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WINFRIEO HASSEMER Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria do Direito e Sociologia Jurídica na Universidade de Frankfurr a, M. V ice-p residente do Tribunal Constitucional Federal, INTRODUÇÃO AOS FUNDAMENTOS DO DIREITO PENAL (Einfuhrung in die Grundlagen dês Strafrechts} Tradução (da 2 a edição alemã revista e ampliada) de Pablo Rodrigo Alflen da Silva Sérgio António Fabris Editor Porto Alegre/2005

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WINFRIEO HASSEMERProfessor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria do Direito

e Sociologia Jurídica na Universidade de Frankfurr a, M.V ice-p residente do Tribunal Constitucional Federal,

INTRODUÇÃO AOSFUNDAMENTOS

DO DIREITO PENAL

(Einfuhrung in dieGrundlagen dês Strafrechts}

Tradução (da 2a edição alemã revista e ampliada)de Pablo Rodrigo Alflen da Silva

Sérgio António Fabris EditorPorto Alegre/2005

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primeiro caracteriza a ordenação da questão, o segundo a exposição daresposta. Disso se deduzem todas as particularidades.

O estilo do parecer começa já no caso, pois surge quando a fasede produção termina e começa a fase de decisão. Eíe leva ao caso umahipótese normativa de caráter o mais geral possível, o conteúdo inte-gral da descrição legal do delito (A retirou a carteira do bolso traseirode B. Isto poderia ser a subtração de coisa alheia móvel com a in-tenção de apropriar-se). Após esta introdução, progredindo deduti-vamente do geral ao concreto, elabora-se ponto a ponto a hipótesegeral normativa (coisa alheia móvel - subtração - intenção de apro-priar-se etc.) Esta elaboração ocorre em forma de questionário (A, porter retirado a carteira do bolso cometeu uma subtração} e termina coma verificação de que A cometeu (ou não) um furto.

O estilo da sentença é em sua forma ideal o reflexo do estilo doparecer. Ele começa com o resultado da fase de decisão, isto c, que Acometeu um furto. Após esta introdução, progredindo dedutivamentedo geral ao concreto, c apresentado e fundamentado, ponto a ponto, oresultado comprovado. A argumentação serve-se da afirmação (a sub-tração consiste no fato de que A pegou a carteira), ela não contémhipóteses e questões. O estilo da sentença em sua fonna ideal, nãopermite ao juiz nenhuma expressão de dúvida quanto ao resultado e ospassos fundamentados.

Como ao estilo do parecer a linguagem é a de busca pelo Direito,ao estilo de sentença a linguagem é de justificação, elas também estão- assim como estas duas fases - em uma relação sistemática (c tem-poral) recíproca. O estilo do parecer com o qual o estudante tradicio-nalmente tem se ocupado durante a formação universitária deve serfamiliar ao juiz praticante, pois ele tem que utilizá-lo na fase de buscapelo Direito (por exemplo, na deliberação). Naturalmente estas sàosomente as estruturas ideais de ambos os estilos de linguagem, certa-mente a capacidade profissional de fala se mostra no domínio dasrotinas da linguagem, que leva a que os dois estilos engrenem na pra-xis (que, por exemplo, o evidente no estilo do parecer se encontra tum-

Uma boa introdução ao estilo de parecer em Arzl, Slrafreclitsklaijsiir. Uma análi-se melódica exigente e pormenorizada sobre a técnica do parecer cm Puppe,M et lio de n l eh ré.

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bem no estilo da sentença,'1'3 a problemática na decisão é formuladaalgumas vezes em forma interrogativa). Mas isto não modifica nadano efeito assegurador do estilo da linguagem, mas somente o dife-rencia e acentua.

Todavia, diante das atitudes daquele que fala e escreve quais os estilos dediscurso os juristas expressam, deveria-se refieiir sobre um remédio que valessemenos ao estilo do parecer que ao estilo da sentença. Certamente o estilo dasentença também [em a sua própria lógica: ele deve justificar, expor - mas nãoduvidar, perguntar. Questiona-se apenas se os afctados pelo Direito Penal percebemesta sutil determinação da função como a impressão da arrogância e a falta decapacidade de comunicação que às ve/cs vem acompanhada com o estilo da sen-tença, ao qual, porém, servem de base estruturas mais fundamentais que a boavontade dos pcnalistas com capacidade de tala, que, principalmente na funda-mentação orai da sentença, se deixam influenciar notoriamente pelo estilo doparecei e se tornam mais comunicativos. O modo e o grau no qual as fundamen-tações da sentença seguem o estilo da sentença, dependem, na verdade, de duasgrandes variáveis: da posição do acusado como sujeito no Processo Penal e da rela-ção dos juristas com a sociedade.

§ 27. O princípio da legalidade

/. fundamentos e desenvolvimento

Os instrumentos que asseguram a vinculação judicial até entãomencionados encontram-se mais ou menos elaborados inclusive cmoutros âmbitos do Direito positivo. Eles são expressão geral do inte-resse legislativo de imposição da sua vontade na praxis judicial e do

A habilidade dos estudantes no domínio do estilo da linguagem jurídico-penalmostra-se sobretudo nos casos em que cies podem ligar de modo correio o estilodo parecer c o da sentença ao parecer: somente se discute como duvidoso naforma qucstionadora do estilo do parecer, mas se verifica claramente, semcondições, na forma lacónica do estilo da sentença: o leitor ou quem se detémcom a questão sohre se um relógio de pulso c uma "coisa", ainda não pode falarjuridicamente.

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interesse da jurisprudência na consistência da sua aluaçao. No DireitoPenal, ao contrário, estes instrumentos experimentam um reforço es-pecífico; este reforço está formulado no chamado "princípio da lega-lidade", que nasce com o Code penal de 1810 e chegou ao RSlGB de1871 através do StGB prussiano de 1851. A Constituição de Weimar(WRV) conferiu ao princípio da legalidade categoria constitucional aoinseri-lo no art. 116, e hoje o Art. 103, l! da GG formula com o mes-mo teor do § l do StGB: "um ato somente pode ser punido, se a puni-bilidade estiver determinada legalmente antes que o ato seja come-tido". Quem, de qualquer modo, como jurista já não sabe de cor, deve-ria ler esta frase várias vezes; todas as suas palavras tem importância cnão só a sua destacada localização no SlGB indica que se trata aqui deum princípio fundamental do Direito Penal material - e uma diretrizprincipal do Direito Processual Penal.

O significado jurídico-pó l í tico do princípio da legalidade pode ser avaliado pelofato de que o legislador nacional-socialisia já cm 1935 opôs ao princípio liberal ''nãohá crime sem lei; não há pena sem crime'" (nullum crimen sine lege, nulla poena sinccnmme; nulla poena sinc legc) o princípio autoritário ''não há crime sem pena'' e o § 2do StGB tinha formulado deste modo: ''será punido quem comete um ato que a leideclara como punível ou que merece pena de acordo com a ideia fundamental da leipena! e de acordo com o são sentimento do povo." Hoje. u "são sentimento do pova",entre os pcnalistas, c uma expressão ignominiosa. Foi a alavanca com a qual seafastou o princípio da legalidade do Direito Penal. Em 1945 e 1946 as forças deocupação reformularam os fundamentos do SlGB (dai mesmas infringiram eslesfundamentos, na medida em que tinham introduzido a punibilidade retroaliva daguerra de agressão ("Angriffskriegcs") c dos "crimes contra a humanidade").614

O princípio da legalidade remonta aos seus fundamentos, e pelaobservação das suas fontes pode-se compreender que deve ter umsignificado muito especial para o âmbito do Direito Penal. Fie éexpressão da autoconsciência burguesa, que surgiu com o Iluminismo,face ao domínio estatal, em sua luz aparece a lei penal não só comouma Magna Clmrtti Liberíatum do delinquente, como compreende aépoca mais recente, mas em primeiro lugar como Magna CharlaLibertatum do cidadão.

Exposição aprofundada sobre o problema em Kranzbiihíer, Niirnberg aisRec h is p roble m

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Com a teoria do conhecimento do idealismo alemão e a filosofiapolítica do Iluminismo morreu a fé generalizada no Direito Naturalcomo fonte e diretriz do Direito positivo. Mesmo quando as circuns-tâncias políticas não permitiam por muito tempo uma crítica eficaz aoDireito Penal, a teoria do contrato social tinha investido e preparadobem os fundamentos teóricos de tal crítica. Com a existência ou, emtodo caso, o reconhecimento das normas jusnaturaíistas - isto c, nor-mas justas válidas em todos os tempos e todos os lugares - suprimia-se a possibilidade do legislador de manter reduzidas as exigências dasua justificação. Na época do Direito Natural o legislador tinha que sepreocupar muito pouco em estabelecer com cxatidão as suas leis: era aconcordância com o Direito Natural, com o bom e velho Direito, quebastava como justificação do Direito positivo. Segundo o entendi-mento jusnaturalista. o legislador não tinha que fundamentar o Direito,mas deduzir. A posição do legislador como administrador do DireitoNatural é forte - ela supõe na verdade que o legislador pode impor etransmitir a sua qualidade como administrador.

