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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO FABRÍCIO DARÓS DIAS INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VIÇOSA/MINAS GERAIS ABRIL - 2013

INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO PAGAMENTO DE …

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

FABRÍCIO DARÓS DIAS

INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO PAGAMENTO DE

PRECATÓRIOS. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL

VIÇOSA/MINAS GERAIS

ABRIL - 2013

2

FABRÍCIO DARÓS DIAS

INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO PAGAMENTO DE

PRECATÓRIOS. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL

MONOGRAFIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado para

cumprimento das Exigências da Disciplina DIR 499

– Monografia II.

Professor Orientador: Ricardo Lemos Maia Leite de Carvalho

VIÇOSA/MINAS GERAIS

ABRIL- 2013

3

A minha família, por sua dedicação e apoio, mas, sobretudo, pelos valores e

ensinamentos transmitidos que fazem as escolhas nesta caminhada mais consistentes.

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Inteligência Superior e às formas sutis pelas quais se

manifesta, sobretudo nos momentos em que pensamos em desistir.

À minha família pelo apoio incondicional e fé inabalável em meu sucesso, uma

fé que, por vezes, eu mesmo não tive.

À saudosa turma de 2007, pelos anos compartilhados, pelos churrascos,

barzinhos, festas, debates e conversas que nos uniram nesses anos de Viçosa.

À Universidade Federal de Viçosa, nomeadamente ao Departamento de Direito,

pelo sólido corpo docente e pela incansável disposição aos alunos.

Á Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pela contribuição inestimável

ao crescimento acadêmico. À Cidade Invicta pela experiência ímpar de vivência, em

especial aos amigos brasileiros, lusitanos e estrangeiros que fizeram esta experiência

ainda mais especial.

Às Promotorias de Justiça da Comarca de Ponte Nova – Minas Gerais, pelo

aprendizado prático dispensado.

A todos os amigos que levaram uma parte de mim, ao mesmo tempo que

deixaram comigo uma parte de si.

A todos estes, ainda que não possa exprimir todo meu sentimento, meu muito

obrigado.

5

“Deve-se tirar o poder dos homens que não estão dispostos a renunciá-lo. Uma

transferência de poder de uma facção para outra, dentro da mesma classe, é

chamada de golpe... e não muda nada. Uma transferência de poder de uma classe

para outra é chamada de revolução e muda as coisas.”

– Ken Follet, O Homem de São Petersburgo

6

RESUMO

A presente pesquisa aborda o delicado equilíbrio do sistema federativo brasileiro

quando de uma das hipóteses de intervenção da União nos Estados-membros ou no

Distrito Federal: descumprimento de precatórios.

Assim o objeto de estudos deste trabalho são as disposições legais pertinentes

aos institutos dos precatórios, da intervenção federal e a jurisprudência da Corte

Constitucional brasileira quando instada a apreciar da demanda interventiva.

Adotou-se como metodologia a coleta de dados bibliográficos ou documentais e

análise jurisprudencial.

Palavras-chave: Precatórios, intervenção federal, Supremo Tribunal Federal .

7

SUMARIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................05

2 FEDERAÇÃO BRASILEIRA E SUAS PECULIARIDADES...............................07

2.1 A ORGANIZAÇÃO POLITICO-ADMINISTRATIVA BRASILEIRA..................07

2.2 CARACTERÍSTICAS DA FEDERAÇÃO...............................................................08

2.3 A FEDERAÇÃO BRASILEIRA...............................................................................09

3 FINAÇAS ESTADUAIS............................................................................................13

3.1 AUTONOMIA FINANCEIRA.................................................................................13

3.2 ORÇAMENTO PÚBLICO........................................................................................17

3.3 PRECATÓRIO..........................................................................................................21

3.3.1 A SISTEMÁTICA DO PRECATÓRIO ................................................................25

3.3.2 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº30/2000.....................................................27

3.3.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 69/2009....................................................32

4 ASPECTOS GERAIS DA INTERVENÇÃO FEDERAL.......................................38

4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................38

4.2 A INTERVENÇÃO...................................................................................................39

4.3 PRESSUPOSTOS MATERIAIS DA INTERVENÇÃO FEDERAL........................40

4.4 PRESSUPOSTOS FORMAIS DA INTERVENÇÃO FEDERAL............................46

4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: A INTELIGENCIA DO ARTIGO 36 DA CF/88.....51

5 A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..........................................53

6 CONCLUSÕES..........................................................................................................66

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................69

APÊNDICE A................................................................................................................73

APÊNCIDE B.................................................................................................................75

APÊNDICE C................................................................................................................77

8

1 INTRODUÇÃO

Ao se falar em reponsabilidade do Estado pelos danos que porventura venha a

causar, imediatamente se é remetido ao precatório. Esse termo que, cunhado para servir

de garantia ao administrado, posto que a penhora dos bens públicos para saldar o crédito

de um, ou seleto grupo de pessoas, poria em cheque a continuidade da prestação do

serviço público, transformou-se num pesadelo para o jurisdicionado.

Após anos de espera numa batalha jurídica, o administrado que teve seu

patrimônio jurídico lesado, vitorioso em sede de cognição, ingressa com a execução

apenas para ver seu direito conquistado ser protelado, ano após ano, pela Administração

Pública, alegando esta a insuficiência de caixa. A inadimplência dos Estados-membros

da Federação é flagrante, mesmo indiscutível, chegando o total de precatórios à

astronômica cifra dos bilhões de reais1. Estima-se, ainda, que precatórios expedidos

antes da Constituição Federal, e portanto, há mais de vinte anos, foram, sucessivamente,

protelados pela própria Constituição Federal quando de sua vigência, e pelas Emendas

Constitucionais nº 30/2000 e 62/2009.

Diante do abusivo quadro de calote, o particular, então, como ultima opção que

lhe resta, bate às portas do órgão jurisdicional máximo do país, o Supremo Tribunal

Federal, a pedir uma medida drástica, mas enérgica: a intervenção da União sobre os

Estados-membros, para que possa, finalmente, obrigar o Estado a honrar com suas

dívidas, pondo fim ao descaso do Poder Público com as lesões que causa aos indivíduos

sob sua tutela.

1<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/101556-dividas-judiciais-de-cidades-e-estados-ja-passam-de-r-

90-bi.shtml> Acessada em 01 de abril de 2013

9

Entretanto, mais uma vez, vê-se frustrado o cidadão haja vista a orientação

conservadora da Suprema Corte acerca da medida interventiva.

O objetivo central dessa pesquisa é, assim, efetuar uma análise, ainda que não

exaustiva, do entendimento do Supremo Tribunal Federal no tocante à Intervenção

Federal fundamentada no não pagamento de precatórios judiciais, através de estudo dos

institutos jurídicos relacionados e, por fim, da própria jurisprudência da Suprema Corte,

dando-se destaque aos leading cases que determinam a sua jurisprudência dominante.

Destarte, como metodologia de estudo se estabelece a coleta de dados

bibliográfica ou documental, posto que não se pretende produzir dados que serão

objetos de análise, mas sim relacionar dados já existentes acerca do assunto.

Estruturamos essa pesquisa em capítulos, dedicando cada qual a esmiuçar os

institutos pertinentes ao tema. No primeiro capítulo discorre-se sobre a federação,

gérmen do quadro hipotético, haja vista que os precatórios, assim, como a própria

necessidade de uma medida interventiva são oriundas da organização federativa.

No segundo capítulo, faz-se um panorama simples sobre a autonomia financeira

dos Estados, centrando-se na análise pormenorizada do sistema de precatórios e as

modificações pelas quais tem passado.

No terceiro capítulo, parte-se a esmiuçar os aspectos gerais da intervenção

federal, como medida excepcional à integridade da Federação; e, por fim, no quarto

capítulo de desenvolvimento, uma sintética análise jurisprudencial do entendimento de

nossa Suprema Corte no tocante à intervenção federal lastreada em precatórios vencidos

e não saldados.

10

2 A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E SUAS PECULIARIDADES

2.1 Organização Politico-adminstrativa do Brasil

O Brasil apresenta-se organizado politico-administrativamente como um Estado

Federal – República Federativa do Brasil. Quer isto dizer que o Brasil, por sua forma de

Estado, ou, noutros dizeres, por sua estrutura interna, é um Estado constituído pela

associação permanente de entes políticos autônomos menores através de um vínculo que

se dá por meio da Constituição. Nessa senda, “Federação traduz a forma de Estado, o

modo como se reparte o poder político no âmbito do território, e tem por pressuposto a

descentralização política2”

Federação é uma forma de organização de Estados compostos, de inspiração

estadunidense, formada, em regra, pela união perpétua de Estados de modo a conjugar

esforços num mesmo sentido, com a perda da soberania destes últimos sem, contudo se

extinguirem por completo suas funções e atribuições políticas, surgindo, assim, um

terceiro Estado, este, sim, soberano, oficializado por meio de um documento formal

(constituição) que estabelece o vinculum foederis, em que se limitam as respectivas

atuações.

Como bem observa Ricardo Lewandowski:

“uma federação consiste, pois, em linhas gerais, na associação de

entres políticos que, buscando uma integração harmônica de seus

destinos, transmudam-se num único Estado soberano, ao mesmo

tempo em que reservam para si, constitucionalmente, uma esfera

de atuação autônoma. Essa autonomia se traduz no poder de auto-

governo, que inclui a possibilidade de escolha dos próprios

governantes e a capacidade de decidir sobre assuntos que lhes

digam respeito3”

Com efeito, preconiza o artigo 1º da Constituição da República que “A

República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

2 BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional. Tomo I. Rio de Janeiro. Editora Renovar.

2ªEd. 2006, pág 141 e 142 3 LEWANDOWSKI. Enrique Ricardo. Pressupostos Formais e Materiais da Intervenção Federal. São

Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 1994, pag 15

11

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem

como fundamentos: (...)” (grifo nosso).

Tal é a importância desta forma de organização interna para o Estado brasileiro

que a Assembleia Constituinte a erigiu em cláusula pétrea, não podendo sequer ser

modificada por emenda constitucional, como prescreve o inciso I do §4º do artigo 60 da

Carta Política vigente.

2.2 Características da Federação

A federação é uma aliança de Entes políticos-administrativos que se unem em

caráter definitivo – é característica da federação a proibição da secessão – de modo a

atuarem conjuntamente na concretização de objetivos comuns. É cediço também que os

Entes, ao unirem-se, perdem o atributo da soberania, que passa às mãos da União, mas

conservam competências em relação à própria organização e persecução de seus

interesses particulares. A federação possui a força da união de vários entes federados,

sem que, com isso, se esmague as diferenças locais e regionais.

Historicamente, a federação criou-se pelo fortalecimento do laço que unia as

antigas Treze Colônias da América do Norte, agora libertas do jugo da metrópole

inglesa. Do frágil laço de uma Confederação, estabeleceram uma nova aliança em 1787,

transferindo um rol de poderes taxativos à União, expressos na Constituição, posto que

não desejavam sujeitar-se de modo absoluto ao poder central.

A Federação como forma de Estado, embora não haja unanimidade, apresenta

algumas características básicas que lhe dão identidade, a saber: autonomia política dos

entes federativos, repartição de competências e participação dos entes federados nas

decisões da União.

A Constituição de uma federação, documento solene pelo qual se institui o

Estado opera a repartição de competências pertinentes à cada um de seus respectivos

entes, competência esta administrativa, legislativa , mas também, e inclusive, financeira,

posto que para a consecução dos fins estabelecidos, mister a concessão, também, dos

recursos necessários para sua execução.

12

No que tange à autonomia política dos membros da federação, esta se traduz nos

poderes de autogoverno e auto-organização, bem como escolha democrática de seus

representantes sem que haja interferência da União ou de qualquer outro ente.

Por fim, é característico das federações que os membros possuam voz ativa junto

às decisões da União, de modo a exercer o controle sobre as decisões que lhes digam

respeito. Assim, “passou-se a assegurar, na maioria das federações, uma participação

igualitária às unidades federadas na Câmara Alta, reservando-se a outra Casa legislativa

à representação popular”4

2.3 A Federação Brasileira

O Império do Brasil constituía-se como um Estado Unitário caracterizado por

um forte poder central o qual, consoante os constitucionalistas do Império5 se fazia

necessário para garantir a integridade (do território) nacional. Com efeito, a

Constituição de 1824 trazia em seu bojo o denominado Poder Moderador, concentrado

nas mãos do Monarca, que mantinha, sob forte direção do Poder Central, a ordem e

respeito das províncias, por vezes sufocando as insurreições locais que demandavam

uma maior autonomia. Como precipitado dos diversos levantes locais, em 15 de

novembro de 1889, um levante político-militar põe fim ao Império Brasileiro, passando,

assim, a república, desde seu primeiro diploma jurídico, editado pelo Marechal Manuel

Deodoro da Fonseca, então, primeiro presidente, a assumir a forma de República

Federativa:

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do

Brazil decreta:

Art. 1º. Fica proclamada provisoriamente e decretada como a

fórma de governo da nação brazileira - a República Federativa.

Art. 2º. As Províncias do Brazil, reunidas pelo laço da

federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil6

4 Lewandowski, op. cit. pág. 17

5 TEODORO, Rafael. Sobre os “Estados Unidos do Brasil”: ensaio sobre a origem fictícia do federalismo

brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3213, 18 abr. 2012 . Disponível

em: <http://jus.com.br/revista/texto/21548>.

6BRASIL. Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, Proclama provisoriamente e decreta como fórma

de governo da Nação Brazileira a Republica Federativa, e estabelece as normas pelas quaes se devem

reger os Estados Federaes. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-

1899/decreto-1-15-novembro-1889-532625-publicacaooriginal-14906-pe.html>

13

Passa, então, o Brasil, desde a primeira Carta Republicana, promulgada em 24

de fevereiro de 1891, a adotar a estrutura de Estado Federal, constituído pelas antigas

províncias, agora elevadas ao patamar de Estados-membros, guardando estes grande

autonomia em relação ao poder central. Dessa forma, pode-se dizer, com esteio em

Regis Fernandes de Oliveira7 que o federalismo brasileiro nasceu de uma força

centrífuga descentralizadora que desagregou o Estado unitário reinante durante o

Império em um Estado Composto sob a forma federativa.

Oportuno trazer à baila consideração do eminente jurista Enrique Ricardo

Lewandowski acerca da questão da autonomia dos entes federados por parte das

constituições brasileiras

“É interessante notar que a Federação Brasileira, ao longo de

sua história, tem alternado momentos de grande

descentralização com outros de exagerada centralização,

obedecendo a um movimento pendular. Períodos houve em que

os entes federados foram enormemente prestigiados, como

ocorreu logo após a adoção dessa forma de organização estatal,

contrastando com outros em que grande parte das competências

e dos recursos foram concentrados ao nível da União, tal qual

aconteceu na longa fase de exceção vivida a partir do

movimento político-militar de 1964, e que se encerrou com a

promulgação da Constituição de 1988”.8

De fato, como registra o autor, com o advento da república, os Estados-membros

passaram a gozar de uma ampla autonomia política em relação ao governo central,

podendo os estados organizarem-se de acordo com seus peculiares interesses, apenas

não contrariando o disposto na Constituição. Essa autonomia foi, contudo,

paulatinamente retirada a partir da revolução de 1930, culminando com o golpe de

1937, em que o governo dos Estados passou às mãos de interventores indicados pelo

presidente Getúlio Vargas, situação esta que perdurou até 1945, quando da

redemocratização do país. A Carta de 1946 buscou restaurar a autonomia de Estados e

7 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª Ed. rev. atual. São Paulo. Editora

Revista dos Tribunais. 2010, pag 34

8 Lewandowski, op. cit. pág 25

14

Municípios suprimida pela ditadura Vargas, criando um quadro de normalidade

institucional que perdurou até o golpe político-militar de 1964, quando, novamente, o

Estado Brasileiro voltou aos quadros de centralização máxima das competências nas

mãos da União, em especial do Executivo Federal, reduzindo ainda mais as

competências residuais que cabiam aos Estados, sendo que até mesmo os governadores

eram indicados pelo Executivo Federal, e os prefeitos, em sua maioria, pelos

governadores. Em suma, o processo de centralização do Estado Brasileiro encontrou seu

apogeu durante a Ditadura Militar.

Com a Constituição de 1988, retorna à normalidade o quadro da federação,

outorgando, novamente, competências aos Estados e Municípios, bem como dotação

orçamentária e poder de auto-organização, sempre dentro dos limites estabelecidos pela

Constituição Federal. Há, contudo, que se observar que o regime federal no Brasil,

assim como observado em outros países, inclusive nos EUA, transmudou-se de um

regime de federalismo dual caracterizado pela rígida separação entre os níveis federal e

local, havendo completo afastamento das competências de cada ente, a um regime de

federalismo cooperativo, caracterizado pela coordenação das politicas entre União,

Estados e Municípios, competências a serem desempenhadas concorrentemente pelos

entes federados e elevada intervenção da União nos domínios econômico e social,

reduzindo, cada vez mais as competências dos Entes menores, acumulando a União

poderes cada vez mais amplos, assim, como fatias cada vez maiores dos recursos

colhidos nos exercícios financeiros.

Nos Estados Unidos, tal processo se iniciou em período de instabilidade

econômica, com a Grande Depressão na década de 30 do século XX, em que era

necessária a força da União para coordenar um plano em nível nacional, o New Deal,

posto que as iniciativas locais não possuiriam forças para alavancar o país, assumindo a

União o poder de regulamentar fortemente os aspectos da economia. No Brasil, esse

processo de inicia com uma situação de instabilidade política não menos influenciado

pela Depressão econômica em que o planeta mergulhara, um golpe de Estado também

nos anos 30 que derruba a república instaurada em 1889 e, paulatinamente, vai

reduzindo a autonomia dos Estados e Municípios até um novo golpe em 1937, em que

se concentram as competências na União a despeito da autonomia dos Estados. Em que

pese a Constituição de 1946 dar novo alento aos Estados e Municípios, afirma Ricardo

Lewandowski já revelar um embrião do federalismo cooperativo, “revelando um claro

15

predomínio da União sobre os demais entes federados, particularmente no campo

econômico e financeiro”9.

No que tange à composição da federação brasileira, insta salientar, contudo, que

a Federação Brasileira, ao contrário da Federação Estadunidense – que contemplava

apenas os níveis Federal e Estadual – trouxe em seu bojo a consolidação de um terceiro

nível politico-administrativo, qual seja, o municipal. Na década de 1960, com a

construção de Brasília, hoje Capital Federal (artigo 18,§1º da Magna Carta), a

Federação Brasileira acentua ainda mais suas peculiaridades ao instituir um ente

intermediário entre Estados e Municípios, o Distrito Federal, definindo, assim, quatro

instâncias político-administrativas, como salienta o artigo 18, caput da Constituição

Federal de 1988:

“Art. 18. A organização político-administrativa da República

Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta

Constituição.”

Nesta senda, não há que se falar em hierarquia entre os entes federados, cada

qual conserva sua autonomia dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal;

os entes encontram-se horizontalmente equiparados, fato pelo qual são reciprocamente

imunes, estando proibidos, inclusive, de criar impostos sobre a administração direta,

autárquica e fundacional uns dos outros – artigo 150, VI, a e §2º.

