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I n t r o d u ç ã o à F i l o s o f i a
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA
Reitor Prof. MSc. Pe. José Romualdo Desgaperi
Pró-Reitor de Graduação
Prof. MSc. José Leão
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Dr. Pe. Geraldo Caliman
Pró Reitor de Extensão
Prof. Dr. Liuz Síveres
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA VIRTUAL
Diretor Geral
Prof. Dr. Francisco Villa Ulhôa Botelho
Diretoria de Pós Graduação e Extensão Prof.ª MSc. Ana Paula Costa e Silva
Diretoria de Graduação
Prof.ª MSc. Bernadete Moreira Pessanha Cordeiro
Coordenação de Informática Weslley Rodrigues Sepúlvida
Coordenação de Apoio ao Aluno
Prof. Esp. Núbia Rosa
Coordenação de Pólo e Relacionamento Francisco Roberto Ferreira dos Santos
Coordenação de Produção
Maria Valéria Jacques de Medeiros da Silva
Equipe de Produção Técnica
Analista Profª Doutoranda Sheila da Costa Oliveira Editoras de Conteúdo Cynthia Rosa Marilene de Freitas Web Designers Edleide Freitas Marcelo Rodrigues Gonzaga
Conteudistas 1º Semestre Luiz Carlos da Silva Tarouco Deis Elucy Siquiera Denise de Aragão Costa Martins Cristhian Teófilo da Silva Daniel Schroeter Simião Edilberto Afanador Sastre José Eduardo Campos Júnior
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Introdução à Filosofia Sumário
Sumário Ementa: ............................................................................................... 7 Objetivos: ............................................................................................ 7 Introdução ........................................................................................... 9 Aula 01 - A Especificidade da Filosofia .............................................. 11
O que é a filosofia? O que um filósofo faz? .....................................................11 Aula 02 - Os Primórdios do Pensamento Grego Antigo e a Filosofia Pré-Socrática ............................................................................................ 15
As origens do pensamento filosófico ..............................................................15 A Cosmologia dos Pré-Socráticos ...................................................................17
Aula 03 - Os Sofistas e o Período Clássico Grego................................ 21 Os sofistas..................................................................................................21 Sócrates.....................................................................................................22 Platão ........................................................................................................24 Aristóteles ..................................................................................................25
Aula 04 - O Fim da Antigüidade e a Idade Média ............................... 29 A filosofia helenística....................................................................................29 A filosofia cristã...........................................................................................29
Aula 05 - A Filosofia Moderna............................................................. 33 Compreendendo o mundo moderno................................................................33 O racionalismo ............................................................................................34 O empirismo...............................................................................................36 O criticismo de Kant: a tentativa de superação ...............................................38
Aula 06 - A Filosofia Contemporânea ................................................. 41 Contextualização: resumo da ópera contemporânea ........................................41 O século XIX...............................................................................................42 O século XX ................................................................................................46
Aula 07 – As Disciplinas Filosóficas I ................................................. 49 A Metafísica ................................................................................................50 Epistemologia .............................................................................................52 Ética..........................................................................................................55
Aula 08 – As Disciplinas Filosóficas II................................................ 61 Filosofia social e política ...............................................................................61 Estética......................................................................................................64
Glossário............................................................................................ 67 Referências Bibliográficas.................................................................. 69
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Introdução à Filosofia Ementa e objetivos
Ementa:
A especificidade da filosofia. Os primórdios do pensamento grego. A filosofia grega. As características da
filosofia medieval. O racionalismo, empirismo e o criticismo. A filosofia nos séculos XIX e XX. As
disciplinas filosóficas.
Objetivos:
• Descrever a especificidade da filosofia;
• Identificar as características do pensamento filosófico a partir de uma contextualização histórica;
• Reconhecer a reflexão filosófica como um modo de problematizar a existência;
• Relacionar as várias áreas da filosofia com os diversos modos de compreensão da realidade.
(Filosofia da Ciência, Estética, Epistemologia, Metafísica).
9
Introdução à Filosofia Introdução
Introdução
Antes de começar a estudar esta Unidade de Estudo, leia as citações a seguir e reflita sobre as questões
colocadas.
Seja a filosofia o que for, está presente em nosso mundo e a ele necessariamente se refere. Certo é que
ela rompe os quadros do mundo para lançar-se ao infinito. Mas retorna ao finito para aí encontrar seu
fundamento histórico sempre original. (JASPER, apud Buzzi, 2004, p.149)
A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo. (Merleau-Ponty)
O filósofo é aquele que constante vive, ve, ouve, suspeita e sonha (...) coisa extraordinária. (F.
Nietzsche)
O que é filosofia?
Por que, para estudá-la, temos que utilizar como fonte a história do
homem?
Como os pensadores, que fizeram história, modificaram o mundo com
suas idéias e pensamentos?
11
Introdução à Filosofia Aula 01
Aula 01 - A Especificidade
da Filosofia
Se você perguntar a um engenheiro o que é a engenharia, sua resposta, provavelmente, abordará que a
engenharia é a ciência da edificação.
Se perguntar a um médico, ele, provavelmente, fará referência aos procedimentos que visam ao
restabelecimento da saúde de uma pessoa.
Se continuar fazendo esta mesma pergunta para uma variedade enorme de profissionais, as respostas
recebidas atenderão a sua dúvida.
Mas se você perguntar a um filósofo? O que imagina que ele responderá?
Esta aula tem por objetivo apresentar pistas que possa auxiliá-lo na construção de uma resposta.
O que é a filosofia? O que um filósofo faz?
Se este é seu primeiro contato com a filosofia, você certamente estará se fazendo esta pergunta. Se não
é seu primeiro contato, você provavelmente já se deu conta de que esta não é uma das perguntas mais
fáceis de serem respondidas; e se você possui algum tipo de preocupação e atitude de cunho filosófico já
deve ter ouvido a segunda versão da pergunta: “O que faz um filósofo?”.
A preocupação com o fazer está diretamente ligada a uma atitude extremamente atual e geral que se
pode chamar de pragmática. As pessoas gostam de ver os resultados e, de preferência, resultados
materiais, ou que tragam, se não utilidade, prazer. Daí ser muito difícil que se peça ao artista que
justifique o que ele faz quando pode-se usufruir da beleza de suas composições. Não é o caso de afirmar
12
Introdução à Filosofia Aula 01
a falta de importância de tal atitude, mas a compreensão da filosofia exigirá o abandono de uma
abordagem utilitarista daquilo que fazemos.
Uma estratégia muito utilizada para se definir a filosofia é ligar sua
explicação à própria história da filosofia, que é produto de uma
tradição, onde as respostas dos problemas estão sempre ligadas às
tentativas anteriores. Etimologicamente, a filosofia é o “amor a
sabedoria”. Deve-se diferenciar a filosofia, enquanto atividade
intelectual do pensamento, do uso corriqueiro que se faz do termo
como visão de mundo, isto é, “filosofia de vida”. Ter uma “filosofia de vida” de maneira alguma se
equipara a fazer filosofia. Este tipo de percepção está ligada à tendência atual de perceber a filosofia
como uma espécie de auto-ajuda sofisticada, que é uma percepção equivocada sobre o que seja a
filosofia. Mais do que qualquer outra área do conhecimento humano, a filosofia está em estreita relação
com sua história.
Um físico pode ser um excelente profissional sem conhecimentos da história de sua ciência, mas um
filósofo não pode prescindir do que foi realizado antes pelos pensadores que o precederam.
O conhecimento a sua história deve ser uma das características da filosofia: seus problemas não são
problemas empíricos. Os problemas da filosofia são problemas perenes e não há possibilidade de
confirmação ou refutação observacional das possíveis respostas. Quando um problema se mostra
empírico , ele se mostra como um problema científico, não filosófico.
O estudo da história da filosofia possibilita a percepção da grande variedade de abordagens e
perspectivas desenvolvidas pelos inúmeros pensadores através dos tempos, assim como as várias
definições por eles dadas à filosofia. No entanto, pode-se destacar, entre elas, os seguintes pontos em
comum:
o diálogo constante, mesmo que com enorme distância temporal;
a argumentação, desenvolvida por meio das regras lógicas do pensamento;
a coerência, que foge da contradição com os fatos e entre as idéias;
o questionamento constante sobre tudo; e os problemas, que permanecem os mesmos com respostas
diferentes e contraditórias ao longo do tempo.
13
Introdução à Filosofia Aula 01
Ao contrário de outras áreas da atividade intelectual humana, a filosofia
não fornecerá respostas definitivas e todo aquele que dela se aproxima
deve se acostumar com sua capacidade de questionar constantemente.
Nada está livre do questionamento do filósofo. Paradoxalmente, o auto-
questionamento é comum entre os filósofos e até mesmo a própria
filosofia foi posta em questão e dúvida durante sua história, como é caso
exemplar de Martin Heidegger no século XX, que você estudará nas
próximas aulas.
Você estudou que a história da filosofia é também uma das suas características. Por isto, nas próximas
aulas você estudará os principais pensadores e aspectos dessa história.
Antes de terminar, leia os textos sugeridos na estante do pensar e realize a atividade proposta.
Estante do Pensar
O que é Filosofia e por que vale a pena estudá-la
Ensinar a pensar
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Introdução à Filosofia Aula 02
Aula 02 - Os Primórdios do Pensamento Grego Antigo e
a Filosofia Pré-Socrática
Qual a razão da ordem observada no universo? Existe algum princípio que tudo explique? Estas foram as
perguntas que os primeiros pensadores gregos estavam preocupados em responder. Identificar o que
caracterizava este período é o objetivo desta aula.
As origens do pensamento filosófico
A filosofia ocidental nasceu na Grécia, entre os séculos VII e VI a.C., com uma preocupação
eminentemente cosmológica (SCIACCA,1967). Os primeiros pensadores gregos estavam tomados pela
preocupação em responder à questão da ordem do universo (cosmos). Este momento da história do
pensamento é usualmente chamado de passagem do mito ao logos. Esta expressão pode gerar alguns
mal-entendidos em função de seus termos principais: mito e logos. Veja, então, o que significa cada um:
Mito - Se caracteriza por ser uma explicação que faz referências a entidades sobrenaturais como sendo
as responsáveis pelos fenômenos da natureza.
Logos - O termo “logos”, em grego, significa razão, linguagem, ciência.
Dentre os mal-entendidos comuns, pode-se destacar a suposição de que a passagem do “mito” ao
“logos” se deu de maneira definitiva, com o abandono total de referências sobrenaturais, assim como
achar que a explicação filosófica é dotada de razão, ao passo que o mito seria destituído dela (REALE e
ANTISERI,1990).
A escrita, que surgiu neste período, teve um papel importante nesta passagem, pois o que antes era
apenas contado pela tradição oral, passou a ser escrito. Modificando, assim, o pensamento e o homem.
Ao olhar as civilizações antigas, nota-se que com surgimento da
escrita os cânticos e histórias sagradas são os primeiros a serem
vertidos em sinais gráficos. No caso dos gregos, os maiores exemplos
são os poemas homéricos, Ilíada e Odisséia; assim como Teogonia e
Os trabalhos e os dias, de Hesíodo. Nestas obras é possível perceber
os traços de um pensamento lógico-causal que se tornará o cerne da
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Introdução à Filosofia Aula 02
filosofia e da ciência. (SISSA e DETIENNE, 1990)
Mais que poemas, as obras de Homero e Hesíodo possibilitam a identificação dos aspectos presentes na
estrutura da sociedade grega nos diferentes momentos da passagem do mito ao logos, como você
estudará a seguir.
Os poemas de Homero são a transcrição das lendas e histórias do povo
grego; tradição oral tornada escrita. A obra de Homero foi a expressão
maior da mitologia grega e nela se evidencia a hierarquia dos deuses
gregos – Zeus comanda os demais deuses – e percebe-se que, por
mais que a vontade divina submeta o curso da vida humana, esse
processo de interferência não é misterioso. Os gregos antigos sabiam
que existiam deuses e, seus respectivos domínios. Dada a grande
preocupação com o arbítrio dos deuses, os gregos antigos procuravam
utilizar todos os processos naturais a seu dispor para obter algum controle sobre a ação divina.
Na Teogonia de Hesíodo, tem-se a apresentação da árvore genealógica da mitologia grega, desde os
primeiros deuses até o apogeu e comando final de Zeus. Expressas mitologicamente em termos de
procriação e consangüinidade, as idéias lógicas de implicação, dedução e associação permeiam todo o
texto do poeta. Assim, até mesmo os deuses passam a fazer parte da mesma “natureza”, na qual, os
homens se encontram e começam a ser percebidos como submetidos aos mesmos princípios (MOST,
1998).
A comparação das obras de Homero e Hesíodo possibilita a percepção sobre a mudança de visão acerca
da estrutura social que é extremamente indicativa de características primordiais ao aparecimento da
filosofia na Grécia Antiga.
Copyright © 2000 - 2005 Universidade Católica de Brasília
Todos os direitos reservados
Tanto na Ilíada quanto na Odisséia, Homero apresenta uma concepção
de virtude (areté) como um traço distintivo da origem por nascimento
do indivíduo; o aristoi é o nobre, e ele o é, porque possui areté
(virtude). Temos a expressão de uma sociedade aristocrata, onde a
virtude é de alguns em função do nascimento e isto os torna
superiores. Em Hesíodo, especificamente no poema Os trabalhos e os dias, a virtude é resultado do
esforço, do trabalho empreendido pelo indivíduo; não é mais uma questão de sangue. Nesta sociedade,
qualquer homem pode ser virtuoso, contanto que se esforce para isso. Homero é a voz de um mundo
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Introdução à Filosofia Aula 02
aristocrático e Hesíodo fala de um mundo onde a experiência com os princípios democráticos começa a
acontecer.
A experiência com os princípios democráticos ajuda a explicar o aparecimento, de forma rápida, dentro
de uma civilização fragmentada em termos políticos, de grandes avanços em diversas áreas do
pensamento humano como a filosofia, o teatro, a medicina, a matemática teórica etc.
A democracia supõe a igualdade entre indivíduos, isto é, estão no mesmo nível quanto aos direitos
políticos. A palavra, a opinião e o voto dos iguais têm o mesmo valor dentro do grupo democrático. Esta
experiência possui relação com o trato entre os guerreiros, os heróis gregos. Quando lemos a Ilíada – o
poema de Homero que relata a guerra de Tróia – notamos que quando os guerreiros se reúnem para
decidir, o voto de cada um conta de maneira igual, mesmo que um deles seja o comandante da
expedição. Mas o mais importante é que uma vez que o voto iguala os homens, é necessário convencer o
outro de suas idéias. Mais do que nunca, torna-se necessário desenvolver a argumentação, a lógica e a
retórica, que serão não somente instrumentos da prática política, mas o instrumento do desenvolvimento
intelectual (REALE e ANTISERI, 1990 ).
A democracia grega era restrita aos cidadãos adultos, deixando de fora além dos escravos, jovens,
mulheres e estrangeiros. Quando existiu, a democracia grega foi acompanhada pela escravidão. Para
muitos gregos, a escravidão era uma condição natural de alguns indivíduos. Assim, alguns indivíduos
nunca estariam no mesmo patamar que outros; como era o caso não só dos escravos, mas também das
crianças e mulheres.
