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UNILASALLE-RJ Rua Gastão Gonçalves, 79, sala 401 Santa Rosa, Niterói, Rio de Janeiro Brasil CEP. 24.240-030 Link: http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/conhecimento_diversidade E-mail: [email protected] 2013 Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 1–152 jan./jun. 2013 ISSN 1983-3695 Impresso ISSN 2237-8049 Online Revista

ISSN 1983-3695 Impresso - unilasalle.edu.br · Margaréte May Berkenbrock-Rosito Universidade Cidade de São Paulo – / UNICID Marsyl Bulkool Mettrau – Universidade Salgado de

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UNILASALLE-RJRua Gastão Gonçalves, 79, sala 401Santa Rosa, Niterói, Rio de Janeiro

BrasilCEP. 24.240-030

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2013

Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 1–152jan./jun. 2013

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Revista Conhecimento & Diversidade / Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro — n. 9 (jan./jun. 2013) — — Niterói, RJ: Zit Gráfica e Editora, 2013 —

Semestral ISSN 1983-3695 Impresso/ISSN 2237-8049 Online

1. Conhecimento. I. Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro

CDD: 001

Revista Conhecimento & Diversidade é uma publicação semestral do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro, situado à Rua Gastão Gonçalves, 79,

sala 401, Santa Rosa, Niterói — RJ — CEP: 24.240-030. Fone: (21) 2199-6663

Link: http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/conhecimento_diversidadeE-mail: [email protected]

Copyright © — 2009 by Centro Universitário La Salle do Rio de JaneiroÉ permitida a reprodução dos artigos com a menção da fonte.A revista não se responsabiliza pelo teor dos artigos assinados.

Avaliada pelo Qualis/Capes – B3 nas áreas de Educação, Interdisciplinar, Direito, Ensino e Psicologia, B4 na área de História e C na área de Medicina I.Fundação Biblioteca Nacional — Catálogo de EditoresAtende a Lei do Depósito Legal nº 10.994, da Fundação Biblioteca Nacional – RJ

Indexada em/ Indexed in:EBSCO; Dialnet; DOAJ; Fonds Ricoeur; Latindex; Sumários.org; SEER; Google Acadêmico; The Open Access Digital Library; EZB Library.

Pede-se permuta / Exchange requested.

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UNILASALLE-RJ

Ignácio Lúcio Weschenfelder, fscReitor

Ronaldo Curi GismondiVice-Reitor e Pró-Reitor Acadêmico

Mary RangelEditora

Sergio de Souza SallesEditor Assistente

CONSELHO CONSULTIVO NO BRASILCristina Maria D’Avila Teixeira Maheu – Universidade Federal da Bahia e Universidade do Estado da Bahia – BALucia Maria Vaz Perez – Universidade Federal de Pelotas – RSMaria Emilia Amaral Engers – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – RSMargaréte May Berkenbrock-Rosito – Universidade Cidade de São Paulo / UNICIDMarsyl Bulkool Mettrau – Universidade Salgado de Oliveira – RJMeirecele Caliope Leitinho – Universidade Federal do Ceará e Universidade Estadual do Ceará – CENaura Syria Carapeto Ferreira – Universidade Federal do Paraná e Universidade Tuiuti – PRPaulo Fossatti – Centro Universitário La Salle – RSPergentino Stefano Pivatto – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – RSSergio de Souza Salles – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Católica de Petrópolis e Instituto de Filosofia João Paulo II – RJ

CONSELHO CONSULTIVO NO EXTERIORAngel Garcia del Dujo – Universidade de Salamanca – EspanhaAntonio Vitor N. Carvalho – Universidade de Aveiro – PortugalCarlo Baldari – Istituto Universitário di Scienze Motorie – ItáliaCarolina Moreira da Silva Fernandes de Sousa – Universidade de Algarve – Portugal e Universidade de Huelva – Espanha.Edgar Genuíno Nicodem, fsc – Conselheiro Geral para Região Latino-Americana LassalistaEnrique Ignácio Aguayo Cruz – Revista Logos – MéxicoEsther Fragoso Fernández – Universidad La Salle, Pachuca – MéxicoFlavio Pajer, fsc – Rivista Lasalliana – Itália

