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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS
LEONEL BATISTA PARENTE
A MÚSICA COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL EM REGIMES TOTALITÁRIOS:
Varguimos e o Canto Orfeônico como estudo de caso.
Goiânia2014
LEONEL BATISTA PARENTE
A MÚSICA COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL EM REGIMES TOTALITÁRIOS:
Varguimos e o Canto Orfeônico como estudo de caso.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás - Mestrado em Música -, como requisito para obtenção do grau de Meste.
Linha de pesquisa: Música, Cultura e Sociedade.Orientadora: Dra. Ana Guiomar Rêgo Souza
Goiânia2014
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................03
CAPÍTULO 1 – OLHARES SOBRE A NOÇÃO DE REPRESENTAÇAO SOCIAL 08
1.1. Da noção de representação pelo viés da psicologia social...................................11
1.1.1. Corrente Culturalista............................................................................131.1.2. A Corrente Societal e a Teoria do Núcleo Central...............................17
1.2. Representações de poder......................................................................................... 19
1.3. A espetacularização do poder.................................................................................. 21
CAPÍTULO 2 – ESPETACULARIZAÇÃO DO PODER NOS REGIMES NAZISTA E VARGUISTA..................................................................................................................26
2.1. A ascensão dos regimes Nazista e Varguista...........................................................27
2.2. Construção de uma identidade nacional homogenia................................................31
2.3. Espetáculos de poder no regime Nazista..................................................................34
2.4. Espetáculos de poder no regime Varguista...............................................................42
CAPÍTULO 3 - O CANTO ORFEÔNICO COMO ESTUDO DE CASO.............................. ?
REFERÊNCIAS.............................................................................................................46
ANEXO 1
ANEXO 2 -
INTRODUÇÃO
Totalitarismo é uma forma de governo cuja concentração de poderes
centraliza-se em torno de uma única pessoa ou facção, caracterizando-se, sobretudo,
pelo autoritarismo, uso demasiado de propaganda e concentração ideológica. Nesta
forma de regime toda oposição política tende a ser eliminada, uma vez que a existência
de várias correntes ideológicas se tornaria um entrave para que um determinado país se
direcionasse para um sentido único. Pode-se dizer que os maiores expoentes do
totalitarismo no século XX foram o Nazismo de Adolf Hitler, na Alemanha; o Fascismo
de Benito Mussolini, na Itália e o Stalinismo de Josef Stalin, na União Soviética.
Contudo, houve outros países em que essa forma de governo se fez presente como, por
exemplo, o Franquismo na Espanha, o Salazarismo em Portugal, e, por que não dizer, o
Varguismo no Brasil. De acordo com Bortuluce (2008), um regime totalitário possui,
em sua essência, uma estética que serve como modelo de sua organização, controle e
manutenção. Utiliza as artes visuais, o cinema, a música, a arquitetura, a literatura e os
meios de comunicação como instrumentos que legitimam a sua política. Essa estética é
em geral caracterizada por uma padronização do estilo artístico que tende a suprimir
todos os outros.
Segundo Arendt (1989, p.375), a homogeneidade dos elementos de uma
sociedade é condição fundamental para o nascimento do totalitarismo. O líder totalitário
não é tão somente um indivíduo sedento de poder impondo aos seus governados uma
vontade tirânica e arbitrária, como o senso comum nos leva a crer. No fim das contas, é
também um funcionário das massas, e, como tal, pode ser substituído. Em outras
palavras, o líder depende tanto do desejo das massas que ele incorpora, quanto as
massas dependem dele. Sem o líder, as massas perdem sua representação externa e
assim se tornam um bando amorfo; sem as massas, por outro lado, o líder seria uma
nulidade. Isso significa que as massas precisam ser conquistadas por meio da
propaganda, e, depois da propaganda segue-se a doutrinação e o emprego de violência.
Por essa perspectiva, Arendt assegura que o totalitarismo usa o Estado como
fachada externa para representar-se perante o mundo não totalitário. Vários regimes
assim se estabeleceram. O Nazismo, por exemplo, estruturou-se a partir de uma
plataforma de ação que visava construir um Estado supostamente com base na
confiança, honra, disciplina, ordem e dedicação. Júnior (1991) ressalta que o Nazismo
foi uma resposta à situação de ansiedade perante à profunda crise sócial e econômica
vivida pela Alemanha pós Primeira Guerra Mundial, a qual produziu no âmago dos
elementos sociais homogêneos o temor e a aversão ao caos. O autor afirma que na
origem do Nazismo encontram-se elementos como regime democrático instável e sem
autoridade, e a cristalização de sentimentos nacionais na pessoa de um líder, o Führer.
