13
1 Psicoterapia em Grupo: A abordagem combinada de Irvin Yalom Autora: Ana Karina F. Barreiros Psicóloga clínica, social e organizacional Psicoterapeuta corporal Irvin Yalom e o seu quadro de referência teórico: uma abordagem combinada Irvin Yalom, nasceu em 1931 nos EUA. É psiquiatra de formação e tem dedicado grande parte da sua carreira à psicoterapia individual e de grupos, áreas onde tem dado importantes contribuições. O autor tem diversos livros e artigos publicados sobre estes temas. Neles, revela uma grande versatilidade uma vez que utiliza conceitos e abordagens provenientes de diferentes orientações teóricas da psicologia. Atualmente, Yalom posiciona-se como um psicoterapeuta existencial, mas não nega a importância da psicanálise e do grande impacto da descoberta do inconsciente, bem como as suas consequências na prática clínica. O autor faz uso deste conceito nas suas obras e de outros relacionados a abordagem dinâmica. Além da influência psicanalítica, Yalom também refere aspetos da sua prática que estão associados a corrente cognitivo-comportamental. Por isso fala-se em “abordagem combinada” quando se trata de definir o trabalho de Irvin Yalom. No seu livro, Psicoterapia Existencial de 1980, o autor procura explicar esta orientação terapêutica, sua estrutura teórica e técnicas daí provenientes. É aqui que define a psicoterapia existencial como uma terapia que tem um enfoque dinâmico concentrado nas preocupações existenciais do indivíduo, onde a relação intersubjetiva que se estabelece entre terapeuta e paciente tem uma dimensão fundamental. Para ilustrar esta ideia, Yalom cita um caso de Freud na introdução deste livro, é o caso de Elisabeth Von R., que Freud trata com êxito em 1892, atribuindo o alívio de certos desejos e pensamentos nocivos ao facto da paciente falar sobre eles e eliminar o recalcamento. Contudo, Yalom cita diversos elementos interpessoais, que considera terapêuticos neste caso e que não devem ser desconsiderados, por exemplo, o facto de Freud solicitar à mãe da paciente que mantivesse os canais de comunicação abertos para permitir à Elizabeth descargas permanentes dos seus pensamentos. Em Psicoterapia Existencial (1980), Yalom reconhece a importância da intervenção técnica nos momentos estratégicos da terapia, fala sobre o manejo da

Intervenção Em Grupos Artigo ES Jan13

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    Psicoterapia em Grupo: A abordagem combinada de Irvin Yalom

    Autora: Ana Karina F. Barreiros

    Psicloga clnica, social e organizacional

    Psicoterapeuta corporal

    Irvin Yalom e o seu quadro de referncia terico: uma abordagem combinada

    Irvin Yalom, nasceu em 1931 nos EUA. psiquiatra de formao e tem

    dedicado grande parte da sua carreira psicoterapia individual e de grupos, reas onde

    tem dado importantes contribuies.

    O autor tem diversos livros e artigos publicados sobre estes temas. Neles, revela

    uma grande versatilidade uma vez que utiliza conceitos e abordagens provenientes de

    diferentes orientaes tericas da psicologia.

    Atualmente, Yalom posiciona-se como um psicoterapeuta existencial, mas no

    nega a importncia da psicanlise e do grande impacto da descoberta do inconsciente,

    bem como as suas consequncias na prtica clnica. O autor faz uso deste conceito nas

    suas obras e de outros relacionados a abordagem dinmica. Alm da influncia

    psicanaltica, Yalom tambm refere aspetos da sua prtica que esto associados a

    corrente cognitivo-comportamental. Por isso fala-se em abordagem combinada

    quando se trata de definir o trabalho de Irvin Yalom.

    No seu livro, Psicoterapia Existencial de 1980, o autor procura explicar esta

    orientao teraputica, sua estrutura terica e tcnicas da provenientes. aqui que

    define a psicoterapia existencial como uma terapia que tem um enfoque dinmico

    concentrado nas preocupaes existenciais do indivduo, onde a relao intersubjetiva

    que se estabelece entre terapeuta e paciente tem uma dimenso fundamental.

