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Psicoterapia em Grupo: A abordagem combinada de Irvin Yalom
Autora: Ana Karina F. Barreiros
Psicloga clnica, social e organizacional
Psicoterapeuta corporal
Irvin Yalom e o seu quadro de referncia terico: uma abordagem combinada
Irvin Yalom, nasceu em 1931 nos EUA. psiquiatra de formao e tem
dedicado grande parte da sua carreira psicoterapia individual e de grupos, reas onde
tem dado importantes contribuies.
O autor tem diversos livros e artigos publicados sobre estes temas. Neles, revela
uma grande versatilidade uma vez que utiliza conceitos e abordagens provenientes de
diferentes orientaes tericas da psicologia.
Atualmente, Yalom posiciona-se como um psicoterapeuta existencial, mas no
nega a importncia da psicanlise e do grande impacto da descoberta do inconsciente,
bem como as suas consequncias na prtica clnica. O autor faz uso deste conceito nas
suas obras e de outros relacionados a abordagem dinmica. Alm da influncia
psicanaltica, Yalom tambm refere aspetos da sua prtica que esto associados a
corrente cognitivo-comportamental. Por isso fala-se em abordagem combinada
quando se trata de definir o trabalho de Irvin Yalom.
No seu livro, Psicoterapia Existencial de 1980, o autor procura explicar esta
orientao teraputica, sua estrutura terica e tcnicas da provenientes. aqui que
define a psicoterapia existencial como uma terapia que tem um enfoque dinmico
concentrado nas preocupaes existenciais do indivduo, onde a relao intersubjetiva
que se estabelece entre terapeuta e paciente tem uma dimenso fundamental.
Para ilustrar esta ideia, Yalom cita um caso de Freud na introduo deste livro,
o caso de Elisabeth Von R., que Freud trata com xito em 1892, atribuindo o alvio de
certos desejos e pensamentos nocivos ao facto da paciente falar sobre eles e eliminar o
recalcamento. Contudo, Yalom cita diversos elementos interpessoais, que considera
teraputicos neste caso e que no devem ser desconsiderados, por exemplo, o facto de
Freud solicitar me da paciente que mantivesse os canais de comunicao abertos para
permitir Elizabeth descargas permanentes dos seus pensamentos.
Em Psicoterapia Existencial (1980), Yalom reconhece a importncia da
interveno tcnica nos momentos estratgicos da terapia, fala sobre o manejo da
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transferncia, sobre a anlise das relaes objetais, mas afirma que os ingredientes
decisivos para uma interveno eficaz esto, sobretudo, associados a qualidade da
relao teraputica.
Nesta obra, o autor afirma que a abordagem existencial um paradigma
psicoteraputico efetivo, valioso, to racional, sistemtico e coerente como qualquer
outro (Yalom, 1980, p.16) e clarifica porque que posiciona-a como uma psicoterapia
psicodinmica.
O termo dinmico est relacionado ao conceito de fora e Freud deu
contributos fundamentais psicologia ao criar um modelo dinmico do funcionamento
mental, onde considera que h foras em conflito no interior do indivduo, muitas delas
completamente inconscientes e que determinam os pensamentos, as emoes e o
comportamento das pessoas, tanto o adaptado quanto o patolgico. Deste modo, as
psicoterapias dinmicas so aquelas que baseiam-se neste modelo de funcionamento
mental (Yalom, 1980).
Contudo, o autor distingue a psicodinmica freudiana e a psicodinmica
existencial, esclarecendo que na primeira abordagem considera-se que a criana
influenciada por foras instintivas inatas que transformam-se ao longo do
desenvolvimento psicossexual. Estas foras entram em conflito com as exigncias da
realidade concreta e mais tarde, com as restries internalizadas pelo superego, assim, a
pessoa est em permanente conflito, tendo que gerir as suas pulses internas que
desejam uma satisfao imediata e o princpio da realidade, que exige ponderao e
impe grandes limitaes a satisfao dos instintos agressivos e sexuais.
Por outro lado, na psicodinmica existencial o conflito bsico de foras
diferente: no se trata de uma luta interna contra as tendncias instintivas reprimidas,
mas sim de um conflito que emana do confronto do indivduo com os pressupostos
bsicos da existncia, que segundo Yalom (1980) so preocupaes essenciais,
inevitavelmente intrnsecas a existncia do ser humano no mundo.
