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INTRODUÇÃO

PROGRAMAÇÃO DIÁRIA

ANTÓNIO REIS e MARGARIDA CORDEIRO

ANTÓNIO REIS: O PROFESSOR

RETROSPECTIVA dos FILMES de 2009

DEBATES

EQUIPA e CONTACTOS

TEXTOS de APOIO

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O PANORAMA é uma plataforma de intervenção, qualquer coisa que uma equipa organizadora coloca à disposição para ser trabalhado enquanto acontece. A programação é aqui apresentada como leitura, per-curso possível por entre um emaranhado de filmes que pretende dar material para uma reflexão efectivada nas discussões que encerram cada caminho de filmes. São momentos culminantes de uma leitura proposta pelos programadores, onde estes, juntamente com os reali-zadores, produtores, críticos, público, trabalham lado a lado, ao mesmo nível, para o mesmo fim: agir sobre o cinema documental português. São exactamente estes momentos de reflexão que tornam o PANORAMA um organismo vivo, com pulsação.

Depois de um percurso constituído por três edições, ao longo das quais PANORAMA foi fortalecendo o seu olhar crítico sobre cada ano de produção documental portuguesa, chega-nos uma 4ª edição onde o retrato do cinema de hoje se deixa mais claramente atravessar pelo cinema de antes.

Da tomada de vistas sobre um ano de produção destaca-se a vontade de programar filmes que ar-riscam: filmes que experimentam romper com fór-mulas, reinventar soluções práticas, encontrar ca-minhos que só podem ser seus, e que arriscam levar o seu desejo de cinema até ao fim. São esses filmes que constituem a programação central do PANO-RAMA, por nos permitirem observar atentamente o que está a ser feito, ao mesmo tempo que deixam antever o que poderá vir a ser feito daqui para a frente.

Cada filme ou cada bloco de programação é seguido de um debate com os realizadores. São o lugar de encontro por excelência entre quem faz e quem vê o cinema docu-mental português e onde todos são convidados a colocar as suas perguntas e, assim, fazer avançar um cinema que só pode viver desses encontros. Os cineastas participan-tes serão convidados a fazer perguntas sobre os filmes dos outros, o público é convidado a apresentar as suas visões e sensações.

Para tema central da edição de 2010, o PANORAMA propõe o ensino: “como se ensina o documentário português?”. Os filmes produzidos na escola, desde sempre presentes na programação da Mostra do Docu-mentário Português, estão assinalados no programa, e haverá programações especiais onde se poderá aus-cultar mais directamente o estado geral desta produção específica. O debate central dedicado à problemática do ensino juntará na mesma mesa diversos professores que têm vindo a pensar intensamente as pedagogias possí-veis para o ensino do cinema no geral e do documentário em concreto.

Na rubrica “Percursos no documentário português” visitaremos a obra de Margarida Cordeiro e Antó-nio Reis. Através da programação dos quatro filmes do casal – Jaime (ainda não assinado por Margari-da Cordeiro, mas onde esta esteve implicada muito directamente), Trás-os-Montes, Ana, Rosa de Areia – poderemos ver como a obra ímpar dos dois auto-res caminha no sentido de uma depuração, tocando cada vez mais ao de leve nas coisas, nas pessoas, nas paisagens, nos textos, nas tradições e gestualidade

INTRODUÇÃO Inês Sapeta DiasEquipa de Programação

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que filma, criando um espaço fílmico cada vez mais poético, flutuante. Reis e Cordeiro afirmavam ser “camponeses do cinema”. Trabalhavam com aqueles que filmavam. E construíram um cinema de resistência, à margem da tendência contemporânea do seu tempo. É um cinema que exactamente pede para ser retirado do seu tempo, e viver em todos os tempos. Combatendo a raridade da sua exibição, é exactamente tirar cada filme do seu tempo, que o PANORAMA propõe.

António Reis foi também professor, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Foi considerado “mestre”, e mar-cou uma geração de cineastas, aqueles que hoje fazem o nosso cinema. Por isso mesmo, e agregando as duas problemáticas centrais da programação deste ano – a obra de Reis / Cordeiro, o ensino do cinema documental – faremos uma programação intermédia com os fil-mes de escola produzidos na Escola de Cinema sob a alçada do professor Reis. São filmes mostrados uma única vez, na altura em que foram feitos (entre 1986 e 1990). Desconhecidos para a grande maioria do público, constituem a possibilidade inédita de ver as primeiras obras de alguns dos grandes cine-astas de hoje como João Pedro Rodrigues, Joaquim Sapinho, Joana Pontes, entre outros.

O “caderno PANORAMA”, tal como em todos os anos anteriores, afirma-se como documento essencial, preparando todo o trabalho a desenvolver durante os dias de programação da Mostra. Nele se publica uma pesquisa inédita sobre o ensino do documentário, com textos exploratórios das várias vertentes deste ensino, fundados numa visita às escolas que o abordam, e em conversas com professores de todo o país. Na secção “Percursos do documentário português” publicam-se textos originais de Catarina Alves Costa, Regina Guimarães e Saguenail, Paulo Cunha, João Rapa-zote e uma conversa com Manuel Mozos sobre a obra toda de António Reis e Margarida Cordeiro;

bem como visões pessoais de cada um dos filmes, escritas por alguns dos jovens realizadores que têm passado pelo PANORAMA (estes textos representam o início da vontade de tirar cada um desses filmes do seu tempo, a vontade de os abrir aos olhos de hoje).

Finalmente, o dia de abertura do PANORAMA será marcado com o lançamento dos três volumes de uma edição crítica dos debates das primeiras edições da Mostra. São uma memória das conversas ocorridas entre 2006 e 2009, e marcam não só a história do próprio PANORAMA, mas muito mais claramente estes três anos de história do documentário portu-guês. Não constituem uma transcrição destes debates, mas uma edição exactamente crítica, onde se sublinham perspectivas, preocupações de público e cineastas, onde se pensam cada uma das problemáticas propostas por cada edição do PANORAMA: os objectos do documen-tário português, o uso dos instrumentos cinematográfi-cos e a produção. Nestes três volumes cruzam-se con-versas e textos fundamentais da teoria do cinema que ajudam a encorpar historicamente as conversas tidas ao longo da Mostra.

© colecção cinemateca portuguesa – museu do cinema

mais informações www.panorama.org.pt

organização co-produção apoios apoios à divulgação

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

09 ABR sexta-feira

19h00 - SALA 2Lançamento do Livro Panorama I, II e III: os debates

21h30 - SALA 1 - sessão de aberturaJaime [António Reis] 35’

“O Jaime arrisca-se na luta pela dignificação do homem, luta pela dignificação nas circunstâncias mais extremas. Arrisca-se num combate contra a coisificação. É, digamos, um grito pelo direito à vida”. (António Reis). Este é um filme feito a partir da vida e obra de Jaime Fernandes, camponês, artista e doente internado no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda.

Concerto de Norberto Lobo a partir do filme Jaime

Festa de abertura

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

10 ABR sábado

15h00 - SALA 3Paredes Meias [Pedro Mesquita] 53’

O Bairro da Bouça no Porto é um projecto de habitação económica da autoria de Álvaro Siza Vieira. Iniciado no 25 de Abril de 1974 este projecto levou três décadas para ser concluído. Uma obra que nasceu da reivindicação de uma comunidade pelo direito a viver condignamente no seu lugar, e do traço genial de um dos mais conceituados arquitectos contemporâneos.

17h00 - SALA 3Apoteose [António Borges Correia] 66’

Quarenta anos depois, seis sargentos milicianos que estiveram jun-tos na Guerra em África continuam a encontrar-se. Falar sobre a Guerra é uma terapia para exorcizar pesadelos. Um registo ímpar sobre as memórias da guerra e sobre as vidas dos ex-combatentes portugueses.

SALA 2Debate com Pedro Mesquita e António Borges Correia

19h00 - SALA 348 [Susana de Sousa Dias] 90’

O que pode uma fotografia de um rosto revelar sobre um sistema político? O que pode uma fotografia de um rosto tirada há mais de 35 anos dizer sobre a nossa actualidade? Partindo de um núcleo de fotografias de cadastro de ex-prisioneiros políticos da ditadu-ra portuguesa (1926-1974), 48 procura mostrar os mecanismos através dos quais um sistema autoritário se tentou auto-perpetuar.

21h30 – SALA 3Lefteria=Liberdade [Tiago Afonso] 30’Cobra G8 [Cobras] 10’Saturado [Tiago Afonso] 20’

Um tríptico de filmes marcados pelo espírito revolucionário, pelas manifestações e pela contestação. Lefteria=Liberdade, Cobra G8 e Saturado, três abordagens distintas que enquadram respectiva-mente a situação política na Grécia, a luta anti-globalização e a herança da Revolução dos Cravos.

SALA 2Debate com Gonçalo Tocha, Tiago Afonso e Susana de Sousa Dias

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

11 ABR domingo

15h00 - SALA 3Vizinhos [Tiago Figueiredo] 94’

Os processos de realojamento e de requalificação urbanística são sempre complexos e produzem novos espaços físicos e sociais. De um processo destes nasceu na Alta de Lisboa uma nova cidade. Contudo, agora que o realojamento está concluído, que realidade social e urbana podemos encontrar? Como convivem os novos mo-radores com a população realojada? Morar no mesmo bairro faz deles verdadeiros vizinhos?

17h00No Caminho do Meio [Catarina Mourão] 59’

Como resolvemos os nossos problemas? Como gerimos as nossas relações com os outros? Catarina Mourão reflecte sobre a me-diação acompanhando o processo de formação de um grupo de mediadores. Trata-se apenas de uma técnica, da aplicação de um conjunto de princípios sobre gestão de conflitos ou da proposta de construção de uma nova realidade social?

19h00 – SALA 3Muitos Dias tem o Mês [Margarida Leitão] 91’

Qual o preço dos nossos sonhos? Analisando os dramas quotidia-nos de quem vive processos de endividamento, Margarida Leitão acompanha a vida de pessoas comuns que viram o preço dos seus sonhos transformar-se em pesadelo. A angústia repete-se todos os meses e vemos aqui retratados homens e mulheres que vivem as suas vidas ao ritmo quotidiano dos prazos e dos juros, num esforço para retomarem controlo das suas vidas, dia a dia, mês a mês.

SALA 2Debate com Tiago Figueiredo, Catarina Mourão e Margarida Leitão

21h30 - SALA 3Trás-os-Montes [António Reis, Margarida Cordeiro] 110’

“Ce film est pour moi la révélation d’un nouveau langage cinema-tographique.” (Jean Rouch). O projecto Nordeste de António Reis e Margarida Cordeiro tomou forma com o título de Trás-os-Montes, filme espaço, universo construído, onde se filma um “povo”, uma memória, uma natureza e um longe.