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Juan David Agudelo Botero – Facultad de Ciencias Sociales y Educación – ColombiaLeopoldo Briones Salazar – Universidade Internacional SEK – ChileMaría De Los Ángeles Cecilia Coronel Perea – Universidad La Salle Pachuca – MéxicoMaría De Los Ángeles Rodríguez Gálquez – Corporación Universitaria Lasallista – Colombia

COMISSÃO EDITORIAL DO UNILASALLE-RJAndréia Paraquette BastosAngelina Accetta RojasCesar Augusto Ornellas RamosKarla Branco Figueiredo de LimaSimone Garrido Esteves Cabral

CONSULTORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRAAndréia Paraquette BastosCarlos Frederico de Souza CoelhoJulio Cesar Mello D’AmatoKarla Branco Figueiredo de LimaMariana Di MangoMarcelo Siqueira Maia Vinagre MocarzelMônica Valéria Masello do Nascimento

ASSESSORIA DE EDIÇÃOBianca Antunes

ASSISTENTE DE EDIÇÃOAnna Cristina Costa Farias

EDITORAÇÃO E PROGRAMAÇÃO VISUALJefferson Fernandes

IMPRESSÃO E ACABAMENTO CTP Zit Gráfica e Editora

A Revista tem pareceristas ad-hoc de diversas universidades, no Brasil e no exterior.

A REVISTA CONTA COM O APOIO DO HSBC

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Sumário

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Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 5–6jan./jun. 2013

Programa da Revista Conhecimento & Diversidade 2013 – 2015 – Convite a autores..........................................................................

Dossiê Temático: Arte e Diversidade

Conhecimento e diversidade na construção temática da arte......Knowledge and diversity on themed construction of artMARY RANGELIGNÁCIO WESCHENFELDER,FSCRONALDO GISMONDICentro Universitário La Salle do Rio de Janeiro, Brasil.Editorial

Educación artística: práctica democrática e inserción curricular....Art education: democratic practice and curriculum insertionJAIRO ALVARADO SÁNCHEZCorporación Universitaria Lasallista, Colômbia.

O não-surrealismo de Frida Kahlo.................................................Frida Kahlo’s non-surrealist artLAURA RODRIGUES NOEHLESUniversidade de Freiburg, Alemanha.

Arte e formação humana: estatuto ontológico e sistema de arte.Art and human formation: ontological status and system of artRONALDO ROSAS REISUniversidade Federal Fluminense, Brasil.LUCIANA REQUIÃOUniversidade Federal Fluminense, Brasil.

Resgatando histórias e cultura escolar: o foco na formação estética docente............................................................................Rescuing stories and school culture: focus on aesthetic teacher trainingMARIA CRISTINA DOS SANTOS PEIXOTOUniversidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil.

Design industrial: entre a razão e a sensibilidade........................Industrial design: between the reason and the sensibilityMARCOS ANTONIO ESQUEF MACIELInstituto Federal Fluminense, Brasil.

Educação musical e ouvir crítico na Internet................................Music education and critical listening on the InternetLINCOLN FRANCISCO DE OLIVEIRA CASTROCentro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Brasil.

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Corpo museu: imagens entre fronteiras.......................................Museum body: images across bordersROBSON XAVIER DA COSTAUniversidade Federal da Paraíba, Brasil.

CTS-Arte: uma possibilidade de utilização da arte em aulas de Ciências................................................................................................STS-Art: one possibility of using art in science classesROBERTO DALMO VARALLO LIMA DE OLIVEIRACentro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Brasil.GLÓRIA REGINA PESSÔA CAMPELLO QUEIROZUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.Universidade Federal Fluminense, Brasil.Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Brasil.

Autonomia da arte: notas de estética............................................Autonomy of art: aesthetics notesSÉRGIO CÂMARACentro Universitário La Salle do Rio de Janeiro, Brasil.

A preservação de bens culturais no contexto do capitalismo tardio....................................................................................................The preservation of cultural heritage in the context of late capitalismSONIA APARECIDA NOGUEIRAFundação Oswaldo Cruz, Brasil

Dialogando com as paisagens culturais: perceber, ampliar e transformar......................................................................................Dialoguing with cultural landscapes: notice, expand and transformANGELA PHILIPPINIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.

