim como reger os riscos dessa atividade. O que

tem que ser feito é começar a fazer uma vigilância mais efetiva, e exigir que os aplicativos

cumpram com os devidos deveres e obrigações, criando novos mecanismos para proteger

esses trabalhadores, pois “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga e ignora o

direito” (RIPER, 1940).

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3. A FALTA DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO DOS

MOTOFRETISTAS COM AS EMPRESAS APLICATIVOS DE DELIVERY

A precariedade do trabalho dos entregadores se dá por causa da falta de

reconhecimento do vínculo empregatício entre os aplicativos e os motoboys, na qual confere

um trabalho autônomo e que o trabalhador é reconhecido como “empreendedor de si mesmo”,

na qual fica isento de qualquer direito ou obrigação que o Direito do Trabalhista assegura para

o empregado.

Apesar disso, muitos autores dizem que o trabalho autônomo cabe ao indivíduo

assumir os riscos e os resultados, como também os bens e os instrumentos de seu trabalho, ou

seja, decidem discricionariedade técnica e a auto-organização do emprego. Acentua Vilhena:

A iniciativa e a auto-organização do trabalho autônomo enfatizam a liberdade de o

prestador dispor de sua atividade para mais de uma pessoa, pois qualquer delas não

interferirá na execução de seu trabalho, o que não ensejará a que uma atue em

detrimento de outra. Somente a auto-organização, porém, é que presidirá o princípio

da oportunidade, por meio do qual o prestador livre atenderá a contento seus

diversos credores de serviços (VILHENA, 2005).

Como apresentado, o trabalho autônomo é caracterizado pelo fato da pessoa ser

“empreendedora de si mesmo”, o que chama a atenção de muitas pessoas pelo fato de ser um

emprego com uma maior flexibilidade, na qual a mesma tem a livre escolha de decidir as

coisas sobre seu serviço, e as empresas não interferem nessas decisões. Por um lado, essa

ideia parece ser muito convincente, por outro, é a mesma que assegura a falta de vínculo

empregatício fazendo esse trabalho “uberizado” ser inconsistente.

O vínculo laboral é que não existe uma relação empregatícia entre as empresas de

intermediação de serviços e parceiros prestadores de serviço, o que gera um despeito com os

entregadores. De acordo com o Art. 2 e o Art. 3 do Direito Trabalhista, reconhece

empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade

econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”, e empregado “toda

pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência

deste e mediante salário” (BRASIL, 1943), na qual, de acordo com essa definição, é

necessário os seguintes requisitos para se estabelecer uma relação empregatícia reconhecida:

(I) a prestação por pessoa física; (II) a pessoalidade; (III) a não eventualidade; (IV) a

onerosidade; e (V) a subordinação.

Portanto, à pessoalidade, a qual traz consigo a ideia de intransferência de função em

razão de qualidades pessoais do empregado, os prestadores de tais serviços não são

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individualmente selecionados. O cadastro no aplicativo já habilita qualquer indivíduo

entregador, em condição regular de condução do veículo, a operar por meio das plataformas.

À vista disso, é impossível identificar o requisito da não eventualidade, o qual se consiste na

habitualidade do serviço, em casos nos quais não se tem carga horária, nem jornada de

trabalho previamente fixadas e nem obrigatoriedade de aceite dos pedidos de serviço

recebidos por meio da plataforma. O que nos prova isso é o fato de que os entregadores

possuem autonomia para ativar o aplicativo apenas quando for de seu interesse ou solicitar o

cancelamento de seu cadastro por sua mera liberalidade. Em se tratando da necessidade de

subordinação intrínseca às relações de emprego, é de se observar que não há poder de controle

das empresas sobre o trabalho executado pelos prestadores.

Contudo, nota-se que não é possível se estabelecer uma configuração laboral por

causa da falta de cumprimento dos requisitos legais previstos, principalmente por não se ter

pessoalidade, habitualidade e subordinação. Porém, muitos juristas dizem não ter esse vínculo

laboral entre o aplicativo e o entregador, mas ocorrem muitas ações que mostram que as

startups de entrega tem o controle e o domínio dos prestadores de serviços, onde as empresas

aplicativos de delivery ditam as remunerações, orientam as metas de trabalho, criam um

sistema de avaliação, que é baseado nas notas dadas pelos clientes, e dizem como o

trabalhador deve se portar, o que nos mostra que essas empresas não são simples

intermediadoras de transações de serviços, mas sim empregadoras que burlam o Direito

Trabalhista para não ter que cumprir o seu dever com o trabalhador.

