114
1 INTRODUÇÃO Quando falamos em adolescentes autores de atos infracionais, a reação mais freqüente é a de temor, receio e repulsa. Os meios de comunicação trazem ao nosso conhecimento notícias de atos bárbaros cometidos por crianças e adolescentes, levando boa parte da sociedade, influenciada às vezes pelo sensacionalismo do noticiário, a especular sobre a necessidade de mudanças na legislação, de modo a mais severamente punir tais atos infracionais. Geralmente tais informes trazem notícias de atos graves e violentos, que aumentam a repulsa e geram perplexidade nos cidadãos, levando-os à, deliberadamente questionarem a legislação destinada aos adolescentes autores de atos infracionais. De certo que à gravidade do ato infracional cometido, deve corresponder medida sócio-educativa adequada, de modo a efetivamente cumprir o papel previsto na legislação, qual seja, a ressocialização do adolescente. O atual modelo da medida sócio-educativa privativa de liberdade, a internação, merece de nossa parte certa discordância, vez que sua aplicação leva ao recolhimento do adolescente em instituições com características semelhantes às cadeias destinadas aos adultos e como é sabido o formato dessas instituições não representam hoje modelo capaz de ressocializar o adulto criminoso, tampouco o adolescente infrator, questionando-se inclusive se não ferem direitos e garantias fundamentais.

INTRODUÇÃO - unifieo.br · 4 1. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA 1.1. Conceito de Direitos Fundamentais Para Alexandre de Moraes, direitos humanos fundamentais

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1

INTRODUO

Quando falamos em adolescentes autores de atos infracionais, a reao

mais freqente a de temor, receio e repulsa. Os meios de comunicao

trazem ao nosso conhecimento notcias de atos brbaros cometidos por

crianas e adolescentes, levando boa parte da sociedade, influenciada s vezes

pelo sensacionalismo do noticirio, a especular sobre a necessidade de

mudanas na legislao, de modo a mais severamente punir tais atos

infracionais.

Geralmente tais informes trazem notcias de atos graves e violentos,

que aumentam a repulsa e geram perplexidade nos cidados, levando-os ,

deliberadamente questionarem a legislao destinada aos adolescentes autores

de atos infracionais.

De certo que gravidade do ato infracional cometido, deve

corresponder medida scio-educativa adequada, de modo a efetivamente

cumprir o papel previsto na legislao, qual seja, a ressocializao do

adolescente.

O atual modelo da medida scio-educativa privativa de liberdade, a

internao, merece de nossa parte certa discordncia, vez que sua aplicao

leva ao recolhimento do adolescente em instituies com caractersticas

semelhantes s cadeias destinadas aos adultos e como sabido o formato

dessas instituies no representam hoje modelo capaz de ressocializar o

adulto criminoso, tampouco o adolescente infrator, questionando-se inclusive

se no ferem direitos e garantias fundamentais.

2

As cenas das constantes rebelies ocorridas nessas instituies, cada

vez mais aproximam cadeias pblicas e instituies destinadas a internao de

adolescentes infratores, demonstrando claramente o insucesso prtico para a

aplicao da medida privativa de liberdade aos adolescentes.

No obstante o comentrio inserido acima, no ele o objeto central

deste estudo, pois alm da medida da internao, existem outras modalidades

destinadas aos autores de prticas infracionais, que geralmente no so

exploradas pelo noticirio e pela mdia em geral, fazendo com que sejam

ignoradas por grande parte da sociedade. Dentre essas medidas scio-

educativas est a liberdade assistida, instituto que aproxima o adolescente

infrator da famlia, da sociedade e do Estado, e sobre o qual explanaremos no

presente estudo.

Deste modo, visa este estudo, dentro dos Direitos e garantias

fundamentais previstos na Constituio brasileira, enfocar o direito

liberdade do adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos), mais especificamente o

adolescente infrator sujeito aplicao da medida scio-educativa liberdade

assistida, prevista no artigo 118 da Lei 8069 de 13 de julho de 1990, o

Estatuto da Criana e do Adolescente.

Com base nos dispositivos constitucionais relativos aos direitos

humanos fundamentais, destacando-se o princpio da liberdade, procuraremos

traar um paralelo entre a medida scio-educativa prevista na lei especial e

sua eficcia como forma de garantia ao adolescente infrator da ressocializao

e da efetivao do direito liberdade conforme previsto na Lei Maior.

A proposta deste trabalho , considerando os dispositivos legais, os

deveres da sociedade e do Estado, discutir o direito liberdade dos

3

adolescentes que praticam atos infracionais, durante e/ou depois de cumpridas

a medida scio-educativa prevista no artigo 118 do Estatuto da Criana e do

Adolescente, visando seu reingresso ao convvio social e conseqentemente

sua incluso na sociedade, de modo a no mais delinqirem.

Sem maiores pretenses e com base em pesquisas de campo e

entrevistas, analisaremos se a medida em comento da liberdade assistida

requer reformulao para melhor assistir os direitos da criana e do

adolescente.

4

1. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIO

BRASILEIRA

1.1. Conceito de Direitos Fundamentais

Para Alexandre de Moraes, direitos humanos fundamentais so:

O conjunto institucionalizado de Direitos e do ser humano que tem por

finalidade bsica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteo contra

o arbtrio do poder estatal e o estabelecimento de condies mnimas de vida

e desenvolvimento da personalidade humana.1

Jos Afonso da Silva sugere as seguintes caractersticas dos

Direitos fundamentais2:

(a) Historicidade so histricos como qualquer Direito.

Nascem, modificam-se e desaparecem (...);

b) Inalienabilidade so Direitos intransferveis, inegociveis,

porque no so de contedo econmico-patrimonial (...);

c) Imprescritibilidade (...) no se verificam requisitos que

importem em sua prescrio. Vale dizer, nunca deixam de ser exigveis (...) e

d) Irrenunciabilidade no se renunciam Direitos fundamentais.

Alguns deles podem at no ser exercidos, pode-se deixar de exerc-los, mas

no se admite sejam renunciados.

Nos ensinamentos de Jos Joaquim Gomes Canotilho,

aprendemos que os Direitos fundamentais cumprem a funo de Direitos de

1 Alexandre de Moraes. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentrios aos arts. 1 a 5 da Constituio Federal, p. 39. 2 Jos Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 181.

5

defesa dos cidados sob uma dupla perspectiva: (1) constituem num plano

jurdico-objetivo, normas de competncia negativa para os poderes pblicos,

proibindo fundamentalmente as ingerncias destes na esfera jurdica

individual; (2) implicam, num plano jurdico-subjetivo, o poder de exercer

positivamente Direitos fundamentais (liberdade-positiva) e de exigir omisses

dos poderes pblicos, de forma a evitar agresses lesivas por parte dos

mesmos (liberdade negativa). 3

As palavras do constitucionalista portugus encerram duas

consideraes de extrema relevncia.

Primeiro, seu carter positivo, enquanto incorporao no

ordenamento escrito e segundo, esta positivao deve ocorrer do bojo do mais

importante diploma jurdico: a Constituio.

Podemos complementar o conceito de Direitos fundamentais

com a afirmativa de Jos Carlos Vieira de Andrade, constitucionalista

portugus, de que estes possuem juridicidade especfica por constarem desse

instrumento de Direito interno denominado Constituio; e ainda

complementa dizendo que seu valor jurdico, a sua fora de conformao no

foram sempre os mesmos, mas no h dvida hoje que comandam todo o

ordenamento jurdico, impondo-se prpria funo legislativa por fora do

princpio da constitucionalidade.4 A utilizao das expresses Direitos

Fundamentais e Direitos Humanos merecem alguma explicao.

Por um lado, parte da doutrina afirma que a expresso Direitos

Humanos tem origem inglesa human rights enquanto Direitos

3 Jose Joaquim Canotilho, Direito Constitucional, p. 51. 4Jos Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na constituio portuguesa de 1976, p. 33.

6

Fundamentais seriam fruto da tradio continental, notadamente germnica.

Diferentemente, outros autores acreditam que a diferena encontra-se no

mbito da aplicao do conceito: os Direitos Fundamentais restringem-se ao

mbito constitucional, garantidos e limitados no tempo e no espao, enquanto

os Direitos Humanos ao mbito internacional; constituem Direitos de todos os

povos.

Constituem assim classes variveis ao longo do tempo,

modificando seu elenco no compasso da alterao das condies histricas.

Como salienta Celso Albuquerque Mello5, no esto tais Direitos relacionados

em uma lista imutvel, porque a natureza humana est em construo, vez

que ela apenas pressupe a sociabilidade do homem, e esta vai criando novas

formas de pensar.

O mesmo argumento pode ser aplicado tanto para os Direitos

humanos quanto para os fundamentais. Hoje as Constituies fixam princpios

e linhas gerais para guiar o Estado e a vida em sociedade com a finalidade de

promover o bem-estar individual e coletivo de seus integrantes.

1.2. Evoluo histrica

Ensina Alexandre de Moraes que os direitos humanos

fundamentais, em sua concepo atualmente conhecida, surgiram como

produto da fuso de vrias fontes, desde tradies arraigadas nas diversas

5 Celso Albuquerque Mello, Direitos Humanos e Conflitos Armados, p. 4 e 28.

7

civilizaes, at a conjuno dos pensamentos filosfico-jurdicos, das idias

surgidas com o cristianismo e com o direito natural.6

Prossegue o autor, ensinando ainda que existe um ponto

fundamental em comum nessas idias, a necessidade de limitao e controle

dos abusos de poder do prprio Estado e de suas autoridades constitudas e a

consagrao dos princpios bsicos da igualdade e da legalidade como

regentes do Estado moderno e contemporneo.7

Assevera mais que, A origem dos Direitos individuais do

homem pode ser apontada no antigo Egito e Mesopotmia, no terceiro milnio

a. C, onde j eram previstos alguns mecanismos para a proteo individual em

relao ao Estado. O Cdigo de Hammurabi (1690 a C) talvez seja a primeira

codificao a consagrar um dos Direitos comuns a todos os homens, tais

como a vida, a propriedade a honra, a dignidade a famlia, prevendo

igualmente a supremacia das leis em relao aos governantes.8

Prosseguindo, diz que os mais importantes antecedentes

histricos das declaraes dos Direitos fundamentais encontram-se

primeiramente, na Inglaterra, onde podemos citar a Magna Charta

Libertatum, outorgada por Joo Sem Terra em 15 de junho de 1215.