A época do Iluminisrno enfraqueceu de modo decisivo a posiçãodo legislador, elevou o grau de exigências de legitimação e modificoua sua qualidade. A crítica do conhecimento mostrou que os preceitosjusnaturaíistas, em todo caso, não podiam ser trazidos do céu (no qualse encontravam) ao solo do ordenamento jurídico positivo sem algumprejuízo ou modificação. Este céu a partir de então permaneceu cala-do. Isto é, no futuro dcvcria-se procurar a justificação do Direito posi-tivo, a legitimação do legislador na terra. A filosofia política do Ilumi-nismo encontrou esta justificação na vontade do homem racional, na"volonté généràle". Ela sabia que o senão estava no critério da"racionalidade", na diferença entre a "vontade geral" e a "vontade detodos" (inclusive na insensatez da "volonté de tous"); pois aí poderiaestar escondido o gérmen de um novo Direito Natural, de um "Direitoracional", racionalístico, o qual também se desenvolveu depois e osnovos administradores geraram, desta vez, a "razão". Mas muitomaior era a confiança no fato de que a "volonté gcncrale" seria im-posta - imaginada idealmente - em um contrato que todos que se en-contram no Estado ajustariam entre si, o "contrat social", o contratosocial (Sozialvertrag).

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A ideia do contraio social é evidente e, de acordo com os precedentes,consequente. Sem a força normativa do Direito Natural reconhecido, todo homem íinserido em si mesmo. Com a reunião dos homens em grupos, cm sociedade, cm umEstado, iodos se colocam, ao mesmo tempo, uns diante dos outros, pois os limites dasua soberania c da sua liberdade resultam dos limites da liberdade dos demais, (sto é,eles devem se reunir contratualmente (vertraglich) e aí acordai os limites da sualiberdade, os limites até os quais eles renunciam à sua soberania. Estes limites devemser traçados de modo preciso e rigorosamente vigiados. Pois eom o decurso do tempose decidirá sohre os limiies da liberdade do indivíduo e pode resultar um poderilegítimo, a submissão. Estes limites são traçados pelo Direito. Eles se assentam nasleis que, sob o aspecto ideal, se tem dado a todos c que, conseqtienlcmente, todos queaplicam estas leis estão vinculados a elas. Somente a vinculação garante que aconvivência humana não conduza a violações ao Direito, pois até os limites daliberdade traçados legalmente, e somente até eles, todos tem renunciado à sualiberdade no interesse da sociedade dvil , o qual é o seu próprio interesse.

As constituições revolucionárias, da Declaração da independên-cia dos Estados americanos de 7776 até à Declaração dos Direitos dohomem c do cidadão da Revolução francesa de 77S9, concentraram oprincípio da legalidade no Direito Penal.filí e encontraram na teoria doDireito Penal a sua elaboração mais bem acabada.6'0 Tsto 6 compreen-sível. Os limites da liberdade que o Direilo Penal traça, são não só oslimites em face da liberdade dos demais, mas também os limites emface da intervenção estatal. Não só através do Direito Penal "político"(crime de traição à pátria e de alta traição) que a política interna podese orientar violenta e lesivamente, mas também qualquer mandatojurídico-penal individual limita a liberdade frente ao poder punitivo doEstado. O Processo Penal está nas mãos do Estado, o sistema jurídico-penal dispõe dos instrumentos mais incisivos para a lesão c disciplinado indivíduo. A burguesia ilustrada tentou assentar a intervenção doEstado no Direito Penal de modo particularmente estrito com umasérie de leis gerais. E isto, com razão, em princípio, não se modificouale os dias de hoje. O desenvolvimento da teoria do Direito Penal

An. 8 da Declaração dos Direitos do homem c do cidadão de 1789 diz; "Mui nepeut être puni, qu'en vertu d'une loi établic et promulguée anicneurerncnl au déliiet légalement appliquée.'*Quem quiser analisar os efeitos da filosofia iluminista kantiana na teoria doDireito Penal no começo do séc. XIX leia os §§ 18. 19 c 20 do Tratado deFeuerbach. Uma exposição pormenorizada sobre o contexto em Naue-ke. Kant.

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desde o começo do séc. XIX é caracterizado pela tentativa de manter.de aperfeiçoar e assegurar o princípio da legalidade frente à ameaça doexecutivo c de revisar e reformular o seu "ethos" jurídico e sócio-político cm face dos novos conhecimentos científicos e da nova lin-guagem científica.617

Em sua configuração atual o princípio da legalidade mantém aotodo quatro exigências tanto frente ao legislador como também frenteao juiz. Ele exige do legislador que formule do modo mais precisopossível as suas descrições do delito (nullitm crimen sine lege certa) eque as leis não possuam efeito retroativo (nullum crimen une legepraevia). Ele exige do juiz que fundamente as condenações somentena lei escrita e não no Direito consuetudinário (nullum crimen sinele$e scnpta) e que não amplie a lei escrita em prejuízo do acusado(nullum cruncn sine lege stricta, a chamada "proibição da analogia").

//. O mandato de certeza

O mandato de certeza é consequência obrigatória do fato de queum sistema jurídico se organiza sobre codificações, isto é, sobre leisescritas. A "lex certa", a lei efetivamente segura, é a esperança natu-ral de qualquer legislador de que cora o seu pronunciamento conse-guirá impor determinados efeitos dentro de uma comunidade jurídica.A lei formulada de modo preciso constitui-se, portanto, em um inte-resse específico do legislador; assim não se deveria nem mesmo lheimporá lex certa.

Em princípio isto está correio. Por um lado existem situações nasquais o legislador não quer a lex certa. Por outro lado. existem moti-vos para, em face das dificuldades que a precisão das leis traz consigo.persistir cada vez mais no aperfeiçoamento e para comprovar critica-mente a linguagem da lei sob o ponto de vista da lex certa.

6 1 " Recomcnda-sfi esludar de modo mais aprofundado os períodos particularmentemais críticos para o princípio da legalidade, as suas formas de reali/.acão noDireito do século XIX c as tentativas de sua abolição no período nacional-sociaiisla; sobre o primeiro H.-L Schreihtr, Gesctz undRiclner, p. 118-168, sobreo segundo Marx.cn, Antiliberalismus, p. 192-196. Com a crise atual do princípio dalegalidade o [e\lo se ocupará de modo mais detalhado em seguida

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Nós já nos ocupamos com o desejo do legislador de afirmar (emprimeiro lugar) uma lex incerta (e de observar os efeitos dentro dajurisprudência criminal), por ocasião da análise dos §§ 153a do SíPO,47, 56, III, 59 e 60 do StGBG1B Nestes dispositivos mostra-se que omoderno legislador, mesmo no Direito Penal, tem uma tendência àexperimentação. E isto é inevitável quando - também - no sistemajurídico-penai o ponto de vista da orientação social, da intervençãopolítica interna, se impõe ao clássico entendimento da determinaçãodos valores irrenunciáveis da vida comunitária. Quanto mais o legis-lador penal toma em consideração as consequências, preocupando-secom os efeitos empíricos da sua atuação (e justifica a sua atuação pelaprodução e pela falta de tais efeitos), tanto mais ameaça a lex certa. Opostulado da lex certa é expressão clássica de um sistema jurídicoorientado input, isto é de um sistema jurídico que abrange e controla arealidade sobre os limites conceptuais da sua linguagem. Uma con-versão para uma orientação output, isto é, para a compreensão e ocontrole das consequências,5'9 não pode vincular-se com a lex cena.Ela antes atrapalha, porque exige do legislador um posição precisa eprematura, antes que possa verificar integralmente as consequênciasdesta sua posição.

Mais uma vezwo mostra-se aqui o conflilo entre o desejo de modernidade e odever de persistência no sistema jurtdico-penal. Naturalmente o postulado de lex certadeve adaptar-sc às mudanças sociais c culturais, e inclusive às mudanças científicas cpolílico-cien ti ficas, mas somente de modo que o seu ethos seja reformulado de talmodo que não caia sob as rodas de uma política interna bem intencionada, mas

('1S Supra g 25, IV, bem como § 25, VI.Sobretudo cm oulros âmbitos, cuja orientação e intervenção está mais próxima queao Direito Penal (Direito económico. Direito do Trabalho), boje o discutido pro-blema da conversão para uma orientação output encontra-se teoricamente ecicnlífico-socialmente discutido cm Luhmann, Rechtssystem, p. 25 c ss,, 58 e E.Compare-se outra vez o § 5 supra, quanto ao problema apresentado sobre a"orientação pelas consequências".A moderna dogmática da. culpabilidade orientada pelos fins da pena, que nós jámencionamos acima p. 234-238, conduz aos mesmos problemas que uma legis-lação penal orientada pelas consequências face à lex cena: o interesse polílico cri-minal na intervenção e na modificação dcpara-sc com a determinação liberal dedeixar fracassar o experimento c a intervenção nos direitos daqueles com os quaisdeve ser experimentado.

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intervencionista e experimentada a custos alheios. Hoje isto significa conerclamenteque as limitações do princípio da certe/a só se podem fax e r cm favor do acusado cque o legislado: tem que perseguir com exatidão e com métodos científicos os desen-volvimentos que uma lex certa admite na jurisprudência c comgi-los cm cada caso; alia suposição de que o silencio do legislador significa que está de acordo com odesenvolvimento da jurisprudência, que é um silêncio persuasivo, deve estar real-mente correia

De resto, o conflito entre a modernidade e o conservadorismo no Direito Penalatual c inevitável e muiio difícil de sei solucionado. Ambos os pólos tem sua justi-ficação. Uma política criminal racional consiste cm perseguir o conflito em suas rami-ficações juridicamente positivas, elaborar um equilíbrio entre a modernidade e oconservadorismo - que nas instituições juridicamente positivas provavelmente terãoaspectos diferentes - e deixar aberta a. solução da discussão geral e da correção.

