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GRANDE LOJA DE SANTA CATARINA REAAINTRODUÇÃO À FILOSOFIA INICIÁTICA DA MAÇONARIA APRENDIZ-MAÇOM 2 0 0 3

Introdução Geral a Filosofia Iniciatica Aprendiz Pela GLSC

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Page 1: Introdução Geral a Filosofia Iniciatica Aprendiz Pela GLSC

GRANDE LOJA DE SANTA CATARINA

R∴∴∴∴E∴∴∴∴A∴∴∴∴A∴∴∴∴

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

INICIÁTICA DA MAÇONARIA

APRENDIZ-MAÇOM

2 0 0 3

Page 2: Introdução Geral a Filosofia Iniciatica Aprendiz Pela GLSC

INTRODUÇÃO GERAL

À

FILOSOFIA INICIÁTICA

E AOS

MISTÉRIOS ANTIGOS ( I )

ORIGEM E SENTIDO

DOS

MISTÉRIOS

Page 3: Introdução Geral a Filosofia Iniciatica Aprendiz Pela GLSC

INDICE

- À guisa de justificação ................................................ 7

- Resenha histórica das iniciações antigas ...................... 10

- Síntese da evolução cultural-religiosa .................... 10

- O símbolo, o mito e o rito ..................................... 14

- Filosofia dos Mistérios Orientais ................................... 20

- A origem e o conteúdos da religiosidade da Índia . 21

- O Budismo .......................................................... 25

- O Taoísmo .......................................................... 30

- O Confucionismo ................................................. 32

- O Xintoísmo ........................................................ 32

- Doutrinas e Moralidade das Iniciações Orientais .......... 35

- Resumo histórico das Iniciações hindustânicas ..... 35

- Introdução Geral .............................................. 35

- A Iniciação Hindustânica ................................... 37

- As Cavernas .................................................... 37

- As Iniciações ................................................... 40

- Resumo histórico das Iniciações Persas ................. 49

- As Iniciações ................................................... 54

- Investidura e Instrução .................................... 59

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- Resumo histórico das Iniciações Gregas ................ 62

- Requisitos do Aspirante à Iniciação ................... 64

- Segundo Anaximandro ................................ 64

. Segundo Pitágoras ...................................... 65

- Segundo Platão .......................................... 69

- As Iniciações ................................................... 72

- Epílogo deste Capítulo Terceiro ......................... 73

- Introdução Geral aos Mistérios Antigos ........................ 74

- Suméria e Acádia ............................................. 74

- Assíria e Babilônia ............................................ 81

- A Epopéia de Gilgamesh ................................... 91

- O combate com Umbaba ........................... 93

- A cólera de Ishtar contra os dois heróis ...... 94

- A morte de Enkidu .................................... 95

- Gilgamesh procura a imortalidade .............. 96

- Bibliografia ................................................................ 99

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À GUISA DE JUSTIFICAÇÃO Irmão Aprendiz:

“É preciso dizer e repetir: Não é a necessidade de novidade que atormenta os espíritos; é a necessidade de verdade, que é i-mensa”.

(VITOR HUGO, em “Odes e Baladas”.)

Como três recomendações, ANTES DE INICIAR A LEITURA:

1. Neste último Fascículo Isolado do seu Grau de Aprendiz, reveste-se de singular e extraordinária importância para o seu aprendi-zado maçônico-iniciático a grande e expressiva maioria das notas de rodapé. Precisamente por isso, não deixe de deitar suas vistas ne-las. Estão revestidas de importância suplementar e muito auxiliam, não raras vezes, na melhor e mais ampla compreensão do texto.

2. Sempre que no texto, ou em nota de rodapé, ocorrer a transcrição de uma lenda, não a despreze: leia, reflita e procure interpre-

tá-la, tentando extrair o maior número possível de mensagens – positivas ou negativas – que nela, como símbolo, estão veladas. É um exercício ímpar para o crescente domínio do simbolismo, particularmente o maçônico. Valha-se, quando necessário, do Fascículo Isolado “A Simbólica Maçônica”.

3. NO CAPÍTULO TERCEIRO, SEÇÕES I, II E III, EM CERTOS TEXTOS APARECERÃO FRASES EM NEGRITO E SUBLINHADAS CADA

UMA DE SUAS PALAVRAS. PROCURE FAZER UMA ASSOCIAÇÃO OU COMPARAÇÃO ENTRE O QUE ELAS DESCREVEM COMO CERIMONIAL INICIÁTICO E O QUE SE PASSA PRESENTEMENTE NAS INICIAÇÕES MAÇÔNICAS. DEPOIS, EXTRAIA AS SUAS CONCLUSÕES PESSOAIS E FAÇA OS SEUS PRÓPRIOS COMENTÁRIOS.

A sua Loja, em particular, e, em geral, todas as demais Lojas jurisdicionadas que se representam na GRANDE LOJA DE SANTA CATARINA, têm nu-

trido a salutar esperança de que, ao longo de todos estes meses em que fluíram as Instruções Clássicas e seus Complementos, bem como os Fascículos Isolados versando “A Ciência Simbólica”, as “Noções Gerais de Filosofia Pura” e a “História dos Períodos Operativo e Especulativo da Maçonaria”, tenham incutido no Irmão uma base mínima e preparatória, suficientemente capaz para “iniciá-lo” nas primeiras páginas que certamente o levarão a entender, mesmo panoramicamente, a Filosofia Iniciática da Maçonaria, que, por óbvio, não pode ser conceituada ou definida com meia dúzia de palavras, tamanha a sua dimensão e complexidade.

Essas primeiras páginas exibem-se agora neste último Fascículo Isolado sob o título de “Introdução Geral à Filosofia Iniciática e aos Mistérios Anti-gos”, cuja primeira parte, na sua evidente superficialidade, toma o nome de “Origem e Sentido dos Mistérios Antigos”, sendo que as outras duas estão re-servadas para os Graus de Companheiro e Mestre, as quais não passam, em última análise, de uma exposição mais vasta e aprofundada desta primeira parte.

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Contudo, para que o Irmão Aprendiz não se sinta “no meio de um deserto cujos horizontes tocam o céu”, ou seja, para que possa assimilar com o máximo de facilidade e proveito esse temário – que, inegavelmente, é complexo e difícil –, impõe-se que tenha o domínio de algumas noções preliminares relacionadas à antiguidade do Homem, de sua cultura e de suas crenças, coligando-as a uma cronologia superficial, que é de notável importância para a absorção de tais noções, que se abrirão desde logo, isto é, já na “Introdução Geral’.

Para este Fascículo, como também para os dois outros que serão destinados às outras duas partes antes referidas – já pela inegável importância

na sedimentação do fundo de cultura geral do Irmão; já pelo seu acentuado relevo como auxílio benfazejo no trilhar a senda iniciática que as Colunas Zo-diacais estão simbolizando; já pelo deliberado propósito que objetiva a GRANDE LOJA DE SANTA CATARINA em converter o Irmão em MESTRE plenamente consciente e apto a desempenhar o seu verdadeiro papel nos ideários filosófico e espiritual que inspiram e alimentam a Maçonaria Universal – foi selecio-nada uma bibliografia de primeira água, quase toda ela euro-americana em face do notório pauperismo de obras nacionais especializadas. E ainda mais: bibliografia em que os autores, maçônicos ou não, são da melhor e mais reconhecida estirpe nos assuntos ou temas por eles abordados.

Convencida está, portanto, esta GRANDE LOJA, tanto quanto a própria Oficina do Irmão, ainda Aprendiz, que saberá haurir e assimilar com ine-quívoco proveito o conteúdo das primeiras páginas deste verdadeiro universo, não apenas literário, mas também místico-esotérico em que se enclausura e se vela a Filosofia Iniciática da Maçonaria.

Ao concluir este estudo preliminar, o Irmão não apenas irá compreender – e se convencer! – em definitivo quanto à razão de ser da massificação instrucional que se instaurou com a sua Iniciação, como também de que já está dando os últimos passos no caminho esotérico-iniciático estendido entre as Colunas Zodiacais dos signos de Leão e Virgem, e assim, já muito próximo do também esotérico “topo da Coluna do Norte”.

Parabéns pela sua dedicação, pelo seu carinho devotado ao ideal maçônico e, sobretudo, pelo êxito, sofrido mas supinamente merecido, já se tra-duzindo pelo direito a ser materializado no justo e perfeito “aumento de salário”, que se avizinha.

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INTRODUÇÃO GERAL

À

FILOSOFIA INICIÁTICA

E AOS

MISTÉRIOS ANTIGOS ( I )

ORIGEM E SENTIDO DOS MISTÉRIOS

Título I

RESENHA HISTÓRICA DAS INICIAÇÕES ANTIGAS

Capítulo Primeiro

INTRODUÇÃO GERAL

1. Síntese da evolução cultural-religiosa

Inicialmente, considere-se – aqui, em quadrantes supinamente apertados da Antropologia Cultural – a lenta, muito lenta, evolução do gênero ‘ho-mo’ para chegar ao ‘homo erectus’ e daí prosseguir para alcançar o ‘status’ de ‘homo sapiens’ e deste, finalmente, ao homem moderno. Foi uma longa, muitíssimo longa caminhada que se desenvolveu no período de tempo estendido entre 2.000.000 e 10.000 anos e depois entre 10.000/5.000 anos a.C., aproximadamente, e de 5.000 aos nossos dias atuais.

Passou de quadrúpede a bípede, evoluiu em sua capacidade cerebral, medianamente de 600 a 1.600 cm³. Num primeiro estágio desse período,

mais não fizeram os nossos ancestrais senão inventar o utensílio grotesco traduzido pelas pedras lascadas, pedaços de sílex, seixos rolados e, outros, bifa-cetados. Descobriu o fogo e iniciou-se na caça de animais de grande porte. Num segundo estágio, aprendeu a viver em grutas e outros abrigos naturais, mas sem abandonar a vida ao ar livre. Só bem mais tarde é que manifestou sua propensão artística através de gravuras e pinturas nas paredes das caver-nas, de uma arte rupestre e de outra, mobiliária-funerária. Aprendeu a viver da caça e da pesca.

Mas houve um momento nessa enorme esteira do tempo em que o Homem se deu conta de que era um ser inteligente e passível de inquietações,

e entre as primeiras delas localizavam-se as que estiveram relacionadas ao chamado “mito” 1, porque este sempre esteve ligado aos grandes temas da vi-da, à realidade e inevitabilidade da morte e às forças insuperáveis da Mãe-Natureza. O mistério sempre esteve à testa do homem, convertendo-se num de-safio que precisava ser vencido, principalmente aqueles que se referiam aos fenômenos da Natureza. Diante das insuperáveis forças naturais – a tempes-tade, o trovão, o raio, as inundações, as nevascas, para exemplificar – que o homem não podia vencer ou evitar, e, menos ainda, prever; somadas, ade-mais, a essas forças, a carência de alimentos nas regiões áridas que o conduziam ao natural nomadismo e, por fim, à morte, levou tudo isso a que ele sen-tisse medo, impotência, espanto e respeito, e por isso sentiu a necessidade de bem “relacionar-se” com esses “poderes superiores” que não podia identifi-car, mas de cuja existência não mais podia ter dúvidas. Esse “relacionamento” traduziu-se na criação de lendas, superstições, feitiços, magias, amuletos, oferendas, cultos, tótemes, tabus que desaguavam, todos eles, na prática de rituais e sacrifícios onde pontificavam danças, transes derivados de estupefa-ciantes destinados aos mais variados fins, principalmente o de afastar ou neutralizar aqueles eventos fatídicos produzidos pelo “ser invisível”, causador tanto da sorte como da fatalidade 2.

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Chegando ao ‘status’ de ‘homo sapiens’ – que só veio a acontecer no período entre os últimos 200.000 e 10.000 anos a.C. – foi possível constatar que essa espécie humana teve os seus mitos, e portanto, teve crenças e lendas, teve vida religiosa porque o final desse período transmite as primeiras no-tícias da ornamentação dos corpos e das pompas quando do sepultamento dos mortos. Numa rápida incursão a essa remota antiguidade, ir-se-ão encon-trar descrições de desenhos em peças arqueológicas evocando as mais estranhas figuras animalescas com características humanas, levando a suspeitar tratar-se de “feiticeiro” mascarado praticando magia, pois esta sempre foi definida como a arte que age sobre a natureza, as coisas e os seres através de rituais ocultos destinados à produção de efeitos extraordinários e para os quais o homem do Paleolítico empregou o som e a imagem – aquele, através de gritos e cantos orgiásticos, ritmo de tambores e outros instrumentos de ressonância; esta, na representação da finalidade pretendidamente alcançável por meio de figuras ou símbolos.

Naquela fase em que viveu o ‘homo sapiens’, sabe-se que os que eram caçadores consideravam os animais em tudo semelhantes a eles, porém

possuidores de poderes extraordinários. Além disso, acreditavam que o homem pudesse se converter em animal e por isso a morte deste era passiva de um certo ritual, emprestando aos ossos e em especial ao crânio um valor todo particular e muito especial. Entre 70.000 e 50.000 anos são encontradas se-pulturas que se revestiam de um simbolismo funerário, induzindo à ideia da existência de religiosidade: o enterro dos mortos significava para os vivos uma espécie de precaução contra o possível regresso do defunto e também alguma crença na sobrevivência, já que os túmulos continham mobílias e daí a conjetura de que o homem desse período admitia que o defunto haveria de ter alguma atividade ‘post mortem’. Assim, haveriam de acreditar numa sobre-vivência pessoal. MIRCEA ELIADE 3 afirma, com a sua autoridade de “sumo pontífice” da História das Religiões, que o homem da pedra lascada tinha seus mitos cosmogônicos sobre a água e o Criador, que simbolizava numa figura antropomórfica 4 ou num animal aquático. Tinha mitos, ritos e símbolos relati-vos à ascensão ao céu, ao arco-íris coligado à ponte que liga a terra ao outro mundo; mitos sobre a origem dos animais e do fogo e até mesmo sobre a sacralidade da abóbada celeste. Valorizavam o aspecto mágico-religioso da linguagem, qualquer que ela fosse, evidenciando que “certos gestos podiam in-dicar a epifania 5 de uma força sagrada ou de um mistério cósmico”.

No período que se estendeu entre 10.000/9.000 e 5.000/3.000 anos a.C. entra-se na chamada “Idade da Pedra Polida” ou “Período Neolítico”, ob-

servando-se um significativo avanço cultural pela riqueza e aperfeiçoamento dos utensílios – agora do já chamado “homem moderno” –, através do fabrico de potes de argila para armazenamento de água e alimentos, no cultivo agrícola e na domesticação de animais, como também um refinamento nos costu-mes funerários, já porque os cadáveres eram coloridos ou pintados com ocre e sepultados em posição fetal, já porque os crânios também eram envolvidos pelo ocre, salvo algumas exceções, e eram associados à “descoberta” da alma, do outro “duplo” do homem neolítico. Desenvolveram-se, igualmente, a ar-te e a técnica de trabalhar os metais no fabrico de armas e instrumentos. É mais ou menos nesse estágio da cultura humana que se teria desenvolvido a ideia do ancestral mítico, que casa à perfeição com aquela outra ideia mitológica sobre a origem do mundo, da caça, do homem e da própria morte. É nesse período que se desenvolvem a agricultura, a domesticação dos animais e a formação das primeiras aldeias, ou seja, o começo da vida gregária 6 em contraposição ao nomadismo até então praticado. É aqui no Neolítico que se acentuam, como afirmado acima, os vestígios reveladores do domínio dos utensílios, e por isso o sensível aumento não só da capacidade imaginativa, como também da cada vez maior intimidade do homem – ainda primitivo – com a matéria, fato esse que irá refletir-se na própria mitologia, ainda em formação. Bem afirma MIRCEA ELIADE 7: “os progressos realizados durante o Mesolítico 8 põem fim à unidade cultural das populações paleolíticas e desencadeiam a variedade e as diferenças, que se tornarão na principal característica das civilizações”. E assim evoluindo e chegando às cercanias dos anos 4.000/3.200, vieram os sumérios a inventar a escrita, posteriormente aperfeiçoada pelos egípcios, quando então estavam findos os chamados períodos pré e proto-históricos da Humanidade.

2. O símbolo, o mito e o rito

São exemplares as palavras de PAUL POUPARD 9, referindo-se aos símbolos, mitos e ritos, as quais, pela inegável precisão, merecem ser aqui transcritas com os devidos destaques em negrito porque tocam muito de perto à aprendizagem maçônica do Irmão: “Na vida do homem religioso, o símbolo constitui a linguagem das hierofanias. Através do símbolo, o mundo fala e revela modalidades do real que não são evidentes em si mesmas. Os símbolos religiosos

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que tocam às estruturas da vida fazem ressaltar uma dimensão que transcende a dimensão humana e permite uma busca direta da realidade última. O pensamento simbólico precede a linguagem e faz parte da substância da vida religiosa. O ‘homo religiosus’ é um ‘homo symbolicus’. A experiência do mito é, também, uma experiência do sagrado, dado que coloca o homem em contato com o mundo sobrenatural. O mito apresenta-se como uma história ver-dadeira, sagrada e exemplar, que fornece ao homem religioso modelos para a sua conduta. Os mitos cosmogônicos, os mitos originais, os mitos de reno-vação, os mitos escatológicos orientam a atividade do homem religioso, fornecendo-lhe uma mensagem normativa. Alicerçando-se na imitação de um mo-delo transcendente, na repetição de um cenário exemplar, o mito mantém, no homem, a consciência do divino: graças a ele, o mundo torna-se transpa-rente para o homem religioso. No mito, há uma referência a um arquétipo que confere força e eficácia à ação humana. O arquétipo apresenta-se como um modelo primordial, cuja origem se encontra no mundo sobrenatural. O homem religioso realiza este modelo na terra. Por isso, ele tem necessidade de um ritual que dá força e eficácia à sua realização, colocando-o em concordância perfeita com o arquétipo. O efeito do ritual é conferir uma dimensão real à a-ção do homem religioso. Os ritos de iniciação fazem passar o homem da sua condição profana a uma existência nova, marcada pelo sagrado. A iniciação equivale a uma mutação ontológica do regime existencial. É, portanto, através dos símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce a sua função de mediação na vida do ‘homo religiosus’, através do qual ele busca a possibilidade de entrar em contato com a fonte do sagrado, isto é, o sagrado como rea-lidade transcendente. Enfim, o ‘homo religiosus’ é um leitor e um mensageiro do sagrado”.

De fato, conta-nos o mito a respeito dos começos e dos fins, da criação e da destruição, explica-nos o como e o porquê da vida. É ele que desnu-

da e mostra a alma de um povo. Não é ele uma mera história de algum fato ou de alguma coisa, mas sim um elo na grande corrente da vida humana; um elo velado, como velado sempre esteve o ritual, mágico ou não, que a ele se associou. Afirmavam os índios Sioux, de Winnebago, a respeito de seus rituais mágicos: “Nunca fales deste a alguém. Conserva-o absolutamente secreto. Se o revelares, será o fim do mundo. Morreremos todos.” 10 .

Foi o mito o fator preponderante no incremento moral, religioso, familiar e político das sociedades, desde as mais primitivas até as atuais, como

bem mostram as catástrofes e as vitórias contidas nas lendas e poemas que estrelaram nas prolíficas mitologias do Oriente e no portentoso panteão dos deuses gregos, que já haviam sido humanizados. É o mito que descreve a grande trajetória humana ao longo dos séculos e milênios; o nascer, o evoluir e o desaparecer de suas conquistas espirituais, sociais e políticas, as suas tradições vindas desde os recuados tempos em que, do gênero ‘homo’, viu-se al-çado à espécie ‘homo sapiens’, pois desde lá, mesmo no seu estado de barbárie, já se encontrava predominado pelo mito. Todos os antepassados das mais distantes e conhecidas civilizações – dos sumérios aos babilônios; dos egípcios, hindus, persas e gregos, para citar alguns – deixaram-se influenciar pelos mitos já existentes e pelos que criaram. Não foi sem razão que MIRCEA ELIADE 11 magistralmente definiu a estrutura e a finalidade do mito como agente significante da existência do homem num contexto histórico e filosófico: “...De modo geral, pode-se dizer que o mito, tal como é vivido pelas socie-dades arcaicas, 1) constitui a história dos atos dos Entes Supremos; 2) que essa história é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere à reali-dade) e sagrada (porque é obra dos Entes sobrenaturais); 3) que o mito se refere sempre a uma ‘criação’, contando como algo veio à existência, ou como foram estabelecidos um padrão de comportamento, uma instituição, uma maneira de trabalhar; essa a razão pela qual os mitos constituem os paradigmas de todos os atos humanos significativos; 4) que, conhecendo o mito, conhece-se a ‘origem’ das coisas, chegando-se, consequentemente, a dominá-las e manipulá-las à vontade; não se trata de um conhecimento exterior, abstrato, mas de um conhecimento que é ‘vivido’ ritualmente, seja narrando cerimoni-almente o mito, seja efetuando o ritual ao qual ele serve de justificação; 5) que, de uma maneira ou de outra, ‘vive-se’ o mito, no sentido em que se é impregnado pelo poder do sagrado, que exalta os eventos rememorados ou ritualizados”.

A expressiva maioria dos mitos originários são criados entre as populações agrícolas que se dedicavam ao cultivo dos cereais e vegetais. Assim, as

plantas em geral eram originadas do sacrifício de uma divindade. Sobre esses mitos agrários é que viriam a ser estabelecidas as cerimônias da puberdade, como também a prática geral de sacrifícios e até mesmo certas cerimônias funerárias. Diante dessa intimidade entre os homens e os vegetais é que veio a mulher a ser colocada em destaque como “deusa-mãe”, pois a ela e só a ela era dado o dom da fertilidade, e daí a criação desse culto, eis que, para o homem neolítico (e mesmo o mesolítico) a fertilidade era um mistério religioso porque ela era a grande regente da origem da vida e da morte. Graças a

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esse “mistério da fecundidade” é que vieram a nascer a sacralidade sexual, a hierogamia 12, o renascer da vegetação e os simbolismos dos astros, do sol e da lua, que, com o passar dos séculos e milênios, iriam sendo articulados progressivamente como valores religiosos para se converterem em “mistérios do nascimento”, da “morte” e do “renascimento”, todos eles coligados aos ritmos das estações do ano e dos ciclos da vegetação. Por isso mesmo é que se i-dentifica como “cósmica” a religião neolítica, ou seja, porque estava toda baseada na renovação periódica do mundo. As atuais “festas de Ano-Novo” têm suas raízes mais remotas e profundas nessa religiosidade cósmica. É ainda o mesmo M. ELIADE, na obra citada na nota 7, quem afirma: “as cosmologias, as escatologias 13 e os messianismos 14, que vão dominar durante dois milênios o Oriente e o mundo mediterrâneo, mergulham as suas raízes nas concep-ções dos Neolíticos”. Mas a formação espiritual do homem neolítico revelou-se mais aprimorada quando se identificou, ainda que pela fragmentária do-cumentação arqueológica disponível, que ele também havia sacralizado o “espaço” onde se desenrolava a sua vida. Essa sacralização ele a realizava atra-vés de orações e rituais. Foi assim que a sua habitação virou verdadeiro “santuário” e a aldeia em que habitava converteu-se numa espécie de “imagem do mundo”. Enfim, para resumir e finalizar: nesse Período Neolítico, como no intermediário Mesolítico, o edifício espiritual humano caracterizou-se pelo culto aos mortos e à fertilidade, aí se introduzindo os rituais do mistério da vegetação, criando-se as cosmologias e todo o simbolismo acerca do “centro do mundo”, o que bem demonstra a riqueza e a complexidade das ideias religiosas reinantes naquele estágio da cultura humana, carregadas de significados profundos. Era, sim, uma etapa histórica onde já se podia vislumbrar um marcante crescer da civilização revelado principalmente pela embrionária organi-zação urbana e pelo corpo sacerdotal organizado, que a tradição remeteu às civilizações posteriores, notadamente naquelas sociedades essencialmente a-grícolas.

De todos os mitos é que nasceram os ritos, cerimônias, tradições e, vezes sem conta, os próprios usos e costumes dos povos. É a Mitologia que leva ao e descreve o despertar sonolento da religiosidade do homem, mostrando como evoluiu esse sentimento, que não se faz presente em nenhuma ou-tra espécie do reino animal. A história das religiões envolve a história dos mitos, e vice-versa. É o mito, enfim, a história da experiência humana, particu-larmente quando o homem sentiu medo e passou a acreditar em poderes ou seres que estavam fora e além de sua compreensão, atribuindo-os a outros diferentes dos que dispunha ou de si próprio, mas dotados de uma superioridade que não sabia e nem podia medir, compreender e justificar. Daí, as ori-gens mais remotas da Mitologia que, evoluindo da idolatria a animais, “vermes, deuses com cornos que viviam no fundo do mar... de gigantes que esculpi-am as montanhas com enormes martelos, de ovos de pássaros de onde saíam diferentes raças e de deuses petulantes que atiravam fogo uns aos outros através dos céus, criando, assim, desertos e vulcões” 15, pôde chegar aos heróis lendários com seu extraordinário e fecundo simbolismo. Num estágio bem mais evoluído, como já foi ligeira mente exposto nesta Introdução Geral, também se deparará com as oferendas e o culto aos mortos, o ritmo do fo-go, o culto dos crânios onde acreditavam estar localizada a “alma”, os ritos de passagem, caracterizando os estágios do nascimento e da puberdade, e os ritos de separação, ligados à morte, aqueles e estes ainda praticados em Moçambique e Nova Guiné. Também os sacrifícios de consagração, de purificação e de apaziguamento, todos com as suas mais variadas concepções e complexidades ritualísticas. Considere-se também a ritualística mitológica representa-da pelas danças e pelos transes alucinógenos até hoje empregados e que “inspiram” os sacerdotes do rito e lhes emprestam o papel de “profetas”, e por isso capazes de interpretar os deuses de quem se dizem representantes e imagem. No México existe o “payotl” – uma espécie de cacto – que produz sérias e intensas alucinações visuais, criando-se em torno dele o mito de que é a encarnação vegetal do Fogo e do Sol, desempenhando o papel de interlocutor entre os deuses e os homens. Como se vê, é totalmente impossível a dissociação entre “mito”, “magia” e “rituais”, sem importar as particularidades que os envolvem e nem as evoluções por que passaram e passam no decorrer do tempo entre os variados povos, mesmo porque aquela tríade mitológica acaba se conformando em e6los de uma corrente contínua iniciada na Pré-História da Humanidade e que se projeta até nos dias atuais.

