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Reflexão filosófica acerca da morte
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Introdução
A morte nunca foi, não é, nem certamente será, alguma vez, alvo de
indiferença por parte de qualquer ser humano. É esta sua particularidade que
torna este tema tão inquietante e que nos faz questioná-lo constantemente.
Por isso, aqui estou eu, no início da redacção de um trabalho que se orienta em
função desta palavra, que por si só, toma forma sob inúmeras questões, que
nos criam um autêntico alvoroço a nível do pensamento.
A morte apresenta-se como um problema de várias maneiras, em diversas
situações, mas nesta dissertação ir-se-á tratar o modo como esta realidade é
interpretada por cada um.
O que se pretende afinal mostrar quando tentamos entender quais são as
várias Interpretações da Morte possíveis? De que modo nos fará entender
melhor a temática em estudo?
Para responder a estas questões foi necessária uma grande reflexão crítica
acerca das razões que nos levam a lidar com a Morte de tantas maneiras
diferentes, de que modo essas maneiras de lidar com a Morte influenciam a
nossa visão do mundo e, principalmente, qual a razão que fundamenta o facto
de a Morte se apresentar como um tema angustiante e preocupante para todo
o ser Humano.
São decerto questões muito inquietantes e providas de inúmeras abordagens
possíveis.
Com a ajuda de inúmeros conhecimentos de autores que dedicaram parte das
suas vidas a tentar responder a este tema, e com o reflexo da minha própria
reflexão crítica, tentarei redigir um trabalho rigoroso, claro e completo no
sentido de conseguir explicar de forma explicita e minimamente compreensível
toda uma resposta bem fundada e concisa, suportada por argumentações
racionais, que uma boa dissertação filosófica exige.
Problemática
A morte é sem sombra de dúvida, um problema, um assunto que gera uma
autêntica revolução ao nível do pensamento.
Por definição, morte, refere-se ao findar da vida, ou seja, da existência do ser
para passar a não ser. Passo a explicar. Antes da morte, o ser humano é um ser
que age, e que depois de morto, passa à vista de todos a um corpo inerte, frio,
sem vida.
A particularidade da morte é esta fazer parte de muitas outras limitações do
ser humano. E o ser humano tem consciência disso. Sabe que mais cedo ou
mais tarde, quer queira quer não a morte será o seu destino, dando-se assim
conta, da sua própria finitude.
A morte é algo incontornável, é uma realidade à qual nenhum ser humano
poderá escapar.
O ser humano preocupasse, tem medo e por vezes, evita falar neste assunto
porque custa-lhe não somente pensar o seu fim, mas também não consegue
imaginar o que se sucede à morte. Como Octávio Paz afirmou numa das suas
reflexões:” O medo faz-nos virar as costas à morte e, ao recusarmo-nos a
contemplá-la, fechamo-nos à vida”.
A verdade, é que se depois da morte soubéssemos que iríamos para um sítio
bem melhor, onde vigora alegria, onde podemos fazer tudo o que gostamos,
onde tudo é perfeito, não fazia tanto sentido nós temermos a morte deste
modo. Mas aí está, a morte, para além de significar o fim duma vida que tanto
trabalho nos deu a construir, é também uma passagem para o desconhecido ao
qual nós associamos ao nada, a algo que nos ultrapassa pois nunca foi
testemunhado.
A morte é uma realidade que é experimentada individualmente e isso gera-nos
muita confusão. Mas por quê essa confusão?? Que mal terá afinal experimentar
algo sem a presença do outro?
A resposta poder-se-á dar da seguinte forma. Vamos experimentar fechar os
olhos e imaginarmo-nos, sozinhos, no meio de nada, tendo em conta que nada,
é algures onde a presença do outro é inexistente, um espaço incomensurável.
Confuso, não é? De facto é, porque nós sem o outro nada somos. Nós, seres
humanos, por muito que queiramos, fazemos da nossa vida uma constante
relação com o Outro, pois somos seres puramente relacionais, que vive da
relação com o Outro. Quando nos referimos ao Outro, podemo-nos referir
somente a um simples porta-minas.
Já se percebeu que a morte é uma preocupação puramente humana. Por que é
que eu digo isto? Simples. Conseguiremos nós imaginar um cão com medo da
morte?
É verdade que o cão não atravessa a estrada porque não quer ser atropelado,
mas esse comportamento do cão não é um comportamento racional, não age
racionalmente. Decerto não imaginamos um cão a pensar: (isto pressupondo
que o cão pensa na mesma língua que eu) E se um carro me atropela? E se eu
morro? O que é que me acontece?
Só o ser humano é que age por consciência própria, só o ser humano faz uso da
razão e questiona todas as suas atitudes, só o ser humano é livre de decidir o
que faz. O que o cão faz não passa de um automatismo natural. Como diria
Fernando Savater “porque não sabem comportar-se de outro modo” pois assim
está ele “programados”. “Os animais não podem evitar fazer aquilo que
naturalmente estão programados para fazer”. A esta determinação
comportamental, dá-se o nome de determinismo.
