Introdução a pesquisa aplicada a odontologia

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  • CDD: 617.6

    INTRODUO PESQUISA APLICADA ODONTOLOGIA:BASES PARA A INICIAO CIENTFICA

    INTRODUCTION TO RESEARCH ON DENTISTRY:BASIS FOR SCIENTIFIC INITIATION

    Alessandro Leite Cavalcanti1

    1 Autor para contato: Departamento de Odontologia da Universidade Estadual daParaba (UEPB), Joo Pessoa, PB, Brasil; (83) 247-3043;e-mail: [email protected]

    Recebido para publicao em 05/12/2003Aceito para publicao em 02/03/2004

    RESUMO

    Este artigo contm informaes bsicas sobre pesquisa cientfica, com exem-plos na rea de Odontologia. til para aqueles que querem se iniciar na pesquisacientfica e tem como principal objetivo fornecer subsdios para a prtica da pes-quisa cientfica em Odontologia, abordando os seguintes aspectos: conhecimentocientfico, pesquisa cientfica, conceitos bsicos, tipos de pesquisa e tica na pes-quisa.

    Palavras-chave: pesquisa em odontologia; pesquisa biomdica; metodologia

    ABSTRACT

    This paper contains basic information on scientific research, with examplesin dentistry. It is useful for new researchers and its purpose is to provide scientificinformations for dentistry practice, focusing on the following aspects: scientificknowledge, scientific research, basic concepts, types of research and ethics inresearch.

    Key words: dental research; biomedical research; methods

    Publ. UEPG Ci. Biol. Sade, Ponta Grossa, 9 (3/4): 45-53, set./dez. 2003

    Introduo

    Contemporaneamente, nada se faz sem o aux-lio da pesquisa. A pesquisa cientfica constitui-se em

    uma ferramenta para a obteno de conhecimentos,para a elaborao de diagnsticos, para se mediremnecessidades, expectativas e motivaes das popula-es (Barros & Lehfeld, 1999; Tobias, 1992).

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    46A pesquisa cientfica fundamental enquanto

    meio de se garantir a construo do saber no interiordas universidades (Naves, 1998). Nesse sentido, Es-trela (2002) destaca o fato de que a pesquisa em Odon-tologia envolve diferentes fatores que buscam valori-zar a formao docente e cientfica do educador. Oalvo a ser alcanado direciona a conquista de um novoconhecimento cientfico, com aplicao direta na pr-tica educativa ou no campo da investigao.

    A proposio de que a escola deve transmitir oconhecimento cientfico encontra amparo e justificati-va na concepo de que a produo desse tipo deconhecimento consiste numa descrio objetiva dosfenmenos do mundo, produzida a partir de critriosexperimentais, que permitem a eliminao de dadossubjetivos e individuais, superando, assim, as contro-vrsias, construindo formulaes verificveis e, por-tanto, consensuais (Vademarin, 1998).

    Segundo Estrela (2001), o ensino da Odontolo-gia como o de qualquer outra cincia, complexo eenvolve diferentes aspectos. As aes que objetivama prtica educativa visam favorecer a aprendizagem,devendo ser dinmicas e em contnua construo.

    No entender de Damasceno (1999), a forma-o de novos pesquisadores concebida como umprocesso que se integra vida acadmica e no ape-nas como uma atividade livresca baseada na acumula-o de informaes.

    Dessa forma fazer uma pesquisa cientfica no fcil. Alm da iniciativa e originalidade, exige do pes-quisador persistncia, dedicao ao trabalho, esforocontnuo e paciente, qualidades que tornam sua feioespecfica e so reconhecidas por cada um em si mes-mo, quando algum vivencia a sua prpria experinciade pesquisador. No entanto, uma das atividades maisenriquecedoras para o ser humano e, de modo geral,para a cincia (Rudio, 1986; Tobias, 1992).

    A prtica de cincia desenvolve o raciocnio l-gico, a capacidade de criar, analisar, relacionar, elabo-rar, contribuindo para a formao do indivduo capazde fazer juzo prprio da realidade e de agir com efic-cia para mud-la, transform-la. Favorece, portanto,a formao de um profissional diferenciado e de umcidado que participa efetivamente da sua histria, noapenas teleguiado por dogmas, paradigmas, ceticismos,smbolos e informaes massificantes (Naves, 1998).