Mas, dentro do até aqui exposto, algo está bem nítido e deve converter-se em destaque: O mito sempre gira em torno de alguma coisa ou de al-

gum ser que o homem primitivo considerou e teve como SAGRADO, sem importar se essa consideração derivava do medo, da incerteza ou do respeito. E porque “sagrado”, criou-se o ritual destinado a vivificá-lo, homenageá-lo e também, de certa forma, torná-lo velado.

Page 11: Introdução Geral a Filosofia Iniciatica Aprendiz Pela GLSC

É dentro desse verdadeiro “caldeirão” borbulhante de cultura mítica, de magia e de religiosidade desenvolvidas, aprimoradas, adaptadas a cada povo e desde as eras primeiras, que se irão encontrar os motivos, a justificativa para as INICIAÇÕES NOS MISTÉRIOS, que é o grande e principal tema inspirador deste último Fascículo Isolado no Grau de Aprendiz-Maçom, encerrando-se aqui esta “Introdução Geral”, que se tem como bastante para tal te-ma.

Capítulo Segundo

FILOSOFIA DOS MISTÉRIOS ORIENTAIS

“Três vezes felizes são os mortais que descem aos reinos de Hades depois de haverem contemplado os Mistérios. Pois ali só eles entrarão na posse da verdadeira vida; para os demais haverá apenas sofrimento.”

(SÓFOCLES)

“Admito que possuíam iluminação os homens que estabeleceram os Mistérios, e que, em realidade, tiveram intenção velada ao dizerem, há longo tempo, que quem quer que vá para o outro mundo sem estar iniciado e santificado, jazerá no lodo; mas quem cheque ali iniciado e purificado, morará com os Deuses.”

(PLATÃO, no “Fedon”.)

Via de regra, entre as tantas definições dicionarizadas, consigna-se 16 que ‘mistérios’ é o “conjunto de doutrinas e cerimônias religiosas que só podem ser conhecidas e praticadas pelos Iniciados; culto secreto”, como são os “Mistérios de Isis”, os “Mistérios de Osíris”, os “Mistérios de Elêusis”, os “Mistérios Órficos”, só para exemplificar.

No antigo Egito os “Mistérios” eram divididos em duas classes: a primeira, a dos “Mistérios Externos” ou “Menores”, e a segunda, a dos “Mistérios

Internos” ou “Maiores”. Os “Mistérios Menores” podiam ser desvelados ao conhecimento geral da massa popular, mas os “Mistérios Maiores” pressupu-nham que o adepto tivesse um conhecimento anterior e aprimorado, apurado através de uma seleção rigorosa. Transmitidos esses “Mistérios Internos”, prestava o mais sagrado dos juramentos de sigilo porque, em última análise, tais Mistérios estavam ligados à evolução superior e gradativa do homem até sua preparação para a outra vida, que acreditavam existir.

Em suma e para arrematar esta ligeira “introdução” ao significado de “Mistérios”, pode-se conceber os Mistérios Antigos – seja a que povo eles te-

nham pertencido – como aquele “conjunto de doutrinas e cerimônias religiosas” que, na mais ampla generalidade e numa sucessão crescente de graus ini-ciáticos deferidos aos adeptos, se ocuparam, não apenas com o eterno ciclo da vida vegetal e animal, mas também com a vida após a morte e a prepara-ção dos Iniciados para essa realidade; o ensino de preceitos altamente éticos; o que de mais oculto existe na Natureza e na Ciência; o desenvolvimento e domínio da mente; os ciclos da vida nos planos mental e astral, a renovação periódica do mundo, a Criação, bem como outros tantos temas de ordem me-tafísica.

1. A origem e o conteúdo da religiosidade da Índia

Convém, inicialmente, assentar que a expressão “hinduísmo” leva à ideia de um “leque de religiões”, e não à de uma religião única. É uma expres-são que serve como “denominador comum” de múltiplas formas religiosas componentes do conteúdo do hinduísmo envolvendo o tecido sociológico, histó-rico e geográfico – este último das bacias dos rios Indo e Ganges, e os dois primeiros da Índia Dravídica. Quando se fala, portanto, de “religião hindu”, es-tá-se referindo a esse conjunto de formas religiosas as mais diversas que vigeram na Índia desde tempos milenares, e não a uma única religião perfeita-mente delimitada em todos os seus aspectos.

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A Índia é um país cujo território corresponde a 37% do Brasil, mas possui a segunda maior população do mundo. Nele habitaram e habitam raças variadas e sem unidade étnica, isto é, sem unidade biológica e cultural homogênea, envolvendo graus muito diferentes de civilização que vão desde as mais primitivas até as de nível muito superior.

Com efeito, esse grandioso país já era povoado desde a noite dos tempos, o que faz recuar a, aproximadamente, 5.000 anos a.C., e assim, está

inserido na proto-história da Humanidade. Ali encontravam-se alguns clãs aglomerados em aldeias extremamente primitivas, inicialmente com atividade essencialmente pastoril. Depois, ar-

tesanal à base de argila. Mais tarde, dominaram o cobre, primeiro martelando-o e em seguida fundindo-o; e assim, abandonavam o uso da pedra para o fabrico de ferra-

mentas. No entanto e até paradoxalmente, esses clãs não eram homogêneos em suas tradições e costumes, notadamente no que dizia respeito aos seus

mortos: uns, simplesmente os enterravam; outros preferiam a cremação deles. Para as construções, alguns clãs preferiam a argila (tijolo); outros, a pedra. Enfim, já naquela era tão distante percebia-se que cada agrupamento humano elaborava a sua própria cultura, sempre destinada à evolução no correr dos tempos.

É nesse ciclo evolutivo – até mesmo enigmático numa certa época próxima do segundo milênio onde se constata um misterioso vazio cultural –

que se sucederão períodos de tirania, de insegurança, de religião e de magia, mas também o de construção de cidades já com inspirações democráticas, cujo povo havia associado o pastoreio à agricultura, e já o manuseio não apenas do cobre, mas também do bronze, embora ainda não fosse conhecido o ferro.

A religião – se é que se pode utilizar esse nome – tinha muito mais o caráter ritual do que cultural, mais personalizado do que coletivo, onde e

quando o banho e a purificação pela água eram totalmente solitários, levando à ideia de que o tão primitivo hindu, em tais momentos, “sentia-se sozinho com a divindade”. É numa fase bem posterior que surgirá, em Mohenjo-Daro, o protótipo dos tanques para a purificação ritualística, que acabará se de-senvolvendo por toda a história da Índia.

Foi nesse lugar que se encontraram selos côncavos, cujas pinturas ou incrustações puderam revelar a fauna e a teogonia então existentes naquele estágio cultural, realçando-se nesta última o culto da serpente ou da cobra-capelo (“naja”) que, associado ao culto do touro, iriam posteriormente conver-ter-se nos emblemas do deus Shiva, pois a serpente evocava o domínio da morte e o touro o da fecundidade, referido ainda ao Sol, que fertiliza a terra.

Entre 3.000 e 1.500 anos a.C. os povos que habitavam a parte subcontinental da Índia limitavam-se a praticar os cultos locais tradicionais. Mas foi

por essa época que chegaram à bacia do Indo os “arianos” 17, que, numa progressão lenta, alcançaram as bacias dos rios Indo e Ganges, como também o planalto do Decão e onde ficaram instalados em definitivo.

Mas, antes deles e em tempos muito mais recuados – aqueles a que já se referiu nas linhas anteriores –, foram os “drávidas”, de pele negra, que

habitaram a Índia e possuíam uma cultura muito desenvolvida. Suspeita-se que eram, pelo sangue, aparentados com os Caldeus. Posteriores aos árias vi-eram populações rudes, mais ou menos ligadas aos negroides indochineses e australianos, como também os mongóis.

Todos esses povos ainda hoje existem na Índia, e, embora vivendo em conjunto, sabem manter-se distintos uns dos outros.

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É dentro desse complexo que se criaram as mitologias indianas, normalmente difíceis ao alcance e à compreensão da mentalidade ocidental, a começar pelo enorme panteão de divindades, todos eles com um intricado simbolismo. Exatamente por causa dessa complexidade é que, em síntese, tem-se a Mitologia Védica, a Bramânica e a Hinduísta, todas as três criadas em momentos históricos bem distintos e distanciados entre si, na dependên-cia, ainda, da etnia populacional.

Assim, a população de língua ‘munda’ tinha a sua mitologia base da no totemismo 18, isto é, a vida tribal e individual girava em função de uma

espécie vegetal ou animal, com práticas sacrificiais que incluíam o canibalismo, pois acreditavam que só assim poderiam absorver o “princípio vital” da ví-tima.

Já os “drávidas” eram idólatras, mas abominavam os sacrifícios e se abstinham de comer carne crua. O ritual cerimonioso levava a perfumar os

ídolos e ornamentá-los com grinaldas floridas. Esses ídolos ou divindades representavam-se em ‘monstros-fêmeas’ por que eram havidos como símbolos da fecundidade da Natureza. Daí, a explicação porque esse povo regia-se pela instituição do matriarcado 19.

Ainda não se falava em “budismo”, trazido à Índia por volta do século VI a. C. Foi ao longo desse período entre aqueles milênios e esse século que

os arianos, nas regiões que habitaram, globalizaram em linguagem sânscrita todos os conhecimentos litúrgicos e teológicos que obtiveram, sob o nome de “Veda” 20, que quer dizer “saber”, “conhecimento”.

De maneira clara, simples e objetiva, pode dizer-se que a mitologia indiana é composta pela ariana, muito interligada com a persa e a grega; a

védica, que imperou à época em que o povo era agrícola e criador de gado; a bramânica, calcada num ideário filosófico de muito difícil penetração reve-lada em epopeias como o “RAMAYANA” e o “MAHABHARATA”, escritas ao longo do século IV a.C.; e o hinduísmo, que é uma mescla de ritos sociais, reli-giosos e mitológicos englobando crenças e superstições muito diversificadas, o que facilmente se compreende, quando se sabe que a expressão ‘hindu’ é derivada do amálgama de raças habitantes e de múltiplas formas religiosas da Índia, como já inicialmente observado. Em menor escala entra o budismo, que pretendeu introduzir novos entes na mitologia indiana e tornar mais simplificado o sistema bramânico.

Enfim e resumidamente: a religião da Índia e ao longo de todo o tempo de sua formação e desenvolvimento, através de um número muito ex-

pressivo e complexo de lendas mitológicas e de ficções que vão desde as ingênuas até as carentes de habilidade, esteve e está centralizada numa ideia que se pode afirmar como fundamental: o conhecimento e a explicação dos fenômenos do Universo e da gênese da Humanidade.

E isso transparece ao longo de toda essa exuberante mitologia, tal como interpretada pelos filósofos e teólogos, onde se realça o seu caráter emi-nentemente cósmico, procurando retroceder ao mistério das nossas origens para que possa encontrar a Causa Primeira.

Vislumbra-se nessa religiosidade a tendência para um monoteísmo que aflora no panteísmo de suas concepções, sintetizando que “tudo está em

tudo”, “a origem da vida é só uma” e “o múltiplo vem do uno”. Mesmo quando invoca a sua “Trimurti” – ‘Brama’, ‘Vishnu’ e ‘Shiva’ –, ainda assim percebe-se que o hindu está, na verdade, velando um deus único e absoluto, o seu ‘Içvara’ – o Senhor Supremo.

2. O Budismo

A palavra ‘buda’ – ao contrário do que se possa pensar – não é nome próprio de uma pessoa, mas sim uma expressão que significa “o homem di-vinizado pela sabedoria e que atingiu a perfeição pela beatitude”.

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“ ‘Bodisatva’ é o nome que se dá, na Índia, àquele que se encontra numa determinada altura do caminho da santidade: é ‘Bodisatva’ aquele que, tendo reencarnado várias vezes, alcançará a sabedoria perfeita na sua próxima existência humana”21. Em suma, “Buda” é expressão que equivale perfei-tamente a “Iluminado”.

Segundo a tradição lendária – depositada em documentos escritos em sânscrito 22 – o iniciador do budismo não seria meramente um sábio huma-

no, mas uma reencarnação do deus solar “Vishnu”, que teria descido mais uma vez à Terra para salvar a humanidade. Não se pode precisar a data de seu nascimento, a nordeste da Índia, mas sabe-se que sua vida se passou entre os anos de 563 e 483 a.C. Viveu, portanto, 80 anos.

Narra a lenda que “antes de nascer já tinha atravessado milhares de existências. Para se preparar para a sua última reencarnação, permaneceu

ainda longo tempo no céu dos ‘Tuchitas’ (os bem-aventurados) e pregou a Lei aos deuses. Um dia, compreendendo que tinha chegado a sua hora, re-encarnou na família de um rei dos ‘Çakyas’, chamado ‘Çuddhodano’, que vivia nos confins do Nepal. A sua concepção foi miraculosa. A rainha ‘Mâya’ (cujo nome significa “ilusão”), que, embora casada havia já trinta e dois meses, era apenas nominalmente esposa do rei ‘Çuddhodano’, teve uma estranha reve-lação – tão estranha que ela própria não soube dizer se foi um sonho ou uma realidade: sentiu-se erguida até às nuvens e transportada a um palácio en-cantado, onde um elefante branco (diz-se também que era cor-de-rosa), se aproximou dela, fazendo-lhe penetrar no flanco direito uma das suas seis defe-sas, sem lhe causar a menor dor (‘Mâya’ já fora cinco vezes mãe do futuro ‘Bodisatva’, nas suas existências anteriores; quanto à paternidade, nenhum deus foi julgado digno de ser seu pai). O sonho ou visão de ‘Mâya’ foi interpretado por sessenta e quatro brâmanes, que lhe predisseram o nascimento de um filho destinado a ser um imperador ou um ‘Buda’. Depois de dez meses de gestação, ao aproximar-se o momento do nascimento, ‘Mâya’ dirigiu-se ao jardim de ‘Lumibini’ e ali, de pé, segurando com a mão direita, levantada, o ramo de uma árvore ‘çâla’, deu à luz ‘Siddhârta’ (nome que o ‘Bodisatva’ usava antes de renunciar ao mundo), que saiu do seu lado direito, sem qualquer sofrimento e sem deixar sinal. Nesse mesmo instante caiu do céu uma chuva de flores; os instrumentos musicais fizeram-se ouvir sem que ninguém lhes tocasse, os rios pararam de correr para contemplar o recém-nascido, os lados co-briam-se de lotos e sucederam muitos outros prodígios. O menino foi recebido e banhado por ‘Brama’ e pelos outros deuses, mas, logo a seguir, ergueu-se do loto branco em que sua mãe o deitara, contemplou o espaço com o “olhar do leão” e deu sete passos na direção de cada um dos sete pontos cardeais, tomando assim posse do mundo. No mesmo dia nasceram também ‘Yaçodharâ’, que viria a ser sua esposa; o cavalo ‘Kantaka’, que ele montaria mais tar-de, quando fugisse de casa em busca do supremo conhecimento; a árvore sob a qual receberia a “iluminação”; o seu escudeiro ‘Chandaka’ e ‘Ananda’, seu discípulo predileto. Cinco dias depois de haver nascido, foi-lhe dado o nome de ‘Siddhârta’ (“aquele que é perfeito” ). Quanto a ‘Mâya’, morreu sete dias após o seu nascimento – dizem uns que foi de alegria; dizem outros que os deuses a consideraram demasiado sagrada para ter mais filhos e, por isso, resolveram levá-la para junto deles. Sua irmã, ‘Mahâprajâpati’, substituiu-a junto do pequeno príncipe, a quem se consagrou com uma dedicação que se tornou lendária. O ‘richi’ Asita, um santo asceta que desceu do Himalaia, predisse o destino da criança e reconheceu nela os oitenta sinais que assinalam a predestinação. E quando ‘Siddhârta’ foi levado ao templo pela primeira vez, as estátuas dos deuses prosternaram-se na sua presença” 23.

Foi por volta de 525 a.C., após ter recebido a chamada “Revelação”, que Buda Sâkyamuni iniciou a sua pregação na bacia do rio Ganges, exa-

tamente numa época em que a Índia se encontrava em crescente ebulição intelectual e espiritual, particularmente na região Norte. A elite espiritual, então composta essencialmente por brâmanes e ascetas, procurava resolver problemas transcendentais, tais como: “O mundo é

finito ou infinito?”, “Eterno ou de duração limitada?” “O ser do homem (‘atman’) é, em si, próprio, eterno ou de duração limitada?” “O mundo e o Ser são originados por qualquer outro Ser, ou são produtos sem origem” “O espírito humano pode adquirir conhecimentos verdadeiros, ou a prudência impõe não aceitar nenhuma opinião como verdadeira?” “O Ser subsiste após a morte?” “E se subsiste, permanece consciente ou inconsciente?” “Provido de forma ou sem forma?” “Finito ou infinito?” “Consciente da unidade ou da diversidade?” “Feliz ou infeliz?” “Ou o ser destrói-se completamente, tal como o corpo, após a sua morte?” 24

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A propagação do Budismo deveu-se particularmente ao rei ‘Açoka’, que era fervoroso adepto dessa nova filosofia. Foi ele quem mandou missio-nários budistas ensinarem a palavra de Buda em Cachemira e Gandhara, a Oeste, nas regiões do Himalaia, no Sul da Índia e até em Ceilão. Atualmente o budismo está quase esquecido na União Indiana, mas predomina no Nepal, na ilha de Ceilão, no Tibete, e com grande desenvolvimento no Japão e na China, tendo chegado ao arquipélago da Indonésia.

O budismo é considerado “irmão” do janaísmo – uma seita que principiou a alastrar-se nos séculos VII e VI a.C., na área entre o rio Ganges e o

Himalaia, cuja filosofia central estava em rejeitar toda a tradição védica. Ao nascer, o budismo preocupava-se com uma reforma moral, com a instituição de uma lei (‘dharma’) através da qual os fiéis seriam conduzidos à

fé, e os santos, ao ‘Nirvana’, havido como “estado de beatitude do Santo Perfeito”, que haveria de ser o objetivo supremo de todo budista. Mas, a realida-de mostrou-se outra, pois as lendas e as superstições populares acabaram transformando a simplicidade desse dogma através de velhos ritos e crenças que transparecem nos mitos búdicos.

BUDA recusava energicamente dar resposta aos questionamentos envolvendo o mundo, as suas origens, as suas características finitas ou infinitas,

eternas ou não eternas, considerando-as questões sem objetividade, totalmente sem valor, isto porque, quaisquer que fossem as respostas, elas não liber-tariam o ser humano do sofrimento. O importante – pregava na forma de “Quatro Nobres Verdades”, no Sermão de Benares – é diagnosticar a origem do sofrimento, em mostrar que a sua causa pode ser eliminada e indicar o caminho a ser trilhado para que essa eliminação acontecesse, e assim, iniciar a senda para entrada no “Nirvana”. Foi essa a doutrina que, com inegável êxito, pregou ao longo de 45 anos.

No budismo as divindades, quanto à sua importância, passam a plano secundário, salvo aquelas que ostentam uma natureza superior à humana e

habitam as moradas celestiais. Mesmo assim, é pregado que esses deuses em nada influenciam para a salvação do homem, dado que eles próprios têm a necessidade de se libertar da cadeia de reencarnações para que possam passar ao “Nirvana”, como “Supremo Céu”. Para os budistas cultos, essas divinda-des (referindo-se às que existiam quando o budismo nasceu) só tem valor simbólico e não passam de projeções mentais; logo, construções que são frutos da ilusão. Mas esse modo de encarar o problema divinatório não teve o condão de impedir que as massas populares, em relação ao culto búdico, cons-truíssem as suas “divindades” – ‘status’ que atribuíam aos diferentes ‘buddha’ e ‘Bodisatva’ que eram venerados com aquele qualificativo. O que faz a dife-rença, entretanto, é que a veneração, a devoção e o próprio culto dentro da pregação budista não podem ser interpretados com base na filosofia religiosa bramânica quanto às suas divindades, mas sim e eminentemente à luz da rigorosa concepção budista, que é muito diferente daquela religião.

Na realidade, não é que o budismo negasse o “divino”: como se acabou de dizer, apenas tinha (e tem) dele uma outra concepção, que era (e é)

completamente diferente daquela imperante, à época, na casta sacerdotal bramânica. Nos começos do budismo – e mesmo ao longo de seu desenvolvimento –, o comportamento de seus adeptos teve inegavelmente o caráter religio-

so porque proclamava com ênfase a necessidade de “salvação”; para isso, era preciso que o homem primeiramente se conscientizasse de que a aspiração à felicidade, num mundo em transformação como se estava vivendo àquela época (e ainda hoje), “só pode despertar em função de uma exigência do ab-soluto, inscrita no coração do homem, da convicção que só o fato de atingir o absoluto pode salvar o homem, isto é, livrá-lo de todo o sofrimento e dar-lhe a felicidade infinita à qual aspira” 25. Ora, BUDA não era em si mesmo o “caminho”, o “Salvador”, mas ensinava o “caminho que conduz à paz, à sabedoria, ao Despertar e ao Nirvana”, e assim ensinando mostrou que o budismo é uma via, uma senda, marcha espiritual para alcançar a salvação total e definitiva; nessa medida (e só nessa medida), então, não pode ser visto como uma “filosofia”, mas sim como “religião”; mesmo porque a própria ideia de “salvação”, em toda a sua latitude, evoca indispensavelmente a ideia de religiosidade, já que uma é o pressuposto da outra.

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Mas é nessa via, nessa senda, nessa marcha espiritual que o budismo ensina não ser ela uma espécie de “caminho único” que conduz à salvação. Na verdade, nela são indicados os vários “meios”, os vários outros “caminhos” que, no conjunto, levam àquele fim.

Com efeito, prega o budismo que para a abertura da transcendência é necessário que preexistam ações de vigilância, de espera e de receptivida-

de. A partir daí, indica como meios para buscar a “salvação”, em primeiro lugar, o triplo refúgio em Buda, no ‘dharma’ e no ‘sangha’, neles deposi-tando o adepto incondicionalmente a sua confiança (“dharma” é a doutrina búdica da salvação e Buda a fé). Em segundo lugar, a confiança no seu diretor espiritual na figura do guru, cuja função é, na prática, de verificação e de orientação, passo a passo, da “caminhada iniciática” do seu discípulo. Essa con-fiança no “guru” é particularmente desenvolvida no budismo tibetano, onde é incondicional, também, a mais pura devoção devida ao Dalai Lama, igual-mente considerada como “meio de salvação”. Em terceiro lugar, nesse “leque” de meios, a doutrina búdica procura desenvolver no seu praticante a ideia da “indulgência-compaixão” que, no plano existencial, goza de valor espiritual como “virtude”, pois, de um lado luta contra o egocentrismo sob todas as suas formas, e por outro, desenvolve no budista a consciência mais larga possível da virtude da solidariedade universal como meio de comunhão entre os homens. No entanto, tanto para esse meio como para todos os outros no “caminho da salvação”, é o “Nobre Óctuplo” ou os “oito fatores” que propiciam a forma correta para alcançar o “Nirvana”.

Vê-se, assim e em arremate, que aqueles outros “meios” citados e anteriores ao “Nobre Óctuplo” são, na verdade, “meios auxiliares” para “des-

pertar” no adepto o encontro com a salvação doutrinada pelo budismo.

3. O Taoísmo

Nascido na China, o taoísmo resume-se em ser “uma atitude humana perante a vida” tal como ela se apresenta aos seus olhos. Logo, é ao mesmo tempo uma religião, uma ética, um sistema do mundo e uma inspiração que faz parte constante das atividades diárias dos chineses e daqueles que forem adeptos.

A expressão “taoísmo” deriva do ideograma chinês “tao”, com o significado de “via”, muito embora possua sentidos muito diversificados quando

essa palavra é transposta para a língua portuguesa (como, em geral, para as línguas latinas); ao mesmo tempo, para os chineses tal palavra tem um conteúdo riquíssimo, o que é uma característica daquela antiquíssima civilização.

Na acepção mais importante para os chineses, a “Via” é o “real”, o “autêntico”, “o que existe por si só e animado por um movimento autônomo”,

“um percurso que avança” e está referida a tudo que tem existência. “O homem, nascido da Via, vive entre os seus pais; o Céu e a Terra vivem no seio de-la; mãe e educadora de toda a vida, início e fim de todo o desenvolvimento” 26.

Resumidamente: o Taoísmo é uma mistura estranha (para a mentalidade ocidental) de adoração dos espíritos da Natureza e dos mortos, de sabe-

ísmo 27 e de fetichismo 28 , de demonologia e de superstições (até grosseiras), que desvirtuam inteiramente a doutrina filosófica de LAO-TSEU, a quem se atribui a fundação desse culto mito-religioso. O seu culto traduz-se ritualisticamente em procissões em que são figurantes os conhecidos “dragões” chine-ses. Esse, o taoísmo nas suas origens.

