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Série de Publicações ILSI Brasil Volume 22 Funções Plenamente Reconhecidas de Nutrientes Iodo Força-tarefa Alimentos Fortificados e Suplementos Comitê de Nutrição ILSI Brasil Agosto 2014 Livia Fernandes de Lima Divisão de Nutrição e Metabolismo, Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP Anderson Marliere Navarro Divisão de Nutrição e Metabolismo, Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP

Iodo - ILSI Globalilsi.org/brasil/wp-content/uploads/sites/9/2016/05/artigo_iodo_.pdf · encarregado de produzir nitrato de potássio através do nitrato de cálcio, oriundo de depósitos

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Série de Publicações ILSI Brasil

Volume 22

Funções Plenamente

Reconhecidas de Nutrientes

Iodo

Força-tarefa Alimentos Fortificados e SuplementosComitê de Nutrição

ILSI BrasilAgosto 2014

Livia Fernandes de LimaDivisão de Nutrição e Metabolismo, Departamento de Clínica Médica da

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP

Anderson Marliere NavarroDivisão de Nutrição e Metabolismo, Departamento de Clínica Médica da

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP

© 2014 ILSI Brasil International Life Sciences Institute do Brasil

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1. INTRODUçãO

O iodo, do grego iodes, que significa “violeta”, é um não metal sólido, cristalino, de coloração violeta escuro. Foi descoberto em 1811 na França pelo químico Bernard Courtois, que estava encarregado de produzir nitrato de potássio através do nitrato de cálcio, oriundo de depósitos de salitre, por intermédio de uma substância obtida por meio das cinzas de algas marinhas, para os exércitos de Napoleão. Courtois verificou que, ao lavar essas cinzas com ácido sulfúrico para extrair as impurezas, após algum tempo surgia um precipitado, o qual ao ser aquecido dava origem a um vapor de cor violeta. Depois de ser investigado por alguns pesquisadores, foi identificado como novo elemento por Gay-Lussac, que o denominou de iodo (1).

Esse micronutriente é um elemento químico de símbolo I, número atômico 53 e massa atômica 126,9, pertencente à série química dos halogênios (grupo 17 ou VIIA). Ocorre no solo e no mar na forma de íons iodeto, sendo oxidado pela luz solar para iodo elementar, que é volátil à temperatura ambiente (1, 2). O iodo é amplamente encontrado nos oceanos, mas se distribui de forma irregular sobre a superfície terrestre. Em regiões com grande prevalência de bócio, Fordyce et al. (3) encontraram concentrações de iodo na água e no solo de 3,3 a 20,2 mg/L e 1,0 a 9,6 mg/g, respectivamente. Particularmente em regiões montanhosas e em áreas sujeitas a inundações frequentes, o solo apresenta deficiência permanente de iodo. Ao mesmo tempo, solos ditos “velhos” são ricos em iodo; em contraposição, solos ditos “novos” são pobres em iodo (4). Sendo assim, conteúdo de iodo nos alimentos e ingestão total na dieta diferem de uma região para outra (5).

2. METABOLISMO

No homem, a maior parte do iodo corporal está concentrada na glândula tireoide, mas traços podem ser encontrados em outros tecidos. Segundo Hetzel e Clugston (6) (2003), o corpo do humano adulto sadio contém 15 a 20 mg de iodo, dos quais cerca de 70% a 80% estão na glândula tireoide e o restante nas glândulas salivares, mamárias, gástricas e nos rins. Há renovação contínua de iodo na glândula tireoide, devido à constante absorção do sangue e à síntese e secreção dos hormônios tireoideos (7, 8).

O iodo em sua forma inorgânica é absorvido facilmente no intestino delgado na forma de íons iodeto e distribuídos no sistema circulatório na forma livre (I-) ou ligados à proteína, porém a segunda forma predomina. O iodato (IO3

-), amplamente utilizado na iodação do sal, e as formas ligadas a compostos orgânicos precisam ser reduzidos a iodeto para absorção, que é então distribuído no sistema circulatório na forma livre. A absorção de iodeto em adultos saudáveis é maior que 90% (9).

Após atingir a circulação, o iodeto é captado pela glândula tireoide através de uma proteína transportadora de membrana dependente do gradiente de sódio (NIS), a qual realiza transporte ativo secundário à bomba Na+/K+ ATPase. O transporte de iodeto através do NIS é estimulado pelo hormônio adeno-hipofisário tireotrofina (TSH) e pelo mecanismo de autorregulação do tireócito, no qual o conteúdo de iodo na glândula varia de maneira inversamente proporcional à atividade do NIS (10).

