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1
INTRODUO
Quando falamos em adolescentes autores de atos infracionais, a reao
mais freqente a de temor, receio e repulsa. Os meios de comunicao
trazem ao nosso conhecimento notcias de atos brbaros cometidos por
crianas e adolescentes, levando boa parte da sociedade, influenciada s vezes
pelo sensacionalismo do noticirio, a especular sobre a necessidade de
mudanas na legislao, de modo a mais severamente punir tais atos
infracionais.
Geralmente tais informes trazem notcias de atos graves e violentos,
que aumentam a repulsa e geram perplexidade nos cidados, levando-os ,
deliberadamente questionarem a legislao destinada aos adolescentes autores
de atos infracionais.
De certo que gravidade do ato infracional cometido, deve
corresponder medida scio-educativa adequada, de modo a efetivamente
cumprir o papel previsto na legislao, qual seja, a ressocializao do
adolescente.
O atual modelo da medida scio-educativa privativa de liberdade, a
internao, merece de nossa parte certa discordncia, vez que sua aplicao
leva ao recolhimento do adolescente em instituies com caractersticas
semelhantes s cadeias destinadas aos adultos e como sabido o formato
dessas instituies no representam hoje modelo capaz de ressocializar o
adulto criminoso, tampouco o adolescente infrator, questionando-se inclusive
se no ferem direitos e garantias fundamentais.
2
As cenas das constantes rebelies ocorridas nessas instituies, cada
vez mais aproximam cadeias pblicas e instituies destinadas a internao de
adolescentes infratores, demonstrando claramente o insucesso prtico para a
aplicao da medida privativa de liberdade aos adolescentes.
No obstante o comentrio inserido acima, no ele o objeto central
deste estudo, pois alm da medida da internao, existem outras modalidades
destinadas aos autores de prticas infracionais, que geralmente no so
exploradas pelo noticirio e pela mdia em geral, fazendo com que sejam
ignoradas por grande parte da sociedade. Dentre essas medidas scio-
educativas est a liberdade assistida, instituto que aproxima o adolescente
infrator da famlia, da sociedade e do Estado, e sobre o qual explanaremos no
presente estudo.
Deste modo, visa este estudo, dentro dos Direitos e garantias
fundamentais previstos na Constituio brasileira, enfocar o direito
liberdade do adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos), mais especificamente o
adolescente infrator sujeito aplicao da medida scio-educativa liberdade
assistida, prevista no artigo 118 da Lei 8069 de 13 de julho de 1990, o
Estatuto da Criana e do Adolescente.
Com base nos dispositivos constitucionais relativos aos direitos
humanos fundamentais, destacando-se o princpio da liberdade, procuraremos
traar um paralelo entre a medida scio-educativa prevista na lei especial e
sua eficcia como forma de garantia ao adolescente infrator da ressocializao
e da efetivao do direito liberdade conforme previsto na Lei Maior.
A proposta deste trabalho , considerando os dispositivos legais, os
deveres da sociedade e do Estado, discutir o direito liberdade dos
3
adolescentes que praticam atos infracionais, durante e/ou depois de cumpridas
a medida scio-educativa prevista no artigo 118 do Estatuto da Criana e do
Adolescente, visando seu reingresso ao convvio social e conseqentemente
sua incluso na sociedade, de modo a no mais delinqirem.
Sem maiores pretenses e com base em pesquisas de campo e
entrevistas, analisaremos se a medida em comento da liberdade assistida
requer reformulao para melhor assistir os direitos da criana e do
adolescente.
4
1. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIO
BRASILEIRA
1.1. Conceito de Direitos Fundamentais
Para Alexandre de Moraes, direitos humanos fundamentais so:
O conjunto institucionalizado de Direitos e do ser humano que tem por
finalidade bsica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteo contra
o arbtrio do poder estatal e o estabelecimento de condies mnimas de vida
e desenvolvimento da personalidade humana.1
Jos Afonso da Silva sugere as seguintes caractersticas dos
Direitos fundamentais2:
(a) Historicidade so histricos como qualquer Direito.
Nascem, modificam-se e desaparecem (...);
b) Inalienabilidade so Direitos intransferveis, inegociveis,
porque no so de contedo econmico-patrimonial (...);
c) Imprescritibilidade (...) no se verificam requisitos que
importem em sua prescrio. Vale dizer, nunca deixam de ser exigveis (...) e
d) Irrenunciabilidade no se renunciam Direitos fundamentais.
Alguns deles podem at no ser exercidos, pode-se deixar de exerc-los, mas
no se admite sejam renunciados.
Nos ensinamentos de Jos Joaquim Gomes Canotilho,
aprendemos que os Direitos fundamentais cumprem a funo de Direitos de
1 Alexandre de Moraes. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentrios aos arts. 1 a 5 da Constituio Federal, p. 39. 2 Jos Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 181.
5
defesa dos cidados sob uma dupla perspectiva: (1) constituem num plano
jurdico-objetivo, normas de competncia negativa para os poderes pblicos,
proibindo fundamentalmente as ingerncias destes na esfera jurdica
individual; (2) implicam, num plano jurdico-subjetivo, o poder de exercer
positivamente Direitos fundamentais (liberdade-positiva) e de exigir omisses
dos poderes pblicos, de forma a evitar agresses lesivas por parte dos
mesmos (liberdade negativa). 3
As palavras do constitucionalista portugus encerram duas
consideraes de extrema relevncia.
Primeiro, seu carter positivo, enquanto incorporao no
ordenamento escrito e segundo, esta positivao deve ocorrer do bojo do mais
importante diploma jurdico: a Constituio.
Podemos complementar o conceito de Direitos fundamentais
com a afirmativa de Jos Carlos Vieira de Andrade, constitucionalista
portugus, de que estes possuem juridicidade especfica por constarem desse
instrumento de Direito interno denominado Constituio; e ainda
complementa dizendo que seu valor jurdico, a sua fora de conformao no
foram sempre os mesmos, mas no h dvida hoje que comandam todo o
ordenamento jurdico, impondo-se prpria funo legislativa por fora do
princpio da constitucionalidade.4 A utilizao das expresses Direitos
Fundamentais e Direitos Humanos merecem alguma explicao.
Por um lado, parte da doutrina afirma que a expresso Direitos
Humanos tem origem inglesa human rights enquanto Direitos
3 Jose Joaquim Canotilho, Direito Constitucional, p. 51. 4Jos Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na constituio portuguesa de 1976, p. 33.
6
Fundamentais seriam fruto da tradio continental, notadamente germnica.
Diferentemente, outros autores acreditam que a diferena encontra-se no
mbito da aplicao do conceito: os Direitos Fundamentais restringem-se ao
mbito constitucional, garantidos e limitados no tempo e no espao, enquanto
os Direitos Humanos ao mbito internacional; constituem Direitos de todos os
povos.
Constituem assim classes variveis ao longo do tempo,
modificando seu elenco no compasso da alterao das condies histricas.
Como salienta Celso Albuquerque Mello5, no esto tais Direitos relacionados
em uma lista imutvel, porque a natureza humana est em construo, vez
que ela apenas pressupe a sociabilidade do homem, e esta vai criando novas
formas de pensar.
O mesmo argumento pode ser aplicado tanto para os Direitos
humanos quanto para os fundamentais. Hoje as Constituies fixam princpios
e linhas gerais para guiar o Estado e a vida em sociedade com a finalidade de
promover o bem-estar individual e coletivo de seus integrantes.
1.2. Evoluo histrica
Ensina Alexandre de Moraes que os direitos humanos
fundamentais, em sua concepo atualmente conhecida, surgiram como
produto da fuso de vrias fontes, desde tradies arraigadas nas diversas
5 Celso Albuquerque Mello, Direitos Humanos e Conflitos Armados, p. 4 e 28.
7
civilizaes, at a conjuno dos pensamentos filosfico-jurdicos, das idias
surgidas com o cristianismo e com o direito natural.6
Prossegue o autor, ensinando ainda que existe um ponto
fundamental em comum nessas idias, a necessidade de limitao e controle
dos abusos de poder do prprio Estado e de suas autoridades constitudas e a
consagrao dos princpios bsicos da igualdade e da legalidade como
regentes do Estado moderno e contemporneo.7
Assevera mais que, A origem dos Direitos individuais do
homem pode ser apontada no antigo Egito e Mesopotmia, no terceiro milnio
a. C, onde j eram previstos alguns mecanismos para a proteo individual em
relao ao Estado. O Cdigo de Hammurabi (1690 a C) talvez seja a primeira
codificao a consagrar um dos Direitos comuns a todos os homens, tais
como a vida, a propriedade a honra, a dignidade a famlia, prevendo
igualmente a supremacia das leis em relao aos governantes.8
Prosseguindo, diz que os mais importantes antecedentes
histricos das declaraes dos Direitos fundamentais encontram-se
primeiramente, na Inglaterra, onde podemos citar a Magna Charta
Libertatum, outorgada por Joo Sem Terra em 15 de junho de 1215.
Tnia da Silva Pereira, em trabalho sobre direitos fundamentais
na infncia, ratifica o ensinamento de Alexandre de Moraes e assevera que os
Direitos fundamentais constituem elemento basilar do constitucionalismo
moderno e prossegue afirmando que um breve apanhado histrico dos
6 Alexandre de Moraes, Op. cit., p. 19 7 Ibid, mesma pgina 8 Ibid., p. 24
8
Direitos fundamentais confunde-se com a prpria construo do
constitucionalismo.9
Segundo a autora muitos autores apontam a inglesa Carta Magna
de 1215 como inauguradora do captulo dos direitos fundamentais na histria
dos direitos. Subscrita pelo Rei Joo Sem-Terra, bispos e bares,
caracterizou-se pela concesso de privilgio aos referidos estamentos e pelo
conseqente estabelecimento de obrigaes reais.
