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Invaginação intestinal secundária a linfoma de Burkitt em cão jovem. Alexandre, N. 1,2,3 ; Martinho, A. 1 ; Moreira J. 4 ; Pestana, S. 2 ; Caldeira, J. 2 ; Branco, S. 1,2,3 . 1 Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Pólo da Mitra, 7000-094 Évora, Portugal 2 Hospital Veterinário da Universidade de Évora, Pólo da Mitra, 7000-04 Évora, Portugal 3 Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM), Universidade de Évora, Núcleo da Mitra, Apartado 94, 7006-554 Évora, Portugal 4 Triplusvet clinica veterinária (Reguengos de Monsaraz). Rua dos Mancebos, 3, Apartado 115,7200-999 Reguengos de Monsaraz, Portugal Autor correspondente: Nuno Miguel Lourenço Alexandre, Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Pólo da Mitra, 7000-094 Évora, Portugal; email: [email protected]. Introdução O linfoma de Burki é uma neoplasia de células B descrita como endade clínica por Dennis Burki em 1958. É um subpo de linfoma não-hodgkin de rápido crescimento. Em medicina humana, o lin- foma de Burki pode apresentar-se frequentemente como uma lesão maligna extranodal ou sob a forma de leucemia aguda(6). Esta neoplasia tem sido descrita raramente como causa de invagina- ção intesnal quer na população pediátrica quer na população adulta(6). Em medicina veterinária, o linfoma de células B pode ocorrer com localização intesnal de cães e gatos mas nunca foi associa- do a invaginação intesnal(2). No entanto relavamente a outras espécies doméscas, o linfoma de células B foi apenas descrito até ao presente como causa de invaginação intesnal no cavalo(5). Até ao momento, este caso constui a primeira descrição de um caso de um linfoma de Burki com localização intesnal no cão. Relato do caso Foi presente à consulta do hospital veterinário da Universidade de Évora, uma cadela de 11 me- ses de idade de raça indeterminada. Na história pregressa verificou-se que exisa a suspeita de in- gestão de corpo estranho (CE), vómito incoercível com 24 horas de duração, dor abdominal e anore- xia parcial. Ao exame clínico, registaram-se diversas alterações entre as quais a presença de mucosa oral congesonada, desidratação de 5% e ligeira hipotermia (37,8°C) estando os restantes parâme- tros dentro dos limites normais. Na palpação manual da cavidade abdominal detectou-se a presen- ça de uma massa tubular no abdómen médio. Tendo em conta os achados do exame clínico, o paci- ente foi admido para exames complementares de diagnósco por suspeita de obstrução intesnal. Após a obtenção da história pregressa e exame sico realizaram-se diversos exames complemen- tares de diagnósco que incluíram perfil bioquímico sérico, hemograma, radiologia abdominal sim- ples com projecções latero-lateral e ventro-dorsal. Adicionalmente foi também realizada ecografia abdominal. Os achados radiológicos evidenciaram a presença de um CE não linear radiopaco na região do ab- dómen médio e uma região com radiopacidade de tecido mole com efeito de massa igualmente no abdómen médio (Fig. 1). A ecografia abdominal confirmou a presença de obstrução intesnal pela presença de um CE associada a uma invaginação intesnal (Fig.2). Após estabilização pré-cirúrgica, realizou-se uma laparatomia exploratória, procedimento no qual se confirmou a presença de um CE não linear (um aglomerado de fios de nylon de um esfregão) no jejuno e caudalmente a este uma invaginação jejuno-jejunal. Procedeu-se a desinvaginação e obser- vou-se num segmento da porção jejunal invaginada um espessamento da parede intesnal com es- tenose do lúmen, com congestão e hemorragia da serosa. Em consequência deste achado realizou- se uma enterectomia do segmento estenosado com uma margem de segurança de 4 cm, seguida de anastomose intesnal topo a topo com padrão de sutura simples interrompida. O CE foi removido pela incisão da enterectomia devido á sua proximidade. Explorou-se a cavidade abdominal e todo o tubo digesvo não se registando alterações