Mesmo com a Associação Brasileira de Online to Offline (ABO2O) afirmando que a

falta de vínculo empregatício não quer dizer a falta de garantias. “A autonomia garantida aos

usuários cadastrados nestas plataformas da economia compartilhada não implica em ausência

de direitos sociais, garantidos pela legislação para todo e qualquer trabalhador autônomo”.

Contudo, mesmo com a confirmação da Associação, a falta do de uma legislação mais efetiva

ocorre por causa da ausência do reconhecimento empregatício.

Com isso, a necessidade de buscar mecanismos para a regulamentação dessa relação

de emprego, que vem se mostrando cada vez mais latente, uma vez que, tendo esse vínculo

laboral reconhecido, os entregadores poderão gozar de melhores benefícios e condições mais

favoráveis de serviço.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi evidenciado, o fenômeno da “uberização” do trabalho cada vez mais

transforma esse modelo informal em uma atividade laboral precária e explorativa, na qual as

empresas aplicativos de delivery importam mais com o seu capital do que fornecer condições

favoráveis de trabalho a seus entregadores.

Dessa forma, é indispensável ressaltar a importância da implementação de uma

legislação trabalhista mais eficácia e que, de fato, tenham um grau mais no seu vigor, para que

não ocorra a continuidade dessas condições desumanas de trabalho. Além disso, os

entregadores necessitam de terem sua personalidade reconhecida e serem tratados como todos

os outros entregadores, não havendo uma desigualdade nesta forme de tratar as pessoas, uma

vez que a nossa própria Constituição assegura em seu Art. 7 a “igualdade dos direitos entre o

trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (BRASIL, 1988).

Mesmo com esse trabalho forças no mundo contemporâneo, temos que começar a

enxergar os “os pontos cegos” nesse modelo, que apesar do Estado garantir na Lei o direito a

um trabalho digno, na realidade essas políticas têm se apresentados ineficazes, o que nos

mostra que o governo tem que começar a fiscalizar e normalizar essa “uberização” do

trabalho, pois somente assim poderemos acabar com essa inconsistência desse modelo de

trabalho informal.

5. REFERÊNCIAS:

ABILIO, Ludmila Costhek. Uberização: Do empreendedorismo para o

autogerenciamento subordinado. 28 out. 2019. Disponível em:

https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-69242019000300041.

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Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. Disponível em:

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em: 09 jun. 2020.

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BRASIL. Lei n.13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho

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adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em:

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LARA, Bruna de; BRAGA, Nathália; RIBEIRO, Paulo Victor. Parceria de risco: aplicativos

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119

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1 Mestrando em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará.

2 Mestra em Direito pela Universidade Federal do Pará.

1

2

O NOVO BÁSICO: HABILIDADES E COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS À FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA JURÍDICA NA QUARTA

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O ENFRENTAMENTO DO TEMA NAS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

THE NEW BASIC: SKILLS AND COMPETENCES NECESSARY FOR THE EDUCATION OF LEGAL PROFESSIONALS IN THE FOURTH INDUSTRIAL

REVOLUTION AND THE FACING OF THE THEME IN THE NEW NATIONAL CURRICULUM GUIDELINES

Victor Russo Fróes Rodrigues 1Jessyca Fonseca Souza 2

Resumo

A presente pesquisa analisa, a partir do método dedutivo, como as características

tecnológicas da Quarta Revolução Industrial impactam as habilidades e competências

necessárias aos profissionais jurídicos, com ênfase na necessidade de adaptação da educação

jurídica aos impactos causados por essa Revolução nas profissões jurídicas. Dentre as novas

habilidades básicas destaca-se a de leitura e interpretação de dados. Analisa-se também de

que forma as Diretrizes Nacionais Curriculares para os cursos de Direito enfrentam o tema,

notando-se a inclusão, na última versão das DCNS, de uma competência específica e a

previsão na formação básica a ser conferida aos novos bacharéis.

