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INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA VOLUMES 1 E 2 José Luiz Fiorin(org.) Introdução à Lingüística I.Objetos teóricos I. Lingüística. 2. Lingüística - Estudo e ensino. I. Fiorin, José Luiz. I. Lingüística, Introdução 2003 Sumário Prefácio 7 José Luiz Fiorin Linguagem, língua, Lingüística 11 Margarida Petter A comunicação humana 25 Diana Pessoa de Barros Teoria dos signos 55 José Luiz Fiorin A língua como objeto da Lingüística 75 Antonio Vicente Pietroforte A competência Lingüística 95 Esmeralda Negrão Ana Scher Evani Viotti A variação Lingüística 121 Ronald Betine A mudança Lingüística 141 Paulo Chagas A linguagem em uso 165 José Luiz Fiorin A abordagem do texto 187 Luiz TatÍf A aquisição da linguagem 211 Raquel Santos 1

Introdução à Lingüística ·  · 2017-09-17“ O mistério da idéia incorporada à matéria fônica, ... que vão além do prescritivismo que hoje invade os ... Deus criou o

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  • INTRODUO LINGSTICA VOLUMES 1 E 2

    Jos Luiz Fiorin(org.)Introduo Lingstica I.Objetos tericosI. Lingstica. 2. Lingstica - Estudo e ensino. I. Fiorin, Jos Luiz.I. Lingstica, Introduo 2003

    Sumrio

    Prefcio 7 Jos Luiz Fiorin

    Linguagem, lngua, Lingstica 11 Margarida Petter

    A comunicao humana 25 Diana Pessoa de Barros Teoria dos signos 55 Jos Luiz Fiorin

    A lngua como objeto da Lingstica 75 Antonio Vicente Pietroforte

    A competncia Lingstica 95 Esmeralda Negro

    Ana Scher

    Evani ViottiA variao Lingstica 121 Ronald Betine

    A mudana Lingstica 141 Paulo Chagas

    A linguagem em uso 165 Jos Luiz Fiorin

    A abordagem do texto 187 Luiz Tatf

    A aquisio da linguagem 211 Raquel Santos

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  • Prefcio

    Jos Luiz Fiorin

    O mistrio da idia incorporada matria fnica, o mistrio da palavra, do smbolo lingstico, do Logos, um mistrio que pede para ser elucidado.

    Roman JakobsonMinha ptria minha lngua. Fernando Pessoa

    Um curso de Letras o lugar onde se aprende a refletir sobre os fatos lingsticos e literrios, analisando-os, descrevendo-os e explicando-os. A anlise, a descrio e a explicao do fato lingstico e literrio no podem ser feitas de maneira emprica, mas devem pressupor reflexo crtica bem fundamentada teoricamente. Por isso, um curso de Letras tem dois mdulos, que se delinearam claramente, ao longo da histria da constituio dos estudos da linguagem: a) um tem por objeto o estudo dos mecanismos da linguagem humana por meio do exame das diferentes lnguas faladas pelo homem; e b) o outro tem por finalidade a compreenso do fato lingstico singular que a literatura. Embora claramente distintos, esses dois mdulos mantm relaes muito estreitas. De um lado, um literato no pode voltar as costas para os estudos lingsticos, porque a literatura um fato de linguagem; de outro, no pode o lingista ignorar a literatura, porque ela a arte que se expressa pela palavra; ela que trabalha a lngua em todas as suas possibilidades e nela condensam-se as maneiras de ver, de pensar e de sentir de uma dada formao social numa determinada poca. J lembrava o grande lingista Roman Jakobson em texto antolgico:Esta minha tentativa de reivindicar para a Lingstica o direito e o dever de empreender a investigao da arte verbal em toda a sua amplitude e em todos os seus aspectos conclui com a mesma mxima que resumia meu informe conferncia que se realizou em 1953 aqui na Universidade de Indiana: Lingllista Sllm; lillgllistici Ililiil a me aliellllllllJlIIO. Se o poeta Ranson estiver certo (e o est) em dizer que "a poesia uma espcie de linguagem", o lingista, cujo campo abrange qualquer espcie de linguagem, pode e deve incluir a poesia no mbito de

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  • seus estudos. A presente conferncia demonstrou que o tempo em que os lingistas, tanto quanto os historiadores literrios, eludiam as questes referentes estrutura potica ficou, felizmente, para trs. Em verdade, conforme escreveu Hollander, "parece no haver razo para a tentativa de apartar os problemas literrios da Lingstica geral". Se existem alguns crticos que ainda duvidam da competncia da Lingstica para abarcar o campo da Potica tenho para mim que a incompetncia potica de alguns lingistas intolerantes tenha sido tomada por uma incapacidade da prpria cincia Lingstica. Todos ns que aqui estamos, todavia, compreendemos definitivamente que um lingista surdo funo potica da linguagem e um especialista de literatura indiferente aos problemas lingsticos so, um e outro, flagrantes anacronismos.(LillgstiCtl e collllll1iCtl'{/o. So Paulo, Cultrix/Edusp, 1969, p. 161-2)

    8Introduo LingsticaOs dois mdulos mencionados centram-se em duas disciplinas que, num currculo orgnico, tm a finalidade de fornecer o arcabouo terico para o estudo das diferentes lnguas e literaturas: a Lingstica e a Teoria da Literatura. Assim, o primeiro mdulo or-ganizar-se-la com Lingstica e as lnguas. O segundo mdulo conteria Teoria Literria e as literaturas.Um currculo a seleo de uma srie de contedos com vistas a alcanar determinados objetivos. Evidentemente, num curso de Introduo Lingstica, no se pode estudar tudo. O que se deve escolher? Pensamos que um iniciante na Lingstica precisa saber o que a cincia da linguagem, saber que h outras formas de estudar as lnguas, que vo alm do prescritivismo que hoje invade os meios de comunicao, saber que a Lingstica pretende descrever e explicar os fenmenos lingsticos; conhecer como se processa a comunicao humana; perceber que as lnguas no so nomenclaturas, mas formas de categorizar o mundo; conhecer os cinco principais objetos tericos criados pela cincia da linguagem nos sculos XIX e XX: a langue, a competncia, a variao, a mudana e o uso; aprender os rudimentos da anlise Lingstica, em seus diferentes nveis, o fontico, o fonolgico, o morfolgico, o sinttico, o semntico, o pragmtico e o discursivo. Em suma, o que se pretende num curso de Introduo Lingstica

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  • que o aluno se aproprie de conceitos, para que possa operar, de maneira cientfica, com os fatos da lngua. O que se deseja que ele v alm do senso comum na observao dos fenmenos lingsticos e comece a ter uma posio investigativa diante da linguagem humana.Esta obra foi dividida em dois tomos. No primeiro tomo, o primeiro captulo trata da linguagem humana e das lnguas, para mostrar que a atitude do lingista diante do fenmeno lingstico no prescritiva, mas descritiva e explicativa. No segundo captulo, discute-se o problema da comunicao humana. No terceiro, estuda-se a teoria dos signos, para mostrar que a linguagem uma forma de interpretar o mundo. Os seis captulos seguintes expem, respectivamente, os cinco grandes objetos tericos da Lingstica: a Langue, a competncia, a variao, a mudana e o uso. A este ltimo objeto dedicaram-se dois captulos, pois se abordou o uso em suas duas grandes vertentes: a pragmtica e a discursiva. Finalmente, h um captulo reservado ao problema da aquisio da linguagem. Em cada um desses captulos, discutem-se os principais conceitos referentes ao estUdo do objeto terico que est sendo enfocado. Evidentemente, nem todas as teorias que tratam de um dado tema foram contempladas. Por exemplo, na abordagem discursiva, escolheu-se a Semitica francesa. Poder-seiam escolher outras teorias, como a Anlise do Discurso de linha francesa ou a Anlise Crtica do Discurso. Por outro lado, no se pode esquecer de que este um livro introdutrio e de que, portanto, os conceitos tm que ser tratados num nvel acessvel ao aluno. Por essa razo, alguns conceitos foram selecionados e no outros e, ao mesmo tempo, eles no foram tratados em toda a sua complexidade. Muitas vezes, deixam-se de lado as crticas feitas, ao longo da histria da Lingstica, a determinadas concepes, pois o curso de Introduo quer, antes de mais nada, que o aluno adquira uma viso de conjunto dos modos como a cincia da linguagem trata o fenmeno lingstico.No segundo tomo, os alunos so introduzidos nos princpios da anlise Lingstica. H, ento, captulos dedicados, respectivamente, fontica, fonologia, morfologia, sintaxe, semntica, pragmtica e ao discurso. Evidentemente, no se trata de cursos completos de cada um desses campos. Por exemplo, o captulo consagrado anlise fonolgica no um curso completo de fonologia, com a discusso das ltimas aquisies da teoria fonolgica. Nele, expe-se um pequeno conjunto de conceitos e mostra-se como o aluno opera com eles. Em seguida, h

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  • um certo nmero de exerccios de anlise. Isso se repete em todos os captulos. Como se disse, o que se quer que o aluno tenha uma posio investigativa diante dos fatos da linguagem. Com esta obra, pretendemos, antes de mais nada, encantar os estudantes de Letras para a cincia Lingstica, mostrando-lhes, como disse Confcio, nos Analetos, que, sem conhecer a linguagem, no h como conhecer o homem. Ao mesmo tempo, pretendemos indicar-lhes que, sem conhecer a Lingstica, no h como conhecer a linguagem, no h como decifrar seus mistrios, no h como revelar sua epifania. O objetivo de noss o trabalho que o aluno, ao final do curso, tenha desejo e meios de conhecer mais a respeito da linguagem humana.

    Linguagem, lngua, LingsticaMargarida Petter

    Uma das grandes escolas de iniciao da savana sudanesa, o Komo, diz que a Palavra (kuma) era um atributo reservado a Deus, que por ela criava as coisas: "o que Maa Ngala (Deus) diz ".

    No comeo, s havia um vazio vivo, vivendo da vida do Ser. Um que se chama a si mesmo Maa Ngala. Ento ele criou Fan, o ovo primordial, que nos seus nove compartimentos alojava nove estados fundamentais da existncia. Quando esse ovo abriu, as criaturas que da saram eram mudas.

    Ento para se dar um interlocutor, Maa Ngala tirou uma parcela de cada uma das criaturas, misturou-as e por um sopro de fogo que emanava dele mesmo, constituiu um ser parte: o homem, ao qual deu uma parte de seu prprio nome, Maa (homem).