macroscópicas adicionais. A recuperação pós-operatória decorreu sem complicações maiores tendo sido concedido alta ao paciente 4 dias após a cirurgia. O segmento intesnal removido foi enviado para análise histopatológica e imunohistoquimica. O diagnósco histopatológico determinou uma infiltração de células neoplásicas linfóides em toda a espessura da parede intesnal (Fig 5). A análise imunohistoquimica revelou marcação posiva das referidas células linfóides para os ancorpos PAX5 (clone 24- Cell Marque) (Fig. 3)e CD79 alpha- cy (clone HM57- Agilent Anbodies) (Fig. 4) e marcação negava para CD3 (policlonal - Cell Mar- que) confirmando-se a presença de um linfoma de células B. Discussão A invaginação intesnal é descrita como o deslizamento de um segmento proximal do intesno para o lúmen do segmento adjacente. A incidência desta afecção é elevada em cães jovens sendo a prin- cipal causa de obstrução intesnal em animais com menos de 1 ano de idade(4). Os CE, as enterites víricas e parasitárias são causas frequentes de invaginação intesnal em pacien- tes jovens, no entanto as neoplasias intesnais são a principal causa de invaginação em animais ge- riátricos(3,7). No cão e no gato, o linfoma intesnal de células T é o mais frequente dos linfomas do tubo digesvo(1,8). A ocorrência de neoplasia intesnal e especificamente o linfoma de Burki nunca foi descrita anteriormente como causa de invaginação intesnal em cão jovem devendo ser considerado como nos diagnóscos diferencias desta afecção. Agradecimentos Os autores agradecem ao DNAtech (Estrada do Paço do Lumiar, 22, Departamento de Biotecno- logia - Edicio E.1649-03 Lisboa) nas pessoas do Dr. Pedro Faísca e Dra. Inês Carvalho pela reali- zação das análises imunohistoquimicas e pela cedência das respecvas fotografias. Figura 3 -Marcação imunohistoquímica posiva para PAX5 (clone 24- Cell Marque; 400x) Figura 4 -Marcação imunohistoquímica posiva para CD79alphacy (clone HM57- Agilent Anbodies; 400x) Figura 5 -células grandes, de morfologia linfóide, com elevada relação N:C e exibindo inumeras figuras de mitose ( hematoxilina-eosina, 400x) Figura 1 - aspectos ecográficos caracteríscos do corpo estranho intesnal(A) e invaginaçãp intesna jejuno-jejunal (B). A B Figura 2 —Radiologia abdominal projecção latero-lateral (A) e ventro-dorsal (B) evidenciando um corpo estranho e uma massa com radiopacidade de tecido mole no abdómen médio. A B Referências bibliográficas 1-Coyle, K. A. & Steinberg, H. (2004) Characterizaon of Lymphocytes in Canine Gastrointesnal Lymphoma Veterinary Pathology , 41(2):141 - 146. 2-Frank., J.D., Reimer, S.B., Kass, P.H., Kiupel, M. (2007) Clinical Outcomes of 30 Cases (1997–2004) of Canine Gastrointesnal Lymphoma. Journal of the American Animal Hospital As- sociaon, 43(6):13-321. 3-Levien, A.S., Baines S.J., (2011). Histological examinaon of the intesne from dogs and cats with intussuscepon. Journal of Small Animal Pracce, 52 (11):599-606. 4-Levi, L., & Bauer, M. S. (1992). Intussuscepon in dogs and cats: A review of 36 cases. The Canadian Veterinary Journal, 33(10): 660–664. 5- Matsuda, K., Shimada, T., Kawamura, Y., Sakaguchi, K., Tagami, M., Taniyama, H.(2013) Journal of Veterinary Medical Science, 2013;75(9):1253-6 6-Radovanović, Z., Slavković, A., Marjanović, Z., Živanović, D., Djordjević, I. (2017). Burki lymphoma as a cause of intussuscepons – The significance of positron emission tomo- graphy scan in the follow-up. Vojnosanit Pregl. 74(3): 294– 297. 7-Schwandt, C.S., (2008). Low-grade or benign intesnal tumours contribute to intussuscepon: a reporton one feline and two canine cases. Journal of Small Animal Pracce, 49: 651 – 654. 8-Vezzali, E., Parodi, A. L., Marcato, P. S., Beni, G. (2010), Histopathologic classificaon of 171 cases of canine and feline non-Hodgkin lymphoma according to the WHO. Veterinary and Comparave Oncology, 8: 38–49. XIV congresso do hospital veterinário Montenegro—24 e 25 de Fevereiro de 2018, Santa Maria da Feira