Parte da doutrina indica seu artigo 39, o qual afirma que nenhum
homem livre seria detido ou despossudo de seus bens sem juzo prvio, o
enraizamento da tendncia de se garantirem direitos aos indivduos. Conduz-
se ilao de que o germe dos direitos fundamentais estaria no direito de ir e
vir como pressuposto necessrio aos demais. Ou seja, a liberdade, como
direito prioritrio. Por outro lado, asseveram outros autores que a Carta
Magna no seria mais do que uma concesso mtua entre privilegiados,
afastando-se diametralmente de qualquer pretenso de universalidade.
Surge assim o dissdio doutrinrio, acerca da real paternidade dos
direitos fundamentais, tradicionalmente disputada entre a Declarao de
Direitos do povo da Virgnia de 1776 e a Declarao dos Direitos do Homem
e do Cidado de 1789.
As liberdades constitudas na Inglaterra ao longo do Sc. XVII
Petition of Rights de 1628, Lei do Habeas Corpus de 1679 e o Bill of Rights
de 1689 foram incorporadas sistemtica jurdica dos Estados Unidos,
agora em sede constitucional, na Declarao de Virgnia.
9 Tnia da Silva Pereira, Infncia e juventude: os direitos fundamentais e os princpios constitucionais consolidados na Constituio de 1988, p. 76
9
Ingo Wolfgand Sarlet afirma que a nota distintiva desta
declarao encontra-se em sua supremacia normativa e a posterior garantia de
sua justiciabilidade por intermdio da Suprema Corte e do controle judicial da
constitucionalidade.10
A Declarao francesa de 1789 eleva ao grau mximo seu carter
universal, j que baseada restritamente na racionalidade, da qual
absolutamente todos os homens seriam dotados.
Os mesmos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade foram
tambm garantidos na Constituio de 1791 inspirao girondina e de
1793 de inspirao jacobina. Esta ltima chega a acrescentar direitos como
ao trabalho, proteo contra a pobreza e educao. Perez Luo assegura
que a partir de ento as Declaraes de direitos passam a ser incorporadas
histria do constitucionalismo.11
A Constituio belga de 1831 e as cartas constitucionais da
Alemanha e Itlia confirmam o processo de relativizao do carter
jusnaturalista, e, portanto, universal, e o enquadramento dos direitos nos
sistemas positivos dos Estados. De acordo com apontamento de Paulo
Bonavides, a universalidade material e concreta passa a substituir a
universalidade abstrata, e mesmo metafsica, dos direitos na verso
jusnaturalista do sc. XVIII. 12
10 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficcia dos direitos fundamentais, p. 45. 11 Antonio Prez Luo, Derechos fundamentales. Temas clave de la Constitucin Espaola, p. 214 12 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 517.
10
O Sc. XIX foi marcado pela denncia da insuficincia dos
direitos individuais e conseqente reivindicao dos direitos econmicos e
sociais.
As inspiraes operrias foram consagradas pela Revoluo
Russa e celebradas na Declarao de Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado de 1918. No apenas se inaugurava um novo sistema poltico como
tambm uma nova forma de pensar os direitos fundamentais.
So de capital importncia duas constituies do incio do sc.
XX: a mexicana de 17 e a de Weimar de 19. Estas primaram pelo intento de
conjugar em um nico sistema, direitos de cunho individual e econmico
social. Mais especialmente a Constituio de Weimar serviu como modelo
para as constituies europias do ps-guerra que implantaram o regime do
Estado de bem estar social como a francesa de 1946, a italiana de 47 e a
prpria Lei Fundamental de Bonn de 1949, as duas ltimas ainda vigentes.
A mesma tendncia foi reforada nas constituies consagradas
aps regimes autoritrios como a da Grcia (1975), da Espanha (1975) e a de
Portugal (1978). H de se destacar que os estudos comparativos realizados
aps a promulgao da Constituio brasileira de 1988 indicam a
aproximao aos ibricos.
Nossa Constituio traz, entre os direitos fundamentais, uma
composio dos direitos individuais, polticos, sociais, econmicos, culturais,
ambientais, que melhor explanaremos no tpico a seguir.
1.3. Direitos fundamentais na Constituio Brasileira
11
Como j ensinado por Alexandre de Moraes, os Direitos
Humanos Fundamentais visam basicamente, garantir ao homem o respeito a
sua dignidade, protegendo-o do arbtrio do poder estatal e estabelecendo
condies mnimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
Vimos tambm, que nossa Constituio Federal traz nos rol dos
direitos fundamentais uma srie de direitos, aos quais o constituinte ptrio deu
o nome de Direitos e garantias fundamentais, abarcados no ttulo II da Carta
Magna Brasileira.
Em seu Ttulo II, a Constituio Federal de 1988 elenca esses
Direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco captulos:
Direitos individuais e coletivos, Direitos sociais, nacionalidade; Direitos
polticos e partidos polticos. Assim, a classificao adotada pelo legislador
constituinte estabeleceu cinco espcies ao gnero direitos e garantias
fundamentais.
Poderamos afirmar, a primeira vista, que em nossa Constituio
Federal os Direitos Fundamentais eleitos pelo constituinte estariam restritos
ao art. 5 em seus 77 incisos. No entanto, cabe atenta leitura de seu 2,
inciso LXXVIII. In verbis:
Art. 5, LXXVIII - Os Direitos e Garantias expressos nesta
Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por
ela adotados ou dos Tratados Internacionais em que a Repblica Federativa
do Brasil parte.
Ademais, se considerarmos outros dispositivos constitucionais
que versam sobre direitos e garantias fundamentais, encontraremos, como j
12
visto, os direitos nacionalidade, direitos polticos, direitos sociais, direitos
coletivos, somando-se queles direitos individuais mencionados no artigo 5
da Constituio Federal.
Nos ensinamentos de Jos Afonso da Silva, colhemos que:
A classificao que decorre do nosso Direito Constitucional
aquela que os agrupa com base no critrio de seu contedo, que,
ao mesmo tempo, se refere natureza do bem protegido e do
objeto de tutela. De acordo com este critrio, teremos (a)
direitos fundamentais do homem indivduo, que so aqueles que
reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e
independncia aos indivduos diante dos demais membros da
sociedade poltica e do prprio Estado; por isso so
reconhecidos como direitos individuais, como de tradio do
Direito Constitucional brasileiro (art. 5), e ainda por liberdades
civis e liberdades-autonomia (liberdade, igualdade, segurana,
propriedade); (b) direitos fundamentais do homem-nacional, que
so os que tm por contedo e objeto a definio da
nacionalidade e suas faculdades; (c) direitos fundamentais do
homem-cidado, que so os direitos polticos (art. 14, direito de
eleger e de ser eleito), chamados tambm direitos democrticos
ou direitos de participao poltica e, ainda, inadequadamente,
liberdades polticas (ou liberdades-participao), pois estas
constituem apenas aspectos dos direitos polticos; (d) direitos
fundamentais do homem-social, que constituem direitos
assegurados ao homem em sua relaes sociais e culturais (art.
6: sade, educao, seguridade social etc.);(e) direitos
13
fundamentais do homem membro de uma coletividade, que a
Constituio adotou como direitos coletivos (art. 5). 13
Da temos, na classificao de Jos Afonso da Silva, as cinco
espcies definidas pelo legislador constituinte, valendo lembrar que Jos
Afonso da Silva acrescenta a esse elenco uma sexta espcie, ensinando que:
uma nova classe que se forma a dos direitos fundamentais
ditos de terceira gerao, direitos fundamentais do homem solidrio, ou
direitos fundamentais do gnero humano (direito paz, ao desenvolvimento,
comunicao, meio ambiente, patrimnio comum da humanidade).14
Outrossim, pode-se afirmar que o constituinte no teve a
inteno de restringir os Direitos fundamentais queles enumerados no artigo
em tela.
Considerando o disposto no pargrafo 3, inciso LXXVIII, do
artigo 5, j mencionado, que entendemos como uma clusula aberta, este
pargrafo encerra o princpio da no tipicidade dos direitos fundamentais, de
forma a confirmar o no congelamento destes direitos naqueles determinados
no processo constituinte.
E ainda, como leciona Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos
fundamentais podem ter acento em outras partes do texto constitucional ou
residir em outros textos legais nacionais e internacionais.15
13 Jos Afonso da Silva da, Op. Cit7. , p.182/183 14 Ibid., p.183. 15 Ingo Wolfgang Sarlet, Op.cit.p. 85
14
Adicione-se ainda que ao referir-se aos direitos e garantias
expressos em nossa Constituio, o legislador teve como preocupao no
fazer qualquer meno posio a ser ocupada pelos mesmos no Texto.
Destarte, pode-se concluir que so considerados direitos e
garantias fundamentais de mesma hierarquia aqueles que ocupam diversas
posies na Constituio Federal de 1988.
Vemos assim, que ao falarmos em direitos e garantias
fundamentais, no temos como classific-los hierarquicamente. Como j
vimos, o ttulo II da nossa Constituio Federal, ao tratar do tema, em seus 4
captulos e 13 artigos, embora cite quatro modalidades de direitos e garantias
fundamentais, no define a quaisquer delas supremacia sobre a outra.
15
2. O DIREITO LIBERDADE
2.1. Liberdade e filosofia
Ensina Eduardo Carlos Bianca Bittar que: A liberdade pode ser
definida de muitas formas. Alguns definem arbitrariedade sob o manto
conceitual de exerccio de sua liberdade.Outros, consideram-na um valor
para a prpria construo do pacto social. Por isso, existem diversas
concepes de liberdade, o que por si s j traduz o altssimo interesse que o
termo possui para as investigaes filosficas para as perspectivas da vida
humana.16
Considerando as palavras autor, aliadas aos ensinamentos de Jos
Afonso da Silva, no sentido de que os filsofos definiam liberdade de vrias
formas, correlacionando liberdade e necessidade, pois enquanto uns
negavam a existncia da liberdade humana, afirmando uma necessidade, um
determinismo absoluto; outros ao contrrio, afirmavam o livre arbtrio,
liberdade absoluta, negando a necessidade. Ora, de um lado, a liberdade era
simples desvio do determinismo necessrio; de outro desvio daquela17 no
iremos nos aprofundar no estudo filosfico do tema. Apenas a titulo
ilustrativo, transcrevemos alguns de seus conceitos, explicitados em diferentes
pocas.