De acordo com o autor, o mtodo para se descobrir a natureza destes
pressupostos consiste numa reflexo profunda e pessoal, que pode ocorrer no contexto
da psicoterapia, onde o indivduo tem espao e tempo para reflectir profundamente
sobre a sua situao no mundo, a sua existncia, seus limites e possibilidades.
Yalom (1980) considera que o impulso para se dedicar a tal reflexo ocorre,
muitas vezes, em situaes limite, quando a pessoa se confronta com a prpria morte,
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com decises importantes e irreversveis ou com o colapso de esquemas fundamentais
que proporcionavam-lhe uma srie de significados.
Na obra de 1980, o autor refere e aprofunda quatro preocupaes essenciais que
defende serem intrnsecas a existncia humana, so elas: a morte, a liberdade, o
isolamento e a carncia de um sentido de vida.
Portanto, a psicodinmica existencial est relacionada aos pressupostos bsicos
da existncia e aos temores e motivaes inconscientes desencadeados por eles; seu
enfoque conserva a estrutura dinmica bsica traada por Freud, mas modifica
radicalmente o seu contedo, visto que, tanto na abordagem freudiana, como na
existencial, os conflitos internos geram angstia, que por sua vez pem em movimento
mecanismos de defesa, os quais restringem inevitavelmente, o desenvolvimento do
indivduo e a sua experincia no mundo. Porm o que d origem angstia no enfoque
freudiano so os impulsos instintivos e na abordagem existencial a conscincia das
preocupaes essenciais, as quais desempenham um papel extraordinariamente
importante em todos os nveis da organizao psquica do indivduo e tm um grande
impacto na prtica clnica.
Para Freud, o papel do psicanalista assemelha-se ao papel de um arquelogo que
dedica-se a um processo de escavao do psiquismo at chegar aos conflitos bsicos
que contm os resduos psicolgicos dos acontecimentos mais precoces da vida do
indivduo. Sua psicodinmica de natureza evolutiva, onde o fundamental, o primrio
tem um sentido cronolgico e as fontes fundamentais da angstia esto estritamente
vinculadas aos traumas psicossexuais mais precoces associados separao e
castrao.
Na dinmica existencial, no h inteno de identificar o fundamental no
sentido cronolgico dos acontecimentos primrios da vida. A explorao profunda no
uma explorao do passado, mas uma investigao, cujo objetivo do psicoterapeuta
eliminar as preocupaes quotidianas para focar-se na situao existencial do indivduo.
Isto implica uma reflexo que vai alm do tempo, o passado aqui, ou o que o paciente
recorda-se dele, importa s na medida em que toma parte da existncia actual e
influencia a forma como se enfrenta, no presente, as preocupaes essenciais. O tempo
primordial na psicoterapia existencial, o presente que se transforma em futuro
(Yalom, 1980, p. 23).
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Yalom reconhece que todos os indivduos atravessam uma srie de etapas
evolutivas e que cada uma delas caracteriza-se por um determinado tipo de angstia,
que todos passam pelo conflito edpico, pelo surgimento inquietante de sentimentos
agressivos e sexuais, pela angstia de castrao, pela dor da individuao e da separao
em diversos momentos crticos do desenvolvimento. Porm, distingue o modelo
evolutivo, dinmico e analtico do modelo existencial, imediato e no histrico,
enfatizando que este ltimo est centrado nas tenses inerentes a condio humana, de
uma forma altamente individualizada e que tem a ver com as preocupaes essenciais j
descritas anteriormente.
As diferenas expostas tm profundas implicaes na tcnica teraputica que
utilizada na abordagem existencial, tanto na relao dual, como na relao com grupos.
Importa ainda referir que, as preocupaes essenciais divergem de acordo com
os psiclogos existenciais e que esta orientao terica emerge da filosofia existencial
que trata de temas como a liberdade, a morte, o absurdo, a relao entre o tempo e a
vida tratados por autores como Ludwig Binswanger, Martin Heidegger, Viktor Frankl e
Rollo May.
