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Iracema (1865)
José de AlencarProfessor Jorge
Paradigma – modelo; padrão.
Alienação – perda de consciência motivada por um paradigma.
Revolução – mudança de paradigma.
Revolução Francesa (1789) – Revolução política promovida pela burguesia contra o sistema de interesses da aristocracia.- Defendeu os ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade.-Defendeu os direitos do indivíduo, do sujeito.- Promoveu o espírito nacionalista (nacionalismo) .- Nas artes inspirou o Romantismo.
Romantismo – revolução cultural, que no plano das artes propunha a mudança do paradigma clássico.- Defendeu o individualismo (ou subjetividade) – liberdade da imaginação criativa.- Pautou-se no sentimentalismo. - Promoveu a idealização – valorização de ideais sublimes.
Independência do Brasil (1822) – revolução política que promoveu a autonomia da Colônia em relação à metrópole.
Romantismo brasileiro – promove uma revolução contra o paradigma da dependência cultural e pela busca de uma identidade literária nacional.
Primeira Geração Romântica – indianismo, nacionalismo. Exemplo: Gonçalves Dias.
José de Alencar – romancista romântico que defendeu um Projeto Literário Nacional.-Nos romances indianistas, filiou-se ao espírito da Primeira Geração.- Iracema é um romance indianista.
LOUVADO DO CENTENÁRIO DE IRACEMA (1965)
Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo. Idem louvo, exalto e canto O prosador, grande filho Do norte, e que no deserto Do romance nacional Ergueu, escorreito e diserto, Seu mundo,-um mundo imortal.
Além, muito além da serra Que lá azula no horizonte, Inventou a donzela insonte, Símbolo da nossa terra, E escreveu o que é mais poema Que romance, e poema menos Que um mito, melhor que Vênus: A doce, a meiga Iracema.
E o mito inda está tão jovem Qual quando o criou Alencar. Debalde sôbre êle chovem Os anos, sem o alterar. Nem uma ruga no canto Dos olhos de môço brilho! Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo.
Manuel Bandeira
Iracema – Lenda do Ceará• Ceará – canto de jandaia.• Anagrama da palavra AMÉRICA.• Representaria, portanto, o encontro do índio com o branco e a
mestiçagem na América.• Presença de três mitos: • 1) o mito do bom selvagem, de Rousseau;• 2) o mito da opulência da natureza brasileira;• 3) o mito da origem do povo brasileiro.
A LINGUAGEM
• Romance-poema.• Capítulos curtos, parágrafos curtos, orações curtas.• Musicalidade: linguagem melodiosa e rítmica.• Utiliza, constantemente, metáforas e comparações
(concretas, não abstratas, próprias do universo indígena).• Privilegia as imagens da flora e da fauna.• Vale-se de personificações da natureza (prosopopeias).
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as
alvas praias ensombradas de coqueiros;Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso
resvale à flor das águas.Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande
vela?Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em foraUm jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que
viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagemA lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:— Iracema!O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a
espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio arranca d'alma um agro sorrisoQue deixara ele na terra do exílio?Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua
passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava. nos palmares.Refresca o vento.O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece no horizonte. Abre-se a
imensidade dos mares, e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje nalguma enseada
amiga. Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de leite!Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que
te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.
O Narrador
• Foco narrativo: terceira pessoa; narrador onisciente.
• No entanto, no início, como nas epopeias, o narrador se coloca em primeira pessoa.
• Por vezes, o narrador mostra-se novamente em primeira pessoa.
"O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto não o sei eu...” (Cap II)
A narração
• “in medias res” – no meio da história, quase no final (“ultimas res”).
• O primeiro capítulo apresenta Martim, o filho e o cão partindo do Ceará para Portugal.
• No segundo capítulo, volta-se para o passado buscando a compreensão do aconteceu antes daquela cena.
O Tempo
• O romance passa-se por volta de 1600, já com a presença do colonizador europeu.
• Existem referências aos portugueses, e aos invasores (franceses e holandeses).
• Alencar apresenta ainda um argumento histórico, que serve de pretexto para a lenda.
O Espaço
• É o espaço natural das terras americanas, no caso, o Ceará.
• É totalmente selvagem.• A natureza participa da ação.
Iracema passou entre as árvores, silenciosa como uma sombra; seu olhar cintilante coava entre as folhas, qual frouxo raio de estrelas; ela escutava o silêncio profundo da noite e aspirava as auras sutis que aflavam.