Mas o taoísmo atualmente vigorante, conhecido como “taoísmo popular”, foi fundado no século II d.C. por TCHANG TAO-LING, que acabou deifi-

cado no século VIII. Conta a lenda que ele havia recebido várias “revelações” e que, graças a elas, acabara fabricando o “elixir da imortalidade”; também dera combate aos “oito reis-demônios” e a todos vencera, graças aos seus talismãs. Depois de proezas extraordinárias com o título de “Senhor Celeste” subiu ao céu montado num dragão negro e acompanhado pela mulher e pelos seus discípulos.

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Os taoístas dedicam-se a pesquisas, exercícios e várias práticas consideradas “higienistas”, alquimia, ginástica de uma ‘yoga’ específica, acupun-tura e ainda a uma outra série enorme de técnicas e artes tradicionais da China.

A distinção entre “profano” e “religioso”, que é bem nítida no mundo ocidental, não o é no mundo chinês, e “neste sentido, os menos ligados às atitudes religiosas não são profundamente arreligiosos, e os mais respeitadores perante o Céu e o Além caminham com os pés bem assentes da terra” 29.

4. O Confucionismo

Foi fundado no século V a.C. por KUNG-FU-TSEU (“Confúcio”) que era, àquela época, o mais célebre filósofo chinês. É uma religião – se é que lhe cabe esse conceito – que se traduz pela doutrina de um grande amor à Humanidade; dos deveres dos homens, divi-

didos nas relações entre soberanos e súditos; das relações entre pais e filhos e entre os concidadãos. Essa doutrina teve o vezo de dar particular relevo à religião dos antepassados chineses.

Foi sempre a religião oficial da China, mesmo quando nela se instalou a República. Ao tempo do Império, o Imperador, quando chegavam a pri-

mavera e o outono, ele próprio oferecia um sacrifício ao Céu, ao Sol, à Lua, ao solo, ao Deus da Guerra, a Confúcio e aos seus antepassados, nos seus respectivos templos. Fora disso não havia qualquer outro culto, exceto aquele a Confúcio.

No panteão confucionista contam-se algumas dessas divindades cultuais, mas o povo acabou por alterar-lhes completamente a personalidade mí-

tica. Com efeito, os variados deuses mitológicos chineses são funcionários perfeitamente hierarquizados e com atribuições muito bem definidas, à se-

melhança da organização administrativa humana, propriamente dita: fazem relatórios e apresentam-nos ao seu “chefe direto”, o deus-soberano e “Augusto Jade”, a quem compete o elogio ou a censura. E desta forma, para não alongar, vão os deuses sendo promovidos ou rebaixados, podendo mesmo ser “demitidos” e “morrer para renascer na Terra como homens”.

5. O Xintoísmo

É a atual religião nacional do Japão. Mas, antes do xintoísmo, os japoneses primitivos eram adoradores das forças da Natureza (“Kami”), notada e particularmente as montanhas, as

velhas árvores e os rios, por reconhecerem nelas mais poderes do que eles mesmos dispunham; como também adoravam os “homens superiores”, a quem chamavam ‘chi-haya-buru’.

Nas antigas tradições os deuses são possuidores de duas almas: uma, suave (“nigi-mi-tama”), e a outra, violenta (“ara-mi-tama”). A Natureza, en-

tão, reage em função da presença de uma ou de outra, podendo qualquer dessas almas abandonar o corpo e instalar-se num objeto qualquer, embora momentaneamente.

Na mitologia japonesa “Kami” é dividido em “deuses celestes” (‘Ama-Tsu-Kani’) e “deuses terrestres” (‘Kuni-Tsu-Kani’). São estes últimos os em

maior número e que habitam as ilhas do Japão. Curiosamente, algumas divindades terrestres “sobem” para instalar-se no Céu, assim como outras, as Ce-lestes, “descem” para instalar-se na Terra.

Ainda nessa mitologia encontra-se o mito do “Céu” e do “Inferno”, cujas descrições respectivas podem ser assim resumidas 30: “A palavra ‘Ama’,

que traduzimos por ‘céu’, evoca, entre os japoneses, um lugar que não é distante e nem inacessível. ‘Ama’ é uma vasta região, cuja paisagem é semelhan-

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te à do Japão; atravessa-a o rio celeste ‘Ama-no-Gawa’, que corresponde à Via-Láctea. É nas suas margens que os deuses se reúnem em conselho. Primi-tivamente, o Céu estava ligado à Terra por uma espécie de escada – ‘Ama-no-hashidate’ – por onde os deuses podiam descer e subir. Porém, um dia, se-gundo conta o ‘Tango-Fudoki’, enquanto eles dormiam, essa escada ou ponte desabou sobre o mar, formando um longo istmo, situado a oeste de Quioto, sendo considerado um dos pontos mais belos do Japão. O ‘Inferno’: Em oposição ao ‘Céu’, existia nas regiões subterrâneas o “reino dos mortos”, também chamado o “país da trevas” (‘Yomi-tsu-Kuni’), o “país das raízes’ (‘Ne-no-Kumi’) ou o “país profundo” (‘Soko-no-Kuni’), que corresponde ao inferno e tem duas entradas: uma estrada muito inclinada e com numerosas curvas, que principia na província japonesa de Izumo, onde ainda hoje é mostrada; e um abismo sem fundo, onde se precipitam as águas de todos os mares e, com elas, no dia da “Grande Purificação”, os pecados dos fiéis. Nesse país subterrâ-neo há palácios e cabanas onde vivem os demônios, machos e fêmeas”.

Ainda de acordo com a mitologia nipônica, os primeiros deuses foram em número de três e foram os geradores do mundo, mesmo porque nasce-

ram de si mesmos e se tornaram invisíveis. Depois, “quando a Terra se movia como se fosse uma medusa”, surgiram outras duas divindades, que também se ocultaram. Em seguida, vieram sete gerações divinas, mas apenas o último par – “Izanagi” e “Izanami” –, como divindades masculina e feminina, é que ficaram encarregados de consolidar e fecundar a Terra, que ainda era movediça.

Desde os antepassados primitivos e até hoje o sol é cultuado pelos japoneses. A deusa ‘Amaterasu’ é adorada não apenas como astro, isto é, co-

mo “deusa do Sol”, mas também como divindade espiritual e antepassada da família imperial do Japão. Mas nas lendas japonesas existem outras divinda-des ligadas a esse culto solar.

“Em abril e setembro celebram-se, ainda hoje, em Ise, as célebres festas do vestuário divino, em honra da deusa do Sol. Os peregrinos dirigem-

se, antes do alvorecer, à praia de Futami, onde existem dois rochedos, um grande e outro pequeno, a que chamam os “rochedos dos esposos”. Na mesma praia há um ponto donde se vê o Sol erguer-se entre essas duas rochas. Então, os fiéis adoram-no, batendo palmas e curvando-se piedosamente. Uma vez por ano, realiza-se também a ascensão do monte Fuji, para saudar do alto da montanha, com grande fervor religioso, o Sol nascente. Além disso, os habi-tantes xintoístas das cidades e das aldeias, todas as manhãs ou todas as tardes, saúdam o Sol nascente ou o Sol poente, dirigindo-lhe breves orações. Por isso, os lugares afamados por se avistar dali o esplendor da aurora ou do pôr-do-sol são muito visitados e particularmente venerados. Contudo, no xinto-ísmo moderno, ‘Amaterasu’, sendo embora divindade solar, não é adorada como Sol, mas como a maior de todas as divindades, na sua qualidade de ante-passado da família imperial do Japão” 31.

Mas, o panteão xintoísta abriga outros deuses em suas fileiras. Assim, a Lua, que tem o seu culto próprio e é menos venerada que o Sol, os Ven-tos, as Chuvas, os Sismos (vulcões e terremotos), o Mar, as Montanhas, as Estradas, e outros mais genéricos, como os rios, a alimentação, o arroz, as pe-dras, os rochedos, os campos e os prados, do lar, e até... da porta de entrada, do forno da cozinha, do lugar dos despejos (particularmente respeitados e temidos) porque é neles que se instalam os demônios, causando doenças perigosas.

Em síntese final: o Xintoísmo é religião que se fundamenta em narrativas lendárias que estão reunidas em dois livros – o “Kojiki” – ‘Livro das Coi-

sas Antigas’, e o “Nihongi” – ‘Anais da História Oficial do Japão’. A primeira parte do “Nihongi” é composta exclusivamente de lendas mitológicas com muitas variantes relacionadas às épocas em que elas eram

narradas, Já o “Kojiki” se ocupa da fixação definitiva – e insuscetível de ser discutida –, da genealogia imperial e das lendas xintóicas, que são as que de-ram origem ao ritual e ao fundamento do Estado japonês. Subsidiariamente há um terceiro Livro – o “Kogoshui” – que faz uma compilação de tradições omitidas naqueles dois livros.

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Capítulo Terceiro

DOUTRINAS E MORALIDADE DAS

INICIAÇÕES ORIENTAIS

Seção I

Resumo histórico das Iniciações hidustânicas

1. Introdução Geral

Inicialmente seja dito que as Iniciações, qualquer que fosse a civilização, sempre estiveram referidas a períodos da mais remota antiguidade. Na infância do mundo o cerimonial iniciático era despido de ostentação e solenidades, e consistia, talvez, tal como no batismo cristão, de uma

simples “purificação” concedida a todos,na esperança de que praticassem os deveres sociais de benevolência e boa vontade para com os outros homens e ainda uma devoção não sofisticada ao deus.

GEORGE OLIVER 32 esteve convencido de que “assim foi na Maçonaria primitiva: na realidade, nada além da prática daqueles simples preceitos

morais que foram reunidos por uma religião, puros como vieram das mãos de Deus e não adulterados pelas inovações do homem”. Ele mesmo, invocando a autoridade intelectual de WARBURTON 33, concorda com o que este afirmava: “É opinião universal de que os Mistérios pagãos foram criados puros”, refe-rindo-se, com certeza, à pureza das ciências primitivas, que foram a grande fonte original da qual emergiram esses Mistérios.

Foi depois do fluxo de iniquidades que inundou o mundo, que os homens maus transformaram em ridículo a simplicidade e facilidade de acesso a

uma instituição sagrada, e a partir daí se tornou necessária uma certa discricionariedade, obrigando a que os ritos impusessem às Iniciações uma forma mais complexa e elevada.

As poucas e destacadas iniciações que se mantiveram fiéis à simplicidade ritual, que não se deixaram contaminar pelo contágio do mau exemplo,

bem cedo foram capazes de avaliar os benefícios superiores do isolamento, dando-se ao luxo de serem seletivas e conservarem uma significativa distância do escárnio profano, cuja presença, pela linguagem insolente ou profanamente infeliz, poderia poluir a pureza da devoção e da intimidade do ato iniciático.

Para prevenir tal intrusão, portanto, os ritos iniciáticos foram se tornando progressivamente mais complicados, adotando-se alguns símbolos distin-

tivos como meios infalíveis de excluir os não Iniciados e capacitar o Iniciador a detectar com absoluta certeza a verdade ou a falsidade de quaisquer pre-tensões de ingresso numa Fraternidade mito-religiosa como se fossem fieis seguidores da verdade divina.

2. A Iniciação Hindustânica

A Índia, como já foi visto no capítulo anterior, é uma nação muito antiga, e, de acordo com os seus próprios anais históricos e lendários, teria sido derivada de “Sete ‘Richis’”, isto é, aqueles “seres” cujas virtudes exemplares fizeram com que fossem elevados ao Céu para que residissem nas estrelas.

Essas sete divindades – acreditavam – formaram colônias nas vizinhanças dos Montes Cáucasos, e desde então suas posteridades espalharam-se pelo vasto continente da antiga Índia.

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A principal divindade indiana acabou sendo uma tríade composta por BRAMA, VISHNU e SHIVA (essas duas últimas palavras, quando aportugue-sadas, admitem a substituição de “sh” por “x”) que se dizia habitarem o sagrado “Monte Meru”, cujos três picos eram cobertos de ouro, prata e marfim; o pico central pertencia a SHIVA e os outros dois a BRAMA e VISHNU.

Porém, os indianos “viam deus em cada objeto sob o sol”, consagrando e tributando honras divinas a uma multidão de coisas diferentes; por isso, diz-se que o seu panteão continha “330 milhões de divindades”.

AS CAVERNAS

Os Mistérios da Índia eram celebrados em cavernas e grutas subterrâneas, ou então nos recessos secretos de pirâmides ou pagodes escuros. A adoração do “Fogo Solar” – e a renomada perfeição que o seu culto transmitia – parece ter sido o objeto e o motivo para que alguém fosse ini-

ciado. Essas cavernas e grutas eram frequentemente escavadas no centro de um bosque que, assim, transformava-se na residência permanente da di-

vindade e se tornava na origem de alentadas superstições de terror para todo o mundo exterior. As CAVERNAS DE ELEPHANTA e de SALSETTE, ambas localizadas nas proximidades de Bombaim, têm no seu interior divisões em locais exclusivos

para celebrações secretas, o que, em geral, se encontrava em toda a antiga Índia.

Essas edificações estupendas entalhadas em rochas e providas de descrição de cada grau de magnitude são de origem duvidosa, mesmo porque suas antiguidades estão cobertas pelo véu da obscuridade; e o nome do monarca, cuja disposição corajosa e audaciosa podia projetar e executar tão im-perecíveis monumentos ao trabalho e à habilidade humanas, está perdido e esquecido pelo fluxo do tempo. Mesmo assim, elas podem ser atribuídas aos primeiros conquistadores da Índia, cujo gênio empreendedor podia ser aplicado, em tempos de paz, a tais gigantescas construções com propósito pratica-mente exibicionista, indicativo de poder e de superioridade sobre os povos conquistados.

A “CAVERNA DE ELEPHANTA” – o mais antigo Templo do Mundo –, construída sobre quatro maciços pilares, tinha suas paredes comple-

tamente cobertas por estátuas e decorações que foram esculpidas com caráter emblemático. Algumas dessas figuras tinham sobre a cabeça uma espécie de elmo em forma piramidal; outras usavam coroas com emblemas suntuosos, esplendidamente decoradas com joias; e outras, ainda, exibiam somente espessos anéis de cabelos crespos ou soltos. Muitas dessas estátuas tinham quatro mãos; outras, seis, segurando cetros e escudos, os símbolos da justiça e as insígnias da religião, as conquistas de guerra e os troféus da paz.

A câmara secreta, situada na extremidade oriental dessa enorme caverna, era acessada por quatro entradas, cada uma guardada por duas está-

tuas gigantescas, nuas, decoradas com joias e outros ornamentos. No santuário (correspondente ao “Sanctus Santorum” do Templo Salomônico), de acesso restrito aos já Iniciados Maiores, a divindade era repre-

sentada por um Falo 34, geralmente e em larga escala utilizado por todos os povos idólatras da antiguidade para simbolizar o poder fecundante. De cada lado do Templo estavam os espaços das celas ou cubículos e passagens, construídas com o expresso propósito iniciático; e um “orifício

sagrado”, cuja finalidade misteriosa era a de servir como “instrumento de regeneração”.

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As “CAVERNAS DE SALSETTE”, escavadas numa rocha que externamente tinha a forma de pirâmide, localizavam-se no centro de uma extensa e medonha floresta, infestada por serpentes enormes e animais ferozes, excedendo, em muito, nas suas dimensões, aquelas de “Elephanta”.

Eram essas cavernas em número de 300 (trezentas), todas adornadas abundantemente com símbolos emblemáticos entalhados nas suas paredes,

que eram repletas de cavidades abertas em distâncias regulares entre umas e outras para servir de aparato hediondo no cerimonial de Iniciação. Essas ca-vidades estavam destinadas a encerrar o Iniciando em estado de inconsciência e despertá-lo para o horror e o medo supersticioso.

As divisões internas dessas cavernas eram interligadas através de galerias abertas, e aquelas mais secretas, onde eram depositados os símbolos

inefáveis 35, eram acessadas somente por entradas também secretas, curiosamente projetadas e executadas para emprestar o maior efeito a certos pontos ou partes do cerimonial de Iniciação; como também um caixão funerário para o sepultamento periódico do Iniciando, quando colocado na maior interioridade possível de uma daquelas cavidades nas paredes da caverna.

Em cada caverna havia um vaso ou bacia para ser depositada a consagrada ‘água da ablução’, também chamada ‘água da purifi-

cação’, lateralmente engalanado (a) com flores de lótus, consideradas como veículo para conduzir à pureza. Entre a multidão de imagens e figuras simbólicas com as quais as paredes eram decoradas, exibia-se em toda a imponência a “Linga” ou “Falo”,

muitas vezes isolado e, nalgumas outras, em posições moralmente desconcertantes, simbolizada (o) tanto pela pétala e cálice de lótus, como por um pon-to dentro do círculo, ou pela intersecção de dois triângulos equiláteros.

AS INICIAÇÕES

Os períodos de Iniciação eram regulados em função das fases lunares 36 e os Mistérios divididos em “Quatro Passos” ou “Graus”, chamados “CHAR ASHERUM”, por serem os atribuidores de “perfeição”, em maior ou menor grau.

O Candidato podia realizar a sua primeira prova ainda na tenra idade de 8 (oito) anos 37. Essa prova consistia de uma investidura com o “ZENNAR”

– um cordel sagrado de três fios para simbolizar os três elementos: a Terra, o Fogo e o Ar; quanto à água e de acordo com os brâmanes, ela é apenas o ar em sua forma condensada.

Essa investidura desenvolvia-se com numerosas cerimônias, através de sacrifícios ao “Fogo Solar”, aos planetas e aos deuses domésticos, mais as

purificações aquáticas e purificações com esterco e urina de vaca, terminando por uma extensa preleção do Preceptor, normalmente ininteligível ao enten-dimento infantil. Os temas principais estavam ligados à unidade e à trindade da divindade suprema, à administração da “consagração do Fogo”, e aos ritu-ais divinizados para as orações da manhã, da tarde e da noite.

A criança, então, era vestida com uma peça de linho sem costura, punha-se um cordel sobre a sua orelha direita como meio de purificação e se

colocava sob o cuidado exclusivo de um Brâmane, que, então, se convertia em seu guia espiritual para instruí-la nas qualificações desti-nadas ao alcance, mais tarde, do “Segundo Passo” ou “Segundo Grau”.

Ela era ensinada a acostumar-se às necessidades da vida, como a miséria, a opressão, a injustiça, o sofrimento, sujeitar-se a penas rígidas 38 até

que atingisse a idade de 20 (vinte) anos; até então precisaria pôr limites aos vícios, tanto carnais como intelectuais, devendo ocupar todo o tempo com o-rações e purificações.

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A essa criança o seu guia ensinava a preservar a pureza de seu corpo, que era figuradamente chamado de “cidade das ‘Nove Pontes’” 39, e a evitar as seduções do mundo; a se alimentar com abstinência 40; enfim, era instruída em todas as minudências cerimoniais que seriam adaptadas para cada ato de sua vida futura e para aqueles que haveriam de distingui-la de uma outra criança não iniciada.

Uma boa parte de seu tempo devia dedicar ao estudo dos Livros Sagrados, pois, para elevar-se ao Segundo Grau, necessitava de

um conhecimento essencial e completo das instituições, cerimônias e tradições religiosas. Quando atingia aquela idade de 20 anos e se fosse havida, pelo rigoroso exame feito, como plenamente conhecedora do acervo mitológico do “Primeiro Grau”, era então admitida às cerimônias probatórias do “Segundo Passo”, chamadas GERISHT.

Tais provas, agora, eram redobradas em austeridade: o candidato se obrigava a levar a vida com base na caridade; passava os dias orando, fa-

zendo purificação e sacrifícios, e as noites dedicava ao estudo da Astronomia. E quando entrava em exaustão e a natureza impunha o repouso, deitava-se sob a primeira árvore que encontrasse para um rápido cochilo e em seguida levantava-se para contemplar os “assombros” do Céu41, personificados em sua imaginação por certas estrelas fixas.

De acordo com uma das “Leis de Manu”, no verão esse Aspirante ao “Segundo Grau” sentava-se para ficar exposto aos “Cinco Fogos”, quatro em chamas ardentes ao seu redor, com o Sol no zênite. Nas chuvas, permanecia descoberto, sem sequer o abrigo de um manto. No inverno, protegia-se com vestuário úmido, e assim ia aumentando, Grau a Grau, a severidade com que era posta à prova a sua devoção.

Caso superasse completamente toda essa provação, então, pela Iniciação, era admitido a participar dos privilégios que os Mistérios lhe conferiam. Santificado pelo sinal de uma cruz que iria marcar cada parte de seu corpo, sujeitava-se o Adepto à “prova de PASTOS”, também chamada “Porta

de PATALA”, ou, simplesmente, “O INFERNO” 42. Essa prova consistia numa “purificação” em que ele era deixado ao cair da noite e até o cre-púsculo seguinte na “Caverna do Mistério”, que havia sido convenientemente preparada para essa recepção. O interior dessa caverna, ilumi-nada com uma luz semelhante à do sol meridiano, provinha de uma miríade de luzeiros particularmente brilhantes. Ali sentavam-se, em ricos e suntuosos trajes cerimoniais, os três chefes hierofantes 43 – um, no Leste; outro, no Oeste; e o terceiro, no Sul – para representar a grande tríade in-diana – BRAMA, VISHNU e SHIVA 44.

Os Acompanhantes Mistagogos 45 paramentados com vestuário sacralizado e tendo suas cabeças cobertas por um solidéu (capuz) pi-

ramidal para simbolizar o “fulgor espiral” ou o raio solar, sentavam-se respeitosamente ao redor. Assim solenemente dispostos, uma bem conhecida badalada do “Sino Sagrado” fazia introduzir o Aspirante no centro daquela augusta Assembleia.

Então, começava a Iniciação com um coro litúrgico para o grande deus da Natureza, quer fosse ele cultuado como o “Criador”, o “Preservador” ou o “Des-truidor”. Os trabalhos sagrados eram, em seguida, abertos também com solenidade e com a seguinte oração ao Sol: “Ó poderoso Ser, maior do que Bra-ma, nós nos inclinamos ante vós como o primeiro Criador! Eterno deus dos deuses! Mansão do mundo! Sois o Ser incorruptível, distinto de todas as coisas transitórias! Estais à frente de todos os deuses, do antigo PURUSH 46 e supremo Apoiador do Universo! Sois a mansão suprema! E por vós, ó forma infinita, o Universo amplamente se espalhou”.

O candidato, já debilitado pela abstinência, pela mortificação, ficava intimidado pelo espetáculo que agora se exibia ante ele; mas, tendo concen-

trado sua coragem enquanto era feita aquela prece ao Sol, estava preparado para os rituais de Iniciação. Suas reflexões eram interrompidas por uma voz que o convocava para fazer uma declaração formal (juramento) de que seria dócil e obediente aos seus superiores; que conservaria puro o seu corpo, pro-

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nunciaria boas palavras, observaria uma obediência passiva quando estivesse recebendo as doutrinas e tradições da Ordem, e o mais firme e inviolável segredo sobre os seus mais ocultos Mistérios.

Tendo sido aceito esse juramento, era então o Aspirante espargido com água e sussurrava-se ao seu ouvido direito um “MANTRA” 47 ou

“encantamento”. Em seguida, tiravam-se os seus calçados 48 porque não podia ser profanado o solo sagrado sobre o qual ele pisava; na sequência, executava-se com o candidato, por três vezes, uma circulação pelo interior da caverna em homenagem à ‘TRIMURTI’ (Brama-Shiva-Vishnu), cujos representantes estavam triangularmente localizados nos pontos cardeais Leste, Oeste e Sul, dentro do círculo místico.

Enquanto se desenvolvia essa cerimônia, o Aspirante aprendia a exclamar, cada vez que chegava ao Sul, nessas três viagens: “Eu imito

o exemplo do Sol e sigo o seu curso benevolente”. Completadas essas viagens ao redor e no interior da caverna, voltava a ser colocado no centro delas e solenemente era instado a praticar as austeridades religiosas nos moldes como o seu espírito havia sido preparado para observá-las; dizia-se a ele que o mérito de tais práticas fariam emitir um esplendor que tornaria o homem, não apenas superior perante os deuses, mas também obrigaria a que es-ses seres imortais se submetessem aos desejos do ser humano.

Após essa exortação, o Aspirante era posto aos cuidados de seu GURU ou guia espiritual e recomendado a observar um profundo

silêncio durante toda a sucessão do cerimonial, sob a ameaça de punição sumária imposta pelo Brâmane-presidente que – dizia-se ao Neófito – ti-nha poderes ilimitados até para infligir-lhe a morte com imprecação de uma maldição, e também se fosse presumido ter violado as regras procedimentais então impostas a ele.

Assim instruído, o subjugado candidato esforçava-se ao máximo para preservar a serenidade de espírito durante todo o cerimonial da Iniciação.

Receoso de que qualquer expressão involuntária pudesse ser vista como “covardia” ou desaprovação sua, ele tratava de evitar a indigna-ção de seu poderoso “guru”, já que este era detentor de muita autoridade discriminatória e estava sempre preparado para punir o discípulo indiscreto que falhava em qualquer ponto, fosse em deferência, fosse em respeito; ou ainda, caso deixasse transparecer qualquer sintoma de medo ou de indetermi-nação.

Então começavam as lamentações pela perda de “SITA”. O Aspirante passava por sete extensões de escuridão e por cavernas igualmente escuras, entre ruído uivante e contínuo,

sons agudos, lamentações lúgubres para representar os lamentos de MAHADEVA que, lendariamente, deu volta ao mundo por sete vezes, tendo sobre seus ombros os restos de sua esposa assassina (“Sita”) 49.

Entre toda essa confusão provocava-se uma explosão que parecia fazer despencar as montanhas, seguindo-se instantaneamente

um silêncio de morte. Ante os olhos do candidato moviam-se continuamente lampejos de luz brilhante, a que se seguia a mais profunda escuridão. Para o seu mais ele-

vado atordoamento, ele agora olhava para sombras e fantasmas das mais variadas e complicadas figuras envolvidas por raios de luz movimentando-se a-través da escuridão.