Invaginação intestinal secundária a linfoma de Burkitt em ... · do a invaginação intestinal(2). No entanto relativamente a outras espécies domésticas, o linfoma de células

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Page 1: Invaginação intestinal secundária a linfoma de Burkitt em ... · do a invaginação intestinal(2). No entanto relativamente a outras espécies domésticas, o linfoma de células

Invaginação intestinal secundária a linfoma de Burkitt em cão jovem. Alexandre, N.1,2,3; Martinho, A.1; Moreira J.4; Pestana, S.2; Caldeira, J.2; Branco, S.1,2,3.

1Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Pólo da Mitra, 7000-094 Évora, Portugal 2Hospital Veterinário da Universidade de Évora, Pólo da Mitra, 7000-04 Évora, Portugal

3Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM), Universidade de Évora, Núcleo da Mitra, Apartado 94, 7006-554 Évora, Portugal 4Triplusvet clinica veterinária (Reguengos de Monsaraz). Rua dos Mancebos, 3, Apartado 115,7200-999 Reguengos de Monsaraz, Portugal

Autor correspondente: Nuno Miguel Lourenço Alexandre, Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de

Évora, Pólo da Mitra, 7000-094 Évora, Portugal; email: [email protected].

Introdução

O linfoma de Burkitt é uma neoplasia de células B descrita como entidade clínica por Dennis Burkitt

em 1958. É um subtipo de linfoma não-hodgkin de rápido crescimento. Em medicina humana, o lin-

foma de Burkitt pode apresentar-se frequentemente como uma lesão maligna extranodal ou sob a

forma de leucemia aguda(6). Esta neoplasia tem sido descrita raramente como causa de invagina-

ção intestinal quer na população pediátrica quer na população adulta(6). Em medicina veterinária, o

linfoma de células B pode ocorrer com localização intestinal de cães e gatos mas nunca foi associa-

do a invaginação intestinal(2). No entanto relativamente a outras espécies domésticas, o linfoma

de células B foi apenas descrito até ao presente como causa de invaginação intestinal no cavalo(5).

Até ao momento, este caso constitui a primeira descrição de um caso de um linfoma de Burkitt com

localização intestinal no cão.

Relato do caso

Foi presente à consulta do hospital veterinário da Universidade de Évora, uma cadela de 11 me-

ses de idade de raça indeterminada. Na história pregressa verificou-se que existia a suspeita de in-

gestão de corpo estranho (CE), vómito incoercível com 24 horas de duração, dor abdominal e anore-

xia parcial. Ao exame clínico, registaram-se diversas alterações entre as quais a presença de mucosa

oral congestionada, desidratação de 5% e ligeira hipotermia (37,8°C) estando os restantes parâme-

tros dentro dos limites normais. Na palpação manual da cavidade abdominal detectou-se a presen-

ça de uma massa tubular no abdómen médio. Tendo em conta os achados do exame clínico, o paci-

ente foi admitido para exames complementares de diagnóstico por suspeita de obstrução intestinal.

Após a obtenção da história pregressa e exame físico realizaram-se diversos exames complemen-

tares de diagnóstico que incluíram perfil bioquímico sérico, hemograma, radiologia abdominal sim-

ples com projecções latero-lateral e ventro-dorsal. Adicionalmente foi também realizada ecografia

abdominal.

Os achados radiológicos evidenciaram a presença de um CE não linear radiopaco na região do ab-

dómen médio e uma região com radiopacidade de tecido mole com efeito de massa igualmente no

abdómen médio (Fig. 1). A ecografia abdominal confirmou a presença de obstrução intestinal pela

presença de um CE associada a uma invaginação intestinal (Fig.2).

Após estabilização pré-cirúrgica, realizou-se uma laparatomia exploratória, procedimento no qual

se confirmou a presença de um CE não linear (um aglomerado de fios de nylon de um esfregão) no

jejuno e caudalmente a este uma invaginação jejuno-jejunal. Procedeu-se a desinvaginação e obser-

vou-se num segmento da porção jejunal invaginada um espessamento da parede intestinal com es-

tenose do lúmen, com congestão e hemorragia da serosa. Em consequência deste achado realizou-

se uma enterectomia do segmento estenosado com uma margem de segurança de 4 cm, seguida de

anastomose intestinal topo a topo com padrão de sutura simples interrompida. O CE foi removido

pela incisão da enterectomia devido á sua proximidade. Explorou-se a cavidade abdominal e todo o

tubo digestivo não se registando alterações macroscópicas adicionais. A recuperação pós-operatória

decorreu sem complicações maiores tendo sido concedido alta ao paciente 4 dias após a cirurgia.