Palavras-chave: Quarta revolução industrial, Profissões jurídicas, Diretrizes curriculares

Abstract/Resumen/Résumé

This research examines, from the deductive method, how the technological characteristics of

the Fourth Industrial Revolution impact the skills and competencies needed by legal

professionals, with an emphasis to the adaptation of legal education to the impacts caused by

this Revolution in the legal professions. Among the new basic skills, reading and interpreting

data stands out. It also analyzes how the National Curriculum Guidelines for Law courses

address the theme, noting the inclusion, in the latest version of the DCNS, of a specific

competence and the provision in the basic training to be given to new bachelors.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Fourth industrial revolution, Legal professions, Curricular guidelines

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1. INTRODUÇÃO

As mudanças tecnológicas que o mundo tem acompanhado em vertiginosa velocidade,

modificando relações sociais e a própria vida humana, têm sido analisadas por diversos agentes

como a transição para um novo paradigma chamado de Quarta Revolução Industrial. Afetando

diversas áreas econômicas e produtivas, os impactos dessa Revolução no mundo jurídico já

estão sendo sentidos, apesar de ainda em menor intensidade no cenário jurídico brasileiro.

Nesse contexto, o acirramento da utilização tecnológica causará – mais do que já está

causando - inexoravelmente um impacto significativo nas profissões jurídicas. As competências

e habilidades exigidas dos juristas, para acompanhar o novo paradigma, serão outras. Por

conseguinte, a educação jurídica deverá, se pretender-se como legítima instância de preparação

mínima para o exercício das profissões jurídicas, adaptar-se a essas mudanças.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar como as características

tecnológicas da Quarta Revolução Industrial impactam as habilidades e competências

necessárias aos profissionais jurídicos e de que forma as Diretrizes Curriculares Nacionais para

os cursos de graduação em Direito enfrentam o tema.

Para responder à pergunta proposta, a presente pesquisa utiliza o método dedutivo,

primeiramente analisando o significado e as características da Quarta Revolução Industrial,

valendo-se do referencial teórico lançado por Klaus Schwab, para em seguida analisar os

impactos dessa revolução nas profissões jurídicas. Quanto a esse segundo ponto, serão

utilizados como base os materiais produzidos pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação

(CEPI), da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito/SP. Em seguida, realiza-se a análise da

forma como as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Direito –

DCN’s, plasmadas na Resolução n. 05/2018, encaram essa necessidade de enfrentar as

mudanças tecnológicas para as profissões jurídicas.

2. A QUARTA REVOLUÇÃO TECNOLOGICA E OS IMPACTOS NAS

PROFISSÕES JURÍDICAS

A relação da humanidade com os sistemas produtivos e com as tecnologias,

historicamente, é observada a partir da divisão em “Revoluções”. Desde a combinação de

elementos que gerou a longínqua Revolução Agrícola, até a introdução da máquina a vapor (1ª

Revolução Industrial), a introdução da eletricidade (2ª Revolução Industrial) e mais

recentemente da introdução da computação no processo produtivo (3ª Revolução Industrial –

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década de 1960), sucessivas foram as modificações nas estruturas sociais e nos sistemas

econômicos causadas pela interação entre homem e tecnologia.

Apesar de o julgamento que leva à percepção de uma ruptura ser sempre sedimentado

após certo distanciamento histórico, isso não impede que analistas tentem predizer rupturas no

exato momento em que elas se desenrolam, principalmente quando preocupados com a

adaptação prévia às mudanças, numa tentativa de liderá-las. É nesse espírito que Klaus Schwab,

economista alemão, fundador do Fórum Econômico Mundial, é um desses agentes preocupados

com a liderança das transformações tecnológicas e seus impactos nos mercados, razão pela qual,

representando o referido Fórum, tem se debruçado sobre o que nomeia de Quarta Revolução

Industrial, a partir de um viés mais pragmático.

No livro “A Quarta Revolução Industrial”, Schwab (2016) traça uma argumentação

baseada na premissa de que “a tecnologia e a digitalização irão revolucionar tudo”, num

contexto em que as principais inovações tecnológicas irão impulsionar uma inevitável mudança

histórica (SCHWAB, 2016, p. 21). Baseada no aprimoramento tecnológico, de acordo com

Schwab (2016) já é possível notar alterações profundas na forma de viver, de trabalhar e de se

relacionar, causando uma transformação de toda a humanidade.