Na superfície apical do tireócito, as enzimas tiroperoxidase (TPO), na presença de peróxido de hidrogênio, oxidam o iodeto a iodo, formando-se o complexo monoiodotirosina (MIT) e

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diiodotirosina (DIT) ao haver a ligação com o aminoácido tirosina da proteína tireoglobulina. A ligação de duas moléculas DIT forma a tiroxina (T4), e a junção de um MIT e um DIT forma a triiodotironina (T3), hormônios tireoidianos (9). Estes são poucos solúveis em água e circulam ligados à globulina, pré-albumina e albumina. A concentração do T4 é maior, porém o T3 é o mais ativo dos dois hormônios (9, 11).

Após a liberação dos hormônios tireoidianos na corrente sanguínea, mais de 90% do iodo ingerido é excretado pela urina, mas pequenas quantidades são encontradas nas fezes como resultado da secreção biliar (9). A excreção urinária é reguladora da ingestão de iodo, sendo seu excesso excretado diretamente na urina. O nível de excreção urinária correlaciona-se diretamente com a ingestão, sendo utilizado como marcador da ingestão de iodo (12).

3. FUNçõES

O iodo é um micronutriente essencial para o organismo humano, tendo como função conhecida a síntese dos hormônios tireoidianos: T3 e T4. Esses hormônios atuam em importantes papéis: crescimento físico e neurológico; manutenção do fluxo normal de energia (metabolismo basal, principalmente na manutenção do calor do corpo) e funcionamento de vários órgãos, como coração, fígado, rins, ovários e outros (8).

3.1 Efeito do hormônio tireoidiano sobre o crescimento

O hormônio tireoidiano provoca efeitos gerais e específicos sobre o crescimento, principalmente no desenvolvimento e crescimento do cérebro durante a vida fetal e nos primeiros anos de vida após o nascimento. A deficiência na produção desse hormônio retarda o crescimento e a maturação do cérebro, o que o torna menor do que o normal. Se esse problema não for tratado rapidamente, a criança desenvolverá a doença mental mais previsível: o cretinismo (9, 13).

Ao contrário disso, a criança que possui produção maior desse hormônio apresenta um crescimento esquelético excessivo, tornando-a consideravelmente alta em idade precoce. Porém, a velocidade de maturação dos ossos fecham precocemente as epífises, sendo que a duração do crescimento e a altura do adulto podem ser reduzidas (14).

3.2 Efeito do hormônio tireoidiano sobre o metabolismo de nutrientes

Metabolismo de carboidrato: o hormônio tireoidiano estimula a captação rápida de glicose pelas células, aumento da glicólise, neoglicogênese, taxa de absorção pelo trato gastrointestinal e secreção da insulina.

Metabolismo de lipídio: o hormônio produzido pela tireoide aumenta a taxa de secreção de colesterol na bile e diminui sua excreção nas fezes, deste modo, reduz a concentração plasmática de colesterol. Também é responsável pela diminuição da concentração de fosfolipídios e triglicérides no plasma, e aumento de ácidos graxos livres.

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3.3 Efeito do hormônio tireoidiano sobre mecanismos corporais

Metabolismo basal: o hormônio tireóideo aumenta o metabolismo em quase todas as células dos organismos. Quando há excesso da quantidade desse hormônio, o metabolismo basal pode aumentar até 60% a 100% acima do normal. E, quando não há deficiência da produção do hormônio, o metabolismo sofre queda para quase metade de seu valor normal.

Peso corporal: a deficiência desse hormônio gera aumento de peso, enquanto o excesso resulta em perda de peso. Porém, nem sempre isso ocorre, já que o hormônio tireoidiano também aumenta o apetite, que pode compensar a mudança na taxa metabólica.

Sistema cardiovascular: o hormônio tireoidiano gera aumento do metabolismo nos tecidos e consequentemente provoca elevação na utilização de oxigênio e na liberação de produtos metabólicos. Isso gera necessidade aumentada de liberação de calos e, por isso, ocorre vasodilatação na maioria dos tecidos e aumento do fluxo sanguíneo, o qual também gera elevação do débito cardíaco. Além disso, o hormônio da tireoide aumenta consideravelmente a frequência e força de contração cardíaca.

Sistema respiratório: o aumento do metabolismo intensifica a utilização de oxigênio e a formação de dióxido de carbono. Esses efeitos ativam todos os mecanismos que aumentam a frequência e a profundidade da respiração.