Para Jos Afonso da Silva, o livre arbtrio a liberdade interna ou
subjetiva, definida como simples manifestao da vontade no mundo
interior do homem. Por isso chamada igualmente liberdade do querer.
16 Eduardo Carlos Bianca Bittar/Guilherme Assis de Almeida, Curso de filosofia do direito, p. 447 17 Jos Afonso da Silva, Op. cit., p. 230.
16
Significa que a deciso entre duas possibilidades opostas pertence,
exclusivamente, vontade do indivduo; vale dizer, poder de escolha, de
opo entre fins contrrios. 18
Para Hannah Arendt a liberdade no equivale ao livre arbtrio, est
identificada na esfera de ao equivalente a soberania, homens e mulheres
tornam-se livres, ao exercitarem a ao e decidirem, em conjunto, seu futuro
comum.
Os homens so livres diferentemente de possurem o dom da
liberdade enquanto agem, nem antes, nem depois; pois ser livre e agir so a
mesma coisa.19
Diferentemente temos o pensamento de Giovanni Pico della
Mirandola, que em seu Discorso de la dignit humana, afirma que a
dignidade do ser humano se baseia em sua liberdade, no livre arbtrio, assim o
filsofo definiu o homem:
suma liberdade de Deus pai, suma e admirvel felicidade do
homem! Ao qual concedido obter o que deseja, ser aquilo que quer.20
Dos ensinamentos de Rousseau extramos que a liberdade do
cidado d-se em razo do contrato social e que tem relao proporcional e
direta grandeza do Estado: quanto maior, menor a liberdade dos cidados
que a compem: quanto menor, maior a liberdade dos cidados que a
compem.
18 Jos Afonso da Silva, Op. cit., p. 231. 19 Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro. p. 199 20 Giovanni Pico della Mirandola, Discurso sobre a dignidade do homem , p. 53
17
O homem nasceu livre, e no obstante, est acorrentado em toda a
parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser to escravo como
eles. Como se tem realizado esta mutao? Ignoro-o. Que pode legitim-la?
Creio poder responder esta questo.21
O que o homem perde pelo contrato social, sua liberdade
natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcanar. O
que ele ganha, a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para
compreender bem estas compensaes, necessrio distinguir a liberdade
natural, que no tem outros limites a no ser as foras individuais, da
liberdade civil, limitada esta pela vontade geral, e a posse, conseqncia
unicamente da fora ou direito do primeiro ocupante, da propriedade que s
pode fundamentar-se num ttulo positivo. 22
2.2. Definio jurdico-positiva de liberdade
Segundo Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de
Almeida, liberdade pode ser definida de muitas formas por essa razo
existem diversas concepes de liberdades, o que por si s j traduz o
altssimo interesse que o termo possui para as investigaes filosficas e para
as perspectivas da vida humana.23
Montesquieu j dizia em seu esprito das leis que liberdade o
direito de fazer tudo o que as leis permitem, ainda segundo o filsofo, a
liberdade poltica no consiste em fazer o que se quer. Num Estado, isto ,
numa sociedade onde h leis, a liberdade no pode consistir seno em poder
21 Jean-Jacques Rousseau. O contrato social. Traduo Antnio de P. Machado. 22 Ibid. 23 Eduardo Carlos Bianca Bittar/Guilherme Assis de Almeida, Curso de filosofia do direito, p. 446
18
fazer o que se deve querer, e a no ser constrangido a fazer o que no se deve
querer.24
Para Jos Afonso da Silva, o conceito de liberdade humana deve
ser expresso no sentido de um poder de atuao do homem em busca de sua
realizao pessoal, de sua felicidade, citando definio de Rivero, na mesma
obra, diz que a liberdade um poder de autodeterminao, em virtude do
qual o homem escolhe por si mesmo, se comportamento pessoal. Indo um
pouco alm, prossegue o jurista, propondo o seguinte conceito: liberdade
consiste na possibilidade de coordenao consciente dos meios necessrios
realizao da felicidade pessoal. 25
2.3. Direito liberdade na Constituio Federal
O direito liberdade aparece inscrito em nossa Constituio
Federal como de um dos direitos individuais e coletivos, inserido no rol de
outros em nossa Carta Maior no caput do artigo 5.
Historicamente o processo de positivao em nvel constitucional
dos direitos humanos, refletiam-se nos textos constitucionais os direitos
inspirados pelo direito natural - as liberdades individuais - direitos que
exigem um no-agir por parte do Estado, tais liberdade, igualdade formal,
segurana, propriedade, resistncia opresso. (Direitos de primeira gerao).
Depois, veio a fase do reconhecimento dos direitos econmicos e sociais,
conseqentes da nova realidade produzida pela Revoluo Industrial, e que
demandam prestaes positivas do Estado para que possam ser gozados, da
24 Cf. De lesprit des lois, XI, 3. 25 Jos Afonso da Silva, Op. cit., p.232.
19
serem conhecidos como direitos "concretos". A evoluo social e tecnolgica
deu margem a outras exigncias, que, por sua vez, demandaram a consagrao
de outros direitos e a reformulao de antigos, para atender a direitos e
interesses coletivos e individuais, direitos de reproduo e de manipulao
gentica, entre outros.
Surgiu a primeira gerao de direitos fundamentais, formada
pelos direitos de liberdade, isto , os direitos civis e polticos, que em
Norberto Bobbio "tm por titular o indivduo, so oponveis ao Estado,
traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma
subjetividade que seu trao mais caracterstico; enfim, so direitos de
resistncia ou de oposio perante o Estado". 26 Esses direitos valorizam, em
primeiro lugar, o "homem singular, o homem das liberdades abstratas, o
homem da sociedade mecanicista que compe a chamada sociedade civil, na
linguagem jurdica mais usual".
Assim, temos no direito liberdade um dos direitos de primeira
gerao, definidos na Constituio Francesa de 1789.
A finalidade da Declarao Francesa no poderia deixar de ser a
de proteger o homem diante dos atos estatais, e os direitos reconhecidos - de
matiz natural - so inalienveis, imprescritveis, individuais e universais, ou
seja, deles no se pode abrir mo, no se exaurem com o passar do tempo, e
pertencem a cada ser humano e a todos os homens, indistintamente.
26 Norberto Bobbio, A era dos direitos, p.43.
20
Segundo ensina Norberto Bobbio, os franceses, deste modo
pretenderam "afirmar primria e exclusivamente os direitos dos
indivduos".27
Nossa Constituio Federal traz garantida a inviolabilidade da
liberdade em diversos de seus artigos, classificando a liberdade entre os
direitos individuais, destacando-se o preceituado pelo artigo 5, in verbis:
Art. 5 - Todos so iguais perante a lei, sem distino de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade,
segurana e propriedade....
No s o caput do artigo 5 protege e d garantias liberdade dos
brasileiros e estrangeiros residentes em nosso pas, como o princpio encontra
guarida em diversos incisos do j mencionado artigo, assim como em outros
artigos da Carta Magna, mencionando-se a os diversos tipos de liberdade, tais
como liberdade de conscincia e de crena (inciso VI), liberdade de
associao para fins lcitos (inciso XVII), liberdade de locomoo (inciso
LXVIII), liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber (artigo 206, II), liberdade de informao jornalstica (artigo 220,
1), liberdade e convivncia familiar e comunitria (prevista a criana e ao
adolescente no artigo 227), entre outras.
2.4. Liberdade da criana e do adolescente
27 Norberto Bobbio, Op.cit.,p. 69.
21
Como visto, a Constituio Federal garante a todos o direito
liberdade, previsto em diversos dispositivos da Lei Maior. No tocante a
criana e ao adolescente o constituinte estabeleceu, no artigo 227, o dever da
famlia, da sociedade e do Estado, em assegurar-lhes, com absoluta
prioridade, entre outros direitos, o da liberdade, in verbis:
Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar
criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade,
alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,
dignidade, ao respeito, liberdade
e convivncia familiar e comunitria,
alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao,
explorao, violncia, crueldade e opresso. (grifos nossos)
Na legislao infraconstitucional a garantia liberdade da
criana e do adolescente, encontra guarida na Lei 8069, de 13 de julho de
1990, que nos seus 267 artigos dispe sobre a proteo integral a criana e ao
adolescente e em seu artigo 3, dispe, in verbis.
Art. 3. A criana e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes pessoa humana, sem prejuzo da proteo integral de
que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento fsico,
mental, moral, espiritual e social, em condies de liberdade
e de dignidade.
(grifo nosso).
Cabe lembrar que o Brasil signatrio da Conveno
Internacional sobre os Direitos da Criana de 1989 e que, conforme dispe
Jean Morange, a Conveno relativa aos direitos da criana parte de uma
lgica especfica e adaptada do respeito pela liberdade das crianas a
22
criana, em razo de sua falta de maturidade fsica e intelectual, tem
necessidade de uma proteo especial e de cuidados especiais,
particularmente de uma proteo jurdica apropriada, tanto antes como
depois do nascimento.28
Ainda segundo o autor, os direitos garantidos na conveno,
so bastante numerosos e, muitos deles clssicos: direito ao nome,
identidade, nacionalidade, manuteno do vnculo familiar... Alguns so
mais novos medida que eles esto prximos daqueles reconhecidos aos
adultos: direito liberdade, direito de associao, de reunio, de
expresso.29
Destaque-se que, embora considerados os diversos tipos de
liberdades previstas na Constituio Federal. O Estatuto da Criana e do
Adolescente destaca esta garantia s crianas e adolescentes, consoante
expressam seus artigos 15 e 16. In verbis:
Art. 15 - A criana e o adolescente tm direito liberdade, ao
respeito e dignidade como pessoas humanas em processo de
desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituio e nas leis.
