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1 INTRODUÇÃO As crises sociais e ambientais geradas pelo atual modo hegemônico de produção na Terra têm desafiado a sociedade e motivado importantes debates nas últimas décadas. Apesar dos esforços dos governos, empresas e sociedade civil, principalmente após a publicação do Relatório Brundtland, Nosso Futuro Comum, em 1987, em projetos para tornar o atual modelo socioeconômico sustentável, a crise socioambiental persiste e tem se agravado. A falta de condições de obter o consenso entre os países ricos e os demais países ocorre desde a primeira Conferência das Nações Unidas para debater os problemas ambientais, a Conferência do Meio Ambiente Humano em Estocolmo, em 1972. A grande barreira à ação conjunta dos países para chegar às soluções socioambientais unificadas era, e tem persistido, equalizar o conflito entre a busca do bem comum mundial e os interesses internos específicos de cada país. Em nome da soberania nacional, os países impõem suas condições particulares nas negociações, o que leva a poucos resultados. Nas demais conferências, RIO 92, Johannesburgo 2002 e Rio+20, persistiram os conflitos de interesses e poucas soluções práticas. Porém, os debates envolvendo desenvolvimento sustentável e possíveis soluções provocaram maior conscientização da sociedade sobre a importância da governança ambiental global e local, isto é, aumento da percepção que os problemas globais impactam e são impactados pelas questões locais. Assim, tem origem a estratégia: pensar globalmente e agir localmente. A resposta dos órgãos oficiais (ONU, PNUMA) e de alguns representantes dos governos e do setor empresarial para a crise ambiental é, hoje, a adoção da Economia Verde como caminho para o Desenvolvimento Sustentável. Mesmo com a inovação da definição oficial da ONU para Economia Verde, no documento preparatório da Conferência Rio+20, que vincula combate à miséria e responsabilidade ambiental, as soluções não cumprem o prometido. A resolução da crise socioambiental requer a superação do poder do capital. O capital impõe sua lógica com forte investimento em propaganda e marketing: em torno de US$ 1 trilhão por ano em publicidade junto aos meios de comunicação (Dowbor, 2013a, p. 66). Esse volume monetário garante a cumplicidade dos meios de comunicação e a ilusão de que a felicidade está na compra da nova versão do produto, mas como o consumo não se traduz em felicidade, a eterna frustração aprisiona a sociedade no ciclo consumo-frustação-

INTRODUÇÃO...1 INTRODUÇÃO As crises sociais e ambientais geradas pelo atual modo hegemônico de produção na Terra têm desafiado a sociedade e motivado importantes debates nas

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INTRODUÇÃO

As crises sociais e ambientais geradas pelo atual modo hegemônico de produção na

Terra têm desafiado a sociedade e motivado importantes debates nas últimas décadas.

Apesar dos esforços dos governos, empresas e sociedade civil, principalmente após a

publicação do Relatório Brundtland, Nosso Futuro Comum, em 1987, em projetos para

tornar o atual modelo socioeconômico sustentável, a crise socioambiental persiste e tem se

agravado.

A falta de condições de obter o consenso entre os países ricos e os demais países

ocorre desde a primeira Conferência das Nações Unidas para debater os problemas

ambientais, a Conferência do Meio Ambiente Humano em Estocolmo, em 1972. A grande

barreira à ação conjunta dos países para chegar às soluções socioambientais unificadas

era, e tem persistido, equalizar o conflito entre a busca do bem comum mundial e os

interesses internos específicos de cada país. Em nome da soberania nacional, os países

impõem suas condições particulares nas negociações, o que leva a poucos resultados.

Nas demais conferências, RIO 92, Johannesburgo – 2002 e Rio+20, persistiram os

conflitos de interesses e poucas soluções práticas. Porém, os debates envolvendo

desenvolvimento sustentável e possíveis soluções provocaram maior conscientização da

sociedade sobre a importância da governança ambiental global e local, isto é, aumento da

percepção que os problemas globais impactam e são impactados pelas questões locais.

Assim, tem origem a estratégia: pensar globalmente e agir localmente.

A resposta dos órgãos oficiais (ONU, PNUMA) e de alguns representantes dos

governos e do setor empresarial para a crise ambiental é, hoje, a adoção da Economia

Verde como caminho para o Desenvolvimento Sustentável. Mesmo com a inovação da

definição oficial da ONU para Economia Verde, no documento preparatório da Conferência

Rio+20, que vincula combate à miséria e responsabilidade ambiental, as soluções não

cumprem o prometido.

A resolução da crise socioambiental requer a superação do poder do capital. O capital

impõe sua lógica com forte investimento em propaganda e marketing: em torno de US$ 1

trilhão por ano em publicidade junto aos meios de comunicação (Dowbor, 2013a, p. 66).

Esse volume monetário garante a cumplicidade dos meios de comunicação e a ilusão de

que a felicidade está na compra da nova versão do produto, mas como o consumo não se

traduz em felicidade, a eterna frustração aprisiona a sociedade no ciclo consumo-frustação-

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mais consumo e, consequentemente, aumenta a concentração de riqueza e mantém o

poder financeiro e político da classe detentora do capital.

O consumismo descontrolado, gerado nesse ciclo, esgotou a capacidade de o planeta

repor reservas naturais, e o fluxo infinito de consumo não respeita a finitude do planeta.

Segundo o relatório Planeta Vivo de 2012, publicado pelo World Wide Fund for Nature

(WWF), a Natureza consegue repor apenas 50% do impacto ambiental do consumo humano

(WWF, 2012a, p. 14).

O relatório do WWF demostra que as tentativas hegemônicas de ajuste do atual modo

de produção e consumo não estão gerando o resultado prometido. A reversão da atual crise

socioambiental exige da humanidade a capacidade de sonhar, ter esperança e construir um

mundo novo, isto é, a capacidade de produzir e gerar utopia.

Essa utopia, para iniciar uma transformação mais profunda, deve ser realista, isto é,

une uma análise radical da realidade e o anúncio de uma outra lógica de civilização. A visão

utópica é realista quando está consciente das contradições, conflitos e da grande

desigualdade da atual sociedade mundial (Wanderley, 2013, p. 121); ao mesmo tempo em

que, sem abandonar a preocupação realista com a estratégia transformadora, permite os

devaneios, a esperança ativa e o “espírito visionário vermelho” (LÖWY, 2000a, p. 127).

A utopia tem na indignação sua energia mobilizadora, pois a consciência da realidade

indesejada e da esperança da construção do futuro sonhado foram, ao longo da história, as

condições necessárias para as transformações. A indignação gerada pela consciência da

realidade – pobreza absoluta, fome e morte recorrente, frutos da globalização hegemônica –

caminha na companhia da utopia, compondo os “sonhos de asas e raízes” (Wanderley,

2013, p. 121). Bensaïd (2008, p. 97) define a indignação como “um começo. Uma maneira

de se levantar e de entrar em ação. É preciso indignar-se, insurgir-se só depois ver no que

dá. É preciso indignar-se apaixonadamente, antes mesmo de descobrir as razões dessa

paixão”. Por isso é muito interessante a recomendação de Hessel (2011, p. 5) de que cada

indivíduo deve encontrar seu motivo de indignação, pois esse sentimento nos transforma em

militantes, fortes e engajados na busca da justiça e liberdade.

A dinâmica “denúncia e anúncio” envolve o “anúncio de um futuro a ser criado,

construído, político, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens” (Freire, 1992, p.

91). A utopia é fundamental para a criação da nova sociedade, pois sua imaginação

antecipa a sociedade desejada: verdadeiramente democrática, com a convivência

harmônica entre a humanidade e a Natureza. Afinal, como afirmou Löwy (2000a, p. 129),

parafraseando Lenin: “sem utopia revolucionária não haverá prática revolucionária”.

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No processo de acumulação de capital à custa do esgotamento dos trabalhadores e

depredação ambiental, o ecossocialismo surge como alternativa utópica, e, também, como

contribuição epistemológica, quando assume que o debate ambiental atualiza a teoria

marxista; e o marxismo é fundamental para o movimento ambientalista não optar por

soluções reformistas.

O caminho indicado pelo ecossocialismo para superar a crise socioambiental é a

ruptura da lógica produtivista do capitalismo e do socialismo “real”, através do resgate da

proposta marxiana do “Reino da Liberdade”, na qual o produtivismo que desgasta o

trabalhador e o meio ambiente é substituído pela redução da jornada de trabalho, o que

propiciará o tempo livre necessário para estudo, atividade cidadã, lazer, namoro, enfim,

ações de satisfação pessoal geradas pela qualidade na integração social; ações que na

maioria das vezes não envolvem relação comercial. E o prazer deixará de ser mercadoria

remunerável ao capital e ganhará a função social da autorrealização (LÖWY, 2005a, p. 71).

No desenvolvimento de uma outra civilização, socialmente e ambientalmente justa, o

ecossocialismo se apresenta como a utopia concreta que transforma a esperança de uma

vida feliz em construção desta vida. O pensamento utópico ecossocialista é a antecipação

dessa outra civilização, sob a perspectiva da busca do inédito viável de Paulo Freire,

“inédito, porque ainda não aconteceu; viável, porque pode acontecer e já está presente na

realidade concreta” (WANDERLEY, 2009c, p. 119).

O ecossocialismo é uma proposta de pensamento que está em construção nos últimos

trinta anos, graças ao diálogo e obras de pensadores como Manuel Sacristan, Raymond

Williams, Rudolf Bahro e André Gorz, James O’Connor, Barry Commoner, John Bellamy

Foster, Joel Kovel, Joan Martínez Alier, Francisco Fernandez Buey, Jorge Riechmann, Jean-

Paul Déléage, Jean-Marie Harribey, Elmas Altvater, Frieder Otto Wolf entre outros. Revistas

como Capitalism, Nature and Socialism, Écologie politique são espaços utilizados pelos

autores para apresentarem suas concepções. (LÖWY, 2000b, p. 234; LÖWY, 2005a, p. 48;

LÖWY, 2011, p. 13).

Esses autores não mantém homogeneidade política, mas apresentam como eixo

comum a busca da construção de um outro paradigma civilizatório, rompendo com a

ideologia produtivista do capitalismo e do socialismo burocrático (LÖWY, 2005a, p. 40).

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Há alguns pontos que unem todas as correntes de pensamento ecossocialistas:

As crises ecológicas e o colapso social são consequências do processo capitalista,

com a superação da capacidade de resiliência do planeta pelo produtivismo industrial e

consumismo massivo, ou seja, pela superexploração dos recursos naturais pelo capital;

O sistema capitalista não tem capacidade de gerenciar ou superar a crise engendrada,

pois sua lógica produtiva está alicerçada na regra “cresça ou morra!”;

O Ecossocialismo é, obrigatoriamente, internacional.

A proposta do ecossocialismo é fundada numa aposta já presente nas obras de Marx:

“predominância, numa sociedade sem classes, do “ser” sobre o “ter”, isto é, da realização

pessoal, pelas atividades culturais, lúdicas, eróticas, esportivas, artísticas, políticas, em vez

do desejo de acumulação ao infinito de bens e produtos. Esse desejo é induzido pela

ideologia burguesa e sua publicidade, e nada indica que é uma “natureza humana eterna””

(LÖWY, 2005a, p. 58).

O ecossocialismo é a proposta utópica de mudança socioambiental fundada na

associação das lutas ambientalistas com os demais movimentos representativos da classe

social oprimida. A associação entre os movimentos assume a visão de que a atual crise

ecológica tem a mesma origem que as demais crises sociais: a máquina mortífera da busca

ao retorno rápido do capital. Perante esse desafio da superação da crise socioambiental, a

libertação da tirania do capital depende da integração dos movimentos contra-hegemônicos:

Esse projeto não pode renunciar a nenhuma das cores do arco-íris:

nem ao vermelho do movimento operário anticapitalista e igualitário,

nem ao violeta das lutas para a libertação da mulher, nem ao branco

dos movimentos não-violentos para a paz, nem ao anti-autoritarismo

negro dos libertadores e anarquistas, e ainda menos ao verde da luta

por uma humanidade justa e livre num planeta habitável (LÖWY,

2005a, p. 62).

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PROBLEMA DE PESQUISA

A escolha do Ecossocialismo como tema se deve à necessidade de analisar esta

corrente como resposta à crise socioambiental. Essa crise envolve mudanças climáticas,

perda da biodiversidade e aumento da desertificação dos solos e dos mares, fatores de risco

para as condições de vida humana no planeta. A atual resposta das lideranças

governamentais e empresariais para a crise, o Desenvolvimento Sustentável, se mostra

ineficiente e contraditório.

A sociedade civil e as lideranças dos movimentos contra-hegemônicos estão

buscando alternativas aos atuais modelos de desenvolvimento. O lema dessa busca,

batizado pelas lideranças no Fórum Social Mundial, é que “um outro mundo é possível”. Em

entrevista, Joel Kovel (D’Almeida, 2011) afirmou que “logicamente, deveríamos poder dizer

que este “outro mundo” é o do Ecossocialismo”.

Considerando essa provocação de Kovel, a tese busca responder às seguintes

questões: O Ecossocialismo é opção utópica na construção de uma outra sociedade? Quais

são os desafios e oportunidades da politica partidária na construção da Sociedade

Ecossocialista?

OBJETIVOS

Esta pesquisa tem como objetivo central analisar os avanços e dificuldades do

Ecossocialismo como proposta utópica na construção de uma outra civilização. A

construção dessa nova sociedade envolve grande transformação do atual modelo de

civilização produtivista e consumista para um novo paradigma de civilização, responsável

social e ambientalmente, principalmente sem opressor e oprimido.

Os objetivos específicos são:

a) Analisar os avanços e os desafios da corrente ecossocialista internacional, mais

especificamente na França;

b) Analisar as correntes ecossocialistas nos partidos políticos brasileiros, os avanços e

os desafios enfrentados.

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METODOLOGIA

A metodologia desta tese baseou-se nas seguintes etapas:

a) Pesquisar a bibliografia com o intuito de apurar um arcabouço teórico sobre a crise

ambiental e propostas utópicas de sua superação;

b) Pesquisar a bibliografia sobre a proposta ecossocialista, principalmente as

contribuições de Michael Löwy, John Bellamy Foster e Joel Kovel;

c) Levantamento das experiências do movimento ecossocialista na política partidária da

França, debate ecossocialista entre NPA – Noveau Parti Anticapitaliste, Parti de Gauche e

Ensemble Mouvement pour une alternative de Gauche, Ecologiste et Solidaire; e no Brasil,

Partido dos Trabalhadores, Partido Socialismo e Liberdade e Rede Sustentabilidade;

d) Levantamento da experiência da Rede Brasil de Ecossocialistas;

e) Levantamento de documentos elaborados pelos próprios partidos na sua fundação e

encontros relevantes para suas correntes ecossocialistas;

f) Entrevistas com militantes dos partidos políticos para apurar as dificuldades,

oportunidades e propostas de ações futuras do movimento ecossocialista no mundo e no

Brasil.

A pesquisa enfocou a política partidária, pois é o setor da sociedade que tem debatido

o ecossocialismo há mais tempo e com mais vigor, principalmente depois do anúncio da IV

Internacional ter aderido ao ecossocialismo. Em 2003, a IV Internacional adotou em seu

congresso o documento “Ecologia e Revoluções Sociais” de inspiração ecossocialista

(LÖWY, 2011, p. 14).

As entrevistas focaram nos envolvidos na construção do ecossocialismo nos partidos

brasileiros e os assinantes brasileiros do Manifesto Ecossocialista Internacional de setembro

de 2001 (Isabel Loureiro e Marcos Barbosa de Oliveira). Buscou-se entrevistar

representantes ecossocialistas por partido, assim, no PT foram Gilney Viana e Mauricio

Laxe, no PSOL foram João Alfredo Telles Melo e Roberto Bannwart e na Rede

Sustentabilidade foi Samuel Maia. Os entrevistados foram escolhidos por representarem a

história e o pensamento ecossocialista no Brasil e por serem atuantes no atual debate

interno em seus partidos. Foi também entrevistado Michael Löwy por sua vivência na política

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partidária e, principalmente, pela influência que sua obra exerce sobre as correntes

ecossocialistas nos partidos políticos brasileiros.

A tese está dividida em quatro capítulos e considerações finais, além da referência

bibliográfica e os anexos.

O primeiro capitulo apresenta a crise socioambiental, sua dimensão e perspectivas. A

pesquisa aponta que a barbárie socioambiental é uma das duas bifurcações possíveis para

a sociedade. Incialmente a nova barbárie apresentada nesse capítulo está relacionada aos

riscos assumidos pelas decisões dos donos do Capital e suas ações institucionais

multilaterais que apontam soluções de ajustes que não tem desviado a civilização da

situação de risco de condições da manutenção da vida humana no planeta.

No segundo capítulo, procura-se retratar as diferentes propostas socioambientais,

suas evoluções, conflitos e contradições. A opção foi utilizar a classificação dos segmentos

políticos ecológicos do professor Eduardo J. Viola para ajudar a entender as relações

desses segmentos, seus conflitos e convergências. Porém, como essa classificação não

esgota a riqueza da política ecológica, assim foi necessário incorporar os conceitos dos

movimentos Ecologismo dos Pobres de Alier, Decrescimento e Buen Vivir. Além dos

conceitos das posições políticas ecológicas, há também nesse capítulo a apresentação das

ações dessas posições na política na França e no Brasil.

O terceiro capítulo debate a proposta para o outro caminho possível da bifurcação: o

ecossocialismo, seus principais pensadores, como está presente mundialmente na vida

política partidária mundial, com realce na França. A opção pela vida política francesa foi

devido a sua importância dentro da corrente ecossocialista mundial, inclusive com a

presença de três partidos políticos ecossocialistas, NPA, Parti de Gauche e Ensemble. As

fontes principais das informações sobre os partidos foram os documentos elaborados pelos

mesmos, além de obras e blogs de seus militantes. O acesso a essas informações foi

possível através de estágio sanduíche em Paris, sob orientação de Michel Löwy, no

segundo semestre de 2013.

O quarto capítulo relata como a corrente ecossocialista está presente na política

partidária brasileira. Chico Mendes foi o primeiro tema do capítulo por sua importância na

história política ecológica e sua contribuição socioambiental na formação do PT, além de ele

ser uma das principais referências do pensamento ecossocialista brasileiro. O

ecossocialismo está presente na política partidária brasileira, inicialmente na formação do

PT-Partido dos Trabalhadores e posteriormente no PSOL- Partido Socialismo e Liberdade e

na Rede Sustentabilidade, assim, as histórias das correntes ecossocialistas nesses partidos

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estão retratadas nesse capítulo. O Estudo sobre a Rede Brasil de Ecossocialistas, sua

história e retomada, encerra esse capítulo.

Por fim, nas considerações finais, são retomadas as questões relevantes no conjunto

do trabalho, bem como a análise dos desafios e oportunidades do Ecossocialismo,

principalmente na política partidária brasileira.

Além da Referência Bibliográfica, há a relação das entrevistas e sítios visitados

importantes para o tema, inclusive os blogs de militantes partidários. Esse conjunto de

fontes foi importante para o embasamento teórico da pesquisa.

Os principais documentos ecossocialistas estão disponíveis no item Anexos: Primeiro

Manifesto Ecossocialista Brasileiro (1991); Manifesto Ecossocialista Internacional (2001);

Declaração Ecossocialista de Belém (2003) e a Declaração de Princípios e Objetivos da

Rede Brasil de Ecossocialistas.

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CAPÍTULO 1 – Crise Socioambiental: Riscos assumidos

1.1 Caminhos da Nova Barbárie

A vida no planeta está estruturada em um sistema complexo e delicado. Espécies

estão presentes em diferentes nichos complementares e em constantes ajustes

(homeostase). A complementaridade entre os nichos elimina a geração de sobra, “lixo”, pois

os resíduos de um nicho de espécies oferecem recursos vitais para outro nicho:

Toda essa complementaridade entre as espécies só é possível devido

à diversidade que elas apresentam, fazendo com que se

complementem, evitando a competição e possibilitando a

cooperação. Ela é tão requintada que faz com que na natureza não

exista a noção de “lixo”, porque os resíduos de uma determinada

espécie são suporte para a existência de outra (MILANEZ, 2003, p.

79).

Vencida a capacidade de adaptação às novas condições ambientais pelas espécies,

sua extinção é a consequência mais provável; como a biodiversidade garante a

complementaridade entre os nichos, a extinção de uma espécie desarmoniza o sistema

causando reação em cadeia, impactando a sobrevivência das outras espécies dependentes.

O modelo produtivista e consumista da sociedade pós-revolução industrial exerce uma

pressão sobre os recursos naturais de uma forma cada vez mais agressiva. As

consequências da alteração do fluxo das mudanças estruturais do planeta e a resposta do

planeta para estas interferências desafiam toda sociedade a repensar o modelo produtivo. O

Special report: How our economy is killing the Earth publicado pela revista New Scientist

ilustra a crescente pressão das atividades humanas em diversos níveis, as quais

pressionam o esgotamento da adaptação da Natureza. O Gráfico 1 apresenta a

convergência de ritmo dos diversos vetores das atividades humanas e o aumento de

degradação ambiental.

As curvas dos índices, que inicialmente não refletem uma relação direta entre eles (a

temperatura no hemisfério Norte, população mundial, Concentração de CO2, PIB, perda de

florestas tropicais, extinção das espécies, automóveis, uso da água, consumo de papel,

exploração da pesca, perda da camada de Ozônio e investimento estrangeiro), passaram a

apresentar um paralelismo de suas curvas a partir de 1950.

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Gráfico 1 – Macrotendências – de 1750 até atualidade

Fonte: New Scientist, outubro de 2008, apud Lopes, 2010, p. 13.

As figuras 1 e 2 são os quadros de apoio do relatório How our economy is killing the

Earth da New Scientist, elas confirmam a relação das atividades humanas com sua pressão

do consumo (Figura 1) e o esgotamento da Natureza (Figura 2).

O fato que desperta atenção nos gráficos contidos nas figuras é o ponto de grande

crescimento de todos os índices a partir de 1950, período pós II Grande Guerra. Por um

lado, houve o início de grande incremento da população, PIB, investimentos, consumo de

água, papel, fertilizantes e urbanização (Figura 1); por outro lado, as curvas dos gráficos da

Figura 2 mostram que, principalmente após 1950, as alterações na biosfera de diferentes

ecossistemas acompanharam as curvas da Figura 1.

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Figura 1 – Crescente consumo humano

Fonte: New Scientist, outubro de 2008, apud Cortez, 2012.

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Figura 2 – Impacto no meio ambiente do crescimento do consumo humano

Fonte: New Scientist, outubro de 2008, apud Cortez, 2012.

Para Cortez (2012): “este modelo não vai funcionar por muito tempo, na exata medida

em que os recursos naturais se esgotam e que as mudanças climáticas podem colocar a

economia e a sociedade diante de uma catástrofe planetária”.

O planeta, após eras de instabilidades climáticas, entrou na Era do Holoceno. Essa

era, iniciada há 10 mil anos, foi marcada por uma fase de estabilidade climática, que

forneceu as condições naturais favoráveis ao ser humano, principalmente disponibilidade de

solos férteis, alimentação de origem marinha rica em proteínas e as geleiras, que funcionam

como gigantescos reservatórios de água (Folke, 2013, p. 21). Essa estabilidade planetária

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permitiu que a humanidade iniciasse a agricultura, entre outras atividades necessárias ao

seu desenvolvimento. Antes dessa estabilidade, a humanidade vivia em pequenos grupos

como caçadores-coletores (STEFFEN, 2007, p. 614).

As alterações nas condições do planeta, provocadas pela produção capitalista pós II

Grande Guerra, foram expressivas na dinâmica do planeta e causaram a mudança da era

planetária, o Antropoceno. Junto com a nova era, vieram os riscos de colapso da civilização.

Considerando os severos riscos envolvidos na Era Antropoceno, alguns cientistas

elaboraram a métrica Limites do Planeta. O objetivo da proposta é responder: Quais são as

pré-condições planetárias não negociáveis que a humanidade precisa respeitar, a fim de

evitar o risco de mudanças ambientais prejudiciais ou mesmo catastróficas para

humanidade? (Rockström, 2009). Para responder essa questão, foi elaborado um modelo de

métricas para identificar os limites perigosos cuja ultrapassagem pode eliminar as condições

do planeta de suprir a civilização (Tabela 1).

A civilização, em 2009, já tinha ultrapassado três limites:

Mudanças Climáticas: a proposta é ter 350 ppm (partes de CO2 por milhão), mas em

2009, o planeta já apresentava 387 ppm, e em maio de 2012, esse índice chegou a 400

ppm. Nesse item há também a retenção da radiação solar, isto é, a diferença da radiação

recebida do Sol pelo planeta e aquela irradiada de volta ao espaço, o proposto é 1 e a

situação em 2009 era 1,5.

Perda de biodiversidade: a proposta é 10 espécies extintas por milhão de espécies por

ano, em 2009 o planeta apresentava um número superior a 100;

Ciclo do nitrogênio: a quantidade de N2 removida da atmosfera pela humanidade

deveria ser de 35 milhões de toneladas por ano, em 2009, já havia a perda de 121 milhões.

.

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Tabela 1 – Limites Planetários

Processo Planetário Variável Métrica

Proposta

Mudanças Climáticas (i) Concentração de dióxido de carbono

atmosférico (ppm)

(ii) Mudanças na retenção de radiação solar

(watts por m²)

350

1

Taxa de perda da

biodiversidade

taxa de extinção (número de espécies extintas

por milhão de espécies por ano)

10

Ciclo do nitrogênio

(parte de um limite

com o ciclo do

fósforo)

Quantidade de N2 removido da atmosfera para

uso humano (milhões de toneladas por ano)

35

Ciclo do Fósforo

(parte de um limite

com o ciclo do

nitrogênio)

Quantidade de P fluindo para os oceanos

(milhões de toneladas por ano)

11

Esgotamento do

ozônio estratosférico

Concentração de ozônio (unidade Dobson) 276

Acidificação dos

oceanos

Saturação média global de aragonita em águas

superficiais

2,75

Uso global da

Água doce

Consumo de água doce por seres humanos

(km3 por ano)

4.000

Mudanças no uso

do solo

Percentagem do território global convertido em

terras agrícolas

15

Carga atmosférica de

aerossóis

Concentração total de material particulado na

atmosfera, em bases regionais

A definir

Poluição química Por exemplo, a quantidade emitida ou a

concentração, no ambiente global, de poluentes

orgânicos persistentes, plásticos, disruptores

endócrinos, metais pesados e lixo nuclear – ou

seus efeitos no funcionamento dos

ecossistemas e do Sistema terra

A definir

Fonte: ROCKSTRÖM, 2009

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As demais fronteiras estavam dentro do limite proposto. A figura 3 ilustra a tabela, as

sinalizações “vermelha” e “amarela” auxiliam a análise da situação e riscos dos índices. As

fronteiras marcadas em vermelho indicam que os limites foram ultrapassados e as em

amarelo indicam perigosa aproximação do limite.

Figura 3 – Limites Planetários

ROCKSTRÖM, 2009

A perda da diversidade é relevante, pois ela compromete a capacidade biótica de

sustentar seu funcionamento sob novas condições ambientais (FOLKE, 2013, p. 24).

A complexidade das fronteiras está na interpendência entre elas. A ultrapassagem de

um limite altera as condições e limites das outras fronteiras, e esta dinâmica obriga novos

cálculos sobre os limites das fronteiras (Folke, 2013, p. 26). Mas essa complexidade deve

ser aprofundada, não somente nos cálculos das fronteiras planetárias, mas também nas

análises de impacto socioambiental.

A fronteira que desperta grande preocupação é a das Mudanças Climáticas. O ciclo de

mudanças climáticas descontroladas (runaway climate change) é uma das ameaças mais

inquietante (Löwy, 2009a, p. 7). Em sua obra Seis Graus, Lynas apresenta as

consequências socioambientais do crescimento da temperatura, grau a grau, na média atual

no clima mundial. Mesmo o incremento de apenas um grau, gera alterações radicais nas

condições socioambientais do planeta, por exemplo, um terço do planeta estará desprovido

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por completo de água doce, assim, não será mais habitável por seres humanos, além de

deixar os furacões mais ferozes (LYNAS, 2008, p. 37).

O risco envolvido nas mudanças climáticas é a perda da estabilidade vigente no

Holoceno, que é vital para a nossa agricultura, isto é, nossa capacidade de alimentar bilhões

de pessoas. As transformações socioambientais pelo incremento descontrolado das

mudanças climáticas podem levar à barbárie, temida por setores do movimento

socioambiental, pois as disputas por nascente de rios e terras férteis levarão a conflitos e

guerras.

Mas a crise socioambiental não está restrita ao esgotamento dos recursos naturais, a

civilização também tem sérios problemas, principalmente na divisão justa da riqueza

produzida. O Gráfico 2 indica que os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da riqueza

produzida por todos, em contrapartida dois terços da população mais pobre são obrigados a

se contentar com 20% da produção.

Gráfico 2 – Distribuição de renda

Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano (1992, p. 35 e 2005, p. 37), apud Lopes

(2010, p. 14).

A base desse gráfico é formada por 2,3 bilhões de pessoas, cuja renda é de até U$ 2

por dia, e destes, 1,3 bilhões sobrevivem com menos de 1,25 por dia. O que leva a

sociedade a ter 800 milhões de analfabetos e 850 milhões de famintos, e destes 180

milhões são crianças. O número de óbito infantil por fragilização do organismo é expressivo,

são de 10 a 11 milhões de crianças anualmente (DOWBOR, 2014a, p. 85).

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Em contrapartida, considerando que o total da riqueza produzida no mundo está em

torno de U$ 70 trilhões em 2014, e que a população mundial está em torno de 7 bilhões de

pessoas, pode-se concluir que há volume de riqueza o suficiente para proporcionar a renda

mensal de U$ 3 mil por família de 4 pessoas (Dowbor, 2014, p. 85). Mas a lógica do

capitalismo é concentradora de riqueza, não apresenta a abertura de negociação dessa

divisão igualitária e justa.

Além da divisão da riqueza, o uso dos recursos no consumo expõe sérios problemas

na alocação dessa riqueza. O estudo considerando indicadores de várias instituições

multilaterais (ONU, 1997; UNDP / UNFPA e UNICEF, 1994, Relatório Direitos Humanos

1998) indicam que são necessários investir 6 bilhões e 12 bilhões, respectivamente, para

proporcionar educação básica para todos os países em desenvolvimento e oferecer saúde

reprodutiva a todas as mulheres no mundo, mas esses recursos não são apurados para

esse fim. Por outro lado, valores bem mais expressivos são “alocados” para fins, no mínimo

questionáveis, como por exemplo: cosméticos nos EUA (U$ 8 bilhões); perfumes na Europa

e nos EUA (U$ 12 bilhões); sorvetes na Europa (U$ 11 bilhões); entretenimento corporativo

no Japão (U$ 35 bilhões); cigarros na Europa (U$ 50 bilhões); bebidas alcoólicas na Europa

(U$ 105 bilhões); drogas no mundo (U$ 400 bilhões) e gastos militares no mundo (U$ 670

bilhões) (LOPES, 2010, p. 17).

A conclusão possível na análise sobre o impacto das atividades humanas sobre a

Natureza, retratado no relatório divulgado pela New Scientist (Gráfico 1), e a concentração

de renda, ilustrada pelo Gráfico 2, é que “estamos destruindo o planeta, para o proveito de

um terço da população mundial” (LOPES, 2010, p. 15).

O último relatório da OXFAM confirma o parecer de Lopes e Dowbor. OXFAM, a partir

de dados da Credit Suisse, indica que 1% da população mais rica detém 48% de toda a

riqueza produzida, enquanto os demais 52% da riqueza estão dispersos nos demais 99% da

população, e 85 bilionários têm a mesma riqueza que a metade inferior da população do

mundo (OXFAM, 2015). A perspectiva é de agravamento da diferença, pois a curva de

acumulação projeta que em 2016, 1% da população terá a mesma quantidade dos demais

99% (50% para cada) e a partir deste momento, a parcela mais rica acumulará cada vez

mais riqueza acumulada (OXFAM, 2015).

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A concentração de riqueza apontada pelos estudos da OXFAM confirma os resultados

estatísticos da ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica). ETH partiu de uma

amostra de 43.060 corporações contida no banco de dados Orbis 2007, com 30 milhões de

empresas. A pesquisa estudou como está estruturada a relação entre as empresas: o peso

econômico de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos financeiros, e em quais

empresas têm participações que permitem controle indireto (Dowbor, 2012a). O objetivo foi

analisar o inter-relacionamento de controle mútuo das empresas, isto é, uma empresa pode

ser controladora e controlada por outra, ou por uma rede de outras, e esse controle é

estruturado por mutua participação de ações, mutual cross-shareholdings. O resultado é que

o poder está altamente concentrado, pois apenas 737 das principais empresas (top-holders)

detêm 80% do controle de todas as empresas transnacionais (ETN) e destes, 147

transnacionais formam o núcleo de poder da rede, isto é, controlam a si mesmas e destes

75% são intermediários financeiros (Vitali, 2001). Para Dowbor (2012a), “O estudo do ETH

abriu uma janela importante para a abordagem científica do poder global das corporações,

com implicações óbvias para as ciências econômicas, políticas, sociais, de relações

internacionais e outras”.

O controle desse sistema impessoal e concentrador de riqueza tem sua força vital no

produtivismo e consumismo.

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1.2 Trem sem freio: Capitalismo como devorador

A percepção que o consumo é o causador do esgotamento dos recursos naturais não

está correta. Alguns setores ambientalistas apontam que a atual crise ambiental é gerada

pelo consumo excessivo da população, porém essa percepção deve ser questionada, pois o

tipo de consumo da atual civilização capitalista, com sua ostentação, desperdício e

obsessão acumuladora é a verdadeira fonte da crise ambiental (Löwy, 2005a, p.52; Löwy,

2011, p. 38-37). Além disso, a desigualdade social deve ser considerada no debate sobre o

esgotamento da Natureza, pois o consumo nos países avançados é, além de muito maior,

ostentatório. Assim, não é adequado dar o mesmo tratamento à população que consome

feijão e milho, em algumas vezes de forma insuficiente, e àqueles que acumulam iates

(LÖWY, 2012a, p.13).

O consumismo descontrolado gerado nesse ciclo supera a capacidade de o planeta

repor reservas naturais, o fluxo infinito de consumismo capitalista não respeita a finitude do

planeta. O esgotamento do planeta em manter o atual padrão de consumo pode ser

demonstrado no relatório Pegada Ecológica da WWF (2012b), que indica a superação de

50% da capacidade de reposição do planeta.

O método pegada ecológica ou ecological footprint method foi desenvolvido por

Wackernagel e Reed (1996). Os autores apontavam sérios problemas estruturais no modelo

de sociedade e seu consumo, para eles se toda civilização consumisse no mesmo padrão

norte-americano, seria necessário mais dois planetas (Wackernagel, 1996, p. 15). A Tabela

2 - Comparação de consumo por pessoa Canadá x EUA x Índia e Mundo apresenta

números da desigualdade no uso dos recursos naturais, o que permite deduzir que o baixa

consumo dos países não ricos compensam o superconsumo dos países ricos. A tabela

demonstra que o padrão de consumo dos países desenvolvidos, representado pelo Canadá

e do EUA, está sustentado pela carência de consumo dos países pobres ou em

desenvolvimento. Essa lógica deve ser transformada, afinal vale o questionamento: por que

razão não teriam todos os chineses e todos os indianos direito a uma vida confortável?

(DOWBOR, 2008, p.13).

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Tabela 2 – Comparação de consumo por pessoa Canadá x EUA x Índia e Mundo

Consumo por pessoa (1991) Canada USA Índia Mundo

Emissão de CO2 (toneladas/ano) 15.2 19.5 0.81 4.2

Renda (US$) 19,320 22,130 1,150 3,800

Veículos (por 100 pessoas) 46 57 0.2 10

Consumo de Papel (kg/ano) 247 317 2 44

Consumo Energia Fóssil (Gigajoules/ano) 250 (234) 287 5 56

Consumo Água (m3 / ano) 1,688 1,868 612 644

Pegada Ecológica (ha. M3/ano) 4.3 5.1 0.4 1.8

Fonte: Wackernagel, 1996, p. 85

O capitalismo tem duas armas para manter o consumismo sempre muito ativo:

propaganda e a obsolescência programada.

A obsolescência programada ou planejada foi incorporada pela indústria como forma

de vender mais pelo incremento de consumo por substituição do bem já possuído por outro

mais moderno ou em melhores condições. O planejamento da produção prevê um prazo de

vida útil do bem que antecipa sua obsolescência. A redução da durabilidade do produto é

“parte produtivista e consumista, e também precisa ser modificado” (Löwy, 2012a, p. 13). O

termo obsolescência planejada foi atribuído ao desenhista industrial, Brooks Stevens, com

sua definição: “instigar no comprador o desejo de possuir algo um pouco mais novo, um

pouco melhor e um pouco mais rápido que o necessário” (LEONARD, 2011, p. 174).

Löwy (2012a, p. 13) exemplifica a obsolescência planejada com a geladeira que há

quarenta anos durava quarenta anos, mas atualmente tem sua durabilidade reduzida para

três anos para aumentar artificialmente a necessidade de comprar outro produto para

substituí-lo. A obsolescência não tem outro objetivo senão gerar mais lucro para as grandes

empresas com o consumismo criado artificialmente (LÖWY, 2011, p. 69).

Oliveira (2013) apresentou a lâmpada como exemplo dessa prática produtiva: “Nos

anos 1920, uma simples lâmpada durava mais de 2500 horas. Percebendo, nesse caso, que

as vendas seriam bem menores dada a elevada durabilidade do produto, os fabricantes

rapidamente trataram de dar uma vida útil bem baixa a esse produto” e assim, reduziu sua

vida útil para menos de 1.000 horas.

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A obsolescência é uma estratégia mundial, esse modelo de planejamento de processo

produtivo está presente em todos os países. O documentário Comprar, tirar, comprar

apresenta experiências e reflexões na Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos e Gana

com esse tema. Para Oliveira (2013), “a prática da obsolescência programada (proposital

curta vida útil) se configura numa maquiavélica estratégia de mercado” cujo objetivo único é

forçar que o consumidor não tenha alternativa diferente de efetuar nova compra.

Essa estratégia foi incorporada de forma mais intensa com a crise de 1929. Já em

1928, o lema do capitalismo era “Aquilo que não se desgasta não é bom para os negócios” e

em 1932, o corretor de imóveis, Bernard London propôs que a obsolescência planejada

fosse obrigatória, no seu panfleto Acabando com a Depressão através da obsolescência

planejada (Leonard, 2011, p. 175), isto é, os produtos deveriam ter uma data de expiração,

pois assim, as fábricas manteriam o nível de produção com o consumo contínuo do mercado

e, por consequência, o trabalhador manteria o nível de emprego, e o capital teria seu ciclo

de lucro garantido (Padilha, 2013). A obsolescência planejada avançou com a substituição

da ideia cultural do suficiente pela abundância contida no american way of life (PADILHA,

2013).

Há produtos com a obsolescência planejada com ciclo único de consumo, conhecido

como bens descartáveis ou produtos de obsolescência instantânea. As fraudas e os

absorventes higiênicos foram os primeiros, mas posteriormente surgiram outros produtos

como lâminas de barbear, pratos e talheres, câmaras, esfregões, entre diversos produtos

produzidos para serem utilizados apenas uma vez (LEONARD, 2011, p. 175).

A geladeira e a lâmpada não são os únicos produtos que sofrem a obsolescência

programada, a pesquisa desenvolvida pelo IDEC e Market Analysis demonstra que esse

universo é bem maior. A pesquisa ocorreu com consumidores de nove capitais brasileiras

(São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Brasília

e Goiânia) envolvendo 806 casos. Os produtos foram agrupados em quatro grupos: digitais

(computador, notebook, laptop ou tablete, câmera fotográfica e impressora);

eletroeletrônicos (TV e DVD); Eletrodomésticos (geladeira, micro-ondas, lavadora de roupas

e fogão) e celular ou smartphone (IDEC, 2013, p. 64).

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Os produtos pesquisados e o tempo de uso da última unidade descartada (em anos)

foram (IDEC, 2013, p. 29):

Celular ou Smartphone 3,0

Câmara fotográfica: 3,8

Impressora: 4,0

Computador: 4,0

DVD ou Blue Ray: 4,1

Televisão: 7,6

Micro-ondas: 5,2

Lavador de roupas: 7,4

Fogão: 8,3

Geladeira ou freezer: 9,5

Apesar da vida útil reduzida do bem, o consumidor tem uma percepção positiva da

durabilidade de seus bens. A pergunta sobre satisfação da durabilidade para

eletrodoméstico apontou 62% como totalmente satisfeito, 28% como parcialmente satisfeito

e 3% como totalmente insatisfeito; os eletroeletrônicos e digitais apresentaram índices

semelhantes, apenas o celular apresenta números de satisfação menores: 56% como

totalmente satisfeito e 34% como parcialmente satisfeito e menos de 4% como totalmente

insatisfeito (IDEC, 2013, p. 13). A conclusão apontada na pesquisa é que o “consumidor

brasileiro está muito satisfeito com o desempenho e a durabilidade dos equipamentos que

possui” (IDEC, 2013, p. 59) ao mesmo tempo, considera a durabilidade uma característica

importante do bem (IDEC, 2013, p. 59).

A pesquisa também apontou que, quando o bem apresenta defeito que impede ou

atrapalha, o consumidor compra outro e não o conserta. O mapa dos motivos da opção de

nova compra em relação ao conserto é muito interessante, pois revela que os produtos

foram produzidos para não serem consertados e sim descartados após o prazo definido. Os

principais motivos para que o consumidor não fizesse o conserto do bem após a avaliação

da assistência técnica foram (IDEC, 2013, p. 39): conserto muito caro, demora do conserto,

falta de peça e o resultado não era garantido.

A perda da funcionalidade, ou obsolescência funcional, não é a única motivação da

compra de outra unidade do bem, a outra motivação está relacionada ao emocional e não

ao funcional, isto é, “a obsolescência psicológica, percebida ou simbólica, a qual é

caracterizada pelo desejo de se ter um equipamento mais atual, independentemente de já

possuir um equipamento com a mesma função” (IDEC, 2013, p. 60). Nesse caso, o gosto e

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a moda assumem o controle. A cor e o cumprimento da roupa, a largura da gravata, nova

versão do celular, o armário de cozinha da época formam a obsolescência percebida em

ação (LEONARD, 2011, p.176).

A interpretação de Echegaray (2014), diretor geral da Market Analysis para as

informações da pesquisa é que “existe uma assimilação conformada do consumidor frente

às estratégias da indústria e da propaganda, já que ele percebe “em abstrato” que os

aparelhos deveriam durar mais, mas está satisfeito com a durabilidade e desempenho de

seu aparelho”.

É possível outra forma de produzir, a perenidade do bem e sua utilidade podem e

devem ser priorizados, para reduzir o impacto do descarte de grande quantidade de resíduo

e eliminação da ilusão da felicidade pelo consumo da nova versão do mesmo produto que já

atende as reais necessidades. A lâmpada, um dos símbolos da obsolescência planejada,

pode também ser o símbolo da resistência: foi criada, pelo engenheiro espanhol Benito

Muros, uma lâmpada que tem a capacidade de ficar ligada de forma ininterrupta pelo preço

de 37 euros. Para seu desenvolvimento, Muros visitou o parque de bombeiros de Livermore

na Califórnia para conhecer a lâmpada que permanece acessa há mais de 111 anos, o

conhecimento sobre essa lâmpada só ocorreu com entrevista aos descendentes dos

criadores, pois não há documentação de seu projeto (Castellano, 2012). Certamente não

será a popularização da lâmpada de Muros que vencerá o consumismo, mas sua lâmpada

demonstra que a produção pode gerar bens perenes.

Os gráficos das figuras 1 e 2 apresentados no item “Caminhos da Nova Barbárie”

ilustra algumas consequências da política de consumo impostas pela obsolescência

planejada ao volume de consumo e sua pressão no meio ambiente.

A obsolescência planejada tem uma relação vital com a propaganda, pois a primeira

depende da ilusão de felicidade propagada pela segunda, e esta precisa da carência

artificial produzida pela primeira como fator de oportunidade de novas vendas.

A ruptura da crise socioambiental requer a superação da tirania do capital. O capital

impõe sua lógica com forte investimento em propaganda e marketing: em torno de US$ 1

trilhão por ano em publicidade junto aos meios de comunicação (Dowbor, 2013b, p. 66).

Esse volume financeiro garante a cumplicidade dos meios de comunicação e a ilusão que a

felicidade está na compra da nova versão do produto, como o consumo não traduz em

felicidade, a eterna frustração tranca a sociedade na prisão do ciclo consumo-frustação-mais

consumo e, consequentemente, a manutenção do poder financeiro e político da classe

detentora do capital.

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A publicidade tem exercido o poder de influência sobre as necessidades de consumir

através da manipulação mental. O modelo de sociedade imposto pela publicidade invadiu

grande parte do cotidiano da sociedade como alimento, roupas, cultura, politica, religião

(Löwy, 2009b, p. 46-47). A publicidade impõe sua vontade com a apropriação das ruas,

jornais, mídias e da atenção da sociedade. Para Löwy (2012b, p. 151), “se trata de criar um

novo modo de consumo e um novo modo de vida, baseado na satisfação das verdadeiras

falsas necessidades produzidas artificialmente pela publicidade capitalista”.

Certamente, a sociedade deve puxar o freio desse trem, que avança velozmente e

exige fontes ilimitadas, porém inserido em um planeta finito. O final desta estrada é o

abismo, resta aos passageiros a responsabilidade de pará-lo antes do colapso.

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1.3 Soluções da Desgovernança global

Os representantes governamentais passaram a se reunir periodicamente, buscando

responder a crescente pressão dos movimentos sociais e ambientais sobre os riscos

relacionados ao desequilíbrio ecológico causado pelas alterações das condições do planeta

pelas atividades humanas.

O primeiro passo encontrado foi definir a sociedade ideal, cujo desenvolvimento seja

sustentável, e os mecanismos para alcançá-la. Lester Brow definiu essa expressão no inicio

dos anos 80 como “sociedade que é capaz de satisfazer suas necessidades sem

comprometer as chances da sobrevivência das gerações futuras” (Milanez, 2003, p. 77).

Posteriormente a CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da

ONU) definiu desenvolvimento sustentável (DS) como sendo “aquele que atende às

necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras

atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 1988, p. 46).

A definição da CMMAD não é unânime e nem é a última definição aplicada. Para Sachs,

o desenvolvimento sustentável deve obedecer ao duplo imperativo ético da solidariedade:

com as gerações presentes e futuras, e com a explicitação de critérios de sustentabilidade

social e ambiental e de viabilidade econômica. Assim, o desenvolvimento para ser

sustentável deve considerar os três elementos, isto é, promover o crescimento econômico

com impactos positivos em termos sociais e ambientais (SACHS, 2004, p. 36).

O próprio Sachs (2004, p. 15-16) ampliou a definição de desenvolvimento sustentável

ao considerar a estrutura de cinco pilares sustentável:

Social: “fundamental por motivos tanto intrínsecos, quanto instrumentais, por causa da

perspectiva de disrupção social que paira de forma ameaçadora sobre muitos lugares

problemáticos do nosso planeta”;

Ambiental: “com as suas duas dimensões (os sistemas de sustentação da vida como

provedores de recursos e como “recipientes” para a disposição de resíduos)”;

Territorial: “relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das

atividades”;

Econômico: “sendo a viabilidade econômica a conditio sine qua non para que as coisas

aconteçam”;

Político: “a governança democrática é um valor fundador e um instrumento necessário

para fazer as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferença”.

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O debate mundial pela tomada de consciência sobre a necessidade de alcançar uma

solução global para a crise ambiental do planeta intensificou-se no final do século XX. No

entanto, alguns debates sobre questões ambientais aconteceram em encontros

governamentais desde século XIX, mas esses encontros abordaram apenas temas

específicos. Os primeiros encontros ocorreram em Paris, em 1883, para debater sobre a

proteção das focas do mar de Behring e em 1895, sobre a proteção dos pássaros úteis à

agricultura (Barbieri, 2011, p. 28). Em 1949, houve a Conferência da ONU sobre a

Conservação e Utilização de Recursos (UNSCCUR) na cidade de Nova Iorque, Estados

Unidos (BENINCÁ, 2010, p. 101).

A Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para

Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera, “Conferência da Biosfera”, ocorreu

na cidade de Paris em 1968. A poluição da água e do ar, responsáveis pela chuva ácida

foram os temas debatidos nessa conferência (Benincá, 2010, p. 103). Esse encontro foi

importante por seu caráter científico e por ter proporcionado um dos primeiros diagnóstico e

prognóstico pessimistas para o planeta Terra (DUARTE, 2003, p. 13).

A primeira conferência organizada pela ONU foi a Conferência Mundial do Meio

Ambiente Humano em Estocolmo em 1972, que teve como objetivo tratar os seguintes

temas: poluição atmosférica, da água e do solo provocadas pela crescente industrialização

dos “países até então fora do circuito de economia internacional” (RIBEIRO, 2010, p. 74).

O Encontro foi marcado por conflito entre os países ricos e os países não

desenvolvidos. O conflito de posicionamento entre as nações pode ser assim resumido: os

países em desenvolvimento defenderam o direito do uso de suas riquezas naturais no seu

processo de crescimento e, por outro lado, os países ricos expressaram a preocupação com

o esgotamento de recursos estratégicos e poluição.

A postura brasileira foi bastante agressiva no sentido de encarar as propostas

ambientais conservadoras dos países desenvolvidos como políticas econômicas com

propósito de criar barreiras à industrialização dos países em desenvolvimento. O debate foi

tão radical que um diplomata brasileiro chegou a convidar “que todas as indústrias poluentes

vão para o Brasil, temos espaço suficiente para isso, e no dia em que formos tão ricos como

o Japão, nos preocuparemos com o meio ambiente” (SACHS, 2009b, p. 231).

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Essa posição radical repercutiu entre os países em desenvolvimento, principalmente a

Índia e a China, que já apresentavam alto índice de crescimento econômico. Nesse sentido

o discurso da primeira ministra indiana Indira Gandhi ficou marcado por denunciar a pior das

poluições: a pobreza. O mantra “poluição da pobreza” foi repetido diversas vezes nos

debates do encontro.

Apesar das diferenças entre as nações, o encontro conseguiu concluir o documento

Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, composto de 26 princípios. Mas não

conseguiu eliminar a preocupação dúbia em relação ao planejamento ambiental: deve ter o

foco no crescimento atual e futuro dos países em desenvolvimento (Princípio 11); mas ao

mesmo tempo os recursos devem ser destinados para a preservação e melhoramento do

meio ambiente (Princípio 12) (UNEP, 1972).

A forma da organização do Encontro de Estocolmo foi inovadora. Havia a assembléia

dos representantes dos Estados no parlamento sueco, conferências públicas com

convidados do secretariado coordenadas por Maurice Strong e reuniões off Broadway

organizadas pela sociedade civil. A cidade Estocolmo se transformou em um grande palco

de debates e reflexões (Sachs, 2009b, p. 232). A principal resolução da Conferência foi a

criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) com sede em

Nairóbi, capital do Quênia, com o objetivo de centralizar as ações da ONU em relação às

questões ambientais.

Outra herança foi a apresentação da proposta ecodesenvolvimento por Strong no

encontro. A virtude simbólica desse conceito estava na associação indissolúvel do

desenvolvimento e o meio ambiente. Posteriormente a palavra ecodesenvolvimento foi

substituída por desenvolvimento sustentável (Sachs, 2009b, p. 232).

Apesar da falta de harmonia entre os países sobre o papel do Estado no controle da

poluição, a Conferência Estocolmo 1972 foi positiva por despertar nas nações e empresas a

consciência da necessidade de gestão ambiental em todos os níveis. Os governos iniciaram

uma nova etapa na política ambiental com a estruturação de ministérios, órgãos federais,

leis e normas para controle e ambientais. Em paralelo, as empresas começaram a avaliar

que o investimento em soluções ambientalmente responsáveis poderia ser fonte de lucros e

não somente custo adicional. Nessas condições a Conferência Rio 1992 encontrou situação

mais fértil para debater soluções sustentáveis mundiais (SACHS, 2009b, p.253).

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A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

(CNUMAD), Cúpula da Terra, ocorreu em junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, com o

objetivo de estabelecer acordos internacionais “que mediassem as ações antrópicas no

ambiente” (RIBEIRO, 2010, p. 108).

Houve um amplo leque de temas debatidos nessa Conferência: proteção do solo, por

meio do combate ao desmatamento, desertificação e seca; proteção da atmosfera por meio

do combate às mudanças climáticas, ao rompimento da camada de ozônio e a poluição

transfronteiriça; proteção das áreas oceânicas e marítimas; conservação da diversidade

biológica; controle da biotecnologia; controle de dejetos químicos e tóxicos; erradicação de

agentes patogênicos e proteção das condições de saúde (DUARTE, 2003, p. 40).

A Cúpula da Terra foi um marco positivo, pois foram pactuados diversos

compromissos visando uma sociedade mais sustentável. O documento mais importante

firmado no encontro foi a Agenda 21, um extenso programa de ação com 40 capítulos que

consolida e estrutura as resoluções da Conferência, com o objetivo de facilitar sua

implementação nos diversos níveis. As diversas recomendações nela contidas devem ser

ainda subsídios para o seu detalhamento por Agendas 21 locais. Além da Agenda 21, foram

aprovados os documentos Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e o

Desenvolvimento e Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção da

Biodiversidade.

O otimismo deixado pela Cúpula Rio 92 foi aos poucos eliminado pela hegemonia das

políticas neoliberais do Consenso de Washington, que buscam o lucro a qualquer custo.

Esse momento histórico proporcionou o frustrante encontro de Johannesburgo em 2002.

A Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio +10, foi

realizada em Johannesburgo, África do Sul em 2002, para avaliar os progressos alcançados

pelos compromissos pactuados na Cúpula da Terra 1992. O tema da Cúpula 2002 foi

desenvolvimento sustentável e os principais objetivos foram a erradicação da pobreza, a

mudança nos padrões insustentáveis de produção e consumo e proteção dos recursos

naturais. Os documentos Declaração Política e Plano de Implementação foram produzidos

nessa Cúpula. Apesar dos significativos avanços da ciência no conhecimento sobre o

funcionamento dos ecossistemas e do planeta como um todo, a influência do momento

histórico crítico com grande avanço das políticas neoliberais, as nações não avançaram nos

compromissos pactuados na Cúpula da Terra. A frustração foi tão grande que o encontro

ficou marcado como “Rio – 10” (SACHS, 2009b, p. 254).

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A conferência mais recente foi a Conferência das Nações Unidas sobre

Desenvolvimento Sustentável-2012, Rio+20, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro em

junho de 2012, com o tema: “uma economia verde no contexto do desenvolvimento

sustentável e a erradicação da pobreza” e “o quadro institucional para o desenvolvimento

sustentável” (PNUMA, 2011).

O debate do tema economia verde e a erradicação da pobreza foi antecipado pelo

relatório "Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a

erradicação da pobreza", divulgado em fevereiro de 2011 pelo Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente (PNUMA, 2011) em Nairóbi, no Quênia, durante o Fórum Global de

Ministros do Meio Ambiente. A conclusão do relatório é que seria necessário o investimento

de apenas 2% do PIB mundial, em torno de cerca de US$ 1,3 trilhões, para mundialização

da economia verde. Esse recurso seria aplicado na melhoria do bem-estar das populações,

diminuição das desigualdades sociais e redução dos riscos de um colapso ambiental. Para

alcançar esse objetivo, o investimento focaria na transformação para economia verde de dez

setores-chaves: agricultura, edificações, energia, pesca, silvicultura, indústria, turismo,

transporte, água e gestão de resíduos. O montante previsto no relatório seria investido entre

os anos 2011 e 2050 (PNUMA, 2011).