Neste ambiente surgiram os primeiros pensadores reconhecidamente tidos como os primeiros filósofos e
que foram nomeados “filósofos da natureza”, ou “filósofos pré-socráticos” por referência a Sócrates, que,
com Platão e Aristóteles, são considerados a tríade máxima do pensamento grego na Antigüidade.
A Cosmologia dos Pré-Socráticos
Os filósofos Pré-socráticos aparecem entre os séculos VII e VI a.C. em todas as colônias gregas que se
espalham pela a costa do Mediterrâneo, principalmente na Ásia Menor. Quanto à natureza, a preocupação
destes primeiros pensadores ( physis ) é cosmológica. Isto é, procuravam neste mundo um princípio que
explicasse sua existência e ordem, daí “filósofos da natureza”. De alguns destes pensadores, pouco ou
nada restou de seus escritos, mas da leitura dos fragmentos que sobreviveram ao tempo, é possível
perceber como seu pensamento filosófico está permeado de mito (religião), pois seus argumentos são
apresentados como verdade revelada pelos deuses. Em conjunto com um linguajar poético, esta verdade
revelada, ao mesmo tempo filosófica e religiosa, é de difícil compreensão e exige uma hermenêutica
sofisticada. Mas suas explicações não fazem mais referência aos deuses como sendo a causa única dos
acontecimentos deste mundo.
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Introdução à Filosofia Aula 02
Qual seria, então, a partir dos Pré-socráticos, o primeiro problema da filosofia? Seria uma exigência
grega, conhecer o mundo do ponto de vista metafísico, ou seja, o mundo na sua essência?
Os filósofos Pré-socráticos começam a indicar inúmeros princípios e causas físicas ou abstratas, que em
alguns casos explicam não somente o mundo, mas também os deuses como parte dessa mesma
estrutura. É nessa perspectiva que os Pré-socráticos vão refletir sobre o uno e a multiplicidade como os
primeiros princípios da realidade.
Segundo Sciacca (1967) É neste período que se tem o interesse pelo mundo e, por conseguinte, pelo
significado da própria existência, como demonstra os principais pensadores destacados a seguir:
Tales de Mileto (sécs. VII-VI a.C.) , grande matemático e o primeiro dos filósofos gregos, identificou a
água como o princípio ( arché ) originário da natureza; tudo se origina da água.
Anaximandro de Mileto (sécs. VII-VI a.C.) se referiu a um princípio indefinível que chamou apeiron , sem
limites.
Anaxímenes de Mileto (séc. VI a.C.) era discípulo de Anaximandro, mas identificou o ar como o princípio
básico de tudo.
Pitágoras de Samos (cerca de 530 a.C. até início do séc. V a.C.), grande matemático da Antigüidade, é
indicado pela tradição histórica como o primeiro a usar o termo filósofo, pois, uma vez indicado como
sábio ( sophos ), teria respondido que apenas era um "amante da sabedoria" ( philo , "aquele que ama",
sophia , "sabedoria"); desenvolveu uma teoria filosófica baseada na idéia de que tudo é composto de
números – entendidos por ele como pequenas partículas materiais – e a ordem do universo é derivada de
harmonias geométricas; sua filosofia era também imbuída de características religiosas, já que fundou
uma seita secreta que tinha como doutrina as descobertas matemáticas e sua filosofia numérica.
Xenófanes de Cólofon (c. 570 a.C.) foi grande crítico da concepção popular e tradicional dos deuses.
Tinha como fonte as obras de Homero, crítica esta que reaparecerá mais tarde na República de Platão.
Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.C.) defendeu a idéia de que tudo é um fluxo contínuo gerado por uma
guerra eterna entre os contrários; nada permanece o mesmo e tudo é e não é ao mesmo tempo.
Parmênides de Eléia (sécs. VI-V a.C.) criticou a visão de Heráclito e seus seguidores afirmando que
somente a razão poderia fornecer o conhecimento do que é a natureza; para ele, os sentidos percebem o
fluxo contínuo do mundo, mas somente a razão pode mostrar que por trás de tudo que muda está o
imutável, o perfeito e eterno, isto é, o ser.
19
Introdução à Filosofia Aula 02
Zenão de Eléia (sécs. VI-V a.C.) foi discípulo de Parmênides e desenvolveu uma série de paradoxos
(argumentos que levam a sua própria contradição) sobre a existência do movimento.
Empédocles de Agrigento (484/481-424/421 a.C.) se referiu aos quatro elementos (água, terra, fogo e
ar) como os responsáveis pela composição de tudo.
Anaxágoras de Clazômenas (c. 500-428 a.C.) dizia que tudo na natureza é composto de sementes
que determinam sua geração e vida.
Leucipo de Mileto e seu discípulo Demócrito de Abdera (séc. V a.C.) criaram a idéia de átomo;
acreditavam que tudo é composto de pequenas partículas indivisíveis que se unem e se separam
continuamente formando todas as coisas (KIRK e RAVEN, 1982).
Você estudou que a preocupação inicial do pensamento filosófico estava centrada na cosmologia. Na
próxima aula você verá que as transformações sociais contribuirão para uma mudança de foco. Porém
antes faça uma parada para reflexão, visite o Portal da Grécia Antiga e realize a atividade proposta.
Estante do Pensar
O Portal da Grécia Antiga.
21
Introdução à Filosofia Aula 03
Aula 03 - Os Sofistas e o Período Clássico Grego
O período clássico do pensamento grego é marcado por uma série de transformações sociais. Como estas
transformações influenciaram as mudanças de pensamento? Quais as contribuições dos principais
pensadores desse período? Estudar estas questões é a proposta desta aula.
Os sofistas
No século V a.C., uma série de transformações sociais ocorreu no
mundo grego, em especial nas grandes cidades. O poder da
aristocracia diminui após uma série de reformas sociais que entregam
parte considerável do poder político ao " demos ", o povo. Atenas
torna-se uma democracia e, como grande centro cultural da época,
passa a atrair, como as demais cidades, um grande número de
estrangeiros. Um grupo de pensadores e professores se torna
importante nesse período, pois modificaram a perspectiva do pensamento que até então se centrava na
questão sobre a natureza, a chamada questão cosmológica, e se deslocou para a questão antropológica,
a questão sobre o homem e tudo que o envolve. Esses pensadores ficaram conhecidos como sofistas.
A palavra SOFISTA, originalmente, significa "especialista do saber". Mas este termo adquiriu uma
conotação negativa após a crítica e o ataque ferrenho que receberam de Sócrates, Platão e Aristóteles.
Veja porquê!
Segundo Guthrie (1995), os sofistas além de serem responsáveis por essa virada na percepção do
pensamento, foram responsáveis por:
desenvolver a idéia de difusão do ensino (eram professores remunerados) para todos e não só para
alguns;
estabelecer com seu nomadismo (viajavam de cidade a cidade) uma perspectiva cultural ampla;
consolidar um espírito de liberdade de pensamento; despertar o interesse pela linguagem, revalorizando
a retórica e a lógica.
Apesar disso, foram mal aceitos pela sociedade ateniense, que não via com bons olhos estrangeiros
que vendiam o conhecimento, apresentavam novos e diferentes costumes e que, em geral, não
acreditavam na verdade e na possibilidade de se atingir um conhecimento certo. Muito também da má
fama dos sofistas tem sua origem no fato de que podemos dividi-los em três grupos, nos quais temos:
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Introdução à Filosofia Aula 03
Como eram chamados Suas Características
Primeiros Mestres Eram respeitados até pelos adversários
Sofistas Erísticos Tinham interesse pelo discurso do convencimento
Políticos
Utilizavam técnicas de persuasão para seus objetivos pessoais.
Alguns dos mais importantes sofistas foram:
Protágoras, suposto autor da frase "o homem é a medida de todas as coisas”;
• Górgias, defensor de um ceticismo que negava a possibilidade de conhecermos a verdade ou de
transmiti-la;
Pródico, que dizia ser a virtude o que há de mais adequado para atingir o que é vantajoso;
• Hípias, defensor de um saber enciclopédico e desenvolvedor de métodos mnemônicos;
Antifonte, que defendia a diferença entre as leis da natureza e a dos homens, argumentando que todos
são iguais por natureza.
Sócrates foi um dos pensadores mais marcantes da história da humanidade, mesmo sem ter escrito uma
linha, suas idéias ainda ecoam forte até os dias de hoje.
Sócrates
Sócrates (470/469-399 a.C.) era cidadão ateniense, filho de escultor e parteira; não fundou escola e
ensinava em locais públicos e em qualquer lugar no qual pudesse empreender conversação sobre os mais
diversos temas, sempre tendo como objeto de preocupação o desvelar da verdade. Causou forte
impressão sobre a juventude ateniense e sobre os mais diversos tipos de pessoas, o que teve como
contrapartida um grande número de inimizades, as quais resultaram na acusação de impiedade e de
corrupção dos jovens atenienses e que foram penalizadas com a morte do filósofo por envenenamento.
Nunca escreveu suas idéias, pois para ele a verdade devia ser atingida através do diálogo. Seu primeiro
23
Introdução à Filosofia Aula 03
pensamento tinha ligações com a filosofia naturalista, mas após o contato com os mestres sofistas,
voltou-se para a questão do homem e do conhecimento (REALE e ANTISERI, 1990).
O pensamento de Sócrates inaugura a filosofia clássico e a própria denominação de “pré-socraticos” já
reflete a importância da filosofia de Sócrates. (MARCONDES,2004).
Qual seria a diferença do pensamento de Sócrates em relação aos Pré-Socráticos, estudados na aula 2?
Enquanto os Pré-socráticos investigavam questões cosmológicas, Sócrates investigava a natureza
humana. Para Sócrates, o homem se define em função de sua alma (psyché) e não de seu corpo; a
matéria corporal atrapalha o pleno desenvolvimento da alma que é a fonte do que o homem tem de
característico, a razão.
No pensamento de Sócrates, as virtudes deixam de se referir às aptidões físicas dos heróis e passam a
designar a atividade que propicia o desenvolvimento do intelecto, da alma. Nesse sentido, Sócrates
defendia a idéia de que o mal era fruto da ignorância e que o conhecimento levava ao bem, propiciador
da verdade e do aprimoramento espiritual. Ao ser condenado, não foge, nem se revolta com a decisão da
assembléia de condená-lo a morte, pois a verdade evitaria o erro, mas ela só pode ser atingida pela
persuasão intelectual e não pela força.
Acreditando na imortalidade da alma humana, compreendia a filosofia como uma preparação para a
morte, uma vez que esta propiciava o aprimoramento do espírito, em detrimento da satisfação corporal.
Preparada, a alma se livra do corpo e passa a viver em um mundo livre da matéria (PLATÃO, 1972).
Importante também é o método de ensino socrático, fonte da crítica ao trabalho remunerado dos
sofistas. Sócrates acreditava que todos possuíam já dentro de si a verdade eterna e única e o
conhecimento não era adquirido, e sim, lembrado. Dizia ter herdado de sua mãe, que era parteira, o dom
de ajudar as pessoas a dar à luz a verdade que tinham dentro de si. Esse método socrático, denominado
maiêutica, era dialético e irônico, pois trabalhava para promover uma síntese a partir de posições
contrárias e com o uso do gracejo; Sócrates procedia por meio de uma série de perguntas que desfaziam
a ilusão do conhecimento tradicional e impensado (refutação), e procuravam construir, a partir do
reconhecimento da ignorância, o conceito a ser estudado. A dialética procedia de definições menos
adequadas, ou de exemplos particulares, até a definição universal (COPLESTON,1964). Ou seja, do
raciocínio particular para o universal. Neste sentido, a sabedoria consiste em se reconhecer ignorante.
Como nada escreveu, o pensamento de Sócrates deve ser percebido dentro dos escritos de seus
discípulos, que sobre ele escreveram apresentando visões diversas e desenvolvendo escolas filosóficas de
inspiração socrática. O principal de seus discípulos foi Platão, que escrevia diálogos nos quais Sócrates
era sempre sua personagem principal. Reside nessa situação a dificuldade de diferenciar o que
24
Introdução à Filosofia Aula 03
pensamento de Sócrates e o que é pensamento de Platão colocado na boca da personagem Sócrates.
Além dos discípulos, Aristófanes, comediógrafo grego contemporâneo de Sócrates, escreveu As nuvens ,
onde ridiculariza Sócrates como um sofista.
Platão
Platão (428/427-347 a.C.), cujo verdadeiro nome era Aristoclés, era cidadão ateniense de família
aristocrática descendente de Sólon, o legislador. A origem do apelido tem três possibilidades: o tamanho
largo de seus ombros, o tamanho de sua testa ou a amplidão de seu estilo de escrita; platos , em grego,
significa "amplidão", "extensão". Tornou-se discípulo de Sócrates por volta dos vinte anos, convivência
que iria transformar sua vida e pensamento. Após a morte do mestre, empreende viajem para Mégara e
Siracusa, além de diversas outras cidades na Grécia e na Itália, além do Egito. Em 387 a.C., funda sua
escola em Atenas, a Academia. Sua escola se tornou uma revolução no ensino e pólo de atração de
alunos e pensadores. (REALE e ANTISERI, 1990).
Platão assumiu as idéias de seu mestre, Sócrates, mas a elas incorporou as suas, a ponto de muitas
vezes dificultar a diferenciação das idéias de um e do outro. A principal inovação de Platão foi a defesa da
existência de um mundo das idéias/formas. Esse mundo eterno, perfeito e imaterial é o modelo do
mundo material perecível em que vivemos e que é composto por cópias imperfeitas das idéias (formas).
Existe uma hierarquia no mundo perfeito da idéias e, em função disso, inúmeras relações entre elas
podem ser traçadas.
Na busca do verdadeiro conhecimento, Platão distingue a episteme (conhecimento) da doxa (opinião). Na
episteme se tem o conhecimento verdadeiro e confiável, em contrapartida, na doxa, o mutável e
inconsistente. O objeto do conhecimento deveria ser real e seguro, o que não podia ser garantido pelas
coisas que percebemos pelos sentidos, mutáveis. Assim, o objeto do conhecimento não são as coisas
físicas, mas as Idéias imutáveis. Há em Platão a “reificação” dos objetos do conhecimento, isto é, são
coisas, mas o são de maneira diferente das coisas materiais (HARE, 2000).
Como Platão assume a posição socrática de inferioridade da matéria - que é amorfa (sem forma) e só
possui determinação por que é limitada pelas formas/idéias -, a alma é o elemento eterno e perfeito
25
Introdução à Filosofia Aula 03
aprisionado no corpo e que teve sua origem no mundo das idéias. As almas perceberam, então, as idéias
em sua perfeição e, após sua prisão em um corpo cujas janelas são os sentidos, as almas conhecem por
reminiscência (lembrança), pois identificam as formas das coisas com as idéias eternas específicas. Essa
percepção ocorre com o uso da razão, já que os sentidos, porque são materiais, falham constantemente
e nos fornecem apenas opinião ( doxa ) e não a ciência ( episteme ), fornecida somente pela razão. O
trabalho da razão e as dificuldades que a matéria provoca são representados no "mito da caverna" no
livro VII da "República" (PLATÃO, 2001).
A alma é imortal, mas precisa se aprimorar por um processo contínuo de reencarnação (metempsicose).