Para sua difusão ideológica, os procedimentos propagandísticos da política
nazista concentraram-se no conceito de Volksgemeinschaft (comunidade do povo). Essa
nova comunidade, concretizada no movimento e na atmosfera pré-totalitária, baseava-se
na homogeneidade étnica e racial; uma nação fundada no entendimento de sua suposta
superioridade frente a todos os outros povos (ARENDT, 1989, p. 409). Sua força residia
num mundo imaginário e na capacidade de isolar as massas do mundo real. De acordo
com Arendt, o objetivo da propaganda nazista era transformar todos em simpatizantes
de um movimento cujo objetivo era a defesa de interesses ideológicos.
Compartilhando com o pensamento de Arendt, Diehl (1996) afirma que a
propaganda nazista desempenhou uma função central no Nacional-
Socialismo, de maneira que abrangeu todas as atividades sociais. Isso
leva a compreender que para atingir seu objetivo ideológico, a
máquina de controle popular do regime de Hitler devia cingir todas as
classes da sociedade alemã. Buscando algo que pudesse chegar a tal
propósito, os artífices da propaganda nazista utilizaram da arte em
geral: música, literatura, artes plásticas, cinema, dentre outras.
Mantendo esse objetivo, em 1937 foi instituído o Tag der deutschen Kunst
(dia da arte alemã), organizando-se um gigantesco desfile militar aberto com a Terceira
Sinfonia de Anton Bruckner (GILLIAN, 1997, p.75).
Na música, o Nazismo privilegiou a obra de grandes
compositores alemães. Nessa expectativa, deu-se início a um programa de
fomento oficial junto ao Festival de Bayreuth a fim de homenagear Richard Wagner
(CALICO, 2002, p.200). De acordo com Karter (1997), Adolf Hitler via o Festival de
Bayreuth como uma permanente celebração do Nacional-Socialismo e do Terceiro
Reich. Sua presença no evento, desde 1933, o transformou em espetáculo nacional.
Neste período, o Festival foi convertido num dos principais veículos de manipulação
nazista – união entre arte e política, wagnerianismo e hitlerismo (KARTER, 1997, p. 99).
Outro grande compositor alemão apropriado pelo Nazismo foi Beethoven,
que passou a representar a imagem do Künstlerischen Führer1 (HIRSCH, 2010, p.102).
Essa representação, segundo Hirsch, serviria para legitimar a política do Partido
Nazista, promovendo Beethoven como símbolo dos ideais heróicos do Nacional-
Socialismo. Hirsch comenta que a música de Beethoven foi regularmente utilizada em
comícios e eventos, sempre dentro de uma perspectiva manipulatória. Sua proeminência
na Alemanha levou o crítico de arte, Walter Jacobs, a sugerir que a Terceira Sinfonia
fosse eleita como representação musical do Terceiro Reich. Foi nessa perspectiva que,
em 1936, ouviu-se o Finale da Nona Sinfonia nos Jogos Olímpicos de Berlim. Hirsch
observa que essa iniciativa vizava dar significação universal à poesia de Schüler e à
música de Beethoven na atmosfera de um evento internacional. Joseph Goebbels,
ministro da propaganda, conhecia a mensagem da obra e queria mostrar ao mundo a
imagem de uma Alemanha fraterna. De acordo com Hirsch, os organizadores das
Olimpíadas viram essa ocorrência como a proclamação da Volksgemeinschaft, fato que
se confirma nas palavras de Lockwood (2007) ao proferir que
(...) a Ode à alegria foi apresentada, em 1936, nos Jogos Olímpicos de Berlim, com uma precaução que hoje parece irônica, e foi anunciada não como um símbolo da fraternidade internacional, mas como a proclamação da Volksgemeinschaft nazista (p. 478).