Além dos Congressos, o outro formato de reuniões mundiais encontrado pelas Nações

Unidas é a Conferência das Partes (COP). A COP de maior impacto foi a COP3 realizada

em Quioto em 1997, pois nesse encontro as nações aprovaram o Protocolo de Quioto.

Segundo esse compromisso, os países contidos no Anexo 1 da Convenção sobre Mudança

do Clima devem reduzir as emissões antrópicas de gases de efeito estufa em pelo menos

5% abaixo de dos níveis de 1990 no período entre 2008 e 2012. Essa redução poderia ser

individual ou em conjunto (Barbieri, 2011, p. 36). A grande contribuição para a Gestão

Ambiental Global do Tratado de Quito é a criação dos três mecanismos previstos no método

do Tratado: Implementação Conjunta, Comércio de Emissões e Mecanismos de

Desenvolvimento Limpo. Sua implantação foi prejudicada pela falta de assinatura dos

representantes dos principais países poluidores, entre eles os Estados Unidos. A reação da

sociedade americana, influenciada pelo uso dos meios de comunicação pelas indústrias, foi

negativa pelo temor de que haveria desemprego generalizado. Assim, o congresso

estadunidense rejeitou a assinatura do Tratado (DUARTE, 2003, p. 49).

Pouco se avançou nesses encontros, os principais países continuam com o discurso

que a solução deve ser iniciada pelos outros. Por exemplo: a Conferência de Copenhague

em 2009 apresentou o impasse entre Estados Unidos e China, pois os EUA assumiu que é

um dos maiores responsáveis pelas emissões de gases poluentes, mas afirmou que a China

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tem o mesmo volume de poluição e “se esse país não fizer nada, não serão eles que

tomarão a iniciativa” e em contrapartida, a China respondeu que os Estados Unidos estão

emitindo gases há mais tempo e têm a responsabilidade histórica de investir na redução de

suas emissões e, por isso, somente após essa ação, a China poderá discutir o assunto.

Mais uma vez, cada país empurrou para o outro a responsabilidade das mudanças (LÖWY,

2012a, p.10).

A sequência de debates e encontros mundiais para buscar caminhos e soluções para

a crise ambiental não apresentaram soluções consistentes para a crise socioambiental. Mas,

mesmo sem melhorias nas condições de vida, os governos e empresários insistem no atual

modelo. A proposta da economia verde como ponto para chegar ao desenvolvimento

sustentável é a aposta do inicio do século XXI da classe dominante para melhorar o atual

modo de produção sem alterar suas condições essenciais.

O impasse pode ser resumido pelo conflito de dois interesses: o primeiro grupo

formado pelos países desenvolvidos que procuram chutar a escada na qual construíram seu

crescimento econômico; e o segundo, formado pelos demais países que buscam seu

desenvolvimento. Mas essa é uma interpretação, há outras conforme a estrutura teórica e

ideológica que as fundamentam.

Há também diversas formas de entendimento e intervenção ambiental nesse debate.

No próximo capítulo, serão apresentadas algumas das principais correntes de pensamento

ecológico, como se aproximam e como se antagonizam.

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CAPÍTULO 2 – Correntes Ecológicas

2.1 Correntes Ecológicas: Propostas e Divergências

A concepção utópica dos movimentos ambientalistas não é unanimidade,

principalmente na área de ecologia política. Há diversas formas de conceituar os

movimentos ecológicos e diversos critérios para classificá-los, e, mesmo dentro da mesma

classificação, há diferentes correntes de pensamento. A presente pesquisa adota a

classificação proposta pelo professor Viola (1987b, p. 45): “sintetizando as correntes

existentes no movimento ecológico e na teoria política ecologista, podemos diferenciar

quatro posições: ecologistas fundamentalistas, ecologistas realistas, ecossocialistas e

ecocapitalistas”. Mas há a necessidade de completar esse modelo de classificação de Viola

com a contribuição de Joan Martínez Alier, o movimento Decrescimento e a corrente Buen

Vivir.

Os ecologistas fundamentalistas, ou deep ecology, expressam sua herança anarquista

através de uma projeção histórica pessimista: “futuro é inviável (não há Terra nem Paraíso),

resta apenas esperar o fim vivendo de modo coerente com os princípios” (Viola, 1987b, p.

45). A proposta da ecologia fundamentalista é a construção de uma sociedade ecológica

alternativa na margem da sociedade materialista, reforçada pela crença que não há

possibilidade de transformação social, pois a lógica predatória da civilização contemporânea

é irreversível (VIOLA, 1987a; VIOLA, 1987b, p. 45).

As bases conceituais dos ecologistas fundamentalistas são constituídas por duas

fontes: a primeira, baseada nas ideias de norueguês Arne Naess com sua ecologia profunda

de perfil anti-humanista e pan-naturalista, que propõe um retorno romântico à Natureza, à

igualdade quase total com os animais e plantas. A segunda fonte é o anarquismo libertário

de estadunidense Murray Bookchin com a proposta de uma ecologia social, baseada no

municipalismo ecológico-libertário (MÜNSTER, 2013, p. 140).

Os fundamentalistas se destacam no movimento ecológico pela preocupação com a

pureza do movimento, com a criação de uma economia alternativa periférica e são

fortemente relutantes a qualquer aproximação com outras forças sócio-políticas. Essa

resistência cerceia o diálogo com os demais setores da sociedade; esse comportamento

tende a provocar uma imagem de potencial messiânico-autoritário (VIOLA, 1987a).

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Em contrapartida, os ecologistas realistas apresentam críticas semelhantes ao modelo

insustentável de civilização, porém acreditam na possibilidade de transformação social com

a organização de um movimento ecologista rígido nos princípios e flexível na interação com

a sociedade. Os realistas não buscam alteração do modo de produção, a proposta é

ecologizar progressivamente o capitalismo e o socialismo. A opção transformadora dos

realistas é pela longa transição da atual civilização. (VIOLA, 1987a; VIOLA, 1987b, p. 46).

Os realistas debatem a plataforma ecológica, mas com distância do embate esquerda

x direita. Seu enfoque é formular um programa econômico de transição viável capaz de

ecologizar paulatinamente a sociedade desenvolvimentista com aproximação de setores

sensíveis a projetos verdes dos partidos socialdemocratas, socialistas e liberais (Viola,

1987a). A postura política dos realistas, presente nos partidos verdes, se destaca por se

considerar acima da direita e da esquerda, essa postura é confirmada pela afirmação de

Rabóczkay (2004, p. 14): “o Partido Verde não é nem da esquerda, nem da direita – é pra

frente”.

Os ecologistas realistas têm participação ativa na politica partidária. Essa corrente

está presente na direção dos Partidos Verdes (Viola, 1987b, p. 46). As primeiras

experiências partidárias ecológicas mundiais ocorreram na Tasmânia (Austrália) e Nova

Zelândia. A experiência da Tasmânia foi a United Tasmania Group, UTG, fundada em 23 de

março de 1972. Sua importância histórica é ter sido o primeiro partido político com

plataforma ambientalista a disputar uma eleição; sua criação foi o caminho encontrado pelo

movimento ambiental tasmaniano para confrontar os projetos hidroelétricos no lago Pedder,

que desapareceria com a implementação desses projetos. A principal força antagônica ao

UTG foi a aliança dos grandes partidos no Lake Pedder Action Committee, LPAC, que

defendiam uma nova política hidroelétrica (RABÓCZKAY, 2004, p. 18).

O partido UTG lançou doze candidatos na sua primeira eleição e obteve um índice

positivo, 7%, mas não conseguiu eleger representantes. Posteriormente, UTG conseguiu

disputar mais duas eleições, mas em 1977 foi dissolvido sem eleger nenhum representante.

Mesmo assim, deixou heranças positivas, como a apresentação de diversas propostas

políticas ecológicas e o despertar de novos cidadãos para a atuação na política partidária

em defesa de pautas ambientais (Rabóczkay, 2004, p. 18). As novas lideranças formadas

pela UTG, após sua dissolução, foram para outros partidos, principalmente o Green

Independent, criado em 1980 (RABÓCZKAY, 2004, p. 19).

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A segunda experiência partidária de plataforma ambiental foi o The Values Party,

Partido dos Valores, da Nova Zelândia. Esse partido foi fundado em 30 de maio de 1972

com propostas de crescimento econômico e demográfico zero para conter a poluição e a

pressão sobre os recursos naturais (Rabóczkay, 2004, p. 19). O formato inicial de sua

atuação política foi somente no nível comunitário, para fugir de estrutura convencional de

partido, mas essa estratégia quase levou o partido à extinção. Em 1975, o The Values Party

alterou a estrutura organizacional e sua proposta política foi ampliada para atender as

demandas de um projeto de política econômica consistente (Rabóczkay, 2004, p. 19-20).

Porém, essa ampliação acirrou o embate entre posições antagônicas na condução do

partido: a primeira posição defendia que o partido deveria se comportar como um

movimento visando apenas a promoção de um novo estilo de vida alternativa; a segunda,

composta por políticos mais experientes, acreditava que seria possível provocar mudanças

através de ações políticas convencionais e com a busca do poder (Rabóczkay, 2004, p. 20).

A crise aumentou na campanha das eleições de 1978, pois as principais propostas do

partido foram a nacionalização das terras e a obrigatoriedade de cooperativismo das

empresas privadas. Isso acarretou reação do setor interno que defendia que o partido

deveria ser apenas um movimento, além disso, esse setor acusou estar ocorrendo a tomada

marxista do partido. Com a baixa votação eleitoral, o partido alcançou apenas 2,8%, a crise

se agravou, e a consequência foi a dissolução do partido e migração de seus ativistas para

o novo partido, Green Party (RABÓCZKAY, 2004, p. 21).

A primeira experiência partidária ecológica europeia foi o People no Reino Unido. O

partido foi fundado em fevereiro de 1973, em uma reunião com a presença de

aproximadamente cinquenta pessoas. Em 1975, People mudou o nome para Ecology Party,

EP, mas o nome escolhido foi considerado estéril, porque a palavra ecologia tem conceito

demasiadamente científico e “não transmitia compaixão, esperança”, espelhando o

ambientalismo emocional dos verdes britânicos. Assim, em 1985, o partido definiu o nome

Green Party para representar o perfil de sua militância (Rabóczkay, 2004, p. 22). O processo

de criação foi delineando a presença de duas visões de partido: a primeira defendia que a

estrutura organizacional deveria ser descentralizada, com democracia de bases e liderança

coletiva; e, para a segunda, o partido deveria ter uma estrutura centralizada, com liderança

mais efetiva para poder enfrentar disputas eleitorais mais eficazmente (RABÓCZKAY, 2004,

p. 22).

O Partido Verde alemão (Dia Grünnen) é o partido com plataforma ecológica mais

importante no cenário político mundial. Foi fundando em janeiro de 1980 no congresso de

formação, com a presença de 1.004 delegados, na cidade de Karlsruhe. A participação de

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militantes foi expressiva, principalmente se considerar que cada um representava mais dez

membros do seu lugar de origem (Rabóczkay, 2004, p. 27). Em outubro de 1980, o partido

participou da sua primeira eleição, obtendo apenas 1,5% dos votos, mas mesmo com esse

baixo índice elegeu representantes em diversas cidades (Rabóczkay, 2004, p. 28). Sua

história, com seus conflitos internos, avanços e crises, levou o Partido Verde alemão a se

tornar a terceira força política alemã e a ser convidado a participar do governo Social

Democrata (RABÓCZKAY, 2004, p. 45).

Há também a posição ecocapitalista, a qual assume que o mercado tem a função de

alocar os recursos, porém com a presença do Estado como “guardião ecológico da

sociedade, sendo compatível com o predomínio da grande propriedade oligopólica” (Viola,

1987a; Viola, 1987b, p. 46). Nessa ótica, o “Estado de Bem-Estar Social deverá se

transformar no Estado de Bem-Estar Sócio-Ecológico” (Viola, 1987a; Viola, 1987b, p. 46).

Outra característica desse modelo é o otimismo em relação ao futuro e a crença nas

instituições internacionais de proteção ambiental como o PNUMA, ONU e na

“tecnoburocracia estatal” (Viola, 1987b, p. 46 - 48). Os pensamentos predominantes dessa

corrente são o liberalismo e a socialdemocracia (VIOLA, 1987b, p. 47).

Os ecocapitalistas repousam no Desenvolvimento Sustentável (debatido no item 1.3–

Soluções da Desgovernança global do capítulo 1–Crise Socioambiental: Riscos Assumidos)

e na tecnologia os ajustes necessários para acertar as arestas ambientais e, ao mesmo

tempo, melhorar a rentabilidade das empresas. A preocupação ecocapitalista está inserida

na dinâmica do processo produtivo, pois ele gera dois resultados, o produto desejado e o

resíduo, material para descarte e esse material é a poluição. Para minimizar essa poluição,

os ecocapitalistas apostam na associação de tecnologias, Produção Mais Limpa (P+L), 4Rs

e a Ecoeficiência.

A Produção Mais Limpa foi desenvolvida pelo PNUMA e pela Organização das Nações

Unidas para o Desenvolvimento Industrial. A proposta da P+L é produzir com menos

poluição ao meio ambiente, menos resíduos e menos recursos naturais (Barbieri, 2011, p.

124); sua base é gerir produtos e processos de acordo com a seguinte sequência:

“prevenção, redução, reuso e reciclagem, tratamento com recuperação de materiais e

energia, tratamento e disposição final” (BARBIERI, 2011, p. 126).

Umas das principais ferramentas do Desenvolvimento Sustentável é 4Rs, cuja

finalidade é prevenir a poluição e reduzir a pressão sobre os recursos. O foco dessa

ferramenta, coerente com o pensamento ecocapitalista, é reduzir a poluição com o aumento

da rentabilidade do Capital e a produtividade da organização: “a prevenção da poluição

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aumenta a produtividade da empresa, pois a redução de poluentes na fonte significa

recursos poupados, o que permite produzir mais bens e serviços com menos insumos”

(Barbieri, 2011, p. 110). A motivação ecocapitalista para adotar os Rs é a redução dos

custos, melhoria da produtividade e, consequentemente, aumento dos lucros (Barbieri,

2011, p. 110). Os 4Rs são: reduzir, reusar, reciclar e recuperar energia.

Reduzir é a opção prioritária, tem duas frentes: reduzir o consumo de insumos e o

resíduo gerado no fim da produção. Para implementar essa opção, o processo produtivo

deve ser continuamente estruturado para produzir o máximo com o mínimo de matéria prima

(Barbieri, 2011, p. 110). Reusar é, entre outras ações, reaproveitar o resíduo como matéria

prima da produção com reaproveitamento do resíduo de matéria prima, energia pelo calor

dissipado e aumentar a vida útil de embalagens (Barbieri, 2011, p. 111). A Reciclagem é a

utilização dos resíduos de um ciclo produtivo por outro, esse processo envolve nova

transformação do resíduo (Barbieri, 2011, p. 110). Por último, Recuperar energia é utilizar o

material sem possibilidade de reaproveitamento como fonte energética (Barbieri, 2011, p.

112). Os inevitáveis resíduos da produção são captados, tratados e dispostos com o uso de

técnicas de controle end-of-pipe, para reduzir o impacto da poluição no meio ambiente

(BARBIERI, 2011, p. 110).

A outra tecnologia é a Ecoeficiência, modelo promovido pela OCDE e Business

Council for Sustainable Development, WBCSD. Sua proposta é produzir com preços

competitivos e reduzir progressivamente o impacto ecológico, respeitando a capacidade do

planeta. Nesse caso, a produção deve minimizar a intensidade de energia, dispersão de

material tóxico e, ao mesmo tempo, aumentar o uso sustentável dos recursos renováveis e a

intensidade dos serviços nos seus produtos (Barbieri, 2011, p. 129). A ecoeficiência está

baseada na proposta de que “a redução de materiais e energia por unidade de produto ou

serviço aumenta a competitividade da empresa, ao mesmo tempo em que reduz as

pressões sobre o meio ambiente” (BARBIERI, 2011, p. 129).

Delfim Netto, em entrevista a Ricardo Arnt sobre sustentabilidade, ilustra o

pensamento ecocapitalista. Para esse economista, o capitalismo é uma evolução, fruto de

um processo de seleção biológica (Delfim Netto, 2010, p. 15). Ele tem no mercado o seu

instrumento de alocação de recursos, assim, o Estado não pode assumir a função

produtora, deve sim, dar suporte jurídico para o seu bom funcionamento (DELFIM NETTO,

2010, p. 15).

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Para Delfim Netto, o capitalismo tem imperfeições, mas é a melhor opção. Esse modo

de produção apresenta como produto muita desigualdade, pois não há como compatibilizar

liberdade, igualdade e eficácia; esses fatores são contraditórios porque a “eficácia exige

alguma hierarquia” (Delfim Netto, 2010, p. 13). Nessa lógica de produção, a sociedade “não

pode escolher simultaneamente o máximo de crescimento e o máximo de distribuição. Há

uma contradição nisso” (DELFIM NETTO, 2010, p. 31).

Outra restrição do capitalismo está relacionada às externalidades dos custos. Delfim

Netto (2010, p. 20) alerta que o mercado tem dificuldade para lidar com as externalidades e

com os bens comuns (recursos que não podem ser apropriados privadamente, mas seu uso

pode ser privatizado), a solução indicada pelo economista é a presença de um Estado forte,

para, via agências adequadas, efetuar o controle. Delfim Netto indica que, em alguns casos,

o teorema de Coase, do economista Ronald Coase, pode ajudar a resolver esse problema;

essa teoria propõe que os envolvidos com externalidades podem negociar “a partir de direito

de propriedade definidos pelo Estado e de incentivos corretos, chegando a acordos em que

os custos das externalidades sejam internalizados nos preços dos bens e serviços” (Delfim

Netto, 2010, p. 20). As consequências socioambientais da externalidade foram debatidas no

Capítulo 1: Crise Socioambiental: Riscos Assumidos.

A poluição está na pauta de debate e reflexão dos ecocapitalistas. Para Delfim Netto,

a poluição é um grande problema, pois além de interferir na temperatura do planeta, encurta

a expectativa de vida da população. Com essa realidade, todos os setores estão cuidando

da poluição, por exemplo: “já não produz aço com a poluição gerada antes. Praticamente

em todos os setores há filtros e tecnologias novas” (Delfim Netto, 2010, p. 12). O novo

desafio é minimizar a emissão de CO2 por unidade de PIB, assim, o modelo matemático do

desenvolvimento econômico, que já previa a maximização do crescimento, melhora da

distribuição de renda, manutenção da liberdade dos agentes e diminuição das

desigualdades regionais, tem o incremento da minimização da relação de CO2 por unidade

de PIB (DELFIM NETTO, 2010, p. 13).

O desequilíbrio entre os recursos naturais limitados e o crescimento contínuo do

produtivismo capitalista também estão na pauta do ecocapitalismo. A solução para o

crescimento infinito não está no controle do mercado e sim, no controle demográfico, para

Delfim Netto, “Não vai ter crescimento infinito. Tudo está ligado à população. Aí voltamos

para o velho Malthus” (DELFIM NETTO, 2010, p. 23).

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A última corrente ecológica, para Viola, é a opção ecossocialista que propõe uma

ruptura com a sociedade capitalista e a socialista “real”. Para Viola (1987b, p. 46), o

ecossocialismo é herdeiro do “socialismo revolucionário-democrático” de Marx, Rosa

Luxemburgo e Leford-Castoriadis da fase “Socialismo ou Barbárie”. O diferencial político dos

ecossocialistas está na proposta de transformação, com o desenvolvimento da consciência

socialista e ecológica da “classe operária” (Viola, 1987a; Viola, 1987b, p. 47). A corrente

ecossocialista será debatida no capítulo 3–Ecossocialismo.

A batalha das ideias entre as posições ecológicas envolve pontos de convergências e

antagonismos. Os ecologistas realistas se propõem a desempenhar papel de mediadores e

reguladores de conflitos entre os outros três setores – fundamentalistas, ecocapitalistas e

ecossocialistas – porém as divergências e desconfianças mútuas cerceiam o diálogo entre

as propostas verdes (VIOLA, 1987b, p. 47 - 48).

Os fundamentalistas tendem a condenar os ecossocialistas e ecocapitalistas como

“deturpadores da pureza do movimento”; em contra partida, essas correntes acreditam que

os fundamentalistas são românticos e politicamente ingênuos (Viola, 1987b, p. 47). Ao

mesmo tempo, a crítica severa ao capitalismo aproxima fundamentalistas e ecossocialistas,

mas a grande divergência entre essas correntes está centrada no combate ao

antropocentrismo: enquanto os primeiros recusam o humanismo, a corrente ecossocialista

não aceita as “posições relativistas que põem todas as espécies vivas no mesmo nível. É

realmente necessário considerar que o bacilo de Koch ou o mosquito anófeles têm o mesmo

direito à vida que uma criança tuberculosa ou com malária?” (LÖWY, 2005a, p. 47).

A radicalidade nas propostas de transformação socioambiental é a grande diferença

entre os ecossocialistas e os ecocapitalistas, nesse sentido, os ecossocialistas e

ecocapitalistas travam o embate ambiental na mesma radicalidade das lutas históricas das

políticas sociais. Os ecossocialistas acusam o ecocapitalismo de ser uma manobra da

classe dominante para manter a atual estrutura desigual e elaboram críticas às agências

estatais do meio ambiente pelo seu isolamento em relação aos demais setores da

tecnoburocracia oficial (VIOLA, 1987b, p. 48).

Para os ecossocialistas, as reformas parciais no capitalismo são insuficientes, sua

proposta é substituir a microracionalidade do lucro por uma racionalidade macrossocial

ecológica, uma verdadeira mudança de civilização. Para construir essa sociedade, a

corrente ecossocialista propõe uma profunda mudança tecnológica que substitua as fontes

de energias atuais por outras, não poluentes e renováveis, como a eólica e a solar. Nesse

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ponto, essa corrente se diferencia dos realistas e ecocapitalistas, pois acredita que a

tecnologia contribui na transformação socioambiental somente quando está sob o controle

do interesse público, da sociedade e não sob a tirania dos bancos e empresas capitalistas

(LÖWY, 2011, p. 35-36).

Por outro lado, os ecocapitalistas acusam os ecossocialistas de pretenderem

transformar o movimento ecológico em apêndice dos partidos de esquerda (VIOLA, 1987b,

p. 48). As ações políticas ecossocialistas de bloquear ou retardar os projetos necessários ao

crescimento econômico capitalista, motivadas por impacto ambiental, compõem um dos

grandes pontos de conflito entre ecocapitalistas e ecossocialistas:

O socialismo verde é pior que o socialismo vermelho. As contradições

são do mesmo tipo. Mas a virulência dos ataques, contra

hidrelétricas, por exemplo, produz tanta bobagem que o mercado

acaba produzindo energia com petróleo, com gás ou atômica, que

são menos limpas e mais poluidoras. As extravagâncias de alguns

movimentos ambientalistas produzem caricaturas (DELFIM NETTO,

2010, p. 18).

Essa divergência é confirmada pela proposta ecossocialista de se opor radicalmente

aos grandes projetos, sob sua ótica, inúteis, pois envolvem degradação ao meio ambiente,

agravamento da desigualdade social e não melhoram as condições de vida da população

(MÜNSTER, 2013, p. 156-157).

Outra frente de debate ecológico é o embate entre ecossocialistas e realistas. Para os

primeiros, as críticas dos ecologistas políticos verdes ao produtivismo são relevantes, mas

os realistas não questionam a economia de mercado (Löwy, 2011, p. 52). Além disso, o

pensamento ecossocialista considera inviável uma ecologização progressiva do capitalismo

e do socialismo “real”, pois essa corrente não acredita que seja possível eliminar o

produtivismo da lógica capitalista, nem retirar a concorrência feroz e a expansão de

mercado da dinâmica vital do capitalismo. No ponto de vista ecossocialista, é impossível e

inimaginável haver um modelo alternativo de desenvolvimento no modelo capitalista de

produção que seja ambientalmente responsável e socialmente justo (Löwy, 2012a, p.12),

pois a essência do capitalismo é o produtivismo e expansão ilimitada, e esses processos

são os fatos geradores do esgotamento da Natureza e, ao mesmo tempo, da própria

humanidade. Nessa dinâmica, os realistas ficam restritos a soluções para ajustar excessos

do capitalismo, limitando a propostas de reforma ecológicas na economia de mercado, sem

agir na raiz da crise socioambiental (LÖWY, 2009b, p. 36).

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Para a corrente ecossocialista, a questão não é optar entre capitalistas maus ecocidas

ou bons capitalistas verdes, em ambos os casos, são condutores de um sistema destrutivo.

A energia vital do capitalismo é proporcionada pela competição agressiva, a busca de lucros

rápidos e aumento contínuo de rentabilidade, essa dinâmica destrói o equilíbrio natural. A

crítica de Löwy (2011, p. 35) é que capitalismo verde é uma manobra publicitária, uma

etiqueta que visa vender a mercadoria, ou, no melhor dos casos, uma iniciativa local

equivalente a uma gota de água sob o sol árido do deserto capitalista:

Il ne s’agit pas d’opposer les « mauvais » capitalistes écocides aux «

bons » capitalistes verts : c’est le système lui-même, fondé sur

l’impitoyable compétition, les exigences de rentabilité, la course au

profit rapide, qui est destructeur des équilibres naturels. Le prétendu

capitalisme vert n’est qu’une manouvre publicitaire, une étiquette

visant à vendre une marchandise, ou, dans le meilleur des cas, une

initiative locale équivalant à une goutte d’eau sur le sol aride du désert

capitaliste (LÖWY, 2011, p. 35).

Para os ecossocialistas, os partidos verdes europeus – francês, alemão, italiano e

belga – representam a política ecológica reformista, cuja ausência de uma postura

anticapitalista coerente levou cada um deles “a tornar-se simples parceiro “ecorreformista”

da gestão social-liberal do capitalismo pelos governos de centro-esquerda” (LÖWY, 2010, p.

36). Para os ecossocialistas, a crise socioambiental será superada com transformações

sociais radicais, pois a raiz da crise socioambiental é a acumulação continua e ilimitada do

capital, como já dito na tese (capítulo 1–Crise Socioambiental: Riscos Assumidos): o planeta

está sendo dilapidado em benefício de poucos (LOPES, 2010, p. 15).

Em contrapartida, as críticas dos ecologistas realistas em relação aos ecossocialistas

também são severas. Para os realistas, o método de interpretação e ação ecossocialista é

ao mesmo tempo ineficiente e ultrapassado. Tibor Rabóczkay, do Partido Verde brasileiro,

apresenta diversas passagens do livro Repensando o Partido Verde Brasileiro (2004), que

ilustram as diferentes formas de fazer politica socioecológica entre os ecologistas realistas e

os ecossocialistas. Uma divergência é a forma de envolver os trabalhadores na política

ecológica: para Rabóczkay, a classe trabalhadora deve despertar-se para a realidade que

os verdes são seus aliados, pois sua proposta envolve qualidade de vida, além do bem estar

e segurança material; proposição melhor que a dos socialistas, já que esses proporcionaram

melhoria de vida apenas aos países muito atrasados com grandes prejuízos ambientais

(Rabóczkay, 2004, p. 63), principalmente porque o marxismo não consegue explicar porque

a poluição tende a ser mais grave nos países socialistas (RABÓCZKAY, 2004, p. 64).

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Por outro lado, Rabóczkay defende que o Partido Verde, por seu caráter democrático,

deve “acomodar os ecossocialistas, ao lado dos ecocapitalistas”, pois o debate na

diversidade é a fonte da riqueza ideológica verde. Porém seu posicionamento não é tão

democrático como afirma, pois para ele “a ideologia ecologista é que deve ser a referência

para o socialismo e não o socialismo para o pensamento verde”, o argumento do autor para

essa afirmação é que “assim como não há o porquê recorrer à teoria de Ptolomeu para

entender o sistema solar, pode-se esquecer Marx com tranquilidade” (Rabóczkay, 2004, p.

105). Assim, para o autor, o marxismo não tem contribuição no debate ecológico, e sim,

apenas busca a ecologia para sobreviver:

há conflito entre as diversas opções verdes, sobretudo o esforço dos

marxistas em se apoderarem do movimento ambientalista. Embora

eles argumentem que marxismo contribua para o embasamento da

ideologia do ambientalismo, a mim parece o oposto, a adesão dos

marxistas reflete a ânsia de dar uma sobrevida a essa ideologia do

século XIX – não sei, porém, se o fazem conscientemente ou se

enganam a si mesmos (RABÓCZKAY, 2004, p. 49).

Rabóczkay defende que o “o marxismo é pré-darwiniano assim, não trabalha com as

ideias evolucionárias” (Rabóczkay, 2004, p. 70) e, “consequentemente, ineficiente para

interpretar os fenômenos humanos” (Rabóczkay, 2004, p. 134). Nesse contexto, o autor

defende que o desapontamento dos ambientalistas do PT confirma a inviabilidade do

ecossocialismo ou ecomarxismo, mas sem surpresa porque “marxismo parte de premissas

outras, em direção a objetivos outros que os dos ecologistas. Tentar atribuir a Marx e Engels

preocupações ecológicas, como nós a entendemos hoje, é um exercício tão fútil”

(RABÓCZKAY, 2004, p. 127).

Mas as críticas dos realistas, representadas por Rabóczkay, ao ecomarxismo não se

sustentam. As obras dos ecomarxistas Michael Löwy e John Bellamy Foster apresentam

contribuições importantes para melhor compreender as dimensões e limitações ecológicas

na produção marxiana e consequentemente, discernir os erros teóricos nas críticas de

Rabóczkay. Os argumentos ecomarxistas estão debatidos no capítulo 3 – Ecossocialismo.

O enquadramento do movimento verde em quatro posições ajuda a compreender o

debate socioambiental, mas tem limites e não consegue esgotar todas as correntes e

pensamentos ecológicos. Há outras interpretações e propostas que complementam e são

complementadas pelo enquadramento de Viola. Entre as propostas, o Ecologismo dos

Pobres de Alier, Decrescimento e Buen Vivir têm contribuições relevantes.

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2.2 Proposta de Alier

Alier apresenta outra proposta de enquadramento do movimento ecológico. Para ele, a

ecologia política tem três correntes principais: “Culto à vida silvestre”; o “Evangelho da

ecoeficiência” e a “Justiça Ambiental” ou “Ecologismo dos Pobres” (ALIER, 2009, p. 21).

A primeira corrente, Culto à vida silvestre, é semelhante a posição ecologia profunda

ou ecologistas fundamentalistas apresentada por Viola. Essa corrente não combate o

crescimento econômico, pois assume que não é possível reverter esse processo

hegemônico, sua proposta é resgatar o encantamento da humanidade pela Natureza, isto é,

“o culto pelo silvestre”, que surge do “amor às belas paisagens e de valores profundos,

jamais para os interesses materiais” (Alier, 2009, p. 22). Sua base teórica é a biologia da

conservação, e o índice estudado para avaliar o impacto da ação humana no meio ambiente

é o AHPPL, Apropriação Humana da Produção Primária Líquida da biomassa, e seus

resultados apontam que “uma proporção cada vez menor de biomassa está disponível para

espécies que não sejam a humana ou associadas aos humanos” (ALIER, 2009, p. 23).

Além da biologia da conservação, a corrente Culto à vida Silvestre propaga o instinto

“biofilia” humana, isto é, o amor à Natureza, esse sentimento leva a humanidade a assumir

que ela deve ser preservada e a reconhecer que as demais espécies possuem o direito à

vida, assim, a humanidade não tem o direito de eliminá-las (Alier, 2009, p. 23). O resgate do

sagrado provoca a associação teórica e prática com a espiritualidade de seus ativistas.

Nesse caso, a corrente incorpora o panteísmo e as religiões orientais, por serem menos

antropocêntricas que as religiões ocidentais, a exceção é São Francisco de Assis, pois ele

tinha preocupação com os pobres e animais (Alier, 2009, p. 23). Mas a principal proposta

política é a mudança cultural da sociedade ao assumir a ética do maior apreço pela

Natureza (ALIER, 2009, p. 25).

A proposta política priorizada pela corrente Culto à vida Silvestre é a manutenção das

reservas naturais, parques nacionais ou naturais, livres da ação degradadora da

humanidade, elas poderiam ser visitadas pela população, mas nunca seriam habitadas por

humanos (Alier, 2009, 24). A preservação da vida silvestre envolve a manutenção da

biodiversidade e a proposta dessa corrente para analisar e propor mudanças para a perda

da biodiversidade é a AHPPL. Esse índice seria usado como base de metas nos níveis

mundiais e nacionais para redução da apropriação humana das reservas naturais atuais, na

mesma relevância dos atuais índices de cotas para emissões de clorofluorcarbono, dióxido

de enxofre ou limite de pesca de algumas espécies (Alier, 2009, p. 24). Nesse sentido,

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houve a contribuição da ONG Amigos da Terra da Holanda sobre a utilização dos recursos

ambientais da Holanda nos início da década de 1990 (ALIER, 2009, p. 26).

Suas propostas são apoiadas por algumas organizações importantes do movimento

ambientalista mundial como WWF – Worldwide Fundo of Nature, IUCN – International Union

for the Conservation of Nature e Nature Conservancy (Alier, 2009, p. 24) e estão ativas nas

campanhas de preservação no hemisfério norte, África e América Latina. Entre algumas

vitórias dessas propostas estão a reintrodução dos lobos no Parque de Yellowstone e a

recuperação dos pântanos de Everglades (ALIER, 2009, p. 24).

A segunda corrente, “Evangelho da ecoeficiência”, é semelhante à posição

ecocapitalista exposta por Viola. Essa corrente defende o crescimento econômico, mas

limitado a “boa utilização” dos recursos e às condições previstas pelo Desenvolvimento

Sustentável (Alier, 2009, p. 26). Outro ponto que difere das demais correntes é que

considera a Natureza como “recursos naturais”, “capital natural” ou “serviços ambientais”.

Há total perda do sentido do sagrado, assim, para os adeptos do Evangelho da

ecoeficiência, os animais “não possuem direito indiscutível à vida” (ALIER, 2009, p. 27).

Alier “batizou” essa corrente em “homenagem” à descrição de Samuel Hays sobre

“Movimento Progressista pela Conservação” que atuou nos Estados Unidos entre os anos

1890 e 1920: “enquanto um “evangelho da eficiência””. Essa corrente cresceu e hoje é

hegemônica nos debates socioambientais nos Estados Unidos (Alier, 2009, p. 27) com apoio

da fundamentação científica da economia ambiental, através da busca do preço correto pela

“internalização das externalidades” e da ecologia industrial que investiga o impacto

ecológico do “metabolismo industrial” (ALIER, 2009, p. 28).

As teorias que sustentam essa corrente são: pensamento das “Curvas Ambientais de

Kuznets”, Figura 4, cuja proposta é que os investimentos e a tecnologia produzem, no

primeiro momento, aumento do impacto ambiental, mas após atingir o ápice de impacto,

essa tendência se torna cada vez mais decrescente (Alier, 2009, p. 27), sendo que a curva

de impacto tem o formato de “U” invertido, conforme figura abaixo; “desenvolvimento

sustentável” que defende o crescimento econômico “win-win”, isto é, crescer com soluções

de ganhos econômicos e ganhos ecológicos; por último, a “modernização ecológica” que

envolve dois vetores: o econômico baseado nos ecoimpostos e mercados de licenças de

emissões, e o segundo, tecnológico, cuja base é o investimento em soluções técnicas para

a redução de uso de energia e matéria-prima nos processos produtivos e pelas famílias

(ALIER, 2009, p. 28).

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Figura 4 – Curvas Ambientais de Kuznets

Fonte: Alves, 2014.

A contribuição da Ecoeficiência repousa nas melhorias do “vínculo empresarial com o

desenvolvimento sustentável”. Além da “limpeza verde”, a “ecoeficiência” colabora com a

melhor compreensão sobre o consumo de matéria-prima e energia na economia e as

possibilidades de desvincular o crescimento econômico de sua base material (Alier, 2009, p.

28), o que envolve o debate sobre a desmaterialização da economia e seu reflexo no cálculo

do PIB (ALIER, 2009, p. 28).

As duas correntes, “Culto ao silvestre” e “Ecoeficientes”, apesar de suas diferenças,

estão unidas na crença de que as inovações tecnológicas produzem a desmaterialização da

economia (pela virtualização, por exemplo), essas, aliadas à produção ecoeficiente,

reduzem a necessidade de expansão da exploração dos recursos naturais, permitindo

assim, preservar a Natureza que ainda está fora do ciclo econômico (Alier, 2009, p.33).

Porém há uma armadilha nessa crença, pois há projetos envolvendo essas correntes com

impactos socioambiental questionáveis, como por exemplo: o projeto de plantio de eucalipto

em várias regiões do mundo, com a associação entre a Shell e a WWF, nesse caso, o

argumento é “isso diminuirá a pressão sobre os bosques naturais e, presumivelmente,

promoverá também o aumento da absorção do carbono” (Alier, 2009, p. 33); e outro

exemplo, a defesa “pró-nuclear”, de algumas instituições ambientais, para solução

energética.

O Ecologismo dos Pobres ou Justiça Ambiental é a corrente ecológica mais radical

nas suas análises e ações socioambientais. O Ecologismo dos Pobres é também chamado

de Ecologismo popular, Ecologismo da livelihood (do sustento, da sobrevivência humana) e

ecologia da libertação (Alier, 2009, p. 33). Nos Estados Unidos, a corrente justiça ambiental

está associada ao movimento social contra o racismo ambiental e tem forte vínculo com a

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militância dos direitos civis de Martin Luther King da década de 1960 (Alier, 2009, p. 35). A

denominação Ecologismo dos pobres está associada aos movimentos do Terceiro Mundo

que buscam reduzir e reverter os impactos socioambientais que ameaçam as condições de

sobrevivência dos pobres. O Ecologismo dos pobres pode ser exemplificado pelos

“movimentos de base camponesa cujos campos ou terras voltadas para pastos têm sido

destruídos pela mineração ou por pedreiras; movimentos de pescadores artesanais contra

os barcos de alta tecnologia ou outras formas de pesca industrial” (ALIER, 2009, p. 35).

Ecologismo dos Pobres foi identificado a partir de 1985, inicialmente como “agrarismo

ecologista” que era a resistência dos movimentos camponeses associada à crítica ecológica

no enfretamento à modernização agrícola (Alier, 2009, p. 37). A dificuldade de identificar

essa corrente como socioambiental é que em muitos casos, seus envolvidos não utilizam

um discurso explicitamente ambientalista (ALIER, 2009, p. 39).

Uma divergência dessa corrente com os Ecoeficientes é a defesa que o crescimento

sempre implica no aumento do impacto ambiental, principalmente pelo descarte de resíduos

e pelo deslocamento geográfico dos recursos entre os países, que ocorrem envolvendo,

principalmente, petróleo, gás, alumínio, cobre, eucalipto, etc. (ALIER, 2009, p. 34).

Outra divergência é a crença na tecnologia como solução da crise socioambiental, pois

para a Ecologia dos Pobres, as inovações tecnológicas não garantem a solução dos

conflitos de justiça ambiental. Sementes transgênicas e energia nuclear com seus resíduos

radioativos são exemplos de tecnologias indesejadas pela Ecologia dos Pobres. A

tecnologia defendida por essa corrente deve ser transformadora e criada pela ciência

participativa ou pela “epidemiologia popular”, isto é, combinação entre a ciência formal e a

informação. No Brasil, essa associação fundamenta a agroecologia tradicional de grupos

camponeses e indígenas como fruto do diálogo dos saberes (ALIER, 2009, p. 36).

O risco do “efeito Jevons” também é apontado pelo Ecologismo dos Pobres como

consequência na aposta da tecnologia como solução de todos os problemas. Stanley

Jevons no seu livro The Coal Question (1865) mostrou que a crescente eficiência na

produção de energia reduzia a demanda por carvão na unidade produzida, porém o

paradoxo era que essa economia por unidade provocava aumento na demanda de energia,

aumentando a pressão por mais carvão, assim, esse paradoxo é conhecido por efeito

Jevons (Cechin, 2012). Aplicando esse conceito, a corrente Ecologismo dos Pobres alerta

que as novas tecnologias não são necessariamente uma solução para a divergência entre a

economia e o meio ambiente, mas sim riscos (ALIER, 2009, p. 36).

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Ecologismo dos Pobres se distingue do “Culto ao silvestre” por não reverenciar a

Natureza como sagrado e sim, como agente de sobrevivência e subsistência humana. A

ética do Ecologismo dos Pobres se distingue dos fundamentos do Culto ao Silvestre ao

assumir a orientação ética da justiça social entre os humanos; para Alier (2009, 34): “tanto

como um fator positivo quanto uma debilidade”. O relato de José Augusto Pádua do diálogo

com um amigo, militante do IBASE, ilustra a tensão e confluência entre essas correntes:

Eu dizia para ele que “não preciso de justificativa para defender as

baleias. Não acho que seja necessário ter uma justificativa utilitária

para defender as baleias. Não é porque o óleo vai servir para alguma

coisa no futuro – mas porque a baleia é uma maravilha da Terra, é

uma maravilha da vida. Não existe argumento utilitário maior do que

este”. Esse meu amigo “ambientalista do desenvolvimento social”,

disse: “Para mim, não. Não tenho nenhum compromisso especial com

a defesa das baleias. Se as baleias desaparecessem, isto para mim

não traria grandes problemas de consciência. A minha preocupação é

com os pescadores, sua vulnerabilidade a essas práticas predatórias,

o recurso pesqueiro; como ficará a situação dos pescadores se esse

recurso acabar”. Depois ele diz: “no entanto, somos aliados na

maioria das lutas concretas” (PÁDUA, 1995, p. 19 – 20).

Importante ressaltar que a finalidade do Ecologismo dos Pobres está na qualidade de

vida socioambiental dos estratos oprimidos. Para Alier, o Ecologismo dos Pobres luta contra

as ameaças socioambientais aos pobres (Alier, 2009, p. 35). Essa luta é constituída por

várias frentes como, por exemplo: movimentos camponeses que enfrentam os campos e

pastagens destruídos pela mineração; pescadores artesanais contra os barcos de alta

tecnologia ou outras formas de pesca industrial que esgotam o pescado; comunidades

afetadas pela contaminação do ar pelas minas e fábricas (Alier, 2009, p. 35).

Ecologismo dos Pobres envolve diversas frentes teóricas e políticas. Sua proximidade

com a relação da questão agrária e a pobreza atraiu militantes da agroecologia, da

etnoecologia e da ecologia política (Alier, 2009, p. 35-36). Essa corrente cresce na medida

em que aumentam os conflitos socioambientais no planeta, devido ao aumento da

deterioração das condições de sobrevivência dos setores mais humildes por causa da

degradação ambiental (ALIER, 2009, p. 36).

Alier (2009, p. 39) alerta que “uma mesma organização pode pertencer a mais de um

destes tipos”. Greenpeace é um dos exemplos de instituição que flui entre as três correntes

quando: atua ativamente na Convenção de Basiléia, que proíbe a exportação de resíduos

tóxicos para África e outros países; trabalha junto a moradores urbanos pobres contra os

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riscos tóxicos dos incineradores; apoia as comunidades dos mangues; promove a

ecoeficiência de refrigerador alemão por não usar CFC e ter maior eficiência no uso de

energia (ALIER, 2009, p. 39).

Além dessas interpretações, há também o movimento Decrescimento que dialoga com

diversos segmentos ecológicos.

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2.3 Decrescimento

O “Decrescimento” é um movimento socioambiental que dialoga com diversas fontes

de pensamento, sua radicalidade nas críticas e nas propostas o aproxima dos

ecossocialistas. Para Latouche (2009, p. 131), o “decrescimento pode ser considerado um

“ecossocialismo”, sobretudo se por socialismo se entender, com Gorz”: uma proposta

concreta para enfrentar a desintegração das relações sociais, provocada pelas relações

mercantis e pela concorrência, ambas inerentes ao capitalismo. A proposta do

Decrescimento é construir a nova sociedade gradativamente, conforme o espírito capitalista

da sociedade dominada pelo dinheiro for eliminado. Essa transformação prevê etapas de

transição entre sociedades, com apoio dos partidários do decrescimento aos

altermundialista e a economia solidária. Nessa transição, o Decrescimento está em sintonia

com diversos referenciais como a ecologia social de Murray Bookchin, a ecologia profunda

de Arne Naess, a hipótese de Gaia de James Lovelock, o powerdown de Richard Heinerg, o

downshifting estadunidense, transition towns de Rop Hopkins, as zonas autônomas dos

Chiapas, as experiências dos indígenas (LATOUCHE, 2012, P. 53).

A corrente do decrescimento tem participação ativa na política francesa. Ela é

inspirada nas críticas sobre a sociedade de consumo (dos autores Henri Lefebvre, Guy

Debord e Jean Baudrillard) e da supervalorização da tecnologia (de Jacques Ellul). Mas

Decrescimento não é uma corrente homogênea, há duas formas de pensamento que se

destacam nessa corrente: o antiocidentalíssimo de Sérgio Latouche e a ecologia republicana

de Vicent Cheynet e Paul Ariès (LÖWY, 2011, p. 15).

A corrente do Decrescimento representada por Cheynet e Ariès, apesar de algumas

controvérsias, se aproxima do pensamento ecossocialista dos partidos franceses Parti de

Gauche e Nouveau Parti Anticapitaliste, e da antiglobalização do Attac. Essa aproximação

se deve, principalmente, pelas críticas dessa corrente ao predomínio do valor de troca sobre

o valor de uso e pelas propostas de redução do tempo de trabalho e desigualdade social e

aumento de atividades não comerciais, orientadas pelas necessidades sociais e proteção

ambiental (LÖWY, 2011, p. 16).

O representante mais controverso do Decrescimento é Serge Latouche. Por um lado,

sua crítica à religião do crescimento e progresso e ao desenvolvimento sustentável é

interessante. Por outro lado, sua restrição à cultura ocidental e à democracia representativa

e a falta de uma análise mais profunda sobre o capitalismo, ao ficar restrito às críticas ao

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capitalismo de Marx e capitalismo destruidor do meio ambiente de Gorz, o afasta do

pensamento ecossocialista (LÖWY, 2011, p. 15-16).

Para Latouche, a palavra decrescimento “é um slogan político com implicações

teóricas, uma “palavra-obus” como diz Paul Ariès, que visa acabar com o jargão

politicamente correto dos drogados do produtivismo” (Latouche, 2009, p. 4). A proposta do

Decrescimento não é o crescimento negativo, e sim, refutar o crescimento ilimitado com o

objetivo de atender a necessidade ilimitada de lucro do Capital, com consequências

nefastas para a Natureza e, consequentemente, para a humanidade (Latouche, 2009, p. 4).

Latouche cita o alerta do ativista e economista Kenneth Boulding: “quem acredita que um

crescimento infinito é possível em um mundo finito, ou é louco ou é economista” (Latouche,

2009, p. 16). O risco apontado por essa corrente é que a Natureza não consegue

transformar os resíduos em novos recursos na mesma velocidade da produção humana de

resíduos, essa dinâmica pode ser traduzida nos números da nossa pegada ecológica, pois

temos apenas um planeta com espaço limitado e capacidade finita de absorver as nossas

consequências indesejadas da produção (LATOUCHE, 2009, p. 27).

Rosa Luxemburgo é lembrada também pelos defensores do Decrescimento:

“decrescimento ou barbárie!” (Latouche, 2009, p. 5), pois para eles, o vício de crescimento

econômico da sociedade atual está causando distorções socioambientais. Como por

exemplo, a queda do crescimento projetado pelo Capital gera perda da qualidade de vida da

população, com o aumento de taxas de desemprego, abandono de programas sociais,

sanitários, educacionais e ambientais. Assim, a proposta é construir outra lógica de

sociedade, uma sociedade com a cultura do “a-crescimento”, isto é, a troca da crença do

progresso e culto ao crescimento pelo crescimento pela meta de uma vida melhor, com a

população trabalhando menos e consumindo menos, resgatando a proposta de André Gorz

(1991) da “racionalização ecológica”, contida na sua obra Capitalisme, socialisme, écologie,

que a “modernização ecológica exige que o investimento deixe de estar a serviço do

crescimento e passe a servir ao decrescimento da economia”, no sentido de ruptura do

modelo de acumulação do capital e redução do consumo com autolimitação (LATOUCHE,

2009, p. 5-6).

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O Decrescimento também debate a equação de Ehrlich, I=PAT, onde: I é o impacto

ambiental; P é o tamanho da população; A representa o consumo ou afluência; e T, a

tecnologia. Mas o foco de sua crítica está na variável A, consumo. Os decrescentistas não

negam a importância da variável Tecnologia, sua estratégia de reciclagem e ecoeficiência,

mas não creditam à melhoria dessa variável a salvação para o impacto do crescimento

ilimitado, assim, a tecnologia deve estar associada à libertação da “gaiola do consumismo”

para ter eficácia (BOCCATO-FRANCO, 2013).

Para o pensamento do Decrescimento, reduzir o impacto da variável população é uma

falsa solução. Latouche aponta o uso político do debate do controle populacional, pois a

redução quantitativa da população dos países pobres permite o melhor controle dos EUA ao

acesso à suas riquezas naturais. O memorando Incidência do crescimento da população

mundial sobre a segurança dos Estados Unidos e sobre seus interesses ultramarinos de 10

de dezembro de 1974 escrito por Henry Kissinger ilustra essa “preocupação” com a pressão

populacional:

Para perpetuar a hegemonia americana no mundo e garantir aos

americanos um livre acesso aos minerais estratégicos de todo o

planeta, é necessário conter ou até reduzir a população dos treze

países do Terceiro mundo ... cujo peso demográfico por si só já os

condena, por assim dizer, a desempenhar um papel de primeiro plano

em política internacional (LATOUCHE, 2009, p. 31)

O debate sobre o controle populacional pode ter propostas bem mais radicais, como a

de William Vogt que, nos anos 1950, defendia uma redução drástica da população com uma

“guerra bacteriológica de grandes proporções”, energicamente conduzida para devolver à

terra suas florestas e suas pastagens (Latouche, 2009, p. 31-32). A redução demográfica,

nesse debate, fica restrita aos países pobres do Sul. Mas para a corrente decrescentistas

questão não está na quantidade de pessoas no planeta, mas na capacidade de dividir os

recursos com honestidade e equidade (LATOUCHE, 2009, p. 35).

Para o Decrescimento, o eixo central para a saída da crise socioambiental é a variável

A, expressada pelo consumismo. Para Latouche (2009, p. 17), a sociedade do consumo

depende de três ingredientes para a sua “ronda diabólica”: publicidade, crédito e a

obsolescência acelerada ou programada. Os ingredientes publicidade e obsolescência estão

debatidos no capítulo 1–Crise Socioambiental: Riscos Assumidos. O ingrediente “crédito”

está inserido na forma do uso do dinheiro e sua disponibilidade para a população que,

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inicialmente, não o teria para consumir. O problema socioambiental é a falta de

responsabilidade, pelos agentes de crédito, das consequências sociais do endividamento.

(LATOUCHE, 2009, p. 20).

Para o Decrescimento, a sociedade almejada deve ser, ao mesmo tempo, equitativa e

equilibrada ambientalmente. Para atingir essa sociedade é necessário articular oito

mudanças interdependentes que se reforçam mutuamente. Podemos sintetizar o conjunto

delas num “círculo virtuoso” de oito “erres”: reavaliar, reconceituar, reestruturar, redistribuir,

relocalizar, reduzir, reutilizar, reciclar (Latouche, 2009, p. 42), enfim, “substituir a atitude do

predador pelo do jardineiro” (Latouche, 2009, p. 45). Esses oito Rs são igualmente

relevantes, mas há três estratégicos: reavaliação, redução e relocalizar. Os “Rs” do

Decrescimento são:

Reavaliar: é romper com os “velhos valores “burgueses”” que orientam uma sociedade

baseada na busca de riqueza monetária e o individualismo (Latouche, 2009, p. 43) e

construir a troca de valores, enfim, substituir o dinheiro como fim e do individualismo como

forma de vida pela cooperação, solidariedade, o prazer do lazer, senso de justiça,

democracia (Latouche, 2009, p. 44). Sua relevância estratégica é que a reavaliação “preside

a toda mudança” (Latouche, 2009, p. 58), afinal a sociedade deve assumir valores como

altruísmo, convivialidade, respeito a Natureza entre outros para possibilitar o diálogo entre

as diversas culturas (LATOUCHE, 2009, p. 147);

Reduzir: é minimizar o impacto da produção e consumo na biosfera. A nova

racionalidade deve eliminar qualquer forma de desperdício de recursos, seja provocado pela

obsolescência programada, consumismo ostentatório ou qualquer outro desperdício de

recursos naturais (Latouche, 2009, p. 49). Outra redução defendida é o tempo de trabalho,

inclusive como forma de combate ao desemprego. Além do desemprego, a redução envolve

também o novo uso do tempo profissional para enfrentar crises de setores econômicos e

desenvolvimento de novas aptidões, esse novo tempo deve prever o deslocamento do

trabalhador de uma função para outra; o exemplo de Latouche (2009, p. 53) para essa

dinâmica foi a possibilidade de uma pessoa que trabalha com montagem industrial de

aparelhos de televisão poder se dedicar à outra atividade, motivada por crise do setor ou

desenvolvimento de outras aptidões (agrícola, jardim comercial ou cuidado de saúde, prática

de esporte para crianças ...). O desafio para construção desse novo “tempo” é desintoxicar o

vício do trabalho, do produtivismo e resgatar o prazo do uso do tempo para a satisfação

pessoal: “o prazer de cumprir seu dever de cidadão, o prazer das atividades de fabricação

livre, artísticas ou artesanal, a sensação do tempo recuperado para a brincadeira, a

contemplação, a meditação, a conversação, ou até, simplesmente, para a alegria de estar

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vivo” (Latouche, 2009, p. 54). Reduzir tem papel estratégico porque “condensa todos os

imperativos práticos do Decrescimento” (LATOUCHE, 2009, p. 58);

Relocalizar: é priorizar a produção local, principalmente os produtos de necessidade

da população, fornecida por empresas locais e financiada pela poupança acumulada

localmente. Há o empoderamento local das decisões econômicas, políticas e culturais. O

fluxo comercial externo deve ficar restrito apenas ao indispensável (Latouche, 2009, p. 49).

Pelo fato de impactar diretamente a vida e emprego de milhões de pessoas, essa mudança

é também estratégica para o Decrescimento (LATOUCHE, 2009, p. 58);

Reconceituar: a partir da troca de valores, a humanidade pode assumir outra forma de

enxergar o mundo, “de apreender a realidade”. Os conceitos “riqueza x pobreza”, “escassez

x abundância”, alicerces da atual economia, devem ser questionados e reconceituados, para

a sociedade romper com a transformação da abundância da Natureza em escassez pelos

donos do capital pela apropriação de bens comuns com imposição de suas etiquetas,

marcas e valor de pedágio para posterior mercantilização. A escassez alarmada pelos

agentes econômicos torna-se uma profecia autorealizada, construída artificialmente pelo

controle dos recursos pelo Capital (LATOUCHE, 2009, p. 46);

Reestruturar: é adaptar o aparelho produtivo às novas necessidades provocadas pela

mudança de valores, engendrados pelo primeiro R, Reavaliar. A nova estrutura produtiva

deve assumir a orientação do Decrescimento, e essa troca de paradigma é incompatível

com o atual modo produtivo hegemônico, assim, a saída do capitalismo se impõe como

orientação da construção de outro modo de produção e novos aparelhos produtivos

(LATOUCHE, 2009, p. 46).