No diálogo "Fédon", Platão defende a idéia socrática da eternidade da alma em contraposição às crenças
contrárias e nega a ligação indissociável entre corpo e alma. Assim, a filosofia, uma vez mais, tem o
papel de preparação para a morte. Há no pensamento de Platão a identificação entre a virtude e o
conhecimento; o mal é resultado da ignorância e o bem equivale ao conhecer. Destarte, a importância do
aprimoramento intelectual, que é uma característica constante do pensamento grego.
Em sua interpretação do mundo social, Platão via com desconfiança a democracia, uma vez que foi nesse
sistema de governo que Sócrates foi condenado à morte. A sociedade ideal de Platão possuía três
estratos: trabalhadores, guerreiros e magistrados, cada um deles composto por indivíduos que já
nasciam com um tipo de alma com a predisposição a um dos tipos de atividade. As uniões são permitidas
e determinadas pelo Estado, que escolhe os cidadãos com a beleza, inteligência e destreza suficientes
para procriar. As crianças são criadas e educadas em conjunto, em separado dos pais, para que sejam
formadas em hábitos saudáveis. Nessa sociedade, os que se destacam em inteligência farão parte da
classe dirigente, a dos chamados "reis-filósofos".
Aristóteles
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira, na Trácia, região da Macedônia. Seu pai foi médico da
corte do rei Amintas, da Macedônia, pai de Filipe e avô de Alexandre, o Grande. Em 366 a.C., Aristóteles
entra para a Academia de Platão e lá permanece por vinte anos, só se retirando após a morte do mestre.
No período em que esteve na Academia, Aristóteles conheceu uma série de sábios que ali estavam,
dentre eles, Eudóxio, grande matemático da Antigüidade que havia se transferido com seus alunos para a
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Introdução à Filosofia Aula 03
escola de Platão. Aristóteles foi para Axo - três anos - e Mitilene, na ilha de Lesbos. Em Axo se dedicou
aos cursos filosóficos e em Mitilene, aos estudos biológicos em conjunto com seu discípulo Teofrasto, seu
futuro sucessor. Em 343 a.C., se torna preceptor de Alexandre, o Grande - na época com treze anos.
Após a subida ao trono de Alexandre (336 a.C.), Aristóteles volta a Atenas e funda sua escola, próxima
ao templo dedicado a Apolo Lício, daí o nome de "Liceu", pelo qual a escola era conhecida. Também
chamada "escola peripatética", pois suas aulas em meio aos jardins eram comuns ( perípatos ,
"passeio"). Até 323 a.C., ano da morte de Alexandre e início da reação antimacedônica em Atenas, o
Liceu se tornou um grande centro de produção filosófica e científica, chegando a relegar a segundo plano
a Academia. Curiosamente, a mesma acusação feita a Sócrates, de impiedade, foi dirigida a Aristóteles.
Esse vai para Cálcis e deixa Teofrasto no comando do Liceu. Morre poucos meses depois, em 322 a.C.
(REALE e ANTISERI, 1990).
Aristóteles foi dotado de mente enciclopédica, pois lidou e escreveu sobre os mais diversos temas, alguns
hoje pertencentes às ciências naturais e humanas. Foi o primeiro sistematizador da lógica clássica e seus
princípios; estudou os argumentos, seus tipos, falhas, sua composição, sua relação com o raciocínio, etc.
Uma das grandes diferenças entre o pensamento de Aristóteles e de seu mestre Platão, foi a crítica e
recusa da existência do "mundo das idéias". Para Aristóteles, as idéias não se encontram em um mundo
em separado; as idéias são produto da abstração que a mente faz do que é percebido pelos sentidos. Só
há este mundo material no qual vivemos, e assim, os sentidos não são de todo enganadores, pelo
contrário: são a porta de entrada de qualquer conteúdo que a razão trabalha. O que ocorre é que nossa
razão passa, em um processo de gradativa complexidade e abstração , daquilo que é material para aquilo
que não é. Desse modo, as idéias são resultado da apreensão daquilo que há de essencial nos objetos do
mundo, aquilo que os define no que são. A idéia de "cadeira" é uma abstração daquilo que faz de alguns
objetos cadeiras.
Aristóteles desenvolve a física e a metafísica iniciadas pelos pré-socráticos. Determina a análise do
mundo pelo que ele tem de geral, desenvolvendo os conceitos de causa (material, formal, eficiente,
final), substância, acidentes, ato, potência, etc. Dentro de sua perspectiva, o ser humano é definido como
uma composição de matéria e forma, onde seu corpo é a matéria e sua alma é sua forma. A alma é
princípio de vida e qualquer ser vivo possui um tipo de alma. Só o ser humano tem alma intelectiva,
responsável por sua capacidade racional, além das almas vegetativa (permite a alimentação) e
locomotora (permite o movimento). Em algumas partes da obra de Aristóteles, ele dá a entender a
possibilidade de a alma intelectiva ter existência desvinculada do corpo, mas em outras fala da
indissociabilidade entre corpo e alma (MORTON, 1997).
Considerando que o ser humano se distingue dos demais animais por sua racionalidade, o fim do ser
humano deve satisfazer essa característica. Todos os indivíduos desejam a felicidade, compreendida das
mais diversas formas, mas apenas o desenvolvimento do intelecto e das virtudes propicia a máxima
felicidade, o que não caracteriza um desprezo aos aspectos corporais, pois, para Aristóteles, as
necessidades materiais têm de ser satisfeitas para atingirmos a contemplação. Só se atinge a felicidade
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Introdução à Filosofia Aula 03
por meio das virtudes que para Aristóteles são "... uma disposição de caráter relacionada com a escolha e
consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio
racional próprio do homem dotado de sabedoria prática" (ARISTÓTELES, 1973a, p. 273). Em outras
palavras, a virtude é uma disposição para agir prudentemente entre posições extremadas. Segundo
Aristóteles, a ação é imperfeita por falta ou por excesso e a virtude está no meio.
Ao mesmo tempo em que o ser humano é um animal racional, também é um animal político, social; o ser
humano somente consegue sobreviver em grupo e é nele que pode desenvolver sua potencialidade. A
pólis (cidade) é uma extensão natural do primeiro núcleo social, a família. Sendo assim, o indivíduo tem
na política, na arena social, o ambiente propício para o desenvolvimento das virtudes. A política é vista
como uma extensão da ética, pois o Estado existe para o bem-comum e é necessário à felicidade
(ARISTÓTELES, 1985).
Novas transformações agitaram o mundo, mas as idéias e pensamentos de Platão e Aristóteles
continuaram a influenciar o que estava por vir, como você verá na próxima aula.
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Introdução à Filosofia Aula 04
Aula 04 - O Fim da
Antigüidade e a Idade Média
O que move o pensamento humano neste período de transição entre o esplendor cultural Grego e o
apogeu político Romano? Por onde andará a filosofia do período helênico à Idade Média? Seguir a trilha
do pensamento filosófico neste período é o objetivo desta aula.
A filosofia helenística
O ápice do pensamento grego coincide com a dominação pelos macedônios; e mesmo após o fim do
império de Alexandre, os gregos têm suas pretensões de liberdade subjugadas pelos romanos. Apesar do
domínio político, os gregos dominam culturalmente seus senhores. Nesse momento, não temos somente
Atenas como centro intelectual; começam a despontar Antioquia, Pérgamo e Alexandria.
Com características eminentemente éticas e voltadas para a consecução de uma vida feliz, surge, a partir
do século III a.C. uma série de escolas filosóficas, como você estudará a seguir:
• Os estóicos – escola que vai do século IV a.C. ao século III d.C., cujos principais pensadores são
os gregos Zenão, Crisipo e Epicteto e os latinos Sêneca e Marco Aurélio – que pregam a apatia,
isto é a eliminação dos desejos como caminho da felicidade;
• Os epicuristas - escola fundada por Epicuro de Samos no século III a.C. – procuram a ataraxia,
ausência de preocupações e perturbações, e um equilíbrio dos prazeres;
• Os céticos – escola fundada por Pírron no século IV a.C. e que tem como sistematizador Sexto
Empírico no século II d.C. – que desconfiam não somente da compreensão do que leva à
felicidade, mas também duvidam da possibilidade de se atingir a verdade;
• Os ecléticos que buscam subsídios à investigação no pensamento de diversos pensadores, como
é o caso do romano Cícero (106-43 a.C.) e de alguns Padres da Igreja, no início da era cristã,
como Clemente de Alexandria, o primeiro pensador cristão a tentar relacionar filosofia grega e
cristianismo (REALE e ANTISERI, 1990).
A filosofia cristã
Dentro do Império Romano, ocorre o encontro da filosofia grega com a doutrina cristã. O cristianismo foi
recebido com aversão pelo mundo cultural grego; tomado como religião de escravos e ignorantes, não
teve compreensão por causa de sua mensagem universal e monoteísta, sua nova idéia de amor
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Introdução à Filosofia Aula 04
(caridade), sua concepção de virtude, a idéia da encarnação divina na figura de Cristo, a importância da
liberdade humana como fonte da responsabilidade moral e o sentido exterior ao mundo da vida humana.
Em um primeiro momento a percepção foi de que as diferenças eram insanáveis, mas com o tempo os
pensadores cristãos encontraram na filosofia o instrumento para a defesa racional de sua fé. Os
chamados Padres Apologistas tinham como preocupação a defesa sistemática da fé cristã frente aos
ataques da filosofia pagã; em razão disso a filosofia dos primeiros séculos do cristianismo foi chamada
Patrística . São diversos os pensadores cristãos desta época: os apologistas Aristides, Justino e Taciano
(séc. II d.C.); da escola catequética de Alexandria, Clemente e Orígenes (séc. II d.C.); no século IV d.C.,
Gregório de Nissa, Basílio, Gregório Nazianzeno; entre os séculos V e VI d.C., Dionísio Areopagita; entre
os séculos VI e VII d.C., Máximo; no século VIII d.C., João Damasceno.
O grande nome da filosofia cristã, responsável pela primeira grande
síntese filosófico-religiosa cristã, é Agostinho de Hipona (354-430). Nasceu
em Tagaste, norte da África, de pai pagão - que viria a se converter no
final da vida - e mãe cristã. O pai era pequeno proprietário rural que
conseguiu dar ao filho, com a ajuda de amigos, uma educação em letras
latinas, em Cartago. Após os estudos tornou-se professor, transferindo-se
para Roma em 384. No mesmo ano vai para Milão, onde se dará sua
conversão após reflexão profunda entre o ano de chegada e 386. Sob
influência do bispo de Milão, Ambrósio, é batizado em 387 e no ano seguinte retornou a Tagaste. Vendeu
os bens paternos - seu pai já havia morrido há muito e sua mãe faleceu na volta a África - e fundou uma
comunidade religiosa. Em 391, foi ordenado sacerdote em Hipona por pressão dos fiéis e em 395 foi
consagrado bispo, substituindo o bispo de Hipona no ano seguinte. Até o ano de sua morte, 430,
escreveu nesta cidade grande parte de sua obra, constituída por tratados teológicos e filosóficos sobre os
mais diversos temas (REALE e ANTISERI, 1990).
O pensamento de Agostinho é imensamente influenciado no estilo por Cícero e no conteúdo filosófico por
Platão. Agostinho tinha em sua formação humanística latina a preocupação com a linguagem como meio
de conhecimento e propagação da verdade. Mas conserva de Platão, a idéia de condenação do material e
da posição subalterna do corpo em relação à alma, fonte da razão. Somente através da razão podemos
ver no mundo a presença de Deus. A natureza não responde àqueles que não a interrogam ou não têm a
capacidade de lhe perguntar.
O cristianismo apresenta uma novidade em relação ao pensamento grego que é de suma importância
para Agostinho: a criação. Para o grego, o mundo é eterno. Para o cristão, o mundo foi criado do nada no
tempo por Deus. A criação e o tempo são questionamentos constantes em diversas obras do bispo de
Hipona. Mas a questão da existência do mal preocupou intensamente Agostinho, que fez parte de uma
seita que dizia ser o universo regido pelos princípios do bem e do mal, ambos com existência real: o
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Introdução à Filosofia Aula 04
maniqueísmo. Agostinho negou a existência do mal como uma substância; o mal é privação do bem.
Deslocou o mal do campo cosmológico e da constituição do mundo, para o campo ético, o agir humano.
Foi grande defensor da idéia do livre arbítrio em contraposição ao fatalismo do pensamento greco-
romano (AGOSTINHO, 1984) (BOEHNER; GILSON, 1985).
Em 476, o Império Romano do Ocidente se esfacela, deixando um vácuo institucional gigantesco, onde a
produção e a preservação da cultura se tornam uma tarefa árdua e fragmentada. Em boa parte, a
estrutura administrativa da Igreja passa a assumir funções do império já morto, iniciando um processo
de mistura do poder temporal e religioso que irá se fortalecer até sua contestação ao final da Idade
Média, começo do período Moderno. Mas já antes do fim do império, a filosofia, com a vitória do
cristianismo, se tornará por séculos um instrumento da teologia. Todo questionamento filosófico passou a
girar ao redor da questão de Deus.
A partir da queda do Império, temos a constituição do sistema feudal. A dispersão populacional em
pequenas comunidades dificultou os contatos, entre eles os de cunho intelectual. Mosteiros passaram a
ser guardiães de obras da Antigüidade e neles se produzia a cultura da época.
No século VIII, Carlos Magno encarrega Alcuíno de York de reorganizar o ensino escolar em sua corte. As
escolas eram monacais (ligadas às abadias), episcopais (ligadas às catedrais) e palatinas (ligadas aos
palácios, à corte). No ano de 781, Alcuíno começou a organizar o ensino na corte da seguinte maneira:
primeiro, a escrita e a leitura do latim, assim como o estudo básico da Bíblia; segundo, o estudo do
trivium (gramática, retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música); e
terceiro, o estudo teológico. Esse currículo se tornou comum e possibilitou uma orientação e
padronização do ensino. Nas cidades onde havia uma grande concentração dessas escolas, houve a
agremiação de pessoas nos moldes de sindicatos para a defesa de seus interesses.
A partir do século XIII, dois tipos de corporações existiam: a de estudantes, universitas scholarum
(Bolonha), e a de professores e alunos, universitas magistrirum et scholarum (Paris). Era o aparecimento
da universidade pela reunião das escolas. Os títulos, até hoje existentes, são o resultado de privilégios
conquistados pelos cooperados, que na universidade já não se diferenciavam mais pelo nascimento, mas
pela capacidade intelectual; formaram um grupo heterogêneo que se distinguia do resto da sociedade.
Nas escolas e universidades era produzida a cultura de então; daí o nome da filosofia da época,
Escolástica .
Na universidade, as aulas eram de dois tipos: a lição (lectio) e o seminário (disputatio), esse com
características muitas vezes de confronto de idéias. A formação nas artes liberais - o trivium e o
quadrivium - demandava seis anos e garantia o título de mestre, ao passo que a formação em teologia
demandava pelo menos oito anos e dava o título de doutor (REALE e ANTISERI, 1990) (LE GOFF, 1989).
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Introdução à Filosofia Aula 04
São muitos os pensadores cristãos medievais escolásticos. Dentre eles se destacam:
Anselmo de Aosta (1033-1109) - tratou, entre muitas questões, das provas racionais para a existência de
Deus;
Pedro Abelardo (1079-1142) - foi um dos maiores lógicos da Idade Média, além de ter tratado de
problemas relativos à ética;
Guilherme de Ockham (1290-1349) -vdefendeu a idéia de que as essências são apenas nomes usados
para nos referirmos às coisas singulares;
Nicolau de Cusa (1401-1464) - refletiu o início da modernidade afirmando o caráter incompleto do
conhecimento humano.