Art. 16 - O direito liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros pblicos e espaos
comunitrios, ressalvadas as restries legais;
II - opinio e expresso;
III - crena e culto religioso;
28 Jean Morange, Direitos humanos e liberdades publicas, p. 489 29 Ibid.
23
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitria, sem discriminao;
VI - participar da vida poltica, na forma da lei;
VII - buscar refgio, auxlio e orientao.
Observe-se que os citados dispositivos definem criana e
adolescente como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais e estabelece
princpios cujo comando emana diretamente da Constituio Federal,
trazendo um rol meramente exemplificativo, das formas de liberdade
garantidas constitucionalmente s crianas e aos adolescentes.
Destacando-se o direito liberdade de crianas e adolescentes, o
Estatuto prev ainda, condies para que estes venham a ser privados da
liberdade, preceituando o artigo 106 que somente em caso de flagrante de ato
infracional ou de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciria,
poder o adolescente ser privado de sua liberdade.
Cabe salientar que em caso de criana, pessoa entre 0 e 12 anos
incompletos, a legislao especial exclui a possibilidade de privao de
liberdade, falando no artigo 101, VII, nico em abrigo, destacando que tal
no implica em privao de liberdade.
2.5. Limitao da liberdade
A liberdade da pessoa garantida constitucionalmente sendo um
dos direitos fundamentais pessoa humana, mas h que se levar em
considerao que a liberdade total inaplicvel e prejudicial ao harmnico
24
convvio social. Da que a este direito se impem alguns deveres que buscam
garantir a ordem da sociedade.
Em simples palavras podemos dizer que a liberdade garantida,
desde que respeitadas algumas regras e caso essas regras sejam violadas,
aquele que a violou poder sofrer limitaes impostas pela sociedade.
Em Eduardo Carlos Bianca Bittar aprendemos que Os limites
da liberdade do ser humano so necessrios, pois ele capaz de tudo, do ato
mais sublime ao mais bestial. A grande contribuio trazida pelo conceito de
Estado de Direito que essas limitaes s podero ser realizadas pela lei.
Assim, o ser humano no est sujeito ao poder desmesurado de outro ser,
mas, ao menos teoricamente, justa e adequada orientao da lei. 30
O exerccio da liberdade impe ao cidado a obedincia das
normas colocadas em sociedade, so essas as normas que visam controlar a
liberdade, ou seja, a liberdade no total, devendo ser respeitados os limites
impostos pela lei.
Devemos salientar que no obstante o direito liberdade em seu
sentido mais amplo ser uma das garantias constitucionais inerentes a pessoa
humana, da mesma forma a legislao constitucional e infraconstitucional
prevem mecanismos legais de limitao a esse direito, de modo evitar a
desordem social. o chamado contrato social, como definido por Rousseau,
de onde extramos que a liberdade do cidado d-se em razo do contrato
social e que tem relao proporcional e direta grandeza do Estado: quanto
maior, menor a liberdade dos cidados que a compem: quanto menor, maior
a liberdade dos cidados que a compem.
30 Eduardo Carlos Bianca Bittar/Guilherme Assis de Almeida, Op. cit.p. 452
25
O homem nasceu livre, e no obstante, est acorrentado em
toda a parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser
to escravo como eles. Como se tem realizado esta mutao?
Ignoro-o. Que pode legitim-la? Creio poder responder esta
questo. (...) O que o homem perde pelo contrato social, sua
liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz
respeito e pode alcanar. O que ele ganha, a liberdade civil e a
propriedade de tudo o que possui. Para compreender bem estas
compensaes, necessrio distinguir a liberdade natural, que
no tem outros limites a no ser as foras individuais, da
liberdade civil, limitada esta pela vontade geral, e a posse,
conseqncia unicamente da fora ou direito do primeiro
ocupante, da propriedade que s pode fundamentar-se num
ttulo positivo. 31
Para Jos Afonso da Silva, autoridade e liberdade so
situaes que se complementam. que a autoridade to indispensvel
ordem social condio mesma da liberdade como esta necessria a
expanso individual. Um mnimo de coao h sempre que existir.32
2.5.1. Limites da liberdade da criana e do adolescente
Sendo crianas e adolescentes sujeitos dos direitos
garantidos na Constituio Federal e nas exatas palavras dos artigos 15 e 16
da lei especial, j mencionados acima, temos que a estes esto assegurados os
direitos liberdade, ao respeito e dignidade.
31 Ibid. 32 Jos Afonso da Silva, Op.Cit. p. 231
26
Ora, sendo sujeitos de direito, logo se tornam cidados,
garantindo-lhes assim o exerccio da cidadania e no que pese a seus deveres e
obrigaes, subordinando-se s limitaes impostas pelo Poder Pblico para o
exerccio de seus direitos.
Assim, embora garantindo criana e ao adolescente o
direito a liberdade, da mesma forma que para qualquer cidado, esta liberdade
jamais ser absoluta, principalmente visando garantir-lhe a proteo integral,
prescrita na garantida na Constituio Federal e prescrita no Estatuto da
criana.
Conforme visto no subitem anterior, clara fica a limitao
de liberdade ao adolescente cabe adequar-se justa e adequada orientao da
lei.
Observamos, j nos preceitos do Cdigo Civil, quando
tratamos da capacidade das pessoas que crianas e adolescentes tm suas
liberdades relativamente limitadas. Na vida familiar, compete aos pais e
responsveis, sempre de acordo com a lei, impor e aplicar essas limitaes.
Na vida escolar, aos professores e demais funcionrios dos estabelecimentos
de ensino. Na vida social.
Quando praticam atos infracionais, embora inimputveis,
consoante dispositivos constitucionais e de direito penal, ficam sujeitos, nos
termos da lei, se crianas s medidas de proteo previstas no 101 do Estatuto
e se adolescentes, tanto a essas quanto s medidas scio-educativas, previstas
no artigo 112 do mesmo diploma.
27
Assim, caso o adolescente ultrapasse esses limites,
especificamente em casos de atos infracionais, a lei prev inclusive sua
apreenso em flagrante, garantida a devida apurao dos fatos mediante
processo na Vara competente, ou seja, a da Infncia e Juventude. E se
comprovada a autoria do ato infracional por parte do adolescente, poder
sofrer uma das medidas scio-educativas restritiva de liberdade, previstas nos
artigos 120 e 121 do Estatuto da Criana e do Adolescente.
Para o momento, inserimos o tema, de modo a demonstrar
que o que prevalece no tocante limitao da liberdade da criana e
adolescente fundamenta-se nos princpios da legalidade e do devido processo
legal consagrados constitucionalmente nos incisos II e LIV do artigo 5 da
Constituio Federal. In verbis:
Art. 5 (...)
II - ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa seno em virtude de lei...
LIV - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal.
28
3. CRIANA E ADOLESCENTE NO DIREITO BRASILEIRO
3.1. Definio de criana e de adolescente
Conforme dispe o artigo 2 do Estatuto da Criana e do
Adolescente, in verbis:
Art. 2 . Considera-se criana para os efeitos desta Lei, a pessoa
at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e dezoito
anos de idade.
Sem olvidar do pargrafo nico do citado artigo, que disciplina
sobre o jovem adulto, que explicaremos oportunamente, importante termos
que criana aquela pessoa de 0 a 12 anos e adolescente, aquela entre os 12 e
os 18 anos de idade.
As definies de criana e de adolescente, segundo Alcntara e
Del Campo33 baseiam-se na psicologia evolutiva, sendo que o artigo 2 do
Estatuto da criana e do adolescente, adotando-se o critrio cronolgico
absoluto, que estabelece a distino tcnica entre criana e adolescente,
evitando o termo do uso menor.
Segundo os autores, a distino relevante, principalmente no
que se refere prtica de ato infracional, porque, ao adolescente infrator
podem ser aplicadas as medidas protetivas e scio-educativas, ao passo
criana somente podem ser aplicas medidas protetivas. (grifos nosso)
33 Eduardo Roberto Alcntara/Thales Cezar de Oliveira Del Campo, Estatuto da criana e do adolescente, p 6
29
Cabe aqui esclarecer que as medidas protetivas, destinadas tanto
criana e ao adolescente infrator esto previstas nos artigos 98 e 101 do
Estatuto da criana e do adolescente. In verbis:
Art. 98. As medidas de proteo criana e ao adolescente so
aplicveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaados ou
violados: I - por ao ou omisso da sociedade ou do Estado; II - por falta,
omisso ou abuso dos pais ou responsvel; III - em razo de sua conduta.
(...)
Art. 101. Verificada qualquer das hipteses previstas no artigo
98, a autoridade competente poder determinar, dentre outras, as seguintes
medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsvel, mediante termo de
responsabilidade; II - orientao, apoio e acompanhamento temporrios; III -
matrcula e freqncia obrigatrias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental; IV - incluso em programa comunitrio ou oficial de auxlio
famlia, criana e ao adolescente; V - requisio de tratamento mdico,
psicolgico ou psiquitrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI -
incluso em programa oficial ou comunitrio de auxlio, orientao e
tratamento a alcolatras e toxicmanos; VII - abrigo em entidade; VIII -
colocao em famlia substituta. Pargrafo nico - O abrigo medida
provisria e excepcional, utilizvel como forma de transio para a colocao
em famlia substituta, no implicando privao de liberdade.
3.1.1 Criana e adolescente e o Cdigo Civil
Diferentemente do Cdigo Civil de 1916, a atual
legislao civilista lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, j em seu primeiro
30
artigo define sobre a capacidade da pessoa, preceituando que toda pessoa
capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Desta forma, a legislao infraconstitucional estabelece a
igualdade civil entre todas as pessoas. Mas cabe saber se crianas e
adolescentes so pessoas que contam com esta capacidade de direito e deveres
na ordem civil?
Para respondermos a questo apresentada, vejamos os
ensinamentos de Washington de Barros Monteiro e de Silvio Rodrigues.