Tnia da Silva Pereira, em trabalho sobre direitos fundamentais

na infncia, ratifica o ensinamento de Alexandre de Moraes e assevera que os

Direitos fundamentais constituem elemento basilar do constitucionalismo

moderno e prossegue afirmando que um breve apanhado histrico dos

6 Alexandre de Moraes, Op. cit., p. 19 7 Ibid, mesma pgina 8 Ibid., p. 24

8

Direitos fundamentais confunde-se com a prpria construo do

constitucionalismo.9

Segundo a autora muitos autores apontam a inglesa Carta Magna

de 1215 como inauguradora do captulo dos direitos fundamentais na histria

dos direitos. Subscrita pelo Rei Joo Sem-Terra, bispos e bares,

caracterizou-se pela concesso de privilgio aos referidos estamentos e pelo

conseqente estabelecimento de obrigaes reais.

Parte da doutrina indica seu artigo 39, o qual afirma que nenhum

homem livre seria detido ou despossudo de seus bens sem juzo prvio, o

enraizamento da tendncia de se garantirem direitos aos indivduos. Conduz-

se ilao de que o germe dos direitos fundamentais estaria no direito de ir e

vir como pressuposto necessrio aos demais. Ou seja, a liberdade, como

direito prioritrio. Por outro lado, asseveram outros autores que a Carta

Magna no seria mais do que uma concesso mtua entre privilegiados,

afastando-se diametralmente de qualquer pretenso de universalidade.

Surge assim o dissdio doutrinrio, acerca da real paternidade dos

direitos fundamentais, tradicionalmente disputada entre a Declarao de

Direitos do povo da Virgnia de 1776 e a Declarao dos Direitos do Homem

e do Cidado de 1789.

As liberdades constitudas na Inglaterra ao longo do Sc. XVII

Petition of Rights de 1628, Lei do Habeas Corpus de 1679 e o Bill of Rights

de 1689 foram incorporadas sistemtica jurdica dos Estados Unidos,

agora em sede constitucional, na Declarao de Virgnia.

9 Tnia da Silva Pereira, Infncia e juventude: os direitos fundamentais e os princpios constitucionais consolidados na Constituio de 1988, p. 76

9

Ingo Wolfgand Sarlet afirma que a nota distintiva desta

declarao encontra-se em sua supremacia normativa e a posterior garantia de

sua justiciabilidade por intermdio da Suprema Corte e do controle judicial da

constitucionalidade.10

A Declarao francesa de 1789 eleva ao grau mximo seu carter

universal, j que baseada restritamente na racionalidade, da qual

absolutamente todos os homens seriam dotados.

Os mesmos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade foram

tambm garantidos na Constituio de 1791 inspirao girondina e de

1793 de inspirao jacobina. Esta ltima chega a acrescentar direitos como

ao trabalho, proteo contra a pobreza e educao. Perez Luo assegura

que a partir de ento as Declaraes de direitos passam a ser incorporadas

histria do constitucionalismo.11

A Constituio belga de 1831 e as cartas constitucionais da

Alemanha e Itlia confirmam o processo de relativizao do carter

jusnaturalista, e, portanto, universal, e o enquadramento dos direitos nos

sistemas positivos dos Estados. De acordo com apontamento de Paulo

Bonavides, a universalidade material e concreta passa a substituir a

universalidade abstrata, e mesmo metafsica, dos direitos na verso

jusnaturalista do sc. XVIII. 12

10 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficcia dos direitos fundamentais, p. 45. 11 Antonio Prez Luo, Derechos fundamentales. Temas clave de la Constitucin Espaola, p. 214 12 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 517.

10

O Sc. XIX foi marcado pela denncia da insuficincia dos

direitos individuais e conseqente reivindicao dos direitos econmicos e

sociais.

As inspiraes operrias foram consagradas pela Revoluo

Russa e celebradas na Declarao de Direitos do Povo Trabalhador e

Explorado de 1918. No apenas se inaugurava um novo sistema poltico como

tambm uma nova forma de pensar os direitos fundamentais.

So de capital importncia duas constituies do incio do sc.

XX: a mexicana de 17 e a de Weimar de 19. Estas primaram pelo intento de

conjugar em um nico sistema, direitos de cunho individual e econmico

social. Mais especialmente a Constituio de Weimar serviu como modelo

para as constituies europias do ps-guerra que implantaram o regime do

Estado de bem estar social como a francesa de 1946, a italiana de 47 e a

prpria Lei Fundamental de Bonn de 1949, as duas ltimas ainda vigentes.

A mesma tendncia foi reforada nas constituies consagradas

aps regimes autoritrios como a da Grcia (1975), da Espanha (1975) e a de

Portugal (1978). H de se destacar que os estudos comparativos realizados

aps a promulgao da Constituio brasileira de 1988 indicam a

aproximao aos ibricos.

Nossa Constituio traz, entre os direitos fundamentais, uma

composio dos direitos individuais, polticos, sociais, econmicos, culturais,

ambientais, que melhor explanaremos no tpico a seguir.

1.3. Direitos fundamentais na Constituio Brasileira

11

Como j ensinado por Alexandre de Moraes, os Direitos

Humanos Fundamentais visam basicamente, garantir ao homem o respeito a

sua dignidade, protegendo-o do arbtrio do poder estatal e estabelecendo

condies mnimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Vimos tambm, que nossa Constituio Federal traz nos rol dos

direitos fundamentais uma srie de direitos, aos quais o constituinte ptrio deu

o nome de Direitos e garantias fundamentais, abarcados no ttulo II da Carta

Magna Brasileira.

Em seu Ttulo II, a Constituio Federal de 1988 elenca esses

Direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco captulos:

Direitos individuais e coletivos, Direitos sociais, nacionalidade; Direitos

polticos e partidos polticos. Assim, a classificao adotada pelo legislador

constituinte estabeleceu cinco espcies ao gnero direitos e garantias

fundamentais.

Poderamos afirmar, a primeira vista, que em nossa Constituio

Federal os Direitos Fundamentais eleitos pelo constituinte estariam restritos

ao art. 5 em seus 77 incisos. No entanto, cabe atenta leitura de seu 2,

inciso LXXVIII. In verbis:

Art. 5, LXXVIII - Os Direitos e Garantias expressos nesta

Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por

ela adotados ou dos Tratados Internacionais em que a Repblica Federativa

do Brasil parte.

Ademais, se considerarmos outros dispositivos constitucionais

que versam sobre direitos e garantias fundamentais, encontraremos, como j

12

visto, os direitos nacionalidade, direitos polticos, direitos sociais, direitos

coletivos, somando-se queles direitos individuais mencionados no artigo 5

da Constituio Federal.

Nos ensinamentos de Jos Afonso da Silva, colhemos que:

A classificao que decorre do nosso Direito Constitucional

aquela que os agrupa com base no critrio de seu contedo, que,

ao mesmo tempo, se refere natureza do bem protegido e do

objeto de tutela. De acordo com este critrio, teremos (a)

direitos fundamentais do homem indivduo, que so aqueles que

reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e

independncia aos indivduos diante dos demais membros da

sociedade poltica e do prprio Estado; por isso so

reconhecidos como direitos individuais, como de tradio do

Direito Constitucional brasileiro (art. 5), e ainda por liberdades

civis e liberdades-autonomia (liberdade, igualdade, segurana,

propriedade); (b) direitos fundamentais do homem-nacional, que

so os que tm por contedo e objeto a definio da

nacionalidade e suas faculdades; (c) direitos fundamentais do

homem-cidado, que so os direitos polticos (art. 14, direito de

eleger e de ser eleito), chamados tambm direitos democrticos

ou direitos de participao poltica e, ainda, inadequadamente,

liberdades polticas (ou liberdades-participao), pois estas

constituem apenas aspectos dos direitos polticos; (d) direitos

fundamentais do homem-social, que constituem direitos

assegurados ao homem em sua relaes sociais e culturais (art.

6: sade, educao, seguridade social etc.);(e) direitos

13

fundamentais do homem membro de uma coletividade, que a

Constituio adotou como direitos coletivos (art. 5). 13

Da temos, na classificao de Jos Afonso da Silva, as cinco

espcies definidas pelo legislador constituinte, valendo lembrar que Jos

Afonso da Silva acrescenta a esse elenco uma sexta espcie, ensinando que:

uma nova classe que se forma a dos direitos fundamentais

ditos de terceira gerao, direitos fundamentais do homem solidrio, ou

direitos fundamentais do gnero humano (direito paz, ao desenvolvimento,

comunicao, meio ambiente, patrimnio comum da humanidade).14

Outrossim, pode-se afirmar que o constituinte no teve a

inteno de restringir os Direitos fundamentais queles enumerados no artigo

em tela.

Considerando o disposto no pargrafo 3, inciso LXXVIII, do

artigo 5, j mencionado, que entendemos como uma clusula aberta, este

pargrafo encerra o princpio da no tipicidade dos direitos fundamentais, de

forma a confirmar o no congelamento destes direitos naqueles determinados

no processo constituinte.

E ainda, como leciona Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos

fundamentais podem ter acento em outras partes do texto constitucional ou

residir em outros textos legais nacionais e internacionais.15

13 Jos Afonso da Silva da, Op. Cit7. , p.182/183 14 Ibid., p.183. 15 Ingo Wolfgang Sarlet, Op.cit.p. 85

14

Adicione-se ainda que ao referir-se aos direitos e garantias

expressos em nossa Constituio, o legislador teve como preocupao no

fazer qualquer meno posio a ser ocupada pelos mesmos no Texto.

Destarte, pode-se concluir que so considerados direitos e

garantias fundamentais de mesma hierarquia aqueles que ocupam diversas

posies na Constituio Federal de 1988.

Vemos assim, que ao falarmos em direitos e garantias

fundamentais, no temos como classific-los hierarquicamente. Como j

vimos, o ttulo II da nossa Constituio Federal, ao tratar do tema, em seus 4

captulos e 13 artigos, embora cite quatro modalidades de direitos e garantias

fundamentais, no define a quaisquer delas supremacia sobre a outra.