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

12 ABR segunda-feira

17h00 - SALA 3Visita Guiada [Tiago Hespanha] 57’

Um filme que acompanha visitas turísticas no nosso país e o tra-balho dos guias-intérpretes, cujo discurso se baseia numa visão da história e da identidade nacional. Por entre os turistas, o filme dá conta dessa construção.

19h00A Casa que eu quero [Joana Frazão, Raquel Marques] 65’

Um filme que entra, tal como todos nós, com um olhar curioso, pela casa dos outros adentro, pedindo aos seus proprietários que lhes apresentem as suas casas. A partir deste dispositivo claro va-mos conhecendo histórias da emigração portuguesa, histórias de vontades, sucessos ou sonhos desfeitos.

SALA 2Debate com Tiago Hespanha e Joana Frazão

21h30 – SALA 3No Hia Ma [?lex] 27’Montanha Fria [Luís Alves de Matos] 12’Vai com o Vento [Ivo M. Ferreira] 58’

Três documentários nas rotas do Oriente. No Hia Ma aborda uma viagem onírica sobre um encontro com um membro de uma tribo da Mongólia. Montanha Fria eleva-nos a uma atmosfera religiosa e Vai com Vento retrata o fenómeno da emigração de uma pequena aldeia rural da China rumo à Europa.

SALA 2Debate com ?lex, Luís Alves de Matos e Ivo M. Ferreira

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

13 ABR terça-feira

17h00 - SALA 3Ângelo de Sousa: Tudo o que sou capaz [Jorge Silva Melo] 60’Crime Abismo Azul Remorso Físico [Edgar Pêra] 15’

A arte, os artistas, os processos criativos, os espaços de criação.Jorge Silva Melo filma Ângelo de Sousa nos seus espaços - numa exposição, em casa, no atelier. E às vezes o artista filma-se a si pró-prio. O filme nasce de encontros, de metragens justapostas em que o artista se revela e comenta os seus trabalhos, os seus métodos, as suas formas e os seus suportes.Edgar Pêra evoca Amadeo de Souza-Cardozo, o pintor polémico, a voz da vanguarda do seu tempo. O filme parte do emblemático quadro A Procissão, pintado em Paris em 1913, para discutir a re-alidade contemporânea portuguesa.Dois filmes que põem em questão a recriação da obra de um artis-ta, pela mão e palavra do próprio, ou de outro.

SALA 2Debate com Jorge Silva Melo e Edgar Pêra

19h00 - SALA 3Lugar/Vazio [Luís Mendonça] 6’ [escola UNL/FCSH]Dominicu [Nelson Tondela] 11’ [escola UNL/FCSH]Matar o Tempo [Margarida Leitão] 20’Bolhão 2008 [Tiago Afonso] 48’

O tempo, o espaço e a memória são dimensões estruturantes do real e as vidas articulam-se à sua volta. Em Dominicu o espaço vivido, já vazio, a passagem, os vestígios. Em Lugar/Vazio a memó-ria, evocação de um espaço, a extinta Escola Secundária da Cidade Universitária. Com Matar o Tempo observamos um grupo de ope-rários que há meses, em vigília de protesto, aguarda por uma de-cisão do tribunal. E, para concluir, os comerciantes do Mercado do Bolhão revelam-nos o seu espaço e a sua luta contra o processo de privatização que lhes pretendem impor. Tempo, espaço e memória, o que fazemos com eles, o que fazem eles de nós?

SALA 2Debate com Luís Mendonça, Nelson Tondela, Margarida Leitão e Tiago Afonso

21h30 - SALA 3Agreste [Carlos Magalhães] 26’ [escola UBI]Sem Título [Ana Varela] 3’ [escola ESAD]Nus dans la cage d’escalier [Regina Guimarães; Saguenail] 26’

Uma sessão com três filmes que experimentam. Agreste sobre a matéria concreta da pedra, da natureza, da luz. Sem título é uma montagem quase sináptica, sensorial que experimenta com a ima-gem e o som em movimento. Nus dans la cage d’escalier é um filme de associações livres, que parte da palavra e dos corpos dos realizadores, num “filme duelo”, onde dois universos se encontram e se confrontam, no som, na imagem, no estar.

SALA 2Debate com Carlos Magalhães, Ana Varela, Regina Guimarães e Saguenail

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

14 ABR quarta-feira15h00 - SALA 3“sessão especial: Como se ensina o documentário português” SESSÃO GRATUITA Homem Sentado com o seu Barco [Luís Valente] 2’ [ESAD]À Beira do Mar [Tiago Melo Bento] 26’ [workshop da Ass. Corredor]Reservado [Paula Preto] 25’ [ESMAE]Mercado do Bolhão [Cristina Braga] 14’ [FBAUP]Sem Título [Ana Reis] 6’ [FBAUP]

Um conjunto diversificado de exercícios de escola: Homem Sen-tado com o seu Barco e Sem Título assinalam um ensaio sobre o olhar; Reservado faz um retrato social de um local de dança para seniores; Mercado do Bolhão revela uma experiência fotográfica com os comerciantes do Mercado do Bolhão no Porto e À Beira do Mar aborda a actividade artesanal e industrial da pesca nos Açores.

17h00 – SALA 3“sessão especial: Como se ensina o documentário português” SESSÃO GRATUITA 002# [João Ferreira] 4’ [ESAD]Húmus [José Ricardo Lopes e Vanessa Dias] 10’ [ESTC]Pequenas Formas Coloridas [Grupo Passos Manuel] 10’ [Ass. Filhos de Lumière]Eu Adoro este som [Filipe Fernandes, Rui Matos e Zulmira Gamito] 18’[U. Lusófona]Lis. New York [Roberto Pinho] 20’ [RESTART]Éter [colectivo] 18’ [Instituto Politécnico de Abrantes]

Segunda sessão dedicada a filmes de escola apresentando registos e dispositivos diversificados. O filme Pequenas Formas Coloridas é um ensaio cinematográfico sobre a cor, Eu Adoro este Som avalia os gostos musicais das crianças, Lis.NewYork é um testemunho sobre a imagem que os lisboetas e os nova-iorquinos têm uns dos outros, Éter viaja até ao universo de um projeccionista de cinema, Húmus evoca as forças e a atracção da natureza e da Terra e 002# apresenta-se como uma secreta experimentação artística sobre a memória e a passagem do tempo.

19H00 - SALA 2Debate “Como se ensina o documentário português?” com José Manuel Costa, Jorge Campos, Graça Castanheira, Margarida Car-doso, Teresa Garcia.

21h30 - SALA 3Pretarouca – Temos de ir com os tempos [José Costa Barbosa] 83’ [escola: U. Lusófona]

O impacte da construção de uma barragem no modo de vida dos habitantes de uma aldeia isolada no concelho de Lamego. Um re-trato social da ruralidade na eminência de transformações profun-das.

SALA 2Debate: estudantes de documentário conversam com José Costa Barbosa

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

15 ABR quinta-feira17h00 - SALA 3A minha maladresse é uma forma de délicatesse [Salomé Lamas e Francisco Moreira] 70’

O universo plástico de Ana Jotta, o seu mundo, as suas memórias e as suas narrativas.

19h00 - SALA 3A Coragem de Lassie [Francisca Manuel] 50’

Francisca Manuel acompanhou Ana Jotta no seu atelier, na sua casa, no seu processo criativo. O filme adopta o título de uma ex-posição individual da artista, realizada em Lisboa, em 1998.Os dois filmes, provocados pela mesma artista, Ana Jotta, provo-cam a pergunta: até que ponto o documentário se deixa tocar e contaminar pela mão dos artistas que retrata?

SALA 2Debate: Pedro Baptista (Professor na FBAUL) conversa com Salomé Lamas, Francisco Moreira e Francisca Manuel

21h30 - SALA 3Ana [António Reis, Margarida Cordeiro] 115’

O segundo filme de António Reis e Margarida Cordeiro apresenta um universo cinematográfico fundado numa ideia de mulher, avó, mãe, filha, neta. Mais uma vez, é na relação com o lugar transmon-tano, a terra, que se constrói este universo. “Estamos, como diria Rilke, perante o círculo da evolução total (…). Mas isto: conter a morte / a morte toda, ainda antes da vida, tão docemente contê-la e não ser mau / isto é indescritível. Ou se quiserem isto é Ana” (Eduardo Prado Coelho)

SALA 2Debate “Percursos nos Documentário Português” com Paulo Ro-cha, Paulo Cunha e Vitor Gonçalves.

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

16 ABR sexta-feira17h00 - SALA 3Entrevista com Almiro Vilar da Costa [Sérgio da Costa] 29’Bela Adormecida [Sara Oliveira; Rogério Ribeiro] 30’ [escola: U.Lusófona]

O primeiro filme é um exercício de rigor, onde conhecemos através de um registo aparentemente simples, a complexidade da relação entre um pai e um filho. Bela Adormecida é um reencontro hoje com Lena d’Água, cantora pop que povoou os nossos anos 80.

SALA 2Debate com Sérgio da Costa, Sara Oliveira e Rogério Ribeiro

19h00 - SALA 3Ne Change Rien [Pedro Costa] 98’

“Ne Change Rien é um grande filme sobre o trabalho, sobre a paciência e a exasperação, sobre a aprendizagem, sobre o trabalho artístico como processo repetitivo”. (Luís Miguel Oliveira, Ípsilon). Pedro Costa acompanha de perto Jeanne Balibar, enquanto canta Offenbach ou se canta a si própria.

21h30 - SALA 1 “sessão especial: António Reis, professor. os filmes dos seus alunos”Madalena [Joana Pontes] 11’À Beira Mar [Joaquim Sapinho] 8’O Pastor [João Pedro Rodrigues] 6’O Pomar [Luís Fonseca] 7’Máscara [Fátima Ribeiro] 11’Figuras [Filipe Abranches] 10’

Filmes produzidos na Escola Superior de Teatro e Cinema entre 1986 e 1990, por alunos de António Reis. São resultado de um encontro pedagógico marcante entre um grupo de alunos de cine-ma, figuras hoje centrais na criação cinematográfica portuguesa, para quem Reis foi mestre. São exercícios de escola, em primeira instância, mas são também revelações extraordinárias e seminais.

SALA 2Debate “António Reis, Professor” com Joaquim Sapinho, Manuel Mozos, Joana Pontes, Fátima Ribeiro e Luís Fonseca

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

17 ABR sábado15h00 - SALA 3Para que este mundo não acabe [João Botelho] 53’

“Vinde ver este mundo a acabar!” escreveu o padre António Fon-tes, o padre da medicina popular e da “queimada das bruxas” de Vilar de Perdizes. O realizador João Botelho foi. Viu a gente da terra e quase concluiu: “Deus é bom mas o diabo não é nada mau!”