O segundo motivo pelo qual o legislador pode não "querer" umalex certa consiste no fato de que em diversas situações, em regra, nãoexiste "a" vontade "do" legislador. As leis são compromissos, princi-palmente as leis penais, cujo conteúdo afeta as camadas mais profun-das da personalidade, em seus preceitos situam-se compromissos emuma posição intermediária, enquanto as opiniões dos participantesenvolvidos, de modo algum, acham-se ali, mas à margem. Tal lei, portrás da qual concepíualmente, na verdade, não há ninguém, mas éadoçada tão somente como intermediação das representações alterna-tivas, corre o perigo de ser formulada de modo pouco claro e com issoas questões não resolvidas claramente pelo legislador continuamentregues ao desenvolvimenlo judiciai.

A ameaça mais séria do mandato de certeza, porém, não derivada vontade do legislador, mas da sua capacidade de tomar as leisprecisas/'21 A representação profana de que não seja colocado ao juiznenhum limite ou somente extensos limites, como nós já vimos, 2 éfalsa. Arislótcíes já tinha verificado o que nós caracterizamos comoum equilíbrio sutií entre precisão e flexibilidade, com a observação deque, em face da abundância, multiformidade e desconhecimento dos

621 Quem quiser analisar sistematicamente e de modo mais aprofundado os problemasda linguagem da lei, leia Noll. Gesctzgebungslehre, p. 244-282, ou - mais atual cabrangente - Voji, Symbolische Gcseizgebung, Cap 4, p. 139 e ss. Uma exposiçãocrítica das possibilidades de auxílio científico à legislação penal encontra-se cmAmelung, Strafrcchtswissenschaft

621 Supra §§ 19-21.

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casos, uma lei não poderia ser exala. Qualquer um pode ver que o le-gislador penal tem que resolver ao mesmo tempo duas tarefas distin-tas, que estão em oposição uma à outra: cie deve manter suas normasabertas de modo que elas também se adaptem aos casos futuros, aindadesconhecidos, mas "pensado para o caso do seu conhecimento" e eledeve formulá-las definitivamente de modo que sejam impenetráveisaos casos não imaginados. Qualquer decisão na escala entre a flexibi-lidade e a precisão é problemática. Quanto à isso se relaciona o fato deque a decisão pela flexibiUzação logicamente sempre alcança o seufim: uma norma formulada de modo vago amplia as margens de deci-são e desenvolvimento das normas. A decisão pela precisão, ao con-trário, pode ser um estorvo: ela pode ser "excessivamente precisa" cpor isso pode excluir casos que certamente não deveria excluir, porexemplo, tornar a subtração de uma máquina fotográfica de dentro doautomóvel em um furto qualificado, mas a subtração do automóveljunto com a máquina fotográfica em um furto simples.Ú2j

Estas reflexões desde já mostram que o legislador não pode ga-rantir a certeza dos tipos. Ele depende da lealdade da jurisprudência.A jurisprudência pode - e isso de qualquer modo c evidente - desen-volver uma norma formulada de modo flexível cm uma direção com-plctamente diferente da que o legislador queria lhe dar; este certa-mente c o risco que o legislador corre com tais formulações. Mas ajurisprudência também pode se fazer de toía diante de uma normaformulada de modo preciso c se recusar a corrigir os erros notórios, namedida cm que persiste em que o teor literal, ao qual ela deveria seater, foi formulado de modo determinado.

O leitor, assim espero, observará que a chave encontra-se no conc.ciio de."erro". Não há de modo algum um consenso, quando o "teor literal" de uma normanão está de acordo com o "sentido" ou com o "contexlo sistemático" no qual ele seencontra ou com as "finalidades de regulamentação do legislador" ou até mesmo comos "limites da constituição", o teor deve ser corrigido a favor do sentido ou da vontadedo legislador, ou ao contrário. l\ direção na qual ele deve ser corrigido depende dequais teorias da interpretação se gostaria de dar preferência: a gramatical, a objetivo-

Maurach analisou ironicamente este absurdo do § 243 do StGB (antiga edição) cmuma pequena contribuição que vale a pena !cr (Besorgttr firief). O texto voltaráainda à tentativa do legislador de escapar deste perigo no § 24? do SlGB

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teleclrigicu, a sistemática, a histórica - mas a interpretação conforme a constituição,ao contrário, está sempre em vigor.6:'' O fato do juiz criminal "se fazer de tolo" podeser expressão de uma vontade inteiramente responsável de vineiilação ao (cor da lei, enão de obstinação.

Uma relação leal e livre de transtornos entre o legislador e ajurisprudência criminal, que resulte do mandato de certeza, é umarepresentação ideal. Na praxis ela se encontra sob as limitações e aalteração histórica. Esta alteração é natural, pois ela é um fenómenoextenso e fundamental, difícil de marcar. Com todas as reservas pode-se dizer sobre a situação atual da mandato de certeza, o seguinte: aconfiança do legislador no juiz, no que diz respeito aos pressupostosda punibi!idade, ao caso de punibiíidade, já há um longo tempo parecereduzir. Neste âmbito é evidente o esforço do legislador cm oferecerao juiz regras escritas cada vez mais extensas e precisas.' No que dizrespeito ao plano das consequências jurídicas, aparentemente nós jáverificamos o contrário. Preceitos como os §§ 59 e 60 do StGB abremao juiz uma ampla margem de liberdade. Mas seria errado deduzir dis-so uma confiança do legislador a respeito das consequências jurídico-penais. É mais exalo supor que o legislador orientado output, emrelação a toda desconfiança existente, deixa a jurisprudência procurarpor novos desenvolvimentos. Pois, inclusive neste âmbito as novasdisposições são extensas e complexas, na medida em que situam asregulamentações além dos trilhos experimentais.626

ílí4 Quem quiser se atuahzar sobre este contexto: supra § 18. I bem corno § 21. A in-terpretação conforme a Constituição está sempre em vígoi porque naturalmente aConstituição determina e delimita não só o Direito positivo, como também a suainterpretação. Mas para a vinculação do juiz alei penal isto possui um significadoprático muito reduzido: também a Constituição deve ser interpretada c "compre-endida", e a interpretação também está sob o domínio das teorias da interpretaçãoe sujeita-se às condições do processo de compreensão; ela não é uma lei perma-nente.

Ú2Í Compare-se, sob este ponto de vista, o § 185 com o relativamente recente § 264 doStGB. Em geral se vê muito bem o desenvolvimento caracterizado no textoquando se examina no contexto os tipos, cuja cifra é complementada com pe-quenas leiras (o que indica uma sintonização ulterior com a lei) e os compara eomos tipos penais "clássicos". O StPO mostra este mesmo desenvolvimento.

""*' Observe por exemplo as disposições sobre fiscalização de condutas, §§ 68-68g doSlGB.

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O legislador encontrou uma saída inteligente entre a flexibilidadee a precisão, que na verdade não conduz cm todos os casos à liber-dade/'27 mas que, no entanto, muitas vezes garante as vantagens deambas as finalidades da formulação e ao mesmo tempo reduz os pre-juízos: o "método exemplificativo", a técnica de exemplos regulares,como é utilizada, por exemplo, no § 243, I do StGB em sua novaedição. Este método evita a precisão excessiva, como a caracterizava oantigo § 243 do StGB, porque ele "vincula" o juiz aos pressupostos danorma descritos de forma precisa, mas de maneira diversa; são paraeíe apenas exemplos, dos quais nem sempre, mas só "regularmenie",ele pode deduzir um caso particularmente grave de furto. Ele evita oserros - estabelecidos somente com significado cxemplificativo doselementos - de flexibilidade porque formula os elementos mesmos demodo preciso e os vincula com consequências jurídicas descritasigualmente de modo preciso.

Este método de redação da lei está à altura dos conhecimentosjurídico-teóricos sobre as possibilidades de uma vinculação do juiz:pois se pode assegurar e controlar a vinculação do juiz somente noâmbito da apresentação dos resulrados da decisão, enquanto no âmbitoda produção só se pode esperar o efeito da lei:62S o Legislador deve sepreocupar com o mandato de certeza, sobretudo em relação ao âmbitoda apresentação. Isto significa que o juiz deve conservar uma argu-mentação diferenciada na apresentação dos motivos da decisão. Umalei pode ser formulada de modo extremamente preciso: quando o juiznão tem que se comportar argumentai!vãmente em relação aos ele-mentos particulares da lei é impossível controlar uma vinculação entrea lei e a decisão.

O método exemplificador - na medida do possível - atinge exa-tamente isto: o juiz deve argumentar de modo diferenciado. Por um la-do ele deve expíicar se e porque (não) se cumpre um exemplo regular.Ele deve explicar se e porque (não) este exemplo também é realmenteum exemplo imaginado pela norma, se é, portanto, "exemplar". O se-gundo passo da argumentação, que a técnica de exemplo regular exige

627 Discussão abrangente e críticas em At?t, Diebslahlbcstimmungen; Wessel-.,Rcgelbeispiele.Sobre este conicxtú: supra § ! 8, 1.

