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34 | DEZEMBRO 2009 I RRIGAÇÃO ECONOMIA E EFICIÊNC A irrigação por gojetamento tem como características a aplicação de água em pequenas vazões, alta frequência e de forma pontual, localizada. Método foi criado em 1860, na Alemanha Daniel Fonseca de Carvalho, professor da UFRRJ, doutor em Engenharia Agrícola pela UFV, bolsista do CNPq e da FAPERJ, [email protected]; Dionizio Honório de Oliveira Neto, doutorando em fitotecnia na UFRRJ, [email protected]; e Dione Galvão da Silva, mestranda em Fitotecnia na UFRRJ, [email protected] A agricultura irrigada é considera- da a atividade produtiva de mai- or consumo hídrico dentre aque- las que demandam água. Para ela atri- bui-se 72% da água doce consumida em todo o planeta, sendo que, no Brasil, esse porcentual está em torno de 69%. Estima-se que, aproximadamente, 20% da área cultivada no mundo seja irriga- da, sendo esta responsável por 46% da produção colhida. No Brasil, 5,5% da área plantada é irrigada, corresponden- do a 35% da produção. O primeiro rela- tório de conjuntura dos recursos hídri- cos no Brasil, lançado recentemente pela Agência Nacional de Águas (ANA), mostra que atualmente há cerca de 4,6 milhões de hectares irrigados no país, sendo que 50% destes foram incorpo- rados nos últimos dez anos. Os méto- dos de irrigação localizada (gotejamen- to e microaspersão) estão instalados em 11% desta área irrigada. Atualmente, o uso intensivo de água pelos diversos setores tem proporcio- nado impactos significativos sobre os ecossistemas de água doce, como alte- rações na qualidade e disponibilidade deste recurso. Dessa forma, há uma ênfase crescente em aumentar a efici- ência do uso da água a fim de se obter maior produtividade com os recursos limitados disponíveis. Dentre as alter- nativas, destaca-se a utilização de siste- mas de irrigação mais eficientes, como os sistemas por gotejamento. Além dis- so, é fundamental uma gestão mais efi- ciente dos recursos hídricos, fato que vem acontecendo mediante a atuação dos governos (federal e estadual) e da sociedade civil nos comitês de bacia hi- drográfica. De acordo com dados da FAO, até 2020, prevê-se que o uso da água au- mentará em 40% e que será necessário um adicional de 17% de água para a produção de alimentos a fim de satisfa- zer as necessidades da população em crescimento – que, segundo estimati- vas, aumentará 30% até 2050. Neste contexto de demanda crescente por ali- mento e a iminente falta de água doce para agricultura no mundo, faz-se ne- cessária a adoção de sistemas e de ma- nejo de irrigação que permitam a pro- dução sustentável de alimentos e ecolo- gicamente correta. Definição e histórico — A irriga- ção por gotejamento ou irrigação “gota a gota” caracteriza-se pela aplicação de Fotos: Divulgação

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IRRIGAÇÃO

ECONOMIA E EFICIÊNCA irrigação por gojetamento tem como características a aplicação de

água em pequenas vazões, alta frequência e de forma pontual, localizada.Método foi criado em 1860, na Alemanha

Daniel Fonseca de Carvalho, professor da UFRRJ, doutor em Engenharia Agrícola pela UFV, bolsista do CNPq e da FAPERJ, [email protected];Dionizio Honório de Oliveira Neto, doutorando em fitotecnia na UFRRJ, [email protected]; e Dione Galvão da Silva,

mestranda em Fitotecnia na UFRRJ, [email protected]

A agricultura irrigada é considera-da a atividade produtiva de mai-or consumo hídrico dentre aque-

las que demandam água. Para ela atri-bui-se 72% da água doce consumida emtodo o planeta, sendo que, no Brasil,esse porcentual está em torno de 69%.Estima-se que, aproximadamente, 20%da área cultivada no mundo seja irriga-da, sendo esta responsável por 46% daprodução colhida. No Brasil, 5,5% daárea plantada é irrigada, corresponden-do a 35% da produção. O primeiro rela-tório de conjuntura dos recursos hídri-cos no Brasil, lançado recentemente pelaAgência Nacional de Águas (ANA),mostra que atualmente há cerca de 4,6milhões de hectares irrigados no país,sendo que 50% destes foram incorpo-rados nos últimos dez anos. Os méto-dos de irrigação localizada (gotejamen-to e microaspersão) estão instalados em11% desta área irrigada.

Atualmente, o uso intensivo de águapelos diversos setores tem proporcio-nado impactos significativos sobre osecossistemas de água doce, como alte-rações na qualidade e disponibilidadedeste recurso. Dessa forma, há umaênfase crescente em aumentar a efici-ência do uso da água a fim de se obtermaior produtividade com os recursoslimitados disponíveis. Dentre as alter-nativas, destaca-se a utilização de siste-mas de irrigação mais eficientes, comoos sistemas por gotejamento. Além dis-so, é fundamental uma gestão mais efi-ciente dos recursos hídricos, fato quevem acontecendo mediante a atuaçãodos governos (federal e estadual) e dasociedade civil nos comitês de bacia hi-drográfica.