Para o primeiro, a noo de capacidade se entrosa com a
da personalidade e a de pessoa, de modo que ensina:
Com efeito, os diversos elementos da primeira
constituem a segunda, que se concretiza ou se realiza na
terceira. Capacidade a aptido para adquirir direitos e
exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. O
conjunto desses poderes constitui a personalidade, que,
localizando-se ou concretizando-se num ente, forma a
pessoa da pessoa. Assim, a capacidade elemento da
personalidade. Esta, projetando-se no campo do direito,
expressa pela idia de pessoa, ente capaz de direitos e
obrigaes. Capacidade exprime poderes ou faculdades;
personalidade resultante desses poderes; pessoa o ente
a que a ordem jurdica outorga esses poderes. 34
34 Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil,parte geral, 24 ed, So Paulo Saraiva, 1985, p 12,13
31
Nos ensinamentos de Silvio Rodrigues, temos que j foi
dito que todo o ser humano, desde o nascimento at a morte, tem capacidade
para ser titular de direitos e obrigaes na ordem civil. Mas isso no
significa que todos possam exercer seus direitos. A lei, tendo em vista a
idade, a sade, ou o desenvolvimento intelectual de determinadas pessoas, e
com o intuito de proteg-las, no lhes permite o exerccio pessoal de direitos.
Assim, embora lhes conferindo a prerrogativa de serem titulares de direito,
nega-lhes a possibilidade de pessoalmente os exercerem. Classifica tais
pessoas como incapazes. Portanto, incapacidade o reconhecimento da
inexistncia, numa pessoa, daqueles requisitos que a lei acha indispensvel
para que ela exera seus direitos.35
Se considerarmos a definio trazida pelo legislador no
artigo 2 do Estatuto da Criana e do Adolescente, onde considerada criana
a pessoa at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze
e dezoito anos de idade, somando-se os ensinamentos dos autores e leitura
atenta dos artigos do Novo Cdigo Civil, a seguir transcritos:
Cdigo Civil 2002
Art. 2. A personalidade civil da pessoa comea do
nascimento com vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do
nascituro.
Art. 3. So absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos
Art. 4. So incapazes, relativamente a certos atos, ou
maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito
anos
35 Silvio Rodrigues Direito civil, parte geral
32
Art. 5. A menoridade cessa aos dezoito anos completos,
quando a pessoa fica habilitada prtica de todos os atos da vida civil.
Pargrafo nico. Cessar, para os menores, a incapacidade:
I - pela concesso dos pais, ou de um deles na falta do
outro, mediante instrumento pblico, independentemente de homologao
judicial, ou por sentena do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis
anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exerccio de emprego pblico efetivo;
IV - pela colao de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela
existncia de relao de emprego, desde que, em funo deles, o menor com
dezesseis anos completos tenha economia prpria.
(...)
Art. 932.So tambm responsveis pela reparao civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua
autoridade e em sua companhia;
(...)
Art. 1634. Compete aos pais, quanto pessoa dos filhos
menores:
I - dirigir-lhes a criao e educao;
II - t-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para
casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento
autntico, se o outro dos pais no lhe sobreviver, ou o sobrevivo no puder
exercer o poder familiar;
33
V - represent-los, at aos dezesseis anos, nos atos da vida
civil, e assisti-los, aps essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-
lhes o consentimento;
VI - reclam-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obedincia, respeito e os
servios prprios de sua idade e condio.
Podemos concluir que para efeitos civis, a criana e o
adolescente so tanto sujeitos de direitos, quanto de deveres e obrigaes,
entretanto no que concerne sua capacidade de exerc-los e cumpri-los, como
j explanado no tema sobre as limitaes de direitos, devem ser respeitados os
princpios da legalidade e do devido processo legal, entre outros.
Deste modo, na ordem civil, desde que legalmente
representados, crianas e a adolescentes so capazes de direitos e deveres,
consoante disciplinam os artigos 1 e 1690 do Cdigo Civil. In verbis:
Art. 1. Toda pessoa capaz de direitos e deveres na
ordem civil.
(...)
Art. 1690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao
outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos,
bem como assisti-los at completarem a maioridade ou serem emancipados.
3.2. Breve escoro histrico sobre o direito da criana e do
adolescente no Direito Brasileiro.
34
Ensina Garrido de Paula, que criana e adolescente participam e
sempre participaram de relaes interpessoais:
Contudo, somente recentemente suas principais vinculaes
com o mundo adulto foram agregadas ao universo do Direito.
Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos,
como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefcios
da unio estariam contemplados pela proteo jurdica
destinada aos ltimos. Figuravam, em regra, como meros
objetos da interveno do mundo adulto, sendo exemplificativa a
utilizao da velha expresso ptrio poder, indicativa de uma
gnese onde o Direito tinha como preocupao disciplinar
exclusivamente as prerrogativas dos pais em relao aos filhos,
suas crias.36
Ainda segundo o autor, o direito da criana e do adolescente:
tem por objeto a disciplina das relaes jurdicas, formas
qualificadas de relaes interpessoais reguladas pelo Direito,
entre crianas e adolescente, de um lado, e do outro lado,
famlia sociedade e Estado.37
No direito brasileiro, a Constituio Federal traz o rol dos
direitos fundamentais, consoante j explanamos no captulo 1, item 3 deste
trabalho.
36 Paulo Afonso Garrido de Paula, Direito da criana e do adolescente e titula jurisdicional diferenciada, p. 11. 37 Ibid., mesma pgina
35
No que tange aos direitos fundamentais da criana e do
adolescente, embora no constem especificamente do rol do artigo 5 da
Constituio Federal, apresentam-se, conforme ensina Tnia da Silva Pereira,
com a mesma hierarquia constitucional. Sustenta a autora que os direitos
fundamentais da criana e adolescente devem ser tidos como direitos
fundamentais de duas formas.
Primeiramente, o artigo 227, caput, e outros ao mesmo
alinhados, enumeram com clareza quais os direitos
fundamentais que devem ser assegurados a estes sujeitos de
direito com absoluta prioridade. Em segundo lugar, o Brasil
signatrio da Conveno Internacional sobre os Direitos da
Criana de 1989, em outras palavras, esta pode ser considerada
parte dos Tratados Internacionais em que a Repblica
Federativa do Brasil parte. Sabe-se que as vigas-mestras da
Conveno foram transpostas para o plano interno por meio do
Estatuto da Criana e do Adolescente. No entanto, pretendemos
afirmar que os direitos fundamentais garantidos na Conveno,
ao terem sido recebidos pelo 2 do artigo 5, galgaram ao
status de direito fundamental em nosso sistema
constitucional.38
Desta forma, entendemos que de fato, consoante disposio
constitucional, mesma que no constem em nossa Constituio Federal,
outros direitos fundamentais garantidos a criana e ao adolescente que
figurarem em Convenes e Tratados Internacionais reconhecidos no pas,
aqui sero vlidos.
38 Tnia da Silva Pereira, Op.cit. P. 142
36
Embora possamos constatar na histria constitucional brasileira a
presena constante dos direitos e garantias individuais do cidado, somente
com o advento da Constituio de 1988 foram introduzidos os direitos
fundamentais especficos da criana e do adolescente.
Os quais salientamos, no se restringem ao artigo 227 CF, visto
que podemos citar entre outros, os seguintes:
Proibio de trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores
de dezoito e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condio de
aprendiz, a partir de 14 anos, conforme redao dada ao art. 7, inc. XXXIII
pela Emenda Constitucional n 20, de 15 de dezembro de 1998.
A equiparao de filhos e a vedao de designaes
discriminatrias relativas filiao, consoante o art. 226, 6;
A inimputabilidade dos menores de 18, sujeitos legislao
especial, conforme o artigo 228.
Assistncia e educao por parte dos pais, de acordo com o art.
229.
O fato de encontrarem-se dispersos no texto constitucional art.
227 e os demais citados no lhes retira o status de direitos fundamentais,
devendo ser tratados da mesma forma de que todos os demais.
Outros direitos individuais da criana e do adolescente, como j
mencionamos, so aqueles decorrentes de tratados, consoante disciplina o art.
5, 2 da Constituio Federal.
37
Destaque-se a importncia da Conveno Internacional sobre os
Direitos da Criana, aprovada pela ONU em 20 de novembro de 1989 e
ratificada pelo Brasil atravs do Decreto n 99.710, de 21 de novembro de
1990.
Nascida de um rduo trabalho de dez anos por parte de
representantes de quarenta e trs pases membros da Comisso de Direitos
Humanos daquele organismo internacional, representou a comemorao dos
30 anos da Declarao Universal dos Direitos da Criana. Segundo Michel
Bonnet39, na fase de elaborao da Conveno, a principal questo debatida
era definir direitos universais para as crianas, considerando a diversidade de
percepes religiosas, scio-econmicas e culturais da infncia nas diversas
naes.
Fruto de compromisso e negociao, tal Conveno representa o
mnimo que toda a sociedade deve garantir s suas crianas, reconhecendo em
um nico documento as normas que os pases signatrios devem adotar e
incorporar a sua ordem interna. A Conveno exige, por parte de cada Estado
que a subscreva e ratifique, uma tomada de deciso, incluindo-se os
mecanismos necessrios fiscalizao do cumprimento de suas disposies (e
obrigaes).
A proteo especial a criana e ao adolescente j aparece na
Declarao de Genebra de 1924, em que foi declarada a necessidade de
proclamar criana uma proteo especial.
39 Convention on the Rights of the Child, In Second Asian Regional Conference on child abuse and neglect, pg. 71.
38
A Declarao Universal de Direitos Humanos aprovada no seio
das Naes Unidas em 1948 reconheceu que a infncia tem direito a
cuidados e assistncia especiais e que todas as crianas, nascidas dentro ou
fora do matrimnio, gozam da mesma proteo social (art. XXV, 2).
Coube j mencionada Declarao Universal dos Direitos da
Criana de 1959 determinar no seu segundo princpio que a criana gozar
de proteo especial e dispor de oportunidade e servios, a serem
estabelecidos em lei por outros meios, de modo que possa desenvolver-se
fsica, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudvel e normal,
assim como em condies de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com
este fim, a considerao fundamental a que se atender ser o interesse
superior da criana.