Redistribuir: é reestruturar as relações sociais existentes com a distribuição da riqueza

e democracia ao acesso ao patrimônio natural, seja entre países Norte e Sul ou entre

indivíduos dentro de cada sociedade. A redução do consumo projetado pela redistribuição

será provocada pela queda do poder dos “grandes predadores” das grandes oligarquias

mundiais e pela eliminação da promoção do consumismo (Latouche, 2009, p. 47). A

redistribuição envolve a democratização do acesso dos recursos naturais entre os países do

Sul e Norte. A redução da pegada ecológica dos países do Norte permite o aumento da

pegada ecológica do Sul, isto é, mais acesso ao consumo e ao conforto (LATOUCHE, 2012,

p. 50).

Reutilizar / reciclar: Essas mudanças, também relacionadas como uma das

tecnologias de gestão relacionada pelo ecocapitalismo, são os Rs da Sustentabilidade. O

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exemplo de Latouche foi a experiência do programa da Xerox para receber as máquinas

sem uso e devolvidas e reutilizar as peças na fabricação de novas máquinas (LATOUCHE,

2009, p. 55).

As transformações socioecológicas propostas pelo Decrescimento têm, nas mudanças

locais, seu projeto político, por isso a mudança da Relocalizar tem papel central na utopia

concreta e “se expressa imediatamente em programa político” (Latouche, 2009, p. 58). O

ecomunicipalismo de Murray Bookchin é uma das fontes teóricas da mudança Relocalização

com a construção de uma sociedade ecológica constituída por “pequenas municipalidades”,

estruturadas em pequenas comunas, em harmonia com seu ecossistema (Latouche, 2009,

p. 59). Aplicando o ecomunicipalismo nos grandes centros, os bairros ganham importância

como comunas justapostas (Latouche, 2009, p. 61). Uma ação concreta proposta pelo

Decrescimento é impor às cantinas e restaurantes públicos que utilizem apenas produção

dos pequenos produtores da agricultura orgânica (Latouche, 2009, p. 69). Esta e outras

propostas estão inseridas na proposta “substituir a OMC pela OML (Organização Mundial

pela Localização), tendo por slogan “Proteger o local globalmente”” (Latouche, 2009, p. 71).

A proposta do Decrescimento é uma proposta anticapitalista. Para Latouche (2009, p.

127), o capitalismo e o socialismo produtivista são duas variações do mesmo projeto de

sociedade do crescimento. O crescimento indefinido é o motor essencial do capitalismo,

essa expansão ilimitada “não pode não destruir o planeta, assim como destrói a sociedade e

tudo que for coletivo” (Latouche, 2009, p. 130). Nessa perspectiva, o Decrescimento e o

ecossocialismo se aproximam.

A importância do Decrescimento para o debate socioambiental foi ressaltada por

Stéphane Lavignette no seu livro La décroissance est-ele souhaitable?, pois para o autor a

combinação política das correntes é necessária para sair do atual sistema desumano, pois

apesar de suas inevitáveis divergências, buscam mudanças culturais radicais para romper

com o capitalismo e o produtivismo (LÖWY, 2011, p. 17).

O Decrescimento no Brasil ainda está na fase inicial. No país, apenas um livro

específico sobre o pensamento Decrescimento foi publicado: Pequeno Tratado do

Decrescimento Sereno de Serge Latouche (Boccato-Franco, 2012, p. 276), mas há alguns

trabalhos acadêmicos de mestrado e doutorado sobre o tema, além de reportagens e blogs.

O espaço de debate sobre Decrescimento mais participativo no Brasil é o grupo virtual

(Yahoo Grupos) que contava com 106 associados em 2011 (Boccato-Franco, 2012, p. 280).

Para Boccato-Franco (2012, p. 283), o debate sobre Decrescimento no Brasil ainda é

“incipiente e pontual”.

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2.4 Buen Vivir

Buen Vivir é uma proposta latina americana à crise socioambiental. As suas

motivações são: crítica ao desenvolvimento desigual entre os países (Norte x Sul) e

construção de uma nova forma de desenvolvimento humano, socialmente justo e em

harmonia com a Natureza. Essa é uma alternativa à política dos países desenvolvidos que

exploram o povo e a Natureza dos países não desenvolvidos, seu fundamento resgata

tradições indígenas, assumindo que a verdadeira fonte de qualidade de vida está na

integração social em comunidade. Nesse caso, a comunidade é entendida em um sentido

mais amplo, pois inclui a Natureza (GUDYNAS, 2011b, p. 236; GUDYNAS, 2011c).

Buen Vivir propõe uma desconstrução da proposta hegemônica de desenvolvimento.

O modelo de desenvolvimento impõe aos países não desenvolvidos o papel de provedor

mundial de alimentos, com uso intensivo de agrotóxicos, uso de grandes extensões de terra

e volume de água, expulsão dos povos indígenas, construções de grandes hidrelétricas, é

destrutivo ambientalmente e socialmente nos países não desenvolvidos. Assim, Buen Vivir

se apresenta como alternativa ao desenvolvimento dentro de um cenário pluricultural

(GUDYNAS, 2011c).

Para Buen Vivir, o desenvolvimento e o crescimento econômico não podem ser o

objetivo da sociedade. Assim, a validade da ideia crescimento é questionável, assim, como

o progresso, porque o desejável é a melhoria social proposta pela cosmovisão indígena

(Gudynas, 2011a, p. 104). Nesses aspectos, há a uma aproximação com as propostas das

correntes Decrescimento e Ecossocialista, porém as posições espirituais e comportamento

intercultural do Buen Vivir, o distância dessas correntes (GUDYNAS, 2011c).

Buen Vivir tem diversas raízes, as mais divulgadas são a equatoriana e a boliviana. No

Equador, surge a partir de sumak kawsay, na língua kichwa, que significa uma vida plena

em comunidade, isto é, em harmonia com as demais pessoas e a Natureza; na Bolívia, a

denominação é Vivir Buen ou vida buena, tem sua origem no conceito suma qamaña do

povo aymara (Gudynas, 2011a, p. 103; Gudynas, 2011c). Além dessas, que são as

principais referências, há também Waras (vida boa do Shuar no Equador) e Kume mongen

(dos mapuches do Chile) (Gudynas, 2011c). Para Gudynas (2011c), Buen Vivir é melhor

definido como um guarda-chuva de diferentes posições, onde as visões críticas ao

desenvolvimento e as práxis transformadoras são compartilhadas.

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Suma qamaña (Bolívia) está ligada ao conceito andino ayllu, que define o bem estar

como não só humano, mas também, em relação à cultura e a Natureza, assim, rompe com a

dualidade homem-Natureza, em ayllu, não há como separar o homem e a Natureza

(GUDYNAS, 2011c).

A rejeição ao antropocentrismo do Buen Vivir o aproxima das propostas de Naess,

pois ambos repudiam essa visão e buscam construir uma relação diferente entre a

humanidade e a Natureza, assumindo valores intrínsecos ao ambiente. Nesse sentido, há o

reconhecimento dos direitos da Natureza, ao assumir a posição indígena de que a vontade e

sentimentos não são restritos à humanidade, mas também são direitos dos animais, plantas,

ecossistemas e espíritos (GUDYNAS, 2011c).

A proposta desse pensamento é o pós-capitalismo, como também pós-socialismo. O

socialismo sumak kawsay proposto por René Ramirez (secretário de Planejamento do

Equador) é definido como biossocial, republicano e igualitário, e rompe com as tradições

capitalistas e socialistas com o componente “bio” na questão social, isto é, incorpora os

direitos da Natureza (Gudynas, 2011c). Nesse aspecto, abre-se diálogo com a corrente

ecossocialista.

Buen Vivir ganhou maior visibilidade no debate socioambiental ao estar presente nas

constituições da Bolívia e Equador, mas sua relevância e dimensão estão particularizadas

em cada constituição. A constituição da Bolívia, aprovada em 2009, apresenta o conceito

como Vivir Buen e suas referências são: suma qamaña (do povo aymara); ñandereko (vida

harmoniosa dos guaranis); teko kavi (boa vida); ivi maraei (terra sem males) e o qhpaj Ñan

(caminho para a vida nobre). Essa união de referências provoca o comportamento

multicultural do modelo boliviano do Buen Vivir (Gudynas, 2011a, p. 106; Gudynas, 2011c).

Buen Vivir está previsto no Artigo 8 da constituição como um dos princípios éticos e morais

de uma sociedade plural, o artigo prevê a suma gamaña, Vivir Buen, assim como suwa (são

sejas mentiroso e nem ladrão); ñandereko (vida harmoniosa), teko kavi (vida buena), ivi

maraei (terra sem mal) e qhapaj ñan (caminho da vida nobre). Esse artigo postula o Buen

Vivir em seus diversos conceitos culturais (Gudynas, 2011a, p. 107; Gudynas, 2011b, p.

233) e na mesma hierarquia dos demais princípios éticos como igualdade, inclusão,

dignidade, solidariedade, respeito, justiça social (GUDYNAS, 2011b, p. 234).

A presença do Buen Vivir na constituição equatoriana, aprovada em 2008, é mais

ampla. No Equador, o conceito Buen Vivir, suma qamaña, é o conjunto complexo de direitos,

que incluem direito a saúde, educação, moradia, alimentação, meio ambiente, liberdade,

participação, comunidades, proteção e Natureza (uma inovação importante na constituição).

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Sendo que não há hierarquia entre os direitos, isto é, todos têm a mesma importância

(Gudynas, 2011a, p. 106; Gudynas, 2011b, p. 234; Gudynas, 2011c). O artigo 11 da

Constituição aponta que os direitos de Buen Vivir estão no mesmo nível hierárquico que os

demais direitos (Gudynas, 2011a, p. 106), essa quebra de hierarquia vincula todos os

direitos, isto é, não há exercício pleno de um direito sem que todos os direitos estejam

respeitados, assim, a conquista do Buen Vivir está diretamente vinculada ao conjunto de

direitos, que será somente alcançada com transformações nas estratégias de

desenvolvimento (Gudynas, 2011a, p. 107). Esse vínculo de direitos, sociedade e Natureza,

é reforçado na constituição pelo artigo 14, que reconhece o direito de todos viverem em um

ambiente saudável e ecologicamente equilibrado como premissa para alcançar o sumak

kawsay, Buen Vivir (GUDYNAS, 2011b, p. 234).

As diferenças entre as abordagens Buen Vivir e Vivir Buen, isto é, entre a visão

equatoriana e boliviana, podem ser resumidas como: a primeira trata o conceito de uma

forma mais incisiva, como um conjunto de direitos e, inovando com regularização do direito

da Natureza, Mãe Terra ou Pachamama (Gudynas, 2011c), no seu artigo 72, a constituição

equatoriana estabelece os direitos da preservação e recuperação da Natureza, o que

fortalece sua dimensão ecológica (GUDYNAS, 2011a, p. 108; GUDYNAS, 2011a, p. 235).

A segunda trata o conceito como um princípio ético, incorporando o direito das

manifestações multiculturais. A Natureza está restrita como orientação ética dos direitos

humanos, como a qualidade de vida e proteção do meio ambiente (Gudynas, 2011c). A

constituição assegura os direitos econômicos, sociais e culturais, mas a Natureza não tem

seus direitos assegurados, outra brecha é o papel do Estado como provedor de

industrialização dos recursos naturais (artigo 355) (GUDYNAS, 2011b, p. 236).

Buen Vivir não é um conceito fechado e muito menos, uma proposta à volta ao

passado. Esse movimento expressa um processo que está em construção, sempre

buscando propor resposta, ferramentas e métricas, a partir da identidade multicultural, para

superação da atual crise socioambiental (GUDYNAS, 2011a, p. 109; GUDYNAS, 2011c).

A insatisfação com os manejos da Natureza foi uma das motivações do Buen Vivir e,

ao mesmo tempo, é um dos seus dos principais desafios. O neo-extrativismo, que persiste

no atual modelo baseada na visão utilitarista da Natureza, mantém os países do Sul reféns

da dependência da exploração mineral, petrolífera e gasífera e monoculturas dos

agronegócios de exportação (Gudynas, 2011b, p. 237). Esse modelo está presente em

todos os países da América do Sul, seja pelas exportações de minérios e soja da Argentina

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e do Brasil, ferro pelo Uruguai ou hidrocarbonos pela Bolívia, Equador e Venezuela

(GUDYNAS, 2011b, p. 237).

A armadilha desse neo-extrativismo é o argumento dos governos que essa opção gera

renda convertida no desenvolvimento social da população. Para Gudynas (2011b, p. 238),

essa prática gera uma relação causalidade e dependência entre o extrativismo e as medidas

governamentais de assistência e desenvolvimento social. O desafio está em alertar as

consequências ambientais dessas atividades e que essa política é insuficiente para um

Buen Vivir pleno. Gudynas identifica na administração de Evo Morales um espaço

interessante para reflexão, pois nos debates internacionais sobre mudanças climáticas, o

seu discurso é questionador e radical, porém no nível local, há flexibilização de normas

ambientais, isto é, há um sério risco de defender os direitos da Natureza no nível mundial e

não aplicá-los no nível local (GUDYNAS, 2011b, p. 240).

Para assegurar um processo de transformação fiel à proposta Buen Vivir, deve-se

romper com a dualidade sociedade-Natureza, resgatando as circunstâncias ecológicas da

racionalidade entre as pessoas e o resgate dos valores próprios da Natureza, presentes em

várias culturas tradicionais, principalmente dos povos indígenas, seja pela sua integração,

seja pela sua atenção à figura da Pachamama, que proporciona uma relação harmoniosa

com a Natureza. Esse resgate é a base para a busca da qualidade de vida das pessoas.

(GUDYNAS, 2011b, p. 242).

Em junho de 2013, na cidade de Quito, houve um passo na história do Buen Vivir, o

“Encontro Internacional sobre Crisis Civilizatoria: Ecossocialismo y Buen Vivir”. Esse foi um

momento de diálogos sobre as pautas políticas do ecossocialismo e Buen Vivir com o

objetivo de buscar alternativas ao poder hegemônico das oligarquias capitalistas e

apresentar propostas e esperanças de uma outra sociedade.

O documento elaborado pelo Encontro apresenta pontos concretos para política

socioambiental. Para romper com o neodesenvolvimento extrativista, o poder público e a

sociedade devem (DECLARACIÓN DE QUITO, 2013):

Construir uma relação respeitosa com as lutas populares e movimentos sociais que

defendem os bens comuns, sobrevivência e emancipação;

Incentivar iniciativas comuns e comunitárias nos níveis local, regional e nacional;

Aceitar os limites biofísicos e ecossistêmicos;

Lutar contra a mercantilização da Natureza, dos ecossistemas e dos bens comuns;

Proteger a biodiversidade e enfrentar diretamente os mecanismos corporativos

destinados a apropriar-se dela através de manipulação genética, as patentes e outras

formas de privatização do conhecimento;

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Desenvolver a estratégia para superar o extrativismo predatório, com planos concretos

para mudar a matriz energética baseada em hidrocarbonetos fósseis e reduzir o desperdício

de recursos;

Alcançar a integração regional da América Latina (com iniciativas como CELAC,

UNASUL, o Banco del Sur, ALBA-TSP, Petrocaribe, etc.) para a inserção comum na

economia mundial dentro de um internacionalismo ecossocialista que promova a

cooperação Sul-Sul e ajude a alterar a desigualdade das relações Norte-Sul;

Reconhecer e reforçar o papel dos saberes tradicionais; e

Lutar contra modelos consumistas, tendo como guia a concretização de Buen Vivir nas

práticas.

Houve a participação de diversos pesquisadores e militantes sociais e de diversos

países. Entre os presentes estavam os brasileiros João Alfredo Telles Melo do PSOL e

Francisco Caporal, Universidade Federal Rural de Pernambuco; o argentino Guido

Galafassi, (Universidad de Quilmes); o cubano Fabio Grobart (Universidad la Habana); os

equatorianos Carlos Prieto (IAEN); Matthieu Le Quang (IAEN), Miguel Ruiz (IAEN) e Tamia

Vercoutère (projeto Yachay); o mexicano Gian Carlo Delgado (UNAM); os venezuelanos

Miguel Angel Núñez (Instituto Universitario Latinoamericano de Agroecologia ”Paulo Freire”)

e Ximena Gonzáles Broquen (Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas); os

europeus Daniel Tanuro, (Clima y Justicia Social da Bélgica); Jorge Riechmann (Universidad

Autónoma de Madrid da Espanha); Michael Löwy (Centro Nacional de la Investigación

Científica da França); os estadunidenses Joel Kovel (Red Ecosocialista Internacional) e

John Fagan (Earth Open Source); e o canadense Terisa Turner (Universidad de Gelph)

(DECLARACIÓN DE QUITO, 2013).

. A proposta que uniu esses diversos nomes e origens foi o compromisso de todos nos

esforços para construir os princípios do Buen Vivir, o ecossocialismo, ecofeminismo, a

ecologia política radical, justiça ambiental, entre outras propostas emancipatórias

(Declaración de Quito, 2013). A virtude do encontro foi permitir o contato da militância do

Buen Vivir com diversas propostas de transformação social, principalmente a ecossocialista.

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2.5 Política partidária ecológica na França

A França tem uma longa história de política ecológica. O primeiro candidato de

plataforma ambiental francês foi René Dumont, em campanha presidencial em 1974

(CHESNAIS, 2012, p. 157).

Mesmo com o aumento da preocupação ecológica no país, há pouco espaço para uma

transformação ecossocial no Partido Socialista, o principal partido de esquerda francês. A

visão ecológica nos partidos socialdemocratas e socialista permanece minoritária, por

exemplo, a corrente altermundialista e ecológica alcançou apenas 2% no Congresso do

Partido Socialista francês em 2008 (Münster, 2013, p. 120). Os atuais partidos socialistas e

marxistas ortodoxos não conseguem revisar sua posição produtivista e foco no crescimento,

ao mesmo tempo em que os partidos Verdes não rompem com a economia de mercado

capitalista, adotando o ecocapitalismo liberal, propondo algumas reformas ecológicas, mas

sem alteração da forma de produção capitalista (MÜNSTER, 2013, p. 120).

A coligação entre o Partido Socialista e o EELV (Europe Ecologie Les Verts) na

eleição francesa de 2012 ilustra como as propostas ambientais dos verdes franceses, além

de não questionarem o modo de produção capitalista, não apresentam propostas de

transformações profundas na sociedade (Münster, 2013, p. 121). Para Münster, a

associação da EELV na campanha do primeiro ministro Jean-Marc Ayrault, do PS, de 2012

é marcada pela postura de obediência e de simples auxílio em troca de participação do

governo e algumas concessões ecológicas, como redução e fechamento de usinas

nucleares. Essa associação também contribuiu para desencorajar sua militância verde para

uma postura transformadora, ecológica radical, fazendo-a manter uma posição a favor do

capitalismo e sua lógica produtivista (MÜNSTER, 2013, p. 122).

Outro exemplo da falta de uma proposta transformadora das coligações verdes-

socialistas europeias é o modelo adotado na Alemanha na gestão do chanceler Gerhard

Schröder com a participação de Daniel Cohn-Bendit. A adoção de um projeto político

ambiental reformista do EELV na coligação do governo alemão o distancia de uma proposta

mais radical, ecossocialista (MÜNSTER, 2013, p. 121-122).

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2.6 Política partidária ecológica no Brasil

Para Viola, a política ambiental brasileira pode ser dividida em duas fases: a primeira,

que inicia em torno de 1971 e vai até 1986, associada à educação ambiental, representa um

esforço para difundir uma consciência ecológica, com a finalidade de impedir a deterioração

do meio ambiente. A segunda fase, a partir de 1987, incorpora a gradual institucionalização

do movimento e o debate sobre o modelo de desenvolvimento do país e sua relação com os

desequilíbrios ambientais (VIOLA, 1992, p. 89).

Antes da década de 1970, houve diversas vozes brasileiras que denunciaram

situações de riscos e desequilíbrios ambientais específicos. Os alertas de José Bonifácio,

Euclides da Cunha e Alberto Torres sobre as consequências predatórias da monocultura

dos ciclos de cana-de-açúcar e café, que favoreciam apenas aos interesses europeus, são

exemplos dessas vozes isoladas (Viola, 1992, p. 92). Esses autores identificaram e

registraram a preocupação com o processo de degradação ambiental, já iniciada com a

monocultura da colonização portuguesa no Brasil. Essa monocultura foi instalada no país

associada a baixa produtividade econômica, técnicas nada inovadoras de preparo do solo e

de cultivo, além de ser consumidora insaciável de terra, matérias-primas e trabalho. Além da

atuação agrícola gananciosa, faltaram processos de recuperação e adubação, até mesmo

por “estrume animal, pois a pecuária esteve dissociada dessa agricultura essencialmente

comercial” (Martinez, 2006, p. 77). A Mata Atlântica foi a principal área impactada por esse

processo, pois, excetuando a Bahia e Pernambuco, onde a fertilidade natural do solo foi

mais duradoura, rapidamente os solos foram exauridos (MARTINEZ, 2006, p. 77).

O alerta de José Bonifácio de 1823 contra o modelo plantation adotado no Brasil,

altamente nocivo ao meio ambiente, está presente na Obra política de José Bonifácio de

Octaviano Nogueira citado por Alier (2009, p. 30-31):

A Natureza fez tudo a nosso favor, nós, porém, pouco ou nada temos

feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, as poucas que

temos rotado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes

e forçados. Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores

ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas

preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado

destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas

vão-se escalvando diariamente, e, com o andar do tempo, faltarão as

chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas

fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois

séculos, ficará reduzido aos páramos de desertos áridos da Líbia.

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Virá então este dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza

se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos.

Infelizmente os alertas de José Bonifácio serviram apenas para o autor ser

considerado por muitos ambientalistas brasileiros como o “Patriarca do Reflorestamento”

(ALIER, 2009, p. 30).

Em 1942, o padre jesuíta Balduíno Rambo publicou o livro Fisionomia do Rio Grande

do Sul, descrevendo a geografia e história natural do Rio de Grande do Sul. Na sua obra,

encontra-se o capítulo A Proteção à Natureza que alerta sobre os sinais de agressão

humana e a necessidade de uma consciência preservacionista em defesa da Natureza e

criação de parques nacionais. A importância histórica dessa obra foi o despertar ecológico

de Lutzenberger ao lê-lo na sua infância (CARNEIRO, 1995, p. 9).

Outra voz verde brasileira importante anterior a 1970 foi Roessler. Luiz Henrique

Roessler foi um dos pioneiros da consciência ecológica no Brasil. Ele era funcionário da

Delegacia Estadual dos Portos e aproveitava suas viagens de ofício para deixar cartazes

nos postes com mensagens de defesa do meio ambiente e, após o expediente, fazia,

inicialmente de forma voluntária e posteriormente credenciado pelo Ministério da Agricultura,

fiscalização de caça e pesca no Rio Grande do Sul. Sua credencial foi cassada após

denunciar a poluição do rio Sinos pela indústria dos curtumes. Sua reação à cassação foi a

criação da primeira entidade ecológica brasileira, União Protetora da Natureza - UPN, em

1955 (Carneiro, 1995, p. 8). A ação educativa da UPN utilizava mensagens endereçadas

aos pais para aplicar seus ensinamentos na educação dos filhos, utilizou panfletos contendo

desenho do próprio Roessler e mensagens fortes e diretas (Pereira, 2008). Roessler

publicou suas propostas e reflexões no O Correio do Povo de 1957 até o dia 8 de novembro

de 1963, dia de seu falecimento; suas ideias apresentadas no jornal influenciaram as

gerações seguintes de ecologistas gaúchos (CARNEIRO, 1995, p. 9).

O Brasil teve três fatores que impactaram a politica ecológica na década de 1970: o

Estado brasileiro teve que adotar medidas preservacionistas para ter acesso aos

investimentos e empréstimos junto às agências internacionais, pois a questão ambiental

entrou na pauta das exigências pelo impacto da Conferência de Estocolmo 1972;

crescimento dos movimentos ambientais brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro e Rio

Grande do Sul; e o retorno dos exilados políticos com experiência do debate ecológico

(Gonçalves, 2013, p. 16). Além desses, houve fatores internos como devastação ambiental

gerada pelo “milagre brasileiro”, despertar da luta pela qualidade de vida pelo estrato médio

da população brasileira, liberação política iniciada em 1974 e a derrota da luta revolucionária

da esquerda brasileira (VIOLA, 1992, p. 90).

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O movimento ecológico no Brasil foi enriquecido nas décadas 1970 e 1980 pelo

debate e ações políticas apontados acima, mas também, por produção teórica. No plano

reflexivo, houve algumas publicações que contribuíram com o debate ecológico, com

destaque dos livros Poluição: A morte dos nossos rios de 1972 de Samuel Murgel Branco; O

Fim do Futuro de José Lutzenberger de 1975 e Catecismo da Ecologia de Vasconcelos

Sobrinho (CARNEIRO, 1995, p. 10).

Na década de 1980, houve grande aumento de grupos ambientalistas, principalmente

nas regiões Sul e Sudeste. Em 1980, eram 40 grupos, cinco anos depois, a quantidade

girava em torno de 400 (Viola, 1992, p. 93) e, em 1989, 700 (Viola, 1992, p. 96). Os

primeiros focos de ações desses grupos foram: alertas contra as fábricas e usinas

poluidoras, riscos a áreas verdes protegidas, degradação de reservas ecológicas e as

ameaças de áreas urbanas de valor histórico pelo setor imobiliário (Viola, 1992, p. 93- 94).

Um ponto de inflexão desses movimentos foi a profissionalização de algumas associações,

pois houve a incorporação da sistematização de ações para a preservação e restauração do

ambiente degradado (VIOLA, 1992, p. 97).

Lutzenberger foi um personagem importante na história ambiental brasileira. Esse

ambientalista era engenheiro agrônomo, que abandonou o emprego em uma multinacional

do agrotóxico. Foi o autor de uma das primeiras publicações brasileiras de cunho ecológico:

Fim do Futuro? Manifesto Ecológico Brasileiro (Viola, 1987a). Mas sua atuação não ficou

restrita apenas ao plano teórico, em junho de 1971, ele liderou um grupo de combativos

ambientalistas para fundação da AGAPAN, Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente

Natural (VIOLA, 1987a).

AGAPAN foi a primeira associação ecologista a surgir no Brasil e na América Latina

(Viola, 1987a). Seu programa de fundação tinha os seguintes pontos de ação:

“defesa da fauna e da vegetação; combate a uso exagerado dos

meios mecânicos contra o solo e à poluição causada pelas indústrias

e veículos; combate ao uso indiscriminado de inseticidas não-

tratados; combate às destruições desnecessárias de belezas

paisagísticas; luta pela salvação da humanidade da destruição,

promovendo a ecologia como ciência da sobrevivência e difundindo

uma nova moral ecológica” (VIOLA, 1987a).

Para Viola, a AGAPAN “teve sucesso na articulação de um programa estratégico que

incluiu não apenas medidas de preservação, mas também tendências conservacionistas e

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sensibilidade para a visão da ecologia como uma ciência para a sobrevivência e a

formulação de estilos alternativos de vida” (Viola, 1992, p. 90). A primeira grande vitória

da AGAPAN foi a inclusão da proibição de construção de usinas nucleares na Constituição

do Estado do Rio Grande do Sul (VIOLA, 1987a). A AGAPAN continua muito atuante, os

temas de ação previstos na AGAPAN estão disponíveis no sitio da instituição: agrotóxicos,

aquecimento global, mobilidade urbana, código florestal, leis ambientais ameaçadas no Rio

Grande do Sul, planejamento urbanístico do Guaíba, transgênicos, túneis verdes, entre

outros.

O ingresso da pauta ecológica na política partidária brasileira foi novidade ambiental

do fim do século XX. A participação do movimento ecológico na fundação do Partido dos

Trabalhadores envolveu um amplo debate no fim da década de 1970 e inicio dos anos 1980.

O setor ecossocialista participou mais intensamente que os realistas desse momento, pois

apostaram na transformação social, com participação principalmente de uma classe operária

de consciência socialista e ecológica (Viola, 1987b, p. 47). O grande obstáculo dessa aposta

era a limitada receptividade do movimento operário ao ecossocialismo, pois a “mentalidade

média do operariado brasileiro é favorável a altas taxas de crescimento econômico (sem

importar seu caráter degradador do meio ambiente) e redistribuição de renda” (Viola, 1987b,

p. 47). As exceções dessa forma de pensamento, eram os movimentos dos trabalhadores

de área industriais como Cubatão, Criciúma e Gravatal. Mesmo com as dificuldades, a

corrente ecossocialista apostou na transformação do PT em um partido ecossocialista,

apostando na possível sensibilidade ecológica fertilizada por sua opção socialista

democrática (VIOLA, 1987b, p. 47).

Após os primeiros meses do governo presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, os

ecossocialistas do Partido dos Trabalhadores entraram em crise. Grande parte dos

ecossocialistas saiu para participar da fundação do PSOL, Partido Socialista e Liberdade, e

posteriormente, o grupo liderado por Marina Silva saiu, no primeiro momento para a

candidatura da Marina à presidência pelo Partido Verde e posteriormente, com o

rompimento com o Partido Verde, a fundação da Rede Sustentabilidade. Esse processo

será debatido no capítulo 4 – Ecossocialismo Brasileiro.

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63

. Na década de 1980, começaram os primeiros resultados eleitorais das candidaturas

verdes. Em 1986, foi eleito o primeiro deputado federal com plataforma ecológica: Fábio

Feldman pelo PMDB (Viola, 1992, p. 94). Mesmo sendo o único deputado verde eleito na

Assembleia Constituinte, ele conseguiu sensibilizar, com ajuda do lobby ambientalista,

outros parlamentares para a criação da Frente Parlamentar Verde, com 15% do congresso

(Viola, 1992, p. 97-98). Esse pequeno grupo conseguiu assegurar em constituição o direito

do brasileiro em ter condições socioambientais dignas. Para isso, está determinado no

Capítulo IV Meio Ambiente, Art. 225, que “Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de

vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para

as presentes e futuras gerações”. Para assegurar esse direito da população no Brasil, o

Capítulo IV prevê obrigações do Estado para promover educação ambiental, proteção de

biomas e fauna e flora em risco de extinção. Além do Capítulo IV, há também o Artigo 23 do

Título III, Da Organização do Estado, da Constituição que define a competência comum do

Estado (nos três níveis) de zelar e proteger o meio ambiente e combater a poluição (VI),

preservar as florestas, a fauna e a flora (VII), fomentar a produção agropecuária e organizar

o abastecimento alimentar (VIII), promover programas de construção de moradias e a

melhorias das condições habitacionais e de saneamento básico (IX), combater as causas da

pobreza e os fatores de marginalização (X) (BRASIL, 1988).

A fundação do Partido Verde, PV, foi outra consequência do aumento do

envolvimento dos movimentos ambientalistas com a política partidária. Coerentemente com

o momento histórico de relações de conflito no movimento ambiental, a fundação do PV

brasileiro envolveu o debate entre quatro posições.

A primeira posição defendia que o Partido Verde era desejável e viável em curto

prazo. A principal corrente dessa opção era o “Coletivo Verde” do Rio de Janeiro com o

argumento que a “participação na arena parlamentar é fundamental para a luta ecologista,

como vem demonstrando a experiência europeia” (VIOLA, 1987b, p. 48). Para Sirkis (1987,

p. 62), a ação política deveria ser inserida em uma perspectiva de luta pelo poder e “os

verdes devem se preparar para exercê-lo dentro de padrões éticos diferentes dos da política

tradicional brasileira”.

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A segunda posição defendia que o Partido Verde era desejável, porém não era viável

em curto prazo. A corrente majoritária dessa posição era o “Movimento Ecológico Livre” de

Florianópolis que alegava que o “movimento ecológico brasileiro é ainda insuficientemente

consistente na sua base para lançar à dificílima tarefa de construção de um partido”, o temor

dessa corrente era o risco do Partido Verde cometer os mesmos erros dos partidos já

existentes, como personalismo, oportunismo, clientelismo e sectarismo (VIOLA, 1987b, p.

48).

A terceira posição achava que o Partido Verde não era desejável. A alegação dessa

postura, fundamentalista, era baseada na ideia de que a “arena parlamentar é negativa para

o movimento ecológico, já que o leva inexoravelmente à realização de compromissos com

as formas tradicionais de fazer política” (VIOLA, 1987b, p. 48-49).

A última posição confiava que o Partido dos Trabalhadores poderia se transformar em

um Partido Verde. Esse posicionamento foi sustentado principalmente pelos ecologistas

petistas gaúchos que acreditavam ser possível transformar o PT com valores ecológicos e

com a vantagem petista de ter uma base popular (VIOLA, 1987b, p. 48-49).

Em 1986, foi fundado o Partido Verde brasileiro com a vitória da primeira posição do

debate sobre a criação do PV, principalmente nos estados Rio de Janeiro, São Paulo, Santa

Catarina e Minas Gerais. Devido a alguns problemas enfrentados pelo partido, seu registro

definitivo foi obtido somente em 30 de setembro de 1993 (Rabóczkay, 2004, p. 57). O

Manifesto do Partido Verde afirmava ser este um partido de mudanças, de movimento de

cidadãos e não de políticos profissionais, com o objetivo de “transformar a vida das pessoas

fazendo-a mais livre e digna” (PV, 1987, 65-66). Mas, sem um modelo pré-definido, para

Sirkis (1987, p. 61), o partido surgiu sem “grandes gênios do pensamento, como Marx e

Engels, capazes de criar um edifício teórico completo como o Capital”.

Mesmo após a fundação do Partido Verde, o debate interno entre as correntes

continuou, mas o foco se transferiu para a política de alianças. O debate sobre coligações

do PV envolve até hoje, duas posições: a primeira é contra coligações, pois acredita não ser

desejável a negociação com políticos comprometidos com interesses de “grupelhos, famílias

ou pessoas” e defendem rigidez no relacionamento com demais partidos, pois “nem o

autoritarismo da esquerda é mais palatável do que o da direita” (Rabóczkay, 2004, p. 130); e

outra, mais pragmática, que defende as coligações “com qualquer um”, sem abandonar os

princípios do partido (Rabóczkay, 2004, p. 130), um de seus argumentos é que as

organizações sem grandes recursos financeiros não conseguem muito espaço para sua

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visibilidade junto à sociedade (Rabóczkay, 2004, p. 128). A atual política do partido “não

admite normalmente, uma coligação com outra agremiação se esta for tachada de direitista”

(Rabóczkay, 2004, p. 128). Uma liderança que defende a primeira posição é Tibor

Rabóczkay, para esse militante do PV de São Paulo, o Partido Verde deve ser independente

não só dos demais partidos brasileiros, até mesmo dos demais Partidos Verdes dos outros

países, nesse caso, ele argumenta que os problemas locais demandam estratégicas

específicas (Rabóczkay, 2004, p. 16). Mas a história do partido tem mostrado que a

segunda posição, mais pragmática, tem prevalecido.

Nesse aspecto, o PV é fiel à crença dos realistas que é possível “esverdear” a

sociedade sem entrar em conflito com a política, seja de esquerda ou de direita. Para Sirkis

(2011, p. 45), a proposta não é ““eliminar”, de algum modo, a direita, mas de superá-la

culturalmente, como recentemente nos EUA, com o fenômeno Obama”, Sirkis “reconheceu”

que a superação do exemplo – Obama – foi momentânea e efêmera (Sirkis, 2011, p. 45).

Nesse sentido, a presença de Eduardo Jorge e Alfredo Sirkis nas secretarias de meio

ambiente das prefeituras de Kassab (São Paulo) e César Maia (Rio de Janeiro) foi avaliada

como positiva, pois para Sirkis (2011, p. 51) a presença verde nessas prefeituras “resultou

em notórias realizações ambientais e urbanísticas”.

A experiência eleitoral da campanha de Gabeira de 1986 foi animadora para o Partido

Verde, um marco histórico foi a união dos realistas e ecossocialistas em uma mesma

campanha eleitoral. Mesmo antes da criação formal do Partido, os verdes lançaram o

jornalista Fernando Gabeira ao governo do Estado do Rio de Janeiro através de uma

coligação informal entre o Partido Verde e o Partido dos Trabalhadores, associado às

candidaturas verdes de Liszt Vieira para deputado federal constituinte e Carlos Minc e

Herbert Daniel para a câmara estadual (Rabóczkay, 2004, p. 54). O resultado foi positivo,

Gabeira alcançou 9%, sendo 11% na região metropolitana e 20% em algumas pequenas

cidades do interior, como Volta Redonda e Petrópolis. Outro ponto vitorioso foi a eleição de

Minc como primeiro deputado estadual fluminense verde (RABÓCZKAY, 2004, p. 54).

Uma grande inovação da campanha foi provocar a participação da população nas

transformações. Com o criativo slogan É só querer, a campanha buscava instigar no eleitor

a sensação de que as mudanças dependiam dele, assim “o que estava em jogo não era só

a competência de seu candidato, mas sua vontade mesma de transformar” (GABEIRA,

1987, p. 103).

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O ponto alto da campanha foi o Abraço à Lagoa. A manifestação do Abraço

denunciava a ausência de uma demarcação clara das margens e o despejo de esgotos em

suas águas, comum aos demais espaços hídricos da cidade, Baía de Guanabara e Rio

Paraíba (Gabeira, 1987, p. 169). A manifestação superou os oito mil participantes

necessários para seu sucesso (Gabeira, 1987, p. 166). Para Gabeira, o “Abraço à Lagoa

provou que é possível caminhar por novas trilhas e que o Brasil resiste, através de milhares

de pessoas, e o único problema é encontrar os momentos e as chances para que elas

possam se manifestar” (GABEIRA, 1987, p. 174).

A apresentação de uma política ecológica foi um marco da campanha de 1986. Além

do resultado quantitativo, a grande vitória foi a oportunidade de apresentar propostas e

polêmicas verdes de uma forma ampla (Sirkis, 1987, p. 62). Uma contribuição da campanha

foi o debate e divulgação dos riscos da presença das usinas nucleares, (Gabeira, 1987, p.

64) com a novidade do envolvimento do sindicato dos ferroviários na solução de uma

possível fuga rápida no caso de acidente nuclear por um ramal ferroviário desativado

(Gabeira, 1987, p. 162). A originalidade da campanha foi combinar a plataforma ambiental

com questões sociais como “libertação das mulheres, discriminação racial e direito das

minorias” (GABEIRA, 1987, p. 105).

Em 1989, o Partido Verde indicou Fernando Gabeira para vice de Luís Inácio Lula da

Silva do PT para a presidência, mas após pressão de alguns setores dos demais partidos da

candidatura, o nome verde foi retirado e o Partido Verde, inicialmente, optou pelo

lançamento de Herbert Daniel, que associava o ativismo verde e homossexual (Rabóczkay,

2004, p. 55). Mas o candidato oficial do Partido foi Fernando Gabeira (TSE).

Gabeira, pelo Partido Verde, participou de mais duas campanhas eleitorais

expressivas: em 2008 para a prefeitura do Rio de Janeiro, aliado ao PSDB e PPS, indo para

o segundo turno com votação de 25,61%, perdeu no segundo turno para Eduardo Paes por

apenas 1,66%; em 2010, com a coligação DEM, PSDB e PPS, ficou em segundo lugar com

20,68% dos votos à governador do Estado do Rio de Janeiro (índices apurados no sitio

TSE).

Para a presidência da República, o Partido Verde alcançou os seguintes índices:

0,18% com Gabeira em 1989 e 0,31% com Alfredo Sirkis em 1998 (índices apurados no sitio

TSE). Em 1994, o PV apoiou o candidato Lula, porém nas eleições presidenciais de 2002 e

2006, o PV não apresentou candidato e nem apoiou um, “abriu o voto” (Sirkis, 2011, p. 28).

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Em 2009, o Partido Verde optou por uma candidatura própria para eleições de 2010 e

em julho de 2009, iniciou as negociações com Marina Silva para sua candidatura à

presidência como uma resposta à avalição que o governo “fracassou na criação de um novo

marco institucional e ético, um novo modelo para a nação” e não “soube enfrentar a questão

do desenvolvimento sustentável nem o desafio socioambiental” (Sirkis, 2011, p. 33). A

avalição do PV foi que a Marina seria uma alternativa competitiva aos candidatos

conhecidos e superaria o voto ideológico ou de protesto como foi Heloísa Helena. A

proposta da campanha era “Não é Lula nem anti-Lula, mas pós-Lula” (Sirkis, 2011, p. 35).

Nessa campanha, o PV com Marina Silva alcançou 19,33% dos votos (TSE).

Confirmando a crença da relativização ideológica e sua “vocação” para intermediar do

pensamento realista, o PV acreditava que a vitória da Marina Silva conseguiria unir o Partido

dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Para Sirkis

(2011, p. 135), esses partidos “social-democratas, cada um à sua maneira, não se juntariam

em um governo comandado por um ou outro, mas Marina poderia promover esse

“realinhamento histórico” com sua mediação”, o que permitiria uma gestão mais

programática sem precisar se render às negociações com o PMDB ou DEM. Sirkis

acreditava que a associação desses partidos no governo de Marina Silva seria positiva para

todos, “lhes faria um imenso bem, permitindo em ambos os partidos, a emergência daquilo

que têm de melhor” (Sirkis, 2011, p. 171). Além do PSDB e PT, a proposta era envolver “as

pessoas do bem” dos demais partidos, PMDB, DEM entre outros, na participação da

governabilidade (Sirkis, 2011, p. 171). Essa proposta foi retomada na campanha de Marina

Silva à presidência, pelo PSB, em 2014 pela proposta de governar com os melhores do país

(SILVA, 2014).

O candidato verde na eleição presidencial de 2014 foi Eduardo Jorge com slogan

“Viver bem. Viver Verde”. Seu documento de campanha, Diretriz, apresentou suas propostas

inovadoras e avançadas, como a remuneração dos parlamentares, descriminalização do

aborto.

Estão apresentados abaixo alguns pontos do documento:

Desenvolvimento Sustentável: O conceito de Desenvolvimento Sustentável defendido

pelo documento é que as ações individuais e coletivas sejam orientadas pelo equilíbrio entre

os fatores ecológicos, sociais e econômicos (PV, 2014, p. 4). Para alcançar essa harmonia

entre os fatores, as diferenças dos padrões de vida devem ser enfrentadas, inclusive com

crescimento zero ou redução de consumo para as regiões e setores privilegiados, inclusive

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no Brasil, para setores pobres poderem melhorar a qualidade de vida (PV, 2014, p. 5). Para

o PV (2014, p. 5), é possível “um projeto para o Brasil que combine desenvolvimento

sustentável, justiça social, cultura de paz com radicalização da democracia”;

Reforma Política: Esse item apresenta a percepção de democracia para o Partido

Verde, que defende a democracia participativa e direta. O primeiro ponto debatido foi o

papel e condições dos parlamentares: a proposta envolve, além da eliminação de verbas de

gabinete, a redução de gasto do legislativo com redução de parlamentares e teto máximo de

20 salários mínimos para os parlamentares federais e estaduais e o fim do salário dos

vereadores, o argumento para eliminar o salário do vereador foi que “é função de relevância

pública” e “ser vereador é uma honra para o cidadão eleito” (PV, 2014, p. 7). No nível

municipal, as alterações buscam “a fusão da democracia representativa e participativa” com

a eleição direta dos conselhos de cidadãos com funções integradas e complementares às

Câmaras Municipais, inclusive na elaboração de projetos e orçamentos (PV, 2014, p. 7).

Além da alteração das condições dos parlamentares, o PV retoma dois debates: voto

distrital misto e facultativo (para aproximar o cidadão e o parlamento com redução de custo

de campanha, com o fim da obrigatoriedade do voto) e o plebiscito sobre parlamentarismo,

pois para o PV, o atual modelo é “presidencialista imperial e centralizador” e estimula o

“messianismo despolitizador e regressivo” (PV, 2014, p. 8);

Mais Brasil, menos Brasília: A proposta é transferir gestão de recursos e obrigações

para o nível municipal, pois a “proximidade com os cidadãos abre oportunidade maior à

participação e democracia direta” (PV, 2014, p. 10). O governo federal terá apenas a função

de coordenação e o governo estadual será o responsável de agrupar os municípios em

regiões e consórcios para melhor eficiência das políticas públicas (PV, 2014, p. 10-11);

Economia Verde: A condução da economia do país será orientada pela associação da

economia de baixo carbono, democracia, respeito à diversidade e igualdade com a

substituição do parâmetro de crescimento do PIB pelo IDH da ONU, pois incrementa

indicadores de educação e saúde a evolução do PIB per capita (PV, 2014, p. 12);

Energia: Esse item está baseado nos textos do professor José Goldemberg (PV, 2014,

p. 21). A proposta é gerar aumento de oferta de energia com eficiência sem comprometer os

recursos naturais e ampliar a emissão de gases de efeito estufa. Entre as propostas está o

investimento em tecnologia para aumentar a eficiência dos motores utilizados na indústria

automobilística e investimento em Gás de xisto por seu baixo custo mesmo com alto preço

ambiental (PV, 2014, p. 21). A posição do Partido Verde em relação à energia nuclear é ser

contrária, inclusive com a desativação das usinas existentes em Angra (PV, 2014, p. 21);

Previdência Segura: A solução, inclusive para o desequilíbrio das contas da

Previdência, é unificar o regime para todos os brasileiros, inclusive deputado, camponês,

empresário ou alto burocrata. O atual regime do INSS será o ponto de partida, mantendo os

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tipos atuais: por contribuição, idade, invalidez, casos de profissões insalubres e perigosas,

porém com teto máximo de 10 salários mínimos (PV, 2014, p. 22);

Saúde e Educação: O aumento do investimento nas áreas de saúde e educação está

associado a implantação do tributo único federal. Esse tributo financiará, além da saúde e

educação, a política de estímulo ao baixo carbono e o combate ao aquecimento global com

investimentos na agricultura mais limpa, combate ao desmatamento, energias renováveis e

transporte público (PV, 2014, p. 23). A educação terá a revisão de conteúdo para agregar a

disseminação de valores como o valor do trabalho, da solidariedade, respeito à diversidade,

observação da Natureza e música. Além dessas mudanças, a saúde terá ênfase na

educação para prevenção na saúde (PV, 2014, p. 24). O capítulo da saúde prevê dois

pontos envolvendo o planejamento familiar e a gravidez indesejada: a opção da esterilização

voluntária e a legalização do procedimento de interrupção da gravidez sem a

obrigatoriedade de todos os profissionais de saúde, possibilitando a recusa por motivos

filosóficos ou religiosos (PV, 2014, p. 24);

Cultura da paz: Os preceitos da Carta da Terra são aplicados e refletidos, inclusive

como material básico nas escolas, com uma política de apoio as diversidades e revisão da

política de segurança pública (PV, 2014, p. 26-27). Um ponto inovador ecológico da cultura

da paz dessa diretriz é a política de Bem Estar Animal com o fim da escravidão animal,

inclusive com preocupação do bem estar dos animais de estimação e política de estimulo à

alimentação vegetariana (PV, 2014, p. 28);

Desigualdade e Miséria: as inspirações da política ao combate à desigualdade e

miséria são a Economia solidária defendida por Paul Singer e a política de inclusão de

Muhammad Yunus. Além da manutenção do programa Bolsa Família e as melhorias da

qualidade de vida apontadas nos itens anteriores da Diretriz, o PV propõe, como política de

acesso ao emprego, a redução imediata da jornada de trabalho para 40 horas semanais

com reduções graduais até atingir 30 horas semanais (PV, 2014, p. 30);

Internacionalismo: A globalização deve ser transformada para ser benéfica a todo o

planeta, para isso, a insustentável desigualdade entre os países deve ser superada. O PV

apoia a ONU como gestor mundial pela paz e solução de conflitos, mas assume que o Brasil

deve liderar a construção de uma governança mundial orientada pela cultura da paz e

desenvolvimento sustentável (PV, 2014, p. 31).

O documento Diretriz expressa conceitos realistas como Desenvolvimento Sustentável

e Economia Verde, além de proposta dos direitos dos animais sem avançar em questões de

transformações mais profundas no modo de produção e domínio do capital sobre o trabalho

e Natureza.

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Apesar de ter uma presença positiva nos debates promovidos pelos meios de

comunicação, Eduardo Jorge alcançou em torno de 630 mil votos, ficando com 0,61% dos

votos (TSE).

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CAPÍTULO 3 – Ecossocialismo

3.1 Corrente Ecossocialista: Pensamentos e Propostas

O ecossocialismo é a proposta utópica concreta de mudança socioambiental que

associa as lutas ambientalistas aos demais movimentos representativos da classe social

oprimida. O ecossocialismo une as práxis ecológica e socialista, pois considera que o

socialismo sem a visão ecológica não consegue ser alternativa aos desafios

socioambientais do século XXI e a ecologia que não seja socialista não tem a radicalidade

necessária para enfrentar esses desafios. A definição presente na obra de Löwy (2005a, p.

47; 2009a, p. 7; 2010, p. 37; 2011, p. 31-32) para o ecossocialismo é: uma corrente de

pensamento e ação ecológica que incorpora fundamentos do pensamento marxista, ao

mesmo tempo em que o liberta das escórias produtivistas. Para o ecossocialismo, a lógica

da dominação do mercado e a sua busca de lucro como fim em si mesmo, inerente ao

capitalismo e ao autoritarismo burocrático do finado socialismo “real”, são incompatíveis com

a necessidade de preservação da capacidade do meio ambiente em suprir a vida, inclusive

a da humanidade.

O ecossocialismo inclui, dentro da superação do capitalismo ecológico, projeto

reformista-revolucionário de um planejamento ambiental democrático, como resultado de

uma síntese dialética das teses do movimento ambientalista radical com a crítica marxista

sobre a economia política. E esta síntese dialética é ao mesmo tempo uma crítica à ecologia

de mercado e ao socialismo produtivista, que continuam a ser indiferentes aos limites da

Natureza (MÜNSTER, 2013, p. 128).

A práxis ecossocialista está em construção e tem diversos “operários”. Para Münster

(2013, p. 139), o ecossocialismo surgiu nos anos 1970 com a integração da ecologia política

por algumas correntes socialistas, associando uma postura ecológica radical à proposta de

um socialismo autogestor; e, também, com uma corrente marxista internacional

comprometida em, além de eliminar a visão produtivista nas suas propostas, assumir

valores da ecologia política. Essa corrente tem os seguintes representantes mais

significativos: René Dumont e André Gorz (França), David Pepper (Inglaterra), Joel Kovel

(Estados Unidos) e Michael Löwy (França e Brasil).

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Löwy amplia a quantidade de “operários ecossocialistas”. Para ele, o ecossocialismo

teve as primeiras contribuições através do socialismo ecológico de alguns pioneiros russos,

ainda no período entre o final do século XIX e início do século XX, entre esses pensadores

estão Sérgio Podolinsky e Vladimir Vernadsky (Löwy, 2000b, p. 234). As contribuições de

elaborações teóricas e práticas ao ecossocialismo têm evoluído a partir da década de 1970

com colaborações surgidas em diversos países: Elmas Altvater e Frieder Otto Wolf

(Alemanha); Barry Commoner, James O’Connor, Joel Kovel e John Bellamy Foster (EUA);

Francisco Fernandez Buey, Jorge Riechmann, Joan Martínez Alier e Manuel Sacristán

(Espanha); André Gorz, Jean-Marie Harribey e Jean-Paul Déléage (França); Raymond

Williams (Reino Unido) (LÖWY, 2000b, p. 234; LÖWY, 2005a, p. 48; LÖWY, 2011, p. 13).

A construção da práxis ecossocialista tem diversos colaboradores em diversos

espaços políticos e acadêmicos. O Ecossocialismo também tem espaço nos debates em

diversas revistas: Capitalism, Nature and Socialism (fundado por James O’Connor); Climate

and Capitalism (editado por Ian Angus); Ecologia Política; Ecología Politique; Ecologie &

Politique (fundada por Jean-Paul Deléage); Ecorev: Revue Critique d’écologie politique;

Mientras Tanto (fundada por Giulia Adinolfi e Manuel Sacristá) e Monthly Review (John B.

Foster é seu editor). Além desses espaços, alguns pensadores mantêm seus blogs para

apresentação de suas ideias e debates, como por exemplo: Corinne M. Darleux, Daniel

Tanuro e Michael Löwy. Os endereços eletrônicos das revistas e dos blogs estão

relacionados no item “Sítios” do capítulo Referência Bibliográfica.

A associação dos aspectos sociais e ecológicos fundamenta o raciocínio

ecossocialista. O ecossocialismo está fundado na constatação que a condição ecológica do

planeta, que proporciona condições de vida, inclusive humana, é incompatível com a lógica

expansiva e destrutiva do capitalismo (Löwy, 2011, p. 7); ao mesmo tempo critica o

socialismo não ecológico, pois a experiência soviética não apresentou alternativa ambiental

em relação à prática ecológica dos países capitalistas, e sim, reproduziu o mesmo

produtivismo (LÖWY, 2012a, p. 12).

Para Löwy, o pensamento ecossocialista está alicerçado em dois argumentos: o

primeiro é que o capitalismo é sustentado pela manutenção, e até mesmo, o agravamento

da desigualdade entre os países do Norte e Sul, pois a planeta entraria em colapso se a

acumulação ilimitada, o desperdício de recursos, o consumo ostensivo e a destruição do

meio ambiente atual dos países desenvolvidos fossem estendidos aos demais países. Um

exemplo que ilustra essa desigualdade entre as nações e sua gravidade socioambiental é a

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conclusão de María Mies na publicação “Liberación Del consumo o politización de La vida

cotidiana” em Mientras Tanto: “se fosse generalizado ao conjunto da população mundial o

consumo médio de energia dos EUA, as reservas conhecidas de petróleo ficariam

esgotadas em dezenove dias” (Löwy, 2000b, p. 235-236; Löwy, 2005a, p.49-50; Löwy, 2010,

p. 37; Löwy, 2011, p. 34). O segundo argumento é, mesmo mantendo a desigualdade entre

Nações apontada no primeiro argumento, as condições do planeta de suprir a vida humana

na terra estão seriamente ameaçadas pela dinâmica do capitalismo, e nessa ameaça é

imperativo humano preservar o meio ambiente para possibilitar a continuidade das

condições naturais à vida humana na Terra (LÖWY, 2000b, p. 235-236; LÖWY, 2005a, p.49-

50; LÖWY, 2010, p. 37; LÖWY, 2011, p. 34).

O despertar das lideranças sindicais sobre a urgência ecológica é um dos desafios

ecossocialistas, pois a participação do movimento dos trabalhadores é fundamental na

construção de uma sociedade justa, ecológica e solidária, mas ainda falta sensibilizar a

maioria das lideranças dos trabalhadores sobre a relevância da pauta ecológica. Os

ecossocialistas, apesar de suas críticas às lideranças sindicais, acreditam que a justiça

social e a perenidade ambiental têm, nos trabalhadores e nas suas organizações, forças

transformadoras na construção da sociedade socialista e ecológica, ecossocialista (Löwy,

2005a, p.47; Löwy, 2009a, p.7; Löwy, 2010, p.37; Löwy, 2011, p.31-32). A crítica

ecossocialista sobre a maioria das lideranças sindicais é sua falta de associação das

reinvindicações sobre qualidade de condições da vida e segurança no trabalho à uma pauta

ecológica anticapitalista; os sindicalistas ficam estacionados nas negociações sobre salários

e empregos (Chesnais, 2012, p. 157). Um passo ecossocialista importante para os

sindicatos é considerar as condições do meio ambiente na sua pauta política, com a

superação do foco restrito apenas nas reivindicações monetárias, como manutenção de

emprego e vantagens no cotidiano nas empresas; eles devem ponderar que, além da vida

profissional direta, as condições de moradia em regiões poluídas e outros problemas

ambientais podem afetar a saúde do próprio trabalhador e da família, dilapidando as

conquistas monetárias (BERNARDO, 1995, p. 13).