17h00B-Fachada Tradição Oral Contemporânea [Tiago Pereira] 52’Canto da Terra d’Água [Francesco Giarrusso; Adriano Smaldone] 32’

Uma sessão com dois filmes que abordam o canto e a poesia na cultura popular. Canto da Terra d’Água, um filme que viaja até Trás-os-Montes ao ritmo deste cantar popular. B-Fachada um contínuo, a recriação de uma banda sonora, acompanha o percurso de B-Fachada no seu encontro com uma tradição musical.

SALA 2Debate com João Botelho, Tiago Pereira, Francesco Giarrusso e Adriano Smaldone

19h00 - SALA 3Tchiloli: Máscaras e Mitos [Inês Gonçalves;Kiluange Liberdade] 52’

Em São Tomé o teatro é uma forma de expressão cultural fortís-sima. O teatro “Tchiloli”, de origem francesa, é introduzido na ilha no século XVI, pelos portugueses, tornando-se uma herança reveladora sobre o antigo entreposto de escravos. Hoje constitui uma manifestação cultural sincrética onde grupos amadores, cons-tituídos apenas por homens, reproduzem os textos renascentistas em papéis transmitidos geracionalmente. As relações familiares, de género, o ritual, a aprendizagem, tudo está presente neste olhar de Inês Gonçalves e Kiluange Liberdade.

21h30 – SALA 3Mãe Fátima [Christine Reeh] 80’

Fátima, enfermeira, angolana, com setenta anos decide regressar ao seu país de origem para iniciar uma missão humanitária. Em Menongue, no sul de Angola, ajuda a recuperar o hospital local. Esta é contudo uma das regiões mais afectadas pela recente guer-ra civil e numa paisagem de ruínas e destroços, Fátima procura não desistir. O filme acompanha com sensibilidade e atenção o seu percurso, e a sua luta.

SALA 2Debate com Inês Gonçalves e Christine Reeh

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PROGRAMAÇÃO DIÁRIA“Como se ensina o documentário português?”

18 ABR domingo15h00 – SALA 3Intervalo [ Nelson Mabuie] 15’Johana – a terra que roubou os nossos maridos [Natércia Chicane]15’Olhem [Eliane Beeson] 15’O Salão Azul [Luciana Hees] 19’Os 5 Elementos [ Madjer Rachid] 24’

Primeira exibição pública em Portugal dos filmes desenvolvidos no NOMADLAB, Laboratório de Cinema Documental entre Julho e No-vembro de 2009, em Maputo. O NOMADLAB é levado a cabo pelos realizadores portugueses Luísa Homem e Pedro Pinho (produtora Terra Treme) em colaboração com o Festival do Filme Documentá-rio DOCKANEMA e é uma experiência pedagógica que visa levar à reflexão e experimentação do cinema no seu confronto concreto com a realidade.

SALA 2Debate com Pedro Pinho

17h00 - SALA 3O Banquete [Nelson Tondela] 20’Pouco a Pouco [Pedro Grenha, Rui Cacilhas] 10’Linhas [António José de Almeida, Anabela Silva] 18’ [escola: workshop Ass. Corredor]Mais um dia à procura [Maria Simões] 19’ [escola: workshop Ass. Corredor]

Uma sessão composta por quatro filmes marcados pela robustez do acto de observar uma realidade. Em Banquete, acompanhamos um dia de trabalho das funcionárias do Centro de Apoio Social dos Anjos na denominada “Sopa dos Pobres”; em Pouco a Pouco, testemunhamos o trabalho singular numa fábrica de construção de próteses ortopédicas; em Linhas, a rotina de uma fábrica de conservas e em Mais um Dia à Procura, embarcamos na aventura da faina de um grupo de pescadores açorianos.

SALA 2Debate com Nelson Tondela, Pedro Grenha, Rui Cacilhas, António José de Almeida e Anabela Silva

19h00 – SALA 2Debate Final: O Panorama do documentário português comenta-do por estudantes de documentário

21h30 - SALA 1 - sessão de encerramentoRosa de Areia [António Reis, Margarida Cordeiro] 105’

“ É um filme para quem pode ainda ver e ouvir como pela primeira vez; como se fosse o primeiro filme surgido na terra e falando so-bre ela” (Margarida Cordeiro). É o último filme desta retrospectiva, o último desta parceria, mais ficcional e mais distanciado da rela-ção com as pessoas da terra, mas construído a partir da paisagem e de um sistema de símbolos.

Festa de encerramento

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A TRAVESSIA DO ESPELHORegina Guimarães e SaguenailJaneiro de 2010

ANTÓNIO REIS e MARGARIDA CORDEIRO

Vem alma errante. Volta dos montes, Da floresta, Dos caminhos Ou das fontes, Das sombras Ou das névoas, Dos lodos Ou do fundo do mar. Por onde quer que tu vagueies, Aqui nada te faltará. Vem comigo alma, Para tua casa, ao abrigo das tempestades, Do vento E da noite escura.

poema recitado por António Reisde costas para a câmaramas no alinhamento da objectivaque enquadra uma paisagem montanhosa e agresteem ROSA DE AREIA

I

O discurso crítico sobre os objectos artísticos avança e, as mais das vezes, recua por modas. As modas ditam, antes de mais, o interesse por tal ou tal autor, ora referência estável, ora recém descoberta, e não há nada que mais contribua para a afirmação de um crítico, junto dos seus pares e não só, do que a possibilidade de reivindicar uma abordagem pioneira de esta ou outra obra nunca dantes colonizada. Porém, talvez menos passíveis de surtir triun-fos mediáticos mas capazes de cultivar louros académicos no própria quintal - ou seja: “quase” à margem ou em “pleno” coração da fortaleza dos especialistas - as “no-vidades” em termos de ferramentas críticas são alvo de grande cobiça. A “corrida ao armamento crítico” revela-se - e perdoem-me a glosa de Bourdieu - um desporto de combate, cuja causas se definem claramente pela aura conquistada à custa das respectivas consequências. Em tempos recentes, uma nova moda veio, viu e ven-ceu no seio dos que se dedicam à Poética. No seio dos que, ainda que de modo velado, dificilmente se liberta-rão algum dia de um profundíssimo compromisso com uma concepção mimética da arte, sendo que esse nú-cleo duro e oculto contamina tanto o seu ponto de vista quanto a sua visão dos objectos submetidos à análise. Se é verdade que os pequenos sismos de salão podem não afectar os artistas que conseguem produzir as suas obras sem se envolverem, fantasmática ou desavergonhada-mente, com o aparelho de recepção que é apanágio dos especialistas, não é menos verdade que uma moda do tipo daquela a que nos referimos - a saber: a exalta-ção de um parentesco entre a escrita poética e a escri-ta cinematográfica - ameaça ocultar a obra dos autores que, num campo tão minado pelos ditames do mercado quanto o Cinema, enveredaram por práticas de que a Poesia, não sendo absoluta detentora, tem todavia sido relevante guardiã. Assim a obra, breve e resistentemente desconhecida, de António Reis e Margarida Cordeiro. E donde, no nosso entender, a oportunidade das reflexões que a seguir se declinarão.

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II

Dizer que o cinema de Reis-Cordeiro resulta de uma re-lação amorosa entre dois seres humanos, de um passio-nal envolvimento com a arte, com a parte, é uma pobre evidência fértil em frutos na sua obra comum. “No ci-nema é como se fôssemos uma só pessoa”, terá dito Margarida Cordeiro, em entrevista datada de 1985, a Pedro Borges. Eis pois o primeiro “milagre” poético que o fazer cinema concede aos dois amantes. Dessa mercê, que nada possui que não seja absolutamente humano, emana, no caso do casal Reis-Cordeiro, uma energia que indesmentidamente percorre os seus filmes, pois que as-sentam na possibilidade - tudo menos óbvia - de mexer nas casas do mundo. Foi preciso uma imensa carga de fé para transformar aquilo que resulta de uma sucessão de emoções éticas e estéticas pessoais - textos, pessoas, bichos, matérias, paisagens, luzes, sons, etc. - na grande operação poética que consiste em levar - custasse o que custasse, e custava muito, ao que dizem os colaborado-res dos cineastas - o cinema a atravessar as paisagens humanas, desumanas e humanizadas, tão fundamente que daí resultassem poderosos fragmentos de um novo texto fundador do mundo.

III

Hei-de entrar nas casastambém

Como o silêncio

A ver os retratos dos mortosnas paredesum bombeiro um menino

A ver os monogramas bordados nos lençóis

os vestidos viradosos vestidos tingidosos diplomas de honraas redomas

E a caderneta dos Socorros Mútuose Fúnebres

em atraso

Hei-de entrar nas casastambémcomo o luar

A ver as faltas de roupa interiore de cama

os rostos preocupadoscom os avisos da luz e da água

com a máquina de petróleo apagadajornais nas paredese um pássaro na varandaa cantarao lado duma flor

Ao desejo de visitação-visão, expresso pelo poeta-cine-asta, neste seu poema publicado em 1957, só o cinema podia talvez responder. Trata-se, numa certa medida, de devolver ao mundo a maravilha que dele se recebeu. No entanto, trata-se de muito mais. Porque Reis-Cordeiro acreditam no plano, não apenas como unidade mínima do cinema, mas como sua unidade máxima. Cada plano

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deve fluir e funcionar como um poema, como ele deve provocar um infinito afrouxamento do tempo que, con-tudo, passa - o plano do burrinho minúsculo que lavra a imensidão de uma encosta é um belo emblema disto. Em Rosa de Areia, um bando de crianças correndo, surge de trás de troncos de árvores, atravessa o campo (uma floresta) e depois desaparece por detrás de outros tron-cos; a brusquidão do seu aparecimento/desaparecimen-to implica que se dissimularam por detrás dos primeiros e dos segundos troncos, como se tivessem estado a jo-gar às escondidas com a própria câmara; a sua presença contém portanto todas as características da aparição so-brenatural; o espectador viu-as, mas não tem a absoluta certeza de poder acreditar nos seus olhos. A figura de Constança Capdville, contaminada por esta aparição, será pois percepcionada como a de uma divindade, vis-to que as crianças nos pareceram como que ninfas do bosque. O poema das crianças é, por si só, um poema completo, cujo efeito assenta na conjugação do duplo movimento da câmara e das crianças e no duplo contras-te entre o vegetal fixo e o humano em movimento, entre as tonalidades da naturezas e os matizes das roupas das crianças. É essa complexidade que se espelha e reverbe-ra noutros planos. Ora, há que sublinhá-lo, o plano que acabámos de evocar é tão-só um exemplo entre inúme-ros no inesgotável Rosa de Areia.

