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S O B R ES O B R E

E S T AE S T A

S É R I ES É R I E

A Série de Compêndios MAB foi

lançada pela UNESCO en 1989. Inclui

vários tipos de publicações:

resumos dos principais resultados de

atividades MAB; resumos de atividades

recentes, atuais e planejadas dentro do

MAB, em temas específicos ou áreas

problemáticas; panoramas sinópticos de

reuniões e simpósios; e propostas de

novas atividades de pesquisa.

O público meta varia de um

compêndio para o outro. Alguns são

desenhados pensando em planificadores

ou tomadores de decisões como

principal audiência. Outros estão

orientados para colaboradores do

programa MAB, ou têm como objetivo o

pessoal técnico e os pesquisadores,

vinculados ou não com o MAB.

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EXTRATIVISMONA

AMAZÔNIA BRASILEIRA:

PERSPECTIVASSOBREO DESENVOLVIMENTOREGIONAL

Editado porMiguel Clüsener-Godt e Ignacy Sachs

C O M P Ê N D I O M A B 1 8C O M P Ê N D I O M A B 1 8

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As designações empregadas e a apresentação do material desta publicação, não implicam aexpressão de nenhuma opinião por parte de UNESCO, sobre o status legal de nenhum país,território, cidade ou área de sua autoridade, ou sobre a delimitação de suas fronteiras oulimites. As opiniões apresentadas neste compêndio são dos editores e autores e nãonecessariamente da UNESCO ou dos empregadores destes autores.

Endereços dos editores e autores deste documento:

Miguel Clüsener-GodtDivisão de Ciências EcológicasUNESCO.1, Rue Miollis75 732 Paris Cedex 15, França

Ignacy SachsEcole des Hautes Etudes en SciencesSocialesCentre de Recherches sur le BrésilContemporain54, Boulevard Raspail75270 Paris Cedex 06, França

Mary Helena AllegrettiInstituto de Estudos para a Amazônia e oMeio AmbienteRua Gaspar Carrillo Junior s/nJardim Merces80.210 -210 Curitiba, PR, Brasil

Alfredo K. O. HommaCaixa Postal 4866001 Belém, Pará, Brasil

Jean Paul Lescure *

Florence Pinton

Laure Emperaire

ORSTOM/INPAInstituto Nacional de Pesquisasda AmazôniaCaixa Postal 47869011-170 Manaus, AM, Brasil

* Endereço atual:

ORSTOM-MAA213, rue La Fayette75480 Paris Cedex 10, França

Direção Geral: Pierre LasserreEditor da série: Malcolm HadleyDesenho da versão original: Ivette FabbriDiagramação do português: Silvia Diez de GaricoïtsTradução ao português do artigo de Lescure, Pinton, Emperaire: Virgínia MalmRevisão técnica: Cláudia S. Karez

Referência Sugerida: Clüsener-Godt, M.; Sachs, I.(Eds). 1994Extrativismo na Amazônia Brasileira: Perspectivas sobre o desenvolvimento regional.

Compêndio MAB 18-UNESCO, Paris.

Publicado e impresso em 1996 pelo Escritório Regionalde Ciência e Tecnologia da UNESCOpara América Latina e Caribe- ORCYT - Montevideo - Uruguay

© UNESCO, abril 1996SC-95/WS/4

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Este compêndio apresenta algumas percepções e perspectivas distintassobre o extrativismo e as reservas extrativas da Amazônia brasileira. Ocompêndio tem a sua origem numa conferência internacional sobre o

desenvolvimento sócio-econômico ambientalmente adequado nos trópicos úmidos,realizada em Manaus (Brasil) de 13 a 19 de junho de 1992, continuação da Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) foi sede destaConferência, organizada conjuntamente pela Associação das

Universidades Amazônicas (UNAMAZ), UNESCO-MAB, aUniversidade das Nações Unidas (UNU) e a Academia deCiências do Terceiro Mundo (TWAS), sob os auspícios daSecretaria Pro-Tempore do Tratado de CooperaçãoAmazônica (SPT/TCA), a Secretaria de Ciência eTecnologia do Governo Brasileiro (SCT-Brasil), a Secretariapara o Meio Ambiente do Estado do Pará (SECTAM-Pará),a Secretaria para o Meio Ambiente, Ciência e Tecnologiado Estado do Amazonas (SEMACT-Amazonas) e INPA.

Entre as recomendações da conferência de Manaus,figurava a necessidade de promover a difusão deanálises sinópticos sobre temas relacionados com odesenvolvimento dos recursos e a gestão ambientalem diferentes regiões tropicais úmidas. O presentecompêndio foi preparado seguindo esta orientação.Após o panorama e sinopse introdutória de MiguelClüsener-Godt e Ignacy Sachs, o compêndio contémtrês partes. A primeira é uma contribuição de Mary Hel-ena Allegretti, presidente do Instituto de Estudos para aAmazônia e o Meio Ambiente, uma organização brasileiranão governamental que tem desempenhado um papelpreponderante na criação e animação de debates sobre o

extrativismo. A segunda contribuição, de Alfredo K. O.Homma, enfoca o tema sob o ponto de vista de um agrônomo

tropical que dedicou uma grande parte da sua vida profes-sional aos problemas e desafios do desenvolvimento agrícola

na Amazônia. Na terceira contribuição, Jean-Paul Lescure, Flo-rence Pinton e Laure Emperaire apresentam perspectivas a partir

de um esforço de pesquisa multidisciplinária sobre a variabilidadedo extrativismo, seu lugar e papéis dentro de diferentes sistemas de

produção na Amazônia. Esperamos que estas contribuições distintas, consideradasem conjunto, proporcionem aos leitores uma ferramenta útil e um ponto de referênciasobre o extrativismo como um enfoque da conservação dos ecossistemas e recursosdos bosques tropicais.

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4 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Percepções do extrativismo:Introdução e Panorama Geral

Miguel Clüsener-Godt

e Ignacy Sachs 5

Políticas para o uso dosrecursos naturais renováveis:A região amazônica e asatividades extrativas

Mary Helena Allegretti 14

IntroduçãoConceituaçãoReservas Extrativistas

O potencial extrativoA base social do extrativismoA economia tradicionalamazônicaA questão da borrachaReservas extrativistas e sistemasagroflorestais

ConclusõesReferências

Extrativismo vegetal naAmazônia: Limites ePossibilidades

Alfredo K.O. Homma 35

A dimensão política doextrativismo vegetal

A dimensão teórica doextrativismo vegetalO extrativismo vegetal comociclo econômicoA classificação da atividadeextrativa e o processo deevolução do mercado

Desdobramentos atuais eperspectivas

ConclusõesReferências

O povo e os produtos florestais

na Amazônia Central: umaabordagem multidisciplinardo extrativismo

Jean-Paul Lescure, Florence Pinton

e Laure Emperaire 62

Introdução e ContextoDefiniçãoUm conhecimento fragmentadoA universalidade do extrativismo

Dimensões do extrativismoA dimensão ecológicaAs dimensões sócio-econômicasRumo à economia de mercado

O lugar do extrativismo nossistemas de produção naAmazônia

Rumo a uma valorização doextrativismoA valorização dos produtosRenovando os canais decomercializaçãoA proteção das espécies deinteresse econômicoMelhoria das práticas de gestão

AgradecimentosReferências

Conteúdo

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5Compêndio MAB 18

Percepções do extrativismo

O termo “extrativismo”, como é usadono contexto das discussões recentes noBrasil sobre modelos de uso sustentávelde recursos renováveis na floresta tropi-cal úmida da Amazônia, abrange aextração da borracha e a coleta de outrosprodutos florestais destinados à comercia-lização nos mercados regionais, nacionaisou internacionais.

Que lugar deve reservar-se aoextrativismo vegetal nas estratégias dedesenvolvimento da Amazônia? Qualdeve ser o papel das chamadas “reservasextrativas” criadas no Brasil? Na suaforma jurídica original as reservasextrativas são de grande interesse, nosentido em que elas são um instrumentode proteção de grupos marginalizados deseringueiros. Mas deverão ficar parasempre? Devem tornar-se um modelo aser generalizado em toda a Amazônia e,por extensão, em outras áreas de florestatropical úmida? Até que ponto as reservasextrativas são compatíveis com as cincoáreas do desenvolvimento sustentável: -social, econômica, ecológica, geográficae cultural (Sachs 1992)?

Estas questões estão abertas àcontrovérsia e aos debates dos brasileirose cientistas estrangeiros que vivem e

trabalham na Amazônia e merecem sermelhor conhecidas por ambientalistas epessoas envolvidas com odesenvolvimento em todo o mundo.

Antecedentes:A Conferênciade Manaus

A idéia de elaborar este compêndionasceu durante uma ConferênciaInternacional sobre DesenvolvimentoSócio-econômico e AmbientalmenteAdequado nos Trópicos Úmidos,realizada de 13 a 19 de junho de 1992em Manaus (Brasil), continuação daConferência das Nações Unidas sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento. Elarepresentou, portanto, uma oportunidadede transformar em ação o espírito erecomendações da Agenda 21 aprovadano Rio de Janeiro. A Conferência deManaus foi orientada para a ação e tevequatro objetivos interrelacionados:

* Rever o grau de conhecimento emáreas selecionadas para pesquisa, afim de identificar as prioridades depesquisa, com referência especialpara as áreas onde a cooperaçãoentre cientistas e práticos quetrabalham em ecossistemas similares

IntroduçãoPERCEPÇÕES

DO EXTRATIVISMO:

INTRODUÇÃO E PANORAMA GERAL

MIGUEL CLÜSENER-GODT E IGNACY SACHS

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6 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

A conferência reuniu aproxi-madamente 230 participantes de 28países, incluindo 35 reitores e diretoresda rede UNAMAZ (Associação dasUniversidades da Amazônia),pesquisadores como tambémrepresentantes de várias organizaçõesinternacionais e bilaterais, e ONGs(Clüsener-Godt et al. 1992). Asdiscussões aconteceram a partir de umaextensa documentação preparada pelasinstituições patrocinadoras. Osdocumentos básicos incluíram pa-noramas e artigos sobre a situação doconhecimento na pesquisa conduzida noBrasil e em outros países pertencentesao Tratado de Cooperação Amazônica,abrangendo tópicos como clima ehidrologia, programa de desenvolvimento,processos de urbanização, biodi-versidade, gestão florestal e sistemasagroflorestais, reservas extrativas,reabilitação das áreas de terrasdegradadas, pesca e aquacultura,energia, mineração, produção empequena escala, agricultura sustentável,zoneamento regional em grande escala,

situados em diferentes áreasculturais pode ser de interesse espe-cial.

* Identificar os meios de fortalecerinstitucionalmente as poten-cialidades locais para a pesquisa eformação e recomendar possíveisações neste campo.

* Discutir um Programa deCooperação Sul-Sul desenhado paraincrementar a troca de informação eexperiências, como também decientistas, para empreender projetosde pesquisa paralelos e integrados edisseminar o conhecimento na formade publicações comparativas.

* Identificar possíveis contribuições deinstituições patrocinadoras e outrasorganizações internacionais para oprograma acima mencionado.

M. C

lüse

ner

-Go

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Entrada da “Reserva A. Ducke”, perto de Manaus- Uma reserva científica única na regiãoAmazônica, com pesquisa a longo prazode mais de um quarto de século atrás.

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7Compêndio MAB 18

Percepções do extrativismo

pesquisa para o desenvolvimento naregião da Amazônia. Outro conjunto dedocumentos tratou da experiência deoutras regiões tropicais úmidas, comvários artigos relatando os aspectos dodesenvolvimento dos recursos e dagestão ambiental nos trópicos asiáticos.Estas várias contribuições técnicas foramsubsequentemente editadas parapublicação pela UNAMAZ, UNESCO eUNU (Aragón 1992, Uitto e Clüsener-Godt1993, Clüsener-Godt e Sachs 1995).

A documentação preparada para aConferência de Manaus constituiu umponto de partida para discussões maisamplas e variadas. Com respeito àsprioridades de pesquisa, uma dasprincipais áreas de concentração detrabalho identificada foi a “Gestão dosrecursos renováveis para umdesenvolvimento sócio-econômicosustentável”. Esta área de pesquisaprocura tanto identificar comoproporcionar uma subsistência decente esustentável para os habitantes dostrópicos úmidos, requisito básico para odesenvolvimento. Por isso a importânciade encontrar maneiras de aumentar aprodutividade dos sistemas de produçãoagro-silvo-pastoril numa base equitativae sustentável, com referência particularaos pequenos produtores. No contextodas regiões tropicais úmidas, deve-se daratenção especial à reabilitação das áreasdegradadas, à agrosilvicultura, à gestãoflorestal, ao estabelecimento de reservasextrativas e reservas de biosfera e o usoracional da biodiversidade para obenefício das populações locais eindígenas e dos países envolvidos. Asações recomendadas pela Conferênciade Manaus incluíram a preparação derelatos sobre o grau de conhecimento emateriais didáticos, utilizando estudos decaso comparativos, compilados deexperiências de desenvolvimentosustentável e um inventário dasoportunidades de treinamento. O presenterelato sinóptico é parte deste empenho.

Este compêndio

Este compêndio focaliza oextrativismo e as reservas extrativas naAmazônia e apresenta as visões epercepções de dois cientistas brasileirose de membros de um grupo franco-brasileiro de pesquisa que trabalha noINPA-Manaus. As três contribuições sãoresumidas nos parágrafos seguintes.

Políticas para o uso dosrecursos extrativos

O primeiro artigo, preparado por MaryHelena Allegretti, presidente do Institutode Estudos para a Amazônia e o MeioAmbiente (IEA), em Curitiba, intitula-se“Políticas para o uso de recursos naturaisrenováveis - a região Amazônica e asatividades extrativas”. A contribuiçãodescreve um quadro bastante otimistaoferecendo elementos para a análise depropostas a favor da criação de reservasextrativas na Amazônia, como umaalternativa possível na definição depolíticas para a utilização dos recursosnaturais renováveis nesta região.

O contexto é estabelecido pelaspolíticas implementadas na Amazôniadurante as últimas décadas. Na visão deAllegretti, as políticas surgem da procurapor soluções de problemas externos àregião. Quanto aos projetos decolonização, a região Amazônica era vistacomo um vasto espaço vazio e usadacomo um meio de impedir a reformaagrária na região centro-sul do Brasil. Emtermos de projetos de cultivo, da criaçãode gado e dos projetos de mineração, aAmazônia era vista como uma região defronteira de recursos para interesseseconômicos localizados fora da região. Asatividades implementadas neste períodoforam destrutivas para o meio ambientee não aumentaram os lucros regionais.As políticas para o uso dos recursosnaturais renováveis na região Amazônica

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8 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

precisam inverter esta perspectiva eplanejarem-se em harmonia com asprioridades regionais.

A partir de uma revisão dos conceitos“tradicionais” de extrativismo como umestágio obsoleto no desenvolvimentohumano, como uma atividade predatóriae um sistema social que degrada ascondições de vida, o estudo propõe umadefinição que descreve estas atividadescomo algo distinto de uma mera coletaou destruição. Segue criticando a análisedo extrativismo baseada na economiaclássica: isto é, da perspectiva dosprodutos e mercados, da oferta edemanda, dos compradores evendedores considerados como atoresracionais, isolados do contexto social epolítico, que condicionam e determinamvariações essenciais na economia.Sugere-se um conjunto de conceitos epropostas alternativas no qual oextrativismo é analisado numaperspectiva de “economia ecológica”,onde os recursos naturais são vistoscomo capital e sua conservação comouma função do valor dos recursosescassos e não somente dadisponibilidade de tecnologia.

Coloca-se uma definição e umadescrição das reservas extrativas além deum conjunto de argumentos sobre o seupotencial na região Amazônica, baseadosem dados sobre o volume e o valor daprodução extrativa.

Um exame das atividades como aextração da borracha sugere que asatividades extrativas não podem seranalisadas exclusivamente em termoseconômicos, já que elas tambémdesempenham uma função social eambiental. Inclui-se também análisessobre o desenvolvimento das reservasextrativas através de sistemasagroflorestais, da introdução detecnologias para promover oenriquecimento da cobertura vegetal e autilização de áreas de cerrado para

plantações perenes, assim como projetospara o processamento industrial dosprodutos florestais.

Em resumo, Allegretti argumenta queo conceito de extrativismo e o instrumentodas reservas extrativas contribuem paraa conciliação entre os interesses deconservação e as necessidades dedesenvolvimento sócio-econômico.Embora não sendo uma panacéia paratodos os problemas altamente complexosque afetam a região Amazônica, deve-seentender o extrativismo como umaatividade paradigmática para odesenvolvimento sustentável no sentidoem que concebe os recursos naturais eambientais como recursos produtivos cujaconservação está intrincadamente ligadaao bem-estar social e econômico doshabitantes da região.

Limitações epossibilidades doextrativismo

A segunda contribuição é de AlfredoK.O. Homma do Instituto Brasileiro dePesquisa Agronômica (EMBRAPA) eapresenta uma visão mais crítica doextrativismo. Homma reconhece que oextrativismo foi importante no passado, eque ainda tem sua importância hoje emdia, mas ele é muito menos otimista sobresuas perspectivas e seu futuro.

Nos últimos anos, o processo dedesenvolvimento adotado na Amazôniatem sido reconsiderado e isto foidetonado, em parte, pelo assassinato dolíder sindicalista Chico Mendes. Oextrativismo vegetal e as reservasextrativas passaram a ser vistos poralguns como um paradigma para odesenvolvimento agrícola adaptado àAmazônia. É como se a mídia mundial ea opinião pública de muitos países doNorte tivessem descoberto o extrativismovegetal como a solução para a Amazônia,

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9Compêndio MAB 18

Percepções do extrativismo

como pano de fundo para a comparaçãode várias propostas que se temapresentado para o desenvolvimento daAmazônia como o extrativismo vegetal, ossistemas agroflorestais, a industrializaçãodos produtos extrativos e as reservasextrativas como uma abordagem para odesenvolvimento rural integrado.

Dentro deste contexto, o extrativismovegetal representa uma base muito fracapara o desenvolvimento, na visão deHomma. É uma economia que estáextinguindo-se, fadada a desaparecer emface de um aumento do mercado parabens processados e o surgimento deoutras alternativas econômicas, entremuitos outros fatores. Não se trata de umassassinato mas sim a economia demercado é que eliminará a economia

esquecendo-se convenientemente queesta atividade tem sido desenvolvidadesde o tempo em que os homensapareceram na face da terra, milhões deanos atrás. Inclusive, na maior parte domundo, o extrativismo foi substituído porsistemas de uso da terra e gestão derecursos mais produtivos, e neste sentidoos proponentes do extrativismo naAmazônia poderiam ser consideradoscomo partidários de um “sub-desenvolvimento sustentável” ou um cultoà pobreza.

Depois de examinar as dimensõespolíticas do extrativismo vegetal naAmazônia, Homma analisa algumas dasperspectivas teóricas e econômicasdentro de um contexto histórico e faz umadistinção entre as formas de extrativismo“predatório” e “não-predatório” (porexemplo, a coleta). São examinados osefeitos destes processos nos recursosextrativos como a domesticação e adescoberta dos substitutos sintéticos,

M. Clüsener-Godt

Estação de pesquisa da EMBRAPA pertode Manaus. Agricultura eaquacultura combinadas em lotesexperimentais para aumentar aprodução local de alimentos empequena escala.

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10 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

extrativista, em silêncio. Mas o grandeparadoxo é que a extração vegetalprovavelmente subsistirá por muitos anosna Amazônia, com ou sem reservasextrativas, simplesmente devido a fatoreslimitantes como a estagnação econômica,desemprego e baixos níveis salariais. Asreservas extrativas são somente viáveisem uns poucos lugares propícios, e sóem certa medida, dadas as limitaçõescomo a dificuldade de garantir aspossibilidades econômicas e dedesenvolver mercados para novosprodutos. Embora não se deva ignorar asmaneiras de melhorar o extrativismo (porexemplo, em termos de adicionar o valore reduzir o desperdício), é necessárioalguma coisa mais para odesenvolvimento da Amazônia, incluindo

a revitalização do aperfeiçoamentotécnico do desenvolvimento agrícola naregião.

Abordagensmultidisciplinares depesquisa para oextrativismo

Jean-Paul Lescure, Florence Pintone Laure Emperaire colocam suacontribuição dentro do debate contínuo noBrasil sobre o papel da prática há muitoestabelecida do extrativismo nodesenvolvimento futuro de ecossistemasflorestais mistos no país. A suaabordagem foi orientada no sentido deanalisar a variabilidade do extrativismo eobservar seu lugar nos diferentessistemas de produção da Amazônia,moldados por fatores locais sociológicos,econômicos e ecológicos. A falta de dados

J. Ferraz

“Fazenda Aruana” perto de Itaquatiara; filas deárvores de castanha-do-pará, de vegetaçãosecundária (leiras) e floresta primária.

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11Compêndio MAB 18

Percepções do extrativismo

históricos facilmente disponíveis levou ogrupo do ORSTOM - INPA a comparardiferentes situações contemporâneaspara identificar os fatores que influenciamna “dinâmica” local e avaliar o potencialdo extrativismo para a integração àspolíticas de desenvolvimento futuras.

O extrativismo é examinado nasperspectivas sócio-econômicas eecológicas. Em termos ecológicos, adiversidade dos produtos pode ser umadas principais vantagens do extrativismono sentido em que ela permite aflexibilidade de exploração no contexto demudança ambiental e econômica. Oextrativismo tem sido caracterizado porum baixo investimento de capital e umatecnologia rudimentar que modificamgrandemente os vários impactos doextrativismo nas plantas, nas plantaçõese no meio ambiente natural.

Em termos das dimensões sócio-econômicas, vários protagonistas estãoenvolvidos no extrativismo - os coletores,os patrões que são proprietários de terraou têm concessões de terra, osatacadistas e vários intermediários quesão direta ou indiretamente controladospelos patrões. Qualquer indivíduo podedesempenhar mais de um destesdiferentes papéis. O “aviamento”- ou troca- desempenha um papel crucial nosrelacionamentos entre os coletores e asoutras pessoas envolvidas na cadeia doextrativismo. O papel variado e as funçõesdos “patrões” e a mão-de-obra nocaminho para uma economia de mercadoestão interrelacionados com mudançasna apropriação dos recursos e naorganização social do trabalho.

Viveiro de árvores de castanha-do-pará.

J. Ferraz

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12 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Uma conclusão é que, com algunsmelhoramentos, a extração associada aoutras atividades de produção poderiaintegrar-se aos cenários dodesenvolvimento. Outra conclusão é queum julgamento geral e simplificado doextrativismo não é possível. Em todos oscasos, as perspectivas de mudança ousoluções para o aperfeiçoamento dossistemas têm que ser localmenteavaliadas dependendo da natureza dosecossistemas e dos recursos disponíveiscomo também do meio ambiente sócio-econômico. A discussão tem que seconcentrar na melhoria das condições devida, na proteção dos ecossistemas e nodesenvolvimento dos mercados. Com istoem mente, pode-se justificar a criação dereservas extrativas que garantam aosprodutores o espaço que eles precisampara suas atividades como também suaindependência de um patrão. As áreasextrativas poderiam, portanto, constituir“zonas-tampão” características doconceito de reservas da biosfera propostopela UNESCO. A questão que permaneceé se as reservas extrativas, “zonas-tampão” ou áreas de extração, seconstituirão zonas de sub-desenvolvimento ou ao contrário,tornar-se-ão centros de desenvolvimentoecologicamente equilibrado capazes deassegurar uma melhoria estável dacondição de seus habitantes e umadensidade populacional mais alta, aomesmo tempo em que conservam aintegridade da floresta tropical úmida.

Estas perspectivas ecológicas esócio-econômicas fornecem um pano defundo para as reflexões sobre o lugar doextrativismo nos sistemas de produção daAmazônia. Hoje em dia, as atividadesextrativas estão principalmenteassociadas a outros tipos de produçãocomo à agricultura, ao cultivo de árvoresfrutíferas, à caça, à pesca e mesmo àeconomia animal em pequena escala. Oequilíbrio entre estas atividades dependeprincipalmente de condições sócio-econômicas locais mais do que decondições ecológicas. As observações dediferentes condições locais fornecem umabase para a caracterização dos diferentessistemas de produção em termos dosistema extrativo puro, do sistema mistoagricultura-extrativismo, do sistema detrês partes de agricultura, agrosilviculturae extrativismo, do sistema mistoagricultura e agrosilvicultura e do sistemaagrícola puro. Os fatores de mudança dossistemas de produção incluem o desgastedo poder e da influência dos patrões e acrescente autonomia dos produtores.

O extrativismo está desaparecendocom a crescente pressão sobre a terra,com as mudanças no acesso aosrecursos, com a consolidação do mercadoe com a disponibilidade de capital quepode vir do apoio governamental. Aespecialização da produção e o aumentodo capital contribuem com a tendênciapara sistemas agrícolas de vários tipos.

De acordo com Lescure e co-autores,o extrativismo, em sua forma atual, nãorepresenta uma alternativa satisfatóriapara o futuro a longo prazo. O baixo lucroque gera e as estruturas sócio-econômicas que contribui para manter,desvalorizam a percepção destaatividade. É comumente substituída pelaagricultura de subsistência em regiõesafastadas ou pela agricultura comercialnos centros urbanos. O extrativismopode, entretanto, responder a algumasdas demandas.

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13Compêndio MAB 18

Percepções do extrativismo

Development in the Amazon Region.Man and the Biosphere Series 15.UNESCO, UNESCO París eParthenon Publishing, Carnforth.

Clüsener-Godt, M.; Sachs, I; Uitto, J.I.1992. Conference on Environmen-

tally Sound Socio-Economic Develop-

ment in the Humid Tropics: Final

Report. UNAMAZ -MAB/UNESCO-UNU-TWAS, Manaus.

Sachs, I. 1992. Transitional Strategies forthe 21st century. Nature & Re-

sources, 28 (1): 4-17.

Uitto, J. I.; Clüsener-Godt, M. (Ed.) 1993.Environmentally Sound Socio-Eco-

nomic Development in the Humid

Tropics; Perspectives from Asia and

Africa. Universidade das NaçõesUnidas, Tokyo.

Conclusão

Em suma, espera-se que estes textosreunidos neste compêndio possamesclarecer aspectos polêmicos do papelpotencial do extrativismo, não somente naAmazônia mas também em outrosecossistemas de florestas tropicaisúmidas do mundo. Espera-se tambémque o compêndio possa contribuir para odesen-volvimento do “Programa deCooperação Sul-Sul para oDesenvolvimento Sócio-econômicoAmbientalmente Adequado nos TrópicosÚmidos”, uma iniciativa conjunta daUNESCO-MAB, Universidade dasNações Unidas (UNU) e Academia deCiências do Terceiro Mundo (TWAS) paraseguir as recomendações da Conferênciade Manaus de junho de 1992.