Outro corolário da equiparação horizontal entre os entes federados é o respeito à

esfera de atuação privativa dos entes, não podendo um ente invadir a competência de

outro, e qualquer ato de um ente que venha a atentar contra a autonomia de outro

constitui violação do princípio federativo, e, portanto, fato legitimador de uma figura de

exceção dentro da Federação, qual seja, a Intervenção, quer da União nos Estados ou

Distrito Federal, quer dos Estados em seus Municípios.

9 Lewandowski. Op. cit. pág.

16

3 Finanças Estaduais

3.1 Autonomia Financeira

Como já salientado, os Estados-membros de uma federação e, por conseguinte,

os Estados brasileiros, são estruturas político-administrativas que guardam autonomia

em relação ao ente federal. A Federação Estadunidense, como visto, formou-se através

de um instrumento escrito no qual os Estados-membros manifestavam seu desejo de

unir-se sob o manto de um ente coletivo maior, transferindo-lhe uma relação expressa

de atribuições, a delimitar a esfera de atuação federal e alijá-la das atuações estaduais.

A autonomia dos Estados-membros se traduz nas capacidades de autogoverno e

auto-organização, do que decorre o poder de autoadministração e autolegislação. A

capacidade de autogoverno – incluída a autoadministração dado não ter sentido haver

governo sem poder de administrar – encontra seu fulcro nos artigos 27, 28 e 125 da

Constituição Federal (CF/88), que dispõem, respectivamente, sobre os três poderes no

âmbito dos Estados: Assembleias Legislativas, Governadores de Estado e Poder

Judiciário Estadual, as eleições nos dois primeiros e o teto de seus subsídios, e as

diretrizes de organização do último, sempre respeitados os princípios estabelecidos pela

Lei Maior, que fundamenta todas as demais.

A capacidade de auto-organização, bem como a de autolegislação advém da

autorização pelo artigo 25 da Magna Carta para que os Estados criem sua própria

constituição e leis pertinentes às atribuições que lhe foram conferidas no pacto,

consagrando a competência residual dos referidos entes ao dispor o §1º do dispositivo

acima que “são reservados aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por

esta Constituição”.

Com efeito, aos Estados cabe legislar sobre as matérias inventariadas nos incisos

do artigo 24 do diploma constitucional em concorrência com a União, caso em que esta

emite normas gerais a serem respeitadas por todos os entes da federação (§1º do artigo

24, CF/88), cabendo aos Estados e ao Distrito Federal, observando os limites traçados

pela Lei Maior, emitir normas adequadas aos específicos interesses regionais que

defende. Nessa seara, há que se destacar caber aos Estados legislar sobre direito

17

financeiro e orçamento, ou, em outras palavras, definir, dentro da bitola da

constitucionalidade, tanto federal quando estadual, o tratamento reservado aos recursos

que se lhe apresentam, reafirmando o já aludido acerca de sua autonomia financeira.

A Constituição Federal encarta um plexo de atribuições legislativas e materiais

aos Estados, sendo necessárias, para a consecução dos objetivos destes últimos,

provisões materiais, bem como, humanas para que sejam tais atribuições realizadas,

dado que, a construção do Estado, a promoção da justiça social, enfim, a realização dos

direitos do homem requer a realização de custos e estratégias. Surgem, então, para a

consecução das finalidades do Estado, as figuras da despesa e da receita públicas,

porquanto “se todos os direitos fundamentais têm, em alguma medida, uma dimensão

positiva, todos implicam custos.”10

Diante da necessidade de obtenção e emprego de meios materiais para a

realização das necessidades públicas, o Estado exerce a atividade financeira, consistindo

esta em “obter, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja

satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público”11

O

ente estatal, assim, para sua própria razão de existir, deve, através dos meios

juridicamente estabelecidos, arrecadar fundos, bem como administrá-los para quando o

gasto se apresente, não apenas os imediatos, mas também futuros ou aqueles que se

prolongam no tempo.

Despesa pública, na precisa lição de Aliomar Baleeiro, possui dois significados

intrinsecamente relacionados: em primeiro, “designa o conjunto de dispêndios do

Estado ou de outra pessoa de Direito Público, para o funcionamento dos serviços

públicos” 12

; e em segundo, “a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da

autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para

execução de fim a cargo do governo” 13

. Em resumo, a despesa tanto adquire o

significado de complexo de gastos da Administração Pública, quando cada gasto

isoladamente considerado.

10

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed.

rev. atual. São Paulo. Editora Saraiva. 2011. Pág. 1451 11

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª Ed. rev. atual. Rio de Janeiro.

Editora Forense. 2004. pág 04 12

idem. pág 73 13

idem. pág 73

18

As despesas públicas, consoante o artigo 12 da lei 4320/67, se dividem em

despesas correntes e despesas de capital. Despesas correntes são as referentes ao custeio

da máquina administrativa e as relativas às transferências correntes, entendidas as

pensões, aposentadorias, benefícios trabalhistas e previdenciários, entre outras

obrigações do Poder Público.

Despesas de capital é gênero que abarca as figuras dos investimentos, inversões

financeiras e transferências de capital. Numa breve análise, investimentos são as

dotações previstas para planejamento e execução de obras, aquisição de imóveis que se

façam necessários a estas últimas, instalações e equipamentos, assim como aumento do

capital de empresas direta ou indiretamente controladas que sejam prestadoras de

serviços públicos; inversões financeiras são as dotações destinadas à aquisição de bens

de capital ou imóveis já em utilização, aquisição de títulos de empresas de qualquer

espécie já constituídas, e constituição ou aumento do capital de entidades ou empresas

com objetivos comerciais ou financeiros, bancários ou seguros; já as transferências de

capital são os valores referentes à inversões ou investimentos que outras pessoas de

direito público ou privado devam realizar a título de auxílios ou contribuições ao Poder

Público, assim como as destinadas à amortização da dívida pública.

O Estado, assim como qualquer outro agente econômico, necessita o ingresso de

valores em seus cofres, visto que não pode empreender apenas gastos sem possuir

divisas que os lastreiem. Aliás, importante princípio do direito financeiro se revela

nessa senda, o princípio do equilíbrio orçamentário, consoante o qual a relação entre os

gastos públicos e os ingressos deve observar uma relação de equivalência, qualquer

gasto efetuado pelos cofres públicos deve estar vinculado a uma previsão de receita.

A receita pública pode ser definida, ainda na lição do eminente Aliomar

Baleeiro, como “a entrada que, integrando-se ao patrimônio público sem quaisquer

reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como

elemento novo e positivo”14

. A receita é, assim, o ingresso de divisas, em caráter

permanente, nos cofres públicos. Tal caráter de permanência se faz importante por haver

entradas provisórias no caixa público, como os depósitos exigidos pelo poder público

numa dada licitação, e que será devolvido ao licitante quando do adimplemento do

contrato.

14

ibidem p. 126.

19

As receitas, segundo disposto no artigo 11 da lei 4320/64, se dividem em dois

grupos, receitas correntes e receitas de capital. Receitas correntes são as receitas

tributárias, as receitas patrimoniais e as receitas transferidas.

Receitas tributárias são auferidas por meio do jus imperium estatal, através do

qual o ente público impõe ao particular o pagamento de alguma das modalidades de

tributos instituídas no sistema tributário nacional (artigos 145 a 162 do diploma

constitucional). As receitas patrimoniais são resultantes de alguma das modalidades de

cessão de bens públicos para uso por particular, e as geradas pela atividade empresária

por parte do Estado; e, por fim, as transferências correntes são recursos financeiros

auferidos por outros entes da Administração Pública e repassados ao Estado ou

Município.

As receitas de capital são aquelas decorrentes de operações de crédito, alienação

de bens, amortização de empréstimos e as transferências de capital. São conceitos

pertinentes às ciências contábeis que extrapolam a razão deste trabalho.

Na magistral lição de Regis Fernandes de Oliveira,

“as receitas correntes são constituídas de: a) tributos,

alcançando as contribuições, b) patrimoniais (agropecuária,

industrial, serviços e financeiros, recebidos de outras pessoas de

direito público ou privado, quando destinadas a atender as

despesas correntes). As de capital proveem da realização de

recursos financeiros oriundos de: a) dívidas; b) conversão em

espécie, de bens e direitos; c) recursos transferidos de outras

pessoas de direito público ou privado, destinados a atender

despesas de tal ordem”15

A atividade financeira possui caráter instrumental, ou seja, o Poder Público não

possui a finalidade de acumular riquezas ao perceber valores, mas sim, utiliza-las para

promoção do bem público. Dado o agigantamento das necessidades públicas, o Estado,

por meio dos representantes eleitos pelo povo, realiza uma escolha política das

necessidades em que se aplicar os recursos disponíveis e de que maneira, através de um

plano orçamentário.

15

OlLIVEIRA. Op. cit. p. 147.

20

3.2 Orçamento Público

O orçamento, na acepção clássica, é um conjunto de documentos que registra a

vida financeira do país, contendo a previsão de receitas e autorização das despesas por

um determinado período, sem mais preocupações com os planos governamentais e as

necessidades da coletividade. Era uma peça de caráter meramente contábil cuja função

era servir de transcrição do quadro comparativo entre receitas e despesas.

Esse conceito, contudo, sofreu alterações na mesma medida em que se altera o

entendimento sobre as funções do Estado. Quando o Estado deixa de ser absoluto -

momento em que bastava ao monarca instituir tributos e gastá-los a seu bel-prazer - o

Estado Liberal percebe, então, a necessidade de controle dos gastos públicos, sobretudo,

a partir do momento em que passa a ser exigida autorização do Parlamento para as

despesas por parte do Executivo. Com a falência do modelo liberal, seu sucessor, o

Estado Social, abandona o papel de mero espectador das relações entre os particulares

sustentadas na pretensa igualdade formal, e toma um papel ativo nas relações

econômicas, seja regulando-as, fiscalizando-as ou, mesmo, intervindo diretamente sobre

a economia. “O mercado corre livre, mas ao Estado impõe-se que deva planejar seu

crescimento”.16

O orçamento, então acompanha essa evolução, desde um mero instrumento de

caráter administrativo e contábil, a se transformar num instrumento de ação do ente

público, onde estarão assentados os programas, metas e objetivos do governo, por meio

dos quais se influirá sobre as ordens social e econômica do território. Em sua evolução,

o orçamento se converte num instrumento de proteção dos contribuintes à imposição

excessiva de tributos, bem como peça de fiscalização. Mas, sobretudo, a função mais

importante é a de dar forma e publicidade ao plano de governo dos representantes

eleitos. Surge assim o orçamento-programa, o orçamento como instrumento a definir a

orientação do governo, dado que

“Todo governo no poder tem necessariamente um plano de ação.

No Estado moderno, os partidos políticos opõem seus programas e

16

Ibidem. pág 333

21

suas concepções. Um governo não está no poder senão para

realizar o programa do partido político que o sustenta”. 17

.

A Carta Constitucional apresenta os objetivos a serem atingidos, as decisões

políticas e as ideologias determinam os destinos das receitas e despesas, e o orçamento

dá forma e substância, revestindo-se, após submissão ao Poder Legislativo, com o

manto da juridicidade.

Há, antes de mais, que assentar que, embora o orçamento seja instrumento pelo

qual os agentes políticos planejam e demonstram o plano de governo que pretendem

desenvolver, e, nesse interim, deve haver espaço para a discricionariedade dos agentes,

sem a qual a ideologia que sustenta sua atuação se vê esvaziada, deve-se atentar que

mesmo a esfera de planejamento dos governantes se vê afetada por normas de ordem

constitucional, vinculando, assim, sua atuação.

Sob outra óptica, o governante, quando da planificação e estabelecimento de

metas, imbui sua orientação política no documento orçamentário, seja direita ou

esquerda, seja moderada ou radical. Esse fenômeno se dá pela própria natureza do jogo

político, da alternância de poderes e das disputas partidárias. Contudo, a Lei Maior

estabeleceu, através da Constituinte, uma série de diretrizes a serem executadas pelos

representantes eleitos, as quais não podem ser descumpridas, tais como as transferências

aos Estados e Municípios e os valores mínimos de aplicação de verbas públicas na

Educação, constantes dos artigos 158 e 212 da Constituição, respectivamente. Em suma,

as normas constitucionais restringem o campo de atuação discricionária do

administrador, pouco importando a ideologia de que porventura seja partidário.

Não apenas a Constituição, mas normas infraconstitucionais também vêm, em

nome da moralidade administrativa e da eficiência, restringir a discricionariedade do

agente político, como é o caso da lei complementar nº 101/2000, denominada Lei de

Responsabilidade Fiscal, e que traz importantes disposições acerca do orçamento

público.

Hodiernamente, o orçamento, segundo ensina José Afonso da Silva, é

“o processo e o conjunto integrado e documentos pelos quais se

elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam

17

BALEEIRO. op. cit. pág 421

22

os planos e programas de obras, serviços e encargos

governamentais, com estimativa da receita e fixação das

despesas de cada exercício financeiro” 18

.

Segundo Regis Fernandes de Oliveira é “lei em sentido formal, que estabelece a

previsão de receitas e despesas, consolidando posição ideológica governamental, que

lhe imprime caráter pragmático”19.

Preliminarmente, o processo orçamentário foi previsto na Constituição,

aplicando-se o disposto à União, devendo, como norma constitucional, ser observado

pelos demais membros da federação, realizando cada qual as adaptações pertinentes a

sua organização. No exato ensinamento de José Afonso da Silva sobre o tema:

“respeitadas essas normas [constitucionais], incumbe-lhes [aos

Estados e Municípios] elaborar suas leis de diretrizes

orçamentárias, seus orçamentos e planos plurianuais, realizar

despesas e aplicar recursos como melhor lhes parecer, segundo

as necessidades de sua administração e população, mediante

planos e programas de desenvolvimento econômico e social”20

.

Consoante dispõe a Constituição, as leis orçamentárias são de iniciativa do

Chefe do Executivo, o qual propõe os projetos de plano plurianual, lei de diretrizes

orçamentárias e lei orçamentária anual, devendo as citadas leis observarem estreita

proximidade umas com as outras. De acordo com a sistemática constitucional vigente o

plano plurianual, por ser uma previsão ampla quadrienal, restringe a lei de diretrizes

orçamentárias, esta anual, que, por sua vez, restringe a lei orçamentária anual.

Compõem as propostas de leis orçamentárias, conforme artigo 22 da lei 4320/64,

a mensagem do chefe do Executivo, que se traduz numa exposição da situação

econômico-financeira do ente devidamente documentada, a demonstrar a dívida fundada

e flutuante, saldos de créditos, restos a pagar e outros compromissos financeiros, assim

como a exposição e explicação da política econômica adotada; o projeto de lei; e,

tabelas explicativas contendo a previsão de arrecadação e de aplicação das despesas,

bem como tabelas comparativas das receitas e despesas fixas e previstas no exercício

financeiro anterior, naquele em que elabora a proposta e no exercício a que se refere a

proposta.

18

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª Ed. rev. atual. São

Paulo. Malheiros Editores. 2002. pag 714 19

OLIVEIRA. op. cit. pág. 319 20

SILVA, op. cit. pag 602.

23

O plano plurianual define a estratégia de ação governamental – posto que se

destina a viger por quadriênio, ou seja, até as próximas eleições – dentro da política

econômica traçada, no que tange às receitas e despesas de capital, e as relativas aos

programas de duração continuada, ou seja, cuja execução ultrapasse um exercício

financeiro havendo renovação periódica da obrigação estatal (artigo 23 da lei 4320 c/c

artigo 165, §1º da CF/88). É de tal importância o orçamento plurianual que, por força do

§4º do artigo 165 da Constituição Federal, os planos e programas elaborados e mantidos

pelo ente público em questão devem estar em consonância com o plano plurianual.

A lei de diretrizes orçamentárias (artigo 165, §2 º, CF/88), balizando a aplicação

do disposto no plano plurianual, orientará a elaboração da lei orçamentária anual,

contendo as metas e prioridades da Administração Pública, inclusive ao trazer as

previsões de receitas e despesas de capital para o exercício financeiro subsequente,

estabelecendo a política de aplicação das agencias financeiras oficiais de fomento e, por

fim, as alterações na legislação tributária.

A lei de diretrizes orçamentárias, de acordo com o artigo 4º da lei complementar

nº 101/2000 - também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal - possui, ainda,

papel funcional de efetivar o equilíbrio financeiro, regulando, por meio de quadros

anexos o controle de custos e avaliação dos resultados dos programas do governo, bem

como dos riscos fiscais que porventura possam interferir na arrecadação do governo e as

medidas a serem tomadas caso se concretizem.

A lei orçamentária anual (artigo 165, §5º, CF/88), por sua vez, deverá conter o

orçamento fiscal – receitas e despesas da administração pública direta e indireta – o

orçamento de investimento das empresas controladas pelo poder público e o orçamento

da seguridade social, todos, em respeito ao princípio da unidade, numa única peça. É

esta a lei que será aplicada no exercício financeiro, que movimentará o erário público na

consecução dos fins do Estado e aplicação dos recursos auferidos por este último, na

realização das despesas e das receitas do caixa único do governo.

O período de vigência do orçamento anual é de um exercício financeiro, que, por

expressa disposição do artigo 34 da lei 4320/6421 22. – a qual foi recepcionada com

21

Art. 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil 22

Consoante Art. 35, ADCT, as leis orçamentárias possuem prazo constitucional para serem

encaminhadas pelo Presidente ao Congresso Nacional para apreciação. Neste ano de 2013, entretanto, ao

24

caráter de lei complementar pela Constituição Federal – coincide com o ano civil: de 01

de janeiro a 31 de dezembro.

Por fim, não é demais lembrar que as leis acima explicitadas devem guardar

correspondência umas em relação às outras, a lei orçamentária anual pressupõe a lei de

diretrizes orçamentárias, a qual está lastreada no plano plurianual. Cabe aqui, ainda,

salientar que todas as normas acima possuem o caráter legal, não cabendo expedição de

medida provisória em termos financeiros, ressalvado caso de abertura de crédito

extraordinário para atender a situação emergencial e imprevista, como eclosão de uma

guerra ou comoção interna (artigo 62, §1º, I c/c artigo 167, §3º, ambos da CF/88).

Como normas legais, seguem o procedimento legislativo ordinário de apreciação

pelo órgão legislativo competente, podendo receber emendas, desde que as alterações

sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, e

indiquem os recursos necessários à realização das despesas provenientes da alteração,

rejeição, sanção ou veto presidencial e promulgação. É um documento político,

econômico e contábil revestido da forma legal, e, portanto, submetido a todas as

formalidades pertinentes e que não sejam incompatíveis com o disposto nos artigos 165

a 169 da Constituição, bem como outras normas financeiras dispersas pelo texto

constitucional, como o artigo 29-A, sobretudo os limites tangentes às despesas de

pessoal.