O plano-poema pode alcançar rapidamente a dimensão do mítico, posto que transcende o narrativo. O demora-do plano da partida do Pai, em Trás-os-Montes , é sim-bólico, claro está, da emigração, mas foi filmado de tão longe que o Pai é pequenino na vastidão que o enqua-dramento abarca e a própria dilaceração da separação que afecta a filha é demasiado longínqua para ser per-cebida como um drama psicológico, encarnando antes o sentido bem mais lato do abandono ele mesmo - não só dela, mas da província, da terra, das raízes. Com efeito, a duração do plano não se justifica numa perspectiva de narratividade (a acção é apenas uma: afastar-se) e as-sume um peso pedagógico, permitindo ao espectador entender as múltiplas dimensões do abandono.

IV

O filme que se constrói pela justaposição de planos-po-ema deve ser lido como um livro, não obstante e gra-ças (a)os relevantes efeitos de sentido, já no patamar do meta-narrativo, que resultam da montagem. Organiza-dos meticulosamente, como relógios-bomba que fossem outras tantas jóias a semear no corpo do que existe, os planos de Reis-Cordeiro possuem uma prosódia e uma métrica devedora do saber-sabor da Poesia e, quando terminam, é sobre o seu travo peculiar que o(s) plano(s) seguintes se inscrevem, prontos no entanto a revolver céu e terra para indefinidamente diferirem e criarem rup-turas na continuidade do visível. António Reis e Margarida Cordeiro praticaram a monta-gem analógica. Essa prática repousa num modo de asso-ciação em que a continuidade é visual e não da ordem da sucessão temporal ou da lógica causa/efeito. Essa prática altera substancialmente a própria relação com o mundo. Em JAIME, estabelece-se uma identidade visual entre o cachaço de um bicho e o dorso de uma montanha. Ao acompanhar de perto a linha espinal do cavalo filmado, a câmara adopta a postura de uma mão afagando o animal. Ao repetir esse movimento ao longo das cristas dos montes, não só se revela uma relação de parentesco visual entre os objectos como se projecta um modo de relacionamento segundo o qual o olho acaricia a paisa-gem. Talvez desta forma se atinja a elevação moral que André Breton preconiza como fim da poesia no seu “Sig-ne Ascendant”.

Em toda a sequência inicial de Jaime - durante a qual se perscruta esse espaço de fechamento, povoado de som-bras, que é o manicómio, verdadeira materialização da alegoria de Platão acerca do que se pode ver -, o enqua-dramento das curvas vai progressivamente criando um objecto subliminar, reflexo da própria câmara: o olho. Vista em picado, a própria arena do manicómio acaba por configurar um olho gigante.

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V

Mudamos esta noite

E como tueu penso no fogão a lenhae nos colchões

onde levar as plantas

e como disfarçar os móveis velhos

Mudamos esta noitee não sabíamos que os mortos ainda aqui viviam

e que os filhos dormem semprenos quartos onde nascem

Vai descendo tu

Eu só quero ouvir os meus passosnas salas vazias

Como já alhures lembrámos, só a morte se pode “fil-mar”. Donde a sua indisfarçada presença - presença fecunda também -, por vezes através da simples ence-nação da ante-câmara do sono, nos filmes de Reis-Cor-deiro. No entanto, também aqui se trata de bem mais do que dar a reconhecer a mão da morte no vivo. Trata-se de valorizar não apenas o acontecimento mas as suas ressonâncias que são a própria matéria de que é feita a poesia. Significativamente, os cineastas afirmavam que a referência à composição pictórica - por vezes enfatizada como «qualidade» dos seus filmes - só podia ser inimiga da plena expressão das potencialidades particulares do Cinema que sempre tentaram explorar, nomeadamente a temporalização, que o distingue tanto da Pintura como da Fotografia.

“Vejo, outra vez, as fotografias que tirei em Trás-os-Montes. Quase todas mentem. Nenhuma dor intolerável nelas ficou. Nenhuma esperança. Qualquer raiz.”

“Como quem parte de uma sombra para um poema, e de uma folha guardada para a memória, parto de ima-gens fluídas para uma província perdida.”

VI

Por outro lado, se Trás-os-Montes é o local onde o uni-versal do cinema Reis-Cordeiro assenta arraiais, não o é por essa província ser mais ou menos intrinsecamente poética do que outra. Trás-os-Montes representa, para Margarida Cordeiro, o lugar-repositório das memórias de infância, o lugar onde a ressonância dessas memórias faz vibrar a pessoa do seu companheiro, e onde, através do diapasão do Cinema, ambos os amantes se irresolvem na ressonância que imprimem aos seus planos. Trata-se, atrevemo-nos a dizer, de edificar casas que o amor pode habitar.

António Reis foi poeta e cinéfilo antes de se lançar na aventura de fazer os seus próprios filmes. O seu encontro com Margarida Cordeiro - cuja autoridade e autoria tem sido demasiadas vezes menorizada pelos apreciadores e comentadores da obra do casal - permitiu a matéria e a forma, o terreno e a terra, de um cinema poético e duplamente pessoal, cuja força motora provém de uma aproximação intensíssima - no limite da demência - do real. Não será por acaso que o primeiro filme de Reis - ainda não co-assinado mas já sob o feitiço e a influência da psiquiatra-cineasta - se debruça fraternalmente sobre a obra plástica de um louco, e bastará recordar a analo-gia entre o emaranhado de um silvado, a teia de um ve-lho travejamento ou a geometria densa de um remoinho e os traços minuciosamente entretecidos de Jaime para entender que era já nos ecos e no que de dual existe em tudo e se oferece à vista que o realizador iria instalar o seu campo de pesquisa. Transformação da e pela coisa amada-olhada, o cinema de Reis-Cordeiro, feito de con-creção e expansão, inspira. E inspira tanto mais quanto a musa (essa figura simbólica de um interlocutor abstracto, a montante e a jusante do motivo da obra) se fez segun-da carne e osso e olho e verbo.

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ANTÓNIO REIS: O PROFESSOR

“Com António Reis, o pedagogo, é o processo que é aprendizagem e o material produzido pelos alunos deve, no fim, consistir apenas na essência máxima e pura do conseguido. Não há hierarquias entre planos, só ficam os bons, os perfeitos, os essenciais. Por esta atitude marca todos, tanto os que aderiram como os que se distancia-ram das suas propostas, da sua sensibilidade e do seu olhar. Ninguém foi indiferente a António Reis.

A sua singularidade pedagógica e a absoluta entrega com que se dedicou ao ensino, foi para a equipa de pro-gramação do Panorama uma experiência que conside-rámos indispensável partilhar. Nesse sentido, encetámos um processo de procura e análise das condições de pro-jecção das obras dos seus alunos. A procura destes filmes constituiu para nós a determinada altura uma tarefa her-cúlea mas sempre inquestionável para uma edição sobre Ensino. O processo foi não só difícil como, frequente-mente, perturbador mas sempre animado pela tomada de consciência de estarmos perante um material indis-pensável para uma análise da figura de António Reis, tanto enquanto pedagogo mas também amigo, colega e mestre.

Desta experiência consideramos essencial partilhar algu-mas questões. A primeira prende-se com a ideia de patri-mónio, memória e história. Os arquivos da ESTC consti-tuem um repositório fundamental da história do cinema português, material para o qual não existe indicado um depósito legal. A Cinemateca Portuguesa, no contexto do ANIM, possui por depósito directo da ESTC ou dos autores, algumas cópias e matrizes de conservação de filmes. Não existe contudo uma política concertada de inventariação, conservação e eventual acesso público a estes materiais. Não sendo possível assinalar em tão pou-cas páginas a importância ou relevância da constituição patrimonial deste acervo, pretendemos acima de tudo chamar a atenção para a sua existência, pertinência e valor.

Uma segunda questão a assinalar, prende-se com a pró-pria definição de património cinematográfico. Muitos dos trabalhos dos alunos de António Reis, como acima referido, não chegaram frequentemente a adquirir uma configuração final no sentido de filme, objecto cinema-

tográfico por excelência. Em nosso entender, estes mate-riais, que infelizmente não conseguimos trazer à luz do dia nesta Mostra, são igualmente válidos e indispensá-veis para uma análise do processo de aprendizagem do cinema. Estes “work in progress” dos alunos de António Reis, produzidos na sua maioria por uma geração ante-rior à que aqui mostramos, e que constituem momentos de aprendizagem de realizadores como Pedro Costa ou Ana Luísa Guimarães, são fragmentos reveladores deste encontro, por vezes doloroso, por vezes mágico, do An-tónio Reis e dos seus alunos.

Por tudo o que foi referido, consideramos esta sessão as-sinalável e gostaríamos com ela de poder contribuir para a história e a memória do cinema, para o diálogo entre gerações, para reproduzir um legado material, histórico, social mas talvez acima de tudo emocional, para os que partilharam o processo, para os que o concretizaram e para os que hoje o recebem.

Sónia Ferreira “O professor António Reis”excerto do texto de introdução à programação dos filmes dos alunos do professor Reis, no caderno do PANORAMA

A sessão com os filmes dos alunos de António Reis inclui exercícios produzidos na Escola de Cinema entre 1986 e 1990. Constituem uma grande parte dos filmes acaba-dos na Escola sob a alçada deste professor, e a maioria daqueles que podem ser retirados, sob condições muito especiais, do ANIM, onde estão guardados.

Mostraremos os filmes em formato digital (apesar do seu formato original ser o 16mm em double band) por existirem apenas “cópias de conservação” dos mesmos, material único que uma vez perdido representaria o de-saparecimento da própria obra.

Com esta sessão queremos por um lado mostrar a in-fluência do professor António Reis nos seus alunos (e os filmes que programaremos demonstram-no claramente), e ao mesmo tempo cruzar esses exercícios com a própria visão da obra que o professor desenvolveu com Marga-rida Cordeiro.

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Foi preciso uma operação de resgate para mostrar es-tes filmes. E por isso queremos aproveitar a ocasião, e o trabalho que desenvolvemos, para chamar a atenção sobre os problemas de exibição do cinema português, e para o enorme número de trabalhos que estão ain-da invisíveis por não estarem restaurados. É o caso da própria obra de António Reis que, ainda sem Margarida Cordeiro, realizou colectivamente no âmbito do Cine-clube do Porto algumas obras (Painéis do Porto, Auto de Floripes, para referir apenas dois) que não pudemos programar por não estarem em condições de exibição. É preciso resgatar estes filmes, e tantos outros, e devolvê-los a quem pertencem: o público. O PANORAMA, que ao longo dos anos, tem visto o seu número de espectadores crescer exponencialmente, demonstra que a ideia de que o público português não se interessa pelo seu cinema está longe de ser verdadeira. Mas o público só se pode interessar por aquilo que vê. E por isso mesmo, reclama-mos a necessidade de resgatar e trazer à superfície um desconhecido e esquecido cinema português.