De acordo com dados da FAO, até2020, prevê-se que o uso da água au-mentará em 40% e que será necessárioum adicional de 17% de água para aprodução de alimentos a fim de satisfa-zer as necessidades da população emcrescimento – que, segundo estimati-vas, aumentará 30% até 2050. Nestecontexto de demanda crescente por ali-

mento e a iminente falta de água docepara agricultura no mundo, faz-se ne-cessária a adoção de sistemas e de ma-nejo de irrigação que permitam a pro-dução sustentável de alimentos e ecolo-gicamente correta.

Definição e histórico — A irriga-ção por gotejamento ou irrigação “gotaa gota” caracteriza-se pela aplicação de

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CIA DE GOTA EM GOTAágua em pequenas vazões, alta fre-quência e de forma pontual (localiza-da). É realizada por meio de dispositi-vos mecânicos denominados emissoresou gotejadores, inseridos nas tubula-ções, que podem estar sobre a superfí-cie do terreno ou enterradas na profun-didade entre 0,10 a 0,75 m. Por aplicarágua em apenas parte da área cultivada,ou seja, apenas parte da área é molha-da, a perda por evaporação é reduzida,proporcionando maiores eficiências dosistema. A água penetra no solo forman-do um bulbo molhado, ocasionandoumidade necessária ao desenvolvimen-to do sistema radicular da planta.

Os primeiros experimentos com ir-rigação por gotejamento tiveram iníciona Alemanha em 1860, onde tubos ce-

râmicos subsuperficiais foram utiliza-dos, combinando sistemas de irrigaçãoe drenagem. Apesar de ser antiga a ideiade se fazer gotejar água ao pé da planta,somente a partir de 1960, com os tra-balhos do engenheiro hidráulico israe-lense Simcha Blass e com o início dafabricação de tubos de plástico, o mé-todo tomou grande impulso, sendo im-plantados os primeiros sistemas comer-ciais. A partir das experiências adquiri-das em regiões desérticas e com a mai-or disponibilidade de tubos plásticos debaixo custo, o sistema de gotejamentose difundiu para a Austrália, América doNorte, África do Sul e posteriormenteao mundo todo.

No Brasil, datam de 1972 os primei-ros projetos utilizando o sistema de irri-gação por gotejamento. Segundo aANA, a incorporação de áreas domina-das pelo método de irrigação localizadaelevou-se de 112.730 hectares (1996)para cerca de 338 mil hectares (2003/04). Considerando apenas a RegiãoNordeste, o aumento da área com essemétodo foi de 3,2 vezes no mesmo pe-ríodo. Os estados da Bahia, São Paulo eMinas Gerais respondem por 57,4% daárea irrigada de forma localizada.

Características — Os gotejadores,emissores que dão nome ao sistema, sãopeças conectadas às tubulações, capa-zes de dissipar a pressão disponível nalinha lateral e aplicar vazões pequenas econstantes. Operam sob pressão de 5 a15 mca (metros de coluna de água) evazão de 2 a 20 litros/hora. Diversosartifícios são utilizados na construçãodos gotejadores a fim de dissipar a ener-gia da pressão da água, visto que a águadeve sair gotejando, sob baixa pressão.Os mais comuns são o uso de orifício,no qual a perda de carga decorre do es-trangulamento da seção do fluxo, e olongo percurso, em que se procura au-mentar o caminho de saída da água nocorpo do gotejador, em espiral ou emlabirinto, sendo a perda de carga pro-porcional ao comprimento do percur-so.

O sistema de irrigação por goteja-mento geralmente é fixo, ou seja, nãohá movimentação das linhas laterais.Sendo assim, é composto de tantas li-nhas laterais quantas forem necessáriaspara suprir toda a área. Quanto à cone-xão na linha lateral, os gotejadores po-dem estar conectados sobre a linha (online), quando são acoplados na tubula-

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ção após perfuração da mesma, na li-nha (in line), quando são integrados natubulação de polietileno, ou no prolon-gamento da linha. O primeiro tipo deconexão facilita o posicionamento dogotejador bem próximo à planta, nãomolhando o espaço entre elas, enquan-to o segundo é mais utilizado quando sedeseja irrigar uma faixa molhada. Osmesmos podem ainda ser normais ouautocompensantes (autorreguláveis),quando a vazão aplicada permanece pra-ticamente constante para uma faixa devariação da pressão.

Vantagens e limitações — O gote-jamento apresenta potencialidade paralocais onde a água é escassa ou o seucusto é elevado; locais onde ocorremperíodos prolongados de seca; solos are-nosos, rochosos, ou que apresentamdeclividade; culturas de alto valor eco-nômico. Geralmente é empregado tantopara fruticultura como para culturas anu-ais como café e cana-de-açúcar, além dehortaliças.