    Hampt BNo princpio, Deus criou o cu e a terra. A terra, porm, estava informe e vazia, e as trevas cobriam a face do abismo, e o Esprito de Deus movia-se sobre as guas.E Deus disse: Exista a luz. E a luz existiu. E Deus viu que a luz era boa; e separou a luz das trevas. E chamou luz dia, e s trevas noite. E fez-se tarde e manh, (e foi)

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  • o primeiro dia.Gnesis, I, 1-5

    notvel a semelhana observada nas explicaes em epgrafe sobre a origem do mundo: embora formuladas em pocas remotas por sociedades bem diversas, associam a palavra - a linguagem verbal - ao poder mgico de criar. O fascnio que a linguagem sempre exerceu sobre o homem vem desse poder que permite no s nomear/criar/transformar o universo real, mas tambm possibilita trocar experincias, falar sobre o que existiu, poder vir a existir, e at mesmo imaginar o que no precisa nem pode existir. A linguagem verbal , ento, a matria do pensamento e o veculo da comunicao social. Assim como no h sociedade sem linguagem, no h sociedade sem comunicao. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade material que se relaciona com o que lhe exterior, com o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material- organizao de sons, palavras, frases - a linguagem relativamente autnoma; como expresso de emoes, idias, propsitos, no entanto, ela orientada pela viso de mundo, pelas injunes da realidade social, histrica e cultural de seu falante.A complexidade do fenmeno Lingstica vem h muito desafiando a compreenso dos estudiosos. Retraaremos, inicialmente, a histria dessa busca para entender como o objeto de estudo - linguagem, lngua - foi aos poucos se delineando e assumindo as configuraes que hoje possui nos estudos Lingsticos.

    12Introduo Lingstica

    1. Uma breve histria do estudo da linguagemO interesse pela linguagem muito antigo, expresso por mitos, lendas, cantos, rituais ou por trabalhos eruditos que buscam conhecer essa capacidade humana. Remontam ao sculo IV a.c. os primeiros estudos. Inicialmente, foram razes religiosas que levaram os hindus a estudar sua lngua, para que os textos sagrados reunidos no Veda no sofressem modificaes no momento de ser proferidos. Mais tarde os gramticos hindus, entre os quais Panini (sculo IV a.c.), dedicaram-se a descrever minuciosamente sua lngua, produzindo modelos de anlise que foram

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  • descobertos pelo Ocidente no final do sculo XVIII.Os gregos preocuparam-se, principalmente, em definir as relaes entre o conceito e a palavra que o designa, ou seja, tentavam responder pergunta: haver uma relao necessria entre a palavra e o seu significado? Plato discute muito bem essa questo no Crtilo. Aristteles desenvolveu estudos noutra direo, tentando proceder a uma anlise precisa da estrutura Lingstica, chegou a elaborar uma teoria da frase, a distinguir as partes do discurso e a enumerar as categorias gramaticais.

    Dentre os latinos, destaca-se Varro que, na esteira dos gregos, dedicou-se gramtica, esforando-se por defini-la como cincia e como arte. Na Idade Mdia, os modistas consideraram que a estrutura gramatical das lnguas una e universal, e que, em conseqncia, as regras da gramtica so independentes das lnguas em que se realizam.No sculo XVI, a religiosidade ativada pela Reforma provoca a traduo dos livros sagrados em numerosas lnguas, apesar de manter-se o prestgio do latim como lngua universal. Viajantes, comerciantes e diplomatas trazem de suas experincias no estrangeiro o conhecimento de lnguas at ento desconhecidas. Em 1502 surge o mais antigo dicionrio poliglota, do italiano Ambrosio Calepino.Os sculos XVII e XVIII vo dar continuidade s preocupaes dos antigos. Em 1660, a Grammaire Gnrale et Raisonne de Port Royal, ou Gramtica de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, modelo para grande nmero de gramticas do sculo XVII, demonstra que a linguagem se funda na razo, a imagem do pensamento e que, portanto, os princpios de anlise estabelecidos no se prendem a uma lngua particular, mas servem a toda e qualquer lngua.O conhecimento de um nmero maior de lnguas vai provocar, no sculo XIX, o interesse pelas lnguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares, em detrimento de um raciocnio mais abstrato sobre a linguagem, observado no sculo anterior. nesse perodo que se desenvolve um mtodo histrico, instrumento importante para o florescimento das gramticas comparadas e da Lingstica Histrica. O pensamento lingstico contemporneo, mesmo que em novas bases, formou-se a partir dos princpios metodolgicos elaborados nessa poca, que preconizavam a anlise dos fatos observados. O estudo comparado das lnguas vai evidenciar o fato de que as lnguas se transformam com o tempo, independentemente da vontade dos

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  • homens, seguindo uma necessidade prpria da lngua e manifestando-se de forma regular.Franz Bopp o estudioso que se destaca nessa poca. A publicao, em 1816, de sua obra sobre o sistema de conjugao do snscrito, comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germnico considerada o marco do surgimento da Lingstica Histrica. A descoberta de semelhanas entre essas lnguas e grande parte das lnguas europias vai evidenciar que existe entre elas uma relao de parentesco, que elas constituem, portanto, uma famlia, a indo-europia, cujos membros tm uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se pode chegar por meio do mtodo histrico-comparativo.O grande progresso na investigao do desenvolvimento histrico das lnguas ocorrido no sculo XIX foi acompanhado por uma descoberta fundamental que veio a alterar, modernamente, o prprio objeto de anlise dos estudos sobre a linguagem - lngua literria - at ento. Os estudiosos compreenderam melhor do que seus predecessores que as mudanas observadas nos textos escritos correspondentes aos diversos perodos que levaram, por exemplo, o latim a transformar-se, depois de alguns sculos, em portugus, espanhol, italiano, francs, poderiam ser explicadas por mudanas que teriam acontecido na lngua falada correspondente. A Lingstica moderna, embora tambm se ocupe da expresso escrita, considera a prioridade do estudo da lngua falada como um de seus princpios fundamentais. no incio do sculo XX, com a divulgao dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, professor da Universidade de Genebra, que a investigao sobre a linguagem - a Lingstica - passa a ser reconhecida como estudo cientfico. Em 1916, dois alunos de Saussure, a partir de anotaes de aula, publicam o Curso de Lingstica geral, obra fundadora da nova cincia.

    Antigamente, a Lingstica no era autnoma, submetia-se s exigncias de outros estudos, como a lgica, a filosofia, a retrica, a histria, ou a crtica literria. O sculo xx operou uma mudana central e total dessa atitude, que se expressa no carter cientfico dos novos estudos lingsticos, que estaro centrados na observao dos fatos de linguagem.O mtodo cientfico supe que a observao dos fatos seja anterior ao estabelecimento de uma hiptese e que os fatos observados sejam examinados

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  • sistematicamente mediante experimentao e uma teoria adequada. O trabalho cientfico consiste em observar e descrever os fatos a partir de determinados pressupostos tericos formulados pela Lingstica, ou seja, o lingista aproxima-se dos fatos orientado por um quadro terico especfico. Da ser possvel que para o mesmo fenmeno haja diferentes descries e explicaes, dependendo do referencial terico escolhido pelo pesquisador.Antes de explicitar melhor o que a Lingstica e como ela desenvolve sua pesquisa convm definir seu objeto.

    2. O que a linguagem?

    Est implcito na formulao dessa pergunta o reconhecimento de que as lnguas naturais, notadamente diversas, so manifestaes de algo mais geral, a linguagem. Tal constatao fica mais patente se pensarmos em traduzi-la para o ingls, que possui um nico termo - language - para os dois conceitos - lngua e linguagem. necessrio, ento, que se procure distinguir essas duas noes.O desenvolvimento dos estudos lingsticos levou muitos estudiosos a proporem definies da linguagem, prximas em muitos pontos e diversas na nfase atribuda a diferentes aspectos considerados centrais pelo seu autor. Neste captulo introdutrio sero

    14Introduo Lingsticaapresentadas duas propostas, a de Saussure e a de Chomsky, que pressupem uma teoria geral da linguagem e da anlise Lingstica.Saussure considerou a linguagem "heterclita e multifacetada", pois abrange vrios domnios; ao mesmo tempo fsica, fisiolgica e psquica; pertence ao domnio individual e social; "no se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois no se sabe como inferir sua unidade" (1969: 17). A linguagem envolve uma complexidade e uma diversidade de problemas que suscitam a anlise de outras cincias, como a psicologia, a antropologia etc., alm da investigao Lingstica, no se prestando, portanto, para objeto de estudo dessa cincia. Para esse fim, Saussure separa uma parte do todo linguagem, a lngua - um objeto

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  • unificado e suscetvel de classificao. A lngua uma parte essencial da linguagem; " um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenes necessrias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerccio dessa faculdade nos indivduos" (1969: 17).A lngua para Saussure "um sistema de signos" - um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo. "a parte social da linguagem", exterior ao indivduo; no pode ser modificada pelo falante e obedece s leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade.O conjunto linguagem-lngua contm ainda um outro elemento, conforme Saussure, a fala. A fala um ato individual; resulta das combinaes feitas pelo sujeito falante utilizando o cdigo da lngua; expressa-se pelos mecanismos psicofsicos (atos de fonao) necessrios produo dessas combinaes.A distino linguagem/lngua/fala situa o objeto da Lingstica para Saussure. Dela decorre a diviso do estudo da linguagem em duas partes: uma que investiga a lngua e outra que analisa a fala. As duas partes so inseparveis, visto que so interdependentes: a lngua condio para se produzir a fala, mas no h lngua sem o exerccio da fala. H necessidade, portanto, de duas Lingsticas: a Lingstica da lngua e a Lingstica da fala. Saussure focalizou em seu trabalho a Lingstica da lngua, "produto social depositado no crebro de cada um", sistema supra-individual que a sociedade impe ao falante.Para o mestre genebrino, "a Lingstica tem por nico e verdadeiro objeto a lngua considerada em si mesma, e por si mesma". Os seguidores dos princpios saussureanos esforaram-se por explicar a lngua por ela prpria, examinando as relaes que unem os elementos no discurso e buscando determinar o valor funcional desses diferentes tipos de relaes. A lngua considerada uma estrutura constituda por uma rede de elementos, em que cada elemento tem um valor funcional determinado. A teoria de anlise lingstica que desenvolveram, herdeira das idias de Saussure, foi denominada estruturalismo. Os princpios terico-metodolgicos dessa teoria ultrapassaram as fronteiras da Lingstica e a tomaram "cincia piloto" entre as demais cincias humanas, at o momento em que se tomou mais contundente a crtica ao carter excessivamente formal e distante da realidade social da metodologia estruturalista desenvolvido pela Lingstica.Em meados do sculo XX, o norte-americano Noam Chomsky trouxe para os

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  • estudos lingsticos uma nova onda de transformao. Em seu livro Syntactic Structures (1957:13), afirma: "Doravante considerarei uma linguagem como um conjunto (finito ou infinito) de sentenas, cada uma finita em comprimento e construda a partir de um conjunto finito de elementos". Essa definio abrange muito mais do que as lnguas naturais mas, conforme seu autor, todas as lnguas naturais so, seja na forma falada, seja na escrita, linguagens, no sentido de sua definio, visto que:

    Linguagem, lngua, Lingstica Toda lngua natural possui um nmero finito de sons (e um nmero finito de si nais grficos que os representam, se for escrita); mesmo que as sentenas distintas da lngua sejam em nmero infinito, cada sentena s pode ser representada como uma seqncia finita desses sons (ou letras).Cabe ao lingista que descreve qualquer uma das lnguas naturais determinar quais dessas seqncias finitas de elementos so sentenas, e quais no so, isto , reconhecer o que se diz e o que no se diz naquela lngua. A anlise das lnguas naturais deve permitir determinar as propriedades estruturais que distinguem a lngua natural de outras linguagens. Chomsky acredita que tais propriedades so to abstratas, complexas e especficas que no poderiam ser aprendidas a partir do nada por uma criana em fase de aquisio da linguagem. Essas propriedades j devem ser "conhecidas" da criana antes de seu contato com qualquer lngua natural e devem ser acionadas durante o processo de aquisio da linguagem. Para Chomsky, portanto, a linguagem uma capacidade inata e especfica da espcie, isto , transmitida geneticamente e prpria da espcie humana. Assim sendo, existem propriedades universais da linguagem, segundo Chomsky e os que compartilham de suas idias. Esses pesquisadores dedicam-se busca de tais propriedades, na tentativa de construir uma teoria geral da linguagem fundamentada nesses princpios. Essa teoria conhecida como gerativismo.Assim como Saussure - que separa lngua de fala, ou o que lingstico do que no - Chomsky distingue competncia de desempenho. A competncia Lingstica a poro do conhecimento do sistema lingstico do falante que lhe permite produzir o conjunto de sentenas de sua lngua; um conjunto de regras que o falante

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  • construiu em sua mente pela aplicao de sua capacidade inata para a aquisio da linguagem aos dados lingsticos que ouviu durante a infncia. O desempenho corresponde ao comportamento lingstico, que resulta no somente da competncia Lingstica do falante, mas tambm de fatores no lingsticos de ordem variada, como: convenes sociais, crenas, atitudes emocionais do falante em relao ao que diz, pressupostos sobre as atitudes do interlocutor etc., de um lado; e, de outro, o funcionamento dos mecanismos psicolgicos e fisiolgicos envolvidos na produo dos enunciados. O desempenho pressupe a competncia, ao passo que a competncia no pressupe desempenho. A tarefa do lingista descrever a competncia, que puramente Lingstica, subjacente ao desempenho.A lngua - sistema lingstico socializado - de Saussure aproxima a Lingstica da Sociologia ou da Psicologia Social; a competncia - conhecimento lingstico intemalizado - aproxima a Lingstica da Psicologia Cognitiva ou da Biologia.

    3. Existe linguagem animal?

    Um estudo clssico sobre o sistema de comunicao usado pelas abelhas, publicado em 1959 por Karl von Frisch, revela que a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de alimento, regressa colmia e transmite a informao s companheiras por meio de dois tipos de dana: circular, traando crculos horizontais da direita para a esquerda e viceversa, ou em forma de oito, em que a abelha contrai o abdome, segue em linha reta, depois faz uma volta completa esquerda, de novo corre em linha reta e faz um giro para a direita, e assim sucessivamente. Se o alimento est prximo, a menos de cem metros, a15

    16Introduo Lingsticaabelha executa uma dana circular; se est distante, realiza uma dana em forma de oito. A mensagem transmitida pela dana em forma de oito muito precisa, porque indica a distncia em metros: para uma distncia de cem metros, a abelha percorre nove ou dez vezes em 15 segundos a linha reta que faz parte da dana. Quanto maior a distncia, menos giros faz a abelha (para 500 metros faz seis giros

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  • em 15 segundos). A direo a ser seguida dada pela direo da linha reta em relao posio do sol.Os dois tipos de dana apresentam-se como verdadeiras mensagens que anunciam a descoberta para a colmia: ao perceber o odor da obreira ou absorvendo o nctar que ela deglute, as abelhas se do conta da natureza do alimento; ao observar a dana, as abelhas descobrem o local onde se encontra a fonte do alimento.Os estudos do zologo alemo fazem uma importante revelao sobre o funcionamento de uma "linguagem" animal, que permite avaliar pelo confronto a singularidade da linguagem humana, conforme assinala Benveniste (1976). Embora seja bem preciso o sistema de comunicao das abelhas - ou de qualquer outro animal cuja forma de comunicao j tenha sido analisada - ele no constitui uma linguagem, no sentido em que o termo empregado quando se trata de linguagem humana, como se pretende demonstrar a seguir.

    As abelhas so capazes de:(a) compreender uma mensagem com muitos dados e de reter na memria informaes sobre a posio e a distncia; e(b) produzir uma mensagem simbolizando - representando de maneira convencional- esses dados por diversos comportamentos somticos.

    Essas constataes evidenciam que esse sistema de comunicao cumpre as condies necessrias existncia de uma linguagem: h simbolismo, ou seja, capacidade de formular e interpretar um "signo" (qualquer elemento que represente algo de forma convencional); h memria da experincia e aptido para analis-la. Assim como a linguagem humana, esse sistema vlido no interior de uma comunidade e todos os seus membros so aptos a empreg-lo e compreend-lo da mesma forma.

    No entanto, as diferenas entre o sistema de comunicao das abelhas e a linguagem humana so considerveis:(a) a mensagem se traduz pela dana exclusivamente, sem interveno de um

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  • "aparelho vocal", condio essencial para a linguagem;(b) a mensagem da abelha no provoca uma resposta, mas apenas uma conduta, oque significa que no h dilogo;(c) a comunicao se refere a um dado objetivo, fruto da experincia. A abelha no constri uma mensagem a partir de outra mensagem. A linguagem humana caracteriza-se por oferecer um substituto experincia, apto a ser transmitido infinitamente no tempo e no espao;(d) o contedo da mensagem nico - o alimento, a nica variao possvel refere-se distncia e direo; o contedo da linguagem humana ilimitado; e(e) a mensagem das abelhas no se deixa analisar, decompor em elementos menores. esse ltimo aspecto a caracterstica mais marcante que ope a comunicao das abelhas linguagem humana. Num enunciado lingstico como "Quero gua" possvel identificar trs elementos portadores de significado: quer- (radical verbal) + -o (desinncia nmero-pessoal), gua, denominados morfemas. Prosseguindo a decomposio, pode-se chegar a elementos menores ainda. No enunciado "Quero gua", a menor unidade, os segmentos sonoros, denominados fonemas, permitem distinguir significado, como se pode observar na substituio de () por () em gua gua. Essa a propriedade da articulao, que fundamental na linguagem humana, pois permite produzir uma infinidade de mensagens novas a partir de um nmero limitado de elementos sonoros distintivos.Em sntese, a comunicao das abelhas no uma linguagem, um cdigo de sinais, como se pode observar pelas suas caractersticas: contedo fixo, mensagem invarivel, relao a uma s situao, transmisso unilateral e enunciado indecomponvel. Benveniste chama a ateno, ainda, para o fato de que essa forma de comunicao tenha sido observada entre insetos que vivem em sociedade e a sociedade a condio para a linguagem.

    4. O que Lingstica?

    Como o termo linguagem pode ter um uso no especializado bastante extenso, podendo referir-se desde a linguagem dos animais at outras linguagens - msica, dana, pintura, mmica etc. - convm enfatizar que a Lingstica detm-se somente

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  • na investigao cientfica da linguagem verbal humana. No entanto, de se notar que todas as linguagens (verbais ou no-verbais) compartilham uma caracterstica importante - so sistemas de signos usados para a comunicao. Esse aspecto comum tornou possvel conceber-se uma cincia que estuda todo e qualquer sistema de signos. Saussure a denominou Semiologia; Peirce a chamou de Semitica. A Lingstica , portanto, uma parte dessa cincia geral; estuda a principal modalidade dos sistemas sgnicos, as lnguas naturais, que so a forma de comunicao mais altamente desenvolvida e de maior uso.Uma pintura, uma dana, um gesto podem expressar, mesmo que sob formas diversas, um mesmo contedo bsico, mas s a linguagem verbal capaz de traduzir com maior eficincia qualquer um desses sistemas semiticos. As lnguas naturais situam-se numa posio de destaque entre os sistemas sgnicos porque possuem, entre outras, as propriedades de flexibilidade e adaptabilidade, que permitem expressar contedos bastante diversificados: emoes, sentimentos, ordens, perguntas, afirmaes, como tambm possibilitam falar do presente, passado ou futuro.Os estudos lingsticos no se confundem com o aprendizado de muitas lnguas: o lingista deve estar apto a falar "sobre" uma ou mais lnguas, conhecer seus princpios de funcionamento, suas semelhanas e diferenas. A Lingstica no se compara ao estudo tradicional da gramtica; ao observar a lngua em uso o lingista procura descrever e explicar os fatos: os padres sonoros, gramaticais lexicais que esto sendo usados, sem avaliar aquele uso em termos de um outro padro: moral, esttico ou crtico.As diferenas de pronncia, de vocabulrio e de sintaxe observadas por um habitante de So Paulo, por exemplo, ao comparar sua expresso verbal dos falantes de outras regies, como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belo Horizonte, muitas vezes o fazem considerar "horrvel" o sotaque de algumas dessas regies; "esquisito" seu vocabulrio e "errada" sua sintaxe. Esses julgamentos no so levados em conta pelo lingista, cuja funo estudar toda e qualquer expresso Lingstica como um fato merecedor de descrio e explicao dentro de um quadro cientfico adequado.17

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  • 18Introduo Lingsticao lingista procura descobrir como a linguagem funciona por meio do estudo de lnguas especficas, considerando a lngua um objeto de estudo que deve ser examinado empiricamente, dentro de seus prprios termos, como a Fsica, a Biologia etc. A metodologia de anlise Lingstica focaliza, principalmente, a fala das comunidades e, em segunda instncia, a escrita.A prioridade atribuda pelo lingista ao estudo da lngua falada explica-se pela necessidade de corrigir os procedimentos de anlise da gramtica tradicional, que se preocupava quase exclusivamente com a lngua literria, como modelo nico para qualquer forma de expresso escrita ou falada. O prestgio e a autoridade da lngua escrita em nossa sociedade, muitas vezes, so obstculos para os principiantes nos estudos da Lingstica, que tm dificuldade em perceber e aceitar a possibilidade de considerar a lngua falada independentemente de sua representao grfica. comum ouvir dizer de uma criana ainda no alfabetizada, que pronuncie mola por mora, por exemplo, que "ela troca letra", quando na realidade ela est substituindo um som por outro.Os critrios de coleta, organizao, seleo e anlise dos dados lingsticos obedecem aos princpios de uma teoria Lingstica expressamente formulada para esse fim. Os resultados obtidos so correlacionados s informaes disponveis sobre outras lnguas com o objetivo de elaborar uma teoria geral da linguagem. Distinguem-se, aqui, dois campos de estudos: a Lingstica geral e a descritiva. A Lingstica geral oferece os conceitos e modelos que fundamentaro a anlise das lnguas; a Lingstica descritiva fornece os dados que confirmam ou refutam as teorias formuladas pela Lingstica geral. So duas tarefas interdependentes: no pode haver Lingstica geral ou terica sem a base emprica da Lingstica descritiva. possvel, entretanto, que uma descrio Lingstica tenha outros objetivos, alm de oferecer elementos para a anlise da Lingstica geral; o trabalho de descrio de uma lngua pode estar preocupado em produzir uma gramtica ou um dicionrio, com o objetivo de dot-la de instrumentos para sua difuso na forma escrita, como no caso de lnguas indgenas, africanas ou outras que ainda no circulem no meio escrito.No sculo XIX os lingistas preocuparam-se com o estudo das transformaes por