A abordagem combinada de Yalom aplicada a psicoterapia de grupo
Num artigo escrito em 1995 para o Comprehensive Textbook of Psychotherapy,
Yalom & Ballinger citam diversos estudos que comprovam que a psicoterapia de grupo
uma interveno benfica e que tanto a terapia individual como a terapia de grupo so
quase idnticas no que refere a efetividade do processo.
As pessoas tendem a procurar psicoterapia quando sentem necessidade de
amenizar algum sofrimento, relacionado a uma depresso, a sintomas de ansiedade ou a
sentimentos permanentes de raiva. Esta busca tambm , muitas vezes motivada por
uma frustrao associada a vida social e relacional das pessoas e nestes casos a
psicoterapia de grupo revela-se particularmente importante, uma vez que oferece aos
seus participantes, um ambiente livre para o contacto social, que seguro e confivel (
Yalom & Ballinger, 1995).
Os humanos so seres sociais e as relaes interpessoais tm, de facto, um
impacto decisivo na vida dos indivduos.
A literatura tem explorado de diversas formas o desejo de contacto que as
pessoas sentem umas em relao s outras e o desejo de reconhecimento por parte dos
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grupos sociais a que pertencem, bem como o impacto que provocado quando isto no
acontece. Alm disto, a infncia humana caracterizada por um longo perodo de
vulnerabilidade, em que a criana depende do outro para sobreviver e adaptar-se vida.
Neste contexto, Yalom & Ballinger (1995) citam o importante contributo de
John Bowlby ao investigar a formao dos laos sociais na dade primria me-beb e a
repercusso patolgica que pode existir em caso de rutura destes laos. Os autores citam
tambm outros estudos realizados que estabelecem relaes significativas entre a
escassez de relacionamento social e o aumento do risco de mortalidade (Berkman &
Syme, 1979; House, Landis &Umberson, 1988; House, Robbins & Metzner, 1982).
Deste modo, Yalom elege o quadro de referncia interpessoal de Harry Stack
Sullivan para sustentar a sua tcnica em psicoterapia de grupo. Para ele, esta a
referncia terica mais apropriada para intervenes em grupos pequenos (6 a 8
pessoas), com a durao de alguns meses e que pretendem efectuar mudanas
caracterolgicas.
A teoria de Sullivan defende que os distrbios psicolgicos so resultado de
processos interpessoais desadequados e que a personalidade , em grande parte,
formada durante a infncia, a partir de uma sntese das interaes estabelecidas com as
pessoas importantes desta fase.
Sullivan utiliza o conceito parataxic distortions que designa uma espcie de
distoro que ocorre nos relacionamentos inter pessoais e que tem a ver com a forma
que as caractersticas do outro afetam o senso de segurana de cada um. Este conceito
assemelha-se a transferncia, no sentido amplo do termo quando esta aplicada a
distores inerentes a todos os relacionamentos e no s quele que estabelecido entre
terapeuta e paciente.
A psicoterapia de grupo coloca os indivduos frente a uma variedade de
relacionamentos e para aqueles que tm problemas relacionais, este pode ser o contexto
ideal para identificar, conhecer e entender as suas distores pessoais (parataxic
distortions) no sentido de descobrir formas alternativas de olhar o outro e estabelecer
contacto. Aqui os membros do grupo desempenham um papel importante e ajudam-se
uns aos outros neste processo.
O grupo teraputico um microcosmo social e a permanente confrontao com
os comportamentos mal adaptados de cada um dos seus membros, bem como as
tentativas de estabelecer novas formas de atuao num ambiente onde h segurana e
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suporte lana as estruturas para que as mudanas tambm ganhem espao fora do grupo,
no ambiente social alargado ( Yalom & Ballinger, 1995).
Yalom identifica 10 fatores teraputicos interdependentes que atuam como
agentes de mudana poderosos nos grupos, so eles: a esperana, a universalidade, a
transmisso de informaes, o altrusmo, a recapitulao corretiva da famlia primria, o
desenvolvimento de tcnicas de socializao, o comportamento imitativo, a catarse com
reflexo cognitiva, a aprendizagem interpessoal (que inclui a experincia emocional
corretiva e a importncia do microcosmo social), por fim a coeso de grupo.