Seção especial

Uma imagem vale mais: o uso das imagens na educação como elemento potencializador..............................................................An image is worth more: the use of images in education as an enhancer elementMÁRCIO JOSÉ MELO MALTAUniversidade Federal Fluminense, Brasil

Permutas.......................................................................................

Normas para publicação................................................................

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Programa da Revista Conhecimento & Diversidade

– 2013 a 2015 –Convite a autores

UNILASALLE-RJRevista Conhecimento E Diversidade A/C Anna Cristina FariasRua Gastão Gonçalves, 79, sala 401Santa Rosa, Niterói, Rio de JaneiroBrasilCEP 24.240-030 E-mail: [email protected] Link: http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/conhecimento_diversidade

Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 7jan./jun. 2013

A Revista Conhecimento & Diversidade (Qualis B3 nas áreas de Educação, Interdisciplinar, Direito, Ensino e Psicologia, B4 na área de História) é do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro, Brasil, e integra a Rede de Instituições La Salle, que se estende a 82 países, incluindo 74 Universidades e 1200 escolas básicas. A Revista integra também a Província La Salle Brasil-Chile e o Projeto Educativo Regional Lassalista Latino-Americano/PERLA.

A fim de convidar os autores e lhes apresentar os próximos temas da Revista, previstos para publicação em 2014 até 2015, apresenta-se o programa, que informa as datas de envio dos artigos.

11º. Número – Educação e direitos humanos: 30 de novembro de 201312º. Número – Tema livre, a critério dos autores: 30 de abril de 201413º. Número – Psicologia em diversos prismas: 30 de novembro de 201414º. Número – Tema livre, a critério dos autores: 30 de abril de 2015

A Revista Conhecimento & Diversidade acolhe artigos de diversos cursos e áreas de conhecimento, com diferentes enfoques e perspectivas de abordagem, que possam trazer contribuições ao campo educacional.

Os autores deverão observar as normas para publicação que se encontram no link: http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/conhecimento_diversidade e estão também publicadas, ao final de cada número da Revista.

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Neste passo no trajeto de Conhecimento & Diversidade, alcança-se mais uma etapa significativa de sua sequência e da sua ênfase na divulgação de estudos que tragam, de diversas áreas, contribuições aos fundamentos e processos pedagógicos. Privilegia-se, nesse sentido, a proposta multidiscipli-nar da revista e do próprio sentido de diversidade, que incorpora a pluralida-de em suas expressões sociais e acadêmicas. Com essa proposta, reúnem-se, neste número, artigos que tratam da Arte, em seus diversos aportes, que se apresentam a seguir.

Jairo Alvarado Sánchez, da Corporación Universitária Lasallista, na Co-lômbia, aborda a Educación artística: práctica democrática e inserción curri-cular. Nesse artigo, encontram-se argumentos consistentes sobre o papel da educação artística nos processos socioeducacionais, destacando-se o valor do acesso do aluno à cultura.

La Educación artística no es un tema de invisibilidad en el marco normativo de la Educación, de hecho cuando se evidencian los fines u objetivos de las diferentes niveles o secciones del sistema formal educativo (preescolar, primaria o secundaria), la artística está asociada a tópicos como: la diversidad de lenguajes; a la expresión, sentimiento, apre-ciación, creatividad artística, a un valor, o a la estimación de bienes culturales nacionales y universales. Sin embargo, siendo visible se relativiza el potencial de lo estético en lo educativo y dista mucho de ser una dinámica, no la única, que transforme los sistemas educativos para convertirse en un camino que permita alcanzar el desarrollo no sólo per-sonal sino colectivo.

Laura Rodrigues Rochles, da Universidade de Freiburg, Alemanha, abor-da, com fundamento denso e sensível, O não-surrealismo de Frida Kahlo. A autora discute, então, as características exóticas da pessoa e da produção artísticas de Khalo e seu reconhecimento, que persiste na atualidade.