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do juiz. c novo. Até então o juiz tinha somado os elementos legais equando todos eles estavam juntos ele podia extrair a soma e aplicar anorma. Entretanto, daqui em diante ele deve referir a norma como umtodo aos elementos particulares quando verifica o caráter exemplar doelemento desde o plano da norma. Deve esperar que a técnica dosexemplos regulares legais ajude a realizar o mandato de certeza nasmodernas leis penais com maior ênfase, se a jurisprudência criminalse adapta aos "pressupostos mais elevados da argumentação " e se es-ta técnica ainda é aperfeiçoada com o auxílio da ciência. Deve-seesperar também que se possa diferenciar a dogmática da determinaçãoda pena - apesar da "necessidade de imprecisão" e de outras exigên-cias neste âmbito629 - e se permita manejar com a sua complexidade,de modo que o mandato de certeza, que naturalmente vale tambémpara estes âmbitos, tenha maiores possibilidades práticas.

///. A proibição da retroatividade

A segunda exigência que o princípio da legalidade impõe aolegislador penal, é a proibição de promulgar leis com força retroativa(mtllum crimen sine lege pracvia). Também a "proibição da retroati-vidade" é evidente em sua orientação finalística ético-jurídica e demo-crática; os problemas se localizam na extensão do seu significado eem sua aplicação prática.

Uma lei que procura ter validade para um caso que é mais antigodo que ela mesma, é um fantasma do Estado de polícia. Mais inofensivaainda é a objeção de que tal lei não pode satisfazer a sua função comonorma de determinação™, porque a lesão, cuja omissão requer acomunidade jurídica, ocorreu já antes da sua promulgação; as leis, emgeral, podem "determinar" somente o comportamento futuro. O núcleoda proibição da retroaíividade é muito mais a proteção da confiança detodos de que os limites da liberdade estão marcados de modo vinculantee possíveis de serem lidos em qualquer momento nas leis. A vinculação

hw Supra § 17. II, 2. Comparar sobre a técnica de exemplos regulares o § 46, II, 2 doSlGB (especiairnenie),

Wíl Caso seja necessário observe novamente o contexto da discussão sobre a norma dedeterminação c a norma de valoracão. supra § 25,1

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e a possibilidade de serem lidos seriam destruídas se o legislador,através de uma reação rápida a uma conduta, pudesse criminalizarposifcstum, A proibição da rctroalividade procura fazer com que a perse-cução e a punição da condufa desviante seja um processo cauteloso, queseja anunciado previamente sob quais pressupostos uma conduta seráconsiderada como desviante e o que se deve esperar disso.

Com isso não se deve equiparar a "protcção da confiança'' com a representaçãoideológica, de que o aulor de um delito económico, com a lupa dos seus advogados,examina a lei, por cujas lacunas clc pode escapar e de que a proibição dareiroatividade interrompe a "justiça". Certamente isto existe c o sistema jurídico-penalpode viver com islo, e quer viver com isto. Enfim, as leis. por boas razoes, são leis"gerais'' e existem pessoas que se informam do conteúdo dos §§ 218 até o 2l8b doStGB, do S 129a ou dos g§ 113, 114 do SlGSi. À proibição da reiroalividade interessamenos a confiança de alguém determinado à uma lesão que a confiança dacomunidade jurídica em que a justiça criminal não introduz e não impõe ardilmente osinteresses de ordem, dos quais não falava a lei. Esta confiança, a qual as mais recentesteorias dos fins tia pena, como nós ainda mostraremos,631 dirigem a sua atenção, é osubstrato social que mantém de pé o Direito Penal de um Estado de Direito.63"

Destes princípios resulta uma particularidade evidente: a proibi-ção da retroatividade vale somente in malam partem, isto é, somenteenquanto a força rctroativa da lei prejudicar o acusado. As Íeisfavoráveis a ele (redução da pena, descriminalização) com aplicaçãorctroativa, talvez perturbem o sentido da ordem, a necessidade deretribuição ou a busca pela vingança, mas não a confiança gera! najustiça pcnaí como «ma instituição de controle social, que criminalizaponderadamente e não criminaliza ardilmente."'

Por estes princípios nào se pode decidir livre de qualquer dúvida,mas neles pode-se discutir o problema do alcance da proibição daretroatividade. Esta questão, sob o ponto de vista do legislador, é deespecial significação para dois pontos: nas medidas de segurança etratamento c nos pressupostos processuais da punibilidade.

"^ Infra 5 30, III. Trata-se da moderna compreensão da prevenção geral.*"- Também o BVcrfG pane no Direito Penai - diferentemente dos outros âmbitos do

Direito nos quais se admite constitucional me n te determinadas limitações àproibição daretroatividade-dc uma proibição absoluta da rctroativjdade: BVerfG18, 429 c ss. (439).

"-1 Leia-se o tj 2. I-V do StGB.

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634O § 2, VI do StGB, em princípio. ^ excetua as medulas da proibi-ção da retroatividade e ordena a aplicação da lei vigente à época dadecisão, a qual apoia-se na reflexão sensata, à primeira visia, de que asmedidas não são uma resposta para o passado (retribuição do injustoperpetrado), mas uma segurança para o futuro (defesa de perigos futuros).Conseqiientcmente, no centro da escolha das medidas não está a visãopara o passado, mas para o futuro: o prognóstico. Os prognósticos sãojuízos precários; eles tem uma boa chance de estarem errados e por issonecessitam de uma verificação contínua,635 pois elas rapidamente setornam obsoletas. A este fato se deve adaptar inclusive as condiçõeslegais: apenas a lei mais recente é o melhor fundamento da decisão.Entretanto, o princípio do § 2, VI do StGB não se ajusta ao mais novodesenvolvimento no sistema de penas e medidas. A antiga concepção deque as medidas são um nnnus face às penas, porque a elas não estávinculada uma reprovação da culpabilidade, mostra-se em uma análisepormenorizada,"'3 como vazia de conteúdo. O que conta para os afetados- e sua confiança na justiça penal - não é a roupagem teórica com a qualse reveste a consequência jurídico-penai, mas é o peso real que ela levaconsigo. Este peso. pelo menos nas medidas que são vinculadas com aprivação da liberdade, não é menos reduzido que nas penas - ele será cmmuitos casos até mesmo mais elevado, porque o afelado pelas medidas,em nosso sistema de dupla via, é "psiquiatrizado". Nem todo mundoconsidera como os penalistas; que a "doença" (Krankheii) seja menosque a "culpabilidade"621 O legislador penal tinha, portanto, motivos para

634 As exceções legais, as quais alude o § 2, VI do StGB. são realmente importantes.Assim encontram-se na EGStGB, por exemplo, disposições especiais sobre afiscalização de condutas (Alt, 303) e a proibição do exercício profissional (Art. 305).

ffls Leia-se em relação a este contexto o i? 67e do StGB. Uma análise abrangente -tanto metodológica como dogmática - das decisões prognosticas no Direito Penaloferece f'n.sc/1, Prognoseentschcidungcn.

6M Supra §25, IV, excnrsits2.6-'7 Chrislian Geiftler inicia assim em seu livro "Antíagc" (Claassen-Verlag Hamburg): ao

longo do processo não se apresentaram pontos altos e nem sensações. A negação c aposterior confissão do acusado, na verdade, deram ã imprensa a oportunidade desejadade produ/.ir algum suspense nas notícias a respeito do processo, porem para aconclusão do processo somente tiveram relevância as palavras finais do acusado. OMinistério Público e a defesa fizeram a sua parte O juiz presidente perguntou aoacusado se ele gostaria de falar mais alguma coisa antes que o tribunal se retirasse para

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manejar igualmente de modo cauteloso a imposição retroativa de medidascomo a imposição retroativa de penas.

Ademais, não só a teoria, mas Lambem a praxis da imposição da pena se abriuao prognóstico,678 Em todo caso. de acordo com o entendimento atual as penas são uminstrumento para assegurar o futuro. O princípio vicariatti<?Yl', cie sua pane, tanto naleoria como na práxis. aproximou as penas c as medidas, espera-se que no futuro o §2, VI do StGB seja suprimido ou seja limitado a outras exceções legais.

O fato de que os pressupostos processuais da punibilidoile, emprincípio, não estejam abarcados pela proibição da retroatividade, calgo evidente, O legislador pode, por exemplo, modificar o curso daaudiência principal (§ 243 do StPO), sem que através da nova orien-tação retroativa do cenário ocorra um prejuízo ao acusado. Entretanto,nós observamos várias transferências entre o Direito Penal matéria! co Direito Processual Penal. Do mesmo modo que o Direito Penal ma-terial elabora e oferece ao Direito Processual Penal as instruções debusca, o Direito Processual Penal estabelece pressupostos de perse-cução e julgamento que tem efeitos materiais - e na verdade decisivos,

a deliberação da decisão. O acusado inclinou a cabeça, levantou-se c permaneceucalado. Só que cie encontrou o rosto do seu filho que assistia com as demais pessoas nasala, e ele disse: "Eu sou culpado. Peço ao Tribunal para rejeitar a petição cia defesapelo reconheci mento do § 51 (agora § 20, W.H.). Naquele momento eu era plenamentecapaz, e hoje ainda sou. Eu sou culpado," "Quer nos explicar quais os motivos destepedido?" O acusado inclinou a cabeça novamente, permaneceu calado, oíhou para oseu filho e então disse: "Eu. tenho um filho. E c melhor para um filho que cie tenha umpai culpado, -que reconhece a sua culpa, do que ter um pai incapa/. Não se fax nenhumfavor a um homem, ao lhe negar a possibilidade de se declarar culpado. Pode pareceruma bondade e uma indulgência, mas ele está sendo humilhado. Priva-se-lhe da justiçac portanto priva-se-lhe também do perdão. Retira-se-lhe a dignidade de ser humano. Éimportante para um filho saber que seu pai cm um ser humano. Se ele pender isso, entãodirão: teu pai era um idiota. - Eu peco ao Tribunal que rejeite a petição da defesa peloreconhecimento do § 51". Compare-sc também o relatório crítico de Siunme,Eikrankungcn. - Um sistema jurídico-penai que renuncia à reprovação da culpabilida-de, mas que valora a participação interna do autor no sen ato (supra § 25, IV,2be) pode lançai- uma ponte sobre o abismo entre a "doença" e a "culpabilidade".Lcia-se outra ve^ o g 46, l, 2 do StGB.Leia-sc outra vez o § 67 do StGB.Aprofundamento c orientação mais detalhada cm Schrcibei; VcrjahriingstVtslen

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,641Assim é, por exemplo, a persecução de um ato já prescrito ", a perse-cução de um inocente (§ 344 do StGB).