3.3 Do Precatório

Como restou assentado, através de um processo legislativo o ente público

estadual elabora as normas orçamentárias que seguirá para levar a cabo a atividade

financeira que lhe cabe. Dentre essas normas, a lei orçamentária anual é mais próxima

da vida financeira dos Estados e também do cidadão, justamente por conter a previsão

de receitas e de despesas do exercício financeiro imediato.

arrepio das normas constitucionais, o orçamento federal foi aprovado em 04 abril de 2013, ou seja, o

orçamento anual foi aprovado para o exercício financeiro já em vigor.

25

Dentre as questões financeiras estatais, há uma em especial que nos interessa,

relativa à despesa pública que não tange ao programa governamental, mas sim à dívida

existente entre o Poder Público e o particular: o precatório.

Na definição de Régis Fernandes de Oliveira

“precatório ou ofício precatório é a solicitação que o juiz da

execução faz ao presidente do tribunal respectivo para que ele

requisite verba necessária ao pagamento de credor de pessoa

jurídica de direito público, em face de decisão judicial transitada

em julgado”23

.

Até a primeira metade do século XIX vigia o brocardo “le roi ne peut mal faire”,

pelo qual o príncipe e, consequentemente o Estado, não poderia ser responsabilizado

pelos danos causados aos particulares quando no desempenho da função pública.

Gradativamente, como decantado do Estado de Direito, essa concepção foi se alterando,

culminando na teoria publicista da responsabilidade pública, na qual, ao contrário das

relações particulares em que, em regra, deve-se provar a culpa ou dolo do agente para a

realização do dano, o ente estatal será responsabilizado independente da demonstração

de dolo por parte da maquina pública para a produção de lesão a direito de terceiros.

Dessa forma o Estado passa a estar submetido às regras jurídicas que ele próprio criou,

podendo ser, inclusive, condenado e executado em sede judicial. No Brasil, para a

realização do direito do credor em face ao Estado, criou-se o precatório.

Segundo ensina Vladimir de Souza Carvalho24, o precatório surgiu no

ordenamento pátrio ainda no Brasil Império, por meio de construção jurisprudencial em

que, diante da sucumbência da Fazenda Pública Municipal e da impenhorabilidade de

seus bens, por força do Decreto n.º 9.549 de 23 de janeiro de 1886, expediu o

magistrado ofício à Câmara Municipal condenada para a penhora de valores na

Secretaria da Fazenda de uma Câmara Municipal, e, apenas na Constituição de 1934,

em seu artigo 182, é que foi o instituto alçado ao patamar constitucional. Através de um

longo caminho, marcado pela confusão terminológica, o precatório ou ofício precatório

consolidou-se como instituto constitucional, servindo de garantia ao administrado em

face do Poder Público.

23

OlLIVEIRA. Idem. pág. 579 24

CARVALHO, Vladimir Souza. Introdução ao Estudo do Precatório. Revista de informação

legislativa, v.19, nº 76, p. 325-364, out./dez. de 1982. Disponível em

<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181396> pág 325

26

Precatório advém do termo latino precatorius que significa rogar, pedir,

requisitar. É nesse ultimo sentido que o precatório se manifesta, posto que é um

requerimento emitido pelo Presidente do Tribunal no qual correu a demanda que

constituiu o débito da Administração Pública. Ainda segundo o autor aludido

“o precatório existe porque a Fazenda Pública foi parte e foi

vencida. Se seus bens fossem penhoráveis como os bens do

particular, atendendo-se as exceções legais, não haveria

necessidade do precatório. Não sendo penhoráveis, cria-se o

precatório”25

:

e continua

“Em primeiro lugar porque não tem sentido que o Estado

exproprie seus próprios bens para atender execuções que lhe são

movidas, em segundo lugar para que os pagamentos devidos

pela Fazenda Pública devem ser rigorosamente ordenados e

controlados, a fim de evitar mal maior, e que viessem os bens

públicos a ser afetados por interesse particular (...)” 26

.

Ambas as regras, tanto a impenhorabilidade dos bens públicos quanto o

pagamento de débitos da Administração Pública por meio de precatórios se

consolidaram no tempo, restando cristalizadas no ordenamento vigente, por meio dos

dispositivos 98 e ss. do Código Civil e 100 da Constituição Federal de 1988.

Dessa feita, o particular, entendendo-se lesado em seu patrimônio jurídico em

razão de atuação estatal, postula em juízo demanda indenizatória em face da Fazenda

Pública – entendida aqui a federal, estadual, distrital ou municipal – demanda essa que

seguindo os ritos e disposições legais aplicáveis ao caso concreto, resultará, ao fim, na

prolação de sentença, ato final do módulo processual, que, caso se enquadre como

sentença satisfativa, atribuirá razão a uma das partes, ocasião em que pode vir a

condenar a Fazenda à obrigação de indenizar o administrado lesado.

Contudo, o ente público recebeu tratamento diferenciado por parte do

ordenamento, sendo exigido, de acordo com o artigo 475 do Código de Processo Civil,

o reexame necessário da demanda desfavorável à Fazenda Pública por parte do órgão

judicial de segunda instância, independente de apelação. Uma vez confirmada a decisão

25

CARVALHO, Vladimir Souza. Introdução ao Estudo do Precatório. Revista de informação

legislativa, v.19, nº 76, p. 325-364, out./dez. de 1982. Disponível em

<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181396> pág 338

26

CARVALHO, Vladimir. op. cit. pág. 338

27

judicial e transitada em julgado a sentença condenatória será esta submetida à

liquidação, formando o título executivo judicial. De posse disso, o magistrado que

conheceu/decidiu a causa, remete ofício ao Presidente do Tribunal solicitando a este

último que proceda requisição ao Poder Executivo para inclusão de seu crédito na

despesa orçamentária.

Nas precisas palavras de Régis Fernandes de Oliveira

“Quando alguém entende ter um direito perante o Poder Público e

– estando exauridas as vias administrativas para seu

reconhecimento e satisfação – ingressa no Poder Judiciário com a

necessária ação, uma vez resolvida esta e condenada a Fazenda

Pública, o mecanismo de satisfação do crédito é o precatório.

Liquidada a condenação e apurado seu quantum, o juiz expede

ofício ao presidente do tribunal, comunicando o seu montante e

solicitando a ele que requisite a quantia necessária ao pagamento

de seu crédito”27

.

Ressalte-se, aqui que Administração Pública, nesta senda, se refere não apenas à

Administração Direta, os entes políticos e seus órgãos, mas também a figuras da

Administração Indireta, a saber, as autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou

sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos. As empresas públicas e

sociedade de economia mista exploradoras de atividade econômica, doutro lado, por

competirem em regime de igualdade com as empresas privadas, conforme disposto no

artigo 173,§2º da Constituição Federal, não podem gozar de benefícios não extensíveis à

iniciativa privada, e, por conseguinte, encontram-se excluídas do âmbito de

Administração Pública no que tange aos precatórios.

Vislumbra-se, assim, que o precatório é ordem de pagamento emitida pelo

Presidente do Tribunal do juízo que condenou a fazenda pública, lastreada essa ordem

em sentença judicial executória transitado em julgado.

27

OLIVEIRA, op. cit. pág 580

28

3.3.1 A sistemática dos precatórios

Dispunha a Constituição Federal de 1988, promulgada em 05 de outubro de

1988, em sua redação original, a divisão dos precatórios pelo critério da natureza do

crédito, existindo assim o precatório de natureza alimentar e o precatório não alimentar,

bem como sua forma de pagamento:

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza

alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda

Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença

judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem

cronológica de apresentação dos precatórios e à conta

dos créditos respectivos, proibida a designação de casos

ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos

adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das

entidades de direito público, de verba necessária ao

pagamento de seus débitos constantes de precatórios

judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que

terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento

até o final do exercício seguinte.

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos

serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as

importâncias respectivas à repartição competente,

cabendo ao Presidente do tribunal que proferir a decisão

exeqüenda determinar o pagamento, segundo as

possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento

do credor e exclusivamente para o caso de preterimento

de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia

necessária à satisfação do débito.

Depreende-se do dispositivo que a Constituição estabeleceu, em nome dos

princípios da moralidade28

e da impessoalidade29

, uma ordem cronológica para

pagamento dos créditos, sendo vedada a designação de pessoas ou de casos específicos.

O adimplemento da obrigação se programava de acordo com a ordem de chegada das

requisições às mãos do Poder Público. Ainda no tocante à ordem cronológica, aqueles

apresentados até 1º de julho deveriam ser incluídos na Lei de Diretrizes Orçamentárias e

Orçamento Anual a ser aprovado para exercício financeiro seguinte; aqueles créditos

28

“a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implica

violação ao próprio Direito [...] que sujeita a aconduta viciada à invalidação[...]” MELLO, Celso Antônio

Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. rev. atual. São Paulo. Malheiros Editores. 2010,

pág 119.

29‘[no pricícpio da impessoalidade] se traduz a idéia de que a Administração tem que tatar a todos os

administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas”. MELLO, ibidem, pág 115.

29

apresentados do dia 02 de julho até 1º de julho do ano seguinte deveriam ser inclusos

para pagamento até 30 de dezembro do exercício financeiro subsequente ao da

apresentação. A esse respeito, Fredie Diddier leciona que

“por exemplo, o precatório inscrito até 1º de julho de 2009, deverá

o correlato valor ser pago até o dia 31 de dezembro de 2010. Caso

o precatório somente seja inscrito após o dia 1º de julho de 2009,

haverá a perda de um exercício financeiro, devendo ser incluído no

orçamento seguinte para ser pago até o dia 31 de dezembro de

2011 (CF/88, art. 100, §1º).”30

:

As dotações orçamentárias destinadas ao pagamento de precatórios deveriam ser

entregues diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal, o

magistrado que realizou a requisição de verbas, determinar o pagamento do crédito,

tendo o credor direito à atualização monetária devida até o primeiro dia de julho do ano

em que foi inclusa a despesa no orçamento público. Esta última medida visa compensar

a perda do valor da moeda, evitando, assim a corrosão do crédito a que se faz jus. Em

caso de desrespeito à ordem cronológica, estabelecia a norma constitucional, ainda,

mecanismo segundo o qual o credor preterido requeresse o sequestro da quantia que lhe

era devida ao presidente do tribunal, posto ser atribuição deste último realizar o

pagamento dos créditos.

Os créditos de natureza alimentar, ao revés, dado seu caráter especial de serem

valores imprescindíveis à sobrevivência do credor, não se submeteriam à ordem

cronológica de apresentação, tendo preferência em seu pagamento e submetendo-se à

ordem cronológica própria31

.

Embora a redação original bem como as emendas efetuadas posteriormente

tampouco o faça, necessária consideração se faz acerca, haja vista tratar-se de execução,

de juros moratórios. Os juros moratórios constituem desestímulo ao inadimplemento da

obrigação através da incidência de juros sobre o montante devido a partir da mora do

devedor, ou seja, do inadimplemento da obrigação ficada em tempo hábil. Regra geral

contida no artigo 219 do Código de Processo Civil os juros moratórios são devidos

30

DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. Salvador. Editora JusPodivm. 2009.

pág 710

31

STF, Súmula 655 : "A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de

natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da

ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”.

30

desde a citação da parte, entretanto, como vêm entendendo a jurisprudência32

, os juros

moratórios, quando da Fazenda Pública em juízo, são devidos quando do atraso no

pagamento do precatório, ou seja, vencido o respectivo exercício financeiro com

adimplemento da obrigação. Nesse caso, dado que não se pode acrescer valor a

precatório já expedido, o credor deve apresentar em juízo, petição simples, visto que o

processo de execução já se constituiu, demonstrando o valor devido a título de juros,

para a expedição de precatório complementar, ou, como também restou conhecido,

precatório de precatório.

Por fim, a redação constitucional original previa no artigo 33 dos Atos das

Disposições Constitucionais Transitórias, que os valores devidos pelas Fazendas

Públicas de quaisquer dos entes da federação a título de precatórios deveriam ser

adimplidos no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, podendo ser

pagos em moeda corrente, em prestações anuais, iguais e sucessivas aplicada

atualização monetária, ou, ainda, poderiam ser pagos através de títulos da dívida pública

relativos à esfera político-administrativa devedora, respeitado o prazo supra. Em

qualquer dos casos, o pagamento se dará conforme decisão do Poder Executivo, que

deveria ser publicada até cento e oitenta dias após a promulgação da Constituição.

3.3.2 A Emenda Constitucional nº 30/2000

As disposições originais tocantes ao regime de precatórios foram, no ano de

2000, alteradas pela Emenda Constitucional de nº 30, de 13 de setembro, o qual deu

nova redação aos parágrafos do artigo 100, alterando, assim, o regime dos precatórios,

bem como incluiu o artigo 78 ao ADCT:

“Art. 100. ...............

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito

público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de

sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários,

apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do

32

RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.345 - RS (2008/0220526-9) de relatoria do Min. Benedito Gonçalves;

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 960.026 - SC (2007/0134345-9), de relatoria do Min. Mauro

Campbel Marques

31

exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados

monetariamente.

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles

decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas

complementações, benefícios previdenciários e indenizações por

morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de

sentença transitada em julgado.

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão

consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente

do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento

segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do

credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de

precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de

precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em

lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital

ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em

julgado.

§ 4º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º

deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de

direito público.

"§ 5º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou

omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório

incorrerá em crime de responsabilidade."

“Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno

valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações

e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou

depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de

promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais

ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor

real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações

anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a

cessão dos créditos.

§ 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor.

§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se

não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder

liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

§ 3º O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois

anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação

de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à

época da imissão na posse.

§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou

em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de

precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o

seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à

satisfação da prestação”.

A primeira inovação operada pela a EC n.º 30/2000 foi quanto à definição dos

créditos considerados de natureza alimentar (§1º-A do art.100); tratando, em seguida, da

atualização monetária do débito, que deixou de ser em 01 de julho, passando a se dar

quando do efetivo pagamento do crédito, de modo a conservar o valor real do crédito.

Em seguida, cria-se uma nova categoria de precatórios, os de pequeno valor, deixando a

cargo de lei complementar a regular matéria de direito financeiro, estabelecer o

montante considerado de pequeno valor, estabelecido, posteriormente, pela Emenda

32

Constitucional de nº 37, de 12 de junho de 2002, que, até a promulgação por parte de

cada Estado, o valor de 40 salários mínimos para as dívidas destes últimos. Para a

União, não havendo disposição em contrário, os precatórios de pequeno valor se

enquadram dentro do estabelecido pelo art. 3º da lei 10.259/2001.

Por outro lado, ampliou se a Constituição Federal em sua redação original, que

previu o parcelamento dos débitos já existentes em até oito anos por força do artigo 33

do ADCT, vendo o credor a inadimplência do Poder Público ganhar sobrevida de mais

dez anos, devido ao artigo 78 acrescido pela emenda supra. Regra esta válida não

apenas para aqueles que possuem precatórios pendentes até a data de promulgação da

emenda, mas também para as ações ajuizadas contra o poder público até 31 de

dezembro de 1999.

Foram ajuizadas, pelo Conselho Federal da OAB e pela Confederação Nacional

da Indústria em face da aludida emenda, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade

2.356-DF e 2.362-DF, ambas atacando o artigo 2º da EC n.º 30/2000, o qual acrescenta

o artigo 78 ao ADCT, sob o argumento de violação de cláusula pétrea (artigo 60, §4º da

CF/88), bem como representar o dispositivo grave afronta à coisa julgada, ao ato

jurídico perfeito e ao direito adquirido.

A nova redação, ou melhor, a Emenda supra representa uma ruptura no sistema

de precatórios instituído pela redação original da Carta Política. É cediço que uma

constituição, quando promulgada, é exercício do poder constituinte originário, e, como

tal, não está sujeito a quaisquer limites a sua atuação; a Constituição cria um novo

sistema jurídico em seu âmbito espacial de aplicação, funcionando, mesmo, como seu

alicerce, e revogando tudo aquilo que com ela for incompatível. Contudo, a

Constituição Federal brasileira trouxe em seu bojo mecanismos de revisão e

modificação constitucional, com vista à adaptação, e mesmo, ampliação do texto para

melhor se adequar aos valores sociais.

Entretanto, há que se ressaltar que o legislador, ao alterar o texto constitucional,

exerce o denominado poder constituinte reformador e, dessa forma, deve observar

limites à sua atuação, estabelecido pela própria Constituição, sob pena de ver eivadas de

inconstitucionalidade as emendas apresentadas. A Magna Carta vigente assentou, no §4º

de seu artigo 60, as denominadas cláusulas pétreas, princípios basilares da própria

federação brasileira, não podendo esses princípios serem violados ou abolidos nem

33

mesmo pelo constituinte derivado. Oportunas as palavras de Regis Fernandes de

Oliveira sobre a Emenda em tela:

“caso a reforma seja tão profunda, a ponto de deformar ou

descaracterizar a essência da lei que lhe dá a competência

reformadora, borrando horizontes materiais, circunstanciais e

temporais, o constituinte estabelecido deverá ter um poder

próprio do legislador original” 33

A Emenda fere, a um só tempo, o princípio da separação dos poderes, a

isonomia, a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

Viola a separação dos poderes na medida em que esvazia o Poder Judiciário de

grande parcela de sua atuação, porquanto à função jurisdicional incumbe a resolução de

conflitos através da aplicação das normas gerais ao caso concreto, não possuindo tal

atribuição razão de ser caso esteja desprovida de meios para executar, fazer respeitar

suas decisões. Como entendido pela Ministra Rosa Weber34

, no novo texto

constitucional, o poder reformador interfere na efetividade da jurisdição ao restringir a

aplicação da coisa julgada e, portanto, já decidida pelos órgãos jurisdicionais e

transitada em julgado – ou seja, causa regularmente decidida pelos órgãos para tanto

competentes, não cabendo mais vias de questionamento – dado que a emenda protela o

pagamento das dívidas já inscritas, permitindo, mesmo, que o poder público parcele de

per si dívidas cujo reconhecimento, liquidação e forma de pagamento fora de

competência do Poder Judiciário.

No tocante às garantias fundamentais, a emenda vem violar o direito adquirido

do administrado. Posto que o Poder Judiciário reconheceu a existência do crédito, uma

vez transitada em julgado a decisão, adquiriu o jurisdicionado o direito a obter os

valores que lhe são devidos. Contudo, sobrevém emenda constitucional já quase ao fim

do período estipulado pelo constituinte originário, e amplia o calote em mais dez anos!

“Após anos de luta, com uma situação jurídica absolutamente resolvida e um direito que

deixou de ser uma expectativa desde o trânsito em julgado da decisão que lhe concedeu

a ordem de pagamento, o credor comum surpreende-se com a reviravolta legal”35

,

33

OLIVEIRA. op. cit. p. 509. 34

Informação oral, 5ª sessão extraordinária do STF no ano de 2013, julgamento das ADIs 4357-DF e

4425-DF, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=UYPbBJG2mSY 35

OLIVEIRA, op. cit. pág 509

34

reviravolta de tal magnitude que chega a violentar parâmetros basilares do sistema

jurídico, inscrito no inciso XXXVI do artigo 5º da Carta Constitucional.