Parou. Uma sombra resvalava entre as ramas; e nas folhas crepitava um passo ligeiro, se não era o roer de algum inseto. A pouco e pouco o tênue rumor foi crescendo e a sombra avultou.
Era um guerreiro. De um salto a virgem estava em face dele, trêmula de susto e mais de cólera.
(Cap VII)
A HistóriaIracema, uma índia tabajara vivia em sua tribo como a virgem consagrada ao deus
tupã, e somente ela conhecia o segredo da bebida que provocava os sonhos. Um dia, quando estava na floresta, na hora da sesta, depara-se com um estrangeiro, Martim, um português jovem e bonito que se perdera ao sair para caçar. Ele fica admirado com a beleza da selvagem, que lhe acerta uma flecha, mas depois o conduz à cabana do pajé, servindo-lhe água e comida.
Martim narra sua história e permanece entre os tabajaras por alguns dias, apesar do ódio de Irapuã, o chefe guerreiro dos Tabajaras. Com a chegada de Caubi, irmão de Iracema, o estrangeiro parte para o encontro do amigo Poti, do qual se perdera na mata. Irapuã, temendo a invasão dos brancos, ataca-os fazendo-os recuar. Iracema, apaixonada por Martim, e sentindo sua tristeza, serve-lhe a bebida sagrada. Envolvido nos sonhos, ele ama Iracema, que percebe a sinceridade do seu sentimento.
Quando Martim parte com Poti, Iracema acompanha-os e defende o amado contra o seu próprio povo, numa guerra entre potiguaras e tabajaras
Nas praias dos pitiguaras, Iracema e Martim têm dias felizes, mas a saudade da terra natal, bem como da noiva que lá deixara, faz o europeu e a selvagem se afastarem. Diante do abandono emocional do esposo, Iracema entristece, vai definhando e morrer, deixando um filho: Moacir.
Martim toma o filho, e após enterrar a esposa ao pé de uma palmeira, parte para a Europa, de onde retorna com uma expedição colonizadora que funda o Ceará.
Personagens
1. A Tribo dos Tabajaras
• Tabajaras: “Senhores da aldeia, da taba”• Habitantes do interior da província cearense.• Índios hostis aos colonizadores portugueses.
2. A Tribo dos Potiguaras (pitiguaras)
• Potiguaras: “Senhores dos vales”.• Chamados pejorativamente de comedores de camarão.• Grande nação indígena que habitava os litorais.• Amigos dos portugueses.
3. Iracema – “A virgem dos lábios de mel”• Ira = mel; ceme=lábios.• A sua beleza é descrita de forma idealizada, tomando como
referência a natureza. • Índia tabajara, responsável pela preparação da jurema, bebida
sagrada de Tupã, que provoca sonhos em seus guerreiros.• Por sua condição de guardiã da jurema, deve manter-se virgem.• Apaixona-se por Martim, colonizador português.• Apresenta as virtudes de guerreira.• Abandona a própria tribo em função do amor.• Abandona sua condição de sacerdotisa para se tornar mulher
comum.
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna[ e mais longos que seu talhe de palmeira.O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado.Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu
onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.
O sentimento que ele pos nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:— Quebras comigo a flecha da paz?— Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde
vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já
possuíram, e hoje têm os meus.— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias,
e à cabana de Araquém, pai de Iracema.
4. Martim (filho de guerreiro)• Seu nome deriva de Marte, o deus da guerra.• Historicamente, Martim Soares Moreno
participou das lutas contra os holandeses e franceses que invadiram o nordeste brasileiro.
• Iracema o batiza com o nome indígena de Coatibo – guerreiro pintado.
• Não sente remorso em lutar contra os tabajaras.• A relação com Iracema não é suficiente para
desligá-lo dos seus laços culturais maternos, nem fazê-lo esquecer a antiga noiva.
5. Poti (Camarão)
• Guerreiro potiguara.• Simboliza a amizade sincera com o branco.• Converte-se ao cristianismo, e recebe o nome
de Antonio Filipe Camarão.• Historicamente, participou, ao lado dos
portugueses, da guerra contra os invasores holandeses, com a patente de capitão-mor dos índios.
6. Araquém
• É o pajé dos tabajaras e pai de Iracema.• Recebe Martim, aceitando-o como convidado
de Tupã.
7. Irapuã (mel redondo)
• Chefe dos tabajaras e apaixonado por Iracem.• Sente um ciúme doentio por Martim.• É inimigo na guerra (já que Martim é aliado
dos potiguaras) e no amor.• Historicamente, foi aliado dos franceses que
invadiram o Maranhão.