“sessão especial: António Reis, professor. Os filmes dos seus alunos”

6ª feira, 16 de Abril, 21h30, Sala 1

Madalena [Joana Pontes] 11’

À Beira Mar [Joaquim Sapinho] 8’

O Pastor [João Pedro Rodrigues] 6’

O Pomar [Luís Fonseca] 7’

Máscara [Fátima Ribeiro] 11’

Figuras [Filipe Abranches] 10’

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Desde as primeiras conversas sobre o Panorama que ha-via a vontade de organizar uma edição sobre o ensino do documentário no nosso país, o que mostra que desde o início esta questão tem estado presente nas reflexões que queremos trazer com esta Mostra. Um espaço onde desde o primeiro momento se pensa o documentário, não apenas como uma montra da “colheita” anual do que se faz, mas antes como um todo orgânico, onde se pensa o processo, onde a aprendizagem de “como se faz” é fundamental.

Onde é se inscreve o ensino do documentário? Em que campo e em que territórios é que se ensina o documen-tário? É ensino artístico? Ensina-se arte? Como se criam os criadores?

Este ano, chegámos a um sítio em que nos permitimos experimentar uma primeira reflexão sobre o ensino. No catálogo, onde procurámos traçar alguns dos caminhos dos percursos possíveis existentes nos espaços de forma-ção onde se trabalha sobre o documentário, desde as escolas artísticas, às escolas de cinema, universidades de comunicação, cursos técnicos. Paralelamente vamos ter um dia dedicado ao que se está a fazer nas escolas, aos

RETROSPECTIVA DOS FILMES DE 2009 Madalena Miranda

Equipa de Programação

filmes produzidos directamente nesse contexto, que vai ser sustentado por um debate com alunos e professo-res, de diferentes escolas e diferentes aprendizagens de fazer. Esta iniciativa não isola a produção que aparece no âmbito escolar que continua a existir espalhada pela programação do Panorama.

Este ano, também nos orgulhamos muito de ter presente na rubrica Percursos no Documentário Português uma cinematografia singular, a de António Reis e Margarida Cordeiro, duas pessoas, uma autoria de um universo de cinema de uma grande beleza, de uma coerência de lin-guagem, que partia de um lugar (que deveria ser caro ao documentário) do concreto dos espaços, das matérias, do maior mistério que é a Natureza.

Por fim, uma das aventuras desta edição é a sessão de filmes de escola de antigos alunos da Escola de Cine-ma, que é também uma homenagem a António Reis, professor na Escola de Cinema, a quem muitos chamam Mestre, e que iniciou uma geração seguinte de cineastas portugueses, hoje fundamentais no nosso cinema. Fo-mos à Escola procurar no baú as primeiras experiências de alguns deles, procurar a tal luz.

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DEBATES

O PANORAMA é uma plataforma de apresentação da produção documental portuguesa e de reflexão sobre o seu estado actual e das suas formas possíveis para o fu-turo. É assim um lugar onde cineastas, programadores, produtores, público se juntam com um mesmo objectivo: observar a produção contemporânea e agir sobre o seu desenvolvimento. Os seus debates são lugares fulcrais, cerne do encontro que queremos promover, lugar de re-flexão e auscultação do estado geral do documentário feito em Portugal e por portugueses. São os momentos onde verdadeiramente a Mostra do documentário portu-guês se torna construída por todos os seus intervenien-tes.

Este ano terão lugar os seguintes debates:

> debates sobre os filmes programados, onde os realizadores trocam impressões e experiências entre si e com o público. Continuamos a juntar em cada debate os espectadores e realizadores com uma carreira forte ou realizadores que apresentam aqui o seu primeiro filme. Este ano pedimos a cada realizador que interpele cada um dos outros realizadores presentes em cada debate, levando a que todos eles conheçam os filmes uns dos outros. Queremos com isto tornar estes debates activos, e levar a que cada realizador pense o seu trabalho em co-municação com o trabalhos dos outros. É nestes debates que os filmes e a programação, assente na multiplicidade e diversidade, ganham voz.

> debate central: “como se ensina o documentário português?”. Vários professores, que pensam profun-damente as estratégias pedagógicas possíveis para o en-sino do cinema e do documentário, irão juntar-se numa só mesa para confrontar visões, perspectivas, posturas. Poderemos auscultar neste debate o estado do ensino do cinema documental em Portugal, e perceber como se estão a formar os cineastas de hoje. Estarão presentes no debate: José Manuel Costa, Graça Castanheira, Margari-da Cardoso e Teresa Garcia.

> debate “percursos no documentário português” em que os programadores do PANORAMA irão debater e analisar a obra de António Reis e Margarida Cordeiro com pessoas que viveram e vivem intensamente a obra do casal: Paulo Rocha, Paulo Cunha e Victor Gonçalves.

> debate “o professor António Reis”: os alunos de António Reis cujos filmes serão mostrados na progra-mação do PANORAMA, conversam com Manuel Mo-zos (também ex-aluno do professor Reis, que inclusive trabalhou com Reis/Cordeiro num filme e num projecto de filme) sobre a experiência das aulas, e da vivência da Escola de Cinema, bem como sobre a importância desta produção e seu resgate. Estarão presentes os realizado-res Manuel Mozos, Joaquim Sapinho, Joana Pontes, Fáti-ma Ribeiro e Luis Fonseca.

> debate final do PANORAMA onde alguns alunos de cinema analisam, com os programadores da Mostra, o estado geral da produção documental portuguesa.

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EQUIPAS E CONTACTOS

ORGANIZAÇÃOCâmara Municipal de Lisboa/Direcção Municipal de Cultura/Videoteca EGEAC, E.E.M. – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação CulturalApordoc – Associação pelo Documentário

PROGRAMAÇÃOFernando CarrilhoInês Sapeta DiasMadalena MirandaSónia Ferreira

PRODUÇÃOAlexandra MartinsAna JordãoArmanda ParreiraCinta PelejàSandra Azevedo

IMPRENSASusana Seabra

DESIGN GRÁFICOsilva!designers

CINEMA SÃO JORGEGESTORAMarina Sousa Uva ADJUNTOSerafim CorreiaASSISTENTESManuel FragosoTiago Santos NunesDIRECTOR TÉCNICOJoão Cáceres AlvesCOORDENAÇÃO PROJECÇÃO, VÍDEO E ÁUDIOFernando CaldeiraCOMUNICAÇÃOFrancisco Barbosa

PROJECCIONISTASCarlos SoutoJorge Silva

BILHETEIRAJorge MalhóPaula Lima

Cinema São JorgeAv. da Liberdade, 175Tel: 213 103 400 [email protected]

Preço dos bilhetes Sessão Normal - 2 EurosBilhete Diário – 4.5 EurosPasse – 18.5 EurosGrupos de 10 ou mais estudantes - 1 Euro

Videoteca Municipal de LisboaLargo do Calvário, nº 2, Edifício da “Promotora” (a Alcântara)1300 -113 LisboaTel: 21 361 02 20Fax: 21 361 02 22e-mail: [email protected]

EGEAC, E.E.M. - Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação CulturalPalácio Marquês de Tancos, Calçada Marquês de Tancos, 21100 – 340 LisboaTel: 21 882 00 90Fax: 21 882 00 98e-mail: [email protected]

Apordoc – Associação pelo DocumentárioLargo da Madalena, 1, 1º1100 – 317 LisboaTel: 21 888 30 93Fax: 21 887 16 39e-mail: [email protected]

TEXTOS de APOIO

"TRÁS-OS-MONTES" - Entrevista por Serge Daney e Jean-Pierre Oudart - 1

[Jornadas Cinematográficas de Poitiers, 7-14 de Fevereiro de 1977]

Trás-os-MontesEntretien avec Antonio Reis

Tradução:

ENTREVISTA A ANTÓNIO REIS

Cahiers. Poderias falar-nos das filmagens, das condições em que trabalhaste com os camponeses de Trás-os-Montes?

A. Reis. Posso dizer-te que jamais filmámos com um camponês, uma criança ou um velho, sem que nos tivéssemos tornado seu companheiro ou amigo. Isto pareceu-nos um ponto essencial para que pudéssemos trabalhar e para que as máquinas não levantassem problemas. Quando começámos a filmar com eles, a câmara era já uma espécie de pequeno animal, como um brinquedo ou um aparelho de cozinha, que não metia medo. Assim, dispor as iluminações nas suas casas, ou montar os espelhos nos campos para obter luz indirecta, não constituía problema. Era simultaneamente uma espécie de jogo. Foi, pois, possível exigir algumas coisas, a maior parte das vezes com ternura. E se estávamos com dificuldades, compreendiam isso muito bem. Uma coisa muito importante: podiam verificar pelo nosso trabalho que éramos igualmente «camponeses do cinema», porque chegávamos por vezes a trabalhar dezasseis, dezoito horas por dia, e penso que eles gostavam muito de nos ver trabalhar. E quando tínhamos necessidade que eles continuassem a trabalhar connosco, mesmo deixando os animais sem comer ou as crianças sem serem tratadas, eles não o sentiam, na minha opinião, como um constrangimento. Era admirável ver isso.Como sabes, eu não tenho uma concepção tautológica do povo, mas penso que, no Nordeste, eles têm uma maneira muito especial de lidar com as pessoas. Se chegares de repente, saúdam-te, abrem-te as portas, dão-te pão, vinho, aquilo que têm. Por outro lado, não são «a bondade personificada», pois são igualmente muito duros. Simplesmente, passam bruscamente da doçura à violência.

Cahiers. Que relações tinham com o cinema ou a televisão?

A. Reis. Na aldeia onde filmámos, posso dizer-te que não havia cinema nem televisão. (Faz um desenho no guardanapo de papel) Portugal é isto, a Espanha é isto, o Nordeste fica aqui, há uma cidade chamada Bragança e ali outra chamada Miranda do Douro. Todas as aldeias onde filmámos estão junto à fronteira e nos arredores destas duas cidades. Por isso, os camponeses sabem que existe cinema e televisão em Bragança, mas é tudo. Em muitas aldeias não há ainda electricidade, a relação com o cinema é ainda uma relação como a que têm com a fotografia, simplesmente.

Cahiers. Como é que, desde que surgiu a ideia e o projecto do filme, pensaste evitar um olhar etnográfico sobre esses camponeses?

A. Reis. Sabes, creio que o olhar etnográfico é um vício. Porque a etnografia é uma ciência que vem depois. Do mesmo modo, pusémos de parte um olhar pitoresco ou religioso sobre o Nordeste. Evidentemente, interessámo-nos muito pelos problemas antropológicos postos pela região à literatura celta, etc. Lemos toda a obra do vosso Markale, porque os celtas ainda lá estão. Estudámos a arquitectura ibérica, porque a arquitectura das casas aí não nasceu de geração espontânea. Mas sempre com o objectivo de escolher, intensificar. Porque se lemos uma paisagem apenas do ponto de vista da «beleza», é redutor. Mas se pudermos ler ao mesmo tempo a beleza da paisagem, o aspecto económico da paisagem, o aspecto da geografia política da paisagem, tudo isso é a realidade da paisagem. Paisagem integrada, sem transformação, paisagem cultivada, etc. Então, no que respeita ao nordeste, dialectizámos tudo o que sabíamos, tudo o que havíamos aprendido com as pessoas, tudo o que descobrimos por nós próprios. Porque era igualmente possível descobrir coisas. A Margarida nasceu na parte mais violenta do Nordeste. Ainda hoje ela recorda o sabor do vinho, as lendas e os pesadelos da infância. Tudo isto se tornou uma matéria, com alguma espessura.