Sistema digestório: o hormônio tireoidiano aumenta o apetite e a ingestão alimentar. Ele age no aumento da produção de secreções digestivas e na motilidade do trato gastrointestinal. Quando há excesso da presença desse hormônio, tem-se como resultante diarreia, o contrário pode causar constipação.

Sistema nervoso central: o hormônio tireoidiano, de modo geral, acelera a velocidade do pensamento e também o dissocia.

Função muscular: um ligeiro aumento da secreção de hormônio tireóideo determina vigorosa reação muscular; todavia, quando a quantidade desse hormônio torna-se excessiva, ocorre fraqueza muscular devido ao catabolismo excessivo das proteínas. Por outro lado, a falta de hormônio faz com que a reação dos músculos seja extremamente lenta, com relaxamento lento após a contração.

Sono: devido ao efeito do hormônio tireoidiano na musculatura e sistema nervoso central, efeitos excitatórios sobre as sinapses, indivíduos com excesso desse hormônio, embora se queixem de cansaço, possuem o sono dificultado. Ao contrário disso, quem possui produção deficiente desse hormônio apresenta sonolência extrema.

Outras glândulas endócrinas: o hormônio tireoidiano gera aumento das taxas de secreções da maior parte das outras glândulas endócrinas e das necessidades teciduais de hormônios. Como exemplo, pode haver elevação da secreção de insulina, paratormônio e do hormônio adrenocorticotrópico.

Função sexual: a falta de hormônio tireoidiano causa nos homens um declínio na libido, enquanto grande excesso pode gerar impotência. Nas mulheres, a deficiência desse hormônio pode gerar, além da diminuição da libido, menorragia, polimenorreia. Já o excesso pode gerar oligomenorreia ou até amenorreia. Entretanto, algumas mulheres com hipotireoidismo podem também apresentar diminuição do sangramento menstrual, o qual se confunde com o hipertireoidismo.

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4. Avaliação do estado nutricional

Para se avaliar o estado nutricional de iodo, são considerados: indicadores clínicos e bioquímicos, sendo o primeiro relacionado com a presença de bócio e com o hipotireoidismo clínico ou subclínico (15) e o segundo são a dosagem dos hormônios relacionados com a função tireoide (T4 livre e TSH) e a dosagem da concentração de iodo na urina (9, 15).

A concentração de iodo na urina corresponde a mais de 90% das perdas e se correlaciona de maneira positiva com a ingestão nutricional. Estudos populacionais comparativos demonstram que, em razão da distribuição gaussiana da concentração de iodo na urina em uma amostra, há correlação entre os valores obtidos por coleta casual de urina e as amostras de 24 horas (12, 17).

Sendo assim, a excreção urinária de iodo é um marcador bioquímico importante na avaliação do estado nutricional de iodo, e os níveis de iodúria correlacionam-se com a gravidade dos distúrbios associados à deficiência de iodo. Portanto, tais dados permitem determinar o grau de urgência de sua correção, podendo a iodúria ser classificada conforme ilustrado na tabela 1 em adultos maiores de 6 anos de idade e na tabela 2 exclusivo para mulheres grávidas. Lactentes e crianças menores de 6 anos possuem como classificação de iodúria adequada uma concentração acima de 100m/L, estes não possuem valores de referência com indicação de excesso (16, 18, 19).

Tabela 1. Critérios epidemiológicos para avaliar a adequação da ingestão de iodo baseando-se na concentração urinária de iodo em pessoas maiores de 6 anos de idade, exceto em mulheres grávidas.

Iodo urinário (mediana) m/L Ingestão de iodo Nutrição de iodo

<20 Insuficiente Deficiência grave

20-49 Insuficiente Deficiência moderada

50-99 Insuficiente Deficiência leve

100-199 Adequado Ótimo

200-299 Mais do que adequado Risco de hipertireoidismo iodo induzido (HII) em grupos suscetíveis

>300 Excessivo Risco de conseqüências adversas à saúde (HII, Doenças auto-imune da tiróide)

Fonte: World Health Organization, 2007 (19).

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Tabela 2. Critérios epidemiológicos para avaliar a adequação da ingestão de iodo baseando-se na concentração urinária de iodo em mulheres grávidas.

Iodo urinário (mediana) m/L Ingestão de iodo

<150 Insuficiente

150-249 Adequada

250-499 Acima das recomendações

>500 Excessiva

Fonte: World Health Organization, 2007 (19).