15

2. O DIREITO LIBERDADE

2.1. Liberdade e filosofia

Ensina Eduardo Carlos Bianca Bittar que: A liberdade pode ser

definida de muitas formas. Alguns definem arbitrariedade sob o manto

conceitual de exerccio de sua liberdade.Outros, consideram-na um valor

para a prpria construo do pacto social. Por isso, existem diversas

concepes de liberdade, o que por si s j traduz o altssimo interesse que o

termo possui para as investigaes filosficas para as perspectivas da vida

humana.16

Considerando as palavras autor, aliadas aos ensinamentos de Jos

Afonso da Silva, no sentido de que os filsofos definiam liberdade de vrias

formas, correlacionando liberdade e necessidade, pois enquanto uns

negavam a existncia da liberdade humana, afirmando uma necessidade, um

determinismo absoluto; outros ao contrrio, afirmavam o livre arbtrio,

liberdade absoluta, negando a necessidade. Ora, de um lado, a liberdade era

simples desvio do determinismo necessrio; de outro desvio daquela17 no

iremos nos aprofundar no estudo filosfico do tema. Apenas a titulo

ilustrativo, transcrevemos alguns de seus conceitos, explicitados em diferentes

pocas.

Para Jos Afonso da Silva, o livre arbtrio a liberdade interna ou

subjetiva, definida como simples manifestao da vontade no mundo

interior do homem. Por isso chamada igualmente liberdade do querer.

16 Eduardo Carlos Bianca Bittar/Guilherme Assis de Almeida, Curso de filosofia do direito, p. 447 17 Jos Afonso da Silva, Op. cit., p. 230.

16

Significa que a deciso entre duas possibilidades opostas pertence,

exclusivamente, vontade do indivduo; vale dizer, poder de escolha, de

opo entre fins contrrios. 18

Para Hannah Arendt a liberdade no equivale ao livre arbtrio, est

identificada na esfera de ao equivalente a soberania, homens e mulheres

tornam-se livres, ao exercitarem a ao e decidirem, em conjunto, seu futuro

comum.

Os homens so livres diferentemente de possurem o dom da

liberdade enquanto agem, nem antes, nem depois; pois ser livre e agir so a

mesma coisa.19

Diferentemente temos o pensamento de Giovanni Pico della

Mirandola, que em seu Discorso de la dignit humana, afirma que a

dignidade do ser humano se baseia em sua liberdade, no livre arbtrio, assim o

filsofo definiu o homem:

suma liberdade de Deus pai, suma e admirvel felicidade do

homem! Ao qual concedido obter o que deseja, ser aquilo que quer.20

Dos ensinamentos de Rousseau extramos que a liberdade do

cidado d-se em razo do contrato social e que tem relao proporcional e

direta grandeza do Estado: quanto maior, menor a liberdade dos cidados

que a compem: quanto menor, maior a liberdade dos cidados que a

compem.

18 Jos Afonso da Silva, Op. cit., p. 231. 19 Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro. p. 199 20 Giovanni Pico della Mirandola, Discurso sobre a dignidade do homem , p. 53

17

O homem nasceu livre, e no obstante, est acorrentado em toda a

parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser to escravo como

eles. Como se tem realizado esta mutao? Ignoro-o. Que pode legitim-la?

Creio poder responder esta questo.21

O que o homem perde pelo contrato social, sua liberdade

natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcanar. O

que ele ganha, a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para

compreender bem estas compensaes, necessrio distinguir a liberdade

natural, que no tem outros limites a no ser as foras individuais, da

liberdade civil, limitada esta pela vontade geral, e a posse, conseqncia

unicamente da fora ou direito do primeiro ocupante, da propriedade que s

pode fundamentar-se num ttulo positivo. 22

2.2. Definio jurdico-positiva de liberdade

Segundo Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de

Almeida, liberdade pode ser definida de muitas formas por essa razo

existem diversas concepes de liberdades, o que por si s j traduz o

altssimo interesse que o termo possui para as investigaes filosficas e para

as perspectivas da vida humana.23

Montesquieu j dizia em seu esprito das leis que liberdade o

direito de fazer tudo o que as leis permitem, ainda segundo o filsofo, a

liberdade poltica no consiste em fazer o que se quer. Num Estado, isto ,

numa sociedade onde h leis, a liberdade no pode consistir seno em poder

21 Jean-Jacques Rousseau. O contrato social. Traduo Antnio de P. Machado. 22 Ibid. 23 Eduardo Carlos Bianca Bittar/Guilherme Assis de Almeida, Curso de filosofia do direito, p. 446

18

fazer o que se deve querer, e a no ser constrangido a fazer o que no se deve

querer.24

Para Jos Afonso da Silva, o conceito de liberdade humana deve

ser expresso no sentido de um poder de atuao do homem em busca de sua

realizao pessoal, de sua felicidade, citando definio de Rivero, na mesma

obra, diz que a liberdade um poder de autodeterminao, em virtude do

qual o homem escolhe por si mesmo, se comportamento pessoal. Indo um

pouco alm, prossegue o jurista, propondo o seguinte conceito: liberdade

consiste na possibilidade de coordenao consciente dos meios necessrios

realizao da felicidade pessoal. 25

2.3. Direito liberdade na Constituio Federal

O direito liberdade aparece inscrito em nossa Constituio

Federal como de um dos direitos individuais e coletivos, inserido no rol de

outros em nossa Carta Maior no caput do artigo 5.

Historicamente o processo de positivao em nvel constitucional

dos direitos humanos, refletiam-se nos textos constitucionais os direitos

inspirados pelo direito natural - as liberdades individuais - direitos que

exigem um no-agir por parte do Estado, tais liberdade, igualdade formal,

segurana, propriedade, resistncia opresso. (Direitos de primeira gerao).

Depois, veio a fase do reconhecimento dos direitos econmicos e sociais,

conseqentes da nova realidade produzida pela Revoluo Industrial, e que

demandam prestaes positivas do Estado para que possam ser gozados, da

24 Cf. De lesprit des lois, XI, 3. 25 Jos Afonso da Silva, Op. cit., p.232.

19

serem conhecidos como direitos "concretos". A evoluo social e tecnolgica

deu margem a outras exigncias, que, por sua vez, demandaram a consagrao

de outros direitos e a reformulao de antigos, para atender a direitos e

interesses coletivos e individuais, direitos de reproduo e de manipulao

gentica, entre outros.

Surgiu a primeira gerao de direitos fundamentais, formada

pelos direitos de liberdade, isto , os direitos civis e polticos, que em

Norberto Bobbio "tm por titular o indivduo, so oponveis ao Estado,

traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma

subjetividade que seu trao mais caracterstico; enfim, so direitos de

resistncia ou de oposio perante o Estado". 26 Esses direitos valorizam, em

primeiro lugar, o "homem singular, o homem das liberdades abstratas, o

homem da sociedade mecanicista que compe a chamada sociedade civil, na

linguagem jurdica mais usual".

Assim, temos no direito liberdade um dos direitos de primeira

gerao, definidos na Constituio Francesa de 1789.

A finalidade da Declarao Francesa no poderia deixar de ser a

de proteger o homem diante dos atos estatais, e os direitos reconhecidos - de

matiz natural - so inalienveis, imprescritveis, individuais e universais, ou

seja, deles no se pode abrir mo, no se exaurem com o passar do tempo, e

pertencem a cada ser humano e a todos os homens, indistintamente.

26 Norberto Bobbio, A era dos direitos, p.43.

20

Segundo ensina Norberto Bobbio, os franceses, deste modo

pretenderam "afirmar primria e exclusivamente os direitos dos

indivduos".27

Nossa Constituio Federal traz garantida a inviolabilidade da

liberdade em diversos de seus artigos, classificando a liberdade entre os

direitos individuais, destacando-se o preceituado pelo artigo 5, in verbis:

Art. 5 - Todos so iguais perante a lei, sem distino de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade,

segurana e propriedade....

No s o caput do artigo 5 protege e d garantias liberdade dos

brasileiros e estrangeiros residentes em nosso pas, como o princpio encontra

guarida em diversos incisos do j mencionado artigo, assim como em outros

artigos da Carta Magna, mencionando-se a os diversos tipos de liberdade, tais

como liberdade de conscincia e de crena (inciso VI), liberdade de

associao para fins lcitos (inciso XVII), liberdade de locomoo (inciso

LXVIII), liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a

arte e o saber (artigo 206, II), liberdade de informao jornalstica (artigo 220,

1), liberdade e convivncia familiar e comunitria (prevista a criana e ao

adolescente no artigo 227), entre outras.

2.4. Liberdade da criana e do adolescente

27 Norberto Bobbio, Op.cit.,p. 69.

21

Como visto, a Constituio Federal garante a todos o direito

liberdade, previsto em diversos dispositivos da Lei Maior. No tocante a

criana e ao adolescente o constituinte estabeleceu, no artigo 227, o dever da

famlia, da sociedade e do Estado, em assegurar-lhes, com absoluta

prioridade, entre outros direitos, o da liberdade, in verbis:

Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar

criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade,

alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,

dignidade, ao respeito, liberdade

e convivncia familiar e comunitria,

alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao,

explorao, violncia, crueldade e opresso. (grifos nossos)

Na legislao infraconstitucional a garantia liberdade da

criana e do adolescente, encontra guarida na Lei 8069, de 13 de julho de

1990, que nos seus 267 artigos dispe sobre a proteo integral a criana e ao

adolescente e em seu artigo 3, dispe, in verbis.

Art. 3. A criana e o adolescente gozam de todos os direitos

fundamentais inerentes pessoa humana, sem prejuzo da proteo integral de

que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as

oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento fsico,

mental, moral, espiritual e social, em condies de liberdade

e de dignidade.

(grifo nosso).