A liberdade do ser humano faz dele, responsável pelos seus actos e a morte
apresenta-se como algo que vai influenciar, e muito, em todas as atitudes do
ser humano.
Como Jean Paul-Sartre afirmou “Estamos condenados a ser livres”, pois todas
as nossas atitudes são previamente sujeitas a uma julgamento racional, mas
também é um facto, que a liberdade do ser humano é afectada pela morte.
Poderá um Homem ser livre de agir, quando este sabe que mais cedo ou mais
tarde a morte lhe baterá à porta?
Como anteriormente foi referido, a morte faz parte de muitas outras limitações
do ser humano e esta tem de ser lidada com completa resignação. As atitudes
do ser humano, têm de ser orientadas tendo em conta as suas limitações e
circunstâncias, doutro modo não são possíveis.
Mas vamos lá ver. De que modo a morte pode influenciar as atitudes do ser
humano?
Tudo bem, é uma limitação. Mas nós não vivemos bem sabendo que não
podemos voar? Ok, era melhor se voássemos, mas sem voar não vivemos
muito pior. Podemos ter uma vida humanamente aceitável (eu pelo menos não
me queixo). Mas com a morte já é mais complicado. Como é que uma pessoa
se sente, quando se mentaliza que tudo aquilo que está a fazer, toda a vida
que está a construir será mais cedo ou mais tarde acabar, cair no
esquecimento, e ter unicamente como referências a data de nascimento e a
data do seu próprio falecimento.
É triste acordarmos todos os dias, com uma enorme vontade de ir trabalhar
para mais tarde estarmos descansadinhos e nos sentirmos merecedores
daquilo que temos, para depois nos darmos conta e pensarmos, “Daqui a uns
anitos morro e depois deixo cá tudo, a minha vida acaba e dela já não faço
nada”.
A morte para além de se apresentar muitas vezes como uma perda de sentido
de tudo aquilo que fazemos, é também o que valoriza realmente a vida, pois se
fôssemos imortais, não daríamos tanto valor a um minuto de divertimento, ou
mesmo, a uma hora na fila de espera como damos agora.
Essa valorização da vida é devidamente salientada por Montaigne que
considera a morte como um meditare mortem, não negador da vida, e se
admira, a cada momento, do dom da existência, cheio de reconhecimento por
essa dádiva divina.
A morte é de facto um tema muito abrangente, e que mexe muito connosco,
com as nossas vidas, mas é a maneira que como lidamos com ela que nos faz
ver o mundo de maneira diferente. Ver a morte de diferentes perspectivas, é
encarar o mundo com diferentes olhos.
Se acreditarmos que depois da morte, um mundo perfeito nos espera,
provavelmente não ficaremos tão tristes de perder minutos da nossa vida, ou
morrer mais cedo, como uma pessoa que acredita que depois da morte nos
espera um local imundo, onde reina a desordem e o caos.
Podemos simplesmente acreditar que possa haver mais alguma depois da
morte, ou não, pois doutra forma não dá. Nunca poderemos afirmar: “Quando
morrer vou para o Paraíso”. No máximo: “Acredito que quando morrer vou para
o Paraíso”. Assim sim, porque supor não é o mesmo que afirmar. Para
afirmarmos temos de comprovar com dados empíricos, por nós vividos e não
em suposições.
Estas várias crenças influenciam o modo de perspectivar a morte e
consequente, modo de encarar a vida.
Desde sempre, desde que o ser humano é ser humano, a morte o preocupou e
a necessidade de a explicar tomou a forma de crenças. Já há uns bons milhões
de anos, o ser humano se preocupava em deixar riquezas nos túmulos, para
poder ir para um local melhor. Como poderemos nós interpretar isso, senão sob
a forma de crença?
A religiosidade do homem está directamente relacionada com o explicar do
inexplicável, com uma directa ligação com o transcendente.
Por meio da religião, o Homem conseguia dar resposta a todas as aparentes
aporias que se lhe apresentavam sob a forma seja de mitos, ou crenças em
testemunhos de homens ditos profetas.
Com a Religião, o Homem poderia assim respirar fundo e sentir que a morte era
um problema que tinha uma resposta, podendo assim compreender o
incompreensível por uso da razão.
Para os gregos, sobretudo para os epicureus, a morte só sucede fora do
homem: enquanto este vive, não existe a morte e quando esta chega, o
homem já não existe, portanto já não tem realidade. Para muitos povos da
África, por exemplo, a morte é um momento de transição ao mundo dos sábios
antepassados, onde se adquire a sabedoria acumulada na tribo.
