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Introdução A morte nunca foi, não é, nem certamente será, alguma vez, alvo de indiferença por parte de qualquer ser humano. É esta sua particularidade que torna este tema tão inquietante e que nos faz questioná-lo constantemente. Por isso, aqui estou eu, no início da redacção de um trabalho que se orienta em função desta palavra, que por si só, toma forma sob inúmeras questões, que nos criam um autêntico alvoroço a nível do pensamento. A morte apresenta-se como um problema de várias maneiras, em diversas situações, mas nesta dissertação ir-se-á tratar o modo como esta realidade é interpretada por cada um. O que se pretende afinal mostrar quando tentamos entender quais são as várias Interpretações da Morte possíveis? De que modo nos fará entender melhor a temática em estudo? Para responder a estas questões foi necessária uma grande reflexão crítica acerca das razões que nos levam a lidar com a Morte de tantas maneiras diferentes, de que modo essas maneiras de lidar com a Morte influenciam a nossa visão do mundo e, principalmente, qual a razão que fundamenta o facto de a Morte se apresentar como um tema angustiante e preocupante para todo o ser Humano. São decerto questões muito inquietantes e providas de inúmeras abordagens possíveis. Com a ajuda de inúmeros conhecimentos de autores que dedicaram parte das suas vidas a tentar responder a este tema, e com o reflexo da minha própria reflexão crítica, tentarei redigir um trabalho rigoroso, claro e completo no sentido de conseguir explicar de forma explicita e minimamente compreensível toda uma resposta bem fundada e concisa, suportada por argumentações racionais, que uma boa dissertação filosófica exige.

Interpretações Da Morte

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Reflexão filosófica acerca da morte

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Page 1: Interpretações Da Morte

Introdução 

A morte nunca foi, não é, nem certamente será, alguma vez, alvo de

indiferença por parte de qualquer ser humano. É esta sua particularidade que

torna este tema tão inquietante e que nos faz questioná-lo constantemente.

Por isso, aqui estou eu, no início da redacção de um trabalho que se orienta em

função desta palavra, que por si só, toma forma sob inúmeras questões, que

nos criam um autêntico alvoroço a nível do pensamento.

A morte apresenta-se como um problema de várias maneiras, em diversas

situações, mas nesta dissertação ir-se-á tratar o modo como esta realidade é

interpretada por cada um.

O que se pretende afinal mostrar quando tentamos entender quais são as

várias Interpretações da Morte possíveis? De que modo nos fará entender

melhor a temática em estudo?

Para responder a estas questões foi necessária uma grande reflexão crítica

acerca das razões que nos levam a lidar com a Morte de tantas maneiras

diferentes, de que modo essas maneiras de lidar com a Morte influenciam a

nossa visão do mundo e, principalmente, qual a razão que fundamenta o facto

de a Morte se apresentar como um tema angustiante e preocupante para todo

o ser Humano.

São decerto questões muito inquietantes e providas de inúmeras abordagens

possíveis.

Com a ajuda de inúmeros conhecimentos de autores que dedicaram parte das

suas vidas a tentar responder a este tema, e com o reflexo da minha própria

reflexão crítica, tentarei redigir um trabalho rigoroso, claro e completo no

sentido de conseguir explicar de forma explicita e minimamente compreensível

toda uma resposta bem fundada e concisa, suportada por argumentações

racionais, que uma boa dissertação filosófica exige.

 

 

Problemática 

Page 2: Interpretações Da Morte

A morte é sem sombra de dúvida, um problema, um assunto que gera uma

autêntica revolução ao nível do pensamento.

Por definição, morte, refere-se ao findar da vida, ou seja, da existência do ser

para passar a não ser. Passo a explicar. Antes da morte, o ser humano é um ser

que age, e que depois de morto, passa à vista de todos a um corpo inerte, frio,

sem vida.

A particularidade da morte é esta fazer parte de muitas outras limitações do

ser humano. E o ser humano tem consciência disso. Sabe que mais cedo ou

mais tarde, quer queira quer não a morte será o seu destino, dando-se assim

conta, da sua própria finitude.

A morte é algo incontornável, é uma realidade à qual nenhum ser humano

poderá escapar.