As ações dos ecossocialistas junto ao movimento sindical estão gerando avanços

positivos, mas há muito por percorrer nessa tarefa. Há correntes sindicais abertas às

propostas ecológicas nos sindicados. O exemplo francês dessa abertura é o SUD –

Solidaires Unitaires Démocratiques, outro exemplo é a divulgação da proposta “Um milhão

de empregos verdes” por alguns sindicatos ingleses. No setor de energia ou do petróleo,

alguns militantes sindicais começam a despertar para a reflexão de busca das alternativas

energéticas, mas o movimento dos mineiros de carvão é mais resistente ao debate sobre

novas formas de energia, assim como o poderoso sindicato CGT – Confédération Générale

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du Travail, do setor de energia, defende as centrais nucleares e uso do petróleo. Nesse

aspecto, os militantes dos partidos ecossocialistas (NPA, PG, Ensemble entre outros) têm

levado o debate socioambiental para o interior das lutas sindicais, cientes de que é uma luta

de longo prazo, mas animados com alguns sinais positivos (LÖWY, 2014a).

O movimento ecossocialista é diversificado, há várias formas de ação, porém a aliança

entre os verdes e os vermelhos, com o diálogo dos verdes libertos da ilusão do

ecorreformismo e os vermelhos sem seu delírio produtivista, é o ponto de convergência

entre as correntes ecossocialistas. A base ecossocialista é a união das visões das correntes

socialistas e ecológicas com o questionamento à autonomização da economia, ao domínio

dos valores quantitativos, à produção como objetivo em si mesma e à tirania do capital. Para

superar essa hegemonia do capital, as propostas vermelhas e verdes devem estar unidas: o

resgate dos valores qualitativos e do valor de uso para a construção de uma igualdade

social e a satisfação das necessidades de todos, para os vermelhos; e a preservação da

Natureza e equilíbrio ecológico para os verdes (LÖWY, 2005a, p. 42; LÖWY, 2011, p. 26).

Nesse caso, não há divergência de objetivos entre vermelhos e verdes, mas

complementariedade, o que se enriquece com a participação das demais “cores” libertárias

do arco-íris ecossocialista. Löwy (2000b, p. 238; 2005a, p. 62; 2011, p. 45) concorda com

Riechmann na afirmação que o combate por uma nova civilização, mais humana e

ecológica, deve unir o conjunto dos movimentos sociais emancipadores, associando

vermelho do movimento operário anticapitalista, a violeta das lutas da libertação da mulher,

o branco dos movimentos pela paz, o negro dos libertários e anarquistas e o verde da luta

por um planeta habitável:

no puede renunciar a ninguno de los colores del arcoiris: ni al rojo del

movimiento obrero anticapitalista e igualitario, ni al violeta de las

luchas por la libertación de la mujer, ni al blanco de los movimientos

noviolentos por la paz, ni al antiautoritario negro de libertarios y

anarquistas, ni mucho menos al verde de la lucha por una

humanidade justa y libre sobre um planeta habitable (RIECHMANN,

2012, p. 39).

Essa associação entre segmentos dos movimentos está presente nos documentos dos

partidos ecossocialistas. Os documentos de programas e debates dos partidos franceses

NPA - Nouveau Parti Anticapitaliste, Parti de Gauche e Ensemble e do brasileiro PSOL

apresentam propostas envolvendo o arco-íris ecossocialista, principalmente, a questão da

libertação da mulher e o fim das discriminações raciais e orientações sexuais, assim

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confirmam a relevância da articulação do arco-íris ecossocialista para a construção de outra

lógica de civilização.

O ecossocialismo é também chamado de ecomarxismo, porque a presença do

pensamento marxista na forma do ecossocialismo propor as transformações para uma outra

sociedade é essencial e polêmica. A relação do pensamento marxista com o debate

ecológico é controversa, pois há passagens da produção marxiana em que ocorre forte

presença de questões ecológicas e em outras, o tema é ignorado. Para Löwy (2005a, p. 19;

Löwy, 2011, p. 79), os temas ecológicos não estão no lugar central nas obras marxianas,

mas há referências do poder destrutivo do produtivismo capitalista e a necessidade de outra

forma de relação entre a Natureza e o homem. A não centralidade do debate ecológico na

produção marxiana possibilitou questionamentos sobre o produtivismo e posição

“prometeico” na sua obra.

Alguns setores do movimento ecológico acusam o pensamento marxista de ser

produtivista. Por um lado, essa acusação é pertinente, pois a questão do progresso da

sociedade foi associada ao evolucionismo, e há falta de uma crítica mais radical à civilização

industrial, essa interpretação da contribuição da evolução humana do capitalismo pode ser

encontrada no prefácio da Contribuição à crítica da economia política de 1859 (Löwy, 2000b,

p. 229; Löwy, 2005a, p. 24; Löwy, 2011, p. 85-86). Por outro lado, a acusação é injusta, pois

apesar da questão ambiental não ser o tema central de sua obra, Marx denunciou o

produtivismo da acumulação capitalista como objetivo por si mesmo como fonte de

deterioração da saúde do trabalhador e da destruição da Natureza (LÖWY, 2000b, p. 229;

LÖWY, 2005, p. 23-24; LÖWY, 2011, p. 84).

No relacionamento inseparável humanidade e Natureza, as consequências nefastas

do capital afetam aos dois. As contradições do “progresso” sob as forças produtivas estão

descritas no Capital, na passagem sobre a agricultura capitalista, na qual os autores

afirmam que essa destrói a saúde física e a vida espiritual do trabalhador, destruindo

também a fertilidade do solo, através de colheitas cada vez mais antecipadas. Para os

autores: “a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de

produção social ao mesmo tempo em que esgota as duas fontes de onde brota toda a

riqueza: a terra e o trabalhador” (LÖWY, 2000b, p. 230).

O Reino da Liberdade é a alternativa marxiana à fúria destrutiva do produtivismo.

Nessa proposta utópica, Marx aponta para uma nova forma de relacionamento da

humanidade com a felicidade, que valoriza a relação entre os seres humanos com os

demais seres e entre si, indica a ruptura com a lógica produtivista do capitalismo e

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socialismo “real” e resgata a valorização do ser humano com sua plena realização de suas

potencialidades. Para Marx, o socialismo resgata a produção de valores de uso: consumo e

produção não devem ser guiados pelo crescimento infinito de posse de bens (“o ter”), mas o

aumento da disponibilidade de tempo para o ser humano buscar e viver suas

potencialidades (“o ser”). Esse tempo será possível com a redução da jornada de trabalho

(Löwy, 2000b, p. 229; Löwy, 2005a, p. 23-24; Löwy, 2005a, p. 58; Löwy, 2005a, p. 71; Löwy,

2011, p. 84; Löwy, 2011, p. 120-121; Löwy, 2012b, p. 149). O tempo é redefinido no Reino

da Liberdade, ele não está mais submetido à lógica da acumulação de infinitas de bens,

induzida pela ideologia burguesa e sua publicidade, mas sim, no envolvimento de atividades

que proporcionam realização pessoal como: culturais, lúdicas, eróticas, esportivas, artísticas

e políticas (LÖWY, 2005a, p. 58; LÖWY, 2005a, p. 71; LÖWY, 2011, p. 120-121).

O tempo social é proporcionado pela libertação da “obrigatoriedade” das pessoas

acumularem bens, e essa liberdade gera condições delas se realizarem através do convívio

cidadão e lúdico, essencial para uma sociedade ecossocialista:

o ecossocialismo é fundado numa aposta, que já era a de Marx:

predominância, numa sociedade sem classes, do “ser” sobre o “ter”,

isto é, da realização pessoal, pelas atividades culturais, lúdicas,

eróticas, esportivas, artísticas, políticas, em vez do desejo de

acumulação ao infinito de bens e produtos. Esse desejo é induzido

pela ideologia burguesa e pela publicidade, e nada indica que é uma

“natureza humana eterna” (LÖWY, 2005a, p. 58).

Associada a crítica de produtivismo, há também, a acusação de que Marx e Engels

defendiam a posição humana como o conquistador “Prometeu”. Essa posição opõe a

humanidade à Natureza, dando ao homem o poder de mestre e dono do mundo natural,

assim, submetendo-a ao domínio tirânico do mesmo, mas essa percepção é contraditória

com a definição de domínio presente nos escritos de Marx e Engels, quando eles definem

que no socialismo os seres humanos terão consciência da Natureza pelo domínio do

conhecimento das suas leis (LÖWY, 2005a, p. 20; LÖWY, 2011, p. 80).

Para Engels, o domínio da Natureza pelo homem não pode ter a mesma lógica de

uma invasão de um povo em terras estrangeiras, esse domínio tem outro conceito: é uma

relação de pertencimento, de conhecimento de suas leis e sabedoria na aplicação da ação

sobre a Natureza (Engels, 2000, p. 223-224). Esse saber é possibilitado pelas ciências

naturais e suas descobertas sobre as consequências das ações humanas sobre a Natureza

de uma forma mais consistente, compreendendo além dos efeitos imediatos. Esse crescente

conhecimento tem consequências positivas para relação entre ambos.

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tanto mais os homens se sentirão unificados com a Natureza e tanto

mais terão a consciência disso, tornando-se cada vez mais impossível

sustentar essa noção absurda e antinatural que estabelece a

oposição entre espírito e matéria, entre o homem e a Natureza, entre

alma e corpo (ENGELS, 2000, p. 224).

Para esses autores não há como separar a humanidade da Natureza. A Natureza é

descrita nos Manuscritos de 1844 como corpo “inorgânico” do homem, isto é, sua

sobrevivência depende de sua interação contínua. Marx (2010, p. 84) afirma que “a vida

psíquica e mental do homem está interconectada com a Natureza não tem outro sentido

senão que a Natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da

natureza”. Mas, para a superação do antagonismo entre homem e Natureza, deve ocorrer a

eliminação da propriedade privada (LÖWY, 2005a, p. 20-21; LÖWY, 2011, p. 80-81).

A relação entre humanidade e Natureza também afeta a percepção de produção de

riqueza, assim, o conceito de geração de riqueza ganhou nova definição pelos autores do

Capital. A riqueza, para Marx, não é produzida somente pelo trabalho, a Natureza é a fonte

dos valores de uso, da riqueza real, manifestada pelo trabalho humano, forma natural

(LÖWY, 2005a, p. 23).

A integração entre a Natureza e a humanidade não é estática, há mudanças mútuas e

“é na medida em que o homem aprendeu a transformar a Natureza que a sua inteligência foi

crescendo” (Engels, 2000, p. 139). Porém, quando o domínio humano transgride os limites

de adaptação da Natureza, sua reação retorna contra o próprio homem. Engels (2000, p.

223-224) alertou que não “nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias

humanas sobre a Natureza. A cada uma dessas vitórias, ela exerce a sua vingança. Cada

uma delas, na verdade, produz, em primeiro lugar, certas consequências com que podemos

contar; mas, em segundo e terceiro lugares, produz outras muito diferentes, não previstas,

que quase sempre anulam essas primeiras consequências”. Esse alerta está fundamentado

na obra de Engels nos exemplos de experiências em diversas passagens da história, em

que a humanidade desmatou para plantar ou para criar gado e, com esse desmatamento,

provocou enchentes, secas, desertificação e proliferação de doenças (ENGELS, 2000, p.

223-224).

Outra contribuição marxiana para o debate socioecológico é o principio da

responsabilidade presente no Livro III do Capital através da afirmação ética que a

humanidade não é proprietária da terra, são sim, ocupantes com direito de usufruir e com a

missão de cuidar e deixá-la em melhores condições para as futuras gerações (LÖWY,

2005a, p. 35; LÖWY, 2011, p. 96).

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O envolvimento de Marx no debate ambiental foi orientado pelas preocupações

ecológicas de seu tempo. Foster (2012, p. 88) alerta que a crítica ecológica de Marx está

limitada pelo período em que foi escrita. As grandes preocupações da sociedade europeia

do século XIX eram: “o esgotamento da fertilidade do solo, só comparável às preocupações

com a crescente poluição das cidades, o desflorestamento de continentes inteiros e os

temores malthusianos de superpopulação” (FOSTER, 2005a, p. 211).

Dessas preocupações, um dos principais pontos ecológicos nas obras de Marx é sua

reflexão sobre o desgaste do solo e seu impacto social. Marx, apoiado pelas pesquisas do

agrônomo químico Justus von Liebig, desenvolveu a problematização e crítica radical dos

desastres socioecológicos resultantes do produtivismo capitalista, assim, avançou a

teorização do metabolismo da ruptura entre a humanidade e a Natureza gerada por este

produtivismo (Löwy, 2005a, p. 27; Löwy, 2011, p. 87). No livro I do Capital, a conclusão

alerta que o produtivismo capitalista não só desgasta a saúde física e espiritual do

trabalhador, mas também, deteriora a relação entre a humanidade e a terra, afetando a

perenidade da fertilidade do solo, tornando cada vez mais difícil a sua contribuição com o

bem viver (LÖWY, 2011, p. 89).

A análise metabólica foi desenvolvida inicialmente pela química e biologia no inicio do

século XIX para auxiliar os estudos sobre os processos químicos dos organismos, suas

operações e interações com o meio ambiente, esse processo é dinâmico e a interação é

mútua, isto é, o organismo extrai matérias e energia do seu meio ambiente e a transforma

por troca metabólica (Foster, 2010, p. 22). Marx incorporou esse conceito, porém ampliando

o seu contexto e o aplicou em sua produção, principalmente após 1950. Em Marx, a troca

metabólica ganhou um “significado ecológico específico e um significado social mais amplo”,

dando-lhe um sentido socioambiental (FOSTER, 2010, p. 22).

Ao ser aplicada na lógica capitalista, a troca metabólica foi interrompida pela excessiva

urbanização e a migração maciça da população para os grandes centros, assim, os

nutrientes essenciais a reposição do solo, produzidos pelo ser humano, eram despejados

nos rios, poluindo-os, ao invés de retornar para o solo (Foster, 2010, p. 24). Esse processo

de absorção de pessoas pelos grandes centros e o empobrecimento químico do solo foi

denominado Raubbau por Justus von Liebig. Para Marx, Raubbau, roubo, tomou a forma de

“uma fenda irreparável” no interior da sociedade ao romper o metabolismo entre a

humanidade e a terra, um metabolismo “prescrito pelas próprias leis naturais”, o que exige

sua restauração sistemática enquanto “lei regulativa da produção social” (FOSTER, 2012, p.

91).

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A fenda metabólica na relação humanidade e Natureza descrita por Marx no século

XIX evoluiu em múltiplas fendas metabólicas e ecológicas, transgredindo as fronteiras entre

a sociedade e a Natureza e colocando em risco as condições de sobrevivência da

humanidade (FOSTER, 2012, p. 101).

A associação dos pensamentos marxista e ecológico provoca um ganho consistente

para as duas correntes de pensamento em igual importância. Para Löwy, é impossível ter

uma análise ecológica sem considerar a crítica marxista da acumulação destrutiva do

capital, sem essa gama de conceito, o parecer ecológico não consegue superar a limitação

de propor ajustes dos excessos do capitalismo produtivista e perde a capacidade de

apresentar soluções consistentes para a crise socioambiental (LÖWY, 2005a, p. 37; LÖWY,

2011, p. 98).

Para compreender esta realidade, suas contradições e as

possibilidades de sua transformação radical, a obra de Marx

permanece um ponto de partida indispensável, uma ferramenta

insubstituível, uma bússola sem a qual temos boas chances de perder

o caminho (LÖWY, 2000c, p. 61).

Em contra partida, o debate ambiental é uma oportunidade de enriquecimento do

pensamento marxista. Os temas ecológicos estão presentes nos itens indicados por Löwy

que devem ser aprofundados no pensamento marxista (LÖWY, 2000a, p. 128):

1. Novo sistema produtivo e tecnológico que não agridam o meio ambiente e usem fontes

renováveis de energia;

2. Radical emancipação do trabalho incluindo o fim da divisão sexual do trabalho e

separação e hierarquização da produção manual e intelectual;

3. Crescente distribuição de bens e serviços para atender as necessidades materiais e

culturais da sociedade, substituindo a lógica do mercado e do dinheiro;

4. As relações entre gêneros e raças sejam verdadeiramente “igualitárias, não

hierárquicas e não opressivas”;

5. Substituição do Estado por um modelo de governança socioambiental democrático, e

a universalização para o conjunto da humanidade de valores até então restritos (e impostos)

às mulheres: a serenidade, o cuidado com o outro, o altruísmo etc.

O movimento ecológico, além dos demais movimentos sociais (pacifismo, feminista,

diversidade sexual, etc.) contribui com a renovação necessária do pensamento marxista,

dando-lhe um caráter universal de busca da eliminação de todas as formas de opressão

(Löwy, 2000a, p. 126). Para Löwy (2000b, p. 231; 2005a, p. 38; 2011, p. 26-27), a questão

ecológica é “o grande desafio para uma renovação do pensamento marxista no início do

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século XXI”, pois ela provoca uma revisão profunda da concepção das forças produtivas no

pensamento marxista atual, assim como rompimento com os atuais paradigmas do

progresso e tecnologia da civilização industrial moderna. O marxismo precisa radicalizar sua

crítica da modernidade e da civilização industrial burguesa para oferecer propostas

concretas aos desafios atuais (LÖWY, 2000d, p. 242).

Ao mesmo tempo, o ecossocialismo procura apresentar alternativa à esquerda

tradicional, cujo projeto político mantém o modelo de produção existente, deixando

investimentos ambientais negligenciados ou marginalizados (Löwy, 2009b, p. 36). A

esquerda tradicional busca a substituição da propriedade privada pela a propriedade coletiva

dos meios de produção, mas os ecossocialistas acreditam que esse encaminhamento é

bom, mas não é o suficiente, pois não é possível o desenvolvimento ilimitado das forças

produtivas, deve-se questionar sobre a manutenção do próprio aparelho produtivo (Löwy,

2012a, p.13). Nesse aspecto o diálogo dos setores partidários ecossocialistas com os

demais setores da esquerda é fundamental para renovar seu pensamento e propostas.

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3.2 Ética Ecossocialista

A ética ecossocialista orienta a nova forma de propor e construir uma outra civilização

com valores sociais e ecológicos qualitativos e irredutíveis aos valores do capital. Para isso,

une valores fraternidade, igualdade e justiça social do socialismo e valores ecológicos como

proteção ambiental, proibição do desperdício de energia, respeito pela Natureza e pela vida

em todas as suas formas, proteção da biosfera, movimento cooperativo e uma

transformação radical da relação entre humanidade e Natureza (MÜNSTER, 2013, p. 123).

Há, na ética ecossocialista, a consciência de que apenas o desenvolvimento de uma

nova racionalidade econômica ecológica, substituindo a lógica capitalista e produtivista,

pode prevenir novas catástrofes ambientais e proteger a humanidade (MÜNSTER, 2013, p.

126).

Para Münster (2013, p. 123-124), a ética ecossocialista está baseada na consciência

utópica da necessidade de transformação radical das nossas relações com a Natureza e do

modo de vida atual e assume que a sobrevivência da humanidade está ameaçada pela atual

forma de civilização com a poluição das nossas cidades, destruição progressiva dos

ecossistemas e biosfera. A consciência utópica crítica provoca o enfrentamento ao poder

das forças capitalistas poluidoras e o sentimento de solidariedade a todas as vítimas do

capitalismo anti-ambiental das corporações em todo planeta, principalmente na África, Ásia

e América Latina.

Para Löwy, a ética ecossocialista pode ser assumida como a união de cinco éticas:

1. Social: a construção de uma nova sociedade é uma responsabilidade coletiva. Assim,

as ações individuais como respeito ao meio ambiental, autolimitação ou recusa aos

desperdícios são importantes, mas, insuficientes. As transformações ocorrem com a

participação coletiva organizada, isto é, a sociedade organizada nos movimentos ambientais

e sociais, partidos políticos, etc. (LÖWY, 2005a, p. 72-73; LÖWY, 2011, p. 122).

2. Igualitária: a produção e consumo dos países desenvolvidos são perdulários,

ostentatórios e ambientalmente destrutivos e, se for democratizado, isto é, acessível a todos

no planeta, mantendo esse modelo de consumo, provocará colapso planetário,

inviabilizando a presença humana. A ética igualitária ecossocialista propõe a redistribuição

planetária da riqueza de forma igualitária com responsabilidade ambiental, “graças a um

novo paradigma produtivo” (LÖWY, 2005a, p. 74; LÖWY, 2011, p. 123).

3. Solidária: a solidariedade ecossocialista implica em assumir que a satisfação das

necessidades sociais deve ser regida pela apropriação coletiva dos meios de produção e a

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distribuição de seus produtos deve seguir o critério da equidade, isto é, a partilha será “a

cada qual segundo as suas necessidades”, assim, não há homogeneização e nem a

equidade liberal (LÖWY, 2005a, p. 74-75; LÖWY, 2011, p. 123-124);

4. Democrática: a democracia ecossocialista assume que as decisões econômicas e as

escolhas produtivas devem ser tomadas pela sociedade, tirando esse poder dos banqueiros

e tecnocratas, donos do poder capitalista e do Politburo do socialismo “real”. Assim, as

definições sobre a produção e distribuição serão frutos de debate democrático e plural, mas

sempre orientados por outra forma de responsabilidade: não exploração dos trabalhadores e

preservação do meio ambiente (LÖWY, 2005a, p. 75; LÖWY, 2011, p. 124);

5. Radical: o ecossocialismo busca a raiz da crise socioambiental e alerta que as

propostas de reformas e mercados de direito de poluir são incapazes de oferecer uma

solução concreta. A ética ecossocialista indica que é “necessária uma mudança radical de

paradigma, um novo modelo de civilização, em resumo, uma transformação revolucionária”

(LÖWY, 2005a, p. 76; LÖWY, 2011a, p. 124).

A ética ecossocialista assume a ética da responsabilidade e do cuidar em uma outra

lógica de civilização. O princípio da responsabilidade assumido é a reflexão de Hans Jonas

na sua obra O Princípio da Responsabilidade, sua contribuição foi apresentar as ameaças

de destruição ambiental pela tecnologia moderna às futuras gerações (Löwy, 2011, p. 125).

Porém o alerta de Hans Jonas dos riscos projetados para as futuras gerações deve ser

revisto porque foi antecipado pelas mudanças climáticas; as consequências e riscos da crise

ambiental já se iniciaram no inicio do século XXI (Löwy, 2005a, p. 73-74; Löwy, 2011, p.

125). Outro ponto é que a ética ecossocialista difere do principio da responsabilidade, por

não ser fruto do medo, mas sim, de uma consciência lúcida e crítica que se une ao

“otimismo militante” de Ernst Bloch e a esperança messiânica para a construção da utopia

de uma nova sociedade (MÜNSTER, 2013, p. 127).

Na percepção da ética ecossocialista, não há contradição entre o princípio da

responsabilidade de Hans Jonas e o princípio da esperança de Bloch, e sim, uma

complementariedade, pois sem o princípio da responsabilidade, a utopia é apenas

destrutiva, e sem o principio da esperança, a responsabilidade é somente uma ilusão

conformista (LÖWY, 2011, p. 127).

A base transformadora de uma sociedade orientada pela ética ecossocialista é a

autoemancipação. A autoemancipação da classe oprimida é o empoderamento, não só dos

meios de produção como também das decisões democráticas sobre fatores de qualidade de

vida, como produtos que devem ser subvencionados, fontes de energias, sistema de

mobilidade e ações reparadoras de degradação ambiental. Estas decisões e

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encaminhamentos não devem ser monopolizados por leis de mercado ou por oligarquias,

seja capitalista ou socialista (LÖWY, 2005a, p. 52; LÖWY, 2009, p. 7).

A autoemancipação do oprimido é a premissa para uma transformação socioambiental

libertadora. Como escreveu Marx na fundação da Primeira Internacional: “a emancipação do

proletariado é tarefa do próprio proletariado” (Löwy, 2000a, p. 125), essa autolibertação é a

tomada da consciência do oprimido sobre sua condição alienada, seus reais interesses,

aspirações e valores (Löwy, 2000a, p. 125). Para Singer (1998, p. 131), o despertar para a

desalienação inicia-se pela a conscientização de que a sociedade está alienada da maioria

das decisões que afetam sua vida, para isso é necessária uma participação ativa em

cooperativas, sindicatos, centros estudantis e partidos políticos. Essa libertação envolve

internalizar a democracia em todos os níveis da relação humana:

O socialismo não existe na realidade atual; precisa ser reinventado

como o resultado final da luta pelo futuro. Isso significa encorajar uma

discussão de longo alcance, sem limites ou tabus sobre as

possibilidades de um socialismo democrático baseado na autogestão,

com planejamento verdadeiramente democrático (onde os valores de

uso predominem novamente sobre os valores de troca), relações não

alienadas entre os sexos, o restabelecimento da harmonia entre a

humanidade e a natureza e o equilíbrio ecológico do planeta (LÖWY,

2000a, p. 127).

Este empoderamento envolve mudança de paradigma socioeconômica, e

consequentemente alteração da atual forma de organização concentradora de riqueza e

poder, gerador de desigualdade das condições sociais. A nova organização além de eliminar

a estrutura de classes, altera a forma de decisões sobre fatores de impacto nas rotinas da

população, como transporte, fontes de energia e distribuição da produção. As decisões

passam a ser fruto de “debate democrático e contraditório entre diferentes propostas”

(LÖWY, 2009b, p. 7).

A ruptura conduzida pela autoemancipação ocorre pela libertação da alienação

exterior e dos grilhões internos. Esse despertar ocorre na própria práxis transformadora, que

“os explorados e os oprimidos podem quebrar ao mesmo tempo as “circunstâncias”

exteriores que os aprisionam – o Capital, o Estado – e sua consciência mistifica anterior”

(LÖWY, 2000c, p. 59).

Umas das principais armas da política de domínio hegemônico é a aderência da

sociedade, principalmente o estrato mais humilde, aos valores do opressor. A dominação

pelos valores hegemônicos ocorre com ampla divulgação de mitos de “bom aculturamento”

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e despreparo das forças populares e desqualificação da cultura popular; esse processo é

uma fraude ideológica que busca escravizar a sociedade aos interesses de uma minoria.

Paulo Freire apresenta a relação de valores impostos pelos opressores à toda

sociedade, que formam a base ideológica da manutenção de poder, apesar de extenso, a

leitura ajuda a entender a dinâmica dos mitos transmitidos pelo opressor para a manutenção

da opressão:

O mito, por exemplo, de que a ordem opressora é uma ordem de

liberdade. De que todos são livres para trabalhar onde queiram. Se

não lhes agradar o patrão, podem então deixá-lo e procurar outro

emprego. O mito de que esta “ordem” respeita o direito da pessoa

humana e que, portanto, é digna de todo apreço. O mito de que

todos, bastando não ser preguiçosos, podem chegar a ser

empresários – mais ainda, o mito de que o homem que vende, pelas

ruas, gritando: “doce de banana e goiaba” é um empresário tal qual o

dono de uma grande fábrica. O mito do direito de todos à educação,

quando o número de brasileiros que chegam às escolas primárias do

país e dos que nelas conseguem permanecer é chocantemente

irrisório. O mito da igualdade de classe quando o “sabe com quem

está falando?” é ainda uma pergunta dos nossos dias. O mito do

heroísmo das classes opressoras, como mantenedoras da ordem que

encarna a “civilização ocidental cristã”, que elas defendem da

“barbárie materialista”. O mito de sua caridade, de sua generosidade,

quando o que fazem, enquanto classe, é assistencialismo, que se

desdobra no mito da falsa ajuda que, no plano das nações, mereceu

segura advertência de João XXIII. O mito de que as elites

dominadoras, “no reconhecimento de seus deveres”, são as

promotoras do povo, devendo este, num gesto de gratidão, aceitar a

sua palavra e conformar-se com ela. O mito de que a rebelião do

povo é um pecado contra Deus. O mito da propriedade privada, como

fundamento do desenvolvimento da pessoa humana, desde, porém,

que pessoas humanas sejam apenas os opressores. O mito da

operosidade dos opressores e o da preguiça e desonestidade dos

oprimidos. O mito da inferioridade “ontológica” destes e o da

superioridade daqueles (FREIRE, 2011, p. 188 – 189).

A adesão desses valores está presente no preconceito do oprimido pelos opressores e

no comportamento opressor dos capatazes em relação aos antigos companheiros. Nesse

caso, o capataz se posta mais duro que os próprios opressores por medo da liberdade e a

adesão dos mitos (FREIRE, 1992, p.106; FREIRE, 2011, p. 45-46).

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A denúncia é o primeiro passo para construção de outra sociedade. A consciência que

a sociedade é malvada, desigual e desumanizadora somente ocorre com o exercício critico

da leitura e da releitura do mundo (Freire, 1992). A denúncia busca desconstruir a política

deliberada pelos dominantes em convencer os dominados a assumirem a crença de que são

seres incultos e incapazes, um adestramento que transforma os homens em “coisas”.

A ruptura dessa situação de opressão, a práxis utópica, está relacionada com a

clareza política do enfrentamento da realidade concreta. Para Paulo Freire (2011, p. 125 -

127), as “situações-limites”, isto é “dimensões concretas e históricas de uma dada realidade”

não podem ser encaradas como intransponíveis e ao invés da busca da adaptação, a

resposta deve ser respostas transformadoras.

Além da conscientização da realidade concreta, a classe oprimida deve indignar-se. É

fundamental para a construção da proposta utópica que haja a discordância da situação

perversa da realidade, haja indignação. Para Hessel (2011), a razão para ser resistência é a

indignação e é preciso que todos a tenham para as mudanças ocorreram.

O processo de conhecimento e indignação requer a reapropriação do tempo pela

sociedade. A liberdade para a cidadania é um dos pontos debatidos pela ética

ecossocialista, pois não é possível informar-se, debater ideias e propostas, atuar

politicamente sem ter o tempo disponível. A apropriação deste pelo capital é uma barreira à

autoemancipação.

Seja no controle do tempo dedicado ao trabalho ou apropriando o tempo “livre” do

trabalhador, o capital incorpora o tempo da sociedade à seu favor, afinal “tempo é dinheiro”.

O controle rígido do ritmo do trabalho pode ser ilustrado na produtividade exigida aos

profissionais de telemarketing, há desconto nos rendimentos quando o intervalo entre duas

chamadas for superior a dois segundos, e a segunda ilustração é o controle, em centésimos

de segundos, das costureiras de algumas grandes marcas (DOWBOR, 2013a, p. 143).

Além do controle do fluxo do trabalho, há também a apropriação do tempo livre. Para

Dowbor (2013a, p. 143), o “desperdício do nosso tempo constitui provavelmente uma das

externalidades mais poderosa do capitalismo”. O setor bancário é exemplar nesse aspecto:

está protegido pela pilhagem coletiva do tempo dos clientes, pois “basta assegurar que os

outros bancos se comportam de maneira semelhante, para não criar má fama” (Dowbor,

2013a, p. 143). Além do período de permanência nas filas dos caixas para compensar a

redução do número de atendentes, os bancos terceirizaram os clientes na sua linha de

produção, com a vantagem de não precisar remunerá-los, o acesso remoto ou em ATM

transferem para o cliente as tarefas então executadas pelo bancário. A revista The

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Economist, na página 16 da edição de 18 de setembro de 2004, apresenta um comentário

que ilustra essa apropriação do tempo:

Muitas pessoas se queixam de empresas que terceirizam o trabalho

para países de baixos salários: mas quantos notam que as empresas

estão crescentemente terceirizando o trabalho para os seus próprios

consumidores?...Quem já não se viu pego em séries intermináveis de

menus numéricos? – isto pode deixar clientes furiosos e aliená-los.

No seu desejo de cortar custos, muitas empresas dificultam

deliberadamente o acesso a um operador humano (DOWBOR,

2013a, p. 83).

Na mesma edição, The Economist apresenta os números do valor do tempo

apropriado do cliente ao fazê-lo trabalhar para si: “o auto-serviço online pode reduzir o custo

de uma transação até um mínimo $0,10, comparando com $7,00, para fazer a mesma

transação num call center” (DOWBOR, 2013a, p. 84).

É insuficiente apontar apenas para o setor bancário como apropriador de tempo social,

há mais setores como transporte público, companhia telefônica entre outros. A escravatura

fóssil também danifica o tempo da sociedade, o paulistano gasta em média duas horas e

quarente e três minutos no trânsito com uma média de 14 km/hora (Dowbor, 2013a, p. 146-

147). O empoderamento do tempo pela sociedade deve, além da redução da jornada de

trabalho, assumir politicamente o domínio de seu tempo livre.

Mas estes objetivos passam por um valor essencial que precisa ser

resgatado: o da solidariedade humana. Primeiro, porque é triste ver

estes pobres seres humanos, que passam numa breve viagem pela

vida, gastar o seu pouco tempo arreganhando os dentes uns para os

outros, como que impotentes frente às suas raízes animais – homo

homini lupus – incapazes de ver, ou de ter o tempo para ver a beleza

do rio que passa, o esplendor do pôr do sol, a genialidade de um

poema, o gosto de um trabalho bem feito, a magia de uma criança

que descobre uma coisa nova, cada vez mais motivados

negativamente pela insegurança generalizada, numa eterna fuga para

a frente, correndo como loucos atrás do sucesso, ainda que sabendo

perfeitamente onde termina a corrida. A solidariedade é uma questão

de elementar senso das realidades (DOWBOR, 1998, p. 9).

Além de libertar-indignar, a ética ecossocialista induz a aliança entre a reflexão e a

ação para construir outra lógica de civilização. O tempo livre associado, além do lazer, é

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fundamental para a participação da sociedade no debate democrático. Para Löwy (2011, p.

57), o planejamento democrático é o exercício da liberdade da decisão que se faz em

conjunto na sociedade. Esse exercício é necessário para libertar das leis econômicas e das

gaiolas de ferro alienantes que estruturam a sociedade capitalista e burocrática. A

planificação democrática associada à redução de tempo de trabalho seria um progresso

para chegar ao “Reino da Liberdade” anunciado por Marx, o argumento do tempo livre é

condição para a participação dos trabalhadores na discursão democrática e gestão

econômica e social. Para Marx (1988e, p. 255), a “redução da jornada de trabalho é a

condição fundamental” para o verdadeiro reino da liberdade.

Loin d’être « despotique » en soi, la planification démocratique est

l’exercice de la liberté de décision que se donne l’ensemble de la

société. Un exercice nécessaire pour se libérer des « lois

économiques » et des « cages de fer » aliénantes que sont les

structures capitalistes et bureaucratiques. La planification

démocratique associée à la réduction du temps de travail serait un

progrès considérable de l’humanité vers ce que Marx appelait « le

royaume de la liberté » : l’argumentation du temps libre est en fait un

condition de la participation des travailleurs à la discussion

démocratique et à la gestion de l’économie comme de la société

(LÖWY, 2011, p. 57).

A retomada cidadã do tempo pelo trabalhador é uma grande ameaça ao domínio do

capital, pois a disponibilidade para o convívio social, criando e fortalecendo vínculos

comunitários, a cooperação entre as pessoas e com a Natureza é destruidor da lógica do

individualismo egoísta que sustenta o capitalismo (LÖWY, 2000d, p. 244).

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3.3 Planejamento e Estratégia na construção do Ecossocialismo

A corrente ecossocialista, como utopia concreta, não fica restrita apenas a debates de

projetos futuros e planos de governos, seu planejamento e estratégia envolvem ações

imediatas identificadas como emergências para a justiça socioambiental, seja propondo

soluções para problemas concretos, seja refutando falsas soluções. Nesse sentido, uma das

ações ecossocialista é se opor radicalmente a grandes projetos inúteis e ao desmatamento

florestal (MÜNSTER, 2013, p. 156-157).

A sociedade ecossocialista não ocorrerá naturalmente, deverá ser construída. A

proposta de Münster de ações emergenciais para essa construção foi influenciada pela

perspectiva do pensamento de Gorz (assim como já tinha sido definido por Renê Dumont),

as ações propostas unem as visões ambientalista e socialista de autogestão (Münster, 2013,

p. 130 - 131). As ações propostas são (MÜNSTER, 2013, p. 130 - 131):

Substituição da racionalidade econômica dominante por uma racionalidade econômica

e social, em ruptura da lógica capitalista produtivista, de exploração ilimitada dos recursos

naturais, destruidora dos ecossistemas e de maximização do lucro;

Decrescimento da produção, graças à autolimitação das necessidades de consumo,

assumindo que a sociedade pode produzir melhor com menos. Uma declaração de guerra

ao capitalismo e seu produtivismo;

Instauração de linhas de produção comunitária de autogestão dos trabalhadores

associados;

Direito a um rendimento, dissociado do trabalho, ou seja, uma renda de subsistência,

independentemente de inclusão em estruturas de trabalho organizado.

Para que ocorra o debate democrático na forma de produção, distribuição e consumo,

o aparelho produtivo deve ser orientado pelo empoderamento da sociedade. A

transformação socioambiental ecossocialista é radical, sua conquista do Estado e dos

aparelhos produtivos não tem a missão de assumir a gestão, mas sim, de criar outras

estruturas adequadas às necessidades da humanidade. A inspiração dessa ação é o alerta

de Marx – numa carta a Kugelmann debatendo a Comuna de Paris – sobre o aparelho do

Estado, na qual afirma que os trabalhadores não devem apropriar-se do aparelho do Estado

burguês e usá-lo a seu serviço, devem sim, destruí-lo e criar outro tipo de poder, pois o

Estado nunca estará a serviço dos trabalhadores. Esse mesmo conceito deve ser usado na

conquista do aparelho produtivo, pois ele tem a lógica do lucro, da acumulação competitiva.

Nesse desafio, os trabalhadores devem transformar estruturalmente a forma de produzir

(LÖWY, 2005a, p. 40; LÖWY, 2009b, p. 38; LÖWY, 2011, p. 39-40; LÖWY, 2012b, p. 150).

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A proposta para o Estado é que seja substituído por sistema de governança

democrático com planejamento participativo:

Mesmo o Estado proletário, revolucionário deveria acabar por

“definhar” (Engels), suas funções indispensáveis sendo

progressivamente absorvidas pela sociedade civil. O planejamento

numa escala mundial, baseado em unidades regionais e locais,

substituiria o sistema atual de nações-Estado rivais com suas

fronteiras, exércitos, alfândegas etc (LÖWY, 2000a, p. 128)

O novo aparelho produtivo, assim como o novo Estado, deve ser construído por outra

racionalidade envolvendo planejamento democrático, participativo e ecológico, assim um

dos desafios da tomada ecossocialista do meio de produção é a definição da forma de

posse e exercício do controle da produção. O poder de decisão sobre investimento e

tecnologia sai do capital financeiro e das empresas privadas e será assumido pela classe

oprimida e estará à serviço de todos. A tecnologia deve estar à serviço da classe

trabalhadora que, assim, assume o seu controle, pois seu papel é fundamental para criar

novas condições da construção de uma outra forma de produzir e conviver. A contribuição

das novas tecnologias para despoluir ricos e solos, expandir o uso de energia solar e eólica,

além de desenvolver outras formas de energia renováveis e não poluentes entre diversas

oportunidades que a tecnologia proporciona se for apropriada de forma social (Löwy, 2011,

p. 35-36).

Essas são as bases para a construção de uma sociedade ecossocialista, que terá um

processo longo, e as necessidades de mudanças são urgentes. Nesse processo, há ações

de transição. Para Löwy (2009b, p. 36), para construir uma sociedade ecossocialista, é

necessário superar três condições para efetivar as transformações socioambientais:

1) “propriedade coletiva dos meios de produção”, o termo “coletivo” é definido como

propriedade pública, comunitária ou cooperativa;

2) “planejamento democrático que possa permitir à sociedade a possibilidade de definir

seus objetivos no que concerne ao investimento e à produção” e

3) “nova estrutura tecnológica das forças produtivas”.

O planejamento ecossocialista envolve transformação crítica do conjunto de avanços

capitalistas produzido pela ciência e tecnologia. As inovações que envolvem produtivismo,

riscos à Natureza e à humanidade devem ser descontinuadas, por exemplo, a geração de

energia nuclear, técnicas de pesca intensiva, produção com desmatamento de florestas

entre outros, assim como, deve haver investimento nas inovações que melhoram as

condições de produção humana com baixo impacto ambiental. A geração de energia é um

desafio crítico, pois as soluções hegemônicas, fósseis, impactam nas mudanças climáticas,

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além de envenenar solo, rios e lençóis freáticos, nesse caso, as soluções energéticas que

devem ser geradas por fontes renováveis: Sol, ar e água (Löwy, 2009b, p. 38). A solução

energética nuclear não é indicada pela severidade dos riscos envolvidos e a falta de solução

consistente para seus resíduos tóxicos (Löwy, 2009b, p. 38).

Outro critério do planejamento ecossocialista é o pleno emprego equitativo (plein-

emploi équitable) (Löwy, 2009b, p. 38). Por ter forte relacionamento com o modelo

capitalista de divisão de tarefas, a palavra emprego pode ser substituída por participação

socioambiental, ficando o termo como “plena participação socioambiental equitativa”, esse

item, aproxima a perspectiva ecossocialista com as expectativas das organizações da

classe trabalhadora, mas em uma nova estrutura socioambiental, pois associa o controle

público dos meios de produção e um planejamento democrático (Löwy, 2009b, p. 38). A

proposta da apropriação dos meios de produção, não somente retira o poder de decisão da

classe dominante financeira e industrial, mas altera a lógica organizacional, pois envolve a

associação dos trabalhadores organizados com os demais setores da sociedade, sejam

seus consumidores ou vizinhos. Assim, haverá uma profunda transformação na decisão

produtiva, pois os “critérios sociais, políticos e ecológicos” substituirão a “lei da oferta e da

procura” (Löwy, 2009b, p. 39).

O planejamento democrático ecossocialista está associado ao tempo investido pela

população. Como defendido por Marx, o Reino da Liberdade prevê tempo social livre para a

população estar disponível para a cidadania, isto é, debates democráticos e gestão

socioecoambiental da sociedade e das organizações (Löwy, 2009b, p. 39).

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3.4 Ecossocialismo e o Altermundismo

A ética radical aproxima os ideais ecossocialista e altermundistas. Desde os protestos

dos indignados com a inércia dos representantes oficiais da COP de Copenhague em 2009,

quando ocorreu a manifestação com mais de 100 mil pessoas em protestos nas ruas, com a

palavra de ordem “change the system, not the climate”, ou seja, “mudemos o sistema, não o

clima”, associando as mudanças climáticas ao modo capitalista de produção, a reivindicação

era o fim do capitalismo como forma de superação da crise ambiental climática (LÖWY,

2012a, p.12).

O sentimento dos movimentos ecológicos é que a transformação somente ocorrerá

com a sociedade organizada e consciente da imposição de uma mudança de civilização.

Além disso, os grandes embates da crise socioecológica são planetários. O movimento

altermundialista é “o mais importante fenômeno de resistência antissistêmica do início do

século XXI”, e os ecossocialistas se envolveram com o movimento altermundialista desde o

início (LÖWY, 2010, p. 39).

O movimento altermundialista tem como característica ser uma ampla rede

descentralizada, nessa rede estão sindicatos, movimentos camponeses, organizações

indígenas, ONGs, movimentos de mulheres e associações ecológicas. O marco de seu

nascimento foi a grande manifestação popular que provocou o fracasso da reunião da OMC

em Seattle em 1999. A partir dessa manifestação, os altermundialistas se encontram nas

grandes manifestações e no Fórum Social Mundial (LÖWY, 2010, P. 39).

O Fórum Social Mundial, FSM, é muito importante na relação entre o ecossocialismo e

o altermundismo por ser espaço de troca de experiências e reflexões, utilizado pelos

ecossocialistas para apresentar, debater e enriquecer suas propostas. FSM foi uma

proposta utópica pensada por Oded Grajew, Chico Whitaker e Bernard Cassen em fevereiro

de 2000 (Whitaker, 2005, p. 177) para oferecer espaço, que permitisse encontros de

dimensão mundial e a participação de todas as organizações comprometidas com a busca

utópica de uma outra sociedade. Para Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 16), a

“dimensão utópica do FSM consiste em afirmar a possibilidade de uma globalização contra-

hegemônica. Por outras palavras, a utopia do FSM afirma-se mais como negatividade (a

definição daquilo que critica) do que como positividade (a definição daquilo a que aspira)”.

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O Fórum Social Mundial foi planejado para ocorrer no mesmo período do Fórum

Econômico Mundial, que realiza anualmente em Davos, pequena e luxuosa estação de

esqui na Suíça, com o objetivo de reunir lideranças e intelectuais para debater a evolução

do atual sistema capitalista. A força simbólica do paralelismo temporal entre o Fórum Social

Mundial e o Fórum Econômico Mundial é destacar o antagonismo dos “dois projetos de

civilização e duas realidades sociais opostas, antagônicas, irreconciliáveis” (LEITE, 2003, p.

70).

O projeto utópico do Fórum tornou-se realidade em janeiro de 2001 com o

engajamento organizacional das entidades ABONG – Associação Brasileira de

Organizações Não-Governamentais; ATTAC – Ação pela Tributação das Transações

Financeiras em Apoio aos Cidadãos; CBJP – Comissão Brasileira de Justiça e Paz da

CNBB; CIVES – Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania; CUT – Central Única

dos Trabalhadores; CJG – Centro de Justiça Global; MST – Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra e apoio da prefeitura de Porto Alegre e do Estado do Rio Grande do Sul

(WHITAKER, 2005, p. 178).

O Primeiro Fórum Social Mundial ocorreu entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2001 sob

o lema utópico “Um outro mundo é possível” com 4 mil delegados e 16 mil participantes

credenciados de 117 países (Leite, 2003, p. 66). O Encontro foi subsidiado por quatro eixos

para reflexão propositiva: a produção de riquezas e a reprodução social; acesso às riquezas

e a sustentabilidade; afirmação da sociedade civil e dos espaços públicos e poder político; e

a ética na nova sociedade (WHITAKER, 2005, p. 178).

Esse encontro foi um sucesso surpreendente, “até aos seus próprios organizadores” e

contrariou as previsões da mídia dominante que tiveram que mudar a redação da notícia

previamente escrita sobre o “fracasso do encontro” (Whitaker, 2005, p. 33). O sucesso não

ficou no primeiro encontro, a participação nos demais Fóruns somente aumentou. Os

números apresentados na tabela abaixo ilustram o sucesso dos encontros FSM, já nos

primeiros anos:

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Tabela 3 – Evolução da participação no Fórum Social Mundial nos primeiros anos

Edição FSM

Participação Total

Número de Delegados

Número de Workshops

Número de Países Representados

2001 20.000 4.700 420 117

2002 60.000 12.274 622 123

2003 100.000 20.763 1.286 156

2004 135.000 74.126 1.200 117

Fonte: Sousa Santos, 2005, p. 39

O FSM é um espaço de debates e movimento de ideias, e não uma organização, por

isso não tem caráter deliberativo. Está apoiado na organização formal do Comitê

Organizador (CO) e Conselho Internacional (CI). Os CO e CI foram estabelecidos por

cooperação e sua legitimidade está fundada no sucesso da organização dos encontros do

Fórum.

O CO foi formado pelas instituições que organizaram o Primeiro FSM e manteve a sua

formação. Seu papel é organizar o FSM no Brasil e atuar como Secretaria Internacional

(Sousa Santos, 2005, p. 45). O objetivo do CI é consolidar o processo permanente de

mundialização do FSM (Leite, 2003, p. 79). As organizações que compõem o Conselho

Internacional estão disponíveis no site http://www.forumsocialmundial.org.br/index.php.

A evolução do FSM aponta para aumentos de fóruns locais articulados por ele,

proporcionando uma capilaridade global dos debates e aumentando a aderência dos

diálogos sobre as questões locais e globais.

O compromisso do FSM com o meio ambiente se inicia na própria prática da

organização:

lixo zero, não-poluição de qualquer tipo, bicicletário para a

locomoção dos participantes dentro do espaço físico do Fórum,

participação de fornecedores de alimentação e serviços integrados

aos movimentos de economia solidária e produção agrícola biológica,

construções que respeitem as exigências ecológicas quanto aos

materiais utilizados (WHITAKER, 2005, p. 57)

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Formalmente o espaço dedicado à questão ecológica foi o Eixo I – Desenvolvimento

democrático e Sustentável (Sousa Santos, 2005, p. 187), além da pequena presença

transversal nos demais Eixos. Mas a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) foi um exemplo de participação integrada das questões ecológicas e

sociais no FSM. Suas ações/reflexões sempre foram pautadas na igualdade entre os seres

humanos e nos princípios ecológicos. (LÖWY, 2010, p. 41)

Além de participar nas atividades, os ecossocialistas ocuparam os espaços de debate

para apresentar suas propostas e projetos. A Rede Brasil de Ecossocialistas foi lançada no

dia 27 de janeiro de 2003 no Fórum Social Mundial em Porto Alegre na oficina “A

Sustentabilidade pelo Ecossocialismo”, promovida pelo Centro de Estudos Ambientais, CEA

de Pelotas (RS) e o Instituto Terra Azul de Fortaleza (CE) com a participação de mais de

250 pessoas, representando 16 estados brasileiros (Löwy, 2005a, p. 91). O documento de

lançamento foi a Declaração de Princípios e Objetivos da Rede Brasil de Ecossocialistas

(Anexo 4).

Outro marco foi o lançamento do 2º Manifesto Ecossocialista, a Declaração

Ecossocialista de Belém (Anexo 3) no encontro FSM de 2009 em Belém. O tema principal

do documento era o Aquecimento Global. O alerta desse documento foi que, se o

capitalismo for mantido como a ordem social dominante, “o melhor que podemos esperar

são condições climáticas insuportáveis, a intensificação das crises e a propagação das

formas mais bárbaras de poder ... para controlar os cada vez mais escassos recursos

naturais no mundo” (Löwy, 2009c). O Ecossocialismo foi indicado como o caminho utópico

concreto para sua superação através da apresentação de propostas de ações e

intervenções de melhorias socioecológicas, mas com a transformação sendo guiada pela

união das categorias oprimidas (Löwy, 2009c). A insurgência altermundista da Declaração

de Belém ilustra o casamento das pautas sociais e ambientais:

A devastação ecológica não será paralisada nas salas de

conferências ou nas negociações de tratados: somente a ação de

massa pode fazer a diferença. Os trabalhadores urbanos e rurais, os

povos do Sul global e os povos indígenas de todo o mundo estão na

vanguarda desta luta contra injustiça social e ambiental, combatendo

as multinacionais exploradoras e poluidoras, o agronegócio químico

venenoso e desregulado, as invasivas sementes geneticamente

modificadas, e os biocombustíveis que agravam a crise alimentar.

Nós devemos intensificar estes movimentos socio-ambientais e

construir a solidariedade entre as mobilizações ecológicas anti-

capitalistas no Norte e no Sul (LÖWY, 2009c).

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O grande desafio ambiental é a inserção dos movimentos ambientais de forma mais

ativa no debate sobre a construção de uma nova sociedade. O movimento ecológico deve

assumir que partilha com os demais movimentos sociais o mesmo desejo de mudança da

lógica produtivista do mercado e a revolta contra “autonomização reificada da economia em

relação às sociedades, e um desejo de “reinserir” a economia num meio ambiente social e

natural”. (Löwy, 2005a, p. 71). Esse debate sobre a nova sociedade aproxima o

ecossocialismo do movimento altermundialista desde a palavra de ordem “o mundo não é

uma mercadoria”, pois, para ambos os movimentos, esse mundo também inclui a Natureza,

principalmente pelas pautas de ação sobre OGMs (Organismos Geneticamente

Modificados), transporte público gratuito, entre outras (LÖWY, 2010, p. 40).

O Fórum Social Mundial de 2009 em Belém foi muito relevante pela interação entre os

ecossocialistas e os indígenas e as populações tradicionais, que contribuíram apresentando

seu diagnóstico sobre a crise da civilização capitalista ocidental, além do alerta sobre a

destruição acelerada da floresta amazônica pela exportação de madeiras, produção de soja

e pelas grandes propriedades de pecuária; a proposta política resultado dessa análise foi

“Desmatamento Zero, Agora!” (LÖWY, 2013a, p. 59).

O Fórum Social Mundial de 2005 foi, também, o espaço de fundação do Movimento

Passe Livre, MPL, esse movimento tem uma pauta importante para o ecossocialismo, o

transporte público gratuito (Löwy, 2013b). Em sua carta de princípios, o MPL defende a

ruptura do transporte dominado pela lógica do capital, porém ainda não tem em sua reflexão

a dimensão socioambiental da mobilidade urbana, assim como outros movimentos e

militâncias anticapitalistas.

Considerando que o carro individual é, além de nocivo à saúde dos habitantes das

grandes cidades, um dos principais emissores de gás de efeito estufa, a gratuidade do

transporte público está inserida na transformação socioambiental que leva a um outro modo

de vida, um passo importante para a libertação da sociedade da indústria fóssil. Para Löwy

(2014c), “a luta pelo transporte público gratuito é ao mesmo tempo uma luta pela justiça

social, pelo interesse material dos jovens e dos trabalhadores, pelo princípio da gratuidade,

pela saúde pública, pela defesa dos equilíbrios ecológicos”.

Os ecossocialistas devem investir no diálogo com os movimentos anticapitalistas e

altermundistas, levando-lhes sua radicalidade e o despertar dos aspectos ecológicos nas

atuais pautas. A esse processo deve estar associada à reflexão dos próprios ecossocialistas

sobre as ações concretas desses movimentos.

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3.5 Ecossocialismo na política partidária francesa

Apesar da rica contribuição da corrente ecossocialista para a transformação social, até

o século XX, os partidos socialistas foram indiferentes ao debate ecológico. Mas essa

situação começou a mudar com a crescente preocupação ambiental nos programas dos

partidos socialistas alemão, francês e escandinavo, muito evidenciada na proposta de Oskar

Lafontaine e Peter Glotz no programa do Partido Socialdemocrata Alemão (SPD) de 1989.

Houve também a abertura ao debate ambiental por lideranças socialistas francesas,

Ségolène Royal entre outros (MÜNSTER, 2013, p. 119-120).

A baixa votação dos socialistas e sociais-democratas no período de 1990 a 2010

proporcionou condições para o desenvolvimento eleitoral das correntes ecologistas e

ecossocialistas, como David Pepper na Inglaterra, Bookchin nos Estados Unidos. Rodolf

Bahro e Joel Kovel já tinham iniciado a jornada eleitoral ecossocialista na Alemanha e

Estados Unidos respectivamente (MÜNSTER, 2013, p. 110), além de Ralph Nader,

candidato diversas vezes à presidência dos Estados Unidos pelo Green Party.

Nos anos 80, surgiu uma corrente ecossocialista marxista na Alemanha, cujo

representante principal é Rudolf Bahro, dissidente do partido Die Grünen. Sua saída do

partido se deveu a divergência e recusa de aderir às ideias e propostas do Partido

(MÜNSTER, 2013, p. 139).

David Pepper, um dos fundadores do ecossocialismo inglês, no seu livro Ecosocialism

from deep ecology to social justice, publicado em 1993, provocou os ecocentristas afirmando

que o marxismo pode contribuir muito mais para a ecologia que o movimento verde está

disposto a absorver porque o marxismo rompe o pensamento tradicional com uma leitura

materialista histórica sobre a relação Natureza-sociedade, muito diferente da abordagem

proposta do ecocentrismo dos fundamentalistas ecológicos (MÜNSTER, 2013, p. 114).