Referências

Aragón, L. E. (Ed.)1992. Desen-

volvimento Sustentável nos Trópicos

úmidos. Volumes I-II. SérieCooperação Amazônica 13.Associação de UniversidadesAmazônicas (UNAMAZ) -Universidade Federal do Pará(UFPA), Belém, Pará.

Clüsener-Godt, M.; Sachs, I. (Ed.)1995.Brazilian Perspectives on Sustainable

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14 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Introdução

Os últimos dados sobre alteração nacobertura vegetal da região amazônica,anunciados pelo Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (INPE), indicam umataxa igual a 8,5% da floresta desmatada,até agosto de 1990, evidenciando umaredução de 36% sobre a taxa de 1988 ede 27% sobre 1989 (Gazeta Mercantil,1991). Mantidos os esforçosgovernamentais de fiscalização e controlesobre atividades não sustentáveis naregião, pode-se supor que esse índiceserá mantido nos próximos anos. Namedida em que o desmatamento passaa ser controlado pelo Governo Brasileiro,a questão que precisa ser formulada erespondida, é de outra ordem: quais asalternativas para a floresta que está em

pé? Como explorar os recursos florestaisexistentes e o potencial de riquezasdistribuído em mais de 90% de seuterritório?

Até recentemente, pensar em umapolítica florestal para a região amazônicasignificava, por um lado, adotartecnologias de manejo sustentado damadeira e, por outro, implantar unidadesde conservação limitando e/ou ordenando

G. Fernandes

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1. Esta contribuição foi originalmentepublicada na Revista da Administração

Pública, Jan/Mar. 1992, 26:145-162.Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.O trabalho faz parte do Relatório Nacionaldo Brasil para a Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (junho 1992).

POLITICAS PARA O USO DOS

RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS:

A REGIÃO AMAZÔNICA E AS

ATIVIDADES EXTRATIVAS 1

MARY HELENA ALLEGRETTI

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Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

o uso dos recursos. A dificuldade paraexecutar essa política esteve sempre nafragilidade da estrutura de fiscalização eno conflito gerado, pelo próprio governo,ao incentivar atividades incompatíveiscom a região.

As políticas implantadas naAmazônia, nas últimas décadas,resultaram da busca de soluções paraproblemas externos à região. No caso dosprojetos de colonização, a Amazônia foivista como espaço vazio e como formade evitar a realização de uma reformaagrária no centro-sul. No caso dosprojetos agropecuários e minerais, aAmazônia passou a ser entendida comofronteira de recursos para setoreseconômicos estabelecidos fora da região.As atividades implantadas nesse períododesagregaram o ambiente e nãoaumentaram a renda regional.

Uma política de uso dos recursosnaturais renováveis para a região

amazônica deve ter essa perspectivainvertida e ser concebida em consonânciacom as prioridades regionais. Devem seradotadas medidas estruturais como ozoneamento ecológico-econômico epolíticas setoriais, econômicas e sociais,que permitam uma reconciliação entre ouso do potencial de recursos existentese uma adequada distribuição de renda.Para isso, ao lado da restrição ao uso,através da criação de unidades deconservação, é preciso encontrar formasde promover, por meio de instrumentosinstitucionais adequados, a utilização dosrecursos existentes. Não se trata depensar a região amazônica como áreaintocada, mas de identificar formas de usoque, ao valorizarem os recursos naturaisregionais, incentivem sua conservação.

Dentre as inúmeras alternativas deutilização dos recursos naturaisrenováveis da região amazônica, umaprocura conciliar interesses deconservação com o desenvolvimento so-cial. Trata-se da proposta de criação de

Areas florestadas taladas para madeira oucarvão

G. Fernandes

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16 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

L. Emperaire

Extração de látex. Regiãode Santa Isabel

desaparecimento, ao sersubstituída pela agricultura,assim como a caça precedeu acriação de animais. Essaevolução somente temcomparação, na história, com aque ocorreu posteriormente,quando o homem passou a sercapaz de produzir substitutossintéticos de produtos antesencontrados somente nanatureza. Ou seja, a humanidadesaiu do estágio de coleta,extração e caça, para a

agricultura, a domesticação de plantas eanimais e para a industrialização combase em matérias-primas sintéticas.Portanto, o extrativismo pertence a umaetapa da humanidade caracterizada porbaixa densidade demográfica, baixopadrão tecnológico, etapa superada dodesenvolvimento humano.

Outra noção associada aoextrativismo e relacionada com osdiferentes períodos da economiabrasileira, é a de uma atividadeessencialmente predatória, pelo fato delevar ao esgotamento dos recursosnaturais, uma vez que não éacompanhada da reposição de estoques.Do Brasil Colônia aos anoscontemporâneos, indo da extinção do

Reservas Extrativistas. Sem considerá-lacomo uma panacéia para os complexosproblemas regionais, o extrativismo deveser entendido como uma atividadeparadigmática para o desenvolvimentosustentável, ao conceber os recursosnaturais e ambientais como recursosprodutivos, de cuja conservação dependea reprodução da vida econômica e social.

Conceituação

O extrativismo tem sido associado,historicamente, a uma idéia evolucionistada sociedade: é uma atividaderepresentativa do passado dahumanidade, tendente ao

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17Compêndio MAB 18

Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

mais, tanto a organização social, quantoo meio ambiente natural”.

Sendo essa visão predominante naliteratura sobre a Amazônia até as últimasdécadas, causou grande impacto a idéiasurgida durante o Primeiro EncontroNacional de Seringueiros, em 1985, decriação de Reservas Extrativistas comouma alternativa de desenvolvimentosustentável para a região. Desde então,ao mesmo tempo em que o conceito foitratado por uma considerável bibliografia(Sawyer et al. 1989), um conjunto deequívocos ainda permanece.

Para considerar as ReservasExtrativistas como uma das alternativasde uso sustentável dos recursos naturaisrenováveis na Amazônia, é fundamentaldelimitar em que sentido se pode falar deextrativismo e de sustentabilidade.

A primeira classificação básica e con-sensual, refere-se à tipologia queidentifica dois tipos de extrativismo: o decoleta e o de aniquilamento. “No caso decoleta, a integridade da planta-matrizgeradora do recurso é mantida intacta edesde que a taxa de recuperação cubraa taxa de degradação, essa forma deextrativismo asseguraria uma extração ad

infinitum” (Homma, 1989). Os exemplostípicos desse tipo de extrativismo são oda seringueira e da castanha-do-pará. Noextrativismo de aniquilamento, é ocontrário. Há a destruição da plantamatriz, objeto de interesse econômico.São exemplos clássicos a extração demadeira, de essências, como do pau-rosa, e de palmito (Homma, 1990; cf.Homma, neste Compêndio).

Segundo Homma, existem fatores deordem endógena e exógena quecaracterizam a fragilidade da economiaextrativa impossibilitando que sejaconsiderada, apesar de baseada emrecursos naturais renováveis, comomodelo viável de desenvolvimento paraa região amazônica. Os limites intrínsecospodem ser assim sintetizados: a oferta de

L. Emperaire

pau-brasil e do pinheiro ao mogno, aextração tem sido criticada em favor dasilvicultura.

Do ponto de vista das relaçõessociais, também o extrativismo é criticado.Na expressão de Celso Furtado,compara-se com “a forma mais primitivade economia de subsistência, que é a dohomem que vive na floresta tropical e quepode ser aferida por sua baixíssima taxade reprodução” (Furtado, 1967). É umaatividade baseada no escambo,acompanhada de relações sociais injustase de sistemas de comercialização que nãotrazem ao extrator uma remuneraçãominimamente aceitável pelo fato de nãocontrolarem nem os recursos, nem osmercados (May, 1989).

Bunker (1985), afirma que “a perdade energia e matéria resultante daeconomia extrativa e a conseqüentedesarticulação dos sistemas humanos ebióticos naturais (...) simplificam cada vez

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18 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

recursos é fixa e determinada pelanatureza; os melhores recursos sãoextraídos em determinada área espaciale num horizonte de curto prazo. A rigidezda oferta e a redução das fontes derecursos, levam à elevação dos preçosaté atingir um ponto em que a oferta passaa ser inelástica, os preços atingem níveiselevados que estimulam a domesticaçãoe o cultivo, o abandono, a substituição poroutras atividades ou a descoberta desubstitutos sintéticos.

O exemplo clássico desse ciclo daeconomia extrativa tem sido a borracha.Desde a descoberta de suas utilidadesindustriais, no final do século passado, aborracha nativa da Amazônia passou portodas as etapas. A oferta exclusiva daregião de origem, levou ao monopólio daexportação à elevação dos preços eirregularidade do abastecimento,produzindo, em menos de 10 anos, osurgimento do cultivo da seringueira. Acrescente importância econômica daplanta como matéria-prima deu origem aosubstituto sintético. O mesmo pode serdito de inúmeras outras plantas nativasda região amazônica (Homma, 1990).

Além destes fatores, outros denatureza exógena à atividade em si,estabelecem limites ao extrativismo: anão-observância aos requisitos mínimospara promover a regeneração adequadados estoques de recursos extrativos, aexpansão da fronteira agrícola e ocrescimento populacional, são as causasapontadas por Homma para destruiçãodos estoques extrativos (Homma, 1990).

Os pressupostos da análise deHomma do extrativismo estão assentadosnos conceitos da economia convencional,ou seja, a ótica do produto e do mercado,da oferta e da demanda, do vendedor edo comprador, considerados como atoresracionais, isolados de contextos políticose sociais que condicionam e determinamvariações essenciais nos padrões daeconomia. O exemplo da borracha é

significativo. Apesar do substitutocultivado ter surgido nas primeirasdécadas deste século e superado, emvolume, a produção extrativa em 1912,reduzindo acentuadamente os preços, aborracha da Amazônia continua até hojesendo colocada no mercado nacional, emdecorrência de uma política econômicaque a considera produto estratégico parao país. Foi uma outra política, de incentivoao cultivo de seringais fora da regiãoamazônica, surgida nos anos 80(Programa da Borracha-PROBOR) queequilibrou, em 1991, portanto 100 anosapós, o volume de extração com o decultivo a nível nacional (CNS, UNI, IEA,1991).

O mesmo pode ser dito em relaçãoàs atividades agropecuárias e industriaisna região amazônica: foi uma políticadeliberada de incentivos fiscais que tornouatrativa, do ponto de vista econômico, ainstalação de indústrias naquela região,independente da distância frente aosmercados ou da desqualificação da mão-de-obra local; foi também uma política deincentivos que tornou “viável”economicamente a agropecuária (Hechte Schwartzman, 1988).

Somente é possível considerar oextrativismo amazônico sob outra ótica,quando se leva em consideração doisaspectos: um conjunto novo de conceitoseconômicos e os dados sobre a dinâmicasócio-econômica regional.

Quando analisado segundo a ótica daeconomia dos recursos naturais, ou dachamada “Ecological Economics” e emacordo com o conceito desustentabilidade, os parâmetros deanálise do extrativismo amazônico sãooutros. Entende-se aqui, porsustentabilidade, o nível de utilização derecursos que permita a manutenção deatividades indefinidamente, sem degradaro estoque de capital, incluindo o estoquede capital natural (entendido como aestrutura do solo e da atmosfera, plantase biomassa que, no conjunto, formam a

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19Compêndio MAB 18

Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

base de todos os ecossistemas)(Costanza, 1991).

Quando se fala em economiaextrativa, nas florestas tropicais úmidas,estamos nos referindo ao capital naturalrepresentado pelo conjunto dos recursosbiológicos em sua diversidade típica,assim como aos serviços ambientaisprestados por esses ecossistemas(regulação de secas e inundações,controle da erosão dos solos e dasedimentação dos leitos fluviais,estabilização do clima, imposição debarreiras contra danos ocasionados porintempéries, recarga das águas freáticas,purificação do ar e das águas ao atuarcomo depósito de anidrido carbônico)(Ashton e Panayotou, 1988).

Mais que isso, no caso da maior partedas florestas tropicais do mundo fala-se,também, na base de sustentaçãoeconômica de contingentes populacionaissignificativos: populações indígenas etribais (cerca de 50 milhões de pessoas)e segmentos da população rural (cercade 150 milhões) que dependem derecursos da floresta para sobreviver.Deve-se agregar a estas variáveis, oestoque genético que representam, cujovalor é incalculável até o momento.

Do ponto de vista da economiaecológica, o valor econômico de umproduto está diretamente relacionado como custo que tem a sua produção; e estecusto é, em última instância, uma funçãodecorrente da forma como estes produtosestão organizados em relação ao meioambiente. Por exemplo: a quantidade deenergia solar requerida para as florestascrescerem, pode servir como uma medidapara a avaliação do seu valor em umsistema econômico. A tecnologia, nesseraciocínio, não necessariamente significaum fator limitante ao desenvolvimento. Aocontrario, é o capital naturalremanescente que imporá limites edeterminará o tipo de tecnologianecessária ao desenvolvimento. Assim,

por exemplo, não é a tecnologia que vaideterminar as possibilidades de extraçãode madeira, mas sim o valor atribuído aovolume de floresta remanescente(Costanza, 1991).

É dentro desses parâmetrosconceituais que faz sentido o termoeconomia extrativista, entendido como oconjunto de riquezas materiais existentesem estado natural, que permitem asobrevivência humana em ecossistemaspeculiares, nos quais os recursos naturaissão vistos como recursos produtivos, ouseja, como capital. O valor dos produtosque existem nestas áreas decorre, nãosomente de seu potencial de mercado, desua oferta em relação à demanda, masdo conjunto das funções desempenhadasna manutenção dos sistemas básicos desuporte para a vida humana.

O ponto de partida para a redefiniçãodo extrativismo como atividade de carátersustentável na região amazônica, foi umarevisão nos conceitos tradicionais, surgidana metade dos anos 80, na Amazônia, nobojo de um movimento social em defesada sobre-vivência na floresta, liderado porseringueiros (Schwartzman e Allegretti,1987).

Reservas Extrativistas

As Reservas Extrativistas sãoespaços territoriais protegidos pelo poderpúblico, destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursosnaturais renováveis, por populações comtradição no uso de recursos extrativos,reguladas por contrato de concessão realde uso, mediante plano de utilizaçãoaprovado pelo órgão reponsável pelapolítica ambiental do país (IBAMA).

A proposta de criação de ReservasExtrativistas na Amazônia, teve umaformulação inicial no âmbito do ProgramaNacional de Reforma Agrária, recebendo

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Compêndio MAB 18

a denominação de Projeto deAssentamento Extrativista, através daPortaria 627 de 30 de julho de 1987, doINCRA. A partir de 1989, as ReservasExtrativistas passaram a fazer parte doPrograma Nacional de Meio Ambiente,tendo sido regulamentadas através doDecreto Nº 98.897, de 30 de janeiro de1990.

As duas denominações nãoexpressam conteúdos diferentes, mas simresponsabilidades institucionais distintas.Além disso, enquanto a primeira requerregularização fundiária prévia à criação,por ser uma unidade de reforma agrária,a segunda, por ser considerada comounidade de conservação, permite aimobilização de áreas para fins de usosustentável, e posterior regularização.Uma descrição detalhada desseprocedimento encontra-se em IEA (1990).A tabela 1 mostra o conjunto de áreasprotegidas segundo essa denominação,que equivale a cerca de 1% da área totalda Região Norte (Amazônia clássica) e0,6% da Amazônia Legal.

Um conjunto de argumentos,descritos a seguir, tem o objetivo deestabelecer as bases em torno das quaisa proposta de criação de ReservasExtrativistas na Amazônia deve serconsiderada. Apresenta-se a base social,o potencial extrativo e a estruturaprodutiva tradicional da Amazônia. Esteselementos permitem a definição dasReservas como áreas emdesenvolvimento: ao serem criadas,estabelece-se limites para usos nãosustentáveis, e garante-se a ocupaçãodas áreas segundo critérios sociais; apartir de então, trata-se de iniciar projetosvoltados à implantação de sistemas agro-florestais, modelo que melhor se adaptaàs áreas tradicionais da região.

O POTENCIALEXTRATIVO

Segundo o Projeto RADAM-BRASIL,até 1975, a Amazônia brasileiraapresentava 1/3 de seu território comcobertura florestal apropriada ao usoextrativista em níveis médio a elevado.Isso representava cerca de 1,2 milhõesde km2 de área potencial para oextrativismo. Considerando os índices dedesmatamento ocorridos desde então,estima-se que, pelo menos 25% doterritório amazônico, ou seja 900 mil km2

continuam apresentando esse potencial.Se àquelas, forem agregadas as áreascom capacidade natural de uso para oextrativismo abaixo do nível médio,verifica-se que 40% a 50% da região temvocação extrativista (Menezes, 1990).

A BASESOCIAL DOEXTRATIVISMO

Os dados do Censo Demográfico de1980 apontam uma população ocupadadiretamente na produção extrativa ve-getal e animal, na Amazônia, igual a304.023 pessoas. Considerando umamédia regional de 5 pessoas por família,pode-se afirmar que dependem de ativi-dades florestais para sobreviver, um totalde 1.520.115 pessoas, o que significa53,39% da população rural da região.

Apesar de defasados, emdecorrência das profundas modificaçõesocorridas na década de 80, esses dadossão significativos para demonstrar a idéiade que há, na Amazônia, uma populaçãoocupada em atividades florestais queprecisa ser melhor conhecida e estudada.Alguns elementos podem ajudar aqualificar essa ocupação.

O extrativismo somente pode serredefinido, enquanto atividade econômica

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Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

e social relevantepara a conservaçãoda florestaamazônica, porquetem como base socialuma categoria deextrativistas não maissubordinada aotradicional sistema dep a t r o n a g e mpredominante naregião no passado (eem muitas regiões atéo presente) (VerLescure et al. nesteCompêndio). Osantigos seringais,áreas de exploraçãoda borracha, base damais importanteatividade extrativistada Amazônia,estavam em francadesagregação, noAcre, quando teveinício o movimentodos seringueiros, nadécada de 70. Asáreas abandonadaspelos seringalistas, permaneceramocupadas por posseiros que alidesenvolveram uma economiadiversificada tendo a floresta e a pequenaagricultura como base.

Importante ressaltar que, apesar dascondições precárias de sobrevivência quesempre acompanharam o extrativismoamazônico, o movimento que seestruturou na região teve, desde o início,como principal reivindicação, apermanência dentro da floresta, tendocomo argumento o fato de que viveremmelhor na floresta do que na periferia dascidades. Pesquisa realizada em um dosseringais autônomos do Acre (assimchamados porque não são administradospor “patrões”) permite que se compreendaessa questão.

Tabela 1. Projetos de assentamento extrativista (PAEs) ereservas extrativistas (REXs) criadas a partir de1991

Estados Assentamentos Area FamíliasBrasileiros Extrativistas (hectares) Projetos

Acre 5 166.586 563

Amapá 3 323.500 1068

Amazonas 2 339.482 1293

Subtotal 10 829.548 2924

ReservasExtrativistas

Acre 2 1.476.756 4600

Amapá 1 481.650 1000

Rondônia 1 204.583 650

Subtotal 4 2.162.989 6250

Total 14 2.992.537 9174

Fonte: Instituto de Estudos Amazônicos (IEA)

O levantamento foi realizado emoutubro e novembro de 1987, no SeringalCachoeira, município de Xapuri, Acre. Aárea tem 25 mil hectares e moram lá 67famílias totalizando 420 pessoas, comuma média, portanto, de 373 hectares porfamília. Esse seringal tem uma ocupaçãoestável e antiga, com um tempo médiode residência de 11 anos, sendo que 30%dos entrevistados moram no local há maisde 15 anos. A maioria absoluta dapopulação residente tem origem no Acre(85% dos entrevistados) e em Xapuri(60%).

Essa estabilidade se expressa,também na organização das atividadeseconômicas. Há uma combinação deatividades extrativas de mercado(borracha e castanha) com outras parasubsistência (agricultura, pequena criaçãode animais domésticos, coleta, caça e

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22 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

pesca). Essas atividades geravam umarenda monetária média familiar, na épocada pesquisa, de US$ 960 por ano,resultante da produção de 750 kg deborracha e 4.500 kg de castanha.Considerando as outras atividadeseconômicas e imputando a elas valoresmonetários, obteve-se uma renda anualmédia de US$ 1.500. Ficam excluídasdessa avaliação inúmeras transaçõescomerciais com frutas, nativas ecultivadas, cultivo de vegetais, mandiocaem estoque não transformada em farinha,etc., que ocorrem entre as unidadesprodutivas e que asseguram um nível deabastecimento permanente.

Comparando os resultados dessapesquisa com a renda regional registrada,em 1980, nos dados, oficiais para a regiãoNorte do país, conclui-se que 50% dapopulação economicamente ativaganhava menos de 1 salário mínimo pormês, enquanto os seringueirospesquisados tinham uma renda em tornode 2 salários mínimos por mês. Emtermos monetários o valor dos produtoscomercializados e o valor do consumofamiliar são equivalentes, em torno deUS$ 1.000 por ano. O que permite umexcedente é o uso da floresta e aagricultura, porque essas atividadesdiminuem o dispêndio monetário emconsumo (Schwartzman, 1989).

Esses dados demonstram que, comum sistema social autônomo, ou seja,independente do modo tradicional deorganização da produção na Amazônia,o extrativismo pode ser o ponto de partidapara um reordenamento da economia re-gional.

A ECONOMIATRADICIONALAMAZÔNICA

Uma particularidade da economiatradicional amazônica reside no fato deser um modo de produção que consegue

conjugar vários tipos de atividades emuma mesma unidade produtiva no meiorural. Isso significa que um produtor e suafamília combinam a produção agrícolapara subsistência com atividadesextrativas e pesqueiras. Parte dessaprodução é consumida na própria unidadee parte destinada ao mercado, sendo queo volume destinado a cada um delesdepende do produto e do tamanho daárea da própria unidade.

Existe grande dificuldade emquantificar essa economia tradicional,uma vez que a atomização da produçãoe a dificuldade de acesso, prejudicam arealização dos levantamentos censitáriosna região Norte. Outra dificuldade está nofato de que essa economia tem umsignificado social maior que econômico,na medida em que em grande parte estávoltada para a subsistência. Assim, umadas formas de aferir o benefício social daeconomia tradicional, é através dapopulação que ela atinge.

Os dados apresentados a seguir fo-ram obtidos nos Censos Agropecuários eda Produção Extrativa Vegetal, publicadospela Fundação IBGE, relativos ao ano de1980 e referentes à estrutura ocupacionaldo setor agrícola para a região Norte eao volume e valor da produção extrativa(IEA, 1988).

O somatório do valor da produçãoextrativa vegetal no Brasil aponta ummontante de cerca de US$ 1.768,8milhões (Tabela 2). Desse total, cerca deUS$ 244 milhões, ou seja, 14%, refere-se à produção extrativa da região Norte.Excluindo a madeira, o valor anual daextração sustentável é de US$ 74,8milhões.

A produção extrativa pode serdividida em dois segmentos principais:madeireiros e não madeireiros. O princi-pal grupo de produtos responsável pelageração desse valor é o de madeiras,aproximadamente 84% do valor total. Daregião Norte, o Estado do Pará responde

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pela quase totalidade da produção re-gional (88%).

No segmento dos produtos nãoderivados da madeira, o grupo seguinte,em importância, a nível do Brasil, é o dealimentos (US$ 125,7 milhões). Entre osprodutos desse grupo destacam-se aerva-mate (US$ 74,6 milhões), cujaprodução está concentrada nos estadosda região Sul, e a castanha de caju, quegera US$ 14,4 milhões, cuja totalidade daprodução se localiza nos estados daregião Nordeste.

Ainda significativos em termos devalor gerado, dentro do grupo dealimentos, tem-se a castanha-do-pará(US$ 12,7 milhões), o açaí em fruto (US$9,8 milhões) e o palmito (US$ 8,3milhões). Nos estados da região Nortetem origem 100% da coleta da castanha-do-pará, sendo 61% no Pará, 24% noAmazonas e 10% no Acre. O Pará re-sponde por 96% do valor do açaí e 83%do palmito.

A produção de oleaginosas a partirda extração vegetal no Brasil, apresentaum valor em torno de US$ 80 milhões,sendo que o valor do babaçu representa93% desse total e o licuri 2%, ambosproduzidos na região Nordeste. Aprodução de cumaru (Dipteryx) respondepor 0,4% do total do grupo e localiza-seno Pará.

O grupo borrachas gera um valor deUS$ 43,5 milhões e seus produtosprincipais estão concentrados nosestados da região Norte. Dentre esses, aHevea coagulada é o mais importante(US$ 39,4 milhões); o Acre é responsávelpor 59% do valor gerado, o Amazonas26% e o Pará 5%.

A produção do grupo de gomas não-elásticas, originária nos estados da regiãoNorte, em termos relativos, não é tãosignificativa (0,1%), mas gera um valor emtorno de US$ 1,8 milhão. Dos produtosdeste grupo, a sorva responde poraproximadamente 71% dos quais 90%

Arvore de castanhas-do-pará (Bertholletia

excelsa H. B. K. Lecythidaceae) comfrutos. Lago Mamori. Os frutos ecastanhas de B. excelsa (abaixo)representam o segundo produtoextrativo em importância na Amazônia

L. Emperaire

D. Mitja

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24 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Tabela 2. Valor agregado da produção dos principais produtos de extração vegetalno Brasil em 1980. Em US$ 1.000*

PRODUTOS ALIMENTÍCIOS CHÁS, ANILINAS, PRODUTOS DA MADEIRAMEDICAMENTOS

BRASIL E AÇAI CASTANHACASTANHA PALMITO JATOBA ANNATTO CARVÃO LENHA MADEIRA ERVA-REGIÕES DO PARÁ DE CAJÚ MATE

Brasil 9,818 12,763 14,408 8,381 31 368 176,232 377,722 964,167 74,594

% 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Região

Norte 9,445 12,763 - 7,053 26 7 3,329 13,733 152,201 -

% 96.2 100 - 84.1 82.6 2.0 1.9 4.1 15.8 -

Rondônia 6 376 - - - - 220 10 5,202 -

% 0.6 2.9 - - - - 6.6 1.2 3.4 -

Acre 9 1,330 - - - - 320 1,810 1,249 -

% 0.9 10.4 - - - - 9.6 13.2 0.8 -

Amazonas - 3,088 - - - - 653 5,504 6,224 -

% - 24.2 - - - - 19.6 40.0 4.0 -

Roraima - 46 - - - - 5 280 602 -

% - 0.4 - - - - 0.1 2.0 0.4 -

Pará 9,413 7,768 - 6,949 26 7 2,020 5,881 135,039 -

% 96.0 60.8 - 98.5 100 100 60.7 42.8 88.8 -

Amapá 17 156 - 104 - - 109 126 3,683 -

% 2.0 1.2 - 1.5 - - 3.3 0.9 2.4 -

Região

Nordeste 372 - 14,408 18 3 253 25,608 105,663 155,291 -

% 3.7 - 100 0.2 8.6 68.6 14.5 31.3 16.1 -

Região

Sudeste - - - 473 - 108 132,915 95,265 33,809 -

% - - - 5.6 - 29.4 75.4 28.2 3.5 -

Região

Sul - - - 827 - - 6,096 93,085 528,006 -

% - - - 10.0 - - 3.4 27.6 54.8 -

Região

Centro-

Oeste - - - 10 2 - 8,281 29,935 95,057 -

% - - - 0.1 5.9 - 4.7 8.8 9.8 -

têm origem no Amazonas, 4% no Pará e6% no Amapá. A balata responde por 15%e a maçaranduba por 14%, sendo queambos concentram em torno de 99% dovalor total gerado no Pará.