Além dos pensadores cristãos, é necessário chamar a atenção para a
filosofia árabe. Os árabes foram os responsáveis pela preservação e
revelação aos cristãos de diversas obras inéditas da Antigüidade. Em
especial, Avicena (980-1037) e Averróis (1126-1198) exerceram grande
influência sobre os pensadores cristãos, mesmo que fossem lidos
visando à crítica (BOEHNER e GILSON, 1985) (GILSON, 1995).
Dos diversos pensadores cristãos da escolástica, um merece o destaque por ter sido o realizador da
segunda grande síntese filosófica-teológica do cristianismo, agora sob a influência do pensamento de
Aristóteles. Tomás de Aquino (1225-1274) produziu uma obra vasta composta de comentários sobre
obras de Aristóteles e sobre as escrituras, tratados sistemáticos de teologia, questões disputadas e
ensaios filosóficos.
Tomás de Aquino se preocupou em estabelecer as relações entre fé e razão. Para ele, a razão e a fé são
modos distintos de se conhecer, mas não podem se contradizer. A razão é incapaz de compreender por si
só os mistérios revelados, mas presta um serviço inquestionável à fé, demonstrando, ilustrando e
defendendo. Tomás de Aquino retoma a metafísica de Aristóteles refinando os conceitos de existência e
essência, além de mostrar, por meio da analogia , a possibilidade de se perceber Deus no mundo através
de suas criaturas e construindo uma hierarquia que vai do mundo material até Deus. Trabalha, então,
com cinco argumentos - chamados vias - relativos à prova da existência de Deus; todos eles partindo da
percepção sensorial do mundo físico para chegar à idéia de Deus (BOEHNER e GILSON, 1985) (GILSON,
1995).
Antes de continuar, assista ao filme Em Nome de Deus, sugerido na estante do pensar. Este filme ajudará
a ilustrar o conteúdo trabalhado nesta aula.
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Introdução à Filosofia Aula 05
Aula 05 - A Filosofia Moderna
O que é o conhecimento? Ele é possível? Quais são os limites do conhecimento? Existem regras para a
obtenção de conhecimento verdadeiro (método)? Estas eram as questões que ocupavam o pensamento
filosófico na modernidade, e é sobre elas que você estudará nesta aula.
Compreendendo o mundo moderno
Uma mudança na civilização européia começa a se processar a partir do século XIV. Há o início do
processo de mudança de visão de mundo que irá resultar no fim da Idade Média, convencionalmente
determinado pelos historiadores em 1453, com a queda de Constantinopla para os turcos.
Os árabes são expulsos da península ibérica e inicia-se a constituição dos Estados nacionais europeus, o
que é a superação do sistema feudal, com seu poder político desagregado. A filosofia desvincula-se da
teologia, adquirindo autonomia e tratando de uma quantidade maior de temas e perspectivas. O
problema central do período medieval – Deus – é substituído pelos problemas do conhecimento, que se
tornam as questões centrais do pensamento moderno.
O período moderno se mostra fecundo de descobertas científicas e técnicas observacionais que
aumentam o campo de visão da humanidade (Galileu) e mostram que o homem é um ser pequeno perto
da imensidão do universo; no qual a terra se desloca do centro para a periferia.
As descobertas de novas terras - financiadas pela burguesia que havia custeado também o aparecimento
dos Estados - ampliam a percepção cultural do homem moderno. A modificação do sistema social
estabelece cada vez mais as relações econômicas como as principais dentro do grupo social; as relações
pessoais são relegadas a um plano secundário. As relações com Deus, intermediadas pela Igreja, passam
a ser contestadas. Toda essa mudança de perspectiva tem agora a imprensa para ajudar em sua
propagação. O indivíduo é agora o cerne das perspectivas econômica, científica e religiosa. Em uma
situação de mudança, onde a posição da pessoa já não está garantida, a desconfiança para com a
tradição se torna a tônica dominante. A dúvida e a posição filosófica que a acompanha, o ceticismo, se
tornam o substrato do mundo moderno.
Pensadores como Montaigne (1533-1592) passam a expressar uma desconfiança quanto à possibilidade
de nosso conhecimento poder atingir a verdade. A questão “O que eu sei?” se torna o mote de Montaigne
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Introdução à Filosofia Aula 05
e sua resposta é que apenas podemos acumular opiniões sobre o mundo que nos cerca (MONTAIGNE,
1972).
São duas as grandes linhas de pensamento que tentam responder à pergunta do conhecimento no
Período Moderno, o racionalismo e o empirismo . A primeira tem como característica privilegiar a razão
em detrimento das percepções sensoriais, que são vistas como responsáveis pelo erro e pelo engano. Ao
contrário, o empirismo defende a idéia de que todo conhecimento humano tem origem na percepção
sensível, não existindo idéias inatas, como era crença dos racionalistas.
O racionalismo
Com a frase “se duvido, é porque penso, e se penso, existo”
René Descartes
O principal pensador do racionalismo foi o filósofo e matemático René
Descartes (1596-1650). Nascido em La Haye, em uma família de posses
– seu pai era magistrado da Bretanha - cedo perdeu a mãe e passou a
ser criado por uma ama, sem a presença do pai, que se mantinha
ausente por muito tempo. Já maior, foi mandado para o principal colégio
da Europa, La Fleche, dirigido por jesuítas. Lá mantinha o hábito da
infância de acordar sempre perto do meio-dia. Apesar do horário flexível,
Descartes desenvolveu uma mente que seria uma das mais férteis da
modernidade. Em 1612, cansado da vida na escola e do que havia aprendido ali, parte para conseguir o
conhecimento que pretendia, não mais nos livros, mas no mundo. Alista-se no exército do Príncipe de
Nassau e percorre a Europa. Conta em seu mais conhecido livro, Discurso do Método, que, após sua
experiência no exército, percebeu que só atingiria a verdade e a certeza onde não havia ainda procurado,
em si mesmo (DESCARTES, 1979).
Envolveu-se com inúmeras disputas teóricas e chegou a ser acusado de ateísmo, o que negou
energicamente, mas acabou quase sendo preso. Mantinha correspondência com diversas personalidades
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Introdução à Filosofia Aula 05
políticas e intelectuais de sua época. Sua fama acabou por determinar o convite da rainha Cristina, da
Suécia, para lá viver e fundar a "Academia de Ciências". O clima do país não lhe foi favorável e o detalhe
da rainha exigir sua presença para aulas na corte, no início da manhã, determinou a exposição de
Descartes ao rigoroso inverno sueco. Faleceu em 1650 em razão de pneumonia (REALE e ANTISERI,
1990).
A preocupação primeira de Descartes era a pouca confiabilidade do conhecimento até então acumulado
pela tradição e sua ligação com a chamada "escolástica decadente", na qual as idéias dos filósofos do
passado eram aceitas sem contestação.
Descartes via na matemática o modelo que deveria ser seguido pela filosofia. Os avanços que a
astronomia e a física obtiveram com a utilização da matemática instaram Descartes a estabelecer uma
filosofia baseada na razão e em princípios incontestáveis. Em sua procura pelo ponto de partida que
garantiria o conhecimento correto, o pensador francês começa um processo de dúvida que tinha como
objetivo descartar qualquer coisa que pudesse ser objetável; é o que se convencionou chamar "dúvida
metódica", pois era apenas um caminho para a certeza, não uma desconfiança quanto às possibilidades
do conhecimento humano. A certeza absoluta a que Descartes chega é a constatação da própria
existência como ser pensante (res cogitans), o que traduziu em sua frase mais famosa: se duvido, é
porque penso, e se penso, existo (cogito ergo sum).
A certeza da existência da alma possibilitará a reconstrução do conhecimento humano. Em sua filosofia,
Descartes distingue duas substâncias no mundo: a res cogitans , "a coisa pensante" (alma), e a res
extensa, "a coisa extensa" (matéria). O mundo, que é matéria, se rege por leis mecanicistas, como as
engrenagens de um relógio. A alma não é regida por essas leis e, no pensamento de Descartes, as
relações entre corpo e alma são apenas ocasionais, pois não se influenciam mutuamente (DESCARTES,
1979).
Outros grandes representantes do racionalismo foram:
Blaise Pascal (1623-1662) - filósofo, matemático e físico, que chamou a atenção para os limites da
racionalidade ao admitir que "o coração tem razões que a própria razão desconhece";
• Baruch Spinoza (1632-1677) - o ser é uno: a substância ou Natureza: Deus é a própria ordem
geométrica necessária a tudo. Substancia (Deus), atributos (pensamento e extensão, os únicos
que conhecemos), modos (os entes individuais). Espinosa elimina o dualismo cartesiano:a
essência das coisas é uma.
• Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) - faz parte da tradição racionalista, mas advoga a
impossibilidade da comunicação entre as substâncias, defendendo o paralelismo, isto é, mente e
corpo não interagem, mas têm comportamentos correlatos.
36
Introdução à Filosofia Aula 05
O empirismo
“A mente é uma tabula rasa”
John Locke
O empirismo inglês é característico do período moderno, onde empreende uma crítica à filosofia
racionalista e às possibilidades de um conhecimento metafísico nos moldes da filosofia antiga e medieval.
Dentre os principais pensadores do empirismo destacam-se:
Francis Bacon (1561-1626) - revaloriza a observação e o raciocínio indutivo como produtores de
conhecimento científico.
• Thomas Hobbes (1588-1679) - defende que apenas existe a substância material, ou seja, aquilo
que pode ser percebido pela mente humana através dos sentidos. Esse ser material, que é o
homem, tem como traço natural o egoísmo. Seu estado natural é o da "guerra de todos contra
todos", mas sua racionalidade faz ver que a existência da sociedade lhe propiciaria uma vida mais
longa e segura. Entrega, após um contrato natural tácito, seus direitos naturais nas mãos de um
poder soberano, que passa a exercê-los de maneira despótica para garantir a existência da
sociedade e a preservação de seus membros (HOBBES, 1979).
• John Locke (1632-1704) - argumenta que as idéias inatas não existem; todas as nossas idéias
são derivadas da experiência sensível. Para ele “a mente é uma tabula rasa”. Da mesma maneira
que Hobbes, Locke é um contratualista, mas não acredita que em estado natural a situação seja
a de guerra de todos contra todos. Locke argumenta que pela
própria condição racional, as pessoas decidem por estabelecer
um pacto implícito para a constituição da sociedade. Ao ceder
parte de seus direitos para o governo, essa cessão não é
incondicional; se o governante não prestar contas de suas
obrigações para com aqueles de onde emana seu poder,
então, ele perde a representatividade, pode ser destituído e
substituído. Locke é o grande teórico da democracia
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Introdução à Filosofia Aula 05
representativa (LOCKE, 1978a, 1978b).
• George Berkeley (1685-1753) - preocupado com a perspectiva materialista e atéia do empirismo,
leva seus pressupostos às últimas conseqüências, visando negar a certeza da existência da
matéria e resumindo o nosso conhecimento às imagens que temos em nossas mentes. Essas
imagens são produzidas por nossos sentidos, mas não há certeza de que correspondem ao que os
objetos são realmente; em outras palavras, não temos acesso ao que as coisas são em si
mesmas. Para Berkeley, existir é estar na consciência; ser é ser percebido ( esse est percipi).
Segundo o bispo irlandês, o que garante que as coisas existem, mesmo quando não as
percebemos, é o fato de tudo estar na mente de Deus, ser percebido por Deus (BERKELEY,
1980).
• David Hume (1711-1776) - o maior nome do empirismo
moderno. O escocês David Hume foi um dos primeiros filósofos
a advogar explicitamente o ateísmo e sofreu as conseqüências
de sua posição. Almejou, durante parte de sua vida, a uma
cadeira de professor nas universidades de Edimburgo e
Glasgow; o que nunca conseguiu, em razão de suas posições
materialistas. Foi assistente de diversos personagens
importantes de sua época e desejou profundamente ser
reconhecido, em vida, por suas idéias como filósofo, mas isso não aconteceu. Hume ficou
conhecido como historiador, pois escreveu uma enorme "História da Inglaterra" que teve imenso
sucesso editorial (REALE e ANTISERI, 1990).
Hume, como os demais empiristas, defendia que a única fonte de idéias em nossa mente eram os
sentidos. Aquelas percepções mais próximas no tempo e no espaço formam as impressões, que possuem
mais força e vivacidade. Quando essas impressões não possuem mais as percepções para lhes garantir a
força, se tornam idéias guardadas na memória, mais fracas e tênues. Além disso, a mente humana liga
idéias vindas da percepção e cria seres imaginários. A alma humana é apenas o conjunto dessas
impressões e idéias e, uma vez que cessa a atividade dos sentidos, cessa a alma.
Na opinião de Hume, nossa mente tem por hábito criar relações entre fenômenos observados, isto é,
estabelece uma relação que não está no fato em si, mas apenas na nossa disposição em vê-los assim. A
relação de causalidade - básica para a ciência - é uma construção mental, não a apreensão da realidade.
Todo conhecimento é conjetural, uma interpretação que a mente humana realiza sobre os fenômenos
individuais que observa. (HUME, 1980) (JONES, 2002).
Alguns iluministas franceses foram influenciados pelo pensamento empírico, em especial, as idéias
políticas. Os iluministas compartilhavam uma crença no poder da razão humana como solução para os
problemas do homem e da sociedade; empenharam-se em defender a universalização do saber - é o caso
da elaboração da "enciclopédia" por D'Alembert e Diderot -; criticaram o absolutismo; veneravam a
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Introdução à Filosofia Aula 05
ciência como a expressão máxima da verdade; criticaram a tradição; eram otimistas utópicos que
acreditavam no progresso irreversível da humanidade.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi, ao mesmo tempo, iluminista e precursor do romantismo. Foi um
teórico do contrato social, mas via a sociedade como resultado da desigualdade que nasce do
aparecimento da propriedade privada. Pregava, dentro do espírito romântico, uma volta à natureza e
uma crítica ao progresso científico e técnico.
Como você estudou, Razão e Sentidos travam uma batalha no século XVII. Nesta batalha não houve um
vencedor, mas sim vencedores. Muitas outras linhas de pensamento tiveram ali, a sua origem.
O criticismo de Kant: a tentativa de superação
Criador de um dos mais importantes sistemas filosóficos do século XVIII, Immanuel Kant (1724-1804)
nasceu em Königsberg, de família humilde pertencente à seita protestante pietista, de grande rigor
religioso. A figura da mãe foi de enorme influência na vida do pensador; mulher de pouca cultura formal,
Regina Reuter instigou o comportamento reto e a admiração ao saber que Kant levaria por toda sua vida.
Estudou na universidade da cidade natal, onde se formou em 1747, ano no qual teve que interromper os
estudos de titulação que lhe fariam professor universitário; a razão foi a necessidade de sobreviver - o
que conseguiu como preceptor de filhos de famílias ricas. Somente em 1755, alcança o doutorado e ser
livre-docente na Universidade de Königsberg. O período na livre docência também não foi fácil, pois essa
era paga conforme o número de alunos e de turmas; Kant, somente em 1770, passou em concurso para
professor ordinário (já havia concorrido em 1758, mas se recusava a fazer política carreirista, o que
resultou na perda da vaga), o que lhe garantiu certa tranqüilidade.