Na sequência, o Aspirante passava a personificar o deus VISHNU e executaria os seus inúmeros avatares 50 nas cerimônias que iriam prosseguir.

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Era mergulhado nas águas para representar o “deus-peixe” que descia até o fundo do oceano onde recuperaria as vidas roubadas 51. Colocava-se uma carga pesada sobre suas costas para simbolizar a tartaruga suportando a Terra. Depois, era instruído para ir, “de quatro” (agachado), no interi-or da caverna através de uma passagem estreitada apenas para permitir o seu corpo. Aí era recebido por um antagonista que o provocava para uma luta, seguindo-se um conflito apenas mímico e do qual o Aspirante sairia vitorioso. Enquanto estava entusiasmado pelo êxito, voltava a ser ata-cado por um monstro gigantesco; mas, como representante de VISHNU, acabaria subjugando a fera.

Só então é que se lhe ensinava a dar três passos em ângulo reto 52, o que estava referido ao 5o Avatar. Os posteriores Avatares 53 envolviam

o Aspirante numa série de conflitos furiosos dos quais ele raramente escapava sem ferimentos e contusões; para torná-lo igual aos deuses era necessário que ele passasse pelos mesmos processos e se expusesse a perigos semelhantes.

Havendo alcançado a extremidade das “Sete Cavernas Místicas” 54, ouvia-se um festivo repique de sinos 55 ; e então o Aspirante recebia a instru-

ção no sentido de acreditar que poderia expulsar daquelas cavernas escuras os demônios que estavam propensos a perturbar as cerimônias sagradas e nas quais haviam se engajado.

Antes de o candidato ser instruído e introduzido à frente do Altar Sagrado, ele pronunciava-se assim: “Tudo o que é feito sem fé, mesmo que

sejam sacrifícios, obras de caridade ou mortificações da carne, não é para este mundo ou o que esteja acima dele” 56 . Era, então, admoestado sobre o cometimento de cinco crimes 57 que, se perpetrados, acarretariam para ele pesadas penas durante a sua vida e a eterna vingança na outra.

Essas particularidades formavam uma parte do “catecismo” sob o qual o Aspirante estava agora solenemente Iniciado e coberto por sagrada puri-

ficação. O impressionante e sublime momento havia chegado agora, quando a cerimônia iniciática havia atingido o seu mais alto grau de interesse: a

“Concha” desabrochara estrondosamente 58 ; as dobradiças das portas rangiam repentinamente para elas se abrirem, quando então o candidato era intro-duzido na CAILASA ou “Paraíso” 59, que era um largo espaço luzindo pelo milhar de luzes brilhantes, ornamentado com estátuas e figuras emblemáticas, perfumado pela rica fragrância de flores odoríficas, resinas aromáticas e poções inebriantes; ainda, a profusa decoração com gemas e jóias; no teto, enta-lhadas figuras de seres do Ar e de mundos desconhecidos transmitindo a ideia do ato de voar; e o esplêndido sacelo (veja nota 59, infra) repleto de sacer-dotes e hierofantes ordenados em deslumbrantes vestuários, coroados com mitras e tiaras de ouro resplandecente. Com os olhos fixos sobre o Altar, o Aspirante recebia a instrução para aguardar a descida da divindade no brilhante “fogo piramidal” que fulgurava sobre ele. O repentino som da “Concha” ou da trombeta que ecoava longa e continuamente na caverna, o ranger das dobradiças das portas, a prostração instan-tânea dos sacerdotes e o profundo silêncio que se seguia a essa cerimônia enchiam de admiração a mente do candidato e iluminavam a “santa e fervorosa devoção do seu coração”. Desse modo, no momento do entusiasmo, ele podia quase persuadir-se de que havia se tornado um descendente do grande BRAMA, sentado sobre lotos, com as suas “quatro cabeças” 60, portando em suas mãos os emblemas usuais da Eternidade e do Poder Absoluto, do Círculo e do Fogo.

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Seção II

Resumo histórico das Iniciações Persas

Os Mistérios Persas foram devidos a ZARATUSTRA ou ZOROASTRO 61, nascido na Media 62 no Século VII a. C., segundo a tradição Sassânida 63 , na Pérsia Ocidental, o que é contestado por alguns autores ao afirmarem ter o nascimento dele ocorrido na parte Oriental daquele país, já nas proximida-des do Afeganistão e Turquestão russo, podendo o lugar ter sido Sogdiana, Karêsmia ou Bactriana.

Foi o fundador da casta dos Magos 64 e Reformador do Masdeísmo 65, onde está centrada a concepção dualista 66 do Universo. No entanto, Zoroas-

tro, ou qualquer dos seus discípulos, jamais escreveu qualquer coisa que tenha dito. Todo o seu ensinamento foi transmitido pela tradição oral, e só muito mais tarde, cerca de 700 ou 800 anos após, na época Sassânida, é que vieram tais tradições a ser escritas nas obras conhecidas como “AVESTA” e ‘GA-THAS”, ambas esclarecedoras das concepções masdeístas. Tal “Gathas”, conquanto não fosse uma obra teológica, compunha-se de hinos poéticos onde eram proclamados os grandes Princípios relacionados à unicidade dos deuses num Soberano Supremo:“Ahura-Mazda”. Mas também princípios éticos tradu-zidos pela luta sem tréguas quanto ao império da Justiça e contra a Mentira, o banimento total dos sacrifícios de sangue e, em seu lugar, a adoção irres-trita de adoração àquela Divindade – que era simbolizada pelo “Fogo Sagrado” – que era simbolizada pelo “Fogo Sagrado” -, como também a, como tam-bém a supressão do “haoma” ou “bebida da imortalidade”.

Por outro lado, há quem diga, sem confirmação documental autêntica, que esse personagem era judeu por nascimento e teria recebido sua edu-

cação religiosa entre os seus compatriotas no Cativeiro da Babilônia. Posteriormente teria se tornado um servo do Profeta Daniel e dele recebera a Inicia-ção em todos os Mistérios da doutrina e da prática dos judeus. Como suas habilidades eram altamente qualificadas, progredira rapidamente em seus estu-dos, tornando-se um dos homens mais letrados de sua época. Percebendo que os tributos honoríficos ao seu Mestre deviam-se ao extraordinário talento próprio, Zoroastro dispôs-se a converter também seus conhecimentos ao mesmo propósito, isto é, angariar prestígio intelectual; mas, como não estava au-torizado a profetizar se socorrendo do Santo Espírito de Deus, recorreu ao estudo da magia, o que continuou sob a orientação dos filósofos caldeus, que lhe conferiram o privilégio da Iniciação em seus Mistérios. Isso fez com que ele caísse em desgraça perante Daniel, que o expulsou da Caldéia e proibiu o seu retorno, sob pena de morte. Fugiu, então, para Ecbatana 67. Lá chegado e escondendo que era “profeta”, começou o árduo e perigoso desígnio de re-formar a religião persa, cuja característica e objetivo fundamental acabaram sendo paulatinamente subvertidos através de alterações, a princípio impercep-tíveis.

Insinuando-se como um mago rígido – embora fosse havido como impostor e tal como acontece com todos os inovadores audaciosos de todas as

épocas e nações -, cedo encontrou-se rodeado por seguidores de todas as camadas, que perfilaram seus planos com incrível entusiasmo , dando a ele o mais vigoroso apoio ao seu projeto de reforma religiosa. Foi abertamente patrocinado pelo rei Dário, que o acompanhou até Cachemira 68, onde pretendia completar seus estudos preparatórios pelas lições dos Brâmanes, com os quais havia sido Iniciado anteriormente. Após ter concluído seus conhecimentos sobre os sistemas teológico, matemático e astronômico, retornou à Bactriana, fixando sua residência no reino de Balk, onde, possivelmente a convite do rei VISHTASPA, passou a integrar o corpo sacerdotal. E aí começou a sua pregação religiosa, já aos 36 anos de idade, precedida que foi de um período de meditações numa montanha, e nessa solidão – conta a tradição – teria recebido do próprio AHURA-MAZDA, o “Sábio Senhor” ou “Deus Único e Supremo”, a missão de seguir “o caminho da boa religião”.

Acontece que – ainda de acordo com a tradição lendária – teria Zoroastro sido vítima da inveja dos outros sacerdotes, a ponto de, em sua ausên-cia, terem colocado em seu quarto um saco com partes de um cadáver, cabeça de cão e gato, sangue, etc. para que fosse havido como feiticeiro diabólico, vindo esse fato a lhe valer a prisão decretada por aquele rei. Como “Vishtaspa” dedicava-se à criação de cavalos e um deles, o seu melhor corcel, fosse ví-

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tima de estranha doença que eclipsou as quatro patas do animal, convocou Zoroastro para que interviesse, prometendo que, se fosse realizado o milagre, abraçaria a “boa religião” ordenada por “Ahura-Mazda”. O milagre aconteceu: as quatro patas do animal, uma a uma, foram ressurgindo. A promessa real foi cumprida e a nova doutrina religiosa implantou-se por todo o reino de Balk.

No zoroastrismo o seu Adepto recebia a instrução sobre o “caminho do céu”, ou seja, a promessa de ser recompensado com uma “longa vida” no reino de “Ahura-Masda”, caso tivesse levado uma vida de bem, pois seria nesse reino que o Ser Supremo sancionaria o “bem” e o “mal”, conforme preco-niza o “Gathas”. Esse “caminho do céu” curiosamente haveria de passar pela “Ponte de Cinvat” ou “Ponte da Decisão”, objeto cultuado pela antiga religião persa que ele, Zoroastro, principiara a reformular, muito embora ele próprio devesse passar por essa “ponte”, conforme declarava a “Ahura-Masda”:

“Aqueles que eu quero acompanhar perante vós para o louvor, eu os precederei a todos na ponte de Cinvat”. Segundo o “Gathas”, os justos se deliciariam com as beatitudes “na casa de VOHU MANAH, enquanto que os injustos se reuniriam com ARISTA

MANAH, o ‘Príncipe da Mentira’, de quem se tornariam escravos”. Em síntese, a religião de Zoroastro ou a “boa religião”, como lhe havia sido revelada, não contemplava a misericórdia, mas sim e eminentemente a

justiça em vez do perdão, pregando aos seus discípulos estas duas máximas: “Tudo de melhor que eu desejo para mim mesmo, também desejo a vocês” e “Aqueles que se dedicam a oprimir, conhecerão, por sua vez, a opressão”.

Antes dessa época, os persas faziam suas adorações a céu aberto, resistindo a fazê-las em templos cobertos, posteriormente adotados por outros

povos. Argumentavam que o Ser Imaterial não podia ser confinado em edifícios construídos pelas mãos do homem, e portanto, não era possível restringir a sublime amplidão celeste num templo fechado para ser consagrado à Divindade Suprema. Seus locais de sacrifício estavam expostos ao ar livre de mon-tanhas, conformados principalmente por círculos irregulares de pedras lavradas, como aqueles das nações do Norte da Europa. Abominavam imagens e adoravam o Sol e o Fogo como símbolos da Divindade Onipresente.

Zoroastro foi bem sucedido ao persuadi-los a preservar a tradição do “Fogo Sagrado”, abrigando-o em torres, que eram construções circulares,

com uma cúpula e um pequeno orifício no topo para permitir a saída da fumaça, pois que, ardendo a céu aberto nas mais altas montanhas, estava sujeito a ser apagado pelas chuvas torrenciais e ventos fortes. Nessas torres, essa “Chama Sagrada” onde a Divindade supostamente morava, estaria perpetua-mente conservada e viva. E foi assim que a cúpula da torre passou a simbolizar o Universo; e o Fogo Central nela constante, esplendorosamente instalado e que a iluminava, passou a simbolizar o Sol, como grande luminária.

A partir daí, Zoroastro começou a reformular os Mistérios já existentes, e para dar maior efeito a esse desígnio, retirou-se para uma caverna circu-

lar nas montanhas de Bokhara, ornamentando-a com profusas decorações simbólicas e astronômicas, solenemente consagrando-as ao deus MITHRA, ou, como ele de quando em quando denominava, a “Divindade Invisível”, “Aquele que se dizia nascido ou gerado de uma gruta ou caverna entalhada num rochedo”. Nessa caverna o Sol era simbolizado por uma pedra preciosa magnífica que, engastada num lustre, ocupava no teto azul-celeste uma disposição destacada; ao seu redor espalhavam-se os planetas, enfeitados de ouro resplandecente; o Zodíaco era ricamente entalhado em ouro lavrado, no qual as Constelações do Leão e do Touro, com um Sol e Lua emergindo de seu fundo e também em ouro trabalhado, tornavam o recinto da caverna particular-mente belo.

As “Quatro Idades” do Mundo eram simbolizadas por globos de ouro, prata, bronze e ferro. Todo o conjunto se ornava com gemas e adereços de

ouro brilhante. Durante a celebração dos Mistérios tudo isso era iluminado por um sem-número de luzeiros que refletiam mil diferentes cores e matizes, transmitindo a visão encantada de um palácio celestial. No centro da caverna se encontrava uma fonte de água cristalina, toda em mármore,

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destinada às abluções e purificações cerimoniais. A caverna assim ornamentada, equipada e disposta, tornava-se o emblema de todo o Universo, sustentado por três pilares: o da Eternidade, o da Fecundidade e o da Autoridade; e os símbolos com os quais estava profusamente decorada referiam-se a cada Elemento ou Princípio da Natureza.

Quando completados todos os preparativos iniciáticos, Zaratustra ou Zoroastro propagava boatos de que tinha sido favorecido com uma visão ce-

lestial, recebida no cume da montanha 69, tendo dialogado face a face com o Ser Supremo – AHURA-MAZDA –, então envolvido por um círculo brilhante e em línguas de fogo; que também a ele havia sido revelado o método de “adoração pura” àquele Ser Divino, método esse que ele, Zoroastro, iria transmitir somente àqueles que possuíam virtudes bastantes para resistir às tentações mundanas, desejassem devotar-se ao estudo da Filosofia e à contemplação pura, em suas obras, daquela Suprema Divindade.

A celebração dos famosos rituais, que exaltaram ao máximo a figura de Zoroastro, era realizada no mais secreto recesso da caverna ou “gruta sa-

grada”. E assim a sua fama espraiou-se por todo o mundo. Multidões das mais distantes regiões chegavam para ouvir suas preleções religiosas. E – diz-se

– até PITÁGORAS veio da Grécia para ser Iniciado por Zoroastro 70. Suas doutrinas, no entanto, eram continuamente entrelaçadas por alegorias e nenhu-ma delas poderia ser entendida por aqueles que não tivessem qualificação iniciática; e essa sistemática envolvia todas as ciências humanas e divinas.

AS INICIAÇÕES

Para preparar o candidato à Iniciação efetuavam-se numerosas purificações com água, fogo e mel. Uns dizem que o Aspirante passava por 40 es-pécies de provação, e outros falam em 80, que terminava após 50 dias de abstinência.

Essas intensas e prolongadas provas eram sofridas nos recessos escuros de uma caverna subterrânea, onde o cândida to era condenado ao silên-

cio perpétuo, totalmente segregado da sociedade, confinado entre paredes nuas e frias, faminto e açoitado, ao que se seguia um extremo, refinado e bru-tal grau de tortura 71.

A inflexível e irredutível severidade desse horrendo noviciado levava à morte, em alguns casos; em outros, o candidato acabava sendo vítima de

perturbações mentais (loucura parcial); porém, aos poucos Noviços cujos nervos de aço lhes permitiam alçar ao estágio superior e quando lhes estava re-servado o mais extremado sofrimento que deveriam suportar até à plenitude da provação, tributavam-se as mais altas honrarias e dignidades, recebendo um grau de veneração igual àquele deferido às divindades celestiais.

Mas o infelicitado Noviço, cuja tão maltratada coragem o obrigava a desistir ou renunciar a Iniciação por causa do excesso de cansaço ou tortura,

era rejeitado sob as mais rudes imprecações de infâmia e desonra, julgado profano para sempre e excluído imediatamente do ritual iniciático. Já o Aspirante bem-sucedido, ao concluir sua Iniciação, era trazido para fora da caverna, onde havia entrado à frente de uma ponta de espada

em seu peito esquerdo e desnudado, pela qual era levemente ferido, sendo então ritualmente preparado para a cerimônia que se aproximava. Co-roava-se com ramos e folhas de oliveira, ungido com bálsamo de benjoim e armado com uma couraça “mágica” por seu Guia e representante de SIMORG – um monstruoso animal mitológico 72 – e importante agente no maquinário da Mitologia Persa, provido de talismãs com os quais podia prontamente com-bater todos os monstros horríveis que surgiam para impedir o cerimonial iniciático.

Introduzido no espaço mais interior da caverna onde fora purificado com água e fogo, era, então, colocado nos “Sete

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Degraus” da Iniciação 73. Do precipício onde o Noviço estava colocado, ele observava um perigoso e profundo fosso: um simples passo em falso poderia precipitá-lo para o “reino da miséria terrível” – o emblema daquelas regiões infernais, através das quais ele acabara de passar.

Desfilando em círculos pelos labirintos da caverna escura, ele era rapidamente despertado de seu estado de inconsciência para ver o “fogo sagrado”, em lampejos intercalados para iluminar a sua caminhada no recinto em que se encontrava; algumas vezes, explosões desse fogo ocorriam sob seus pés; em outras, descendo sobre sua cabeça sob a forma fantasmagórica de uma “chama branca”.

Diante da surpresa de que era tomado, seu terror excitava-se pelos ranger de dentes de bestas vorazes, rugir de leões, uivar de alcatéias de lobos

e ladrar ameaçador de matilhas de cães selvagens 74. Envolvido pela mais completa escuridão, tornava-se inútil qualquer esforço em busca de segurança, mas o seu Guia – que mantinha um silêncio

sepulcral – o impelia rapidamente para a frente, na direção do quarto de onde provinham sons apavorantes; ao abrir-se repentinamente uma porta, o No-viço encontrava-se num covil de animais selvagens, fracamente iluminado por uma pequena lamparina. Seu Guia exortava-o a que tivesse coragem, quan-do então era imediatamente atacado, num enorme rebuliço, por figuras aparentando leões, tigres, lobos e outros animais fabulosos; cães selvagens, como que “nascendo” da terra, ladrando impressionantemente, tentavam do-dominar e amedrontar o candidato 75 ; como, de qualquer modo, sua coragem e bravura não podiam sustar esses entes figurados naquela luta desigual, ele raramente escapava ileso. Passando apressado dessa caverna para outra, esta-va uma vez mais envolvido pela escuridão. Sucedia-se um silêncio mortal e se obrigava o candidato a prosseguir com passos firmes, meditando sobre o pe-rigo de que acabara de escapar e sob as dores agudas que havia sentido. Sua atenção, entretanto, rapidamente se desviava dessas reflexões e se dirigia para outros perigos que surgiam ameaçadores.

Um ruído indefinido, surdo e prolongado, era ouvido num espaço distante das cavernas e que se tornava cada vez mais alto à medida que o Novi-

ço ia avançando naquela direção, até sentir o ribombar de um trovão 76 capaz de despedaçar as rochas e estourar as cavernas ao seu redor 77; e ainda os vívidos e continuados lampejos de luz cintilando tremulamente, línguas de fogo, sombras visíveis de espíritos vingadores 78 que, desagradavelmente car-rancudos, apareciam para intimidar com destruição sumária aqueles audaciosos intrusos na privacidade de suas “sagradas mansões” 79.

Cenas como essas eram multiplicadas com crescente horror e até que a estrutura psicofísica do Aspirante não mais pudesse suportar a prova; e

quando ele estava prestes a sucumbir aos efeitos da exaustão e da agonia mental, transportava-se para um outro recinto a fim de que recuperasse suas forças. Aqui, uma iluminação intensa era repentinamente introduzida; sua sensibilidade tão agredida era suavizada por meio de melodiosos sons musicais 80 e exalação de perfumes delicados.

Sentado em repouso nesse recinto, o Guia explicava ao Noviço os elementos daqueles inestimáveis segredos, que seriam mais desvelados quando

a Iniciação estivesse completamente terminada.

Tendo o candidato se pronunciado disposto a continuar as cerimônias remanescentes, era dado um sinal por seu Guia, quando então três sacerdo-tes imediatamente se apresentavam: um deles, após longa e solene pausa, arremessava uma serpente viva 81 no peito do Noviço como “símbolo regenera-dor”. Aberta uma porta secreta, de lá saltavam à frente criaturas horríveis, chorando, lamentando e desesperando, infligindo ao Aspirante novos e indescri-tíveis quadros de horror. Ele volvia seus olhos com movimentos imprecisos tentando encontrar de onde aqueles fantasmas surgiam para provocar, sob a-queles olhares e formas apavorantes, os mais pervertidos tormentos do Inferno.

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Saindo dessa cena de angústia, o candidato transitava por outras cavernas e passagens escuras, até que, tendo sido bem sucedido na travessia difícil do labirinto, dava “seis” largos saltos que uniam intricadas galerias, cada uma se abrindo por uma estreita porta de pedra para exibir a cena de al-guma aventura perigosa; então, pelo exercício da coragem e da perseverança, tendo sido triunfalmente conduzido através dessas enormes dificuldades e perigos, abriam-se-lhe as portas do “sétimo salto” 82, ou “sacelo” (veja nota de rodapé nº 59), onde a “Escuridão” se transformava em “Luz”.

Estava inteiramente concluída a admissão do Noviço na espaçosa e imponente caverna, já descrita e chamada “A Sagrada Caverna de ELYSIUM”,

onde, aí mesmo, ele era recebido com congratulações e instado a manter em segredo os sagrados Rituais de MITRA, quando então lhe eram passadas as “palavras sagradas”, entre as quais a inefável TETRACTYS, ou “Nome de Deus”, era a principal.

INVESTIDURA E INSTRUÇÃO

Uma vez transpostos todos os riscos e perigos da Iniciação, o Neófito era investido e instruído. Entregava-se a ele uma abundância de talismãs e amuletos, instruindo-se no segredo da manipulação deles, que estava destinada a afastar todos

os perigos, tanto à pessoa dele, Iniciado, como à de sua propriedade. Cada emblema havia sido revelado pela “luz divina” na vastidão da caverna e que cada incidente que o atordoou durante o cansativo ritual de Iniciação estava agora convertido num propósito moral, explicado através de uma série de investigações calculadas para inspirar uma dedicação irredutível, extensiva aos Mistérios e às pessoas que os administravam.

Ao Iniciado ensinava-se que a influência benigna da “Luz Superior” derivava da Iniciação e iluminava a mente com alguns raios emanados da Di-

vindade, incutindo nele um grau de conhecimento que seria inatingível sem a distinção desse privilégio. Ensinava-lhe a adorar o “Fogo Sagrado” – dádiva da Divindade – como sendo o da sua morada visível 83. Aprendia quanto à existência de dois igualmente poderosos e independentes Princípios: um, essen-cialmente BOM; o outro, lamentavelmente MAU (veja nota de rodapé nº 73).

A Cosmogonia era esta: AHURA-MASDA era a Suprema Origem da Luz e da Verdade, que criou o Mundo em seis diferentes etapas. Primeiro, ele

fez os céus; segundo, as águas; terceiro, a terra; quarto, as árvores e as plantas; quinto, os animais; e sexto, o homem 84, ou seja, um ser composto de um homem e de um touro.

Esse recém-criado ser viveu num estado de pureza e felicidade por muitos anos, mas acabou envenenado pela súbita tentação de uma serpente

maligna, chamada AHRIMAN, que habitava as regiões das Trevas e era a autora do MAL 85; sua ascendência sobre a Terra acabou se tornando numa força tão poderosa que pôde rebelar-se contra o Criador – “AHURA-MASDA”, por quem, a final, foi subjugada.

Para neutralizar o efeito dessa renúncia à Virtude, foi criado um outro “Ser Puro”, composto, como o anterior, de um homem e de um touro, cha-

mado “TASCHTER” ou “MITRA”, inteiramente relacionado ao “SOL”, por cuja intervenção e com assistência de três associados, veio a Terra a ser purificada por um dilúvio causado por prodigiosos “chuveiros” em que cada gota era “do tamanho da cabeça de um boi”, e por isso a purificação pôde ser generaliza-da.

Um vento tempestuoso, que por três dias consecutivos soprou da mesma direção, secou as águas da face da terra; e quando elas estavam com-pletamente baixas, foi introduzido um novo germe, do qual se irradiaram as raças da Humanidade.

Também se ensinava ao Neófito a seguinte Teogonia: AHURA-MASDA criou seis deuses benevolentes, e AHRIMAN formou o mesmo número de espíritos malignos, que estavam sempre engajados numa luta violenta pela supremacia. Os espíritos diabólicos a final conquistaram o domínio sobre a me-tade do ano, com o que as divindades celestiais se conformaram e explicava a razão da alteração e da variedade das estações anuais; desse modo, o ano

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era governado sucessivamente pelo Verão e pelo Inverno, ou pela “Luz” e pelas “Trevas” 86. Os seis meses de Verão e os outros seis de Inverno sinaliza-vam os 12 meses do Zodíaco, que estava simbolizado no teto da caverna mitraica. O símbolo misterioso que servira para tipificar esses perpétuos Opostos de Superioridade era “duas serpentes disputando um ovo” 87 - os dois primeiros simbolizando os poderes da “Luz” e das “Trevas”, e o último, “o Mun-do” 88.