Após Maio de 68 e a guerra do Vietnam, sugiram duas correntes ecossocialistas na

esquerda do movimento ecológico, dentro do marxismo radical: a primeira é uma corrente

ecossocialista marxista internacional que se apoia teoricamente nos escritos de Marx e nas

passagens dos livros Manuscritos de 1844 e do Capital denunciando o potencial destruidor

da Natureza e meio ambiente do capitalismo “desenfreado”, ávido pela exploração dos

recursos naturais e sua produção infinita, essa corrente é representada principalmente pelos

teóricos Joel Kovel e Michael Löwy. A outra corrente é socialista, ecológica, autogestionária

e articulada com movimentos de protestos contra Centrais nucleares na França; com a

reivindicação de decrescimento e com terceiro-mundismo anticolonialista ecológico

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resultado de combate à destruição sistemática do ecossistema e agricultura dos países

africanos pelas multinacionais, conforme René Dumont e André Gorz (Münster, 2013, p.

148-149). As duas correntes apresentam orientações anticapitalista, sendo que a primeira

corrente avançou na organização da Rede Ecossocialista Internacional, composta

essencialmente por intelectuais da esquerda radical norte-americana, canadense, europeia

e brasileira, que produziram o Manifesto Ecossocialista de 2001. A segunda corrente,

ecossocialista autogestionária, foi incorporada na Europa, nos anos 80 e 90, por movimento

ecológico majoritariamente de orientação reformista (Verdes, Europe Ecologie/Les Verts), ao

mesmo tempo, foi reforçada, nos plano das ideias, com as publicações de André Gorz

(MÜNSTER, 2013, p. 149).

O Manifesto Ecossocialista de 2001 foi o primeiro e importante passo para unificar

todas as forças ecologistas e ecossocialistas em uma plataforma comum. “Passo que se

torna mais importante ainda com a urgência ecológica, pois apresenta o ecossocialista como

movimento político capaz de intervir cada vez mais eficazmente na politica nacional e

internacional” (MÜNSTER, 2013, p. 122).

Em dezembro de 2013, com a participação do Parti de Gauche francês, houve o

congresso dos partidos de esquerda europeus em Madri, o PGE, Congrès du Parti de la

Gauche Européenne, onde estavam presentes os partidos Avec Syriza (da Grécia), Die

Linke (Alemanha), Bloco de Esquerda (Portugal) e Alliance Rouge et Verte (Dinamarca). No

documento regido em conjunto, os partidos afirmam que o ecossocialismo é a resposta

racional ao duplo impasse entre o capitalismo e a socialdemocracia (DARLEUX, 2013):

la gauche européenne sait que l'émancipation humaine ne peut être

atteinte par le biais d’une croissance économique sans fin. Le PIB est

loin d'être un indicateur de bien-être (…) L'écosocialisme n'est pas

une utopie à laquelle la réalité doit se conformer, mais une réponse

humaine rationnelle à la double impasse du social-libéralisme et du

capitalisme

Na França, a corrente ecossocialista foi favorecida pelas mobilizações contra as

centrais nucleares e todas as propostas de energia nuclear na economia energética

francesa, como a campanha contra a central de Fessenheim. Mas também houve a

contribuição das ideias de dois grandes intelectuais do movimento socialista autogestionário

engajados na causa ecológica: René Dumont e André Gorz (MÜNSTER, 2013, p. 140).

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Gorz foi uns dos primeiros ecossocialistas franceses do século XIX, sua proposta é a

troca da lógica do capitalismo por outra, anti-produtivista, anti-crescimento e autogestionária.

O ecossocialismo, para Gorz, está estruturado em novas tecnologias e oficinas comunais

cooperativas, "ateliers communaux coopératifs", interligadas entre si, para troca de

experiências, ideias e invenções (Münster, 2013, p. 11-12; Münster, 2013, p. 144 - 145). A

essência da proposta de Gorz é produzir menos e melhor, para isso, a estrutura de

autogestão envolve a autonomia dos trabalhadores associados sobre a quantidade e a

qualidade da aplicação do trabalho (Münster, 2013, p. 12-13). A inovação radical dessa

proposta era sua projeção que as oficinas comunais substituíssem os grandes complexos

industriais (MÜNSTER, 2013, p. 13).

A formação do Front de Gauche teve um impacto relevante na vida política francesa.

Front de Gauche é um movimento político partidário muito importante para a corrente

ecossocialista francesa, pois conseguiu unificar algumas de suas principais forças em torno

de um projeto de governo comprometido na construção de uma sociedade ecossocialista.

Para Jean-Luc Mélenchon, em entrevista ao jornal Libération, na véspera do 1º Assis pour

L’ecosocialisme, que ocorreu no dia 01 de dezembro de 2012, o ecossocialismo é a

emancipação do socialismo, uma atuação na categoria do imperativo ecológico, envolvendo

a cidadania na planificação ecológica e regras verdes como orientadores das decisões, para

sair do capitalismo e construir em conjunto, uma sociedade do “bem viver” (do Paul Ariès e

Jacques Testard), da Justiça social, da fraternidade e do bom convívio (de Illich e Gorz) e do

respeito aos bens comuns mundiais (Münster, 2013, p. 152 – 153). Com essas premissas

ecossocialistas, Front de Gauche proporciona uma opção para os dissidentes

ecossocialistas do EELV, Parti Socialiste e NPA (MÜNSTER, 2013, p. 152 – 153).

Para Münster (2013, p. 156), com a chegada ao poder, o governo ecossocialista do

Front de Gauche será capaz de impor uma agenda de ações contrárias às exigências dos

representantes do capital, entre elas, a incorporação da saída da solução nuclear e incentivo

necessário para o desenvolvimento da agricultura ecológica.

A inovação social do programa do Front de Gauche foi a proposta do Fonds européen

de développement social, écologique et solidaire com o objetivo de possibilitar a criação de

novos poderes para os funcionários e incentivar o surgimento de cooperativas,

democraticamente autogeridas. Essa proposta é importante para enfrentar a crise e dá um

passo na ecologização da economia, ou seja, a transformação em uma economia ecológica

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e social, acompanhada de medidas concretas para a abolição da precariedade e da pobreza

e a criação de uma verdadeira proteção social para todos (MÜNSTER, 2013, p. 136-137).

No mesmo plano, o projeto de planejamento ambiental presente na campanha de

2012 do Front de Gauche (2012) é fundamental, pois viabiliza projetos para sair da energia

nuclear e combustíveis fósseis, substituindo-as pelas energias não fósseis renováveis,

prioritariamente por energia geotérmica, energia solar e energia eólica, já que atualmente o

número de parques eólicos da França é muito menor que da Alemanha e dos países

nórdicos. Para viabilizar esses projetos, que inclusive estavam presentes na campanha de

Jean-Luc Mélenchon através da proposta de criação do Pôle Financier Public, é necessário

o financiamento público, que, além de financiar projetos na área de energia, deve também

financiar projetos para a agricultura sem OGM. Mas o importante é que todas essas novas

opções de energia estejam sob o controle do cidadão (MÜNSTER, 2013, p. 136-137;

MÜNSTER, 2013, p. 151).

Os partidos ecossocialistas franceses são recentes. Os Partidos NPA e Parti de

Gauche foram fundados em 2009, e o Ensemble, em 2013, mas a maioria de sua militância

já estava presente no LCR, Ligue Communiste Révolutionnarie, partido filiado à IV

Internacional, que em 2009 foi dissolvido tendo a maioria de seus militantes optado pela

formação do NPA. A história da política partidária ecossocialista francesa tem muitas

contribuições a todos no mundo, pelos seus debates, acertos, erros, vitórias e derrotas.

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NPA Nouveau Parti Anticapitaliste

O NPA, Nouveau Parti Anticapitaliste, foi fundado em fevereiro de 2009 com o objetivo

de reunir todos os movimentos e cidadãos que desejassem romper com o capitalismo e

construir uma sociedade inédita, democrática, igualitária, feminista e ecológica (NPA,

2009a).

O documento Princípios Fundadores do Partido destaca que todas as formas de

discriminação, ecológica, raça, orientação sexual são o coração do projeto. A eliminação da

divisão sexual do trabalho está destacada no documento. Para o NPA, a opressão das

mulheres está presente nos outros tipos de dominação e esferas da sociedade, na dupla

jornada de trabalho da família patriarcal (NPA, 2009b).

O NPA foi fundado com o objetivo de superação da crise socioambiental. Para ele, o

capitalismo é o fato gerador da crise socioambiental que une as crises de alimentos,

ecológica, energética, financeira, saúde e as tensões entre países e guerras. Em nome do

lucro, a produção é organizada para o excesso de produção e consumo de bens

desnecessários para poucos, enquanto quase a metade da humanidade sobrevive com

menos de um dólar por dia (NPA, 2009b). Esse produtivismo capitalista produz, além da

poluição do ar, água e comida, aquecimento global pela concentração dos gases de efeito

estufa e degradação da saúde da população, e essas consequências levam sérios riscos de

sobrevivência da população, principalmente dos estratos mais pobres e, em muitas vezes,

causando grandes migrações (NPA, 2009b). As políticas públicas francesas atuais não

estão contribuindo para superar as crises, ao contrário, a busca do lucro continua sendo a

prioridade, inclusive das ações “retificadoras” com a deterioração das condições de trabalho

e a flexibilização na contratação e desmanche dos serviços públicos. O resultado dessa

política pode ser ilustrado pela participação dos dividendos aos acionistas em relação à

folha de pagamento na França, enquanto em 1982 era 4,4%, subiu para 12,4% em 2009.

(NPA, 2009b).

A proposta do NPA para superação dessa crise é a mobilização ecossocialista. No

documento do NPA, o ecossocialismo está associado ao empoderamento da sociedade nas

decisões da produção e a uma forte redução do tempo no trabalho, para distribuir entre

todas as pessoas o tempo disponível nas organizações, após a produtividade proporcionada

pelo progresso tecnológico. Mas também deve-se promover boas condições de trabalho e

criticar a cultura, a arte e a mídia que propagam a ideologia da classe dominante, assim,

deve haver uma reapropriação democrática desses elementos (NPA, 2009b).

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A proposta do NPA não tem um modelo pré-existente. Ao mesmo tempo, o NPA

nasceu repudiando, além do capitalismo verde e a proposta socialdemocrata presentes na

França, as ditaduras burocráticas soviéticas e chinesas (NPA, 2009b). A nova lógica deve

ter como orientado a utilidade social ao invés do lucro e, principalmente, uma sociedade

liberta da ditadura do capital, pois somente assim, haverá reconciliação entre o homem e a

Natureza (NPA, 2009b).

Para o NPA (2009b), o ecossocialismo é necessariamente internacionalista. A

libertação da opressão não deve ficar restrita às relações entre os cidadãos, mas também,

entre os países, isto é, cada país deve ser livre para construir soberania alimentar, ter

acesso à água, permitir a autoemancipação de seu povo e possibilitar a construção de seu

futuro.

O ecossocialismo proposto pelo NPA envolve o controle social de áreas consideradas

como bens públicos comuns, como saúde, educação, água, energia, transportes,

telecomunicações, serviços postais, bem estar da infância e velhice. Esse controle envolve a

gestão pública e participação social para garantir a equidade no acesso a esses bens (NPA,

2009b).

Nas frentes já apresentadas, além do pilar social, a ecologia é central na orientação do

NPA. A concepção ecológica do partido incorpora conceitos relevantes como solidariedade

entre as gerações, rejeição da crença na expansão ilimitada da produção, domínio da

Natureza pela humanidade e qualquer forma de produtivismo. O partido aponta que a atual

política socioambiental hegemônica é regida por uma lógica de destruição do planeta e

propõe a redistribuição de renda, diminuição do consumo de recursos não renováveis,

deslocalização da economia e substituição na forma de produção de indústrias

consumidoras intensivas de energias, inúteis, produtoras de poluentes perigosos e usuárias

de energia nuclear (NPA, 2009b).

A produção de alimentos também está presente nos princípios fundadores. As zonas

rurais devem ter seu tecido social protegido para manter o camponês em sua terra e

possibilitar sua contribuição à soberania alimentar de seu país. A qualidade e segurança da

alimentação deve ser o objetivo, inclusive com a eliminação de produção de OGM (NPA,

2009b).

Para debater seus temas específicos e desenvolver uma cultura no partido de

respeito e não opressão a qualquer segmento social, a liberdade do uso de espaços

específicos de reflexão e ação está prevista nos princípios fundadores. Assim, as mulheres,

LGBTI, jovens e imigrantes têm a opção de realizar reuniões específicas para cada um

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desses segmentos. Para o NPA, essa liberdade é importante para construir uma proposta

de uma sociedade livre de discriminação em que todos tenham acesso ao trabalho, escola,

formação, habitação, transporte público, saúde e cultura (NPA, 2009b).

A democracia interna no NPA é radical. Ela prevê que cada pessoa com sua

especificidade, inclusive de nível de compromisso, deve ter o seu espaço no partido, a

pluralidade de opinião e ponto de vista está garantida (NPA, 2009b).

O NPA se apresenta como alternativa à esquerda institucional (Partido Socialista e o

Partido Comunista) e seus aliados verdes. Para o NPA, os partidos de esquerda

abandonaram os compromissos com as aspirações das pessoas e os verdes venderam

suas ambições ambientais. O NPA definiu duas tarefas prioritárias: desenvolvimento de

lutas sociais de um novo sindicalismo; e construir um partido político com um programa

abrangente de emancipação (NPA, 2009b). A construção do partido envolve a participação

nas eleições para defender suas propostas e reunião da população em torno do programa,

propor e apoiar medidas que melhorem a vida dos trabalhadores, direitos democráticos e

respeito ao meio ambiente. A radicalidade dessas posições impede a participação de

qualquer coligação contraditória com o compromisso de transformação (NPA, 2009b).

O poder, para o NPA, não é o fim em si mesmo. O verdadeiro poder é germinado pela

auto-organização da sociedade no rompimento do capitalismo e apropriação da autogestão

da população (NPA, 2009b).

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Parti de Gauche

O Parti de Gauche se apresentou rapidamente como a opção ecossocialista viável em

relação à proposta ecocapitalista promovida pelos socialistas reformadores com apoio da

Europe Ecologie (Münster, 2013, p. 122-123). O Parti de Gauche, liderança do Front de

Gauche, assumiu a bandeira ecossocialista, apresentando propostas e associando as

reivindicações socialistas com o paradigma ecológico. A boa repercussão da campanha de

Jean-Luc Mélenchon divulgou a proposta ecossocialista e a apresentou como caminho

viável de governo (Münster, 2013, p. 108-109). Münster destaca o encontro Les Assis de

l’écosocialisme organizado pelo Parti de Gauche em 1º de dezembro de 2012, em Paris

como marco da campanha partidária ecossocialista, apresentando sua proposta política

como alternativa à socialdemocracia (MÜNSTER, 2013, p. 109).

A consciência dos efeitos de mais e mais catástrofes do aquecimento global, da

destruição progressiva da ecosfera que atingem a humanidade e da responsabilidade do

capitalismo por essas catástrofes provocou a necessidade de ascensão politica e

organizacional do movimento ecossocialista. O encontro Les Assises de l’écosocialisme em

Paris no dia 1º de dezembro de 2012 e inscrição oficial do ecossocialismo no programa

político do Parti de Gauche transformou o ecossocialismo na França em um grande

movimento e corrente política, inicialmente com a presença dos militantes do Front de

Gauche que recebeu a adição de outros de militantes ecológicos da d’Europe Ecologie/Les

Verts, de militantes dissidentes do NPA e também de certo número de militantes alternativos

(MÜNSTER, 2013, p. 152-153).

Em fevereiro de 2013, o partido lançou seu manifesto com 18 teses para o

ecossocialismo. O manifesto foi uma obra coletiva com a participação de nomes importantes

do movimento ecossocialista: Anita Rozenholc; Arno Münster; Corinne Morel Darleux;

Damien Joliton; Danièle Obono; Guillaume Étievant; Jacques Lerichomme; Janette Habel;

Laurent Garrouste; Laurent Maffeïs; Mathieu Agostini; Matthieu le Quang; Michael Löwy;

Paul Ariès e Susan George (Darleux, 2013a, p. 6). A proposta do manifesto é ser uma base

de debate sobre os caminhos necessários para construir a sociedade ecossocialista. Para

Darleux (2013a, p. 7), a construção da bifurcação social e ecológica é orientada pelo projeto

ecossocialista, com planificação ecológica e uma estratégia revolucionária cidadã, isto é, a

apropriação politica por todos.

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Ensemble Mouvement pour une alternative de Gauche, Ecologiste et Solidaire

O partido Ensemble, Mouvement pour une alternative de gauche, écologiste et

solidaire foi criado em conferência, realizada nos dias 23 e 24 de novembro de 2013, com

220 delegados, pela união de diferentes instituições politicas partidárias participantes do

Front de Gauche. Esses partidos foram: Alternatifs; C&A-Convergences&Alternative; ACU-

Communistes Unitaires; FASE-La Fédération pour une alternative sociale et écologique; GA

– La Gauche Anticapitaliste e Gauche Vraiment Unitaire (Beltar, 2013). O Ensemble nasceu

como um partido ecossocialista que busca a transformação social, incorporando a pauta

anticapitalista, ecológica, feminista, internacionalista (Ensemble, 2013a). O método principal,

adotado pelo partido na fundação para tomada de decisão e definição de rumos, foi o

consenso com uma estrutura organizacional mais horizontal e menos vertical (BELTAR,

2013).

A importância da criação do Ensemble para Myriam Martin, uma liderança do partido

GA – Gauche Anticapitaliste, foi a criação da terceira força do Front de Gauche, que se

juntará aos dois grandes partidos do Front de Gauche, PCF e PG. Para ela, essa força

unificada elimina o excesso de oferta e unifica as vozes e, assim, facilita o acesso ao

eleitorado (ALEMAGNA, 2013).

As principais orientações e estratégias de ação de curto e médio prazo do Ensemble

estão registradas no documento apresentado na Conferência Nacional, Textes de

Références du Mouvement. Nesses textos, o Ensemble se define como um partido

ecossocialista, que integra as dimensões social, ecológica e democrática na atuação política

da emancipação da classe oprimida; um projeto político emancipatório da sociedade que

incorpora o melhor das utopias socialistas e ecologistas para construir uma sociedade com

base de valores democráticos, igualitários, feministas e autogestionárias (Ensemble, 2013b,

p. 9). Esse projeto, além de se apresentar como alternativa ao liberalismo, estalinismo e

socialdemocracia e seus malefícios (Ensemble, 2013b, p. 9), busca sensibilizar o movimento

sindical para a pauta ambiental, e o movimento ecológico para as propostas anticapitalistas,

com a mensagem de que o produtivismo capitalista, ampliado pela ciência e tecnologia, tem

gerado males ambientais, degradando a relação da humanidade com a Natureza

(Ensemble, 2013b, p. 11). Para o partido, no atual modelo produtivo, a classe dominante

não tem a capacidade de tomar as decisões necessárias para superar a atual crise

socioambiental (ENSEMBLE, 2013b, p. 3).

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O Ensemble tem suas propostas de utopia ecossocialistas com caminhos e projetos

de médio e curto prazo para contribuir não só no Front de Gauche, como também no amplo

debate ecossocialista. Para o Ensemble, o ser humano e a Natureza são inseparáveis, e o

ecossistema compatível com a vida humana deve estar no centro do projeto de

transformação da sociedade (Ensemble, 2013b, p. 11). Esse projeto deve anunciar uma

nova forma de relacionamento sociedade e Natureza, superando as contradições das

dimensões ecológica e socialista. A busca do Ensemble é uma ecologia da justiça social

(ENSEMBLE, 2013b, p. 12).

O documento do Ensemble destaca também a armadilha da revolução verde,

alertando sobre a compra de terras produtivas e florestas nos países do Sul por

multinacionais, para especulação com a produção agrícola e biocombustível, em detrimento

do acesso à alimentação pela população mundial e da preservação das florestas

(ENSEMBLE, 2013b, p. 13).

A aposta do Ensemble para a produção de alimentos é a agroecologia. O partido tem

consciência que essa opção requer profundas transformações na política agrícola francesa,

europeia e mundial, pois contraria os interesses dos setores de agronegócios e

especuladores de commodities, mas tais transformações são fundamentais para construir

outra forma de relacionamento de produção e consumo dos produtos agrícolas, com o uso

racional do solo, do trabalho e acesso aos alimentos (ENSEMBLE, 2013b, p. 13).

Para a produção de energia, o partido defende que a sociedade deve superar o

domínio fóssil. Para o Ensemble, a adoção da energia nuclear não é a solução desejável,

pois os riscos envolvidos nessa opção devem ser evitados. A proposta do partido para essa

área é o investimento na combinação de várias fontes de energia renováveis, gerenciada de

forma descentralizada, respeitando as necessidades específicas locais, sem desperdício de

recursos. As fontes priorizadas são a eólica, solar e as relacionadas com a ciência da terra

(geotérmica, marés, microalgas, biomassa entre outras) (ENSEMBLE, 2013b, p. 13-14).

O PIB tem um espaço importante na proposta do Ensemble. Nesse ponto, o partido

promove o encontro com o pensamento Decrescimento (Ensemble, 2013b p. 12) com o

pensar marxiano do conflito entre o valor de uso e o valor de troca, denunciando o fetiche do

crescimento promovido pela publicidade e acelerado pela obsolescência programada

(ENSEMBLE, 2013b, p 12).

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A questão ecológica não monopoliza o documento, o combate a todas as opressões

norteia o projeto do Ensemble, assim, há propostas para as questões femininas, racismo,

xenofobia e orientações sexuais. A proposição é combater todas as discriminações

socioeconômicas e construir uma sociedade democrática. A democracia defendida pelo

partido combina a libertação social e respeito ecológico, fruto da ação dos movimentos

sociais (ENSEMBLE, 2013b, p. 17).

A atual prioridade política do Ensemble é construir o Front de Gauche. Sua proposta é

que o Front de Gauche francês construa uma alternativa no campo da esquerda francesa

para gerar condições para liderar as transformações necessárias, com novas conquistas

coletivas e romper com a atual estrutural social liberal (Ensemble, 2013b p. 6). Para

Ensemble, Front de Gauche deve estar aberto a todas as forças de esquerda, inclusive

setores de EELV e PS, associações, sindicatos e todos os demais movimentos que buscam

transformações socioambientais (Ensemble, 2013b p. 8). Assim, o projeto ecológico e social

ecossocialista deve articular os movimentos sindical, ecológico e a esquerda não

produtivista (Ensemble, 2013b p. 12), pois integra diversas pautas socioecológicas como a

defesa de melhores condições de trabalho, intervenção ativa do trabalhador na produção,

redução do tempo de trabalho, luta contra o consumismo, fim do fetiche do crescimento do

PIB, educação para ecologia e respeito ao bem comum, uso de energia renováveis

(ENSEMBLE, 2013b, p. 12).

O Front de Gauche tem dois grandes obstáculos para vencer. O primeiro é o modelo

de governo conservador adotado pela coligação Partido Socialista e Partido Verde (EELV),

seu perfil desqualifica a esquerda francesa perante a percepção popular, construída com o

investimento da mídia, que veicula que não há alternativa e que a esquerda não consegue

propor mudanças ao modelo atual de governo. A outra crise é interna, foi gerada pela

coligação do Partido Comunista Francês (PCF) com o Partido Socialista na candidatura ao

governo municipal de Paris, de 2013, ao romper com a Frente (Hendrik, 2013). Para superar

essa crise, o Ensemble optou em buscar ser liderança no aumento do diálogo e projetos,

não só internamente no Front de Gauche como também incorporar outras forças de

esquerda, como NPA, sindicatos, associações (como ATTAC, Fundação Copernic,

movimentos ambientalistas). Além da interação junto aos setores de esquerda, Ensemble

decidiu organizar frentes temáticas e mobilizar cidadãos para participar de reuniões

ordinárias e abertas (HENDRIK, 2013).

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A democracia, principalmente interna, é um dos principais valores do Ensemble para

irradiar mudanças. As decisões não são tomadas por estrutura burocráticas, e sim por

amplo debate interno, com total liberdade de expressão de opinião de todas as correntes,

seja nos Congressos internos, seja externamente. Mas o desafio dessa democracia é estar

em sintonia com a eficiência, afinal todo movimento político deve ser eficaz, isto é, atingir

objetivos, mas no caso do Ensemble, a meta é construir a conexão entre o partido e o

ativismo social e recriar uma ligação de aspirações (HENDRIK, 2013).

O avanço da direita nas eleições municipais de 2013 e na eleição Europeia de 2014

agravou a crise dos partidos de esquerda na França. A comissão ecológica do Ensemble

publicou um texto apresentando propostas para avançar as bases das alianças dos partidos

e movimentos de esquerda francesa. O documento aponta que há duas tarefas urgentes:

reconstruir um projeto de emancipação socioecológica e apresentar uma nova força política,

que seja alternativa ao atual modelo de governo. Esse desafio deve ser respondido pela

união das esquerdas e deve ter como motor, as propostas ecológicas, anticapitalistas e anti-

produtivistas (ENSEMBLE, 2014).

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CAPÍTULO 4 – Ecossocialismo Brasileiro

4.1 Ecossocialismo de Chico Mendes

Chico Mendes construiu uma história que é referência para a proposta ecossocialista.

Foi um dos primeiros brasileiros a associar luta social com responsabilidade ambiental. Ele

tinha a convicção que era necessário preservar a Amazônia para todos os povos e que a

autoemancipação dos seringueiros deveria ser construída a partir da sua integração aos

demais povos da floresta e à própria floresta. Sua história pode ser estudada com ajuda de

suas entrevistas documentadas por Edilson Martins (1998) e Cândido Grzybowski (1991),

documentários e textos de diversos autores que trabalharam com Chico.

Chico Mendes era de uma família de seringueiros, sua trajetória foi marcada pela

herança das condições opressoras impostas pelos fazendeiros. Os seringueiros foram

inseridos na floresta amazônica com a ilusão de vida melhor que a sofrida rotina do sertão

nordestino, porém a realidade encontrada foi outra. As trabalhadoras e trabalhadores

buscaram os seringais da Amazônia na segunda metade do século XIX para fugir das

longas estiagens e da gripe de 1877, causadora de mais de cem mil mortes (Martins, 1998,

p. 13). A situação de opressão, com características de escravidão, foi detalhada por

Euclides da Cunha (2006) no início do século XX.

Euclides da Cunha, em seu À Margem da História de 1908, já apresenta números

que comprovam a gravidade da situação do trabalhador migrante nos seringais na

Amazônia: a contabilidade das dívidas iniciais, tabela 4, apresenta uma dívida inicial de

2.090$000. Em uma projeção muito otimista, considerada impossível pelo autor: “a) que seja

solteiro; b) que chegue à barraca em maio, quando começa o corte; c) que não adoeça e

seja conduzido ao barracão, subordinado a uma despesa de 10$000 diários; d) que nada

compre além daqueles víveres“, o seringueiro continuaria endividado e inserido em um ciclo

de produção e endividamento eterno no final do primeiro ano de trabalho (CUNHA, 2006, p.

29).

Além das dívidas compulsórias, havia o risco de multa de 100$000 no caso de

“infrações” na execução do trabalho, tais como: “a)fazer na árvore um corte inferior ao gume

do machado; b)levantar o tampo da madeira na ocasião de ser cortada; c)sangrar com

machacinhas de cabo maior de quatro palmos” (CUNHA, 2006, p.30).

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Os utensílios invariáveis presentes na tabela 4 proporcionavam as condições mínimas

de sobrevivência na selva: um boião de furo, uma bacia, mil tigelinhas, uma machadinha de

ferro, um machado, um terçado, um rifle (carabina Winchester) e duzentas balas, dois

pratos, duas colheres, duas xícaras, duas panelas, uma cafeteira, dois carretéis de linha e

um agulheiro. Os mantimentos entregues na chegada do trabalhador antes do envio a sua

estadia final eram: 3 paneiros de farinha de água, 1 saco de feijão, outro, pequeno, de sal,

20 quilos de arroz, 30 de xarque, 21 de café, 30 de açúcar, 6 latas de banha, 8 libras de

fumo e 20 gramas de quinino (CUNHA, 2006, p.29).

Tabela 4 – Dívidas assumidas pelo seringueiro para iniciar sua jornada

Histórico

Dívidas

(Em mil réis)

Dinheiro recebido para preparar-se 150$000

Passagem de proa até o Pará 35$000

Passagem do Pará até barracão 150$000

Utensílios invariáveis 800$000

Dívida inicial 1.135$000

Mantimentos para 3 meses 750$000

Despesas diárias para manutenção barracão 10$000

Fonte: Cunha, 2006, p.29

Outro fator relevante é que o trabalhador só podia comprar no armazém do barracão,

"não podendo comprar a qualquer outro, sob pena de passar pela multa de 50% sobre a

importância comprada"” (Cunha, 2006, p.30). A dívida gerada pela compra de produtos

fundamentais para sobrevivência com preços definidos pelos mesmos que remuneravam o

fruto da extração das seringueiras está na lógica de preços exorbitantes pela mercadoria

comprada e baixas remunerações do fruto do trabalho, além de “erros” nas contas (Cunha,

2006, p.30). Para a manutenção do ciclo das “contas” que garantiam a opressão, os filhos

dos seringueiros eram proibidos de estudar para não descobrirem os “erros” na

contabilidade da dívida da sua família. A proibição foi flexibilizada apenas a partir de 1970

(GRZYBOWSKI, 1991, p. 60).

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A conclusão de Euclides da Cunha (2006, p. 30-31) não dá margem de dúvida da

perversidade das condições do trabalhador: é “natural que ao fim de alguns anos o freguês

esteja irremediavelmente perdido. A sua dívida avulta ameaçadoramente: três, quatro, cinco,

dez contos, às vezes, que não pagará nunca. Queda, então, na mórbida impassibilidade de

um felá desprotegido dobrando toda a cerviz à servidão completa. O regulamento é

impiedoso: "Qualquer freguês ou aviado não poderá retirar-se sem que liquide todas as suas

transações comerciais..." Fugir?” A fuga era inviável pelas condições da região, distância

entre os barracões e a cumplicidade entre os senhores dos seringais, aliado a pesadas

multas aos fazendeiros que não cumpriam o “acordo”. (CUNHA, 2006, p. 31).

Euclides da Cunha já em 1908 escrevia que era necessário intervir politicamente para

mudar as condições dos trabalhadores dos seringais:

urgência de medidas que salvem a sociedade obscura e abandonada:

uma lei do trabalho que nobilite o esforço do homem; uma justiça

austera que lhe cerceie os desmandos; e sem forma qualquer do

homestead que consorcie definitivamente à terra (CUNHA, 2006,

p.31).

A quantidade de escravos nordestinos nos seringais da Amazônia somente iniciou sua

redução a partir de 1955, com a migração de parte desses para trabalhar como boias-frias

nas fazendas de empresas agropecuárias em troca, em grande parte, de comida e pinga

(MARTINS, 1998, p. 86).

Chico Mendes nasceu em 15 de dezembro de 1944, em Xapuri no Acre. Filho de

Francisco Alves Mendes e de Maria Rita Mendes, Chico iniciou seu trabalho como

seringueiro aos nove anos e foi alfabetizado aos 20 anos (GRZYBOWSKI, 1991, p. 10). Ele

soube apreender lições fundamentais para a sua trajetória, seja pela transmissão de

conhecimento do seu professor Távola, seja pela sua vivência dos sucessos e fracassos nos

movimentos sociais.

Uma lição fundamental para a trajetória de Chico foi aprender a ler e ouvir notícias

com o auxílio de um exilado político, Euclides Fernando Távola. Euclides era oficial do

exército quando participou da Coluna Prestes, por essa militância, foi preso e enviado para o

presídio da ilha de Fernando de Noronha. Foi solto por influência do seu tio Juarez Távola, e

seguiu para a Bolívia onde se engajou no Partido Comunista Boliviano, trabalhando com o

movimento operário. Porém foi perseguido e obrigado a voltar à clandestinidade. Acabou se

refugiando na selva perto da fronteira entre Brasil (Acre) e Bolívia e para sobreviver,

aprendeu a fazer a borracha com os seringueiros (MARTINS, 1998, p. 87-88).

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Em 1962, Euclides Távola passou ao acaso na casa da família Mendes e o pai de

Chico gostou do diálogo e das ideias do visitante. Com a permissão do pai, Chico Mendes

iniciou a alfabetização com seu mestre marxista. Inicialmente, as aulas eram aos sábados e

domingos na casa de Euclides, para chegar às aulas, Chico Mendes andava três horas. O

método usado pelo professor era a leitura crítica de jornais, Euclides conseguia edições

atrasadas de jornais e noticiários de rádio. Chico criou o hábito de ouvir o noticiário das 18

horas das estações Central de Moscou, BBC de Londres e Voz da América no rádio à

bateria cedido por Euclides. O contato com as notícias permitiu que Chico Mendes

observasse a diferença de enfoque na forma do noticiário sobre o golpe de 1964, pois para

a Voz da América, a democracia seria a vitoriosa em evitar que os comunistas acabassem

com o país, em contra partida a Central de Moscou alertava sobre as prisões das lideranças

sindicais e das torturas aos presos da repressão (GRZYBOWSKI, 1991, p.63).

Não há muitas informações sobre Euclides Távola, pois ele queimava tudo que

anotava e em julho de 1965 foi à cidade para checar se seu emagrecimento era um

processo de úlcera e nunca mais voltou (MARTINS, 1998, p. 88).

A lição do professor Távola muito valorizada por Chico Mendes era a relevância na

militância sindical e a possibilidade da futura restruturação dos sindicatos no Brasil, pois

“apesar de derrotados, humilhados, massacrados, as raízes nunca se acabaram, elas

sempre germinam; por mais atacadas que sejam, elas germinarão mais tarde” (Grzybowski,

1991, p.64). Para Távola, a militância no movimento sindical era fundamental, mesmo no

caso de sindicatos chamados pelegos, porque o ingresso de militantes combativos

estabelece as bases para espalhar as “sementes da liberdade” (GRZYBOWSKI, 1991, p.64).

Em entrevista à CUT no 3ª Congresso em 1988, Chico lembrou de alguns

ensinamentos de Euclides: “hoje os trabalhadores estão sendo rechaçados, mas por maior

que seja o massacre sempre existirá uma semente que renascerá e aí você terá que entrar,

mesmo que seja daqui a oito, dez anos” (MARTINS, 1998, p. 88).

Com o conhecimento adquirido nas suas aulas, Chico descobriu que sua família e os

demais seringueiros eram manipulados pelos comerciantes da fazenda: o valor da metade

da produção de um ano de borracha pagava a conta na venda do seringalista e o lucro

gerado seria a outra metade, porém, nas contas do seringalista, o seringueiro estava

sempre devendo (Martins, 1998, P. 89). A lição foi que a eterna dívida do mercado do patrão

era ferramenta de opressão, a liberdade deveria ser construída com a ruptura do monopólio

da venda aos seringalistas. A opção inicial foi o comércio com os marreteiros, pequenos

comerciantes, para comprar mais barato pagando com borrachas (MARTINS, 1998, p. 89).

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O segundo marco na formação de Chico Mendes foi o convívio com o sindicalista

Wilson Pinheiro, a avalição dos sucessos e a desmobilização do sindicado após a morte do

Wilson esteve presente nas ações posteriores de Chico. Wilson Pinheiro foi a primeira

liderança na direção do sindicado de Brasiléia, Acre, em 1978 e 1979. Foi na sua

coordenação que os empates foram generalizados por toda a região (GRZYBOWSKI, 1991,

p.18-21).

O empate é uma forma de manifestação ao mesmo tempo pacífica e de forte impacto.

Sua ação é liderada pela direção do sindicado e composta por centenas de seringueiros

com suas mulheres, crianças e velhos. Os empates são mobilizados a partir da denúncia de

desmatamento, o primeiro passo é a reunião das comunidades, principalmente as afetadas,

em assembleia na mata para definir a liderança e o grupo que ficará na frente das foices e

motosserras. As mulheres e crianças costumam sair na linha de frente com bandeira para

evitar a recepção do grupo à tiros pelos “seguranças” e policiais a serviço dos fazendeiros.

As armas dos empates são os discursos educativos alertando da importância da

manutenção da floresta e as consequências de seu desmatamento para todos aos peões

responsáveis pelo cumprimento de ordens. A proposta do método é sensibilizar o peão,

responsável pela ação do desmatamento, pois, para os seringueiros, apesar de ser o

representante da ação opressora, o peão é um ser humano “simples, indefeso e

inconsciente” (Martins, 1998, p. 26). O convencimento dos peões muitas vezes provocou

adesão dos próprios peões nos empates. (GRZYBOWSKI, 1991, p. 38).

A fama e notoriedade de Wilson Pinheiro foram construídas com a mobilização e

liderança de 300 seringueiros que, com apenas facões e enxadas, expulsaram de

pistoleiros, armados com rifles, que estavam ameaçados os posseiros na Boca do Acre.

Essa vitória gerou também, seu julgamento e condenação à morte pela “corte” dos

fazendeiros. No dia 21 de julho de 1980, Wilson Pinheiro foi morto por dois pistoleiros na

sede do sindicato de Brasiléia. Sua morte aumentou a situação de conflito na região:

inconformados com a percepção da falta de ação da Justiça, os seringueiros fuzilaram um

dos fazendeiros acusados de envolvimento na morte de Wilson, Nilo Sérgio. Entretanto a

ação da “Justiça”, para a reação dos seringueiros, foi ágil: prendeu e torturou centenas de

seringueiros. Com a morte de Wilson Pinheiro e repressão do Estado, o movimento dos

seringueiros na Brasiléia perdeu força (GRZYBOWSKI, 1991, p.19-20; GRZYBOWSKI,

1991, p. 42).

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A avaliação e aprendizado de Chico Mendes com o crescimento e retração da

experiência desse sindicato foram que:

O movimento deveria passar por uma discussão muito maior e uma

preparação muito maior para não se repetir o que aconteceu em

Brasiléia. Quando mataram Wilson, como ele centralizava todo o

poder, toda a resistência em suas mãos, houve uma recuada. Aqui,

em Xapuri a gente se propõe a fortalecer mais as bases, para que o

movimento tivesse uma sustentação maior (GRZYBOWSKI, 1991,

p.21).

Xapuri assumiu a liderança dos movimentos dos seringueiros com a coordenação de

Chico Mendes. O sindicato foi fundado em 1977 com aprendizado da experiência de

Brasiléia. A organização de Xapuri buscou ampliar a participação dos trabalhadores. O

modelo de diálogo do sindicado aplicava o aprendizado de Chico Mendes junto às

comunidades de base, iniciado em 1973 (GRZYBOWSKI, 1991, p. 20-21).

Chico Mendes entrou em contato com as propostas dos padres progressistas,

aderindo às Comunidades Eclesiais de Base, em uma época que a igreja era o um espaço

de diálogo social. Essa relação permitiu que o Sindicato pudesse funcionar no terreno da

Igreja (GRZYBOWSKI, 1991, p. 20-21).

Para aumentar e melhorar a participação de todos nos diálogos e decisões, houve

investimento na educação da população trabalhadora. A formação e estruturação de

condições para geração de novas lideranças e uma ampla participação de todos foram

preocupações importantes nas práxis de Chico Mendes. A educação foi uma ação para

despertar a conscientização da população oprimida. Inicialmente foi criada a cartilha

Poronga com apoio CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação e diversos

grupos de universitários. A cartilha foi aplicada nos cursos, que eram ministrados por

professores eleitos pela comunidade. Para Chico: “Poronga é a luz que o seringueiro usa e

coloca na cabeça para caminhar na selva” (MARTINS, 1998, p. 85).

Outro apoio importante na organização das primeiras escolas foi a OXFAM. Esse

apoio foi motivo de denúncia por parte dos fazendeiros aos órgãos de repressão sob a

acusação de recebimento de recursos dos comunistas de Moscou. Os seringueiros não se

intimidaram e conseguiram, em 1983, comprovar que a fonte das divisas eram de uma

entidade não governamental inglesa de apoio a projetos sociais no terceiro mundo

(GRZYBOWSKI, 1991, p. 46).

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Além do apoio das ONGs e do Ministério da Educação, o diferencial do projeto da

construção das escolas foi a mobilização da população, os agentes do Ministério ficaram

estarrecidos com o resultado obtido com reduzidos recursos, em relação ao alto montante

de recursos enviado às prefeituras do Acre: as prefeituras entregaram menos que um terço

do total de escolas (GRZYBOWSKI, 1991, p. 47).

Para Chico Mendes, a educação era fundamental para a práxis transformadora, esse

sentimento pode ser exemplificado pelo último conselho que Chico Mendes deu a sua filha

Elenira, que quando ele morresse, ela não deveria chorar na sua morte e sim estudar para

continuar a sua luta: “Se seu pai morrer, você tem que ser forte, tem que estudar para

continuar a luta dele” (VENTURA, 2003, p. 19).

Chico Mendes entendia que para avançar com as conquistas, o movimento deveria se

estruturar em sindicatos e se inserir na política partidária. Em 1977, Chico participou

ativamente na fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e se elegeu

vereador pelo partido de oposição à ditadura militar, MDB (Martins, 1998, p.15).

Posteriormente ele soube dialogar com as diversas siglas (PT, PCB, PC do B, PV, PDT e

PSB). Sem perder o espaço de diálogo com os demais partidos, ele se filiou ao PT, pois

para ele era o “único partido, com todos os seus problemas, que tem dado maior cobertura,

maior apoio à luta dos seringueiros” (GRZYBOWSKI, 1991, p. 49-50).

Para ampliar o diálogo e deixá-lo mais visível na sociedade brasileira, o sindicado de

Xapuri sob a liderança de Chico Mendes construiu o Conselho Nacional dos Seringueiros. O

Conselho foi criado com a missão de buscar alternativas para a floresta amazônica e

enfrentar o desmatamento (Martins, 1998, p 17) e principalmente, buscar o reconhecimento

dos seringueiros como classe (GRZYBOWSKI, 1991, p. 26).

O primeiro passo concreto para a criação do Conselho foi o Primeiro Encontro

Nacional de Seringueiros em 1985 em Brasília. A capital brasileira foi escolhida por ser

considerada na avaliação das lideranças do Encontro como o centro das decisões da nação

e seria importante mostrar para as autoridades e demais setores da sociedade brasileira que

a Amazônia não era uma floresta vazia, havia trabalhadores vivendo nela e dela

(GRZYBOWSKI, 1991, p. 22).

O primeiro encontro foi fundamental na história do movimento dos povos da floresta. A

adesão foi expressiva, pois além das lideranças de Xapuri, trabalhadores de Brasiléia,

representantes de quase todos os municípios do Acre, dos estados da Amazônia, Amapá e

Pará estavam presentes (Grzybowski, 1991, p. 27). Os principais resultados foram: a criação

da diretoria provisória do Conselho Nacional dos Seringueiros e a proposta da criação da

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reserva extrativista da Amazônia. O objetivo da proposta da reserva extrativista era

demonstrar que há alternativa sustentável para a Amazônia em relação à proposta de

desenvolvimento de crescimento econômico à custa da devastação da floresta

(GRZYBOWSKI, 1991, p. 23).

O método principal no desenvolvimento do Conselho foi a dinâmica de discussão dos

seringueiros estruturada em bases organizadas, essa era a força para enfrentar desafios

que se apresentavam para o movimento como a distância e a dificuldade de locomoção na

região, dificuldades das pessoas em se envolver em mais de um movimento e a dificuldade

de comunicação entre os seringueiros (GRZYBOWSKI, 1991, p. 38).

Outro ponto valorizado na autoemancipação do seringueiro era a construção de

cooperativas para libertar os trabalhadores das condições impostas ao comércio dominado

pelos fazendeiros. Chico acreditava que a “cooperativa é uma forma nossa de lutar pela

liberdade. Isso foi conseguido com cinco anos de articulação, pois houve cooperativas

anteriores controladas pelo governo e que não vingaram, pois se tornaram mais um patrão

do seringueiro. Para nós, a cooperativa deveria ser um instrumento do próprio seringueiro,

uma conquista dele” (Martins, 1998, p. 85). A construção das cooperativas de produção e

consumo foi desenvolvida na pauta econômica do Conselho.

A cooperativa de Agroextrativista envolve, além dos seringueiros, que organizavam e

coordenavam a cooperativa, os pequenos agricultores com atuação inicialmente no Acre,

porém a proposta era integrar toda Amazônia brasileira (Grzybowski, 1991, p. 41). A

percepção de Chico Mendes sobre a experiência da cooperativa era que ela resolve o

“problema econômico dos seringueiros, que ao longo dos anos ninguém resolveu”

(GRZYBOWSKI, 1991, p. 55).

O Conselho Nacional dos Seringueiros foi o espaço fundamental para o diálogo entre

os seringueiros e indígenas e para a criação da União dos Povos da Floresta. A conclusão

dos seringueiros e indígenas era que nenhum dos dois era o responsável pelo conflito entre

eles, os verdadeiros geradores eram o seringalistas e os demais exploradores das riquezas

amazônicas (GRZYBOWSKI, 1991, p. 26).

O método dividir para dominar foi amplamente usado pela classe dominante para

manter os povos da floresta isolados e enfraquecidos. Em entrevista, Chico Mendes afirmou

que a crença das diferenças entre seringueiros e índios esteve presente na sua formação:

“estão vivos na minha memória o preconceito e a hostilidade alimentados em relação aos

índios da Amazônia: traiçoeiros, primitivos e preguiçosos” (MARTINS, 1998, p. 14).

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Um depoimento muito interessante sobre a aliança nos Povos da Floresta pode ser

expresso pelo depoimento de Osmarino Amâncio no Encontro Rio 92:

"No começo", afirmou ele, “instigados pelos poderosos,

acreditávamos que os índios eram nossos inimigos. Por sua vez, os

índios, manipulados pelos mesmos poderosos, acreditavam que

éramos seus inimigos. Com o tempo, fomos descobrindo que as

nossas diferenças não deveriam ser jamais razão para que nos

matássemos entre nós em favor dos interesses dos poderosos.

Descobrimos que éramos todos 'Povos da Floresta' e que queríamos

e queremos uma coisa só em torno da qual nos devemos unir; a

floresta. Hoje”, concluiu, “somos uma unidade nas nossas diferenças”.

(FREIRE, 1992, p. 155 – 156).

A integração dos indígenas com os seringueiros chegou no nível da presença indígena

nos encontros municipais dos seringueiros, nas comissões de organização do Conselho

Nacional dos Seringueiros e nos empates (GRZYBOWSKI, 1991, p. 28).

A proposta extrativista liderada por Chico Mendes associa a justiça social com respeito

à cultura local e responsabilidade ambiental, pontos ecossocialistas para a construção de

uma sociedade sustentável. Para Chico Mendes, “a Amazônia não pode se transformar num

santuário intocável. Por outro lado, entendemos, também, que há uma necessidade muito

urgente de se evitar o desmatamento que está ameaçando a Amazônia e com isto está

ameaçando até a vida de todos os povos do planeta” (GRZYBOWSKI, 1991, p. 24).

A resposta das lideranças do Conselho Nacional dos Seringueiros para esse paradoxo

é a reserva extrativista, isto é, as terras devem ser da União para usufruto dos povos da

floresta, trabalhadores extrativistas e índios. A renda deve ser gerada pela extração dos

frutos da floresta, sejam já conhecidos e industrializados como borracha da seringueira,

castanhas, babaçu, açaí ou a explorar novos produtos como tucumã e papauá (ricos em

óleo), capaíba, bacaba, babaçu e pupunha, assim como o mel das abelhas, pescado e

plantas medicinais, mas sempre respeitado o limite de exploração (Grzybowski, 1991, p. 24).

Além da produção industrial dos produtos da floresta, Chico alertava que a Amazônia será

uma região muito rica quando as faculdades investirem em pesquisa de novos

medicamentos na região (GRZYBOWSKI, 1991, p.25).

Os usineiros, interessados no aumento da produção da borracha e no lucro com

comércio com as cooperativas, aliaram-se às campanhas políticas dos seringueiros. A

politica de articulação e união para construção de um mundo melhor não rejeitou o apoio

dos usineiros, porém de uma forma atenta e crítica. Os seringueiros estavam conscientes

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que o interesse dos usineiros não estava nas melhores condições do trabalhador e sim no

lucro proporcionado pela compra de mercadorias mais baratas (Martins, 1998, p. 84). Além

do objetivo do lucro, os seringueiros sabiam que os usineiros também eram madeireiros,

mas a associação era tática e restrita a melhorias de condições de venda da borracha e com

o objetivo imediato de evitar o fechamento da Superintendência do Desenvolvimento da

Borracha, SUDHEVEA, órgão federal de apoio à produção brasileira de borracha

(GRZYBOWSKI, 1991, p.30).

Chico Mendes tinha muito claro que a armadilha do desenvolvimento gera riqueza

apenas a uma pequena oligarquia, seja no campo ou nos grandes centros. Para Chico

Mendes “queremos que a Amazônia seja preservada, mas também queremos que seja

economicamente viável” (Martins, 1998, p. 92). Além disso, Chico alertava que o modelo das

queimadas é insustentável: “O solo fica improdutivo. Por exemplo, em uma passagem onde

eles desmatam 2 ou 3 mil ha, essa terra não tem potência para resistir, e em dois anos a

terra seca ..” (MARTINS, 1998, p. 94).

A denúncia de Chico do desmatamento crescente da floresta para o governo do

Estado demonstrava que a economia ambiental integrada era mais lucrativa que a economia

de exploração insustentável:

Naquela área desmatada, na safra passada, os seringueiros

colheram 1.400 latas de castanha, uma grande produção.

Desafiamos o fazendeiro daquela área e o próprio governador a

computar a renda anual de 1ha de área transformada em pasto com a

renda de 1ha da mesma área virgem. E eles não quiserem aceitar

esse desafio porque nós iríamos provar que o lucro de 1ha de floresta

daria 20 vezes mais valor anual do que os bois ali dentro

(GRZYBOWSKI, 1991, p.25).

A preocupação da classe opressora, dona do capital, é a busca do lucro sem a

preocupação das consequências do desmatamento, desertificação ou impacto social das

decisões dos investimentos, nesse sentido o conceito de diferença espacial de Bauman

(1999, p. 16) ilustra muito bem: “quem for livre para fugir da localidade é livre para escapar

das consequências. Esses são os espólios mais importantes da vitoriosa guerra espacial”.

Exemplo da lógica insustentável do lucro imediato foi a invasão dos fazendeiros do sul na

Amazônia no inicio da década de 70 com apoio fiscal da Sudam: as primeiras ações foram

espalhar centenas de jagunços e expulsar os posseiros e índios queimando suas terras, a

resistência de alguns posseiros custou óbitos de animais e pessoas (Martins, 1998, p.78).

As 10 mil famílias expulsas do campo foram formar os cinturões de misérias nas cidades

(Martins, 1998, p. 94). O processo de desmatamento provocado pelos donos do capital,

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como pela pecuária da década de 70, não considera o impacto social, não cumpre a

promessa de retorno social do rendimento econômico e nem mantém a perenidade

produtiva da floresta. Os números apresentados por Chico Mendes ilustram a percepção e

necessidade de enfrentar o descompromisso socioambiental dos fazendeiros: “a borracha,

com todo o desgaste que tem sofrido, ainda foi responsável por 45% da arrecadação do

ICM, enquanto a pecuária chegou somente a 5%” (MARTINS, 1998, p. 94).

Chico alertava que o discurso ecológico do governo não era comprometimento com

propostas sustentáveis e sim, argumento para viabilizar financiamento de bancos

internacionais e órgãos multinacionais. O passo seguinte foi alertar aos responsáveis da

aprovação de crédito a contradição entre o discurso e a prática dos tomadores de

empréstimos da Amazônia, pois o argumento de integração era na verdade transformada

em desmatamento e degradação social. Chico Mendes conseguiu reverter o financiamento

dos órgãos multilaterais à obra da BR-364 (Transamazônica) com a sua participação na

reunião do BID em Miami em março de 1987. Em consequência da denúncia de Chico

Mendes e pressão das organizações ambientais, o BID suspendeu os recursos destinados

ao asfaltamento da estrada em abril de 1987 (MARTINS, 1998, p. 81).

A construção da sociedade sonhada por Chico Mendes tinha alguns adversários com

poder: os seringalistas, madeireiros e agropecuaristas. O crescimento do movimento da

classe trabalhadora no Acre provocou reação dos opressores, principalmente com o

ingresso da União Democrática Ruralista, UDR, no Acre. A UDR tinha como prioridade

combater a organização dos seringueiros em Xapuri, pois consideravam que o sindicato de

Xapuri era o principal obstáculo no seu domínio da região do Acre (GRZYBOWSKI, 1991, p.

30).

Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado em sua casa deixando

uma viúva e dois órfãos, Helenira, 4 anos e Sandino, 2 anos (Grzybowski, 1991, p.7). O

conflito agrário gerou e continua gerando mortes de lideranças rurais, Chico Mendes foi o

octogésimo quarto trabalhador assassinado em 1988, nesse ano, o total foi noventa e seis.

No período de 1964 à 1985, foram 1.300 mortes de representantes dos oprimidos na área

rural (Martins, 1998, p. 43). As mortes nos campos por conflito de terra e água continuam

em um ritmo bárbaro: 136 mortes entre 2007 e 2011 (CPT, 2012, p. 15).

A morte de Chico Mendes não foi em vão. Em visita ao Acre quinze anos após a morte

de Chico Mendes, Zuenir Ventura (2003) encontrou as cidades de Rio Branco e Xapuri mais

urbanizadas e a sociedade mais integrada socialmente. Algumas lideranças que

trabalharam com Chico ocupavam posições de destaque na politica socioambiental, eram o

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prefeito de Xapuri (Júlio Barbosa), o governador do Estado do Acre (Jorge Viana) e a

ministra do Meio Ambiente (Marina Silva). Acima de tudo, os índices da participação do Acre

no desmatamento da Amazônia foram reduzidos. Os indicadores de participação dos nove

estados da Amazônia brasileira na pesquisa sobre desmatamento, no período de 1988 a

2002, apontava que o Acre, com 2,7%, perdia apenas para Roraima (1,1%) e Amapá

(0,3%). O pódio de desmatamento era o Pará com 33,9% (Ventura, 2003, p. 190). O

relatório divulgado pelo INPE (2013) sobre desmatamento de 2012, tabela 5, aponta que os

indicadores não se alteraram muito, Pará e Mato Grosso continuam liderando o

desmatamento da Amazônia brasileira e o Acre apresenta baixa participação (INPE, 2013).

Tabela 5 – Distribuição das áreas de alerta em 2012

Distribuição dos 2446.72 km2 de alertas de desmatamento no período

U

F

AC (7.13)

AM (166.07)

AP (0.31)

MA (57.42)

MT (1155.65)

PA (632.25)

RO (357.09)

RR (55.39)

TO (15.41)

Fonte: INPE, 2013

Chico Mendes deixou o aprendizado da importância da articulação de diversas

instituições e forças políticas na construção da autoemancipação da classe trabalhadora. O

primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, marco na história dos povos da Amazônia,

teve o apoio de diversos agentes como, por exemplo: Universidade Federal de Brasília,

Comunidades Eclesiais de Base, INESC, OXFAM, CONTAG, Centro de Defesa dos Direitos

Humanos e a assessoria da antropóloga Mary Allegretti, que foi importante na organização

da ida de Chico Mendes aos Estados Unidos para denunciar que a obra financiada pelos

organismos multilaterais agravava o desmatamento da Amazônia.

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A utopia ecossocialista sonhada por Chico Mendes inspira a todos que buscam a

construção de uma outra sociedade (Mendes, 2012):

Atenção jovem do futuro,

6 de setembro do ano de 2120, aniversário do primeiro centenário da

revolução socialista mundial, que unificou todos os povos do planeta,

num só ideal e num só pensamento de unidade socialista, e que pôs

fim à todos os inimigos da nova sociedade.

Aqui ficam somente a lembrança de um triste passado de dor,

sofrimento e morte.