Estes elementos sero, de seguida, explicados. Os oito primeiros, de uma forma
resumida e os dois ltimos de maneira mais aprofundada, na medida em que o autor os
considera particularmente importantes.
A esperana definida como a crena que possvel conseguir os objetivos
teraputicos, isto influencia a confiana no processo e importante para os participantes
do grupo e tambm para o psicoterapeuta, sendo que uma das coisas que promove o
aumento da esperana a constatao de melhoras entre os membros do grupo.
Quanto a universalidade, Yalom relaciona-a a uma perceo comum entre as
pessoas que procuram ajuda, a de que esto sozinhas na profundidade do seu desespero.
Ao chegarem terapia de grupo, elas podem partilhar as suas experincias, medos,
impulsos e sentir o alvio de perceberem que muitos dos seus sentimentos fazem parte
da condio humana.
A transmisso de informao um fator importante na medida em que as
pessoas tendem a reagir com ansiedade ao desconhecido. Deste modo, no modelo
interpessoal de psicoterapia de grupo, o terapeuta deve oferecer explicaes aos
pacientes antes do processo iniciar, para reduzir a ansiedade e desconstruir ideias
nocivas pr-concebidas a respeito do processo grupal.
Outro tipo de informao importante neste tipo de interveno aquela que
trocada entre os participantes, podem ser conhecimentos de carcter prtico ou
abstratos, o facto que esta interao tende a propiciar momentos ricos de troca e de
promoo da expressividade.
O altrusmo, definido por Yalom e Ballinger (1995) como um elemento
poderoso para impulsionar a autoestima e a esperana, o qual desempenha um papel
importante na recuperao de problemas emocionais. Estes autores relacionam o
altrusmo capacidade de ajuda que os membros de um grupo estabelecem entre si.
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Neste contexto, citam os rituais de cura que ocorrem nas culturas primitivas e tambm
as experincias dos grupos de ajuda mtua como o caso dos AA (Alcolicos
Annimos).
As intervenes grupais fazem emergir memrias, emoes e padres
interaccionais associados a famlia primria dos indivduos. Assim, os autores
consideram que uma das tarefas do psicoterapeuta conduzir o processo de
recapitulao corretiva destas experincias, ajudando os pacientes a reconhecerem
antigos padres e a perceberem que estes, muitas vezes, eram funcionais anteriormente,
mas no momento e na vida atual da pessoa, podem j no ser. importante clarificar
estes comportamentos e construir a possibilidade de experimentao de novas formas de
atuao.
Esta construo tambm pode estar relacionada s competncias sociais, mais
um agente de mudana citado pelos autores e que visto como um elemento bsico para
o desenvolvimento dos relacionamentos. comum haver, entre os pacientes, limitaes
ao nvel destas competncias e no grupo cada um pode aumentar o seu conhecimento a
este nvel atravs do processo de feedback, tanto no que refere conscincia das suas
limitaes, quanto ao treino de melhorias comportamentais.
O comportamento imitativo tambm pode ajudar neste processo, visto que
constitui-se como uma fora teraputica efetiva. comum as pessoas assimilarem
aprendizados sociais ao imitarem os outros, embora isto exija uma capacidade de fazer
adaptaes para que os conhecimentos adquiridos sejam coerentes com a forma de ser e
estar de cada um.
Quanto a catarse, Yalom e Ballinger (1995) afirmam que as emoes fortes, por
si s, costumam ser vistas como algo teraputico. No entanto, referem que Liberman,
Yalom & Miles (1973) verificaram que as experincias impactantes e as expresses
emocionais tm realmente bons resultados em terapia de grupo, quando esto associadas
a reflexes mais racionais.
J a aprendizagem interpessoal apontada como um dos fatores teraputicos
mais complexos e com maior capacidade de alcance nas intervenes grupais, pois
inerente natureza humana, contudo dependente de outros dois processos neste
contexto: a experincia emocional corretiva e a importncia do microcosmo social.
Segundo, Yalom e Ballinger (1995) a terapia de grupo um encontro entre
pessoas que possuem sequelas emocionais, relacionadas a experincias do passado, com
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as quais no tiveram capacidades para lidar de forma satisfatria naquele momento e se
transformaram em traumas. No contexto teraputico grupal, a experincia corretiva
pode acontecer, uma vez que estas sequelas aparecem dentro de um ambiente onde h
segurana, suporte, onde elas podem ser revistas no aqui e agora e reconhecidas como
emoes desadequadas ao momento atual, atravs dos mecanismos de feedback
inerentes a situao.