Sobre essas lendas foram enxertadas muitas ficções extravagantes. Os arquimagos relatavam aos Iniciados como o Mundo havia sido criado e destruído “sete vezes”; como SIMORG, o onisciente animal fabuloso e

que havia sobrevivido a todas essas revoluções, contou a um herói, chamado CAHERMAN, que os primeiros habitantes da Terra foram os “PERIS”, ou “se-res bons”, e os “DEVAS”, ou “seres maus”, que travaram a luta eterna uns contra os outros, e que foram os primeiros os mais poderosos e que suas com-petições pela supremacia foram algumas vezes tão violentas que a Natureza entrou em convulsão e cobriu de assombro o Universo. Então ocorreu uma avaliação muito séria do valor e da bravura de certos heróis persas que haviam desagregado encantamentos, vencido gigantes e destruído o poder dos Mágicos e convertido certos duendes à vontade desses heróis.

E no arremate da cerimônia iniciática era passado, como último ato, “o grande segredo”: Ao Iniciado ensinava-se aquela importante profecia de

Zoroastro, por ele aprendida em suas viagens através da Índia e do Egito, ou seja, que, no futuro, um grande profeta apareceria no mundo por ser este o desejo de todos os povos; que seria o filho de uma Virgem pura e que o seu nascimento seria anunciado ao mundo através de uma nova e brilhante estre-la nos Céus, verberando com resplandecência celestial do meio-dia.

Ao Neófito ordenava-se que seguisse estritamente na direção desse nascimento sobrenatural e até que encontrasse o “bebê”, ao qual deveria ofe-recer ricos presentes e sacrifícios, prostrando-se ante Ele com devota humildade por ser o “Criador do Mundo”.

Seção III

Resumo histórico das Iniciações Gregas

Foram os Mistérios que deram o traço distintivo ao sistema religioso praticado entre os gregos.

Nas instituições politeístas os deuses eram adorados abertamente através de orações e sacrifícios; e a esses rituais admitiam-se, sem qualquer distinção, todas as classes populares, “porque formavam o caminho que levava os mortais a cumprir suas obrigações para com os deuses imortais”.

Porém, as cerimônias mais elevadas da religião estavam revestidas de uma natureza tão sublime que, por isso mesmo, não eram expostas aos o-lhares do público, mas apenas ante uma porção muito reservada da comunidade e da qual não participavam os estrangeiros (não podiam ser Iniciados) e que havia assumido o solene juramento de manter invioláveis os segredos e não permitir que fossem divulgados ao mundo. Esses rituais eram conhecidos sob o alto e significativo nome de “OS MISTÉRIOS” 89, que foram subdivididos pelo fato de correr-se o risco de serem pe-netrados os segredos inefáveis, já que estes estavam confiados a um seleto grupo de Iniciados, cuja violação sujeitava o perjuro a penalidades do mais e-levado caráter sanguinário 90.

Os Mistérios Menores não eram inefáveis e a eles o povo, em geral, tinha acesso; contudo, constituíam-se no pressuposto necessário para acesso aos Maiores, só alcançáveis pela via da Iniciação, e assim mesmo, após uma preparação seletiva e muito austera.

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Na Grécia os Mistérios eram celebrados em forma de culto a vários deuses, embora o cerimonial fosse invariável nos seus pontos essenciais. Os “Mistérios de Elêusis”, também chamados “Mistérios Eleusinos”, eram celebrados pelos atenienses a cada 5 anos em Elêusis 91, uma cidade da

Ática (região onde se encontra Atenas), sendo posteriormente transladados para Roma pelo Imperador Adriano. Os “Mistérios de Baco” ou “Mistérios de Dioniso” 92, aqueles e estes também denominados, respectivamente, “Mistérios Báquicos” e “Mistérios Dio-

nisíacos”, eram igualmente celebrados e consistiam na “Lena” e na “Dionisíaca”; a primeira, traduzida como um festival do vinho e preparatória para a se-gunda, a Dionisíaca.

Por fim, entre os mais importantes, os “Mistérios de Orfeu” ou “Mistérios Órficos”, estreitamente ligados ao grau de Mestre-Maçom. Em Atenas a “Lena” e a “Dionisíaca” gozavam da maior popularidade, sempre investidas com um grau proporcional de esplendor e magnificência. Sob o acalentado cuidado de PITÁGORAS e PLATÃO, os “Mistérios” foram grandemente aperfeiçoados. Os Mistérios mais antigos recebiam os ru-

dimentos daqueles conhecimentos que, posteriormente, seriam elevados ao mais alto nível por ANAXIMANDRO 93, de Mileto, cuja Iniciação ocorreu em Si-don (cidade da Fenícia, na antiga Ásia Menor) e ficou tão impressionado com essa ideia, isto é, de que algo mais era pretendido transmitir através daquela solenidade do que os sacerdotes seriam capazes de explicar; por isso, tomou a deliberação de devotar a sua vida a essa descoberta.

Viajou por todo o mundo cultural da época e foi Iniciado em todos os Mistérios das nações por onde passou. Analisou as peculiaridades de cada

sistema, levando a que pudesse descobrir a fonte da Verdade; por essa razão, ele aperfeiçoou os Mistérios, aproximando-os o mais possível da ciência ori-ginal ao alcance de um filósofo idólatra, despido do dom da “revelação”.

Algumas partes desse esquema de Anaximandro teriam sido inexplicáveis, a partir do fato de sua Iniciação ter sido judaica e das instruções nas

“coisas sagradas” terem sido a ele passadas pelo Profeta Ezequiel.

REQUISITOS DO ASPIRANTE À INICIAÇÃO

a) segundo ANAXIMANDRO :

Ele impunha aos seus Aspirantes uma provação de 5 anos de abstinência e silêncio, sendo este último havido por ele como a virtude incontestável da Sa-bedoria. Esse interstício, chamado “silêncio quinquenal”, destinava-se levar os candidatos a abstrair em suas mentes as coisas sensíveis, tornando-se assim mais capazes para refletir sobre a natureza da divindade através de um pensamento puro e indiviso 94. Esse noviciado ou período de experiência envolvia muitas e importantes particularidades, que fogem ao âmbito deste Fascículo e grau maçônico.

O candidato era rejeitado se fosse havido como passional ou intemperante, controvertido ou ambicioso pelas coisas e distinções mundanas 95.

b) segundo PITÁGORAS :

Esse filósofo fazia um questionamento particular a respeito da espécie de sociedade na qual o Aspirante tinha levado a sua vida. Testava a firme-za, a coragem e a constância do candidato infligindo ferimentos corporais por meio de um instrumento de ferro em brasa, ou com a ponta de uma espada, ou outra arma aguçada.

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Se ele suportasse esses tormentos sem render-se, e testado em outros itens destacados para a admissão, estava, então, autorizado a ingressar no primeiro grau dos Mistérios, de acordo com o sistema de Iniciação grega 96; e assim, como um exotérico, era enquadrado entre os “ACOUSMATICI”. Após o lapso de outro considerável espaço de tempo, era admitido ao segundo grau, tornando-se ‘MATHEMATICI”; na sequência, quando fosse investido no ter-ceiro grau, seus trajes passavam a ser brancos, por ser essa cor o emblema da pureza, e também empossado em todos os privilégios só atribuídos aos e-sotéricos 97.

Essa investidura no terceiro grau processava-se no interior de um certo compartimento, ou no “sanctus santorum” do próprio filósofo. Daí em di-

ante recebia o título de “Pitagórico” porque havia sido perfeitamente Iniciado nos “Mistérios de Pitágoras” e plenamente instruído nos difíceis Princípios de sua Filosofia 98.

Em suas “LEITURAS”, Pitágoras definia o seu sistema, o método verdadeiro (segundo ele) para obter o conhecimento das leis divinas e humanas;

e isso por meio de uma meditação sobre a morte, pela purificação das imperfeições da alma, pela descoberta da Verdade e pela prática da Virtude; e as-sim, imitando as perfeições de Deus, dentro das possibilidades de um ser humano.

Ensinava a Matemática como um meio através do qual podia ser provada a existência de Deus, resultante da Razão e da observação, o que have-

ria de transmitir felicidade ao homem. Gramática, Retórica e Lógica eram ensinadas com o objetivo de cultivar e incrementar a razão humana; e a Aritmética, porque era concebida co-

mo o último auxílio do homem, já que ela consistia na Ciência dos Números 99. Afirmava que a Criação do Mundo era o efeito da “harmonia dos números” que existiam nas regiões sagradas antes de o Mundo ter começado. Os

números ímpares ele os agregava aos deuses celestiais, e por isso todos os sacrifícios dirigidos àqueles seres precisavam ser à base de “números ímpares”. Os “números pares” destinavam-se às divindades infernais 100.

A Geometria, a Astronomia e a Música foram introduzidas na sua filosofia porque, na concepção dele, o homem está dominado por essas Ciências

para um conhecimento do que é realmente bom e útil. Considerava que o seu Sistema seria infrutífero se não contribuísse para expulsar o vício e introduzir a Virtude na consciência; pensava que as du-

as melhores coisas para o homem estavam nas virtudes teórica e prática, isto é, falar a verdade e tributar benefícios aos seus semelhantes.

Os vários valores aos quais ele reduziu essas virtudes foram o silêncio, a temperança, a coragem, a prudência e a justiça 101. Prosseguia ensinando a presença da Divindade, a imortalidade da alma e a necessidade de santidade pessoal para qualificar o homem à admissão na sociedade dos deuses; ex-primia a sua opinião de que nenhum homem podia ter-se na conta de feliz ou miserável até o dia de sua morte, porque, ainda em seus mais nobres mo-mentos, ele não seria capaz de prever o futuro, ou adivinhar hoje quais males lhe advirão amanhã. Ensinava que o homem é dotado de oito instrumentos de conhecimento, passíveis de serem aplicados utilmente a qualquer propósito, simbólico ou não, e que eram o sentido, afantasia, a Arte, a opinião, a prudência, a ciência, a sabedoria e a inteligência 102.

Organizava suas reuniões na direção Leste-Oeste porque – dizia – o movimento começava no Leste, ou “lado direito do mundo”, e se dirigia para Oeste, ou “lado esquerdo”.

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Em síntese, ainda que sua Instituição Iniciática fosse o mais perfeito sistema jamais praticado entre idólatras, ainda quando tenha se empenhado para introduzir o “Santo dos Santos” e começado a especular sobre o conhecimento de Deus, ele acabou se emaranhando em noções até infantis e conje-turas inúteis, ao invés de desfrutar dos brilhantes raios de luz da divina Verdade, que teve, pela sua inteligência incomum, a possibilidade de atingir.

c) segundo PLATÃO :

Foi esse filósofo profundamente versado em todos os Mistérios espalhados no mundo antigo, os quais ele acreditava fossem capazes de restaurar a alma à sua pureza primitiva (a respeito, leia-se o “Fédon”).

Adotou em seu sistema iniciático a divisão dele em três graus porque “três” era um número místico, dedicado às divindades celestiais. Esses graus eram progressivos e para cada um deles o cerimonial atendia a tradição grega.

Nenhum Aspirante era admitido a esses Mistérios sem antes passar por um estágio de estudo e privações, durante o qual ele ficava sujeito a “Pas-

tos”, sendo colocado num poço ou reservatório por um período específico, como meio de regeneração 103. O primeiro grau chamava-se “Matemático”, envolvendo Aritmética, Geometria, Música e Astronomia; a instrução do segundo grau estava restrita à

Física; e o terceiro grau, no qual a fronte do Aspirante era circulada por uma coroa ou tiara para fazê-lo recordar que havia agora recebido uma dádiva i-nestimável e um dom superior, e mais o poder de instruir outros Aspirantes, embora restrito à Teologia.

Suas doutrinas abarcavam questionamentos sobre a natureza de Deus, a Criação e a Destruição do Mundo (Dilúvio). Sua opinião sobre a natureza divina era a de que ela continha três hipóstases 104 sob o termo “TA GATHON”: “Bondade”, “Sabedoria” e “Espírito”;

a segunda, emanada da primeira; e a terceira, emanada das duas. Mas ele ensinava que todos os homens bons, após a morte, tornavam-se “demônios”, e portanto, eram credores de adoração; que o “Governador

do Mundo” havia subordinado todas as coisas à sua superintendência; e que eles, os demônios, eram os mediadores autorizados entre os deuses e os ho-mens e dispunham de autorização para transportar sacrifícios e súplicas da Terra para o Céu, e também bênçãos e recompensas do Céu para a Terra.

Pregava que Deus criou o Mundo, mas, como este não podia ter sido formado do nada, os materiais deveriam ter vindo de algo preexistente. Acreditava que o Universo estava condenado a ser destruído pelo fogo (leia-se, a respeito, o “Timeo”). Preservou em seu sistema iniciático a tradi-

ção dos primeiros seres criados no Paraíso; como eles conviveram com os anjos no estado natural e nus; como a terra produziu espontaneamente os seus frutos para prover com alimentos aqueles favoritos celestes; como eles

consumiram seu tempo em estado de inocência e inofensiva simplicidade; e como, por fim, “pelas sugestões de uma serpente”, eles perderam a sua pure-za, tornando-se envergonhados pela sua nudez, sendo lançados num mundo de tristeza, aflição e desespero 105.

(Esses traços de autenticidade provam plenamente a fonte de onde os Mistérios geralmente procedem, porque, indubitavelmente, trazem sinais de que a sua constituição está refletida nos ritos comemorativos, quando apontam para acontecimentos que tiveram lugar no começo do mundo.)

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Ensinava a história do Dilúvio e escreveu ostensivamente sobre esse assunto, escrito a que deu o nome de “Atlânticos”. Discorreu sobre a me-tempsicose e doutrinou sobre a responsabilidade pessoal do homem.

Platão, como principal hierofante 106 dos Mistérios, representava o “Demiurgo” 107, tendo conduzido sua vida sob retiro e celibato 108 para devotar-

se totalmente ao estudo e à contemplação das coisas celestiais, e assim, tornar-se em mestre perfeito de cada ciência admitida pela sua Instituição, da qual ele era o chefe com ranços de despotismo.

Seus oficiais superiores eram: “DADUCHUS”, o porta-Archote, “CERYX”, o porta-Heráldica (brasões), e o “EPIBOMA”, o atendente do Altar. Três

outros oficiais representavam o Sol, a Lua e o planeta Mercúrio; além deles, havia quatro serventes para cuidar das divisões menos importantes da cele-bração dos Mistérios. Eram denominados “EPIMELITOS”.

Também em Platão o Aspirante haveria de ser possuidor de um caráter de irreprochável moralidade. Para um sistema iniciático que era reputado de imaculada pureza, tinha-se como unanimemente rejeitado com acentuado desprezo um candidato que fosse julgado dissoluto, porque traria desgraça à Instituição, ficando assim passivo de ignomínia, de afronta infamante e alvo permanente de escárnio público.

Os testes probatórios eram severos e solenes. O extremamente detalhado exame coloquial do Aspirante havia sido instituído para cor-

roborar o testemunho dos outros que haviam sido exaustivamente procedidos; desse modo, todos os artifícios eram empregados para diminuir, senão eliminar, a possibilidade de vir a ser bem sucedida uma eventual impostura destinada a elidir as investigações do mis-tagogo109 quanto à vida anterior, caráter e conduta do candidato.

As Iniciações

Eram precedidas de um festival público, e os Aspirantes, tanto homens como mulheres, eram cuidadosamente purificados em águas translúcidas de um córrego e ao longo de um sofrido e rigoroso período de 9 dias de preparação; ato contínuo, seguia-se o início das cerimônias, com orações e sacrifí-cios.

Durante a continuação desses rituais preliminares, os Noviços eram exortados a abstrair suas atenções das coisas mundanas e concentrar inten-samente seus pensamentos sobre as altas, supremas celebrações, que se executavam sob a “inspeção constante dos deuses imortais”, para uma união e comunhão íntimas com quem agora estavam prontos a ser aceitos.

Os sacerdotes, então, dedicavam-se, por meio de prece, ao pedido de uma graça divina. As cerimônias eram abertas pelo sacerdote-mor, que perguntava publicamente: “Quem é digno de estar presente a esta cerimônia?”, sendo então respondido: “Os homens bons, honestos e inocentes”. E o sacerdote ajuntava: “Coisas santas são para pessoas consagradas”, acrescentando em voz alta: “Oremos!” .

Agia, em seguida, de conformidade com as solicitações do Guia dos candidatos para que estes conhecessem as divindades benevolentes. A partir daí era oferecido o sacrifício com as formalidades de costume, sendo a vítima condimentada com sal porque esse tempero simbolizava a

hospitalidade e a amizade. O sacerdote pressagiava, pelas entranhas do animal sacrificado, se os deuses estavam propícios a ouvir suas orações. Se a resposta fosse positiva,

os rituais de Iniciação eram imediatamente executados.

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Epílogo deste Capítulo Terceiro

Os Mistérios propriamente ditos – sejam eles bramânicos, egípcios, mitraicos, gregos, etc. –, pela marcante intimidade que eles têm com outros graus maçônicos, notadamente o de Mestre, haverão de escapar, como escapam, ao grau inicial de nossa Ordem.

Precisamente por esse motivo, tais Mistérios e a Iniciação neles (como é o caso dos “Dionisíacos” e “Órficos”, para exemplificar) estão reservados

para começar no grau de Companheiro e concluir no de Mestre. Não obstante, a futura compreensão e assimilação deles, para os devidos estudos e aplicações maçônico-iniciáticas, estará da dependência, direta

e imediata, seja em maior ou menor nível, desses mesmos requisitos sobre toda a extensa matéria de que se ocupou este Título I e do que se ocupará o seguinte Título II, que vale como pequena, muito pequena e estreita ‘ouverture’ à maior intimidade com tais Mistérios.

TÍTULO II

INTRODUÇÃO GERAL AOS MISTÉRIOS ANTIGOS

Capítulo Primeiro

SUMÉRIA e ACÁDIA

De um modo geral, quando se fala em “mitologia assírio-babilônica”, está-se referindo a toda a mitologia dos povos mesopotâmicos, conquanto haja variadas distinções e particularidades religiosas para cada um deles, às vezes temporalmente muito distantes entre si. Mesmo assim, tem-se traçado uma espécie de “linha mediana” em relação às ideias religiosas então vigorantes.

É o caso da mitologia suméria, que exige seja separada da assírio-babilônica porque os seus mitos são consideravelmente anteriores a estes, e se

constituem na fonte, na origem destes últimos. A primeira civilização que se implantou na Mesopotâmia (área compreendida entre os rios Tigre e Eufrates, em cuja confluência, no Golfo Pérsico,

foi localizada a cidade bíblica de UR, pátria de Abrahão, atualmente englobada pelo Iraque e o Kuwait) foi suméria, cujo povo é de origem e de etnia des-conhecidas, embora se tenha a certeza de que não era semita. Localizou-se numa região compreendida, de um lado, numa extensão que ia dos Montes Taurus (Turquia atual) ao Golfo Pérsico, e de outro, do Mediterrâneo aos Montes Zagros (Irã atual), mas concentrando-se na chamada “Baixa Caldéia”, junto ao mar pérsico (hoje Kuwait), na região conhecida pelo nome de “Sumer”, que deu origem à “Suméria”.

Mais tarde, vieram os semitas ou acádios a invadir a Mesopotâmia, estabelecendo-se na região de Acade, que viria a ser posteriormente a conhe-cida “Babilônia”, situada ao norte de Sumer. Esse fato teve a virtude de permitir o contato constante entre sumérios e semitas, daí resultando, por óbvio, uma fusão de hábitos e tradições dos dois povos, o que teve a virtude de levar à conversão de uma única civilização, denominada histórica e generaliza-damente como “civilização suméria”, em cujo âmago também se encontram fundidas e unificadas as respectivas mitologias, de sorte que não é mais possí-vel traçar uma linha divisória entre a mitologia da Acádia e a da Suméria, tamanha a identidade entre elas duas.

Deixando à margem de considerações outros aspectos históricos, sociais e culturais desses tão antigos povos, importa considerar os traços mais gerais de sua religiosidade, seus templos e seu culto.

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Não legaram à humanidade quaisquer escritos sobre aquela e estes, e tudo que se sabe a respeito foi extraído de textos esparsos, variados, e até mesmo contraditórios, levando a erros de interpretação e extrapolações comprometedoras. Em que pese a isto, são as únicas fontes disponíveis para esse vetor de conhecimento.

Dentro dos escassos e mais sérios argumentos – em particular aqueles advindos da Arqueologia – toma-se ciência de que a cosmogonia suméria

admitia um “mar primordial”, sem começo e nem fim, criador de “ANKY” – a “Montanha Cósmica” – que se compunha da Terra e do Céu e permaneciam “misturados” até que, por causa dos ventos e das nuvens, ficaram separados, instalando-se entre os dois um “espaço vazio”.

Na verdade, essa cosmogonia é derivada de uma teogonia onde o “mar primordial” seria a deusa-mãe “NAMMU”, que teria gerado “AN”, o Céu, e

KY, a Terra. Esta posteriormente passara a ser “NIN-HURSAG”, a “Dama da Montanha Cósmica”. Da união entre AN e KY teria nascido “INANA”, a “Deusa do Amor”, e “ENLIL”, o “Deus do Ar”. Este último acabou sendo o pomo da discórdia entre os pais, que teriam se separado. Unindo-se, depois, à própria “mãe KY”, geraram todo o Universo, as plantas e árvores, os animais e os homens.

Suspeitavelmente acabaram se unindo o “mar primordial” (NAMMU) e a Terra (KY) para formar uma só divindade com o nome de “ENKI”, que rei-

nava num “lençol de água subterrânea onde a Terra flutuava”. E assim ficava completa a tríade cosmogônica “Céu”, “Terra” e “Ar”.

Mas o panteão sumério não estava restrito a esses quatro deuses que o encimavam; ao contrário, era um panteão composto por esses e outros tantos deuses, cujas classes e funções eram muito diversificadas. Havia sete que ditavam os destinos dos humanos e mais outros cinquenta que formavam uma espécie de “nobreza” divina e sempre se reuniam em assembleias. Abaixo de todos esses é que vinham outros com a função de “servos”, ou, se fê-meas, estavam destinadas ao papel de suas esposas ou concubinas. Todos eles, contudo, gerados por “AN” (o Céu).

A grande deusa da fertilidade e da fecundidade, além de ser do amor, era ‘INANA”, que admitia outros nomes. Mais tarde, na Babilônia, ela ainda será a mesma deusa, mas com o nome de “ISHTAR”. Na Suméria era vista e cultuada mais como a deusa da fertilidade da terra, ao passo que, nos demais países da Mesopotâmia, como deusa da fecundidade feminina, tanto que era simbolizada nua amamentando os filhos. Mas também “deusa-guerreira”. O grande deus da fertilidade era “ABU” (pai da vegetação), que no panteão assírio-babilônio iria receber, respectivamente, os nomes de “Tamuz” e “Nin-Urta”. Era simbolizado com barbas, cabelos ao vento, sempre de pé sobre um touro ou sobre uma montanha e junto a ele uma águia, simbolizando a ferti-lidade.

Curiosamente, eram deuses que padeciam das mesmas carências humanas, pois se alimentavam, bebiam e se embriagavam como os homens, a-

lém de padecerem doenças, serem vítimas de paixões e ciúmes, se lançavam em combates, feriam, matavam e até morriam, dando origem a uma rica mi-tologia lendária onde se vislumbra uma embrionária preocupação com o mistério do Universo e da própria vida nele existente.

Seja como for, todas as divindades, em última análise, estavam mais ou menos ligadas à fertilidade e à fecundidade. Alguns deuses acompanha-

vam o ciclo da vida vegetal, “morrendo no Inverno” para “ressuscitar” na Primavera. Os seus Templos eram geralmente retangulares onde exibiam uma torre (“zigurat”) de vários andares, com terraços justapostos aos quais se a-

cessava através de rampas externas. No cimo da torre estava uma capela.

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ENLIL acabou se tornando o deus mais importante, chamado de “Pai dos Deuses” e “Rei dos Céus e da Terra”. Era bom e incontestado “Senhor do Universo”, eis que a si tocava a responsabilidade pelo alvorecer e o crescimento das plantas, além de ser o inventor da ferramentaria agrícola, dis-tribuidor da prosperidade, “senhor dos destinos”, das tempestades e até da morte, porque estas eram as “leis da Natureza” que ele devia aplicar.

Mas, como já dito, era também vítima das mesmas paixões das quais sofrem os homens. Conta uma lenda a seu respeito que no seu santuário, em NIPPUR (à margem do rio Eufrates, a meio caminho entre Bagdá e o Golfo Pérsico),

também vivia a deusa “NUBAR-SHEGUNU”, cuja filha, “NIN-LIL”, era particularmente linda e fora por ela instruída a seduzir aquele deus e com ele casar. Deu certo. Porém, no momento de ser realizado o congresso sexual ela se recusou, deixando o jovem deus ardendo de desejo; espargindo fúria, regressou à cidade, convocou seu conselheiro ‘NUSKU’, a quem expôs o caso. “Nusku”, então, providenciou uma barca, nela reunindo o divino casal apaixonado para um cruzeiro pelo rio Eufrates. Na viagem, porém, “Nin-Lil” voltou a se recusar à consumação sexual. “Enlil”, desesperado, estuprou-a.

Tendo chegado esse fato ao conhecimento dos outros 50 notáveis deuses, estes não se conformaram com o divino crime, mesmo em se tratando

do “Pai dos Deuses”, vindo a ser convocados os outros sete deuses que decidiam os destinos e que se apoderaram de “Enlil”, chamando-o de “ser imoral” e ordenando que saísse da cidade. Saiu e foi banido para os Infernos, levando consigo o horror pelo fato de seu filho concebido com “Nin-Lil” naquele es-tupro, a quem ele entregaria o governo de “NANA” (a Lua), quando nascesse, já não mais poderia emergir das Trevas para subir ao alto dos Céus. Mas “Nin-Lil”, para provar o seu amor, resolveu acompanhar “Enlil” aos Infernos. No caminho, “Enlil” se transformou por três vezes em outras divindades que eram os guardiões das Trevas; e em cada vez possuiu e fecundou “Nin-Lil”, que gerou três crianças, que se tornaram divindades infernais, no entanto, permitiram que seu irmão “Nana” subisse à superfície da Terra para alçar-se aos Céus e ocupar o trono lunar, de onde pôde conseguir que os pais fossem libertados dos Infernos e voltassem para o seu palácio, em Nippur.