    Para ilustrar esta ideia, Yalom cita um caso de Freud na introduo deste livro,

    o caso de Elisabeth Von R., que Freud trata com xito em 1892, atribuindo o alvio de

    certos desejos e pensamentos nocivos ao facto da paciente falar sobre eles e eliminar o

    recalcamento. Contudo, Yalom cita diversos elementos interpessoais, que considera

    teraputicos neste caso e que no devem ser desconsiderados, por exemplo, o facto de

    Freud solicitar me da paciente que mantivesse os canais de comunicao abertos para

    permitir Elizabeth descargas permanentes dos seus pensamentos.

    Em Psicoterapia Existencial (1980), Yalom reconhece a importncia da

    interveno tcnica nos momentos estratgicos da terapia, fala sobre o manejo da

  • 2

    transferncia, sobre a anlise das relaes objetais, mas afirma que os ingredientes

    decisivos para uma interveno eficaz esto, sobretudo, associados a qualidade da

    relao teraputica.

    Nesta obra, o autor afirma que a abordagem existencial um paradigma

    psicoteraputico efetivo, valioso, to racional, sistemtico e coerente como qualquer

    outro (Yalom, 1980, p.16) e clarifica porque que posiciona-a como uma psicoterapia

    psicodinmica.

    O termo dinmico est relacionado ao conceito de fora e Freud deu

    contributos fundamentais psicologia ao criar um modelo dinmico do funcionamento

    mental, onde considera que h foras em conflito no interior do indivduo, muitas delas

    completamente inconscientes e que determinam os pensamentos, as emoes e o

    comportamento das pessoas, tanto o adaptado quanto o patolgico. Deste modo, as

    psicoterapias dinmicas so aquelas que baseiam-se neste modelo de funcionamento

    mental (Yalom, 1980).

    Contudo, o autor distingue a psicodinmica freudiana e a psicodinmica

    existencial, esclarecendo que na primeira abordagem considera-se que a criana

    influenciada por foras instintivas inatas que transformam-se ao longo do

    desenvolvimento psicossexual. Estas foras entram em conflito com as exigncias da

    realidade concreta e mais tarde, com as restries internalizadas pelo superego, assim, a

    pessoa est em permanente conflito, tendo que gerir as suas pulses internas que

    desejam uma satisfao imediata e o princpio da realidade, que exige ponderao e

    impe grandes limitaes a satisfao dos instintos agressivos e sexuais.

    Por outro lado, na psicodinmica existencial o conflito bsico de foras

    diferente: no se trata de uma luta interna contra as tendncias instintivas reprimidas,

    mas sim de um conflito que emana do confronto do indivduo com os pressupostos

    bsicos da existncia, que segundo Yalom (1980) so preocupaes essenciais,

    inevitavelmente intrnsecas a existncia do ser humano no mundo.

    De acordo com o autor, o mtodo para se descobrir a natureza destes

    pressupostos consiste numa reflexo profunda e pessoal, que pode ocorrer no contexto

    da psicoterapia, onde o indivduo tem espao e tempo para reflectir profundamente

    sobre a sua situao no mundo, a sua existncia, seus limites e possibilidades.

    Yalom (1980) considera que o impulso para se dedicar a tal reflexo ocorre,

    muitas vezes, em situaes limite, quando a pessoa se confronta com a prpria morte,

  • 3

    com decises importantes e irreversveis ou com o colapso de esquemas fundamentais

    que proporcionavam-lhe uma srie de significados.

    Na obra de 1980, o autor refere e aprofunda quatro preocupaes essenciais que

    defende serem intrnsecas a existncia humana, so elas: a morte, a liberdade, o

    isolamento e a carncia de um sentido de vida.

    Portanto, a psicodinmica existencial est relacionada aos pressupostos bsicos

    da existncia e aos temores e motivaes inconscientes desencadeados por eles; seu

    enfoque conserva a estrutura dinmica bsica traada por Freud, mas modifica

    radicalmente o seu contedo, visto que, tanto na abordagem freudiana, como na

    existencial, os conflitos internos geram angstia, que por sua vez pem em movimento

    mecanismos de defesa, os quais restringem inevitavelmente, o desenvolvimento do

    indivduo e a sua experincia no mundo. Porm o que d origem angstia no enfoque

    freudiano so os impulsos instintivos e na abordagem existencial a conscincia das

    preocupaes essenciais, as quais desempenham um papel extraordinariamente

    importante em todos os nveis da organizao psquica do indivduo e tm um grande

    impacto na prtica clnica.