Desculpem. Eu estava sonhando quando escrevi estes

acontecimentos que eu mesmo não verei. Mas tenho o prazer de ter

sonhado

Mas essa utopia ainda é apenas uma indicação de chegada, pois a situação rural

continua muito crítica. O poder do setor rural assumiu a pauta partidária e consegue exercer

grande influência política no país e consequentemente, manter ou até mesmo aumentar seu

poder na área rural, fechado o ciclo. Um exemplo dessa força política está na formação da

Comissão de Agricultura da Câmara federal, composta por 40 parlamentares que

acumulavam um patrimônio de R$ 51 milhões em propriedades rurais (Castilho, 2012, p.

121).

Além de eleição pessoal nas prefeituras, governos estaduais e parlamento nos três

níveis, há também, o ingresso na política partidária com financiamento de campanha. Um

dos exemplos, presentes na obra de Castilho, foi a Friboi que investiu R$ 10 milhões nas

candidaturas a governos de estado, conseguindo eleger Marconi Pirillo em Goiás e Siqueira

Campos em Tocantins, mas sua força está no parlamento federal, pois dos 63 candidatos

financiados, conseguiu eleger 41 deputados federais e 7 senadores (Castilho, 2012, p. 150 –

151), poucos partidos políticos tem uma bancada tão numerosa. Essa questão esteve

presente no debate sobre alteração do Código Florestal, pois a maioria da bancada Friboi foi

fiel ao seu financiador, com exceção apenas de três parlamentares, além do relator, Paulo

Piau, ter sua campanha financiada pelo agronegócio (Castilho, 2012, p. 153).

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Infelizmente a escravidão, os assassinatos e a grilagem ainda são companhias dos

povos da floresta, companheiros de Chico Mendes. Além do conflito desigual pelas terras,

há ainda a prática de escravidão em nossa área rural. Castilho, com apoio da ONG Repórter

Brasil, uma referência em pesquisa sobre escravidão, apontou em seu livro diversos

exemplos de trabalhadores em situação análoga a escravos em diversos estados brasileiros

(Castilho, 2012, p. 184 – 204). Interessante observar que há casos em que o político tem

domicílio eleitoral nos estados do sul e sudeste, mas suas propriedades rurais estão no

norte e nordeste, como o caso de um deputado federal radialista da cidade de Santos (SP),

cujas terras em Bonópolis (Goiás) foram libertados 46 trabalhadores, sendo 7 menores

(CASTILHO, 2012, p. 201).

A morte também é presença constante entre os povos da floresta. A violência não é só

praticada pela “mão armada do latifúndio” (Castilho, 2012, p. 207), mas também pelo poder

público a serviço dos fazendeiros, como os massacres de Corumbiara em 1995 e Eldorado

do Carajás em 1995 (CASTILHO, 2012, p. 207 – 210).

O assassinato da missionária Dorothy Stang em 2005 teve grande repercussão

internacional. Ela foi “marcada para morrer” por denunciar a violência contra os

trabalhadores, grilagem e desmatamento praticados pelos fazendeiros da região de Anapu,

no sul do Pará, nesse caso, os culpados foram julgados e condenados (CASTILHO, 2012, p.

211 – 213).

A violência do campo atinge também às comunidades indígenas, acirrada pela falta de

demarcação de suas terras e invasões, pois apenas 38% das terras indígenas estão

regularizadas, o que gera a possibilidade de invasão ou grilagem por parte dos “ruralistas”

(Buzatto, 2014, p. 12). Os quais aproveitaram a inércia do governo federal para propor a

Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 que prevê a transferência da responsabilidade pela

demarcação das terras indígenas ao poder Legislativo. Felizmente a proposta foi derrotada

pela mobilização da sociedade, mas essa vitória não garante a paz para os povos indígenas

(Rangel, 2014, p. 16) que somente poderá ocorrer com a demarcação de suas terras,

enquanto isso, o conflito persiste e as mortes também.

A questão da terra é um dos grandes problemas socioambientais brasileiros, pois é um

processo histórico e mantido por forças políticas que atuam nos três poderes e nos três

níveis, municipal, estadual e federal, com a cumplicidade da mídia.

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4.2 Ecossocialismo na política partidária brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

O Partido dos Trabalhadores, PT, foi o primeiro partido político brasileiro que abarcou

diversos segmentos ambientalistas. No Brasil, a proposta política de integração das lutas

sociais e ambientais motivou os ecossocialistas a ingressarem no Partido dos Trabalhadores

(PT) na década de oitenta do século XX. O movimento apostava na transformação do PT

em um partido ecossocialista, sob o argumento que “todo componente inovador de sua

corrente socialista democrática deverá reconhecer em médio prazo o caráter crucial dos

problemas ecológicos no mundo contemporâneo” (VIOLA, 1987a, p. 47).

As primeiras reuniões de militantes ecológicos no PT ocorreram nos intervalos dos

cursos de formação do partido que foram ministrados na cidade de Cajamar (SP) em 1990

(Laxe, 2013a; 2014c). A motivação das reflexões era a necessidade de unir a ecologia e o

socialismo e propor alternativa ao capitalismo, dessas reflexões, surgiu o nome

ecossocialismo, que foi adotado a partir de então (LAXE, 2014c).

Os representantes das correntes socioambientais no PT estavam organizados em

núcleos de ecologistas do PT e na Subsecretaria Nacional dos Ecologistas do Partido dos

Trabalhadores. Os núcleos mais atuantes estavam situados nas cidades de Brasília, Porto

Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. O período de 1989 a 1991 foi produtivo para os

ecossocialistas, pois ocorreram várias reuniões, reflexões e foram produzidos vários

documentos sobre o ecossocialismo (LAXE, 2013a).

Um marco para o ecossocialismo brasileiro foi o Encontro em Angra dos Reis em

1991. O Encontro Nacional dos Ecologistas do partido de Angra dos Reis foi organizado

pela, então, Subsecretaria Nacional dos Ecologistas do Partido dos Trabalhadores (Laxe,

2013a). O resultado do encontro foi positivo, pois foi houve a formalização do setorial

ecossocialista do partido (Laxe, 2014c), a eleição dos coordenadores, geral (Augusto de

Franco) e executivo (Mauricio Laxe) (Laxe, 2014c) e o lançamento da primeira versão do

Manifesto Ecossocialista (Laxe, 2013a; Laxe, 2014c). O Manifesto foi redigido com apoio de

muitos documentos escritos por diversos autores no processo preparatório do encontro

(LAXE, 2014c).

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O primeiro manifesto ecossocialista (Anexo 1) é amplo com 41 pontos programáticos.

Esse manifesto denuncia a degradação socioambiental gerada pelo antropocentrismo, mas

alerta que não é a presença humana que esgota a capacidade de resiliência do planeta,

mas sim, a atual “sociedade fundada no lucro e na propriedade privada”, isto é, o modo de

produção hegemônico, seja sua versão capitalista ou socialista “real”, que “gera riqueza

(questionável) para poucos, miséria para muitos e degradação ambiental para todos” e

assim, assume o risco de esgotar a capacidade de o planeta fornecer condições de

sobrevivência humana (PT, 2001, p. 352). Outro aspecto relevante é o resgate do conceito

marxista que o homem “é parte da natureza, aquela que, inclusive, desenvolveu a

consciência” (PT, 2001, p. 352), assim, a relação homem e Natureza deve superar a atual

forma de dominação antropocêntrica capitalista; segundo o primeiro manifesto, o meio

ambiente saudável é incompatível com o capitalismo, seja na sua versão liberal ou

socialdemocrata (PT, 2001, p. 352). O manifesto ecossocialista afirma que a proposta não é

“pintar de verde a fachada do prédio do capitalismo” (PT, 2001, p. 358) e sim, substituir a

propriedade privada por gestão coletiva democrática, em sintonia com a Natureza e solidária

com as futuras gerações (PT, 2001, p. 352).

O primeiro item do manifesto expressa a sua conexão com o arco-íris ecossocialista e

a necessidade de uma nova forma de relacionamento entre a humanidade e a Natureza:

Os ecossocialistas procuram resgatar a herança histórica de luta da

humanidade pela justiça social, pela democracia como valor essencial

e pelo direito à diferença (de gênero - Homem-Mulher -, da

diversidade cultural dos povos e de opções sexuais, religiosas).

Afirmam que, como parte dos movimentos que entram em luta por

novas formas de relações sociais (socialistas), entram em luta

também por novas formas de relação do ser humano com a natureza.

Nesse sentido, não somos nem socialistas no sentido estrito, nem

ecologistas em sentido estrito: somos ecossocialistas (PT, 2001, 351).

O primeiro manifesto apresenta temas relevantes para o inicio do século XXI como a

participação das lideranças sindicais e o papel da ciência e tecnologia na construção de

uma sociedade ecossocialista. A reflexão sobre o papel das lideranças sindicais no

manifesto é bem atual, pois questiona o “corporativismo” em diversos pontos do manifesto; o

enfoque desse questionamento é que o movimento sindical deve superar o estágio de se

limitar à pauta de melhoria salarial e participação de lucros, assim, os proletariados fabris e

rurais devem, em parceria com os movimentos sociais, assumir as transformações

socioambientais (PT, 2001, p. 356). O exemplo dado pelo manifesto para pensar além do

corporativismo é a reflexão sobre a falta de acesso a automóveis por todos trabalhadores: a

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proposta não é priorizar a posse de automóveis, e sim estruturas eficientes de transporte

público, pois o objetivo não deve ser a socialização do congestionamento. A proposta

contida no Manifesto de 1991 é que a análise critica do movimento sindical sobre produção

deve incorporar “para o que se produz” ao questionamento “como se produz” (PT, 2001, p.

355), isto é, além das condições físicas e monetárias dos trabalhadores, a utilidade e o

impacto socioambiental dos bens e serviços produzidos é também presença importante na

pauta política sindical. A orientação contida do Manifesto é que o desejável deve ser o bem

viver, e não somente o conforto material (PT, 2001, p. 355).

O papel socioambiental da ciência e tecnologia também tem um espaço importante no

manifesto de 1991. O ponto de encontro entre a ciência e tecnologia com o movimento

sindical está na busca de condições de trabalho saudáveis, com a substituição e exclusão

de materiais tóxicos (como benzeno, mercúrio, agrotóxicos e jateamento de área) na

produção. A orientação do documento é que o movimento sindical deve incorporar a busca

de um ambiente despoluído, seja na jornada de trabalho, seja na vida pessoal nos seus

objetivos (PT, 2001, p. 358). Para alcançar esse objetivo, o manifesto indica que o papel da

ciência e tecnologia é importante para a superação do desperdício, da devastação e a

diminuição da jornada de trabalho (PT, 2001, p. 357).

A divulgação do Manifesto Ecossocialista foi uma das atividades do partido na

Conferência Eco-92, mas ocorreram outras participações sociais do partido nessa

conferência. O PT, a ONG pernambucana Aspan e o núcleo do meio ambiente da CUT com

o apoio da FAMERJ – Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro, do

Fórum de Organizações Ambientalistas da América Latina e organizações ambientalistas

presentes no Fórum Global Paralelo, que ocorreu concomitante à Conferência Eco-92,

fizeram uma expressiva manifestação contra a lógica de consumo, de exploração

econômica e de degradação ambiental e social, inerentes a globalização e ao sistema

capitalista, que gerou a passeata “Eco dos Oprimidos” com a participação de mais de 40 mil

pessoas (Laxe, 2013a). O termo “ecossocialista ou barbárie” que tem orientado as reflexões

ecossocialistas atuais já estava presente nessa passeata em um cartaz na frente do carro

de som (LAXE, 2014c).

Após a experiência da Conferência Rio-92, o PT alterou a área ambiental na estrutura

organizacional do partido, dando-lhe maior relevância. A Subsecretaria Nacional dos

Ecologistas foi alterada para Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento,

SMAD/PT, em 1993, com o objetivo de promover avanços na consciência e organização da

cidadania socioambiental no PT em todas as suas instâncias (LAXE, 2013a).

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Além da militância partidária, os ecossocialistas petistas também se envolveram na

militância de ONGs ambientalistas e nos debates dos Fóruns Sociais Mundiais. Para Laxe

(2013a), a participação dos ecossocialistas do partido nos Fóruns Sociais Mundiais e os

debates do pensamento ecossocialista com diversos segmentos políticos no Brasil e demais

países do continente americano e europeu aumentou a visibilidade do ecossocialismo e

melhorou a consistência das propostas da corrente ecossocialista (LAXE, 2013a).

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da republica em 2002 e a

consequente posse de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente em 2003 mudaram o

rumo da corrente ecossocialista no Partido. A posse de Marina Silva desarticulou o

movimento em diversos estados, pois os responsáveis da construção dessa corrente nesses

estados se transferiram para Brasília para assumir cargos no ministério, esvaziando os

trabalhos de articulação nos seus locais de militância (LAXE, 2014c).

Outro impacto da vitória de 2002 foi alteração pragmática da candidatura, pois para se

viabilizar eleitoralmente, o partido amenizou sua radicalidade socioambiental. Após uma

sequência de derrotas para candidaturas neoliberais (1988 para Fernando C. de Mello e

1994 e 1998 para Fernando H. Cardoso), o PT alterou a estratégia eleitoral se aproximando

de setores mais conservadores. Entre as ações, a candidatura da vice-presidência foi

assumida pelo industrial José de Alencar e houve também o fortalecimento interno de

setores da socialdemocracia (Löwy, 2012d). Uma ação formal de campanha, para “acalmar”

o mercado e reduzir a resistência à candidatura Lula, foi a redação e divulgação do

documento Carta ao Povo Brasileiro. A estratégia foi vitoriosa, pois venceu as eleições de

2002 no segundo turno com 61% dos votos contra o candidato José Serra do PSDB (TSE).

A Carta ao Povo Brasileiro apresentou, em termos gerais, como seria o governo do

PT e aliados. A promessa contida no documento era que o mandato de Lula seria uma

gestão de coalizão (Lula da Silva, 2002, p. 2) com compromissos de resultados: reforma

tributária associada à desoneração a produção; reforma agrária com a segurança de paz no

campo; redução das carências energéticas e déficit habitacional e o compromisso de honrar

os contratos vigentes (Lula da Silva, 2002, p. 3 e 4). A proposta contida na Carta buscava

resgatar a confiança do setor financeiro e do “mercado” na economia do país (Lula da Silva,

2002, p. 3) com o compromisso de “crescimento econômico com estabilidade e

responsabilidade social” (Lula da Silva, 2002, p. 5) e a garantia que haveria o cumprimento

dos contratos vigentes (LULA DA SILVA, 2002, p. 3; LULA DA SILVA, 2002, p. 4).

A preocupação na proposta do PT era resgatar a confiança do mercado para obter os

investimentos necessários ao crescimento econômico, e assim, gerar empregabilidade e

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renda para os trabalhadores. Desta forma, o governo buscou deliberar orientado que: suas

decisões influenciam como tendências de longo prazo; os choques de curto prazo têm

impacto nas rotinas das empresas e das pessoas (Barbosa, 2013, p. 69), assim como, a

“política econômica também pode criar tendências de longo prazo e alterar o curso de

desenvolvimento de uma economia promovendo avanços mais rápidos a favor de alguns

setores ou grupos sociais” (BARBOSA, 2013, p. 70).

Sicsú (2013, p. 83) justifica essa proposta argumentando que o investimento é

fundamental, pois qualifica o crescimento econômico porque facilita a trajetória que

possibilita a continuidade do próprio crescimento da economia. Isto é, “o investimento numa

hidroelétrica possibilitará a geração de mais energia que por sua vez, possibilitará a

instalação de novas fábricas consumidoras de energia”. Assim, o investimento não somente

incrementa o crescimento imediato, mas também, potencializa crescimentos futuros, o PIB

potencial (Sicsú, 2013, p. 83). Para Sicsú, o investimento público estimula o investimento

privado, pois reduz os custos empresariais e incertezas de demanda futura (SICSÚ, 2013,

p.85).

Nesse aspecto, o governo trabalhou para construir cenários positivos para estimular os

investimentos privados, pois esse investimento depende da expectativa e segurança. Em

2012, houve uma redução de investimento privado pela contaminação da crise europeia.

Essa retração levou o governo a reduzir as tarifas de energia elétrica, reduzir as taxas de

juros pela ação dos bancos públicos e efetuar as desonerações (SICSÚ, 2013, p. 77).

Além da apreensão sobre investimento para o crescimento econômico, havia

também a preocupação com a governabilidade. Para o PT, a governabilidade, nesse

momento, exigia compor com as forças políticas conservadoras. O paradoxo, apontado por

Sicsú (2013, p. 86), é como compor com a elite brasileira, mesmo acreditando que ela “não

pensa no país, incluindo aí o personagem central: o povo. A elite brasileira é conservadora e

somente têm interesses econômicos que visam à formação de patrimônio”. Sicsú

complementa o conceito sobre a elite brasileira: preocupa-se apenas com seus

apartamentos e outras propriedades que possuem no exterior, principalmente nos Estados

Unidos e na França e considera o Brasil apenas um quintal onde ganham muito dinheiro”

(SICSÚ, 2013, p. 86).

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Para as lideranças do PT, os partidos de esquerda precisam de aliados para governar,

para ter a maioria no Congresso. Para Sicsú (2013, p. 91), o desafio é administrar as

coligações políticas, pois há aliados com interesses particulares e conveniência eleitoral e

“governar com esses partidos é uma tarefa difícil, governar sem eles é uma tarefa

impossível ... o Brasil avançaria mais rápido se pudesse contar com uma base aliada de

partidos e parlamentares progressistas e de esquerda, mas esta possibilidade não existe”. O

Congresso Nacional é um espelho da sociedade, são representantes da cultura e

pensamento da sociedade, que em grande parte são conservadores e de direita (Sicsú,

2013, 91). A situação é agravada pela atuação da mídia ao propagar o repúdio à classe

política e assim, alimentar a hegemonia conservadora no congresso pelo voto

descompromissado ou indiferente do eleitor, reflexo da crença deste que “todos são iguais”

(SICSÚ, 2013, p. 92).

A formação da estrutura de gestão e governabilidade dos mandatos presidenciais do

Partido dos Trabalhadores e seus aliados expressam os conflitos de interesses de vários

setores sociais, com diversos representantes de posições ideológicas muitas vezes

antagônicas. A grande questão é que esse modelo de governabilidade afasta o Partido dos

Trabalhadores da utopia anticapitalista e socialista presente em seu documento do

Congresso do Partido de 1990 (LÖWY, 2012d).

A concessão ideológica do governo do presidente Lula foi superior às expectativas de

alguns setores, e essa quebra provocou mudanças na sua militância. Em 2003, houve a

primeira perda na corrente ecossocialista no PT, quando três deputados (João “Babá”

Batista Araújo, João Fontes e Luciana Genro) e a senadora Heloísa Helena foram expulsos

do partido por divergências em relação as orientações e ações do PT e do governo Lula, e

cujo ponto mais crítico foi a votação contra à reforma da previdência. O grupo iniciou a

fundação do novo partido PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, com apoio de outras

dissidências petistas, principalmente de trotskistas, socialistas cristãos, sindicalistas, e

intelectuais marxistas como Carlos Nelson Coutinho, Chico de Oliveira, Leandro Konder e

Ricardo Antunes (Löwy, 2012d). Posteriormente, após a derrota de Plínio de Arruda

Sampaio nas eleições internas do partido em 2005, houve outra migração de militantes para

o PSOL, com o ingresso de, além do próprio Plínio de Arruda Sampaio, diversos filiados do

PT, inclusive os deputados Chico Alencar do Rio de Janeiro e Ivan Valente de São Paulo.

Houve uma forte transferência de militantes ecossocialistas do PT para o PSOL nesses

processos.

A gestão ministerial de Marina Silva foi, para a corrente ecossocialista do partido, outro

obstáculo para seu desenvolvimento no PT. Para Laxe (2014c), a primeira crise ocorreu em

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2003, com a proibição de reunião do coletivo ecossocialista no interior do ministério, o que

levou o grupo ecossocialista a realizar suas reuniões em espaço público na região do

ministério. Essa proibição criou desconfiança dos ecomarxistas históricos do PT em relação

à Marina Silva e essa crise teve o seu ápice na reforma no Ministério do Meio Ambiente em

2007. Nessa reforma, houve uma forte alteração no perfil ideológico no ministério, sendo

que o espaço do ecossocialismo foi totalmente eliminado com o desligamento de alguns

ecomarxistas petistas e o rebaixamento de cargo para os demais. O setor político fortalecido

na reforma ficou conhecido como “grupo marinista”, que posteriormente a acompanhou na

saída do PT e seu ingresso no PV (LAXE, 2014c) e na fundação do partido Rede

Sustentabilidade.

O afastamento de setores ecológicos históricos do PT do Ministério de Meio Ambiente

trouxe um duplo prejuízo, primeiramente enfraqueceu Marina Silva perante as lideranças do

Partido dos Trabalhadores (Laxe, 2014c), e sua saída do partido prejudicou ainda mais a

corrente ecossocialista, pois os ecologistas ficaram estigmatizados e sofreram rejeição por

parte de algumas lideranças do partido (LAXE, 2014c; LAXE, 2014d).

Em 2008, Marina Silva saiu do PT após atritos e disputas internas. Uma crise séria

entre a então ministra e demais setores do governo federal foi o embate sobre a MP

458/2008, que tratava a questão fundiária na Amazônia, esse projeto foi enviado pelo

governo e aprovado pelo Congresso. Para Marina Silva (2010, p. 84), essa Medida

Provisória foi “a pior coisa já feita para Amazônia desde a ditadura militar”, pois, em sua

percepção, o projeto desconsiderou dois elementos fundamentais: o relacionamento das

terras ao ordenamento territorial, zoneamento ecológico, e o combate à grilagem e, assim,

privatizou 67 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia (Silva, 2010, p. 85).

Os doze primeiros anos dos governos do PT e aliados foram marcados por problemas

na área ambiental, mas também houve avanços na área social e desafios na área produtiva,

em todos os casos sem ruptura com o modelo produtivo hegemônico. O objetivo central dos

mandatos foi incentivar a produção para aumentar a riqueza, mas proporcionando

distribuição mais justa. Para incentivar a produção, o governo reduziu a taxa de juros para

capital de giro de 42,3% em 2002 para 18% em 2012 (SICSÚ, 2013, p. 31). Outro desafio

para gerar riqueza enfrentado pelo governo foi estimular a competitividade das empresas

brasileiras para poder disputar com a importação de produtos industrializados. O volume de

importação cresceu de US$ 40,4 bilhões em 2002 para US$ 193,9 bilhões em 2012, esses

números indicam transferência de empregabilidade, sendo que a proposta para o aumento

da competitividade no Brasil era aumentar a empregabilidade do brasileiro e interromper a

exportação de “postos de trabalho” (SICSÚ, 2013, 45).

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As políticas na área social apresentaram alguns indicadores de avanços, como a

redução da desigualdade territorial com o crescimento das regiões Norte e Nordeste, 5,6% e

5% respectivamente no período de 2003 a 2013. No mesmo período o Sudeste cresceu

4,5% ao ano, sendo que os estados de Rondônia, Acre e Tocantins cresceram em torno de

7% ao ano (SICSÚ, 2013, p.32).

A política de desenvolvimento com redução da desigualdade gerou resultados

positivos. O índice Gini indica que a distribuição da renda do Brasil melhorou no período dos

governos do PT e aliados. Esse índice mede a distribuição de renda, sendo o mais próximo

de 1 indica maior desigualdade, enquanto mais próximo de 0, maior igualdade; por exemplo,

o índice da França é 0,308 e da Suécia é 0,244. No Brasil, o índice saiu de 0,585 em 1995

para 0,563 em 2002 e para 0,501 em 2011 (Sicsú, 2013, p. 61). Outro indicador positivo foi a

participação do salário no PIB, pois evoluiu de 49,16% em 1995, chegando a 46,26% em

2003 e alcançou 51,40% em 2009 (SICSÚ, 2013, p. 62).

A democracia de oportunidade cidadã pelo consumo apresentou números expressivos

nos doze primeiros anos do governo do PT e aliados. Para Sicsú (2013, p. 35), o governo de

Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu reverter a herança assumida em 2003, onde a

“autoestima do povo era baixa, o desemprego era elevado e o crédito e o consumo eram

inacessíveis para dezenas de milhões de brasileiros”. Em 2003, o mercado consumidor era

sustentado por apenas 45,2% da população, restrita aos estratos A, B e C, e nesse período

houve o ingresso dos estratos D e E, aumentando para 63,7% da população, o que em

valores absolutos chegam a 122 milhões de brasileiros (Sicsú, 2013, p. 71). A melhoria

social desse período também pode ser ilustrada pela esperança de vida do brasileiro, que

era de 64,7 anos em 1991, índice que saltou para 73,9 anos em 2010 e, 74,5 anos em 2012,

isto é, houve um aumento de quase dez anos na expectativa de vida do brasileiro

(DOWBOR, 2014d).

O questionamento ecológico sobre essa evolução está no seu formato socioambiental,

pois democratizar o consumo é muito bom, porém, o governo não enfrentou o paradoxo

ambiental da harmonia entre o consumo e a pressão ambiental que ele gera. Esse conflito

pode ser ilustrado com a política de estímulo à produção de automotores fósseis. Em 2003,

foram produzidos 1,7 milhão de automóveis, ônibus, veículos leves e caminhões, mas esse

número elevou-se para 3,4 milhões em 2011. Por um lado, seu mérito foi a criação de

milhares de empregos, mas em contra partida contribuiu para a transformação das grandes

cidades em espaços caóticos. A crítica é que o “emprego de milhares de trabalhadores

depende da geração de engarrafamentos e de mais poluição do ar e sonora” (SICSÚ, 2013,

p. 31), essa avaliação confirma o alerta presente no Manifesto Ecossocialista de 1991 sobre

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os riscos da “socialização do congestionamento” da sociedade do automóvel (PT, 2001, p.

355 - 356). A alternativa de estimular a economia por intermédio da produção e venda de

automóveis seduziu o governo, porém “consolidamos um modelo de cidades para os carros,

que é insustentável. O modelo atual deve ser substituído pelo modelo de cidade para os

cidadãos” (SICSÚ, 2013, p. 32).

Dentro de uma ótica produtivista, houve melhoras, mas há muito investimento

socioambiental para construir. Para Sicsú (2013, p. 33), o desafio para os próximos dez

anos é sociabilizar o bem-estar, o bem viver, pela melhoria e universalização da saúde

pública, educação formal, qualidade do transporte público, iluminação nas ruas, coleta de

lixo, saneamento, segurança pública, acesso à água potável etc. Ladislau amplia as

“tarefas” necessárias para construir uma sociedade mais justa socialmente:

Mas, para os que apoiam os avanços do país, é também bastante

complicado. Não dá para negar os imensos avanços, mas não dá

para negar a imensa paralisia política que gera a tal da

governabilidade, o travamento da reforma agrária, os imensos atrasos

do saneamento, a continuidade do financiamento dos grandes grupos

de comunicação pela publicidade oficial, o escandaloso nível dos

juros dos bancos comerciais, a fortuna transferida anualmente para

os bancos pela taxa Selic, a imensa injustiça do sistema tributário, e

assim por diante. Muitos simplesmente baixam os braços e se tornam

espectadores, quando não se juntam a alguma alternativa que

esperam ser mais promissora (DOWBOR, 2014d).

A campanha pela reeleição de 2014 foi acirrada, mas a presidenta Dilma se reelegeu,

com discurso de ampliação dos projetos sociais e melhoria da economia através do

aumento da produção. Os documentos de campanha, Diretrizes e Programa de Governo:

Mais Mudanças, Mais Futuro, sinalizam que a opção produtivista para geração de riqueza

com distribuição de renda será mantida no segundo mandato de Dilma Rousseff. O

documento Diretrizes aponta que para continuar com as mudanças iniciadas em 2003,

primeiro governo Lula, é necessário gerar um crescimento mais acelerado da economia

brasileira, movida, entre outros fatores, pelo aumento da produtividade (PT, 2014a, p. 12). O

governo pretende associar o crescimento à erradicação da pobreza, preservação do meio

ambiente e a ampliação da democracia (PT, 2014a, p. 14), pois para a candidatura de Dilma

“não precisa existir contradição entre crescer, incluir, proteger e conservar” (PT, 2014a, p.

14).

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O programa de governo apresentava algumas preocupações ambientais. A

“profissão de fé do PT” registrada no programa de governo para o segundo mandato de

Dilma Rousseff é o modelo de desenvolvimento economicamente viável, socialmente

justo e ambientalmente sustentável (PT, 2014b, p. 8), esse desenvolvimento foi

associado pelo documento ao aumento de investimento na economia; inflação baixa;

radical redução da pobreza e redistribuição de renda; e fortalecimento do consumo de

massa (PT, 2014b, p. 8).

O Programa de governo da então candidata ao segundo mandato apresenta

“diversas conquistas” na área social, econômica e ambiental dos primeiros mandatos do

PT e aliados. Das conquistas enaltecidas no Programa de Governo, há a adoção de

“políticas consistentes e continuadas de apoio ao agronegócio e à agricultura familiar”

que proporcionou o salto de 96 milhões de toneladas em 40 milhões de hectares na

safra 2001/2002 para 191 milhões de toneladas em 56 milhões de hectares na safra

2013/2014 (PT, 2014b, p. 10) e o País ter assumido o papel de maior redutor de

emissões de gases de efeito estufa (PT, 2014b, p. 11).

Para o segundo mandato, a proposta apresentada no Programa é o “fortalecimento

de uma política macroeconômica sólida, intransigente no combate à inflação e que

proporcione um crescimento econômico e social robusto e sustentável” associado ao

“compromisso com o Brasil Produtivo”, isto é, aplicar as politicas industrial, científica,

tecnológica e agrícola para reduzir os custos na produção (PT, 2014b, p. 26).

A política ambiental, presente no Programa, tem os seguintes pontos de

preocupação: agilização nos licenciamentos ambientais, modernização do licenciamento

ambiental, segurança hídrica e redução de emissões (PT, 2014b, p. 28). As ações para

a redução de emissões previstas no Programa 2014 foram: combate ao desmatamento,

principalmente da floresta Amazônia, engajamento do governo nas negociações

climáticas internacionais e aceleramento do Cadastro Ambiental Rural, além do apoio a

restruturação produtiva para economia de baixo carbono (PT, 2014b, p. 28).

Mas a dualidade e as concessões dos governos do PT e seus aliados tem na área

rural ou “disputa do solo rural” um exemplo significativo. Por um lado, foram implementados

projetos importantes para a Amazônia como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do

Desmatamento na Amazônia Legal, envolvendo diversos ministérios, e o PAS Plano

Amazônia Sustentável, que para Minc (2010, p. 104), “trabalham sob uma lógica excelente”,

além do Projeto de Desenvolvimento Ambiental (PDS); Plano de Desenvolvimento Florestal

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(PDF); e Plano de Desenvolvimento de Assentamento Sustentável (PDA) (Minc, 2010, p.

105). Por outro lado, aliada ao produtivismo do PAC, a política da reforma agrária é

insuficiente e há uma forte influência do setor de agronegócio no governo federal (MINC,

2010, p. 114).

O produtivismo e seus interesses de curto prazo “contribuem para que as políticas

ambientais sejam contextualizadas sem o nível de conhecimento técnico e científico

satisfatório”, e esse processo é agravado pela baixa capacidade institucional existente nos

órgãos ambientais no Brasil, pois, para Vieira (2013, p. 238), há falta quantitativa de

profissionais, materiais, recursos financeiros, tecnológicos, organizacionais, gerenciais e

informação.

Essa dualidade de forças, muitas vezes antagônicas, está representada na

composição dos ministérios. Os conflitos e incoerências no interior do governo podem ser

exemplificados, entre outras ações, pelo embate sobre a proibição do amianto e sua

substituição. Houve forte reação no estado de Goiás, inclusive do sindicato dos

trabalhadores da produção de amianto, na defesa da manutenção da mina de amianto

Minaçu, utilizando o argumento o “nosso amianto é diferente do outro, o nosso não polui

tanto” (Minc, 2010, p. 98). Esse embate também foi travado no governo federal, pois o

governo brasileiro necessitou definir uma posição sobre o amianto para a convenção sobre

produtos perigosos em 2009. Os ministérios do Meio Ambiente, do Trabalho e Emprego e da

Saúde foram favoráveis a inclusão do amianto na relação dos produtos perigosos, e os

ministérios de Minas e Energia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior se

posicionaram contra. O impasse não foi sanado, assim, o Ministério de Relações Exterior

ficou impossibilitado de levar uma posição brasileira para esse tema (MINC, 2010, p. 99).

A militância ecológica interna no PT é um grande desafio, pois o partido não superou a

cultura corporativista, alertada no Manifesto de 1991, e mantém a perspectiva de melhoria

das condições de vida da classe trabalhadora somente com o crescimento econômico. Para

Minc (2010, p. 114), o “DNA do PT é produtivista”, assim, “o DNA do nosso governo é

produtivista”. Para reverter essa cultura partidária, a militância ecológica busca articular e

crescer sua representatividade interna, pois, conforme o depoimento de Minc (2010, p. 114),

“nós, os chamados ecossocialistas, ecolibertários ou ecorrevolucionários ou

ecoqualquercoisa, formamos uma composição de menos de 10% do PT”.

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O processo de formação do Coletivo Ecossocialista do PT tem grandes desafios na

sua construção. Para Viana (2014), não existe uma corrente ecossocialista organizada no

PT, apenas um grupo de socioambientalistas em torno do Setorial de Meio Ambiente e

Desenvolvimento, que é reconhecida como uma secretaria nacional e dentre esses, há

diversos ecossocialistas.

Por um lado, a corrente de pensamento ecossocialista é totalmente livre dentro do PT,

porém, ainda há dificuldade de influenciar nas decisões e rumos do partido. Para Viana

(2014), os grandes desafios da corrente ecossocialista no PT são:

a) Insuficiência teórica: atinge a toda corrente ecossocialista e não apenas aos do PT;

b) Dificuldade de apresentar propostas políticas: a capacidade de influenciar as decisões

e as intervenções do PT, seja no papel de governo, seja na intervenção na sociedade civil

(sindicatos, Ongs, movimentos sociais, etc.);

c) O ecossocialismo é uma proposta anti-hegemônica, assim, falta a corrente

ecossocialista do PT apresentar posições anti-capitalistas nos debates dentro do próprio

partido, no movimento popular e até mesmo, no Governo. Esse debate é débil.

As razões, apontadas por Viana (2014), para o fraco desempenho do ecossocialismo

no PT são:

1) contradição de ser partido e ser governo, ou simplesmente estar no governo;

2) perda de vários colaboradores que saíram do partido:

3) burocratização do partido;

4) ida para instâncias governamentais dos militantes ecossocialistas e

5) dificuldades operacionais da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento, SMAD

que, tradicionalmente, fazia o debate dentro do PT.

Nesse quadro adverso, o grupo ecossocialista no partido ficou desarticulado, tendo

apenas ações individuais, até a Conferência Rio+20. Houve uma nova reunião de

ecossocialistas provocada pela atividade “O Ecossocialismo e a Sustentabilidade -

Paradigmas Ecopolíticos” promovida pela ONG ECOS BRASIL - Assoc. Ecológica de

Cooperação Social na Cúpula dos Povos (RIO+20) com participantes do PT, PSOL e PSTU.

Após essa atividade, os militantes do PT fizeram outra reunião para resgatar a corrente

ecossocialista no partido (LAXE, 2014d).

O processo de reconstrução do ecossocialismo repercutiu na área de meio ambiente

do partido. Para Laxe (2014d), a última eleição para a Secretaria do Meio Ambiente e

Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores foi um momento histórico marcante, pois as

três candidaturas apresentaram o ecossocialismo nas suas propostas de gestão.

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A retomada do ecossocialismo no PT foi animada pelo Encontro de 2013. Em 17 de

dezembro de 2013, ocorreu a Plenária “o PT e o Ecossocialismo” na sede nacional do

Partido dos Trabalhadores em Brasília, que retomou o tema ecossocialismo no partido e

criou o Coletivo Ecossocialista do PT (LAXE, 2013c). A proposta inicial do encontro foi

comemorar os 22 anos do Manifesto Ecossocialista de 1991 e retomar a construção do

coletivo ecossocialista no partido (LAXE, 2013b).

O encontro foi uma iniciativa de retomada do pensamento ecossocialista no PT. O

interesse foi expressivo, pois havia 21 presentes no encontro e outros 43 manifestaram o

desejo de estar presente, mas justificaram a ausência pela distância ou problema de agenda

(Laxe, 2013c). O encontro iniciou com palestras envolvendo a relação de temas

socioambientais como as questões: sindical (Chico Floresta), ambiental (Gilney Viana) e

agrária (Ney Zavaski) e suas relações políticas com a ecologia e o socialismo (Laxe, 2013c).

Além das palestras, houve a apresentação do histórico da corrente ecossocialista no Brasil e

os cenários previstos para 2014, houve também o debate sobre as mobilizações de junho de

2013, seu impacto sobre a mobilidade e reforma urbana, além do debate sobre o retrocesso

na legislação ambiental (LAXE, 2013c).

A proposta para o movimento ecossocialista no PT é atuar nos embates da medida

provisória do Governo para a Reforma Agrária; revisão do Código de Mineração (que

permite mineração em UCs); a PL 215 (que reduz os direitos indígenas); as propostas que

“afrouxam” a legislação sobre agrotóxicos; novo Código Florestal; e a Política Nacional de

Meio Ambiente, pois foi implementada há 32 anos e grande parte de seus instrumentos não

foram implementados até hoje, 2014 (LAXE, 2013c).

A proposta do Encontro foi fundar o coletivo ecossocialista no PT com o objetivo de

promover o debate político ecossocialista no partido. O objetivo desse coletivo é organizar

uma instância política capaz de influenciar e ser canal de interlocução ecossocialista junto a

formulação de políticas socioambientais nos diversos níveis governamentais. Para Laxe

(2013c), é necessário enfrentar os grandes “gargalos e problemas socioambientais”

presentes no Brasil e ainda não atacado pelos governos petistas.

Outro ponto relevante desse Encontro foi a exposição da necessidade da articulação

das agendas dos ecossocialistas do PT com partidos e movimentos populares

comprometidos com os setores agrários, urbanos, de cultura, de juventude, etc., e ainda

com os movimentos sociais para construir uma sociedade ecossocialista (LAXE, 2013c).

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O encontro decidiu construir os seguintes pontos (LAXE, 2013c):

A organização de uma Agenda de discussões ideológicas, para prover uma releitura

ideológica dos principais documentos ecossocialistas, inclusive com uma avaliação e

possível atualização do I Manifesto Ecossocialista do PT (1991).

A organização de uma Agenda de Debates temáticos e programáticos socioambientais

e a formação de um grupo interativo pela internet dos ecossocialistas do PT.

A imediata constituição de um Coletivo Ecossocialista do PT, buscando promover uma

integração permanente entre os militantes.

A organização de um Calendário de Atividades específicas de rearticulação dos

ecologistas socialistas do Partido, inclusive nos Estados.

Formação de um Grupo de Trabalho de caráter preliminar, para colaborar na

organização destas Agendas, tanto político-partidária, como técnico-temática.

A realização de uma nova reunião dos ecossocialistas do PT, com o indicativo de ser

organizada entre fevereiro a março de 2014.

Foi definido também, o grupo de trabalho para acompanhamento da construção do

Coletivo Ecossocialista do PT com os seguintes colaboradores: Alberto Jorge, Geraldo

Abreu, Mauricio Laxe, Moises Savian e Sergio Bueno. Para dar continuidade ao debate e

acompanhamento da construção do coletivo, foi criado um canal eletrônico não somente

para o Coletivo Ecossocialista, mas aberto aos demais militantes ecologistas do PT (LAXE,

2013c).

Após a sua retomada, o setorial já atuou no sentido de entender e intervir na campanha

eleitoral de 2014. O coletivo ecossocialista avançou e está ativo. No ano de 2014,

coordenou três atividades (LAXE, 2014d):

Debate “O Ecossocialismo e as Eleições 2014”;

Elaboração do documento Balanço e Perspectivas do Ecossocialismo;

Elaboração do documento A Ecologia, o Ecossocialismo e as Eleições 2014 de

orientação teórica e apoio a Dilma.

Mas o quadro interno do partido voltou a ficar desfavorável aos ecossocialistas

petistas. Na última eleição para a Secretaria do Meio Ambiente, houve um acordo entre os

candidatos que o mandato seria dividido em tempos iguais por dois gestores, o primeiro

período seria de Júlio Barbosa e, após um e meio de mandato, assumiria Geraldo Abreu,

por mais um ano e meio. Porém, quando findou o primeiro período, Geraldo Abreu não pode

assumir a secretaria porque a Direção Nacional não aceitou o acordo e destituiu o

secretário, mesmo com a aprovação da proposta em plenária. Rui Falcão, presidente do

partido, agendou para o dia 14 de janeiro de 2015, a plenária para eleger o próximo

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secretário, assim, até essa data, a Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento estará

desativada (Laxe, 2014d). A última atividade da secretaria foi o debate “O Ecossocialismo e

as Eleições 2014” que ocorreu no dia 8 de abril de 2014 (LAXE, 2014b).

O coletivo ecossocialista traz esperança do resgate do PT ao sentimento de sua

origem, mas com maturidade de sua vivência. Porém a história tem apresentado vários

avanços e retrocessos, desmontes e retomadas, a esperança utópica persistente ainda na

crença que o partido resgate sua diretriz básica definida no III Congresso de 2007: “O

socialismo petista ou será radicalmente democrático e sustentável, ou não será socialista”

(PT, 2007, p. 17), pois “Não há socialismo sem a defesa de um desenvolvimento

sustentável” (PT, 2007, p. 23).

Os mandatos presidenciais do PT e aliados com sua dualidade e uma política

produtivista com grande custo ambiental impõem barreiras de grandes dificuldades à

formação e consolidação da corrente ecossocialista no PT, principalmente porque há a

“contradição de ser partido e ser governo, ou simplesmente estar no governo” (Viana, 2014).

O desafio de criar o setorial ecossocialista no PT será uma tarefa árdua,

principalmente enquanto o PT for o principal partido de um governo produtivista e

desenvolvimentista, processos que justificam os projetos do PAC – Programa de Aceleração

do Crescimento, porém o distancia de uma proposta ecossocialista.

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PSOL Partido Socialismo e Liberdade

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) foi fundado, principalmente, pela dissidência

do Partido dos Trabalhadores, inclusive parte dos ecossocialistas. A fundação do Partido

Socialismo e Liberdade teve sua origem nas divergências entre diversos grupos políticos,

militantes socialistas e intelectuais de esquerda, logo após a posse de Luís Inácio Lula da

Silva à presidência, as expectativas de transformações sociais mais radicais foram

frustradas e o PT passou a viver um período de muitas tensões internas.

A página História do sitio do PSOL aponta que o PSOL surgiu como resposta de

militantes que “estavam descontentes com os rumos do governo, pois sinalizava, a cada dia,

o abandono do socialismo como horizonte estratégico e a defesa de projetos prejudiciais ao

povo brasileiro”; a opção construída foi a fundação de um partido de orientação socialista e

democrática. O PSOL foi regularizado junto ao TSE em setembro de 2005 (TSE).

Em 2005, o PSOL foi enriquecido por mais uma migração de descontentes do PT,

entre eles, os deputados federais Ivan Valente, Chico Alencar, João Alfredo Telles Melo, os

deputados estaduais Afrânio Boppré, Randolfe Rodrigues, Carlos Gianazzi e Brice Bragato,

além de personalidades, militantes e intelectuais como Plínio de Arruda Sampaio, Marcelo

Freixo, entre outros.

O PSOL é único partido brasileiro que tem a corrente ecossocialista organizada em um

setorial, o Setorial Ecossocialista Paulo Piramba. O nome do setorial é homenagem ao

ecossocialista Paulo Piramba que foi muito atuante na construção do setorial até seu

falecimento em 2011 (BANNWART, 2013).

O ecossocialismo encontrou no PSOL o espaço para se desenvolver, pois seus

militantes tinham um conhecimento e vivência de debates acumulados no PT, e liberdade de

organização no novo partido, pois a direção nacional do PT não permitiu que o setorial que

debatia as questões ambientais fosse nomeado como ecossocialistas, ficando assim, como

setorial do Meio Ambiente e Desenvolvimento (Bannwart, 2014). Essa restrição não existe

no PSOL.

O processo de criação do espaço organizado da corrente ecossocialista no PSOL não

foi simples, pois os ecossocialistas estavam dispersos pelo Brasil e focados na construção

do partido. A construção do coletivo ecossocialista foi um processo de muito trabalho

(BANNWART, 2014).

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Para Bannwart (2013; 2014), houve dois grandes marcos para a corrente

ecossocialista no partido: o 1º Congresso do PSOL e o 1º Encontro Ecossocialista do PSOL.

O 1º Congresso do PSOL ocorreu na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na praia

Vermelha em 2007. No intervalo desse encontro, houve o primeiro encontro presencial entre

os ecossocialistas do PSOL, que até então, se comunicavam por troca de e-mail. Essa

reunião foi resultado de investimento de vários ecossocialistas e conseguiu unir várias

pessoas que, além do PT, tinham migrado de outros partidos (Bannwart, 2014). Nesse

encontro foi estruturada a lista nacional de correspondência eletrônica, e-mails, entre os

militantes ecossocialistas de todos os estados contando inicialmente com em torno de 40

militantes cadastrados (Bannwart, 2013).

Em 2011, houve o 1º Encontro Ecossocialista do PSOL em Curitiba, esse encontro foi

o momento fundacional do Ecossocialismo do PSOL. A primeira coordenação nacional foi

eleita nesse encontro e formada com um representante de cada estado presente, Bahia,

Ceará, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São

Paulo (BANNWART, 2014).

O encontro gerou a Carta de Curitiba: Fundação do Setorial Ecossocialismo no PSOL,

o documento apresenta os principais pontos debatidos no encontro. Esse documento aponta

que a crise ou “policrise” é “social, ambiental e civilizacional” e acirra a disputa ideológica

sobre o entendimento de suas causas e métodos de enfrentamento entre as correntes de

pensamento socioambiental ecocapitalistas e ecossocialistas, ou seja, uma “disputa entre

projetos de sociedade e, portanto, de civilização” (PSOL Setorial Ecossocialista, 2011). Ao

mesmo tempo, o documento assume que o Ecossocialismo ainda é uma promessa, uma

aposta necessária para garantir a sobrevivência da humanidade enquanto espécie frente à

barbárie provocada pela “policrise”, assim, o ecossocialismo é a proposta para a construção

de uma nova sociedade, que possa vir a ser, “a um só tempo, politicamente democrática,

socialmente justa e igualitária, cultural e etnicamente diversa e ambientalmente sustentável”

(PSOL Setorial Ecossocialista, 2011).

Esse Encontro definiu a pauta política com cinco pontos (BANNWART, 2013):

Código Florestal;

Usina Belo Monte;

Angra 3 (Projeto Nuclear);

Transposição do São Francisco;

Agrotóxico.

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Além da definição da coordenação nacional do setorial, o encontro decidiu que

ocorrerá um encontro nacional dos ecossocialistas do PSOL a cada dois anos, assim, o

segundo encontro ocorreu em 2013 no Rio de Janeiro e o terceiro será em 2015 no Ceará

(Bannwart, 2014). Todos os encontros geraram documentos de reflexão e indicações de

prioridades nas pautas políticas do setorial e estão disponíveis no sítio do setorial.

O segundo encontro ocorreu no Rio de Janeiro em maio de 2013. Foi estruturado com

apresentações de conceitos como Crise Socioambiental por João Alfredo T. Melo,

Aquecimento Global por Alexandre A. Costa, Belo Monte por Mauricio Matos e mesas de

debates sobre atuação do setorial frente aos desafios atuais. As apresentações estão

disponíveis no blog do setorial ecossocialista do PSOL.

Carta do Rio foi o documento gerado pelo encontro. Esse documento retoma as

críticas ao capitalismo como concentrador de riqueza e devorador da Natureza e

humanidade e indica os seguintes eixos prioritários para a atuação ecossocialista do

coletivo:

Enfrentamento da questão climática e combate ao aquecimento global com defesa do fim

dos combustíveis fósseis, da matriz nuclear e defesa das energias limpas e renováveis

libertas da lógica do lucro e dos interesses do capital

Crítica aos agrotóxicos, aos transgênicos e defesa das sementes como bem comum e da

agroecologia (Reforma Agrária Agroecológica)

Crítica à mercantilização da vida e do consumismo (propaganda)

Defesa da Água como bem comum – proteção e combate à sua mercantilização

Defesa dos biomas (pela aprovação da PEC da Caatinga/Cerrado, defesa da Mata

Atlântica, do Pantanal, do Pampa Gaúcho, dos recursos hídricos e Oceanos)

Defesa das Florestas (Apoio ao Projeto de iniciativa popular pelo Desmatamento

Zero, mobilizado pelo Greenpeace)

Combate ao Racismo e à Injustiça Ambiental

Combate ao Envenenamento e poluição do sistema global

Defesa do Direito à Cidade – defesa das unidades de conservação e áreas verdes e

combate à especulação imobiliária; do direito à moradia adequada, do acesso à água, à

energia e ao saneamento básico e combate às remoções causadas pelos grandes eventos;

do direito à mobilidade humana, do transporte público e não motorizado e crítica à

sociedade do automóvel; da coleta seletiva dos resíduos sólidos, com o protagonismo das

associações e cooperativas de catadores.

Demarcação de todas as terras indígenas e quilombolas

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Combate aos megaempreendimentos (grandes barragens e obras para os

megaeventos), suspensão de Belo Monte

Suspensão imediata dos leilões de petróleo e gás.

O setorial ecossocialista proporcionou uma grande contribuição ao debate

socioambiental ao publicar a Revista Ecossocialista em junho de 2012 como Edição

Especial. A publicação apresentou vários textos mesclando documentos elaborados pelo

encontro de Curitiba (Fundação do Setorial Ecossocialista), reflexões teóricas e debates

sobre ações concretas. As reflexões teóricas tiveram a colaboração de Michael Löwy (Rio +

20 e a propaganda verde), Bannwart e Mocelin (Brasil 2012: diagnóstico de injustiça

socioambiental e perspectiva de luta ecossocialistas), Alexandre Costa (Mudanças

Climáticas e as Cidades) entre outros.

Importante destacar, nessa revista, o texto sobre a construção de um mandato

municipal ecossocialista do parlamentar João Alfredo, pois ilustra como o pensamento

ecossocialista foi, e está sendo, aplicado de uma forma concreta em propostas e ações

parlamentares.

um mandato parlamentar é um instrumento de uma luta bem maior,

pela realização de uma nova sociabilidade, que possa vir, a um só

tempo, ecologicamente sustentável; socialmente justa e igualitária;

cultura, de orientação sexual e etnicamente diversa: política e

radicalmente democrática: a sociedade ecossocialista (MELO, 2012,

p. 35).

O depoimento presente nesse texto aponta que uma frente do mandato é o combate

ao capital imobiliário. A ação concreta foi a conquista da preservação de quinze hectares

das milenares dunas às margens do Rio Cocó pela aprovação do Projeto Lei da Área de

Relevante Interesse Ecológico das Dunas de Cocó. Essa vitória foi construída pela

mobilização envolvendo intelectuais, pesquisadores, jovens, moradores de bairro e

movimentos sociais e ecológicos cuja pressão unida com a atuação do mandato fez crescer

a resistência ao lobby de especulação imobiliária, tanto no legislativo quanto no judiciário

(Melo, 2012, p. 35). Essa vitória animou que esses setores mantivessem a articulação com o

mandato em outras propostas, como a conservação da “matinha do Pici”, que está

localizada em torno do Açude Santo Anastácio proposto por professores universitários e o

projeto de lei que declara os botos-cinza como patrimônio natural de Fortaleza desenvolvido

em parceria com movimentos sociais e ONGs (Melo, 2012, p. 35).

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O diferencial do mandato é o seu envolvimento com a mesma intensidade tanto nos

temas ambientais quanto aos temas sociais, assumindo que a proposta é construir um

mandato socioambiental. Mas o perfil de diálogo com a sociedade e utilizar o mandato como

ferramenta de desenvolvimento da autoemancipação da sociedade é o ponto ecossocialista

fundamental.

Essas ações são coerentes com a visão de João Alfredo (Melo, 2010, p. 235) sobre

politizar a ecologia:

Construir uma nova utopia, onde socialismo significa não só a

superação das desigualdades sociais e econômicas, mas sobretudo a

construção de uma sociedade radicalmente democrática,

ecologicamente equilibrada e politicamente autogerida (MELO, 2010,

p. 235)

A coerência do mandato com o pensamento ecossocialista está expressa na recusa

de fazer carreata, na defesa de pautas de mobilidade, na defesa dos direitos humanos e no

apoio a todas as mobilizações e greves dos trabalhadores (Melo, 2010, p. 292 – 295).

O programa de campanha de 2014 a presidência da república da candidata Luciana

Genro revelou um grande avanço na incorporação da proposta ecossocialista no partido.

Com o slogan “O Povo Acordou por mais direitos”, a candidatura apresentou diversas

propostas de transformação socioambiental como criar o Ministério da Ecologia e da Justiça

Socioambiental (PSOL, 2014, p. 34), priorizar a política pública para reforma agrária e

agricultura familiar (PSOL, 2014, p. 41), além de definir como prioridades o combate ao

desmatamento, eliminação do uso de agrotóxicos e transgênicos, defender a gestão pública

da água como bem essencial à vida, não podendo ser tratada como mercadoria e estimular

políticas para os Grandes Biomas (Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Pantanal,

Pampa e Zona Costeira), respeitando suas especificidades (PSOL, 2014, p. 34).

Mas a grande novidade ecossocialista foi a afirmativa que o PSOL promoveria as

mudanças estruturais no país sob a ótica ecossocialista:

Nossa proposta é ecossocialista, pois não pode haver uma defesa

consequente do meio ambiente sem que se aponte para a superação

das leis do capital, que necessita sugar os recursos naturais e

explorar o ser humano para garantir a acumulação em benefício de

1% da população, enquanto 99% sofrem as consequências nefastas

deste modelo econômico (PSOL, 2014, p. 10).

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O setorial ecossocialista elaborou o documento Contribuição do Setorial Ecossocialista

“Paulo Piramba” para os programas de governo do PSOL nas eleições de 2014 para

subsidiar a elaboração de programas de governos, nos três níveis e candidaturas ao

legislativo. O documento apresenta análise crítica aos governos federais do PT e aliados,

seu perfil produtivista e desenvolvimentista presente no PAC, Programa de Aceleração do

Crescimento; questionamento sobre as Conferências do Clima; reflexão sobre causas e

impactos socioambientais das mudanças climáticas e propostas ecossocialistas da

agroecologia, gestão hídrica, democratização da ciência, a questão indígena, e alterações

no modelo de geração e gestão da energia (PSOL - Setorial Ecossocialista, 2014). Esse

documento foi elaborado para ser uma ferramenta de apoio importante para candidato, ou

mesmo parlamentar ou executivo eleito, elaborar projetos.

O PSOL, em sua grande maioria, é sensível à questão ambiental, publicamente, todos

se assumem como preocupados com a questão ambiental, um exemplo foi a mobilização da

grande maioria do partido contra a reforma do código florestal. Mas ainda falta internalizar

as pautas socioambientais no socialismo do partido pela maioria. A avaliação do Bannwart

(2014) é que o “motivo da dificuldade de assumir o ecossocialismo como estratégia de

organização é porque, historicamente, a esquerda revolucionária tinha uma forte influência

do pensamento produtivista ou desenvolvimentista”. João Alfredo (Melo, 2015) concorda

com Bannwart nessa análise: a esquerda “está presa a um determinado paradigma de

socialismo desenvolvimentista”, ela é muito produtivista.