Em outro mito relacionado ao mesmo “Enlil” tem-se a oportunidade de apreciar o quanto os sumérios se preocupavam com a subordinação dos

homens aos deuses, e, em especial, ao “Pai dos Deuses”, eis que, não fosse a sua intervenção, nada existiria no mundo. Aquele outro deus – “ENKI”, embora fosse ébrio contumaz – também se revelara “amigo dos homens”, e reinava sobre “as águas doces subterrâ-

neas”, tanto que fora ele quem instruíra ‘ZIUZUDRA’ ou ‘UTA-NAPISHTIM’ – o “Noé Sumério” – sobre como deveria salvar-se e à família do dilúvio, que ha-via sido decretado pelos deuses.

Era amigo de “Enlil” e os dois governavam o Universo, tocando a este a orientação e a “Enki” a execução de tudo que tivesse sido orientado. Já

aqui se entrevê uma primeira “divisão do trabalho”... Em que pese a essa amizade entre esse deus e os homens, assim não se passava com as outras divindades, cujas relações eram do tipo “senhor-

escravo”, malgrado as “intervenções conciliatórias” de “Enki”. Sobre como e por que foi criado o homem, também um outro mito lendário envolve “Enlil” no cenário. Conta-se que os deuses, quando concluíram a criação do Universo, deram-se conta de ter cometido uma falha, pois estavam obrigados a trabalhar

para sobreviver, e isso era muito cansativo. Vieram, então, as constantes lamentações e, a final, a sublevação contra “Enlil”. Este, ameaçado em seu pró-prio palácio – que estava sitiado pela multidão enfurecida por aqueles deuses rebeldes –, convocou os 50 “Grandes Deuses” para evitar a conjura, momen-to em que lhe acudiu uma ideia “genial”, própria da sua condição de “Pai dos Deuses”: com argila e água seria possível criar um ser capaz de subs-tituir os deuses nas pesadas tarefas do dia-a-dia.

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Como a ideia fosse aprovada com grande regozijo e banquetes festivos e mais a exaltação que dominara os deuses rebeldes, coube a “Enki”, ami-go de “Enlil”, unir-se à deusa “NIN-HURSAG” para “criar o homem”.

Entretanto, como as libações alcoólicas haviam sido exageradas, aqueles dois deuses encarregados da “procriação” acabaram embriagados, e

por isso os primeiros seres nasceram anormais, imprestáveis para qualquer função, ou seja, as fêmeas eram estéreis e os machos assexuados. Nenhum deles continuou vivo!

Esse fato levou a que aqueles mesmos deuses voltassem a se insurgir contra “Enlil”. Mas “Enki”, percebendo a gravidade, recuperou a sobriedade

e passou a ensinar a “Nin-Hursag” e ao harém das deusas-mães no que consistia a “arte de fabricar homens”, quando e a partir de então veio o ser huma-no a ser criado, o que levou os deuses revolucionários a ficar contentes e tranquilos.

Mas o problema, embora resolvido, começou a se agravar pela proliferação exorbitante dos nascimentos, gerando tal balbúrdia que, além de não

deixar que os deuses dormissem sossegados, acabou contaminando todo o universo. E aí eles não aguentaram mais: reuniram-se, debateram o problema e decidiram acabar com a humanidade, para isto decretando o Dilúvio.

Ocorre que “Enki”, “amigo dos homens”, era um deus “inimigo das destruições”, e por isso, sendo ele o “criador” da raça humana, não podia con-

cordar com o seu extermínio; mas, ao mesmo tempo, precisava encontrar um meio que evitasse uma “crise divina” que acabasse obrigando à criação de um outro ser substitutivo. “Pensando”, encontrou a solução: uma pequena parte dos homens e mulheres precisava ser salva, e a partir daí, “recriar” a hu-manidade. Para tanto, escolheu “Ziuzudra” (sumério) ou “Uta-Napishtim” (babilônico) e sua família, que foram salvos do dilúvio, cuja descrição é mais clara entre os assírio-babilônios, onde os deuses dessa epopeia são os mesmos sumérios, embora com outros nomes.

A religiosidade suméria caracterizava-se pelo pessimismo e o fatalismo: o homem fora criado para suportar e executar as ordens dos deuses, a

quem se sentiam inexoravelmente subjugados e contra isso nada podia ser feito. Seu destino já vinha decretado pelas divindades, e assim sendo mais não tinham a fazer senão produzir para a sua própria sobrevivência.

O mistério do Universo era a sua grande incógnita, o que tornava o sumério um ser constante e profundamente angustiado e frágil. Não tinha ilusão alguma sobre o seu último destino, que era o “Inferno”, “um reino de onde nunca se retorna”. Mas o “inferno” sumério tinha uma outra concepção, diferente daquela das atuais religiões monoteístas, isto é, a região onde os mortos são atormentados, mas sim “o lado sombrio da vida onde tudo continua existindo sob a vigilância de guardiões terríveis”. Daí a razão pela qual os sumérios, à semelhança dos egípcios, depositavam alimentos e mobílias nas tumbas de seus mortos.

Quanto ao culto e à magia entre os sumérios, sabe-se que os sacrifícios ocupavam um lugar de destaque em seus rituais, a ponto de serem reali-zados vários deles ao longo do dia, com vistas a que os deuses pudessem se alimentar tantas vezes quanto os humanos faziam.

Nos textos encontra-se a afirmação de que eles, depois do Dilúvio, “pairavam no ar como moscas atraídas pelo cheiro dos sacrifícios” 110, isto é, da

morte. Noutras situações, quando a intenção era a de provocar a fecundação da terra, o sacrifício consistia em libações com vinho de tâmaras, oferecido

ao “espírito do Sol”.

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Eram praticadas, também, cerimônias religiosas simples, consistindo em orações públicas, música, cânticos e danças sagradas. Todos os cultos e cerimoniais se praticavam nos templos, cujo formato era retangular, sendo que aqueles havidos como importantes possuíam

uma torre (“zigurat”) de vários andares e com terraços justapostos, ladeados por rampas externas de acesso. A prática divinatória era igualmente constante: analisavam-se as vísceras das vítimas que tivessem sido sacrificadas, como também, do alto dos

“zigurats”, os astros. A “magia negra” era praticada aplicando-se o flagelo a estatuetas que simbolizassem os “inimigos”. Mas paralelamente existia a “ma-gia simpática”, pela qual era buscada a cura dos doentes, “a quebra dos encantos” e a atração da felicidade.

Também havia os cerimoniais anuais destinados exclusivamente à celebração da morte e da ressurreição dos deuses, apenas detalhando-se que essas festas religiosas haviam de estar relacionadas às estações do estio e da primavera.

Mas, a maior, a excelente festa religiosa era a do “hierogamos”, que celebrava a união conjugal do deus com a grande deusa, o que era consegui-

do através daquela “magia simpática”, quando então a representação se fazia mediante estátuas, ou com a participação real dos sacerdotes e hieródulas, isto é, aquelas mulheres que estavam consagradas ao serviço da deusa.

“Foram encontradas junto dos templos numerosas placas com representações alusivas à união dos deuses, bem como órgãos genitais de ambos

os sexos, em argila, que seriam oferendas relacionadas com o culto da fecundidade” 111

Capítulo Segundo

ASSÍRIA e BABILÔNIA

A Mitologia Assírio-Babilônica, na sua essência, não passa de uma continuação e desenvolvimento da dos sumérios e acádios. A diferença está em que os que deram continuidade a essa mitologia sumeriana não eram semitas.

O assírio-babilônio, ao que parece, não tinha noção de “eternidade”, mas admitia que tudo tinha um começo, inclusive os seus deuses, tal como é narrado no “Poema da Criação”, que na língua acádia tinha o nome de “Enuma Elish”:

“Quando no cimo o Céu ainda não fora nomeado E que em baixo a Terra não tinha nome E que do oceano primordial, seu pai, E da tumultuosa Tiamat, mãe de todos, As águas ainda se confundiam; Os pousios não estavam fixados, Os canaviais jamais haviam sido vistos. Quando nenhum deus fora ainda criado, Quando nenhum nome fora ainda pronunciado, Nem fixado nenhum destino, Os deuses foram criados...” 112

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Também nessa Mitologia encontra-se a lenda da Criação, que não é uma originalidade babilônica, pois não passa de uma reprodução de textos mais antigos, apenas aplicando-se uma nomenclatura diferente aos personagens que nela intervêm.

O elemento básico era a água. Historiando a Criação, diziam que primeiramente houve uma fusão entre o “mar primordial de água doce” – a que

davam o nome de “APSU” – e o “mar tumultuoso de água salgada” – a que denominavam “TIAMAT”. Na sequência, esse encontro dos dois “mares” provo-cou uma “agitação de ondas” – a “MUMMU” –; e aí, então, nasceram os primitivos deuses para depois todos os outros seres, sendo que os dois primeiros foram “LAHMU” e “LAHAMU”, supostamente um casal de serpentes monstruosas que teria sido a origem de “ANSHAR” – o “princípio macho” que simboli-zava o “mundo celeste” – e de “KISHAR” – o “princípio fêmea” simbolizante do “mundo terrestre”. Desses dois princípios é que teriam se originado todos os outros deuses, que, segundo a lenda mítica, perturbavam demais o “velho Apsu” que se clamava a “Tiamat” alegando não ter descanso durante o dia e, à noite, não poder dormir. Por isso, eles dois resolveram destruir todos os homens, deles descendentes, jurando que dali para a frente “o caminho seria cheio de misérias”. Acontece que “ÉA” – o deus da água e extremamente inteligente – soube dessa intenção, vindo a desencadear-se entre eles várias e terríveis lutas, cheias de traições, sem que “Tiamat” – a deusa-mãe –, pudesse ser vencida. “ÉA”, então, convocou seu filho “MARDUK” para que comba-tesse aquela deusa. A luta foi gigantesca, gerando ventos e tempestades, vindo “Tiamat” a ser vencida e cortada em duas partes, com uma das quais “Marduk” construiu a abóbada celeste, e com a outra transformou-a em sustentáculo da Terra.

Narra a lenda descritiva desse combate: “Prepara-te. Que tu e eu combatamos. ‘Tiamat’, ao ouvir essas palavras, ficou fora de si, perdeu a razão e chorou. No paroxismo do furor, tremeu profundamente sobre si mesma, recitou um encantamento, pronunciando sua fórmula mágica. Os deuses do combate consultam suas armas. Eles, ‘Tiamat’ e ‘Marduk’, o sábio entre os deuses, se preparam, então, para o combate. Caminham, aproximando-se para a batalha. ‘Marduk’ estende sua rede e envolve ‘Tiamat’; lança o furacão maligno, que se eleva atrás dele, em face de ‘Tiamat’. Ele abre a boca o máximo que pode e faz penetrar ali o mau furacão, de modo que ela não possa cerrar os lábios. Os terríveis furacões enchem seu corpo, seu coração é agarrado e mantém a boca escancarada. Lança uma flecha que perfura seu ventre, atravessa as entranhas, fende o coração e a reduz à impotência, destruindo sua vida. Derruba o cadáver do monstro, ficando em pé sobre ele. Depois que atinge ‘Tiamat’, aquele que comandava seu exército se dispersa, seu bando se desfaz, e os deuses, seus auxiliares que caminhavam a seu lado, tremem de medo, e, voltando as costas, fogem para salvar suas vidas” 113.

“MARDUK”, deus essencialmente babilônico, foi a divindade nacional que mais popularidade alcançou no antigo Oriente, tendo atingido o auge du-rante a dinastia de Hamurabi, quando esse rei fez da Babilônia uma cidade sem rival na Mesopotâmia. As principais qualidades desse deus estão consagra-das no relato da Criação – o “Enuma Elish” –, como também os feitos valorosos em que se destacou, sendo principal, como acima narrado, aquele em que lutou contra o monstro “TIAMAT”, que o desafiou. Em seguida, fez o mundo, construindo no céu a morada dos grandes deuses, cujas imagens são as es-trelas; na sequência criou a duração do ano para que nele fosse dividido o curso dos astros. E assim se organizou a ordem celestial. Depois, fez com que a terra emergisse do mar, que a cobria inteiramente, criando os “espíritos superiores” – os “ANUMAKI” – para que a espécie humana, logo em seguida tam-bém criada, pudesse erguer templos para adorá-los e às outras divindades.

O “Poema da Criação” assírio-babilônico ou “ENUMA ELISH”, na sua origem acadiana, descreve que o primeiro homem foi feito por “Marduk” pela

mistura do pó e do sangue de um deus morto – “QUINGU” –, vindo mais tarde a ser criada a deusa “ARURU”, com quem aquele primeiro homem “produ-ziu o sêmen da humanidade”. Para finalizar a “obra da criação”, ‘Marduk’ criou os rios e os animais.

Quis ‘Marduk’ que todos os homens fossem instruídos e justos; para isso, encarregou o “homem-peixe” dessa tarefa. Mesmo assim, apesar de todos os esforços, nem todos os deuses ficaram satisfeitos com os comportamentos humanos, e um deles – “BEL” – resolveu afogar a Terra sob as águas para que a humanidade restasse completamente destruída. Mas “ÉA” – o deus das águas – não concordou com essa destruição total, e por isso ele mesmo selecionou um homem, ‘UTA-NAPISHTIM’ e sua mulher, mandou construir um barco, fazendo nele embarcar aquele casal e mais o germe de tudo quanto

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havia sido criado na Terra para que não sucumbissem ao dilúvio. Ao subir no barco, ‘Uta Napishtim’ teria dito ao ‘deus das águas’: “Tudo quanto eu tinha embarquei nele, toda semente de vida fiz subir ao barco, toda minha família e minha parentela, o gado do campo, os animais do campo, os artesãos, a to-dos fiz subir. ‘Shamash’ havia fixado o momento: ‘O senhor das trevas à tarde fará chover uma chuva de impurezas. Entra no interior da embarcação e fe-cha a porta”. Como estava predito, o dilúvio chegou a tal ponto violento durante seis dias e seis noites, que os deuses se arrependeram de ter consentido aquela catástrofe. Prossegue a lenda: Os deuses temeram o dilúvio, fugiram, subiram ao céu de ‘Anu’. Os deuses se acocoraram como o cão e sobre a mu-ralha ficaram deitados. Ela, ‘Ishtar’, chorou como uma mulher nas dores do parto; ela vociferou, a soberana dos deuses, de bela voz: ‘Que aquele dia se transforme em lama, aquele dia em que eu tiver dito mal da assembléia dos deuses; para fazer perecer meu povo, ordenei o combate. Acaso dou à luz meu povo para que, como os filhos dos peixes, encham o mar?’. Os deuses, por causa dos ‘Anunaki’, choraram com ela. Os deuses ficaram deprimidos, sentaram-se debulhados em lágrimas” 114. Quando as águas baixaram, foram soltas diversas aves para ter certeza de que era possível o desembarque de todos os que estavam no barco, vindo esse fato a acontecer. Já em terra firme, fizeram libações aos deuses, e “Bel”, profundamente honrado, também re-tribuiu com honras divinas, permitindo que houvesse o repovoamento. O casal sobrevivente do dilúvio, então, passou a viver na companhia dos deuses, mas sempre pregando a virtude e a piedade. Os descendentes desse casal é que teriam sido os reconstrutores da Babilônia, onde ergueram mui-tos templos.

O panteão assírio-babilônio é vastíssimo e complicado, cerca de 5.000 divindades; mesmo porque, além dos deuses sumérios que foram assimila-dos, muitíssimos outros foram criados pela própria teologia babilônica.

No princípio, esses deuses representavam as forças criadoras e dominadoras da Natureza. Alguns deles possuíam sexo indeterminado e outros e-

ram bissexuados. Num primeiro momento, eram simbolizados por animais e depois de uma longa evolução é que vieram a assumir a forma humana, com barba espessa e cabelos longos, geralmente encaracolados. Num período arcaico, suas cabeças eram encimadas por capacetes exibindo chifres e plumas; mais tarde, substituídos por turbante ou tiara ornamentados com diversos pares de chifres.

Ostentavam a mesma figura humana, mas, por serem deuses, eram superiores em estatura e força, muito embora também padecessem das

mesmas dificuldades e fossem passíveis das mesmas paixões dos mortais. Os deuses inferiores desempenhavam papéis diversos, como o de guardas dos templos. Eram representados por um ser que tinha cabeça de ho-

mem sorrindo e corpo de touro com asas. Gozavam da imortalidade, tinham esposas e constituíam famílias e eram divididos em duas classes: os celestes e os terrestres. Os primeiros cha-

mavam-se “IGIGI”, e os segundos – que também eram deuses dos Infernos – eram denominados ‘ANUNAKI”. Havia fundamentalmente três tríades divinas que se constituíam – cada uma delas e na visão de cada historiador da antiguidade – na base do

panteão babilônico: (a) “ANU” – “BEL” – “EA”; (b) “SIN” – “SCHAMASH” – “ISHTAR”; (c) “ANU” – “ENLIL” – “ENKI”. A esta última e bem mais tarde viria juntar-se a “rainha dos deuses” – a ‘deusa-mãe’ “MAH” ou “BELIT-ILI”.

Do quanto ficou até aqui exposto, extrai-se que a concepção assírio-babilônia da organização do Universo pode ser assim resumida: (1) As águas

foram o princípio de todos os seres que, originalmente, estavam “misturados”; (2) desse “caos” nasceram dois mundos: o “mundo alto” ou “Céu” e o “mundo baixo” ou “Terra”; (3) o terceiro mundo – o “cósmico” – foi formado pelo elemento líquido; (4) o quarto mundo é formado debaixo da Terra e é invisível porque é o “mundo dos infernos”, que é o “reino dos mortos”.

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Cada um desses “mundos” tinha os seus deuses, cujos poderes e atributos eram inerentes ao papel que neles desempenhavam. Porém, acima de todos estavam os “deuses supremos”, isto é, aqueles que reinavam no Céu, na Terra e nos Infernos; desses três, todos os de-

mais deuses eram inferiores e a eles subordinados. Essa tríade suprema e com toda a sua supremacia é que irá espraiar-se e manter-se, até ser extinta, em todos os impérios da Mesopotâmia, parti-

cularmente aqueles que nasceram após os tempos babilônicos. Mas, além dos deuses humanizados, tinha a Assíria-Babilônia também as suas divindades astrais que se associavam muito de perto à vida huma-

na: o Sol, a Lua e o planeta Vênus. Aliás, as Mitologias Mesopotâmicas em geral sempre estiveram caracterizadas pelos cultos vincadamente astrológicos, ante o entendimento de que

os corpos celestes ligavam os destinos humanos àquilo que os deuses celestiais decidiam. Esses destinos os homens de então procuravam decifrá-los em horóscopos e augúrios.

“ANU” – que era o deus do céu pré-histórico e de origem suméria na figura de “AN” –, cuja esposa era chamada “ANTU”, havia saído do “caos” e presidia os destinos do Universo, mas não cuidava dos assuntos dos homens, tanto que jamais havia descido à Terra. Seu exército era formado de estre-las, cuja missão era destruir os maus.

“ENLIL” era o “deus da Terra”, “senhor dos Ventos”.

“ENKI” (depois “ÉA”) já constava do “Código de Hamurabi” (o mais antigo código de leis da humanidade), era tido como o “deus das águas”, em-bora não fosse uma divindade marinha, pois esta era “Apsu”. “Enki” era também o “deus da sabedoria”, sendo convocado para os “encantamentos” e para os oráculos; gozava do título de “padroeiro” dos carpinteiros e ourives. Era particularmente cultuado em Eridu (antiga cidade, então próxima à bíblica UR de Abrahão).

“NERGAL”, o deus que reinava no Inferno, chamado “ARALU”, que significa “a terra sem regresso”. Era um “lugar de escuridão onde os mortos eram condenados a ficar eternamente estendidos sob o poder da divindade infernal”.

“SIN” ou “NANNA”, o “deus-Lua”, era o primeiro e maior da tríade astral porque, “assim como a noite precede o dia”, assim “Sin” é mais antigo do que “Shamash’, o “deus-Sol”, e “Ishtar”, o planeta Vênus. Era simbolizado como um velho de longas barbas de cor lápis-lazúli, ou pela Lua em seu quarto-crescente. Por que clareava as noites, era visto como o deus que impedia a atuação dos maus, pois estes precisavam da sombra para praticar atos crimi-nosos. O eclipse da lua era visto como “magia dos maus espíritos” para eliminá-lo.

“SHAMASH”, o “deus-Sol”, era simbolizado por um disco brilhante emergindo entre as duas montanhas, uma a Leste e a outra a Oeste. Conta a lenda que “todas as manhãs os homens-escorpiões que habitam essas montanhas e as defendem de qualquer investida abrem uma larga porta, por onde passa o deus-Sol, que parte dali para a sua corrida diurna no carro guiado por seu filho e cocheiro “Bunene”. Vem resplandecente; os seus raios luminosos parecem sair-lhe dos ombros. Depois de atravessar a abóbada celeste, enchendo tudo de luz ofuscante, atinge a montanha de Oeste, onde se abre outra porta, por onde ele desaparece... Durante a noite, ‘Shamash’ não descansa: continua a sua corrida subterrânea, para reaparecer na manhã seguinte na porta de Leste” 115. O símbolo, para a passagem solar de Oriente para Ocidente, é alternativo: ou uma roda de quatro raios, ou um globo solar com duas asas a-bertas. Mas esse deus babilônico tinha outras características. Assim, na sua representação antropomórfica, também era o “deus da justiça” porque os seus

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raios formam uma rede na qual são apanhados todos aqueles que agem criminosamente. Por isso, na Babilônia, o seu templo era denominado “a casa do juízo do mundo”. Era igualmente o “deus da adivinhação” e através do adivinho transmitia aos homens os segredos do futuro. Sua esposa era a deusa “A-YA”, carinhosamente chamada “Noiva”, assim como ao próprio “Shamash” denominavam “o querido de Aya”, que geraram dois filhos: “KETTU” – a “justi-ça” -, e “MESHARU” – o “direito”. “ISHTAR”, personificando “Vênus” – e portanto, a “noite” – era a mesma “INANA” dos sumérios, ocupando o terceiro lugar na tríade astral. Foi o grande princípio feminino da reprodução e da fecundidade em toda a Ásia Ocidental. A “deusa das manhãs” e a “deusa das noites”, também “deusa da aurora” e “deusa do crepúsculo”. Era ela que fazia a ligação entre o “reino da Luz” e o “reino das Trevas”. Entre os Assírios era cultuada mais como uma “deusa guerreira”, tomando parte nas batalhas ao lado de seu esposo “ASSUR”. Era representada em pé num carro puxado por sete leões, empunhando um arco. Em Uruk – sua cidade santa ou ‘cidade das cortesãs sagradas’ –, na Suméria, era cultuada também como “deusa do amor”, integrante da “prosti-tuição sagrada”. Quando descia à Terra, fazia-se acompanhar por um cortejo de prostitutas. Narra o mito que“ela mesma entregava-se intensamente à satisfação dos desejos amorosos, escolhendo os seus amantes entre toda a espécie de seres. Mas desgraçados daqueles que ela escolhia! Até para os deuses o seu amor era nefasto. Na sua juventude, ‘Ishtar’ amou ‘Tammuz”, o deus da vegetação. Esse amor causou a morte do jovem apaixonado, que desceu à “terra sem regresso’, onde reinava ‘Ereshkigal’. Dominada pela sua imensa dor, ‘Ishtar’ seguiu-o e quis forçar a irmã a entregar-lhe o seu amado. Mas ‘Ereshkigal’ mandou-a encarcerar e soltou, contra ela, as ‘sessenta doenças’. En-quanto ‘Ishtar’ esteve prisioneira, a Terra ficou mergulhada em desolação e no céu houve uma tristeza infinita.

Para a libertar, ‘Éa’ criou ‘Asushunamir’, um ser efeminado, e mandou-o ao Inferno, depois de lhe ensinar palavras mágicas que deviam contrariar a vontade de ‘Ereshkigal’, que não pôde resistir e libertou ‘Ishtar’, assim como ‘Tammuz’. Apesar de ter um caráter violento, o coração de ‘Ishtar’ conhecia a bondade” 116. O seu próprio nome tem o significado de “benevolente”, e como tal, dispensou muita bondade aos mortais e muitos reis ficaram devendo ao seu amor a subida ao trono. A figura dessa deusa é cantada no “Poema da Criação”. O seu culto ultrapassou as fronteiras da Mesopotâmia, vindo a ser na Fenícia a mesma deusa com o nome de “ASTARTE”. Como também os seus traços mais gerais, enquanto “deusa do amor”, na figura de outra “deusa”, a “AFRODITE” grega ou “VÊNUS” romana.

Esse panteão astral, entretanto, absorvia outras divindades, como as “PLÊIADES” – aquelas sete estrelas que, nas terracotas ou monumentos assí-rio-babilônios, surgem ao lado da imagem da Constelação do Escorpião. Elas simbolizavam, por serem em número de sete, os “sete deuses dos Céus” e os “sete diabos dos Infernos”, ou seja, simbolizam ao mesmo tempo o Bem e o Mal.