Cahiers. Mas, para quem vive em Lisboa, o que é o Nordeste?

A. Reis. É um lugar muito distante. É de onde vem a electricidade, as amêndoas, os bons salpicões, os presuntos, o ferro, etc. O que os camponeses do Nordeste dizem da capital, é o que se diz em Lisboa dessa região. Excepção feita aos emigrantes do Nordeste que residem em Lisboa. Mesmo quando viveram vinte ou trinta anos em Lisboa, se disserem o nome de uma árvore no seu dialecto próprio, ainda se perturbam.

Cahiers. Uma coisa que é surpreendente no filme é a ausência da Igreja Católica e da religião. Ora, segundo aquilo que em França sabemos de Portugal pós-25 de Abril, e nomeadamente do Norte, parece-nos que a Igreja teve um papel importante...

A. Reis. Posso dizer-te que, a esse respeito, tanto eu como a Margarida adoptámos uma posição de princípio de tábua rasa. No filme nunca tratamos das instituições. Ora, o catolicismo é ali uma religião muito recente. Sente-se no filme que há religiões mais antigas e, entre as próprias pessoas, o cristianismo é uma coisa muito epidérmica. Não é exagero, nem sequer uma liberdade poética, dizer que eles são druidas. Se os ouvisses falar das árvores, de como as amam... Há ali qualquer coisa de muito antigo que não tem nada a ver com o cristianismo, tratava-se de torná-lo presente pela sua ausência. O filme é um fresco, uma gesta do Nordeste, é mais vasto do que uma pequena capela num mundo artificial, com o padre da aldeia, etc. Penso que um filme que tivesse tudo isto como assunto, deveria ser feito de um modo diferente daquele que fizemos, teria outras implicações.

Cahiers. Mas não se pode negar essa influência recente da Igreja no Norte de Portugal. O que é que ela fez para influenciar politicamente os camponeses?

A. Reis. Conheces tão bem como eu o papel do padre junto dos camponeses. Ele lida com a morte, o além, incute medo. Serve-se do facto de o povo necessitar, no imediato,

de alguns fetiches e de ser, portanto, fácil de impressionar. Quer isto dizer, no fundo, que as pessoas são como se apresentam ao padre, no que dizem e no que fazem? Tudo o que pressentimos, no nosso contacto com os camponeses, da sua revolta, da sua filosofia, da sua vida diária, é que existem religiões muito diferentes, mais antigas...

Cahiers. Isso iria no sentido do início do filme em que se vê uma criança, um pastor, que olha para uma inscrição num rochedo, inscrição que nos remete para um passado muito longínquo.

A. Reis. Como sabes há três pastores no filme, todos eles diferentes. O primeiro, aquele de que falas, é uma força da natureza. É como um fula em África ou um pastor do Médio Oriente, um pastor que tem um ofício, um código de comunicação com as suas ovelhas, intuitivo, que ainda pertence um pouco ao neolítico. O que transmite às suas ovelhas é um código onde é difícil separar a música, os aspectos fonéticos, lexicais: sente-se uma indistinção entre todos estes elementos. E ele fala um subdialecto mais antigo que o português. É muito diferente do pastor do final. É um primitivo, no bom sentido da palavra.

Cahiers. Como é que te ocorreu a ideia do filme?

A. Reis. Já disse atrás que a Margarida nasceu em Trás-os-Montes. Eu nasci numa província sem força, sem beleza, sem expressão, já apagada, a 6 km do Porto. Daí o meu desejo interior de renascer noutro lugar. E a primeira vez que fui a Trás-os-Montes, com um amigo arquitecto, senti que renascia ali. Portanto, conhecia a província há alguns anos e, ao trabalhar com a Margarida, e indo lá muitas vezes, disse para comigo que seria bom fazer um filme naquela região, porque tudo confluía num sentido cinematográfico. De tal maneira que, quando começámos a filmar, foi como se muitas tomadas de plano estivessem feitas há muito tempo. O que não quer dizer que não planificámos as coisas, simplesmente tratava-se de uma planificação flexível. Por exemplo, em numerosas cenas é muito difícil distinguir o que foi filmado em directo do que não o foi. A dialéctica entre estas duas posições estéticas foi para nós um inferno. Mas pensamos que conseguimos fazer, não uma síntese, mas uma confrontação de contrários. Mesmo em directo tínhamos necessidade de toda a velocidade e de toda a surpresa, mas, por outro lado, depurámos o que era parasitário, o que não tinha sentido ou era populismo gratuito. E, para isto, necessitávamos de um olhar cirúrgico.

Revista Cahiers du Cinéma, n.º 276, págs. 37-41, Maio de 1977.Tradução de Isabel Câmara Pestana e Miguel Wandschneider e foi retirada de Martins, Ana e outros (da Comissão Organizadora do Ciclo) - Olhares sobre Portugal: Cinema e Antropologia, págs. 45-51, Centro de Estudos de Antropologia Social do I.S.C.T.E. e ABC Cine-Clube de Lisboa, Lisboa, 1993

"ROSA DE AREIA" - depoimento dos realizadores

Margarida Cordeiro:

A propósito de «Rosa de Areia»: é um filme para quem pode ainda ver e ouvir como que pela primeira vez; como se fosse o primeiro filme surgido na terra e falando sobre ela.Houve a luta com as formas, muito tempo antes de serem filmadas; o filme «mental» mudou vezes sem conta, mesmo após ter sido sujeito à escrita prévia da(s) découpage(s). Filmadas, as formas revelaram-se muito belas, estranhas, hostis ou mesmo incompatíveis (planos que não puderam incorporar-se na montagem). Impunham-se, rejeitavam-se, atraíam-se, estavam vivas.Finalmente, «Rosa de Areia» estava ali, contra mim (fazendo parte de mim), no escuro das salas, palimpsesto complexo e fugitivo no ecrã, jogo de luzes e sombras, de sons e de silêncio.E a alegria muito funda e grave durante todo este longo e inenarrável processo.

António Reis:

Eu diria que «Rosa de Areia» é, totalmente, um filme de matérias. Matérias em permanente devir: o vento natural torna-se vento de tuba, o vestido das actrizes contracena com as nuvens, a tri-dimensionalidade cai aos pés da bi-dimensionalidade, o plano-sequência é emparedado pelo fixo, a música é o silêncio e a cor modulada, a luz mais pura passa a flutuante e difusa.O sentido do labor sobre as matérias (implicando-se e implicadas) não pode, pois, delimitar-se: é múltiplo, refaz-se constantemente e sobretudo interroga, elabora formas...«Rosa de Areia» não passa como uma torrente: esvai-se em lenta rotação, em lenta translação, movido pela insubmissa energia das formas cinematográficas.

14 de Agosto de 1989

Revista Cinema, n.º 16, pág. 8, Outubro de 1989 (Director: Henrique Alves Costa). NOTA: Parece-nos que este depoimento foi escrito para o Xociviga, Xornadas de Cine e Vídeo de Galicia, mas não temos a certeza. Se nos puder ajudar...

"ANA" - Entrevista por Yann Lardeau - 1

[Entrevista realizada em Fevereiro de 1983, após a projecção deAna no Festival de Berlim, e publicada nos Cahiers du Cinema em Agosto de 1983, durante a exibição comercial de Ana em Paris]

A PROPOS DE «ANA»

ENTRETIEN AVEC MARGARIDA CORDEIRO ET ANTONIO REIS

Il a fallu six ans à Antonio Reis et Margarida Cordeiro pour construire et recueillir mentalement les images d’Ana, pour les réaliser en un film. Tras-os-Montes, Ana sont en réalité l’œuvre d’une vie, dans la mesure où toute l’expérience de celle-ci vient s’y résumer, y œuvre et y culminer, une expérience créatrice solitaire et, sans filiation, entièrement liée à un territoire, un pays – une création insulaire. Si aujourd’hui un couple de cinéastes comme Margarida Cordeiro et Antonio Reis nous importe particulièrement, aux Cahiers, c’est qu’à l’heure où l’industrie semble opter unanimement pour le retour aux films de série, tous maintiennent à un très haut degré l'exigence d’une création artistique, d’une production d’une langue singulière, exigence incontestablement héritée de la grande tradition de la peinture et des arts de la Renaissance et qu’on ne retrouve guère dans l’industrie du film que chez les Straub ou Bresson. C’est qu’ils sont sans doute les derniers à porter cette histoire, à en témoigner de façon vivante.L’interview qui suit a été réalisé en février à Berlin, après la projection d’Ana au Forum. Plus que d’un entretien, il s’est très vite agi d’une conversation où Margarida Cordeiro et Antonio Reis se répondaient, se faisaient écho l’un à l’autre.

Y. L.

Cahiers. Il n’est pas facile de parler de votre film dans la mesure où ce n’est pas un film narratif, ni un documentaire et qu’il n’y a pas tellement de films dans l’histoire du cinéma dont on puisse le rapprocher, sinon des films singuliers, sans descendance, comme Enthousiasme de Vertov, Le Pré de Besjine, qui n’existe pas, ouTabou de Murnau. C’est un film sur un territoire déterminé, le Tras-os-Montes, et un regard intérieur à ce territoire. Le plus simple est peut-être de commencer par la façon dont concrètement le film s’est fait, comment vous avez choisi les acteurs, les costumes, les lieux, comment ont été faits les repérages pour le choix des paysages, de la lumière et des couleurs.

Margarida Cordeiro. Je ne peux pas répondre à votre question. Je peux seulement dire que nous avons abouti à ces résultats, mais le moment de choisir, le moment de travailler, je ne me le rappelle plus. Ça a été un peu difficile, parfois un peu orageux et parfois calme – mais je ne me rappelle plus ce temps-là. Les résultats sont proches de ce que nous rêvions de faire, mais parfois, souvent, nous restons très loin de ce que nous voulions faire.

Antonio Reis. Très loin, je ne pense pas dans le sens esthétique... Mais il y a des choses que nous attendions. Il y a eu des problèmes et nous arrivons à d’autres choses aussi importantes, aussi intenses que celles qui étaient prévues. Et jamais nous n’avons tenté

de colmater quelque faute que ce soit. Nous sommes terriblement exigeants. Ce qui nous a surpris, c’est que parfois les choses s’étaient transformées, on trouvait autre chose d’aussi intense que ce que nous attendions et qui pouvait pleinement commuter. Et pour nous c’était fantastique, parce que c’était la vie des formes, un mouvement spirituel trop plein et trop profond. Jamais nous n’avons été aveugles, mais jamais nous ne nous sommes sentis programmatiques.