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  • que passavam as lnguas, na tentativa de explicar as mudanas Lingsticas. A Lingstica era histrica ou diacrnica. Saussure, no incio do sculo XX, introduziu um novo ponto de vista no estudo das lnguas, o ponto de vista sincrnico, segundo o qual as lnguas eram analisadas sob a forma que se encontravam num determinado momento histrico, num ponto do tempo. A descrio Lingstica observaria "a relao entre coisas coexistentes", que constituiriam o sistema lingstico. Embora defendesse a perspectiva sincrnica no estudo das lnguas, Saussure reconhecia a importncia e a complementaridade das duas abordagens: a sincrnica e a diacrnica. Em sincronia os fatos lingsticos so observados quanto ao seu funcionamento, num determinado momento. Em diacronia os fatos so analisados quanto s suas transformaes, pelas relaes que estabelecem com os fatos que o precederam ou sucederam.A descrio sincrnica analisa as relaes existentes entre os fatos lingsticos num estado de lngua; os estudos diacrnicos so feitos com base na anlise de sucessivos estados de lngua. O estudo sincrnico sempre precede o diacrnico. Para explicar, por exemplo, como o pronome de tratamento Vossa Merc se transformou at assumir a forma atual Voc, pronome pessoal, necessrio comparar diferentes estados de lngua pre

    Linguagem, lngua, Lingsticaviamente caracterizados como tais e observar as mudanas que ocorreram na expresso sonora e no uso.Muitos lingistas tomam a separao sincronialdiacronia como um rigoroso princpio metodolgico: ou se investiga um estado de lngua ou se investiga a histria da lngua. Temos, ento, dois ramos da Lingstica: a sincrnica e a histrica. Modernamente, a Lingstica sincrnica vem sendo denominada Lingstica terica, preocupada mais com a construo de modelos tericos do que com a descrio de estados de lngua.Como muitas reas de estudo se interessam pela linguagem, o estudo do fenmeno lingstico na interface com outras disciplinas criou vrias reas interdisciplinares: a etnoLingstica, que trabalha no mbito da relao entre lngua e cultura; a sociolingstica, que se detm no exame da interao entre lngua e sociedade; a psicoLingstica, que estuda o comportamento do indivduo como participante do

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  • processo de aquisio da linguagem e da aprendizagem de uma segunda lngua.

    5. Gramtica: o ponto de vista normativo-descritivo

    A gramtica tradicional, ao fundamentar sua anlise na lngua escrita, difundiu falsos conceitos sobre a natureza da linguagem. Ao no reconhecer a diferena entre lngua escrita e lngua falada passou a considerar a expresso escrita como modelo de correo para toda e qualquer forma de expresso Lingstica. A gramtica tradicional assumiu desde sua origem um ponto de vista prescritivo, normativo em relao lngua. A esse respeito significativo lembrar que a primeira descrio Lingstica de que se tem notcia, a do snscrito, feita pelo gramtico hindu Panini (sculo IV a.c.) - em que pese seu propsito de assegurar a conservao literal dos textos sagrados e a pronncia correta das preces - surgiu no momento em que a lngua snscrita culta (blasha) precisava ser estabilizada para defender-se da "invaso" dos falares populares (prcritos), portanto num momento em que uma determinada variedade Lingstica deveria ser valorizada e difundida.Outras gramticas antigas, como as do rabe, grego e latim, tambm eram prescritivas e pedaggicas; almejavam descrever a lngua cuidadosamente, mas tambm prescreviam o uso correto. Essa tradio normativa serve de modelo ainda hoje, principalmente nos pases onde h a preocupao em desenvolver e fortalecer uma lngua padro; ela fornece argumentos para se acreditar que existe uma nica maneira correta de se usar a lngua. Visto que a norma da correo prescrita por uma fonte de autoridade, as demais variedades so consideradas inferiores e incorretas. Por outro lado, nas sociedades contemporneas expressar-se segundo a norma, falar certo continua sendo valorizado, porque a correo da linguagem est associada s classes altas e instrudas, uma das marcas distintivas das classes sociais dominantes.A tarefa do gramtico se desdobra em dizer o que a lngua, descrev-la, e ao privilegiar alguns usos, dizer como deve ser a lngua. Na verdade, a conjuno do descritivo e do normativo efetuada pela gramtica tradicional opera uma reduo do objeto de anlise que, de intrinsecamente heterogneo, assume uma s forma: a do uso considerado correto da lngua. Na maioria dos casos, esse uso o nico que vai ser estudado e difundido

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  • pela escola, em detrimento de um conhecimento mais amplo da diversidade e variedade dos usos lingsticos.19

    20Introduo Lingstica

    5.1. Normativo: Falsas noes

    Abordar a lngua exclusivamente sob uma perspectiva normativa contribui para gerar uma srie de falsos conceitos e at preconceitos, que vm sendo desmistificados pela Lingstica. Em primeiro lugar, est suficientemente demonstrado que a lngua escrita no pode ser modelo para a lngua falada. Alm do fato histrico de a fala ter precedido e continuar precedendo a escrita em qualquer sociedade, a diferena entre essas duas formas de expresso verifica-se desde sua organizao at o seu uso social. Est tambm claro para todo estudioso da linguagem que no h lngua "mais lgica", melhor ou pior, rica ou pobre. Todas as lnguas naturais possuem os recursos necessrios para a comunicao entre seus falantes. Se uma lngua no possui um vocabulrio extenso num determinado domnio, significa que os seus falantes no necessitam dessas palavras; caso contrrio, ao tomar contato com novas realidades, novas tecnologias, os falantes dessa lngua sero fatalmente levados a criar novos termos ou a tom-los emprestado. So bastante conhecidos os exemplos da profuso de termos para designar a caa e a pesca, por exemplo, que possuem determinadas lnguas faladas por povos que se dedicam a essas atividades e delas dependem para sobreviver. Os Gbaya, caadores, coletores e cultivadores da Repblica Centro-Africana, tm denominao para 82 espcies de lagartas, das quais 59 so comestveis.Ao comparar as lnguas em qualquer que seja o aspecto observado, fonologia, sintaxe ou lxico, o lingista constata que elas no so melhores nem piores, so, simplesmente, diferentes. Tampouco encontram-se evidncias de uma lngua que esteja prxima do princpio de uma escala evolutiva, que possa ser considerada

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  • primitiva em relao a outras j evoludas. Todas as lnguas at hoje estudadas constituem um sistema de comunicao estruturado, complexo e altamente desenvolvido. Nenhum trao da estrutura lingstica pode ser atribudo a um reflexo da estrutura diferenciada de uma sociedade agrcola ou de uma sociedade moderna industrializada.

    6. Lingstica: o ponto de vista descritivo-explicativo

    A pesquisa Lingstica desenvolvida no sculo XIX levou a separar cada vez mais o conhecimento cientfico da lngua da determinao de sua norma. A Lingstica histrica, estudando em profundidade as transformaes da linguagem, mostrou que as mudanas Lingsticas freqentemente tm sua origem na fala popular: muitas vezes o errado de uma poca passa a ser consagrado como a forma correta da poca seguinte.Mesmo se observarmos alguns fatos do portugus contemporneo verificaremos que as formas consideradas "erradas" so freqentes, mesmo na fala de pessoas cultas,ocorrendo de forma bastante varivel em alguns casos, como nos exemplos a seguir:(1) "Fui no Ibirapuera."(2) "Ela foi na feira."(3) "Quero ir a Bahia".(4) " Nunca fui ao Maracan." (5) "V j para casa."

    Linguagem, lngua, LingsticaNesses casos, segundo a tradio gramatical, o verbo "ir de movimento" deve ser empregado apenas com as preposies a e para, observando-se para a escolha uma diferena sutil de sentido: a introduz numerosas circunstncias, como movimento ou extenso; para indica movimento, direo para um lugar com a idia acessria de demora ou destino. No entanto, o uso mais freqente prefere a preposio em, com verbos de movimento, cujo emprego considerado pelos gramticos normativistas solecismo de regncia, que deve ser evitado.Observamos, ento, trs possibilidades de uso: duas variantes aceitas pelo padro culto (exemplos 3, 4, 5) e uma terceira variante (exemplos 1,2) rejeitada por esse

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  • mesmo padro. Convm destacar que essa forma estigmatizada j tinha ocorrido no passado, em textos arcaicos e em textos do sculo XIX.A viso prescritiva da linguagem no admite mais de uma forma correta, nem aceita a possibilidade de escolha, que uma forma seja mais adequada para um uso do que para outro, como seria o caso de uma expresso mais apropriada lngua escrita do que falada, ao uso coloquial do que a uma situao formal de comunicao.A abordagem descritiva assumida pela Lingstica entende que as variedades no padro do portugus, por exemplo, caracterizam-se por um conjunto de regras gramaticais que simplesmente diferem daquelas do portugus padro. O termo "gramatical" usado aqui com um valor descritivo: a gramtica de uma lngua ou de um dialeto a descrio das regularidades que sustentam a sua estrutura. Assim sendo, os exemplos (1, 2) acima so sentenas gramaticais dentro da variedade (dialeto) coloquial. A Lingstica, portanto, como qualquer cincia, descreve seu objeto como ele , no especula nem faz afirmaes sobre como a lngua deveria ser.Com o objetivo de descrever a lngua, a Lingstica desenvolveu uma metodologia que visa analisar as frases efetivamente realizadas reunidas num corpus representativo (conjunto de dados organizados com uma finalidade de investigao). O cor pus no constitudo apenas pelas frases "corretas" (como a gramtica normativa), tambm inclui as expresses "erradas", desde que apaream na fala dos locutores nativos da lngua sob anlise. A descrio dos fatos assim organizados no tem nenhuma inteno normativa ou histrica, pretende to-somente depreender a estrutura das frases, dos morfemas, dos fonemas e as regras que permitem a combinao destes.Dessa postura terico-metodolgica diante da lngua decorre o carter cientfico da Lingstica, que se fundamenta em dois princpios: o empirismo e a objetividade. A Lingstica emprica porque trabalha com dados verificveis por meio de observao; objetiva porque examina a lngua de forma independente, livre de preconceitos sociais ou culturais associados a uma viso leiga da linguagem.As anlises Lingsticas efetuadas, at os anos 1950, pelos seguidores de Saussure, na Europa, e dos norte-americanos Bloomfield e Harris conformavam-se teoria descritivista, que julgava a descrio dos fatos suficiente para explic-los. Chomsky, a partir do final dos anos 1950, prope que a anlise Lingstica prenda-

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  • se menos aos dados e preocupe-se mais com a teoria.Para Chomsky no basta apenas observar e classificar os dados, necessria uma teoria explicativa que preceda os dados e que possa explicar no s as frases realizadas, mas tambm as que potencialmente seriam produzidas pelo falante. Para esse autor e seus seguidores, um fenmeno s explicado quando se pode deduzi-lo de leis gerais. Denomina de gramtica essa teoria. A teoria da gramtica, como conhecida, trata de todas as frases gramaticais, isto , todas as frases que pertencem lngua; no se confunde com a gramtica normativa porque no dita regras, apenas explica as frases realizadas e potencialmente realizveis na lngua. proposta. A intuio do falante o nico critrio da gramaticalidade ou agramaticalidade da frase - conceitos que no se confundem com a gramtica normativa. a competncia do falante que vai organizar os elementos lingsticos que constituem uma sentena, conferindo-lhes gramaticalidade. Uma seqncia de palavras agramatical (*) quando no respeita as regras gramaticais do sistema lingstico, do conhecimento internalizado de que dispe o falante, como:(*) Problema este muito seu difcil .