As relações que podem ser inferidasdestes dados, referem-se à importânciaeconômica da produção extrativa que,com exceção da madeira, não é umaatividade que destrói a cobertura vegetal.Sendo assim, é perfeitamente adequadaa um padrão de desenvolvimento que leveem consideração o meio ambiente,devendo, portanto, ser incentivada.

Outro aspecto importante dessasatividades, é que geram emprego, renda

e alimentos, para parcela significativa dapopulação regional, de maneiraharmônica com a base de recursosnaturais. A população que ocupou aregião amazônica o fez adaptando-se àscaracterísticas do meio ambiente e, aomesmo tempo, adequando suasnecessidades materiais de vida a essemeio.

Assim, houve uma integração entrea base econômica, a floresta e os rios,provando, de forma inquestionável, asuperioridade dessa economia, quandose tem como prioridade não destruir odelicado complexo equilíbrio dessesecossistemas.

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25Compêndio MAB 18

Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

B O R R A C H A S GOMAS NÃO-ELÁSTICAS

BRASIL E BORRACHA HEVEA HEVEA ALATA MAÇA- SORVAREGIÕES COAGU- LATEX RAN-

LADA (LEITE) DUBA

Brasil 1,127 39,447 2,949 275 249 1,258

% 100 100 100 100 100 100

Região

Norte 1,127 39,017 2,949 275 249 1,258

% 100 98.8 100 100 100 100

Rondônia 1,127 3,364 - - - -

% 100 9.0 - - - -

Acre - 23,183 - - - -

% - 58.8 - - - -

Amazonas - 10,424 1,484 1 1 1,126

% - 26.4 50.3 0.5 0.4 89.5

Roraima - - - - - 131

% - - - - - 10.4

Pará - 1,798 1,289 273 248 -

% - 4.6 43.7 99.5 99.6 -

Amapá - 47 175 - - -

% - 0.1 6.0 - - -

Região

Nordeste - - - - - -

% - - - - - -

Região

Sudeste - - - - - -

% - - - - - -

Região

Sul - - - - - -

% - - - - - -

Região

Centro-

Oeste - 430 - - - -

% - 1.1 - - - -

Fonte: O valor em cruzeiros foi tomadoda Fundação IBGE, “Produção vegetalextrativa, Brasil, 1980”.

* Para a conversão de cruzeiros a dólares,a taxa média ponderada, calculada epublicada por FGV, IBRE, na revistaConjuntura Econômica 42 (1), janeiro de1988, é a utilizada aqui. O valor médioponderado do dolar em 1980 foi de52,699.

Artocarpus integrifolia

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26 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

F I B R A S OLEAGINOSAS

BRASIL E BURITI PIASSAVA TUCUM TUCUM BABAÇU CUMA- LICURIREGIÕES AMÊN- AMÊN- RU CASTA-

DOAS DOAS NHA

Brasil 553 15,726 60 1,879 74,733 289 1,766

% 100 100 100 100 100 100 100

Região

Norte 24 289 - - - 289 5

% 4.4 1.8 - - - 100 0.3

Rondônia - - - - - - -

% - - - - - - -

Acre - - - - - - 5

% - - - - - - 0.3

Amazonas - 289 - - - - -

% - 100 - - - - -

Roraima - - - - - - -

% - - - - - - -

Pará - - - - - 288 -

% - - - - - 99.7 -

Amapá - - - - - - -

% - - - - - - -

Região

Nordeste 528 15,435 59 1,878 60,794 - 1,760

% 95.6 98.1 98.9 100 81.3 - 99.7

Região

Sudeste - - - - 54 - -

% - - - - 0.0 - -

Região

Sul - - - - - - -

% - - - - - - -

Região

Centro-

Oeste - - - - - - -

% - - - - 18.5 - -

Tabela 2. (Continuação)

Basta citar o fato de que, até 1980,quando a economia regional ainda estavaassentada na produção extrativa, apenas2,47% da cobertura vegetal havia sidoalterada. Quando a economia regionalvoltou-se para a agropecuária e extraçãomineral, em sete anos essa taxa passoupara 6% (Funatura-Fundação Pró-Natureza, 1989).

Nesse sentido, foi a economiatradicional, entendida como o conjuntodas atividades produtivas desenvolvidaspela população desde a época dacolonização, tais como as extrativas,agrícolas e pesqueiras, que assegurou amanutenção da floresta para futuraexploração.

Agregando aos dados de produção,a composição ocupacional da área ruralda região Norte, tem-se um quadrocompleto da estrutura econômicatradicional.

A diversidade da economia e daocupação tradicionais na Amazônia estáexpressa nos dados apresentados naTabela 3, sintetizados a seguir. A primeiraobservação de caráter geral é a de que oextrativismo não constitui uma atividadeisolada das demais. Na verdade, os dadosmostram a possibilidade de se realizaruma tipologia da economia tradicional, naqual estão combinadas atividadesagrícolas extrativas que vão, desde umasituação de quase equilíbrio entre ambas

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27Compêndio MAB 18

Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

Tabela 3. Distribuição do pessoal ocupado no setor agrícolapor classe de atividade na Região Norte em 1980.

ESTADO AGRICULTURA PECUÁRIA EXTRAÇÃO OUTRAS TOTALBRASILEIRO VEGETAL A TIVIDADES

Acre 41.613 12.467 38.366 3.308 95.754

% 43,5 13,0 40,1 3,4 100

Amazonas 309.759 20.814 121.951 8.178 460.702

% 67,2 4,5 26,5 1,8 100

Amapá 9.067 2.048 2.839 569 14.523

% 62,4 14,1 19,5 4,0 100

Pará 722.594 98.794 164.538 30.869 1.016.795

% 71,1 9,7 16,2 3,0 100

Rondônia 126.321 25.504 15.628 9.481 176.934

% 71,4 14,4 8,8 5,4 100

Roraima 11.001 4.738 343 821 16.903

% 65,1 28,0 2,0 4,9 100

Total 1.220.355 164.365 343.665 53.226 1.781.611

% 63,4 13,9 18,8 3,9 100

Fonte: Fundação IBGE "Censos Agropecuários dos Estados de

Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, 1980"

(no caso do Acre) até o outro extremo,onde a agricultura superasignificativamente o extrativismo, como éo caso do Pará.

Deve-se observar que os dadosreferem-se à economia familiar, uma vezque a grande maioria das pessoasempregadas nessas atividades (mais de85%) em toda a região, desenvolve suasatividades com os chamados “membrosnão remunerados da família”. Ou seja, osdados sobre agricultura e pecuária citadosabaixo compõem a economia tradicionale não a dos grandes projetos implantadosna Amazônia.

Os dois polos mais significativos dadiversidade regional são o Acre e o Pará.No caso do primeiro, das 95.754 pessoasocupadas na área rural, a maioria sededica à agricultura (43%) e extração ve-getal (40%) e, por último, à pecuária(13%). No caso do Pará, o setoragropecuário absorve 1.016.790 pessoas,das quais, 71% estão envolvidas com

atividades agrícolas, 16% com a extraçãovegetal e 9,7 com a pecuária.

Uma posição intermediária, nessatipologia, está representada peloAmazonas (com 460.702 pessoasocupadas) e Amapá (14.523 pessoasocupadas). Apesar do peso da agricultura(67,2% e 62,4%, respectivamente), oextrativismo ainda é significativo emtermos de ocupação (26,5% e 19,5%).

Por último estão dois estados comcaracterísticas díspares em relação aosanteriores, Rondônia (176.934 pessoasocupadas) e Roraima (16.903 pessoas).Em ambos, a pecuária é mais significativaque o extrativismo (14.4% e 28%respectivamente) estando a agricultura,também em primeiro lugar (71.4% e65.1%).

Em síntese, quando se fala emReserva Extrativista na Amazônia, apesardo nome dar ênfase a uma das atividadesda economia regional, está se referindoao conjunto de integrado de diferentes

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28 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

atividades (extrativas, agrícolas epecuárias), com pesos diferenciadosconforme a região, mas semprepresentes.

A QUESTÃO DABORRACHA

Muitos autores têm criticado asReservas Extrativistas em decorrência dagrande dependência que apresentam emrelação a um único produto, a borracha.Argumentam com o fato da borracha

nativa ter seus preços administrados pelogoverno, por não conseguir competir coma oriunda dos seringais de cultivo.

A questão da borracha, no entanto,não pode ser analisada exclusivamenteem termos econômicos. A extração deborracha na Amazônia desempenhafunções sociais (ao gerar emprego erenda) e funções ambientais (por não ser

L. Emperaire

predatória e possibilitar a fiscalização dafloresta pelos seringueiros).

Além disso, a produção de borrachaoriunda dos seringais nativos daAmazônia tem pequena expressão nomercado. É um volume de 14.500toneladas que pode ser absorvida pelaindústria, garantindo a ocupação emextensas áreas da região. Considerandoum valor para a borracha, que remunere

adequadamente o extrator, incentivando-o a permanecer na floresta, igual a US$2.82 o quilo, o custo anual de proteçãoda floresta, igual à compra de toda aborracha produzida pelos seringueiros,não seria maior do que US$ 42 milhões,valor insignificante se comparado com oque o Estado gasta em incentivos paraatividades sem sustentabilidade na

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29Compêndio MAB 18

Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

Amazônia. (Para detalhes ver CNS, UNI,IEA, 1991).

RESERVASEXTRATIVISTAS ESISTEMASAGROFLORESTAIS

A criação de uma Reserva Extrativistanão significa sua imobilização, seja emtermos econômicos ou sociais. Aocontrário, é um processo de intervençãoplanejada em uma realidade queapresenta a mais variada gama deproblemas: são populações pobres, sem

infra-estrutura social, com pequenacapacidade organizativa e altasdemandas emergenciais. Não significa,portanto, que se pretenda manter a baseextrativista tal como se encontra nomomento em que uma reserva é criada.

A concepção elaborada peloConselho Nacional dos Seringueiros(CNS) e por diferentes instituições que osassessoram, (universidades, centrosregionais de pesquisa) para oplanejamento de uma Reserva Extrativistaé a dos sistemas agroflorestais. Ou seja,a proposta toma como ponto de partida adiversidade econômica já existente (eaqui demonstrada detalhadamente) epropõe a introdução de tecnologias pararealizar adensamento e enriquecimentoda cobertura vegetal, aproveitamento decapoeiras para plantios perenes, assimcomo projetos de processamento indus-trial dos produtos da floresta.

O Seminário realizado em fevereirodeste ano, no Acre, sobre “AlternativasEconômicas para as ReservasExtrativistas” teve como ponto de partidaa afirmação de que o objetivo principaldo trabalho do CNS nas Reservas é abusca de alternativas para diversificar aprodução, dentre elas a implantação desistemas agroflorestais, que permitiriamassociar espécies de diferentes usos, in-clusive para atividades madeireiras,reduzindo o tempo gasto com atividadesagrícolas, otimizando o uso do espaçodesmatado e reproduzindo, na medida dopossível, um ecossistema parecido como da floresta (CNS, 1991).

O Seminário contemplou o conjuntodas atividades econômicas existentes nasReservas (borracha, castanha, madeira,outros produtos não madeireiros e

L. EmperaireFrequentemente, a hevea é marcada e exudadadesde a sua base até uma altura de 3-4m. Mostrado a esquerda em Acre.Direita, transporte de látex em formacoagulada no Rio Negro, Região deSanta Isabel.

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30 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

agricultura) exemplificando apreocupação das comunidadesextrativistas tradicionais com alternativasque, a curto e médio prazo, possamgarantir melhores condições de vida, semafetar o equilíbrio da floresta. Conclui-seque a borracha é a base de sustentaçãodas Reservas no curto prazo e que deveter preços condizentes com a função deproteção da floresta que desempenha;devem ser incentivadas iniciativas deindustrialização da castanha e de outrosprodutos não madeireiros; a extração demadeira continua sendo proibida dentrodas Reservas; deve ser dada ênfase àintrodução de sistemas agroflorestais. Asespécies a serem utilizadas nos sistemasagroflorestais devem ser prioritariamentenativas da região e de uso múltiplo (fruto/madeira/mel), inclusive que apresentemrecurso alimentar para a fauna silvestre;o desenvolvimento de sistemasagroflorestais deve ocorrerprioritariamente em áreas já degradadase de capoeira (CNS, IEA, FundaçãoFORD, 1991).

Outra alternativa importante que vemsendo iniciada nas áreas das Reservas éa combinação entre o extrativismo e aindústria semi-artesanal. Trata-se daintrodução de tecnologias adaptadasvisando o processamento dos produtosextraídos da floresta, realizado em áreaspróximas às Reservas (ou mesmo dentrodelas), com o objetivo de agregar valor emelhorar a renda, desde o início doprocesso produtivo. Experiência pioneiranesse sentido está sendo desenvolvidapela Cooperativa Agro-extrativista deXapuri que implantou uma usina debeneficiamento de castanha, exportando-a diretamente para os EUA e obtendo,com essa comercialização, preços maiselevados, pelo fato de terem origemsustentável. Iniciativas semelhantes aessa podem ser iniciadas com umconjunto de produtos que, ao seremcomercializados sem processamento,impedem que os extratores obtenhamaumento de renda (IEA, 1991).

Conclusões

Para que as Reservas Extrativistaspossam ser consideradas como parte deuma política de uso dos recursos naturaisrenováveis na região amazônica, algumasconsiderações de ordem estruturalprecisam ser feitas:

Primeiro, as Reservas Extrativistasnão podem permanecer como áreasisoladas em um contexto regional regidopor regras desenvolvimentistastradicionais. Isso significa que ospressupostos que deram origem a esseconceito -uso sustentável dos recursosnaturais e benefício social- precisam vira fazer parte da política dedesenvolvimento da região amazônicacomo um todo. Nesse caso, e no âmbitodo zoneamento ecológico-econômico,aquelas áreas identificadas com potencialextrativo, devem ser destinadas a polosde eco-desenvolvimento, nos quaisseriam incentivadas atividadeseconômicas voltadas à agregação devalor aos produtos da economiatradicional.

Segundo, a atual conjunturaeconômica e política dos países do sul,especialmente do Brasil, em termos devalorização de iniciativas dedesenvolvimento com conservação dosrecursos naturais, apresenta umcomponente estratégico do ponto de vistada região amazônica: os novos mercadospara produtos “verdes”, cuja rendapotencial é avaliada em cerca de 1 bilhãode dólares por ano (Clay, 1990). Estudorealizado pelo Instituto de EstudosAmazônicos para a FAO (IEA, 1991)identificou, na literatura, mais de 100plantas com utilidade econômicapotencial. Existe capacidade técnicainstalada, nos órgãos de pesquisa daregião amazônica, para tranformar essapotencialidade em produtos para o

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31Compêndio MAB 18

Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

mercado. Agregar valor aos produtosconsiderados “menores” da floresta(resinas, óleos, frutos, gomas, amêndoas,plantas medicinais), considerando osdireitos de exploração sobre elesexistentes, por parte de populaçõesindígenas e regionais, pode significar umimportante dinamizador da economia re-gional.

Terceiro, independente de suaabrangência regional, as ReservasExtrativistas podem se constituir emunidades exemplares para projetos demanejo das florestas tropicais. Propostavisando o aumento do número deprodutos extraídos da floresta, assimcomo o aumento da produtividade a níveiscompetitivos, mantendo o princípio do usosustentado, pode se constituir emalternativa viável através dasdenominadas Ilhas de Alta Produtividade(Kageyama, 1991). Seriam áreaspequenas (1-2 hectares) nas quais asculturas em extração, puras ouconsorciadas, na forma de variedadesmelhoradas derivadas de populaçõeslocais, se constituiriam em umacontinuação das populações naturais epoderiam influir no aumento deprodutividade.

Quarto, também a contribuição dasReservas Extrativistas na conservação insitu de recursos genéticos vem sendoconsiderada por alguns autores. EduardoLleras, do Centro Nacional de Pesquisasde Recursos Genéticos e Biotecnologia(CENARGEN/EMBRAPA) considera essamodalidade de uso dos recursos como“reservatórios naturais de genes sobmanejo limitado, e como tais, (...) degrande interesse para conservação”(Lleras, s.d.). Também Kageyama, noartigo citado, considera que o uso nãointensivo das florestas, com baixo nívelde intervenção no ecossistema, existentenas Reservas Extrativistas, permite acompatibilização da exploração dosrecursos florestais com a conservação

dos recursos genéticos (Kageyama,1991).

Quinto, medidas como as citadas, eoutras, requerem uma alteração nosmecanismos institucionais que induzemao desenvolvimento. Incentivos fiscaispara atividades sustentáveis;mecanismos de financiamento para aindustrialização de produtos oriundos dasflorestas tropicais ou da pequenaprodução; tecnologias que busquem aracionalização dos sistemas agro-industriais em termos de ocupação e meioambiente; redirecionamento dosmercados para valorização de produtosde origem sustentável, são sugestões quepodem compor uma nova estratégia dedesenvolvimento para a regiãoamazônica.

Um pressuposto essencial para essenovo modelo de desenvolvimento é ainclusão no sistema de contas nacionais,do valor dos recursos naturais e da suaconservação, uma inversão de conceitosque poderá resultar da percepção doambiente como capital. Tendo esseselementos como pressuposto, torna-seurgente e necessário que o GovernoBrasileiro transforme o potencial extrativoexistente na região em um estoque deáreas para o uso sustentável e odesenvolvimento social.

Referências

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(13) 3.

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32 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

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Vol. I, IEA, Curitiba.

A exploração do pau-rosa envolve a tala dasárvores e a abertura de numerososcaminhos de acesso. Ver também asfotos nas páginas 43 e 81.

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33Compêndio MAB 18

Politicas para o uso dos recursos naturais renováveis

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35Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

EXTRATIVISMO VEGETAL NA

AMAZÔNIA:

LIMITES E POSSIBILIDADES

ALFREDO K. O. HOMMA

A dimensão política doextrativismo vegetal

A repercussão do assassinato dolíder sindical Chico Mendes, ocorrida em22 de dezembro de 1988 colocaram oextrativismo vegetal e as reservasextrativistas, como paradigma dedesenvolvimento agrícola adequado paraa Amazônia.

O amplo apoio que passou a receberde pessoas formadoras da opiniãopública, nacional e internacional,organismos internacionais, sobretudo dasOrganizações Não-Governamentais(ONGs), nacionais pactuadas com asexternas, eclipsaram a possibilidade deuma discussão científica, técnica e sócio-econômica sobre o tema. A convicçãopolítica e antropológica ganharamcontornos mais definidos, onde oextrativismo vegetal e as reservasextrativistas foram utilizados, na época,como ponta de lança para criticar apolítica ambiental brasileira e osdesmatamentos que eram realizados(Maxwell, 1991; Margolis, 1992).

Na mídia mundial e na opinião públicaextra-Amazônia, deu-se a impressão que

foi descoberto o extrativismo vegetal. Talqual a fabulosa Fênix, ave da mitologiaegípcia que, queimada renascia daspróprias cinzas, esquecendo se tratar deatividade que tem suas origens desde oaparecimento do Homem na face daTerra, há milhões de anos. Tanto queadmitindo a origem bíblica, a primeiramaçã que Adão e Eva provaram noParaíso, foi uma maçã extrativa e queprovavelmente, o Paraíso não estavanuma região tropical.

Na minha opinião, a repercussão doassassinato de Chico Mendes, trouxeduas importantes contribuições. Aprimeira foi a de chamar a atençãomundial para a Amazônia, naquele tempo,como o estereótipo de que uma grandefogueira estaria consumindo aquelaregião. Estas notícias foram motivo demanchetes no mundo inteiro, favorecidastambém pelos preparativos queculminaram na realização da Conferênciadas Nações Unidas sobre o MeioAmbiente e Desenvolvimento (RIO 92), noRio de Janeiro, em junho de 1992. Acontribuição mais importante, a meu ver,foi a complementaridade que sedescarregou no conjunto de forças quantoa importância da questão ecológica. A

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36 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Amazônia, sobretudo nas décadas desetenta e oitenta vivenciou uma “tragédiados comuns”. Os recursos naturais dessavasta região apresentavam-se como sefossem “bens livres” como o ar, como senão tivesse custo, livre para quem delese apropriar primeiro. A questão ecológicatransformou a situação de “tragédia doscomuns” para outro conceito da teoria dosrecursos naturais, conhecida como“dilema dos prisioneiros”. Isto é, tanto parafazer a preservação ou a depredação dosrecursos naturais é necessário haver aconcordância da sociedade.

Não se pode esquecer que naAmazônia existe um significativocontingente populacional, que aindadepende direta e indiretamente doextrativismo vegetal para suasobrevivência vegetal. O Estado namedida do possível deve atender essaspopulações em termos de educação,saúde, estradas e outros benefíciossociais. Quanto a de colocar essa opção,como paradigma de desenvolvimentoadequado para a Amazônia constitui umatemeridade.

O extrativismo vegetal constitui umabase de desenvolvimento de vultobastante frágil, que se justifica mais pelonível de pobreza dos seus habitantes edo mercado de mão-de-obra marginal.Trata-se de uma economia moribunda,cuja tendência inevitável é o seudesaparecimento à medida que omercado desses produtos foremcrescendo, das políticas salariais face abaixa produtividade da terra e da mão-de-obra, do crescimento populacional, doaparecimento de outras alternativaseconômicas, entre inúmeras outras. Tantoque hoje, nenhuma dona de casa estácomprando banana, alface, manga, caféou algodão de origem extrativa, além demilhares de outros produtos, pois todoseles foram domesticados nestes últimosdez mil anos (Homma, 1992a, 1992b).

O que vai acabar com a economiaextrativa não são os assassinatos, massilenciosamente pela economia demercado. O problema dos seringueirosdecorre muito mais de um problema denatureza agrária e econômica do queecológico. Qualquer tentativa de apoio aoextrativismo vegetal seria mais no sentidode prolongar essa agonia. Cada produtoextrativo apresenta característicaspróprias, o que é perigoso efetuargeneralizações. Não se pode esquecerque a sustentabilidade micro-econômicanão garante a sustentabilidade macro-econômica e que uma sustentabilidadetende a afetar a outra e viceversa.

No bojo dessa concepção a“estratégia do índio” do convívioharmônico com a natureza passa a servendida também como opção ideal paraa Amazônia esquecendo que aseconomias indígenas quando entram emcontacto com a economia do civilizado,tendem a desagregar. O saldo positivo doepisódio Paiakã foi a de quebrar essa“cristaleira”, tornando visível os jogos deinteresses econômicos, políticos a atéecológicos, além dos privilégios artificiais.

O mesmo acontece com as reservasextrativistas onde existe uma coalizaçãode interesses. O desconhecimento dosfinanciadores externos (ou conhecimento)quanto aos limites do extrativismovegetal podem levar a frustrações futurasou que estes estão sendo utilizados comomecanismo de pressão. Nesse sentido épatente que as reservas extrativistas setransformaram numa “espada deDâmocles” da questão ambientalbrasileira onde não se discute oextrativismo vegetal em sí, mas como quea Amazônia deve ser conduzida paraagradar a comunidade ecológicainternacional.

Nesse ínterim de pouco menos decinco anos, o discurso ufanístico dasreservas extrativistas e do extrativismovegetal vem cada vez cedendo lugar aterríveis problemas de sustentabilidade

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37Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

econômica (Conselho Nacional deSeringueiros, 1992). A visão paradisíacade que os seringueiros estavam vivendonum mundo de Nirvana começa adesaparecer, face a denúncias de fome emiséria nos seringais pelos seus própriosparticipantes. Há um evidente processode “agri-culturalização” entre osextratores, um nível de pobreza bastantegrande, enquanto a liderança dessesmovimentos, tal como numa tragédiaorwelliana, cruzam os céus do mundoafirmando que se trata de único modelode desenvolvimento sustentado naAmazônia.

Esse culto à pobreza, pregando umavolta ao passado e renegando osproblemas do presente, constitui umademonstração de “subdesen-volvimentosustentado” para a Amazônia. A apologia“neo-extrativista” é a meu ver, semelhanteao considerar o modo de vida dosesquimós e tuaregues. Enquanto osesquimós provaram ao mundo que sãocapazes de viver em condições inóspitasde gelo e frio, os tuaregues conseguemviver num ambiente de escassez de águae de muito calor. Mas os dois povos,dificilmente conseguirão alcançar níveisde qualidade de vida e de evolucionar comela.

O próprio conceito de reservasextrativistas vem sofrendo mutaçõesdesde quando foi lançado na segundametade da década de oitenta. Do sonhoutópico de que os seringueiros poderiamviver exclusivamente da extração daborracha extrativa, passaramposteriormente a reivindicar preços maiselevados e exclusivos para a borrachaextrativa de péssima qualidade e de ummercado cativo (Instituto de EstudosAmazônicos, 1991). Intenta-se oaproveitamento integral de outrasespécies extrativas, de soluçõestecnológicas procurando o seuadensamento na mata, da busca deespécies nativas que supostamenteteriam condições para curar diversos

males como o câncer e o AIDS, passandopela industrialização de produtosextrativos e na implantação de sistemasagroflorestais. Estas duas vertentes finaispassam a tomar maior força nasdiscussões mais recentes (Ab’Saber,1992; Allegretti, 1989;cf. Allegretti, nesteCompêndio; Oliveira, 1991).