Tomando como modelo a Conveno Europia de Direitos
Humanos destaque-se, em nosso continente, a Conveno Americana sobre os
Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica de 1969), que estabelece
no seu art. 19 que toda criana tem direito s medidas de proteo que sua
condio de menor requer por parte da famlia, da sociedade e do Estado. O
Brasil veio a ratificar esta Conveno mais de vinte anos depois, atravs do
Decreto n 678 de novembro de 1992.
Cabe aqui fazer especial referncia s Regras de Beijing
(Resoluo n 40.33 da Assemblia Geral da ONU de 29 de novembro de
1985), que estabeleceram normas mnimas para a administrao da Justia da
Infncia e da Juventude. Da mesma forma, as Diretrizes de Riad para a
preveno da delinqncia juvenil e as Regras mnimas das Naes Unidas
para a proteo de jovens privados de liberdade foram aprovadas pela
Assemblia Geral da ONU de 1990, as quais somaram-se aos demais
39
documentos internacionais de proteo infncia deste sculo. Estes dois
documentos, embora ainda no ratificados pelo Brasil, tiveram seus princpios
incorporados ao Estatuto da Criana e do Adolescente.
Temos assim, que alm dos Direitos e garantias fundamentais
previstos na legislao ptria, em especial dos preceituados na Carta Maior,
temos ainda os direitos celebrados em acordos internacionais, que garantem a
criana e ao adolescente os direitos duplamente fundamentados no sistema
constitucional oriundo de 1988.
No que tange ao adolescente infrator, objeto do nosso trabalho,
ressalte-se o carter penal das legislaes brasileira, especificamente no que
tange a definio da menoridade/maioridade penal. Donde explanamos o tema
atravs do escoro a seguir:
At a criao da primeira legislao penal brasileira, vigoravam
no Brasil, o mesmo ordenamento jurdico que regiam os portugueses, tais
como as Ordenaes do Reino que previam a maioridade a partir dos 21 anos
completos, entre 17 e 20 anos a condenao depende do arbtrio do julgador;
Com o Cdigo Criminal do Imprio (16/12/1830) no se
julgam criminosos os menores de 14 anos, os quais, em acaso de
discernimento, poderiam ser recolhidos s casas de deteno por tempo que o
juiz julgasse conveniente. Em caso e autor entre 14 e 17 anos, sob critrio do
juiz, a pena poderia ser atenuada.
Citando a Lei 2040, de 28.09.1871 (lei do ventre livre),
mencionado que os filhos nascidos de me escrava, deveriam ser assistidos e
educados pelos senhores da me at os 8 anos completos e aps idade os
senhores faziam jus a uma indenizao do Estado, podendo optar em
40
continuar com ele at os 21 anos, o qual passaria a prestar-lhe servios, como
forma de compensao pelas despesas de sua sustentao;
Cdigo Penal da Republica (Dec. 841, de 11.10.1890),
considerou-se que no eram criminosos os menores de 9 anos e os maiores
entre 9 e 14 anos que obrassem com discernimento seriam recolhidos a
estabelecimento disciplinares;
Lei Federal 4242, de 04.01.1921 Ao fixar a despesa geral da
Repblica, acabou por determinar a organizao dos servios de assistncia e
proteo infncia abandonada e delinqente. No aspecto que ora interessa,
observa-se que o menor de 14 anos, apontado como autor ou cmplice de
crime ou contraveno no seria submetido a processo penal de nenhuma
espcie, mas poderia, aps investigao, ser colocado em asilo, casa de
educao, escola de preservao ou confiado a pessoa idnea. Entre 14 e 18
anos de idade, seria submetido a processo especial.
"O menor de 14 anos, indigitado autor ou cmplice de crime ou
contraveno, no ser submetido a processo de espcie alguma e que o
menor de 14 a 18 anos, indigitado autor ou cmplice de crime ou
contraveno ser submetido a processo especial".
Sem grandes alteraes, os dispositivos da lei oramentria no
que dizia respeito a assistncia e proteo aos menores abandonados e
delinqentes foram regulamentados pelo Dec. 12.272, de 20.12.1923.
Em 1 de dezembro de 1926, Washington Luiz sancionou o Dec.
5.083, que determinava a necessidade de consolidar as leis de assistncia e
proteo aos menores. Em 12.10.1927, manda publica atravs do Dec.
41
17.943-A o Cdigo de Menores, que no considerando criminosos os menores
de 14 anos, manteve as medidas destinadas aos infratores previstas na Lei
Federal 4242, de 01.01.1921. Trouxe algumas inovaes, como por exemplo,
a liberdade vigiada aos menores absolvidos da prtica de crimes ou
contravenes e a possibilidade de encarceramento de menores que tivessem
cometido crimes graves entre 16 e 18 anos de idade em estabelecimentos
destinados a adultos, at que se verificasse sua regenerao.
Durante a vigncia do Cdigo de Menores de 1927 sobreveio a
Consolidao das Leis Penais, aprovada pelo Dec. 22.213, de 14.12.1923,
mantendo os dispositivos relativos aos menores.
Sobre esse perodo, ensina Nelson Hungria que:
"inspirado principalmente por um critrio de poltica criminal,
colocou os menores de 18 anos inteira e irrestritamente
margem do direito penal, deixando-os apenas sujeitos s
medidas de pedagogia corretiva do Cdigo de Menores. No
cuidou da maior ou menor precocidade psquica desses menores,
declarando-os por presuno absoluta, desprovidos das
condies da responsabilidade penal, isto o entendimento
tico-jurdico e a faculdade de autogoverno". E continua: "ao
invs de assinalar o adolescente transviado com o ferrete de uma
condenao penal, que arruinar, talvez irremediavelmente, sua
existncia inteira, prefervel, sem dvida, tentar corrigi-lo por
mtodos pedaggicos, prevenindo sua recada no malefcio".40
40 Nelson Hungria, Comentrios ao Cdigo Penal, t. II.
42
Em 1969 o natimorto Cdigo Penal, em seu artigo 33, tentou
ressuscitar o critrio do discernimento ao estabelecer o retorno do critrio bio-
psicolgico, possibilitando a aplicao de pena ao maior de 16 e menor de 18
anos, com a pena reduzida de 1/3 a metade, desde que o mesmo entendesse o
carter ilcito do ato ou tivesse possibilidade de se portar de acordo com este
entendimento. A presuno da inimputabilidade era relativa, portanto.
Muito criticada foi a tentativa da reduo da imputabilidade para
16 anos, conforme lembra Jos Henrique Pierangeli,41 pois fazia depender de
exame criminolgico para a verificao da sua capacidade de entendimento e
de autodeterminao.
Entretanto, como sabido, este cdigo, teve o incio da vigncia
protelado por vrias vezes e acabou por no ter tido a oportunidade de entrar
em vigor. Com isso, a maioridade penal permaneceu nos moldes do
estabelecido pelo de 1940, ou seja, 18 anos de idade, sujeitando os menores
legislao especial.
No podemos deixar de mencionar, ainda, que o nosso Cdigo
Penal Militar adotou a teoria o discernimento ao fixar o limite penal em 18
anos salvo se, j tendo o menor 16 anos, revelar discernimento. In verbis:
Cdigo Penal Militar Art. 50. O menor de dezoito anos
inimputvel, salvo se, j tendo completado dezesseis anos, revela suficiente
desenvolvimento psquico para entender o carter ilcito do fato e determinar-
se de acordo com este entendimento. Neste caso, a pena aplicvel diminuda
de um tero at a metade.
41 Jos Henrique Pierangeli. Cdigos Penais do Brasil Evoluo Histrica, p. 133
43
Fez-se surgir, assim, uma anomalia do processo contra o menor
de 18 anos, j que se envia em primeiro lugar para a Justia Militar, para que
esta se declare ou no incompetente para remet-lo ao juzo de menores, se
entender haver o menor agido com discernimento. tanto mais anmala essa
situao quanto certo que, pelo Cdigo Penal comum, absoluta a
inimputabilidade do menor de 18 anos.
Constituio de 1988, tendo como marco o caput do artigo 227,
que reconheceu a existncia de relaes subordinantes entre crianas e
adolescentes, de um lado, e famlia, sociedade e Estado. In verbis:
Art. 227 - dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar
criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade,
alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,
dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria,
alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao,
explorao, violncia, crueldade e opresso.
Seguindo o preceito constitucional, o Estatuto da Criana e do
adolescente define que so crianas, as pessoas entre 0 e 12 anos incompletos,
as quais sofrero em caso de condutas descritas como crimes ou
contravenes as medidas protetivas e aos adolescentes, pessoas entre 12 e
18, as chamadas medidas scio-educativas, inclusive de internao.
Em alguns casos, a internao poder se estender at os 21 anos
de idade.
Contudo, como a Constituio Federal de 1988 dispe, em seu
art. 228, que a menoridade penal termina aos 18 anos, o citado dispositivo do
44
Cdigo Penal Militar no mais vigora, por ausncia de recepo com a nova
ordem constitucional.
3.3. Direitos fundamentais da criana e do adolescente
Conforme dispe o artigo 3 do Estatuto da Criana e do
Adolescente, criana ao adolescente so assegurados todos os direitos
humanos fundamentais inerentes a pessoa humana. Estes direitos, como
vimos no item 1.3., no so apenas aqueles previstos na Constituio Federal
no captulo II, mas tambm, outros anteriormente decorrentes do regime e
dos princpios adotados pela Constituio Federal ou dos Tratados
internacionais em que o Brasil parte.
Ainda no que tange a criana e o adolescente, a Carta Maior traz
definidos no artigo 227 alguns direitos fundamentais inerentes criana e ao
adolescente, a saber: o direito vida, sade, alimentao, educao, ao
lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e
convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma
de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.
Mas sempre importante frisar, repetindo os ensinamentos de Tnia da Silva
Pereira, j mencionados no captulo 3, item 2 deste trabalho, que os direitos
fundamentais da criana e do adolescente no se restringem aos contidos no
artigo 227 da CF 42.