Conhecimento e diversidade na construção temática da arte

Knowledge and diversity on the themed construction of art

MARY RANGEL IGNÁCIO LúCIO WESCHENFELDER, FSC

RONALDO GISMONDI

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Arte e Diversidade

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É preciso ter-se em mente o momento histórico em que Bre-ton chega ao México para se compreender as motivações do surrealismo. Em 1938, uma nova onda de patriotismo havia invadido a Europa e prenunciava o início da próxima guerra que o continente iria vivenciar. O surrealismo surge como reação aos horrores da Primeira Guerra Mundial e seu engajamento por uma arte internacional é sintoma de sua oposição ao início de uma segunda guerra que tornasse a dividir o continente europeu. A maior parte dos surrealistas considerava, por isso, fundamental que a arte se libertasse de suas “amarras nacionalistas”. A arte de Kahlo, por outro lado, é fortemente marcada pela busca de formas que ex-pressem a ideia de identidade nacional. Uma das principais metas de sua arte é a busca de uma estética fundamental-mente mexicana. E nesse ponto crucial - o caráter nacional ou internacional da execução da arte - a pintora e os sur-realistas se diferenciam uma vez mais. A visão de mundo de Kahlo é influenciada pela geração pós-revolucionária mexicana e ela incorpora o espírito de uma geração que acredita em uma nação mexicana homogênea, com um pas-sado em comum e um futuro a ser construído. Entretanto, os surrealistas não conseguem - ou querem - reconhecer o patriotismo de Kahlo.

Ronaldo Rosas Reis e Luciana Requião, da Universidade Federal Fluminen-se, trazem aportes de expressivo alcance pedagógico e social em seu artigo sobre Arte e formação humana: estatuto ontológico e sistema de arte. Um dos enfoques desse estudo é o de que, numa perspectiva criticossocial e política, encontram-se argumentos consistentes que fundamentam o ques-tionamento do uso mercadológico da arte.

Este estudo propõe-se a estabelecer as bases teórico-críticas da Educação Estética no Brasil. Do ponto de vista epistemo-lógico, aborda sistematicamente os temas do estatuto on-tológico da arte, do sistema de arte, do trabalho do artista e do ensino de arte, considerando, metodologicamente, as relações sociais de produção artística face ao desenvolvi-mento histórico das forças econômicas no Brasil. Preocupa--se centralmente em demonstrar que, na medida em que faz parte do Sistema Capital, a arte reproduz em seu meio de produção, isto é, no processo de trabalho, no ensino e na circulação da mercadoria arte, os mesmos esquemas de exclusão e dominação inerentes a qualquer outra merca-doria na mesma circunstância. Dessa forma, a análise aqui proposta está delimitada pelo corpus epistemológico que

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busca dar conta da questão da dualidade na arte em nosso país, seja, por um lado, determinada pelo esforço das fra-ções esclarecidas da burguesia buscarem meios de saírem do atraso estético, seja, por outro lado, determinada pela necessidade de formar força de trabalho especializada e ex-plorar o excedente desse trabalho.

Maria Cristina dos Santos Peixoto, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, focaliza questões significativas, incorporadas ao tema Resgatando histórias e cultura escolar: o foco na formação estética docente. A autora realça a importância de oficinas pedagógicas e traz ao seu texto sua pesquisa e seu resultado, com a ênfase em narrativas que alicerçam as bases da formação docente, apontando também o valor da neuroestética.

Nesse sentido, é prioritário desenvolver cada vez mais estu-dos na área de formação de professores, a fim de avaliar as atividades realizadas e propor novos planos formativos. Um dos caminhos pode ser o de levar em conta as percepções dos estudantes em formação e suas representações sobre suas vidas, ou seja, como vão se construindo e como enca-ram suas carreiras. Ouvir o que essas jovens alunas sabem sobre si mesmas pode ser uma forma de valorizá-las e de contribuir para o mencionado debate sobre a profissiona-lização docente, expondo os variados ângulos da questão. Sabe-se que existem muitas formas de os alunos falarem de suas vidas, de suas trajetórias humanas e escolares, e esses “dizeres” podem dar voz àqueles que, por tanto tempo, fo-ram silenciados.