O ser humano preocupasse, tem medo e por vezes, evita falar neste assunto

porque custa-lhe não somente pensar o seu fim, mas também não consegue

imaginar o que se sucede à morte. Como Octávio Paz afirmou numa das suas

reflexões:” O medo faz-nos virar as costas à morte e, ao recusarmo-nos a

contemplá-la, fechamo-nos à vida”.

A verdade, é que se depois da morte soubéssemos que iríamos para um sítio

bem melhor, onde vigora alegria, onde podemos fazer tudo o que gostamos,

onde tudo é perfeito, não fazia tanto sentido nós temermos a morte deste

modo. Mas aí está, a morte, para além de significar o fim duma vida que tanto

trabalho nos deu a construir, é também uma passagem para o desconhecido ao

qual nós associamos ao nada, a algo que nos ultrapassa pois nunca foi

testemunhado.

A morte é uma realidade que é experimentada individualmente e isso gera-nos

muita confusão. Mas por quê essa confusão?? Que mal terá afinal experimentar

algo sem a presença do outro?

A resposta poder-se-á dar da seguinte forma. Vamos experimentar fechar os

olhos e imaginarmo-nos, sozinhos, no meio de nada, tendo em conta que nada,

é algures onde a presença do outro é inexistente, um espaço incomensurável.

Confuso, não é? De facto é, porque nós sem o outro nada somos. Nós, seres

humanos, por muito que queiramos, fazemos da nossa vida uma constante

relação com o Outro, pois somos seres puramente relacionais, que vive da

relação com o Outro. Quando nos referimos ao Outro, podemo-nos referir

somente a um simples porta-minas.

Page 3: Interpretações Da Morte

Já se percebeu que a morte é uma preocupação puramente humana. Por que é

que eu digo isto? Simples. Conseguiremos nós imaginar um cão com medo da

morte?

É verdade que o cão não atravessa a estrada porque não quer ser atropelado,

mas esse comportamento do cão não é um comportamento racional, não age

racionalmente. Decerto não imaginamos um cão a pensar: (isto pressupondo

que o cão pensa na mesma língua que eu) E se um carro me atropela? E se eu

morro? O que é que me acontece?

Só o ser humano é que age por consciência própria, só o ser humano faz uso da

razão e questiona todas as suas atitudes, só o ser humano é livre de decidir o

que faz. O que o cão faz não passa de um automatismo natural. Como diria

Fernando Savater “porque não sabem comportar-se de outro modo” pois assim

está ele “programados”. “Os animais não podem evitar fazer aquilo que

naturalmente estão programados para fazer”. A esta determinação

comportamental, dá-se o nome de determinismo.

A liberdade do ser humano faz dele, responsável pelos seus actos e a morte

apresenta-se como algo que vai influenciar, e muito, em todas as atitudes do

ser humano.

Como Jean Paul-Sartre afirmou “Estamos condenados a ser livres”, pois todas

as nossas atitudes são previamente sujeitas a uma julgamento racional, mas

também é um facto, que a liberdade do ser humano é afectada pela morte.

Poderá um Homem ser livre de agir, quando este sabe que mais cedo ou mais

tarde a morte lhe baterá à porta?

Como anteriormente foi referido, a morte faz parte de muitas outras limitações

do ser humano e esta tem de ser lidada com completa resignação. As atitudes

do ser humano, têm de ser orientadas tendo em conta as suas limitações e

circunstâncias, doutro modo não são possíveis.

Mas vamos lá ver. De que modo a morte pode influenciar as atitudes do ser

humano?

Tudo bem, é uma limitação. Mas nós não vivemos bem sabendo que não

podemos voar? Ok, era melhor se voássemos, mas sem voar não vivemos

muito pior. Podemos ter uma vida humanamente aceitável (eu pelo menos não

me queixo). Mas com a morte já é mais complicado. Como é que uma pessoa

se sente, quando se mentaliza que tudo aquilo que está a fazer, toda a vida

que está a construir será mais cedo ou mais tarde acabar, cair no

esquecimento, e ter unicamente como referências a data de nascimento e a

data do seu próprio falecimento.