Comparativamente a outros sistemas,a irrigação por gotejamento contribuipara o aumento da eficiência do uso daágua, possibilita a utilização de águas commaior concentração salina, melhora aeficiência de aplicação de fertilizantes eproporciona economia de mão de obraem virtude da possibilidade de automa-ção, sendo também o método mais re-comendado para plantas espaçadas (po-

mares, cafezais, etc.). Por outro lado, orisco de entupimento dos emissoresconstitui a maior limitação deste siste-ma. Além disso, por se tratar de siste-mas fixos, apresenta um custo inicial ele-vado e, mediante um dimensionamentoequivocado, pode promover um desen-volvimento restrito do sistema radicularda cultura, acarretando, no caso de cul-turas perenes, baixa sustentação dasplantas ao solo.

Componentes do sistema — Alémdos emissores (gotejadores), propriamenteditos, um sistema de irrigação localizadaé composto pelo cabeçal de controle, queprepara a água para ser introduzida no sis-tema; pelo conjunto motobomba, que for-nece pressão e vazão ao sistema; e pelastubulações. Os equipamentos instaladosem um cabeçal de controle visam a elimi-nar ou minimizar o problema de entupi-mento dos emissores (sistema de filtros:areia, tela e disco), permitem maior con-trole da lâmina de irrigação (manômetrose válvulas de controle de pressão), possi-bilitam a aplicação de fertilizantes e pro-dutos químicos via água de irrigação (sis-temas injetores: injeção na sucção da bom-ba, uso de bombas injetoras ou diferençade pressão) e otimizam a mão de obra(registros, sistema de controle e automa-ção), por meio do dimensionamento seto-rizado do sistema.

O conjunto motobomba (MB) tempapel importante, pois fornece água na

quantidade e na pressão adequadas a fimde vencer a energia dissipada ao longodo percurso. Normalmente são adotadasas motobombas centrífugas, de eixo ho-rizontal, com motores elétricos ou àcombustão interna.

As tubulações que compõem o pro-jeto são geralmente responsáveis por60% a 70% do seu custo total e, de acor-do com a sua função, podem ser classi-ficadas em adutora, linha principal, linhade derivação e linha lateral. A adutoraconduz a água da MB ao cabeçal de con-trole (CC) e a linha principal conduz águado CC às linhas de derivação. Ambas sãogeralmente enterradas para facilitar otrânsito de máquinas e podem ser de ferrofundido, PVC ou aço zincado. As perdasde carga ocorridas na adutora não influ-enciam na homogeneidade de distribui-ção da água.

O mesmo pode ser observado para alinha principal, quando forem instaladasas válvulas reguladoras de pressão na en-trada de cada linha de derivação. As li-nhas de derivação recebem água da linhaprincipal e distribuem para as laterais.Podem ser de PVC ou polietileno (flexí-vel, de baixa densidade e resistente a rai-os UV) e normalmente são enterradas naprofundidade de 30 a 40 centímetros. Sãogeralmente constituídas de 2, 3 ou 4 di-âmetros, variando de 25 a 100 milíme-tros. Por último, mas não menos impor-tantes, as linhas laterais recebem águada linha de derivação e alimentam os emis-sores. Seu custo pode chegar a 50% doprojeto; geralmente seguem as linhas deplantio em nível, são de polietileno e, paragotejamento, apresentam diâmetro de 3/8", 1/2" ou 3/4".

Considerações finais — A irrigaçãopor gotejamento não deve ser conside-rada somente como uma técnica parasuprimento de água às plantas, mas comoparte integrante de um conjunto de téc-nicas agrícolas que, sob condições con-troladas de umidade no solo, adubação,salinidade, doença e variedades selecio-nadas, proporcionem efeitos significati-vos na produção por área e por água

consumida, bem como naqualidade do produto.

Visto a importância dessatécnica para agricultura, ossistemas de irrigação locali-zados apresentam as melho-res características para apli-cação de água e controle fi-

Conforme Carvalho, os custos com airrigação por gotejamento podem

ser elevados inicialmente, mastendem a ser reduzidos quanto

maior o espaçamento entre plantase mais plana for a área

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tossanitário. No en-tanto, o uso da irri-gação pode não apre-sentar somente bene-fícios, pois o mau di-mensionamento euma escolha equivo-cada da prática cultural favorecem asperdas de produção por incidência dedoença e, consequentemente, aumentonos custos com tratamento fitossanitá-rio.

Os custos com a técnica podem serelevados inicialmente, mas tendem a serreduzidos quanto maior o espaçamentoentre plantas e mais plana for a área, poispoderão ser empregados tubos de me-nores diâmetros. Considerada uma mo-dalidade de irrigação inviável para culti-vos de baixa remuneração, atualmente airrigação por gotejamento vem se popu-larizando face à competitividade do agro-negócio brasileiro, além da redução noscustos dos seus componentes.

O sistema de irrigaçãopor gotejamento

geralmente é fixo, ouseja, não há

movimentação das linhaslaterais