Cabe lembrar que o Brasil signatrio da Conveno

Internacional sobre os Direitos da Criana de 1989 e que, conforme dispe

Jean Morange, a Conveno relativa aos direitos da criana parte de uma

lgica especfica e adaptada do respeito pela liberdade das crianas a

22

criana, em razo de sua falta de maturidade fsica e intelectual, tem

necessidade de uma proteo especial e de cuidados especiais,

particularmente de uma proteo jurdica apropriada, tanto antes como

depois do nascimento.28

Ainda segundo o autor, os direitos garantidos na conveno,

so bastante numerosos e, muitos deles clssicos: direito ao nome,

identidade, nacionalidade, manuteno do vnculo familiar... Alguns so

mais novos medida que eles esto prximos daqueles reconhecidos aos

adultos: direito liberdade, direito de associao, de reunio, de

expresso.29

Destaque-se que, embora considerados os diversos tipos de

liberdades previstas na Constituio Federal. O Estatuto da Criana e do

Adolescente destaca esta garantia s crianas e adolescentes, consoante

expressam seus artigos 15 e 16. In verbis:

Art. 15 - A criana e o adolescente tm direito liberdade, ao

respeito e dignidade como pessoas humanas em processo de

desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais

garantidos na Constituio e nas leis.

Art. 16 - O direito liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros pblicos e espaos

comunitrios, ressalvadas as restries legais;

II - opinio e expresso;

III - crena e culto religioso;

28 Jean Morange, Direitos humanos e liberdades publicas, p. 489 29 Ibid.

23

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitria, sem discriminao;

VI - participar da vida poltica, na forma da lei;

VII - buscar refgio, auxlio e orientao.

Observe-se que os citados dispositivos definem criana e

adolescente como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais e estabelece

princpios cujo comando emana diretamente da Constituio Federal,

trazendo um rol meramente exemplificativo, das formas de liberdade

garantidas constitucionalmente s crianas e aos adolescentes.

Destacando-se o direito liberdade de crianas e adolescentes, o

Estatuto prev ainda, condies para que estes venham a ser privados da

liberdade, preceituando o artigo 106 que somente em caso de flagrante de ato

infracional ou de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciria,

poder o adolescente ser privado de sua liberdade.

Cabe salientar que em caso de criana, pessoa entre 0 e 12 anos

incompletos, a legislao especial exclui a possibilidade de privao de

liberdade, falando no artigo 101, VII, nico em abrigo, destacando que tal

no implica em privao de liberdade.

2.5. Limitao da liberdade

A liberdade da pessoa garantida constitucionalmente sendo um

dos direitos fundamentais pessoa humana, mas h que se levar em

considerao que a liberdade total inaplicvel e prejudicial ao harmnico

24

convvio social. Da que a este direito se impem alguns deveres que buscam

garantir a ordem da sociedade.

Em simples palavras podemos dizer que a liberdade garantida,

desde que respeitadas algumas regras e caso essas regras sejam violadas,

aquele que a violou poder sofrer limitaes impostas pela sociedade.

Em Eduardo Carlos Bianca Bittar aprendemos que Os limites

da liberdade do ser humano so necessrios, pois ele capaz de tudo, do ato

mais sublime ao mais bestial. A grande contribuio trazida pelo conceito de

Estado de Direito que essas limitaes s podero ser realizadas pela lei.

Assim, o ser humano no est sujeito ao poder desmesurado de outro ser,

mas, ao menos teoricamente, justa e adequada orientao da lei. 30

O exerccio da liberdade impe ao cidado a obedincia das

normas colocadas em sociedade, so essas as normas que visam controlar a

liberdade, ou seja, a liberdade no total, devendo ser respeitados os limites

impostos pela lei.

Devemos salientar que no obstante o direito liberdade em seu

sentido mais amplo ser uma das garantias constitucionais inerentes a pessoa

humana, da mesma forma a legislao constitucional e infraconstitucional

prevem mecanismos legais de limitao a esse direito, de modo evitar a

desordem social. o chamado contrato social, como definido por Rousseau,

de onde extramos que a liberdade do cidado d-se em razo do contrato

social e que tem relao proporcional e direta grandeza do Estado: quanto

maior, menor a liberdade dos cidados que a compem: quanto menor, maior

a liberdade dos cidados que a compem.

30 Eduardo Carlos Bianca Bittar/Guilherme Assis de Almeida, Op. cit.p. 452

25

O homem nasceu livre, e no obstante, est acorrentado em

toda a parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser

to escravo como eles. Como se tem realizado esta mutao?

Ignoro-o. Que pode legitim-la? Creio poder responder esta

questo. (...) O que o homem perde pelo contrato social, sua

liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz

respeito e pode alcanar. O que ele ganha, a liberdade civil e a

propriedade de tudo o que possui. Para compreender bem estas

compensaes, necessrio distinguir a liberdade natural, que

no tem outros limites a no ser as foras individuais, da

liberdade civil, limitada esta pela vontade geral, e a posse,

conseqncia unicamente da fora ou direito do primeiro

ocupante, da propriedade que s pode fundamentar-se num

ttulo positivo. 31

Para Jos Afonso da Silva, autoridade e liberdade so

situaes que se complementam. que a autoridade to indispensvel

ordem social condio mesma da liberdade como esta necessria a

expanso individual. Um mnimo de coao h sempre que existir.32

2.5.1. Limites da liberdade da criana e do adolescente

Sendo crianas e adolescentes sujeitos dos direitos

garantidos na Constituio Federal e nas exatas palavras dos artigos 15 e 16

da lei especial, j mencionados acima, temos que a estes esto assegurados os

direitos liberdade, ao respeito e dignidade.

31 Ibid. 32 Jos Afonso da Silva, Op.Cit. p. 231

26

Ora, sendo sujeitos de direito, logo se tornam cidados,

garantindo-lhes assim o exerccio da cidadania e no que pese a seus deveres e

obrigaes, subordinando-se s limitaes impostas pelo Poder Pblico para o

exerccio de seus direitos.

Assim, embora garantindo criana e ao adolescente o

direito a liberdade, da mesma forma que para qualquer cidado, esta liberdade

jamais ser absoluta, principalmente visando garantir-lhe a proteo integral,

prescrita na garantida na Constituio Federal e prescrita no Estatuto da

criana.

Conforme visto no subitem anterior, clara fica a limitao

de liberdade ao adolescente cabe adequar-se justa e adequada orientao da

lei.

Observamos, j nos preceitos do Cdigo Civil, quando

tratamos da capacidade das pessoas que crianas e adolescentes tm suas

liberdades relativamente limitadas. Na vida familiar, compete aos pais e

responsveis, sempre de acordo com a lei, impor e aplicar essas limitaes.

Na vida escolar, aos professores e demais funcionrios dos estabelecimentos

de ensino. Na vida social.

Quando praticam atos infracionais, embora inimputveis,

consoante dispositivos constitucionais e de direito penal, ficam sujeitos, nos

termos da lei, se crianas s medidas de proteo previstas no 101 do Estatuto

e se adolescentes, tanto a essas quanto s medidas scio-educativas, previstas

no artigo 112 do mesmo diploma.

27

Assim, caso o adolescente ultrapasse esses limites,

especificamente em casos de atos infracionais, a lei prev inclusive sua

apreenso em flagrante, garantida a devida apurao dos fatos mediante

processo na Vara competente, ou seja, a da Infncia e Juventude. E se

comprovada a autoria do ato infracional por parte do adolescente, poder

sofrer uma das medidas scio-educativas restritiva de liberdade, previstas nos

artigos 120 e 121 do Estatuto da Criana e do Adolescente.

Para o momento, inserimos o tema, de modo a demonstrar

que o que prevalece no tocante limitao da liberdade da criana e

adolescente fundamenta-se nos princpios da legalidade e do devido processo

legal consagrados constitucionalmente nos incisos II e LIV do artigo 5 da

Constituio Federal. In verbis:

Art. 5 (...)

II - ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa seno em virtude de lei...

LIV - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal.

28

3. CRIANA E ADOLESCENTE NO DIREITO BRASILEIRO

3.1. Definio de criana e de adolescente

Conforme dispe o artigo 2 do Estatuto da Criana e do

Adolescente, in verbis:

Art. 2 . Considera-se criana para os efeitos desta Lei, a pessoa

at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e dezoito

anos de idade.

Sem olvidar do pargrafo nico do citado artigo, que disciplina

sobre o jovem adulto, que explicaremos oportunamente, importante termos

que criana aquela pessoa de 0 a 12 anos e adolescente, aquela entre os 12 e

os 18 anos de idade.

As definies de criana e de adolescente, segundo Alcntara e

Del Campo33 baseiam-se na psicologia evolutiva, sendo que o artigo 2 do

Estatuto da criana e do adolescente, adotando-se o critrio cronolgico

absoluto, que estabelece a distino tcnica entre criana e adolescente,

evitando o termo do uso menor.

Segundo os autores, a distino relevante, principalmente no

que se refere prtica de ato infracional, porque, ao adolescente infrator

podem ser aplicadas as medidas protetivas e scio-educativas, ao passo

criana somente podem ser aplicas medidas protetivas. (grifos nosso)

33 Eduardo Roberto Alcntara/Thales Cezar de Oliveira Del Campo, Estatuto da criana e do adolescente, p 6

29

Cabe aqui esclarecer que as medidas protetivas, destinadas tanto

criana e ao adolescente infrator esto previstas nos artigos 98 e 101 do

Estatuto da criana e do adolescente. In verbis:

Art. 98. As medidas de proteo criana e ao adolescente so

aplicveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaados ou

violados: I - por ao ou omisso da sociedade ou do Estado; II - por falta,

omisso ou abuso dos pais ou responsvel; III - em razo de sua conduta.

(...)

Art. 101. Verificada qualquer das hipteses previstas no artigo

98, a autoridade competente poder determinar, dentre outras, as seguintes

medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsvel, mediante termo de

responsabilidade; II - orientao, apoio e acompanhamento temporrios; III -

matrcula e freqncia obrigatrias em estabelecimento oficial de ensino

fundamental; IV - incluso em programa comunitrio ou oficial de auxlio

famlia, criana e ao adolescente; V - requisio de tratamento mdico,

psicolgico ou psiquitrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI -

incluso em programa oficial ou comunitrio de auxlio, orientao e

tratamento a alcolatras e toxicmanos; VII - abrigo em entidade; VIII -

colocao em famlia substituta. Pargrafo nico - O abrigo medida

provisria e excepcional, utilizvel como forma de transio para a colocao

em famlia substituta, no implicando privao de liberdade.