Há o perigo de sair de uma utopia eentrar em outra. Não resta dúvida que aindustrialização ou beneficiamentoprimário de alguns produtos extrativospodem agregar algum valor, mas não sepode esquecer que se trata de soluçõeslimitadas, de abrangência geográficarestrita e de mercados. O mesmoacontece quando se pensa que ossistemas agroflorestais sejam a novapanacéia para a Amazônia, conduzindoa uma “reserva extrativista semextrativismo”. Um dos melhores exemploscomerciais de sistemas agroflorestais naAmazônia não são mais do que duascentenas de colonos nipo-brasileiros deTomé-Açu, fruto de diversastransformações ocorridas ao longo demais de seis décadas de experiências. Agrande dificuldade no caso de sistemasagroflorestais refere-se ao mercado dosprodutos componentes, que no caso deculturas perenes, basta frações de áreaque seria suficiente para saturar omercado local, regional e atéinternacional. Além disso, os sistemasagroflorestais exigem maior intensidadeno uso de mão-de-obra e de capital,gerenciamento, que provavelmente osmenos competentes vão ter que trabalharpara os mais competentes. É bemprovável que apenas uma fração consigaevoluir para os sistemas agroflorestais.Essa suposição baseia-se no fato de quena Amazônia, os extratores, os caboclose os colonos, sempre mostraram umatendência para repetir as práticas dosseus antepassados ou de seus locais deorigem, como o Robinson Crusoé,personagem do romance de Daniel

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38 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Defoe. Existe, portanto, um problema queé comum para toda a agriculturaamazônica.

O extrativismo vegetal passa tambéma receber novas deno-minações, paraatender ao contexto filosófico em que écolocado. Têm-se então o extrativismotradicional, extrativismo puro, extrativismomoderno, extrativismo avançado,extrativismo de produtos não-madeireirosou até a mudança de denominação como“reservas de eco-desenvolvimento”, comoos principais (Acordo Sudam/PNUD,1991). Critica-se o atual atraso e apobreza das populações extrativas comoo descaso das instituiçõesgovernamentais pela falta de sentidopolítico em atender essas populaçõesextrativas esquecendo-se que ela decorredo próprio processo de evolução. Noâmbito internacional, a idéia das reservasextrativistas também está sendoimplantada em diversos países, muitasdelas recebendo outros nomes exóticos,como as “reservas da biosfera”,patrocinadas pela UNESCO.

Em fevereiro de 1992, o governobrasileiro face às pressões das ONGs eda crítica situação dos seringueiros, alémda proximidade da RIO 92, deflagra umprograma emergencial para as reservasextrativistas. O citado documento nadamais é do que um atestado dainviabilidade econômica do extrativismovegetal, que por sí só não conseguecaminhar. As reservas extrativistastransformam-se dessa maneira, como umprograma sustentado pelos cofrespúblicos e de financiamento externo. Emse tratando dessas populações não háalgo melhor se de fato o governo investirpesadamente em educação, saúde,alternativas econômicas, entre outros. Aconseqüência é criar uma ineqüidadepara um reduzido contingente, quesupostamente estaria protegendo afloresta, enquanto milhares de pequenosagricultores seriam taxados comocriminosos e à margem dessas

vantagens. Nessa concepção as reservasextrativistas passam a ser instrumento dedesenvolvimento rural integrado daspopulações que estão vivendo doextrativismo. Outra conseqüência seria ada proliferação de dezenas de reservasextrativistas como maneira de garantiressas facilidades, criando um supostoambiente artificial e da restrição àliberdade duramente conquistada. Nessesentido o interesse dos extratores pelasreservas extrativistas decorre muito maispela falta de atenção governamental nosserviços sociais básicos no meio rural.

Não se pretende com esse artigotrazer uma visão fatalista para oextrativismo vegetal, mas a de mostrar aoutra face do extrativismo vegetal,descrito por Euclides da Cunha no iníciodeste século e cujo nível de pobrezapermanece até os dias atuais, apesar deter emprestado a sua contribuição nopassado (Mendes 1991). A partir doaparecimento do mito Chico Mendes, oextrativismo vegetal e as reservasextrativistas passaram a ser umverdadeiro “cubo mágico” oucaleidoscópio, cujo jogo de interesses,pressões e utopias, tendem, a prejudicartoda a coletividade amazônica. Difundiu-se a ilusão de que as reservasextrativistas eram a solução adequadapara a Amazônia pelos seus seguidorese que esse futuro poderia ser “diferente”para os extratores (Browder, 1992, Torrese Martine, 1991).

Ressalto que não tenho nada contrao extrativismo vegetal e as reservasextrativistas. Entendo a economiaextrativa como dependente do processode desenvolvimento e cujo fim inexorávelserá o seu gradativo desaparecimento. Aeconomia extrativa carrega no seu própriobojo a semente de sua auto-destruição,tal qual a serpente mitológica que se auto-devora engolindo sua própria cauda.Existe uma população extrativa que comocidadãos devem ter todo o direito àsaspirações para a melhoria da sua

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39Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

qualidade de vida. Somente a eles cabemo direito de decidir sobre seu destino efuturo. Pregar a volta ao passado, tal qualRousseau explicitou no “belo selvagem”para atender a um modelo mentalelaborado nos países desenvolvidos écinismo, que pode levar à perda do apoioda própria sociedade amazônica.

Não se pode esquecer que naAmazônia vivem 16 milhões de habitantesque tem todo o direito as suas aspiraçõesde saúde, educação, saneamento,emprego, entre outros, e que mais dametade dessa população já vive no meiourbano, aumentando conseqüentementea responsabilidade da população rural dealimentar a sí e a população nas cidades.Dificilmente, isso será conseguido com asreservas extrativistas. O PIB da AmazôniaLegal em 1991 foi de 22,3 bilhões dedólares, o que dificilmente poderá sersubstituído por atividades inerentementeextrativas. O discurso utópico que a maiorriqueza da Amazônia seria a suabiodiversidade, recebeu um banho deágua fria quando os Estados Unidosrecusaram a assinar o acordo dabiodiversidade na RIO 92. Paratransformar a biodiversidade em riquezasão necessários pesados investimentose tecnologia, pois não adianta ser umalmoxarifado de recursos genéticos. Épreciso descobrir, analisar seuscomponentes, domesticar, efetuarplantios racionais, sintetizar emlaboratórios, efetuar a produção emescala comercial, testar e assim pordiante, que dificilmente um paíssubdesenvolvido tem condições de arcarcom esses investimentos.

O presente artigo constitui umacondensação de diversos artigospublicados desde 1980. Com isso querocontribuir para melhorar os debatesquanto a esse tópico que tomou conta dosmeios acadêmicos mundiais. As minhasposições têm sido coerentes desde osprimeiros artigos. Acompanho com certasatisfação, que nos últimos tempos tem

aumentado o número de pesquisadoresque têm analisado o extrativismo vegetale as reservas extrativistas com umapostura mais crítica. Espero que daqui adez ou vinte anos, estas verdadesreapareçam. É possível que eu estejaerrado, mas no momento, os argumentosapresentados e a visão teórica, não meconvencem a mudar de posição.

Na Amazônia uma parte dapopulação garimpa o lixo para sobreviver.Metade da população de Belém vive nosalagados. É possível que frente a essequadro seja preferível manter aspopulações no extrativismo vegetal,evitando o êxodo rural. Concordoplenamente, só que essa populaçãoconstitui apenas uma fração e que énecessário considerar a Amazônia no seuconjunto. Proibir o desmatamento apenaspor proibir, para alcançar o“desmatamento zero” para agradar àcomunidade ecológica internacional jávem trazendo pesados custos sociaispara a Amazônia. Não se quer com issorecomendar que precisamos “desmatarpor desmatar” mas não se pode esquecerque na Amazônia existem cerca de 500mil pequenos produtores que necessitamefetuar desmatamentos para a suasobrevivência. É nessa perspectiva quedeve ser analisada a questão dasreservas extrativistas. Tem a suaimportância, numa dimensão restrita, paradeterminadas áreas, para pequenoscontingentes populacionais, numhorizonte de curto e médio prazos, comouma maneira de “comprar tempo”,enquanto não surgirem outras alternativaseconômicas.

O artigo discute teoricamente aeconomia extrativa dentro de um prismaneoclássico. Para mais de três mil plantasque foram domesticadas (além dedezenas de animais) e que constituem abase da agricultura mundial seguiuexatamente essa trajetória. Mesmo naregião amazônica, os exemplos do cacau(Theobroma cacao L.), chinchona (Chin-

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40 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

chona calisaya Wedd e C. ledgeriana R.et P.; quinine), coca (Erythroxylum coca

Lam.; cocaine), seringueira (Hevea

brasiliensis, M. Arg.), urucu (Bixa orellana

L.; dye), guaraná (Paullinia cupana H. B.K.; Brazilian soft drink), cupuaçu(Theobroma grandiflorum [Spreng]Schum), entre dezenas de outros queestão sendo domesticados, apontamnessa direção.

A dimensão teórica doextrativismo vegetal

O EXTRATIVISMOVEGETAL COMOCICLO ECONÔMICO

Quatro fases caracterizam a evoluçãoda extração dos recursos vegetais naregião amazônica (Figura 1). Na primeirafase, a de expansão, observa-se francocrescimento da extração, favorecida pelaexistência de melhores reservas ou pelaposição monopolística que caracteriza omercado do recurso. A extraçãomadeireira e do palmito na Amazôniaconstituem exemplos dessa situação.

A fase de estabilização representaum equilíbrio entre a oferta e a demandaperto da capacidade máxima de extração.Nessa fase, os extratores fazem todo oesforço para manter a produção atingida,mesmo a despeito da elevação dos cus-tos unitários para atender aoscompromissos do mercado criado. Ospreços passam a elevar-se a partir dessafase, dada a incapacidade do setoraumentar a extração para atender aocrescimento da demanda. Política deestímulo à produção racional ou medidasprotecionistas para o setor extrativopodem ser adotadas. No caso daseringueira, por exemplo, os preços parao mercado interno já chegaram a ser trêsvezes mais altos que os do mercado

externo. Procurava-se estimular osplantios racionais e, paradoxalmente,conseguir retardar o processo de extinçãodo extrativismo (Homma, 1983). Acastanha-do-pará (Bertholletia excelsa

Humb) parece estar começando a atingira fase de estabilização.

A fase de declínio, causada pelaredução dos recursos e pelos aumentosnos custos de extração, leva à quedapaulatina da sua extração. O esgotamentoprovoca declínio na quantidade equalidade do recurso natural a serofertado e reduz o volume de extraçãopara o mesmo esforço anterior e aelevação dos custos unitários. O caso daextração de pau-rosa (Aniba rosaeodora

Ducke) exemplifica uma situação dessanatureza.

A fase de plantio domesticadocomeça a se esboçar durante a fase deestabilização, desde que asdisponibilidades tecnológicas para adomesticação, inexistência de substitutos(naturais e sintéticos) e a existência depreços favoráveis criem condições parao plantio.

A duração dessas fases nãoapresenta um caráter determinísticorelacionado apenas com a disponibilidadede estoques de recursos extrativos. Elasestão também em estreita dependênciacom as políticas de desenvolvimento,afetando as variáveis de naturezaeconômica e social, do desenvolvimentocientífico e tecnológico, das correntesmigratórias, do mercado de mão-de-obra,e, mais recentemente, das políticasambientais. A questão da viabilidade doextrativismo nessas diferentes fases aolongo do processo histórico depende doequilíbrio das variáveis de naturezaagronômica, ecológica, econômica e so-cial (Figura 2). Essa sustentabilidadeassim definida, requer que a atividadepermaneça lucrativa ao longo do tempo,proporcionando melhorias sociais paraseus participantes, além da capacidade

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41Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

Prod

ução

/ E

xtra

ção

Tempo

extr

ação

plantio domesti

cado

Fase deexpansão

- madeira- palmitos

Fase dedeclínio

- pau-rosa- guaraná- borracha- cacau- timbó

Fase deplantio domesticado

- guaraná- seringueira- cacau- coca

Fase deestabilização

- castanha- do-Pará- seringueira

Figura 1. Ciclo do extrativismo vegetal naAmazônia

de manter equilíbrio adequado quanto àscaracterísticas agronômicas e ecológicas.

A atividade extrativa apresenta,portanto, características intrínsecas deadaptação agronômica e ecológica. Estascaracterísticas ao interagirem com oambiente sócio-econômico determinamefeitos distintos e passam por sua vez aafetar os aspectos agronômicos eecológicos, num processo coevolutivo. Oequilíbrio desses quatro componentesrepousa portanto numa base bastantefrágil em que a componente econômicaconstitui o seu principal “calcanhar deAquiles”.

O amplo apoio que a economiaextrativa passou a receber, enfatizandopor exemplo a criação de reservasextrativistas, pode levar a mudança naconformação desse ciclo. O efeito positivoseria o de estancar a expansão dafronteira agrícola, sem contudo garantir asustentabilidade econômica. Quatro

possibilidades teóricas podem seraventadas (Figura 3). A primeirarepresentada pela letra A é a de seguir oseu curso normal, tal qual foi explicitadoanteriormente na Figura 1. Uma segundapossibilidade seria a de estender aduração do ciclo, aumentando a duraçãode todas as fases, (B). A alternativa Cseria a de prolongar a fase de estagnação.A quarta alternativa (D) é a de que com acriação de reservas extrativistas poderiainclusive reduzir o ciclo do extrativismovegetal. Essa possibilidade pode ocorrerem áreas com alta pressão migratória, altadensidade demográfica, aparecimento deoutras alternativas econômicas e dasvariáveis que levam ao desaparecimentonatural da atividade extrativa. O cenáriofinal seria inevitavelmente o seudesaparecimento para qualquer uma dasquatro alternativas apresentadas.

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42 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

A CLASSIFICAÇÃO DAATIVIDADE EXTRATIVA EO PROCESSO DEEVOLUÇÃO DOMERCADO

Os processos extrativistas naAmazônia podem ser classificados emduas grandes categorias quanto à suaforma de extração.

Extrativismo por aniquilamento oupredatório: Quando a obtenção dorecurso extrativo implica na extinçãodessa fonte, ou quando a velocidadede regeneração for inferior àcapacidade de extração. Trata-se, porexemplo, da extração da madeira, dopalmito, do pau-rosa e da caça epesca indiscriminada.

Quando essa extração supera avelocidade de regeneração, o caminho

natural é a sua gradativa escassez atétornar antieconômica essa atividade.Normalmente, quando atinge esse nível,os estragos causados colocam em riscoa sobrevivência da espécie, levando àextinção.

Extrativismo de coleta ou não-predatório: Quando a sua extraçãoé fundamentada na coleta deprodutos, mantendo a integridade daplanta-matriz geradora do recurso.Como exemplos, podem sermencionados o extrativismo daseringueira e da castanha-do-parádesde que a taxa de regeneraçãocubra a taxa de extração, essa formade extrativismo asseguraria hipote-ticamente uma extração ad infinitum.

Em ambas situações predomina-seo caráter ricardiano da extração a de queos melhores recursos são extraídos,inicialmente, para determinada área

AGRONÓMICA ECOLOGIA

ECONOMIA SOCIAL

ATIVIDADEEXTRATIVA

Figura 2 - Sustentabilidade da extração vegetalna Amazônia

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43Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

Madeira talada de pau-rosa (Aniba rosaeodora

Ducke, Lauraceae), trazida à fábrica CIEXem Manaus para a extração de linalol.

D. Mitja

espacial e um horizonte de curto prazo.Essa perspectiva nem sempre se verificaquando se considera o contexto dosrecursos extrativos vegetais disponíveisna floresta amazônica. As grandesdistâncias e as dificuldades deescoamento em relação aos mercados,

Pro

duçã

o /

Ext

raçã

o

A

B

C

D

Figura 3 - Possibilidades de mudança no ciclo do extrativismovegetal por estímulos de políticas governamentais.

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44 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Início da exploraçãoextrativa

A intocabilidade dos recursos naturaispode ser explicada como tendo umaoferta potencial, cujo custo de extraçãoexcede a da demanda potencial por estedeterminado produto ou pela suadesimportância econômica.

Com o desenvolvimento datecnologia, dos métodos de extração oucom a melhoria das condições infra-estruturais, as condições para oextrativismo são viabilizadas, induzindoao início da extração. Esse início podeser entendido como tendo uma oferta (O)maior do que a demanda (D), como sefosse um bem livre, como o ar (Figura 4a).As curvas de oferta e demanda não secruzam, uma vez que a extração dorecurso é de utilização direta dos própriosextratores.

Com o crescimento do mercado, acurva de demanda (D, D1, D2, D3) vai sedeslocando gradativamente para a direita(Figura 4b), fazendo com que o preço

Pre

ço

(b)

O

0

D

D1D2

D3

Quantidade

as condições de salubridade e dodesconhecimento real do potencial fazemcom que estoques de melhor qualidadenão estejam sendo utilizados ou é feitade maneira predatória. O atual processode expansão da fronteira agrícola e ocrescimento populacional dirigido para asáreas de florestas densas de “terra firme”implicam também na destruição dessasáreas mais promissoras.

Para algumas espécies, a extraçãoé feita tanto por aniquilamento para umafinalidade e na forma de coleta para outrafinalidade. Como exemplo desse casotípico, temos a palmeira do açaí (Euterpe

oleracea Mart) da qual são obtidos opalmito por aniquilamento e o suco pelacoleta dos frutos.

Mesmo no extrativismo de coleta, osrecursos não deixam de ser aniquilados -quando não são objeto de uma extraçãoracional- por depredação visando oaumento de uma produtividade imediataou pela sua substituição por outrasatividades mais competitivasindependente da sua rentabilidade.

Pre

ço

(a)

O

0

D

Quantidade

Figura 4 - Processo de evolução de mercado para produtos extrativos

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45Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

Pre

ço

(c)

O

0 Quantidade

O1

Pre

dat

óri

o

D2

D1

D4

D3

Não

pred

atór

io

pago seja positivo para garantir a ofertado produto. Como os recursos extrativosse caracterizam pela oferta fixadeterminada pela natureza, a capacidadede oferta chega a um limite, assumindouma inelasticidade em relação àquantidade, ficando na vertical.

Final do processoextrativo

A fase final do extrativismo pode serinterpretado como decorrência doesgotamento dos recursos naturais ou darigidez da oferta.

Para o extrativismo por aniquilamento(Figura 4c), decorreria do deslocamentoda curva da oferta (O) para a esquerda(O1), pela redução das fontes derecursos, levando por conseguinte àelevação dos preços a cada nível deequilíbrio, a longo prazo, por não atenderà exigência da demanda (D1, D2), dadoo nível de rigidez de preços a partir doqual não seriam suportados maioresaumentos.

Para o extrativismo de coleta, istodecorre do fato de atingir o ponto em quea oferta passaria a ser inelástica (Figura4c), onde os preços atingiriam níveis tãoelevados com o crescimento da demanda(D3, D4) que seriam estimuladas asformas domesticadas, levando ao seuabandono, a sua substituição por outrasatividades ou a descoberta de substitutossintéticos.

A economia extrativa está embutidadentro de um contexto muito mais amplodo que é tradicionalmente analisado. Elacomeça inicialmente pela descoberta dorecurso natural que apresentapossibilidade econômica ou que seja útilpara o homem. A seqüência natural é oinício do extrativismo como atividadeeconômica. Em geral, o crescimento domercado e o progresso tecnológico fazemcom que seja induzida a domesticaçãodesses recursos extrativos (Figura 5).Essa seria uma seqüência natural quetem ocorrido para milhares de produtosextrativos que hoje são cultivados nomundo inteiro. Posteriormente, ocrescimento do mercado e odesenvolvimento tecnológico fez com quesejam descobertos substitutos sintéticos.Muitas vezes ocorre a quebra de umadessas fases, com foi o caso doextrativismo do pau-rosa que passoudiretamente do extrativismo para a dosintético, bem como o timbó (Derris nicou

[Aubl] Macbr e D. urucu K. et Sm). Com oprogresso da biotecnologia e daengenharia genética aventa-se apossibilidade de que os recursos naturaisque apresentem utilidade para o homempodem ser domesticados ou sintetizadosdiretamente sem passar pela faseextrativa. Esse aspecto coloca poucaschances quanto a revitalização daeconomia extrativa com a descoberta denovos recursos extrativos potenciais,principalmente fármacos. É possível queessa situação ocorra no início ou se oestoque de recursos extrativosdisponíveis for muito grande.

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46 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Outro aspecto que deve serconsiderado na economia extrativa refere-se à baixa elasticidade-preço dademanda como também da elas-ticidade-renda da demanda da maioria dosprodutos extrativos. A transformação dealguns produtos de origem extrativa como

RECURSONATURAL

ATIVIDADEEXTRATIVA DOMESTICAÇÃO

SUBSTITUTOSINTETICO

Figura 5 - Possíveis formas de utilização do recurso natural depois da transformação emrecurso econômico

Preço

0 Quantidade

O0D0

D1

P1

P0

O1

Figura 6 - Efeito das mudanças naoferta e demanda de produtoextrativo no curto prazo

“simbolismo ecológico” ou criandobarreiras artificiais (produto verde,industrialização, souvenirs, etc.) podemconstituir em novidade no curto prazo,mas mesmo assim, se o mercado sinalizarum crescimento significativo, a induçãopara a domesticação será inevitável, além

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47Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

de constituir em solução limitada parapequenos contingentes populacionais ede determinadas áreas específicas.

O provável do ponto de vista teóricoé uma significativa resposta na ofertaextrativa no curto prazo que não seráacompanhado em termos proporcionaisno deslocamento da curva de demanda(Figura 6). A queda nos níveis de preços,face à inelasticidade-preço da demandapode levar a uma queda na renda dosextratores.

Não se pode esquecer também quea economia extrativa apresentainterdependência no sistema econô-mico,onde tudo depende de tudo o mais. Nos é c u l o passado, o início do

extrativismo daseringueira

estava diretamente vinculada paraatender o mercado internacional. Dessaforma, vários produtos extrativos estãoconectados através do mercado a nívellocal, nacional e até internacional.

As relações de preços dos produtose dos fatores entre os diversos setoresda economia afetam também a economiaextrativa, independente da percepção doextrator. A atual tendência àagriculturalização dos seringueiros, porexemplo, depende muito das relações depreços entre produto agrícola/produtoextrativo. Se o preço do produto agrícolasobe mais que proporcionalmente que oproduto extrativo, a tendência é o extratorlocalizar suas atividades na curva detransformação com maior ênfase paraatividades agrícolas (P1) (Figura 7). Poroutro lado, se os preços dos produtosextrativos sobem mais queproporcionalmente que os produtosagrícolas (P0), a tendência é o extrator

dedicar mais tempo à atividadeextrativa. As políticas quetendem a favorecer oextrativismo vegetal, tais

AT

IVID

AD

E E

XT

RA

TIV

A

0

AGRICULTURA

P0

D

C

P1

E2

T0

E1

A1A2

T1

Figura 7 - Efeito dasmudanças nasrelações de preçosagrícola/extrativo noconjunto dasatividades de umextrator

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48 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

Pequena plantação de Hevea brasiliensis

a margem do Rio Negro. Aprodução de áreas como estacomplementa à obtida depopulações locais.

como a ênfase que está sendo dada àsreservas extrativistas, como a criação demercados cativos e investimentos eminfra-estrutura social, podem favorecer arelação de preços em favor de produtosextrativos no curto prazo. A médio e a

longo prazos permanece a dúvidase estas políticas terão condiçõesde serem mantidas, além daslimitações de mercados.

A influência dedomesticação derecursos extrativos

A domesticação dos recursosextrativos foi iniciada a partir doperíodo pré-histórico neolítico, istoé, há dez mil anos. A partir dessaépoca estima-se que das 300.000espécies existentes na face daTerra, cerca de 3.000, encontradasprimitivamente na Natureza foram,progressivamente, selecionadasadaptadas e cultivadas. Destasapenas 100 espécies de plantassão cultivadas em larga escala eapoiam a produção rural einúmeras atividades que ascomplementam (Heiser, 1973). Naregião amazônica e em outrasáreas tropicais, o processo dedomesticação constitui fenômenoem curso. Este aspecto tornaoportuna a análise do processo dedomesticação, uma vez que paraa maioria das plantas cultivadas,estas informações foram perdidasno tempo.

O processo de domesticaçãonão acontece de maneira uniforme

para os produtos extrativos. O sentidomais importante de domesticaçãoconsiste nas vantagens advindas deredução dos custos de produção e doaumento da produtividade da terra e damão-de-obra. Com isto, além dasvantagens práticas, possibilita quebrar arigidez imposta pela inelasticidade daoferta do setor extrativo que além dalimitação fixa do estoque, depende, quaseque exclusivamente do deslocamento demão-de-obra para o aumento na extração.Esse aspecto inviabiliza o atendimento ao

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Extrativismo vegetal na Amazônia

natureza estática ou declinante doextrativismo. Isto faz com que o nível depreço do produto decresça, provocandotambém a reorganização dos fatores deprodução e a inviabilização doextrativismo vegetal.

A análise do efeito da domesticaçãodos recursos extrativos vegetais podeabordar seus efeitos distributivos. Comoessa mudança é lenta, formam-se doisgrupos distintos um dedicado ao setorextrativo e outro dedicado a cultivar,racionalmente o produto extrativo,conforme a tecnologia disponível para adomesticação.

A Figura 8 mostra os dois grupos queofertam o mesmo produto. Essa ilustraçãográfica consiste na adaptação do modelode Evenson (1983) para analisar osbenefícios da difusão de tecnologiaagropecuária entre duas regiões.

crescimento de demanda numaperspectiva de longo prazo. Por outrolado, a domesticação leva à produção deum bem idêntico e com qualidade supe-rior ao do produto extrativo. A quantidadeproduzida de determinada espécievegetal domesticada poderá ser obtidanuma área muito menor. Assim, adomesticação do produto extrativo daregião amazônica tem efeito positivo napreservação e conservação dos recursosflorestais da região. O reverso poderátambém ocorrer. Com a domesticação, osrecursos extrativos passam a serdesvalorizados, permitindo a entrada deoutras alternativas econômicas maislucrativas e intensificando a destruiçãodos recursos naturais.

A conseqüência visível dadomesticação é a sua capacidade deampliar a oferta, contrastando com a

PRE

ÇO

0

QUANTIDADE

P1

P0

A

C

C1

E

E1

Q1Q1+ Q

2 Q1+ Q 21

O1+ O2 O1+ O 2

1

D

D

B1

B

O1

Figura 8 - Modelo de Equilíbrio entre a OfertaConjunta (Extrativa e Domesticada) e aDemanda

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Compêndio MAB 18

A curva O1 é a curva de oferta doproduto extrativo perfeitamente inelástica:O1 + O2 a curva de oferta conjunta doproduto extrativo mais a produçãodomesticada, com predomínio da última,e a curva DD, a procura do produto.