    Para Freud, o papel do psicanalista assemelha-se ao papel de um arquelogo que

    dedica-se a um processo de escavao do psiquismo at chegar aos conflitos bsicos

    que contm os resduos psicolgicos dos acontecimentos mais precoces da vida do

    indivduo. Sua psicodinmica de natureza evolutiva, onde o fundamental, o primrio

    tem um sentido cronolgico e as fontes fundamentais da angstia esto estritamente

    vinculadas aos traumas psicossexuais mais precoces associados separao e

    castrao.

    Na dinmica existencial, no h inteno de identificar o fundamental no

    sentido cronolgico dos acontecimentos primrios da vida. A explorao profunda no

    uma explorao do passado, mas uma investigao, cujo objetivo do psicoterapeuta

    eliminar as preocupaes quotidianas para focar-se na situao existencial do indivduo.

    Isto implica uma reflexo que vai alm do tempo, o passado aqui, ou o que o paciente

    recorda-se dele, importa s na medida em que toma parte da existncia actual e

    influencia a forma como se enfrenta, no presente, as preocupaes essenciais. O tempo

    primordial na psicoterapia existencial, o presente que se transforma em futuro

    (Yalom, 1980, p. 23).

  • 4

    Yalom reconhece que todos os indivduos atravessam uma srie de etapas

    evolutivas e que cada uma delas caracteriza-se por um determinado tipo de angstia,

    que todos passam pelo conflito edpico, pelo surgimento inquietante de sentimentos

    agressivos e sexuais, pela angstia de castrao, pela dor da individuao e da separao

    em diversos momentos crticos do desenvolvimento. Porm, distingue o modelo

    evolutivo, dinmico e analtico do modelo existencial, imediato e no histrico,

    enfatizando que este ltimo est centrado nas tenses inerentes a condio humana, de

    uma forma altamente individualizada e que tem a ver com as preocupaes essenciais j

    descritas anteriormente.

    As diferenas expostas tm profundas implicaes na tcnica teraputica que

    utilizada na abordagem existencial, tanto na relao dual, como na relao com grupos.

    Importa ainda referir que, as preocupaes essenciais divergem de acordo com

    os psiclogos existenciais e que esta orientao terica emerge da filosofia existencial

    que trata de temas como a liberdade, a morte, o absurdo, a relao entre o tempo e a

    vida tratados por autores como Ludwig Binswanger, Martin Heidegger, Viktor Frankl e

    Rollo May.

    A abordagem combinada de Yalom aplicada a psicoterapia de grupo

    Num artigo escrito em 1995 para o Comprehensive Textbook of Psychotherapy,

    Yalom & Ballinger citam diversos estudos que comprovam que a psicoterapia de grupo

    uma interveno benfica e que tanto a terapia individual como a terapia de grupo so

    quase idnticas no que refere a efetividade do processo.

    As pessoas tendem a procurar psicoterapia quando sentem necessidade de

    amenizar algum sofrimento, relacionado a uma depresso, a sintomas de ansiedade ou a

    sentimentos permanentes de raiva. Esta busca tambm , muitas vezes motivada por

    uma frustrao associada a vida social e relacional das pessoas e nestes casos a

    psicoterapia de grupo revela-se particularmente importante, uma vez que oferece aos

    seus participantes, um ambiente livre para o contacto social, que seguro e confivel (

    Yalom & Ballinger, 1995).

    Os humanos so seres sociais e as relaes interpessoais tm, de facto, um

    impacto decisivo na vida dos indivduos.

    A literatura tem explorado de diversas formas o desejo de contacto que as

    pessoas sentem umas em relao s outras e o desejo de reconhecimento por parte dos

  • 5

    grupos sociais a que pertencem, bem como o impacto que provocado quando isto no

    acontece. Alm disto, a infncia humana caracterizada por um longo perodo de

    vulnerabilidade, em que a criana depende do outro para sobreviver e adaptar-se vida.