Ocorrência semelhante pode ser notada no Brasil durante o governo de
Getúlio Vargas, regime autoritário conhecido como Varguismo ou Getulismo. Segundo
Loureiro (2001), o desejo de Vargas em educar a massa por meio da música pôs em
prática o projeto de Villa-Lobos para o ensino do canto orfeônico nas escolas,
implementando-o lentamente durante os anos 30. Assim, o presidente assina o decreto
nº 18.890, de 18 de abril de 1932, tornando o Canto Orfeônico obrigatório nas escolas
públicas do Rio de Janeiro, o que passaria a ser um dos principais veículos de
divulgação do Varguismo. Ainda de acordo com Loureiro, por intermédio das grandes
concentrações de alunos em estádios e de desfiles colegiais, exaltava-se o sentido da
coletividade, do patriotismo e da disciplina. Para Fuks (1991), as grandes concentrações
orfeônicas objetiva desenvolver a disciplina, o civismo e a educação artística, nesta
ordem de importância. O canto orfeônico era apresentado nas exortações cívicas,
transformando-se em manifestações públicas de apoio e exaltação à figura de Getúlio
1 Líder Artístico. Conforme Lockwood (2007) o termo foi criado em 1934 pelo musicólogo simpatizante nazista, Arnold Schering, associando a imagem de Beethoven à de Adolf Hitler.
Vargas. Chegando a reunir cerca de 40 mil vozes juvenis e mil bandas de música, estes
espetáculos eram apresentados frequentemente em estádios de futebol e marcavam
todos os feriados nacionais.
A presença de escolares, em cerimônias públicas, cantando hinos e músicas que celebravam a grandeza do país, ajudava a criar a imagem de um povo saudável e disciplinado, de um povo unido em torno do projeto de reconstrução nacional conduzido pelo Estado Novo (LOUREIRO, 2001, p.62).
Para Contier (1998), a propaganda dirigida às massas por meio do Canto
Orfeònico objetivando atraí-las para a figura de Getúlio Vargas, acabou se tornando um
novo recurso para a sedimentação do conceito de brasilidade nas esferas da música e da
política. Segundo Contier, o caráter disciplinador, implícito no projeto do canto
orfeônico interessava ao Estado, assim, durante toda a década de 30, os espetáculos
orfeônicos, intimamente associados à propaganda varguista, se tornaram notícia em
quase todos os jornais e revistas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais. O
sentido nacionalista desses espetáculos, aliado a um momento de intensa euforia,
também contribuiu para fixar a imagem de Villa-Lobos perante à crítica e ao público em
geral como compositor símbolo da identidade brasielira.
Ponderando sobre isso, surgem as seguintes questões: como a música foi
utilizada no regime varguista? Qual a função da música na construção do mito da
unidade nacional no Brasil de Vargas? Quais os gêneros e estilos de música foram
apropriados pelo Canto Orfeônico? Partindo desses questionamentos, o presente
trabalho busca compreender o simbólico e o representativo na música dentro de um
contexto totalitário pela perspectiva das representações sociais, em específico as
representações de poder. Levanta-se a hipótese de que o regime getulista tinha em
mente uma política de apropriação da música como espetacularização de sua ideologia
política.
A fim de entender tal prática, o trabalho em deslinde construiu seu alicerce
em três autores que discorrem acerca da Teoria das Representações Sociais: Serge
Moscovici, Denise Jodelet e Roger Chartier. Também se buscou auxílio em Georges
Balandier para questões relacionadas a espetacularização do poder, prática que
permanece ao longo dos tempos e ocorre em todas as sociedades. Buscando entender a
questão do nacionalismo, o respaldo veio de Benedict Anderson, que ao examinar como
o nacionalismo capta e expressa anseios dentro de um contexto social, volta-se mais
para a ascensão do sentimento nacionalista do que para a instituição dos estados
nacionais. Para fundamentar a discussão acerca de identidade e da identidade nacional,
o apoio teórico vem de Stuart Hall (2006).
Revendo a literatura constatou-se axistência de obras que tratam da música
como representação de poder, em especial a ópera francesa no Antigo Regime, o caso
da música de Wagner e de Beethoven no Nazismo, a ópera no Brasil oitocentista, o
Samba e o Canto Ofeônico na Era Vargas.