3.4. Estatuto da criana e do adolescente e ato infracional
42 Tnia da Silva Pereira, Infncia e juventude: os direitos fundamentais e os princpios constitucionais consolidados
na Constituio de 1988, p. 76
45
3.4.1. Fundamento constitucional
Com a promulgao da Constituio Federal de 5 de
outubro de 1988, o legislador, no captulo VII, disps sobre a proteo pelo
Estado famlia, criana, ao adolescente e ao idoso. No tema em estudo, o
adolescente infrator, interessa-nos os artigos 227 e 228 do Diploma Legal.
No artigo 227 da Carta Maior, dividido em sete incisos,
encontramos os dispositivos sobre a tutela da criana e do adolescente. Nos
ensinamentos de Jos Afonso da Silva, extramos da leitura do citado artigo
que a Constituio Federal no reservou famlia apenas proteo estatal e
Direitos, definiu-lhe deveres tambm. Nas palavras do mestre: Essa famlia,
que recebe a proteo estatal, no tem s Direitos. Tem o grave dever,
juntamente com a sociedade e o Estado, de assegurar com absoluta
prioridade, o Direito da criana e do adolescente enumerados no art. 227.
(grifos nossos).43
Ao mesmo tempo, a legislao constitucional, garante
criana e ao adolescente a imputabilidade penal, consoante disposto no artigo
228, que dispe, in verbis:
Art. 228. So penalmente inimputveis os menores de
dezoito anos, sujeitos s normas da legislao especial. (grifo nosso).
Tal preceito tambm previsto no artigo 27 do Cdigo
Penal, que dispe que Os menores de 18 (dezoito) anos so penalmente
inimputveis, ficando sujeitos s normas estabelecidas na legislao especial.
43 Jos Afonso da Silva da, Op.Cit. p. 829
46
Da leitura dos dois artigos constitucionais supracitados e
do artigo correspondente, extrado do Cdigo Penal temos, partir do artigo
227 que, criana e ao adolescente so garantidos Direitos, e que tais
Direitos, so deveres da famlia, da sociedade e do Estado. Quanto ao que se
refere o artigo 228 da Lei Maior e do artigo 27 do diploma penal, poderamos
interpretar que no que tange aos deveres e obrigaes das crianas e dos
adolescentes, esto sujeitos a uma legislao especial.
Esta legislao infraconstitucional a lei 8069/90,
conhecida como Estatuto da Criana e do Adolescente ou ECA.
Portanto, para o menor de 18 anos, a presuno de
inimputabilidade absoluta.
Mesmo em se tratando de um menor comprovadamente
inteligente e com plena capacidade intelectiva e volitiva, no responder por
crime algum.
Essas so as regras bsicas que disciplinam a conduta do
menor no campo Penal, partindo do pressuposto constitucional de sua
inimputabilidade.
3.4.2. Doutrina da proteo integral
J em seu primeiro artigo, o Estatuto da Criana e do
Adolescente dispe sobre a proteo integral a criana e ao adolescente. In
verbis:
47
Art. 1 - Esta Lei dispe sobre a proteo integral criana
e ao adolescente.
Tal dispositivo vem atender o recomendado no artigo 3, 2
da Conveno Internacional dos Direitos da Criana, referente necessidade de
proporcionar proteo especial criana, afirmada na Declarao de Genebra
sobre os Direitos da Criana de 1924 e na Declarao sobre os Direitos da
Criana, adotada pela Assemblia Geral em 20 de novembro de 1959.
Da interpretao do artigo em exame, Antonio Fernando
do Amaral e Silva e Munir Cury, escrevem que o legislador ptrio agiu de
forma coerente com o texto constitucional de 1988 e documentos
internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das naes. 44
Nas palavras de Paulo Afonso Garrido de Paula,
proteo integral constitui-se em expresso designativa de um sistema onde
crianas e adolescentes figuram como titulares de interesses subordinantes
frente famlia, sociedade e ao Estado. 45
Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima, 46 assevera que para
a implementao da chamada Proteo Integral, o Estatuto da Criana e do
Adolescente prev um conjunto articulado de aes por parte do Estado e da
sociedade divididas em quatro grandes linhas:
44 Munir Cury/ Antonio Fernando do Amaral, Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado, p. 15. 45 Paulo Afonso Garrido de Paula, Op.Cit. Pg. 23 46 Isabel Maria Sampaio Lima, Sistemas de garantias de direito da criana e do adolescente no Brasil artigo Internet
48
1 - Polticas Sociais Bsicas, que, na perspectiva da
universalidade, da continuidade e da gratuidade, implicam na garantia dos
Direitos sociais para todos como dever do Estado;
2- Polticas de Assistncia Social, previstas para os que se
encontram em estado de necessidade temporria ou permanente;
3- Polticas de Proteo Especial, para quem se encontra
violado ou ameaado de violao em sua integridade fsica, psicolgica e
moral e
4- Polticas de Garantia de Direitos, para as situaes nas
quais a criana ou o adolescente se encontra envolvido num conflito de
natureza jurdica, sendo necessrio, para a sua proteo integral, o
acionamento das polticas de Direito e do rgo do Ministrio Pblico, com
observncia do devido processo legal.
3.4.3 Ato infracional
3.4.3.1.- Da definio de ato infracional pelo Estatuto
da criana e do adolescente.
Diz o artigo 103 do Estatuto da Criana e do Adolescente
que ato infracional a conduta descrita como crime ou contraveno penal.
Ou seja, quando uma criana ou adolescente pratica uma
ao definida na legislao como crime ou contraveno, cujas definies
49
melhor trataremos a seguir, teremos a a prtica de um ato infracional. Em
outras palavras, somente criana e adolescente praticam atos infracionais.
Cometidos tais atos, estaro as crianas e adolescentes
sujeitos ao disciplinado no Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei 8069, de
13 de julho de 1990.
Vale aqui relembrar o mencionado no item 1 do captulo 3,
referente ao fato de que para o ato infracional praticado por criana,
correspondero medidas distintas das previstas para o caso da prtica
infracional ter sido realizada por adolescente, pois enquanto o adolescente
infrator estar sujeito tanto as medidas protetivas, quanto s medidas scio-
educativas, a criana autora de ato infracional apenas estar sujeita s medidas
protetivas, consoante disciplinam os artigos 98, 101 e 105 do Estatuto da
Criana e do Adolescente, In verbis:
Art. 98 - As medidas de proteo criana e ao
adolescente so aplicveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei
forem ameaados ou violados:
I - por ao ou omisso da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsvel;
III - em razo de sua conduta.
(...)
Art. 101 - Verificada qualquer das hipteses previstas no
artigo 98, a autoridade competente poder determinar, dentre outras, as
seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsvel, mediante
termo de responsabilidade;
II - orientao, apoio e acompanhamento temporrios;
50
III - matrcula e freqncia obrigatrias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - incluso em programa comunitrio ou oficial de
auxlio famlia, criana e ao adolescente;
V - requisio de tratamento mdico, psicolgico ou
psiquitrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - incluso em programa oficial ou comunitrio de
auxlio, orientao e tratamento a alcolatras e toxicmanos;
VII - abrigo em entidade;
VIII - colocao em famlia substituta.
Pargrafo nico - O abrigo medida provisria e
excepcional, utilizvel como forma de transio para a colocao em famlia
substituta, no implicando privao de liberdade.
(...)
Art. 105. Ao ato infracional praticado por criana
correspondero as medidas previstas no artigo 101.
Ressalte-se aqui, que medidas protetivas tm carter, como
o prprio nome diz, protetivo e so direcionadas criana e adolescente em
situao de risco e criana que comete ato infracional.
Como criana e adolescente em situao de risco,
entendeu o legislador infraconstitucional, aquelas cujos direitos reconhecidos
no Estatuto da Criana e do Adolescente, estejam ameaados ou violados,
conforme disposto no artigo 98 da citada lei. In verbis:
Art. 98. As medidas de proteo criana e ao adolescente
so aplicveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaados ou violados:
51
I - por ao ou omisso da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsvel;
III - em razo de sua conduta.
Destaque-se que no caso de criana autora de ato
infracional, esta se enquadra na definio do citado artigo, inciso II, e como o
prprio dispositivo prev, diferentemente do adolescente infrator, no est
sujeita s medidas scio-educativas, mas sim s medidas protetivas previstas
no artigo 101 do Estatuto da Criana e do Adolescente, j mencionadas acima.
3.4.3.2. Do Direito Penal, do crime e da contraveno
penal.
3.4.3.2.1. - Breve leitura de Direito Penal
Ensina Rosa Maria de Andrade Nery as diferenas
sistemticas entre Direito Pblico e Direito Privado. Segundo a autora:
As situaes jurdicas privadas pautam-se pela igualdade
e pela liberdade, enquanto as situaes jurdicas publicas
tm embasamento em princpios diferentes, dos quais os
da autoridade e da competncia so os mais marcantes.
Em virtude disso, o sujeito de direitos, no mbito de
situaes particulares, pode agir livremente no contexto de
todas as situaes jurdicas que no lhes so proibidas
(atipicidade dos negcios jurdicos privados).
Diferentemente se d com o sujeito que realiza atos e
52
negcios que se inserem no contexto de trato das coisas
publicas, a quem se permite apenas a realizao daquilo
cujo exerccio esteja previamente autorizado (principio da
legalidade ou da tipicidade dos negcio de Direito
Pblico: a administrao publica s pode agir secundum
legem).47
Tal comentrio, inserido apenas para diferenciar Direito
Pblico de Direito Privado, remete-nos a um dos ramos do segundo, que nos
interessa para prosseguirmos em nosso estudo. O Direito Penal.