A responsabilidade de pensar o melhor para a sua vida, esse peso, pôde assim
ser aliviado porque com a religião o ser humano passou a saber melhor como
devia orientar todas as suas atitudes para no final da sua vida, depois de se ter
concretizado em todos os seus feitos, saber que não foram em vão e que
poderá finalmente descansar, num sitio bom onde reina a harmonia e paz. Esta
é uma das visões que o catolicismo nos dá.
O sentido da vida que estava em jogo quando se pensava na morte, é assim
justificado, pois a religião dá-nos a razão pela qual existimos, diz-nos para onde
vamos depois da morte, explica-nos porque devemos agir de tal forma. Citando
Fernando Savater, “Dizemos que tem "sentido" aquilo que significa algo por
meio de outra coisa ou que foi concebido de acordo com determinado fim”.
A religião apresenta-se assim, muitas vezes como uma fuga ao problema que
surge com a morte, ou seja, com o encarar de frente com a nossa própria
finitude com total ignorância.
Outras pessoas, ao contrário dos religiosos, não baseiam as suas crenças em
testemunhos, somente mesmo em dados empíricos, ou seja, por eles
experimentados ou devidamente justificados pelo uso da razão.
A maneira de interpretar a morte também é influenciada pela faixa etária ou
mesmo por situações vividas.
Viver é uma questão de tempo. Para morrer também é uma questão de tempo.
Por isso, se calhar, o modo como nos relacionamos com a ideia de morte esteja
directamente relacionada, com a maneira como lidamos com o tempo.
Quando somos bem pequenos, um minuto a brincar aos legos, para nós é uma
eternidade. Corremos, corremos, corremos e o tempo parece que não passa
pois nunca nos cansamos. Somos capazes de estar horas a fio a brincar com
um carrito, sempre a fazer o mesmo, pois para nós o tempo é quase como algo
“incronometrável”. Agora, quando somos mais crescidos, quando nos damos
conta, parece que o tempo voa. Num salto passamos do 10º ano para o
11ºano. Passamos das bodas de prata, para bodas de ouro. Passamos dos
patins em linha, para a bengala.
Quanto mais crescidos somos, mais valor se dá ao tempo. Logo, mais valor
damos à vida e cada vez mais nos preocupamos com a morte
A maneira como lidamos com a morte, também pode ser influenciada pelo
grupo ou sociedade em que estamos inseridos, não somente por uma crença
no fundamento transcendente ou na influência da nossa própria faixa etária.
É um facto, que muitas vezes estamos inseridos em sociedades e grupos que
têm uma dada religião mas não somente isso influencia a nossa visão acerca
da morte.
Podemos pegar no caso dos Iraquianos. Temos muitos indivíduos, denominados
por kamikazes que interpretam a morte como um acto de fé. Uma atitude
correcta, religiosamente fundamentada e que prova que é a atitude correcta.
Mas vamos pegar num exemplo. Qual será a atitude de um jovem Iraquiano na
presença de um morto?? E a de uma criança, dita “normal”, que não viva num
país anárquico, onde as mortes são constantes devido a ataques terroristas
como é o caso do Iraque?
Quais serão as diferenças interpretativas entre estes dois jovens?
A verdade é que o jovem Iraquiano, ao contrário do jovem que viva numas
condições ditas “normais”, relaciona-se constantemente com a morte e isso
mesmo podendo causar-lhe um certo enjoo psicológico, a sua perspectiva da
morte em nada se compara com a maneira como o outro jovem lidaria se visse
um morto à sua frente.
Actualmente, a regularidade com que nos deparamos com noticias de mortes,
está muito provavelmente a moldar a nossa maneira de lidar com a morte pois
nós somos seriamente influenciados pela sociedade em que vivemos, pois
como seres relacionais que somos, também somos seres sociais, e isso faz-nos,
muitas vezes, pensar em função daquilo a que a nossa sociedade nos dá
acesso.
Já foi provado que quando pensamos a nossa morte, é inevitável fugir à
preocupação e medo porque o desconhecido assusta e sentimo-nos na
necessidade de compreendê-lo. Mas por que será que também a morte do
outro nos pode causar imenso transtorno?
A verdade, é que quando nos morre um familiar, sabemos e temos consciência
que foi uma vida que se perdeu e que com aquele corpo não mais nos
poderemos humanamente relacionar.
A morte do outro, é o espelhar do nosso destino e mesmo não querendo, nós
lidamos com a morte do outro, como se da nossa própria morte tratasse e
sentimo-nos tristes e inconformados com a nossa predestinação mesmo em
frente aos nossos olhos.
Podemos concluir então, no final da leitura destes textos que de tão pouco, ou
de tanto têm de interessante, que tentar compreender a morte, é tentar
compreender o incompreensível. É medir algo desmedido. É tentar sentir, algo
que nunca foi sentido.
Bibliografia
Livros:
- Fernando Savater, Ética para um Jovem, p28
Site:
- http://ocanto.no.sapo.pt/lexicon/morte.htm