    Neste contexto, Yalom & Ballinger (1995) citam o importante contributo de

    John Bowlby ao investigar a formao dos laos sociais na dade primria me-beb e a

    repercusso patolgica que pode existir em caso de rutura destes laos. Os autores citam

    tambm outros estudos realizados que estabelecem relaes significativas entre a

    escassez de relacionamento social e o aumento do risco de mortalidade (Berkman &

    Syme, 1979; House, Landis &Umberson, 1988; House, Robbins & Metzner, 1982).

    Deste modo, Yalom elege o quadro de referncia interpessoal de Harry Stack

    Sullivan para sustentar a sua tcnica em psicoterapia de grupo. Para ele, esta a

    referncia terica mais apropriada para intervenes em grupos pequenos (6 a 8

    pessoas), com a durao de alguns meses e que pretendem efectuar mudanas

    caracterolgicas.

    A teoria de Sullivan defende que os distrbios psicolgicos so resultado de

    processos interpessoais desadequados e que a personalidade , em grande parte,

    formada durante a infncia, a partir de uma sntese das interaes estabelecidas com as

    pessoas importantes desta fase.

    Sullivan utiliza o conceito parataxic distortions que designa uma espcie de

    distoro que ocorre nos relacionamentos inter pessoais e que tem a ver com a forma

    que as caractersticas do outro afetam o senso de segurana de cada um. Este conceito

    assemelha-se a transferncia, no sentido amplo do termo quando esta aplicada a

    distores inerentes a todos os relacionamentos e no s quele que estabelecido entre

    terapeuta e paciente.

    A psicoterapia de grupo coloca os indivduos frente a uma variedade de

    relacionamentos e para aqueles que tm problemas relacionais, este pode ser o contexto

    ideal para identificar, conhecer e entender as suas distores pessoais (parataxic

    distortions) no sentido de descobrir formas alternativas de olhar o outro e estabelecer

    contacto. Aqui os membros do grupo desempenham um papel importante e ajudam-se

    uns aos outros neste processo.

    O grupo teraputico um microcosmo social e a permanente confrontao com

    os comportamentos mal adaptados de cada um dos seus membros, bem como as

    tentativas de estabelecer novas formas de atuao num ambiente onde h segurana e

  • 6

    suporte lana as estruturas para que as mudanas tambm ganhem espao fora do grupo,

    no ambiente social alargado ( Yalom & Ballinger, 1995).

    Yalom identifica 10 fatores teraputicos interdependentes que atuam como

    agentes de mudana poderosos nos grupos, so eles: a esperana, a universalidade, a

    transmisso de informaes, o altrusmo, a recapitulao corretiva da famlia primria, o

    desenvolvimento de tcnicas de socializao, o comportamento imitativo, a catarse com

    reflexo cognitiva, a aprendizagem interpessoal (que inclui a experincia emocional

    corretiva e a importncia do microcosmo social), por fim a coeso de grupo.

    Estes elementos sero, de seguida, explicados. Os oito primeiros, de uma forma

    resumida e os dois ltimos de maneira mais aprofundada, na medida em que o autor os

    considera particularmente importantes.

    A esperana definida como a crena que possvel conseguir os objetivos

    teraputicos, isto influencia a confiana no processo e importante para os participantes

    do grupo e tambm para o psicoterapeuta, sendo que uma das coisas que promove o

    aumento da esperana a constatao de melhoras entre os membros do grupo.

    Quanto a universalidade, Yalom relaciona-a a uma perceo comum entre as

    pessoas que procuram ajuda, a de que esto sozinhas na profundidade do seu desespero.

    Ao chegarem terapia de grupo, elas podem partilhar as suas experincias, medos,

    impulsos e sentir o alvio de perceberem que muitos dos seus sentimentos fazem parte

    da condio humana.