M. Cordeiro. Nous étions guidés par ce que nous faisions.

A. Reis. C’était terriblement pénible parce qu’on tournait des choses nouvelles, intenses, que nous avions vécues, qui devaient avoir une fonction d’articulation, de construction, dans le film entre la somme que nous avions déjà tournée et peut-être d’autres que nous savions bien que nous pouvions tourner encore. Alors, une espèce de montage réel devait être trouvé sur place, mettant en relations toutes les dimensions : affectives, chromatiques, temporelles, spatiales, etc. C’est en effet difficile de trouver les mots pour résumer, expliquer le cinéma et les moments créateurs que nous avons vécus. Oui, nous avons des séquences pleinement développées, mais elles sont intégrées en fonction du sujet. Elles étaient tellement riches qu’au moment de tourner, nous reconstruisions de nouveau. Le découpage est pour nous comme un plan d’architecture a priori qui doit être assujetti à des moments de création.

Cahiers. Il y a des équivalences, des analogies, voire une progression, qui sont posées à l’intérieur des plans. Le feu rouge que nous voyons à l’intérieur de la maison, après nous le voyons décliné, en piments, une grande tache dans le paysage, dans les fraises que mangent les villageois à la sortie de l’église, dans les draps couverts de sang. Il y a ainsi une progression très serrée des couleurs, notamment du rouge.

A. Reis. Tu as mis le doigt sur quelque chose de très important pour nous. Les ellipses dans le film, sont construites avec de simples couleurs complémentaires à l’intérieur des plans, de celui qui commence ou de celui d’avant. Ou alors par des bonds extraordinaires dans l’espace. Et si la lumière est universelle, elle introduit parfois un mouvement elliptique. Tu sais que tu es au printemps, en été, ou en hiver par la lumière que tu trouves. Au sujet des décors et de la lumière, nous aimons bien les arts plastiques, mais nous les considérons comme nos ennemis dans le cinéma. Il faut que ces éléments soient reliés par un cordon ombilical à la peinture. Parce que je pense que le cinéma techniquement ne représente pas une démarche différente de ce qui se faisait avant en peinture, par exemple. Ce qui serait absurde quand même, c’est que la peinture vienne chercher les couleurs du cinéma. Il y a quand même une famille en ce qui concerne la figuration des couleurs, mais nos images ne sont pas plastiques, picturales, parce que nous pensons au sujet de la peinture, des arts plastiques, que, de même que les sciences sociales interpellent l’usine, elles sont nos ennemies. Nous les aimons bien, nous les intégrons quand même dans nos films, mais comme d’autres matériaux et sans nous assujettir à leur expression.

Cahiers.Le monde moderne est complètement absent de Ana. Ses traits ne se sont pas imposés au paysage. Les gens ne se parlent jamais à l’intérieur de la même classe d’âge, c’est toujours une génération qui s’adresse à l’autre, et en général,

des grands vers les petits, Ana avec sa petite fille.

M. Cordeiro. C’est une réalité moderne parce qu’il y a peu de gens à présent dans le Tras-os-Montes, et beaucoup de vieux.

A. Reis. Nous pouvons parler presque d’une espèce de dépôt géologique à propos des habitants du Tras-os-Montes. Quand nous fait ça, c’est pour une richesse des types. Les différences d’âges sont comme des sédiments de géologie. C’est une espèce de coupe dans la géologie d’un terrain social. C’est trop violent. Pas une information, mais une expression. Les choses sont doucement marquées par les modulations saisonnières. Il n’y a pas tellement de gens. L’immigration a en effet redéfini la densité des âges. Mais cela subsiste comme si tu faisais une coupe dans un terrain. C’est une richesse fantastique. En même temps c’est un désert. Nous avons porté à l’extrême la mise en scène parce que nous connaissons bien la vie sociale là-bas. Il y a une séquence où ce que nous venons de dire est poussé à l’extrême. Je te rappelle la scène où on sort de l’Eglise. C’est dimanche. Les hommes mangent des fraises. Il y a trois générations dans le plan, assises ou situées dans l’espace, dans une composition qui n’est pas artificielle. Ils voient pour nous. Mais que voient-ils ? Je pense que ce plan-là est très significatif. Dans l’éclipse nous dénions le soleil. Le soleil, un jour fait une sorte d’éclipse, parce qu’il disparaît. Et il y avait en contrepoint de cela l’éclipse que la grand-mère racontait, en créant une légende, en recourant à la mémoire de la petite. Et nous désirions des conditions exceptionnelles pour ce plan-là dont le repérage nous a posé beaucoup de problèmes. Pendant trois jours nous avons eu tout le matériel monté pour prendre cette vue panoramique avec cette lumière-là, très limpide, très nette parce qu’elle allait justement parler de l’éclipse à midi. Pendant trois jours nous sommes restés là-haut avec le matériel et toute l’équipe, et le personnage. Nous avons filmé quelques nuages dans le ciel, c’était joli, mais nous trouvions que ce n’était pas du tout l’esprit de la scène, malgré ce que disait l’opérateur. Pendant trois jours... C’est seulement au bout de trois jours, avec un froid terrible, que nous avons réussi à trouver ce que nous désirions en effet.

M. Cordeiro. Tu oublies que dans les mois précédents, nous avions déjà tenté de tourner cette scène.

A. Reis. Quelques mois auparavant, nous n’avions pas réussi à tourner ce plan. Nous sommes donc revenus. Selon les opérateurs nous devions tourner quand même, et nous, nous disions : «Non ! Non !». Quand la vieille femme parle de l’éclipse, c’est extraordinaire, c’est exceptionnel alors, parce qu’il y a une dialectique très violente. Jamais nous n’avons cédé sur ce point. En opérant, comme nous le faisons, cela entraîne inévitablement des frais très pénibles. Comme de stopper trois jours pour attendre une image sans rien tourner.Ce n’est pas pour parler de nous-mêmes, mais juste pour donner une idée. Nous avons supporté toute l’organisation. J’ai assumé moi-même plus de 50% de la production. Je gardais tous les vêtements dans notre chambre parce qu’il nous fallait être infaillibles : dans la montagne, nous ne pouvions nous permettre d’oublier quoi que ce soit. Nous avons eu de l’Institut portugais seulement 12 300 contos. C’est très peu. Un tiers de ce qu’ils donnent actuellement à un film. Et la fondation Gulbenkian nous a donné 1 500 contos. 14 500 contos pour un film de deux heures tourné à la montagne pendant trois saisons, avec des interruptions et l’inflation, je crois que c’est un film gratis. Avec des

interprètes professionnels, tu imagines combien ce serait pour payer la grand-mère Ana ? Elle n’a pas touché un sou. Nous avons payé les techniciens au prix professionnel évidemment. Mais les acteurs n’ont rien touché. Et ce que nous avons touché personnellement nous l’avons mangé dans l’investissement de cinq années de travail.Tous ce que nous gagnons, nous le dépensons pour étudier. Etudier, pour nous, c’est vivre aussi. Pour des Anglais ou des Américains, ce fil est incompréhensible. Tout ce que tu vois, les tissus, les vêtements, tout cela a été recherché, pensé et acheté par Margarida. Margarida a recherché les figurants. Tout cela a été fait sans argent. Nous n’avons rien touché pour faire le décor. C’est un travail qui habituellement se paie très bien. Mais pour la pellicule, nous en avons usé à volonté. Jamais nous n’avons tourné peu à cause de la production. Le film a cent-vingt-cinq plans. Toutefois, pour les plans de nuit trop compliqués, nous faisions six ou sept prises. Nous faisons d’habitude deux prises par sécurité.

Cahiers. Pour l’équipe, vous aviez donc... une équipe très réduite?

A. Reis. Un caméraman, un assistant et un preneur de son, un garçon qui donnait des coups de main çà et là. Nous avions cet énorme avantage que Margarida pouvait faire un contrôle rigoureux de la composition des plans. C’est la première fois que nous en avions la possibilité. Il était possible dans le cadrage de la caméra, d’être comme avec un microscope – moi avec les yeux, Margarida là-bas. Alors, tout de suite, nous échangions des impressions au sujet de ce que nous ressentions, de l’effet d’un plan. Nous avons heureusement une connivence terrible. Nous ne pouvions pas voir les rushes là-bas. Nous ne les voyions que quinze jours après. Nous n’avions ni script, ni photographe de scène. Nous faisions toutes ces choses par nous-mêmes. Je ne dis pas cela par mégalomanie.

M. Cordeiro. Au contraire, c’était la misère.

A. Reis. C’est la misère. Ce sont des conditions de travail qu’il faut accepter. Jamais il ne faut céder, accepter de faire du pain avec du sable. Même si le film est stoppé, mieux vaut un film stoppé.Nous avons tourné pendant soixante-dix jours. Nous avons fait nos repérages pendant les vacances. Nous avons un background au sujet des formes, au sujet des événements qui nous a beaucoup aidés, qui nous a permis d’avancer beaucoup en ayant un peu de temps et des conditions mauvaises pour le tournage. Margarida a une mémoire très précieuse. D’autres cinéastes qui vont là-bas risquent sérieusement d’échouer parce qu’ils n’ont pas notre background. Ils risquent de se comporter un peu comme de mauvais anthropologues : ils arrivent, ils tournent, ils rentrent. Quand nous sommes là-bas à travailler, nous ne naviguons pas, nous ne tergiversons pas, Margarida et moi. Margarida est née là-bas et je connais la province depuis trente ans. C’est comme si j’étais né là-bas.

«ANA» - Entrevista por Pedro Borges

[Estreia no Forum Picoas, Lisboa - 6 de Maio de 1985]

“No cinema é como se fôssemos uma só pessoa”

Há quase um ano, o «JL», por ocasião da publicação do seu centésimo número, promovia a antestreia em Lisboa de «Ana» de António Reis e Margarida Martins Cordeiro.Apresentado pela primeira vez no Festival de Veneza em Setembro de 1982, o filme seria depois exibido noutros festivais de cinema, desde a Figueira da Foz, passando pelo Forum de Berlim, a Semana «Cahiers» em Paris, Hong Kong, Valladolid (onde recebeu a Espiga de Ouro), etc., e em França entrou no circuito da exibição comercial.Entre nós, um longo (e lamentável) conflito opôs os realizadores ao Instituto Português de Cinema, o que levou a que a estreia do filme fosse sucessivamente adiada. A razão de António Reis e Margarida Cordeiro era tão simples como isto – a ampliação da película para 35 mm teria que respeitar o seu trabalho (e o público que iria ver o filme) e, como tal, devido às limitações dos laboratórios nacionais para executar tal tarefa, ela teria que ser realizada em França.Finalmente resolvida a questão a contento dos realizadores, o adiamento da abertura do Fórum Picoas, foi outra razão para que o filme só no passado dia 6 fosse estreado em Lisboa.Entretanto, e como se este longo e desencorajador processo de mais de dois anos não fosse suficiente, e numa decisão a todos os títulos escandalosos, uma parte (maioritária na altura da votação) da «Comissão de Qualidade» resolveu negar esse estatuto ao filme.Para que[m], como os realizadores, viveu intimamente todo o percurso acidentado do filme, não é seguramente fácil neste momento assistir a mais este atropelo ao seu trabalho.Na conversa que com eles mantivemos, tentámos não pensar em tudo isso, procurando que mais um pouco da sua atitude perante o cinema se fosse revelando no correr do amor por um filme como «Ana»...