Também “NINURTA”, identificada com a estrela Sírius e até com outras da Constelação de Órion, era o “deus dos campos e dos canais”, o “deus que dá a fertilidade”. Posteriormente veio a converter-se num deus “guerreiro e caçador”. Refere a lenda que “na luta que teve que travar com uma tre-menda coligação de toda a natureza, até as pedras se manifestaram: umas puseram-se ao seu lado, outras ao lado de seus inimigos. ‘Ni-nurta’ ficou ven-cedor e não esqueceu as suas humildes aliadas, amaldiçoando aquelas que foram contra ele. É por isso que, entre as pedras, algumas são belas e precio-sas, como lápis-lazúli, a ametista, a safira e tantas mais, procuradas e apreciadas pelos homens, ao passo que outras são desprezadas e pisadas por toda a gente” 117.

Entre os assírio-babilônios a Astrologia fazia parte da religião dos Iniciados – que eram os astrólogos e adivinhos –, os quais estudavam a evolução dos astros, estrelas, planetas e constelações na esfera celeste, porquanto entendiam que do movimento deles e delas dependia o destino do mundo e dos homens. As constelações, principalmente, eram chamadas de “estradas do sol” e “estradas da lua”, e, embora não tivessem dividido o Zodíaco em 12 ca-sas – o que só veio a acontecer no século V a.C. –, sabiam que o Sol durante um mês percorria um trecho determinado daquele espaço zodiacal.

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Os outros deuses cultuados pelos babilônios eram da Natureza, da fertilidade, da comida e da bebida. Estes últimos eram adorados porque repre-sentavam o “princípio criador” e as divindades da fertilidade representavam também o mesmo papel. Tais cultos se traduziam em festas agrícolas, onde pontificavam os ritos agrários.

Além desse panteão divino, tinham os assírio-babilônios os seus “heróis semidivinos”, mas na condição de “figuras lendárias que se relacionavam

diretamente com os deuses”, como foi o caso de ‘UTA-NAPSHTIM’ e “GILGAMESH”, que, embora sendo de origem sumério-acádia, ganhou enorme prestí-gio na Babilônia e Assíria, cujos feitos mito-lendários foram cantados num poema que imortalizou esse herói. A ele os babilônios se referiam exprimindo “o que descobriu a origem”, “o que viu tudo”. O texto principal ainda existe e teria sido mandado copiar pelo rei Assurbanipal, então rei da Assíria, para a sua biblioteca de Nínive, no século VII a.C. Como existem fragmentos que remontam ao segundo milênio a.C., tal fato faz prova de que a composição desse poema é muito mais antiga do que se possa pensar.

É ele aqui parcialmente narrado, a seguir, como sendo:

Capítulo Terceiro

A “EPOPÉIA DE GILGAMESH” 118

Suspeita-se que Gilgamesh tenha sido um ente real, possivelmente um rei sumeriano no terceiro milênio, mas transformado pela imaginação e pe-la lenda num “semideus”.

De acordo com tal lenda, dizia sua mãe – a deusa “NIN-SUN” – a respeito dele: “dois terços do seu ser são divinos e só um terço é natureza hu-

mana”. Seu pai teria sido um “lilu”, palavra acádia designativa de um demônio considerado íncubo119. “Gilgamesh reinava na antiga cidade de Uruk. Era sábio e valente, mas despótico e duro. Construiu muralhas formidáveis, torres mais altas que todas as outras até então erguidas, navios enormes que navegavam no grande mar. Por outro lado, a sua vitalidade era uma constante ameaça à tranqüilidade das famílias, porque não deixava a filha ao pai e à mãe, a bem-amada ao herói, a esposa ao marido. E o povo lamentava-se do trabalho e das humilhações que ele lhe impunha, suplicando aos deuses a sua proteção. Os deuses compadeceram-se e chamaram a deusa “Aruru”, a Grande, dizendo-lhe: ‘Foste tu que criaste Gilgamesh; ele submete o povo a trabalhos e insultos que o esmagam, a tal ponto que já não pode oferecer sacrifícios aos deuses. Isto é pos-sível porque só ele é poderoso no mundo. Tens que criar outro homem, ainda mais forte, para que lutem os dois e, entretanto, o povo de Uruk possa des-cansar’. ‘Aruru’ meditou em seu coração na maneira como faria alguém mais poderoso que Gilgamesh. Depois lavou as mãos, pegou em barro, misturou-lhe a sua saliva e fez um ser macho semelhante ao deus ‘Anu’: tinha o corpo coberto de pêlo, de maneira que parecia vestido de folhas, e os cabelos cres-cidos como o das mulheres, formando uma gaforina espessa como a cevada em paveia. Tinha a estatura de um gigante e modos ferozes. Pela violência e impetuosidade era irmão de “Ninurta”; pelo aspecto exterior parecia-se com “Sumukan”. Mas ‘Enkidu’ ignorava quem era, a que raça pertencia e qual era o seu país. Veio à vida num lugar montanhoso, entre animais, uns mansos, outros selvagens, cuja linguagem entendia. Alimentava-se, como eles, de er-vas; bebia com eles a água dos regatos. E ali se deixou ficar. Para defender os animais seus amigos, tapava as covas abertas pelos caçadores, retirava as redes que eles estendiam; e assim se espalhou nas aldeias próximas o rumor da existência de um gênio mau naquela região. Um dia, um jovem caçador avistou-o e ficou, ao mesmo tempo, espantado e temeroso, pois nunca vira uma criatura assim. Ao regressar a casa ia pensando: ‘Que será de mim? Não cultivo a terra e não conheço outro modo de vida senão a caça. Mas se os animais deixam de cair nos fossos e nas redes, que hei de fazer para arranjar a-limento para os meus pais e para mim?’ Contou tudo ao pai, e o ancião aconselhou-o: ‘Vai a Uruk, onde tantas vezes já foste levar animais ao templo, para serem sacrificados a ‘Anu’, a ‘Ishtar’ e aos outros deuses. É nessa cidade que vive o poderoso Gilgamesh, que ninguém pôde jamais vencer. Procura-o, di-ze-lhe o que viste e o que sabes do monstro desconhecido, para que ele te proteja’. O caçador assim fez. E Gilgamesh mandou-o falar com ‘Nin-Sun’, sua

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mãe, que foi buscar uma mulher do templo, para que o rapaz a levasse até à região montanhosa, onde estava ‘Enkidu’. Quando lá chegaram, deixou-a fi-car na margem do ribeiro onde ele costumava vir beber com os animais e retirou-se.

Ao vê-lo aproximar-se, a mulher deixou cair os véus que a envolviam, e o homem selvagem sentiu-se deslumbrado, sem poder resistir àquele en-canto que se lhe revelava. Os seus corpos uniram-se. Então os animais desviaram-se daquele que se tornara o seu pastor,e deixaram de o reconhecer co-mo tal. ‘Enkidu’ e a cortesã viveram juntos, na orla da floresta, durante seis dias e seis noites. Ao fim do sexto dia, o filho da montanha lembrou-se dos seus amigos companheiros e quis voltar a vê-los. Procurou-os, mas todos fugiram dele, porque perdera a inocência e já não era digno de viver entre os a-nimais. Sentindo-se envergonhado, voltou para junto da mulher, que lhe propôs irem para Uruk, ‘a cidade onde se encontra a casa santa, morada de ‘Anu’ e ‘Ishtar’, e onde Gilgamesh exerce o seu poder sore o povo’. Então ele acompanhou-a.

Entretanto, Gilgamesh continuava no seu palácio e teve um sonho simbólico, que o perturbou. Sua mãe, que conhecia toda a ciência mágica, ex-plicou-lhe que o meteoro que lhe caíra sobre os ombros e que ele mal pudera suportar, quando sonhava, assim como o machado que ele depois vira, ao despertar a manhã, significavam que viria ter com ele um homem que seria seu amigo, seu irmão de armas. ‘É um rude companheiro, dedicado e valente, mais forte que todos os homens deste país e só comparável a ‘Anu’ pelo seu vigor’ – acrescentou ela. E Gilgamesh, despeitado, preparou-se para enfrentar o desconhecido, disposto a não se deixar vencer por ele.

Ao mesmo tempo que isto se passava, a cortesã ensinava ‘Enkidu’ a comer pão e beber cerveja; rapava-lhe os pelos do corpo e ungia-o vigorosa-

mente com óleo perfumado. E, um dia, tomando-o pela mão, entrou com ele na cidade de Uruk. Ao vê-lo passar, a multidão exclama: ‘Eis um verdadeiro herói!’ Gilgamesh veio ao seu encontro e lutaram os dois diante do templo. Foi uma luta de gigantes, que fez tremer as próprias paredes do santuário. Por fim Gilgamesh dominou ‘Enkidu’ e este exclamou: ‘Tua mãe, a búfala do cerrado, a deusa ‘Nin-Sun’, gerou-te como um ser único; a tua cabeça foi erguida acima do homem; o deus ‘Enlil’ destinou-te à realeza dos povos’. Assim, do combate nasceu a amizade. E os dois heróis decidiram unir a sua força para vencer os monstros e conquistar a eternidade da glória.

O combate com ‘Umbaba’.

‘Enkidu’ tornou-se o companheiro inseparável de Gilgamesh, à esquerda do qual se sentava, com vestes magníficas; guerreavam e caçavam jun-tos: o leão e a pantera caíam feridos pelas suas lanças. O povo de Uruk aclamava-os porque, finalmente, podia descansar: Gilgamesh já não lhe impunha a construção de edifícios colossais e já o não levava a combater outros povos de terras distantes. Mas os dois amigos e companheiros ansiavam por novas proezas. E Gilgamesh resolveu ir combater o famoso ‘Umbaba’, que guardava o ‘Amanus – a imensa floresta de cedros do Líbano –, apesar das objeções de ‘Enkiu’, que tivera um sonho simbólico, e das advertências dos velhos que lhe diziam: ‘Não sabes o que te espera, Gilgamesh! Ninguém conseguiu ainda penetrar na floresta dos cedros. Não conheces ‘Umbaba’: o seu grito é como a tempestade; a sua boca é fogo; o seu hálito é a morte!’. Gilgamesh insistia: ‘Irei à floresta!’ E ninguém, nem a própria mãe, pôde demovê-lo. Ao vê-lo partir, acompanhado por ‘Enkidu’, a deusa ‘Nin-Sun’ vestiu a sua túnica sagrada e ergueu as mãos para ‘Shamash’, exclamando: ‘Por que deste a meu filho um coração que não tem repouso?’.

A marcha foi longa e penosa. Durante o caminho tiveram sonhos proféticos, que ‘Enkidu’ interpretou como sinal de derrota, mas que Gilgamesh tomou num sentido favorável. Até que se embrenharam na densa floresta. ‘Enkidu’ tentou ainda deter o companheiro e confessou-lhe que se sentia fra-quejar, porém Gilgamesh arrastou-o consigo. Antes de enfrentarem o terrível ‘Umbaba’, o senhor de Uruk invocou ‘Shamash’. E, quando o monstro apare-ceu, desencadearam-se oito ventos furiosos – o vento ardente, o vento gelado, o vento das areias e todos os outros –, que o sacudiram como se ele fosse um frágil ramo de árvore, sem poder avançar nem recuar, até que se rendeu a Gilgamesh, suplicando-lhe: ‘Ó Gilgamesh, não me tires a vida e tornar-me-

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ei teu servidor!’ Então, ‘Enkidu’ disse a Gilgamesh que o matasse, para que ele não continuasse a ser o terror dos povos. E a cabeça de ‘Umbaba’ foi dece-pada.

A cólera de ‘Ishtar’ contra os dois heróis.

Quando Gilgamesh se purificava e adorava, após o seu triunfo, a grande e terrível deusa ‘Ishtar’ contemplou-o e achou-o mais belo que nunca; a paixão que há muito sentia por ele e que sempre fora repelida tornou-se devoradora como uma labareda. Então a deusa propôs-lhe: ‘Ó Gilgamesh, que eu seja tua esposa e tu meu esposo ! Virás para a minha morada e os que se sentam em tronos beijar-te-ão os pés. Ser-te-ão levadas dádivas das montanhas e da planície. Mandarei aprestar para ti um carro de lápis-lazúli e ouro; as suas rodas serão de prata dourada e as trompas de pedras preciosas; não have-rá cavalos mais belos que os que estarão sob o teu jugo!’. Mas Gilgamesh respondeu-lhe: ‘Todos os teus amantes pereceram. O teu amor é como uma porta que abre para a tempestade. É como uma fortaleza que cai e esmaga os guerreiros que estão dentro dela. Até mesmo ‘Tammuz’, o esposo da tua juventude, foi destruído. Estão destruídos todos aqueles a quem estiveste ligada. As criaturas que caem sob a tua influência alegram-se, mas só por pouco tempo. Por teu intermédio é quebrada a asa da ave, o leão é destruído, o cavalo é impelido para a morte. Dizes que me amas, ‘Ishtar’. Amado por ti, acon-tecer-me-ia o mesmo que aos outros’.

Ao ouvir estas palavras, a deusa ficou cheia de ira; foi ter com ‘Anu’ e pediu-lhe que fizesse descer o touro do céu para derrubar Gilgamesh. E ‘A-nu’ mandou-lhe o touro que expelia lume e era tão forte que duzentos ou mesmo trezentos homens não podiam resistir-lhe. Mas Gilgamesh e ‘Enkidu’ do-minaramno, num combate corpo-a-corpo tão violento como não havia memória, e acabaram por matá-lo. Depois, arracaram-lhe o coração e foram depô-lo aos pés de ‘Shamash’. No alto das muralhas de Uruk, rodeada pelas cortesãs sagradas do templo, ‘Ishtar’ soltava gritos de raiva e amaldiçoava os dois he-róis. Então, ‘Enkidu’ cortou um bocado do lado direito do touro e atirou-o à face da deusa, como supremo insulto, enquanto gritava: ‘Far-te-ei o mesmo, a ti, se um dia estiveres ao meu alcance !’. Gilgamesh cortou os chifres do touro, que eram de tamanho descomunal, e ofereceu-os ao santuário do seu deus ‘Lugalbanda’, para os óleos das unções rituais. Em seguida, os dois amigos foram purificar-se nas águas do Eufrates e entraram na cidade de Uruk, por en-tre as aclamações do povo.

A morte de ‘Enkidu’.

A ofensa feita aos deuses exigia castigo. E os deuses reuniram-se para deliberar. ‘Ishtar’ jurara vingar-se e exigia que os dois heróis fossem ani-quilados para sempre. ‘Anu’ dava-lhe razão, dizendo: ‘Mataram ‘Umbaba’ e despedaçaram o ‘Touro do Céu’; por isso, é justo que morram”. Mas ‘Shamash’ defendia-os, afirmando que, destruindo os dois monstros, tinham cumprido os desígnios dos deuses. Contudo, ‘Enlil’ insistia: ‘Que Gilgamesh viça. Po-rém, ‘Enkidu’ deve morrer’. E foi essa a sentença final. Então, ‘Enkidu’ teve um sonho que o aterrou e começou a definhar, sem que se pudesse descobrir qual era o seu mal. Deitado no leito, gemia constantemente e assim esteve durante doze dias. Ao décimo terceiro expirou nos braços de Gilgamesh, que se lamentava:

“’Enkidu’, meu amigo, meu irmão, tigre da montanha. – Que espécie de sono caiu sobre ti? – Olhas sem expressão e não me respondes. – Virá es-te sono também sobre Gilgamesh? Irei jazer como ‘Enkidu’? – Entrou o desgosto na minha alma – Por causa do temor da morte, que se apoderou de mim – O meu coração está inquieto; vou partir; vaguearei pela Terra”.

Tocou no peito do amigo: o coração estava parado. Ternamente, como se o fizesse a uma noiva, estendeu a colcha sobre ‘Enkidu’. Voltou-se; na

sua dor, rugiu como leão ou a leoa a quem roubam a cria. E quando os seus soluços cessaram, a mãe perguntou-lhe: ‘Que desejas, meu filho, ou o que poderá calmar a tua dor e a inquietação que há no teu coração?’. Ele respondeu: ‘Desejo escapar à morte, que se apoderou de ‘Enkidu’, o meu amigo e

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companheiro’. Então, a mãe disse-lhe: ‘Só um homem escapou à morte: o teu antepassado Uta-Napishtim, o Remoto, que sobreviveu ao Dilú-vio e tem o segredo da vida’. Foi assim que Gilgamesh, dominado pelo pavor da morte, se decidiu a correr novos riscos para lhe escapar.

Gilgamesh procura a imortalidade.

Depois de ler as tábuas do templo, onde estava escrita a história de ‘Uta-Napishtim’, e ficar a conhecer completamente a maneira como ele con-quistara a imortalidade, Gilgamesh pediu à mãe que lhe ensinasse o caminho para o lugar onde ele se encontrava. E ela respondeu: ‘Tudo o que sabemos é que ele mora para além do Monte Mashu, onde estão os homens-escorpiões que guardam o Sol. Mas é preciso atravessar o mar e só o barqueiro ‘Ursha-nabi’ é que sabe como se vai até lá’. Muitos trabalhos e aventuras passou Gilgamesh para atravessar o oceano e vencer as dificuldades que se lhe depa-raram. Por fim, chegou à presença de ‘Uta-Napishtim’, que o reconheceu como seu descendente e lhe falou com afabilidade. E o herói de Uruk disse-lhe da sua ânsia de imortalidade. Mas ‘Uta-Napishtim’ limitou-se a esta resposta: ‘Os deuses reúnem-se para determinar o destino dos mortais; ninguém pode co-nhecer o dia da sua morte nem escapar a ela’. Explicou-lhe que, se era imortal, devia esse privilégio à benevolência de um deus, e terminou com esta per-gunta: ‘Quem reunirá agora os deuses para ti, para que encontres a vida que procuras?’. No entanto, para lhe provar a força do destino, propôs-lhe uma experiência: como o sono é a imagem da morte, que Gilgamesh permanecesse acordado durante seis dias e sete noites. Ele aceitou. Mas, cansado como estava, mal se estendeu no fundo do barco adormeceu profundamente, até que no sétimo dia ‘Uta-Napishtim’ disse à sua mulher: ‘Aqui está o homem for-te que deseja a vida! Sopra sobre ele um sono forte como uma tempestade’. E ela acordou-o.

Assim voltaria Gilgamesh para a cidade de Uruk, conservando a sua condição mortal. Mas a mulher de ‘Uta-Napishtim’ pediu ao marido que lhe desse uma recompensa por ele ter vindo procurá-lo de tão longe, através de tantos perigos.

E o herói do dilúvio revelou-lhe palavras de mistério: disse-lhe que havia no fundo do mar uma planta espinhosa que prolongava a vida. O bar-queiro sabia o sítio onde ela se encontrava. Quando lá chegaram, Gilgamesh atou pedras aos pés, deixou-se mergulhar nas águas e co-lheu a planta, cujo nome era ‘O velho torna-se novo’. Cheio de alegria, o senhor de Uruk exclamou: ‘Comê-la-ei e regressarei à juventu-de’. Continuaram a navegar e desembarcaram numa terra, onde encontraram um tanque de água doce e fresca. Gilgamesh não resistiu a banhar-se. Mas, quando voltou, já não encontrou a planta milagrosa: uma serpente, atraída pelo seu perfume, viera até ali e tinha-a co-mido. Imediatamente lhe caíram as velhas escamas e lhe nasceu uma pele nova, que a rejuvenesceu. Gilgamesh sentiu-se desesperado e entrou em Uruk mais triste do que tinha saído.”

O poema termina com a invocação de ‘Enkidu’ por Gilgamesh, e a descrição da maneira desoladora como os homens viviam para sempre na som-

bria ‘Terra dos Mortos’ – o reino de ‘Nergal’. Gilgamesh foi ascendendo, lentamente, na lenda, até aos confins da divindade. Apesar dos grandiosos feitos que praticou, o seu título de glória é ter sido aquele “que, como ’Uta-Napishitim’, procurou a Vida”.

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BIBLIOGRAFIA:

(Obras consultadas)

ANTÔNIO AUGUSTO TAVARES, “Estudos da Alta Antiguidade”, Editorial Presença, Lisboa, Portugal. EDUARDO ALFONSO, “Historia Comparada de las Religiones”, L. Carcamo Editor, Madrid, Espanha. GEORG OLIVER, “The History of Initiation”, K. Publishing, LLC, Montana, USA. HENRI HATZFELD, “As Raízes da Religião”, Instituto Piaget, Lisboa, Portugal. JEAN-FRANÇOIS MAYER, “As Seitas”, Editorial Perpétuo Socorro, Porto, Portugal. JORGE CAMPOS TAVARES, “Deuses, Mitos e Lendas”, Lello & Irmão Editores, Porto, Portugal. MIRCEA ELIADE, “História das Crenças e das Ideias Religiosas”, Res Editora, Porto, Portugal. MIRCEA ELIADE, “Imagens e Símbolos”, Editora Martins Fontes, São Paulo, SP. MIRCEA ELIADE, “O Sagrado e o Profano”, Editora Martins Fontes, São Paulo, SP MIRCEA ELIADE, “Tratado de História das Religiões”, Editora Martins Fontes, São Paulo, SP. MARIA LAMAS, “Mitologia Geral: O Mundo dos Deuses e dos Heróis”, Editorial Estampa, Lisboa, Portugal. NEIL PHILIP, “”Mitos, Contos e Lendas do Mundo”, Editora Civilização, Porto, Portugal. PAMELA ALARDICE, “”Mitos, Deuses e Lendas”, Publicações Europa-América, Sintra, Portugal. PAUL POUPARD, “As Religiões”, Res Editora, Porto, Portugal. PAUL VEYNE, “Acreditaram os Gregos nos seus Mitos ?”, Edições 70, Lisboa, Portugal. ROBERT GRAVES, “Os Mitos Gregos”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Portugal. V.DIAKOV/S.KOVALEV, “História da Antiguidade”, Editorial Estampa, Lisboa, Portugal. VICTOR JABOUILLE, “Iniciação à Ciência dos Mitos”, Editorial Inquérito, Sintra, Portugal. NOTAS: 1 Do grego “mythos”, 'fábula'. 1. Narrativa dos tempos fabulosos ou heróicos. 2. Narrativa de significação simbólica, geralmente ligada à cosmogonia, e referente a deuses encar-nadores das forças da natureza e/ou de aspectos da condição humana. 3. Representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular, pela tradição, etc. 4. Representação (passada ou futura) de um estádio ideal da humanidade. 5. Imagem simplificada de pessoa ou de acontecimento, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos gru-pos humanos, e que representa significativo papel em seu comportamento. 6. Coisa inacreditável, fantasiosa, irreal; utopia. 7. Em Filosofia: Exposição de uma doutrina ou de uma ideia sob forma imaginativa, em que a fantasia sugere e simboliza a verdade que deve ser transmitida, como p. ex., no mito da caverna. Também em Filosofia: Forma de pensamento oposta à do pensamento lógico e científico. Mito da caverna: Aquele com que Platão, no começo do livro sétimo da República, figura o processo pelo qual a alma pas-sa da ignorância à verdade (Dic. Aurélio).

2 MARIA LAMAS, em sua “Mitologia Geral”, vol. I, pág . 18, narra que “há alguns anos houve na Melanésia uma epidemia que se desenvolveu rapidamente e assumiu extrema gra-vidade. Os indígenas não tardaram a descobrir que todo aquele sofrimento provinha de uma piroga que havia sido retirada da água e amarrada à ponta de um rochedo que, segundo a crença geral, era o dente de um deus. O peso da piroga magoava aquela divindade e ela vingava-se flagelando os povos em redor. A embarcação foi imediatamente retirada. Quando a epidemia decresceu, todos ficaram convictos da eficácia do ritual que acompanhara a libertação do rochedo e, ao mesmo tempo, certos de participarem, assim, num poder que trans-cendia as suas próprias forças”.

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3 “História das Crenças e das Ideias Religiosas”, Rés-Editora, Porto, Portugal.

4 Semelhante ao homem.

5 Aparição ou manifestação divina.

6 Vida em coletividade.

7 “De l’Age de la Pierre aux Mystères d’Eleusis”, p. 46 (“Da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis”).

8 “Mesolítico” é o período intermediário compreendido entre o Paleolítico, ou Idade da Pedra Lascada, e o Neolítico, ou Idade da Pedra Polida.

9 “As Religiões”, Rés-Editora, Porto, Portugal, trad. de Filomena Costa Pereira.

10 Citação de NEIL PHILIP, em “Livro Ilustrado de Mit os – Contos e Lendas do Mundo”.

11 “Mito e Realidade” em “Mitologia”, vol. I, pág. 4.

12 Referente às coisas sagradas.

13 Doutrinas sobre a consumação do tempo e da história. Tratado sobre os fins últimos do homem.

14 Crença na intervenção de ocorrências extraordinárias, ou de individualidades providenciais ou carismáticas, para o surgimento de uma era de plena flicidade espiritual e social (Dic. Aurélio).

15 PAMELA ALLARDICE, em “Mitos, Deuses e Lendas”, p. 11.

16 Dicionário Aurélio.

17 Termo normalmente aplicado aos “árias”, os mais antigos antepassados conhecidos da família Indo-Européia.

18 1. Sistema de crenças religiosas e sociais determinado pelo totem. 2. Crença no totem. 3. O conjunto dos atos ou ritos em que se exprimem essas crenças. Totem: 1. Animal, ve-getal ou qualquer objeto considerado como ancestral ou símbolo de uma coletividade (tribo, clã), sendo por isso protetor dela e objeto de tabus e deveres particulares. 2. Repre-sentação desse animal, vegetal ou objeto. Também ‘tóteme’ (Dic. Aurélio).

19 Organização social e política na qual a mulher exerce autoridade preponderante (Dic. Aurélio).

20 Conjunto de textos sagrados - hinos laudatórios, formas sacrificiais, encantações, receitas mágicas - que constituem o fundamento da tradição religiosa (do bramanismo e do hinduísmo) e filosófica da Índia.

21 MARIA LAMAS, “Mitologia Geral”, vol. II, pág. 281.

22 Uma das mais antigas línguas clássicas da Índia.

23 A narração é de MARIA LAMAS, na ob. cit., págs. 283/4.

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24 PAUL POUPARD, “As Religiões”, pág. 94.