Page 4: Interpretações Da Morte

É triste acordarmos todos os dias, com uma enorme vontade de ir trabalhar

para mais tarde estarmos descansadinhos e nos sentirmos merecedores

daquilo que temos, para depois nos darmos conta e pensarmos, “Daqui a uns

anitos morro e depois deixo cá tudo, a minha vida acaba e dela já não faço

nada”.

A morte para além de se apresentar muitas vezes como uma perda de sentido

de tudo aquilo que fazemos, é também o que valoriza realmente a vida, pois se

fôssemos imortais, não daríamos tanto valor a um minuto de divertimento, ou

mesmo, a uma hora na fila de espera como damos agora.

Essa valorização da vida é devidamente salientada por Montaigne que

considera a morte como um meditare mortem, não negador da vida, e se

admira, a cada momento, do dom da existência, cheio de reconhecimento por

essa dádiva divina. 

A morte é de facto um tema muito abrangente, e que mexe muito connosco,

com as nossas vidas, mas é a maneira que como lidamos com ela que nos faz

ver o mundo de maneira diferente. Ver a morte de diferentes perspectivas, é

encarar o mundo com diferentes olhos.

Se acreditarmos que depois da morte, um mundo perfeito nos espera,

provavelmente não ficaremos tão tristes de perder minutos da nossa vida, ou

morrer mais cedo, como uma pessoa que acredita que depois da morte nos

espera um local imundo, onde reina a desordem e o caos.

Podemos simplesmente acreditar que possa haver mais alguma depois da

morte, ou não, pois doutra forma não dá. Nunca poderemos afirmar: “Quando

morrer vou para o Paraíso”. No máximo: “Acredito que quando morrer vou para

o Paraíso”. Assim sim, porque supor não é o mesmo que afirmar. Para

afirmarmos temos de comprovar com dados empíricos, por nós vividos e não

em suposições.

Estas várias crenças influenciam o modo de perspectivar a morte e

consequente, modo de encarar a vida.

Desde sempre, desde que o ser humano é ser humano, a morte o preocupou e

a necessidade de a explicar tomou a forma de crenças. Já há uns bons milhões

de anos, o ser humano se preocupava em deixar riquezas nos túmulos, para

poder ir para um local melhor. Como poderemos nós interpretar isso, senão sob

a forma de crença?

A religiosidade do homem está directamente relacionada com o explicar do

inexplicável, com uma directa ligação com o transcendente.

Page 5: Interpretações Da Morte

Por meio da religião, o Homem conseguia dar resposta a todas as aparentes

aporias que se lhe apresentavam sob a forma seja de mitos, ou crenças em

testemunhos de homens ditos profetas.

Com a Religião, o Homem poderia assim respirar fundo e sentir que a morte era

um problema que tinha uma resposta, podendo assim compreender o

incompreensível por uso da razão.

Para os gregos, sobretudo para os epicureus, a morte só sucede fora do

homem: enquanto este vive, não existe a morte e quando esta chega, o

homem já não existe, portanto já não tem realidade. Para muitos povos da

África, por exemplo, a morte é um momento de transição ao mundo dos sábios

antepassados, onde se adquire a sabedoria acumulada na tribo.

A responsabilidade de pensar o melhor para a sua vida, esse peso, pôde assim

ser aliviado porque com a religião o ser humano passou a saber melhor como

devia orientar todas as suas atitudes para no final da sua vida, depois de se ter

concretizado em todos os seus feitos, saber que não foram em vão e que

poderá finalmente descansar, num sitio bom onde reina a harmonia e paz. Esta

é uma das visões que o catolicismo nos dá.

O sentido da vida que estava em jogo quando se pensava na morte, é assim

justificado, pois a religião dá-nos a razão pela qual existimos, diz-nos para onde

vamos depois da morte, explica-nos porque devemos agir de tal forma. Citando

Fernando Savater, “Dizemos que tem "sentido" aquilo que significa algo por

meio de outra coisa ou que foi concebido de acordo com determinado fim”.

A religião apresenta-se assim, muitas vezes como uma fuga ao problema que

surge com a morte, ou seja, com o encarar de frente com a nossa própria

finitude com total ignorância.