Um grande desafio dos ecossocialistas é o combate à cultura fóssil. Para os

ecossocialistas do PSOL, a sociedade deve investir em energias de baixo impacto

socioambiental, como eólica, solar, marémotriz e abandonar mais rapidamente possível de

soluções fósseis, nucleares e das grandes hidrelétricas. Nesse sentido, Bannwart (2014)

defende o abandono imediato do pré-sal, mas consciente que há uma grande resistência

social dessa proposta, mas ainda falta uma ação mais incisiva dos parlamentares do PSOL

para criticar a utilização da matriz energética fóssil e aumentar o investimento em energias

renováveis (Melo, 2015).

O PSOL é o partido que tem a corrente de pensamento ecossocialista mais

organizada, unida na construção e desenvolvimento do setorial ecossocialista. Seu setorial é

formado por militantes experientes, muitos participaram dos debates nas décadas 1990 e

2000 no PT, mas, há também o enriquecimento com o ingresso de jovens ecossocialistas. A

tarefa de tornar o PSOL um partido ecossocialista é complexa e requer um grande período

de debates e “batalha das ideias”, mas o importante é que esse processo já iniciou.

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Rede Sustentabilidade

O partido Rede Sustentabilidade nasceu com o discurso de renovação política e com

um ampla rede de pensamentos políticos. O partido foi lançado no encontro do dia 16 de

fevereiro de 2013 em Brasília com 1,5 mil presentes (CASTILHO, 2013).

A fundação da Rede Sustentabilidade inclui a promessa de construção de uma nova

forma de fazer política. Para isso, o documento Diretrizes Programáticas da Rede

Sustentabilidade apresenta duas bandeiras: um modelo econômico para o desenvolvimento

socialmente includente e ambientalmente sustentável; e um outro modelo de

governabilidade, que seja uma alternativa à forma de governo baseada em trocas

fisiológicas e manutenção de feudos de poder (Rede Sustentabilidade, 2013a). Nessa última

bandeira, há uma proposta de reforma política que inclui: a possibilidade de candidaturas

independentes, isto é, sem a exigência de filiação partidária, quebrando assim o monopólio

dos partidos sobre os cargos de representação; fim da possibilidade de reeleição; redução

da desigualdade e erradicação da pobreza através da garantia de acesso a oportunidades

aos indivíduos para “sua inclusão na sociedade” (REDE SUSTENTABILIDADE, 2013a).

As premissas presentes no documento Diretrizes foram detalhadas no Estatuto da

Rede Sustentabilidade, confirmando o compromisso do partido com o “desenvolvimento

justo e sustentável da Nação, em todas as dimensões”. Um ponto importante para reflexão é

a questão de financiamento de campanha, pois o partido prevê (Título V, Capítulo I do

Estatuto) que além de contribuições de pessoas físicas e fundo Partidário, só poderão ser

aceitos recursos financeiros que não sejam oriundos dos setores de bebida alcoólica,

cigarro, arma e agrotóxicos (Rede Sustentabilidade, 2013b). Para Marco A. Teixeira, a Rede

acerta quando apresenta uma proposta concreta para restringir o financiamento de

campanha, mas “erra na definição de exclusões na sua política de doações corporativas,

principalmente ao deixar de fora as construtoras, responsáveis pelos maiores escândalos de

corrupção do Brasil” (CASTILHO, 2013).

A restrição de financiamento de campanha definida pelo partido é positiva, porém

pouco radical, pois o financiamento de campanha por empresas vincula o mandato do

parlamentar e do executivo eleitos aos interesses da empresa financiadora e não do eleitor.

Afinal, uma empresa que financia um candidato tem interesses e estes “se manifestam do

lado das políticas que serão aprovadas” (Dowbor, 2013b, p. 21). Para uma visão radical, a

proposta deveria eliminar os financiamentos de campanha de pessoas jurídicas e limitar o

valor das contribuições das pessoas físicas.

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Outro ponto polêmico na proposta da Rede é a possibilidade de candidatura

independente ou “autoral”. O Título IV, Capítulo I do Estatuto prevê que o partido oferecerá

30% das vagas às eleições proporcionais para os candidatos “cívica independentes”, isto é,

pessoas que desejam atuar politicamente no legislativo, porém não desejam se filiar a

nenhum partido político, inclusive a própria Rede, bastam apresentarem documentos que

comprovem ficha limpa, seus históricos de atuação em causas em sintonia com as

orientações da Rede, manifesto público com os compromissos e a relação de apoiadores da

candidatura (com nome e número do título de eleitor) (Rede Sustentabilidade, 2013b). Para

Samuel Santos, essa proposta é positiva, pois visa um eleitorado que acredita no candidato

avulso. Como não há como ser candidato sem partido pela legislação brasileira, essa opção

é um mecanismo para atrair possíveis candidatos que não gostariam de estar filiados em

partido a entrarem na Rede nessa perspectiva (SANTOS, 2014).

O segundo grupo de ecossocialistas dissidentes do PT esteve presente na campanha

da Marina Silva em 2010 e na fundação do partido Rede Sustentabilidade, liderado pela

própria Marina Silva e Heloísa Helena (PSOL). Mas essa corrente ecossocialista não tem

espaço de formação de corrente ou tendência na Rede Sustentabilidade, assim como

qualquer outra linha de pensamento, porque a diretriz definida pelo partido é que não há

possibilidade de associação formal de grupos ideológicos em seu interior, as pessoas

podem apenas atuar de forma autoral ou coletiva para formular propostas. Esse critério foi

adotado porque as lideranças do partido não querem repetir as experiências do PT e do

PSOL que estão divididos em diversas correntes, cada qual defendendo suas teses

(SANTOS, 2014).

Há uma resistência dos ecossocialistas históricos da Rede em se posicionar enquanto

militantes no partido. Um exemplo dessa resistência foi a consulta aos participantes da

direção nacional, Elo Nacional, para uma publicação do próprio partido na cidade de Duque

de Caxias sobre ecossocialismo. Samuel Maia, responsável por essa publicação, enviou

algumas perguntas sobre o tema ao grupo virtual da direção nacional, composto por 102

pessoas, para obter informações sobre como o tema está presente no partido, mas as duas

únicas respostas não foram de ecossocialistas: Pedro Piccolo Contesini ratificou a posição

de que a Rede não tem tendências, assim, o pensamento ecossocialista não está

estruturado nela, mas os ecossocialistas históricos do partido poderiam responder; e o

segundo retorno, de Bazileu Margarido, foi que ele não tinha o conhecimento necessário

para responder, mas haveria outros membros que poderiam ajudar (SANTOS, 2014).

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Em ambas as respostas, os formuladores ecossocialistas do partido, Júlio Rocha,

Pedro Ivo de Souza Batista e Gabriela Barbosa Batista foram indicados para ajudar na

publicação, mas não houve o retorno deles. Esses três membros são reconhecidos

internamente como elaboradores ecossocialistas, principalmente pela publicação do livro A

Crise Ambiental Planetária e o Ecossocialismo pela Associação Alternativa Terrazul, da qual

eles são também colaboradores. Com o incentivo das duas respostas, Samuel enviou

mensagem diretamente aos três ecossocialistas com a pergunta “Quais são as contribuições

que podemos dar para o debate sobre ecossocialismo?”, o silêncio continuou e a edição do

jornal da Rede na Baixada teve que assumir outro tema (SANTOS, 2014).

Para Samuel (Santos, 2014), há pessoas que defendem o ecossocialismo na Rede

Sustentabilidade, como o próprio Samuel Maia, Márcio Sales Saraiva entre outros, mas

também, há um recuo de alguns ecossocialistas por temerem prejudicar a construção do

partido, pois nele há diversas correntes de pensamento, algumas antagônicas entre si, e o

posicionamento explícito para o ecossocialismo de alguns pode gerar conflitos entre seus

membros e a perda de militantes. Essa situação foi acentuada com a eleição de algumas

lideranças ecossocialistas para algumas coordenações: Gabriela Batista (Geral), Júlio

Rocha (Formação Política) e Pedro Ivo (Organização) no encontro do Elo Nacional de

dezembro de 2014 (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014b).

Nesse cenário, parece ser difícil defender as propostas ecossocialistas contidas na

publicação A Crise Ambiental Planetária e o Ecossocialismo, pois certamente a direita do

partido teria muita dificuldade em aceitá-las. Principalmente por sua concepção

anticapitalista, pois defende que o conceito ““desenvolvimento sustentável”, como uma

adaptação administrativa do sistema a parâmetros “aceitáveis” de exploração, se verifique

na prática insuficiente para evitar a catástrofe prevista pela forma predatória como estão

sendo esgotados os recursos naturais” (Barbosa, 2008, p. 2), já que a crise é decorrente do

“modelo capitalista de produção e consumo” (Barbosa, 2008, p. 4), assim como o

aquecimento global é o “resultado da ação de classes sociais que se apropriam da natureza

e do trabalho humano e submetem o planeta a lógica do lucro e da mercantilização”

(Barbosa, 2008, p. 7), e a proposta da ONG para superar essa crise mundial é o

ecossocialismo (BARBOSA, 2008, p.12).

Para Samuel, diferentemente do que ocorreu no PT e no PSOL, a Rede

Sustentabilidade recuou seu discurso de transformação mais radical, como reação às

manifestações mais extremadas à direita. Após o processo eleitoral de 2014, “há um ataque

frontal a tudo o que vislumbre uma proposta socialista, pois há um discurso claramente

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conservador reacionário de caça a quem defende o socialismo ou qualquer outra proposta

de rompimento com atual modelo de produção capitalista” (SANTOS, 2014).

Outro motivo para o recuo de um discurso mais radical é a necessidade de aglutinar

adesões à formação do partido. Assim, a aliança de diversos setores da sociedade tem sido

o caminho do partido para sua construção conseguir as 100 mil assinaturas necessárias

para efetivar o registro do partido até fevereiro de 2015 (SANTOS, 2014).

Mesmo com essa preocupação, há uma movimentação de setores à esquerda da

Rede Sustentabilidade, a dúvida é qual será o poder de influência desse grupo nas decisões

do partido. O ingresso formal de Heloisa Helena na direção nacional e na executiva nacional

animou a parcela mais a esquerda do partido, pois passa a ter uma referência nacional, a

expectativa desses segmentos é que a Heloísa Helena seja o contraponto aos setores mais

conservadores do Partido, pois há uma relação de sintonia entre Marina Silva e Heloísa

Helena, mas há também, divergências e debates (SANTOS, 2014).

A Rede Sustentabilidade efetuou uma coligação informal com o PSB para a campanha

presidencial de 2014. Por não estar formalizada junto ao TSE, seus militantes se filiaram ao

PSB. Inicialmente, Marina Silva assumiu a candidatura à vice-presidência na chapa

presidencial do governador Eduardo Campos, porém, com o óbito do candidato em um

acidente em agosto de 2014, Marina Silva assumiu a candidatura à presidenta com Beto

Albuquerque como vice (Rede Sustentabilidade, 2014a, p. 3). O programa da candidatura

apresentava o slogan Plano de Ação para Mudar o Brasil e detalhava os principais pontos

dos documentos de fundação da Rede Sustentabilidade (Diretrizes Programáticas e o

Estatuto). Esse documento anunciava diversas mudanças na gestão federal, cuja meta era

“atingir um desenvolvimento sustentável, porta de acesso a condições civilizatórias básicas”

(Rede Sustentabilidade, 2014a, p. 14). O documento apresenta diversos pontos com

críticas, critérios e algumas metas em seu texto, por exemplo: a unificação do calendário

geral das eleições, o fim da possibilidade de reeleição e a mudança do mandato para cinco

anos; novos critérios para definição dos eleitos para os cargos proporcionais; a possibilidade

de inscrição de candidaturas avulsas; redefinição do tempo de propaganda; criação de

mecanismos de transparência nas doações de campanhas; melhorar a representatividade

da sociedade brasileira nos parlamentos (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014a, p. 15).

Na área econômica, o documento defendia o retorno do tripé econômico para

combater a inflação. O tripé seria aplicar metas de inflação “críveis e respeitadas”; construir

“superávit fiscal necessário para assegurar o controle da inflação” e retirar qualquer

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intervenção do Banco Central na taxa de câmbio, deixando-a flutuar livremente, além da

imediata independência do Banco Central (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014a, p. 46).

A meta audaciosa contida no programa é atingir a liderança da economia global

florestal, zerando a perda da cobertura florestal brasileira, ampliando para 5% a participação

brasileira no comércio mundial de produtos florestais, aumentando em 40% a área de

florestas plantadas, dobrando a área de florestas públicas destinadas ao uso sustentável e

implementando o programa de tecnologia de refinamento de biomassa florestal para

“produção de combustíveis, polímeros, fertilizantes, fámacos, essências e outros produtos”

(REDE SUSTENTABILIDADE, 2014a, p. 89).

Na geração de energia, há propostas inovadoras como a construção de um milhão de

casas autossuficientes em energia a partir de painéis solares fotovoltaicos e três milhões de

casas com aquecimento solar de água até 2018, além de aumentar a participação de

energias renováveis na matriz energética brasileira e reduzir o consumo absoluto de

combustíveis fósseis (Rede Sustentabilidade, 2014a, p. 67), mas não há o compromisso

com a eliminação da fonte fóssil.

O projeto apresenta algumas propostas de melhorias no atual modelo de produção e

distribuição de riqueza, mas não há uma proposta indicativa de ruptura. O documento é

coerente com a flexibilidade de Marina Silva em relação aos temas políticos, pois seu

posicionamento em relação aos pontos polémicos, como construção das grandes

hidrelétricas e transgênicos, é submetido aos “senões”, isto é, podem ser desenvolvidos

“desde que...” (Silva, 2010, p. 78). Essa flexibilidade permite à Rede Sustentabilidade, a

esperança de diálogo com setores de esquerda e direita.

A definição de desenvolvimento sustentável de Marina Silva propõe redução da

desigualdade, porém, sem transformações nas relações de poder. Sua proposta para o

desenvolvimento sustentável é que os países ricos devem estabilizar suas economias para

garantir o atendimento das necessidades básicas da população e em contra partida, a África

e a América Latina deve continuar seu crescimento, mas sempre com “equidade e

distribuição de renda” (SILVA, 2010, p. 78).

A candidatura da Marina Silva para a presidência teve destaque na mídia e na

militância. O resultado da candidatura foi positivo, pois Marina Silva que tinha obtido em

torno de 19% em 2010 pelo PV, avançou para 21% em 2014 (TSE), houve crescimento,

mas insuficiente para levá-la ao segundo turno.

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O posicionamento da Rede Sustentabilidade no segundo turno da eleição presidencial

de 2014 causou forte tensão no partido. Além do apoio formal ao candidato Aécio Neves do

PSDB, o processo da decisão também criou instabilidade interna, pois apesar de haver uma

reunião prevista no Elo Nacional para definir se o partido iria optar pelo voto nulo ou apoio

sem formalização ao candidato Aécio Neves, o grupo mais próximo da Marina Silva

declarou, pelo porta voz Walter Feldman, apoio ao candidato tucano. Essa antecipação criou

uma séria tensão na direção do partido e a reação foi a redação de um documento, Nota

Paralela, redigido por setores mais a esquerda, defendendo o voto nulo (Santos, 2014).

Nesse caso, o posicionamento da Heloísa Helena foi para o voto nulo, o que reforça a

expectativa de que haverá a política do “pêndulo” e, consequentemente, mais espaço para o

pensamento ecossocialista no partido (SANTOS, 2014).

Para Samuel Santos (2014), a afirmação do partido que não é direita e nem esquerda

não é sustentável, “quando se posiciona que não é A e nem B, mas afinal, o que é o C?”.

Certamente, o partido não concorda com a direita extremada que pede o impeachment da

Dilma e o retorno da ditadura, ao mesmo tempo em que está distante da “esquerda que se

comporta como autista, que afirma que nada aconteceu e que essas acusações estão

inseridas em um grande golpe da direita” (Santos, 2014). Mas deve definir qual é a proposta

de modelo de sociedade que quer defender (SANTOS, 2014).

A necessidade de definição de posicionamento do partido também foi apontada pela

socióloga e uma das fundadoras do partido, Maristela Bernardo: “Temos que pensar outro

sistema produtivo, uma mudança do motor essencial das sociedades, que é o excesso de

consumo e a decorrente naturalização das injustiças” (CASTILHO, 2013).

A propaganda política da Rede Sustentabilidade se apresenta como uma nova forma

de fazer política, mas não há como romper com cultura de seus participantes como o Barão

de Münchhausen se libertou do pantanal. (Löwy, 2009c). A façanha do Barão de

Münchhausen foi ter escapado do pântano, quando ele e seu cavalo estavam sendo

tragados, ao se puxar pelos cabelos (Löwy, 2009c, p. 37), a imagem do feito do Barão ilustra

a visão positivista da ilusão de que a “boa vontade” de seres é capaz de isolar o ser humano

de seu pântano, isto é, sua cultura e saberes profundamente enraizados, e construir

“verdades evidentes, incontestáveis, indiscutíveis” (Löwy, 2009c, p. 37).

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No caso, da experiência da Rede Sustentabilidade, a sua cultura e saberes enraizados

são proporcionados pelos seus aliados políticos, financiadores de campanha e militância.

Para Samuel Santos (2014), construir uma nova política na Rede Sustentabilidade é um

grande desafio, pois

ela é feita pelos velhos políticos isto é, militantes que vieram da velha

tradição, PT, PSTU, PSOL, PSDB e que trazem para as relações

internas a escola que tiveram, então é muito difícil driblar essas

culturas, principalmente porque essas se mantêm nas estruturas que

já tinham antes, mas agora organizados dentro da Rede (SANTOS,

2014).

Os documentos da Rede Sustentabilidade defendem a sustentabilidade econômica,

mas precisa definir qual é a base teórica que orientará sua proposta. Há três matrizes de

pensamento no partido: pensamento liberal, defendida por Eduardo Giannetti; visão de

Bazileu de centro que procura harmonizar justiça socioambiental e a liberdade do mercado;

e a concepção marxista de Martiniano Cavalcante, que defende o socialismo (Santos, 2014).

O resultado do debate dessas propostas é que gerará que modelo de sociedade, produção

e relação Natureza e economia que será defendida pelo partido.

O encontro do Elo Nacional de 13 e 14 de dezembro de 2014 foi um passo na direção

de reestruturação do partido. A pauta do encontro foi o calendário político de 2015, a

estratégia para conseguir o registro da Rede junto ao TSE, a avaliação da conjuntura

política, a análise do processo eleitoral e a recomposição da Executiva Nacional (Rede

Sustentabilidade, 2014b). Em relação à formalização do partido, a meta é efetuar o registro

formal em fevereiro de 2015 e, para cumprir essa meta, falta completar a quantidade de

assinaturas necessária. Para José Gustavo, um dos novos coordenadores de Comunicação,

“calculamos a necessidade de mais 32 mil assinaturas para o registro da Rede. Nosso

objetivo é atingir o montante até o mês de janeiro a partir da mobilização de todos os

membros do partido” (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014b).

Para Carlos Henrique Painel, coordenador executivo, o encontro foi muito positivo,

pois definiu a forma de atuação para as eleições municipais de 2016: “A Rede vai mostrar a

importância da sustentabilidade na política. O evento também valeu a pena porque permitiu

formar a projeção para o futuro da legenda e para definir o cenário político nas próximas

eleições” (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014b).

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Em relação ao calendário político para 2015, o encontro definiu que haverá as

convenções estaduais em maio e junho e o Congresso Nacional até setembro, quando

haverá a eleição do novo Elo Nacional e a revisão programática e estatutária (Rede

Sustentabilidade, 2014b). Para Samuel Santos (2014), há uma grande expectativa na

Conferência Nacional da Rede em 2015, pois será definido o “momento chave” para o rumo

do partido, isto é, qual será o projeto que será “defendido pelo partido, mas há um sério

risco de que o setor derrotado não deseje continuar, pois para criar o partido, houve um

leque muito amplo de associados e com grande diversidade ideológica”.

A crise interna do partido Rede Sustentabilidade teve em janeiro de 2015 mais um

desdobramento, o inicio do processo de fundação de um novo partido por segmentos

descontentes da Rede Sustentabilidade. O nome provisório foi Avante, mas o título do

encontro para debater a estrutura do partido, ocorrido em 16 e 17 de janeiro, foi Queremos,

uma inspiração do partido espanhol Podemos, o que deixa o nome do futuro partido a

definir. Célio Turino explicou que provisoriamente “nos identificamos com Avante e nosso

manifesto está na fase de redação final, temos um processo de horizontalidade e o texto

tem sido discutido a muitas mãos” (Faria, 2015). A definição dos pilares de construção do

partido é inovador: o bem comum, o bem viver, o ecossocialismo e o cidadanismo, para

Turino o “ecossocialismo é um dos pilares que mais avançamos na discussão e o

cidadanismo é reflexo do direito de participação, algo muito evidente nas Jornadas de junho

de 2013” (Faria, 2015).

O novo partido tem inspiração nos partidos Podemos (espanhol), Syrisa (grego) e o

MAS – Movimiento al Socialismo (boliviano), além de experiências partido-movimento. Há

expectativa de ingresso de não só descontentes com a Rede Sustentabilidade, mas também

do PT, PSOL, PSB e PCdoB (Faria, 2015).

O desdobramento da crise da Rede Sustentabilidade terá, no Congresso Nacional de

2015, um momento de definição, mas o pensamento ecossocialista está muito enfraquecido

e piorou com a saída de ecossocialistas para a fundação do Avante. Esse sim é uma

promessa de inovação partidária ao unir o ecossocialismo com o Buen Vivir e Cidadanismo,

mas sua relevância na política partidária no Brasil dependerá do seu desenvolvimento

histórico e como será travado o debate interno e externo.

.

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4.3 Rede Brasil de Ecossocialistas

A Rede Brasil de Ecossocialistas foi uma proposta de articular os ecossocialistas de

diferentes frentes de atuação. Foi lançada no dia 27 de janeiro de 2003 na oficina “A

Sustentabilidade pelo Ecossocialismo” promovida pelas ONGs CEA - Centro de Estudos

Ambientais (Pelotas – RS) e Instituto Terrazul (Fortaleza – CE) no Fórum Social Mundial,

com participação de mais de 250 pessoas (LÖWY, 2005a, p. 91).

Essa organização deveria ser constituída “por uma articulação de militantes

ecossocialistas, que nas diferentes esferas de ação política atuarão de acordo com os

princípios e a reflexão teórica e programática construída pelo referencial do ecossocialismo”

(Löwy, 2005a, p. 91). Assim, a Rede Brasil de Ecossocialistas seria um fórum de troca de

experiências, reflexão e debates que enriqueceria a atuação política de seus membros em

suas organizações.

A Declaração de princípios e objetivos da Rede Brasil de Ecossocialistas, Anexo 4,

afirma que não há futuro para qualquer pensamento político que não seja ecológico, e a

crise é um fenômeno global, mas que deve ser enfrentada não só global, mas também

localmente com a mesma intensidade (Rede Brasil de Ecossocialistas, 2005, p. 91). A crise

é provocada pela fúria capitalista em privatizar, controlar, patentear e tornar tudo em

mercadoria, inclusive a biodiversidade, reservas florestais, a água e a vida (Rede Brasil de

Ecossocialistas, 2005, p. 91), nessa lógica, a vida não é o objetivo da sociedade, e sim o

lucro de seus dominantes.

A orientação contida nessa Declaração é que a militância ecossocialista, organizada

na Rede, deve buscar garantir que cada um dos seres humanos tenha o mesmo direito ao

acesso à Natureza, respeitando os limites do planeta, para que sejamos uma civilização

sem resíduos, isto é, nossa produção consiga reaproveitar totalmente os materiais utilizados

e que ao mesmo tempo, tenhamos como o objetivo proporcionar situação digna a todos no

planeta (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS, 2005, p. 92).

Além disso, o alerta presente na Declaração da Rede está relacionado com inovação e

tecnologia. Nesse caso, o critério deve ser o da precaução, isto é, a sociedade não deve

assumir riscos socioambientais, assim, há uma troca de lógica social, pois o fato de não

haver provas que uma tecnologia é perigosa não é critério para adotá-la, seus responsáveis

devem provar que ela é segura e que representa um fator de melhoria socioambiental em

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relação à situação vigente no planeta (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS, 2005, p.

92).

As bases éticas do arco-íris ecossocialista estão presentes na Declaração da Rede.

Pois, a sociedade desejada convive com a diversidade de pessoas e povos cuja “diferenças

culturais, étnicas, de raça, de gênero e de opção sexual não podem jamais ser instrumentos

de negação de igualdade de direitos sociais” (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS,

2005, p. 93).

A Declaração da Rede encerra seu texto com uma definição sobre o que é ser um

ecossocialista: “a rede de ecossocialistas é formada por pessoas que dedicam suas vidas

para defender a vida, contra a barbárie e pela paz no planeta” (Rede Brasil de

Ecossocialistas, 2005, p. 93). Nesse caso, a barbárie socioambiental alertada pelo

ecossocialismo envolve o colapso das condições do planeta em manter a vida em sua

superfície, inclusive a humana.

Uma das motivações para a militância ecossocialista para fundar a Rede Brasil de

Ecossocialistas era melhorar a capacidade de intervenção política. Esses setores

acreditavam que seria um caminho para “tentar minimizar os impactos socioambientais do

primeiro governo Lula, pois havia um sentimento que esse governo teria um viés produtivista

e desenvolvimentista, mesmo com a Marina Silva convidada para ser ministra do Meio

Ambiente” (BANNWART, 2014).

O II Encontro da Rede Brasil de Ecossocialistas ocorreu no dia 18 de novembro de

2006, na sede do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro com a presença de 51

participantes. Nesse encontro houve dois momentos, o primeiro de reflexão e análise de

conjuntura e o segundo sobre a organização e futuro da Rede Brasil de Ecossocialistas. No

primeiro momento, ocorreram duas mesas com palestras e debates com Michael Löwy

(“Ecologia e socialismo" e “Planejamento, Estado e Ecossocialismo”), após as mesas,

ocorreu a análise de conjuntura “Desafios e perspectivas da Rede Brasil de

Ecossocialismo”. O segundo momento teve como resultado as seguintes orientações e

encaminhamentos de ações (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS, 2006):

A Rede é uma organização formada por militantes que aderem ao Manifesto

Ecossocialista Internacional e à Carta de Princípios de Fundação, além de ser uma

organização independente do Estado e dos partidos;

Eleição de uma nova Coordenação, que deverá apresentar um plano de trabalho e

funcionamento, de uma secretaria executiva da coordenação e formação de grupos de

trabalhos temáticos;

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Constituir um Grupo de Colaboradores da Coordenação para ajudar na elaboração

teórica da Rede;

Construir uma página da Rede Brasil na internet;

Efetuar recadastramento dos membros da Rede;

Realizar encontros e fóruns nos Estados, tendo o Fórum Social Mundial como espaço

privilegiado de atividades.

Porém as únicas ações concretizadas foram as eleições que ocorrem no próprio

encontro, sendo a coordenação formada por Adilson Vieira; Carlos Carvalho; Gabriela

Rocha; João Alfredo; Michael Löwy; Pedro Ivo Batista; Rafael Tomyama; Temístocles

Marcelos e Vânia Caus (Rede Brasil de Ecossocialistas, 2006) e a Secretaria Executiva

formada por Pedro Ivo Batista e Temístocles Marcelos (Rede Brasil de Ecossocialistas,

2007).

Em 13 de março de 2007, houve a reunião de coordenação para avaliação do II

Encontro da Rede com a presença dos coordenadores Carlos Carvalho (RJ), Gabriela

Batista (CE), Pedro Ivo (DF), Rafael Tomyama (CE), Temistocles Marcelos (MG) e Vania

Caus (ES) e os convidados Esther Neuhaus (DF) e Edinaldo Severiano (CE) (Rede Brasil de

Ecossocialistas, 2007). Essa reunião avaliou o segundo encontro e fechou algumas metas

para a evolução da Rede.

A avaliação da coordenação da Rede para o II Encontro foi positiva, como também foi

considerada positiva a oficina da Rede Brasil de Ecossocialistas no Fórum Social Mundial

em Nairóbi, com a participação de 100 ativistas, que se mostraram “dispostos a contribuírem

com a discussão política do ecossocialismo” (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS,

2007).

Foi definido que 2007 seria o ano de fortalecimento e consolidação da Rede Brasil de

Ecossocialistas e para cumprir essa meta, foram definidas as seguintes ações:

recadastramento dos integrantes da Rede; proposta de formação de “quadros”, elaboração

de um projeto para trabalho junto a juventude, desenvolver a edição de Boletins e Revista

Teórica, organizar a moderação da lista de discussão na internet e realizar os encontros

estaduais (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS, 2007).

Mas a história da construção da Rede Brasil de Ecossocialistas não evoluiu como o

esperado. A vitória de Luiz Inácio Lula e a posse de Marina Silva para o Ministério do Meio

Ambiente gerou uma expectativa positiva para os ecossocialistas, em particular, os

envolvidos na construção da Rede Brasil de Ecossocialistas. Os primeiros passos foram

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dados, Marina Silva era a catalizadora do processo, mesmo com suas contradições. A Rede

foi impactada pelos processos de rupturas internas do PT, geradas por discordâncias com o

governo Lula, os quais esvaziaram a organização da Rede até o seu completo fim de

funcionamento (Melo, 2015). O depoimento de Laxe (2014d) ilustra o processo: “A Rede

Ecossocialista Brasileira teve um início promissor, com representantes em São Paulo,

Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul, mas não evoluiu, não houve reuniões presenciais

e nem virtuais após 2007, a Rede morreu “por inanição””.

Existiam tensões sobre a relação que algumas lideranças da Rede Brasil

Ecossocialista tinham com o Ministério do Meio Ambiente, pois havia uma percepção das

dessas lideranças que ocorria o uso político da Rede Brasil de Ecossocialistas pelo

ministério (BANNWART, 2014; LAXE, 2014d).

A Rede Brasil de Ecossocialistas conseguiu, mesmo com suas tensões internas,

evoluir e desenvolver enquanto seus participantes estavam no mesmo partido, PT, e havia

apoio do Ministério do Meio Ambiente. Porém as cisões que ocorreram no partido

provocaram a total inoperância da Rede Brasil de Ecossocialistas e saída da Marina Silva do

Ministério e do PT foi o marco do encerramento desta Rede.

Em 2014, iniciou-se um debate sobre a retomada da Rede Brasil de Ecossocialistas,

porém seu processo não é simples, mas possível e importante. Para Laxe, do PT, a

proposta sobre a Rede Ecossocialista é muito interessante, o “novo modelo deve ser mais

aberto de estrutura partidária, deve agregar todos os sonhadores da construir a sociedade

ecossocialistas” (Laxe, 2014d). Mas sugeriu que o nome fosse mudado para Fórum, para

não utilizar a palavra Rede, pois teme causar falsa associação com o partido Rede

Sustentabilidade (LAXE, 2014d).

Samuel Santos, da Rede Sustentabilidade, ressaltou o papel de revisão teórica dos

debates na Rede Brasil de Ecossocialistas. Para ele, a Rede Brasil Ecossocialista terá muito

a contribuir como revisão do pensamento marxista clássico “buscando desenvolver uma

nova leitura e ampliar esse leque”, e esse processo não pode estar restrito a um só partido

ou organização (SANTOS, 2014).

Já João Alfredo, do PSOL, propôs que haja uma pessoa dedicada a essa construção,

uma pessoa com história e conhecimento reconhecido que consiga reconstruir as “pontes

destruídas” pela história das principais lideranças dispersas nos diferentes partidos,

Bannwart, José Correa e João Alfredo, entre outros ecossocialistas, estão no PSOL, Pedro

Ivo na Rede e o Laxe e Gilney no PT (Melo,2015). Para João Alfredo Melo (2015), “o desafio

é como “juntar esses cacos”, acredito ser difícil, pois exigiria um grau de esforço de unidade

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imenso em função do tamanho de divergências”. A grande dificuldade de diálogo entre as

lideranças das correntes ecossocialistas está nas divergências históricas, embates e

diferenças ideológicas entre os partidos.

Para João Alfredo (Melo, 2015), o melhor nome para essa tarefa é o Michel Löwy, pela

sua história e respeito que todos têm por ele. João Alfredo acredita ainda que as

dificuldades de retomar a Rede Brasil de Ecossocialistas são “imensas” e a figura de

“alguém profissionalizado” para o papel de articulador das diferentes posições é

fundamental, essa articulação “é uma tarefa de Sísifo” (Melo, 2015). Segundo ele, a

proposta de haver um responsável pode ser substituída por um comitê de refundação, mas

certamente é fundamental organizar um primeiro encontro de ecossocialistas para iniciar o

processo. Nesse sentido, Löwy (2014b) acredita que os ecossocialistas do PSOL, por ter a

corrente ecossocialista mais organizada, devem buscar o diálogo com Pedro Ivo, por ser o

último coordenador, e em conjunto convocar uma reunião de refundação da Rede Brasil de

Ecossocialistas.

Uma mudança relevante na proposta de retomada da Rede Brasil Ecossocialista é o

ingresso de representantes dos movimentos populares e ONGs que apresentem pautas

ecossocialistas. A proposta de Michael Löwy (2014b) é envolver representantes do MST, do

Movimento Passe Livre, alguns intelectuais, por exemplo, Isabel Loureiro, e Fundação Rosa

Luxemburgo, que inclusive pode ser o espaço físico da reunião. Para Bannwart (2014), do

PSOL, o envolvimento de ONGs, além de partidos, será importante no processo de

construção da Rede Brasil de Ecossocialistas:

Um novo caminho é envolver ONGs e movimentos sociais. MAB,

MTST, MST, Sindicato da Sabesp, Sindicado dos Químicos de

Campinas, pessoas avulsas, intelectuais, para gerar um diálogo. A

proposta é a transversalidade, isto é, a utopia perseguida é que todas

as correntes do PSOL, tendências dos partidos e enfim toda a

sociedade assuma o programa ecossocialista; é convencer todos os

outros coletivos e grupos para incorporarem o ecossocialismo, afinal

o ecossocialismo não tem dono é como o socialismo, não há

monopólio de um grupo.

Mauricio Laxe (2014d) também acredita que a retomada da Rede Ecossocialista

Brasileira precisa superar o desgaste do anterior, nesse caso, deve ser um Fórum ou uma

Frente e, necessariamente ir além dos partidos políticos. Nesse caso, sua sugestão é o

ingresso de ONGs e Movimentos Sociais na organização.

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Para João Alfredo, nesse caso, a proposta da retomada da Rede Brasil de

Ecossocialistas modifica o seu perfil para agregar o movimento social, “essa alteração deve

ficar claro, pois há uma troca de situação, pois o ecossocialismo está muito ligado à visão

política, que se organiza dentro dos partidos e suas correntes” (Melo, 2015). João Alfredo

acredita ser possível integrar a Rede Brasil de Ecossocialistas com uma série de

movimentos sociais e com outras redes. Sua sugestão foi incorporar a Rede Brasil de

Justiça Ambiental, por ter ações importantes de integração com muitos movimentos no

Brasil, como anti-nuclear, mineração, agroecologia, etc. Mas, para a retomada avançar,

deve haver uma proposta detalhada sobre o formato de atuação (Melo, 2015).

A retomada da Rede é importante como forma de agregar ideias e pessoas para

debater e irradiar propostas e ideais ecossocialistas. Pois a sociedade ecossocialista não

pode ser construída em um contexto limitado a um só partido político (Münster, 2013, p.

157-158), mas sim pela “mobilização de toda oposição ao capitalismo, à oligarquia

financeira e ecocídio na união das forças do polo ecológico com o polo socialista e da

grande massa desorganizada vítima da crise e da política austeridade” (MÜNSTER, 2013, p.

157 – 158, tradução do autor).

Há uma relação de mútua construção entre a Rede Brasil de Ecossocialistas e os

partidos e movimentos sociais, pois, por um lado, as instituições associadas devem construir

e alimentar a Rede de temas e práticas, mas, ao mesmo tempo, receber da Rede

consistência teórica e provocações. Por outro lado, a Rede depende do fortalecimento da

cultura ecossocialista das organizações que a formam. Para Bannwart (2014), “a base para

isso é fortalecer o setorial ecossocialista do PSOL e transformar o PSOL em um partido

ecossocialista para gerar a semente da nova Rede Ecossocialista; esse é um projeto em

aberto”.

A retomada da Rede Brasil de Ecossocialistas é importante para dialogar e difundir as

propostas ecossocialistas, e o ingresso dos movimentos populares e ONGs, além de

acadêmicos e representantes de diversos partidos políticos, dará à Rede o caráter plural,

fator desejado por todos os seus idealizadores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese buscou responder se o Ecossocialismo é opção utópica na construção de uma

outra sociedade e quais são os desafios e oportunidades da política partidária na construção

da Sociedade Ecossocialista.

O primeiro passo foi entender o porquê dessas perguntas serem tão importantes. E a

resposta encontrada foi que a sociedade vive hoje uma crise socioambiental de grandes

proporções provocada pelo atual modelo consumista e produtivista, o que coloca em risco

as condições do planeta suportar vida, pois sua capacidade de recomposição, resiliência,

está sendo superada em uma velocidade crescente. Essa realidade pode ser mensurada

pela pegada ecológica, criada por Wackernagel e Reed e amplamente divulgada pela WWF,

esse indicador apresenta números cada vez mais preocupantes, pois revelam que a

capacidade do planeta a cada ano está sendo esgotada cada vez mais cedo, ao final de

2014, o planeta não consegue mais suprir o atual nível de consumo.

Nesse quadro, há também o processo de mudanças climáticas, que afetam a

capacidade do planeta fornecer solo fértil e água, essenciais para a sobrevivência da

humanidade. Diante de perguntas tão relevantes, a sociedade deveria buscar respostas o

mais breve possível, antes de atingir o ponto “sem volta”, onde poucos ou ninguém

conseguirá se adequar à nova realidade climática.

Como o problema é planetário, os países passaram a se reunir sistematicamente, para

buscar soluções unificadas para as mudanças climáticas. Mas, como previsto pelos

ecossocialistas, essas reuniões geram vários documentos e nenhuma solução concreta. O

discurso oficial do poder hegemônico é que a crise não é séria e que as soluções técnicas

serão encontradas no momento adequado.

Nesse debate, pode-se observar as diferenças ideológicas entre as correntes

socioambientais. Por um lado, os ecocapitalistas e os realistas acreditam que a solução é

técnica e está em construção, há como “esverdear” o capitalismo e são otimistas em relação

as instituições multilaterais. Por outro lado, os ecossocialistas, os “decrescentistas”, os

ecologistas dos pobres, o movimento buen vivir e alguns setores dos ecologistas

fundamentalistas afirmam que é impossível haver capitalismo verde e são céticos em

relação a resultados concretos das reuniões governamentais.

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A análise socioambiental sobre inovação e tecnologia também ilustra essa

divergência: para os ecocapitalistas, qualquer tecnologia é válida – transgênicos e energia

nuclear, por exemplo – “desde que” seu impacto socioambiental seja compensado por

ecotaxas e seus riscos mitigados. Para estes, essa compensação deve ser paga pelos

rendimentos adicionais proporcionados pela tecnologia em questão, resumindo-se, qualquer

tecnologia é válida “desde que” incremente o lucro.

O enfoque ecossocialista é restritivo. Para essa corrente, qualquer inovação e

tecnologia que produzem degradação socioambiental devem ser suprimidas. Mesmo as

inovações consideradas “sustentáveis”, somente serão apoiadas “desde que” não causem

impacto socioambiental negativo, por exemplo, não são aceitos parques eólicos que

provoquem em degradação ambiental, expulsem ou reduzem as condições de sobrevivência

da população local.

Essa postura ecossocialista em relação às questões e soluções geradas pela

sociedade é motivada por sua radicalidade, pois seu compromisso ético é buscar a raiz da

crise socioambiental e alertar a ineficiência de reformas, como as que possibilitam aos

mercados o direito de poluir pagando ecotaxas, por serem incapazes de encontrar uma

solução concreta. Para os ecossocialistas, a origem e base da crise socioambiental é o

próprio modelo produtivista e consumista do capitalismo, que tem em sua essência vital a

necessidade de crescimento contínuo à custa do esgotamento do trabalhador e da

Natureza.

Para Löwy (2011, p. 35-36), as reformas parciais são totalmente insuficientes: a

construção de uma outra sociedade é construída pela substituição da micro-racionalidade do

lucro pela macro-racionalidade social e ecológica. Assim, para ocorrer essa transformação

socioambiental é necessária uma profunda mudança tecnológica, para substituir as atuais

fontes de energia fóssil por fontes renováveis e não poluentes, como a eólica e solar.

O ponto que diferencia os ecossocialistas em relação ao socialismo “real” é a união

das práxis ecológica e socialista. Pois esta corrente considera que o socialismo sem a visão

ecológica não consegue ser alternativa aos desafios socioambientais do século XXI, e a

ecologia que não seja socialista não tem a radicalidade necessária para enfrentar esses

desafios.

A corrente ecossocialista também enfrenta seus desafios internos. Uma oportunidade

de melhoria na formação dos ecossocialistas nos partidos é construir e incrementar

conhecimento nas ciências da Natureza. Esse ponto já estava na obra de Engels e Marx: o

domínio da Natureza pelo homem é o domínio do conhecimento para poder manter o

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metabolismo entre a humanidade e Natureza perene, não só para a atual geração, mas

também para as futuras. Nas entrevistas realizadas junto às lideranças ecossocialistas dos

partidos brasileiros, dois militantes experientes apontaram que falta, nos partidos brasileiros,

pessoas com conhecimento da ciência da Natureza para subsidiar o entendimento sobre os

impactos socioambientais das ações humanas e os limites que a sociedade deve respeitar

para que as condições de vida saudável seja perenidade. Nesse sentido, o cientista do

clima, Alexandre Araújo Costa, tem uma atuação muito importante, com suas informações e

alertas sobre as mudanças climáticas e políticas hídricas. Mas, infelizmente, são muitos

poucos ecossocialistas com esse conhecimento técnico sobre a Natureza nos partidos

políticos brasileiros.

Outra dificuldade é a resistência de setores da sociedade em debater a questão

ambiental, pois a ilusão da empregabilidade e ganhos monetários do incremento dos PIBs a

entorpece, enquanto o discurso ecossocialista, contestando a fantasia hegemônica, enfrenta

resistências, inclusive na esquerda tradicional.

No Brasil, há a oportunidade de debate socioambiental provocada pela crise hídrica,

principalmente na região sudeste, que está acompanhada pelas crises do abastecimento e

de energia. O desafio para os ecossocialistas é comunicar a gravidade da crise e as suas

conexões com desmatamento das matas próximas aos grandes centros e das florestas

situadas no norte do país, políticas hídricas equivocadas na gestão pública. Assim, as

soluções dos governos federal, estaduais e municipais devem ser questionadas e rompidas

para quebrar o processo de desertificação do sudeste brasileiro. A crise deve ser usada

como fator concreto das críticas e proposições ecossocialistas.

Para os ecossocialistas, essa interação com a sociedade é um dos pontos vitais para

sua consolidação, pois busca construir mudanças em conjunto, isto é, provocar um

empoderamento social dos mecanismos políticos, fundamental para construir uma

sociedade sem a hegemonia do capital ou de um “grupo centralizador de decisões”. O

empoderamento pela autoemancipação deve ser construído pelo diálogo entre os

ecossocialistas e a sociedade.

Essa autoemancipação somente pode ser construída através do empoderamento do

tempo, pela redução da jornada de trabalho e libertação de outras formas de apropriação

das horas do trabalhador pelo capital. Esse tempo deve ser socialmente útil para permitir

que a sociedade consiga explorar suas potencialidades, seja artística, seja na integração

com demais indivíduos e com a Natureza. Sem esquecer também a necessidade do tempo

cidadão, quando ocorre a contribuição do trabalhador nas decisões socioambientais, sem

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“delegar” para terceiros seu direito de decidir sobre sua qualidade de vida e seu cotidiano.

Essa dinâmica é fundamental para construir estruturas que substituirão o Estado e os

aparelhos produtivos por instâncias de decisões que efetivamente estejam a serviços do

bem viver de todos. Essa é a utopia da sociedade ecossocialista.

Mas para a construção da sociedade ecossocialista será necessária uma práxis radical

junto aos demais setores anti-hegemônicos e altermundistas, isto é, o vermelho do

movimento operário, a violeta da libertação das mulheres e do respeito a todas as

orientações sexuais, o negro dos anarquistas e igualdade racial, o branco da mobilização

pela paz, o verde pela defesa de uma integração humana responsável com a Natureza,

assim construindo o arco-íris ecossocialista. A política ambiental é necessariamente

transversal, pois há conexão com todos os setores. O grande desafio nessa construção é o

despertar nesses setores sobre a relevância socioambiental de seus movimentos e que é

fundamental a integração de todos.

Nesse aspecto, os partidos franceses estão com essa práxis mais avançada, há maior

interação entre os partidos e movimentos sociais, seja através da luta pela eliminação da

solução de energia nuclear na França ou pela proteção ao imigrante. Mas há a dificuldade

em tornar propostas e ações em votos e participação no congresso, a votação dos partidos

ainda não permite a construção concreta do domínio da pauta ecossocialista na política

francesa.

Inicialmente, os ecossocialistas brasileiros participaram da fundação do PT e lá

ficaram até os anos 2000. O problema é que, principalmente após sérias divergências, parte

dos militantes saiu e criou o PSOL e posteriormente, outro grupo saiu e fundou a Rede

Sustentabilidade, esses processos de cisão resultaram situações de desgaste entre os

envolvidos e esse histórico cerceia o diálogo, mas não o impede.

A política brasileira apresenta grandes dificuldades aos ecossocialistas. Inicialmente

dentro dos próprios partidos, pois não há, ainda, um partido ecossocialista brasileiro. O

único, até dezembro de 2014, que tem espaço organizado por essa corrente de pensamento

é o PSOL, cujo Setorial Ecossocialista Paulo Piramba está organizado nacionalmente. Os

setores ecossocialistas dos demais partidos, PT e Rede Sustentabilidade, não conseguiram

se constituir, pois enfrentam grande dificuldade nas estruturas internas de seus partidos.

Mas um ponto de grande resistência interna é a esquerda tradicional nos partidos, que

mantém a cultura produtivista e desenvolvimentista, partidária do crescimento ilimitado do

PIB, pois ainda nutre a ilusão de que a empregabilidade e a geração da renda são

proporcionadas somente pelo crescimento desse índice e isso é bom para a sociedade.

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As dificuldades externas são provocadas também pela cultura desenvolvimentista da

esquerda e pela falta de conhecimento da população sobre a severidade dos riscos e a

complexidade da situação. Esses fatores são reforçados pela associação da mídia com os

demais donos de capital que filtram as informações sobre todos os assuntos, inclusive sobre

temas socioambientais que possam por em cheque o conforto do capital. Mas há uma

expectativa que essa “segurança” seja fragilizada pelo agravamento da crise ambiental,

principalmente a hídrica e seu alto grau de impacto na rotina da população.

No Brasil, há ONGs e movimentos sociais que apresentam propostas socioambientais

próximas à pauta ecossocialista, que compõem o arco-íris ecossocialista, como a Rede

Brasil de Justiça Ambiental, Alternativa Terrazul, ECOS Brasil, ISA – Instituto

Socioambiental, MAB-Movimento dos Atingidos por Barragens, MST – Movimentos dos

Trabalhadores Sem Terra, MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, entre outros. A

aproximação da corrente ecossocialista com essas instituições e organizações sindicais

possibilitará a incorporação da pauta ecossocialista nas ações destas e o enriquecimento

dessa pauta pelos diálogos e vivências com essas instituições.

O espaço para esse encontro é a retomada da Rede Brasil de Ecossocialistas, pois a

esse grupo poderiam se incorporar pesquisadores, intelectuais e centros de debates como a

Fundação Rosa Luxemburgo. Esse espaço seria uma semente de diálogo e troca de

experiências para enriquecer a militância ecossocialista internamente nas suas

organizações e no exterior com a intervenção dessas instituições na sociedade,

transformando-a justa, ecológica e solidária.

Apesar das dificuldades, a corrente ecossocialista tem avançado com propostas

concretas e consistentes na direção de uma sociedade socialmente justa, ambientalmente

responsável e solidária. A pesquisa concorda com a afirmação de Kovel: “O outro mundo

possível chama-se Ecossocialismo”.

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ENTREVISTAS

BANNWART, Roberto.

Militante histórico, membro do setorial nacional ecossocialista do PSOL e coordenador do

núcleo paulista ecossocialista do PSOL.

Entrevistas nos dias:

25 de fevereiro de 2013;

03 de dezembro de 2014.

LAXE, Mauricio Cortines

Advogado e Ecólogo, militante ecossocialista histórico no Partido dos Trabalhadores.

Coordenador do Programa de Revitalização da Bacia do São Francisco, do Ministério do

Meio Ambiente.

Entrevistas nos dias:

09 de janeiro de 2014b;

09 de abril de 2014c; e

16 de dezembro de 2014d.

LOUREIRO, Isabel e OLIVEIRA, Marcos Barbosa de.

Assinantes do Manifesto Ecossocialista Internacional de 2001.

Entrevista no dia 11 de dezembro de 2014.

LÖWY, Michael

Pensador e militante ecomarxista brasileiro radicado na França, diretor de pesquisas do

Centre National de la Recherche Scientifique. Redigiu o Manifesto Ecossocialista

Internacional com Kovel e participou com comitê de Redação da Declaração Ecossocialista

de Belém.

Entrevistas nos dias:

9 de fevereiro de 2014a;

27 de outubro de 2014b.

MELO, João Alfredo Telles

Advogado e Ecólogo, militante ecossocialista histórico no Partido Socialismo e Liberdade,

parlamentar ecossocialista, foi deputado federal e estadual pelo Ceará, atualmente exerce o

mandato de vereador pela cidade de Fortaleza.

Entrevista no dia 08 de janeiro de 2015.

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SANTOS, Samuel Maia dos.

Militante ecossocialista da Rede Sustentabilidade, membro do Elo Nacional da Rede.

Entrevista no dia 09 de dezembro de 2014

VIANA, Gilney Amorim.

Militante ecossocialista histórico no Partido dos Trabalhadores, ex-secretário de

Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente.

Entrevista no dia 05 de novembro de 2014.

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SÍTIOS:

AGAPAN (http://agapan.blogspot.com.br/): AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao

Ambiente Natural) é a primeira associação ecologista do Brasil e da América Latina.

Associação Alternativa Terrazul (http://www.alternativaterrazul.org.br/): ONG ecossocialista

de Pernambuco.

Buen Vivir (http://www.buenvivir.gob.ec/inicio): sítio do Plano Nacional Buen Vivir do

Equador.

Capitalism, Nature and Socialism (http://www.cnsjournal.org/): revista de ecologia política

fundada James O’Connor.

Casseurs de pub (http://www.casseursdepub.org/): Associação e revista que associa a

criação artística e critica à sociedade de consumo.

Climate and Capitalism (http://climateandcapitalism.com/): revista ecologia política, de

inspiração ecossocialista, editada por Ian Angus.

Daniel Tanuro (http://www.lcr-lagauche.org/category/nos-blogs/blog-daniel-tanuro/): blog do

engenheiro agrônomo e ecossocialista Daniel Tanuro.

Ecologia Política (http://www.ecologiapolitica.iepe.org/): revista de ecologia política com

base no Chile que tem como objetivo debater políticas ecológicas na América Latina.

Ecología Polítique (http://ecologiapolitica.info/wordpress/): revista eletrônica de ecologia

política, fundada em 1991 por Joan Martínez Alier.

Ecologie & Politique (http://www.ecologie-et-politique.info/): revista de ecologia política

fundada em 1992 por Jean-Paul Deléage).

Ecorev (http://ecorev.org/): Sitio da revista de ecologia política Ecorev: Revue critique

d’écologie politique.

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Eco Brasil (http://ecosbrasilong.blogspot.com.br/): ONG ecossocialista. ONG fundada em

1997 com o objetivo de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos e sociais e,

promoção do Ecossocialismo e da Ecopolítica.

Ecossocialismo ou Bárbarie (https://ecossocialismooubarbarie.wordpress.com/): blog do

setorial ecossocialista do PSOL.

Ecosocialist International Network: http://ecosocialistnetwork.org/?page_id=10: sitio oficial

da Rede Internacional Ecossocialista.

Ecosocialists Unite (http://www.ecosocialistsunite.com/): Blog do ESU- Ecosocialists Unite.

Sitio fundado em novembro de 2010.

Ensemble (www.ensemble-fdg.org): Sitio do partido ecossocialista francês Ensemble;

Gauche Anticapitaliste (http://www.gauche-anticapitaliste.org/en-region): Sitio do partido

ecossocialista francês Gauche Anticapitaliste presente no Front de Gauche e participante na

formação do partido Ensemble.

Green from Below (http://greenfrombelow.wordpress.com/): sitio do movimento

ecossocialista inglês Green from Below.

INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (http://www.inpe.br/.): Tem como missão

“produzir ciência e tecnologia nas áreas espacial e do ambiente terrestre e oferecer produtos

e serviços singulares em benefício do Brasil”; efetuou estudos sobre panoramas futuros de

clima no Brasil baseados nos cenários do IPCC.

Jean-Luc Melenchon (http://www.jean-luc-melenchon.fr/2014/12/29/enfin-la-chaine-va-

craquer/#comments) – Liderança Ecossocialista francês do Front de Gauche.

La Lucha Indígena (http://www.luchaindigena.com/): revista eletrônica cujo diretor é o Hugo

Blanco Galdós e situado em Lima (Peru).

Ladislau Dowbor (http://dowbor.org/): blog do professor e pesquisador Ladislau Dowbor,

suas linhas de pesquisas: “Desenvolvimento Local” e “Articulação de mecanismos de

regulação nas economias modernas”. Tem contribuído nos debates sobre economia

ambiental.

Les Petits pois sont rouges (http://www.lespetitspoissontrouges.org): blog da Corinne Morel

Darleux, militante ecossocialista do Party de Gauche.

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Michael Löwy (http://blogs.mediapart.fr/blog/michael-lowy): blog do Michael Löwy.

Mientras Tanto (http://www.mientrastanto.org/): revista fundada em 1979 por Giulia Adinolfi e

Manuel Sacristá.

Monthly Review (http://monthlyreview.org/): revista de ecologia política cujo editor é John

Bellamy Foster.

Objecteurs de croissance (http://www.objecteursdecroissance.fr/): sitio sobre Decrescimento

administrado por Cheynet Vincent e Leray Florence;

O que você faria se soubesse o que eu sei

(http://oquevocefariasesoubesse.blogspot.com.br/): blog do militante ecossocialista do

PSOL, Alexandre Costa. Atuante no debate climático e a crise da água. Ele é Ph.D. em

Ciências Atmosféricas.

PSOL - Setorial Ecossocialista Paulo Piramba

(https://ecossocialismooubarbarie.wordpress.com/): Espaço virtual de comunicação oficial do

Setorial Nacional Ecossocialista Paulo Piramba do PSOL. O objetivo do sitio é “divulgar as

decisões levadas a cabo pelo setorial, textos, informativos, artigos informativos, artigos,

informações e divulgação de eventos de formação sobre ecossocialismo”.

PT. Secretaria - Meio Ambiente e Desenvolvimento – SMAD

(http://www.pt.org.br/secretaria/meio-ambiente-e-desenvolvimento/): Secretaria do Meio

Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores.

RAP (http://antipub.org/): RAP (Association Résistance à l’agression publicitaire) é uma

associação, sediada em Paris, com o objetivo de combater os efeitos negativos das

propagandas sobre os cidadãos e a Natureza.

Rede Sustentabilidade (http://redesustentabilidade.org.br/): Sítio oficial do Partido Rede

Sustentabilidade.

Reporterre (http://www.reporterre.net/): revista eletrônica francesa de ecologia política.