Essa nova revolução, iniciada na virada do século, é caracterizada por “uma internet

mais ubíqua e móvel, por sensores menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos e

pela inteligência artificial e aprendizagem automática (ou aprendizado de máquina)”

(SCHWAB, 2016, p. 19). Mas, as mudanças drásticas já percebidas por Schwab, não dizem

respeito somente a sistemas e máquinas inteligentes e conectadas. Na verdade, isso já vinha

acontecendo antes, sendo que a Quarta Revolução Industrial se distingue pela fusão dos mundos

físico, digital e biológico, numa velocidade, amplitude e profundidade, e impacto sistêmico

nunca visto.

Colocada a premissa e as características dessa Revolução, de forma exploratória,

Schwab passa a analisar as tecnologias que, segundo diversas perspectivas, serão as

impulsionadoras dessa revolução: a produção de veículos autônomos, impressões em 3D,

robótica avançada, novos materiais, energias renováveis; a inteligência artificial, “internet das

coisas”, blockchain, criptografia, etc; o sequenciamento genético, a biologia sintética, a

nanotecnologia, a engenharia genética, etc...

Apesar de diversas, Schwab (2016) considera que essas tecnologias impulsionadoras

tem uma característica comum: todas elas aproveitam a capacidade de disseminação da

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digitalização e da tecnologia da informação, não sendo possíveis sem os avanços ocorridos na

análise de dados e na capacidade de processamento.

Diante de todo esse contexto, pode-se concluir juntamente com Schwab (2016, p. 44-

45) que “Tendo em conta esses fatores impulsionadores, há uma certeza: as novas tecnologias

mudarão drasticamente a natureza do trabalho em todos os setores e ocupações”. Portanto, não

se pode deixar de considerar que o universo das profissões jurídicas não está de fora dessa

mudança estrutural, ao contrário, sofre e sofrerá mais ainda os seus efeitos de forma intensa. É

o já percebem algumas pesquisas específicas para o cenário jurídico.

No campo do Direito no Brasil, o estudo mais amplo e consolidado, quantitativa e

qualitativamente, sobre o impacto das tecnologias nas profissões jurídicas foi realizado pelo

Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Fundação Getúlio Vargas – FGV

Direito/SP. Para os pesquisadores da FGV envolvidos na pesquisa, o impacto das novas

tecnologias, aqui inseridas no contexto da Quarta Revolução Industrial, vai além da necessidade

de observância de novos problemas decorrentes do uso da tecnologia na sociedade, impacto

visto no aumento das demandas judiciais sobre temas envolvendo a utilização da internet, por

exemplo.

Ao lado dessa dimensão está uma segunda, que seria a “transformação da atividade

realizada por profissionais do direito (e.g. advogado(a)s, juíze(a)s, promotore(a)s, etc.) e por

suas organizações (e.g. escritórios, departamentos jurídicos, etc.)” - fenômeno que promete

trazer consequências mais profundas para o campo jurídico (INOVAÇÃO, 2018, p. 7).

Observando essa dimensão, a pesquisa resultou em quatro principais conclusões qualitativas

(INOVAÇÃO, p. 18), que envolvem (i) a progressiva adoção de soluções tecnológicas; (ii) a

existência de um processo de substituição de tarefas realizadas por profissionais da área

jurídica, concentradas em cargos mais baixos da hierarquia organizacional; (iii) a contratação

de profissionais com formação na área de exatas e sem formação jurídica para compor equipes

em escritórios de advocacia e, em alguns casos, gerindo-as; (iv) e a adoção de arranjos

organizacionais peculiares com o objetivo de obter maior integração tecnológica aos serviços

jurídicos.