3.1.1 Criana e adolescente e o Cdigo Civil

Diferentemente do Cdigo Civil de 1916, a atual

legislao civilista lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, j em seu primeiro

30

artigo define sobre a capacidade da pessoa, preceituando que toda pessoa

capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Desta forma, a legislao infraconstitucional estabelece a

igualdade civil entre todas as pessoas. Mas cabe saber se crianas e

adolescentes so pessoas que contam com esta capacidade de direito e deveres

na ordem civil?

Para respondermos a questo apresentada, vejamos os

ensinamentos de Washington de Barros Monteiro e de Silvio Rodrigues.

Para o primeiro, a noo de capacidade se entrosa com a

da personalidade e a de pessoa, de modo que ensina:

Com efeito, os diversos elementos da primeira

constituem a segunda, que se concretiza ou se realiza na

terceira. Capacidade a aptido para adquirir direitos e

exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. O

conjunto desses poderes constitui a personalidade, que,

localizando-se ou concretizando-se num ente, forma a

pessoa da pessoa. Assim, a capacidade elemento da

personalidade. Esta, projetando-se no campo do direito,

expressa pela idia de pessoa, ente capaz de direitos e

obrigaes. Capacidade exprime poderes ou faculdades;

personalidade resultante desses poderes; pessoa o ente

a que a ordem jurdica outorga esses poderes. 34

34 Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil,parte geral, 24 ed, So Paulo Saraiva, 1985, p 12,13

31

Nos ensinamentos de Silvio Rodrigues, temos que j foi

dito que todo o ser humano, desde o nascimento at a morte, tem capacidade

para ser titular de direitos e obrigaes na ordem civil. Mas isso no

significa que todos possam exercer seus direitos. A lei, tendo em vista a

idade, a sade, ou o desenvolvimento intelectual de determinadas pessoas, e

com o intuito de proteg-las, no lhes permite o exerccio pessoal de direitos.

Assim, embora lhes conferindo a prerrogativa de serem titulares de direito,

nega-lhes a possibilidade de pessoalmente os exercerem. Classifica tais

pessoas como incapazes. Portanto, incapacidade o reconhecimento da

inexistncia, numa pessoa, daqueles requisitos que a lei acha indispensvel

para que ela exera seus direitos.35

Se considerarmos a definio trazida pelo legislador no

artigo 2 do Estatuto da Criana e do Adolescente, onde considerada criana

a pessoa at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze

e dezoito anos de idade, somando-se os ensinamentos dos autores e leitura

atenta dos artigos do Novo Cdigo Civil, a seguir transcritos:

Cdigo Civil 2002

Art. 2. A personalidade civil da pessoa comea do

nascimento com vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do

nascituro.

Art. 3. So absolutamente incapazes de exercer

pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos

Art. 4. So incapazes, relativamente a certos atos, ou

maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito

anos

35 Silvio Rodrigues Direito civil, parte geral

32

Art. 5. A menoridade cessa aos dezoito anos completos,

quando a pessoa fica habilitada prtica de todos os atos da vida civil.

Pargrafo nico. Cessar, para os menores, a incapacidade:

I - pela concesso dos pais, ou de um deles na falta do

outro, mediante instrumento pblico, independentemente de homologao

judicial, ou por sentena do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis

anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exerccio de emprego pblico efetivo;

IV - pela colao de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela

existncia de relao de emprego, desde que, em funo deles, o menor com

dezesseis anos completos tenha economia prpria.

(...)

Art. 932.So tambm responsveis pela reparao civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua

autoridade e em sua companhia;

(...)

Art. 1634. Compete aos pais, quanto pessoa dos filhos

menores:

I - dirigir-lhes a criao e educao;

II - t-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para

casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento

autntico, se o outro dos pais no lhe sobreviver, ou o sobrevivo no puder

exercer o poder familiar;

33

V - represent-los, at aos dezesseis anos, nos atos da vida

civil, e assisti-los, aps essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-

lhes o consentimento;

VI - reclam-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obedincia, respeito e os

servios prprios de sua idade e condio.

Podemos concluir que para efeitos civis, a criana e o

adolescente so tanto sujeitos de direitos, quanto de deveres e obrigaes,

entretanto no que concerne sua capacidade de exerc-los e cumpri-los, como

j explanado no tema sobre as limitaes de direitos, devem ser respeitados os

princpios da legalidade e do devido processo legal, entre outros.

Deste modo, na ordem civil, desde que legalmente

representados, crianas e a adolescentes so capazes de direitos e deveres,

consoante disciplinam os artigos 1 e 1690 do Cdigo Civil. In verbis:

Art. 1. Toda pessoa capaz de direitos e deveres na

ordem civil.

(...)

Art. 1690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao

outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos,

bem como assisti-los at completarem a maioridade ou serem emancipados.

3.2. Breve escoro histrico sobre o direito da criana e do

adolescente no Direito Brasileiro.

34

Ensina Garrido de Paula, que criana e adolescente participam e

sempre participaram de relaes interpessoais:

Contudo, somente recentemente suas principais vinculaes

com o mundo adulto foram agregadas ao universo do Direito.

Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos,

como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefcios

da unio estariam contemplados pela proteo jurdica

destinada aos ltimos. Figuravam, em regra, como meros

objetos da interveno do mundo adulto, sendo exemplificativa a

utilizao da velha expresso ptrio poder, indicativa de uma

gnese onde o Direito tinha como preocupao disciplinar

exclusivamente as prerrogativas dos pais em relao aos filhos,

suas crias.36

Ainda segundo o autor, o direito da criana e do adolescente:

tem por objeto a disciplina das relaes jurdicas, formas

qualificadas de relaes interpessoais reguladas pelo Direito,

entre crianas e adolescente, de um lado, e do outro lado,

famlia sociedade e Estado.37

No direito brasileiro, a Constituio Federal traz o rol dos

direitos fundamentais, consoante j explanamos no captulo 1, item 3 deste

trabalho.

36 Paulo Afonso Garrido de Paula, Direito da criana e do adolescente e titula jurisdicional diferenciada, p. 11. 37 Ibid., mesma pgina

35

No que tange aos direitos fundamentais da criana e do

adolescente, embora no constem especificamente do rol do artigo 5 da

Constituio Federal, apresentam-se, conforme ensina Tnia da Silva Pereira,

com a mesma hierarquia constitucional. Sustenta a autora que os direitos

fundamentais da criana e adolescente devem ser tidos como direitos

fundamentais de duas formas.

Primeiramente, o artigo 227, caput, e outros ao mesmo

alinhados, enumeram com clareza quais os direitos

fundamentais que devem ser assegurados a estes sujeitos de

direito com absoluta prioridade. Em segundo lugar, o Brasil

signatrio da Conveno Internacional sobre os Direitos da

Criana de 1989, em outras palavras, esta pode ser considerada

parte dos Tratados Internacionais em que a Repblica

Federativa do Brasil parte. Sabe-se que as vigas-mestras da

Conveno foram transpostas para o plano interno por meio do

Estatuto da Criana e do Adolescente. No entanto, pretendemos

afirmar que os direitos fundamentais garantidos na Conveno,

ao terem sido recebidos pelo 2 do artigo 5, galgaram ao

status de direito fundamental em nosso sistema

constitucional.38

Desta forma, entendemos que de fato, consoante disposio

constitucional, mesma que no constem em nossa Constituio Federal,

outros direitos fundamentais garantidos a criana e ao adolescente que

figurarem em Convenes e Tratados Internacionais reconhecidos no pas,

aqui sero vlidos.

38 Tnia da Silva Pereira, Op.cit. P. 142

36

Embora possamos constatar na histria constitucional brasileira a

presena constante dos direitos e garantias individuais do cidado, somente

com o advento da Constituio de 1988 foram introduzidos os direitos

fundamentais especficos da criana e do adolescente.

Os quais salientamos, no se restringem ao artigo 227 CF, visto

que podemos citar entre outros, os seguintes:

Proibio de trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores

de dezoito e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condio de

aprendiz, a partir de 14 anos, conforme redao dada ao art. 7, inc. XXXIII

pela Emenda Constitucional n 20, de 15 de dezembro de 1998.

A equiparao de filhos e a vedao de designaes

discriminatrias relativas filiao, consoante o art. 226, 6;

A inimputabilidade dos menores de 18, sujeitos legislao

especial, conforme o artigo 228.

Assistncia e educao por parte dos pais, de acordo com o art.

229.

O fato de encontrarem-se dispersos no texto constitucional art.

227 e os demais citados no lhes retira o status de direitos fundamentais,

devendo ser tratados da mesma forma de que todos os demais.

Outros direitos individuais da criana e do adolescente, como j

mencionamos, so aqueles decorrentes de tratados, consoante disciplina o art.

5, 2 da Constituio Federal.

37

Destaque-se a importncia da Conveno Internacional sobre os

Direitos da Criana, aprovada pela ONU em 20 de novembro de 1989 e

ratificada pelo Brasil atravs do Decreto n 99.710, de 21 de novembro de

1990.

Nascida de um rduo trabalho de dez anos por parte de

representantes de quarenta e trs pases membros da Comisso de Direitos

Humanos daquele organismo internacional, representou a comemorao dos

30 anos da Declarao Universal dos Direitos da Criana. Segundo Michel

Bonnet39, na fase de elaborao da Conveno, a principal questo debatida

era definir direitos universais para as crianas, considerando a diversidade de

percepes religiosas, scio-econmicas e culturais da infncia nas diversas

naes.

Fruto de compromisso e negociao, tal Conveno representa o

mnimo que toda a sociedade deve garantir s suas crianas, reconhecendo em

um nico documento as normas que os pases signatrios devem adotar e

incorporar a sua ordem interna. A Conveno exige, por parte de cada Estado

que a subscreva e ratifique, uma tomada de deciso, incluindo-se os

mecanismos necessrios fiscalizao do cumprimento de suas disposies (e

obrigaes).

A proteo especial a criana e ao adolescente j aparece na

Declarao de Genebra de 1924, em que foi declarada a necessidade de

proclamar criana uma proteo especial.