Nos ensinamentos de Miguel Reale, o Direito Penal um
dos ramos do Direito Pblico, asseverando o autor que as regras jurdicas
esto sujeitas a ser violadas e essa possibilidade de infrao, quando se
reveste de gravidade, atenta a valores necessrios a ordem social, provocando
uma reao por parte do Poder Pblico, que prev sanses penais aos
transgressores.48
Prosseguindo, ensina Miguel Reale que no existe
sociedade sem crime. por esse motivo que a sociedade se organiza, para
preservar-se contra o delito e atenuar-lhe os efeitos.49
3.4.3.2.2. Da definio de crime
A Legislao Ptria traz em seu bojo diversas legislaes
de carter penal, no entanto a base infraconstitucional principal o Cdigo
47 Rosa Maria de Andrade Nery, Noes preliminares de direito civil, p. 91. 48 Miguel Reale, Lies preliminares de direito, p. 346/347. 49 Ibid, p.347
53
Penal, institudo pelo Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, em tal
instituto, assim como na legislao penal extravagante, figuram diversas
definies de condutas consideradas crimes pelo legislador.
Julio Fabbrini Mirabete ensina que:
em conseqncia do carter dogmtico do Direito Penal,
o conceito de crime somente jurdico 50, esclarece, no
entanto, que nosso Cdigo Penal no contm uma
definio de crime, que deixada elaborao da
doutrina.51
Prosseguindo, e ainda reproduzindo as palavras de
Mirabete, sem maior aprofundamento, passemos aos trs aspectos para
definir-se o ilcito penal, de onde extrairemos alguns conceitos expostos pelo
autor:
a) Atendendo-se ao aspecto externo, puramente nominal
do fato, obtm-se uma definio formal , de onde temos
que;
Crime o fato humano contrrio lei (Carmignani).
Crime qualquer ao legalmente punvel 52
b) Observando-se o contedo do fato punvel, consegue-se
uma definio material ou substancial, podemos definir crime como sendo:
A conduta humana que lesa ou expe a perigo um bem
jurdico protegido pela lei penal 53 Crime a ao ou omisso que, a juzo
do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo
50 Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, p. 91. 51 Ibid., mesma pgina. 52 Giuseppe Miggiore, Diritto penale, p. 189 53 E. Magalhes Noronha, Direito Penal., p. 105.
54
social, de modo a exigir, seja proibida, sob ameaa de pena, ou que se
considere afastvel somente atravs de sanso penal.54 e
c) Examinando-se as caractersticas ou aspectos do crime,
chega-se a um conceito, tambm formal, mas analtico da infrao penal.
Donde extramos o seguinte conceito de crime, como sendo fato humano
descrito no tipo legal e cometido com culpa, ao que aplicvel uma pena.55
No obstante as definies supra, a definio clssica, j
consagrada pelos juristas mais conceituados (Damsio, Mirabete, Celso
Delmanto, entre outros) define crime como fato tpico e antijurdico, sendo o
fato tpico composto pela conduta (ao ou omisso), resultado (inerente a
maioria dos crimes), relao de causa e efeito entre a conduta e o resultado
(relao de causalidade) e tambm pela tipicidade (correlao da conduta com
o que foi descrito no tipo*)56
*tipo = descrio feita pela lei da conduta proibida57.
3.4.3.2.3 Da definio de contraveno penal
As contravenes penais esto previstas no Decreto Lei
3688, de 03 de outubro de 1941, sendo conhecida como LCP ou Lei das
Contravenes Penais.
As figuras contravencionais citadas na Lei das
Contravenes Penais, somadas s condutas antijurdicas do Cdigo Penal e
54 Heleno Cludio Fragoso, Lies de direito penal, parte geral p. 149. 55 Giulio Battaglini, Direito Penal, p. 129. 56 Resumo de direito Penal, coleo resumos, Maximilianus e Maximiliano, 2001 57 Idem
55
demais leis de carter penal ou criminal, definem o conjunto de condutas
consideradas infraes penais.
Conforme dispe a Lei das Contravenes Penais (Decreto
Lei n. 3688/41) se esta no dispuser de modo diferente, aplicam-se s
contravenes as regras gerais do Cdigo Penal (art. 1).
Assim como em relao aos crimes, no existe na Lei das
Contravenes Penais ou mesmo na legislao penal complementar qualquer
conceito de contraveno, valendo, assim como para crime, os conceitos
trazidos pelos doutrinadores.
No h, conforme Julio Fabbrini Mirabete, distino de
natureza entre crime e contraveno, no que diz respeito gravidade do fato,
segundo ensina, h dois sistemas de classificao das infraes penais, o
tricotmico, ou diviso tripartida, que classifica as infraes penais em
crimes, delitos e contravenes e o sistema dicotmico ou de diviso
bipartida, onde crimes e delitos so sinnimos e as contravenes definem o
segundo modelo, este adotado em diversos paises, assim o utilizado no
Brasil.
Para o autor no h na realidade, diferena de natureza
entre as infraes penais, pois a distino reside apenas na espcie da
sano cominada infrao penal (mais ou menos severa). Mesmo no
relativo s contravenes inexiste diferena intrnseca, substancial,
qualitativa, que as separa dos crimes ou dos delitos, sendo essa infrao
conhecida como crime-ano.58
58 Julio Fabbrini Mirabete, Ob. Cit. p.122
56
Segundo Mirabete a nica distino entre crime e
contraveno reside na espcie de sano aplicada (mais ou menos severa), e
conforme disciplina o artigo 1 do Decreto-lei 3914, de 9 de dezembro de
1941 (Lei de Introduo ao Cdigo Penal) enquanto ao crime cominada
pena mais severa: recluso ou deteno e multa (alternativa ou cumulativa),
contraveno comina-se pena de priso simples, e/ou multa apenas multa. 59
Assim, temos que, as contravenes penais so infraes
penais punidas com menor severidade que os crimes, donde podemos concluir
que as contravenes so infraes penais menos graves.
3.5. Do adolescente infrator
3.5.1. Definio de adolescente
Consoante definio do Estatuto da Criana e do
Adolescente (Lei 8069/90), a pessoa entre doze e dezoito anos de idade
considerada adolescente (Art. 2).
Estatui ainda o pargrafo nico do Estatuto da Criana e
do adolescente que: In verbis:
Art. 2, nico. Nos casos expressos em lei, aplica-se
excepcionalmente este Estatuto s pessoas entre dezoito e vinte e um anos de
idade.
59 Ibid., mesma pgina
57
Como exemplo podemos citar casos de aplicao da
medida scio-educativa da internao, consoante artigo 121, pargrafos 3 e
5 da Lei 8069/1990 em que um adolescente com 17 anos, 11 meses e 29 dias
ao qual seja definido o cumprimento da medida por trs anos.
Nesta situao o seu cumprimento se dar entre os 18 e 21
anos de idade.
Ainda no que tange as pessoas com idade entre 18 e 21
anos, sujeitas aplicao da lei 8069/1990, podemos citar os casos de
relativos s regras gerais do processo e capacidade civil. 60
Neste caso, vale um breve comentrio sobre as alteraes
trazidas ao ordenamento civil com a promulgao da Lei 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 que instituiu o novo Cdigo Civil promovendo modificaes
na maioridade civil consoante Artigo 5, caput, In verbis:
Art. 5. A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos
completos, quando a pessoa fica habilitada prtica de todos os atos da vida
civil. (grifo nosso)
Ou seja, a lei civil dispe que a responsabilidade civil da
pessoa total a partir dos 18 anos de idade, neste sentido, e no que pese o
ensinamento de Nelson Nery, no sentido de que possvel dizer que o artigo
2, pargrafo nico do ECA foi derrogado pelo Cdigo Civil/2002, na
matria tpica do Direito Civil tratada no Estatuto, matria em relao qual o
60 - Ver artigos 121 pargrafo 5 e 142 do Estatuto da Criana e do Adolescente que dispe sobre a medida scio-educativa de internao (art. 121 3, 5); trata da capacidade civil e processual do adolescente (art. 142) e competncia da Justia da Infncia e da Juventude para conceder emancipao nos termos da lei civil, na falta dos pais (art. 148, nico, letrae)
58
ECA no se aplicar mais s pessoas entre 18 e 21 anos. Isto em face da
fixao da maioridade civil no patamar de 18 anos, regra qual o Estatuto
deve se ajustar, j que a maioridade civil aos 18 anos harmnica com o
sistema Constituio Federal/ECA e o ponto no diz com o sistema
constitucional especial de proteo aos direitos fundamentais de crianas e
adolescentes.61
Para Roberto Barbosa Alves, representante do Ministrio
Pblico paulista, a derrogao, contudo, no total: continua perfeitamente
possvel a aplicao de medida scio-educativa a pessoas que tenham entre
18 e 21 anos de idade, porque a matria relativa a ato infracional tem
privilegiada natureza penal, evidentemente especial em relao ao Cdigo
Civil.62
3.5.2. Do adolescente infrator
Das definies de ato infracional e de adolescente, temos
que ao adolescente infrator, com base no Estatuto da Criana e do
Adolescente aquela pessoa com idade entre 12 e 18 anos e em casos
expressos em lei, a pessoa entre 18 e 21 anos, que praticou ato descrito como
crime ou contraveno penal.
Tanto a Constituio da Repblica, no seu artigo 228,
como o Cdigo Penal, no seu artigo 27, dispem que "os menores de 18 anos
so penalmente inimputveis, ficando sujeitos s normas estabelecidas na
61 Nelson Nery Jr. e Martha de Toledo Machado, O Estatuto da Criana e do Adolescente, Revista de Direito Privado 12/33 62 Roberto Barbosa Alves, In, Munir Cury (coordenador)/Antonio Fernando do Amaral e Silva, Op. Cit., p. 31/32
59
legislao especial", neste caso os adolescentes infratores sujeitam-se as
normas constantes do Estatuto da Criana e do Adolescente.
o "fator biolgico", que determina a inimputabilidade,
de forma absoluta, significando que o menor de 18 anos inteiramente
incapaz de entender o carter ilcito do fato e de determinar-se de acordo com
esse entendimento.
o menor de 18 anos, ento equiparado, para fins de
iseno de pena, ao maior doente mental ou de desenvolvimento mental
incompleto ou retar