Entre 1770 e 1781, Kant prepara seu sistema filosófico, o que culmina com o aparecimento de sua
grande obra, Crítica da Razão Pura (1781), a primeira das críticas a que se seguem, Crítica da Razão
Prática (1788) e Crítica do Juízo (1790). Em 1794, Kant é proibido de expressar suas opiniões sobre a
religião; não se retrata, mas não aborda mais o assunto. Morre em 1804.
39
Introdução à Filosofia Aula 05
Segundo Kant, a intuição sensível nos fornece os fenômenos indeterminados, o que por si mesmo não
constitui conhecimento, dado serem percepções específicas sem traços de universalidade e necessidade.
O conhecimento somente se constitui pela organização dos dados da intuição sensível por um elemento a
priori que lhes dá forma e ordem. Esta estrutura racional ordenadora é uma lógica do entendimento e é
vazia em si mesma, sem conteúdo. Sua função é objetivar o dado sensorial fornecendo a síntese (união)
entre o particular sensorial e a universalidade da estrutura a priori que permite a própria constituição do
conhecimento. Tanto espaço e tempo – formas a priori da intuição sensível que ordenam os fenômenos
percebidos – quanto as categorias – conceitos puros que permitem a ligação dos fenômenos –
constituem, ao mesmo tempo, o modo próprio daquele que conhece e o objeto conhecido.
Os principais objetos de estudo da metafísica são Deus, a alma e a liberdade; esses objetos não podem
ser conhecidos pela razão, pois estão além de seus limites (KANT, 1985).
A conclusão de que Deus não pode ser conhecido pela razão humana, sem nenhuma referência ao mundo
da experiência, não fez Kant, um crente fervoroso, renunciar suas crenças. Em seu livro "Crítica da razão
prática", Kant argumenta que a razão, quando se refere ao agir, deve pressupor a existência da
liberdade, da alma e de Deus, sob pena de não possuir critérios para determinar o comportamento, a
responsabilidade e a punição.
Quanto ao critério de ação, Kant elaborou uma ética de cunho formal. Pretendia uma lei moral tão firme e
rígida como as leis da física. A ação só deve ser realizada se for possível imaginá-la universal, pois isso
determina o que é bom em si mesmo e não é apenas agradável. "Age sempre de maneira que fosse seu
desejo que todos assim o fizessem"; essa é a máxima de Kant, o imperativo categórico (KANT, [198-],
2002).
Que tal uma parada para reflexão? Antes de prosseguir, realize os exercícios.
41
Introdução à Filosofia Aula 06
Aula 06 - A Filosofia Contemporânea
Mutabilidade, diversidade, secularização, ativismo, historicidade, criticismo... A filosofia da
contemporaneidade assume as características do mundo presente. Afinal, ela está ligada a vida.
Contextualização: resumo da ópera contemporânea
A filosofia contemporânea corresponde ao pensamento produzido a partir do século XIX. Uma série de
acontecimentos políticos determinam essa época: a Revolução Francesa; o aparecimento de diversos
países europeus, como Itália, Alemanha, Bélgica, Polônia, Irlanda, etc.; a independência dos países
latino-americanos no século XIX e dos países africanos e asiáticos no século XX; o colonialismo tardio no
séc. XIX e seu declínio no séc. XX; a ascensão e posterior queda do poderio europeu no mundo; duas
guerras mundiais; o período de bipolarização política entre Estados Unidos e União Soviética; a derrocada
do mundo socialista; a predominância do poder norte-americano; a nova ascensão do poder europeu,
agora unificado. Sem falar no crescente e cada vez mais forte processo de interdependência mundial
chamado por alguns de "globalização" e por outros de "mundialização". A mídia assume as mais diversas
formas e atinge um número de pessoas inimaginável até então. Em conjunto com um processo de
massificação de diversos traços culturais, há também a afirmação do específico cultural, além de uma
perspectiva, cada vez mais forte, de tendências fundamentalistas em questões religiosas.
As principais escolas filosóficas contemporâneas e alguns de seus representantes são:
• o materialismo dialético (Marx, Engels);
• o existencialismo (Kierkegaard, Sartre);
• o positivismo (Comte, Stuart Mill);
• a fenomenologia (Husserl, Heidegger);
42
Introdução à Filosofia Aula 06
• o pragmatismo (Peirce, James);
• o positivismo lógico (Carnap);
• a filosofia analítica de linguagem artificial (Wittgenstein, Ayer) e de linguagem ordinária
(Wittgenstein, Austin);
• o neotomismo (Maritain, Gilson);
• o neomarxismo ou Escola de Frankfurt (Adorno, Habermas).
O grande número de perspectivas filosóficas exemplifica a pluralidade, o não-dogmatismo e a diversidade
do pensamento contemporâneo. Mas, para que você possa assimilar tantas mudanças, os principais
pensadores foram organizados por século.
O século XIX
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1830) foi o principal
representante do idealismo alemão. Foi personagem conhecida no
mundo cultural alemão, apesar do hermetismo de suas aulas e
escritos. Diversos alunos e ouvintes acorriam às suas aulas na
Universidade de Berlim.
Hegel criticava a idéia de Kant segundo a qual temos acesso ao
fenômeno, mas não temos acesso ao númeno, a coisa em si. Para Hegel, não podemos nem mesmo
afirmar a existência da coisa em si; nosso conhecimento se resume às idéias em nossa mente, em nossa
consciência.
Na filosofia de Hegel tudo que é racional é real e tudo que é real é racional, isto é, não há separação,
como em Kant, das esferas teórica e prática. Há uma identidade entre o pensamento e a realidade; as
regras do pensar são também as regras do mundo. Essas regras são regidas pelo princípio de
contradição, que afirma que nada é idêntico a si mesmo e tudo se subordina à afirmação e à negação; é
a dialética hegeliana que se mostra como princípio de ordenação do mundo material, da história da
humanidade e, principalmente, como processo pelo qual o Espírito (Deus) se desenvolve e se mostra.
Assim, Hegel vê sua época - em todos os seus aspectos econômicos, políticos, religiosos, artísticos,
científicos e filosóficos - como o momento de culminância do processo dialético de desenvolvimento do
Espírito; dessa posição, Hegel advogava o "fim da história", no sentido de que a partir de então, nada
mais haveria de relevante a ser revelado. Coincidentemente ou não, sua filosofia foi o último sistema
filosófico da história produzido por um único pensador (REALE e ANTISERI, 1990). Hegel teve seus
críticos ferrenhos, que em especial discordaram da subordinação do indivíduo ao todo, ao universal.
43
Introdução à Filosofia Aula 06
Arthur Schopenhauer (1788-1860) afirmava a predominância da
vontade sobre a realidade. Filósofo pessimista, afirmava que tudo o
que é tido como bom, belo e agradável não passa de ilusão, por isso
nunca atingimos a felicidade.
Outro crítico de do sistema filosófico hegeliano foi o dinamarquês Sören
Kierkegaard (1813-1855). Kierkegaard é considerado o pai do
existencialismo, pois, frente à idéia do todo universal contrapõe o conceito
de existência. O que é primário para todo ser é sua existência e é nela que
o indivíduo de define. A existência, Kierkegaard a define como a
subjetividade derivada da escolha. Assim, no pensamento do dinamarquês
é correto se referir aos existentes com suas existências deliberativas, e
não à “existência” em si mesma. Não há essência do ser humano; ela é construção existencial de cada
indivíduo, que faz a si mesmo durante sua vida. Extremamente religioso e ácido crítico da estrutura da
Igreja Luterana da Dinamarca - Kierkegaard a acusava de ter traído o espírito do Cristianismo ao se aliar
à teologia de cunho hegeliano -, o filósofo dinamarquês percebeu o quanto a posição única da existência
do indivíduo causa angústia e desespero. A solução seria o salto no absurdo da fé, que possui princípios
incompreensíveis à razão (KIERKEGAARD, 1979a, 1979b).
Crítico tardio de Hegel e de Schopenhauer, Friedrich Nietzsche (1844-
1900) é um dos pensadores mais instigadores da atualidade. Grande
estudioso da Antigüidade Grega, Nietzsche foi, apesar de alemão,
crítico da cultura germânica e da religião, em especial da cristã. Seus
escritos não possuem estilo sistemático argumentativo. Os homens
fracos e incapazes se defendem frente àqueles que são superiores por
meio de duas armas poderosas: a moral e a religião. Assim como
todas as grandes religiões, o Cristianismo prega uma moral de cordeiros onde os medíocres - a maioria
das pessoas - oprimem aos superiores; os pobres, fracos e humildes merecem tudo e aos fortes,
orgulhosos e aristocráticos é reservada a condenação.
Nietzsche prega o advento do super-homem, aquele que é senhor de sua própria vontade, criador de sua
própria moral. Uma vez que "Deus está morto", somente aquele que é superior aos demais tem a
capacidade de assumir sua vontade, até então aprisionada. Esse homem está "além do bem e do mal",
porque não é mais a sociedade que lhe impõe o certo e o errado, mas é ele que cria as virtudes
necessárias a sua vida (NIETZSCHE, 1992).
A outra vertente, descendente histórica da atitude empirista contrária à
perspectiva racionalista, é o positivismo. Tem como seu mais conhecido
representante o francês Auguste Comte (1798-1856), cuja filosofia
muito influenciou o pensamento e a história do Brasil. Para Comte e os
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Introdução à Filosofia Aula 06
positivistas, somente a observação é fonte de conhecimento científico e todos os demais conhecimentos
não passam de ilusão.
O termo "metafísica" adquire uma conotação pejorativa dentro do positivismo, fruto da crítica ao
conhecimento humano nascida com a modernidade.
O positivismo defendia a idéia de progresso contínuo e irreversível da humanidade, cuja face mais visível
era o desenvolvimento da ciência e da técnica.
Para Comte, as civilizações passam por três fases de desenvolvimento:
• a primeira, associada a infância de uma criança, é a fase mítica ou religiosa , onde as explicações
ocorrem sempre com referências às divindades;
• a segunda, a juventude, encontra-se a fase metafísica, onde princípios abstratos e não materiais
são indicados como respostas aos acontecimentos;
• a última é a maturidade, a fase científica, onde tudo é explicado pela observação e referência aos
fenômenos.
Assim como a física tinha a função de explicar o mundo físico, uma disciplina própria deveria cuidar do
mundo social, que deveria ser explicado por leis similares às das ciências naturais. Era a física social,
dividida em estática social e dinâmica social. A primeira tratava da ordem social e a outra do progresso
social; " ordem e progresso " era o lema dos positivistas (ARON, 1987).
Em razão de suas idéias republicanas, Comte foi expulso da Escola
Politécnica de Paris e começou a dar aulas particulares em casa; entre
seus primeiros alunos já havia brasileiros que estudavam na capital
francesa, centro cultural e de formação da elite brasileira. Isto explica o
início de uma longa e duradoura influência do positivismo no
pensamento político e filosófico brasileiro.
A exposição do pensamento no século XIX não estaria completa sem a apresentação do pensamento do
alemão Karl Marx (1818-1883). Marx era filho de advogado que, obrigado a escolher entre poder exercer
a profissão ou permanecer judeu, se "converteu" ao protestantismo. Marx estudou na Universidade de
Berlim, onde se formou em 1841, com uma tese sobre Demócrito e Epicuro; no mesmo ano começou a
trabalhar como jornalista no jornal "Gazeta Renana", do qual se tornaria editor, mas que foi logo fechado
pelo governo. Nessa época, Marx toma contato com as idéias de Ludwig Feuerbach (1804-1872), de
quem assumirá a posição de que não é Deus que cria os homens, mas os homens é que criam Deus.
45
Introdução à Filosofia Aula 06
Em 1843 vai para Paris, onde conhece Friedrich Engels (1820-1895),
filho de industrial que havia, também após a leitura de Feuerbach,
abandonado o idealismo hegeliano e abraçado o materialismo. Engels
se tornaria - mesmo após a péssima impressão que deixou em Marx
no primeiro encontro dos dois - o amigo e colaborador de Marx até o
fim da vida desse; os dois escreveram juntos o " Manifesto Comunista
", pequena obra que sintetizava a visão de mundo dos dois.
Em 1845, Marx foi expulso da França e se refugia na Bélgica, de onde sairia em 1848 de volta a Colônia
para fundar um novo jornal; a passagem foi rápida, pois o jornal foi fechado e Marx tentou voltar a
França, onde sua entrada foi barrada. Em 1849, chega a Inglaterra e se estabelece em Londres, onde
vive até sua morte) (REALE e ANTISERI, 1990).
Marx tem uma posição ímpar dentro do pensamento do século XIX. Ao mesmo tempo que nega o
hegelianismo - afirmando que não há o Espírito, somente a matéria -, mantém do pensamento de Hegel
o esquema dialético de desenvolvimento da matéria e da humanidade. A luta de classes, na filosofia de
Marx, desempenha o papel visível de contraposição dos contrários que resulta em uma situação síntese
que conterá dentro de si mesma sua contradição. A filosofia dentro da perspectiva marxista possui a
função de incitar a mudança; não basta entender o mundo, é necessário modificá-lo (MARX, [198-]).
Em consonância com o positivismo, Marx assume a crença no progresso inevitável da humanidade. As
leis dialéticas são leis da matéria e por isso mesmo, determinantes de uma mudança contínua. A situação
do modo de produção capitalista produz as condições para superação desse mesmo sistema, pois o
capitalista maximiza os lucros através da exploração do trabalho do proletariado, mas isso tem um limite
na capacidade física do trabalhador. O capitalismo aumenta a produção e os lucros maximizando a
técnica, que exige cada vez menos trabalho assalariado, aumentando a produtividade. Ao mesmo tempo,
desemprega uma massa de trabalhadores que não terá renda para consumir, o que leva a crises
sucessivas de excesso de produção. Nesse momento, o proletariado assume o poder, preparando o
caminho para a sociedade comunista, onde cada um receberia conforme suas necessidades e contribuiria
conforme suas capacidades (MARX; ENGELS, [198-]).
A influência das idéias de Marx na política foi imensa, forjando parte da história do século XX e
produzindo o ordenamento mundial atual.
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Introdução à Filosofia Aula 06
O século XX
No século XX temos uma pluralidade de perspectivas filosóficas. Veja as principais:
Pragmatismo
De origem americana surgiu durante o século XIX, mas sua consolidação se deu no século XX. Os
principais representantes são Charles Sanders Peirce (1839-1914), William James (1842-1919) e John
Dewey (1859-1952). O pragmatismo é uma reação ao materialismo positivista que escolhe o caminho da
prática. O princípio básico é de que a verdade se define pelo critério da ação bem sucedida; o que dá
resultados determina a aceitação como verdadeiro. O pragmatismo afirma de maneira clara que o
método pragmático consiste no estudo de várias doutrinas do ponto de vista de suas conseqüências
práticas e seus resultados (REALE; ANTISERI, 1990).
Fenomenologia
Seu principal representante foi Edmund Husserl (1859-1938). Husserl argumenta que devemos
compreender os fenômenos como eles nos aparecem, independentes de suas relações.
A fenomenologia é o método privilegiado do existencialismo . Como dito anteriormente, Kierkegaard foi o
precursor do existencialismo, cujos principais representantes no séc. XX são: Martin Heidegger (1889-
1976), Karl Jaspers (1883-1969), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Gabriel Marcel (1887-1973) e Maurice
Merleau-Ponty (1908-1961). O existencialismo também chegou a influenciar a literatura, como no caso
de Albert Camus (1913-1960), ganhador do Nobel de 1957.