Marcos Antonio Esquef Maciel, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, focaliza a formação do desenhista industrial em seu estudo sobre Design industrial: entre a razão e a sensibilidade. A discus-são da arte dissociada da técnica, assim como o entendimento do objeto de fruição dissociado do objeto útil, são focos expressivos das análises.

Como caracterizar o Design Industrial? Existe uma relação íntima entre Design Industrial e a Arte? Essas são algumas perguntas que ainda hoje geram algumas dificuldades de compreensão. Nossa análise não deseja detratar ou exal-tar argumentações, favoráveis ou não, a tais pressupostos. Buscamos explorar um território que é muito instigante e apaixonante, e que vem desde as origens do Design até os momentos atuais sendo pontuado, demarcando fronteiras, reflexões e debates acalorados. Nesse sentido, associá-lo à aparência das coisas, à inovação, à criatividade, à esfera

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dos produtos que nos agradam visualmente e que nos tra-zem conforto, assim como ao aforismo da boa forma, não nos parece incorreto. Também nos parece pertinente esta-belecer uma correspondência do Design Industrial a uma ideia de progresso, de desenvolvimento e de evolução. No entanto, tais vocábulos, por si só, não nos indicam a quê, para quem e em que níveis se posicionam. É verdadeiro que durante um processo evolutivo nos defrontamos com várias situações e experiências que nos podem ser vistas como ale-gres, incômodas ou não. Assim, a ideia de progresso pode, à nossa percepção, se apresentar ambivalente, isto é, to-dos nós desejamos as benesses e confortos proporcionados pelo progresso; no entanto, se tal condição nos impõe uma perda de valores, coisas etc., que nos são caras, ela também impele a mudanças e ajustes, não tão confortáveis a esses novos impositivos existenciais.

Lincoln Francisco de Oliveira Castro, do Centro Federal de Educação Tec-nológica Celso Suckow da Fonseca, focaliza questões de especial interesse na discussão atual da Arte, abordando-as sob o tema Educação musical e ouvir crítico na Internet. A formulação de um curso de música online, con-forme demonstram os dados e análises do artigo, requer uma especial aten-ção ao estímulo da audição musical crítica.

A necessidade da democratização das artes consideradas eruditas guiou a elaboração do curso Apreciação Musical Online (AMO). Desse modo, ele situa-se no âmbito de uma ação cultural, tendo como finalidade principal estimular uma audição musical mais elaborada e consciente dos su-jeitos. Buscamos, com isso, estimular os alunos-ouvintes a experimentar e a se aventurar nas artes e, mais especifica-mente, na música.Para atingir esses objetivos, foi necessário pensar em um es-paço cultural que viabilizasse o curso. Decidimos desenvol-ver um curso online sob a forma de blog, por ser essa uma interface rápida e de grande interatividade, que possibilita a feitura de inúmeros hipertextos.A ideia de que todos podem aprender música marcou a definição do público-alvo do curso. Definimos, então, que o AMO poderia se destinar a todos aqueles que tenham a pretensão de dar início aos seus estudos na área musical, sejam crianças, jovens ou adultos.

Robson Xavier da Costa, da Universidade Federal da Paraíba, em seu ar-tigo intitulado Corpo museu: imagens entre fronteiras, focaliza o corpo no

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processo terapêutico, com enfoques sobre a arte e a terapia, considerando perspectivas políticas e ideológicas. O autor propõe, então, um entendimen-to amplo na forma de pensar a arte e o corpo na contemporaneidade.

Parece-nos que, tal como um baú, onde organizamos cui-dadosamente nossas memórias, o corpo humano também guarda em si mesmo as marcas do tempo e as escolhas da vida; essas relações podem ser compreendidas da mesma maneira que concebemos a imagem de um museu, ou seja, como um lugar da guarda de um acervo raro, único. No cor-po, esse acervo é guardado em forma de memórias e ima-gens vividas. Tal qual a concepção contemporânea de mu-seu, o corpo humano está em permanente transformação, refletindo a situação mental e física daquele que o habita. Nada escapa a seu registro. O implacável tempo desenha diariamente novas rugas e memórias. O corpo, portanto, pode ser considerado como exemplo de um museu vivo.Neste ensaio, pretendemos nos aproximar das formas de abordagem do corpo na perspectiva da arte e da artetera-pia, procurando compreender o seu lugar e as possibilida-des de compreensão da natureza humana, relativas a toda forma de expressão entre fronteiras.