    A transmisso de informao um fator importante na medida em que as

    pessoas tendem a reagir com ansiedade ao desconhecido. Deste modo, no modelo

    interpessoal de psicoterapia de grupo, o terapeuta deve oferecer explicaes aos

    pacientes antes do processo iniciar, para reduzir a ansiedade e desconstruir ideias

    nocivas pr-concebidas a respeito do processo grupal.

    Outro tipo de informao importante neste tipo de interveno aquela que

    trocada entre os participantes, podem ser conhecimentos de carcter prtico ou

    abstratos, o facto que esta interao tende a propiciar momentos ricos de troca e de

    promoo da expressividade.

    O altrusmo, definido por Yalom e Ballinger (1995) como um elemento

    poderoso para impulsionar a autoestima e a esperana, o qual desempenha um papel

    importante na recuperao de problemas emocionais. Estes autores relacionam o

    altrusmo capacidade de ajuda que os membros de um grupo estabelecem entre si.

  • 7

    Neste contexto, citam os rituais de cura que ocorrem nas culturas primitivas e tambm

    as experincias dos grupos de ajuda mtua como o caso dos AA (Alcolicos

    Annimos).

    As intervenes grupais fazem emergir memrias, emoes e padres

    interaccionais associados a famlia primria dos indivduos. Assim, os autores

    consideram que uma das tarefas do psicoterapeuta conduzir o processo de

    recapitulao corretiva destas experincias, ajudando os pacientes a reconhecerem

    antigos padres e a perceberem que estes, muitas vezes, eram funcionais anteriormente,

    mas no momento e na vida atual da pessoa, podem j no ser. importante clarificar

    estes comportamentos e construir a possibilidade de experimentao de novas formas de

    atuao.

    Esta construo tambm pode estar relacionada s competncias sociais, mais

    um agente de mudana citado pelos autores e que visto como um elemento bsico para

    o desenvolvimento dos relacionamentos. comum haver, entre os pacientes, limitaes

    ao nvel destas competncias e no grupo cada um pode aumentar o seu conhecimento a

    este nvel atravs do processo de feedback, tanto no que refere conscincia das suas

    limitaes, quanto ao treino de melhorias comportamentais.

    O comportamento imitativo tambm pode ajudar neste processo, visto que

    constitui-se como uma fora teraputica efetiva. comum as pessoas assimilarem

    aprendizados sociais ao imitarem os outros, embora isto exija uma capacidade de fazer

    adaptaes para que os conhecimentos adquiridos sejam coerentes com a forma de ser e

    estar de cada um.

    Quanto a catarse, Yalom e Ballinger (1995) afirmam que as emoes fortes, por

    si s, costumam ser vistas como algo teraputico. No entanto, referem que Liberman,

    Yalom & Miles (1973) verificaram que as experincias impactantes e as expresses

    emocionais tm realmente bons resultados em terapia de grupo, quando esto associadas

    a reflexes mais racionais.

    J a aprendizagem interpessoal apontada como um dos fatores teraputicos

    mais complexos e com maior capacidade de alcance nas intervenes grupais, pois

    inerente natureza humana, contudo dependente de outros dois processos neste

    contexto: a experincia emocional corretiva e a importncia do microcosmo social.

    Segundo, Yalom e Ballinger (1995) a terapia de grupo um encontro entre

    pessoas que possuem sequelas emocionais, relacionadas a experincias do passado, com

  • 8

    as quais no tiveram capacidades para lidar de forma satisfatria naquele momento e se

    transformaram em traumas. No contexto teraputico grupal, a experincia corretiva

    pode acontecer, uma vez que estas sequelas aparecem dentro de um ambiente onde h

    segurana, suporte, onde elas podem ser revistas no aqui e agora e reconhecidas como

    emoes desadequadas ao momento atual, atravs dos mecanismos de feedback

    inerentes a situao.

    Deste modo, os pacientes tendem a lidar com os seus traumas de uma forma

    menos sobrecarregada e automatizada e tm a oportunidade de explorar formas afetivas

    alternativas.

    O microcosmo social o ambiente que se estabelece em psicoterapia de grupo e

    que permite aos participantes que eles possam ser exatamente como so, sem restries.