    O novo modelo curricular do curso de odon-tologia vigente na maioria das instituies de ensino su-perior brasileiras privilegia a prtica da pesquisa, esti-mulando e incentivando alunos e professores a contri-burem para a produo cientfica nacional. Portanto,a iniciao pesquisa pode ser concebida como uminstrumento de formao do acadmico.

    Nesse sentido, Demo (2002) afirma que a pes-quisa processo que deve aparecer em todo o trajetoeducativo, como princpio educativo que . A amplitu-de da aplicao do conceito de pesquisa deve sermodulada, levando-se em conta a sua desmistificao,mas sem jamais afastar-se do compromisso de elabo-rao prpria, de questionamento criativo, de desen-volvimento do senso de descoberta e de criao.

    Portanto, o presente trabalho tem por objetivofornecer informaes bsicas sobre a pesquisa cient-fica em odontologia, auxiliando os acadmicos na ini-ciao cientfica.

    Conhecimento cientfico

    Entende-se por conhecimento cientfico aqueleque produzido pela investigao cientfica. decor-rente no somente da necessidade de se encontrar so-lues para problemas de ordem prtica do cotidiano,mas do desejo de fornecer explicaes sistemticasque possam ser testadas e criticadas atravs de pro-vas empricas (Kche, 2001; Campana et al., 2001).

    De acordo com Barros e Lehfeld (1999) o co-nhecimento cientfico pode ser gerado a partir de in-vestigaes realizadas atravs de um procedimento sis-temtico, que busca informaes sobre objetos e fen-menos j pesquisados e demonstrados e/ou comuni-cados.

    Considerando-se que o objeto da cincia ouniverso material, fsico, perceptvel por meio dos r-gos dos sentidos ou de instrumentos investigativos, oconhecimento cientfico se verifica, na prtica, pelademonstrao ou pela experimentao. Logo, o co-nhecimento cientfico racional, objetivo, factual, pre-ciso, verificvel, sistemtico, cumulativo, falvel,explicativo e preditivo (Kche, 2001; Campana et al.,2001; Prestes, 2002).

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    Pesquisa cientfica

    Segundo Rudio (1986) pesquisa um conjuntode atividades orientadas para a busca de um determi-nado conhecimento. Deve ser feita de modo sistemati-zado, utilizando mtodo prprio e tcnicas especfi-cas.

    A pesquisa cientfica o produto de uma inves-tigao, cujo objetivo resolver problemas e solucio-nar dvidas, mediante a utilizao de procedimentoscientficos. A investigao a composio do ato deestudar, observar e experimentar os fenmenos, colo-cando de lado a sua compreenso a partir de apreen-ses superficiais, subjetivas e imediatas (Barros &Lehfeld, 1999; Valadares Neto et al., 2000).

    Prestes (2002) afirmou que a pesquisa cientfica uma investigao feita com a finalidade de obter co-nhecimento especfico e estruturado a respeito de de-terminado assunto, resultante da observao dos fa-tos, do registro de variveis presumivelmente relevan-tes para futuras anlises.

    Projeto de pesquisaComo toda atividade racional e sistemtica, a

    pesquisa exige que as aes desenvolvidas ao longode seu processo sejam efetivamente planejadas (GIL,1996). A palavra projeto expressa a idia de plane-jamento, ou seja, de uma ao que se pretende execu-tar no futuro.

    De acordo com Naves (1998), o projeto depesquisa constitui uma proposta de trabalho (cientfi-co) racional, vivel, circunscrita dentro de um prazo(cronograma) e de um oramento pr-estabelecido.

    Portanto, o projeto de pesquisa um plano detrabalho cuja estrutura determinada pelo tipo de ob-jeto pesquisado, os objetivos a serem atingidos, o es-tilo do autor e as exigncias da entidade financiadora(SEABRA, 2001). Basicamente, dever conter: da-dos de identificao (ttulo, autor e instituio), intro-duo e/ou fundamentao terica, objetivo geral eespecficos, justificativa, metodologia, referncias bi-bliogrficas, oramento, cronograma e anexos.

    Etapas da pesquisa cientfica Pesquisa bibliogrfica e fichamento: a pesqui-

    sa bibliogrfica consiste na busca e seleo das princi-pais informaes necessrias ao desenvolvimento doestudo. A aquisio dessas informaes pode ser feitaem bancos de dados eletrnicos, como por exemplo,a Biblioteca Virtual em Sade (Bireme).