5. DEFICIêNCIA

A deficiência de iodo ocorre devido à ingestão desse micronutriente abaixo dos níveis recomendados. Este é um fenômeno ecológico natural que ocorre em muitas partes do mundo devido à erosão dos solos em áreas ribeirinhas como consequência da perda de vegetação para a produção agrícola e corte de árvores para obtenção de lenhas, que geram perda contínua e crescente de iodo no solo. Águas subterrâneas e alimentos cultivados localmente nestas áreas carecem de iodo (2, 9).

Quando a ingestão de iodo cai abaixo dos níveis recomendados, a tireoide pode não ser capaz de sintetizar quantidades suficientes de seus hormônios. O baixo nível resultante desses hormônios no sangue é o principal fator responsável por danos ao desenvolvimento cerebral e outros efeitos nocivos conhecidos coletivamente como “Desordens por deficiência de iodo” – DDI (13, 20).

O período mais crítico para a deficiência de iodo ocorre a partir do segundo trimestre de gravidez até o terceiro ano após o nascimento. Os níveis normais de hormônios tireoidianos são necessários para o desenvolvimento ideal do cérebro. Em áreas com carência de iodo, esses níveis estão deficientes e o desenvolvimento cerebral fica prejudicado. Na sua forma mais extrema, isso resulta em cretinismo, mas muito mais importante para a Saúde Pública são os graus mais sutis de danos ao cérebro e capacidade cognitiva reduzida que afeta toda a população (21, 22).

6. RECOMENDAçõES

As necessidades diárias de iodo são estimadas entre 90 e 290 µg/ dia, as quais variam de acordo com o estágio da vida. Gestantes e lactantes possuem uma recomendação de ingestão aumentada.

Para a faixa etária entre 0 e 12 meses, não foi possível estabelecer o limite máximo tolerável de ingestão de iodo devido aos dados insuficientes dos efeitos adversos nessas idades e dificuldade de lactentes ingerirem quantidades excessivas de alimentos (15).

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Tabela 3. Recomendações de ingestão de iodo em diferentes estágios da vida.

Estágio da vida AI/ EAR* µg/ dia RDA* µg/ dia UL* µg/ dia

Recém-nascidos e crianças

0-6 meses 110 – ND*

7-12 meses 130 – ND*

1-3 anos 65 90 200

4-8 anos 65 90 300

9-13anos 73 120 600

Adolescentes

14-18 anos 95 150 900

Adultos

19-70 anos 95 150 1100

> 70 anos 95 150 1100

Gestantes

14-18 anos 160 220 900

19-50 anos 160 220 1100

Lactantes

14-50 anos 209 290 900

14-50 anos 209 290 1100

Fonte: DRI, 2001 (15).* AI = ingestão adequada; EAR = necessidade média estimada; RDA = ingestão dietética recomendada; UL = limite máximo tolerado de ingestão diária; ND = não determinado.

7. FONTES

As fontes alimentares mais ricas em iodo são, em geral, os alimentos marinhos, como peixes, algas, mariscos e moluscos. O iodo também pode ser encontrado em verduras cultivadas em solo com quantidade adequada do micromineral e em produtos lácteos, ovos e carnes cujo animal produtor tenha sido alimentado com ração enriquecida. Já grãos, legumes, raízes e frutas apresentam baixo teor de iodo (5, 23). Todos esses alimentos possuem a concentração de iodo variável de acordo com o teor desse micronutriente no solo em que foram cultivados (2).

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Tabela 4. Representação do conteúdo de iodo médio dos alimentos (µg de iodo/100 g de alimento).

Alimento (g) µg/100 g de alimento Alimento (g) µg/100 g de

alimentoAbacaxi 0† Farofa (mandioca) sem sal 2,4±0,5

Abobrinha verde cozida* 5,7±0,8 Feijão cozido* 14,2±0,2

Alface 21,3±3,1 Frango cozido (sobrecoxa)* 1,5±0,3

Almeirão 6,4±0,1 Laranja (suco concentrado) 2,4±0,2

Arroz branco polido cozido* 13,2±1,9 Maçã com casca 62,2±4,6

Banana-prata sem casca 47,7±0,2 Mamão-papaia 0†

Batata-inglesa cozida* 11,4±0,4 Melão 0†

Berinjela cozida 98,0±2,3 Ovo cozido (inteiro)* 30,3±0,8

Biscoito doce maisena 27,2±2,9 Pera sem casca 5,2±0,5

Biscoito água e sal 115,0±3,0 Rúcula 11,3±2,4

Carne de boi magra cozida 14,6±0,1 Tangerina 10,3±1,4

Cenoura cozida* 38,4±0,8 Tomate maduro 13,3±0,3

Couve-flor cozida* 60,4±3,3 Vagem cozida* 9,6±2,6

* Os alimentos cozidos não foram adicionados de sal de cozinha (NaCl).†O valor zero, na realidade, representa traços ou quantidades insuficientes para leitura, ou ainda

valor inferior a 0,25µg/100 g de alimento, o limite mínimo de detecção do método utilizado.