Conseqiientemenle coloca-se a questão sobre a ampliação excep-cional da proibição da retroatividade sobre os pressupostos processuaisda punibilidade quando estes pressupostos sào equivalentes em seusefeitos e em sua função jurídico-estalai aos pressupostos j urídico-mate-riais. Esta questão foi intensamente discutida cm relação à prorrogaçãodos prazos prescridonais dos graves delitos cometidos pelos nazistas.O legislador a decidiu, mas teoricamente ela continua em aberto.Quem compreende a proibição da retroatividade desde o ponto de vistada proteção da confiança e da rejeição de uma surpreendente crimina-lizaçào iatica, deverá considerar a prorrogação reiroativa das disposi-ções sobre a prescrição como uma violação aos princípios democrá-ticos, como uma dominação do Direito Penal pela política.

A proibição da retroatividade não se dirige apenas ao legislador,mas também ao juiz. Pode-se elaborar leis com força retroativa, epode-se aplicar retroativamente a um fato leis que somente foramcolocadas cm vigência após o cometimento do fato. Nesse sentidovalem para o juiz os mesmos limites que para o legislador-

Porém, ao juiz inclui-se ainda uma outra complicação. A sua ativi-dade consiste, dito de um modo exagerado, em decidir o caso que lhe foiapresentado com base cm uma opinião jurídica, que ainda não vigoravaquando o fato ocorreu. Em todo caso a jurisprudência dos Tribunais su-periores tem a tarefa de desenvolver o Direito, e ela a cumpre também,quando, por exemplo, observava como uma "ferramenta perigosa" nosentido do § 223a, I do StGB no início apenas as de efeito mecânico(serra), mais tarde também incluiu as de efeito químico (pistola de gás) efinalmente incluiu também a lesão corporal grave por animais (cães açu-lados) - mas sempre insistindo que uma ferramenta perigosa é uma "fer-ramenta" que deve ser manejada, guiada pelo causador da lesão (de modoque a chapa quente do fogão, na qual a vítima venha a se sentar, não

Mí Lcia-se outra vez o § 78 do StGB642 Também o BVerfG confirmou a admissibilidade de uma prorrogação dos prazos

prescricionais: BVerfGK 25, 269 e ss., especialmente 289 e ss. Lcia-se, compa-rativamente, os §§ 18 c ss. do SlGB c os §fi 79 e ss. do StGB, concentre-se respec-tivamente na alínea 2 nos §§ 78, 79 para chegar a uma opinião sobre a distinçãoentre a prescrição da persecução e a da execução.

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043preencheria os pressupostos tipificados no § 223a, I do StGB). Para osafetados estes desenvolvimentos da jurisprudência eram de um signifi-cado decisivo do mesmo modo que uma modificação do teor do § 223a, 1.e eles naturalmente eram retroativos, porque eles só foram fundamen-tados por ocasião do respectivo caso.

Vê-se cm seguida que uma ampliação fálica da proibição da re-troatividade à jurisprudência causaria imediatamente a sua estagnação.Corno nós já vimos várias vezes, a jurisprudência vive de uma con-tínua recriação da lei, ela não tem alternativas frente às margens deliberdade semântica e à necessidade de regras de aplicação, frente òmudança social que também reflete na linguagem. Se se quisesse es-tender a proibição da retroativídade também à jurisprudência, a conse-quência ciaramente previsível disso seria a falsa exclusão da proi-bição, pois exigiria o impossível. No julgamento desta questão deve-se levar em conta que se pode proporcionar uma maior facilidade aoacusado no caso concreto para que se conceda a ele um erro deproibição (inevitável) (§ 17 do SlGB). Isto é natural: quando os juris-tas ainda não sabem o que está correio no caso concreto (e, por exem-plo, respondem de modo diferente questões jurídicas relevantes nasmais diversas instâncias), pode-se conceder ao acusado um erro nor-mativo (normativen Irrtum) - em uma extensão maior que aquelaadmitida até o momento pela jurisprudência!

Em princípio isto tudo está correio. Mas com frequência os prin-cípios produzem nos casos concretos isolados o oposto do que eles que-riam alcançar para a maioria das situações. Assim ocorre lambem emrelação à projbjclgjla re^ojtividjc!e_nçL âmbito da mrjsjmdência. Se seobservar com acuidade, se perceberão situações nas quais a comunidadejurídica tem um conhecimento mais intenso do conteúdo da juris-prudência criminal do que do conteúdo da lei penal e coloca-se tambémplena confiança na posição da jurisprudência. Este caso ocorre quando ajurisprudência constrói rigorosamente as diretrizes gerais de uma lei equando estes coniornos são transmitidos com precisão aos afetados.Exemplos disso se encontram no Direito fiscal (o que se pode deduzir?)

' Os esforços para uma precisão do § 223a do StGB podem ser analisados cm, Korperverlet/.ung, p 186 e ss

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no Direito de imprensa (onde estão os limites entre os direitos de perso-nalidade do acusado e o direito à informação?) e no Direito do iránsito.

No último âmbito jurídico mencionado se produz um conflito que reflete aprópria problemática da proibição da retrcatividadc no âmbito da jurisprudência.No que diz respeito aos limites da aptidão para dirigir, o StGB oferece umafórmula de conieúdo gera!,644 a qual foi concretizada pela jurisprudência do BGHcom os instrumentos mais precisos que a nossa linguagem possui: com os dadosnuméricos (nível percentual de concentração de álcool no sangue). A partir de umdelerminado limite (atualmente de i , l por mil para cima)645 se considera omotorista como '"absolutamente incapaz para dirigir" - isto é, sem qualquerconsideração a outros indícios pró ou contra a incapacidade para dirigir e a exclusãode provas contrárias. Antes se considerava com o mesmo caráter absoluto o limitede 1,5% e logo depois o de 1,3%.

Os meios de comunicação em geral e a imprensa especializadatransmitiam estes valores ao público, e muitos motoristas tinliam umaideia de quanto álcool eles podiam tolerar e beber para estar denlro do li-mile traçado pela jurisprudência: um exemplo académico de observânciaao Direito com base em cálculos racionais, um momento decisivo de pre-venção geral. Entretanto a jurisprudência tem se negado a estender a proi-bição da retroatividade penal no agravamento dos limites da incapacidadepara dirigir de 1,5% para l,3%.°4b Quem compreende a proibição da re-troatividade sob o ponto de vista da proteção da confiança, não poderáestender a tais casos, nos quais a concretização da lei é transmitida aosafetados com precisão através da jurisprudência, a proibição da retroati-vidade excepcionalmente na jurisprudência.ú4'

M4 Leia-se o g 316 do StGB.645 Leia-se na ocasião a BGHSl 21, 157 e ss. (sobre a regra de 1,3% vigente ante-

riormente) e a crítica incisiva de Ilaffke, Promillc-Grenze<M Pode-se recorrer aqui, comparativamente, à decisão do OLG Celie. NdsRptl 1968,

90 e ss. entretanto ela não diz nacía sobre a problemática da proibição da retroati-vidade, e nem porque se afasta desta problemática. Mas quanto a isso ela é muitomais interessante como uma prova de '"argumentação jurídica por omissão": porpassar por cima do problema (veja sobre isso supra o § 21, II).

'"" Para uma leitura comparada reco me n da-se: Schreiber, Riickwirkimgsvcrbot.

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IV. A proibição do direito consuetudinário

A terceira consequência do princípio da legalidade dirige-se so-mente ao juiz: a proibição de fundamentar uma condenação ou o agra-vamento de uma pena no direilo consuetudinário (nitllum crimen,rutila poena sine lege scripta). Sob o ponto de vista do "ethos" jurídi-co-estatal este princípio é claro c evidente; mas quanto à sua extensãoconcreta, como também quanto aos seus fundamentos conceptuais,não é tão claro. Na verdade não se sabe corretamente o que é o direitoconsuetudinário - especialmente no Direito Penal,

A teoria do contrato social rechaçava rigorosamente o direitoconsuetudinário. Era o tipo normal de fonte jurídica na época, o qual afilosofia política do Iluminismo pretendia superar. Ela devia ser escrita epossibilitar a todos verificar de onde decorrem os limites à liberdade civi I;o Direito consuetudinário. contrariamente, estava disponível, era uminstrumento exemplar - e extremamente eficaz - nas mãos dos podero-sos. A forma escrita das fontes do Direito, a possibilidade da sua leiturapor qualquer um, c um pressuposto necessário para o discurso em gera!sobre os limites à liberdade {ainda que não seja um pressuposto suficien-te). Para nós este "ethos" ainda é também evidente c importante: o recur-so a fundamentos consuetudinários do Direilo, na Direito Penal, seriacomo colocar a mão em uma "black box", em uma caixa mágica, a qualninguém, exceto o mágico, sabe exatamente o que ela contém.