Deste modo, os pacientes tendem a lidar com os seus traumas de uma forma
menos sobrecarregada e automatizada e tm a oportunidade de explorar formas afetivas
alternativas.
O microcosmo social o ambiente que se estabelece em psicoterapia de grupo e
que permite aos participantes que eles possam ser exatamente como so, sem restries.
As suas emoes e experincias, do passado ou exteriores ao grupo, so importantes na
medida em que apresentam-se como dificuldades relacionais no presente imediato do
grupo, onde so contidas e podem ser transformadas.
Aps a apresentao dos elementos expostos acima, fica evidente a importncia
que tem a coeso do grupo para o sucesso do processo teraputico. Yalom e Ballinger
(1995) fazem um paralelismo entre a coeso grupal e a aliana teraputica, caracterstica
da relao dual, que defendida por todas as escolas como um fator crucial em terapia.
A unio do grupo o que faz com que ele permanea ao longo do tempo, supere
conflitos que naturalmente acontecem e o que promove as experincias emocionais e
sociais significativas que do origem s melhorias clnicas.
Esta coeso resultado de todas as foras presentes e da capacidade de se
desenvolverem, no grupo, sentimentos de confiana, aceitao, cuidado e compreenso
emptica. um processo que se desenvolve ao longo do tempo e que exige uma
especial ateno do terapeuta, sobretudo quando os grupos esto no incio.
Algumas tcnicas utilizadas em psicoterapia de grupo, segundo Yalom
Depois de apresentar as bases tericas que do suporte ao trabalho de Irvin
Yalom, importante falar sobre alguns aspectos tcnicos relacionados a
operacionalizao das suas intervenes em grupo.
No livro The Theory and Practice of Group Psychotherapy (2005), Yalom &
Leszcz enfatizam a importncia da relao teraputica e dizem que nenhuma
considerao tcnica ganha prioridade em relao a este aspeto. A preocupao, a
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aceitao, a atitude emptica que o psicoterapeuta capaz de demonstrar aos seus
pacientes so fatores muito valorizados.
Contudo, esta valorizao da relao no exclui a necessidade de ateno aos
aspetos tcnicos que contribuem para a formao e mobilizao de um grupo
teraputico. Assim, nesta obra de 2005 so discutidas algumas tcnicas associadas a trs
tarefas fundamentais do terapeuta: a criao e a manuteno do grupo; a construo da
cultura de grupo; a ativao e a utilizao do aqui e agora.
Sobre esta primeira tarefa, pode-se dizer que a boa conduo de um grupo
comea antes mesmo do seu incio, na fase de seleo e preparao dos participantes.
Os objetivos da seleo variam de acordo com os objetivos clnicos e com o
contexto de interveno, mas quando se trata de grupos de longa durao (no mnimo 6
meses) que pretendem mudanas na personalidade, alm do alvio de sintomas,
fundamental que os participantes sejam capazes de fazer reflexes pessoais e sobre as
interaes de grupo (Yalom & Ballinger, 1995).
De incio as pessoas no se conhecem umas s outras, apenas conhecem o
terapeuta, que a primeira fora unificadora do grupo, porm desde o princpio ele deve
esforar-se para criar condies de interao que proporcionem gradualmente a coeso
do grupo e o relacionamento entre todos.
O terapeuta deve ainda reconhecer e conter qualquer fora que ameace a coeso
do grupo: atrasos ou faltas permanentes, a emergncia de sub-grupismo ou de
socializao extra grupo, bem como o surgimento de bodes expiatrios. Tais ameaas
podem pr em causa a integridade funcional do grupo e se acontecerem, o lder deve
intervir.
Os conflitos, num grupo recm-formado, tambm devem ser evitados at que
haja confiana e abertura suficiente para que os envolvidos sejam expostos e
trabalhados.