Diante disso, uma consequência coligada à mudança nas atividades das profissões

jurídicas, além da criação de novos conhecimentos estritamente jurídicos (Direito Digital, etc),

é a necessidade do desenvolvimento de novas habilidades e competências para que os

profissionais possam lidar com essas mudanças, exigindo readequações fundamentais. As

competências e habilidades jurídicas tradicionais terão que se remodelar e somar-se a outras

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antes não previstas. Sintetizando os resultados da pesquisa da FGV, tem-se diversas

necessidades de adaptação, entre elas o desenvolvimento de competências para o uso de

ferramentas tecnológicas, a gestão de processos internos, o trabalho colaborativo em equipe

multidisciplinar, a interpretação de dados e capacidade de tradução de linguagens (jurídica e

técnica), e, ainda, uma capacitação específica para aprimorar o tratamento interpessoal que o(a)

advogado(a) deve oferecer aos demais parceiros e clientes, aprendizagem sobre noções gerais

de programação, estatística e matemática e de formação em administração de negócios e

processos, dentre outras mais específicas (INOVAÇÃO, 2018).

Dentre essas novas necessidades, também exigíveis no âmbito de uma educação

jurídica que dê conta dessa transformação, chama-se a atenção para uma habilidade dentre as

elencadas: a de leitura e interpretação de dados. Ligando com o plano de fundo da Quarta

Revolução Industrial tal que caracterizada por Schwab, um ponto que une todas as novas

tecnologias é o avanço na análise de dados. Portanto, essa habilidade será fundamental para as

novas exigências de “sistematização de grandes volumes de informações e o desenvolvimento

de relatórios complexos, exigindo do(a) advogado(a) a capacidade de interpretação para

identificar problemas e soluções estratégicas para clientes” (INOVAÇÃO, 2018, p. 36). Mais

do que focar no ensino de tecnologias específicas (vide Processo Judicial Eletrônico e outros

softwares hoje existentes), cuja obsolescência é muito rápida, deve-se encarar a habilidade de

leitura e interpretação de dados como um novo elemento básico na formação jurídica.

Visto esse impacto nas profissões jurídicas e as suas consequências para a preparação

dos profissionais, seja a readequação dos que já estão no mercado ou a necessidade de

preparação dos estudantes de direito para esse novo paradigma, passa-se a verificar de que

forma as Diretrizes Curriculares Nacionais, reformuladas no ano de 2018, encaram essa

necessidade de enfrentar as mudanças tecnológicas para as profissões jurídicas.

3. O TRATAMENTO DAS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

RELACIONADAS À TECNOLOGIA NAS DCN’S

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Direito,

instrumento específico que baliza a elaboração dos Projetos Pedagógicos dos cursos jurídicos,

foram reformuladas no ano de 2018, após longo debate que resultou na edição da Resolução

CNE/CES n. 05, de 17 de dezembro de 2018. Partindo das DCNs anteriores (Resolução n.

09/2004), a justificativa da necessidade de reformulação das diretrizes curriculares foi baseada

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na percepção de que as normas aplicáveis à educação jurídica deveriam acompanhar as

mudanças sociais e mercadológicas que afetam as profissões jurídicas (BRASIL, 2018a, p. 1).

Comparativamente, dentre os diversos temas modificados entre a norma anterior e a

atualmente em vigor, verifica-se o da incorporação de previsões quanto ao tema do impacto das

tecnologias na área jurídica, especificamente com a inclusão de uma nova competência dentre

o rol histórico adotado até então.

Art. 4º O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as competências cognitivas, instrumentais e interpessoais, que capacitem o graduando a:

(...)

XI - compreender o impacto das novas tecnologias na área jurídica;

XII - possuir o domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito;

Percebe-se que a Resolução n. 09/2004 já trazia a competência referida pelo inciso XII

– foi mantida – portanto, a novidade está na inclusão do inciso XI, que deu-se somente na

redação da última versão do texto das DCNs, não estando presente em nenhuma outra redação

intermediária discutida. Em verdade, a abordagem dessa competência foi incluída a partir de

proposta do professor de Direito e pesquisador do ensino jurídico, Horácio Wanderlei

Rodrigues, que no ano de 2018 incluiu a referida competência específica em artigo em que

analisou a minuta de Resolução apresentada pelo Conselho Nacional de Educação como texto

referencial para a audiência pública de julho de 2018 (RODRIGUES, 2018a).