O mesmo sistema que protelou o lapso temporal para o adimplemento dos

créditos perante o poder público veio a agredir, ainda, o denominado ato jurídico

perfeito, definido como “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se

efetuou” (§1º do artigo 6º do Decreto-lei 4.657/42), ou, em outras palavras, o ato

jurídico que, a época dos fatos, encontrava-se em inteira conformidade com o

ordenamento vigente. Vislumbra-se que o ato jurídico, consubstanciado na sentença

civil condenatória e a requisição ao Poder Executivo para inclusão da despesa no

orçamento estavam – e ainda estão – em conformidade com o disposto no Código de

Processo Civil e na Constituição Federal e, portanto, são atos jurídicos perfeitos, muito

embora a redação da emenda venha a postergar a realização do direito já conquistado.

Por fim, resta salientar que a aludida emenda nº 30 criou sistema de

diferenciação entre aqueles que detenham créditos de caráter não alimentar em face do

poder público, ao dispor que os precatórios pendentes à data da promulgação da

emenda, bem como aqueles cujo processo ou módulo executivo se iniciem até 31 de

dezembro de 1999 devem ser liquidados pelo seu valor real e em moeda corrente,

incluídos os juros legais, em prestações iguais, sucessivas e anuais, pelo prazo máximo

de dez anos, ao passo que os precatórios de natureza alimentar, os de pequeno valor,

aqueles devidos quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 e seus

complementos, devem ser pagos de modo integral e atualizado.

A respeito do calote, memorável manifestação de Régis Fernandes de Oliveira

“Muitos precatórios que não foram pagos no

escalonamento de dívidas feito pelo art. 33 do

ADCT, passaram pela EC 30 (tempo em que foi

promulgada também a EC 62/2009) e até agora não

foram quitados. Não foram pagos nem aqueles

precatórios, nem parte dos emitidos na década

retrasada”36.

As ADIs 2.356-DF e 2.362-DF, até o presente momento, passaram apenas por

julgamento conjunto de decisão liminar, em sessão plenária ocorrida em 25 de

novembro de 2010, a qual suspendeu os efeitos do artigo 2º da emenda em questão, e,

36

Ibdem. Ibdem p. 600

35

por conseguinte, suspendendo a eficácia do artigo 78 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias.

Restou, entretanto, o objeto das ações de inconstitucionalidade acima referidas

prejudicado, dada a aprovação, por parte do Congresso Nacional, da Emenda

Constitucional de n.º 62, de 09 de dezembro de 2009, que traz novo regramento ao

regime dos precatórios.

3.3.3 A Emenda Constitucional nº 62/2009

O constituinte reformador, ao vislumbrar o fim do calote engendrado pela EC nº

30/2000 sem, contudo, honrar com as dívidas assumidas, vem a promulgar nova emenda

constitucional a modificar o regime de precatórios ainda antes de solucionado o

impasse. Observa-se, contudo, não contribuiu a EC nº 62/2009 a resolver, em definitivo,

a questão dos precatórios, ao revés, veio a deturpar ainda mais um regime já falho. Não

por outro motivo restou conhecida tanto em meios jurídicos quanto jornalísticos como

“emenda do calote”.

A Emenda, por meio de seu artigo 1º alterou a redação do §2º de artigo 100 da

Constituição Federal, instituindo preferência para pagamento, sobre todos os outros dos

precatórios alimentares devidos aos credores que tivessem sessenta anos ou mais

quando da data de expedição do ofício ao Poder Executivo, ou que fossem portadores de

grave enfermidade; contudo tal benesse não poderia ultrapassar o triplo dos valores

fixados como débitos de pequeno valor. Em resumo, da quantia devida pelos Estados ao

credor idoso ou portador de moléstia grave, dividir-se-á em duas partes: uma até 120

salários mínimos a ser paga de imediato e, caso ainda reste dívida, o restante entrará

para ordem dos precatórios alimentícios estabelecida pela data de apresentação (art.

100, §§2º e 3º, CF/88 c\c art. 87, ADCT).

Ainda no tocante ao artigo 100 da Lei Maior, a Emenda criou novas formas de

extinção do crédito devido ao particular, quais sejam: a compensação dos créditos

devidos reciprocamente (§§9º e 10), a compra de imóveis alienados pela Fazenda

Pública em questão (§11), cessão total ou parcial do crédito a terceiro, que, neste caso,

36

perderá qualquer preferência, sendo exigida, apenas, comunicação ao Tribunal que

expediu o ofício e à entidade pública devedora (§§13 e 14), e a assunção débitos dos

Estados e Municípios pela União através de refinanciamento (§16).

Por fim, antes de outras considerações, há que se notar o ignominioso §15 e seu

reflexo artigo 97 do ADCT, acrescidos pela Emenda, que prescrevem regime especial

para o pagamento dos precatórios relativos aos dispositivos 33 e 78 do ADCT, ou seja,

dos precatórios já devidos à época da constituinte e daqueles postergados pelo

legislador por meio da EC nº 30. Já se aludiu anteriormente à inconstitucionalidade do

artigo 78 ao violar a isonomia de tratamento entre os credores, tendo a nova redação não

apenas reincidido na violação, como ainda a agravado.

Consoante o artigo 97 do ADCT, os Estados, Distrito Federal e Municípios

deveriam abrir uma conta especial criada exclusivamente peara o pagamento de

precatórios, na qual seriam depositados mensalmente, 1/12 (um doze avos) do valor

percentual aplicado sobre as receitas líquidas dos entes da administração direta e

indireta, considerado o segundo mês anterior àquele em que se realiza o depósito. Os

percentuais estão contidos nos incisos do §2º do mesmo dispositivo, estando a

delimitação das rendas a serem incluídas para efeitos do valor a ser depositado contida

no §3º. Tais contas, por força do §4º, seriam administradas pelos Tribunais de Justiça

dos Estados, não podendo retornarem seus valores às contas originais.

Já o §6º prevê que dos montantes das contas, no mínimo 50% será destinado ao

pagamento dos precatórios pelo sistema normal, sendo o restante, por força do §8º,

destinado ao pagamento de precatórios por meio de leilão. Os leilões de precatórios

estão regulados pelo §9º e se assenta no deságio sobre o valor devido, ou seja, o credor

competirá com outros pelo pagamento de uma pequena parte do direito que lhe foi

assegurado com o trânsito em julgado da sentença condenatória, reduzindo, a cada lance

o valor a receber. A propósito deste leilão pronunciou-se o eminente Min. Marco

Aurélio em seu voto no julgamento da ADI 4357:

“E aí o leilão terá a tônica: quem dá o maior

abatimento no credito estampado em título executivo

judicial, este seria satisfeito, Sr Presidente. Podemos

fechar os olhos diante dessa aberração

constitucional? A meu ver não, Presidente, a meu ver

100% da receita comprometida devem ser destinados

37

à liquidação dos precatórios (..) na ordem cronológica

em que esses precatórios surgiram (...)”37.

Com efeito, o instituto do leilão de precatórios é condenável, na medida em que

o poder público tinha ciência da dívida, bem como do dever de honrá-la; inclusive,

leciona Régis Fernandes de Oliveira que

“quando do advento da Constituição de 1988

poderiam ter pedido autorização do Senado da

República para emitir títulos da dívida pública para a

quitação dos precatórios, de duas uma: a) ou o

fizeram e deveriam ter quitado todas as dívidas e são

responsáveis criminais e civis pelo desvio de verbas;

ou b) não postularam a emissão de títulos e, pois, são

incompetentes e sujeitam-se, por omissão, à

responsabilidade política.”38.

Com efeito, a redação original da Constituição dava aos entes públicos a escolha

de emitir anualmente títulos da dívida pública no exato montante dos débitos, medida

que permitira aos particulares negociarem os títulos e obterem os valores, ainda que não

integrais, posto que transacionados no mercado e, portanto, sujeito às leis da oferta e da

procura, como também aguardarem o momento de vencimento e regatarem o valor

devido.

Contra a emenda em tela foram ajuizadas as ADI 4357-DF, 4372-DF, 4400-DF e

4425-DF, de relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, as quais foram julgadas em conjunto

na 5ª sessão extraordinária do Supremo Tribunal Federal no ano de 2013, ocorrida nos

dias 13 e 14 de março de 2013, concluindo o Tribunal por ser parcialmente

inconstitucional.

Inicialmente as entidades judicantes alegaram vício formal da emenda, posto

que, como emenda constitucional, deve respeitar os ditames do artigo 60, §2º da

Constituição Federal, ou seja, apreciação em dois turnos do projeto, em cada casa

legislativa e necessitando o quórum mínimo de três quintos dos representantes de cada

câmara para sua aprovação. Alegaram as entidades judicantes que a apreciação deu-se,

no Senado Federal, em dois turnos, sim, mas seguidos, não havendo lapso temporal

razoável entre elas, o que levaria à conclusão de violação da disposição constitucional,

37

Informação oral, 5ª sessão extraordinária do STF no ano de 2013, julgamento das ADIs 4357-DF e

4425-DF, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=UYPbBJG2mSY. 38

OLIVEIRA. op. cit. pág 608

38

entendimento este rejeitado pela maioria dos Ministros, reputando, assim, regular a

aprovação da medida em termos formais.

No plano material, decidiu o Pleno pela inconstitucionalidade parcial dos §§ 2º e

12 do artigo 100 da Constituição, com a nova redação, pela total inconstitucionalidade

de seus §§ 9º, 10, 15, bem como do artigo 97 do ADCT.

Entendeu o Tribunal que §2º fere o princípio da isonomia quando prescreve que

aqueles que possuíssem créditos alimentares gozariam de preferência sobre todos os

demais, desde que possuíssem sessenta anos ou mais quando da data de expedição do

precatório. Essa limitação de preferência – dentro já de outro regime de preferência –

deveria ser estendido todos aqueles que completassem sessenta anos durante o lapso

temporal em que esperam o pagamento de seu direito; entendimento contrário

culminaria em credor idoso que, contando com sessenta anos antes da expedição do

precatório ter dispensado tratamento diverso dos demais credores também idosos que

obtiveram reconhecimento de seu direito sob a vigência das redações original e de 2000.

Na apreciação do §12, o Pleno decidiu pela inconstitucionalidade do modus pelo

qual se daria a atualização monetária das importâncias devidas, por meio do índice de

remuneração da caderneta de poupança, por entenderem não ser este índice suficiente

para a manutenção do real valor da moeda, e, dessa forma, o particular ofendido, após

anos, receberia uma quantia irrisória em comparação ao dano sofrido.

Os §§9º e 10, por instituírem uma prerrogativa deveras desigual à Fazenda

Pública em relação ao particular foram declarados inconstitucionais. Os dispositivos

previam um regime de compensação obrigatória, no qual, antes de expedido o ofício

precatório, deveria o ente público ser oficiado para que apresente ao Tribunal os débitos

que o particular porventura possua perante a Administração Pública para que se opere a

compensação.

Por fim, o §15 restou declarado inconstitucional, ferindo de morte o art. 97 do

ADCT, que regulava o regime especial de pagamento dos precatórios devidos por

Estados e Municípios quando da promulgação da EC n.º62/2009. O aludido parágrafo

subverte completamente o sistema de precatórios ao excepcionar a ordem cronológica e,

ainda, confere tratamento privilegiado aos entes devedores permitindo que estes livrem-

se de suas dividas através de um cruel sistema de leilão, violando o ato jurídico perfeito,

39

a coisa julgada, o direito adquirido, em nome da inadimplência do setro público

brasileiro.

Ademais, o Artigo 97 do ADCT, que regulava o regime especial de pagamento

de precatórios dos Estados e Municípios ampliava o prazo de pagamento dos débitos já

existentes, “inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime especial”,

para quinze anos a contar da vigência da emenda, período em que se aplicaria o sistema

especial de depósitos mensais até que o valor dos precatórios ainda restantes se tornasse

menor que o saldo constante da conta. Em suma, o regime especial se prolongaria pelo

prazo de 15 anos ou até total cumprimento dos precatórios submetidos ao ele. Ora, não

pode um sistema especial e transitório se aplicar aos débitos que ainda serão contraídos

por efeito de ordem judicial, sob pena de se tornar um sistema permanente.

Afirma o Min. Luiz Fux em sua análise acerca do artigo transitório acima,

afirma que o sistema especial prevê o depósito de um doze avos não sobre as receitas

líquidas, tampouco sobre o montante devido a título de precatórios, mas sim, em cima

do resultado do percentual disposto nos incisos do §2º, depósitos ínfimos, os quais

seriam ainda divididos entre pagamento pela ordem cronológica e por meio de leilão,

concluindo que

“como se observa, os valores a serem depositados em conta

especial pelos Estados, Municípios e Distrito Federal para

fins de pagamento de precatórios em nada se relacionam com

os valores efetivamente acumulados em precatórios. A base

de cálculo do montante a ser depositado é uma fração de um

doze avos de um percentual de um a dois por cento da receita

corrente líquida dos entes devedores e não do seu saldo

devido inscrito em precatórios. Ora se o depósito para fins de

pagamento não se relaciona com o estoque de precatórios

acumulado, como é que nós podemos afirmar que a opção

pelo regime durará apenas 12 anos?”39

Dessa forma, exposto que o regime especial teria por finalidade protrair-se no

tempo, tomando o lugar do regime geral estabelecido no artigo 100 do texto

constitucional permanente, especialmente por meio da inclusão dos débitos que se

constituírem durante o prazo de vigência, o estoque de precatórios será constantemente

renovado. Com base nesse entendimento, bem como na própria ofensa à isonomia ao se

incluir os débitos já vencidos mas não pagos, muitos oriundos desde a promulgação da

39

BEZERRA, Márcia Mônica de Souza. Abuso Sexual Infantil – Crianças x Abuso Sexual, p. 04.

40

Constituição vigente, com os débitos que ainda serão expedidos, o Supremo julgou pela

inconstitucionalidade do regime especial de pagamento de precatórios, fulminando os

dois dispositivos em análise.

Uma vez posta o atual panorama do regime de precatórios, oportuno passa-se ao

desenvolvimento do instituto da intervenção federal.

41

4 Aspectos gerais da Intervenção Federal

4.1 Considerações iniciais

A Federação é a forma de organização do Estado Brasileiro, sendo que, como já

se aludiu, consiste em princípio basilar do ordenamento jurídico em vigor.

Posto que um Estado Federal seja criado através da união indissolúvel de entes

políticos autônomos num único corpo político, se vive num conflito entre forças

desagregadoras, na luta dos Estados pela autonomia e defesa de seus interesses

regionais, de um lado, e forças centralizadoras, cujo objetivo é manter e reforçar o

princípio federativo, de outro. A Federação, assim, desenvolve, como própria questão de

sobrevivência, mecanismos para manutenção do vínculo, desde o controle das

respectivas competências, resolução judicial das lides entre Estados e União, até, em

último caso, a vis compulsiva, traduzida na intervenção do poder central nos entes

federados.

É cediço que o regime federativo não comporta a secessão de seus membros.

Nos dizeres de Ricardo Lewandowski

“A secessão de qualquer das unidades federadas coloca em

xeque a sobrevivência do ente coletivo, porquanto vulnera

a própria razão de ser da federação, que é precisamente a

conjugação dos recursos pertencentes aos associados, sem

prejuízo da manutenção de suas particularidades.40.

Contudo, a secessão é apenas uma figura no amplo rol das vicissitudes pelas

quais passa a existência de um Estado. Dentro de uma associação os Estados, por suas

ações ou mesmo omissões, podem vir a comprometer a estabilidade do ente coletivo, ou

mesmo, apresentarem-se causas externas, como, v. g., a eclosão de uma guerra. A figura

da Intervenção Federal é, destarte, corolário da própria forma federativa.

Neste diapasão, de um lado, a federação é regida pelo princípio da autonomia de

seus membros a partir da distribuição constitucional de atribuições, e qualquer ato em

sentido diverso atenta contra a própria associação; de outro, a própria constituição cria

40

LEWANDOWSKI, op. cit. pag 35

42

meios para se debelar qualquer ato com potencial de trazer grave instabilidade à

existência da federação.

O ordenamento jurídico vigente conhece duas formas de intervenção: a

Intervenção Federal, em que a União intervém nos Estados ou no Distrito Federal; e a

intervenção Estadual, em que os Estados intervêm nos Municípios que pertencem a seus

territórios. Esta última forma é proibida ao Distrito Federal, posto a vedação de sua

divisão em Municípios pelo artigo 32, caput, da CF/88.

É vedado à União intervir diretamente nos Municípios, por cima das atribuições

dos Estados, excetuados casos de intervenção em Municípios integrantes de Territórios

Federais, hipótese hoje superada, posto já não haver Territórios Federais, quer por sua

conversão em Estados, quer por sua incorporação a outro Estado.

4.2. A Intervenção

Leciona Ricardo Lewandowski que “a intervenção constitui, pois, uma invasão

da esfera de competências reservada às unidades federadas, pelo governo central, em

caráter temporário e excepcional, para ‘assegurar o grau de uniformidade indispensável

à sobrevivência da Federação’”41

A Intervenção é medida jurídico-política excepcional, em que um ente federado

maior é autorizado a interferir no complexo de atribuições de um ente federado menor,

ancorado em pressupostos fáticos e jurídicos estabelecidos pelo Poder Constituinte

Originário.

No mesmo sentido anota Gilmar Ferreira Mendes que “A intervenção federal é

mecanismo drástico e excepcional, destinado a manter a integridade dos princípios

basilares da Constituição, enumerados taxativamente no artigo 34 da CF”. 42

É também

definido como “medida de caráter excepcional e temporário que afasta a autonomia dos

41

Ibdem. Ibdem, pag 36 42

MENDES, Gilmar Op.cit., p. 833

43

Estados, Distrito Federal ou Municípios” pelo glossário jurídico do Supremo Tribunal

Federal 43

.

A figura da intervenção surgiu no ordenamento pátrio com a Carta

Constitucional de 1891, que a previa em seu artigo 6º, sendo reproduzida em todas as

constituições seguintes, com alterações influenciadas pela ideologia que imperava em

cada período histórico, bem como de acordo com caráter mais ou menos autoritário do

Poder Constituinte de então.

A intervenção é medida de caráter excepcional cujo escopo é a garantia dos

direitos do cidadão por meio da eliminação da situação de instabilidade organizacional,

seja ela efetiva ou potencial. Como medida excepcional, contrária ao próprio espírito do

federalismo, a intervenção apresenta um rol taxativo de hipóteses de cabimento,

prescritas na Constituição Federal/88, seus artigos 34 e 35, para as intervenções federal

e estadual, respectivamente.

Neste estudo, contudo, interessa apenas a figura da intervenção federal.

4.3 Pressupostos materiais da Intervenção Federal

Os pressupostos materiais da intervenção são, nos dizeres de José Afonso da

Silva, “situações críticas que põem em risco a segurança do Estado, o equilíbrio

federativo, as finanças estaduais e a estabilidade de ordem constitucional”. Em outras

palavras, são os elementos fáticos que geram severo comprometimento da paz

institucional da federação.