Em língua inglesa, mais diretamente ligada ao caso alemão, Applegate e
Potter, em Music and German national identity (2002), exploram questões acerca de
como a música passou a ser associada à identidade alemã e quando os alemães passam a
ser considerados como, por assim dizer, o “povo da música”. Para isso, as autoras
buscam respaldo na musicologia e na literatura alemã, assim como nos principais
estudiosos da história da Alemanha, examinando a filosofia, a política e as correntes
sociais. Com base nesses estudos, Applegate e Potter buscaram entender até que ponto a
música desempenhou um papel central no imaginário nacional alemão e na formação da
identidade alemã.
Já Art, Culture, and Media Under the Third Reich, de autoria de Richard
Etlin (2002), é uma obra que se detém mais nos aspectos propagandísticos
desenvolvidos pelos nazistas. Etlin faz um estudo acerca das maneiras pelas quais os
nazistas usaram a arte e a mídia para retratar a Alemanha como uma super nação
cultural. A obra enfoca a função das artes em geral no Terceiro Reich e a força que a
propaganda teve como veículo de fusão da cultura alemã e da ideologia do Partido
Nazista pelo viés artístico. Esta obra também inclui estudos sobre a atividade cultural
nos campos de concentração – no caso da música as orquestras de prisioneiros,
revelando como vários domínios da arte serviram para conceitualmente estabelecer
parâmetros entre diferentes grupos étnicos, como os judeus, por exemplo.
George Lachmann Mosse (1975) por sua vez, em The nationalization of the
masses: political symbolism and mass movements in Germany from the Napoleonic
wars through the Third Reich, discute o poder do simbolismo político, das artes, das
festas públicas e do esporte como um meio de promover o nacionalismo. Também
analisa, principalmente no último capítulo, como a religião, a política e as artes podem
muitas vezes se unificar dentro de uma determinada ideologia. Já o historiador Michael
Karter em Composers of the Nazi Era: Eight Portraits faz um estudo detalhado da
carreira de Arnold Schoenberg, Hans Pfitzner, Carl Orff, Karl Amadeus Hartmann, Kurt
Weill, Paul Hindemith, Richard Strauss e Werner Egk. Oito proeminentes compositores
alemães que viveram e trabalharam em meio à ditadura do Terceiro Reich ou foram
exilados pelo regime nazista. Karter pesa problemas de acomodação e resistência,
questionando se esses compositores se corromperam a serviço de um regime criminoso
e se isso poderia ser percebido na música deles. Depois de discutir a situação individual
de cada compositor, Karter conclui a obra fazendo uma análise da vida sociopolítica
desses compositores observando como eles reagiram ao regime totalitário de Adolf
Hitler.
Em língua portuguesa destacam-se alguns autores que discutem a música
como representação de poder e as implicações políticas na ditadura varguista. Em
“Passarinhada do Brasil: canto orfeônico, educação e getulismo” Arnaldo Daraya
Contier (1998) analisando a politização do ensino de música no governo de Getúlio
Vargas, aborda a implantação dos cursos de música e a formação cívica dos estudantes
no Estado Novo. Contier identifica a relação entre a política de Vargas e a atividade
musical, revelando que o canto orfeônico nas escolas brasileiras estava associado a
espetáculos cívicos artísticos. Ao observar a música como aparelho de divulgação do
Varguismo ressalta que, por meio desta, nos anos 1930 houve um grande fluxo de
exaltação ao Estado; salienta que nesse período o canto orfeônico passou a ser visto
como um importante artifício na difusão do sentimento de patriotismo e do
desenvolvimento da consciência nacional.
Tânia Garcia Costa (1999), em seu artigo “A canção popular e as
representações do nacional no Brasil dos anos 30: a trajetória artística de Carmem
Miranda” faz um estudo da música popular na era Vargas, também tida como uma das
representações do país agregada à construção de uma identidade nacional. Garcia
observa que a representação do imaginário social e político dos anos 1930 constituiu-se
na canção popular urbana a partir das interpretações de Carmem Miranda, eleita pelo
Estado Novo como um símbolo de brasilidade. Todavia, salienta que, como
representação nacional, a música popular não deixou de exprimir adesões e resistências
à noção de brasilidade pretendida pelo Estado Novo, uma vez que trazia em si
influência estrangeira na sua sonoridade.
Já Adalberto Paranhos (2002), em “Vozes dissonantes sob um regime de
ordem unida: música e o trabalho no Estado Novo”, revela que o Varguismo na verdade
tentou silenciar as práticas que pudessem ir de encontro às normas estabelecidas,
levando a grande massa popular a crer num suposto “coro da unanimidade nacional”.