    Realizado o levantamento bibliogrfico, o passoseguinte consistir da obteno das fontes selecionadas,leitura e fichamento dos textos. O fichamento um re-sumo das principais informaes obtidas, tendo porobjetivo primordial organizar as informaes que me-recem destaque, proporcionando, se necessrio, mai-or facilidade em um futuro retorno quele texto ou li-vro (SEABRA, 2001)

    Coleta dos dados: etapa na qual o pesquisadorexecuta o experimento ou a coleta de dados. Previa-mente coleta, recomendvel a execuo de umestudo piloto, no qual o pesquisador verificar se osinstrumentos de pesquisa ou a metodologia soadequados ao estudo (Kche, 2001).

    Problemas nessa fase, tais como perda de uni-dades da amostra ou faltas no controle das medidas edas variveis, devem ser analisados com critrio cien-tfico, para no comprometer os resultados da pesqui-sa (Naves, 1998).

    Organizao, processamento e anlise dosresultados: coletados os dados, o pesquisador proce-der organizao, processamento e anlise dos mes-mos. Para a organizao dos dados, o pesquisadorpode utilizar softwares no especficos (Word, Excelou similares). Contudo, para a anlise dos resultados recomendvel a utilizao de softwares especficoscomo, por exemplo, o Epi Info ou o SPSS.

    Apresentao dos resultados, elaborao dadiscusso e concluso: realizada a anlise, os resultadospodero ser apresentados de forma descritiva, ou seja,atravs de grficos e tabelas, podendo ou no ter sidosubmetidos testes estatsticos.

    A discusso a parte do trabalho na qual o au-tor confronta os resultados obtidos em seu estudo comos existentes na literatura. Busca-se identificar seme-lhanas, diferenas, comportamentos dentro ou forados padres esperados, para os quais deve ser produ-zida uma explicao plausvel com o arcabouo teri-co disponvel (Cavalcanti et al., 2001).

    A concluso a parte final do trabalho, na qualo autor apresenta uma resposta problemtica pro-

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    48posta, devendo ser breve e especfica (Cavalcanti etal., 2001).

    Divulgao dos resultados: finalizado o estudo, opesquisador apresentar comunidade cientfica seusresultados. Esta divulgao poder ser feita de formaimpressa (por meio da publicao de um artigo cientficoou relatrio tcnico-cientfico), atravs de comunicaooral (apresentao em congressos) ou disponibilizadaeletronicamente por intermdio da Internet.

    De acordo com Naves (1998), a divulgao dosresultados de uma pesquisa to importante quanto aprpria execuo da pesquisa, para o crescimento dopesquisador e evoluo da cincia.

    Conceitos bsicos

    Tema da pesquisa (objeto de estudo): compre-ende o assunto a ser estudado. O interesse por umdeterminado assunto de pesquisa pode ser motivadopor vrias razes, tais como: desejo de ampliar seusconhecimentos na rea a ser estudada, motivaesfinanceiras, resoluo de problemas do cotidiano,curiosidade intelectual, dentre outras.

    Com a seleo do tema inicia-se o processo doplanejamento da pesquisa. Na escolha do tema o pes-quisador deve levar em conta seus limites pessoais paraa realizao da pesquisa formao intelectual, e li-mites institucionais condies que a instituio ofere-ce/garante para que a pesquisa seja desenvolvida(Pdua, 2002).

    Problema: refere-se formulao da questo aser investigada. Significa que aps escolher o tema, opesquisador dever delimit-lo. De acordo comCampana et al. (2001), o problema cientfico oprimeiro elemento da cadeia problema investigao soluo. O problema corresponde a uma dvida, auma lacuna em determinado campo do conhecimentocientfico.

    A identificao e a formulao do problema noso processos fceis, que se dem ao acaso; ao con-trrio, exigem uma reflexo crtica do pesquisador, poisdisso depende a originalidade da pesquisa e a contri-buio que trar para o conhecimento cientfico e parasua prpria formao (Pdua, 2002).

    Portanto, toda pesquisa cientfica comea pelaformulao de um problema e tem por objetivo buscara soluo do mesmo.

    Hiptese: suposio que se faz na tentativa deexplicar o que se desconhece. So afirmaes que serotestadas atravs da anlise da evidncia dos dadosempricos (Barros & Lehfeld, 1999).

    De acordo com Moreira (2002), as hiptesespodem ser vistas como sugestes de possveis cone-xes entre os fatos reais ou imaginados. O nmero dehipteses que pode ocorrer a um investigador ilimi-tado e uma funo do carter de sua imaginao.