Outras pessoas, ao contrário dos religiosos, não baseiam as suas crenças em

testemunhos, somente mesmo em dados empíricos, ou seja, por eles

experimentados ou devidamente justificados pelo uso da razão.

A maneira de interpretar a morte também é influenciada pela faixa etária ou

mesmo por situações vividas.

Viver é uma questão de tempo. Para morrer também é uma questão de tempo.

Por isso, se calhar, o modo como nos relacionamos com a ideia de morte esteja

directamente relacionada, com a maneira como lidamos com o tempo.

Quando somos bem pequenos, um minuto a brincar aos legos, para nós é uma

eternidade. Corremos, corremos, corremos e o tempo parece que não passa

pois nunca nos cansamos. Somos capazes de estar horas a fio a brincar com

Page 6: Interpretações Da Morte

um carrito, sempre a fazer o mesmo, pois para nós o tempo é quase como algo

“incronometrável”. Agora, quando somos mais crescidos, quando nos damos

conta, parece que o tempo voa. Num salto passamos do 10º ano para o

11ºano. Passamos das bodas de prata, para bodas de ouro. Passamos dos

patins em linha, para a bengala.

Quanto mais crescidos somos, mais valor se dá ao tempo. Logo, mais valor

damos à vida e cada vez mais nos preocupamos com a morte

A maneira como lidamos com a morte, também pode ser influenciada pelo

grupo ou sociedade em que estamos inseridos, não somente por uma crença

no fundamento transcendente ou na influência da nossa própria faixa etária.

É um facto, que muitas vezes estamos inseridos em sociedades e grupos que

têm uma dada religião mas não somente isso influencia a nossa visão acerca

da morte.

Podemos pegar no caso dos Iraquianos. Temos muitos indivíduos, denominados

por kamikazes que interpretam a morte como um acto de fé. Uma atitude

correcta, religiosamente fundamentada e que prova que é a atitude correcta.

Mas vamos pegar num exemplo. Qual será a atitude de um jovem Iraquiano na

presença de um morto?? E a de uma criança, dita “normal”, que não viva num

país anárquico, onde as mortes são constantes devido a ataques terroristas

como é o caso do Iraque?

Quais serão as diferenças interpretativas entre estes dois jovens?

A verdade é que o jovem Iraquiano, ao contrário do jovem que viva numas

condições ditas “normais”, relaciona-se constantemente com a morte e isso

mesmo podendo causar-lhe um certo enjoo psicológico, a sua perspectiva da

morte em nada se compara com a maneira como o outro jovem lidaria se visse

um morto à sua frente.

Actualmente, a regularidade com que nos deparamos com noticias de mortes,

está muito provavelmente a moldar a nossa maneira de lidar com a morte pois

nós somos seriamente influenciados pela sociedade em que vivemos, pois

como seres relacionais que somos, também somos seres sociais, e isso faz-nos,

muitas vezes, pensar em função daquilo a que a nossa sociedade nos dá

acesso.

Já foi provado que quando pensamos a nossa morte, é inevitável fugir à

preocupação e medo porque o desconhecido assusta e sentimo-nos na

necessidade de compreendê-lo. Mas por que será que também a morte do

outro nos pode causar imenso transtorno?

Page 7: Interpretações Da Morte

A verdade, é que quando nos morre um familiar, sabemos e temos consciência

que foi uma vida que se perdeu e que com aquele corpo não mais nos

poderemos humanamente relacionar.

A morte do outro, é o espelhar do nosso destino e mesmo não querendo, nós

lidamos com a morte do outro, como se da nossa própria morte tratasse e

sentimo-nos tristes e inconformados com a nossa predestinação mesmo em

frente aos nossos olhos.

Podemos concluir então, no final da leitura destes textos que de tão pouco, ou

de tanto têm de interessante, que tentar compreender a morte, é tentar

compreender o incompreensível. É medir algo desmedido. É tentar sentir, algo

que nunca foi sentido.

Bibliografia

Livros:

     - Fernando Savater, Ética para um Jovem, p28

Site:

     - http://ocanto.no.sapo.pt/lexicon/morte.htm