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ANEXOS

Anexo 1: Primeiro Manifesto Ecossocialista brasileiro (1991)

MANIFESTO ECOSSOCIALISTA

Primeiro Manifesto Ecossocialista brasileiro

1) Os ecossocialistas procuram resgatar a herança histórica de luta da humanidade pela

justiça social, pela democracia como valor essencial e pelo direito à diferença (de gênero -

Homem-Mulher -, da diversidade cultural dos povos e de opções sexuais, religiosas).

Afirmam que, como parte dos movimentos que entram em luta por novas formas de relações

sociais (socialistas), entram em luta também por novas formas de relação do ser humano

com a natureza. Nesse sentido, não somos nem socialistas no sentido estrito, nem

ecologistas em sentido estrito: somos ecossocialistas.

2) O "socialismo realmente existente", ao propor a primazia do desenvolvimento das forças

produtivas em detrimento de novas relações sociais que permitissem o livre

desenvolvimento do ser humano e a proteção do meio ambiente, reproduziu na prática

características da sociedade capitalista que pretendia superar.

3) A crise na qual está imersa a humanidade não se restringe ao campo do econômico, mas

abrange todo um processo civilizatório com suas crenças e seus valores, inclusive a crença

de que a economia é a base da felicidade humana. Daí a necessidade de se repensar os

fundamentos filosóficos para a construção de uma nova utopia. Entre esses valores que

precisam ser repensados e que fazem parte, inclusive, da herança filosófica de grande parte

da esquerda está o antropocentrismo.

4) Para os ecossocialistas, as especificidades do homem como espécie biológica que, por

exemplo, tem a propriedade de criar cultura e história não são suficientes para autorizar a

visão da natureza como objeto a ser submetido. Para os ecossocialistas, o Homem é parte

da natureza, aquela que, inclusive, desenvolveu a consciência. Se vivemos numa sociedade

em que a espécie humana perdeu essa consciência da sua naturalidade, esta é mais uma

dimensão do processo de alienação a que se chegou.

5) Para os ecossocialistas, a defesa da vida não se restringe à defesa da vida humana, mas

se estende a todas as formas de vida.

6) O chamado "socialismo científico", construído a partir das visões científicas do século

passado (positivismo, evolucionismo, determinismo), da lógica cartesiana e da física

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newtoniana (mecânica), deve ser dialeticamente superado. Uma nova visão de mundo,

holística, não-compartimentalizada, que reconheça que aquilo que a ciência convencional

chama de "LEI" e "ORDEM" é apenas uma parte da realidade, da qual o ACASO também

faz parte, constitui-se em novo paradigma sobre o qual poderíamos reformular nossa utopia.

7) Os ecossocialistas recusam a tese de que o homem está destruindo a natureza. Essa

tese, ao tratar da questão genericamente, dilui as responsabilidades pela atual devastação

do planeta. Numa sociedade fundada no lucro e na propriedade privada, a natureza não

está igualmente à disposição do ser humano. A propriedade privada da natureza tira, por

exemplo, de grande parte da humanidade o direito de decidir o que dela vai ser feito. Assim,

vivemos numa sociedade que gera riqueza (questionável) para poucos, miséria para muitos

e degradação ambiental para todos, pondo em risco, inclusive, a própria sobrevivência do

planeta.

8) Desse modo, os recursos naturais do planeta não podem ser apropriados sob o regime

da propriedade privada com poderes absolutistas do proprietário, mas sim de forma coletiva,

democrática, em sintonia com o meio ambiente, e solidária com as gerações futuras.

9) Nesse sentido, é necessário mudar a relação ser humano-natureza, buscando uma

relação harmoniosa preocupada com o futuro do planeta. Os interesses dos segmentos,

grupos classes, povos e nações têm que ser compatibilizados com o meio ambiente. Para

os ecossocialistas, os interesses dos explorados e oprimidos devem ser pensados para

além do corporativismo, e para isso é preciso que incorporemos um projeto que seja do

interesse de toda a humanidade e de defesa da(s) vida(s) e do planeta. A visão holística

inerente aos ecossocialistas é fundamental na superação efetiva do corporativismo, pois

implica reconhecer o outro como outro na sua diferença.

10) Para os ecossocialistas, um meio ambiente saudável é incompatível com o capitalismo

nas suas duas vertentes, a neoliberal e a social-democrata. A preocupação com o

enriquecimento imediato, inerente à lógica do MERCADO e do LUCRO, deve deixar de

constituir a base dos valores da humanidade. A separação do homem da terra está na

origem e no cerne da sociedade capitalista. Só assim foi possível a mercantilização

generalizada dos homens (proletarização) e da natureza. A lógica do mercado, que

pressupõe a divisão do trabalho, levou a uma extrema especialização tanto produtiva como

do conhecimento. A lógica da concorrência impôs ritmos intensos ao processo de produção,

incompatíveis com os fluxos de matéria e energia de cada ecossistema (que ficaram

dependentes de insumos energéticos externos), com o equilíbrio psicoafetivo do trabalhador

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(vide Chaplin em Tempos Modernos) e com os ritmos próprios à vida de cada povo e

cultura. Nesse sentido, capitalismo e desenvolvimento auto-sustentável são incompatíveis.

11) A queda do Muro de Berlim e da burocracia com suas políticas secretas sepultou o

modo coletivista do Estado autoritário e centralizado, mas não os princípios e os

fundamentos de um igualitarismo socialista democrático.

12) No entanto, para a opinião pública mundial ficaram abalados os princípios da

supremacia do coletivo sobre o individual e do plano sobre o mercado. Impõe-se a

necessidade de repensarmos a relação entre o individual e o social, entre o público e o

privado. A luta contra a desigualdade, por exemplo, não é uma luta pela igualdade no

sentido estritamente econômico-social. É uma luta para que todos tenham condições iguais

para afirmar suas diferenças. Os ecossocialistas recusam uma visão do social que anule o

indivíduo. Queremos um social que incorpore a visão de que cada indivíduo é singular, tem

a sua originalidade. Queremos um social que permita o desabrochar da criatividade que

existe em cada ser humano. Queremos um socialismo (e não um social-ismo) que seja

assinado na primeira pessoa, em que cada um se sinta estimulado e responsável

individualmente pela sua construção. Não confundimos afirmação da individualidade com

individualismo, como, de certa forma, a esquerda até hoje veio fazendo. Como a questão do

indivíduo era confundida com o individualismo burguês, ela foi negligenciada e recalcada.

No entanto, como ela é parte constitutiva do homem moderno e não era explicitada no seio

da esquerda, a questão do indivíduo veio se manifestando de uma maneira perversa por

meio dos diversos cultos à personalidade. Aquilo que era negado à maioria sob o pretexto

de que se constituía num princípio burguês passou a ser privilégio de alguns poucos (quase

sempre do secretário-geral).

13) No entanto, os ecossocialistas propugnam por ampliar radicalmente os espaços das

liberdades coletivas e individuais, não restringindo as especificidades do desenvolvimento

afetivo, psicológico e cultural.

14) Em uma sociedade em que o poder e a economia estão extremamente centralizados,

monopolizados - como a que vivemos, tanto em nível nacional como internacional -, não é

possível deixar exclusivamente às forças do mercado a formação dos valores, dos gostos e

dos preços. O mercado não gosta dos miseráveis e a justiça social não é mercadoria que dê

lucros imediatos. Não queremos trocar o ESTADO TOTAL pelo MERCADO TOTAL. É

preciso mesmo indagar-se se existe mercado numa economia oligopolizada.

15) Afirmamos que os princípios da autogestão, da autonomia, da solidariedade (inclusive

com as gerações futuras), da defesa da(s) vida(s) e das liberdades, do desenvolvimento

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espiritual e cultural dos indivíduos e dos povos e das tecnologias alternativas, libertos das

amarras do produtivismo e do Estado autoritário, ajudarão a semear e robustecer a utopia

transformadora ecossocialista e libertária.

16) Uma das decorrências do antropocentrismo (na verdade, do homem europeu, logo do

eurocentrismo) foi (e é) o produtivismo. A crença num homem TODO-PODEROSO que tudo

pode submeter está na base da idéia de progresso do mundo moderno. O PROGRESSO

entendido como aumento da riqueza material, medido por meio do PIB, impregnou as

consciências, inclusive a de muitos que se pensam críticos da sociedade dominante. Para

os ecossocialistas, o capitalismo não é somente um modo de produção. É também um modo

de vida, um determinado projeto civilizatório, um modo de ser para o ser humano. Não cabe

simplesmente questionar o modo de produção-distribuição do capitalismo. Se o capitalismo

não permite que todos tenham automóveis, nós, os ecossocialistas, não lutamos para que

todos tenham um, pois isso só socializaria o congestionamento. Assim, não questionamos

somente o modo como se produz e para quem. Incorporamos à nossa crítica também o

BEM-ESTAR. Queremos um BEM-VIVER, que vai além do conforto material. SEM MEDO

DE SER FELIZ.

17) Assim, os ecossocialistas questionam os padrões culturais de consumo que são

condicionados pelo modo de produção. Diferenciamo-nos dos demais ecologistas, pois não

ficamos na crítica ao consumismo, uma vez que esta é a face aparente de uma sociedade

que, no fundo, é produtivista. O produtivismo-consumismo é, por sua vez, filho direto dos

valores antropocêntricos que a sociedade capitalista leva ao paroxismo com sua visão da

riqueza imediata, do lucro e da extrema fragmentação/especialização da produção, inclusive

da produção do conhecimento.

18) A crítica ecossocialista da matriz produtivista-consumista dos atuais modelos de

desenvolvimento predatórios, embotantes e desumanos se dirige também à proposta de

"crescimento zero" ou do anticonsumismo monástico para o Terceiro Mundo. Propomos,

sim, um redirecionamento da produção-consumo que vise prioritariamente a superação da

miséria, tanto material como espiritual, e uma gestão democrática dos recursos. Para os

ecossocialistas, a produção não é um fim em si mesma, mas um meio para a efetivação de

uma sociedade igualitária baseada na radicalização democrática (que combina democracia

direta e representativa).

19) A tese do "crescimento zero" demonstrou toda a sua fragilidade sobretudo na última

década de recessão e desemprego, com queda do PIB. Mesmo nesse contexto, a

degradação ambiental só fez progredir. Nada temos contra o crescimento se ele for baseado

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na proteção da natureza e na gestão democrática dos recursos. O crescimento do ser

humano não pode ser reduzido ao consumo de bens materiais. Não queremos substituir o

SER pelo TER. Essa é a utopia capitalista.

20) Para os ecossocialistas, o trabalhador não se define como "mão-de-obra" ou "força-de-

trabalho", mas como um ser humano pleno e complexo, com direitos integrais de cidadania.

Não reduzimos o ser humano ao mundo da produção, nem tampouco à sua dimensão

econômica. A economia é apenas um instrumento a serviço da sociedade, e não o contrário,

como acontece no capitalismo, e, portanto, deve estar subordinada democraticamente aos

cidadãos.

21) Os ecossocialistas não entendem que os proletários fabris e rurais sejam os únicos

agentes da transformação social. Há um movimento real, constituído por diferentes

movimentos sociais, que procura suprimir o estado de coisas existentes. São pessoas que

pelas mais diferentes razões rompem a sua inércia e vêm para o espaço público construir

novos direitos.

22) Os ecossocialistas propõem novos critérios para a elaboração da contabilidade nacional,

em que sejam computados os custos da degradação do meio ambiente, como, por exemplo,

a perda da biodiversidade, do fundo de fertilidade da terra (e da água), dos mananciais. A

poluição é um claro exemplo de socialização dos prejuízos e da privatização dos benefícios.

Para nós são indicadores do desenvolvimento o tempo livre e o avanço cultural do povo e,

para isso, é fundamental retomar a luta pela diminuição da jornada de trabalho. Não existe

nenhum limite natural para a jornada de trabalho. Ele é claramente político e é o resultado

das lutas de classes. Entendemos que o trabalho é uma necessidade e, como tal, deve ser

democraticamente gerenciado e reduzido para que o homem possa ser livre.

23) A sociedade americana, paradigma de desenvolvimento na ótica dominante, no seu afã

produtivista-consumista, chegou à insana condição de, com apenas 6% da população

mundial, consumir 25% da produção mundial do petróleo. Desse modo, se 24% da

população mundial tivesse o padrão cultural da sociedade norte-americana, consumiria

100% do petróleo mundial. Esse modelo se mostra, assim, definitivamente, não só

devastador-poluidor como também excludente socialmente. Se na utopia capitalista a

felicidade deve ser alcançada por meio do consumo de bens materiais com todas as

conseqüências já apuradas, nós, ecossocialistas, propugnamos a luta por um

redirecionamento do que seja riqueza que incorpore, inclusive, a dimensão ética, pois deve

ser estendida a todos os seres humanos e se pautar no direito à vida de todos os seres

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vivos. A sociedade moderna surgiu apoiada numa ética do trabalho, que, no entanto, vem

sendo substituída pela ética do consumo. É preciso superarmos, dialeticamente, a ambas.

24) a ciência e a tecnologia são indispensáveis para a construção da sociedade

ecossocialista, em que haja a superação do desperdício e da devastação e a diminuição da

jornada de trabalho (o tempo livre). Todavia não podemos cair no mito nacionalista de que a

ciência e a tecnologia são os únicos motores para se alcançar tal fim. É a própria noção de

riqueza e trabalho que precisa ser reelaborada. Outras sociedades, menos complexas

tecnologicamente do que a nossa, foram capazes de subordinar o trabalho e não se

escravizar a ele.

25) A luta pela construção do ecossocialismo passa, necessariamente, pela invenção de

novas tecnologias e por uma apropriação crítica do complexo tecnológico hoje à disposição

da humanidade. Nesse sentido, devemos estar atentos e abertos a todo o complexo

científico-tecnológico que o conhecimento humano produziu e, sobretudo, saber adequá-lo

às particularidades socioculturais de nosso povo, tanto para recusá-lo como para dele nos

apropriar.

26) Até agora o movimento popular e sindical tem se preocupado com a questão tecnológica

basicamente por seu impacto no (des)emprego, com ênfase nas conseqüências da robótica

e da informática. Esse é um aspecto importante e por intermédio dele é possível perceber

com clareza que a redução da jornada de trabalho se constitui numa bandeira

extremamente moderna e atual. No entanto, há um outro lado da questão que precisa ser

aprofundado: em muitos casos o trabalhador tem vendido a sua saúde (insalubridade como

adicional no salário) em vez de lutar pela despoluição das fábricas e dos processos de

produção, deixando intacta a matriz tecnológica do capital. Os ecologistas lançam junto aos

sindicatos e à classe trabalhadora a luta política pelas tecnologias limpas e um ambiente de

trabalho saudável, tanto no aspecto bio-físico-químico como no psicossocial. Devemos, pois,

assumir a luta por tecnologias que minimizem o impacto agressivo sobre a saúde e a vida

de quem produz e o meio ambiente, patrimônio da população e base de sua qualidade de

vida. A luta pela substituição das tecnologias sujas que usam o benzeno, o mercúrio, o

ascarel, o asbesto, os agrotóxicos e o jateamento de areia (nos estaleiros, por exemplo),

entre outros, supõe o aumento da consciência de classe e, por incorporar a dimensão

ecológica, torna-se uma questão de interesse de toda a humanidade, contribuindo para

superar o corporativismo. Ambientes de produção ecologicamente seguros são condição

preliminar para que todo o ambiente seja despoluído. O segredo comercial, normalmente

invocado pelo capital para não revelar a composição química de seus produtos, não pode

estar acima da vida.

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27) As chamadas tecnologias limpas não se resumem ao tratamento da saúde, dos

efluentes e dos despejos, mas implicam a despoluição de todo o processo de produção em

todas as suas fases. O ecossocialismo não quer limpar a atual organização do processo

produtivo sem alterar seus princípios e sua lógica de funcionamento. Não queremos pintar

de verde a fachada do prédio do capitalismo predatório, mantendo inalterada sua lógica de

exploração, exclusão e desigualdades. Assim, a bandeira das tecnologias limpas deve se

associar às transformações na estrutura da propriedade, de distribuição e da natureza do

consumo final.

28) Para efetivar esta bandeira torna-se fundamental uma articulação entre a comunidade

científica, o movimento ambientalista e o movimento popular e sindical. Isolados estes, as

teses ficam nas gavetas e a chantagem patronal joga trabalhadores e ecologistas uns contra

os outros. São os trabalhadores que vivem cotidianamente submetidos às piores condições

ambientais, tanto no seu local de trabalho como em sua moradia. É preciso, no entanto,

romper com o corporativismo que opõe trabalhadores de um lado e ambientalistas e

cientistas de outro. Se os trabalhadores, por exemplo, não têm onde morar e, constrangidos,

invadem áreas de interesse público, como mananciais, é preciso afirmar que nesse caso a

questão habitacional torna-se de interesse público e haveremos de buscar alternativas para

que os trabalhadores tenham um teto e o manancial seja preservado. Assim, é preciso

reverter o corporativismo e a alienação a ele vinculada, aprofundando a luta política,

cimentando a concepção de uma nova sociedade fundada em um outro tipo de

desenvolvimento tecnológico.

29) Os ecossocialistas propugnam pela reciclagem dos resíduos e materiais, pela

descentralização geográfica da economia e da política, pelo combate ao desperdício e à

obsolescência precoce planejada do produto. A durabilidade deve se constituir num critério

de qualidade do produto. Estas são bandeiras que devem estar associadas à luta contra a

pobreza (material e simbólica), contra a concentração de terra e renda e contra a

dependência externa.

30) A conversão gradual do complexo militar e industrial para uma economia voltada para

um desenvolvimento autogerido, democrático e sustentável deve ser acompanhada pela

transformação radical dos critérios de investigação de ecotécnicas, tecnologias

economicamente eficientes, poupadoras de energia, descentralizáveis (tanto no plano

técnico como no político), ecologicamente seguras e capazes de serem apropriadas e

geridas pelo trabalho coletivo.

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31) A tendência atual do capitalismo de diminuir cada vez mais o número de trabalhadores

do processo de produção material, aumentando enormemente a capacidade de produção,

tem como um dos sustentáculos a manipulação do desejo, a fabricação capitalista da

subjetividade por meio da mídia, sobretudo da televisão. Este tem sido um poderoso

instrumento político dos grandes monopólios. A democratização dos meios de comunicação

torna-se essencial. Pela "Reforma Agrária do AR".

32) A defesa do ensino público, gratuito e de qualidade em todos os níveis é fundamental

para que criemos um complexo científico-tecnológico que contribua para um

desenvolvimento ecologicamente seguro, voltado para o interesse comum e a soberania dos

povos. Só com um estreitamento profundo da universidade com os interesses da grande

maioria do povo será possível quebrar o mito da neutralidade das forças produtivas. A busca

de um paradigma filosófico e científico não-reducionista é parte da luta por uma

universidade de qualidade e voltada para o interesse comum.

33) Um projeto ecossocialista pressupõe as reformas agrária e urbana, que devem ser

pensadas na sua articulação com a matriz energética. O incentivo às formas de geração de

energia descentralizadas como miniusinas, biodigestores, eólica (vento) e solar é importante

no sentido de democratizar o acesso à energia sem aumentar a pressão sobre a atual matriz

energética, esta sim excludente, com vistas a possibilitar o desenvolvimento de pequenas e

médias cidades. Essa preocupação não deve nos omitir das responsabilidades referentes

aos problemas das grandes cidades, exigindo a proteção das encostas, dos mananciais e

fundos de vales, a primazia do transporte coletivo sobre o individual, o uso do gás como

combustível, as ciclovias, a reciclagem do lixo urbano e outras propostas.

34) Na sociedade atual há um verdadeiro culto à centralização, à concentração e ao que é

grande (ao maior) sob o pretexto de que seriam mais eficientes. Combatemos radicalmente

esse princípio, não por um culto ingênuo ao pequeno, ao menor, mas sim pela

hierarquização e centralização do poder que os MEGAPROJETOS comportam. O limite de

tamanho é desigual para as diferentes atividades e sociedades e não é uma questão de

ordem exclusivamente técnica, embora comporte, como tudo, um lado técnico do fazer.

Como tal, o limite do tamanho é sobretudo do campo político e, assim, deve ser

estabelecido a partir de uma base democrática e autogestionária. Não é difícil perceber a

íntima relação entre os MEGAPROJETOS no Brasil (Tucuruí, Jari, Carajás, Angra I e II,

Itaipu...) e o suporte autoritário que os criou. E aqui não devemos confundir o autoritarismo

com sua fachada aparente que foi a ditadura militar, mas, sobretudo, ver os vínculos

profundos que mantém com o capital monopolista.

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35) Os ecossocialistas lutam pelo desenvolvimento de formas democráticas e participativas

de gestão em todos os níveis, desde o local de trabalho até o Parlamento, por meio da

combinação da democracia direta e da representativa. Acreditamos ser esta uma forma

evoluída de gestão política e administrativa. Os cidadãos trabalhadores devem ter uma

noção geral dos problemas e participar criativamente das soluções, substituindo a visão

fragmentária por uma visão holística (que se preocupa com a relação das partes entre si,

das partes com o todo e com a relação do TODO retroagindo sobre as partes). Para isso

são necessários tanto um processo educacional que, ao mesmo tempo que estimule o

senso crítico e a criatividade, vise o interesse público como uma radical democratização dos

meios de comunicação. Sem essas condições as mudanças no regime de propriedade e nas

formas de gestão, que estão associadas, ficam comprometidas.

36) Para os ecossocialistas uma nova ética revolucionária é precondição de uma nova

política: os FINS não justificam os MEIOS. As práticas autoritárias, machistas, elitistas,

militarizadas e predatórias só fundamental uma falsa transformação, sem a afirmação de

novos valores para uma nova sociedade.

37) Essa nova ética ecológica planetária é incompatível com a exportação de lixo químico

dos países ricos para os países periféricos e inconciliável com os testes nucleares que

transformam o planeta em laboratório e a população em cobaia. Sobretudo agora, quando

caiu o Muro e com ele toda a lógica da Guerra Fria e sua corrida armamentista, torna-se

necessária a desnuclearização do mundo para que a política não fique submetida àqueles

que têm o poder de definir a morte. A queda da burocracia no Leste Europeu, saudada por

todos os verdadeiros socialistas, deixou, por outro lado, o imperialismo de mãos livres para

apertar o botão.

38) Defendemos uma nova divisão internacional do trabalho radicalmente diferente da atual,

em que os países ricos se reservam as tecnologias de ponta, como a robótica, a

biotecnologia, a química fina e o laser, e relocalizam no Terceiro Mundo as indústrias sujas,

altamente degradadoras do meio ambiente e consumidoras de energia, inclusive do próprio

homem. Uma nova ética ecológica planetária supõe intercâmbio, cooperação, paz,

solidariedade e liberdade no lugar da hipocrisia do nacionalismo chauvinista que justifica as

próprias agressões praticadas por cada governo e empresas contra suas próprias

populações e seu meio ambiente. O direito à autodeterminação dos povos não pode ser

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invocado para destruí-los, assim como suas fontes naturais de vida. Um novo conceito de

soberania é necessário, incorporando uma ética ecológica.

39) O ecossocialismo não se constrói num só país nem numa só direção. A solidariedade

entre todos aqueles que são negados em sua humanidade, por serem explorados e

oprimidos, se faz pelo reconhecimento de que formamos uma mesma espécie, cujo maior

patrimônio é nossa diferença cultural. Uma posição verdadeiramente revolucionária,

ecossocialista, reconhece que habitamos uma mesma casa, o planeta Terra, que, por sua

vez, vem sendo ameaçado por um internacionalismo fundado no dinheiro e no lucro e por

um poder altamente concentrado: o IMPERIALISMO.

40) Os ecossocialistas entendem que é necessário romper com a idéia restrita de revolução,

originária da mitológica tomada de assalto do poder, militarizada e, por sua vez, derivada de

uma restrita visão do Estado. Afirmamos que inexiste o tal corte absoluto mistificado na

história, uma vez que o processo de transformação social é composto não por uma, mas por

várias rupturas, descontinuidades, desníveis e disfunções. No entanto, numa sociedade em

que o poder está hierarquizado, do cotidiano familiar ao aparelho de Estado, passando pelos

locais de trabalho, as diversas rupturas nos diversos níveis têm contribuições diferenciadas,

embora todas essenciais num verdadeiro processo de transformação, aliás em curso. Aqui

se faz necessária, mais uma vez, uma visão que dialetize a relação entre as partes e o todo.

Os debates acerca dessa questão vêm ganhando maior profundidade no seio da esquerda.

Mesmo aqueles que procuram afirmar a idéia de uma ruptura têm apontado que ela implica

o estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade civil, entre partidos e

sindicatos e demais movimentos populares. Apontam que o socialismo se torna uma

necessidade reconhecida pela população quando no processo de luta evidenciamos os

limites de desenvolvimento capitalista. Esses limites são evidenciados, por sua vez, quando

a burguesia rejeita propostas humanização em geral, em particular no tocante à socialização

da propriedade. Desse modo, a ruptura deve ser entendida como o resultado prático e

teórico da dialética reformas / revolução. Nesta dialética é fundamental, portanto, entender

que a teoria e a prática para uma sociedade socialista devem existir já a partir do

capitalismo, embora condicionada pelos limites e barreiras dessa sociedade. Aí são

fundamentais, por exemplo, os Conselhos Populares. Estes devem ser organizações da

sociedade civil autônomas em relação ao Estado e aos partidos, atuando como verdadeiros

laboratórios de construção de hegemonias. Assim, a democracia socialista não é

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simplesmente a negação da democracia capitalista, mas sim a sua superação. Se a

democracia é um valor estratégico, como acreditamos, e não tático, e o poder não se

localiza em um lugar restrito, como no aparelho de Estado, por exemplo, devemos instituir

práticas democráticas em todos os lugares de interesse público, inclusive nas unidades de

produção (empresas / locais de trabalho), o que implica repensar o regime de propriedade.

Afinal, assim como os fluxos de matéria e energia dos ecossistemas e mesmo da sociedade

transcendem as fronteiras nacionais, o mesmo ocorre com as cercas e fronteiras da

propriedade privada.

41) Por fim, a atual crise que afeta a humanidade expressa na descrença com relação ao

futuro, no hipocondrismo, no alcoolismo, na violência cotidiana, no estresse, na apatia e no

consumo indiscriminado de drogas em geral mostra a decadência do atual modelo de

desenvolvimento. Repudiamos a militarização do combate às drogas que vem substituindo a

antiga caça aos comunistas. A militarização no combate às drogas acaba por escamotear a

verdadeira questão: o esvaziamento do sentido da vida, a instrumentalização mercantilizada

do desejo, a vida sem direito a fantasias típicas da sociedade que transformou a liberdade

"numa calça velha, azul e desbotada", conforme um anúncio publicitário. Nós,

ecossocialistas, reconhecemos que, se é, num certo sentido, verdadeiro que ninguém vive

de fantasia, também é verdadeiro que a dimensão da fantasia é inerente à vida. Assim,

repudiamos a sociedade que reduz a fantasia à sua por intermédio da droga.

Sem medo de ser feliz!

Secretaria Nacional de Movimentos Populares

Subsecretaria Nacional dos Ecologistas do PT

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Anexo 2: Manifesto Ecossocialista Internacional (2001)

MANIFESTO ECOSSOCIALISTA INTERNACIONAL

O século XXI se inicia com uma nota catastrófica, com um grau sem precedentes de

desastres ecológicos e uma ordem mundial caótica, cercada por terror e focos de guerras

localizadas e desintegradoras, que se espalham como uma gangrena pelos grandes troncos

do planeta África Central, Oriente Médio, América do Sul e do Norte, ecoando por todas as

nações.

Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social estão profundamente relacionados e

deveriam ser vistos como manifestações diferentes das mesmas forças estruturais. As

primeiras derivam, de uma maneira geral, da industrialização massiva, que ultrapassou a

capacidade da Terra absorver e conter a instabilidade ecológica. O segundo deriva da forma

de imperialismo conhecida como globalização, com seus efeitos desintegradores sobre as

sociedades que se colocam em seu caminho. Ainda, essas forças subjacentes são

essencialmente diferentes aspectos do mesmo movimento, devendo ser identificadas como

a dinâmica central que move o todo: a expansão do sistema capitalista mundial.

Rejeitamos todo tipo de eufemismos ou propaganda que suavizem a brutalidade do sistema:

todo mascaramento de seus custos ecológicos, toda mistificação dos custos humanos sob

os nomes de democracia e direitos humanos. Ao contrário, insistimos em

enxergar o capital a partir daquilo que ele realmente fez.

Agindo sobre a natureza e seu equilíbrio ecológico, o sistema, com seu imperativo de

expansão constante da lucratividade, expõe ecossistemas a poluentes desestabilizadores,

fragmenta habitats que evoluíram milhões de anos de modo a permitir o surgimento de

organismos, dilapida recursos, e reduz a vitalidade sensual da natureza às frias trocas

necessárias à acumulação de capital.

Do lado da humanidade, com suas exigências de autodeterminação, comunidade e

existência plena de sentido, o capital reduz a maioria das pessoas do mundo a

mero reservatório de mão-de-obra, ao mesmo tempo em que descarta os considerados

inúteis. O capital invadiu e minou a integridade das comunidades por meio de uma cultura

de massas global de consumismo e despolitização. Ele expandiu as disparidades de riqueza

e de poder em níveis sem precedentes na história. Trabalhou lado a lado com uma rede de

Estados corruptos e subservientes, cujas elites locais, poupando o centro, executam o

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trabalho de repressão. O capital também colocou em funcionamento, sob a supervisão das

potências ocidentais e da superpotência norte-americana, uma rede de organizações trans-

estatais destinada a minar a autonomia da periferia, atando-a às suas dívidas enquanto

mantém um enorme aparato militar que força a obediência ao centro capitalista.

Nós entendemos que o atual sistema capitalista não pode regular, muito menos superar, as

crises que deflagrou. Ele não pode resolver a crise ecológica porque fazê-lo implica em

colocar limites ao processo de acumulação uma opção inaceitável para um sistema baseado

na regra “cresça ou morra!”. Tampouco ele pode resolver a crise posta pelo terror ou outras

formas de rebelião violenta, porque fazê-lo significaria abandonar a lógica do império,

impondo limites inaceitáveis ao crescimento e ao “estilo de vida” sustentado pelo império.

Sua única opção é recorrer à força bruta, incrementando a alienação e semeando mais

terrorismo e contra-terrorismo, gerando assim uma nova variante de fascismo.

Em suma, o sistema capitalista mundial está historicamente falido. Tornou-se um império

incapaz de se adaptar, cujo gigantismo expõe sua fraqueza subjacente. O sistema

capitalista mundial é, na linguagem da ecologia, profundamente insustentável e, para que

haja futuro, deve ser fundamentalmente transformado ou substituído.

É dessa forma que retornamos à dura escolha apresentada por Rosa Luxemburgo:

“Socialismo ou Barbárie!”, em que a face da última está impressa neste século que se inicia

na forma de eco-catástrofe, terror e contra-terror e sua degeneração fascista.

Mas por que socialismo, por que reviver esta palavra aparentemente consignada ao lixo da

história pelos equívocos de suas interpretações no século XX? Por uma única razão:

embora castigada e não realizada, a noção de socialismo ainda permanece atual para a

superação do capital. Se o capital deve ser superado, uma tarefa dada como urgente

considerando a própria sobrevivência da civilização, o resultado será necessariamente

“socialista”, pois esse é o termo que designa a passagem a uma sociedade pós-capitalista.

Se dizemos que o capital é radicalmente insustentável e se degenera em barbárie,

delineada acima, então estamos também dizendo que precisamos construir um “socialismo”

capaz de superar as crises que o capital iniciou. E se os “socialismos” do passado falharam

nisso, é nosso dever, se escolhemos um fim outro que não a barbárie, lutar por um

socialismo que triunfe. Da mesma forma que a barbárie mudou desde os tempos em que

Rosa Luxemburgo enunciou sua profética alternativa, também o nome e a realidade do

“socialismo” devem ser adequados aos tempos atuais.

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É por essas razões que escolhemos nomear nossa interpretação de “socialismo” como um

ecossocialismo, e nos dedicar à sua realização.

Por que Ecossocialismo?

Entendemos o ecossocialismo não como negação, mas como realização dos socialismos da

“primeira época” do século vinte, no contexto

da crise ecológica. Como seus antecessores, o ecossocialismo se baseia na visão de que

capital é trabalho passado reificado, e se fortalece a partir do livre desenvolvimento de todos

os produtores, ou em outras palavras, a partir da não separação entre produtores e meios

de produção. Entendemos que essa meta não teve sua implementação possível

no socialismo da “primeira época”. As razões dessa impossibilidade são demasiadamente

complexas para serem aqui rapidamente abordadas, cabendo, entretanto, mencionar os

diversos efeitos do subdesenvolvimento no contexto de hostilidade por parte das

potências capitalistas. Essa conjuntura teve efeitos nefastos sobre os

socialismos existentes, principalmente no que ser refere à negação da democracia interna

associada à apologia do produtivismo capitalista, o que conduziu ao colapso dessas

sociedades e à ruína de seus ambientes naturais.

O ecossocialismo retém os objetivos emancipatórios do socialismo da “primeira época”, ao

mesmo tempo em que rejeita tanto os objetivos reformistas da social-democracia quanto às

estruturas produtivistas das variações burocráticas do socialismo. O ecossocialismo insiste

em redefinir a trajetória e objetivo da produção socialista em um contexto ecológico. Ele o

faz especificamente em relação aos “limites ao crescimento”, essencial para a

sustentabilidade da sociedade. Isso sem, no entanto, impor escassez, sofrimento ou

repressão à sociedade. O objetivo é a transformação das necessidades, uma profunda

mudança de dimensão qualitativa, não quantitativa. Do ponto de vista da produção de

mercadorias, isso se traduz em uma valorização dos valores de uso em detrimento

dos valores de troca um projeto de relevância de longo prazo baseado na atividade

econômica imediata.

A generalização da produção ecológica sob condições socialistas pode fornecer a base para

superação das crises atuais. Uma sociedade de produtores livremente associados não

cessa sua própria democratização.

Ela deve insistir em libertar todos os seres humanos como seu objetivo e fundamento. Ela

supera assim o impulso imperialista subjetiva e objetivamente. Ao realizar tal objetivo, essa

sociedade luta para superar todas as formas de dominação, incluindo, especialmente,

aquelas de gênero e raça. Ela supera as condições que conduzem a

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distorções fundamentalistas e suas manifestações terroristas. Em síntese, essa

sociedade se coloca em harmonia ecológica com a natureza em um grau impensável sob as

condições atuais. Um resultado prático dessas tendências poderia se expressar, por

exemplo, no desaparecimento da dependência de combustíveis fósseis característica do

capitalismo industrial , que, por sua vez, poderia fornecer a base material para o resgate das

terras subjugadas pelo imperialismo do petróleo, ao mesmo tempo em que possibilitaria a

contenção do aquecimento global e de outras aflições da crise ecológica.

Ninguém pode ler estas recomendações sem pensar primeiro em quantas questões práticas

e teóricas elas suscitam e, segundo e mais desesperançosamente, em quão remotas elas

são em relação à atual configuração do mundo, tanto no que se refere ao que está baseado

nas instituições quanto no que está registrado nas consciências. Não precisamos elaborar

estes pontos, os quais deveriam ser instantaneamente reconhecidos por todos.

Mas insistimos que eles devem ser tomados na perspectiva adequada. Nosso projeto não é

nem detalhar cada passo deste caminho nem se render ao adversário devido à

preponderância do poder que ostenta. Nosso projeto consiste em desenvolver a lógica de

uma suficiente e necessária transformação da atual ordem e começar a dar os passos

intermediários em direção a esse objetivo. O fazemos para pensar mais profundamente

nessas possibilidades e, ao mesmo tempo, iniciar o trabalho de reunir aqueles de idéias

semelhantes. Se existe algum mérito nesses argumentos, então ele precisa servir para que

práticas e visões semelhantes germinem de maneira coordenada em diversos pontos do

globo. O ecossocialismo será universal e internacional, ou não será. As crises de nosso

tempo podem e devem ser vistas como oportunidades revolucionárias, e como tal temos o

dever de afirmá-las e concretizá-las.

Disponível em: http://pdf.ecodebate.com.br/ecossocialismo.pdf

A versão original está disponível em: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article2278

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Anexo 3: Declaração de Belém (2013)

Declaração Ecossocialista de Belém (2º Manifesto Ecossocialista). Comitê de Redação:

Michael Lowy e Joel Kovel e Ian Angus (janeiro 2009).

"El mundo tiene fiebre por el cambio climático y la enfermedad se llama modelo de

desarrollo capitalista"

Evo Morales, presidente da Bolívia, Setembro 2007

A Escolha da Humanidade

A humanidade enfrenta hoje uma escolha extrema: ecossocialismo ou barbárie.

Não precisamos de mais provas da natureza bárbara do capital, este sistema parasita que

explora a humanidade e a natureza. Seu único motor é o imperativo rumo ao lucro e logo a

necessidade de crescimento constante. Ele cria produtos desnecessários de maneira

dispendiosa, drenando os limitados recursos naturais e dando em retorno toxinas e poluição.

Sob o capitalismo, a única medida de crescimento é quanto é vendido cada dia, cada

semana, cada ano – incluindo vastas quantidades de produtos que são diretamente

prejudiciais aos seres humanos e à natureza, produtos que não podem ser produzidos sem

espalhar doenças, destruir as florestas que produzem o oxigênio que nós respiramos,

devastar ecossistemas, e tratar nossa água e ar como se fossem esgotos do lixo industrial.

A ânsia do capitalismo pelo crescimento existe em todos os níveis, desde a empresa

individual até o sistema como um todo. A fome insaciável das corporações é facilitada pela

expansão imperialista na busca para ter cada vez mais acessos aos recursos naturais, mão-

de-obra barata e novos mercados. O capitalismo sempre foi ecologicamente destrutivo, mas

em nossa atual existência estas agressões à foram se acelerando. Uma mudança

quantitativa está dando lugar à transformação qualitativa, levando o mundo a um ponto

limite, à beira do desastre. Um time crescente de pesquisadores científicos tem identificado

muitas maneiras nas quais pequenos aumentos na temperatura poderiam desencadear

efeitos incontroláveis – tais como o derretimento rápido da camada de gelo da Groelândia

ou a liberação do gás metano enterrada no gelo e no fundo do oceano – que tornaria

inevitável uma catastrófica mudança do clima.

Sem controle, o aquecimento global terá impactos catastróficos nas vidas humana, animal e

vegetal. A produção das colheitas se reduzirão drasticamente, gerando fome em larga

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escala. Centenas de milhões de pessoas serão deslocadas por secas em algumas áreas e

por níveis elevados das marés em outras. Um clima caótico e imprevisível será a regra.

Epidemias de malária, de cólera e mesmo de doenças mais mortais aniquilarão os mais

pobres e os mais vulneráveis de cada sociedade.

O impacto da crise ecológica é mais devastador naqueles cujas vidas já foram ou vêm

sendo destruídas pelo imperialismo inúmeras vezes na Ásia, África e América Latina, e os

povos indígenas de todas as partes são especialmente vulneráveis. A destruição ambiental

e as mudanças do clima constituem um ato de agressão dos ricos sobre os pobres.

A destruição ecológica, resultante da ânsia insaciável pelo lucro, não é uma característica

acidental do capitalismo: está no DNA do sistema e não pode ser reprogramada. A produção

orientada ao lucro considera somente um horizonte a curto prazo em suas decisões de

investimento, e não consegue levar em consideração a saúde e a estabilidade a longo prazo

do meio ambiente. A expansão econômica infinita é incompatível com ecossistemas finitos e

frágeis, mas o sistema econômico capitalista não pode tolerar limites ao crescimento; sua

necessidade constante de expansão subverte todos os limites que possam se impor em

nome do "desenvolvimento sustentável." Assim o sistema capitalista inerentemente instável

não pode regular sua própria atividade, muito menos superar as crises causadas por seu

crescimento caótico e parasítico, porque fazê-lo exigiria colocar limites em sua acumulação

– uma opção inaceitável para um sistema predicado na regra: Crescer ou Morrer.

Se o capitalismo continuar a ser a ordem social dominante, o melhor que podemos esperar

são condições climáticas insuportáveis, a intensificação das crises sociais e a propagação

das formas mais bárbaras de poder, como a luta dos poderes imperialistas entre si e com o

Sul global para controlarem os cada vez mais escassos recursos naturais no mundo.

No pior dos casos, a vida humana pode não sobreviver.

Estratégias Capitalistas para Mudança

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Não faltam estratégias para lidar com a ruína ecológica, incluindo a crise do aquecimento

global em conseqüência do aumento imprudente do dióxido de carbono atmosférico. A

grande maioria destas estratégias compartilha uma característica comum: são planejados

por e agem em nome do sistema global dominante, o capitalismo.

Não é surpreendente que o sistema global dominante que é responsável pela crise

ecológica também estabelece os termos do debate sobre esta crise, uma vez que o capital

comanda os meios de produção do conhecimento, tanto quanto aquele do dióxido de

carbono atmosférico. Conformemente, seus políticos, burocratas, economistas e professores

proferem uma gama infinita das propostas, todas variações do tema que o dano ecológico

do mundo pode ser reparado sem o desbaratamento dos mecanismos do mercado e do

sistema de acumulação que comanda a economia mundial.

Mas uma pessoa não pode servir a dois mestres, ou seja, neste caso, a integridade da terra

e a rentabilidade do capitalismo. Um deve ser descartado, e a história deixa poucas dúvidas

sobre as alianças da vasta maioria dos atores políticos. Temos toda a razão, portanto, de

duvidar radicalmente das ações estabelecidas para medir a escalada da catástrofe

ecológica.

E certamente, além de um verniz cosmético, as reformas dos últimos 35 anos foram uma

falha monstruosa. Melhorias individuais acontecem naturalmente, contudo elas são

inevitavelmente oprimidas e varridas pela expansão impiedosa do sistema e da natureza

caótica de sua produção.

Um exemplo demonstra este fracasso: nos primeiros quatro anos do século XXI, as

emissões globais anuais de carbono eram quase três vezes maiores daquelas da década

dos 1990s, apesar do surgimento do Protocolo de Kyoto em 1997.

Kyoto emprega dois mecanismos: o do Sistema "Cap and Trade" , que fixa um limite máximo

de emissões e cria um mercado de livre troca de títulos de direito de emissão de carbono, e

projetos no Sul global — os chamados "Mecanismos de Desenvolvimento Limpo" (MDLs) —

para compensar as emissões das nações industriais. Todos estes instrumentos dependem

dos mecanismos de mercado, o que significa, primeiramente, que o carbono atmosférico se

transforma diretamente em uma commodity, logo sob o controle dos mesmos interesses das

classes que criaram o aquecimento global em primeiro lugar. Os poluidores não são

compelidos a reduzir suas emissões do carbono mas na verdade têm carta branca para usar

seu poder monetário para controlar o mercado de carbono para seus próprios fins, o que

inclui a exploração devastadora para mais carbono. Tampouco há um limite à quantidade de

créditos da emissão, que podem ser emitidos por governos coniventes.

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Dado que a verificação e a avaliação dos resultados é quase impossível, o regime de Kyoto

não só é incapaz incapaz de um controle das emissões, mas dá margem também a amplas

oportunidades de evasão e fraudes de todos os tipos. Como o jornal Wall Street Journal

escreveu em março de 2007, o comércio de emissões "daria lucro para algumas grandes

corporações, mas não acredite por um minuto sequer que esta trapaça fará muito pelo

aquecimento global."

As reuniões de Bali em 2007 abriram precedentes para futuros abusos ainda maiores. Bali

evitou a menção explícita dos objetivos drásticos para a redução do carbono elaborada

pelos melhores cientistas dos clima (90% até 2050); abandonou os povos do Sul global à

mercê do capital, ao dar a jurisdição do processo ao Banco Mundial; e deixou ainda mais

fácil a compensação da poluição do carbono.

Para afirmar e garantir o futuro da humanidade, uma transformação revolucionária é

necessária, na qual todos os esforços particulares devem ser vistos na luz de uma luta

maior contra o próprio capital. Esta luta maior não pode ser meramente negativa e anti-

capitalista. Ela deve anunciar um tipo diferente de sociedade, e isto é ecossocialismo.

A Alternativa Ecossocialista

O movimento ecossocialista visa parar e inverter o processo desastroso de aquecimento

global em particular e do ecocídio capitalista em geral, e construir uma alternativa prática e

radical ao sistema capitalista. O Ecossocialismo situa-se em uma economia transformada

fundada nos valores não-monetários de justiça social e de equilíbrio ecológico. Ele critica

tanto a "ecologia capitalista mercado" e o socialismo produtivista, que ignoraram o equilíbrio

e limites da terra. Ele redefine o trajeto e o objetivo do socialismo dentro de uma estrutura

ecológica e democrática.

O Ecossocialismo envolve uma transformação social revolucionária, que implique a limitação

do crescimento e a transformação das necessidades por uma mudança profunda dos

critérios econômicos quantitativos para os qualitativos, com ênfase no valor de uso em vez

do valor de troca.

Estes objetivos exigem a tomada de decisão democrática na esfera econômica, permitindo a

sociedade de definir coletivamente seus objetivos do investimento e da produção, e a

coletivização dos meios de produção. Somente a tomada de decisão e a posse coletiva da

produção podem oferecer a perspectiva a longo prazo que é necessária para o equilíbrio e a

sustentabilidade de nossos sistemas sociais e naturais.

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Além da grande escala de intervenções valiosas propostas pelo "movimento dos

movimentos," uma perspectiva singular e central está começando a ser discutida: que, para

afirmar e sustentar nosso futuro da humanidade,

As tentativas capitalistas de resolver a crise ecológica falharam: somente uma mudança

profunda na própria natureza da civilização pode salvar a humanidade das conseqüências

catastróficas da mudança do clima.

A rejeição do produtivismo e a mudança dos critérios econômicos quantitativos para os

qualitativos envolve um repensar da natureza e dos objetivos da produção e da atividade

econômica em geral. As atividades humanas criativas, não-produtivas e reprodutivas

essenciais, tais como tomar conta da casa, cuidado e educação das crianças e adultos, as

artes, todos serão valores chaves em uma economia ecossocialista.

O ar puro e a água e o solo fértil, assim como o acesso universal a alimentos sem

agrotóxicos e às fontes de energia renováveis, não-poluidoras, são direitos naturais e

básicos do ser humano básico defendidos pelo ecossocialismo. Longe de ser "despótico," a

tomada de decisões coletiva nos níveis locais, regionais, nacionais e internacionais ocasiona

o exercício da sociedade de liberdade e responsabilidade comuns. Esta liberdade de

decisão constitui uma libertação das "leis" econômicas alienantes do sistema capitalista

orientadas ao crescimento.

Para evitar o aquecimento global e outros perigos que ameaçam a sobrevivência humana e

ecológica, setores inteiros da indústria e a agricultura devem ser suprimidos, reduzidos ou

reestruturados e outros devem ser desenvolvidos, fornecendo emprego para todos. Uma

transformação tão radical é impossível sem o controle coletivo dos meios de produção e o

planejamento democrático da produção e da troca. As decisões democráticas sobre o

investimento e o desenvolvimento tecnológico devem substituir o controle das empresas

capitalistas, acionistas e bancos, a fim de proporcionar um horizonte a longo prazo dos bens

comuns da sociedade e da natureza.

Os elementos mais oprimidos da sociedade humana, os povos pobres e os indígenas,

devem ter um papel central na revolução ecossocialista, a fim de revitalizar as tradições

ecológicas sustentáveis e dar voz àqueles que o sistema capitalista não pode ouvir. Dado

que os povos do sul global e os pobres são geralmente as primeiras vítimas da destruição

capitalista, suas lutas e demandas ajudarão a definir os contornos da sociedade ecológica e

sustentável economicamente a ser criada. Similarmente, a igualdade de gênero é integral ao

ecossocialismo, e os movimentos de mulheres têm estado entre os grupos oponentes mais

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ativos da opressão capitalista. Outros agentes potenciais da mudança revolucionária do

ecossocialismo existem em todas as sociedades.

Tal processo não pode começar sem uma transformação revolucionária das estruturas

sociais e políticas baseadas no apoio ativo, pela maioria da população, de um programa do

ecossocialista. A luta do trabalho – trabalhadores, fazendeiros, os sem-terra e

desempregados – pela justiça social é inseparável da luta pela justiça ambiental. O

capitalismo, explorador social e ecológico e poluidor, é o inimigo da natureza e do trabalho

em igual medida.

O Ecossocialismo propõe transformações radicais:

1. no sistema energético, substituindo os combustíveis fósseis e biocombustíveis por fontes

limpas energéticas com controle social: eólica, geotérmica, marítima, e, principalmente,

solar; 2. no sistema de transporte, reduzindo drasticamente o uso de caminhões e de carros

particulares, substituindo-os por transporte público grátis e eficiente; 3. nos padrões atuais

de produção, consumo e construção, que são baseados no lixo, na obsolescência inata, na

competição e poluição, e produzir no lugar bens sustentáveis e recicláveis, e adotar a

arquitetura verde sustentável; 4. na produção e distribuição de alimentos, ao defender a

soberania alimentar local o máximo possível, eliminando o agronegócio industrial poluidor,

criando agro-ecossistemas sustentáveis e trabalhando ativamente para renovar a fertilidade

do solo.

Para teorizar e trabalhar para concretizar o objetivo de um socialismo verde não significa

que não devemos lutar por reformas concretas e urgentes agora. Sem nenhuma ilusão

acerca de um "capitalismo limpo," devemos tentar ganhar tempo e impor nos poderes – quer

sejam governos, corporações, instituições internacionais – algumas mudanças elementares

mas essenciais:

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* redução drástica e obrigatória da emissão de gases estufa; * desenvolvimento de fontes

limpas de energia; * provisão de um sistema extenso de transporte público grátis; *

substituição progressiva de caminhões por trens; * criação de programas de despoluição; *

eliminação da energia nuclear e do orçamento bélico.

Estas, além de demandas similares, estão no coração da agenda do movimento pela Justiça

Global e dos Fóruns Sociais Mundiais, que tem promovido, desde Seattle em 1999, a

convergência de movimentos sociais e ambientais numa luta comum contra o sistema

capitalista.

A devastação ecológica não será paralisada nas salas de conferências ou nas negociações

de tratados: somente a ação de massa pode fazer a diferença. Os trabalhadores urbanos e

rurais, os povos do Sul global e os povos indígenas de todo o mundo estão na vanguarda

desta luta contra injustiça social e ambiental, combatendo as multinacionais exploradoras e

poluidoras, o agronegócio químico venenoso e desregulado, as invasivas sementes

geneticamente modificadas, e os biocombustíveis que agravam a crise alimentar. Nós

devemos intensificar estes movimentos socio-ambientais e construir a solidariedade entre as

mobilizações ecológicas anti-capitalistas no Norte e no Sul.

Esta Declaração Ecossocialista é uma chamada à ação. As elites governantes encasteladas

são poderosas, mas o sistema capitalista se revela diariamente cada vez mais falido

financeira e ideologicamente, incapaz de superar as crises econômicas, ecológicas, sociais,

alimentares e as outras crises que ele gera. E as forças da oposição radical estão vivas e

são vitais. Em todos os níveis, local, regional e internacional, nós estamos lutando para criar

um sistema alternativo baseado na justiça social e ecológica.

Nós abaixo assinados, endossamos a análise e as perspectivas políticas esboçadas na

Declaração Ecossocialista de Belém, e apoiamos o estabelecimento e a construção de uma

Rede Ecossocialista Internacional.

Tradução: Beatriz Leandro

Fonte http://ecosocialistnetwork.org/Wordpress/wp-content/uploads/2012/03/Declaration-

Belem-pt.pdf/

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Anexo 4: Declaração de Princípios e objetivos da Rede Brasil de Ecossocialistas

Não existe futuro para qualquer pensamento político que não seja ecologicamente

sustentável. A crise ecológica é um fenômeno Global, que deve ser tratado local e

mundialmente com a mesma intensidade. Em sua ofensiva, para transformar tudo em

propriedade e mercadoria, o capital patenteia a vida, apropria-se da biodiversidade, quer

impor os produtos transgênicos, privatizar, mercantilizar e controlar as reservas florestais e a

água. Entender que a lógica da produção e consumo capitalistas funciona como se ela

mesma fosse o seu próprio objetivo não basta, temos que transpor a barreira do

entendimento ortodoxo, objetivado puramente nos termos das antigas vitórias da classe

operária e seu partido, e reconhecer que a pauta ecológica impõe uma nova identificação de

atores da cena social e na composição do bloco de forças em torno da aliança operário-

camponesa.

A rede de ecossocialistas é formada por mulheres e homens que acreditam que o ambiente

não pertence a indivíduos, grupos ou empresas, nem mesmo a uma só espécie.

Que lutam para que cada ser humano existente no planeta tenha os mesmos direitos a

dispor dos elementos ambientais e sociais que necessita e que, quando estes forem

limitados, ou mesmo insuficientes, a divisão deve ser justa e planejada. Nunca definida por

guerras, competição ou outras formas de disputa.

Que compreendem que a humanidade deve limitar e adequar as suas atividades produtivas,

respeitando os outros seres e processos de manutenção da vida no Planeta.

Homens e mulheres que acreditam que o ecossocialismo é a realização do socialismo, livre

dos equívocos burocratizantes e centralizadores do chamado socialismo real, e atualizado

ao contexto da crise ecológica.

Lutamos por uma sociedade sem a exploração de pessoas sobre pessoas, onde o trabalho

vise a libertação e não alienação humana. Uma sociedade movida por energia de fontes

renováveis, onde a produção reaproveite totalmente os materiais utilizados, sem gerar

resíduos.

Lutamos por um Planeta onde o eterno ciclo natural de extinção e renovação de espécies,

mantenha-se determinado por ritmos naturais e não mais dentro do ritmo avassalador dos

dias de hoje, em que muitas espécies sucumbem com enorme rapidez, por causa das ações

da humanidade, que fica cada vez mais sozinha na superfície da terra. Um planeta habitado

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por espécies originadas nos processos naturais de criação e mutação naturais, onde se

insere a humanidade;

Uma sociedade onde todos tem direito básico ao seu território, a um espaço para viver as

superfície da terra e o espaço ambiental não é objeto de especulação imobiliária ou

instrumento de Dominação e exclusão. Onde a terra fica para quem nela trabalha e vive, no

campo e na cidade. E falamos de cidades sustentáveis.

Onde as pessoas tem consciência de que toda a produção utiliza elementos ambientais,

conhecimentos e estruturas sociais. E que, portanto, parte de produção é de propriedade

social e toda pessoa tem direito de acesso aos resultados da produção social, que lhe

permita viver em condições dignas.

Uma sociedade que não aceite riscos sócio-ambientais. Que entenda que a inexistência de

provas para demonstrar que uma tecnologia é perigosa não basta para a sua aceitação, pois

quando surge uma inovação, normalmente ainda não se tem conhecimento dos riscos. Ao

contrário, é preciso que a tecnologia prove ser segura e constituir-se em instrumento de

melhoria sócio-ambiental da sociedade, em relação ao existente.

Lutamos por um tempo onde a diversidade social é fruto da livre determinação de pessoas e

povos. As diferenças culturais, étnicas, de raça, de gênero e de opção sexual não podem

jamais ser instrumento de negação de igualdade de direitos sociais.

Enfim, a rede de ecossocialistas é formada por pessoas que dedicam suas vidas para

defender a vida, contra a barbárie e pela paz no planeta.

Porto Alegre, III Fórum Social Mundial, 27 de janeiro de 2003.

Cimara Machado

Centro de estudos Ambientais

Contatos:

[email protected]

tel: 53 9112 7807

Disponível em:

http://www.forumsocialmundial.org.br/dinamic.php?pagina=oficina_ecosocialist