    As suas emoes e experincias, do passado ou exteriores ao grupo, so importantes na

    medida em que apresentam-se como dificuldades relacionais no presente imediato do

    grupo, onde so contidas e podem ser transformadas.

    Aps a apresentao dos elementos expostos acima, fica evidente a importncia

    que tem a coeso do grupo para o sucesso do processo teraputico. Yalom e Ballinger

    (1995) fazem um paralelismo entre a coeso grupal e a aliana teraputica, caracterstica

    da relao dual, que defendida por todas as escolas como um fator crucial em terapia.

    A unio do grupo o que faz com que ele permanea ao longo do tempo, supere

    conflitos que naturalmente acontecem e o que promove as experincias emocionais e

    sociais significativas que do origem s melhorias clnicas.

    Esta coeso resultado de todas as foras presentes e da capacidade de se

    desenvolverem, no grupo, sentimentos de confiana, aceitao, cuidado e compreenso

    emptica. um processo que se desenvolve ao longo do tempo e que exige uma

    especial ateno do terapeuta, sobretudo quando os grupos esto no incio.

    Algumas tcnicas utilizadas em psicoterapia de grupo, segundo Yalom

    Depois de apresentar as bases tericas que do suporte ao trabalho de Irvin

    Yalom, importante falar sobre alguns aspectos tcnicos relacionados a

    operacionalizao das suas intervenes em grupo.

    No livro The Theory and Practice of Group Psychotherapy (2005), Yalom &

    Leszcz enfatizam a importncia da relao teraputica e dizem que nenhuma

    considerao tcnica ganha prioridade em relao a este aspeto. A preocupao, a

  • 9

    aceitao, a atitude emptica que o psicoterapeuta capaz de demonstrar aos seus

    pacientes so fatores muito valorizados.

    Contudo, esta valorizao da relao no exclui a necessidade de ateno aos

    aspetos tcnicos que contribuem para a formao e mobilizao de um grupo

    teraputico. Assim, nesta obra de 2005 so discutidas algumas tcnicas associadas a trs

    tarefas fundamentais do terapeuta: a criao e a manuteno do grupo; a construo da

    cultura de grupo; a ativao e a utilizao do aqui e agora.

    Sobre esta primeira tarefa, pode-se dizer que a boa conduo de um grupo

    comea antes mesmo do seu incio, na fase de seleo e preparao dos participantes.

    Os objetivos da seleo variam de acordo com os objetivos clnicos e com o

    contexto de interveno, mas quando se trata de grupos de longa durao (no mnimo 6

    meses) que pretendem mudanas na personalidade, alm do alvio de sintomas,

    fundamental que os participantes sejam capazes de fazer reflexes pessoais e sobre as

    interaes de grupo (Yalom & Ballinger, 1995).

    De incio as pessoas no se conhecem umas s outras, apenas conhecem o

    terapeuta, que a primeira fora unificadora do grupo, porm desde o princpio ele deve

    esforar-se para criar condies de interao que proporcionem gradualmente a coeso

    do grupo e o relacionamento entre todos.

    O terapeuta deve ainda reconhecer e conter qualquer fora que ameace a coeso

    do grupo: atrasos ou faltas permanentes, a emergncia de sub-grupismo ou de

    socializao extra grupo, bem como o surgimento de bodes expiatrios. Tais ameaas

    podem pr em causa a integridade funcional do grupo e se acontecerem, o lder deve

    intervir.

    Os conflitos, num grupo recm-formado, tambm devem ser evitados at que

    haja confiana e abertura suficiente para que os envolvidos sejam expostos e

    trabalhados.

    Quanto a tarefa de construo da cultura grupal, Yalom & Leszcz (2005)

    afirmam que o grupo uma realidade fsica e o papel do terapeuta o de modelar esta

    realidade no sentido de criar um sistema social teraputico que regido por normas e

    regras de comportamento, que so radicalmente diferentes dos cdigos de conduta que

    ocorrem na sociedade alargada.

    Estes autores citam algumas normas que consideram desejveis dentro de um

    grupo: o envolvimento ativo dos participantes, o no-julgamento, a auto revelao, o

  • 10

    desejo de auto compreenso e o desejo de transformar padres de comportamento

    disfuncionais, o que pode ser colocado de forma implcita ou explcita.