Como medida de exceção que é, por sua natureza, a intervenção federal encontra

seu substrato na Constituição Federal, in casu, nos incisos do artigo 34, que prescreve as

hipóteses de cabimento, a saber:

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito

Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

43

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Glossário Jurídico: Intervenção Federal. Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=I&id=162>

44

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da

Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas

unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de

dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias

fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em

lei;

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão

judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios

constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime

democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e

indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de

impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências,

na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e

serviços públicos de saúde.”

Depreende-se da redação do texto constitucional que a União estará autorizada a

intervir nos Estados ou no Distrito Federal se e apenas quando o quadro fático gerador

de grave instabilidade institucional se subsumir aos casos previstos, por causarem

comprometimento da integridade territorial, política, ou desrespeito aos direitos e

garantias individuais do cidadão. A intervenção é, pois, em última instância, mais uma

garantia do administrado em face ao Estado.

O primeiro dos pressupostos que autoriza a intervenção é a defesa da integridade

nacional, umbilicalmente relacionado ao segundo pressuposto, qual seja, repelir invasão

estrangeira ou de uma unidade da federação em outra, tanto que serão analisados

conjuntamente.

Por meio dos incisos I e II, a União está autorizada defender a integridade do

território nacional, quer reagindo à violação do território, aqui abrangidos os elementos

terrestre, aeroespacial, marítimo, lacustre e fluvial do território brasileiro por parte de

potência estrangeira, independente de declaração de guerra, quer sufocando tentativas

de secessão por parte de um ou mais membro ou, ainda, a invasão de um Estado sobre

outro.

45

Aqui, claro está, que a autorização de interferência se dá porquanto a defesa do

território nacional é interesse de todos os membros, os quais, de forma isolada, não

poderiam fazer frente a uma potência estrangeira. Apenas por nota histórica, a

Confederação, forma de Estado composto que, modificada pelo Congresso da Filadélfia,

engendrou a Federação, surgiu, precipuamente, para a união de esforços para fazer

frente a um agressor externo. De outro lado, é desinteressante ao ente coletivo permitir

que qualquer de seus membros se desvincule do pacto federativo, ou, pior, venha a

dominar outro por meio do emprego da violência, situações que comprometem a

existência do Estado.

Dessa forma, a União, por meio do Poder Executivo, posto que apresenta

recursos materiais e humanos adequados a responder à agressão, quer externa quer

interna, intervém nas localidades afetadas pelo conflito. Por fim, resta afirmar que,

consoante Enrique Ricardo Lewandowski, com esteio em João Barbalho, que o

Executivo Federal não se deve quedar inerte à espera da efetiva usurpação territorial

para então tomar as devidas providências, mas que, ao revés, “no poder de repelir

inclui-se o de impedir ou evitar a invasão, caso tentada ou iminente” (pag 90). Este

raciocínio aplica-se, não apenas ao conflito entre os países, mas também entre os

Estados-membros.

Pelo Inciso III do artigo 34, o Poder Central pode interferir nos assuntos de

competência de seus membros para por fim a grave comprometimento da ordem

pública. Na expressão pode-se entender uma ampla gama de situações, desde que, em

primeiro, haja turbação ou interrupção da ordem pública no Estado ou no Distrito

Federal e, em segundo, que a gravidade da situação seja excepcional, de tal monta que a

ação da União se faça necessária. Dessa forma, não basta que se revele um transtorno à

vida social, de forma violenta e duradoura, mas também, que o próprio Estado não seja,

por si só, capazes de contê-lo com as forças que tem à disposição.

Aqui há que se considerar que, ao contrário do que se procede nos dois incisos

anteriores, a intervenção não se pode dar de forma preventiva, antes que a ameaça de

perturbação se torne real, pois outro entendimento daria carta branca à intervenção da

União nos Estados ou no Distrito Federal a seu bel-prazer, ancorado na justificativa de

sufocar tumulto que ainda viria a suceder.

46

O inciso IV, por sua vez, prescreve a intervenção para “garantir o livre exercício

de qualquer dos Poderes das unidades da federação”. Trata-se, aqui, de hipótese de

violação à tripartição dos poderes em que um, excedendo suas atribuições, impede ou

dificulta, sem justificativas, o desempenho, por outro Poder, de suas competências

constitucionais. Há, dessa forma, coação imprópria de um Poder sobre outro, seja ao

impedir que o Legislativo se reúna (ou sua dissolução), a recusa das autoridades

competentes, com a conivência de seus superiores, a colaborar com o Poder Judiciário,

ou mesmo coação em face do Executivo, ao lhe ser negada a posse ao candidato eleito.

Por sua vez, cuida o inciso V de intervenção em defesa das finanças de qualquer

dos Estados-membros. Aqui, a União, dada a interdependência financeira entre os entes

da federação, sobretudo no que tange às transferências de receitas previstas no

ordenamento, a Constituição autorizou a interferência no plexo de atribuições

financeiras da unidade que suspendesse, por prazo superior a dois anos e sem a

ocorrência de força maior, o pagamento de dívida fundada, ou que deixasse de repassar

aos Municípios as receitas tributárias fixadas pela CF/88 nos prazos por ela estipulados.

Faz-se, necessário, aqui, algumas observações. A primeira é o conceito de dívida

fundada. Consoante a lei 4320/64, em seu artigo 98, defini dívidas fundadas como

dívidas públicas relativas a compromissos de exigibilidade superior a doze meses,

contraídos para atender a ao desequilíbrio contraídas para atender ao desequilíbrio

orçamentário ou financeiro de obras e serviços públicos. Nos casos em que o ente

federado suspenda o pagamento dessa dívida por período maior a dois anos, ou, em

outras palavras, dois exercícios financeiros, há que se perquirir acerca da ocorrência,

nesse interregno, de força maior. A força maior é, com arrimo no parágrafo único do

artigo 393 do Código Civil, um fato externo à vontade do agente devedor, que lhe é

imprevisível e irresistível, exoneratório da dívida, posto que o devedor não concorresse

para seu acontecimento e nem possuía forças para impedi-lo. Na existência de força

maior a impedir o pagamento da dívida, resta excluída a intervenção.

Ainda, o mesmo inciso faz referência ao Estado deixar de repassar aos

Municípios transferência de fundos prevista no ordenamento pátrio no prazo estipulado,

v.g. autoriza a intervenção hipótese em que o Estado deixa de repassar os Municípios o

valor relativo a cinquenta por cento do montante arrecadado com o IPVA, consoante o

artigo 158, III da CF/88.

47

O Inciso VI traz a hipótese de intervenção quando o Estado-membro se recusa

ao cumprimento de lei federal, ordem ou decisão judicial. É esta hipótese a razão deste

trabalho, motivo pelo qual será analisada mais pormenorizadamente.

Em primeiro, há que se ressaltar que a execução das leis federais é pressuposto

básico da existência harmônica da federação, sobretudo, no federalismo cooperativo, ao

qual já se aludiu. O desrespeito à legislação federal por parte das unidades federadas é,

em regra, solucionada por vias judiciais, cabendo àquele que se entende lesionado pela

ação do poder público levar a questão ao conhecimento da autoridade competente.

Assim, o desrespeito à lei federal de que trata o inciso não é qualquer desrespeito à lei

federal, mas sim a recusa de aplicação de diploma legal que cause prejuízos

generalizados e da qual não caiba questionamento judicial.

No que tange às ordens e decisões judiciais, por oportuno trazer a colação a lição

de Ricardo Lewandowski, consoante o qual

“uma ordem consiste numa determinação assinalada por uma

corte ou magistrado, dentro ou fora de uma lide, para que se

faça ou deixe de fazer algo, ao passo que uma decisão

constitui o derradeiro ato de um processo, colocando fim a

uma demanda, em que se atribui razão a uma das partes.

Ambas são de observância compulsória, compreendendo

todas as espécies de pronunciamentos judiciais.”44

Apesar de esclarecedor, o eminente jurista entende as decisões judiciais como

ato final do processo, que o conclui ao atribuir a razão a uma das partes. Observa-se,

assim, que decisão judicial seria, para Lewandowski, apenas a sentença ou acórdão, por

se tratarem de decisões finais, não considerando, em sua análise, as decisões

interlocutórias; e, sobretudo, apenas as seriam decisões aquelas que decidissem o

meritum causae. A rigor, as sentenças que extinguem o processo sem resolução de

mérito também figuram como decisões judiciais.

Afirma, ainda, Lewandowski, ancorado em decisão do Supremo Tribunal

Federal, de relatoria do Ministro Moreira Alves em que a corte suprema decidiu pela

intervenção no Estado de Goiás, que se recusou apresentar apoio policial para o

cumprimento de mandado de reintegração de posse expedido por juiz de primeira

instância, argumentando o Estado, em sua defesa que não se tratava de decisão

transitada em julgado.

44

OLIVEIRA. Op. cit. p. 109.

48

No que tange à ordem judicial, viu-se, anteriormente, que o ofício precatório

constitui uma ordem judicial para que Poder Público inclua determinado valor como

despesa pública a ser paga até o final do exercício financeiro seguinte ou, caso seja

expedido após o primeiro dia do mês de julho, até o fim do exercício financeiro

subsequente. Não sendo essa ordem acatada, configurado está o desrespeito a ordem

judicial, e, por conseguinte, o pressuposto material a que se alude, permitindo, assim a

intervenção fundada no inadimplemento de precatório.

É, também este o entendimento de Fredie Didier:

“Inscrito o precatório até o dia 1º de julho, seu pagamento

será requisitado para ser feito até o final do exercício

seguinte. Não efetuado o pagamento no momento previsto

constitucionalmente, ter-se-á fundamento para requerer a

intervenção judicial. É que, nesse caso, estará havendo

desobediência à ordem ou decisão judicial”45

,

O inciso VII, por sua vez se refere à intervenção com vistas à assegurar o

respeito a princípios fundantes do ordenamento jurídico. A estrutura federal é, por sua

natureza, uma coordenação de esforços conjuntos entre membros e ente coletivo.

Contudo, para a existência de uma federação é necessário um complexo mínimo de

diretrizes a serem seguidas pelo Estado, quer pelo ente coletivo, quer pelos membros.

Esse complexo é composto pelos princípios jurídicos eleitos fundamentais pelo Estado

Brasileiro, e arrolados no texto da Constituição Federal, bem como nos diplomas que,

por ventura, venham a receber o status constitucional.

Na precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Melo46 “principio é, por

definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e

servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a

lógica e a racionalidade do sistema normativo”.

Dessa forma, a Constituição arrola as disposições fundamentais do ordenamento

jurídico pátrio vigente, e, dentro desses mandamentos nucleares, seleciona os

denominados princípios sensíveis, ou seja, aqueles cuja violação pode, e deve, acarretar

a intervenção. Qualquer ação, ou mesmo omissão dos Estados que contrarie os

45

DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5 pág 722. 46

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. rev. atual. São Paulo.

Malheiros Editores. 2010, pág 95.

49

princípios constantes das alíneas do mencionado inciso VII configuram situações

críticas e, portanto, pressuposto material para a intervenção.

4.4 Pressupostos formais da Intervenção Federal

O procedimento para a intervenção federal, como já aludido, deve estar previsto

na Constituição, dado que, como medida extrema, deve revestir-se de um tratamento de

rigidez constitucional. Dessa forma, o procedimento a ser seguido, sob pena de

inconstitucionalidade da intervenção, se encontra disposto no artigo 36 do diploma

constitucional e pelas leis 8.038/9047

e 12.562/201148

.

Conforme preleciona José Afonso da Silva, “constituem pressupostos formais da

intervenção: o modo de sua efetivação, seus limites e requisitos” 49.

Aludido o artigo 36 é o artigo constitucional a prescrever o procedimento a ser

cumprido, conveniente trazê-lo à baila, para sua análise:

Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:

I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo

ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do

Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o

Poder Judiciário;

II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária,

de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal

de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;

III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de

representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do

art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal.

IV - revogado

§ 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude,

o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o

interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional

ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e

quatro horas.

47

SILVA, José Afonso, op. cit. p. 484.

48

BRASIL. Lei nº 8.038/90, de 28 de maio de 1990, Institui normas procedimentais para os

processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal 49

BRASIL. Lei nº 12.562, de 23 de dezembro de 2011, Regulamenta o inciso III do art. 36 da

Constituição Federal, para dispor sobre o processo e julgamento da representação interventiva perante o

Supremo Tribunal Federal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2011/Lei/L12562.htm>

50

§ 2º - Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a

Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no

mesmo prazo de vinte e quatro horas.

§ 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV,

dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela

Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a

execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao

restabelecimento da normalidade.

§ 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades

afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento

legal.

O procedimento se inicia, sempre, através de decreto presidencial – embora sua

deliberação nem sempre cumpra ao Poder Executivo – o qual deverá especificar a

amplitude, o prazo e as condições de sua execução e, caso necessário, nomeará o

interventor (§1º, primeira parte, do artigo 36). A Constituição, posto ser a vida mais

dinâmica do que a letra da lei, não previu os meios de que o Poder Central se valeria

para efetuar a intervenção, devendo estes, na lição da doutrina, ajustar-se às

necessidades do caso concreto e aos resultados que se pretende obter, imperando,

sempre, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Contudo, o decreto é o ato final de um procedimento, o qual variará de acordo

com o inciso do artigo 34 que lhe dá sustento.

Nos casos previstos nos incisos I, II e III do artigo 34 da CF/88, dada a

gravidade da situação que se revela, com prometimento da ordem pública, quer interna

quer externa, é cediço poder o Presidente agir de ofício, afinal, por caracterizarem

situações de emergência, não se poderia exigir inércia por parte do Chefe do Executivo

– cargo ocupado, diga-se de passagem, por aquele eleito como líder da nação – ao

aguardar uma incerta solicitação por parte dos Estados.

No mesmo sentido, no caso do inciso V do artigo 34 – intervenção para

reorganização das finanças estaduais ou transferência de receitas tributárias devidas aos

Municípios, também está o Executivo Federal autorizado a agir de per si, iniciando o

procedimento de intervenção, dado não ser coerente se exigir que o Estado que

apresente as finanças comprometidas venha a solicitar atuação federal a suspender sua

própria autonomia financeira.

Consoante disposição da própria Constituição, o Presidente da República, no

exercício de seu múnus público, deve ou vir o Conselho da República e o Conselho de

Defesa Nacional, por força do artigos 90, I e artigo 91, §1º, ambos da carta política,

51

ressaltando que ambas as instituições são órgãos de consulta, não vinculando a ação

presidencial. Aqui cabe o juízo de discricionariedade do Presidente, em qualquer das

hipóteses acima referidas.

Na esteira das lições de José dos Santos Carvalho Filho, segundo o qual

discricionariedade “é a prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem,

entre as várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para

o interesse público” 50

. Quer isto dizer que, nas situações dos incisos I a III e V, tem o

governante em tela o poder de decidir acerca do momento e das condições (limitadas,

sublinhe-se, ao estabelecido pelo ordenamento), estando livre para decidir agir ou não

agir, e, decidindo pela intervenção, verificar o momento mais adequado, e que medidas

utilizar para debelar a crise que se revela.

Posto ser a intervenção um ato político e insuscetível de apreciação pelo Poder

Judiciário, resta a intervenção, nesses casos, impossibilitada de ser apreciada por via

jurisdicional51

Cabe, entretanto, o controle político sobre o decreto interventivo. Pela

parte final do §1º do dispositivo transcrito acima, o decreto deve ser remetido, no prazo

de 24 horas de sua publicação, para apreciação pelo Congresso Federal (artigo 49, IV,

CF/88), órgão que será convocado em sessão extraordinária caso não se encontre em

funcionamento. O Congresso, em sua função de fiscalização do Poder Executivo,

apreciará o diploma, aprovando-o, seja em sua integridade, seja impondo-lhe restrições,

ou mesmo rejeitando-o de todo, suspendendo-o, e por conseguinte, também a

intervenção, tornada agora inconstitucional desde sua origem. Reprovada a intervenção,

devem cessar as medidas tomadas, sob pena de responder o Presidente por crimes de

responsabilidade.

O inciso IV do artigo 34, o qual visa permitir que qualquer dos três poderes que

se veja sob coação ilegal volte a desempenhar suas funções sem qualquer turbação,

exige solicitação do Poder Executivo ou Legislativo, conforme o caso, ou de requisição

por parte do Poder Judiciário, que se dará através do Supremo Tribunal Federal por

expressa disposição do artigo 36, inciso I.

Na eventualidade de ser o Poder Executivo ou Legislativo aquele que sofre a

coerção ou impedimento de exercer suas funções, posto a Lei Maior tratar de

50

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª Ed. rev. ampl. atual.

Rio de Janeiro. Editora Forense. 2004. p. 54. 51

LEWANDOWSKI, Op. cit. p. 129.

52

solicitação, novamente entra em cena o Poder Discricionário do Presidente, sempre

balizado pela conveniência e oportunidade. Entendimento contrário seria obrigar o

agente executivo a quebrar a autonomia sempre que solicitado por qualquer pelos

poderes nomeados, esvaziando de conteúdo, assim, a razão de ser do instituto.

Em sentido contrário, no caso de ser o Poder Judiciário aquele que sofre coação,

haverá requisição, por parte do Supremo Tribunal Federal, à Presidência do Executivo.

Nesses casos, a Suprema Corte, que poderá agir de ofício ou por solicitação do

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, por interpretação sistemática do artigo 19,

I, da lei 8.038/90, apreciará a solicitação de forma a decidir pela presença ou não do

estado de coação ou impedimento ao exercício de suas funções constitucionais, e, em

caso positivo, requer ao Presidente a aplicação da medida excepcional, afastando o juízo

discricionário deste último, o qual está vinculado à decisão do Supremo.

Interessante questionamento efetua Lewandowski 52

acerca de situação em que o

poder coagido se encontrar impossibilitado de solicitar auxílio ao Governo Federal, se

no quadro exposto, poderia o Presidente agir de ofício, contrariando disposição

constitucional. Entende-se que, nesse caso, mesmo contra expressa previsão da Magna

Carta, pode ser decretada a intervenção, por se tratar de situação que gera grave

instabilidade ao Estado, entendido como órgão coletivo, sendo a solicitação tida por

presumida.

Por fim, nesta hipótese do inciso IV, há que se dizer que o controle político

sobre o decreto interventivo será devido em caso de coação ou impedimento sobre os

Poderes Executivo e Legislativo, o mesmo não ocorrendo em caso de requisição do

Judiciário, pois tal medida, em caso de rejeição do decreto por parte do Legislativo,

violaria a divisão dos poderes ao permitir que um Poder se sobrepusesse às decisões do

outro.

Já o inciso VI do artigo 34, o qual, ressalte-se, constitui fulcro deste trabalho,

prescreve a hipótese de intervenção em razão de recusa do Estado em prover execução

de lei federal, ordem ou decisão judicial. Neste caso, como já se discutiu anteriormente,

não é qualquer recusa a aplicação de lei federal, apenas aquela de que não se caiba

questionamento judicial; ordem é apenas determinação emanada por magistrado;

52

Ibdem, ibdem, pág 124.

53

decisão é ato pelo qual magistrado decide determinada questão que lhe é imposta no

exercício da função jurisdicional.