Em sentido divergente, Paranhos afirma que as vozes dissonantes no Estado Novo se
manifestariam também em sambas produzidos na época, a despeito da penosa censura
dos órgãos oficiais, notadamente o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Para
o autor, a ditadura estadonovista buscou instituir certo tipo de sociedade disciplinar,
gerando um perfil identitário de brasilidade; não obstante, apesar da pressão do Estado,
o coro dos diferentes não deixou de se manifestar conforme as circunstâncias.
Focando no samba como elemento de genuinidade musical brasileira, Abreu
(2011) em “Histórias musicais da Primeira República”, saliente que a partir dos anos
1930 a exaltação do samba como música genuinamente nacional relaciona-se com a
incessante estratégia política de Getulio Vargas a fim de oficializar esse gênero. Nesse
sentido, citando Adalberto Paranhos, afirma que realizaram-se apresentações públicas
de artistas nacionais em eventos bastante divulgados, como o Dia da Música Popular e a
Noite da Música Popular. Cantores famosos, cantando samba, acompanharam a
comitiva presidencial em viagem a países latino-americanos ao mesmo tempo em que
transmissões radiofônicas oficiais, destinadas ao público estrangeiro, se incumbiam de
propagar o samba pelo mundo como genuíno produto musical brasileiro.
No entanto, Abreu observa que em períodos anteriores, correspondendo às
imagens divulgadas sobre a Belle Époque, a música popular teria sido perseguida,
como uma imagem invertida ou preparatória do que viria depois. De acordo com a
autora, o samba foi um gênero tão detestado pelas classes dominantes das primeiras
décadas do século XX a ponto de a política vigente mandar prender quem o cantasse,
dançasse ou tocasse. Lembra ainda que os primeiros historiadores da música popular
urbana no Rio de Janeiro demonstram em seus registros como a própria definição do
samba e do que era genuinamente brasileiro situava-se num campo amplo de
significados e disputas. O samba dos anos de 1930 era apenas um rótulo, um arremedo
de samba, poderia variar muito e estar prisioneiro dos debates políticos, culturais e
comerciais da época.
As obras aqui relatadas revelam parte do estado da arte acerca da música
como representação de poder. Apesar do material já editado em língua vernácula, nota-
se que nos departamentos de música das universidades brasileiras o assunto em debate
ainda é pouco discutido. Desse modo, em face do atual estado das investigações, esta
pesquisa justifica-se por gerar conhecimento sobre um assunto ainda pouco explorado
no âmbito musical acadêmico. Com isso, espera-se que este trabalho possa contribuir
para o acréscimo de material bibliográfico na esfera que se insere, servindo como fonte
de consulta para pesquisas posteriores.
A presente pesquisa lançou mão do paradigma qualitativo por meio da
descrição, compreensão e interpretação do fenômeno observado. Quanto ao
instrumental para o levantamento de dados foi empregado a pesquisa bibliográfica e a
pesquisa documental: fontes primárias – documentos, cartas, fotografias, filmes,
gravações, diários, etc. Levantamento e análise das fontes secundárias – material
oriundo das fontes primarias: livros, teses, dissertações, artigos, etc. Para interpretação
dos dados, observou-se as convergências e divergências entre os dados levantados
cruzados entre si e com o referencila utilizado, a fim de chegar ao objetivo do trabalho.
Os resultados obtidos durante a pesquisa serão publicados em forma de artigos e,
concluindo-a, torna-se oportuna sua divulgação de maneira mais ampla em forma de
dissertação, envolvendo a comunidade acadêmica e o público em geral.
Quanto à sua estrutura, a dissertação foi dividida em três capítulos. O primeiro
capítulo aborda a Teoria das Representações Socias, a origem desse conceito e suas
principais correntes, fazendo, com base nessa teoria, uma contextualização com os
espetáculos de poder nos regimes totalitários. O segundo discorre sobre a ascensão do
Varguismo focalizando a espetacularização do poder nesse regime por meio da
propaganda governista. Por fim, o terceiro capítulo realiza um estudo de caso por meio
da análise da partitura de alguns dos cantos orfeônicos a fim de averiguar como este foi
apropriado pelo regime de Getulio Vargas para servir de veiculo de manipulação social.