    A gramtica gerativa, porque de um nmero limitado de regras permite gerar um nmero infinito de sentenas. Reflete o comportamento do locutor que, a partir de uma experincia finita e acidental da lngua, pode produzir e compreender um nmero infinito de frases novas.Os gerativistas esto preocupados em depreender na anlise das lnguas propriedades comuns, universais da linguagem, que constituem a gramtica universal (GU). As propriedades formais das lnguas e a natureza das regras exigidas para descrev-las so consideradas mais importantes do que a investigao das relaes entre a linguagem e o mundo. .Outra proposta de explicao do fato lingstico apresentada pela gramtica funcional, fundamentada nos princpios do funcionalismo, que no separa o sistema lingstico das funes que seus elementos preenchem. A gramtica funcional leva em considerao o uso das expresses Lingsticas na interao verbal; inclui na anlise da estrutura gramatical toda a situao comunicativa: o propsito do evento da fala, os participantes e o contexto discursivo.Esto relacionados Escola Lingstica de Praga os mais representativos desenvolvimentos da teoria funcionalista. A Escola de Praga teve origem no Crculo

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  • Lingstico de Praga, fundado em 1926. No que se refere estrutura gramatical das lnguas, os lingistas da Escola de Praga detiveram-se na definio da perspectiva funcional da sentena. Considerando-se as sentenas:(1) Jos saiu ontem noite e(2) Ontem noite Jos saiupode-se afirmar que (1) e (2) so verses diferentes da mesma sentena, mas pode-se dizer que a ordem das palavras determinada pela situao de comunicao em que os enunciados so proferidos e, em particular, pelo que j aceito ou dado como informao conhecida, e pelo que apresentado como novo para o ouvinte, verdadeiramente informativo, portanto. Dentro da perspectiva funcional da sentena considera-se que a estrutura dos enunciados determinada pelo uso e pelo contexto comunicativo em que ocorrem.Os diversos desdobramentos que o funcionalismo apresenta na atualidade concordam com o fato de que a lngua , antes de tudo, instrumento de interao social, usado para estabelecer relaes comunicativas entre os usurios. Nesse aspecto, aproximam-se do ponto de vista do sociolingista ao incluir o comportamento lingstico na noo mais ampla de interao social.As possibilidades explicativas expostas no so as nicas; correspondem a diferentes abordagens da lngua, que no se excluem, mas contribuem para compreender melhor O complexo fenmeno linguagem, que no se esgota no estudo das caractersticas internas lngua, em termos de propriedades formais do sistema lingstico, mas se abre para outras abordagens que considerem o contexto, a sociedade, a histria.

    BibliografiaBENVENISTE, Emile. Linguagem humana e comunicao animal. Problemas de Lingstica geral. So Paulo:Nacional/Edusp (traduo do francs), 1976. CHOMSKY, Noam. Syntactic Structures. The Hague: Mouton, 1957. HAMPT B, Amadou. La tradition vivante. Histoire gnrale de l'Afrique. 1- Mthodologie et prhistoire

    africaine. Paris: Prsence Africaine/Edicef/Unesco, 1986.SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingstica geral. So Paulo: Cultrix/Edusp, 1969.Sugestes de leitura

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  • As indicaes apresentadas tm o objetivo de oferecer ao leitor a possibilidade de formar uma viso geral da Lingstica, visto que os captulos seguintes desta obra aprofundaro o desenvolvimento das questes aqui apenas introduzidas.SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingstica geral. So Paulo: Cultrix, 1969. a obra clssica que fundou a nova cincia. Sua leitura sempre esclarece e provoca novos questionamentos sobre o objeto "heterclito e multifacetado" que a linguagem.BENVEN1STE, Emile. Problemas de Lingstica geral. So Paulo: Nacional, 1976.A obra rene estudos importantes sobre os mais diferentes aspectos dos estudos lingsticos.KRISTEVA, Julia. Histria da linguagem. Lisboa: Portugal, 1969.A autora apresenta a histria da reflexo sobre a linguagem, destacando as concepes erepresentaes que permitiram Lingstica constituir-se como cincia.ORLANDI, Eni Puccinelli. O que Lingstica? 4". ed., So Paulo: Brasiliense, 1990.A autora faz uma apresentao geral das questes pensadas pela Lingstica e destaca as tendncias atuais que se voltam para o estudo da heterogeneidade e diversidade, observadas no uso concreto da linguagem, por falantes situados num determinado contexto scio-histrico.A consulta de manuais introdutrios Lingstica interessante por mostrar uma viso de conjunto e para esclarecer as noes fundamentais da rea. As trs obras selecionadas apresentam a Lingstica sob diferentes enfoques complementares:LOPES, Edward. Fundamentos da Lingstica contempornea. So Paulo: Cultrix, 1991.BORBA, Francisco da Silva. Introduo aos estudos Lingsticas. 9". ed. So Paulo: Nacio nal, 1986.23

    24Introduo LingsticaLYONS, John. Linguagem e Lingstica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.Dicionrios especializados podem esclarecer dvidas sobre conceitos e vocabulrio

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  • especfico da Lingstica. Dentre as vrias publicaes do gnero h uma em portugus:DUBOIS, Jean et alii. Dicionrio de Lingstica. So Paulo: Cultrix, 1993.

    A comunicao humanaDiana Luz Pessoa de Barros

    Quando um rio corta, corta-se de vezo discurso-rio de gua que ele fazia;

    cortado, a gua se quebra em pedaos,em poos de gua, em gua paraltica.Em situao de poo, a gua equivalea uma palavra em situao dicionria;

    isolada, estanque no poo dela mesma,e porque assim estanque, estancada;

    e mais: porque assim estancada, muda,e muda porque com nenhuma comunica,

    porque cortou-se a sintaxe desse rio,o fio de gua por que ele discorria. O curso de um rio, seu

    discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de gua para refazer o fio antigo que o fez.

    Salvo a grandiloqncia de uma cheialhe impondo interina outra linguagem,um rio precisa de muita gua em fios

    para que todos os poos se enfrasem:

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  • se reatando, de um para outro poo,em frases curtas, ento frase e frase,

    at a sentena-rio do discurso nicoem que se tem voz a seca ele combate.

    "Rios sem discurso" Joo Cabral de Melo Neto

    1. Lngua como instrumento de comunicaoTodos ns nos acostumamos a considerar a comunicao muito importante (Quem no comunica se estrumbica), seja para o mundo globalizado de hoje, seja para o mundo de sempre, j que fundadora da sociedade.Nos estudos da linguagem reconhece-se que a comunicao teve e tem papel essencial. No entanto, esse papel nem sempre foi julgado positivo para a linguagem e as lnguas naturais do homem, nem sempre foi ponto pacfico que uma das funes da linguagem, como foi visto em captulo anterior, a de comunicao. No incio do sculo XX, a afirmao de Saussure de que a lngua fundamentalmente um instrumento de comunicao constituiu uma das rupturas principais da Lingstica saussureana, em relao s concepes anteriores dos comparatistas e das gramticas gerais do sculo XIX. Para esses estudiosos, a lngua era uma representao, ou seja, representava uma estrutura de pensamento, que existiria independentemente da formalizao Lingstica, e a comunicao e a "lei do menor esforo", que a caracterizam, seriam as causas da "desorganizao" gramatical das lnguas, do seu declnio e transformao em "runas Lingsticas". O portugus e o italiano, por exemplo, seriam "restos" em decadncia do latim.Dessa forma, uma das conseqncias da Lingstica saussureana, principalmente entre os funcionalistas como Malmberg ou Jakobson, foi a introduo do exame da comunicao no quadro das preocupaes Lingsticas.

    2. O modelo de comunicao da teoria da informao

    Para o exame da comunicao luz da Lingstica, vamos tomar como ponto de

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  • partida, tal como fizeram os lingistas que inicialmente se preocuparam com a comunicao, alguns dados que no provm dos estudos lingsticos propriamente ditos, mas da teoria da informao e da comunicao. A teoria da informao exerceu, sobretudo nos anos 1950, forte influncia na Lingstica.Antes de mais nada, preciso esclarecer que a teoria da informao, ao examinar a comunicao o faz de perspectiva muito diferente da dos estudos lingsticos e com outros objetivos, que, muito sumariamente, diremos serem os da medida da informao (qual a quantidade de informao transmitida em uma dada informao) e os da economia da mensagem, tratando de questes como as de codificao eficiente, capacidade de transmisso do canal de comunicao ou de eliminao dos efeitos indesejveis dos rudos. A teoria da informao tem por fim solucionar problemas tambm de outra ordem, tais como os concementes telecomunicao, entre outros.Uma das propostas mais conhecidas entre os lingistas foi a de C. F. Shannon, que prope para a comunicao o esquema que segue, por ns traduzido:fonte de informaotransmissordestinoDmensagemsinalmensagemsinal recebidofonte de rudoO esquema da comunicao comporta assim um emissor e um receptor, divididos em duas ou mais caixas (h propostas com subdiviso maior), que separam a codificao e a decodificao da emisso e da recepo propriamente ditas, um canal, isto , um suporte material ou sensorial que serve para a transmisso da mensagem de um ponto ao outro, e uma mensagem, resultante da codificao e entendida, no momento da transmisso, como uma seqncia de sinais. Antes da transmisso da mensagem situam-se as operaes de codificao, com as quais se constri a mensagem, e entre a recepo e o destino, as operaes de decodificao, que permitem reconhecer e identificar os elementos constitutivos da

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  • mensagem. Os rudos intervm durante todo o percurso da informao e fazem diminuir a eficincia da comunicao. Rudos so os diferentes elementos que interferem na comunicao. Podem ser fsicos - barulhos, rudos, problemas no canal de comunicao etc. -, psicolgicos - desateno, desinteresse - ou culturais - problemas de cdigo ou de subcdigo, falta de conhecimentos ou de crenas em comum etc. Em outras palavras, nesse quadro terico, a comunicao, se simplificarmos bastante, entendida como transferncia de mensagens, como a transmisso, de um emissor a um receptor, das mensagens organizadas segundo um cdigo e transformadas em seqncias de sinais. Uma das preocupaes desse modelo , portanto, a de melhorar a transmisso dessa mensagem-sinal, dessa mensagem pensada principalmente no plano dos significantes (de sua expresso sensorial).Se pensarmos, porm, na comunicao entre seres humanos, mais especificamente na comunicao verbal, oral ou escrita, seremos obrigados a reconhecer que a comunicao tem tambm outros fins e que h algumas "dificuldades" nas propostas da teoria da informao.