Estes casos são regidos pelos artigos 19 e seguintes da lei 8.038/90, e podem ser

desencadeadas de ofício ou mediante pedido dos presidentes dos Tribunais de Justiça

dos Estados ou Tribunais Federais quando se tratar de desrespeito a ordem ou decisão

de suas respectivas competências, solicitação da parte interessada no cumprimento da

ordem ou decisão, ou mesmo por solicitação por parte do Procurador-Geral da

República.

No caso de desrespeito a ordem ou decisão do Supremo Tribunal Federal, do

Superior Tribunal de Justiça ou o Tribunal Superior Eleitoral, podem estes requisitar a

intervenção diretamente ao Presidente da República, sendo sua requisição, como já se

afirmou acima, vinculatória da decisão presidencial. O Supremo Tribunal Federal

entende ser de sua responsabilidade requerer a intervenção quando não cumprida

decisão ou determinação proveniente da Justiça do Trabalho, mesmo que a matéria

discutida não possua conteúdo constitucional.

A solicitação por parte do presidente de órgão jurisdicional ou do Procurador da

República será, assim como a solicitação por coação ou impedimento do livre exercício

das atribuições do Poder Judiciário estadual, constituem solicitações às cortes

superiores, as quais apreciarão o pedido e, se entenderem necessária a medida extrema,

requererão a intervenção ao chefe do executivo, ou, em caso negativo, arquivarão a

solicitação, fundamentando sua decisão.

Restando a intervenção para proteção aos princípios constitucionais sensíveis,

segue este o rito previsto na lei 12.562/2011, sendo necessária solicitação fundamentada

do Procurador-Geral da República através de representação fundamentada, dirigida à

Corte Suprema, contendo os princípios ou dispositivos de lei federal violados, bem

como a prova da violação por parte do Estado ou do Distrito Federal, bem como o

pedido especificado de providências a serem tomadas, não bastando que seja pedida

requisição de intervenção federal, conforme disposto no artigo 3º da citada lei. Uma vez

julgada a ação, como se depreende do artigo 11 do diploma legal supra, se procedente,

será remetida pelo Presidente do Supremo, após devida publicação do acórdão, ao

Presidente da República para que decrete a intervenção no prazo máximo de 15 dias.

54

Em ambos os casos acima, não cabe nem juízo de conveniência por parte do

Presidente, nem controle político por parte do Congresso Nacional.

4.5 Considerações Finais: a inteligência do artigo 36 da Constituição Federal

A intervenção, como medida excepcional, é necessariamente limitada em seus

efeitos e duração. Dessa forma, dispõe o §1º do Artigo 36, que o decreto presidencial

disporá, necessariamente, da amplitude, do prazo e das condições de sua execução.

Por amplitude se compreende o(s) Estado(s) em que devem ser levadas a cabo as

medidas explicitadas no decreto, assim como o Poder(es) sobre o qual incidirá, bem

como sua fundamentação. Por prazo, o lapso temporal pelo qual se entenderá a medida,

podendo ser determinado ou indeterminado e, se indeterminado, seus efeitos estarão

limitados à consecução dos fins que o motivaram; por condições compreende-se as

medidas específicas arroladas no diploma infralegal. A ausência de quaisquer destes

elementos é motivo de rejeição do decreto pelo Congresso Nacional.

Ainda, o decreto deverá, se necessário, nomear o interventor, que levara a cabo a

execução das medidas impostas pelo decreto. Com arrimo em José Afonso da Silva, o

interventor está contido na teoria dos poderes implícitos, segundo a qual “se a

Constituição confere um poder expresso para certo fim, há de implicitamente oferecer

os meios para atingi-lo caso não o faça explicitamente”53

O Interventor é autoridade federal, figura pública designada para levar a acabo

as instruções do Presidente, e, nessa empreitada, realiza atos de governo. Apenas a título

de ilustração, em hipótese de intervenção por desorganização das finanças estaduais,

afasta-se o Governador do Estado, cargo que será assumido pelo interventor até que

sejam efetivadas as ordens presidenciais.

Nem sempre será o interventor personagem necessária à intervenção. Por

previsão do Constitucional §3º do artigo 36 do texto constitucional, o decreto pode

limitar-se a, apenas, suspender a execução do ato impugnado, no caso de intervenção

53

SILVA. Op. cit. p. 487.

55

por descumprimento de lei federal, ordem ou decisão judiciais, desde esse único ato

baste ao retorno da normalidade institucional.

Uma vez afastadas as autoridades políticas locais devido ao decreto de

intervenção, em respeito ao §4º do aludido dispositivo, devem, em respeito à própria

autonomia dos entes federados, reassumirem seus postos, excetuado casos de

impedimento, hipóteses que extrapolam essa análise.

Por fim, dado que o decreto de intervenção é um ato político, se faz necessário

seu controle pelo Congresso Nacional para sua validade e eficácia. Na situação de não

estar o Congresso reunido para sessão legislativa quando da decretação da intervenção,

deverá ser o órgão convocado a título de sessão extraordinária para sua apreciação (§2º

do artigo 36).

56

5 A Posição do Supremo Tribunal Federal

Como restou assentado, o inadimplemento de débitos oriundos de precatórios,

porquanto se tratar de desobediência à ordem judicial, ao que pesem respeitáveis

entendimentos contrários, como Gilmar Mendes54

, vem conduzindo a diversos

processos judiciais perante o Supremo Tribunal Federal, em que se pleiteia intervenção

federal nos Estados para a concretização dos créditos a que o particular tem direito.

Afirmou-se que o ofício precatório é ordem judicial proferida por presidente de

Tribunal em respeito a decisão transitada em julgado, em sede de execução contra ente

da Administração Pública direta ou indireta, excetuadas as empresas públicas e

sociedades de economia mista que explorem atividade econômica.

Dessa forma, o magistrado de primeiro grau, então juiz da execução, ao operar-

se o trânsito em julgado da sentença, remete o ofício precatório, contendo o montante

condenatório, ao presidente do tribunal, e este, em ação vinculada, emite ordem ao

chefe do executivo, no caso em estudo - por se tratar de intervenção da União sobe os

Estados - o Governador de Estado, para que este inclua o valor nas leis orçamentárias

para o exercício financeiro seguinte ou, conforme a situação, para o subsequente. O

Magistrado, assim, expede ordem de pagamento, e não solicitação, pois não mais se

discute a existência do débito, haja vista que esta foi alvo de processo judicial, marcado

pelas prerrogativas do Poder Público, decidida e acobertada, agora, pelo manto da coisa

julgada. O precatório, então, figura como ordem judicial.

A Intervenção Federal se apresenta, portanto, como mecanismo judicial em

socorro do administrado que, a despeito da coisa julgada a determinar o quantum e o

modo de pagamento a serem respeitados, vê frustrado seu direito.

Nessa senda, o particular aguarda a satisfação de seu crédito no prazo

constitucionalmente previsto no §5º do art. 100, e, uma vez vencido o prazo para

pagamento, vê-se forçado a recorrer, novamente, aos meios judiciais para que o Estado

já cronicamente inadimplente seja forçado a honrar suas dívidas pela intervenção

federal. Esta demanda, entretanto, possui suas peculiaridades.

54

MENDES. Op. cit. pág 835.

57

A legitimidade para propositura desta demanda por parte do particular deve, em

conformidade com o disposto na lei 8.038/90 e com o Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal, ser aferida de acordo com o Tribunal que expediu o ofício precatório.

Com efeito, o artigo 19 da lei 8.038/90 dispõe:

Art. 19 - A requisição de intervenção federal prevista nos

incisos II e IV do art. 36 da Constituição Federal será

promovida:

I - de ofício, ou mediante pedido de Presidente de Tribunal de

Justiça do Estado, ou de Presidente de Tribunal Federal,

quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão

judicial, com ressalva, conforme a matéria, da competência do

Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral;

(grifos nossos)55

.

Destarte, prescreve o citado diploma lega que, o STF deverá apreciar a

possibilidade de intervenção federal lastreada em ordem judicial desacatada quando for

esta oriunda da própria Corte ou de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Federal, quando

será provocado ou apreciará ex officio. Trata-se de uma cadeia interna de

acontecimentos, o Tribunal inferior, entendendo-se desrespeitado pela não execução de

sua ordem, solicita, por meio de seu presidente, ao STF que requeira ao Presidente da

República a decretação da medida interventiva para que se faça cumprir a determinação

judicial. No mesmo sentido o Regimento Interno do STF:

“Art. 350. A requisição de intervenção federal, prevista no art.

11, § 1º, a, b e c, da Constituição, será promovida:

(...)

II – de ofício, ou mediante pedido do Presidente de Tribunal de

Justiça do Estado ou de Tribunal Federal, quando se tratar de

prover a execução de ordem ou decisão judiciária, com

ressalva, conforme a matéria, da competência do Tribunal

Superior Eleitoral e do disposto no inciso seguinte;

III – de ofício, ou mediante pedido da parte interessada,

quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão do

Supremo Tribunal Federal; (...)” (grifos nossos)

Pelo acima exposto, percebe-se que ao particular caberá ajuizar a demanda

interventiva diretamente perante a Corte Constitucional apenas quando o mandado

judicial não acatado houver sido expedido por órgão decisório da própria corte. Em

outra hipótese, o administrado deverá apresentar requerimento ao Presidente do

Tribunal que houvera condenado a Fazenda Pública. In casu, para a intervenção federal

lastreada em precatório estadual, deverá ser apresentado requerimento ao próprio

presidente que expediu o ofício ao Executivo estadual.

55

(STJ. 5ª T. R.Esp. nº 617221/RJ. Rel. Min. Gilson Dipp. J. em 19/10/2004).

58

Com arrimo nos dispositivos supra, a Corte Constitucional, nas ações

interventivas ajuizadas por particular com base no inadimplemento de precatórios

estaduais, decide pela improcedência posto que a competência para provocação daquela

corte pertence ao Tribunal de Justiça que exarou a ordem, como se depreende dos

acórdãos das Intervenções Federais (IF) de n.º 81, 105, 135 e outras. Interessante trazer

á baila decisão da IF 135-RJ, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence:

“Intervenção Federal por descumprimento de decisão Judicial

da Justiça dos Estados: ilegitimidade do particular interessado

para requerer sua requisição ao Supremo Tribunal:

precedentes56

[...]

A parte interessada na causa somente pode se dirigir ao

Supremo Tribunal Federal, com pedido de intervenção federal,

para prover a execução de decisão da própria corte. Quando se

trata de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de

intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem

incumbe, se for o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal

Federal.”

Acertado o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao negar seguimento a

processo de Intervenção Federal ajuizado diretamente perante este, sem que antes

submetesse o requerimento ao crivo do Presidente do Tribunal de Justiça que tenha

condenado a Fazenda Pública. O exame acerca da transgressão à ordem judicial

emanada por um Tribunal cabe, consoante as normas legais em vigência, ao próprio

Tribunal, dado lhe competir no âmbito espacial de sua jurisdição o desempenho da

atividade jurisdicional – e como bem se salientou quando da EC nº 62/2009, atividade

jurisdicional não se limita a apenas julgar, mas também fazer cumprir suas decisões.

No mesmo sentido

“Se o presidente do Tribunal de Justiça local – que tem

legitimação para provocar o exame da requisição de intervenção

federal, que só se fará para a preservação da autoridade da corte

que ele representa – entende que a intervenção federal não cabe

no caso, não pode o S.T.F. de ofício e à vista do

encaminhamento por aquela presidência do pedido de

intervenção federal feito pelo interessado e por ela repelido,

examiná-lo”.57

56

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 135. Partes Ary Mendes e outros; Estado

do Rio de Janeiro. 17 de outubro de 1995. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Disponível

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/745163/intervencao-federal-if-135-rj-stf> 57

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 81. Relator Min. Moreira Alves. 15 de

maio de 1985. Partes: Abrão Salomão e outros; Estado de São Paulo

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/727554/agregna-intervencao-federal-if-agr-81-sp-stf>

59

Permitir ao Supremo apreciar acerca do descumprimento de ordem judicial de

outro tribunal sem que este último tenha oportunidade de se manifestar, é subtrair

atribuição que lhe foi confiada pelo ordenamento jurídico em sede legal. Desta feita, ao

particular credor de precatório oriundo de Tribunais de Justiça resta requerer ao

magistrado-presidente a apreciação do pedido interventivo e, caso este entenda caber

razão ao requerente, solicitar decretação de intervenção ao Supremo, como se depreende

das IF nº 5101-RS e 3601-SP, em que os Tribunais de Justiça, diante dos casos que lhes

foram apresentados, julgaram procedentes as ações 58

.

Superada a questão pertinente à legitimidade ativa e, assim, passado ao mérito

da ação interventiva, primeiramente, salta aos olhos o volume de demandas em que se

pleiteia intervenção federal com base no não pagamento de precatórios ou, pior,

precatórios complementares, demonstrando, assim, a inadimplência do Poder Público.

Efetivamente, como relatou o Min. Carlos Ayres Britto em seu voto como relator da IF

nº 2915-SP, apresenta-se uma avalanche de processos de intervenção federal pelo

descumprimento de ordem judicial, a maioria relacionados ao pagamento de

precatórios.59

O precatório, uma vez expedido, deve ser recebido pelo Executivo e incluso nas

despesas, não podendo mais ser modificado. E assim, por força do §5º do artigo 100 em

sua atual redação, o precatório será inscrito para pagamento até o fim do exercício

financeiro seguinte, quando, então, terá seu valor atualizado, ou seja, quando de seu

pagamento. Por meio do Enunciado nº 17 60 de sua Súmula Vinculante, o STF pacificou

entendimento no sentido de que, no lapso temporal entre a inscrição do precatório para

pagamento e sua efetiva realização, não correm juros moratórios, haja vista que o

próprio texto constitucional estabelece esse prazo para seu cumprimento.

Entretanto, por decisão do próprio Supremo, vencido o prazo para adimplemento

sem que este se processe, incorre o ente público em mora, incidindo, a partir do

vencimento, juros moratórios sobre o valor da condenação, posto que “somente se

58

"Após ouvir o Governador do Estado e o Ministério Público, o Tribunal de Justiça julgou procedente o

pedido e determinou a remessa do precasso a esta corte." 59

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de Andrade e outros;

Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-stf>. O Ministro

afirma que, quando chegou à Corte Constitucional, já existiam mais de 2200 processos de intervenção,

sendo boa parte pedidos lastreados em precatórios vencidos 60

“durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da constituição, não incidem juros de mora sobre

os precatórios que nele sejam pagos.”

60

descumprido o prazo constitucional previsto para o pagamento dos precatórios, qual

seja, até o final do exercício seguinte, poder-se-ia falar em mora e, em consequência,

nos juros a ela relativos, como penalidade pelo atraso no pagamento” 61

.

Ocorre, contudo, que na hipótese ventilada, o precatório será saldado incluindo a

atualização monetária, mas excluindo-se os juros de mora em que porventura se tenha

incorrido; faz-se necessária, então, a expedição de novo ofício a seguir o mesmo rito:

requer-se a inclusão do montante devido a título de juros para inclusão no orçamento e

pagamento futuro. Forma-se, assim, um círculo vicioso, em que o precatório gera juros

por não ser saldado oportunamente, fato que gera a expedição de novo precatório, o

qual, se não pago engendra, novamente, juros moratórios. No mesmo raciocínio acima

se incluem erro aritméticos ou materiais ou imprecisões oriundas da liquidação da

sentença. A respeito do agigantamento das dívidas relativas a precatórios, interessante

notar pronunciamento do Min. Marco Aurélio de Mello, quando da 5ª sessão

extraordinária do STF no ano de 2013:

“A bola de neve quanto ao débito dos estados foi crescendo. E

já disse nessa assentada que o judiciário é, em parte culpado por

esse crescimento, porque numa época em que a inflação estava

a pleno galope nos dois dígitos o Supremo assentou que o valor

constante do precatório não podia ser corrigido e, com isso, ele

acabou criando (...) pensões vitalícias, sobrecarregando a

máquina judiciária(...)”62

.

Vislumbra-se, pelo comentário do magistrado que a sistemática na qual o débito,

uma vez inscrito não poderia ser corrigido quando de seu pagamento engendrou o

círculo vicioso de que já se fez alusão, pois o precatório já expedido, quando de seu

pagamento, gerada um outro precatório para pagamento futuro, o qual, por insuficiência

financeira ou desordem dos governantes atingia a data de vencimento sem quitação,

gerando novo precatório numa repetição ad infinitum. Os precatórios ditos

complementares também possuem a natureza de ordem judicial e, dessa feita, seu

descumprimento pode, da mesma, forma ensejar demanda interventiva.

61

RE n. 298.616, de relatoria do Min. Gilmar Mendes 62

Informação oral, 5º Sessão Extraordinária do STF no ano de 2013, 14 de março de 2013, disponível em

<http://www.youtube.com/watch?v=UYPbBJG2mSY>

61

Em outras palavras, o contribuinte deveria amargar o fato de que, após vencida

longa batalha judicial contra a Administração Pública, esta protela o pagamento e,

quando percebe o montante a que faz jus, ergue-se outra via crucis para que o Estado

integralize sua obrigação.

Decorre, todavia, que, com a finalidade de por fim aos precatórios

complementares, ainda durante a vigência da Emenda Constitucional n.º30/2000 e, de

quebra, trâmite das ADIs que a questionavam, aprovou o Congresso Nacional a emenda

de número 37, promulgada em 12 de junho de 2002, a qual alterava a redação do §4º do

artigo 100 do texto constitucional permanente, vedando a expedição de precatório

complementar a valores já pagos. Destarte, as ações de intervenção federal em trâmite

até a promulgação da emenda acima foram, então, consideradas prejudicadas por perda

superveniente do objeto 63

, já que a própria Constituição proibia a expedição de

precatórios complementares:

INTERVENÇÃO FEDERAL. Pagamento de precatório judicial

alimentar. Pagamento não-integral. Vedação de expedição de

precatório complementar e suplementar. Agravo improvido.

Precedentes. É vedada a expedição de precatórios

complementares e suplementares de valores já pagos pelo Poder

Público, pois a EC nº 37/2002 adicionou o § 4º ao art. 100 da

Constituição Federal (atual § 8º, na redação dada pela EC nº

62/2009). (grifo nosso) 64

Dessa forma, através de um remendo na Constituição, o Poder Público se

utilizou da Lei Maior, a qual, como se demonstrou anteriormente, já havia decretado o

primeiro calote pelo Poder Constituinte Originário, e agora, mais uma vez, ludibria o

contribuinte ao impedir que ele receba as verbas a que tem direito em decorrência da

própria irresponsabilidade dos governantes. Assim, resta pacífico, ainda não a melhor

das soluções, não mais poderem ser expedidos precatórios complementares ou

suplementares, haja vista a modificação constitucional efetuada, bem como a não

declaração de inconstitucionalidade de seu conteúdo, hoje presente no §8º do artigo 100

do texto constitucional permanente, quando do julgamento conjunto das ADIs 4357 e

4425.

63

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 4211-RS Partes: Zuleika Therezinha Terra

Ferreira; Estado do Rio Grande do Sul. Relator o Min. Maurício Correa. 24 de março de 2004. Disponível

em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14742700/agregna-intervencao-federal-if-4211-rs-stf>; 64

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 762-SP Partes: COINPA - Cozinha

Paulista LTDA; Estado de São Paulo Relator: Min. Cezar Peluso.29 de março de 2012 Disponível em <

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21535329/agreg-na-intervencao-federal-if-762-sp-stf>.