Tradicionalmente se define o Direito consuetudinário como o usobaseado na convicção jurídica geral. No âmbito do Direito comercial oudo Direito do trabalho esta é uma determinação conceptual evidentementerazoável. Nela se expressa que os participantes de um conflito jurídico(por exemplo, os comerciantes ou as partes no contrato de trabalho) háum longo tempo colocaram em vigência normati vãmente determinadosmodos de atuação: eles observam entre si determinados costumes em cir-culação; eles lambem consideram isto como correto e de comum acordoobservam uma violação contra eles como uma in/ntígência ao Direito(embora esta infringência ao Direito não esteja legalmente definida); etambém é correto que no caso de conflito se atenham ao seu uso comum eque cada uma das partes conflitantes recuse insidiosamente o apelo aestes costumes em circulação, porque como não estão legalmente des-critos, seriam nulos e fúteis. Mas como se pode transferir um modelo des-

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te para o Direito Penal, no qual, recorrendo à lei, se procura justamentecombater certos tipos de conduta como, por exemplo, o furto de esta-belecimento comercial, que em certos grupos de jovens não é consideradouma infringência ao Direito, mas um esporte? E possível se imaginar umDireito consuetudinário no âmbito do Direito Penal?

Existe uma prova de que o sistema jurídico-penal lambem conhece o Direitoconsuciudinário. As descriminalizações, isto í, a revogação (parcial) de uma proi-bição ou a redução da pena cominada, não raras vezes são confirmadas por uma ar-gumentação baseada no Direito consuetudinário e impostas politicamente. Pode-seobservar isto nos últimos tempos nas cominações penais contra a homossexualidade ea interrupção de gravidez. Ali os afilados, os homossexuais e as mulheres, aluampoliticamente: eles confessam abertamente a conduia punível e afirmam que estaconduta - confraria a lei - é lícita Corno um fone indício da legitimidade "consue-tuúmána'' desta conduta vale o apelo à alia "cifra negra" nestes âmbitos, isto é, o fatode que a maioria das violações à norma escrita permanecem desconhecidas ou nãopunidas. Com isso se mostra não só que as oportunidades de criminalizarão nos atoshomossexuais e no aborto são desiguais (c é injusto escolher somente uns poucos),.senão, sobretudo, que a população, como os funcionários da justiça, "vê passar pelosseus dedos" tais tipos de conduta, porque ela mesma não está mais convencida"consuetudinariamente" do seu caráter delitivo.648

Somente a custo de um conceito amplo e detuipado de Direitoconsuetudinário pode-se manter estas estruturas e desenvolvimentoscomo um Direito consuetudinário. Elas são formas de discussão públi-ca acerca da Política criminal neste Estado, que se apresentam comoargumentos de justiça; um destes argumentos é a prova de que a leinão é (mais) considerada como justa por uma parte relevante dos afe-tados. Porém, isto não é um apeio ao "Direito consuetudinário", masao falo de que cada vez mais pessoas, além dos diretamente afetados,consideram a norma legal como injusta c político-crimmalmente erró-nea e que esta norma deve ser modificada ou eliminada.

Leia-bc neste comc\lo a decisão do LG Fmnkenthai, NJW 1968, 1685 e s. que, cmuma situação semelhante (punibilidadc do adultério de acordo corn o § 172 doStGB em sua antiga edição), impôs uma pena manifestamente bai\a para mostrarque considerava a cominação legal da pena (consuetudinariamente?t obsoleta, ouultrapassada

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A diferença entre a discussão político crimina! e o Direito con-sitetudináric mostra-se muito mais clara se se considera o papel do ar-gumento da cifra nega em outros contextos.64'' Este argumento aparecefambém, por exemplo, na discussão político-criminal acerca dos crimescontra a economia ou contra o ambiente - todavia, aqui, com umaorientação contrária: o Direito Penal económico c o Direito Penal am-biental devem ser ampliados, e !ornarem-se mais efetivos para poderemperseguir ou para apreenderem jurídico-penalmente melhor os crimesaté o momento desconhecidos ou não punidos. O papel ambivalente doargumento da cifra negra mostra que sua função se cumpre exclusi-vamente no contexto político-criminal, É orientado e determinado eraseu papel concreto por um interesse político-criminal, o qual, por umlado, está complctamente satisfeito com a amplitude do campo obscuro(e vê de maneira agradável o deslocamento do âmbito integral dos deli-tos para o campo obscuro do Direito Penal), por outro lado, considera ocampo obscuro um escândalo (e vê de maneira agradável o aumento e oreforço do foco de incriminação jurídico-pcnal e a persecução nes-te âmbito).

Além disso, se se observa o caráter das normas jurídico-penais,então se percebe, em toda a sua extensão, a relação entre o Direito legal co possível Direito consuetudinário no Direito Penal. A teoria científico-social das normas caracteriza as normas jurídicas como expectativas"contra-j'áticas"."™ Se isto vale com a mesma intensidade para todos osâmbitos jurídicos, deixaremos aqui de lado; todavia, a existência defontes consuetudinárías do Direito indica a objeção de que o exercíciofálico (certamente com o revestimento da convicção jurídica) modificafaticamente as normas legais e pode afc mesmo colocá-las fora de vigên-cia: isto c, que elas de modo algum são "contra-fáticas". Em todo caso,para o Direito Penal esta caracterização é oportuna. Ela expressa que asnormas jurídico-penais se distinguem, por exemplo, das normas técnicas

649 Análise mais abrangente e aprofundada desta discussão extraordinariamente im-portante para a Política criminal e para a argumentação político-criminal eml.iidí.'1-s.sen, DunkeLiftcr. O problema da cifra nejjra, sob o ponto de vistacrimmológico, já foi exposto antes no § 10, I.

650 Referindo-se expressamente e com oulras indicações Liílimann. Reehtsso/iologie,p. 40ess . (43).

(normas D1N ') ou das normas empíricas (leis casuísticas), de modo quea infringcncia a elas não se apresenta como refutável ou carente decorreção - tipicamente o contrário: as normas jurídico-penais precisam dodesvio; a conduta desviante e o controle do desvio com o auxílio danorma confirmam esta necessidade e a sua força; elas são "contra-fáticas". Enquanto uma pedia suspensa no ar seria uma seria ameaça àsleis casuísticas, o § 11 da BtMG experimenta uma relevância e umaatenção cada vez maior csn face do problema crescente das drogas.65'

O caráter contra-latico das normas jurídico-penais exclui a hipótesede um Direito consuetudinário no Direito Penal no sentido tradicional.Ainda que a habitualidade fálica, na convicção jurídica, possa ser umargumento sustentador de um determinado interesse político-criminal, elanão se converte em um fenómeno que o juiz pode alegar contra a leiescrita. A proibição de uma condenação ou agravamento da pena comfundamento no Direito consuetudinário - tomando por base um conceitoestrito de Direito consuetudinário - não significa portanto nada mais doque o evidente, que o juiz criminal só pode apoiar a condenação e aconsequência jurídico-penai cm uma lex scripta.

No entanto, ein um sentido menos estrito, o fenómeno do Direito consuelu-dinário pode ser de plena significação para a determinação dos limites da pumbi-lidade. Principalmente em relação ao atreito ao professor de castigar se tem admitidoque o exercício f atiço no convencimento da autorização jurídica co-delcimina os limi-tes do tipo penal de iesào corporal. O casligo corporal '"mensurado" de uma cnança na

f lDIN originariamente é a abreviatura de Deuische Industrie-Norm (norma dasindustrias alemãs;, auialmente utiliza-se ainda como abreviatura de DeulschesInslititt fiir Nonmaig ( Inst i tuto alemão de normalização).Talvez se possa ver o caráter contra-fático das normas jurídico-penais com maisexatidão se se compreender o gracejo que se situa em uma norma jurídico-pcnalque não acredita no seu próprio caráter contra-fático:"S X: Homicídio de membros cio governo:I. Quem inata o ministro da cultura, será punido com pena privativa de liberdadede um ano.II. Quem mata o ministro da defesa será punido com pena privativa de liberdadede dez anos.I I I . O homicídio do Primeiro ministro está proibido."A Sociologia íambém se ocupou com a relação positiva entre a conduta desvianlc,a punição e o poder cie validade da norma; leia-se sobre isso em Ditrkheim,

n, p. 155-164.