Fonte: Navarro, 2000 24

8. BIODISpONIBILIDADE

Em condições normais, a absorção de iodo no organismo humano é maior do que 90% (9). Entretanto, alguns alimentos contêm substâncias que agem bloqueando a absorção ou o uso de iodo pela tireoide. Essas substâncias são conhecidas como bociogênicas, as quais aumentam a suscetibilidade para o bócio e têm papel decisivo no desenvolvimento de 4% dos casos de bócio (25).

Os bociogênicos são derivados dos glicosídeos cianogênicos, os quais são capazes de liberar grande quantidade de cianeto por hidrólise. O cianeto, além de ser tóxico por si só, também possui um metabólito no organismo, tiocianato, que é um bociogênico. Esta substância pode ser encontrada em alimentos como mandioca, milho, broto de bambu, batata-doce, pêssego, amêndoa e soja, porém, em geral, é totalmente inativada pelos processos culinários usuais (26).

Certas sementes oleaginosas, como o pinhão, podem conter flavonoides, os quais têm a possibilidade de bloquear a incorporação de iodo (25). Gaitan et al. (27), estudando uma variedade de oleaginosa, o babaçu, consumido em larga escala no nordeste do Brasil, descobriram a presença de flavonoides com ação antitireoide. Estudos experimentais em ratos confirmam que as partes comestíveis do babaçu têm nítido efeito inibitório na incorporação do iodeto, agravando, portanto, as consequências deletérias da carência de iodo (26).

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9. TOxICIDADE

A ingestão excessiva de iodo é excretada através dos rins na urina. A maioria dos indivíduos apresenta resistência aos efeitos do excesso de iodo, mantendo a função tireoidiana normal. De maneira menos incidente, o excesso de iodo pode produzir alterações na função da tireoide, causando hipertireoidismo ou hipotireoidismo, os quais ocorrem em três grupos de indivíduos: aqueles que habitualmente têm baixa ingestão de iodo e que habitam áreas de prevalência de bócio endêmico, durante o tratamento da carência, podem desenvolver bócio ou hipertireoidismo; pessoas com outras desordens da tireoide; pessoas naturalmente sensíveis que podem manifestar reações alérgicas (1, 28).

Em 1920, muitas pessoas que utilizaram por via parenteral um antibiótico contendo iodato desenvolveram cegueira. Alguns relatos de toxicidade em seres humanos por ingestão de doses acima de 10 mg/kg de peso são encontrados e resultam em danos à retina, com degeneração das células fotorreceptoras e cegueira (29). Entretanto, o que se têm estabelecido atualmente são níveis de ingestão máxima tolerada, que variam de 200 a 1100 µg/dia (tabela 3); os níveis considerados tóxicos ainda não foram estabelecidos.

A ingestão de vários gramas de iodo pode causar intoxicação aguda desse micronutriente e provocar irritação gastrointestinal, dor abdominal, náusea, vômito, diarreia, sintomas cardiovasculares, coma e cianose. Muito raramente pode ocorrer iodermia, uma doença de pele que consiste em erupções pruriginosas e urticárias (9).

10. FORTIFICAçãO ALIMENTAR

A idéia de iodar o sal surgiu em Michigan, em 1920, como medida profilática e terapêutica para a diminuição da incidência e prevalência da deficiência de iodo e bócio. Tal medida se concretizou rapidamente e todas as sociedades salinas dos Estados Unidos, Canadá e Suíça começaram a iodar o sal, prática que se estendeu a inúmeros países nas décadas seguintes (20, 30).

Durante várias reuniões científicas patrocinadas pela Organização Mundial da Saúde, foi discutida a obrigatoriedade legal de iodação do sal como medida para eliminar e prevenir a deficiência de iodo e o bócio endêmico (30).

O Brasil, diante de estudos que já evidenciavam a presença de bócio em vários Estados da Federação, também reconheceu a necessidade de legalizar a iodação do sal. Assim, a primeira lei, de nº 1944, de 14 de agosto de 1953, tornava obrigatória a iodação do sal de consumo humano nas áreas de bócio endêmico, na proporção de 10 mg de iodo/kg de sal. Para isso, foi utilizado iodeto de sódio ou iodeto de potássio (26).