62

No entanto, ações existem que seguem o rito adequado, tendo o pedido de

intervenção sido examinado e acolhido pelo Tribunal de Justiça competente, como é o

caso das recentes IF nº 5101, 5105, 5106 e 5114, todas ajuizadas em desfavor do Estado

do Rio Grande do Sul. Essas ações, assim como milhares de outras, não obstante o

entendimento pelos Tribunais Estaduais que proferiram as ordens descumpridas, ou

mesmo a opinião do Ministério Público Federal, são sistematicamente julgadas

improcedentes quando analisadas quer pelo Plenário quer pelas Turmas.

Para a correta compreensão da questão se faz necessário tecer-se alguns

comentários acerca de dois casos emblemáticos, sobre os quais foi construída a atual

jurisprudência do Tribunal Constitucional: o dolo por parte do ente público e a

necessidade de manutenção de serviços necessários.

Em acórdão de exarado em 15 de julho de 1974, o relator Nelson Hungria, então

Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar demanda em que Afonso Infante

Vieira Filho pleiteava Intervenção Federal em desfavor do Estado de Minas Gerais

devido ao não pagamento de precatórios que o Estado em tela havia sido condenado

devido à desapropriação das terras do Araxá, posicionou-se da seguinte forma:

“Solicitadas informações, prestou-as o Sr. Governador de

Minas, esclarecendo que nenhum obstáculo está opondo ao

cumprimento do requisitório e questão se a consignação ainda

não foi feita, não obstante a abertura do crédito suplementar,

decorre isso da transitória exaustão do Tesouro estadual,

obrigado, ultimamente, ao custio de obras de vulto, tendentes a

criar fontes de receita, para regularizar as finanças do Estado,

com os recursos que hão de vir.

O retardamento da consignação não provém de deliberado

propósito de descumprir o requisitório, mas de ocasional falta

de numerário.

(...)

Não padece de dúvida que a intervenção autorizada pelo art. 7º,

V, da Constituição Federal tem como pressuposto a

injustificada oposição, por parte do Governado estadual, de

embaraço ou impedimento à execução de ordem ou decisão

judicial.

Não basta a demora, que pode ser justificada, na execução: é

necessário que se apresente uma desobediência manifesta,

propositada ou por descaso, à ordem ou decisão judicial.”65

.

65

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 20. Partes: Afonso Infante Vieira; Estado

de Minas Gerais. 03 de maio de 1954. Relator Min. Nelson Hungria. Disponível em <

http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev3/files/JUS2/STF/IT/IF_20_MG_1278019232199.pdf>.

63

Entendia o ilustre jurista que, para que seja configurado pressuposto material da

intervenção federal é preciso que o Governo do Estado obstrua deliberadamente a

execução da ordem ou decisão judicial, ou, em outras palavras, uma conduta consciente

por parte de qualquer dos órgãos governamentais cujo objetivo seja impedir a realização

da ordem emanada. A mora, por si, teria apenas o condão de fazer incorrer juros sobre o

montante devido, não seria elemento suficiente a desencadear a intervenção federal.

Firmou-se, assim, entendimento consoante o qual, para configurar hipótese de

intervenção da União nos Estados, é necessária ocorrência de dolo por parte do último,

orientação esta a qual se tornou dominante dentro da Suprema Corte, porquanto baliza

os julgamentos das intervenções federais até o presente momento.

Ainda que muito respeitável o entendimento do ilustre Nélson Hungria, entende-

se com esteio em votos proferidos por Marco Aurélio de Mello, não ser este o melhor

raciocínio a ser aplicado ao caso concreto:

Se formos à Carta da República – e estamos diante de pedidos

de intervenção que dizem respeito ao descumprimento de

pronunciamentos judiciais, tendo em conta obrigação de dar,

prestações alimentícias –, vamos constatar que a intervenção é

motivada pelo descumprimento de ato judicial. Não há na

Constituição o elemento subjetivo, tampouco a necessidade de

apurar-se o dolo do Estado.

[...]

O elemento subjetivo que é o dolo mostra-se neutro para se

definir a procedência, ou não, do pedido de intervenção federal.

Pouco importa que o Estado, mediante a atuação do Executivo,

não proceda com a intenção de postergar a liquidação do débito.

Cumpre saber, tão-somente, se na espécie ocorre

descumprimento de decisão judicial, fator objetivo resultante de

vício de negligência, da falta de respeito irrestrito da ordem

jurídica em vigor. A intenção em si afigura-se estranha ao

julgamento da intervenção.66

Dolo é, pois, um elemento volitivo da conduta, elemento subjetivo, consistente

em intenção consciente dirigida a um determinado fim. Entretanto, a Intervenção

Federal é instituto constitucional, e, portanto, seu regramento deve cingir-se aos

dispositivos da Constituição, não sendo contrárias a isso as disposições legais ou

regimentais acerca de seu processamento. Contudo, o cerne do instituto, seus

pressupostos e limites têm de estar estabelecidos no texto constitucional. Não cabe à

66

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 5101-RS. Partes Regina Nuria Hidalga

Crespo e outros; Estado do Rio Grande do Sul. de 28 de março de 2012 Relator: Min. Cezar Peluso.

Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869961/intervencao-federal-if-5101-rs-

stf>.

64

legislação inferior ou mesmo à magistratura, incutir-lhe requisitos não constantes

inclusos no Diploma Fundamental. Com efeito, o art. 34 da Constituição Federal, em

seu inciso VI prescreve apenas “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão

judicial”; não acrescenta qualquer intenção por parte dos outros Poderes em frustrar a

execução de tais figuras.

Entendimento diverso, ou seja, a necessidade do desígnio deliberado, como bem

demonstrado no voto do Min. Marco Aurélio, seria entregar uma carta branca à

Administração Pública para, sob o argumento de impossibilidade material – a qual, por

vezes é fruto apenas de má administração ou mesmo ideologia partidária – descumprir

não apenas as decisões judiciais, mas as leis e, quiçá, a própria Carta Política!

Na outra ponta, resta a necessidade de manutenção de serviços públicos

considerados necessários. Em decisão recente das ações de Intervenção Federal nº 2915

e 2953, cuja relatoria dos acórdãos restou ao Min. Gilmar Mendes, entendeu o Tribunal

que devem ser analisadas as condições econômico-financeiras do Estado, ou, em outras

palavras, os limites materiais que encontram em suas atuações. Consoante entendeu o

Min. Gilmar Mendes que os Estados se encontram sujeito a um conflito gerado pelo

complexo de atribuições que a Constituição lhe conferiu, e os recursos que aufere para a

concretização deste mesmo complexo.

Sustentou o magistrado que a questão deveria ser decidida com base no princípio

da proporcionalidade, posto haver um conflito entre disposições constitucionais, pois

“O princípio da proporcionalidade [...] constitui uma exigência

positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos

de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do

limite ou uma "proibição de excesso" na restrição e tais direitos.

[...]

A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da

proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens

valores ou princípios fundamentais.”67

.

Dessa forma, de um lado estaria o próprio sistema de precatórios, o qual

constitui um direito fundamental alicerçado no art.5º, XXXV e art. 100 da Constituição

e, doutro lado, obrigações como a aplicação mínima na educação, constante do artigo

212, ou os programas de saúde do art. 198, ambos do mesmo diploma. Acresça-se a isso

67

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de Andrade e outros;

Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-stf>.

65

as despesas para manutenção da própria máquina administrativa e para manutenção de

outros serviços essenciais, como segurança pública, estradas de rodagem, etc.

O princípio da proporcionalidade, consoante José dos Santos Carvalho Filho

(...) há de revestir-se de tríplice fundamento: 1) adequação,

significando o meio empregado na atuação ser compatível com

o fim colimado; 2) exigibilidade, porque a conduta deve ter-se

por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou

oneroso para alcançar o fim público, ou seja, o meio escolhido é

o que causa menor prejuízo possível para os indivíduos; 3)

proporcionalidade em sentido estrito, quando as vantagens a

serem conquistadas superarem as desvantagens 68

Desta feita, então, a par da impossibilidade de atendimento a todas as

obrigações, estabelece-se uma ponderação de valores, não de modo que se atenda uma,

excluindo-se a outra, mas de forma a se privilegiar aquele direito cujo atendimento se

revele mais importante do ponto de vista social. Entendendo que a manutenção dos

serviços públicos de atendimento à população, não obstante possuírem a mesma

hierarquia, devem ter preferência sobre o pagamentos de débitos da Fazenda Pública

perante particulares, o ministro afirma

Com efeito, não se pode exigir o pagamento da totalidade dos

precatórios relativos a créditos alimentares sem que, em

contrapartida, se estabeleça uma análise sobre se tal pagamento

encontra respaldo nos limites financeiros de um Estado zeloso

com suas obrigações constitucionais.

(...)

No caso em exame, a par de um quadro de impossibilidade

financeira, quanto ao pagamento integral e imediato dos

precatórios relativos a créditos de natureza alimentícia verifica-

se a conduta inequívoca da unidade federativa no sentido de

honrar tais dívidas.

É evidente a obrigação constitucional quanto aos precatórios

(...) mas também é inegável, tal como demonstrado, que o

Estado encontra-se sujeito a um quadro de múltiplas obrigações

de idêntica hierarquia. 69

Afirma ainda o magistrado, que a medida interventiva, se requerida, violaria o

princípio da proporcionalidade. Em primeiro na mediada proporcionalidade-adequação,

posto que, decretado o remédio constitucional, o interventor nomeado para executá-lo

estaria limitado aos mesmos poderes que o Governador, e, dessa forma, não poderia

68

CARVALHO FILHO. op. cit. pág 45 69

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de Andrade e outros;

Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-stf> Acessado em 01

de abril de 2013

66

dispor das finanças estaduais de maneira diversa; entendimento este compartilhado por

Ricardo Lewandowski quando do julgamento da IF nº 5101-RS. Em segundo,

desrespeita a proporcionalidade-exigibilidade, pois que afastar um representante político

democraticamente eleito e substituí-lo por um interventor que gozará dos mesmos

poderes representa medida ineficaz e, portanto, ineficaz. Por fim, no tocante à

proporcionalidade em sentido estrito, afirma Gilmar Mendes que a medida interventiva

é medida de excepcional, e que sua decretação envolve a violação de inúmeros

princípios constitucionais, em especial o princípio federativo e da isonomia entre os

entes federados. A decisão das ações de Intervenção Federal nº 2915 e 2953, tornou-se,

então, jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal.

Novamente, dada maxima vênia, entende-se não ser este entendimento mais

adequado. Como bem salientou o próprio Min. Gilmar Mendes, a obrigação

constitucional de saldar os precatórios é inegável, como também as complexas

atribuições que lhe cabem e, dessa forma, dado que os recursos à disposição são

limitados, decorre conflito entre ambos. Nisso não há que se discordar. Entretanto

imprescindível tecer-se considerações acerca do raciocínio do ilustre jurista acerca da

violação do princípio da proporcionalidade.

Em primeiro, afirma o ministro que a intervenção não se revela adequada à

situação, pois o interventor estaria restrito os mesmos poderes do Governador de

Estado. Todavia, a Constituição Federal estabelece no inciso V de seu artigo 34, como

pressuposto material da intervenção a desorganização financeira do Estado que deixar,

infundadamente, de pagar a dívida fundada ou de efetuar as transferências financeiras

constitucionais aos Municípios. Nessa hipótese, se necessário, nomear-se-á um

interventor, o qual estará limitado tanto pelas mesmas normas legais que limitariam o

interventor nomeado quando da requisição pela Corte Constitucional, e lhe caberá, da

mesma forma, reorganizar as finanças públicas estaduais. Pela analogia, também esta

medida seria deveras ineficaz, e, portanto, inadequada.

Em segundo, no tocante à proporção-exigibilidade, há que se considerar tratar-se

de uma medida extrema, sim, mas uma medida eleita politicamente como uma medida

eficaz, quando da Assembleia Nacional Constituinte. Quando do momento da confecção

da Constituição vigente, os representantes do povo, cônscios de que, na esteira do

próprio Gilmar Mendes, todo direitos pressupõe um custo, se faz necessário aos

Estados, dadas suas competências, a necessidade premente de manter equilíbrio

67

financeiro. Aqui se entende incluído o pagamento dos precatórios, para o qual, inclusive

a Constituição estabeleceu prazo para saldar as dívidas existentes quando de sua

promulgação e um modo alternativo, a emissão de títulos da dívida, os quais

permitiriam aos credores sua negociação em mercados. Dessa forma, por expressa

previsão constitucional, se entende exigível a medida, dado que a Lei maior a

estabeleceu exatamente porque o equilíbrio financeiro e o adimplemento das dívidas do

Poder Público são necessários à própria consecução de sua razão.

Nesse sentido, oportuno trazer à baila manifestação do Min. Marco Aurélio

quando do julgamento da IF 5114-RS:

Mas, Excelência, eu não vou me demorar, quero apenas

dizer que, quando se desonra um precatório, quando se

incide em inadimplência em matéria de precatório, a

despeito da ordem ou da decisão judicial, quantos

princípios constitucionais não são desrespeitados? 70

Não se quer, aqui, se dizer que direitos fundamentais como a educação e a saúde

devam ser postos de lado e devam ser pagos os precatórios com preferência sobre todos

os demais direitos. Ocorre que, se por um lado é exigível que direitos fundamentais –

rol em que se encontra o direito de perceber os créditos devidos a título de precatórios –

considerados em âmbito social, sejam postos me primeiro plano, de outro lado também

há que se considerar que a inadimplência institucionalizada por parte do Poder Público

transgride os princípios fundantes do ordenamento pátrio tanto quanto a inexecução dos

aludidos serviços públicos essenciais.

Por fim, no que tange à proporcionalidade em sentido estrito, pela mesma via,

entende-se que a intervenção viola importantes princípios do ordenamento. Contudo, o

próprio ordenamento o prescreveu, admitindo a violação aos princípios federativo,

isonômico, entre outros, em hipóteses de grave instabilidade institucional. Nessa seara,

há que se convir ser o endividamento dos entes estaduais, no que toca aos precatórios,

situação que compromete a integridade dos princípios jurídicos que sustentam o Estado

brasileiro, posto que, segundo notícia do jornal Valor Econômico de 08 de abril de

70

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 5114-RS. Relator: Min. Gilmar Mendes

> Acessado em 31 de março de 2013

68

2013, o Conselho Nacional de Justiça calculou o montante devido em precatórios pelos

Estados e Municípios na astronômica cifra de aproximadamente R$ 94 (noventa e

quatro) bilhões de reais ano primeiro semestre de 201271.

Há, ainda que se ressaltar uma importante questão atinente aos precatórios. O

ofício precatório constitui débito que o Poder Executivo, quando da formulação das leis

orçamentárias anuais, nomeadamente, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei de

orçamento anual, deve incluir no campo atinente às despesas. Contudo, o art.4º e ss. da

lei 4.320/64, que estabelece as normas gerais de direito orçamentário, prescreve que

todas as receitas e despesas do Poder Público para o ano seguinte devem ser expostas

detalhadamente, com demonstrativo de origem das receitas. Ademais, quaisquer

emendas o projeto de lei orçamentária deverá especificar a dotação de receita que lhe

dará suporte. Observa-se, assim, que, quando do início do exercício financeiro, constará

no orçamento anual previsões de receitas para saldar os precatórios expedidos até 1º de

julho do exercício financeiro anterior e, portanto, o ente estará obrigado a realizá-la.

Assim, não podem os Estados se desincumbirem de realizar as despesas atinentes aos

precatórios ao alegar o cumprimento da obrigação, na medida em que efetuaram a

inscrição do débito, como disposto no art. 100, §5º da Constituição Federal, não tendo,

contudo efetuado o pagamento por falta de recursos financeiros.

Se aos Estados não houve adequada dotação orçamentária, cabe ser

encaminhada, pelo Governador de Estado ou pelo interventor federal , de proposta de lei

de créditos suplementares, consoante art. 41, I da lei 4.320/64., considerando-se, sempre

o percentual de endividamento de cada Estado.

Por fim, apenas a concluir o debate, segue-se a esteira do próprio Congresso

Nacional ao instituir, por via de reforma constitucional, fundo financeiro para a quitação

de precatórios, havendo, notícias inclusive de redução de dívida por parte de alguns

entes federativos, como o Estado de São Paulo72.

71

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/101556-dividas-judiciais-de-cidades-e-estados-ja-passam-de-

r-90-bi.shtml> Acessada em 01 de abril de 2013

72 http://www.conjur.com.br/2013-mar-15/antonio-sandoval-filho-queda-emenda-constitucional-62-abre-

vacuo-legal. Acessada em 16 de março de 2013

69

O ilusório sistema da vinculação de percentual da receita líquida, a que já se fez

alusão, apresentava proposta inteligente ao estabelecer um fundo onde seriam

mensalmente depositados os percentuais estabelecidos. Esses fundos foram julgados

inconstitucionais por violarem a isonomia, através do pagamento de precatórios através

de leilão, bem como a vedação constitucional de vinculação de receitas.

Ora, a Constituição não veda a instituição de fundos pelos Estados, até mesmo

para que estes possam cumprir suas atribuições constitucionais. Assim, desta forma, aos

Estados caberia, se efetivamente comprometidos em saldar seus precatórios, instituir um

fundo financeiro, destinando valores periódicos a esta “conta especial” cuja finalidade é

o pagamento integral dos precatórios, sem se incorrer no odioso sistema de leilão ou em

nova moratória.

Nesta seara, considerando-se que o interventor possui os mesmo poderes que o

Governador do Estado, em tese, possuiria, é ele, enquanto durar a medida interventiva e

nos limites do decreto presidencial, competente para encaminhar propostas

orçamentárias e financeiras ao Poder Legislativo, de medidas de combate ao depósito

acumulado de precatórios, não se vislumbrando, aqui, quaisquer inconstitucionalidades,

quer pela decretação da intervenção federal, quer pela nomeação de interventor, quer

pela atividade política ou administrativa exercida por este.

70

6 CONCLUSÃO

Procurou-se demonstrar nesse trabalho as principais questões relacionadas ao

binômio Intervenção Federal-Precatórios, através de uma análise dos institutos a elas

relacionados, bem como a posição do Supremo Tribunal Federal, posto que lhe cabe,

como órgão jurisdicional máximo do país, a decisão sobre a intervenção alicerçada em

dívidas de precatórios, embora já se tenha que uma investigação exaustiva extrapolaria

os limites deste trabalho.

Percebe que a responsabilização do Estado, como corolário do Estado

Democrático de Direito, ainda que operem prerrogativas a favor da Fazenda Pública,

deve ser levada a cabo, construindo o ordenamento jurídico, a começar pela

Constituição, um sistema dentro do qual se opera a responsabilização e execução em

face de entidades constituintes da chamada Fazenda Pública.