A filosofia de Heidegger é extremamente influente. É considerado um dos filósofos da "morte da
filosofia", pois dizia que a filosofia, como vinha sendo produzida desde Sócrates, não propiciaria a posse
da verdade – Nietzsche fazia a mesma crítica dizendo que a verdadeira filosofia era a dos pré-socráticos
– e a saída seria o retorno à linguagem poética, que seria a única a permitir a posse do ser (HEIDEGGER,
1979) (STEGMÜLLER, 1977).
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Introdução à Filosofia Aula 06
Sartre se tornou o mais popular filósofo do século XX. Dentro do
existencialismo e da fenomenologia, flertou com o marxismo soviético
e chinês; foi da Resistência na época da Segunda Guerra Mundial;
participou ativamente da política francesa do pós-guerra apoiando
sindicatos e greves; participou do movimento de estudantes de 1968;
escreveu romances e peças teatrais; foi agraciado com o Nobel de
literatura, mas recusou; viajou o mundo apoiando revoluções sociais.
O existencialismo de Sartre era ateu e sua filosofia pregava o controle da náusea e da angústia
inevitáveis ao se perceber que Deus não existe e que todos os atos são de inteira responsabilidade do
indivíduo, que não se reporta a nada para decidir sua existência e determinar sua própria essência
(REALE; ANTISERI, 1990) (SARTRE, 2004).
Neomarxistas
Os teóricos da Escola de Frankfurt recriaram em novos moldes a abordagem de Marx (teoria crítica), por
isso são chamados de neomarxistas. Não devemos confundir seu pensamento com os ditos marxistas,
que eram ideólogos do mundo soviético; o marxismo da Escola de Frankfurt não era aceito pela ortodoxia
dos países comunistas. Usando a teoria de Marx e dela fazendo uma mescla com outras doutrinas - por
exemplo a psicanálise -, esses teóricos desenvolveram uma crítica da sociedade de massas, da cultura,
das artes, da ciência e da razão instrumental ligada à técnica. Os seus componentes muitas vezes
participam de uma mesma tradição, mas têm posições contrárias em diversos pontos. Alguns deles são:
Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1979) e Jürgen
Habermas (1929-) (GEUSS, 1988 ).
Neopositivismo, ou positivismo lógico
Responsável por uma das revoluções do pensamento filosófico no século XX. Com ele a filosofia sofre o
que se convencionou chamar de " giro lingüístico ", determinando que a análise da linguagem se tornasse
a atividade primordial da filosofia.
Inspirados pelo livro "Tratado lógico-filosófico" de Ludwig Wittgenstein (1889-1952), um grupo de
intelectuais que compõem o chamado " Círculo de Viena ", estabelecem um critério de demarcação do
que é ou não científico: o critério de verificação . Esse critério estabelece que somente proposições
(sentenças) que possam ser reduzidas ao que é observacional possuem significado. Se uma proposição
não se verifica por observação, ela é destituída de sentido; sentenças não verificáveis são sentenças
metafísicas. Segundo os positivistas lógicos, somente são consideradas ciências aquelas áreas de
conhecimento, cujas sentenças são verificáveis. Além desse critério de verificação, que estabelecia uma
separação entre o que é e o que não é científico, os positivistas lógicos chamavam a atenção para o fato
de que a linguagem comum não seria adequada para o conhecimento científico; defendiam, então, que
somente uma linguagem artificial lógica e simbólica poderia tratar do conhecimento. O trabalho da
48
Introdução à Filosofia Aula 06
filosofia estaria resumido à análise da linguagem das ciências por meio da lógica simbólica. Era essa
linguagem que propiciaria a unificação das ciências, um ideal dos neopositivistas.
O projeto faliu; mesmo a física, modelo de ciência para os positivistas lógicos, possui proposições
metafísicas, que não podem ser verificadas. O ataque à metafísica, que começou no início do Período
Moderno, chegou a máxima carga e morreu, pois não conseguiu destruir seu alvo (STEGMÜLLER, 1977).
A preocupação do positivismo com a questão da demarcação científica era reflexo da extrema
importância que a ciência adquiriu dentro da sociedade ocidental. Em função desse interesse pelo
conhecimento científico, uma área específica da filosofia surgiu no século XX: a filosofia da ciência.
Karl Popper (1902-1994) assumiu a questão de determinar o que é ou
não ciência. Crítico do positivismo lógico, Popper defendeu um novo
critério de demarcação, que segundo ele, não estaria na verificação,
mas no caráter falsificável de uma teoria. Somente uma teoria que se
coloca à prova - dizendo exatamente o que admite ou não e como isso
pode ser testado - é tida como científica. Teorias que nunca podem
ser falsificadas são teorias metafísicas. Mas, ao contrário dos
positivistas lógicos, Popper não dizia que teorias metafísicas não possuíam sentido; eram plenas de
sentido e muitas vezes fonte de teorias científicas (POPPER, 1993, 1994).
Contudo, a partir das mesmas raízes do positivismo lógico, se estabeleceu uma das mais fecundas das
vertentes da filosofia atual. A filosofia analítica da linguagem, seja seguindo a tendência da linguagem
artificial ou da posterior tendência de estudo da linguagem comum (ordinária), tem também sua origem
no pensamento de Wittgenstein. Pode-se referir a Wittgenstein quando falamos da filosofia por ele
desenvolvida após a publicação do "Tratado lógico-filosófico", que tanto inspirou o Círculo de Viena.
Em sua segunda fase, Wittgenstein defende a idéia de que o trabalho da filosofia é o de análise da
linguagem comum; somos assombrados por fantasmas que nossa linguagem cria e a filosofia deve
exorcizá-los, isto é, a filosofia é terapia lingüística que revela os significados . Nós estamos inseridos em
diversos jogos de linguagem e somente por meio do contexto podemos apreender os significados
(STEGMÜLLER, 1977) (WITTGENSTEIN, 1987).
Nestas cinco primeiras aulas você estudou sobre a evolução do pensamento filosófico, do seu
primórdio até o século XX.
Nas próximas aulas você se dedicará a estudar; o que os filósofos denominam disciplinas filosóficas, ou
seja, grupos de pressupostos que contribuem para que seja possível olhar mais fundo a realidade.
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Introdução à Filosofia Aula 07
Aula 07 – As Disciplinas Filosóficas I
Nesta e na próxima aula você estudará o foco principal de cada uma das disciplinas filosóficas, bem como
os problemas e questionamentos respondidos por elas frente à realidade. Durante o curso você
aprofundará o conhecimento sobre elas. Mas o primeiro mergulho você dará agora.
A filosofia divide suas disciplinas em função dos problemas a que responde. São cinco as grandes áreas
de investigação da filosofia:
a metafísica;
a epistemologia, ou teoria do conhecimento;
a ética;
a filosofia política; e
a estética;
Dentro destas grandes áreas, que podem em si mesmas serem consideradas disciplinas filosóficas, temos
divisões em disciplinas mais específicas que tiveram sua delimitação estabelecida a partir do século XIX e
durante o século XX.
Veja um exemplo!
Dentro da epistemologia há a filosofia da ciência que, além da perspectiva geral que procura falar de
todas as ciências, pode se dividir em filosofia das ciências naturais, formais e sociais.
Estas divisões não tornam as disciplinas filosóficas estanques, pelo contrário, os problemas filosóficos se
encontram e se inter-relacionam, constituindo uma rede com diversos nós de ligação.
A metafísica, a epistemologia e a ética. Essas serão as três primeiras disciplinas que você estudará. Que
tal começar?
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Introdução à Filosofia Aula 07
A Metafísica
O aparecimento do termo "metafísica" ilustra o tipo de questionamento realizado no âmbito da própria
metafísica, a mais abstrata das disciplinas filosóficas, como você poderá ver a seguir:
Este termo é o título de uma das principais obras de Aristóteles, apesar do filósofo grego não o ter
utilizado. Andrônico de Rodes, organizador da obra completa de Aristóteles no século I a.C., ordenou os
livros na ordem alfabética grega, mas um problema se apresentou, pois o livro posterior à "Física" não
tinha nome. Andrônico o nomeou "o livro que vem depois da Física", em grego "tà metà tà fisicà"; daí
"metafísica". Aristóteles utilizava a expressão "filosofia primeira" para se referir à disciplina que hoje
denominamos metafísica. O nome dado por Andrônico veio a se tornar aceito, em especial porque o
termo se refere as coisas que estão além do que é físico. No caso de Aristóteles , a "filosofia primeira",
ou metafísica, seria a área da filosofia que abordaria as causas primeiras de toda a existência, o ser em si
mesmo, que Aristóteles identificava com Deus. Em sua perspectiva, a metafísica equivalia a uma
teodiceia, uma ciência de Deus, a primeira causa incausada de toda existência.
De maneira introdutória pode-se dizer que a metafísica trata dos problemas do ser e da existência. O que
existe? O que define a existência específica de algo e do todo? Que tipo de existência pode-se advogar da
essência das coisas? Existem causas e quais? O que é necessário e o que é contingente? Todas estas são
questões metafísicas. (ARISTÓTELES, 1984).
Como dito acima, Aristóteles já igualava o estudo metafísico ao estudo de Deus e essa tem sido uma
preocupação constante dentro da filosofia. Desde a Antigüidade, os filósofos têm se perguntado pela
possibilidade da existência ou não de uma entidade supra-natural, criadora ou co-eterna com o mundo.
Muitos ao longo do tempo desenvolveram argumentos favoráveis à crença na existência de Deus. Os
argumentos elaborados utilizam inúmeras abordagens, observe:
• Platão chegou a identificar as idéias do Belo e do Bom com Deus e negou as divindades gregas
como representativas da Divindade verdadeira (PLATÃO, 2001);
• Aristóteles falava de uma causa primeira, dentre todas as causas observadas, que ele identificou
como uma divindade co-eterna ao universo (ARISTÓTELES, 1984);
• Santo Tomás de Aquino desenvolveu os argumentos de Aristóteles dentro de uma perspectiva
cristã, o que ficou conhecido como as "cinco vias" sobre a existência de Deus (AQUINO, 2002);
51
Introdução à Filosofia Aula 07
• Santo Agostinho, santo Anselmo e Descartes desenvolveram um argumento – chamado de
ontológico – que afirmava a existência de Deus a partir da própria idéia de Deus (AGOSTINHO,
1984) (ANSELMO, 1979) (DESCARTES, 1979);
• Pascal, à época de Descartes, desenvolveu um argumento baseado na maior probabilidade de
acerto da crença na existência de Deus (PASCAL, 1973);
• Kant afirmou a necessidade moral da crença em Deus, sem a qual nenhuma vida moral poderia
se constituir (KANT, [198-], 2002);
• Richard Swinburne - filósofo britânico da contemporaneidade - inspirado no argumento de Pascal
utiliza um teorema da probabilidade-estatística (teorema de Bayes) para advogar a racionalidade
da crença em um Deus pessoal, em especial o do Cristianismo (SWINBURNE, 1998);
A razão da existência pessoal e da existência como um todo, também é um problema metafísico e com
reflexos imediatos para o nosso viver cotidiano, como por exemplo, os objetivos que você traça em sua
vida e as ações que realiza para alcançá-los. Em especial este problema se coloca quando o homem se
defronta com condição mortal. A morte apressa as questões acerca do significado da vida, além da
definição de que é algo bom ou ruim.
Procurar sentido no que fazemos pode estar nos desejos pessoais, nas preocupações sociais, ou em algo
fora desse mundo.
Alguns filósofos argumentam que não há sentido na existência pessoal, que se daria pelo acaso e
demandaria a produção livre e pessoal de um significado, sob pena de se admitir até mesmo o suicídio
como resposta à falta de significado da existência. Outros dirão que mesmo que se produza significado,
este é apenas subjetivo, pois o universo demonstra uma indiferença constante à existência e ao que o ser
humano produz, já que tudo será consumido pelo tempo e desaparecerá para sempre, mesmo as
lembranças que tenham de nós e de nossas ações. Talvez o ser humano não devesse se preocupar tanto
com sua existência como um ser único, achando que ele é especial (NAGEL, 2001, 2004).
Antes de continuar dê uma parada e leia a poesia de Fernando Pessoa, denominada O Mistério das
Cousas, ela possibilitará a reflexão sobre o que você estudou.
52
Introdução à Filosofia Aula 07
Epistemologia
O termo "epistemologia" é utilizado para se referir às questões do conhecimento dentro da tradição
filosófica anglo-americana; os franceses usam o termo para se referir ao que ingleses e americanos
chamam de "filosofia da ciência", área específica dentro da epistemologia.
A epistemologia, ou teoria do conhecimento, trata de todas as questões acerca do conhecimento
humano: como procede; de onde parte; seus limites; seus tipos.
Ao procurar conhecimento, pretende-se encontrar crenças verdadeiras justificadas. Dentro desta
definição encontram-se dois conceitos que devem ser clarificados: verdade e justificação.
Apesar dos conceitos de verdade e justificação serem intuitivos e estarem presentes no uso cotidiano, só
quando se tenta definí-los é que se percebe como são de difícil definição.
Existem diversas "teorias da verdade", em outras palavras, teorias que definem o que é a verdade.
Dentre elas temos a mais comum, que podemos chamar de "teoria da correspondência" ou "teoria
especular". O termo "especular" se refere a espelho, pois supõe que os conhecimentos que cada pessoa
possui se espelham a realidade ou correspondem ao mundo como ele é. Assim, verdadeira é a crença que
reproduz a estrutura do mundo e falsa é a crença que não reflete esta estrutura.
Uma outra teoria, mais nova, é a pragmatista. Segundo esta teoria, a verdade é uma característica
provisória das crenças, ou seja, enquanto estas produzem o resultado esperado em termos de finalidades
práticas, elas sustentam o status de verdadeiras. Esta posição está freqüentemente ligada ao
instrumentalismo em ciência, que percebe as teorias científicas como instrumentos de manipulação da
realidade que podem ser substituídos.
Quanto à justificação, sua definição está ligada ao tipo de conhecimento que se pretende advogar, o
procedimento necessário para atingi-lo e as evidências relevantes.
53
Introdução à Filosofia Aula 07
Veja uma explicação!
Se o que pretendo provar é um teorema matemático, o procedimento de justificação se resume ao
conjunto de regras lógicas de demonstração e não necessito de evidência além do próprio cálculo lógico.
O mesmo não acontece se a crença que pretendo justificar é a de que determinado vírus é o causador de
uma doença específica; neste caso preciso de evidência observacional que deverá ser coletada,
mensurada e relacionada com os efeitos que pretendo explicar.
Ao tentar defender a existência da mente como algo imaterial a justificativa deverá possuir não só uma
argumentação logicamente correta, mas também apresentar fatos plausíveis e não contraditórios em
defesa do que se pretende afirmar como verdade.
A plausibilidade dos fatos aventados e das crenças deve obedecer também ao critério de coerência. A
exigência de coerência é a necessidade de que o conjunto de nossas crenças não inclua crenças
contraditórias.
Observe este exemplo!
Se você acreditar que a livre circulação de idéias é essencial para uma democracia saudável, seria
incoerente defender o controle da imprensa ou dos conteúdos ensinados em nível universitário. As duas
crenças, apesar de incoerentes, podem até mesmo conviver em um indivíduo, mas suas posições serão
facilmente desmontadas por um analista mais perspicaz.