    Quando se enunciam hipteses para uma pes-quisa, deve-se estar ciente de dois fundamentos bsi-cos: explicar provisoriamente aquilo que se pretendeestudar e servir de guia na busca de informaes, como intuito de verificar a validades das explicaes.

    A funo da hiptese fixar a diretriz da pes-quisa, tanto no sentido prtico, orientando a coleta dedados, quanto no sentido terico, coordenando os re-sultados em relao a uma teoria (Pdua, 2002).

    Alguns critrios devem ser observados quandoda construo de uma hiptese (Rudio, 1980): a) Ahiptese deve ser plausvel, isto deve indicar umasituao que possa ser aceita; b) O enunciado deveser especificado, dando as caractersticas para identi-ficar o que deve ser observado e c) A hiptese deveser verificvel pelos processos cientficos atualmenteexistentes.

    Mtodo: conjunto de tcnicas que visam apadronizao de procedimentos, tais como: formularquestes, levantar hipteses, efetuar observaes,elaborar explicaes, prever resultados.

    Dessa forma, um bom mtodo deve ser (Naves,1998):1. Padronizado, isto , pode ser utilizado em dife-

    rentes situaes com a mesma finalidade;2. Fidedigno ou confivel, ou seja, ao repetir-se o

    experimento, deve-se obter os mesmos resultados;3. Replicvel, resultados semelhantes em situaes

    diversas;4. Especfico, isto , avalia exatamente o que se quer

    avaliar. Universo ou populao: designa a totalidade

    de indivduos que possuem as mesmas caractersticas,definidas para um determinado estudo. Em outras pa-

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    lavras, segundo Vieira e Hossne (2001) o conjuntode elementos sobre o qual queremos obter informa-o.

    Amostra: de acordo com Barros e Lehfeld(1999), de uma forma geral, as pesquisas so realiza-das atravs de amostras, pois a observao completade um fenmeno comumente envolve uma massa togrande de dados que dificultaria e prolongaria demasi-adamente a anlise. Portanto, a amostra a menor re-presentao do universo. Desse modo, a pesquisa ci-entfica no est interessada em estudar indivduos iso-lados ou casos particulares. Seu objetivo estabele-cer generalizaes a partir de observaes em gruposou conjuntos de indivduos (Rudio, 1986; Vieira &Hossne, 2001).

    O mais importante ao selecionar a amostra seguir determinados procedimentos que garantam serela representao adequada da populao, permitin-do que os resultados nela observados possam ser ge-neralizados.

    Na seleo dos participantes que comporo oestudo imprescindvel que os mesmos no sejam se-lecionados por apresentarem caractersticas especfi-cas. Portanto, a amostra deve ser determinada a partirde critrios ou tcnica de seleo amostral, dentre asquais podemos citar: a amostra casual simples, a amos-tra sistemtica e a amostra estratificada (Vieira &Hossne, 2001).

    Varivel: definida como toda caracterstica(observvel, mensurvel) de uma amostra ou de umapopulao que varia entre seus membros e que interessaestudar. As variveis podem ser classificadas emquantitativas, qualitativas e ordinais. Podem ainda sercategorizadas em independentes, dependentes,controlveis ou no controlveis.

    A varivel quantitativa definida como aquelaque pode ser medida em uma escala numrica, porexemplo, a idade. As variveis quantitativas podem sercontnuas ou discretas. Enquanto as variveis contnu-as assumem qualquer valor dentro de um intervalo eso expressas por nmeros inteiros ou decimais, porexemplo, o peso, as variveis discretas so expressaspor nmeros inteiros, como por exemplo o nmero defilhos e os anos de escolaridade (Pereira, 2001).

    Por sua vez, a varivel qualitativa aquela me-dida em uma escala nominal, como, por exemplo, o

    gnero (masculino e feminino). A varivel classifica-da como ordinal quando os dados so apresentadosem categorias, por exemplo, graus de microinfiltrao(0 a 4), onde o zero representa nenhuma infiltrao e o4 o grau mais avanado de infiltrao.

    Grupo experimental e Grupo controle: no tipode experimento mais simples, um grupo de indivduos submetido a um tratamento experimental (grupoexperimental) e um outro grupo (geralmente chamadode controle) recebe o tratamento de costume (trata-mento padro), um tratamento placebo ou nenhumtratamento (Freire & Patussi, 2001; Naves, 1998).