25 PAUL POUPARD, “As Religiões”, pág. 97.

26 P. POUPARD, ob. cit., p. 100.

27 Designação comum aos diversos cultos astrolátricos dos sabeus. Designação comum às seitas sabeístas (Dic. Aurélio).

28 1. Adoração ou culto de fetiches. 2. Culto de objetos materiais, considerados como a encarnação de um espírito, ou em ligação com ele, e possuidores de virtude mágica (Dic. Aurélio).

29 P. POUPARD, ob. cit., p. 102.

30 MARIA LAMAS, ob. cit., pág. 329.

31 MARIA LAMAS, ob. cit., pág. 340.

32 “The History of Initiation”, K. Publishing LLC, US A.

33 “Divine Legation of Moses”, vol. 1, p. 172.

34 Do grego “phallós”, pelo latim “phallus”: Representação do pênis, adorado pelos antigos como símbolo da fecundidade da natureza (Dic. Aurélio).

35 Que não se pode exprimir por palavras; indizível. Em sentido figurado: Encantador, inebriante (Dic.Aurélio).

36 Via-de-regra no 9o dia do quarto minguante porque a essa época começava o grande festival em honra à deusa DURGA, correspondente à deusa ATENA ou MINERVA, dos gregos. Segundo a lenda, após várias cerimônias, a imagem da deusa era afogada no rio Ganges, sendo celebrada com lamentações a sua morte mística; durante o êxtase máximo que era atingido, o ídolo emergia da purificação aquática. Um grande festival anual era celebrado em janeiro, no 7o dia da lua nova, em honra ao Sol (“Holwel’s Historical E-vents”).

37 De acordo com as “Leis de Manu”. Do mesmo modo, na Grécia Antiga as crianças eram iniciadas nos Mistérios Menores.

42 Correspondente ao “TÁRTARO”, que era o “Inferno” dos gregos.

43 O sacerdote que presidia aos mistérios. Grão-Pontífice.

44 Quando o Sol nascia, a Leste, ele era “Brama”; quando atingia o zênite, ao Sul, ele era “Shiva”; e quando se punha, a Oeste, ele era “Vishnu” (“Moore’s Hindoo Pantheon’, vol. V, pág. 277).

45 Entre os antigos gregos, sacerdote que iniciava os neófitos nos mistérios de Elêusis. Também: Antigo sacerdote que ensinava as cerimônias e os ritos de uma religião; mestre dos mistérios; Iniciador, mentor (Dic. Aurélio).

46 Literalmente, “purush” significa “homem”; mas no “B aghavad Gita” é uma expressão de cunho teológico, significando “espírito vital” ou “porção do espírito universal de Brama habitando um corpo”.

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47 O “mantra” é uma mera invocação da divindade, do tipo ‘Hare, Hare, Hare, Rama, Hare, Rama, Rama, Rama, Hare’, que não passa de uma recitação dos dois nomes do deus. Os hindus haviam se persuadido de que, pela meditação sobre as perfeições do ser divino e pronunciando os seus nomes, estavam capacitados a prever o futuro e a realizar todos os desejos do coração.

48 Essa era uma prática comum na Antiguidade. Assim se passou com MOISÉS, quando subiu a Montanha para receber as “Tábuas da Lei”. Também assim os sacerdotes egíp-cios, quando iam adorar suas divindades.

49 Narra uma versão que, quando “Mahadeva” recebeu a maldição de alguns devotos aos quais havia perturbado durante suas orações, ficou despojado de seu ‘lingham’, o que acabou sendo fatal para a sua vida. Sua esposa perambulou pela terra e encheu o mundo com suas lamentações. “Mahadeva” permaneceu em demorada restauração sob a forma de “Iswara” e unido uma vez mais à sua amada “Sita”.

50 Do sânscrito “avatâra” = “descida” (do Céu à Terra) Em Filosofia: Reencarnação de um deus, e, especialmente no hinduísmo, a reencarnação do deus Vishnu. Também: Transforma-ção, transfiguração, metamorfose.

51 É o chamado “MATSE AVATAR” e contém um relato do Dilúvio, assim: Estando “Brama” dormindo, o demônio HAYAGRIVA roubou os Vedas, e, afogando-os, levou-os para um lu-gar secreto no fundo do mar. Perdidos, assim, os “Livros Sagrados”, a Humanidade rapidamente caiu no vício e na iniqüidade, tornando-se universalmente corrupta, vindo o mundo a ser destruído por um dilúvio, exceto um piedoso monarca com sua família de sete pessoas, que foram isoladas num barco construído sob a direção de VISHNU. Quando as águas atingiram o seu nível mais alto, esse deus mergulhou no oceano, atacou e matou o gigante HAYAGRIVA, que fora a causa dessa enorme calamidade, e do estômago do mesmo recuperou três dos Li-vros, sendo que o quarto já havia sido digerido. Então, emergindo das águas como “meio homem” e “meio peixe”, apresentou os Vedas a “Brama”; e a Terra retomou sua forma anterior e foi repovoada por oito pessoas que haviam sido miraculosamente resguardadas (“Maurice’s Indian Antiquities”, vol. II, pág. 353).

52 Esse era o 5o Avatar e conta que, reduzindo-se a um pequeno Brâmane, VISHNU desafiou o ímpio déspota BALI, que era um enorme gigante, para uma luta, sendo aceita. VI-SHNU, então, reassumindo sua forma original, com um pé cobriu a Terra; com o outro ele ocupou todo o espaço entre a Terra e o Céu; e com o terceiro, que inesperadamente sa-iu de seu ventre, esmagou a cabeça do monstro e o arremessou para as regiões infernais.

53 No 6o Avatar, VISHNU, sob a forma humana, encontrou e destruiu todas as hostes de gigantes e tiranos. O 7o Avatar constitui-se em volumoso romance, no qual VISHNU é o herói sob a forma de “RAMA”, sempre representado como um guerreiro valente e vitorioso. No 8o Avatar ele esmaga um bando de gigantes, armado apenas com uma enorme serpente. No 9o Avatar ele se transforma numa árvore, com o propósito de compensar uma paixão criminosa havida com a filha do rei. Os hindus – à semelhança dos judeus a-guardando ainda hoje o “Messias” – continuam aguardando o 10o Avatar.59

54 Essas “Sete Cavernas” estão referidas às metempsicoses, bem como aos “sete lugares de recompensas e castigos” que os diferentes povos falavam em suas crenças.

55 Desde tempos imemoriais os sinos são empregados em ritos religiosos ao longo de todo o mundo oriental. Na Índia, nenhuma cerimônia religiosa era havida como eficaz se não se fizesse acompanhar desse apetrecho ritualístico.

56 Tal como consta no “Baghavad Gita”, pág. 123.

57 São curiosos os termos desse juramento. O Aspirante jura, em complemento aos pontos que devem constituir aquele segredo, que nunca terá conjunção carnal com sua mãe, sua irmã ou sua filha, e que sempre estenderá sua proteção a elas; que não assassinará a um Brâmane, ou lhe roubará o ouro ou outro qualquer bem, mas, antes, o socorrerá; que não se dedicará à intemperança no comer e beber; e que não se associará a qualquer pessoa que se tenha poluído pelo cometimento desses crimes.

58 Essa “Concha Sagrada”, que tinha nove válvulas, refere-se às “Nove Reencarnações” de VISHNU (“Maurice’s Indian Antiquities”, vol. V, pág. 906).

59 Era o atual nome dado a uma das Grutas no Templo (subterrâneo) de ELORA, e deve ter sido o “Sacelo Iluminado” no qual o Aspirante era introduzido em reclusão na sua Iniciação. “Sacelo” vem do latim “sacelum”, significando “pequeno santuário”, “capelinha”. Mas também é diminutivo de “sacrum”, com o significado de “objeto de culto”, “lu-gar sagrado”, “objeto sagrado”, “qualquer coisa oferecida em sacrifício”, “culto”, “cerimônia religiosa”, “mistérios”.

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60 As “quatro cabeças” de BRAMA representam os “quatro elementos” (terra, água, ar, fogo) e as “quatro partes” do globo terrestre (Norte, Sul, Leste e Oeste).

61 Para os persas, “Zaratustra”; para os gregos, “Zoroastro”. Qualquer dos dois nomes identifica uma mesma e só pessoa.

62 Antigo país situado a sudoeste da Ásia e a nordeste do atual Irã, tendo sido em certa época um reinado independente, e em outra, uma província da Pérsia, atualmente consti-tuindo boa parte do Azerbaijão.

63 Uma dinastia persa que construiu em volta do planalto do Irã um império do mesmo nome, entre cerca de 224 e 652 a.C.

64 Antigo sacerdote zoroástrico, entre os medos e persas.

65 Do avéstico masdâo, 'onisciente', epíteto do deus Ahura', + -ismo: Religião antiga dos iranianos (persas e medos), caracterizada pela divinização das forças naturais e pela ad-missão de dois princípios em luta, aura-masda e arimã (Dic. Aurélio).

66 Dualismo: Em Filosofia, a doutrina que, em qualquer ordem de ideias, admite a coexistência de dois princípios irredutíveis. Ex.: dualismo da alma e do corpo, do bem e do mal, da matéria e do espírito. Por extensão: Coexistência de dois princípios ou posições contrárias, opostas (Dic. Aurélio).

67 Atualmente Hamadan, cidade a Oeste do Irã situada ao pé do Monte Alwand.

68 Região situada ao Norte da Índia subcontinental.55

69 Zoroastro, na Babilônia, havia se familiarizado com a história mosaica relativa à entrega divina das “Doze Tábuas” no Monte Sinai.

70 Sir W. Jones afirma que é muito escassa a possibilidade de que Pitágoras tivesse conhecido Zoroastro. A narrativa épica grega deve ter sido muito avançada em anos; e não há uma evidência segura de um relacionamento entre os dois filósofos (“Works”, vol. II). Inversamente, para Dean Pridaux (“Connections”, vol. I, p. 228) “aqueles que escrevem sobre Pitágoras fazem quase tudo para informar-nos que ele foi discípulo de Zoroastro na Babilônia, e com este aprendeu todo aquele conhecimento que posteriormente o torna-ria tão famoso no Oriente. Assim disse Apuléio e assim dizem Jâmblico, Porfírio e Clemente de Alexandria”.

71 Quando um Aspirante morria em decorrência dessas rígidas provações, seu corpo era arremessado no mais profundo canto da caverna, e nunca mais se ouvia falar dele. Con-ta-se que, no século V d.C., “os cristãos de Alexandria resolveram explorar uma caverna por eles descoberta e que tinha sido consagrada à MITRA, tendo estado fechada por um período muito longo. (...) A principal coisa que encontraram foi uma grande quantidade de esqueletos humanos que haviam sido sacrificados. (...) (“Maurice’s Indian Antiquiti-es”, vol. II, p. 965).

72 O “Simorg” lendário tinha o tamanho de “trinta pássaros”, com a aparência de uma águia enorme, à semelhança da “Phoenix” grega.

73 Esses “sete degraus” faziam-se presentes numa escada alta. O seu simbolismo, totalmente ligado ao número “sete”, terá sua explicação somente no Grau de Mestre. No entanto, essa par-te da cerimônia provavelmente podia estar traduzindo alguma alusão ao avanço progressivo da alma através da metempsicose em busca da perfeição e da eterna beatitude, uma doutrina que permaneceu velada nos Mistérios Persas.

74 Nos “Oráculos de Zoroastro” dizia-se que esses cães “saltavam da terra” e latiam horrivelmente contra o Aspirante.

75 Era costume, na celebração dos Mistérios, colocar ante o Aspirante fantasmas figurados por cães, e outros espectros monstruosos.

76 Os autores são concordes em que eles, provavelmente, tinham conhecimento de algum processo químico para imitar o trovão e o raio.

77 Esse detalhe do ribombar do trovão intencionava representar a tremenda luta entre o Gênio do Bem e o do Mal, que “chegou a sacudir a Terra, na sua formação”.

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78 Tem-se acreditado ter sido esse ilusionismo a fonte primeira para a prática da magia.

79 Para simbolizar a “Porta de Fogo” do Céu, através da qual as almas transmigravam sob a condução de Mercúrio – o “Mensageiro Celestial” dos deuses.

80 A música foi introduzida por Zoroastro nos Mistérios Persas com a finalidade de realçar mais pomposamente os seus efeitos.

81 Algumas vezes era usada uma serpente de ouro maleável, o que não deixava de ser caso raro, pois analogamente outros povos também usavam esse animal, mas sempre real e vivo.

82 Esses “sete saltos” estavam simbolizados pelas “sete cavernas” subterrâneas, com base nas quais os persas introduziram a doutrina das “sete classes de demônios”: O primeiro, AHRIMAN, chefe de todos os outros; o segundo, dos espíritos que habitavam as mais distantes regiões do ar; o terceiro, aquele que atravessa as densas e tormentosas regiões próximas da terra, conquanto estivesse bem distante dela; o quarto, dos espíritos malignos e imundos que povoavam a superfície da terra; o quinto, o dos espíritos das profunde-zas, agitadores das tormentas e tempestades; o sexto, o príncipe dos demônios subterrâneos que habitavam os charcos em galerias e cavernas, devoravam os mortos que haviam sido corruptos em vida, provocavam terremotos e convulsões na Terra; e o sétimo, o dos espíritos que habitavam o centro da Terra no “Reino da Escuridão”.

83 O trono da Divindade era acreditado como sendo o SOL, que era o “paraíso” persa; mas também supunha-se que Ela habitasse “no Fogo”. Aliás, no BAGHAVAD GITA, Kri-shna diz: ‘O Divino está “no fogo” do altar’; e alguns de seus devotos, com suas oferendas, ao adorarem dirigem-nas à Divindade ‘ no Fogo’.

84 “Mezdam” – dizia o profeta – “separou o homem de outros animais, dos quais distinguiu por um alma (espírito), que é uma substância livre e independente, sem um corpo ou qualquer coisa material, indivisível e sem posição, através da qual ele absorve a glória dos anjos. O Ser dos Seres criou livres os seus servos; se não fossem bons, não conquistari-am o Céu; se maus, tornar-se-iam habitantes do Inferno” (“Book of Abad”).

85 Essa doutrina persa foi o fundamento da heresia maniqueísta, que tanto agitou a Igreja Cristã do 5o ao 9o séculos. (“Maniqueísmo”, em Filosofia: Doutrina do persa Mani ou Manes (séc. III), sobre a qual se criou uma seita religiosa que teve adeptos na Índia, China, África, Itália e S. da Espanha, e segundo a qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo. Também e por extensão: Doutrina que se funda em princípios opostos, bem e mal (Dic. Aurélio) ).

86 Assim, cada mês estava sob a tutela peculiar de um Gênio, de quem aquele mês recebia o nome; e um certo dia dele era dedicado àquele tutor através de rituais e cerimônias festivas.

87 A Divindade era freqüentemente representada como envolvida nas dobras de uma serpente e em referência à superstição solar, uma vez que esse animal era o símbolo do Sol, e então muitas vezes retratada sob a forma de um anel, entrando a cauda pela boca para também simbolizar a “Imortalidade da Divindade”. Daí, por extensão, igualmente simbo-lizar a “Eternidade da Vida”.

88 Conta-se que os persas ofereciam sacrifícios de agradecimento aos “Oromazes”; e aos “Ahriman”, sacrifícios para evitar os infortúnios. Utilizavam-se de uma erva chamada “Omomi”, que trituravam num almofariz, invocando ao mesmo tempo o Deus do Inferno e das Trevas; misturavam com sangue de lobo que haviam caçado, levando esse com-posto para um lugar onde os raios do sol nunca penetravam, e aí o jogavam e deixavam.

89 Divididos em três categorias: Catársicos, Menores e Maiores. O primeiro, dedicado à “purificação”, à “limpeza”.

90 A morte era a pena para aqueles que divulgassem os Mistérios.

91 O festival eleusino processava-se ao longo de 9 dias contínuos, sendo sua celebração forrada de esplendor e intensificada pelo charme musical, tanto vocálico quanto instrumen-tal. O 1o dia era usualmente consumido em recepção e reunião; o 2o era empregado em cerimoniais de purificações e abluções no mar; o 3o estava destinado aos sacrifícios; o 4o às procissões públicas; o 5o à iluminação com tochas; o 6o aos cânticos acompanhados com música de flautas e instrumental de bronze; o 7o aos jogos públicos; o 8o aos cerimoniais

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de Iniciação e execução dos rituais sagrados; o 9o às cerimônias de libação (entre os pagãos, ritual religioso que consistia em derramar um líquido de origem orgânica (vinho, ó-leo, leite, etc.) como oferenda a qualquer divindade (Dic. Aurélio) ).

92 Poderão ser descritos apenas quando for alcançado o Grau de Mestre.

93 A pronúncia correta desse nome leva a que o acento tônico recaia na sílaba “xi” (= “ksi”).

94 Esse silêncio probatório diferia essencialmente daqueles que eram denominados “panteles ekemysia”, os quais implicavam que os Iniciados fossem compelidos a ocultar ao mundo os segredos da Instituição. Os primeiros (referidos ao silêncio) eram peculiarmente exotéricos, e os segundos (segredos), esotéricos. A provação de 5 anos era algumas ve-zes parcialmente reduzida para aqueles que, por sua idade e bem conhecida prudência, eram havidos como possuidores dos requisitos exigidos para qualificá-los à Iniciação. Pa-ra estes, o prazo era diminuído para 2 anos.

95 Essa rejeição fazia-se acompanhar de circunstâncias tão agressivas, que o candidato freqüentemente sucumbia ao castigo imposto.

96 O juramento proposto ao Aspirante era prestado sobre o número QUATRO ou “TETRACTYS”, que era expresso por DEZ “iods” (caractere hebraico que simboliza o nome de “Yaweh” e também o número “dez”), dispostos em forma de triângulo, tendo cada lado QUATRO “iods”. Assim, desenhando-se essa figura geométrica e colocando-se no vér-tice o 1o iod, subseqüentemente virão os outros 2 e, sob estes, outros 3, para, formando a base, os últimos 4 – o que totalizará o número 10 (supõe-se que essa “tetractys” seja deri-vada do “Tetragramaton” dos judeus).

97 A doutrina de ARISTÓTELES era de duas espécies – exotérica e acroática ( do grego “akroatikós”, que só é compreendido mediante explicações). Sob a primeira punham-se a Retórica, a meditação e belas disputas sobre o conhecimento das coisas materiais; sob a outra, estavam a mais profunda e sutil Filosofia, a contemplação da Natureza e discussões dialéticas.

98 Conta-se que PITÁGORAS foi a um país chamado “Phlius”, onde fez uma grande demonstração de sua cultura perante LEO, o príncipe. Este, encantado com o discurso, per-guntou-lhe que Arte ele professava. Respondeu que não conhecia qualquer Arte, pois era um “Filósofo”. Leo, surpreso com esse novo nome, perguntou: “O que são “Filósofos” e o que diferem eles de outras pessoas?”. Pitágoras respondeu que a vida humana é como os Jogos Olímpicos, onde alguns buscam a glória, outros o lucro, e outros observar curio-samente o que foi lá realizado. Estes últimos menosprezam a glória e o lucro, empenhando-se em estudar e indagar as causas de todas as coisas. São eles os Filósofos. Quando ele fundou a sua Escola, foi indagado sobre qual era o nome de seu Sistema, ao que respondeu: “Eu não sou ‘Sophos’ (sábio), mas sim ‘Philo-Sophos’ (amante da Sabedoria); e meus seguidores deverão ser chamados “Filósofos”.

99 O grande símbolo pitagórico resume-se nos números UM e DOIS, que eram empregados como expressando a ideia de “propagação”: UM, é o ‘pai’; DOIS, a ‘mãe’. A multipli-cação da UNIDADE pela DUALIDADE (uma vez, duas vezes duas) faz QUATRO, a “Tetractys”, isto é, a “ideia de todas as coisas”, que se resumem ou sintetizam no número DEZ.

100 É de perguntar-se: Como podia Pitágoras conciliar sua doutrina de números ímpares e pares com o seu conhecido axioma de que os números “quatro” e “dez” compunham a “Tetractys” ou “Sagrado Nome de Deus”?

101 Um dos métodos que Pitágoras usava para forçar seus discípulos a praticar a virtude moral era o de usar sentenças curtas e vigorosas que simbolizavam algum grande dever moral. Assim: “Use a prudência, e se abstenha de paixões incontroláveis”; “Teste o homem, antes de admiti-lo como seu amigo ou irmão”.

102 Alguns dos símbolos de Pitágoras, com os comentários dele, eram os seguintes: O “triângulo eqüilátero” , figura perfeita que se refere a Deus, o Princípio e o Autor de todas as coisas sublunares; Quem, em seu corpo, assemelha-se à “Luz” e em seu espírito, à “Verdade”. É o que foi, é, e será. O “esquadro” ou “ângulo reto” , porque envolve a união das capacidades celestial e terrestre, e é símbolo da Moralidade e da Justiça. O “quadrado perfeito”, porque simboliza a Mente Divina, exposta na “Tetractys”. O “cubo” , como sím-bolo do homem após uma vida bem exemplar pelos atos de piedade e devoção, estando assim bem preparado por essas virtudes para ser transladado à sociedade celestial dos deuses. O “ponto dentro do círculo” e o “dodecaedro”, como símbolos do Universo. O “triplo triângulo” (= uma “estrela” de cinco pontas, pois suas cinco linhas se entrecruzam formando três triângulos), também chamado “Hygeia”, símbolo da saúde. A “47a Proposição de Euclides”, ou, simplesmente, “Triângulo Pitagórico” – símbolo exaustivamente

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conhecido na Maçonaria. E a “letra Y” , símbolo do curso da vida humana. O jovem, chegando à virilidade, defronta-se com dois caminhos e delibera qual deles irá trilhar. Se está acompanhado por um Guia que o dirige para uma filosofia a seguir e ele procura a Iniciação, sua vida será honrada e sua morte feliz. Mas se ele se omite no fazer isso e segue o caminho da esquerda, que parece ser mais largo e melhor, então será conduzido pela indolência e a luxúria, terminando por afetar a sua saúde moral para chegar numa velhice de infâmia e miséria.

103 Foi em alusão a tais ritos que Platão – cuja filosofia fora largamente influenciada pelos Mistérios – quis dizer que “A Verdade deve ser vista no fundo de um poço”. Por “verda-de” ele queria significar as especulações reveladas aos Iniciados, que eram dali em diante intitulados “EPOPTAS”, ou seja, “pessoas que vêem as coisas como elas verdadeira-mente são”; e por “poço”, ele entendia o lugar ou caverna sagrada onde os Mistérios eram tão freqüentemente celebrados.

104 O mesmo que “substância”. 1. A parte real, ou essencial, de alguma coisa. 2. A natureza dum corpo; aquilo que lhe define as qualidades materiais; matéria. 3. O que é necessá-rio à permanência material de alguma coisa; o que tem propriedades de força, vigor, resistência. 4. O que não é aparente ou superficial; o que realmente importa ao espírito; fundo, conteúdo. 5. Em Filosofia: Na tradição aristotélico-tomista, o que há de permanente nas coisas que mudam, e que é o suporte sempre idêntico das sucessivas qualidades re-sultantes das transformações; hipóstase. 6. O que existe por si mesmo, sem supor outro ser de que seja atributo (Dic. Aurélio).

105 Há quem sustente que Platão, pelo seu contato com os judeus, tomou conhecimento da história bíblica da “Queda do Homem”, o que ele veio a descrever, enigmaticamente, no “Symposíacos”.

106 O sacerdote que presidia aos mistérios de Elêusis, na Grécia antiga.

107 Em História da Filosofia: Segundo Platão, o Deus que cria o Universo, organizando a matéria preexistente. Em Religião: Criatura intermediária entre a natureza divina e a humana (Dic. Aurélio).

108 Para acompanhar essa abstração, entenda-se que era habitual entre os sacerdotes, nos mais recuados períodos de sua história, mortificarem-se através do emprego de certas ervas que eram reputadas possuir a virtude de reprimir todas as excitações sexuais. Não somente eles mas até alguns que eram tão rígidos a esse respeito ensinavam literalmente como proceder para o expediente de castrarem a si mesmos, pois toda inclinação para os “prazeres ilícitos” podia ser efetivamente contida. Essa prática era vista como altamente meritória. Era um axioma da máxima valia para um homem poder oferecer esse ato de castração em sacrifício aos deuses; e, por isso, investiu-se de um alto grau de louvor. Também na Assíria (atual Iraque), durante a celebração de seus mais solenes rituais, os sacerdotes sujeitavam-se a ser trajados com vestuários femininos e se submetiam ao cas-tigo da faca (navalha) na presença da multidão! Tal é a força, o poder do entusiasmo!

109 1. Entre os antigos gregos, sacerdote que iniciava os neófitos nos mistérios de Elêusis. 2. Antigo sacerdote que ensinava as cerimônias e os ritos de uma religião; mestre dos mistérios. 3. Por extensão: Iniciador, mentor (Dic. Aurélio).

110 MARIA LAMAS, ob. cit., vol. II, pág. 246.

111 Idem, pág. 247.

112 Ob. e aut. cits., pág. 249.

113 P. DHORME, “Choix de textes religieux assyro-babiloniens” (Seleção de textos assírio-babilônios), Paris, pág. 51/53.

114 Idem, nota 113.

114 Idem, nota 113.

116 Idem, idem, págs. 258/59.

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117 Idem, ibidem, págs. 259/60.

118 MARIA LAMAS, obra citada, págs. 266 e ss.

119 Demônio masculino que, segundo velha crença popular, vem pela noite copular com uma mulher, perturbando-lhe o sono e causando-lhe pesadelos (Dic. Aurélio).