O preço inicial de equilíbrio é P0 aoqual os extratores fornecem Q1 e aprodução domesticada a quantidade Q2.

Mantida inalterada a tecnologiausada na domesticação, ou em umasituação de curto ou médio prazos, atendência da curva de oferta doextrativismo é manter-se inelástica e sedeslocar para a esquerda. O esgotamentoe a depredação das reservas levam a umaparticipação cada vez menor doextrativismo no mercado.

Com o aperfeiçoamento tecnológicodos produtores, maior quantidade seráofertada. A curva de oferta agregadadesloca-se para O1 + O2, o preço cai paraP1 a quantidade ofertada oriunda doextrativismo permanece Q1. A Figura 9ilustra os preços reais recebidos pelosseringalistas na Amazônia no período1890/1985. Isso confirma o caráterpreditivo da teoria da domesticação. Osaltos preços que prevaleciam até 1910 ea limitada oferta de borracha extrativaestimularam os plantios domesticados noSudeste asiático, mas, por sua vez,forçaram a queda nos preços.

Enquanto para a maioria dosprodutos extrativos o processo dedomesticação já ocorreu, na Amazôniaesse fenômeno está em curso. Dessaforma muitos produtos extrativos daregião amazônica já foram domesticadose tornaram em importantes produtosagrícolas nas suas novas áreas(seringueira, cacau, chinchona, etc.), sãocultivados na própria região (guaraná,urucu, coca, etc.), outros estão emavançado estágio de domesticação.Alguns exemplos são as frutas nativas,tais como (cupuaçu, pupunha (Bactris

1 . 7 0 0

C r $ / To n

2 . 1 0 0

1 . 9 0 0

1 . 5 0 0

1 . 3 0 0

1 . 1 0 0

9 0 0

7 0 0

5 0 0

3 0 0

1 0 0

1 8 9 0 1 9 0 0 1 9 1 0 1 9 2 0

gasipaes H.B.K.), açai, bacuri (Platonia

insignis Mart) tucumã (Astrocaryum

tucuma Mart, fruit, etc.), plantas tóxicas(timbó), plantas aromáticas (pau-rosa,cumaru (Dipteryx odorata Aubl), plantasmedicinais copaíba (Copaífera duckei

Dwyer), andiroba (Carapa guianensis

Aubl), ipecacuanha (Cephaelis ip-

ecacuanha (Brot) A. Rich), jaborandi (Pilo-

carpus microphyllus Staptf) e espéciesflorestais nativas para fins madeireiros.

A expansão dos plantiosdomesticados exigem certosrequerimentos, tais como disponibilidadede tecnologia, demanda favorável para oproduto, inexistência de substitutos(sintéticos e naturais) e a não-interferência dos estoques de recursosextrativos. A presença de grandesestoques de recursos extrativos faz comque muitas vezes o sucesso dadomesticação ocorra em regiões fora do

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51Compêndio MAB 18

Extrativismo vegetal na Amazônia

Figura 9 - Evolução doPreço Real deBorracha NaturalRecebido pelosSeringalistas Brasil,1890/1985.

1 9 3 0 1 9 4 0 1 9 5 0 1 9 6 0 1 9 7 0 1 9 8 0

domínio do extrativismo ou édesenvolvido pelos agricultores nãoafetos ao extrativismo.

A descoberta desubstitutos sintéticos e oextrativismovegetal

A incapacidade do setor extrativo ematender a crescente demanda e oprogresso autônomo da ciência e datecnologia têm estimulado odesenvolvimento de substitutos sintéticos.A substituição do recurso extrativo peloproduto sintético pode decorrer de trêscausas básicas: aumento no custo dorecurso natural, considerando seuesgotamento, redução no custo deprodução do substituto, decorrente doaprimoramento tecnológico, e aincapacidade do setor extrativo em

atender à crescente demanda do produtoconsiderado.

Dessa maneira vários produtosextrativos foram substituídos pelosprodutos industriais. A descoberta daanilina no século XIX provocou a extinçãodo ciclo da extração do pau-brasil(Caesalpinia echinata Lam dye) iniciadalogo após a descoberta do Brasil em1500.

A descoberta do DDT em 1939reduziu a importância dos inseticidasnaturais, afetando as exportações dotimbó na Amazônia. A borracha sintéticaconstitui um exemplo de sucesso desubstituição, onde atualmente três quar-tos do consumo mundial de elastômerosé de origem sintética. A descoberta dolinalol sintético afetou o mercado deextração do pau-rosa. Outros exemplosde substituto que afetaram a atividadeextrativa podem ser mencionados asceras sintéticas, chicles e quinino.

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Compêndio MAB 18

A substituição pelos produtossintéticos nunca é perfeita. No estágioinicial o processo de substituição é muitointenso, conquistando mercados doproduto natural. Como decorrência dograu de substituição este tende aestabilizar. Uma vez este limite desubstituição é atingido, qualquercrescimento no consumo de substitutosintético é acompanhado pela quantidadecomplementar do recurso natural. Esteaspecto tende a provocar a indução dosplantios domesticados e a sua reação emcadeia na extração vegetal.

A descoberta de substitutos sintéticosconstitui o fim do processo evolutivo dorecurso extrativo. A produção sintética éindependente das restrições de naturezaecológica, proporcionando o aumento dacapacidade de oferta e a custos maisreduzidos que o recurso natural,produzindo o efeito conhecido como“backstop technology”. Provavelmente nocaso de produtos extrativos destinados afins alimentícios a domesticaçãorepresenta o caminho a ser seguido.

A expansão da fronteiraagrícola e o extrativismovegetal

A demanda de terra agricultável, dadaa expansão da fronteira agrícola e ocrescimento populacional, torna-se acausa mais importante da diminuição dasreservas florestais existentes. À medidaque a demanda de terras agricultáveisaumenta, reduz-se a oferta de terras paraa atividade extrativa. Com isto, o preçode terras para atividade extrativa torna-se mais alto e se verifica a redução dessaatividade. No caso do extrativismo deaniquilamento, como o da madeira, estaextração avança com a própria oferta deterra agricultável, ao contrário doextrativismo de coleta que depende doestoque remanescente de floresta

primitiva. Esta substituição da coberturaflorestal para a expansão da fronteiraagrícola é independente da rentabilidadeda atividade extrativa.

Os indicadores da expansão dafronteira agrícola na Amazônia sãoevidenciados pela abertura de estradas,do crescimento da área cultivada dasprincipais culturas, do crescimento dorebanho, da expansão da área dosestabelecimentos agrícolas e do númerode propriedades, entre outros. Aconseqüência imediata desta expansãofoi a de promover a incorporação doscontingentes dedicados ao extrativismo edas correntes migratórias para asatividades agrícolas e o encolhimento dosetor extrativo ao longo do tempo.

A oferta de terras mais baratas naAmazônia tem constituído em outroatrativo para os que aqui se dirigem. Esteaspecto proporciona ganhos ricardianospara os que passam a incorporar afronteira agrícola na Amazônia. Esteaspecto contradiz a idéia em voga de queos ganhos especulativos da terra naAmazônia constitui a razão fundamentalpara a sua ocupação. No caso daAmazônia os ganhos produtivos são maisimportantes que os ganhos especulativos,ocorrendo o contrário apenas no Sul eSudeste do país.

O crescimentopopulacional e oextrativismo vegetal

O crescimento populacional constituiem corolário da expansão da fronteiraagrícola. Maior contingente populacionalsignifica maior necessidade de alimentos,saúde, educação, emprego, abrigo,estradas e outras infra-estruturas sociais,num processo coevolutivo. O resultado fi-nal será a redução da área potencial doextrativismo vegetal.

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Extrativismo vegetal na Amazônia

No início do extrativismo da borracha,a população foi importante para viabilizaro crescimento da extração, uma vez quedependia exclusivamente da mão-de-obra. Na atualidade, a medida que ocrescimento populacional vai provocandoo aumento da densidade demográfica,este passa a criar desequilíbrio naatividade extrativa. Num primeiro instante,a expansão da fronteira agrícola e ocrescimento populacional podemprovocar um aumento na extração pelaabertura de novas áreas de extração e oacesso a novos recursos, mas atendência a médio e a longo prazos é asua redução. É o que está ocorrendo coma área de castanhais em Marabá, Pará.No contexto de longo prazo, ocrescimento populacional limitará ascondições para o estabelecimento de no-vas famílias de extratores, dado o estoquefixo dos recursos extrativos.

O desequilíbrio causado pelocrescimento populacional no extrativismovegetal é que grande parcela destecontingente dedica a agriculturamigratória. Este sistema é estávelenquanto a densidade populacional forbaixa, o que permite o pousio adequadopara promover a sua regeneração. Aprópria dinâmica da expansão da fronteiraagrícola faz com que após a agriculturamigratória seja ocupada por outras formasmais capitalizadas. Este processo deocupação indica que de 1.350 milhectares ocupados com culturastemporárias, em 1985 na região Norte,escondia uma área acumulada já alteradade floresta superior a 10 milhões de hect-ares. Esta dimensão mostra a redução daárea potencial do extrativismo vegetal quefoi afetada com o crescimentopopulacional.

Assim, enquanto no passado oextrativismo vegetal drenava a mão-de-obra da agricultura, hoje acontece oinverso, é a agricultura que passa a drenara mão-de-obra do extrativismo.

Esgotamento dosrecursos extrativos e oextrativismo vegetal

Na extração dos recursos extrativosa tendência normal é a do extratorproceder a coleta daqueles recursos maisacessíveis. À medida que os recursos vãose esgotando, os piores recursos vãosendo incorporados ao processo deextração. Condições de insalubridade,dificuldade de acesso e desconhecimentodo potencial do recurso muitas vezes fazcom que isto não ocorra, denotando umcomportamento anti-ricardiano.

Assim a extração de recursosextrativos está sujeita a quatro pressõesdistintas relacionadas com o esgotamentodo recurso. A externalidade de congestãoé relacionada com o aumento do númerode extratores, para uma determinada áreaespacial, o que implica elevação nos cus-tos de extração. A externalidade deestoque refere-se sobre a disponibilidadedo recurso natural. A externalidadecomercial impõe um limite à extraçãocomercial do recurso natural, na qualapresenta economicamente viável.Finalmente, a externalidade estratégica,está relacionada com o sentido deoportunidade de proceder a extração (oudepredação) antes que os demaisconcorrentes o façam.

O esgotamento dos recursosextrativos impõe comportamento que osdiferencia de outros recursos naturais,como o ouro e o diamante, por exemplo.Para este dois produtos, a escassez levaa sua valorização. No caso de recursosextrativos, a escassez além de provocara elevação dos custos de extração podelevar a queda da demanda. Uma vez queas áreas mais acessíveis já foramextraídas, a tendência é então elevar oscustos de extração. No lado da demanda,face a redução na quantidade ofertada,estes passam a perder o seu valor, umavez que a quantidade extraída não

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compensa a sua comercialização. Háportanto um duplo efeito, elevação noscustos de extração e a queda nademanda, acarretando o estrangulamentoda atividade. Muitas vezes quando atingeesta situação, o processo dedomesticação ou a descoberta desubstitutos industriais já avançoubastante.

O paradoxo que se cria, é que na fasefinal, muitas vezes, a presença de plantiosdomesticados nas áreas extrativas podeajudar a permanência do extrativismovegetal, no contexto de curto prazo.

Desdobramentos atuaise perspectivas

A criação de uma expectativairrealística quanto à importância doextrativismo vegetal na Amazônia, criouuma situação de intervencionismoambiental. A força de inércia provocadapelo assassinato do líder sindical ChicoMendes fez com que o extrativismovegetal e as reservas extrativistaspassassem a ganhar amplitude mundiale como parte da agenda contextual emqualquer discussão relacionada sobre asflorestas tropicais. Pode-se classificar queessa idéia na Amazônia se desdobrou emquatro vertentes significativas a saber.

A solução da Amazônia viaextrativismo vegetal. Um setor muitoforte dos movimentos ecológicos aindaacredita que é possível fazer odesenvolvimento da Amazônia viaextrativismo vegetal, com ou semreservas extrativistas. Entende que asituação dos extratores se deve a umapolítica desfavorável do governo emrelação ao setor, falta de apoio nacomercialização dos produtos extrativose do suposto grande potencial que existena floresta. Pressupõe que asmodificações tecnológicas sejam feitas nosentido de aumentar a produtividade daterra e da mão-de-obra, tais como

proceder o adensamento de seringueiras,de castanheiras, etc. Por outro lado,especula-se também sobre o supostovalor de produtos florestais que elespróprios desconhecem que poderão serúteis na cura das diversas formas decânceres e da AIDS etc. que poderão setransformar em importante fonte de rendapara os extratores. Estas idéiasencontram simpatizantes por indivíduoscompletamente alheias à causa extrativa,notadamente no setor formador deopinião pública nacional e internacionalinfluenciados pelas repercussões doassassinato do líder sindical ChicoMendes.

Sistemas agroflorestais ou“reservas extrativistas semextrativismo”. Apesar da ênfase que foidada para o extrativismo vegetal comforma adequada de se promover odesenvolvimento da Amazônia, osdefensores da idéia começaram aperceber a fraqueza ideológica de suasposições. O extrativismo vegetal“preservava a natureza mas tambémpreservava a pobreza dos extratores”, queo “extrativismo vegetal não era garantiacontra o desmatamento pois estedepende do nível de pobreza” e a própriamídia começou a perceber que osseringueiros não viviam no Paraíso comoa intensa propaganda fazia crer.Percebeu-se também que não háproblema ecológico nos seringais mas umproblema de natureza agrária-econômico.O problema dos seringueiros é muito maisde fundo agrário que foi transformadonum problema ecológico e com grandesproblemas econômicos relacionados àsobrevivência dos seus participantes.Fruto de uma crise que tem suas origensno processo da domesticação daseringueira, da penetração do capitalismono campo e das leis trabalhistasrelacionadas pelo Estatuto do TrabalhadorRural instituído em 1967.

A contra resposta pelos movimentosecológicos foi a de que a solução seriam

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Extrativismo vegetal na Amazônia

os sistemas agroflorestais. Entendia quenessa nova concepção que as reservasextrativistas não seriam espaçosestanques a mudanças e que no futuroos sistemas agroflorestais substituiriam asatividades extrativas e seriam capazes deevolucionar com elas. A experiência doscolonos nipo-brasileiros de Tomé-Açupassou a ser o novo paradigma dedesenvolvimento para os trópicos úmidos.

Como já mencionei no início desteartigo, as limitações se encontram nodomínio do mercado dos produtos, asdistâncias em relação aos consumidores,e mudança completa no processo detrabalho, que passa a ser mais intensivoem capital e em mão-de- obra, entreinúmeras outras (Fearnside, 1992). Aexperiência brasileira de extensão ruraltem mostrado que essas transformaçõestendem a ocorrer nos setores maisdinâmicos da agricultura e que apenasuma fração conseguirá evolucionar,fazendo com que os menos competentessejam empregados dos maiscompetentes. É uma possibilidade, mastambém de dimensão bastante restrita,que infelizmente está se transformandona nova utopia amazônica.

A industrialização de produtosextrativos. Uma outra vertente dosmovimentos ecológicos tenta defender aindustrialização dos produtos extrativoscomo a maneira de revitalizar a idéia dasreservas extrativistas, a partir daexperiência com a castanha-do-pará.Deve-se lembrar que constitui tambémuma perspectiva limitada, onde valem asmesmas assertivas de se estruturar ummercado em lugares afastados (Léna eOliveira 1991). Os produtos extrativos secaracterizam pela dispersão dos recursosfazendo com que a produtividade da mão-de-obra e da terra sejam baixas. Osrecursos extrativos podem sercaracterizados por apresentarem muitosprodutos e pouca quantidade por produtoou poucos produtos e muita quantidadepor produto, que tendem a apresentar

características específicas quanto aviabilidade econômica de sua extração ecomercialização. Não se pode esquecerque a questão ambiental exigecooperação e que a economia exigecompetição. É provável que algunssucessos isolados podem serencontrados a custa de muito esforço edispêndio a fundo perdido dosmovimentos ecológicos ou do governo.

Reservas extrativistas comopropostas de desenvolvimento ruralintegrado. Numa perspectiva pragmáticaalguns extratores estão entendendo asreservas extrativistas como a maneira decaptação de recursos externos paratrazerem benefícios em termos deinfra-estrutura social. A falta de apoiogovernamental no meio rural em termosde escolas, postos de saúde, estradas,transportes, comunicações etc. fazemcom que certas lideranças estejamentendendo o apoio às reservasextrativistas como a maneira de obteressas vantagens. No lado governamentalessa perspectiva também pode serpercebida como uma maneira de angariarrecursos externos, uma vez que a idéiadas reservas extrativistas é muitosimpática no exterior. Desta forma, asreservas extrativistas serviriam como uma“moeda de troca”, para facilitar asnegociações relacionadas à dívidaexterna, recursos do grupo dos paísesdesenvolvidos (G 7), políticas dedesenvolvimento de áreas extra-Amazônia, onde esta região passaria aser uma “mercadoria de troca” paraassegurar o fluxo de recursosindispensáveis.

A conseqüência desse processo seriaa de criar uma iniqüidade e um ambientetotalmente artificial, que a médio prazo,as próprias populações iriam perdendo ointeresse a medida que as opções foremse esgotando. Se de fato forem investidosrecursos nesse sentido, o mais provávelé atrair um fluxo migratório para essas no-vas áreas ou se forem efetuadas em

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áreas densamente povoadas, acontecero colapso da economia extrativa maiscedo.

Deve-se esclarecer que essas quatrovertentes não se apresentam como umadivisão estanque. Observa-se osdefensores do extrativismo ou dasreservas extrativistas apoiaremsimultaneamente, por exemplo todasessas quatro possibilidades.

A verdade é que os extrativistas bemou mal vão continuar vivendo ainda porum longo tempo. Se são soluçõescorretas ou não, independente da nossavontade ou opinião constituem suassaídas para a sobrevivência, com ou semreservas extrativistas.

Conclusões

Chico Mendes morto tornou-se muitomais importante para os movimentosecológicos que defendem o extrativismovegetal e as reservas extrativistas do quese estivesse vivo. Não resta dúvida queas repercussões do assassinato de ChicoMendes trouxeram uma importantecontribuição que foi a de repensar oprocesso de desenvolvimento que eraadotado na Amazônia. Mas essa dialéticatorna-se criticável quando se intentacolocar as reservas extrativistas e oextrativismo vegetal como novoparadigma de desenvolvimento agrícolapara a Amazônia. Qualquer especulaçãonesse sentido seria a de reverter oprocesso de desenvolvimento econômico-social das populações amazônicas, ondeo nível de urbanização e de aspiração da

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Extrativismo vegetal na Amazônia

população rural podem levar ao completodesinteresse a médio e longo prazos, anão ser que o governo ou as instituiçõesecológicas passem a investir recursos afundo perdido para permitir a suamanutenção no longo prazo.

O grande paradoxo é que oextrativismo vegetal ainda vai subsistir pormuitos anos na Amazônia, com reservasextrativistas ou não, simplesmente porfalta de opções ou alternativaseconômicas. Os recursos extrativos queapresentam ainda um grande estoque,mercados limitados, estagnação dosníveis de salários reais e do processo dedesenvolvimento nacional e regional irãoditar as reais perspectivas para amanutenção do extrativismo vegetal como

atividade econômica. Uma situação deestagnação econômica, desemprego naeconomia, lento crescimento do mercadode produto extrativo, baixos níveis desalário reais, entre outros, podem fazercom que esta atividade perdure por maistempo.

O problema da viabilidade econômicadas reservas extrativistas é importante.Quando a importância dos produtos deextração diminuir face ao crescimento domercado, do aumento nos custos deextração e do esgotamento dacapacidade de atender a demandacrescente, deverá ocorrer um declínio nonúmero de famílias envolvidas com aprática extrativista. Portanto, grande parteda força de trabalho nesta atividade iráse dedicar à agricultura em proporção

L. Emperaire

Rio Negro

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Compêndio MAB 18

maior do que a atual ou, deslocar-se-ápara próximo das cidades. O extrativismoda madeira deverá ser a última atividadeextrativa na Amazônia. Outra dúvida estárelacionada com disposição dosextratores em relação ao grupo total empermanecerem neste sistema deeconomia tradicional (Kohlhepp, 1992).

As reservas extrativas na Amazôniasão factíveis somente em poucos lugaresfavorecidos, numa dimensão de curto amédio prazos. As limitações incluem adificuldade em garantir a viabilidadefinanceira e em desenvolver mercadospara novos produtos. O primeiro problemaé descobrir um produto capaz de envolversignificativo contingente de mão-de-obra,uma vez que se tal produto for descoberto,inevitavelmente atrairá a atenção da agro-indústria, pois se tiver real valor comercialserá rapidamente domesticado.

As comunidades que se dedicam àatividade extrativa precisam evoluir paraformas mais intensivas de produção,mediante o plantio de espécies nativas eexóticas. O extrativismo vegetal não podeconstituir em barreira para a implantaçãode cultivos domesticados de essênciasextrativas que apresentem potencial demercado.

Deve ser envidado um amplo esforçovisando a domesticação dos recursosextrativos atuais e potenciais, para aincorporação ao setor produtivo. Não sepode descartar também o aumento deprodutividade das atividades de roça e dacriação de animais desenvolvidos pelosextratores. Essas limitações são tambémcomuns para o grande contingente depequenos agricultores da Amazônia.

O favorecimento às reservasextrativas não pode ser feito emdetrimento das demais atividadesprodutivas do setor primário regional. Aprodução de alimentos e de proteína ani-mal são também indispensáveis paramanter a segurança alimentar dapopulação amazônica, na geração de

empregos e da melhoria do padrão devida. A preservação e a conservação daAmazônia, exigem, portanto, anecessidade da permanência deatividades econômicas para o conjunto dapopulação regional.

A manutenção do extrativismo daseringueira para atender a “vontade” dosidealizadores das reservas extrativistasimplica em custos sociais para toda asociedade brasileira. Uma vez que o paísimporta 80% das suas necessidades deconsumo de borracha vegetal, o Brasilnão pode prescindir de desenvolver umamplo programa de plantio deseringueiras, mesmo que isto leve aocolapso da economia extrativa. Oproblema social dos seringueirosextrativistas, em torno de 55 mil a 70 milextratores, deve ser resolvido medianteoutras opções, uma vez que prejudica osinteresses de mais de 145 milhões debrasileiros. Por outro lado, os recursosextrativos que apresentem um grandepotencial ou com característicasoligárquicas, devem ser explorados pelossegmentos interessados. Quando setratar de produtos com baixa capacidadede regeneração, exigirem vultososinvestimentos para extração ebeneficiamento ou se tratar deextrativismo de aniquilamento, aimplementação de reservas extrativistasdeve ser examinada com cautela. Nesseprocesso, técnicas mais racionais, bemcomo a agregação do valor devem serestimulados, a fim de proporcionar omenor desperdício possível e o incentivoao seu plantio.

No caso particular do setor extrativonão se deve colocar muitas expectativasquanto a melhoria do processotecnológico do extrativismo vegetal em sí,mas a de buscar sistemas de produçãoenvolvendo o cultivo de plantas perenese de alimentos básicos. O mercado e acapacidade desses atuais extratores emse adaptarem a esses novos sistemasdeterminarão o sucesso dessas

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Extrativismo vegetal na Amazônia

iniciativas. Para aqueles recursos queapresentem grande estoque,provavelmente o extrativismo deveráprevalecer ainda por um longo tempo. Atônica nesse caso seria a de tentar buscara melhor forma de extração, agregar valor,melhorar os processos decomercialização e evitar o desperdício.

Como tópico final, na minha opinião,não resta nenhuma dúvida que oextrativismo vegetal na Amazônia foiimportante no passado e tem ainda a suaimportância no presente. Mas o queprocuro alertar é para o futuro. Se a regiãoamazônica e, porque não o Brasil, quiserrealmente atingir a sua autonomiaambiental e de procurar os caminhos dodesenvolvimento autóctone, não se podebasear simplesmente no extrativismo veg-etal e nas reservas extrativistas. Énecessário que o governo brasileiro pro-cure tecnificar a sua agricultura, dandocondições para os produtores, pois é aíque estão as suas maiores vantagenscomparativas.

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Compêndio MAB 18

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Compêndio MAB 18

da Amazônia sem nenhum valor prático.Para outros, os argumentos econômicospor si sós não justificam este julgamento.O aspecto ecológico do extrativismo, queexplora o valor intrínseco da floresta, seopõe à degradação causada pelasrecentes políticas regionais que fomentamnovos modelos de desenvolvimentobaseados nas pastagens e nacolonização dentro de um quadro jurídicoque estimula sobretudo a especulação.Nesta perspectiva, eles apoiam a criaçãode reservas extrativas nas quaisfuncionariam práticas de gestãodirecionadas de acordo com asnecessidades sócio-culturais doshabitantes da floresta, ao mesmo tempoem que se preservaria a biodiversidadedo ecossistema. Este novo conceitofavoreceria a evolução do extrativismopara um meio de apoio econômica esocialmente viável. Estas reservasextrativas reconheceriam também osdireitos próprios dos produtores sobreseus meios de subsistência, isto é, afloresta.

Os poderes políticos locais eregionais estão preocupados com estedebate que traz novamente para o

O POVO E OS PRODUTOS

FLORESTAIS NA

AMAZÔNIA CENTRAL:

UMA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR

DO EXTRATIVISMO

JEAN-PAUL LESCURE, FLORENCE PINTON E LAURE EMPERAIRE

Introduçãoe contexto

O extrativismo é frequentementeconsiderado como obsoleto, umareminiscência dos numerosos cicloseconômicos do Brasil. As recentesatividades políticas dos sindicatos dosseringueiros e a crescente consciênciapública dos problemas ecológicosserviram para colocar esta prática degestão dos recursos florestais há muitoestabelecida, no centro do debate sobreo futuro dos ecossistemas florestais naAmazônia.

Faz alguns anos, que a questão dolugar que o extrativismo deve ocupar nodesenvolvimento regional deu origem anumerosas controvérsias entre grupos depontos de vista opostos. Para uns, osbaixos rendimentos, a precariedade dosrecursos, a fragilidade dos mercados, acompetição dos produtos sintéticos ou adisponibilidade de produtos de plantaçõesindustrializadas e a crescentemarginalização dos atores, tudo contribuipara condenar o extrativismo como ummodelo de exploração dos ecossistemas

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

primeiro plano a questão da posse daterra na sociedade brasileira. Mas emgeral o debate leva em conta somente osexemplos de extrativismo maisconhecidos e divulgados como a situaçãodos seringueiros do Acre ou doscastanheiros da região de Marabá,deixando descobertos assim muitosaspectos.