    Controle Positivo: o grupo que recebe terapiaconvencional. Quando no se pode submeter pacientesa placebo, o controle positivo serve como base decomparao para o grupo que recebe o tratamentoem teste (Vieira & Hossne, 2001).

    Experimento cego: aquele em que o pesquisadorno sabe, quando examina um participante da pesquisa,a que grupo ele pertence (Vieira & Hossne, 2001).

    Experimento duplo-cego: aquele em que nem osparticipantes nem os pesquisadores sabem quais soos participantes que esto recebendo o tratamento emteste e quais so os que esto recebendo o tratamentopadro ou o placebo (Vieira & Hossne, 2001).

    Estudo piloto: antes da execuo da experinciadefinitiva, um experimento praticamente idntico a essa,preliminar e exploratrio, usualmente realizado; ele denominado experimento ou estudo piloto. Este estudo til em vrios aspectos da investigao, orientando opesquisador quanto constituio dos grupos deestudo, s caractersticas da soluo desejada, adequao das tcnicas utilizadas e exeqibilidadeda pesquisa (Campana et al., 2001).

    Tipos de pesquisa

    A pesquisa cientfica pode ser classificada oucategorizada de diversas formas: em funo do mto-do, do sentido temporal, do tipo de abordagem utiliza-do, do objetivo, da presena de interveno, dentreoutras. Restringir-nos-emos s quatro categorias prin-cipais.

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    501) Classificao segundo o mtodo

    Quanto ao mtodo, as pesquisas podem ser clas-sificadas em quantitativas e qualitativas. De acordo comFreire e Patussi (2001), tradicionalmente, as pesqui-sas na rea da sade tm utilizado o mtodo quantita-tivo, com nfase nos dados numricos, sendo esse,portanto, largamente utilizado em odontologia. Exem-plo:

    SALIBA, N. A. et al. Mulher na odontologia: umaanlise quantitativa. Rev Bras Odontol, Rio deJaneiro, v. 59, n. 6, p. 400-402, nov./dez. 2002.

    O mtodo qualitativo, por sua vez, objetiva ex-plicar a realidade em termos de conceitos, comporta-mentos, percepes e avaliaes das pessoas, sendorotineiramente aplicado nas cincias sociais, porm, emodontologia, apresenta uso restrito, limitando-se a es-tudos em sade coletiva (Freire; Patussi, 2001). Exem-plo:

    ARAJO, M. A. J. Avaliao qualitativa do efeitode agentes de limpeza na camada de lama dentinria:estudo ultra-estrutural em microscopia eletrnicade varredura. Rev Odontol Univ So Paulo, SoPaulo, v. 12, n. 2, p. 99-104, abr./jun. 1998.

    2) Classificao segundo o sentido temporalRetrospectivo: o pesquisador se vale do regis-

    tro de dados j existentes, ou seja, dados secundrios.Por exemplo, a coleta de dados presentes em prontu-rios odontolgicos ou mdicos ou a anlise de radio-grafias panormicas existentes em um arquivo de umservio de radiologia. Entretanto, Pereira (2001) res-salta o fato de que os dados de pronturios e outrosformulrios, rotineiramente preenchidos, no obede-cem a critrios uniformes.

    BIAZOLLA, E. R. Osteorradiomielite: influnciado tempo decorrido entre a concluso da exodontiae incio da actinoterapia. Estudo retrospectivo emhumanos. 1991. 42f. Tese (Doutorado) - Faculdadede Odontologia de Araatuba, UniversidadeEstadual Paulista. Araatuba, 1991.

    Prospectivo: a coleta dos dados tem incio apso planejamento do estudo. Podem ser citados comoexemplos, os estudos da incidncia de crie dentria ea coleta dos dados relativos a um estudo sobre a

    freqncia de traumatismos orofaciais em crianas.Embora o estudo prospectivo ideal seja aquele

    que promove a coleta de todos os dados da pesquisa,a condio para que uma investigao seja considera-da prospectiva a circunstncia de o efeito ainda nohaver ocorrido quando os participantes iniciam o estu-do (Pereira, 2001). Exemplo:

    CONSTANTINO, A. Elevao de seios maxilarescom perfurao de membrana: estudo prospectivoclnico e histolgico de 4 anos. Rev Bras Implant,Curitiba, v. 8, n. 3, p. 8-11, jul./set. 2002.