A evolução legislativa, contudo, não se fez acompanhada de uma evolução

jurisprudencial do órgão jurisdicional máximo, posto que, este, na contra marcha de

diversos Tribunais de Justiça indefere o pedido, assentado na exigência de requisitos

que não constam na Lei Maior. Embora admita ser o pedido juridicamente possível,

posto que o precatório configura ordem judicial – materializando uma obrigação de dar,

o Tribunal Constitucional, mesmo recebendo uma avalanche de processos, afirma da

impossibilidade dos Estados de honrarem seus compromissos financeiros e, bastando

que se mostrem diligentes na busca pela solução deste problema, estará afastada a

aplicabilidade da intervenção.

Urge seja tomada uma nova postura perante o quadro de inadimplência estadual.

Em um país em que houve tanta repercussão as Emendas Constitucionais que tendiam a

imortalizar a inadimplência pública, que se opere uma revisão acerca do funcionamento

e destino das receitas públicas, bem como acerca do estoque de precatórios acumulados.

Mas, sobretudo, há que se reavaliar o papel que o STF pode vir a desempenhar nas

hipóteses de intervenção, como requerente de uma medida a quem não pode o

Presidente da República se esquivar, bem como aquele que fiscalizará os resultados

obtidos.

Afinal, como se noticia, alguns entes ao executarem medidas efetivas nessa

seara, sob a vigência de um sistema inconstitucional, vislumbraram decréscimos

71

significativos de sua dívida perante os particulares, inegável se afirmar que um sistema

correto, aproveitando-se da experiência do anterior, mas não incorrendo nos mesmos

erros, tende, assim, a apresentar melhores resultados.

É essencial que se rompa o círculo vicioso, não penas da inadimplência por parte

do Estado, mas também por parte da visão conservadora do Tribunal Constitucional,

posto existirem alternativas ao flagrante calote aplicado pelo Poder Público aos

administrados e, portanto, medidas de combate ao status quo caracterizando pelo

descaso dos Estados-membros da Federação, entendido incluso o Distrito Federal.

72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª Ed. rev. atual.

Rio de Janeiro. Editora Forense. 2004

BARROSO, Luís Roberto. A derrota da federação: o colapso financeiro dos estados

e municípios. In

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em

<www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acessada em 03 de

março de 2013

BRASIL. Constituição (1988), Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de

2013 Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 78 no Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao pagamento de precatórios

judiciários. Disponível em < Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e

acrescenta o art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao

pagamento de precatórios judiciários.> Acessado em 17 de março de 2013

BRASIL. Constituição (1988), Emenda Constitucional nº 37. Disponível em Altera

os arts. 100 e 156 da Constituição Federal e acrescenta os arts. 84, 85, 86, 87 e 88 ao

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em

<www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/.../emc37.htm> Acessado em

15 de abril de 2013

BRASIL. Constituição (1988), Emenda Constitucional nº 69, de 09 de dezembro de

2009, Altera o art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 97 ao Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de

precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc62.htm>

Acessada em 15 de março de 2013

BRASIL. Lei nº 8.038/90, de 28 de maio de 1990, Institui normas procedimentais para

os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo

Tribunal Federal. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8038.htm> Acessado em 03 de março de

2013

BRASIL. Lei 4.320/64, de 17 de março de 1964, Estatui Normas Gerais de Direito

Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados,

dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm> Acessado em 20 de março de

2013

BRASIL. Lei nº 12.562, de 23 de dezembro de 2011, Regulamenta o inciso III do art.

36 da Constituição Federal, para dispor sobre o processo e julgamento da representação

interventiva perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12562.htm> Acessada

em 20 de março de 2013

BRASIL. Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, Proclama provisoriamente e

decreta como fórma de governo da Nação Brazileira a Republica Federativa, e

73

estabelece as normas pelas quaes se devem reger os Estados Federaes. Disponível em <

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1-15-novembro-1889-

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 135. Partes Ary Mendes

e outros; Estado do Rio de Janeiro. 17 de outubro de 1995. Relator Min. Sepúlveda

Pertence. Disponível <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/745163/intervencao-

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 693-SP Partes: Wilson

Roberto Wenzel; Estado de São Paulo. Relator: Min. Maurício Corrêa. 19 de novembro

de 2003 Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/769865/agregna-

intervencao-federal-if-agr-693-sp-stf> Acessado em 31 de março de 2013

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 762-SP Partes: COINPA

- Cozinha Paulista LTDA; Estado de São Paulo Relator: Min. Cezar Peluso.29 de março

de 2012 Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21535329/agreg-

na-intervencao-federal-if-762-sp-stf> Acessado em 31 de março de 2013

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 4211-RS Partes: Zuleika

Therezinha Terra Ferreira; Estado do Rio Grande do Sul. Relator o Min. Maurício

Correa. 24 de março de 2004. Disponível em

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14742700/agregna-intervencao-federal-if-

4211-rs-stf> Acessado em 31 de março de 2013

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de

Andrade e outros; Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min.

Marco Aurélio. Disponível em

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-

stf> Acessado em 01 de abril de 2013

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 5101-RS. Partes Regina

Nuria Hidalga Crespo e outros; Estado do Rio Grande do Sul. de 28 de março de 2012

Relator: Min. Cezar Peluso. Disponível em

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869961/intervencao-federal-if-5101-rs-

stf> Acessado em 31 de março de 2013

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Gilmar Mendes > Acessado em 31 de março de 2013

74

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sumula n.º 655. A exceção prevista no art.

100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia,

não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da

observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações

de outra natureza. Disponível em

<http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0655.ht

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.345 – RS

(2008/0220526-9), relator: Min. Benedito Gonçalves; Disponível em <

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 960.026 -

SC (2007/0134345-9), de relator: Min. Mauro Campbel Marques

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14321519/agravo-regimental-no-recurso-

especial-agrg-no-resp-960026-sc-2007-0134345-9-stj/inteiro-teor> Acessado em 02 de

abril de 2013

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4357-DF, Relator: Min. Carlos Ayres

Britto. Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4357

&processo=4357> Acessado em 02 de abril de 2013

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4425-DF, Relator: Min. Carlos Ayres

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http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4357

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OLIVEIRA, Regos Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª Ed. rev. atual. São

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª Ed.

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DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. Salvador. Editora

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LEWANDOWSKI. Enrique Ricardo. Pressupostos Formais e Materiais da

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MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. rev.

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75

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª Ed. rev. atual.

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TEODORO, Rafael. Sobre os “Estados Unidos do Brasil”: ensaio sobre a origem

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WEISS, Fernando Lemme. Princípios Tributários e Financeiros. Rio de Janeiro.

Lumen Juris. 2006

76

ANEXO A - Erick Wilson Pereira: Fim da EC 62 é só o começo de debate sobre

precatórios*

Agora que a questionada Emenda Constitucional 62/2009, conhecida como Emenda do Calote dos

Precatórios ruiu, é de se perguntar por quais razões seus efeitos não foram discutidos e suspensos tão

logo ela foi promulgada.

Se as regras relativas aos precatórios contidas na Constituição de 1988 eram já reputadas como

francamente inconstitucionais, por que instituir “outro regime perverso”, como bem rotulou a

ministra Rosa Weber, em vez de buscar soluções mais adequadas e condizentes com os princípios e

direitos constitucionais?

Com as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal acerca das duas ADIs que questionavam a

PEC 62/2009, direitos individuais foram reafirmados e o seu prato na balança foi reequilibrado com

o do poder público. O pagamento imediato previsto na regra original foi resgatado em detrimento do

prazo de até 15 anos para liquidação das dívidas públicas constituídas em precatórios – parcelamento

sinônimo de moratória violadora dos direitos dos cidadãos, ainda mais quando se estabelecia o

índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária, claramente insuficiente para

recompor perdas inflacionárias.

Regras de compensação de créditos, a exemplo da negociação de parcela dos débitos do poder

público em leilões ou mediante acordos diretos com os credores, foram abolidas. Vedou-se, assim,

prática antijurídica equivalente a autorização à inadimplência ou ao perdão parcial da dívida do

devedor, a par do incentivo à barganha em vista da falta de perspectiva de realização de um direito

líquido e certo, reconhecido por sentença judicial.

Na apreciação do ministro Luiz Fux, o critério do leilão comporta “completa inversão da ordem

natural das coisas”, além de violar os princípios da igualdade entre os cidadãos, da impessoalidade e

da moralidade administrativa.

A preferência válida para quem teria 60 anos "na data de expedição do precatório" passou a se

estender a quem tiver mais do que essa idade quando for receber o valor de direito, numa

homenagem à isonomia, à dignidade da pessoa humana e ao princípio da proteção aos idosos. Os

mais prejudicados com as distorções no pagamento dos precatórios são os velhos, que formam

parcela significativa da nossa população — já somam 24 milhões — e se encontram em situação de

vulnerabilidade, devendo merecer proteção especial do Estado.

A própria expectativa de vida reduzida inerente aos idosos já restringe as chances da realização

eficaz das decisões judiciais, quando ocorrem, antes de virem a falecer. A decisão da Suprema Corte

brasileira, mais do que justa e preservadora de cláusulas pétreas e princípios constitucionais,

dignificou o inverno da vida fazendo preponderar a proteção ao idoso sobre o interesse estatal.

O momento presente impõe a conveniência de não deixar as novas regras à larga, na dependência de

casuísmos ou protestos de um poder público que ainda administra mal ou cria disparidades nos

gastos, priorizando áreas de menor relevância — a exemplo da publicidade e das ajudas externas, em

detrimento de outras que afetam diretamente seus cidadãos. A discussão de um regime regulatório

77

que comporte estratégias e fórmulas inovadoras para a quitação de dívidas do Poder Público que já

somam quase R$ 100 bilhões em precatórios, a exemplo da federalização dos débitos e negociação

de títulos da dívida pública no mercado financeiro, tem que ser urgentemente traduzida em

resultados concretos lastreados pela eficiência administrativa e pelo respeito às normas do Estado de

Direito.

Faz-se indispensável, para o aperfeiçoamento dos pressupostos de um Estado que se pretenda

Democrático de Direito, que o Congresso Nacional, a União e o Judiciário se obriguem a debater e

achar soluções que não mais atentem contra os direitos humanos, a igualdade entre os cidadãos, a

garantia do livre e eficaz acesso à Justiça, a independência entre os três poderes, a proteção da coisa

julgada, a duração razoável do processo e a autoridade das decisões judiciais.

* texto publicado no site: <http://www.conjur.com.br/2013-mar-26/erick-pereira-fim-

emenda-62-comeco-debate-precatorios> em 26 de março de 2010

78

ANEXO B – FLÁVIO FERREIRADE SÃO PAULO:

DÍVIDAS JUDICIAIS DE CIDADES E ESTADOS JÁ PASSAM DE R$ 90 BI

Milhares de servidores e vítimas de desapropriações esperam muitos anos pelo

pagamento de precatórios

Para não quebrar os Estados, Supremo pode modular abrangência da decisão que

ordenou pagamento em um ano

"Ainda bem que Deus não quis me levar até agora", diz a dona de casa Isaura Soares de

Siqueira, 90, ao falar sobre a espera de mais de 26 anos para receber o dinheiro que o

governo estadual deve a ela após a Justiça reconhecer uma diferença salarial devida ao

marido já morto.

O marido, um policial militar, havia pedido ao Judiciário o pagamento de um adicional

previsto na lei. A notícia da vitória na ação chegou à casa de Isaura no dia do enterro

dele. Agora, ela e seus nove filhos aguardam o pagamento que, com correções, já passa

de R$ 700 mil.

"Quando receber, vou pagar a operação no joelho da minha filha que sofre de artrite e

vou ajudar meus filhos que ainda têm que pagar aluguel", conta a dona de casa.

A situação de Isaura também é vivida por milhares de funcionários públicos e

pensionistas que ganharam na Justiça, tiveram seus créditos formalizados nos títulos

chamados de precatórios, mas ainda não levaram.

Segundo Tribunais de Justiça consultados pela Folha, servidores que não receberam as

verbas salariais previstas em lei formam o maior número de titulares de precatórios no

país. Outro grupo relevante é o de donos de terrenos desapropriados que não aceitaram

o valor pago pelo Poder Público.

O fato de muitos governantes terem ignorado a máxima de que "decisão judicial não se

discute, cumpre-se" levou Estados, municípios e autarquias a acumularem dívidas que já

somam mais de R$ 90 bilhões, segundo o Conselho Nacional de Justiça.

Como esse passivo já era altíssimo em 2009, o Congresso aprovou a Emenda 62, que

autorizou o parcelamento dessas dívidas em até 15 anos.

Porém, no último dia 14 o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional

essa permissão. Com isso, vai voltar a valer regra anterior, que estipulava o prazo de um

ano para pagamento.

A decisão preocupa Estados, municípios e autarquias que têm dívidas muito altas em

relação à receita líquida anual. Se a conta vier para quitação em um ano, suas políticas

públicas e investimentos ficarão comprometidos.

A Folha fez um levantamento nas contas das unidades da Federação e apurou que a

situação de endividamento com os precatórios é grave em vários locais. No Distrito

Federal, por exemplo, chega a quase 30% da receita corrente.

79

"A sociedade de cada Estado e município deveria investigar quando seus governantes

tomaram a decisão política de parar de pagar em dia os precatórios e deixaram que

grandes passivos fossem acumulados", diz o procurador-geral do município de São

Paulo, Celso Coccaro.

Coccaro cuida do passivo de precatórios de mais de R$ 17 bilhões da prefeitura

paulistana, que praticamente empata com a dívida do Estado de São Paulo. O valor

equivale a 56% da receita líquida da cidade em 2012. "O passivo é equivalente a quatro

anos de investimentos da prefeitura", diz Coccaro.

O respiro para as administrações pode vir do próprio STF. É que o ministro relator da

ação contra os parcelamentos, Luiz Fux, vai propor uma discussão sobre a abrangência

da decisão.

O STF poderá decidir, por exemplo, que as dívidas anteriores ao julgamento ainda

poderão ser parceladas, por algum período, e a regra da quitação em um ano vai valer

para os novos precatórios.

O tribunal poderá também declarar que algumas regras da Emenda 62 consideradas

positivas pelos credores poderão continuar vigorando.

A própria autora da ação contra os parcelamentos, a OAB (Ordem dos Advogados do

Brasil), deve sugerir ao STF alternativas para evitar o caos financeiro nos Estados.

A secção paulista da OAB já propõe que o STF dê prazo de cinco anos para o

pagamento de precatórios antigos.

80

ANEXO C- ANTÔNIO ROBERTO SANDOVAL FILHO: QUEDA DA EMENDA

CONSTITUCIONAL 62 ABRE VÁCUO LEGAL*

Em decisão soberana, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta-feira (14/3),

considerar inconstitucional a Emenda Constitucional 62. É uma decisão importantíssima

para o país, especialmente para os credores alimentares. A decisão do STF foi motivada

por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela Ordem dos Advogados

do Brasil.

Ainda não é possível saber exatamente quais serão as consequências desse gesto do

Supremo. O que virá em seguida? Governadores e prefeitos serão obrigados a ampliar o

volume de recursos destinados aos pagamentos? Os credores serão de fato beneficiados

com a queda da EC 62?

Se prevalecer a regra anterior, os precatórios constituídos até 31 de julho de um

determinado ano deverão ser pagos, integralmente, até 31 de dezembro do ano seguinte.

Ou seja, o prazo máximo para o pagamento seria de 18 meses.

O Supremo deverá esclarecer esses e outros pontos da recente decisão em sessão futura,

a ser realizada em data ainda não definida. Até lá, o país viverá em uma espécie de

vácuo legal. Não se sabe o que será feito com os parcelamentos e os leilões que já foram

realizados ou que já estão programados.

Há dúvidas também em relação aos pagamentos já feitos em ordem crescente de valor.

Vai ser possível levantar os recursos financeiros que já foram depositados? Depois da

decisão do Supremo, o que vai acontecer com esses depósitos a partir de agora?

Os advogados de credores alimentares têm a expectativa de que a queda da Emenda 62

acelere o ritmo de pagamento dos precatórios. Mas, no Brasil, nem sempre uma decisão

positiva como esta do Supremo produz os efeitos esperados.

A despeito do caráter comprovadamente inconstitucional de que se revestiu a Emenda, o

fato é que este marco legal fixou um percentual da receita que deveria ser destinado por

estados e municípios ao pagamento dos precatórios. No caso do Estado de São Paulo,

esse percentual corresponde a 1,5% da recente corrente líquida. Quem não cumprisse a

exigência estaria sujeito a processos de intervenção federal.

O Estado de São Paulo cumpriu a lei e destinou esse percentual ao pagamento dos

credores, o que foi fundamental para reduzir o volume da dívida paulista com

precatórios, que caiu de R$ 19 bilhões em 2009 para R$ 15 bilhões em 2012.

Ou seja, a Emenda obrigou e os estados a reservar certo volume de recursos para os

credores. Antes disso, governadores e prefeitos agiam de acordo com os seus próprios

critérios. Pagavam quanto e quando queriam — sem que ninguém pudesse fazer nada.

Aprovada pelo Congresso Nacional em 2009, a Emenda 62 foi, com justiça, qualificada

como “calote oficial”, uma vez que permitiu aos estados e municípios o parcelamento

de seus débitos em 15 anos. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Outros

parcelamentos já tinham ocorrido antes da Emenda.

A EC 62 permitiu também a adoção de outra medida inconstitucional, o leilão reverso.

Governos e municípios poderiam fazer leilões nos quais os credores que concedessem

81

os deságios mais elevados teriam preferência e receberiam antes parte dos valores que

lhes coubessem.

Trata-se de um critério que usurpava direitos legítimos dos credores, conquistados

depois de longa batalha judicial. O deságio poderia atingir metade do crédito total

devido ao servidor, configurando uma clara violação de direitos reconhecidos

judicialmente em sentenças definitivas. A recente decisão da Suprema Corte acabou

com essa aberração.

E acabou também com outra medida absurda: a possibilidade de usar os créditos

judiciais para o pagamento de tributos, o que abriria um balcão de negócios, cujas

vítimas seriam, mais uma vez, os credores.

A expectativa de muitos é que a decisão do Supremo acabe de vez com o calote e com

as tentativas de prejudicar os credores. A queda da Emenda 62 não pode servir para uma

volta ao passado, em que governadores e prefeitos faziam e desfaziam dos credores e

nenhuma satisfação deviam à sociedade e ao Poder Judiciário.

A preocupação remanescente é que a decisão do Supremo, positiva em muitos aspectos,

acabe por paralisar os pagamentos, travando um processo que de alguma maneira estava

funcionando. Outra preocupação é quanto ao regime que irá vigorar a partir de agora.

Como não cabe ao Poder Judiciário o papel de legislar sobre qualquer assunto, o país

entra agora em um período de vácuo legal, marcado pelo desconhecimento coletivo

quanto às consequências da decisão da Suprema Corte. Esperamos que esta fase seja

superada em breve, em benefício da lei e da Justiça. O momento é de avançar na

solução definitiva da questão dos precatórios alimentares.

texto publicado no site: < http://www.conjur.com.br/2013-mar-15/antonio-

sandoval-filho-queda-emenda-constitucional-62-abre-vacuo-legal> em 15 de

março de 2013