    Vamos tratar aqui de trs dessas "dificuldades", sob a forma de objees ou crticas e de possveis solues:(a) simplificao excessiva da comunicao, ou seja, esses esquemas da comunicao simplificam muito a questo da comunicao verbal;(b) modelo linear da comunicao, isto , a comunicao, no mbito da teoria da informao, concebida linearmente e diz respeito apenas, ou de preferncia, ao plano da expresso ou dos significantes (mensagem como seqncia de sinais); e(c) carter mecanicista do modelo, ou seja, as propostas da teoria da informao praticamente no levam em considerao questes "extraLingsticas" ou do contexto scio-histrico e cultural.Nosso prximo passo ser, assim, o de verificar de que modo os estudos da linguagem procuraram vencer as limitaes apontadas dos esquemas e modelos da teoria da informao. Dois caminhos tm sido seguidos: o de procurar, de alguma forma, completar ou complementar as propostas excessivamente simplificadoras de comunicao; o de rever, de um outro ponto de vista, a questo da comunicao, sobretudo em relao aos aspectos criticados do carter linear e mecanicista dos modelos anteriores propostos.

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  • 3. Simplificao e "complementao":As propostas de B. Malmberg e R. JakobsonBertil Malmberg (1969) e Roman Jakobson (1969), entre outros lingistas ou tericos da informao, fazem parte do primeiro grupo. Suas propostas, de alguma forma, procuraram "completar" ou "ampliar", para que pudesse ser usado para a comunicao verbal, o modelo de comunicao excessivamente simplificado da teoria da informao,27

    28Introduo Lingsticada teoria da comunicao ou da ciberntica, ou dele aproveitar apenas os elementos necessrios ao exame da comunicao humana. "Caixas" so assim acrescentadas ou excludas.Malmberg (1969) faz uma descrio terica geral do processo de comunicao emque, a partir do modelo da teoria da informao: .( a) introduz a representao do cdigo, como um conjunto de elementos discretos, os signos, guardados no crebro (elementos discretos so aqueles que se definem pela relao que mantm com os demais, relao esta que permite que os elementos sejam recortados de uma continuidade sem forma e delimitados uns em relao aos outros);(b) representa a relao de atualizao das unidades Lingsticas, situando-a entre o cdigo e o emissor;(c) mostra a relao de estimulao que existe entre o universo dos fenmenos extralingsticos, contmlos, e o emissor;(d) mostra que a representao da realidade formada pelo receptor no coincide com a do emissor; e(e) aponta diferentes fases na codificao e na descodificao da mensagem.o esquema da p. 29, por ns adaptado, representa as fases principais de um processo de comunicao, tal como concebido por Melmberg, e em que a comunicao continua a ser entendida como a transferncia de uma mensagem, lingisticamente estruturada, de um sujeito emissor a um sujeito receptor.

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  • Entre os lingistas, porm, a mais conhecida das propostas de "ampliao" dos modelos da teoria da informao , sem dvida, a de Roman Jakobson (1969). A proposta terica e os esquemas de Jakobson sero tomados como base das discusses sobre comunicao, que sero feitas a seguir.Para Jakobson, na esteira dos estudos sobre a informao, h na comunicao um remetente que envia uma mensagem a um destinatrio, e essa mensagem, para ser eficaz, requer um contexto (ou um "referente") a que se refere, apreensvel pelo remetente e pelo destinatrio, um cdigo, total ou parcialmente comum a ambos, e um contato, isto , um canal fsico e uma conexo psicolgica entre o remetente e o destinatrio, que os capacitem a entrar e a permaneceF em comunicao. O esquema que segue permite visualizar, mas sem muitos detalhes, a proposta de Jakobson (1969: 123).CONTEXTO MENSAGEMREMETENTEDESTINATRIOCONTACTO

    CDIGOIgncio Assis Silva (1972) prope, por sua vez, uma repre sentao mais detalhada do esquema de Jakobson (p. 30), retomando os elementos da teoria da informao no explicitados por ele.

    Esquema de Malmberg ... ~ 's ~ .g ~ ';' '"Atualizao de unidades LingsticasBstfmulos ex~oSCrebroi codificadoMensagem codifi. cadaImpulsos neurais(elemenros discre10$)Atividade muscular (contnua)Onda sonora (contnua)Ouvido (resposta fisiolgica)Crebr (decodi ficao)

    30

  • Seqnda de signosMensagem decodificada. entendida~ .:. (I> g ~ (I> ~ .., , , n O 3 c: ::> ' e o El o =r c: 3 e ::>

    e IV O i"" W """"'"'''''''''''''''''''''''' ""''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''1! Sub- Sub-!I cdigocdigo~! K ~!i ii i! R u~ ideolgico i1 1Esquema de Igncio Assis Silva1""""""'"''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''"''''''''''''''''!

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    A comunicao humanaNa proposta de Jakobson e na explicitao de Assis Silva, as principais contribuies foram, sem dvida, a da relao com o contexto, com a experincia comunicada ou a ser comunicada, que, como vimos, foi tratada tambm na proposta de Malmberg, e a questo da representao do cdigo e dos subcdigos, que examinaremos a seguir.O cdigo se define, nesse quadro terico, como o estoque estruturado de elementos

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  • discretos que se apresentam como um conjunto de alternativas de seleo para a produo da mensagem. O termo cdigo utilizado em lugar de lngua, tanto por causa da definio mais restrita acima apresentatla, quanto por sua maior extenso de aplicao a sistemas lingsticos e no-lingsticos, como o cdigo de trnsito, por exemplo. mile Benveniste (1976), ao comparar a comunicao das abelhas com a linguagem dos homens, conclui que as abelhas no tm linguagem, mas apenas um cdigo de sinais, pois no h, entre as abelhas, dilogo, retransmisso de informao, metalinguagem, outros dados, alm dos de alimentao, articulao, que so caractersticas fundamentais da comunicao entre seres humanos.Para que haja comunicao preciso um cdigo parcialmente ou totalmente comum ao remetente e ao destinatrio. Umberto Eco (1974) prev uma caixa para o cdigo, na comunicao entre mquinas, e aponta a necessidade de caixas diferentes para cdigos e subcdigos, tal como explicitado por Assis Silva, no modelo de Jakobson.Os subcdigos, dessa forma, introduzem no esquema da comunicao a questo da variao Lingstica, examinada, de diferentes perspectivas, pela socioLingstica, pela dialetologia ou pela geografia Lingstica.Cdigos diferentes impedem a comunicao (a no ser que ela se estabelea por outro cdigo, que no o verbal, por exemplo, como ocorre na comunicao gestual entre falantes de lnguas diferentes). Assim, no houve comunicao entre uma turista brasileira e o garom de um restaurante, em Buenos Aires, pelo fato de no falarem a mesma lngua, de no usarem o mesmo cdigo. Ao perguntar ao garom qual era a especialidade da casa, a turista foi encaminhada ao banheiro, pois o garom, que no falava ou entendia portugus, interpretou a questo no quadro das perguntas mais usuais sobre a localizao do banheiro do restaurante. Mas tambm a pouca interseco de subcdigos dificulta bastante a comunicao. Duas histrias com portugueses ilustram a questo. Ao ouvir de professores universitrios portugueses, em um congresso na Espanha, que tinham feito a viagem de Portugal Espanha de caminhonete, um brasileiro surpreendeu-se muito, at saber que, naquele subcdigo, caminhonete o mesmo que nibus. Outro "caso" de uma estudante brasileira na Europa, com pouco dinheiro, como em geral acontece com estudantes no exterior, que, em um hotel em Lisboa, tendo sujado a pouca roupa que levara, no teve outro jeito seno deixar um bilhete camareira, pedindo-lhe que mandasse lavar, com urgncia, sua camisa branca, e que teve, ao voltar ao

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  • hotel, a triste surpresa de encontrar sua velha camisola (camisa, no subcdigo de Portugal) bem lavada e passada, e a camisa de que precisava, ainda suja e amassada. E ainda teve que pagar por isso. Em outraspalavras, quanto maior for a interseco entre os subcdigos do remetente e do destinatrio, mais bem-sucedida ser a comunicao.Uma segunda questo, nem sempre bem explicitada no exame da comunicao e relacionada com a questo do cdigo, a da valorao dos diferentes cdigos e subcdigos e da viso que o usurio tem da sua lngua e das variantes que usa. Bons exemplos, em relao s diferenas de cdigo e s vises que dele tm seus usurios, podem ser encontrados nas31

    32Introduo Lingstcacomunicaes entre brasileiros e argentinos, ou dos franceses com falantes de outras lnguas. fato conhecido que os brasileiros entendem melhor os argentinos do que os argentinos os brasileiros, e se h razes Lingsticas para isso (o sistema voclico do portugus e do espanhol, por exemplo), h tambm motivos de outra ordem: os argentinos consideram a sua lngua melhor, mais importante e difundida do que o portugus, e no fazem nenhum esforo para entender os brasileiros. Da mesma forma, os franceses julgam que o prestgio de sua lngua de cultura justifica o esforo dos demais em comunicar-se em francs.Em relao aos subcdigos, a questo muito prxima da acima apontada, pois h variantes consideradas mais ou menos prestigiosas pelos usurios. Alm disso, porm, deve-se observar que, nesses casos, de grande diferena de reconhecimento, nem sempre a proximidade dos subcdigos, que dissemos ser necessria comunicao, garantia de comunicao eficiente. Observem-se dois casos de "linguistizao" da poltica no Brasil. Um o de Jnio Quadros que usava sempre o registro tenso e formal do subcdigo padro ou culto em sua comunicao com eleitores, falantes de outro subcdigo, mais popular e desprestigiado. No entanto, mesmo havendo pouca interseco entre os subcdigos do remetente e do destinatrio, a comunicao era eficiente, porque o subcdigo de Jnio Quadros era considerado pelos prprios falantes do outro subcdigo, mais prestigioso e,