    3) Classificao segundo a congregao dos dadosAs investigaes podem ser feitas de maneira

    transversal ou longitudinal. Nos estudos transversaisou seccionais, as observaes e mensuraes das va-riveis de interesse so feitas simultaneamente (Perei-ra, 2001). Dentre as suas vantagens, Valadares Netoet al. (2000) citam o fato de ser mais rpido e menosdispendioso, podendo ser repetido com maior rapi-dez. Os estudos transversais so bastante utilizados emodontologia. Exemplo:

    CASTRO, L. A. et al. Estudo transversal daevoluo da dentio decdua: forma dos arcos,da sobressalincia e da sobremordida. PesquiOdontol Bras, So Paulo, v. 16, n. 4, p. 367-373,out./dez. 2002

    O estudo longitudinal ope-se ao transversal erefere-se pesquisa em que cada indivduo observa-do em mais de uma ocasio. Esse tipo de investigaotem o sentido de detectar mudanas no indivduo, como passar do tempo (PEREIRA, 2001). Dentre as suasdesvantagens encontram-se: maior perda da amostracom o decorrer do tempo, custo mais elevado e dura-o do estudo. Exemplo:

    MARCICANO, M. H. G. Estudo longitudinal docomportamento do pH, fluxo salivar eprevalncia de leses de crie em crianas de0 a 36 meses, com aleitamento materno eartificial. 1998. 180f. Tese (Doutorado) -Faculdade de Odontologia, Universidade deSo Paulo. So Paulo, 1998.

    4) Classificao segundo a presena de intervenoQuanto presena de interveno, as pesquisas

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    podem ser classificadas segundo a natureza em doisgrandes grupos: No-Experimental ou Observacionale Experimental ou Intervencional.

    Pesquisa observacional ou no experimentalDe acordo com Rudio (1986), a observao

    deve ser considerada como ponto de partida para todoestudo cientfico e meio para verificar e validar os co-nhecimentos adquiridos. No sentido mais simples, ob-servar aplicar os sentidos a fim de obter uma deter-minada informao sobre algum aspecto da realidade.

    No entender de Pereira (2001), a denominaoestudo observacional est reservada investigao desituaes que ocorrem naturalmente, no havendo ainterveno do investigador.

    Naves (1998) afirma que as pesquisas ob-servacionais ou no experimentais incluem todas as de-mais pesquisas, tanto as que envolvem estudar causa eefeito (sem o controle da varivel independente) quan-to as pesquisas descritivas ou de levantamentos dedados que procuram estabelecer relaes entre vari-veis. Como exemplo, temos os estudos epide-miolgicos.

    FERREIRA, D. C.; HAAS, N. A. T.; ALVES, M. U.Estudo comparativo entre a prevalncia de fluorosedentria e doena crie em escolares de 6 a 9 anosda rede de ensino pblico das regies norte e lestedo municpio de Niteri-RJ. Pesq Bras OdontopedClin Integr, Joo Pessoa, v. 3, n. 1, p. 5- 10, jan./jun.2003.

    Pesquisa experimental ou intervencionalDe acordo com Freire e Patussi (2001), o ter-

    mo experimentao freqentemente associado pesquisa em laboratrio, contudo, na epidemiologiamoderna, experimentao refere-se ao mtodo, e noao local onde se realiza o trabalho.

    No Brasil, as pesquisas envolvendo seres hu-manos so normalizadas pela Resoluo 196/96 doConselho Nacional de Sade. Experimentos em ani-mais devem obedecer a Lei Federal no 6638/79 e asnormas propostas pelo Colgio Brasileiro de Experi-mentao Animal (COBEA).

    Os estudos realizados em laboratrios apresen-tam maior controle de possveis variveis que possaminterferir na pesquisa. O isolamento fsico do laborat-

    rio facilita a manipulao e o controle das condiesideais que devem ser observadas, proporcionando avantagem de uma preciso alta na mensurao das re-laes entre as variveis (Kche, 2001).

    Portanto, o experimento em laboratrio tilquando, por questes ticas, no possvel realizar oestudo em seres humanos. A principal limitao dessetipo de estudo refere-se extrapolao dos resultadospara os seres humanos (Freire & Patussi, 2001).