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escola é aprovado pelo Direito con sue ludi nano e na verdade pode sei, conse-quenlemcnte, uma lesão corporal típica, mas nào um injusto jurídico-penal; com odesmoronamento do exercício consuetudinário desmorona também a justificaçãopenal e estcndcm-sc. portanto, os limites da lesão corporal punível.6S2

Isto só se pode admitir em relação a uma generosa aplicação do conceito de''Direito consuetudinário" - uma aplicação que não se dê conla do papel do jui/,criminal, o qual tem que aprovar este "Direito consuctudinário". antes que o ulili/cmcomo justificação para uma lesão corporal. O que entre os comerciantes, que comer-cializam uns com os outros, pode fundamentar o Direito - isto é o exercício real naconvicção do que é lícito - não pode enlre professores e alunos que lesionam uns aosoutros: o Direito Penal, diferentemente do Direito comercial, deve se reservar averificação se na convicção jurídica o tipo de conduia praticada lesiona ou não bensjurídico penalmente protegidos, como. por exemplo, a saúde. O que as pessoas fa/emumas com as outras e umas contra as outras, não está subtraído do juízo do juiz.porque ele o faz com a convicção do que c lícito - ou porque não pode chegai' aosouvidos do vencido que a lesão que lhe é infligida não tem aprovação jurídica

As inseguranças sobre o que se pode considerar no Direito Penalcomo "Direito consuetudinário", levaram inclusive à diluição do con-ceito estrito de Direito consuctudinário no sistema jurídico. Assim secompreende como "Direito consuetudinário" no Direito Penal (tam-bém) o chamado "Direito judicial", isto é, o conjunto de interpreta-ções judiciais que concretizam a lei. Por proibição do Direito consue-tudinário se compreende a exigência de que o juiz. em sua interpre-tação, não pode abandonar o quadro traçado pela lei em prejuízo doacusado; se ele o abandona, então frustra a íex scrípta por meio de umDireito não escrito e assim viola o princípio da legalidade/'5"

Esta modificação do conceito de "Direito consuetudinário" é umasaída evidente. Com isso se leva em conta justamente o fato já mos-trado de que o "costume", no Direito Penal, não pode em hipótese al-guma ser o costume fático violador da lei dos indivíduos subordinadosao Direito - e ocorre inclusive com a convicção jurídica; portanto,quando cai o uso comum subsiste apenas o uso indiciai, E cm relaçãoa este último é evidente que ele pode ser uma ameaça ao princípio dalegalidade: quem fundamenta uma condenação ou o agravamento de

01 Tal modelo c os seus pressupostos são discutidos intensamente cmZuehligungsrecht, p. 40-47,

J Sobre uma relação em geral entre o Direito consucludinãno e o Direito judicial noDireito Penal: Bruigewai, Gewuhnhcitsrecht.

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uma pena em sua opinião jurídica em vez de na lei, infringe o Art.]03, TI da GG e o § l do StGB. Tal determinação do conceito de "Di-reito consuetudinário" tem apenas um defeito - mas com ceneza deci-sivo: ela anula os limites da quarta e última exigência que o princípioda legalidade apresenta, a "proibição da analogia".

V. A proibição da analogia

A proibição de ampliar a lei penal por analogia em prejuízo doacusado - seja quanto aos pressupostos da punibilidadc ou quanto àdeterminação da pena - é a indicação central do princípio da legali-dade ao juiz penal (nullum crimen, nulla poena sine lege atricta). Estaproibição abrange o que uma generosa determinação do conceito deDireito consuetudinário acrescenta erroneamente ã proibição do Direi-to consuetudinário: um direito judicial que ultrapassa os marcos legaisem prejuízo do acusado. Também a proibição da analogia, em suaorientação democrática, é clara c evidente;654 mas atualmentc não estátotalmente claro se e como é possível realizá-la.

Se se quer compreender e valorar esta proibição é preciso saber oque se quer dizer com "analogia". Um exemplo clássico de aplicaçãoanalógica do Direito oferece a proibição de levar consigo quadrúpedes("quadrupes") em determinados lugares - levando em conta que osgrandes animais cheiram mal e podem ser inconvenientes. Ao esper-talhão que tem a ideia de levar consigo um avestruz, que na verdadelem apenas duas patas, mas que, ao contrário, cheira mal e pode geraros mesmos inconvenientes que os quadrúpedes, se diria com o argu-mento da aplicação analógica do Direito que: na verdade, nós reco-nhecemos, o teu pássaro tem apenas duas patas. Nossa proibição não éimediatamente aplicável a ele. Mas veja o sentido da norma. O pás-saro preenche todas as medidas. Portanto, aplicamos analogamente aoteu bípedc a proibição ao quadrúpede.

Este discurso expressa a estrutura da aplicação analógica do Di-reito. Dois casos, duas situações são discutidas aqui. Um caso (o do

Um resumo bastante hreve e digno de nota sobre a história da proibição daanalogia em Mauruch/Zipf, AT, p. 124 e s.

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quadrúpede) está claro: um candidato positivo da norma. O outro casoé um candidato negativo, a este candidato faltam duas patas. No en-tanto, uma questão ainda permanece aberta: se em um plano mais ele-vado que o da comparação direta, por exemplo, entre um suíno e umpássaro grande, não existem semelhanças entre ambos. E com efeito:se se formula a "tertium comparationis", isto é, o terceiro que servede base aos dois candidatos tão diferentes, então os dois se mostramcomo semelhantes, como comparáveis; sob o ponto de vista dosinconvenientes, a ave e o suíno são iguais. Mas este ponto de vista é oque está por trás da norma de proibição de que os quadrúpedes devemser mantidos afastados. A norma foi formulada de modo grosseiro,porque exclui (pelo menos) um não-quadrúpede que na verdade, peloseu sentido, ela deveria trazer consigo. Isto é, a norma contra osquadrúpedes pode ser aplicada por analogia aos bípedes, porque, sob oponto de vista da finalidade da norma, da tertium comparationix,ambos são comparáveis um ao outro,ú5í

O princípio da legalidade proíbe no Direito Pena) tal ampliaçãoda norma (em si "racional") aos casos que não estão formulados nela,mas são imaginados. No conflito entre o teor (que alcança tão pouco)e o sentido (que incorreta ou incompletamente é representado peloteor) a proibição da analogia vota estritamente pelo teor. Aceiía-sequanto a isso que o fim que é perseguido com uma norma jurídico-penal, continua impossível de se alcançar quando este fim não seencontra materializado na linguagem da norma. A possibilidade de umdesvio através de uma lertium comparationis até um candidato ne-gativo é vedada ao juiz. Se ele não chega a um resultado tão só com oteor, deve se dar por satisfeito com a negatividade dos candidatos.Entende-se que o Direito Penal aceita a impossibilidade de alcançar afinalidade da norma somente no ponto em que sobrecarregar oacusado com a punibílidade ou a consequência jurídico-penal: in ma-lam partem. Quando for para favorecê-lo o juiz pode referir-se àtertium comparationis. A proibição da analogia é uma aquisição doEstado de Direito do mais alto grau; com ela o Direito Penal renuncia

Quem quiser se informar sistematicamente c expressamente sobre a analogia comomeio de corrcção das regras legais incompletas ou mesmo deficientes, leiaEngixch, Emfuhmng, p. 142-156, ou tarem. Methodenlehve, p. 365-375

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em favor do acusado não só à realização do fim da norma, comotambém à possibilidade do seu desenvolvimento judicial sobre o teorda lei para além da orientação da vontade da lei. Vejamos como ajurisprudência aplica a proibição da analogia.

O BGH teve que decidir um caso cm que alguém, com o auxíliode um automóvel, tinha subtraído o produto do furto de uma flo-resta.úi6 A norma jurídico-penal prescrevia que se deveria considerarum furlo qualificado de floresta quando o autor utilizava para a subtra-ção dos troncos, de um animal de carga, um barco ou carroça. O BGHconfirmou a condenação como furto qualificado, O Tribunal argumen-tou que a lei queria impedir três coisas: os danos às arvores mais jo-vens; a rápida evasão; a possibilidade de transportar grandes quantida-des de troncos. Isto tudo vale também em relação ao automóvel. Por-tanto, o automóvel é comparado à "carroça no sentido da lei".

Esta estrutura de argumentação perpassa em todas as partes a jurisprudênciacriminal - ainda que nem sempre com tai nitidez. Para explicar a possibilidade deanalogia no Direito Penal, não c necessário recorrer a uma ideia audaciosa de queum juiz aplica o § 175 do StGB por analogia a atos de lesbianismo. Basta observarquanto a isso, a fundamentação da jurisprudência, a qual procura comprovar que afixação de cartazes ern uma caixa de distribuição do correio c um crime de dano aesta caixa (§ 303, I do SlGB) - embora o caria,: (ainda que corn algum esforço)possa ser retirado; embora a utilidade técnica da caixa não seja prejudicada; emborasob o ponto de vista estético, com um cartaz mesmo daquela qualidade, ela possa setornar mais bela.657

Qualquer um pode ver imediatamente que o Tribunal forneceuurn exemplo clássico de analogia, cuja qualidade didática se iguala ado quadrúpede. Infelizmente o Tribunal deixou de lado o problemasobre se aqui não se teria exercido, talvez, a analogia proibida in ina-lam parlem - um outro exemplo de exercício jurídico-teórico de umaargumentação por omissão.65* Se o Tribunal tivesse levantado a quês-

\

- ' Leia-se a decisão do BGHSi 10, 375 e s. minuciosamente (ela c breve) e analise asequência dos argumentos. Pode-se localixar nesta decisão inclusive a aplicaçãodas teorias da interpretação (gramatical, sistemática, histórica, ideológica),

fe7 Leia-se, sob o ponto de vista de que se um candidato negativo (coloca cartazes),alravís de uma íenium comparationis, pode se converter em um candidatopositivo ("dano"), a decisão do RGHSt 29. 129.

fas Veja supra 5 21 e neste g.

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tão. certamente responderia: nós não transmitimos por analogia oelemento "carroça" (proibido) ao veículo, mas nós apenas interpreta-mos extensivamente o elemento "carroça" (o que naturalmente está au-torizado), abrangendo também o automóvel. O limite crítico do princí-pio da legalidade está na diferença entre a interpretação extensivaautorizada e a analogia proibida. Estes limites fluem.