– Acham que, pela sua radicalidade singular, se pode ver o «Ana» como um filme feito como se o cinema não existisse como se não tivesse existido cinema antes, nem depois?Margarida Martins Cordeiro – Quando uma obra aparece e não copia nenhuma outra, acho que também se está a fazer cinema. Mas nós não estamos a inventar nada, no sentido em que o cinema se está a inventar sempre...

António Reis – A nossa posição é radical porque nós não nos inspiramos na obra tal do cinema para fazer os nossos filmes. O cinema tem uma espécie de pré-história, umas ingerências esquisitas das outras artes, mas o que é certo é que, desde os primórdios, nós podemos detectar o que vai ser o cinema como algo de muito específico em relação às outras artes. É isso que nos irmana com o espírito das formas cinematográficas. Nós negamo-nos a que situem o nosso cinema em relação ao cinema português, a nossa aventura no cinema é em relação à grande aventura do cinema mundial...O nosso desejo de fazer cinema é fatal, pode-se dizer quase isso, e a nossa aventura é nesse fio. Não disputamos isso só por trabalho, é porque só esse risco e só essa oferta é

que são justas para aparecer a alguém com um filme feito. E só esse risco que nos interessa, chamem-lhe megalomania ou o que quiserem... mas creio que se não fosse isso nós não faríamos cinema...

– Em Portugal, vocês são o único caso de duas pessoas que assinam filmes conjuntamente. Acham que é possível determinar a parte, ou a contribuição própria de cada um, nesses filmes?M.M.C. – É realmente muito difícil. A nós mesmos nos escapa o fenómeno, porque quando estamos a trabalhar funcionamos como uma só pessoa.A.R. – Isso é tão verdade que tu podes em quase todos os casos determinar o que é um cinema feito por mulheres ou por homens, mas nos nossos filmes não podes dizer que eles sejam feitos por um homem ou por uma mulher...M.M.C. – Ou que seja neutro, que esteja neutralizado...A.R. – Eu dir-te-ei que é tal a globalidade de que te falei de pequenas formas...M.M.C. – Eu acho que a coisa, no fundo, é muito simples. Eu sou uma pessoa incompleta, tenho realmente coisas para que acho que tenho jeito, não estou a dizer quais são, e há outras que me fazem completamente carência.Não sei porquê mas acho que o António Reis completa isso, ajusta-se como um puzzle. Não estou a falar na vida real, que nós temos as nossas desavenças como toda a gente, mas no cinema damo-nos perfeitamente é como se fôssemos uma só pessoa. Como se eu fosse a metade de um cérebro, de um lado, e ele fosse a outra metade. Não sei explicar melhor. Sei que realmente nós nos damos bem a trabalhar, e a obra sai, mas não sei dizer o que é meu e o que é dele.Acredito que isso possa acontecer mais vezes noutros campos, acredito que sim. Talvez na vida quotidiana isso aconteça até mais vezes entre um homem e uma mulher...

Um acordo perfeito

– Mas então como é que isso acontece no processo de elaboração dos filmes?M.M.C. – Antes do filme nós falamos muito tempo, afinamos ideias, afinamos emoções, e quando partimos para o filme já sabemos o que vamos fazer, quase já não precisamos de falar um com o outro. Eu comparo isso a um «artista» que está a escrever sozinho, com essas duas metades do cérebro, que vai rascunhando, vai corrigindo, e trabalha consigo próprio. Nós conseguimos fazer um acordo perfeito no trabalho, eu volto a repetir, no trabalho.A.R. – E acontece que nessa cooperação, realmente no acto de fazer, tudo se concretiza, embora nós saibamos que depois há a montagem, há talonagens. Mas há momentos onde nós sentimos que as matérias confluem e mesmo aquele imaginário que nos parecia o mais consistente, o mais prodigioso, o mais poético, é processado e às vezes cai pela base; e se não houver um coração amplo e ao mesmo tempo a tal frieza a conjugar-se, não é possível, em face de estruturas muito fortes, saber-se o que vai resultar.M.M.C. – Nós até aqui só temos três filmes, dois e meio eu, mas o princípio penso que nós tacteávamos mais no escuro e por vezes chegávamos a certos pontos, que levávamos em pensamento não escrito (as possibilidades de fazermos este ou aquele plano) e a realidade contradizia-nos.Cada vez isso acontece menos, porque estamos progressivamente a ter uma visão mais cinematográfica das nossas emoções, eu pelo menos acho isso. Penso que daqui para a frente eu cada vez errarei menos, cada vez filmarei com menos pânico, que ele existirá

menos... Quer dizer, os meios começam a estar mais dentro da nossa mestria.

– O «Ana» é um filme muito feito a partir de memórias, recordações de infância...M.M.C. – Todas as memórias são de infância, pelo menos para mim e as coisas mais fortes são da infância, as coisas posteriores vão buscar referências à infância. Mas essa ideia deve vir mais de uma sinopse que nós tivemos de redigir, uma concessãozita que nós fizemos, um resumo sob pressão. É um pouco isso...A.R. – Mas não há nada que esteja no «Ana» que seja a recriação de um acontecimento que esteja na nossa memória. Toda essa memória foi absolutamente submetida a um processo imaginário, senão seria a ilustração de um fenómeno de memória, que estava num arquivo... Aliás o próprio tempo já se encarrega de esbater coisas, de alterar umas e de trazer outras...

Pintura e cinema

– Vocês dão grande importância à composição interna de cada plano, à escolha das cores e dos materiais, e talvez por isso houve muita gente que falou em pintura quando viu o filme.A.R. – Mas nunca é uma composição pictórica. Nós consideramos que as artes plásticas, com os conhecimentos que temos, poderiam ser o maior inimigo do nosso cinema, e essa tem sido uma grande confusão, mesmo por parte de grandes realizadores, ao pretenderem fazer a transposição dos fenómenos pictóricos para o cinema. Isso é tão errado como pretender transpor a ficção literária para ficção cinematográfica...Mesmo sem pensar na dinâmica própria dos meios cinematográficos, o movimento, a temporalização, basta pensar até no domínio da pigmentação – todo o cromatismo cinematográfico é obturado, varia na escala dos planos, etc., e esse fenómeno é totalmente diferente na pintura.É ridículo tentar ilustrar a pintura com o cinema e eu até diria, parafraseando aquelas legendas que aparecem no princípio dos filmes, qualquer coincidência entre as artes pictóricas e o cinema que nós fazemos, não é mera coincidência, é néscia exploração, ou néscia cultura.M.M.C. – É não perceber nem de cinema nem de pintura.A.R.– No fundo, quando os realizadores se servem disso, é mais como uma muleta que se buscou, ou na música, o na literatura.Não há dúvida que há um aspecto às vezes quase perfumado, há um aspecto táctil em muito do que nós fazemos. Mas não é por ser tributário da pintura, eu diria que é por uma vivência das matérias, quer cinematográficas, quer das coisas que nós apanhamos, e como as apanhamos, na própria vida.Eu pus uma vez este problema: suponhamos que, por um paradoxo incrível, o cinema tinha sido inventado antes da pintura. Será que toda a grande pintura que se fez teria sido tributária do cinema... é uma loucura pensar nisso. Esta violência ninguém a leva a sério, é evidente que era impossível.

– Não sei então se estão de acordo que uma das coisas que mais ressalta do vosso tipo de trabalho com o cinema é um extremo cuidado com o aspecto visual, com a composição dos planos, a utilização das cores, a forma como o som é tratado...M.M.C.– Talvez isso se note mais devido à rarefacção do diálogo que tradicionalmente

invade tudo, diálogo de que neste filme nós não precisámos muito. Não quer dizer que no próximo filme não se fale mais, ou até bastante, mas neste filme isso não foi necessário. Talvez por essa razão os sons ressaltem mais, porque as pessoas que estão habituados a ouvir, a canalizar tudo pela via lógica, pela fala, desta vez não têm essa muleta, essa facilidade.Têm mesmo que ver o que lá está, têm de ler outras coisas. E há lá muitas outras coisas, para ver e ouvir.

A nossa exigência é maior

A.R. – De resto, uma vez que o cinema é realmente uma relação dialéctica imagem e som, seja em que sentido se movimentar, a ocupação tem que ser integral. Então num filme como o nosso, em que não há psicologia nem simbolismo, tudo está em tudo, a nossa defesa é muito menor, a nossa exigência é muito maior e o espectador...M.M.C. – O espectador tem que contribuir mais...A.R. – O espectador tem que se habituar, não a ler a boca da pessoa, mas tudo o que lá está.

– Penso que o vosso filme é um filme de exteriores, no sentido em que toda a banda sonora dá sempre primazia às cadências atmosféricas. Eu estava a ver o filme como se o próprio ar, os ventos, saíssem da tela e entrassem pela sala de cinema. No filme há uma imanência da imagem e de repente, pela banda sonora, somos remetidos para a ausência que é o exterior... M.M.C. – Para nós, no filme, a natureza funciona como uma casa exterior. Há uma casa, com os seus espaços e os seus sons, mas os sons exteriores dão-nos a ideia de uma casa que é fechada sobre si própria e aberta sobre a natureza, por fora também é uma casa, também está habitada.A.R.– Eu penso que o que tu não tens são noções realistas de vento...- Se houver realismo é um realismo mágico, onde as coisas são extrapoladas...A.R.– Tu não queres dizer que sintas a chuva que molha, ou o vento... tu sentes é o fenómeno físico do vento, esteticamente. Nesse sentido é correcta a tua interpretação.M.M.C.– Quer dizer, o simbólico é sempre tudo o que as pessoas pensam, nunca fugimos ao simbólico. Estamos a falar num simbólico não grosseiro. Nós damos a chuva, o vento, com a mínima carga possível. Dentro do nosso filme, com as conotações todas que tem, há disponibilidade da pessoa que está a ver, sem grandes cargas simbólicas, pelo menos não muito marcadas.

Pedro Borges

Jornal da Letras, págs. 8 e 9, de 14 a 20 de Maio de 1985.

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