8. Andira (morcego)
• Índio tabajara, irmão do pajé Araquém.• Defende a prudência na guerra contra os
pitiguaras, e sente-se ofendido pela cólera de Irapuã.
9. Caubi (senhor dos caminhos)
• Irmão de Iracema.• Serve de guia para Martim até o encontro
com Poti
10. Jacaúna (jacarandá preto)
• Chefe dos pitiguaras e irmão de Poti.• Assim como Araquém, representa a boa
hospitalidade.
11. Moacir (filho da dor)
• Filho de Iracema e Martim, é o primeiro cearense.
• Simboliza o brasileiro.
A triste esposa e mãe soabriu os olhos, ouvindo a voz amada. Com esforço grande, pôde erguer o filho nos braços, e apresentá-lo ao pai, que o olhava extático em seu amor.
— Recebe o filho de teu sangue. Era tempo; meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!
Pousando a criança nos braços paternos, a desventurada mãe desfaleceu, como a jetica, se lhe arrancam o bulbo. O esposo viu então como a dor tinha consumido seu belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o perfume na flor caída do manacá .
Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram os aflitos braços de Martim. O terno esposo, em quem o amor renascera com o júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma de alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor se rompera.
— Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro que tu amavas. Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos.
O doce lábio emudeceu para sempre; o último lampejo despediu-se dos olhos baços.Poti amparou o irmão na grande dor. Martim sentiu quanto um amigo verdadeiro é precioso
na desventura; é como o outeiro que abriga do vendaval o tronco forte e robusto do ubiratã, quando o cupim lhe broca o âmago.
O camucim, que recebeu o corpo de Iracema, embebido de resinas odoríferas, foi enterrado ao pé do coqueiro, à borda do rio. Martim quebrou um ramo de murta, a folha da tristeza, e deitou-o no jazigo de sua esposa.
A jandaia pousada no olho da palmeira repetia tristemente:— Iracema!Desde então os guerreiros pitiguaras, que passavam perto da cabana abandonada e ouviam
ressoar a voz plangente da ave amiga, afastavam-se, com a alma cheia de tristeza, do coqueiro onde cantava a jandaia.
E foi assim que um dia veio a chamar-se Ceará o rio onde crescia o coqueiro, e os campos onde serpeja o rio. (CAP XXXII)
O cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim partiu das praias do Ceará, levando no frágil barco o filho e o cão fiel. A jandaia não quis deixar a terra onde repousava sua amiga e senhora.
O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?
Poti levantava a taba de seus guerreiros na margem do rio e esperava o irmão que lhe prometera voltar. Todas as manhãs subia ao morro das areias e volvia os olhos ao mar, para ver se branqueava ao longe a vela amiga.
Afinal volta Martim de novo às terras, que foram de sua felicidade, e são agora de amarga saudade. Quando seu pé sentiu o calor das brancas areias, em seu coração derramou-se um fogo que o requeimou: era o fogo das recordações que ardiam como a centelha sob as cinzas.
Só aplacou essa chama quando ele tocou a terra, onde dormia sua esposa; porque nesse instante seu coração transudou, como o tronco do jataí nos ardentes calores, e orvalhou sua tristeza de lágrimas abundantes.
Muitos guerreiros de sua raça acompanharam o chefe branco, para fundar com ele a mairi dos cristãos. Veio também um sacerdote de sua religião, de negras vestes, para plantar a cruz na terra selvagem.
Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho; não sofria ele que nada mais o separasse de seu irmão branco. Deviam ter ambos um só deus, como tinham um só coração.
Ele recebeu com o batismo o nome do santo, cujo era o dia; e o do rei, a quem ia servir, e sobre os dous o seu, na língua dos novos irmãos. Sua fama cresceu e ainda hoje é o orgulho da terra, onde ele primeiro viu a luz.
Germinou a palavra do Deus verdadeiro na terra selvagem; e o bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia o maracá.
Jacaúna veio habitar nos campos da Porangaba para estar perto de seu amigo branco; Camarão erguera a taba de seus guerreiros nas margens da Mecejana.
Tempo depois, quando veio Albuquerque, o grande chefe dos guerreiros brancos, Martim e Camarão partiram para as margens do Mearim a castigar o feroz tupinambá e expulsar o branco tapuia.
Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas onde fora tão feliz, e as verdes folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara.
Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para cismar e acalentar no peito a agra saudade.
A jandala cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema.
Tudo passa sobre a terra.