    Dentro do microcosmo social que o grupo teraputico, a honestidade e a

    espontaneidade so fundamentais, os participantes devem sentir que podem realmente

    expressar o que quer que seja, sem serem punidos.

    Segundo Yalom & Leszcz (2005), o lder tem sempre um papel fundamental na

    modelagem do grupo, ele deve estar ciente desta tarefa e para fazer valer as regras

    desejveis, ele pode utilizar algumas tcnicas. Por exemplo, o terapeuta deve criar uma

    rede de interao, na qual as comunicaes entre os participantes no tenham que

    necessariamente passar por ele, e tambm, utilizar diversos tipos de reforo positivo

    quando considera que os participantes esto a atuar de forma efetiva a nvel

    interpessoal.

    Yalom & Leszcz consideram que qualquer forma de psicoterapia um processo

    de aprendizagem e que um outro mtodo que pode ser utilizado em intervenes grupais

    a modelagem comportamental a partir do exemplo do terapeuta, o qual deve oferecer

    um modelo de interao que demonstre ateno ao outro, aceitao incondicional, no-

    julgamento, acolhimento, honestidade, espontaneidade, etc. Contudo, os autores

    ressaltam a importncia do envolvimento pessoal disciplinado por parte do lder, na

    medida em que ele tem a responsabilidade da conduo do grupo.

    Por vezes, os pacientes desenvolvem sentimentos conflituosos em relao ao

    terapeuta, nestes casos o profissional deve atuar de forma transparente para permitir a

    situao transferencial (Yalom & Leszcz, 2005).

    medida que o grupo amadurece, ele tende a ficar mais autnomo e os

    participantes tendem a expressar-se de forma mais livre, isto importante clinicamente

    e deve ser fomentado.

    A terceira tarefa fundamental do terapeuta, segundo Yalom & Leszcz, a

    ativao e a utilizao do aqui e agora, que desempenha um papel crucial para colocar

    em prtica muito do que foi descrito anteriormente.

    A ativao e a utilizao do aqui e agora implica que o terapeuta esteja com

    uma ateno plena no que est a acontecer e que tenha uma capacidade de anlise

    apurada para compreender as subtilezas que acontecem nas interaes do grupo.

    Yalom & Leszcz (2005) demonstram que existem dois nveis interdependentes

    para colocar em prtica esta tarefa; o primeiro tem a ver com um nvel vivencial e o

  • 11

    segundo est relacionado a uma elucidao racional dos processos, isto , para que o

    aqui e agora seja utilizado de forma teraputica necessrio que os pacientes estejam

    com foco no presente e envolvidos no que est a acontecer no grupo, isto que facilita o

    feedback, a catarse, a auto revelao significativa e a aquisio de competncias sociais.

    Porm, to importante quanto este envolvimento no presente, o reconhecimento do

    que est a acontecer, a sua anlise e compreenso.

    Se apenas o primeiro nvel est presente, a experincia do grupo intensa, os

    participantes sentem-se profundamente envolvidos, a expresso emocional pode ser

    elevada, porm eles ficam sem referncias cognitivas que permitem compreender os

    acontecimentos e transform-los em aprendizados com utilidade fora do grupo.

    Quando apenas o segundo nvel est presente - a anlise do processo - o grupo

    perde vitalidade, sentido e as suas atividades podem transformar-se em exerccios

    intelectuais estreis.

    Deste modo, cabe ao psicoterapeuta conduzir o processo de ativao do aqui e

    agora, utilizando estratgias que contribuam para o comprometimento efetivo do grupo

    e tambm facilitando o processo de reflexo e anlise.

    As tarefas acima descritas requerem grande envolvimento por parte do terapeuta,

    assim como o treino e o desenvolvimento de habilidades e competncias especficas.

    Importa referir que adaptaes tcnicas so necessrias quando se trata de

    intervenes realizadas em contextos especficos, por exemplo, em hospitais com

    pessoas internadas. Porm, no presente texto os aspetos que foram abordados tiveram

    como base a realizao de grupos teraputicos semiabertos que tm a durao mnima

    de 6 meses, com encontros peridicos de uma ou duas vezes por semana e que

    objetivam mudanas de personalidade.