O pesquisador justifica a sua proposição pela falta de um inciso fazendo referência “à

compreensão dos impactos da inteligência artificial no mundo em geral, e nas atividades

jurídicas em especial, e ao domínio das novas tecnologias dela derivadas” (RODRIGUES,

2018a, p. 50). Por isso, propõe a inserção de um novo inciso com a seguinte redação: “XI -

compreender o impacto da inteligência artificial na área jurídica e utilizar as novas ferramentas

tecnológicas da era do conhecimento”.

Materializando a sua percepção sobre o tema, Horácio Wanderlei realizou a referida

proposição (dentre outras) ao Conselho Nacional de Educação durante a colheita de sugestões

prévia à audiência pública de julho de 2018. Afunilando o pensamento, Rodrigues apresenta a

mesma redação referida acima, com a seguinte justificativa:

É necessário que o profissional do Direito, na Era do Conhecimento, seja capaz de compreender os impactos da inteligência artificial no mundo em

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geral, no Direito e nas suas atividades profissionais; e que possua domínio das novas ferramentas tecnológicas. Nesse sentido, parece ser recomendável a inserção, no artigo 4º, de um inciso que trate especificamente dessa questão. (RODRIGUES, 2018b, p. 5)

Apesar de não ter sido integralmente adotada, a sugestão do pesquisador foi um avanço

na previsão e tratamento do tema nas DCNs, não ficando restrito à inteligência artificial.

Motivado por esse movimento, “a possibilidade de mudança do cenário profissional decorrente

da inserção de novas tecnologias” (BRASIL, 2018a, p. 14) passou a ser prevista como elemento

justificador da necessidade de reformulação das DCNs, preocupando o Conselho Nacional de

Educação o impacto das novas tecnologias na redução da demanda por recursos humanos nas

profissões jurídicas, reconhecendo a necessidade de novas competências e conhecimentos para

o profissional da área.

Ainda, as DCNs também previram - unicamente na redação final de seu texto - a

necessidade de oferecimento ao graduando de elementos fundamentais sobre as “novas

tecnologias da informação” (art. 5º, I), dentro das balizas da formação básica a ser conferida.

Ao lado disso, previu-se também, no parágrafo terceiro do mesmo artigo, a possibilidade de

inclusão de conteúdos e componentes curriculares necessários para “articular novas

competências e saberes necessários aos novos desafios que se apresentem ao mundo do

Direito”, tal como o Direito Cibernético.

Percebe-se, portanto, que a preocupação com as novas perspectivas trazidas

pelas tecnologias e, no geral, pelos impactos da Quarta Revolução Industrial na formação dos

estudantes de Direito, apesar de tímida e incluída nos últimos momentos, foi enfrentada pelas

novas Diretrizes Curriculares Nacionais a partir da previsão de uma competência específica, da

inclusão desse tipo de conhecimento nas possibilidade formativas básicas e na possibilidade

expressa dentro dos conteúdos opcionais que poderão ser livremente criados.

4. CONCLUSÃO

Diante das mudanças percebidas no contexto da Quarta Revolução Industrial, as

profissões jurídicas também estão sendo intensamente impactadas, gerando a necessidade da

remodelação ou do desenvolvimento de novas competências e habilidade para que os

profissionais jurídicos possam estar aptos a lidar com as exigências do novo paradigma.

Compreendidas as características da Quarta Revolução Industrial a partir do

referencial de Klaus Schwab, os impactos percebidos nas profissões jurídicas, com base em

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pesquisa desenvolvida pela Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito/SP, levaram

especificamente ao destaque da habilidade de leitura e interpretação de dados, como um novo

elemento básico na formação jurídica. Por fim, percebe-se que as novas Diretrizes Curriculares

Nacionais enfrentaram o tema das necessárias adaptações à tecnologia de forma tímida, mas

presente, a partir da previsão de uma competência específica, da inclusão desse tipo de

conhecimento na formação básica e na possibilidade expressa dentro dos conteúdos opcionais

que poderão ser livremente criados.

Diante disso, os cursos jurídicos devem estar atentos a essas novas necessidade para

que seus alunos possam se inserir de forma adequada num mercado jurídico em intensa

transformação. Temos um novo básico a ser aprendido, o que poderá ser feito de diversas

formas, fugindo do conservadorismo normalmente impregnado na formação jurídica.

5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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