Em seguida, após novos estudos, que ainda evidenciaram alta prevalência de bócio, estendeu-se a iodação para todo o território nacional. Entretanto, em 1994, essa quantidade passou a ser considerada insuficiente para garantir o aporte mínimo necessário à saúde. Assim, o Ministério da Saúde, aumentou o teor de iodo no sal para consumo humano, de 10 mg de iodo/kg de sal para 40 a 100 mg de iodo/kg de sal (30).

De maio a junho de 2000, foi realizado no Brasil o quarto inquérito nacional, que evidenciou

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excesso de iodo urinário (26). Em resposta a essa nova realidade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 26 de maio de 2003, reduziu os níveis de concentração de iodo no sal de consumo humano de 20 a 60 mg de iodo/kg de sal. Porém, essa medida continuou mantendo quantidades excessivas de iodúria na população brasileira, e em 2013 foi aprovada a alteração da concentração de iodo no sal para 15 a 45 mg de iodo/kg de sal (31).

Fonte: Pearce et al., 2013 (17).

Figura 1. Distribuição global da concentração mediana de iodo na urina de escolares. A estimativa dos países é baseada em dados subnacionais. A cobertura nacional de sal iodado nesses países pode ser incompleta, podendo haver grande variação na ingestão de iodo.

11. CONSUMO NO BRASIL

Os alimentos de origem marinha são excelentes fontes de iodo, mas em geral são consumidos em pequenas quantidades pela população brasileira e, ao mesmo tempo, alimentos vegetais são pobres em iodo e podem apresentar substâncias bociogênicas. Somado a essas condições, o processo de cocção diminui as quantidades de iodo disponíveis (26). Por isso, na década de 1950 era muito frequente a prevalência de deficiência de iodo.

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Após a fortificação de sal com iodo, foram realizadas inúmeras pesquisas nacionais sucessivas de escolares. Em 1955, início da política de iodação do sal, 24,6% dos escolares brasileiros possuíam bócio endêmico e em 1975 esta prevalência diminuiu para 14,7% (30).

Observa-se a eficácia das políticas públicas nacionais para combate à deficiência de iodo, tendo em vista que atualmente as DDI são cada vez menos prevalentes, totalizando somatório inferior a 5%, referencia estabelecida pela OMS para controle das DDI. Isso decorre, principalmente, devido à adequada iodação do sal, bem como pelo consumo excessivo deste pela população, um produto de baixo custo, ou seja, de fácil acesso (17, 26).

Entretanto, com a fortificação alimentar de iodo no sal e o alto consumo deste alimento pela população brasileira atualmente, nota-se a prevalência de excesso de iodúria. Isso foi confirmado pelos estudos relacionados com o Projeto Thyromobil, em 2001. Neste trabalho, mostrou-se que 86% das crianças analisadas possuíam excreção urinária de iodo maior que 300µg/L (30).

Mais recentemente, Duarte et al. (32) estudaram 400 pacientes idosos em São Paulo e mostraram que um terço dos pacientes teve a excreção urinária de iodo maior que 300µg/L. Bócio uninodular e multinodular estavam presentes em 25,6% e 8,5% dessa população geriátrica, respectivamente, e hipertireoidismo (subclínico e clínico) foi confirmado em 6,5% dos participantes.

Em estudo realizado com lactentes, verificou-se que apenas 1% dos participantes apresentava iodúria menor que 100µg/L e que 49% dos participantes apresentavam iodúria maior que 300µg/L. Essa concentração de iodo na urina esteve positivamente correlacionada com o leite materno, ou seja, com a ingestão de iodo pela lactante (12).

Desse modo, o Brasil transformou-se, a partir de suas políticas de fortificação de iodo no sal, de um país com população com prevalência de deficiência de iodo para um país de população com excesso desse micronutriente, com alta prevalência de tireoidite de Hashimoto e hipertireoidismo induzido por iodo, como recentemente relatado por Papanastasiou et al. (33).

Com a nova alteração da legislação sobre a diminuição do teor de iodo no sal, espera-se que essa alta prevalência de ingestão excessiva de iodo seja controlada. Assim, nota-se a grande importância da regulação do teor de iodo no sal de consumo humano como medida de saúde pública por prevenir as consequências do consumo insuficiente ou excessivo desse micronutriente.

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