Todas estas características dizem respeito ao conhecimento de maneira geral, mas há uma área
específica da epistemologia que se consolidou no passar dos séculos XIX e XX: a filosofia da ciência.
O conhecimento científico, em especial o das ciências naturais, se desenvolveu enormemente a partir do
início da modernidade com a Revolução Científica e a Revolução Industrial, tributária da primeira. A
ciência se tornou, durante o século XIX e ainda hoje para alguns, o conhecimento privilegiado. A ciência
tem uma enorme importância na sociedade de hoje, o que pode ser apreciado ao notar o grande
interesse e dependência que se possui das questões científicas e tecnológicas. Aos filósofos interessam
indagar o que caracteriza o conhecimento científico, seu método ou métodos, suas teorias e a realidade
da qual pretende falar.
54
Introdução à Filosofia Aula 07
É bom lembrar que o problema da demarcação do que é ou não conhecimento científico vem desde o
início dos questionamentos em filosofia da ciência e está ligado à questão do progresso da ciência.
Como você estudou na aula anterior, que no século XIX, os positivistas viam como científico apenas o
conhecimento derivado da observação, em especial através do método indutivo que geraria teorias a
partir da observação sistemática de fenômenos de uma mesma classe. Esta percepção de ciência é
retomada pelo empirismo lógico do “Círculo de Viena” que reafirmou a falta de significado de qualquer
discurso que não possa ser reduzido à observação. Popper recusou a indução como método seguro de
geração de teorias científicas, afirmou que ciência não se define pela confirmação empírica, mas pela
proposição de hipóteses que podem ser testadas e falsificadas. Teorias científicas se caracterizam por
poderem ser refutadas, isto é, se mostrarem falsas por teste de conseqüências e serem substituídas por
outras que sejam mais verossimilhantes que as anteriores.
Qualquer afirmação de progresso científico foi negada pelo trabalho de Thomas Kuhn ao contrapor a idéia
de paradigmas dependentes da percepção da comunidade científica. Segundo ele, não haveria progresso,
apenas substituição de teorias predominantes por outras por meio de um processo revolucionário que
não daria margem a qualquer comparação entre os paradigmas que seriam incomensuráveis.
É importante ressaltar ainda, uma das posições mais radicais contra as convicções realistas do
conhecimento: o ceticismo.
O cético é um terrorista do conhecimento que pretende deixar em escombros o edifício do conhecimento.
A metáfora do edifício do conhecimento foi utilizada por Descartes em sua obra "Discurso do Método",
onde pretendia se defender dos argumentos céticos. O cético chama atenção para o fato de que
constantemente o ser humano erra: nosso raciocínio se mostra errado, somos enganados pelos sentidos,
confundimos sonho e realidade, e nossas teorias estão permanentemente se mostrando falhas. Em suma,
não podemos dar crédito às nossas percepções e crenças, pois não possuímos garantia alguma da
correção delas; no máximo podemos afirmar que temos opiniões acerca do mundo, nunca conhecimento
de como ele realmente é.
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Introdução à Filosofia Aula 07
Ética
Os problemas éticos, assim como os políticos, são os que mais se relacionam com o nosso dia-a-dia. Eles
permeiam as relações na família, na escola, na universidade, nos partidos políticos e no trabalho. As
questões éticas são relativas ao agir humano. O que é certo fazer? O que não devemos fazer? Qual ou
quais são as fontes da moralidade? Há alguma relação entre o certo e o útil? A felicidade pessoal é a
justificativa final das ações humanas?
Além das questões éticas de cunho geral referidas acima, existem as questões mais específicas, relativas
à época em que se vive, em especial aquelas que dizem respeito à vida.
Veja estes exemplos!
O aborto poderia ser eticamente justificado? A eutanásia não seria apenas um assassinato? Pode-se
realizar pesquisas com células-tronco embrionárias?
Estas questões estão em ligação imediata com a concepção de ser humano. A moral tradicional e as
religiões tentam respondê-las, mas como as concepções morais são variadas e as religiões são muitas, e
normalmente as respostas não coincidem, o papel da filosofia se mostra primordial, pois com o uso da
nossa capacidade racional comum pode-se tentar o acordo.
A variedade e contraposição das perspectivas nos fazem chegar à concepção ética mais comum, mas que
é combatida desde a Antigüidade como sendo o fim de qualquer moralidade: o relativismo moral. A
percepção de que existem variadas concepções morais que variam com o tempo, o lugar e os grupos é a
base do relativismo moral.
Ao se prestar atenção à história da humanidade percebe-se como os diferentes povos e civilizações
possuíam concepções contraditórias acerca do certo e do errado; quando se observa as sociedades hoje
existentes, pode-se notar que a percepção do bem e do mal também varia muito. A conclusão destas
observações para o relativista moral é a de que a norma moral depende da sociedade em que se vive; o
que é certo é aquele tipo de ação que a sociedade procura incentivar ou toma como normal, e o que é
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Introdução à Filosofia Aula 07
errado é a ação que aquela sociedade tenta coibir. Deste modo, para o relativista moral não podemos
condenar moralmente as ações de determinado povo, pois este está simplesmente fazendo aquilo que
pensa estar certo. Qualquer tipo de repreensão moral seria derivada de uma atitude etnocêntrica. A
posição chamada "subjetivismo moral" é uma derivação do relativismo, pois defende que o certo e o
errado são relativos ao sujeito, isto é, é aquilo que o indivíduo toma como o melhor e o pior para ele
(SINGER, 2002).
As posições relativistas vêm desde a Antigüidade. Alguns de seus mais famosos representantes foram os
sofistas, na Grécia Antiga, e Montaigne, no início do Período Moderno. A critica ao relativismo também é
tão antiga quanto seus representantes. Sócrates constituiu seu pensamento na luta contra as posições
céticas e relativistas dos sofistas, assim como Platão. Em seus diálogos, Platão mostrava sua indignação
e a de seu mestre contra o relativismo moral dos sofistas e de parte da concepção popular grega. Os dois
afirmaram o caráter objetivo das respostas éticas às questões do bem e do mal, argumentando por uma
diferença entre o costume dos povos e o certo e o errado; o agir pode ser resultado da tradição de um
povo, mas necessariamente não é, por isso, o correto eticamente (PLATÃO, [199-]).
Há uma coincidência nas diversas respostas dadas ao relativismo moral, mesmo quando estas respostas
não derivam teorias éticas comuns. Platão, Aristóteles, os filósofos cristãos da Idade Média, os
racionalistas modernos, os empiristas, os utilitaristas, Kant e diversos outros pensadores não coincidiram
em suas propostas de uma teoria ética definidora do certo e do errado no agir humano, mas todos eles
coincidiram em suas críticas ao relativismo e na possibilidade de chegarmos racionalmente ao que
usualmente chamamos de "regra áurea", uma norma moral universal. Nisto estão ao lado das maiores
tradições religiosas da história da humanidade (SINGER, 2002).
As críticas ao relativismo e ao subjetivismo estão centradas na idéia da impossibilidade de crítica
moral, de educação moral e reforma social ao admitirmos a posição relativista. Segundo os críticos do
relativismo, basta que você se pergunte quais seriam as razões para condenar um ato em um grupo
social diferente do seu ou em um subgrupo social da sociedade em que se está inserido.
Como, por exemplo...
Posso condenar um ato terrorista se esta pode ser uma ação vista como correta dentro do grupo ao qual
o terrorista pertence? Olhe para os inúmeros subgrupos dentro da sociedade em que você vive. Se em
um destes subgrupos a prática religiosa é diferente da maioria da sociedade, ela teria que ser condenada
como errada? Quanto à educação moral das pessoas e de seus filhos, educadores e pais ensinam dizendo
"faça como a sociedade faz"? Preste atenção à sociedade onde vive. Você aprovaria tudo o que
usualmente ocorre nela? Como você poderia, sendo um relativista, pregar qualquer tipo de mudança nas
práticas sociais se elas são aprovadas pela maioria? Mais ainda: como relativista, você não teria razões
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Introdução à Filosofia Aula 07
para contestar qualquer mudança de prática social aprovada pela maioria que viesse a prejudica-lo, pois
o certo é o que a maior parte da sociedade toma como certo. Basta fazer referência às práticas racistas,
sexistas e de preconceito religioso dentro das sociedades.
No caso do subjetivismo ético, os problemas se repetem. Imagine você se o certo e o errado fossem os
objetos do desejo dos indivíduos. A responsabilidade moral, assim como a imputação de culpa, não
poderiam ocorrer dentro da sociedade. Novamente, como pais e educadores agem? Dizem a seus filhos e
alunos "façam o que desejam"? A idéia de educação moral está justamente baseada no controle dos
desejos subjetivos. Como bem disse Thomas Hobbes, se esta é a natureza egoística do homem, o estado
da natureza é a guerra de todos contra todos (HOBBES, 1979).
Há uma tentativa, com base no pensamento de Kant, de controlar o subjetivismo. Esta teoria faz
referência ao conceito de "observador ideal". Um dos principais pensadores contemporâneos que advoga
esta posição teórica foi o filósofo americano John Rawls em seu livro "Uma teoria da Justiça". Ao decidir
sobre a ação, o indivíduo deve se colocar na posição de um observador ideal que procuraria ter o máximo
conhecimento possível sobre a ação a ser realizada – inclusive as possíveis conseqüências – e procurar
agir com total imparcialidade nas ações, isto é, levando os interesses de todas as pessoas – incluso ele
próprio – igualmente em consideração (RAWLS, 2002 ). Uma das críticas a esta posição está ligada à
exigência de total imparcialidade. Imagine. Você levaria igualmente em consideração os interesses de
seus familiares e de um desconhecido?
Isso pode ser interessante teoricamente, mas difícil na prática. Você não acha?
A questão que se mostraria mais central, dadas as conseqüências para a possibilidade de uma ética é a
questão do livre-arbítrio. Os seres humanos são efetivamente livres ao tomarem uma decisão ou isto não
passa de uma ilusão? Toda nossa ação cotidiana e tomada em sociedade está baseada na crença que se
possui no livre-arbítrio. Ao chamar atenção para ações humanas que estariam certas ou erradas; louva-
se ou condena-se as próprias as ações e a dos outros; recompensa-se ou pune os atos realizados.
Diversos autores defenderam o determinismo como a posição teórica mais apropriada ao nosso
conhecimento sobre o mundo e sobre o ser humano. Como o próprio nome já indica, o determinismo
defende que todas as ações no mundo estão determinadas por causas anteriores a elas, incluso as ações
humanas.
A liberdade humana deve ter como característica básica a autonomia na escolha. Em algum momento
nossa capacidade de decisão ou nossa vontade devem poder escolher sem nenhum constrangimento,
sem nada que as determine.
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Introdução à Filosofia Aula 07
Mas será isso possível? Pense em você!
Quando decidiu por fazer este curso, você não foi influenciado por nada a tomar esta decisão? Se algo
como a sua formação familiar, suas condições econômicas ou suas necessidades psicológicas tivessem
sido diferentes, você poderia afirmar que faria o mesmo?
Quando o ser humano age assim, esta sujeito às habilidades biológicas inatas, aos valores instruídos pela
família, aos preceitos e noções sociais em nós inseridos pelo grupo, às condições econômicas impostas
pelos modos de produção e até mesmo aos inúmeros e desconhecidos fatores inconscientes que
possuímos.
Há uma conseqüência do determinismo para a noção de "responsabilidade moral" que acompanha a
noção de "livre-arbítrio".
Observe!
Se o ser humano é livre, ao condenar alguém por fazer algo errado, o que se esta fazendo é dizer que se
você estivesse em sua posição não faria o mesmo. Se o indivíduo é livre para agir, então tem
responsabilidade por suas ações. Mas se o indivíduo não é livre, como defende o determinismo, então ele
não possui responsabilidade moral sobre o que faz. Como poderia justificar uma punição por seus atos?
Como poderia premiar e enaltecer suas ações, já que ele simplesmente fez o que fez determinado por
causas anteriores? Este seria um resultado socialmente perverso do determinismo e alguns diriam que é
motivo racional suficiente para se recusar o determinismo e admitir o livre-arbítrio.
A resposta de alguns deterministas torna o problema mais complexo e perturbador. Segundo eles pode-
se continuar premiando e punindo as pessoas, não porque elas tenham algum tipo de responsabilidade
moral pelo que fazem, mas porque o prêmio e a punição servirão como mais um fator causal para que
elas e as outras que vêem o fato o realizem ou não o cometam de novo. Em outras palavras, punir e
louvar serve para condicionar as pessoas a determinados comportamentos.
A recusa do determinismo e do relativismo permitirá o desenvolvimento de inúmeras teorias éticas que
procurarão responder à questão do que é certo fazer. O conceito de "virtude" será básico para inúmeras
teorias éticas ao longo do tempo e por isso mesmo variará dentro de cada uma. A principal teoria ética
das virtudes é a de Aristóteles , que via a ética como uma ciência prática. Como ciência prática ela não
possui a precisão do conhecimento que se obtêm da natureza, mas é um indicativo e uma disciplina
norteadora da ação humana.
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Introdução à Filosofia Aula 07
Para Aristóteles, a virtude é uma ação entre ações extremadas pela falta e pelo exagero; a virtude é uma
ação entre dois extremos, como por exemplo, a coragem é a ação virtuosa entre aquela que erra pela
falta – a covardia, que tudo receia – e a que erra pelo excesso – a temeridade, que nada teme. Para cada
indivíduo envolvido, em cada ação específica e a cada objetivo almejado, a ação virtuosa variará. A teoria
de Aristóteles influenciou a maior parte das teorias éticas cristãs a partir da apropriação da noção de
virtude, que difere na abordagem grega e na abordagem cristã. Atualmente, o filósofo escocês Alasdair
MacIntyre é o principal responsável pelo desenvolvimento de uma teoria ética das virtudes
(ARISTÓTELES, 1973a) (MACINTYRE, 2001).
Kant é responsável por uma das mais influentes elaborações éticas da filosofia. A pretensão kantiana foi
a de estabelecer uma regra moral de aplicação universal que permitiria a determinação da correção de
qualquer ação humana. Esta regra se configurou no chamado "imperativo categórico": age de tal maneira
que seja seu desejo que todos ajam da mesma forma. Aplicada tal regra, o agente se defrontará com
uma ação que é boa em si mesma, despreocupada de suas conseqüências. Independente dos resultados
da ação, o que é categórico é bom e o é sem relação aos desejos pessoais e aos resultados efetivos para
aquele que age e para aqueles relacionados à ação. A ética de Kant é extremamente rígida e vinculada à
noção do "dever"; se você faz o que é certo, mas o faz almejando algo mais além de fazer o que é certo,
então a ação foi viciada (KANT, [198-]).
Na próxima aula você estudará mais duas disciplinas filosóficas: a filosofia política e a estética. Mas antes
de prosseguir visite a estante do pensar e leia os textos indicados.
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Introdução à Filosofia Aula 08
Aula 08 – As Disciplinas Filosóficas II
Finalizando os estudos das disciplinas filosóficas, você estudará, nesta aula mais duas disciplinas
filosóficas: a Filosofia social e política e a Estética.
Filosofia social e política
O questionamento filosófico acerca da estrutura política, dos sistemas de governo e da justiça já era
comum no pensamento dos filósofos da Antigüidade grega.