Quanto a tarefa de construo da cultura grupal, Yalom & Leszcz (2005)
afirmam que o grupo uma realidade fsica e o papel do terapeuta o de modelar esta
realidade no sentido de criar um sistema social teraputico que regido por normas e
regras de comportamento, que so radicalmente diferentes dos cdigos de conduta que
ocorrem na sociedade alargada.
Estes autores citam algumas normas que consideram desejveis dentro de um
grupo: o envolvimento ativo dos participantes, o no-julgamento, a auto revelao, o
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desejo de auto compreenso e o desejo de transformar padres de comportamento
disfuncionais, o que pode ser colocado de forma implcita ou explcita.
Dentro do microcosmo social que o grupo teraputico, a honestidade e a
espontaneidade so fundamentais, os participantes devem sentir que podem realmente
expressar o que quer que seja, sem serem punidos.
Segundo Yalom & Leszcz (2005), o lder tem sempre um papel fundamental na
modelagem do grupo, ele deve estar ciente desta tarefa e para fazer valer as regras
desejveis, ele pode utilizar algumas tcnicas. Por exemplo, o terapeuta deve criar uma
rede de interao, na qual as comunicaes entre os participantes no tenham que
necessariamente passar por ele, e tambm, utilizar diversos tipos de reforo positivo
quando considera que os participantes esto a atuar de forma efetiva a nvel
interpessoal.
Yalom & Leszcz consideram que qualquer forma de psicoterapia um processo
de aprendizagem e que um outro mtodo que pode ser utilizado em intervenes grupais
a modelagem comportamental a partir do exemplo do terapeuta, o qual deve oferecer
um modelo de interao que demonstre ateno ao outro, aceitao incondicional, no-
julgamento, acolhimento, honestidade, espontaneidade, etc. Contudo, os autores
ressaltam a importncia do envolvimento pessoal disciplinado por parte do lder, na
medida em que ele tem a responsabilidade da conduo do grupo.
Por vezes, os pacientes desenvolvem sentimentos conflituosos em relao ao
terapeuta, nestes casos o profissional deve atuar de forma transparente para permitir a
situao transferencial (Yalom & Leszcz, 2005).
medida que o grupo amadurece, ele tende a ficar mais autnomo e os
participantes tendem a expressar-se de forma mais livre, isto importante clinicamente
e deve ser fomentado.
A terceira tarefa fundamental do terapeuta, segundo Yalom & Leszcz, a
ativao e a utilizao do aqui e agora, que desempenha um papel crucial para colocar
em prtica muito do que foi descrito anteriormente.
A ativao e a utilizao do aqui e agora implica que o terapeuta esteja com
uma ateno plena no que est a acontecer e que tenha uma capacidade de anlise
apurada para compreender as subtilezas que acontecem nas interaes do grupo.
Yalom & Leszcz (2005) demonstram que existem dois nveis interdependentes
para colocar em prtica esta tarefa; o primeiro tem a ver com um nvel vivencial e o
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segundo est relacionado a uma elucidao racional dos processos, isto , para que o
aqui e agora seja utilizado de forma teraputica necessrio que os pacientes estejam
com foco no presente e envolvidos no que est a acontecer no grupo, isto que facilita o
feedback, a catarse, a auto revelao significativa e a aquisio de competncias sociais.
Porm, to importante quanto este envolvimento no presente, o reconhecimento do
que est a acontecer, a sua anlise e compreenso.
Se apenas o primeiro nvel est presente, a experincia do grupo intensa, os
participantes sentem-se profundamente envolvidos, a expresso emocional pode ser
elevada, porm eles ficam sem referncias cognitivas que permitem compreender os
acontecimentos e transform-los em aprendizados com utilidade fora do grupo.
Quando apenas o segundo nvel est presente - a anlise do processo - o grupo
perde vitalidade, sentido e as suas atividades podem transformar-se em exerccios
intelectuais estreis.
Deste modo, cabe ao psicoterapeuta conduzir o processo de ativao do aqui e
agora, utilizando estratgias que contribuam para o comprometimento efetivo do grupo
e tambm facilitando o processo de reflexo e anlise.
As tarefas acima descritas requerem grande envolvimento por parte do terapeuta,
assim como o treino e o desenvolvimento de habilidades e competncias especficas.