O segmento intestinal removido foi enviado para análise histopatológica e imunohistoquimica. O

diagnóstico histopatológico determinou uma infiltração de células neoplásicas linfóides em toda a

espessura da parede intestinal (Fig 5). A análise imunohistoquimica revelou marcação positiva das

referidas células linfóides para os anticorpos PAX5 (clone 24- Cell Marque) (Fig. 3)e CD79 alpha-

cy (clone HM57- Agilent Antibodies) (Fig. 4) e marcação negativa para CD3 (policlonal - Cell Mar-

que) confirmando-se a presença de um linfoma de células B.

Discussão

A invaginação intestinal é descrita como o deslizamento de um segmento proximal do intestino para

o lúmen do segmento adjacente. A incidência desta afecção é elevada em cães jovens sendo a prin-

cipal causa de obstrução intestinal em animais com menos de 1 ano de idade(4).

Os CE, as enterites víricas e parasitárias são causas frequentes de invaginação intestinal em pacien-

tes jovens, no entanto as neoplasias intestinais são a principal causa de invaginação em animais ge-

riátricos(3,7). No cão e no gato, o linfoma intestinal de células T é o mais frequente dos linfomas

do tubo digestivo(1,8). A ocorrência de neoplasia intestinal e especificamente o linfoma de Burkitt

nunca foi descrita anteriormente como causa de invaginação intestinal em cão jovem devendo ser

considerado como nos diagnósticos diferencias desta afecção.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao DNAtech (Estrada do Paço do Lumiar, 22, Departamento de Biotecno-

logia - Edifício E.1649-03 Lisboa) nas pessoas do Dr. Pedro Faísca e Dra. Inês Carvalho pela reali-

zação das análises imunohistoquimicas e pela cedência das respectivas fotografias.

Figura 3 -Marcação imunohistoquímica positiva para PAX5 (clone 24- Cell Marque;

400x)

Figura 4 -Marcação imunohistoquímica positiva para CD79alphacy (clone HM57-

Agilent Antibodies; 400x)

Figura 5 -células grandes, de morfologia linfóide, com elevada relação N:C e exibindo inumeras figuras de mitose ( hematoxilina-eosina, 400x)

Figura 1 - aspectos ecográficos característicos do corpo estranho intestinal(A) e invaginaçãp intestina jejuno-jejunal (B).

A B

Figura 2 —Radiologia abdominal projecção latero-lateral (A) e ventro-dorsal (B) evidenciando um corpo estranho e uma massa com radiopacidade de tecido

mole no abdómen médio.

A B

Referências bibliográficas 1-Coyle, K. A. & Steinberg, H. (2004) Characterization of Lymphocytes in Canine Gastrointestinal Lymphoma Veterinary Pathology , 41(2):141 - 146.

2-Frank., J.D., Reimer, S.B., Kass, P.H., Kiupel, M. (2007) Clinical Outcomes of 30 Cases (1997–2004) of Canine Gastrointestinal Lymphoma. Journal of the American Animal Hospital As-

sociation, 43(6):13-321.

3-Levien, A.S., Baines S.J., (2011). Histological examination of the intestine from dogs and cats with intussusception. Journal of Small Animal Practice, 52 (11):599-606.

4-Levitt, L., & Bauer, M. S. (1992). Intussusception in dogs and cats: A review of 36 cases. The Canadian Veterinary Journal, 33(10): 660–664.

5- Matsuda, K., Shimada, T., Kawamura, Y., Sakaguchi, K., Tagami, M., Taniyama, H.(2013) Journal of Veterinary Medical Science, 2013;75(9):1253-6

6-Radovanović, Z., Slavković, A., Marjanović, Z., Živanović, D., Djordjević, I. (2017). Burkitt lymphoma as a cause of intussusceptions – The significance of positron emission tomo-

graphy scan in the follow-up. Vojnosanit Pregl. 74(3): 294– 297.

7-Schwandt, C.S., (2008). Low-grade or benign intestinal tumours contribute to intussusception: a reporton one feline and two canine cases. Journal of Small Animal Practice, 49: 651

– 654.

8-Vezzali, E., Parodi, A. L., Marcato, P. S., Bettini, G. (2010), Histopathologic classification of 171 cases of canine and feline non-Hodgkin lymphoma according to the WHO. Veterinary

and Comparative Oncology, 8: 38–49.

XIV congresso do hospital veterinário Montenegro—24 e 25 de Fevereiro de 2018, Santa Maria da Feira