Como indicado no início da Unidade de Estudo, o desenvolvimento da reflexão filosófica esteve ligado ao
surgimento da experiência democrática grega. Os filósofos sempre se interessaram pela justificação das
formas de governo, pela definição do que é a justiça e sua distribuição, pelas relações entre a política e a
ética, pelos processos evolutivos e revolucionários dentro das estruturas políticas, pela liberdade e
opressão políticas.
Há dois tipos de contraposições teóricas clássicas na filosofia política que são exemplares na
compreensão desta disciplina filosófica. A primeira diz respeito à origem da sociedade e está dividida
entre naturalistas e contratualistas. A segunda fala das relações entre ética e política que apresenta
aqueles que defendem uma regulação ética da política e aqueles que defendem uma regulação
exclusivamente política
Os naturalistas são pensadores que afirmam o aspecto natural e evolutivo do aparecimento e
desenvolvimento das sociedades. O pensador naturalista por excelência foi Aristóteles que definia o ser
humano como um animal político. Para este filósofo grego, o Estado é apenas o ápice do
desenvolvimento social e gregário da natureza humana. O ser humano não é um ser solitário; pelo
contrário, é um animal político, que vive, se define e aprimora somente dentro da sociedade. O núcleo
social básico é a família, e dela vêm as demais organizações sociais, a tribo, a aldeia e o Estado, que
para o grego antigo era a cidade. Esta progressão é natural e evolutiva, pois o homem não é uma besta
que vive solitária, nem um deus que não precisa dos outros para existir (ARISTÓTELES, 1985).
62
Introdução à Filosofia Aula 08
Contra os naturalistas, uma série de pensadores – que apareceram em sua maioria a partir do século XVI
– contrapôs a teoria contratualista. Há significativas variações entre as teorias destes filósofos, mas há
em comum a percepção de que a agregação social não é natural. No período moderno podemos indicar
Thomas Hobbes e John Locke como os mais representativos exemplos.
Os contratualistas afirmam que qualquer sociedade surge em função de um pacto implícito entre os
indivíduos que a comporão. As pessoas possuiriam diversos direitos que são naturais e por meio de uma
decisão racional decidem por viver em grupo, abdicando de todos ou de alguns direitos naturais. A noção
de "contrato", implícita no contratualismo, é abordada para mostrar o aspecto de tomada racional de
decisão ao se formar o grupo social. A mesma noção serve para que percebamos que existem obrigações
e direitos inerentes à participação de uma pessoa em uma sociedade. Como nos demais contratos, para
que a associação continue existindo é necessário que o pacto social tácito que determina a coexistência
dentro do grupo seja respeitado (LOCKE, 1978b) (HOBBES, 1979).
O pensamento dos contratualistas derivou teorias que defenderam desde governos autoritários até
governos de democracia representativa. A diferença estava na medida de respeito ao pacto social. A
defesa terminal do pacto, em geral, leva à impossibilidade de contrapor-se ao governo, responsável pela
manutenção da ordem. Ao contrário, quando o pacto é relativizado, somente se justificando quando traz
benefício geral, está garantido o direito à revolução contra governos despóticos.
Quanto à contraposição entre ética e política, novamente Aristóteles aparece como o defensor das
relações intrínsecas entre as normas morais e a prática política. A pólis (cidade em grego) é não só a
sociedade formada, mas a própria estrutura organizacional de poder constituído, qualquer que seja.
Aristóteles analisou as diversas estruturas de poder existentes em sua época e percebeu a grande
variedade de formas de organização. Estas formas são boas ou más conforme as características do povo
que as adota e a justiça que tragam para esse povo.
Para Aristóteles, a política é a continuação da ética. Um ser humano somente se define em sociedade,
pois é nela que deve se esforçar por adquirir hábitos virtuosos. A virtude não é inata, deve ser fruto do
esforço individual em relação ao grupo. A virtude e a justiça existem apenas em sociedade, e a
compreensão de Aristóteles a respeito da política inclui qualquer relação social. Como a pólis é o máximo
desenvolvimento da natureza social do homem, seria no aplicar-se às coisas do Estado o topo do
progresso humano. Não há aqui a idéia ingênua de que aqueles que participam da política são pessoas
virtuosas, mas há a normatização ética dos procedimentos políticos. Assim, existe em Aristóteles a
recomendação de certas formas de governo que promovem a virtude e a justiça, e a condenação
daquelas que não o fazem (ARISTÓTELES, 1985).
Quase dois mil anos depois de Aristóteles, o diplomata e pensador político florentino Nicolau Maquiavel
irá se contrapor à ligação entre ética e política. Para Maquiavel, a política possui regras próprias e o agir
político deve ser definido pelos seus fins inerentes, que para ele são a manutenção do poder e da ordem
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Introdução à Filosofia Aula 08
na sociedade. Maquiavel estabelece uma diferença entre o que hoje chamamos "razão de Estado" e as
razões pessoais do governante. O fim da ação política não deve se confundir com os desejos do
governante; aquilo que individualmente para uma pessoa seria o correto fazer, não é necessariamente
certo para um governante. Se necessário aos fins específicos do Estado, o governante deve agir na sua
dependência, mesmo que pessoalmente em sua vida particular não o fizesse. O lema "os fins justificam
os meios" é a expressão da desvinculação entre os preceitos éticos pessoais e os preceitos políticos
públicos (MAQUIAVEL, 1973).
Para finalizar as referências aos problemas e respostas abordados dentro da filosofia política, façamos
referência à questão da justiça e sua distribuição. Há uma divisão entre pensadores políticos quanto à
possibilidade e os modos de realização de justiça distributiva e, em alguns casos, há mesmo a negação
de que ela exista.
John Rawls e Robert Nozick foram dois filósofos americanos atuais que representaram idéias contrárias
sobre a justiça distributiva. Rawls defendeu – em uma sofisticada teoria de bases kantianas – a
importância do Estado como o elaborador e realizador de mecanismos sociais e econômicos que
produzam justiça social. Caberia ao Estado diminuir as distâncias das diferenças entre as condições
materiais dos indivíduos que compõem uma sociedade.
Defendendo a idéia de que somente o aparato estatal deveria e poderia tratar os interesses individuais de
todos de igual maneira, Rawls afirmava a necessidade da máxima diminuição das desigualdades não-
naturais – aquelas que não são derivadas das aptidões biológicas de nascimento – por meio do
deslocamento de bens e serviços daqueles que mais têm para os que menos têm. Com o dinheiro
advindo de impostos e prestação de serviços estatais de saúde e educação, a sociedade seria mais justa (
RAWLS, 2002).
Nozick , colega de Rawls na Universidade de Harvard, era frontalmente contra qualquer tipo de ação que
interferisse nos direitos naturais de uma pessoa. Qualquer intervenção estatal seria uma ação espúria e
para ele o Estado seria apenas uma agência de segurança que teria como responsabilidade aplicar a força
para a manutenção dos contratos e proteger os cidadãos de violência gratuita. A idéia de Nozick – de
inspiração anárquica – seria a de que ninguém pode interferir em direitos naturais ou adquiridos por meio
de contratos legalmente estabelecidos. A ação dos indivíduos dentro da sociedade deve ser livre de
qualquer constrangimento, conquanto não procure atingir direitos pessoais. O pensamento de Nozick se
liga à percepção de que apenas um Estado mínimo se justifica e que nenhuma justiça distributiva pode
ser realizada, pois não há maneira de que algum mecanismo distributivo possa ser defendido (NOZICK,
1991).
Antes de continuar leia o texto Democracia e Anarquismo, de Robert A. Dahl. Com auxílio de
personagens, ele o ajudará refletir sobre as questões colocadas anteriormente.
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Introdução à Filosofia Aula 08
Estética
A estética é a área da filosofia que trata da beleza e da arte. A apreciação estética é parte do nosso
cotidiano.
Observe:
Pode-se dizer que certas composições musicais são belas; aprecia-se o quão bonita é uma paisagem;
fala-se sobre a beleza de algumas pessoas; encanta-se com os quadros e as esculturas como belas.
A beleza é uma referência normal em nossas percepções e em nosso discurso diários. Mas o que há de
comum em uma paisagem, uma música, uma pessoa e um quadro quando dizem que todos são belos?
Provavelmente você já se perguntou sobre isso e já deve ter percebido que, além de falar da beleza de
coisas diferentes, as pessoas têm opiniões diferentes sobre o que é belo ou não. A tendência natural é
chegar à conclusão de que gosto não se discute, o que equivale a dizer que a beleza é uma característica
subjetiva, dependente daquele que observa.
Nem todas as teorias estéticas advogam um subjetivismo extremo, pois isto seria uma impossibilidade à
estética como área de conhecimento. A mais usual perspectiva estética é a da imitação. Em Platão, todo
o mundo físico é imitação do mundo das idéias, o que percebemos através da nossa capacidade racional
que ultrapassa o sensorial e apreende a idéia imaterial e eterna do belo, a beleza em si mesma. Essa
percepção levou Platão a condenar todo e qualquer tipo de arte imitativa; já que mundo físico é cópia do
mundo das idéias, então a arte imitativa copia o que já é imperfeito, afastando mais ainda o homem da
contemplação pura da beleza e do bem (PLATÃO, 2001).
A perspectiva de Aristóteles se diferenciou da de Platão, pois para ele a arte é por definição arte
imitativa. Quanto mais perfeita a imitação realizada, mais a arte permite o aprimoramento humano, pois
possibilita a percepção e a vivência de experiências múltiplas. A arte é necessária por elevar – por meio
de sua imitação da realidade – o homem à condição de vivenciador de papéis múltiplos (ARISTÓTELES,
1973b).
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Introdução à Filosofia Aula 08
A perspectiva imitativa padece da critica de que muito do que é majoritariamente reconhecido como arte
não ser imitação ou representação de nada.
Reflita!
O que uma sinfonia representa ou copia? A arte abstrata se constitui na negação da representação do
mundo e diversas de suas obras são usualmente tidas como belas.
Alguns outros teóricos se concentraram na emoção, tanto a que o artista pretenderia expressar, quanto
aquela que ocorre em quem aprecia. Mas os problemas logo aparecem. Como posso ter certeza da
apreensão correta da emoção do artista? Não poderia dizer que algo é belo ou arte, mesmo que não
tenha mínima idéia da emoção do artista ao realizá-la? Um artista deve necessariamente estar imbuído
de alguma emoção específica ao realizar seu trabalho? Se não existe autor para expressar emoções em
paisagens naturais, com a exceção do tempo e das condições climáticas e geológicas, então não
poderíamos dizer que aquela é bela? Quanto à emoção produzida naquele que percebe a situação não é
menos problemática. Se a emoção estética produzida por algo é diferente em duas pessoas é porque
aquilo é falho? Não posso admitir que algo seja arte sem que aquilo produza em mim algum tipo de
emoção?
Um outro tipo de posição em estética advoga uma posição sociológica e histórica. Esta concepção afirma
que a beleza e a arte são definidas em função das condições psicológicas e sociais existentes em
determinados períodos e locais. Arte é aquilo que foi estabelecido como arte pelos manuais de história,
pelos artistas, pelos marchands e pelos críticos. O mesmo ocorreria com a concepção de beleza. Dentro
desta perspectiva há uma coincidência com o relativismo moral em ética e com o ceticismo em
epistemologia (GARDNER, 2002).
Por último, existem teóricos mais recentes que procuram a objetividade da beleza nas noções de
"harmonia" e "simetria". A abordagem é biológica e evolucionista. Para os representantes dessa análise
de psicologia evolucionista existe uma constância na percepção de padrões harmônicos e simétricos como
relacionados com a beleza em todas as diferentes culturas analisadas. Este padrão de identificação do
que é belo estaria ligado ao fato de evolutivamente as espécies reconhecerem a relação entre saúde e
organismos de corpos simétricos. Esta hipótese explicativa é fruto de uma aliança nem sempre aceita
entre estética e biologia evolucionista (WRIGHT, 1996).
Estante do Pensar
"A ambição do homem é tão grande que, para satisfazer a uma vontade presente, ele não pensa no mal
que dentro em breve daí pode resultar. Afinal, o fim justifica os meios.”
Maquiavel.
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Introdução à Filosofia Aula 08
O Príncipe de Maquiavel não é para ser lido simplesmente, mas sim para ser analisado com muito
cuidado. Trata sobre política, democracia, liberalismo e principalmente o que deve estar presente na
educação de quem se propõe a ser um dirigente político.
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Introdução à Filosofia Glossário
Glossário
Abstração – (epistemologia) em Aristóteles, o processo mental de retenção da essência dos objetos.
Analogia – (lógica, epistemologia) raciocínio por comparação entre semelhanças.
Apologia – defesa.
Behaviorismo – (filosofia da mente) de "behavior", comportamento; doutrina psicológica que analisa o
comportamento observável em sua relação com as mudanças ambientais.
Ceticismo – (epistemologia) doutrina que nega à razão humana a possibilidade de atingir conhecimento
certo; há vários níveis de ceticismo.
Conje(c)tura – (filosofia da ciência) crença provisória e ainda não confirmada.
Dedução – (epistemologia, lógica) tipo de argumento onde informação prévia leva necessariamente a
uma conclusão.
Dialética – (epistemologia, lógica) raciocínio por contraposição de idéias.
Empírico – (epistemologia) determinado pela experiência sensorial.
Erística – (lógica) estudo de argumentos sutis e / ou falaciosos para o convencimento.
Hermenêutica – (epistemologia) área da filosofia, do direito e da teologia que estuda a interpretação e
compreensão de textos.
Hermetismo – relativo a Hermes; obscuro; secreto.
Implicação – (lógica) ligação de conseqüência entre proposições.
Incomensurabilidade – (filosofia da ciência) impossibilidade de comparação ou mensuração.
Indução – (epistemologia, lógica) tipo de argumento que parte de observações particulares para
produzir conclusões gerais / universais.
Instrumentalismo – (filosofia da ciência) posição teórica que afirma o caráter instrumental
(ferramenta) das teorias científicas.
Mnemônico – relativo à memória, à lembrança.
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Introdução à Filosofia Glossário
Ortodoxia – posição teórica hegemônica.
Paradigma – (filosofia da ciência) em Kuhn, o modelo teórico padrão de aceitação geral pela
comunidade científica.
Pragmático – (ética) aquele que visa resultados.
Pragmatismo – (epistemologia) doutrina filosófica que defende a verdade como propriedade de crenças
que produzam resultados.
Pragmatista – (epistemologia) relativo à doutrina pragmática.
Retórica - a arte de convencer pelo o uso de instrumentos linguísticos. A retórica foi a grande invenção
dos sofistas. Seu objeto é poder persuadir por meio do discurso.
Síntese - esse termo além do significado comum de unificação coordenação ou composição tem os
seguintes significados - método cognitivo oposto à análise; o de atividade intelectual; o de unidade
dialética dos opostos; o de unificação dos resultados das ciências na filosofia.
Teodicéia – (metafísica) disciplina que trata da existência de Deus e sua natureza.
Utilitarismo – (ética) doutrina ética que estabelece o bem a partir dos interesses pessoais e / ou gerais.
Verossimilhança – (filosofia da ciência) em Popper, a semelhança ou aproximação de uma teoria
científica à verdade.
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Introdução à Filosofia Referências Bibliográficas
Referências Bibliográficas
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