    A grupanlise e a abordagem combinada de Yalom

    A grupanlise o paradigma dos modelos analticos de interveno em grupo e

    baseia-se na teoria da tcnica psicanaltica. Alguns autores de referncia neste contexto

    so: Foulkes, considerado o fundador da grupanlise e Eduardo Lus Corteso, bem

    como Maria Rita Leal em Portugal.

    De acordo com este paradigma e com os autores acima citados, a situao

    transferencial no grupo um elemento de grande importncia, aqui as concees de

    matriz, padro grupanaltico e matriz relacional interna so fundamentais.

  • 12

    Foulkes confere matriz grupanaltica uma dimenso funcional e define o

    treino do ego em aco como um processo teraputico que a ocorre, a partir do qual,

    os indivduos, em interao com os outros, analisam e adaptam as suas estruturas

    mentais (id, ego e superego) no sentido de promover um funcionamento mais

    harmnico destas estruturas (Ferrerira, 1992).

    Na escola portuguesa, Maria Rita Leal v a matriz do grupo como uma rede de

    relao, comunicao e transferncia, onde em termos teraputicos ocorre o treino do

    ego em aco aliado a aspetos regressivos que atingem nveis proto verbais e

    reconstrutivos.

    Leal complementa o ponto de vista de Foulkes, ao introduzir o que ela denomina

    matriz relacional interna. Ferreira (1992) explica que, segundo a autora, o indivduo

    forma a sua matriz relacional interna nos diferentes grupos por onde passa. Ela comea

    a ser estruturada a partir da dade me-criana e vai se organizando medida que a

    pessoa passa por outros grupos: a famlia, a escola, os grupos de trabalho, de lazer, entre

    outros.

    Segundo a conceo de Leal, no processo grupanaltico os indivduos modificam

    as suas matrizes relacionais internas, por intermdio da matriz do grupo, onde ocorrem

    partilhas emocionais, situaes regressivas que atingem nveis proto verbais e a

    repetio de situaes infantis muito precoces.

    O treino do ego em ao de Foulkes importante para ocorrer a modificao da

    matriz relacional interna, pois para Leal este treino traz para o consciente a procura do

    inconsciente, atravs dum processo emocional semelhante ao ocorrido na infncia, mas

    que se manifesta no aqui e no agora (Ferreira, 1992).

    Eduardo Lus Corteso quem conceptualiza o padro grupanaltico, definindo-

    o como o conjunto de atitudes e valores que o grupanalista transmite e sustenta na

    matriz, o que fomenta o desenvolvimento da cultura do grupo, que , assim,

    influenciada pelas caractersticas e pelos propsitos do terapeuta.

    A abordagem combinada de Yalom inspira-se, em grande parte, na teoria

    psicanaltica. Este autor utiliza o modelo dinmico do funcionamento mental e tambm

    d importncia a aspetos, tais como a transferncia no processo teraputico. Contudo, a

    sua abordagem desenvolve-se de forma diferente e independente da psicanlise, na

    medida em que estabelece relaes entre a corrente analtica e outras orientaes

  • 13

    tericas, o que d origem a um modelo de interveno original que tem vindo a ganhar

    espao.

    Referncias bibliogrficas

    Ferreira, A. G. (1992). Matriz grupanlitica in Grupanlise, n3, pp. 45 56. Sociedade Portuguesa de Grupanlise: Lisboa.

    Ferreira, A. G. (2010). Comunicaes e apontamentos das aulas de Modelos Analticos

    de Avaliao e Interveno em Grupo ministradas no Instituto Superior de Psicologia

    Aplicada (ISPA): Lisboa.

    Yalom, I. D. (1980). Existential psychotherapy. Basic Books: New York.

    Yalom, I. D. & Ballinger, B. (1995). Group therapy in practice in Comprehensice book

    of psychoterapy, pp. 189 204. Oxford University Press: New York.

    Yalom, I. D. & Leszcz, M. (2005). The theory and practice of group psychotherapy.

    Basic Books: New York.