Importa referir que adaptaes tcnicas so necessrias quando se trata de
intervenes realizadas em contextos especficos, por exemplo, em hospitais com
pessoas internadas. Porm, no presente texto os aspetos que foram abordados tiveram
como base a realizao de grupos teraputicos semiabertos que tm a durao mnima
de 6 meses, com encontros peridicos de uma ou duas vezes por semana e que
objetivam mudanas de personalidade.
A grupanlise e a abordagem combinada de Yalom
A grupanlise o paradigma dos modelos analticos de interveno em grupo e
baseia-se na teoria da tcnica psicanaltica. Alguns autores de referncia neste contexto
so: Foulkes, considerado o fundador da grupanlise e Eduardo Lus Corteso, bem
como Maria Rita Leal em Portugal.
De acordo com este paradigma e com os autores acima citados, a situao
transferencial no grupo um elemento de grande importncia, aqui as concees de
matriz, padro grupanaltico e matriz relacional interna so fundamentais.
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Foulkes confere matriz grupanaltica uma dimenso funcional e define o
treino do ego em aco como um processo teraputico que a ocorre, a partir do qual,
os indivduos, em interao com os outros, analisam e adaptam as suas estruturas
mentais (id, ego e superego) no sentido de promover um funcionamento mais
harmnico destas estruturas (Ferrerira, 1992).
Na escola portuguesa, Maria Rita Leal v a matriz do grupo como uma rede de
relao, comunicao e transferncia, onde em termos teraputicos ocorre o treino do
ego em aco aliado a aspetos regressivos que atingem nveis proto verbais e
reconstrutivos.
Leal complementa o ponto de vista de Foulkes, ao introduzir o que ela denomina
matriz relacional interna. Ferreira (1992) explica que, segundo a autora, o indivduo
forma a sua matriz relacional interna nos diferentes grupos por onde passa. Ela comea
a ser estruturada a partir da dade me-criana e vai se organizando medida que a
pessoa passa por outros grupos: a famlia, a escola, os grupos de trabalho, de lazer, entre
outros.
Segundo a conceo de Leal, no processo grupanaltico os indivduos modificam
as suas matrizes relacionais internas, por intermdio da matriz do grupo, onde ocorrem
partilhas emocionais, situaes regressivas que atingem nveis proto verbais e a
repetio de situaes infantis muito precoces.
O treino do ego em ao de Foulkes importante para ocorrer a modificao da
matriz relacional interna, pois para Leal este treino traz para o consciente a procura do
inconsciente, atravs dum processo emocional semelhante ao ocorrido na infncia, mas
que se manifesta no aqui e no agora (Ferreira, 1992).
Eduardo Lus Corteso quem conceptualiza o padro grupanaltico, definindo-
o como o conjunto de atitudes e valores que o grupanalista transmite e sustenta na
matriz, o que fomenta o desenvolvimento da cultura do grupo, que , assim,
influenciada pelas caractersticas e pelos propsitos do terapeuta.
A abordagem combinada de Yalom inspira-se, em grande parte, na teoria
psicanaltica. Este autor utiliza o modelo dinmico do funcionamento mental e tambm
d importncia a aspetos, tais como a transferncia no processo teraputico. Contudo, a
sua abordagem desenvolve-se de forma diferente e independente da psicanlise, na
medida em que estabelece relaes entre a corrente analtica e outras orientaes
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tericas, o que d origem a um modelo de interveno original que tem vindo a ganhar
espao.
Referncias bibliogrficas
Ferreira, A. G. (1992). Matriz grupanlitica in Grupanlise, n3, pp. 45 56. Sociedade Portuguesa de Grupanlise: Lisboa.
Ferreira, A. G. (2010). Comunicaes e apontamentos das aulas de Modelos Analticos
de Avaliao e Interveno em Grupo ministradas no Instituto Superior de Psicologia
Aplicada (ISPA): Lisboa.
Yalom, I. D. (1980). Existential psychotherapy. Basic Books: New York.
Yalom, I. D. & Ballinger, B. (1995). Group therapy in practice in Comprehensice book
of psychoterapy, pp. 189 204. Oxford University Press: New York.
Yalom, I. D. & Leszcz, M. (2005). The theory and practice of group psychotherapy.
Basic Books: New York.