DEFINIÇÃO

Para os propósitos da nossapesquisa, definimos extrativismo como “oconjunto dos sistemas de exploração deprodutos da floresta destinados à vendanos mercados regionais (dentro do país),nacionais ou internacionais”.

As atividades extrativas sãodiferentes daquelas de uma sociedade decaça e coleta cujos produtos são somentepara consumo interno ou para troca lo-cal. O extrativismo e a coleta se originamem dois tipos diferentes de lógicaeconômica, uma é regulada pelo mercadoexterior, e a outra pelas necessidades daunidade doméstica. A nossa pesquisalidou somente com os produtos florestaisnão derivados da madeira, e excluiu todasas atividades ligadas ao corte e transportede madeira ou à caça e à pesca comercial.

UM CONHECIMENTOFRAGMENTADO

Os dados sobre o extrativismo sãoainda fragmentados apesar da existênciade uma importante bibliografia. Desde ofinal do século passado, reportagens epublicações refletiram interessessucessivos. Seguindo os estudos dosviajantes naturalistas do século dezenove,apareceram relatórios que lidavam compesquisa dos recursos naturais ou com adelimitação de fronteiras como umaresposta ao crescente interesse naexploração da borracha. Foram

publicados também artigos técnicos sobrea extração ou os processos detransformação do produto. Entre 1930 e1950, grande parte do trabalho lidou como cultivo das espécies que eram de inter-esse econômico, principalmente aseringueira e a castanheira1. Só maisrecentemente é que o centro de interessedeslocou-se dos produtos para ossistemas que são a base de suaprodução. Com certeza, era imperativoopor-se à exploração destrutiva dosecossistemas e necessário trazer àconsciência do público a causa doesgotamento ambiental na Amazônia.Mas estas publicações recentes refletemsomente uma visão parcial doextrativismo, na maioria das vezesfocalizando a exploração de borracha noAcre.

Hoje em dia, é surpreendente aescassez de publicações científicasrelativas à taxonomia das espécies, suaecologia e seus rendimentos emcondições naturais. A seringueira e acastanheira são dois bons exemplos:enquanto há muita informação disponívela respeito de seu cultivo e sua fisiologiaem condições controladas ou sobre aeconomia do seu cultivo, são raros osartigos sobre a ecologia natural ou osinúmeros problemas de sua sistemática.

Embora o extrativismo se situe nafronteira entre a ecologia e a economia,existem muito poucas publicações sobrea sua viabilidade a longo prazo. Do pontode vista ecológico, a sobrevivência dosecossistemas florestais é uma evidênciada viabilidade ecológica do extrativismopara as atividades passadas. A viabilidadeecológica, entretanto, ainda deve serdemonstrada à luz das preocupaçõessobre a produção intensiva com apossível abertura de novos mercados.

____________________________________

1. Os nomes científicos das espéciestratadas neste artigo estão na Tabela1.

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Compêndio MAB 18

Dimensões doExtrativismo

A DIMENSÃOECOLÓGICA

Os ecossistemase a diversidade dasespécies

Dos trinta produtos explorados erecenseados nas estatísticas do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), quinze vêm de espécies daAmazônia (Tabela 1). Nos últimos dezanos, esta lista foi reduzindo-se.

Produtos como a rotenona extraídados timbós ou o linalol obtido por meio dadestilação da madeira do pau-rosa têmque competir com os seus produtossintéticos equivalentes. Elesdesapareceram dos registros estatísticosmas a sua exploração continua empequena escala. Outros produtos de baixovalor econômico ou aquelescomercializados somente em escala re-gional nunca foram registrados nasestatísticas nacionais mas fazem partedas atividades locais. Exemplos destesprodutos são as folhas da palmeira debabaçu ou buçu usadas em coberturas,frutos silvestres como o tucumã, o patauá,a bacaba ou algumas plantas medicinaiscomo a muirapuama ou a pedra-hume-caá. Todos eles são evidência dadiversidade e flexibilidade dos sistemasde usos da floresta.

O extrativismo existe em todos osecossistemas da Amazônia, inundados(várzea) ou não inundados (terra firme),e pode se adaptar a mudançasecológicas. Por exemplo, nos arredoresde Manaus, onde as pastagens e cultivosestão gradualmente tomando o lugar dafloresta, observou-se que o extrativismo

A UNIVERSALIDADE DOEXTRATIVISMO

O extrativismo não pode ser reduzidosimplesmente à clássica exploração daseringueira ou castanheira nem à umaprática da exclusivamente amazônica. Elepode ser observado em regiões secas eúmidas e em zonas temperadas etropicais: a coleta de cogumeloscomestíveis, das raízes gencianas dasmontanhas dos Alpes, a sangria da seivaaçucarada do ácer no Canadá, a coletado tomilho do Mediterrâneo, daspalmeiras rota nas florestas do SudesteAsiático, e muitos outros exemplosdemonstram a universalidade destaprática, que persiste em sociedades econtextos tecnológicos variados.

Isto nega a idéia de que oextrativismo é uma forma arcaica deexplorar os recursos naturais cujaextinção pode ser prevista comsegurança. Pelo contrário, isto mostra queesta atividade pode subsistir em qualquermodelo de desenvolvimento de umasociedade. Deve-se voltar a atenção paraa análise de suas diferentes formas e dassuas capacidades para adaptar-se adiferentes realidades sócio-econômicas.

A nossa abordagem visou analisar avariabilidade do extrativismo e observaro seu lugar em diferentes sistemas deprodução da Amazônia, enquantomoldados por fatores sociológicos,econômicos e ecológicos locais. Aescassez de dados históricos disponíveislevou-nos a comparar diferentessituações contemporâneas, paraidentificar os fatores que influenciam nadinâmica local e para avaliar o potencialdo extrativismo de integração em políticasfuturas de desenvolvimento.

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

Impactos do extrativismo

O extrativismo, como tem-sepraticado por mais de um século, secaracteriza por baixos investimentos decapital e tecnologia pobre. O homemainda é o principal instrumento deextração, transporte e transformação doproduto. Embora a exploração do pau-rosa contradiga este modelo, ele continuasendo válido atualmente para a maioria

de formações vegetais secundárias,baseado nos frutos de palmeiras como otucumã e o açaí está substituindo asatividades extrativas florestais baseadasna castanha e na seringa.

Esta diversidade pode ser um dostriunfos do extrativismo porque ela permiteuma grande flexibilidade de exploraçãono contexto de mudanças ambientais,desde que os mercados existam oupossam ser estimulados.

Tabela 1. Espécies exploradas na Amazônia central (as espécies mais valiosasestão assinaladas com *)

NOME ESPÉCIE FAMÍLIA ÓRGÃO PRÁTICA PRODUTOBRASILEIRO USADO

Açaí-do-mato* Euterpe precatoria Mart. PALMAE frutos colheita frutosAçaí-do-Pará Euterpe oleracea Mart. PALMAE frutos colheita frutos

meristema corte palmitosAndiroba* Carapa guyanensis Aublet MELIACEAE sementes colheita óleo" Carapa procera A.D.C. " " " "Babaçu Orbignya cf. phalerata Mart. PALMAE folhas corte folha de cobertura

Balata* Manilkara bidentata A. Chev. SAPOTACEAE látex derrubada/sangria goma não elástica

Buçu Manicaria martiana Burret PALMAE folhas corte fibrasBuriti Mauritia flexuosa L.f. PALMAE frutos colheita frutosCastanha* Bertholletia excelsa H.B.K. LECYTHIDACEAE sementes colheita sementesCaucho Castilloa ulei Mart. MORACEAE látex derrubada/sangria goma não elástica

Chambira Astrocaryum chambira Burret PALMAE folhas corte fibrasCipó-titica Heteropsis spp. ARACEAE raízes aéreas arrancamento fibrasCopaiba* Copaifera spp. LEGUMINOSAE (CAES) óleo-resina sangria óleo-resinaCumaru Dipteryx odorata (Aublet) Willd. LEGUMINOSAE (PAP) sementes colheita cumarimJauari Astrocaryum jauari Mart. PALMAE meristema corte palmitosMaçaranduba* Manilkara spp. SAPOTACEAE látex derrubada goma não elástica

Muirapuama Ptychopetalum olacoides Benth. OLACACEAE raíz arrancamento medicinalPataua Jessenia bataua (Mart.) Burret PALMAE frutos colheita frutosPau rosa* Aniba rosaeodora Ducke LAURACEAE caule derrubada linalolPedra-hume-kaá Myrcia citrifolia (Aubl.) Urb. MYRTACEAE folhas corte medicinalPiaçabeira* Leopoldinia piassaba Wall. PALMAE folhas, vainas corte fibrasPuxuri Licaria pucherii (R. et P.) Kosterm. LAURACEAE sementes colheita medicinalSeringas* Hevea spp. EUPHORBIACEAE látex sangria goma não elástica

Sorvas* Couma macrocarpa Barb. Rodr. APOCYNACEAE látex derrubada/sangria goma não elástica

Couma utilis (Mart.) Muell. Arg. sangriaTimbós Derris spp. LEGUMINOSAE (PAP) raízes arrancamento rotenonaTucumã Astrocaryum aculeatum G. Meyer PALMAE frutos colheita frutosUcuuba Virola surinamensis (Rottb.) Warb. MYRISTICACEAE sementes colheita óleo

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Compêndio MAB 18

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

das atividades extrativas que estandoesparsamente distribuídas sobre umaenorme área se caracterizam por açõesde baixo impacto. Ao mesmo tempo, esta

avaliação genérica tem que ser porcomplementada por uma análise maisexaustiva do impacto das atividadesextrativas em diferentes níveis do vegetal,da população destes vegetais e do meioambiente. O impacto varia de acordo comas práticas de coleta que podem serclassificadas em quatro categorias: ocorte, a extração de um órgão, a sangriae a coleta de frutos ou de sementes.

Palmeira de piaçaba Leopoldina

(mostrada à esquerda, na florestado Rio Negro) é explorada pelasfibras tiradas da folha.

Feixes de fibras de Leopoldina

empilhados em Barcelos antes dotransporte fluvial para Manaus.No Rio Negro oextrativismo caracteriza-sepor uma cadeia deintermediários comoos trabalhadores que

pesam os feixesde fibras.

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68 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

como é demonstrado nos exemplosseguintes.

Para permitir a sobrevivência e ocrescimento da planta, os coletores depiaçaba sempre deixam duas ou trêsfolhas mais novas. Comparando-se doisgrupos de quinze palmeiras, umexplorado e o outro não, Emperaire eLescure (1993) observaram umaprodução média de 4,1 folhas por ano nogrupo explorado, e de 2,7 folhas por anonos indivíduos não explorados. Andersone Jardim (1989) observam que o corte deperfilhos do açaí-do-Pará, ou seja, dasramificações da base do tronco cujasgemas terminais fornecem o palmito,provoca um aumento na taxa anual deperfilhamento comparada com as tufasnão exploradas das palmeiras.

A exploração de um órgão nemsempre é favorável crescimento doindivíduo. Este pode ser o caso da coletadas raízes aéreas do cipó-titica, recursoque está se tornando raro nas áreasexploradas.

As plantas respondem à sangria devárias maneiras diferentes. Algumasobservações feitas em plantações deseringueiras (Compagnon 1986) mostramque causa reações negativas como umadiminuição no crescimento em diâmetrode 3 cm a 1 ou 2 cm por ano ou umdecréscimo na produção de folhas de 30a 50%. Por outro lado, a sangria periódicaavança a produção de flores e estimula aprodução de látex. A longo prazo,entretanto, parece que as árvores seesgotam e, depois de 25 anos, não sãomais exploráveis.

Nos seringais, o impacto sobre osindivíduos depende mais da habilidadedos coletores. É bem sabido que a incisãodo cambio pode levar à morte da árvore.Como os seringueiros alternam os diasde coletas nas suas rotas (estradas), sepratica a sangria em uma única árvoresomente duas ou três vezes por semana.

O corte é usado principalmente paraa coleta da madeira para construção,combustível ou como fonte de diferentessubstâncias como o óleo de essência dopau-rosa. Esta prática é usada igualmentena coleta de alguns látex (sorvão, balata,maçaranduba, caucho) e poderia sersubstituída pela prática da sangria, queproporciona um rendimento imediatomenor mas que poderia assegurar aperenidade do recurso.

A extração de um órgão da plantaconstitue o segundo tipo de prática. Acoleta das fibras de palmeiras (piaçaba,chambira ou tucumã) é feita através docorte das folhas, a dos palmitos (açaí-do-Pará ou jauari) pelo corte da gema apicale a do cipó titica, arrancando-se as raízesaéreas das plantas epífitas.

A sangria, terceira prática, consisteem extrair não um órgão, mas produtosdo metabolismo secundário de certasplantas como gomas, látex, resinas ouóleo-resinas. Finalmente, por meio dacoleta de frutos é que se explora espéciescomo a castanheira, a andiroba, ocumaru, o ucuuba, e diversas espéciesde açaízeiros e outras palmeiras.

Impactos no indivíduo

O impacto do corte é evidentementenegativo para as palmeiras ou árvores,que mesmo apresentando o potencial doperfilhamento, estes perfilhos têm poucaou nenhuma chance de sobreviver.Independentemente do órgão da plantaque seja coletado, a extração, em geral,permite a sobrevivência do indivíduo e aregeneração do recurso dentro de umperíodo razoável, embora dependa muitoda técnica utilizada, de sua freqüência eintensidade. Existe um manejo dorecurso, sendo raros os casos de sobre-exploração que provocam morte doindivíduo. Esta prática também podefavorecer a produtividade do recurso,

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

Além disso, muitos seringais possuempopulações seringueiras tanto em áreasinundáveis como em terra firme,alternando-se as explorações, na estaçãoseca e na estação das chuvas,respectivamente. A taxa individual deexploração é baixa, o que pode explicara longevidade da produção de látex emuma árvore, atingindo em alguns casos,mais de 50 anos (Nicolas 1981).

Os dados de produção de copaíba sereferem somente a Copaifera multijuga

que não é a espécie mais produtiva daAmazônia (Nelson 1987). Umaexperiência de sangrias sucessivasrealizada por Alencar (1982) demonstraum aumento da produção depois daprimeira coleta de óleo seguido por umdecréscimo regular do rendimento,mesmo respeitando um período derepouso de um ano entre as sangrias.Pode-se considerar o papel biológico doóleo-resina, ainda desconhecido, para asespécies do gênero Copaifera. Segundoa hipótese de Nascimento (1980), esteproduto participaria na proteção da plantade diferentes agentes patogênicos eanimais herbívoros. Se isto for realmentedemonstrado, a exploração do óleo-resinapoderia ser nefasta à espécie.

Impactos na populaçãovegetal

O verdadeiro impacto do corte naspopulações vegetais não pode seravaliado sem considerar a taxa deregeneração de cada espécie. Existempoucos dados disponíveis sobre aregeneração das espécies neotropicais deinteresse econômico em condiçõesnaturais, com algumas exceções como ostrabalhos de manejo silvicultural dosmeios florestais amazônicos (CELOS noSuriname, INPA em Manaus e CTFT naGuiana Francesa) e poucos estudos

sobre as condições de desenvolvimentosustentável de pequenas comunidades daAmazônia (Hartshorn 1989).

Entre as espécies que nosinteressam aqui, o pau-rosa é a únicasubmetida ao corte. Os dadosbibliográficos e os estudos sobre aestrutura das populações e suacapacidade de recuperação (Mitja eLescure 1993) enfatizam as baixasdensidades das espécies (um indivíduoexplorável em 5-10 hectares), a altamortalidade das plântulas e plantasjovens e a baixa taxa de crescimento. Aregeneração das espécies em áreasexploradas é ainda mais comprometidapelo fato de que, nenhuma árvore adulta,produtora de sementes, é conservadadentro da área de exploração, e que sópoderá se realizar com as sementes eplântulas pré-existentes.

A extração de um órgão da planta tempouco impacto na população vegetalembora não esteja demonstrado naexploração do cipó-titica.

Embora o impacto da coleta nosindivíduos pode ser insignificante omesmo não ocorre na população vegetal.A predação de sementes, como no casoda castanheira, pode afetar o processodemográfico. Se esta coleta ultrapassarum determinado limite, podecomprometer o futuro da população,levando ao seu envelhecimento, senão aoseu desaparecimento. Torna-seabsolutamente necessário se estudar oimpacto real desta prática para asespécies de interesse econômico.

Impactos no meioambiente natural

O corte do pau-rosa tem um baixoimpacto no meio ambiente. Numa área de490 hectares, onde 60 árvores de maisde 20 cm de diâmetro foram derrubadas,

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Compêndio MAB 18

Os patrões

A história do extrativismo reflete aideologia da prodigalidade da naturezaaliada ao mito de um território ilimitado. Aexploração de áreas ricas em recursosnaturais de alto valor comercial tem sidoorganizada por uns poucos comerciantesou aventureiros, detentores do capital,capazes de apropriarem-se de grandesáreas de terra e de obter os recursoshumanos necessários para suaexploração. Eles são conhecidos sob otermo genérico de patrões.

Os mercados são supridos através deuma forma de relações de trabalho difusabaseada num sistema de troca conhecidopelo nome de aviamento. A extorsão deuma mão-de-obra numerosa, geralmentepouco qualificada, caracteriza as relaçõesde produção.

Embora a subordinação doscoletores aos patrões tenha diminuídodurante as últimas décadas, a figura dopatrão resiste através da permanência dosistema de aviamento.

Os coletores

Até a segunda metade do século XIX,o extrativismo era limitado e provocavabaixos níveis de exportação. Menos de1000 toneladas de borracha foramexportadas em 1847, mais de 21.000toneladas em 1897 (Bello e Monteiro daSilva 1986). A industrialização da Europaaumentou a demanda por diferentesprodutos como a goma e detonou umamudança no recrutamento dos recursoshumanos para as atividades extrativas.Inicialmente estes eram em sua maioriaindígenas. Nos últimos anos do séculoXIX, na região Nordeste, a escassez deterra (fora as de propriedade daoligarquia) disponíveis aos escravosrecentemente libertados, e a seca queaconteceu naquele período, contribuíram

a superfície atingida para cada árvoreexplorada é de 273m2 devido à derrubadae corte de toras, e de 714m2 devido aotransporte. A área total devastadarepresenta cerca de 1% da áreaexplorada. Isto pode ser comparado aoimpacto do corte de multi-espécies quealtera entre 28% (Uhl e Vieira 1989) e 41%(Schmitt 1989) da área explorada.

O impacto da extração de um órgão,da sangria ou da coleta sobre o meioambiente é baixo, pelo menos para afitocenose. Este impacto se limita àabertura e manutenção de trilhas entre asárvores da floresta. Este nível de impactoé também mantido porque o homem con-tinua sendo a única força de trabalhoutilizada.

As atividades extrativas de todos ostipos têm um impacto indireto no meioambiente através da caça para asubsistência do coletor durante a suaestadia na floresta.

AS DIMENSÕES SÓCIO-ECONÔMICAS

Da coleta do recurso vegetal até asua comercialização, os agentes doextrativismo são muitos e estão ligadospor relações sociais de produção e depoder que dependem das característicasdo recurso explorado, da proximidade dosmercados de consumo e da histórialocal.

Pode-se identificar como principaisagentes, os coletores, os patrões quepodem ser proprietários de terra ou terconcessões de terra, os transportadorespor barco e os negociantes e os váriosintermediários que são direta ouindiretamente controlados pelos patrões.Um mesmo indivíduo pode desempenharmuitas destas funções.

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71Compêndio MAB 18

para estimular um amplo recrutamento derecursos humanos fora da Amazônia pararesponder à crescente demanda dosmercados (Teixeira 1980). Entre 1890 e1900 mais de 200.000 pessoas migraramdo Nordeste para a Amazônia. Durante asegunda Guerra Mundial o governo dosEstados Unidos precisando de borrachapara sua indústria bélica, estimulou umaumento na exportação de borracha, euma segunda onda de migrantesconhecida como soldados da borrachachegou à região. Mais recentemente, aabertura de estradas em larga escala(43.672 km em 1985) e os vários planosde colonização desenvolvidos peloEstado e organizados pela SUDAM e oINCRA atraíram uma nova população demigrantes para a região.

Os coletores de hoje em dia formamum grupo heterogênio devido às suasorigens, histórias e diversidade de cos-tumes. Se encontram entre ascomunidades indígenas, os caboclos,descendentes de um longo processo decruzamento racial e cultural que sedesenvolveu durante as diferentes fasesde ocupação da Amazônia (Grenand eGrenand, 1990), os descendentes deimigrantes do Nordeste (cariús), quechegaram durante os dias auspiciosos daexploração da borracha, e maisrecentemente, os imigrantes ambiciososatraídos pela disponibilidade de terra naregião.

Cada um destes grupos demonstradiferentes práticas de extrativismo emantém a atividade com diferentespropósitos. Para as comunidadesindígenas o objetivo ainda é garantir aorganização de vida coletiva da sociedadetradicional e manter as suas comunidadesintegradas à sociedade nacional. Oscaboclos que buscam suprir as suasnecessidades econômicas estãoacostumados a se deslocar a procura detrabalho na floresta, tentam tornar-se maissedentários. A população de

descendentes dos imigrantes nordestinostem se mantido estável por um longotempo. Enquanto permanecemsubordinados aos patrões, eles queremgarantir a sua atividade e melhorar a suasituação econômica. Os imigrantescamponeses mais recentes de outrasregiões atraídos espontaneamente ouestimulados pelos planos do governo,estão em sua maioria envolvidos comatividades puramente agrícolas, edesconhecem muitas vezes os recursosamazonenses.

Para alguns, o extrativismo é umaatividade de tempo integral. Mas para amaioria representa só uma fonte de rendacomplementar e ocasional. Algunscoletores sempre viveram e trabalharamna floresta, outros já tiveram trabalhosassalariados em áreas urbanas. Unspodem colher o produto regularmente deano a ano, outros demonstram umagrande flexibilidade em suas atividadesmas continuam sendo essencialmenteagricultores.

Na cultura cabocla, as estruturasfamiliares predominam sobre a vidacomunitária, distinguindo-se da culturaindígena. Por exemplo, o agrupamento demoradias ao longo do rio Negro foi iniciadopela Igreja Católica nos anos cinquenta.Entretanto este reagrupamento não secaracterizou pela solidariedade denatureza comunitária. A única atividadecoletiva que é desenvolvida, é o ajuri,trabalho realizado em mutirão para abrirnovas roças. Estes assentamentosmostram uma enorme flutuaçãodemográfica devido à mobilidade dasfamílias que está ligada a três fatoresprincipais: a prática temporária doextrativismo, a busca de emprego, eacesso a escolas e cuidados de saúde(Pinton e Emperaire 1992).

A mobilidade dos caboclos pode sercontrastada com o comportamentosedentário dos descendentes dos

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disputarão. Cruzando os rios parabarganhar comida e produtosmanufaturados por diferentes recursoslocais, eles competem com os patrões ousão às vezes o único agente econômicoem contato com os coletores.

Os negociantes

No final da cadeia, estão osnegociantes que moram na cidade ecompram os produtos dos patrões paravendê-los no Brasil ou no exterior. Elesusualmente adiantam o pagamento pelaprodução e então estabelecem um vínculocliente/patrão análogo ao que existe en-tre o patrão e o coletor. Nas áreas onde oaviamento desapareceu, ou onde hácomércio de produtos recentes, tais comofrutos silvestres ou plantas medicinais, osnegociantes enviam os seus própriosrepresentantes ao local para negociar ecentralizar as coletas.

Em Manaus, três negociantessomente monopolizam quase todo omercado dos produtos tradicionais - asgomas, a castanha e a essência do pau-rosa. O número de negociantes crescepara vinte para o mercado de fibras depiaçaba e cipó-titica e torna-se difícilavaliar este número para o mercado defrutos silvestres como o açaí e o tucumã.

As fábricas para transformar eembalar os produtos são todascaracterizadas por maquinariafrequentemente deteriorada e dilapidada,instaladas entre as duas GuerrasMundiais; as relações de trabalhopaternalistas e o cunho familiar daempresa lhe dá sua coesão social. Asfábricas dão a impressão que nunca sefez qualquer investimento ou política demodernização e nenhuma tentativa demelhora das condições de trabalhomesmo durante os períodos maisdinâmicos. O pessoal, idoso e constituídona maioria por mulheres, trabalha ano

nordestinos. Isto pode ser observado, porexemplo, na região do médio Juruá ricaem seringueiras e muito explorada desdeo começo deste século (Mendonça 1989).Os seringueiros podem ser caracterizadospela permanência de seus povoados epela continuidade de sua atividade.Ancorados na região ou até no mesmoseringal por três gerações, sua principalatividade desde jovens continua a ser aextração da borracha. A organização so-cial da produção nos seringais manteveuma grande dispersão de famílias durantemuito tempo embora apareçam unspoucos reagrupamentos emcomunidades espontâneos, há algunsanos, devido ao fracasso do sistemasócio-econômico tradicional (Lescure et

al. 1992). Apesar destes reagrupamentose das relações de parentesco entre oscoletores e os diversos agentes daatividade extrativa, o trabalho continuasendo individual, característica herdadada organização tradicional da coleta.

Os intermediários

As cadeias de trocas colocam emcena numerosos intermediários quepodem ou não depender de um patrão.Uns poucos coletores que são capazesde manter contas podem, às vezes seestabelecer como patrões. Eles podemcontrolar quatro ou cinco famílias mas nãotêm recursos suficientes para aumentarsua autoridade. Eles podem ser capazesde inserir-se mais confortavelmente nosistema de trocas por laços de parentescocom o patrão. Como eles estãopreparados para extorquir o trabalho dasfamílias sob o seu controle, podemacumular um pequeno capital que lhespermitirá fortalecer seu status social ouabandonar o sistema.

Em algumas áreas, o patrão que seretira ou perde poder pode liberar umespaço econômico pelo qual os pequenoscomerciantes ambulantes, regatões,

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

PRINCIPAIS PRODUTOS

farinha de mandioca

produtos não madereiros da floresta

bens manufaturados

As atividades extrativasmostram um declínio deimportância do ponto de vistamacroeconômico. Por outrolado, muitos dadosdemonstram que elascontribuem com uma parteimportante, senão com amaior parte, do rendimentoanual dos habitantes dafloresta. Entretanto, o baixopadrão de vida dos coletorese a injustiça social que resultadas relações patrões-coletorestem que ser salientada. Adependência dos coletores emrelação a seus patrõespermanece como o principalfator que age contra amelhoria das condições devida dos habitantes dafloresta. Esta dependência ébaseada num tipo específicode troca conhecida comoaviamento, que caracteriza asrelações sociais entre oscoletores e os patrões.