    As pesquisas experimentais podem ser realiza-das tanto in vivo como in vitro. Como exemplos deestudos in vitro podem ser citados os estudos micro-biolgicos, testes de adesividade ou de microinfiltrao.Exemplos de estudos experimentais:

    JORGE, A. O. C. et al. Efeitos da aplicao deCandida albicans na lngua de ratos normais esialodenectomizados. Rev Odontol UNICID, SoPaulo, v. 14, n. 1, p. 35-44, jan./abr. 2002.

    RALD, D. P.; LAGE-MARQUES, J. L. In vitro evalu-ation of the effects of the interaction between irri-gating solutions, intracanal medication and Er:YAGlaser in dentin permeability of the endodontic sys-tem. Pesqui Odontol Bras, Sao Paulo, v. 17, n. 3, p.278-285, jul./set. 2003.

    Princpios bsicos da experimentaoDe acordo com Valadares Neto et al. (2000),

    so trs os princpios bsicos em cincia experimental:a repetio, a casualizao ou randomizao e o con-trole local. A repetio se refere reproduo da uni-dade bsica a ser testada. Logo, quanto mais numero-sa a amostra, melhor a extrapolao do dado do ex-perimento para a populao em geral.

    A casualizao, tambm denominada seleoaleatria ou randomizao o processo no qual asunidades experimentais devem ser designadas aos gru-pos por processo casual ou aleatrio, ou seja, por puroe simples sorteio (Vieira & Hossne, 1987). Esse prin-cpio tem como propsito evitar a tendncia de sele-o da amostra e, por conseguinte, influenciar os seusresultados (Valadares Neto et al., 2000).

    O controle local vislumbra a homogeneidade doambiente, eliminando a interferncia de variveis alea-trias, ou seja, no analisadas no estudo. O estabele-cimento de uma faixa etria ou de um gnero (mascu-

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    52lino ou feminino) serve como exemplo de controle lo-cal (Valadares Neto et al., 2000).

    Dois outros processos podem ser acrescidos aosprincpios bsicos: o processo de treinamento e o pro-cesso de calibrao. O treinamento uma etapa naqual o pesquisador padronizar e sistematizar as in-formaes e as fases de execuo do estudo. Essa etapapermitir verificar se a metodologia est correta, se osinstrumentos so adequados, dentre outras questes.

    A calibrao o processo pelo qual se buscatreinar o examinador ou observador, a fim de assegu-rar a uniformizao de interpretao, de compreensoe de aplicao dos critrios de exame e, desse modo,minimizar as variaes intra e inter-examinadores (Pe-reira, 2003).

    tica na pesquisaTodo projeto de pesquisa a ser desenvolvido em

    qualquer rea, e que envolva seres humanos, deve sersubmetido ao Comit de tica em Pesquisa da Institui-o qual pertence o pesquisador responsvel. Espe-cificamente no caso de Odontologia, mesmo as pes-quisas realizadas atravs de um questionrio ou for-mulrio como instrumentos para coleta dos dados de-vem ser apreciadas pelo Comit de tica em Pesqui-sa.

    Os Comits de tica em Pesquisa (CEPs) fo-ram regulamentados, no Brasil, pela Resoluo no 196/96 do Conselho Nacional de Sade e dentre suas atri-buies encontra-se a anlise de todos os projetos depesquisa envolvendo seres humanos, objetivando ga-rantir e resguardar a integridade e os direitos dos vo-luntrios participantes das pesquisas (Freitas, 1998).

    Consideraes finais

    As informaes aqui apresentadas visam auxili-ar o acadmico a melhor compreender a pesquisa ci-entfica, ressaltando aspectos importantes da produ-o do conhecimento. No se constituem em um ins-trumento nico, capaz de dirimir todas as dvidas nocampo do conhecimento cientfico, uma vez que se tratade um assunto bastante extenso e complexo. Logo,outros contedos, como bioestatstica e redao cien-

    tfica, so saberes imprescindveis a quem deseja tor-nar-se um futuro pesquisador.

    Como enfatizado por Naves (1998), fazer pes-quisa exercitar a dialtica dos contedos. O trabalhocientfico envolve uma srie de normas; contudo, nose pode prescindir do bom senso, criatividade e emo-o.

    O estmulo iniciao cientfica uma atividadecrescente em todas as instituies brasileiras, sendoum poderoso instrumento na formao do estudante.Portanto, o conhecimento dos princpios bsicos dapesquisa auxiliar o acadmico na elaborao, no de-lineamento metodolgico e na realizao do estudo aser desenvolvido.

    REFERNCIAS

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