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira, do Centro Federal de Educa-ção Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), e Glória Regina Pessoa Campello Queiroz, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universi-dade Federal Fluminense e CFET-RJ, trazem uma proposta de valorização da diversidade cultural e uso da arte nos estudos de ciência, a partir de uma pesquisa com alunos de química. Em seu artigo sobre CTS-Arte: uma possibilidade de utilização da arte em aulas de ciências, o movimento CTS/Ciências, Tecnologia e Sociedade é abordado, considerando sua repercussão no ensino.

A educação CTS, sob a visão de nosso grupo de pesquisa em educação em ciências, vai além de abordagens anteriores, pois temos como meta contribuir para uma formação na qual os estudantes sejam formados como cidadãos aptos a compreender algumas das relações entre Ciência, Tecnolo-gia e Sociedade, associando os conteúdos científicos curri-culares, ou em fase de transposição didática, a essa tríade, tornando-se capazes de pesquisar e engajar-se nas pesqui-sas e estudos sobre assuntos que, ao longo de sua vida, forem necessários ou de seu interesse. Esperamos, assim, que os estudantes venham a desenvolver conhecimento e um senso crítico que lhes permitam desconfiar de verdades

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impostas, e que possam assim tomar decisões coerentes em seu ambiente, caso seja de sua possibilidade, tendo respei-to e tolerância à diversidade existente nas formas de pensar, agir, vestir-se, cultuar, presentes no mundo contemporâneo.

Sérgio Câmara, do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro, em seu artigo Autonomia da arte: notas de estética, analisa questões fundamentais relativas à autonomia da arte, propondo superar relações de sujeição ou he-teronomia. A concepção da arte é então discutida, incluindo contribuições históricas, filosóficas e epistemológicas.

A concepção geral da arte é um dos problemas mais rele-vantes da Estética. Ao mesmo tempo em que trata de um conceito essencial do fenômeno, também comparte e deli-mita o próprio campo da Estética como disciplina filosófica. Assim é que, de Platão a Kant, de Hegel a Sartre, o centro de discussão estética é, em um primeiro plano, o conhecimen-to do fenômeno, independentemente das relações concei-tuais que envolvem a compreensão da arte; por exemplo, compreender a manifestação artística do Renascimento ou do Romantismo pode revelar uma direção de pensamento, um estilo de época, um ideário, mas não resolve a essen-cialidade do problema artístico. Isso significa que devemos indagar, e questionar a partir dessa indagação, se a arte é um fenômeno autárquico que deve ser investigado por in-termédio de leis próprias, atemporais e universais.

Sonia Aparecida Nogueira, da Fundação Oswaldo Cruz, examina ques-tões candentes, de natureza histórica, social e política, em seu estudo sobre A preservação de bens culturais no contexto do capitalismo tardio. A discus-são do papel da técnica e das artes é contemplada, observando as articula-ções entre cultura material, ciências sociais e práticas profissionais.

Os estudos sobre o papel da técnica e das artes no desen-volvimento das sociedades e das forças produtivas contem-plam o pressuposto das necessárias articulações entre cul-tura material, ciências sociais e as práticas profissionais do presente, associadas à valorização de saberes e ofícios do passado. Dentre uma gama de questões que envolvem o trabalho de conservação e restauração do patrimônio cultu-ral, tais como os vários fatores de degradação, os critérios e metodologias de intervenção e a necessidade de políticas de preservação de recursos humanos e financeiros, a ênfase aqui se refere às especificidades desse fazer e à formação requerida, analisadas do ponto de vista da centralidade do trabalho para a formação humana, como é tratada pela te-oria crítica marxiana e marxista.

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Angela Philippini, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desenvolveu análises perspicazes da arte no cenário cultural, tematizando-as no artigo Dialogando com as paisagens culturais: perceber, ampliar e transformar.