Pode-se dizer com uma certa precisão que (rata-se sempre deanalogia quando o caso que deve ser decidido (o avestruz, o automó-vel, a colocação de placas) é um candidato negativo da norma, en-quanto se deveria falar de interpretação extensiva quando o candidatoc apenas neutro. Com esta distinção seguramente correta se expressaque a analogia c a transferência da norma a um outro âmbito, enquantoa interpretação (extensiva) é somente a "ampliação" da norma até ofinal do seu próprio âmbito. Mas; onde estão os limites entre a "trans-ferência" c a "ampliação", entre a negatividade e a neutralidade de umcandidato? Quem conhece o âmbito da norma?

O âmbito da norma, nesse sentido, é a sua margem semântica, aqual, pelo que nós vimos,66'1 não "existe". Somente com a aplicaçãoconcreta da norma, mesmo que se comprove se o caso que se devedecidir é ou não um caso desta norma. Só o emprego de regras de

Sobretudo na jurisprudência do KG, menos na do BGH, encontram-se lambemdecisões nas quais c Tribunal marca o;, limites para u interpretação proibida crechaça a -ultrapassagem destes limites. Compare, por exemplo, a famosa decisãodo KG sobre a questão de que se a subtracão fraudulenta de energia elétrica é"sublracão"' de urna "coisa" no sentido do § 242, I do StGB: KGSi 32, 165 c ss.(especialmente 185-188). Já com a existência do atual § 248c do StGB pode-severificar que o KG decidiu negativamente esta questão. Mas hoje é duvidoso se oBGH se manteria igualmente de modo meticuloso pelo teor da lei; comoconsequência da sua política de iniciprctacão de se basear de modo "mais próximoa vida" c "racional", encontra-se o fato de que o legislador do StGB, seguramente,leria cominado com pena a subtracão de energia elétrica, quando lhe ocorresse talcaso. Pode-se estudar esta alitude na decisão do BGH de í 8.1980 (N J W 1980,2535=JuS 1981, 299, n. 10) sobre a emissão de títulos falsos, onde o Tribunalmanifestou-se contra uma decisão proferida pelo OLG Stuttgart (NJW 1980, 2089-JuS 1981. 64, n. 10) que tinha discutido sobre a analogia e a interpretação exten-siva. Em um período mais recente o BGH parece ter se preocupado mais energica-mente com a proibição da analogia; leia-se o BGIISi 34, 171 e 35. 390(395).Supra §§ 20, 21. O fenómeno dos candidatos positivos, negativos e neutros eexplicado supra § 21, I.

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aplicação concretiza a norma. Se a fixação de cartazes é um "dano" àscaixas de distribuição do correio no sentido do § 303,1 do StGB, só sesabe (e não de modo definitivo e livre de qualquer dúvida) quando seaplica o § 303,1 do StGB a tal caso: a margem semântica de uma nor-ma se concretiza somente no ato de compreensão da norma, no ato deaplicação do Direito.

Surge mais uma complicação. Se se pergunta de onde o juiz extrai realmente asinformações com as quais ele concretiza conceitos como "carroça"' ou "dano" paraaplicá-los ao caso, só se pode dar uma resposta: do sentido da norma, da sua origemhistórica, da sua situação sistemática na lei. A interpretação gramática!, portanto,depende de outros métodos de interpretação, e não só está em contradição, mas cmrelação com eles. Se - eomo ocorre via de regra - nem a vontade do legislador podeser transmitida livre de qualquer dúvida e nem a posição sistemática da norma dizalgo relevante, então só fica o "sentido" da norma, para desenvolver nele o signi-ficado concreto da palavra. O "sentido" está sempre presente (os métodos de inter-pretação objelivo-teleológico de acordo com os quais se questiona, levam sempre aum objctivo - mas qual!), não porque ele precisa ser '"transmitido", como, por exem-plo, a vontade do legislador, mas porque ele pode estar acompanhado da norma. Asindagações podem fracassar (o legislador se cala ou tala contraditoriamente), a atri-buição de sentido não fracassa jamais (e por isso continua sempre problemática, sem-pre em suspenso). Ainda que o juiz nada saiba ou nada descubra sobre a vonlade dolegislador histórico, ainda que ele não diga nada sobre a situação sistemática da norma- ele sempre tem uma representação do sentido objctivo da norma ou pode formá-la(mas talvez ela seja "falsa"): do sentido, da finalidade da norma se extrai geralmente aUireção na qual o teor da norma deve se concretizar

A aplicação do Direito é portanto um procedimento analógico^Uma norma jurídica de modo algum pode ser compreendida sem levarem consideração o seu sentido, a leniam compamlionis, que une e tornacomparáveis os casos uns aos outros, que sào os "casos desta norma".Quem se pergunta se o "furto de coisa achada" é uma hipótese do § 246,1do StGB, embora não se dê a retenção do objeto da apropriaçãofiú2 ouquem se coloque qualquer questão jurídica que não seja (rivial (o falo deque a carteira é uma "coisa" no sentido do § 242 ou do § 246 do StGB,

M" Aprofundamento c especificações sobre este problema na teoria geral da obtençãodo Direito em Arlhtir Kaufmann, Analogie, p 302-319, e em B. Schiitiemann.NullapoenaAprofundamento sobre a discussão acerca da punibilidade do furto de coisaachada cm TenMioff, Unterschlagung. 777 (Fali 5)

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não interessa aos penalistas), não poderá responder sem recorrer aosentido da norma. Por estas razões se tem dito que a aplicação do Direitoé um processo circular entre a lei e o caso, que é comparável a um espiraique se eleva, corrige e aperfeiçoa em um processo mútuo de compreensãoentre a norma e a situação fática. É aí que se situa a cruz da proibição daanalogia. Nós tínhamos dito justamente que no conflito entre o teor e osentido da norma a proibição da analogia vota estritamente pelo teor. Masagora vemos que o teor mesmo não é suficiente sem o sentido. Pois todaaplicação do Direito é analogia, porque a compreensão da norma, aindaque seja não-trivial, não pode renunciar à tertium comparationis, nãoexiste um limite claro entre a interpretação permitida e a analogia proi-bida. O argumento de que o automóvel através da simples interpretaçãotoma-se uma "carroça" não c refutável

O que quer dizer então a proibição da analogia? Parece como se elafosse um medicamento sem efeito para a tranqiiilização das críticas doEstado de Direito a uma jurisprudência amplamente afastada da lei.

Com a proibição da analogia se procede como com todo princí-pio normativo e toda norma jurídica: pode ser tratada sem que o trata-mento possa ser indicado de modo preciso e visto por todos. Não exis-te um procedimento probatório para a sua violação. Nós aceitamos fa-cilmente este fato com outras normas e princípios jurídicos. Na proi-bição da analogia, em relação à qual não se procede de modo dife-rente, este fato c visto corno um estorvo e um aborrecimento, porque aproibição da analogia deve limitar justamente a interpretação da lei. Ofato de não poder fazê-io rigorosamente é visto com uma violação aoprincípio da legalidade. Todas as tentativas de salvar os limites do teorpela proibição da analogia, tentativas que vão de encontro ao sólidomuro de ligação entre o teor e o sentido, são expressão do mal-estar edo desengano face a um instrumento que deve limitar a interpretaçãojudicial da lei, mas não pode cumprir esta tarefa. Se se pergunta outravez se a proibição da analogia mesma é subtraída à interpretação judi-cial: seguramente não. Se ela mesma está submetida à interpretaçãojudicial: como - de fora - se vai limitar a atividade interpretai!vá!

Apesar de tudo, a proibição da analogia é um pilar fundamental doDireito Penai do Estado de Direito, e sua substituição pelo "sadio senti-mento do povo" no Direito do nacional-socialismo não implicou na eli-minação de uma fórmula vazia, mas na eliminação de um instrumento

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663política e também simbolicamente eficaz,. A proibição da analogia nãoé uma medida exala, mas c um forte argumento. A reprovação por teraplicado a lei em prejuízo ao acusado, é rigorosa e deve ser mais rigorosaainda em nossa cultura jurídica. Fora do debate público e jurídico acercada exatidão da interpretação das leis não há nenhum critério correio deinterpretação. Na luta pela interpretação correta, a proibição da analogiareforça os motivos daqueles que defendem uma relação estrita do pronun-ciamento judicial com o teor da lei e dos cépticos em face da atribuiçãoteleológica-objetiva do sentido. Nem mais, mas também nem menos.

CAPÍTULO 4Ameaças à vinculação: os bens

jurídicos universais e os "grandes transtornos"

A vinculação do juiz à lei - uma exigência fundamental do DireitoPenal do Estado de Direito064 - não pode, como sempre se tem aduzido,ser integral: a experiência e a linguagem, a abertura dos princípiosjurídico-linguísticos para o mundo e para o futuro abrem também osprocessos de aplicação e de compreensão das normas jurídico-penais.665

Mas se faz um esforço. O sistema jurídico-penal tenta assegurar, atravésde muitos caminhos principiológicos e pragmáticos, que os casosjurídico-penais sejam decididos de acordo com a lei comum e não deacordo com a vontade particular do juiz criminal.MG

No período mais recente aparecem sinais de uma redução dos es-forços em assegurar a aplicação da lei penal. O sistema jurídico-penalse "moderniza" na praxis e na teoria e consideram-se os princípiostradicionais do Direito Penal material progressivamente como antiqua-

66j A eficácia jurfdico-política da proibição da analogia confirma-se também em facedas investigações jurídico-materiai s sobre a jurisprudfincia do Senado Criminal doIÍG e do BG1I. Compare-se Priesier, Analngieverbot

664 Capítulo l do Quarto Livro.66? Capítulo 2 do Quarlo Livro.hlj' Capítulo 3 do Quarto Livro

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