39 Convention on the Rights of the Child, In Second Asian Regional Conference on child abuse and neglect, pg. 71.

38

A Declarao Universal de Direitos Humanos aprovada no seio

das Naes Unidas em 1948 reconheceu que a infncia tem direito a

cuidados e assistncia especiais e que todas as crianas, nascidas dentro ou

fora do matrimnio, gozam da mesma proteo social (art. XXV, 2).

Coube j mencionada Declarao Universal dos Direitos da

Criana de 1959 determinar no seu segundo princpio que a criana gozar

de proteo especial e dispor de oportunidade e servios, a serem

estabelecidos em lei por outros meios, de modo que possa desenvolver-se

fsica, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudvel e normal,

assim como em condies de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com

este fim, a considerao fundamental a que se atender ser o interesse

superior da criana.

Tomando como modelo a Conveno Europia de Direitos

Humanos destaque-se, em nosso continente, a Conveno Americana sobre os

Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica de 1969), que estabelece

no seu art. 19 que toda criana tem direito s medidas de proteo que sua

condio de menor requer por parte da famlia, da sociedade e do Estado. O

Brasil veio a ratificar esta Conveno mais de vinte anos depois, atravs do

Decreto n 678 de novembro de 1992.

Cabe aqui fazer especial referncia s Regras de Beijing

(Resoluo n 40.33 da Assemblia Geral da ONU de 29 de novembro de

1985), que estabeleceram normas mnimas para a administrao da Justia da

Infncia e da Juventude. Da mesma forma, as Diretrizes de Riad para a

preveno da delinqncia juvenil e as Regras mnimas das Naes Unidas

para a proteo de jovens privados de liberdade foram aprovadas pela

Assemblia Geral da ONU de 1990, as quais somaram-se aos demais

39

documentos internacionais de proteo infncia deste sculo. Estes dois

documentos, embora ainda no ratificados pelo Brasil, tiveram seus princpios

incorporados ao Estatuto da Criana e do Adolescente.

Temos assim, que alm dos Direitos e garantias fundamentais

previstos na legislao ptria, em especial dos preceituados na Carta Maior,

temos ainda os direitos celebrados em acordos internacionais, que garantem a

criana e ao adolescente os direitos duplamente fundamentados no sistema

constitucional oriundo de 1988.

No que tange ao adolescente infrator, objeto do nosso trabalho,

ressalte-se o carter penal das legislaes brasileira, especificamente no que

tange a definio da menoridade/maioridade penal. Donde explanamos o tema

atravs do escoro a seguir:

At a criao da primeira legislao penal brasileira, vigoravam

no Brasil, o mesmo ordenamento jurdico que regiam os portugueses, tais

como as Ordenaes do Reino que previam a maioridade a partir dos 21 anos

completos, entre 17 e 20 anos a condenao depende do arbtrio do julgador;

Com o Cdigo Criminal do Imprio (16/12/1830) no se

julgam criminosos os menores de 14 anos, os quais, em acaso de

discernimento, poderiam ser recolhidos s casas de deteno por tempo que o

juiz julgasse conveniente. Em caso e autor entre 14 e 17 anos, sob critrio do

juiz, a pena poderia ser atenuada.

Citando a Lei 2040, de 28.09.1871 (lei do ventre livre),

mencionado que os filhos nascidos de me escrava, deveriam ser assistidos e

educados pelos senhores da me at os 8 anos completos e aps idade os

senhores faziam jus a uma indenizao do Estado, podendo optar em

40

continuar com ele at os 21 anos, o qual passaria a prestar-lhe servios, como

forma de compensao pelas despesas de sua sustentao;

Cdigo Penal da Republica (Dec. 841, de 11.10.1890),

considerou-se que no eram criminosos os menores de 9 anos e os maiores

entre 9 e 14 anos que obrassem com discernimento seriam recolhidos a

estabelecimento disciplinares;

Lei Federal 4242, de 04.01.1921 Ao fixar a despesa geral da

Repblica, acabou por determinar a organizao dos servios de assistncia e

proteo infncia abandonada e delinqente. No aspecto que ora interessa,

observa-se que o menor de 14 anos, apontado como autor ou cmplice de

crime ou contraveno no seria submetido a processo penal de nenhuma

espcie, mas poderia, aps investigao, ser colocado em asilo, casa de

educao, escola de preservao ou confiado a pessoa idnea. Entre 14 e 18

anos de idade, seria submetido a processo especial.

"O menor de 14 anos, indigitado autor ou cmplice de crime ou

contraveno, no ser submetido a processo de espcie alguma e que o

menor de 14 a 18 anos, indigitado autor ou cmplice de crime ou

contraveno ser submetido a processo especial".

Sem grandes alteraes, os dispositivos da lei oramentria no

que dizia respeito a assistncia e proteo aos menores abandonados e

delinqentes foram regulamentados pelo Dec. 12.272, de 20.12.1923.

Em 1 de dezembro de 1926, Washington Luiz sancionou o Dec.

5.083, que determinava a necessidade de consolidar as leis de assistncia e

proteo aos menores. Em 12.10.1927, manda publica atravs do Dec.

41

17.943-A o Cdigo de Menores, que no considerando criminosos os menores

de 14 anos, manteve as medidas destinadas aos infratores previstas na Lei

Federal 4242, de 01.01.1921. Trouxe algumas inovaes, como por exemplo,

a liberdade vigiada aos menores absolvidos da prtica de crimes ou

contravenes e a possibilidade de encarceramento de menores que tivessem

cometido crimes graves entre 16 e 18 anos de idade em estabelecimentos

destinados a adultos, at que se verificasse sua regenerao.

Durante a vigncia do Cdigo de Menores de 1927 sobreveio a

Consolidao das Leis Penais, aprovada pelo Dec. 22.213, de 14.12.1923,

mantendo os dispositivos relativos aos menores.

Sobre esse perodo, ensina Nelson Hungria que:

"inspirado principalmente por um critrio de poltica criminal,

colocou os menores de 18 anos inteira e irrestritamente

margem do direito penal, deixando-os apenas sujeitos s

medidas de pedagogia corretiva do Cdigo de Menores. No

cuidou da maior ou menor precocidade psquica desses menores,

declarando-os por presuno absoluta, desprovidos das

condies da responsabilidade penal, isto o entendimento

tico-jurdico e a faculdade de autogoverno". E continua: "ao

invs de assinalar o adolescente transviado com o ferrete de uma

condenao penal, que arruinar, talvez irremediavelmente, sua

existncia inteira, prefervel, sem dvida, tentar corrigi-lo por

mtodos pedaggicos, prevenindo sua recada no malefcio".40

40 Nelson Hungria, Comentrios ao Cdigo Penal, t. II.

42

Em 1969 o natimorto Cdigo Penal, em seu artigo 33, tentou

ressuscitar o critrio do discernimento ao estabelecer o retorno do critrio bio-

psicolgico, possibilitando a aplicao de pena ao maior de 16 e menor de 18

anos, com a pena reduzida de 1/3 a metade, desde que o mesmo entendesse o

carter ilcito do ato ou tivesse possibilidade de se portar de acordo com este

entendimento. A presuno da inimputabilidade era relativa, portanto.

Muito criticada foi a tentativa da reduo da imputabilidade para

16 anos, conforme lembra Jos Henrique Pierangeli,41 pois fazia depender de

exame criminolgico para a verificao da sua capacidade de entendimento e

de autodeterminao.

Entretanto, como sabido, este cdigo, teve o incio da vigncia

protelado por vrias vezes e acabou por no ter tido a oportunidade de entrar

em vigor. Com isso, a maioridade penal permaneceu nos moldes do

estabelecido pelo de 1940, ou seja, 18 anos de idade, sujeitando os menores

legislao especial.

No podemos deixar de mencionar, ainda, que o nosso Cdigo

Penal Militar adotou a teoria o discernimento ao fixar o limite penal em 18

anos salvo se, j tendo o menor 16 anos, revelar discernimento. In verbis:

Cdigo Penal Militar Art. 50. O menor de dezoito anos

inimputvel, salvo se, j tendo completado dezesseis anos, revela suficiente

desenvolvimento psquico para entender o carter ilcito do fato e determinar-

se de acordo com este entendimento. Neste caso, a pena aplicvel diminuda

de um tero at a metade.

41 Jos Henrique Pierangeli. Cdigos Penais do Brasil Evoluo Histrica, p. 133

43

Fez-se surgir, assim, uma anomalia do processo contra o menor

de 18 anos, j que se envia em primeiro lugar para a Justia Militar, para que

esta se declare ou no incompetente para remet-lo ao juzo de menores, se

entender haver o menor agido com discernimento. tanto mais anmala essa

situao quanto certo que, pelo Cdigo Penal comum, absoluta a

inimputabilidade do menor de 18 anos.

Constituio de 1988, tendo como marco o caput do artigo 227,

que reconheceu a existncia de relaes subordinantes entre crianas e

adolescentes, de um lado, e famlia, sociedade e Estado. In verbis:

Art. 227 - dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar

criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade,

alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,

dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria,

alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao,

explorao, violncia, crueldade e opresso.

Seguindo o preceito constitucional, o Estatuto da Criana e do

adolescente define que so crianas, as pessoas entre 0 e 12 anos incompletos,

as quais sofrero em caso de condutas descritas como crimes ou

contravenes as medidas protetivas e aos adolescentes, pessoas entre 12 e

18, as chamadas medidas scio-educativas, inclusive de internao.

Em alguns casos, a internao poder se estender at os 21 anos

de idade.

Contudo, como a Constituio Federal de 1988 dispe, em seu

art. 228, que a menoridade penal termina aos 18 anos, o citado dispositivo do

44

Cdigo Penal Militar no mais vigora, por ausncia de recepo com a nova

ordem constitucional.

3.3. Direitos fundamentais da criana e do adolescente

Conforme dispe o artigo 3 do Estatuto da Criana e do

Adolescente, criana ao adolescente so assegurados todos os direitos

humanos fundamentais inerentes a pessoa humana. Estes direitos, como

vimos no item 1.3., no so apenas aqueles previstos na Constituio Federal

no captulo II, mas tambm, outros anteriormente decorrentes do regime e

dos princpios adotados pela Constituio Federal ou dos Tratados

internacionais em que o Brasil parte.