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  • portanto, apropriado a um prefeito, governador ou presidente competente, culto e capaz. Ao contrrio, mesmo havendo grande interseco entre o subcdigo usado por Lula e o de seus destinatrios, a comunicao no bem-sucedida, pois o subcdigo de Lula julgado por aqueles que usam o mesmo subcdigo que ele, mas que incorporam fragmentos da ideologia dominante, como sem prestgio e inadequado a um homem pblico.Se as propostas de Jakobson ampliam o modelo da teoria da informao, sobretudo no que diz respeito aos cdigos e subcdigos e variao Lingstica, sua contribuio mais conhecida e igualmente relevante para o estudo da comunicao est relacionada com a questo da variedade de funes da linguagem. Jakobson mostrou que a linguagem deve ser examinada em toda a variedade de suas funes, e no apenas em relao funo informativa (ou referencial ou denotativa ou cognitiva), que, por ser a funo dominante em um certo tipo de mensagem e por ser a que interessa ao terico da informao, foi, muitas vezes, no sculo XX principalmente, considerada a nica ou a mais importante.Jakobson retoma o esquema tridico de Bhler para as funes da linguagem - funoexpressiva, funo apelativa e funo representativa - e acrescenta-lhe mais trs funes funo ftica, funo metaLingstica e funo potica. As funes estariam, segundo o autor, centradas em um dos elementos do processo de comunicao por ele proposto, ou seja, enfatizariam um desses elementos na comunicao, conforme o esquema que segue:REFERENCIAL(centrada no contexto ou referente)EMOTIVA(centrada no remetente)POTICA(centrada na mensagem)CONATIVA(centrada no destinatrio)FTICA(centrada no contato)

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  • METALingstica (centrada no cdigo)

    A comunicao LingsticaAntes de examinar cada uma das funes, e mais particularmente as funes

    metaLingstica e potica, que fizeram escola, duas observaes devem ser feitas:. as mensagens (os textos) no tm apenas uma funo, mas vrias ou mesmo todas, hierarquizadas, ou seja, h em cada texto uma funo dominante;. os textos-mensagens empregam procedimentos lingsticos e discursivos que produzem efeitos de sentido relacionados com as diferentes funes e que nos permitem identific-las.

    Dessa forma, os textos com funo referencial, informativa ou representativa, empregam principalmente os procedimentos que seguem: uso da 3a pessoa, apresentao de qualidades "objetivas" ou "concretas" (no so quase empregados, por exemplo, adjetivos subjetivos como lindo ou horroroso, ou modalizadores como eu acho, eu quero e outros), emprego de nomes prprios e de estratgias argumentativas "lgicas" (provas, demonstraes, etc). Os procedimentos usados produzem sobretudo dois efeitos de sentido, o de objetividade (3a pessoa) e o de realidade ou referente (nomes prprios, qualidades "objetivas" ou "concretas"), isto , de apagamento ou distanciamento do sujeito e de verdade dos fatos. Os textos com funo referencial ou informativa so, portanto, aqueles que tm por fim, na comunicao, a transmisso objetiva de informao sobre o contexto ou referente de Jakobson ou, em outras palavras, sobre os fenmenos extralingsticos de Malmberg ou as experincias comunicadas de Assis Silva. No se pode, porm, esquecer-se de que objetividade e realidade so efeitos de sentido decorrentes dos procedimentos j mencionados. Os textos abaixo transcritos, reconhecidos facilmente como discursos cientfico e jornalstico, podem bem ilustrar a funo referencial, assim como uma charge de jornal:a) Todo ato depende de uma realidade desprovida de manifestao Lingstica. Assim, o ato de linguagem s manifestado nos seus resultados e atravs deles, na qualidade de enunciado, enquanto a enunciao, que o produz, s possui o estatuto de pressuposio lgica. O ato em geral s recebe a formulao Lingstica de duas diferentes maneiras: ou quando descrito, de maneira aproximada e varivel,

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  • nos limites do prprio discurso, ou quando objeto de uma reconstruo lgico-semntica, que utiliza os pressupostos extrados da anlise do enunciado, no quadro de uma meta-linguagem semitica. (Greimas, 1976: 57)No discurso cientfico so usadas marcas de afastamento do sujeito - 3a pessoa, presente do indicativo - que produzem o efeito de objetividade da cincia e que caracterizam em texto com funo referencial e informativa.

    b) J houve 209 seqestros no Estado de So Paulo neste ano, nmero que supera a soma de todos os casos registrados nos cinco anos anteriores.

    Em mdia, a cada 35 horas algum levado para um cativeiro. No ano passado, a proporo era de uma ocorrncia desse crime a cada seis dias. (Folha de So Paulo, 11/11/01, p. A 41).Observe-se, da mesma forma, no texto jornalstico o uso da 3a pessoa (com recursos de verbos impessoais, como haver, de passiva, em levado) e de dados "objetivos" (nmeros: 209 seqestros, 35 horas, cinco anos, seis dias; individualizao do lugar e do tempo: no Estado de So Paulo, neste ano, no ano passado) que produzem os efeitos de objetividade, isto , de no interferncia subjetiva do jornal, e de realidade, ou seja, de coisa aconteci da, que nos permitem reconhecer um texto com predominncia de funo referenCal ou informativa.33

    34Introduo LingsticaA charge mostra o uso da 3a. pessoa, em lugar da I a., para produzir efeito de objetividade das informaes prestadas pela personagem. A funo referencial no a predominante na fala da personagem (predomina a funo conativa), mas aparece bem marcada, sobretudo graas ao procedimento mencionado de emprego da 3a. pessoa em vez da Ia.Os textos com funo emotiva ou expressiva, por sua vez, usam, de preferncia, os seguintes procedimentos: emprego da l~ pessoa, apresentao de qualidades "subjetivas", por meio de adjetivos como fantstico, encantador, medonho e outros, ou de advrbios de modo, utilizao de modalizadores relacionados com o saber, como eu acho, eu considero etc., uso de recursos prosdicos de prolongamento de vogal, pausas, acentos enfticos, hesitaes, interjeies, exclamaes. Os

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  • procedimentos empregados criam principalmente os efeitos de subjetividade e de emotividade ou de presena ou proximidade do sujeito que relata no propriamente os fatos, mas o seu ponto de vista sobre eles, os seus sentimentos e emoes sobre os acontecimentos. So, voltamos a insistir, efeitos de sentido das estratgias apontadas. Os textos que seguem ilustram a funo emotiva:a) Todo ovo que eu choco me tocode novo. Todo ovo a cara a clara do vov.Mas fiqueibloqueadae agorade noites sonhogemada (Chico Buarque, "A galinha")

    O texto acima tem, como funo predominante, a funo potica, mas tambm apresenta funo emotiva, graas aos procedimentos de 13 pessoa (que eu choco) e apresentao de sentimentos e emoes (me toco, fiquei bloqueada), que produzem os efeitos de subjetividade, de emotividade ou de aproximao do sujeito, prprios da funo emotiva.b) L2e:: e:: e Ponteio uma msica maravilhosa alis uma coisa[( ) msica maravilhosa...linda ... ( ) mesmo tempo que foram[pois mas a no h...premiadas as duas no ?a a Marlia ento... ahn... eh cantou lindamente... emais do que cantar eu acho que a Marlia tem uma foradramtica muito grande o que faz (com) que se suponhanela... uma atriz dramtica que no foi aproveitada... (Castilho e Preti,1987:248)

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  • LI L2

    LI L2 LIObservem-se no texto o uso de adjetivos (maravilhosa, linda, dramtica, muito grande) e de advrbio de modo (lindamente), o emprego de 13 pessoa, modalizadores (eu acho que) e de estratgias prosdicas (prolongamento de vogais, representado por::, e pausas, assinaladas por...), que levam ao reconhecimento de um texto com predominncia de funo emotivac) DignidadeNo sei de choro ou dou risada. Sou professora da rede pblica do Paran e amargo sete anos sem nenhuma reposio salarial. Meu marido um pequeno empresrio do setor de informtica, competente tecnicamente e com boas idias, mas parece que s isso no basta. Para termos uma vida, digamos, digna, acho que vamos precisar abrir em banco, pois, pelo que vejo, s eles esto conseguindo se manter neste pas, e muito bem por sinal. Por que ser? (Viviane Bordin Luiz, Cascavel, PR)No texto citado, um trecho de carta de uma leitora de jornal, h marcas de funo emotiva: 13 pessoa e verbos de "sentimento" (choro, dou risada, amargo).Os textos com predominncia de jUno conativa ou apelativa, por sua vez, constroemse sobretudo com os procedimentos que seguem: uso da 23 pessoa, do imperativo, do vocativo, de modalizao dentica (dever), de estruturas de perguntas e respostas. Esses textos produzem os efeitos de sentido de interao com o destinatrio, a que se procura convencer ou persuadir, e de que esperam, como resposta, atitudes e comportamentos, sejam eles lingsticos ou no. So, voltamos a afirmar, efeitos de sentido de procedimentos do tipo dos apontados. Os textos publicitrios citados ilustram a funo conativa:a) Voc j tem o meu carto?Ento deveria ter. Porque o Super Carto ...35

    36Introduo Lingsticao texto usa a 2! pessoa (voc), os procedimentos de pergunta e resposta (Voc j

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  • tem o meu carto?) e a modalizao dentica (deveria ter) para construir um texto com funo conativa ou de persuaso do destinatrio dominante.b) O Ita tem tudo. S falta voc. Abra j a sua contaProcura-se um cliente mais ou menos com o seu perfil, com a sua idade e que more mais ou menos l na sua casa.o texto emprega a 2". pessoa (voc) e o imperativo (abra) para produzir o efeito de persuaso. A resposta esperada a abertura de conta no Ita.c) Quando no puder passar no banco, s usar o Real Internet Banking e o Real Internet Empresa,

    viu seu Lus? Pode ser do stio mesmo.So usados a 2". pessoa, o voe ativo (viu seu Lus), a estrutura de pergunta

    e resposta, para construir um texto com funo conativa.Se as trs funes j examinadas so comumente apontadas, as trs outras

    devem a Jakobson seu exame no quadro dos estudos lingsticos.Os textos com funo ftica usam principalmente procedimentos prosdicos de pontuao da fala para manter o contato fsico e/ou psicolgico entre os interlocutores (uhn, h), frmulas prontas para iniciar ou interromper o contato (ol, tudo bem, como vai?, tchau, at logo, bom dia etc.) e para verificar se h ou no contato (voc est escutando ?). Os efeitos de sentido so os de aproximao e interesse entre remetente e destinatrio, de presena de ambos na comunicao, de estabelecimento ou manuteno da interao. lakobson diz que a primeira funo da linguagem que os homens usam, nas "conversas" do beb com a me (gu gu g g...), e que a nica que temos em comum com as aves falantes, como as maritacas e os papagaios. Pesquisas com a fala de idosos dementes (Mansur, 1996) tm mostrado que tambm a funo preponderante na comunicao dessas pessoas, que buscam, a todo custo, mais do que informar, manter o contato com o destinatrio.