O quadro resume a estruturadesta troca:

* Os produtos naturaiscoletados na floresta;

* Os objetos que o patrãoabastece o coletor que sãopara o consumo e aprodução e constituem opacote conhecido como orancho;

* A farinha de mandiocapode ser parte do rancho. Na maioria dos casos,entretanto, o coletor étambém agricultor e supresua própria farinha paraa jornada enquanto aprodução excedente ébarganhada com o patrão.

O quadro mostra a forma maissimples de circulação destesprodutos. Usualmente,muitos intermediários agemno sistema de troca. A farinhade mandioca na troca aparececomo o principal agenteregulador do débito do coletor.

A troca é um escambo,simbolizada em valormonetário através do "livro decontas". O equilíbrio da trocaé desigual e permanece a basede lucro do patrão, obtido nacomecialização dos produtosnaturais de um lado, eabastecendo o coletor dediferentes produtos de outro. Para o coletor que não temacesso ao mercado, os preçosdos produtos serão mais altosdo que no mercado do centrourbano mais próximo.Observou-se fatores de altoacréscimo (como de 300% paratabaco e gasolina e de 200%para sabão). Pode-se calcular,na região do Juruá emsetembro de 1992, porexemplo, que o produtor quedependia de um patrão ou doregatão tinha que produzir3,75 vezes mais farinha parareceber os mesmos bens doque um produtorindependente que tinha acessodireto ao mercado.Neste sistema, o débitoaparece como umacaracterística estrutural. Namedida em que o patrão fixaos preços e a participação nosbens adiantados e impede oacesso ao mercado, o coletor

PRODUTOS, BENS E FARINHA: AS TRÊS PARTES DE UMA TROCA DESIGUAL1CULTIVADORRECOLECTOR

"RANCHO" PATRÃO

COLETOR

MERCADO

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considerar o baixo nível de investimentonecessário. Seu principal interesse,entretanto, parece encontrar-se namanutenção de uma complexa reserva derelacionamentos sociais, há muitoestabelecida, que permite àquelasfamílias manterem sua influência políticae seu prestígio. De acordo com estesúltimos “barões” do extrativismo, odeclínio da atividade é devidoprincipalmente a fatores externos. Elesreclamam que o apoio financeiro do

A mandioca, o principal cultivo e oprincipal alimento da Amazônia,constitui uma parte importante dorancho.

Estado à Zona Franca e os impostoscobrados sobre a comercialização dosrecursos naturais atuaram contra odesenvolvimento de uma economiabaseada na floresta e prejudicaram ocaboclo.

após ano embora possa ser despedidonos tempos de escassez dos produtos.Consequentemente a taxa de rotatividadedo pessoal é muito baixa. O vínculo damão-de-obra com a empresa e os seusproprietários está ligado ao caráteracentuadamente paternalista dasrelações de trabalho, e pode-se pensarse é a troca de favores ou o paternalismoacentuado, muito mais que os valoreseconômicos da produção, que parecemjustificar a continuidade das atividades(Aubertin 1993).

Durante um longo período, asprincipais famílias de negociantesdiversificaram muito as suas atividades nocomércio, lançando-se a empresas naZona Franca de Manaus e deixando aadministração dos negócios antigos paraum dos membros mais velhos da família.Embora os rendimentos das atividadesligadas ao extrativismo tenham se tornadodesprezíveis se comparado aos lucrosfabulosos que geraram no passado, estasatividades continuam rentáveis se

L. Emperaire

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Todos estes atores constituem redesque ligam centenas de coletores a ummesmo negociante. Cada rede paralelausa a sua influência para controlar otrabalho e os mercados de trabalho e deprodução. A região Amazônica não podeser considerada sem atentar para estesistema, que moldou a estrutura social daregião e lhe deu coesão através dasrelações sociais e de obrigaçõesrecíprocas herdados de geração emgeração (ver Quadro 1).

“Aviamento”- As trocas

A forma tradicional de troca,conhecida como aviamento, foi descritapor outros autores, e portantodelinearemos suas características easpectos mais relevantes.

Antes de partir para a mata, o coletorrecebe do patrão o material necessáriopara trabalhar e sobreviver durante suajornada. Este pacote, conhecido comorancho, põe o coletor na posição defreguês do patrão. Em troca, o coletordeve entregar a seu patrão toda suacoleta.

Na troca, a ausência de dinheirosignifica um sistema de barganha.Entretanto, a troca é registrada,simbolicamente, num livro de contas dopatrão em termos de valor monetário. Osvalores dos bens adiantados, os jurosdeste empréstimo e as quantidades evalores dos produtos coletados sãoanotados neste livro e usados paracalcular o balanço. O patrão ajusta ospreços de modo que o coletor continuesempre endividado e que se veja obrigadoa requerer um novo rancho para apróxima coleta. Deve-se salientar quenesta situação, o coletor se senteagradecido ao patrão, considerando onovo empréstimo como um favorconcedido.

Além disto, o patrão frequentementemonopoliza o transporte no rio que surgecomo uma interface intransponível entrea economia de mercado e o aviamento.Ele realmente controla o sistema de trocae proíbe qualquer mudança dessaeconomia cativa baseada numa cadeia detrocas desiguais, para uma economia demercado.

Estes vínculos econômicos entre oscoletores e seus patrões garantem umarelação social de paternalismo eautoridade onde o coletor acredita que aproteção do patrão é a sua melhorgarantia social. A natureza desta relaçãosocial leva o caboclo a uma lógica dedependência e submissão que impregnasua própria mentalidade e inibe a suacapacidade de inovação.

O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

L. Emperaire

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Compêndio MAB 18

Atualmente a intensificação daprodução de farinha de mandioca indicaa perda do poder dos patrões. A maioriados produtores garante pelo menos o seupróprio consumo a fim de minimizar seudébito. Mas a maior parte da produçãoexcedente é ainda coletada pelo patrão evendida aos seus clientes menos ativoscom uma grande margem de lucro. Desdeque os caboclos preferem vender aprodução excedente ao patrão e não àsfamílias vizinhas, a farinha permanecerásob o controle dos patrões. A farinha demandioca, seja consumida pela família ouvendida, produzida ou comprada, podeser vista como um elemento regulador dasflutuações do sistema sócio- econômico.

RUMO À ECONOMIA DEMERCADO

O enfraquecimento do poder dospatrões e a perda de seus monopólios, o

Apesar da queda dos produtos doextrativismo no mercado, muitos patrõescontinuam beneficiando-se e mantendo asua autoridade. Mantém-se os lucrostotais aumentando os preços dos bens deconsumo fornecidos ao coletor, cujospreços em quantidades equivalentes deprodutos florestais tornaram-seexorbitantes. É óbvio que nesta ciranda,quanto mais o caboclo empobrece, maisele reforça os vínculos sociais com opatrão para assegurar os bens deconsumo indispensáveis à suasobrevivência.

Os caboclos não podem romperfacilmente esta espiral de subordinação,enquanto os patrões não tiverem quecompetir com novos agentes comerciais,ou mesmo em regiões quando os patrõesdesapareceram de alguns rios, enquantonão estiverem em uma melhor posiçãopara negociar com os pequenoscomerciantes fluviais. As únicas opçõessão mudar para a cidade, retornar àagricultura de subsistência ou tentarcomercializar os produtos agrícolas eflorestais diretamente.

A papel da farinha demandioca

O sistema tradicional do extrativismoimpedia o desenvolvimento da agricultura,mesmo de subsistência. Como a farinhade mandioca é o alimento básico daAmazônia, constitui uma parte importantedo rancho. O patrão quer maximizar acapacidade de produção de sua mão-de-obra mas também quer controlar oabastecimento de farinha e outrosprodutos. Esta estratégia dificulta odesenvolvimento da agricultura, mesmopara o consumo doméstico (Pinton eEmperaire 1992, Terri 1977). A agriculturasó foi permitida nos períodos de criseeconômica, e então era limitada àsnecessidades domésticas com qualquerexcedente obrigatoriamente entregue aopatrão2.

___________________________________________

2. Dependendo dos diferentes cicloseconômicos que se sucedem, o equilíbrioentre agricultura e extrativismo flutua, masestas atividades aparecem muito maisuma relação de conflito do que decomplementaridade. Durante o séculoXIX, a agricultura declinou com odesenvolvimento de atividades extrativasque absorveram a maior parte da mão-de-obra disponível. Com a crise de 1913,para limitar sua despesa com oabastecimento de bens, os patrõesintensificaram a agricultura de pequenaescala da qual produtos como farinha demandioca e tabaco foram usados parasuprir os coletores nos seringais. Algunshabitantes da floresta se especializaramnesta produção. Comunidades auto-suficientes então surgiram para limitar oscustos da produção. A intensificação dasatividades de extração da borracha em1942 limitou uma vez mais a produçãoagrícola até os anos 60, quando adiminuição da capacidade dos patrões deprover os bens levou os coletores adiversificarem suas atividades.

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

desenvolvimento de pequenos centrosurbanos e de estradas e o surgimento deum poder político local, contribuiram paraa monetarização do sistema que sedesenvolve fora do alcance dos patrõesou sob o seu controle. Em muitas regiões,o sistema tradicional do extrativismo épraticado simultaneamente com umaforma contemporânea de extrativismo queescapa ao aviamento.

Em regiões distantes dos mercados,os regatões desviam uma parte do lucrodos patrões e desenvolvem um outro tipode relação social com o coletor. A trocapermanece ainda uma barganha (erealmente pode-se perguntar) como estasituação poderia evoluir num contextoinflacionário onde o dinheiro só pode serusado por aqueles que são capazes dereciclá-lo rapidamente. O coletor negociacom o comerciante seguindo um tipodiferente de lógica, mais parecida com ade uma simples troca econômica e oaspecto paternalista tende a desaparecer.

Um dos fatores que contribui para odeclínio do extrativismo é a falta de mão-de-obra, que foi atraída para as cidades.Por outro lado a rápida urbanização queocorreu no estado do Amazonascontribuiu para o desenvolvimento de ummercado regional baseado em outrosprodutos florestais. Nos arredores deManaus cresceram novas atividades querespondem à demanda da cidade porfrutos de silvestres e plantas medicinais.Este setor escapa da rede tradicionalligada ao extrativismo.

A exploração dos frutos do açaí é umexemplo. Estes frutos de palmeiras têmque ser processados no máximo 72 horasapós a sua coleta. Sua comercializaçãorequer uma organização de distribuiçãoeficiente que envolve coletores,intermediários e pequenos artesãos queprocessam o produto para sucos esorvetes. A cadeia comercial está,frequentemente, interligada por laços deparentesco tanto na floresta como na

cidade. Nas áreas populares da cidade,numerosos pequenos vendedores de ruaque vendem sucos ou sorvetescompletam a cadeia na qual a maioria dastrocas se faz em dinheiro (Castro 1993).Uma situação similar surge da exploraçãodos frutos do tucumã (Bressolette e Rasse1992).

A exploração de plantas medicinaisé também altamente monetizada mas nãomostra padrão familiar tão forte (CoelhoFerreira 1992). Na região de Maués, ondeas plantas medicinais foramcomercializadas localmente por longotempo, alguns comerciantes começarama atrair uma clientela regional e urbanamediante o abastecimento deestabelecimentos farmacêuticos empequena escala (Pinton e Delavaux1992).

A exploração do pau-rosa e depalmitos também é monetizada. No casodo pau-rosa, a exploração se parece coma de outros produtos e mobilizaequipamentos mecânicos como serras etratores. Dependendo da região, otrabalho é remunerado através do sistemade aviamento ou de trabalho assalariado.Por outro lado, a coleta do palmito dejauari que sustenta a pequena fábrica dopovoado de Barcelos (Rio Negro) é pagaem dinheiro de acordo com a suaimportância.

Esta tendência a um sistemamonetário permite uma diminuição dascoerções sociais ligadas ao aviamento.Neste sentido, ele corresponde aosprojetos dos habitantes da floresta. Oscoletores tentam se tornar produtoresindependentes, algumas vezes através dacriação de associações. Eles queremescapar do pagamento em forma desalário considerado no Brasil como umasituação precária devido aos índices deinflação muito elevados. Todos osdiscursos e comportamentos do caboclosugerem a sua preferência pelaautonomia tanto da dependência do

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Compêndio MAB 18

patrão como da “proletarização”associada ao trabalho.

A apropriação dosrecursos

Os processos técnicos, as relaçõessociais e a organização do trabalho,dependem de diferentes fatores como anatureza do recurso, o modelo de suadistribuição espacial, o tipo de vegetaçãoe a situação fundiária. Uns poucosexemplos servem para ilustrar avariabilidade das situações que podemser observadas.

Usualmente o patrão explora a terraque pode lhe pertencer ou ser arrendadade outro patrão ou do Estado. Geralmenteos patrões consideram a terra mais comoum objeto de produção - uma reservadisponível de onde os recursos sãotirados - do que um meio de produção.Esta atitude pode estar relacionada aomito da prodigalidade da natureza naAmazônia.

Ao longo das nossas diversasentrevistas, pode-se perceber a falta deum manejo da vegetação, seja nosseringais, cujas densidades dasseringueiras podiam ser intensificadas,seja nos castanhais, onde as árvores maisvelhas podiam ser eliminadas em proveitodas jovens e mais produtivas. Somenteas trilhas que são limpas a cada ano peloscoletores indicam algum manejo. Asúnicas tentativas de intensificação daprodução são as plantações mono-específicas de seringueiras sub-vencionadas pelo programa PROBOR,em parcelas de tamanho variável, quefracassaram.

Nas áreas de conflito pela posse deterra, nos arredores dos centros urbanos,os comerciantes e criadores de gadotendem a apropriar-se das terrras,expulsando o pequeno produtor paraáreas mais distantes. Os conflitos pelo

uso da terra entre os diversosprotagonistas são numerosos e algumasvezes violentos, como foi observado emtodas as regiões percorridas (Rio Negro,Rio Juruá, Maués, Manaquiri).

Para os coletores, a apropriação dorecurso depende muito produto. No casoda borracha, o seringal de propriedade deum patrão, é explorado, ano após ano,por seringueiros que sangram as mesmasárvores e limpam as trilhas (estradas) queas ligam. Esta alocação personalizada dorecurso a longo prazo pode ser observadatambém para a coleta das castanhas eparece ser aceita por todos. O coletor nãose preocupa, não mais que o patrão, coma melhoria da produtividade dos espaçosque explora.

No caso dos outros produtos, aapropriação do recurso se dá durante otempo da exploração do recurso. Ospiaçabeiros, por exemplo, trabalham du-rante toda a sua estadia na floresta nasáreas escolhidas no começo da estação.Parece que não há qualquer regra par-ticular para a ocupação de um territóriopara exploração.

No caso especial da exploração dopau-rosa, é necessária um levantamentoprévio à exploração que é confiado a umapessoa experiente no assunto. Elemarcará a casca das árvores encontradascom suas iniciais e se apropria do recursotemporariamente. Será pago de acordocom o número e do tamanho das árvoresencontradas. Os coletores que cortam,toram e removem as toras não têmquaisquer direitos de se apropriarem dorecurso.

A organização dotrabalho

A organização social do trabalhodepende da natureza e da proximidadedo recurso mas também do nível deautonomia dos coletores e de sua relação

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

com o patrão. Pode-se observardiferentes situações.

Nos clássicos seringais e castanhais,as famílias estão espalhadas por todo oterritório e dependem completamente dopatrão. Cada coletor trabalha para simesmo e encarrega-se completamentedas tarefas da coleta, transporte eprocessamento inicial do produto. Paraoutros recursos como piaçaba, sorva,puxuri, ou copaíba, a organização dotrabalho permanece individual, mesmoque a distância dos recursos justifiqueexpedições de coleta organizadas pelospatrões e conhecidas como empresas. Sereúnem dezenas de homens na florestapor um longo período, onde cada umdesempenha o mesmo papel.

Uma vez mais o caso da exploraçãodo pau-rosa é diferente já que é baseadonuma organização de atividades piramidale hierárquica. Os prospectores localizamo recurso, os tiradores cortam os troncose os carregam para o acampamento,motoristas de caminhões os transportamaté a usina de transformação que geradiferentes empregos complementares.Cada atividade tem um contratoespecífico. Os trabalhadores sãousualmente remunerados em dinheiropelo seu trabalho embora ainda observe-se, algumas vezes, uma sobrevivência doaviamento.

Em áreas onde a agricultura tende ase desenvolver, o tempo que osagricultores dedicam ao extrativismo érestrito a casos de uma necessidadeurgente como o pagamento de umadívida, a compra de produtos ou emresposta a uma perda na produçãoagrícola. Eles então farão uma jornada depoucas semanas na floresta, sozinhos ouem grupo, mas fora do quadro de umaempresa. Estas expedições sempreacontecem nas férias escolares, se o nívelde água permitir o acesso aos recursos.Eles trabalham para seu próprio patrãoque é representado por um intermediário

ambulante e embora vivam juntos numacampamento temporário, a organizaçãodas atividades é individual.

Este tipo de organização é possívelporque os produtos podem ser facilmentearmazenados por um longo tempo,enquanto espera-se pelo patrão ou seuintermediário. O caso da comercializaçãode frutos silvestres é diferente já que oproduto não pode ser conservado pormais do que poucos dias. Estes recursossão explorados numa área de florestapróxima a habitações que pertence aopróprio coletor ou é alugada de umvizinho. Muitos coletores vendem suaprodução diretamente no mercado paraaumentar o seu rendimento.

Em algumas regiões como o médioJuruá, o monopólio econômico, herdadodos patrões e perpetuado pelos pequenoscomerciantes do rio, encontra-seconfrontado por movimentos sociais(Lescure et al. 1992). Associações deprodutores estão sendo organizadas paracriar a sua própria cadeia decomercialização. Estas iniciativas, que nasua maior parte referem-se à produçãoagrícola, são promissoras, mas devem serampliadas aos setores fundiário,econômico e ecológico.

Finalmente, temos que lembrar dasreservas extrativas recentemente criadasque são beneficiadas por um estatutofundiário especial. A extração permanececomo uma atividade individual, mas acomercialização é organizada em

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crescimento de uma injustiça social óbviae a negação das culturas locais.

O sistema mistoagricultura - extrativismo

O sistema extrativista puro foi forçadoa evoluir sob pressão de diversos fatores.O extrativismo da borracha sofreu duascrises importantes: a primeira no início doséculo, quando cresceu a concorrênciacom as plantações do Sudeste Asiáticoe, mais tarde, com as da África; a segundaao término da Segunda Guerra Mundialque, por razões estratégicas, tinha dadoum novo impulso à atividade. A partir dosanos 50, todos os produtos naturaiscomeçaram a sofrer uma sériaconcorrência com os produtos sintéticos.Foi assim que alguns produtosdesapareceram do mercado, como arotenona, substituída pelo DDT, as gomasnão-elásticas e o óleo de copaíba,substituídos por produtos sintéticosequivalentes. Outros fatores podemtambém ter contribuído como atividadesmais lucrativas que atraíram os capitaislocais, como o comércio da Zona Francade Manaus; a especulação sobre as terrascom a abertura das estradas durante oGoverno militar, ou a criação de diversosplanos de desenvolvimento associados aincentivos fiscais vantajosos. Odesenvolvimento da Zona Franca deManaus favoreceu ainda mais aemigração da mão-de-obra do interior,diminuindo assim as capacidadescomerciais e o poder dos patrões. Todosesses fatores serviram de incentivo paraque os patrões se retirassem de suasatividades tradicionais para investir emoutros setores. As dinâmicas sociaiscriadas pela perda de interesse e de poderdos patrões variam de um lugar para ooutro.

Em alguns casos, como na região domédio Rio Negro, assiste-se a umenfraquecimento do poder tradicional dos

cooperativas, liberando os coletores dadependência dos patrões.

O lugar do extrativismonos sistemas deprodução na Amazônia

O EXTRATIVISMO: UMAATIVIDADE DESISTEMAS DEPRODUÇÃOCOMPLEXOS

As atividades extrativas, hoje em dia,estão associadas a outros tipos deprodução como a agricultura, o cultivo deárvores frutíferas, a caça, a pesca e atémesmo a criação em pequena escala. Oequilíbrio entre estas atividades dependemais de condições sócio-econômicaslocais do que de condições ecológicas.Pode-se reconhecer diferentes sistemasde produção, como veremos nosparágrafos seguintes.

O sistema puramenteextrativo

O sistema de produção tradicionalbaseado unicamente em atividadesextrativas foi o modelo para a região du-rante o período de ostentação daborracha. Hoje, envolve somente umaspoucas pessoas que por várias razõesnão dedicam o seu tempo à agricultura.São sempre homens jovens e solteirosque preferem esta condição temporária,enquanto tentam formar uma família.

Este modelo histórico baseia-senuma mão-de-obra submissa, móvel eabundante, que serviu para impedir odesenvolvimento da agricultura, proibindoqualquer outra atividade além da coletados produtos, e que provocou o

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

patrões que está competindo com outrasformas de autoridade e assistência locais.Embora as grandes empresas tenham setornado raras, a extração de sorva,piaçaba, seringa e castanha continua sobo controle de numerosos pequenospatrões, num ritmo mais lento. Estacontinuidade poderia estar ligada àdiversidade dos produtos mas também àconvergência de interesses entre o poderpolítico local e os pequenos patrões.

Algumas famílias, em busca deautonomia e estabilidade, compreendemque o desenvolvimento de atividades desubsistência (agricultura, caça e pesca)e a venda da produção excedente comos regatões, lhes permite sairgradativamente do sistema de aviamento.Nossas entrevistas revelaram umagrande diversidade de situações em tornode dois pólos, agricultura e extrativismo,que parecem ser atividadescomplementárias.

Os seringueiros da região do médioJuruá dedicam-se inteiramente àprodução de borracha desde o final doséculo passado. Os patrões que seretiraram, deixaram-os desorganizadosdiante da falta de oportunidades decomercialização que agora são oferecidassomente pelos regatões cujas visitas sãoimprevisíveis. Além do mais, se o regatãosubstitui o patrão do ponto de vistaeconômico, ele nunca assumirá a figurade protetor do patrão. Se no Rio Negro ocrescimento da autonomia do produtorpode ser interpretado como uma vitóriasocial, no Juruá, permanece como umaconsequência da falência do sistemasócio-econômico.

Nestes casos, porém, o sistema deprodução se organiza em torno doextrativismo, que permanece como aatividade principal, e da agricultura desubsistência, que atenua a dívida. Um

L. Emperaire

A madeira do pau-rosa é cortadaem taliscas e destilada.

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82 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

2Fez-se uma comparação do cultivotradicional de mandioca, da colheita do frutodo açaí nos sistemas agroflorestais e naturaise da coleta da fibra da piaçaba.

O cultivo da mandioca

O cultivo tradicional da mandioca édesenvolvido em terrenos cultivados deforma intinerante de capoeiras. Cada terrenosustenta dois ciclos de produção, e entãoserá abandonado a processos naturais derecuperação. Numerosos estudos sobre ocultivo de corte e queima demonstram queé necessário um período de recuperação de30 anos antes de cortá-lo novamente paragarantir a fertilidade do solo. A maioria dosagricultores, entretanto, corta novamentedepois de um período de recuperação de 10anos.Usualmente um produtor cultiva umaparcela na floresta em um ano e no próximoano em capoeiras. A distribuição do tempoe da produção têm que ser calculadas emquatro diferentes situações: terrenos paracultivo intinerante da floresta primária,primeiro e segundo ciclos (PF1, PF2) eterrenos para cultivo intinerante primeiroe segundo ciclos de capoeiras (F1, F2).Para garantir a rotação destes terrenos, umcultivo sustentável precisará de uma áreatotal de 32 ha no modelo de 30 anos e 12ha no modelo de gestão de 10 anos.

Elementos de cálculo

Assumimos os seguintes valores paracalcular:

* Dois ciclos em um terreno cortado dafloresta proporcionam 23 toneladas detubérculo e 18,6 toneladas se é cortadoem capoeiras de 10 anos;

* O produtor pode processar ostubérculos para a farinha de mandiocasomente (processo 1) ou para aprodução da farinha de mandioca e datapioca (processo 2). No processo 1, afarinha de mandioca representa 35%do peso do tubérculo fresco e adistribuição do tempo é de 1,9 diaspara 50 kg de farinha. No processo 2,a farinha de mandioca representa 26%e a tapioca 5% do peso do tubérculo

fresco e a distribuição do tempo é de2,4 dias para 50 kg de farinha e datapioca correspondente;

* O preço da farinha de mandioca é deUS$ 213 a tonelada e da tapioca é deUS$ 670 a tonelada;

* A duração dos dois ciclos numa áreaé de 2,5 anos.

PF F

Produção de tubérculos

Em dois ciclos(toneladas ha-1) 23 18.6Distribuiçãodo tempo (dias) 310 275

Processo 1

Farinha de mandioca(kg ha-1) 8050 6510Tempo de processamento(dias) 306 247Consumointermediário (US$) 22 18Lucro líquido (US$ ha-1) 1693 1369

Processo 2

Farinha de mandioca(kg ha-1) 5990 4836Tapioca (kg ha-1) 1150 930Tempo deprocessamento (dias) 288 232Consumointermediário (US$) 21 17Lucro líquido (US$ ha-1) 2025 1636

Rendimentos/lucros líquidos anuais(US$ ha-1 ano-1)

Processo 1 677 548Processo 2 810 654

Remuneração do trabalho(US$ homem-1 dia-1)

Processo 1 2.75 2.62Processo 2 3.39 2.23

Os dados são de Bressolette e Rasse (1992),Pereira (1992).

COMPARAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO E RENDIMENTO

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83Compêndio MAB 18

O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

2 A exploração das fibras depiaçava

Faz-se dois cálculos de acordo comas características dos sistemasnaturais. No primeiro assumimosque a densidade é de 400 ha-1 dasquais 60% são exploradas, emcontraste com o segundo casoonde a densidade é de 400 ha-1

dos quais 70% são exploradas.Assume-se que a produção médiaseja de 2,8 kg de fibras porpalmeira. O tempo médio de coletada fibra é de 0,5 horas porpalmeira. A duração média de umdia de trabalho é de 7,25 horasdas quais 1,9 horas são dedicadasà caminhada à área e aotransporte de volta para oacampamento. O preço correntepor fibra pago ao coletor é de US$0.30 kg-1. Dependendo dadensidade dos pontos, o lucrolíquido varia de US$ 101 ha-1

a US$ 235 ha-1 e o dia de trabalhoé remunerado a US$ 6,17.Dados originais de Emperaire etal. (1992)

A colheita dos frutos do açaí

Os parâmetros para o cálculo diferem deacordo com a área explorada, seja de umsistema agroflorestal (AF) ou natural (NS).