Ainda no que tange a criana e o adolescente, a Carta Maior traz

definidos no artigo 227 alguns direitos fundamentais inerentes criana e ao

adolescente, a saber: o direito vida, sade, alimentao, educao, ao

lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e

convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma

de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

Mas sempre importante frisar, repetindo os ensinamentos de Tnia da Silva

Pereira, j mencionados no captulo 3, item 2 deste trabalho, que os direitos

fundamentais da criana e do adolescente no se restringem aos contidos no

artigo 227 da CF 42.

3.4. Estatuto da criana e do adolescente e ato infracional

42 Tnia da Silva Pereira, Infncia e juventude: os direitos fundamentais e os princpios constitucionais consolidados

na Constituio de 1988, p. 76

45

3.4.1. Fundamento constitucional

Com a promulgao da Constituio Federal de 5 de

outubro de 1988, o legislador, no captulo VII, disps sobre a proteo pelo

Estado famlia, criana, ao adolescente e ao idoso. No tema em estudo, o

adolescente infrator, interessa-nos os artigos 227 e 228 do Diploma Legal.

No artigo 227 da Carta Maior, dividido em sete incisos,

encontramos os dispositivos sobre a tutela da criana e do adolescente. Nos

ensinamentos de Jos Afonso da Silva, extramos da leitura do citado artigo

que a Constituio Federal no reservou famlia apenas proteo estatal e

Direitos, definiu-lhe deveres tambm. Nas palavras do mestre: Essa famlia,

que recebe a proteo estatal, no tem s Direitos. Tem o grave dever,

juntamente com a sociedade e o Estado, de assegurar com absoluta

prioridade, o Direito da criana e do adolescente enumerados no art. 227.

(grifos nossos).43

Ao mesmo tempo, a legislao constitucional, garante

criana e ao adolescente a imputabilidade penal, consoante disposto no artigo

228, que dispe, in verbis:

Art. 228. So penalmente inimputveis os menores de

dezoito anos, sujeitos s normas da legislao especial. (grifo nosso).

Tal preceito tambm previsto no artigo 27 do Cdigo

Penal, que dispe que Os menores de 18 (dezoito) anos so penalmente

inimputveis, ficando sujeitos s normas estabelecidas na legislao especial.

43 Jos Afonso da Silva da, Op.Cit. p. 829

46

Da leitura dos dois artigos constitucionais supracitados e

do artigo correspondente, extrado do Cdigo Penal temos, partir do artigo

227 que, criana e ao adolescente so garantidos Direitos, e que tais

Direitos, so deveres da famlia, da sociedade e do Estado. Quanto ao que se

refere o artigo 228 da Lei Maior e do artigo 27 do diploma penal, poderamos

interpretar que no que tange aos deveres e obrigaes das crianas e dos

adolescentes, esto sujeitos a uma legislao especial.

Esta legislao infraconstitucional a lei 8069/90,

conhecida como Estatuto da Criana e do Adolescente ou ECA.

Portanto, para o menor de 18 anos, a presuno de

inimputabilidade absoluta.

Mesmo em se tratando de um menor comprovadamente

inteligente e com plena capacidade intelectiva e volitiva, no responder por

crime algum.

Essas so as regras bsicas que disciplinam a conduta do

menor no campo Penal, partindo do pressuposto constitucional de sua

inimputabilidade.

3.4.2. Doutrina da proteo integral

J em seu primeiro artigo, o Estatuto da Criana e do

Adolescente dispe sobre a proteo integral a criana e ao adolescente. In

verbis:

47

Art. 1 - Esta Lei dispe sobre a proteo integral criana

e ao adolescente.

Tal dispositivo vem atender o recomendado no artigo 3, 2

da Conveno Internacional dos Direitos da Criana, referente necessidade de

proporcionar proteo especial criana, afirmada na Declarao de Genebra

sobre os Direitos da Criana de 1924 e na Declarao sobre os Direitos da

Criana, adotada pela Assemblia Geral em 20 de novembro de 1959.

Da interpretao do artigo em exame, Antonio Fernando

do Amaral e Silva e Munir Cury, escrevem que o legislador ptrio agiu de

forma coerente com o texto constitucional de 1988 e documentos

internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das naes. 44

Nas palavras de Paulo Afonso Garrido de Paula,

proteo integral constitui-se em expresso designativa de um sistema onde

crianas e adolescentes figuram como titulares de interesses subordinantes

frente famlia, sociedade e ao Estado. 45

Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima, 46 assevera que para

a implementao da chamada Proteo Integral, o Estatuto da Criana e do

Adolescente prev um conjunto articulado de aes por parte do Estado e da

sociedade divididas em quatro grandes linhas:

44 Munir Cury/ Antonio Fernando do Amaral, Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado, p. 15. 45 Paulo Afonso Garrido de Paula, Op.Cit. Pg. 23 46 Isabel Maria Sampaio Lima, Sistemas de garantias de direito da criana e do adolescente no Brasil artigo Internet

48

1 - Polticas Sociais Bsicas, que, na perspectiva da

universalidade, da continuidade e da gratuidade, implicam na garantia dos

Direitos sociais para todos como dever do Estado;

2- Polticas de Assistncia Social, previstas para os que se

encontram em estado de necessidade temporria ou permanente;

3- Polticas de Proteo Especial, para quem se encontra

violado ou ameaado de violao em sua integridade fsica, psicolgica e

moral e

4- Polticas de Garantia de Direitos, para as situaes nas

quais a criana ou o adolescente se encontra envolvido num conflito de

natureza jurdica, sendo necessrio, para a sua proteo integral, o

acionamento das polticas de Direito e do rgo do Ministrio Pblico, com

observncia do devido processo legal.

3.4.3 Ato infracional

3.4.3.1.- Da definio de ato infracional pelo Estatuto

da criana e do adolescente.

Diz o artigo 103 do Estatuto da Criana e do Adolescente

que ato infracional a conduta descrita como crime ou contraveno penal.

Ou seja, quando uma criana ou adolescente pratica uma

ao definida na legislao como crime ou contraveno, cujas definies

49

melhor trataremos a seguir, teremos a a prtica de um ato infracional. Em

outras palavras, somente criana e adolescente praticam atos infracionais.

Cometidos tais atos, estaro as crianas e adolescentes

sujeitos ao disciplinado no Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei 8069, de

13 de julho de 1990.

Vale aqui relembrar o mencionado no item 1 do captulo 3,

referente ao fato de que para o ato infracional praticado por criana,

correspondero medidas distintas das previstas para o caso da prtica

infracional ter sido realizada por adolescente, pois enquanto o adolescente

infrator estar sujeito tanto as medidas protetivas, quanto s medidas scio-

educativas, a criana autora de ato infracional apenas estar sujeita s medidas

protetivas, consoante disciplinam os artigos 98, 101 e 105 do Estatuto da

Criana e do Adolescente, In verbis:

Art. 98 - As medidas de proteo criana e ao

adolescente so aplicveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei

forem ameaados ou violados:

I - por ao ou omisso da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsvel;

III - em razo de sua conduta.

(...)

Art. 101 - Verificada qualquer das hipteses previstas no

artigo 98, a autoridade competente poder determinar, dentre outras, as

seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsvel, mediante

termo de responsabilidade;

II - orientao, apoio e acompanhamento temporrios;

50

III - matrcula e freqncia obrigatrias em

estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - incluso em programa comunitrio ou oficial de

auxlio famlia, criana e ao adolescente;

V - requisio de tratamento mdico, psicolgico ou

psiquitrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - incluso em programa oficial ou comunitrio de

auxlio, orientao e tratamento a alcolatras e toxicmanos;

VII - abrigo em entidade;

VIII - colocao em famlia substituta.

Pargrafo nico - O abrigo medida provisria e

excepcional, utilizvel como forma de transio para a colocao em famlia

substituta, no implicando privao de liberdade.

(...)

Art. 105. Ao ato infracional praticado por criana

correspondero as medidas previstas no artigo 101.

Ressalte-se aqui, que medidas protetivas tm carter, como

o prprio nome diz, protetivo e so direcionadas criana e adolescente em

situao de risco e criana que comete ato infracional.

Como criana e adolescente em situao de risco,

entendeu o legislador infraconstitucional, aquelas cujos direitos reconhecidos

no Estatuto da Criana e do Adolescente, estejam ameaados ou violados,

conforme disposto no artigo 98 da citada lei. In verbis:

Art. 98. As medidas de proteo criana e ao adolescente

so aplicveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem

ameaados ou violados:

51

I - por ao ou omisso da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsvel;

III - em razo de sua conduta.

Destaque-se que no caso de criana autora de ato

infracional, esta se enquadra na definio do citado artigo, inciso II, e como o

prprio dispositivo prev, diferentemente do adolescente infrator, no est

sujeita s medidas scio-educativas, mas sim s medidas protetivas previstas

no artigo 101 do Estatuto da Criana e do Adolescente, j mencionadas acima.

3.4.3.2. Do Direito Penal, do crime e da contraveno

penal.

3.4.3.2.1. - Breve leitura de Direito Penal

Ensina Rosa Maria de Andrade Nery as diferenas

sistemticas entre Direito Pblico e Direito Privado. Segundo a autora:

As situaes jurdicas privadas pautam-se pela igualdade

e pela liberdade, enquanto as situaes jurdicas publicas

tm embasamento em princpios diferentes, dos quais os

da autoridade e da competncia so os mais marcantes.

Em virtude disso, o sujeito de direitos, no mbito de

situaes particulares, pode agir livremente no contexto de

todas as situaes jurdicas que no lhes so proibidas

(atipicidade dos negcios jurdicos privados).

Diferentemente se d com o sujeito que realiza atos e

52

negcios que se inserem no contexto de trato das coisas

publicas, a quem se permite apenas a realizao daquilo

cujo exerccio esteja previamente autorizado (principio da

legalidade ou da tipicidade dos negcio de Direito

Pblico: a administrao publica s pode agir secundum

legem).47

Tal comentrio, inserido apenas para diferenciar Direito

Pblico de Direito Privado, remete-nos a um dos ramos do segundo, que nos

interessa para prosseguirmos em nosso estudo. O Direito Penal.