    Nos inquritos do Projeto NURC (projeto de estudo da norma urbana culta), por exemplo, o entrevistador no est preocupado com as informaes que o entrevistado possa dar sobre o tema (funo referencial), mas apenas em faz-l o falar, para obter mais informaes sobre os usos da linguagem. O importante, assim, sustentar o dilogo, ao contrrio de outros tipos de entrevista, em que o

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  • entrevistador est interessado em obter certas informaes. Dois procedimentos so usados para a manuteno do dilogo com preocupaes apenas Lingsticas: elementos prosdicos como "uhn uhn" e perguntas sobre questes j respondidas ou perguntas repetidas. Esses procedimentos constroem textos com funo predominantemente ftica. No inqurito 250 (Preti e Urbano, 1988:133-147), por exemplo, o entrevistador (Doe), depois das perguntas iniciais, participa do dilogo mais 36 vezes: em dezenove faz apenas "uhn uhn", em uma diz "isso..." e em outra, "certo". Os textos abaixo exemplificam as perguntas repetidas, mesmo quando j respondidas:a) Doc - e o que voc costuma comer em cada uma dessas refeies? (Preti e Urbano, 1988: 120) Doc -come em casa... e no caf da manh o que voc come? (Preti e Urbano, 1988:121)A primeira pergunta j foi feita aps o entrevistado ter explicado o que comia em cada refeio. Essas perguntas tm assim a funo de manter o entrevistado falando.

    A comunicao humano37b) Doc -o que precisa uma pea pra ela realmente atingir o pblico?... (Preti e Urbano, 1988:43) Doc - no seu entender o que o imprescindvel pruma:: pea de teatro obter sucesso? (Preti e Urbano, 1988:45)Doc - conta uma coisa... que tipo de pea assim... o estilo da pea... que voc acha que mais aceito pelo pblico;... quer dizer o:: o que o que precisa existir numa pea de teatro pra ela:: atingir realmente a massa?.. (Preti e Urbano, 1988:49)A mesma pergunta, j respondida, reiterada, esvaziada, como um recurso ftico de manuteno do dilogo.Um ltimo exemplo pode ser encontrado na foto publicada nos jornais brasileiros por ocasio da viagem do presidente Femando Renrique Cardoso aos Estados Unidos e de seu encontro com o presidente George W. Bush. Trata-se de texto com funo ftica, expressa na foto gestualmente (mos, expresso facial, sorriso), mas provavelmente acompanhada das frmulas de cumprimento de incio de comunicao. A foto chama, porm, a ateno pelo fato de, ao contrrio do usual, o cumprimento inicial da comunicao ocorrer com os dois presidentes sentados.

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  • Tudo indica que se trata de foto posada e no realmente de estabelecimento do contato. De qualquer forma, ela apresenta alguns elementos da gestualidade que estabelece o contato necessrio ao prosseguimento da comunicao: o sorriso de interesse e satisfao pelo encontro, o gesto ritual do aperto de mos, a inclinao corporal de um em direo ao outro, os olhares trocados.Os textos com funo meta Lingstica usam os procedimentos que seguem: verbos de existncia (ser, parecer) ou de existncia da significao (significar, ter o sentido de), em geral no presente do indicativo, em oraes predicativas de definio (x y). O efeito de sentido o de linguagem que fala de linguagem, ou seja, de circularidade da definio e da comunicao. No se deve confundir a funo metaLingstica de Jakobson com a metalinguagem cientfica. Metalinguagem cientfica e funo metaLingstica ordinria caracterizam-se ambas como uma linguagem definidora de outra linguagem, ou seja, como uma linguagem que fala de outra linguagem. Diferenciam-se, porm, pelo fato de a metalinguagem cientfica ser, por sua vez, definida por outra, uma terceira linguagem, a metalinguagem metodolgica, o que no acontece com a funo metaLingstica ordinria. Assim, a funo metaLingstica produz o efeito de circularidade (de uma linguagem que define outra linguagem) e a metalinguagem cientfica produz a iluso de superposio de nveis (de uma linguagem que define outra linguagem e , por sua vez, definida por uma terceira). Os textos que seguem ilustram a funo metaLingstica e a metalinguagem cientfica.(a) ... Agora, o senhor chega e pergunta: "Cio, o que que educao?" T certo. T bom. O que que eu penso, eu digo. Ento veja, o senhor fala: "Educao"; da eu falo: "educao". A palavra a mesma, no ? A pronncia, eu quero dizer. uma s: "Educao". Mas ento eu pergunto pro senhor: " a mesma coisa? o do mesmo que a gente fala quando diz essa palavra?" a eu digo: "No". Eu digo pro senhor desse jeito: "No, no ". Eu penso que no.Educao... quando o senhor chega e diz "educao", vem do seu mundo, o mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala vem dum outro lugar, de um outro mundo. Vem dum fundo de oco que o lugar da vida dum pobre, como tem gente que diz. Comparao, no seu essa palavra vem junto com qu? Com escola, no vem? Com aquele professor fino, de roupa boa, estudado; livro novo, bom, caderno, caneta, tudo muito separado, cada coisa do seu jeito, como deve ser. Um estudo

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  • que cresce e que vai muito longe de um saberzinho s de alfabeto, uma conta aqui e outra ali. Do seu mundo vem um estudo de escola que muda gente em doutor. fato? Penso que , mas eu penso de longe, porque eu nunca vi isso por aqui.Ento, quando o senhor vem e fala a pronncia "educao", na sua educao tem disso. Quando o senhor fala a palavra conforme eu sei pronunciar tambm, ela vem misturada no pensamento com isso tudo; recursos que no seu mundo tem. Uma coisa assim como aquilo que a gente conversava outro dia, lembra? Dos evangelhos: "Semente que cai na terra boa e deu fruto bom". (...)Quando eu falo o pensamento vem dum outro mundo. Um que pode at ser vizinho do seu, vizinho assim, de confrontante, mas no o mesmo. A escolinha cai-no-cai ali num canto da roa, a professorinha dali mesmo, os recursos tudo como o resto da regra de pobre. Estudo? Um ano, dois, nem trs. Comigo no foi nem trs. Ento eu digo "educao" e penso "enxada", o que foi pra mim. (Sousa, 1984)(b) O Professor Sampaio ensina ao ministro da Sade que "em portugus, antraz a denominao para um aglomerado de furnculos, infeco estafiloccica relativamente freqente. Em ingls, "anthrax" designa uma infeco em animais, mas que atinge o homem, grave e eventualmente fatal, cuja traduo para o portugus carbnculo. Em espanhol, "carbunco", em francs, "charbon", em alemo, "milzbrandkarbunkel". Quanto a Rey, Sampaio sugere que consulte obras especializadas, como o Dicionrio de Termos Tcnicos de Da/amare, "cujo prefcio de Carlos Chagas, glria da medicina brasileira e da Fiocruz, para saber a diferena entre antraz e carbnculo".O que o professor Sampaio est dizendo, para tranqilizar pessoas que j foram vtimas do antraz no Brasil, que essa doena, mais amena e freqente, no pode ser confundida com carbnculo (anthrax, em ingls), "uma infeco em animais que atinge o homem de forma grave e eventualmente fatal". Sampaio demonstra que tanto o clssico Candido de Figueiredo, como outros dicionrios (Aurlio e Houaiss) se equivocaram e uns teriam reproduzido o erro de outros (Ulisses Capozoli, Ns e os outros na guerra bacteriolgica. Texto recebido pela internet).(c) Se se toma como ponto de partida a definio provisria da modalizao, segundo a qual esta seria "uma modificao do predicado pelo sujeito (1), pode-se considerar que o ato - e, mais particularmente - o ato de linguagem - com a condio de que o sujeito modalizador seja suficientemente determinado, o lugar

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  • do surgimento das modalidades" (Greimas, 1976: 57)d) Compe-se a palavra de syllabas, como v.g. a palavra Livro, que se compe de duas syllabas, que so li, e vro.A syllaba a comprehenso de um som perfeito, que se pronuncia com um s esprito, ou accento, como na sobredita palavra livro, tanto li, como vro syllaba, porque cada um delles faz um som perfeito, que se profere com um s esprito, ou accento. (Lobato, 1837).Os textos a e b apresentam funo metaLingstica. No texto, discute-se uma definio de educao dada principalmente pela definio de dois campos semnticos para a palavra educao, um de escola, livro novo, caderno, caneta, professor fino, recursos, outro de escolinha cai-no-cai, professorinha, enxada, saberzinho. A linguagem est discutindo a linguagem e os sentidos das palavras que variam, conforme varia a insero social dos falantes, questo de que trataremos mais frente. No texto (b), usa-se tambm a linguagem para falar da linguagem, tanto do plano do contedo (carbnulo, etc), quanto do da expresso (com z, com x, com th). Os dois casos so de funo metaLingstica, mas no de metalinguagem cientfica (embora no exemplo b possa haver alguma dvida).J os textos c e d ilustram uma metalinguagem cientfica, a da Semitica ou a da Lingstica. No texto c define-se, metalingisticamente, modalidade e ato de linguagem, termos que, por sua vez, j pertencem a uma metalinguagem, pois podemos dizer que os termos dever e querer, da lngua portuguesa (10 nvel de linguagem) so modalidades (20 nvel de linguagem) e modalidade, por sua vez, deve ser entendida tal como no texto citado (3 nvel de linguagem). essa superposio de nveis que caracteriza a metalinguagem cientfica.No texto d, como se observa, ao dizer que li e vro so slabas faz-se metalinguagem, ou seja, explica-se a lngua portuguesa (li-vro) com uma metalngua (slaba), e ao dizer que slaba a compreenso de um som peifeito, faz-se metametalinguagem, isto , explica-se a metalngua (slaba) com uma metametalngua (compreenso de um som peifeito). Tem-se a, portanto, uma metalinguagem cientfica.Finalmente, os textos com jUno potica empregam procedimentos no plano da expresso, sobretudo as diferentes formas de reiterao de sons (traos dos fonemas, slabas, ritmos, entoaes, etc). Jakobson diz que a jUno potica

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  • projeta o princpio de equivalncia do eixo de seleo sobre o eixo de combinao. (1969: 130). Em outras palavras, a funo potica resulta de duas rupturas, de duas subverses: a primeira, em relao ao plano da expresso, que, em lugar de apenas expressar, "transparentemente", o contedo, chama a ateno enquanto expresso "opaca", como sonoridade, ritmo, entoao; a segunda, em relao aos dois eixos de organizao da linguagem, o paradigmtico e o sintagmtico, definidos, respectivamente, cOmO eixo das similaridades, em que se faz a seleo, e como eixo das contigidades, em que se opera a combinao, pois o texto com funo potica vai combinar, no sintagma, elementos similares, prprios do paradigma. Os efeitos de sentido so, portanto, o de coisa extraordinria, de novidade, graas ruptura ou subverso da "normalidade", o de estesia