Nos assumimos que o produtor comercializao vinho de açaí processado; 1 kg do frutorende 1 litro de vinho; um homem podeprocessar 50 litros de vinho em 3 horas; opreço do vinho é de US$ 0,13 por litro.

Os dados são de Bressolette e Rasse (1992)e Castro (1993).

ECONÔMICO DE VÁRIAS ATIVIDADES

Sumário das comparações

Cultivo Extração

Mandioca Açaí Açaí Piaçaba

Lucro líquido(US$ ha-1 ano-1) 548-810 686 271 101-235

Remuneração(US$ homem-1 dia-1) 2,2-2,4 8,6 6,8-7,5 6, 17

AGRO NATURALFLORESTAL

(AF) (NS)

Densidade das árvores maduras(N° ha-1) 400 186Tempo de colheita (horas árvore-1) 0,25 0,5Produtividade da fruta (kg árvore-1) 13,2 11,2Produtividade da fruta (kg hás-1) 5280 2083Transporte (horas dia-1) 0 1-2Tempo de gestão(dias ano-1) 15 0

Tempo total distribuido de produçãopara um ha:colheita, manutenção eprocessamento de vinho (dias) 79,4 36-40Consumo intermediário (US$) 0 0

Lucro líquido (US$ ha-1 ano-1) 686 271Lucro líquido (US$ homem-1 dia-1) 8,6 6,8-7,5

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84 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

pomar é plantado perto da casa, a pescae a caça completam o sistema. A escolhados produtos coletados vai depender doacesso aos recursos, da compatibilidadecom o calendário agrícola e do valor dosprodutos no mercado. A figura 5 ilustraeste tipo de sistema.

A agricultura baseia-se, em sua maiorparte, na produção de farinha demandioca que é o alimento básico. Aprodução excedente é vendida outrocada. Diversas variedades demandioca (2 a 30 nos casos estudados)são combinadas com outras espécies emdiferentes proporções (cana de açúcar,inhames, abacaxi, etc.). O impacto destasatividades na floresta continua baixo, assuperfícies deflorestadas variam de 0,5 a1,5 hectares para cada família por ano.O desmatamento é efetuado muitas vezesem alternância entre a floresta primária eas capoeiras de 5 a 10 anos. Uma unidadede produção ocupa de 2,5 a 15 hectares,geralmente em parcelas isoladas.

O sistema pode ser melhoradoplantando-se um pequeno pomar em voltada casa composto basicamente porárvores frutíferas para suprir o consumodoméstico. As capoeiras produtivas emdiversas frutas trazem um complementoà alimentação. Entretanto, estas práticasagroflorestais permanecem limitadas enunca envolvem tentativas deenriquecimento do meio natural ou dascapoeiras em espécies de interesseeconômico

O sistema de três partes:agricultura,agrosilvicultura eextrativismo

Este sistema parece estar baseadona conjunção de três fatores:desaparecimento do vínculo patrão-cliente, acessibilidade ao mercado e apropriedade da terra. Os frutíferos, em suamaioria de palmeiras, constituem o

recurso comercializado mais importante.Este sistema é encontrado nos municípiosperto de Manaus ou no estuário doAmazonas.

A atividade extrativa se limita àexploração das florestas próximas àscasas. Nesse caso, observamos práticasagroflorestais reais: o tamanho dospomares aumenta, as capoeiras e afloresta são enriquecidas por derrubadaseletiva. Por exemplo, no estuário doAmazonas percebemos nas florestasmanejadas uma redução de mais de 50%do número de espécies e um aumento donúmero de espécies úteis. O índice dovalor de importância aumenta de 85%para 96% para o conjunto das espéciesúteis. Dependendo das categorias de uso,esta evolução é positiva para a espéciesalimentícias e medicinais, mas negativapara as espécies que servem decombustível ou de madeira para obra oude materiais para artesanato (Anderson1990). Mas deve-se salientar que aextensão da área manejada permanecepequena e o impacto do cultivo continualimitado.

Os municípios de Iranduba(Bressolette e Rasse 1992) e Manaquiri(Castro 1993), perto de Manaus, sãoexemplos adicionais. O mercado para osfrutos do açaí cresce de acordo com ademanda da cidade. A exploração destapalmeira heliófila pode ocorrer empopulações naturais, em pomares oupequenas plantações, dependendo daescolha dos produtores.

A produção agroflorestal proporcionauma remuneração melhor do que oextrativismo (veja Quadro 2). A escolhade um ou outro tipo de exploraçãodepende de outros fatores como ocalendário agrícola - as estações dasfrutas diferem - e da vontade do produtorde especializar seu sistema de produção.De fato, a colheita no meio natural poderepresentar uma atividade esporádica quecomplementa o orçamento familiar. O

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

cultivo continua sendo especulativo e élucrativo somente se a produçãocompensa os 15 dias de trabalho não-produtivo mas necessário para a limpeza.O sistema de produção extrativista podeser a melhor escolha em certos casosporque ele oferece maior flexibilidade aosistema de produção da unidade familiar.

O sistema mistoagricultura-agrosilvicultura

Os pequenos povoados agrícolas devárzea são um bom exemplo dossistemas mistos de agricultura eagrosilvicultura dos quais desapareceu ocomponente extrativo. O pomar é feito aoredor da casa com 20-26 espéciesfrutíferas (Guillaumet et al. 1990,Saragoussi et al. 1990). Perto de casa, oprodutor sempre tem uma pequenaplantação de 1-2 ha de cacau que cresceembaixo de seringueiras. Este tipo deplantação mista tem sido apoiada porpolíticas estaduais. Somados aos fatoresque são necessários ao sistema de trêspartes, aqui temos que considerar outrosfatores como os subsídios fiscais que têmum impacto em escala regional.

O sistema agrícola puro

Nos arredores dos centros urbanos,o produtor geralmente se dedica apenasà agricultura, sempre baseada namandioca mas também na cultura dehortas. O único traço agroflorestalconservado é o tradicional pomar, paraconsumo próprio e a produção das frutaspara o mercado é feita sob forma demonocultura (papaya, maracujá, cupuaçu,etc.).

Nos dois casos precedentes, a áreada terra explorada não aumenta porquea produção é limitada pela falta de outrasformas de energia que não seja o trabalho

humano. Mas o impacto na florestaaumenta devido à concentração dapopulação e frequentemente à adição decriação de gado em pequena escala. Omeio ambiente agrícola substitui a florestae a variedade dos recursos da floresta éutilizada só esporadicamente.

Os fatores de mudança

Uma primeira análise nos permiteidentificar os principais fatores demudança nos sistemas de produção. Aemergência do sistema misto,extrativismo-agricultura, é condicionadapelo enfraquecimento do poder dospatrões e consequentemente pelacrescente autonomia dos produtores.Este sistema que é principalmentedestinado ao consumo doméstico, podeperpetuar-se desde que o acesso aosrecursos continue possível, a densidadepopulacional seja baixa e os mercadosnão mudem. Para o caboclo sem terra, osistema permanece vantajoso, já que ocultivo de um pedaço de terra é umrequisito absolutamente básico paraconseguir um título de terra, sendo entãovalorizado aos olhos dos habitantes dafloresta que não têm terras.

O terceiro sistema de produçãovaloriza as práticas agroflorestais que sãouma especulação a longo prazo. Elesupre as necessidades do consumodoméstico como também a produçãoexcedente que será comercializada.Requer acesso ao mercado e posse daterra. A cada ano as famílias decidem asua própria estratégia que podem ou nãoincluir as atividades extrativas,dependendo de numerosos fatores. Eleprovavelmente representa o sistema maisflexível e responde melhor às flutuaçõesdo mercado.

O extrativismo está desaparecendocom o crescimento da pressão fundiária,que limita o acesso aos recursos, com aconsolidação do mercado dos produtos

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86 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

agrícolas e com a emergência de capitalatravés de incentivos fiscais e do crétidorural. A especialização da produção e ocapital contribuem para o estabelecimentode um sistema agrícola puro.

Rumo a uma valorizaçãodo extrativismo

Na seções anteriores analisamoscomo o extrativismo pode ser consideradocomo uma gestão econômica dosecossistemas florestais ao mesmo tempoem que permite a sustentabilidadeecológica. Com exceção da exploraçãopor corte (caso do pau-rosa), o impactodo extrativismo é insignificante, comotambém acontece com a agricultura parao consumo doméstico em pequenaescala, que ele está asssociado.Salientamos a grande diversidade desituações, a complexidade de seuscomponentes sócio-econômicos e

ecológicos e sua capacidade demudança. Também demonstramos anatureza complementar do extrativismo eda agricultura em pequena escala. Deve-se sempre ter em mente esta últimaquestão nas discussões que se seguem.

Em sua forma atual, o extrativismonão representa uma alternativasatisfatória para um futuro a longo prazo.O baixo lucro que gera e as estruturassócio-econômicas que contribui paramanter, desvalorizam a percepção destaatividade. Ele é atualmente substituídopela agricultura de subsistência emregiões mais afastadas ou pela agriculturacomercial em lugares próximos a umcentro urbano.

O extrativismo pode, entretanto,responder a algumas das demandas. Porexemplo os centros de consumogarantem novos mercados como o casodos frutos silvestres, os lucros dasatividades extrativas contribuem para aestabilidade econômica de uma parte dapopulação e a maioria das atividadesextrativas não coloca em perigo o

equilíbrio das populaçõesvegetais naturais.

Estas consideraçõesdemonstram que com algunsmelhoramentos, as atividadesextrativas associadas a outrasatividades de produção podemser integradas aos cenários emdesenvolvimento. Tambémdemonstram que umjulgamento generalizado esimplista do extrativismo não épossível. Em todos os casos,as perspectivas de mudançaou soluções para melhorar ossistemas têm que ser avaliadaslocalmente dependendo danatureza dos ecossistemas edos recursos disponíveis, comotambém do ambiente sócio-econômico. A melhoria dascondições de vida, a proteção

Tabela 2. Áreas protegidas na Amazônia Brasileira

Natureza da Área % de % de florestaárea protegida (km2) áreas úmida brasileira

protegidas (3.700.000 km2)

Parques Nacionais* 75.868 43,5 2,1

Parques Estaduais* 7.031 4,1 0,2

Reservas Biológicas

Estaduais * 1 0,0 0,0

Reservas Ecológicas

Nacionais* 1 0,0 0,0

Florestas Nacionais 67.798 38,9 1,8

Total 174.127 100,0 4,7

Reservas Extrativas** 21.630 - 0,6

Fontes: * IBGE 1990

** IBAMA - CNPT 1992

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

dos ecossistemas e o desenvolvimentodos mercados só podem ser definidos emfunção das dinâmicas regionais. Tendoisto em mente, pode-se justificar a criaçãode reservas extrativas que garantam aosprodutores o espaço de que eles precisampara suas atividades como também suaindependência do patrão.

Atualmente existe somente umpequeno número de reservas e todas sãoainda experimentais. Em resposta aosque estão alarmados com a extensãohipotética das reservas, tem-se quesalientar que elas só cobrem 23.000km2

que é 0,6% da Floresta AmazônicaBrasileira. Deve-se também salientar que80% do território do Acre pertence asomente 320 latinfúndios e que no estadodo Amazonas os dez maioresproprietários de terra possuem117.000km2 (Ribeiro 1990). À luz destas pressõese interesses existe pouca chance donúmero de Reservas Extrativasmultiplicar-se.

Outras maneiras de organizar asatividades extrativas podem sersugeridas, tendo em mente que estasatividades têm que ser reguladas deacordo com a biologia das espécies e como futuro desenvolvimento dos sistemas deprodução.

Na Amazônia as unidades deconservação representam mais de174.000km2 ou 4,7% da área (Tabela 2).Parte das áreas circunvizinhas poderiamser designadas para sistemas deprodução mistos, extrativismo-agricultura,cujo impacto ambiental é baixo. Estasáreas podem então constituírem-se em“zonas-tampão” características doconceito de Reserva da Biosfera propostopela UNESCO. Nesta perspectiva,poderia ser interessante reavaliar o casodo Parque Natural Rio Jaú, o maior domundo e totalmente incontrolável.

Outras áreas de pouco potencialagrícola, como as floresta de areias

brancas do alto Rio Negro, poderiam seconstituir em algumas “áreas de extração”com um estatuto jurídico específico.Nestas áreas, a colheita poderia serorganizada segundo um sistema de cotas,dependendo da taxa de regeneração dosrecursos. Este tipo de área poderia serfacilmente criado nas terras do Estado(terras devolutas) ou pela desapropriaçãode grandes áreas de terra dos patrões.

Parece, entretanto, ser mais urgentee de maior interesse delimitar áreas defloresta que poderiam ser usadas para oextrativismo nos territórios dos municípiosonde a agricultura tende a eliminar a maiorparte da cobertura florestal como emIranduba perto de Manaus. Em áreaspreservadas como estas, as atividadesextrativas (na maioria, colheita de frutossilvestres) poderiam contribuir para oequilíbrio econômico de pequenossistemas agrícolas proporcionando umlucro complementar e sazonal. Umapolítica como esta manteria tambémtrechos da cobertura florestal para outrospropósitos como atividades de lazer doshabitantes urbanos e formação deespaços pedagógicos.

A questão fundamental ainda é seestas reservas extrativas, “zonas-tampão”ou áreas de extração se constituirão emzonas de subdesenvolvimento ou aocontrário, se tornarão centros dedesenvolvimento ecologicamente estável.Quatro aspectos precisam serexaminados: a valorização dos produtos;a renovação dos canais de comércio; asleis referentes à proteção dos recursos eo melhoramento das práticas de manejo.

A VALORIZAÇÃO DOSPRODUTOS

Os preços da borracha têm semantido através do apoio de subsídiosgovernamentais. Poderia tomar-seiniciativa similar para outros produtos

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Compêndio MAB 18

extrativos. Outra opção seria a de criarnovos mercados entre os consumidoresecologicamente conscientizados, o“mercado verde”. Já houve tentativasneste sentido para promover as atividadesextrativas. Apoiadas numaconscientização ecológica crescente nospaíses desenvolvidos e a forte percepçãosocial que a acompanha, estas tentativasfazem uso de um valor simbólico quepode ser a maior parte do valor total doproduto (Aubertin 1992). O consumidorcompra não somente o produto mas aescolha ética que contribui para aconservação da floresta Amazônica. Omercado permanece volátil, dependentedo que está na moda entre os “produtosverdes”.

Não é surpreendente que os atoresdesta nova cadeia comercial pertencema grupos de alta motivação política elevantem uma bandeira ecológica comoas comunidades das Reservas Extrativase Reservas Indígenas, sustentadas pordiversas ONGs3. Embora pareçaprematuro avaliar as consequênciaseconômicas e sociológicas destasexperiências, elas são pelo menosinovadoras em sua tentativa demodernizar a cadeia comercial. Mas osprodutores que estão numa posiçãoprivilegiada ao receber o apoio das ONGspara comercializar os produtos

permanecem, mais uma vez, numaposição de dependência. Somenteenfrentando equilibradamente osproblemas do mercado aberto elesconseguirão sua autonomia.

Um dos meios de evolução dosistema é o valor adicional dado peloprocessamento local dos produtos comosementes de tágua, óleo de andiroba ede ucuúba, resina de copaíba, frutos doaçaí, buriti e de castanheiras4. Devemdesenvolver-se fábricas locais para oprocessamento dos produtos5. Deve-setambém estimular-se novos produtosartesanais baseados num conhecimentotradicional como o trabalho de cestaria etecelagem com fibras de piaçaba, buriti etucumã ou a mobília de cana que utiliza ocipó-titica.

É obviamente necessário realizarestudos mais profundos e experimentosno sentido de aumentar o valor dosprodutos e distribuir melhor o lucro. Masseria necessário ter a consciência de queo conceito de rentabilidade em termoseconômicos pode não ser o melhorcaminho para avaliar o futuro doextrativismo, que tem que ser analisadocom conceitos diferentes da economiaclássica.

____________________________________

3. Desde 1990, a Conservação Internacionalapoiou a coleta tradicional do marfim veg-etal na comunidade do rio SantiagoCayapas (Equador). Criou-se um mercadonos Estados Unidos como também umacadeia comercial para exportar a matériaprima. Das 150 toneladas de sementesde Phitelephas aequatorialis coletadasdurante seis meses, 50 toneladas foramcomercializadas diretamente, sem passarpelos compradores locais quebloqueavam o acesso ao mercado(Hidalgo 1992).

4. Num acordo entre a Aukre Trade Com-pany e a Pukanu Trade Company de umlado, e a Body Shop do outro, se lançouno mercado 2500 kg do óleo decastanhas-do-pará, produzindo ummovimento total de US$87.000. Estasoma é equivalente à gerada pelo cortede mogno (Swietenia sp.) na ReservaIndígena (Folha de São Paulo, 3 de agosto1992), mas representa somente 0,1% dos90 milhões de dólares das vendas daBody Shop (Posey 1992).

5. A segunda etapa do projeto deConservação Internacional será parasubstituir fábricas dos Estados Unidos poruma local.

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

RENOVANDO OSCANAIS DECOMERCIALIZAÇÃO

Do coletor até o exportador, o preçodos produtos tradicionais pode aumentara fator de 10 a 20. Este não é mais o casodos frutos silvestres e das plantasmedicinais que a comercialização serealiza fora dos canais tradicionais eenvolve menos intermediários.

A renovação dos canais decomercialização não é somente umaquestão de limitar os lucros dosintermediários ou revendedores, mastambém de resolver outros problemascomo melhorar a organização dostransportes. O pequeno produtorfrequentemente não trabalha de acordocom as condições exigidas para o freteno rio. Muitos deles podem seranalfabetos ou estar longe dos escritóriosadministrativos. Os que estão mais pertodo mercado frequentemente terão queescolher entre utilizar os serviços dointermediário para o transporte outrabalhar ilegalmente. Qualquer que sejaa escolha, eles ainda estarão vulneráveisdiante de diferentes poderes.

Se uma mudança radical naorganização do mercado envolve atransação com as estruturas do poderpolítico e econômico, ela também tem quesuperar problemas de comportamento. Asdécadas anteriores de servidão eisolamento dos coletores dificultam asmudanças das relações de trabalho. Istofoi claramente observado em diferentessituações como os experimentos com acomercialização direta da tágua noEquador (Hidalgo 1992) e com asReservas Extrativas no Brasil. (Geffray1992).

A PROTEÇÃO DASESPÉCIES DE INTER-ESSE ECONÔMICO

Todos os coletores de recursosnaturais no Brasil, qualquer que seja oproduto, animal ou vegetal, devem se reg-istrar no IBAMA (IBDF - portaria n°. 0302/IBDF -P, 1988) e pagar um imposto anualde US$ 16, valor vigente em 1992. Naprática, esta medida legal concernesomente aos maiores patrões ecomerciantes. Além do mais, qualquercompanhia que coleta mais do que 12.000m3 por ano de Matéria Prima Florestal(MPF) tem que enfrentar restrições e éobrigada a realizar replantios sob diversasformas (IBAMA - portaria n°. 441/1989),ou pagar um imposto para contribuir como Fundo de Reposição Florestal. Estefundo foi designado para subvencionar osprogramas de reflorestamento, que atéagora nunca foram implementados. Estadiretiva só se refere ao corte de madeira,portanto, somente ao pau-rosa. Para estarfora das obrigações legais, o nível menorde exploração é equivalente a 120toneladas de óleo por ano (1 tonelada por100 m3 de MPF ) que é maior do que aquantidade exportada anualmente peloestado do Amazonas. O resultado é quea atividade é atualmente livre de qualquerrestrição ou obrigação legal.

As companhias que comercializammenos do que 12.000 m3 de MPF por anodevem contribuir com o Fundo deReposição Florestal. Para os produtoresdo óleo de pau-rosa, o imposto anualcorresponde a US$ 58 por cada barril de180 litros em 1992, menos de 1% do valorFOB do produto.

Embora o pau-rosa esteja na lista dasespécies “em perigo” (IBAMA - portarian°. 6-N de 15 de janeiro de 1992), nãoexiste uma legislação satisfatória pararegular a sua exploração. Éparticularmente deplorável a falta dequalquer legislação que obrigue osexploradores a conservar, nas áreas

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O povo e os produtos florestais na Amazônia Central

exploradas, um certo número de espéciesmaduras para favorecer a regeneração dapopulação explorada.

Atualmente a castanheira estáregistrada na lista das espéciesvulneráveis do IBAMA (IBDF - portaria n°.122 de 19 de março de 1985). As árvoresnão podem ser derrubadas a não ser emcasos de interesse público mesmo seestiverem velhas e/ou doentes. Estaproibição é infundada tanto do ponto devista biológico como de gestão, porquecontribui para que as populaçõesexploradas envelheçam e para oconsequente enfraquecimento daprodução. Seria melhor garantir uma boataxa de regeneração do recurso limitandoa coleta das sementes.

A exploração de palmitos é tambémcontrolada pela legislação (IBAMA -portaria n°. 439/1989 P de 9 de agostode 1989). Isto obriga o reflorestamentocom a mesma espécie ou com outra dealto valor comercial. A densidade mínimado replantio depende das espécies. Estamedida, entretanto, não se justifica paraas espécies exploradas na Amazônia(Euterpe oleracea e Astrocaryum jauari)já que elas rebrotam naturalmente dabase.

Este breve panorama demonstra quea legislação se preocupa principalmentecom as atividades de corte e não estáadaptada às condições econômicas locaise às características ecológicas dos

recursos. As atividades extrativas derecursos naturais estão confrontadas alongo prazo com a noção do limite deexploração próprio de cada espécie.Deve-se pensar então em estabelecercotas de exploração, mas é precisoressaltar que carecemos de informaçõesbiológicas para a redação de normasadaptadas a cada espécie.

Nas “zonas-tampão” ou nas unidadesde conservação de difícil controle, seriaútil permitir a prática de atividadesextrativas dentro de uma estrutura legal.Isto poderia proporcionar a oportunidadede estimular a conscientização sobre osprogramas de conservação que poderiamser vistos pelos habitantes nãosimplesmente como um conjunto deproibições e sim como valiosos guias epráticas de gestão. O lucro gerado peloextrativismo poderia compensar a perdadecorrente da proibição da exploração deumas poucas áreas sob total proteção oua proibição de atividades com grandeimpacto ecológico como o corte demadeira ou a caça a certas espécies. Estapolítica só poderia funcionar em conjuntocom uma mudança nas estruturas decomercialização para garantir um maiorlucro para os coletores.

MELHORIA DASPRÁTICAS DE GESTÃO

A exploração dos produtos nos seusecossistemas naturais enfrenta duaslimitações: a disponibilidade do recurso ea baixa produtividade da mão-de-obra. Aintensificação da produção pode serconseguida através da melhoria daspráticas e modos de gestão e até mesmoo cultivo de espécies de interesseeconômico.

Existem várias técnicas paraenriquecer a floresta com espécies de in-teresse econômico, como por exemplo,plantar nas trilhas da floresta, enriqueceras clareiras, o corte seletivos de

Euterpe precatoria, uma palmeira de fundode vales da região central e leste daAmazônia cujos frutos têm umpotencial considerável de alimento.(Plantada em pomares, São Gabrielda Cachoeira)

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92 Extrativismo na Amazônia Brasileira

Compêndio MAB 18

indivíduos velhos e a poda de trepadeiraspara aumentar a quantidade de luz ediminuir a competição. Até agora nãoobservamos nenhuma destas práticaspara as plantas de interesse para oextrativismo. A floresta é usualmenteconsiderada como um lugar natural decoleta, não como um local de manejo daspopulações vegetais. Ao executarqualquer experimento dedesenvolvimento numa comunidade,deve-se ter em mente que os coletoresprecisam de informação para convencê-los do valor de práticas de manejo paraaumentar a produtividade das reservasnaturais.

Foram observadas algumastentativas de plantação de espéciesflorestais de interesse econômico. Asespécies envolvidas nestes sistemas sãoprincipalmente açaí e andiroba,ocasionalmente o pau-rosa na região deMaués, e observamos uma experiênciacom puxuri na região do médio Rio Ne-gro. Todas eram iniciativas individuais.Outros sistemas foram apoiados porpolíticas estatais de desenvolvimentocomo as pequenas plantações deseringueiras espalhadas pela várzea.Seja com o apoio individual ou estatal,estas plantações estão dentro do conceitode sistema agroflorestal que já eraconhecido na Amazônia sob a forma dostradicionais sítios ou pomares pluri-específicos.

Encontra-se outra experiência, emmaior escala, como as numerosasplantações mono-específicas deseringueiras desenvolvidas porcompanhias agrícolas que sebeneficiaram com subsídiosgovernamentais. Umas poucasplantações de andiroba foram instaladaspor uma companhia madereira. Algunsfazendeiros desapontados com a baixaprodutividade de seus pastos, investiramem cultivos de castanheiras. Estasplantações geralmente seguem o modelode cultivo mono-específico.

De acordo com as estimativas doIBGE (1990), 78% da população doEstado do Amazonas viverá nas cidadesno começo do próximo século, enquantoesta taxa era de 60% em 1980. Estaconcentração urbana nos permite suporque haverá uma demanda crescente porprodutos como frutos silvestres, plantasmedicinais e madeira combustível, quesão comumente oferecidos por atividadesextrativas. Porém os dados científicos docomportamento ecológico das espécies,a produtividade destes ecossistemas e ascondições necessárias à sua perenidadesão escassos.

Em conclusão, devemos ressaltarque o extrativismo continua sendo umelemento importante dos sistemas deprodução para um grande número depequenos produtores e portanto devecontribuir para a melhoria de suascondições de vida. Mas não sedesenvolverá sem uma reestruturaçãodos canais de comercialização e sem umaumento dos preços dos produtos. Emmuitos casos, inclusive de exploração daseringueira, as práticas de gestão devemser melhoradas, seja através doenriquecimento das populações naturaisdas espécies, seja pela ampliação dossistemas agroflorestais. Estesmelhoramentos necessitam ainda de umgrande investimento em pesquisa juntoàs comunidades de produtores.

Agradecimentos

O projeto “Extrativismo na AmazôniaCentral, viabilidade e desenvolvimento” foifinanciado pelo UNESCO-MAB, peloprograma SOFT do Ministério do MeioAmbiente da França e pela Comissão dasComunidades Européias. Ele foi realizadoatravés do acordo de cooperaçãocientífica CNPq/ORSTOM, por equipes doORSTOM e INPA.

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