Nos ensinamentos de Miguel Reale, o Direito Penal um

dos ramos do Direito Pblico, asseverando o autor que as regras jurdicas

esto sujeitas a ser violadas e essa possibilidade de infrao, quando se

reveste de gravidade, atenta a valores necessrios a ordem social, provocando

uma reao por parte do Poder Pblico, que prev sanses penais aos

transgressores.48

Prosseguindo, ensina Miguel Reale que no existe

sociedade sem crime. por esse motivo que a sociedade se organiza, para

preservar-se contra o delito e atenuar-lhe os efeitos.49

3.4.3.2.2. Da definio de crime

A Legislao Ptria traz em seu bojo diversas legislaes

de carter penal, no entanto a base infraconstitucional principal o Cdigo

47 Rosa Maria de Andrade Nery, Noes preliminares de direito civil, p. 91. 48 Miguel Reale, Lies preliminares de direito, p. 346/347. 49 Ibid, p.347

53

Penal, institudo pelo Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, em tal

instituto, assim como na legislao penal extravagante, figuram diversas

definies de condutas consideradas crimes pelo legislador.

Julio Fabbrini Mirabete ensina que:

em conseqncia do carter dogmtico do Direito Penal,

o conceito de crime somente jurdico 50, esclarece, no

entanto, que nosso Cdigo Penal no contm uma

definio de crime, que deixada elaborao da

doutrina.51

Prosseguindo, e ainda reproduzindo as palavras de

Mirabete, sem maior aprofundamento, passemos aos trs aspectos para

definir-se o ilcito penal, de onde extrairemos alguns conceitos expostos pelo

autor:

a) Atendendo-se ao aspecto externo, puramente nominal

do fato, obtm-se uma definio formal , de onde temos

que;

Crime o fato humano contrrio lei (Carmignani).

Crime qualquer ao legalmente punvel 52

b) Observando-se o contedo do fato punvel, consegue-se

uma definio material ou substancial, podemos definir crime como sendo:

A conduta humana que lesa ou expe a perigo um bem

jurdico protegido pela lei penal 53 Crime a ao ou omisso que, a juzo

do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo

50 Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, p. 91. 51 Ibid., mesma pgina. 52 Giuseppe Miggiore, Diritto penale, p. 189 53 E. Magalhes Noronha, Direito Penal., p. 105.

54

social, de modo a exigir, seja proibida, sob ameaa de pena, ou que se

considere afastvel somente atravs de sanso penal.54 e

c) Examinando-se as caractersticas ou aspectos do crime,

chega-se a um conceito, tambm formal, mas analtico da infrao penal.

Donde extramos o seguinte conceito de crime, como sendo fato humano

descrito no tipo legal e cometido com culpa, ao que aplicvel uma pena.55

No obstante as definies supra, a definio clssica, j

consagrada pelos juristas mais conceituados (Damsio, Mirabete, Celso

Delmanto, entre outros) define crime como fato tpico e antijurdico, sendo o

fato tpico composto pela conduta (ao ou omisso), resultado (inerente a

maioria dos crimes), relao de causa e efeito entre a conduta e o resultado

(relao de causalidade) e tambm pela tipicidade (correlao da conduta com

o que foi descrito no tipo*)56

*tipo = descrio feita pela lei da conduta proibida57.

3.4.3.2.3 Da definio de contraveno penal

As contravenes penais esto previstas no Decreto Lei

3688, de 03 de outubro de 1941, sendo conhecida como LCP ou Lei das

Contravenes Penais.

As figuras contravencionais citadas na Lei das

Contravenes Penais, somadas s condutas antijurdicas do Cdigo Penal e

54 Heleno Cludio Fragoso, Lies de direito penal, parte geral p. 149. 55 Giulio Battaglini, Direito Penal, p. 129. 56 Resumo de direito Penal, coleo resumos, Maximilianus e Maximiliano, 2001 57 Idem

55

demais leis de carter penal ou criminal, definem o conjunto de condutas

consideradas infraes penais.

Conforme dispe a Lei das Contravenes Penais (Decreto

Lei n. 3688/41) se esta no dispuser de modo diferente, aplicam-se s

contravenes as regras gerais do Cdigo Penal (art. 1).

Assim como em relao aos crimes, no existe na Lei das

Contravenes Penais ou mesmo na legislao penal complementar qualquer

conceito de contraveno, valendo, assim como para crime, os conceitos

trazidos pelos doutrinadores.

No h, conforme Julio Fabbrini Mirabete, distino de

natureza entre crime e contraveno, no que diz respeito gravidade do fato,

segundo ensina, h dois sistemas de classificao das infraes penais, o

tricotmico, ou diviso tripartida, que classifica as infraes penais em

crimes, delitos e contravenes e o sistema dicotmico ou de diviso

bipartida, onde crimes e delitos so sinnimos e as contravenes definem o

segundo modelo, este adotado em diversos paises, assim o utilizado no

Brasil.

Para o autor no h na realidade, diferena de natureza

entre as infraes penais, pois a distino reside apenas na espcie da

sano cominada infrao penal (mais ou menos severa). Mesmo no

relativo s contravenes inexiste diferena intrnseca, substancial,

qualitativa, que as separa dos crimes ou dos delitos, sendo essa infrao

conhecida como crime-ano.58

58 Julio Fabbrini Mirabete, Ob. Cit. p.122

56

Segundo Mirabete a nica distino entre crime e

contraveno reside na espcie de sano aplicada (mais ou menos severa), e

conforme disciplina o artigo 1 do Decreto-lei 3914, de 9 de dezembro de

1941 (Lei de Introduo ao Cdigo Penal) enquanto ao crime cominada

pena mais severa: recluso ou deteno e multa (alternativa ou cumulativa),

contraveno comina-se pena de priso simples, e/ou multa apenas multa. 59

Assim, temos que, as contravenes penais so infraes

penais punidas com menor severidade que os crimes, donde podemos concluir

que as contravenes so infraes penais menos graves.

3.5. Do adolescente infrator

3.5.1. Definio de adolescente

Consoante definio do Estatuto da Criana e do

Adolescente (Lei 8069/90), a pessoa entre doze e dezoito anos de idade

considerada adolescente (Art. 2).

Estatui ainda o pargrafo nico do Estatuto da Criana e

do adolescente que: In verbis:

Art. 2, nico. Nos casos expressos em lei, aplica-se

excepcionalmente este Estatuto s pessoas entre dezoito e vinte e um anos de

idade.

59 Ibid., mesma pgina

57

Como exemplo podemos citar casos de aplicao da

medida scio-educativa da internao, consoante artigo 121, pargrafos 3 e

5 da Lei 8069/1990 em que um adolescente com 17 anos, 11 meses e 29 dias

ao qual seja definido o cumprimento da medida por trs anos.

Nesta situao o seu cumprimento se dar entre os 18 e 21

anos de idade.

Ainda no que tange as pessoas com idade entre 18 e 21

anos, sujeitas aplicao da lei 8069/1990, podemos citar os casos de

relativos s regras gerais do processo e capacidade civil. 60

Neste caso, vale um breve comentrio sobre as alteraes

trazidas ao ordenamento civil com a promulgao da Lei 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 que instituiu o novo Cdigo Civil promovendo modificaes

na maioridade civil consoante Artigo 5, caput, In verbis:

Art. 5. A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos

completos, quando a pessoa fica habilitada prtica de todos os atos da vida

civil. (grifo nosso)

Ou seja, a lei civil dispe que a responsabilidade civil da

pessoa total a partir dos 18 anos de idade, neste sentido, e no que pese o

ensinamento de Nelson Nery, no sentido de que possvel dizer que o artigo

2, pargrafo nico do ECA foi derrogado pelo Cdigo Civil/2002, na

matria tpica do Direito Civil tratada no Estatuto, matria em relao qual o

60 - Ver artigos 121 pargrafo 5 e 142 do Estatuto da Criana e do Adolescente que dispe sobre a medida scio-educativa de internao (art. 121 3, 5); trata da capacidade civil e processual do adolescente (art. 142) e competncia da Justia da Infncia e da Juventude para conceder emancipao nos termos da lei civil, na falta dos pais (art. 148, nico, letrae)

58

ECA no se aplicar mais s pessoas entre 18 e 21 anos. Isto em face da

fixao da maioridade civil no patamar de 18 anos, regra qual o Estatuto

deve se ajustar, j que a maioridade civil aos 18 anos harmnica com o

sistema Constituio Federal/ECA e o ponto no diz com o sistema

constitucional especial de proteo aos direitos fundamentais de crianas e

adolescentes.61

Para Roberto Barbosa Alves, representante do Ministrio

Pblico paulista, a derrogao, contudo, no total: continua perfeitamente

possvel a aplicao de medida scio-educativa a pessoas que tenham entre

18 e 21 anos de idade, porque a matria relativa a ato infracional tem

privilegiada natureza penal, evidentemente especial em relao ao Cdigo

Civil.62

3.5.2. Do adolescente infrator

Das definies de ato infracional e de adolescente, temos

que ao adolescente infrator, com base no Estatuto da Criana e do

Adolescente aquela pessoa com idade entre 12 e 18 anos e em casos

expressos em lei, a pessoa entre 18 e 21 anos, que praticou ato descrito como

crime ou contraveno penal.

Tanto a Constituio da Repblica, no seu artigo 228,

como o Cdigo Penal, no seu artigo 27, dispem que "os menores de 18 anos

so penalmente inimputveis, ficando sujeitos s normas estabelecidas na

61 Nelson Nery Jr. e Martha de Toledo Machado, O Estatuto da Criana e do Adolescente, Revista de Direito Privado 12/33 62 Roberto Barbosa Alves, In, Munir Cury (coordenador)/Antonio Fernando do Amaral e Silva, Op. Cit., p. 31/32

59

legislao especial", neste caso os adolescentes infratores sujeitam-se as

normas constantes do Estatuto da Criana e do Adolescente.

o "fator biolgico", que determina a inimputabilidade,

de forma absoluta, significando que o menor de 18 anos inteiramente

incapaz de entender o carter ilcito do fato e de determinar-se de acordo com

esse entendimento.

o menor de 18 anos, ento equiparado, para fins de

iseno de pena, ao maior doente mental ou de desenvolvimento mental

incompleto ou retar