Em 1° de julho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro recebeu o título inédito de Patrimônio cultural da Humanidade. Se-gundo essa categorização da Unesco, ao ser considerada como patrimônio cultural, entre outras tarefas, a cidade passou a ter a responsabilidade (a ser compartilhada com os diversos atores sociais) de manter íntegras as possibi-lidades de contemplação de suas paisagens agradáveis e, simultaneamente, construir, preservar e manter, dentro do espaço urbano a ser preservado, a possibilidade de criar continuamente eventos diversos, no sentido de proporcio-narem boa qualidade de convivência e lazer cultural.Complementarmente, temos o conceito e categorização de Patrimônio Imaterial, que abrange a conexão e preservação de determinados usos e costumes, considerando relações profundamente subjetivas e afetivas em relação às tradi-ções, memórias, saberes, aromas, formas, cores, sons e espaços, que também merecem ser preservados, pela sua importância em determinados territórios.

Na Seção Especial, encontra-se o estudo de Marcio José Melo Malta, da Universidade Federal Fluminense, sobre Uma imagem vale mais: o uso das imagens na educação como elemento potencializador. Em textos e figuras, o artigo aborda e ressalta o uso de imagens, que se associa à proposta de que a aprendizagem e as dinâmicas da sala de aula se realizem de modo mais lúdico e prazeroso.

O objetivo do presente artigo é analisar as possibilidades proporcionadas pelo uso de imagens na educação. A ideia central é refletir sobre a potencialização do ensino por meio de imagens. A principal motivação desse foco temático deve-se à experiência no exercício da atividade de profes-sor universitário, conjugada à profissão de cartunista. Essa junção proporcionou a realização de trabalhos acadêmicos voltados para tais questões, assim como a utilização de re-cursos didáticos, como, por exemplo, o amplo uso de dese-nhos feitos em sala de aula para expor os conteúdos. Essas reflexões fundamentam-se em análises de atividades do Laboratório de Produção e Análise de Imagens (Lapi’s) da Unilasalle-RJ, no âmbito do curso de História, e seus subsí-dios às discussões sobre usos e possibilidades pedagógicas e históricas da arte.

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Desse modo, ao concluir esse conjunto de aportes da arte, assinala-se, sobretudo, o alcance de sua discussão, envolvendo uma diversidade de te-mas e questões, que demonstram a amplitude das implicações da produção artística e das suas dimensões socioculturais, filosóficas, epistemológicas, históricas e políticas, procurando trazer aos educadores contribuições rele-vantes à compreensão fundamentada da arte e do seu expressivo significado para a formação, contextualizada e crítica, de docentes e pesquisadores.

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Desde hace unas dos décadas el discurso oficial ha variado y el arte en la escuela se entiende cada vez más como un componente educativo no accesorio que contribuye a la generación de conocimiento, y que tiene la posibilidad de incidir en la transformación no sólo de los individuos, sino del entorno escolar y comunitario, considerándolo un camino que propicia el entendimiento y la participación social, en definitiva, un componente básico para la construcción de una nueva ciudadanía.

Jairo Alvarado Sánchez

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Educación artística: práctica democrática e inserción curricular1 Art education: democratic practice

and curriculum insertionJAIRO ALVARADO SÁNCHEZ*

“…porque es a través de la belleza como se llega a la libertad.” (F. Schiller)

ResumenLa Educación Artística juega un papel fundamental en los procesos formativos en la escuela, pues permite a través de la experiencia estética una aproxima-ción a las finalidades de toda educación: el acceso al mundo cultural. La vigen-cia y alcance de esta educación es abordada desde dos aspectos: la agenda de la política pública a nivel continental y los momentos de desarrollo curricular de la educación del arte. Se trata de demostrar que el impacto de lo artístico en la educación va más allá de establecer o regular la didáctica de un área o un campo de saber, pues lo que se pone en juego no es sólo un reto pedagógico para la escuela o el maestro, sino que se convierte en un reto colectivo, en el que está involucrada la sociedad entera en tanto que educar estéticamente contribuye al desarrollo individual y social desde una perspectiva democrática fundada en el reconocimiento y la legitimidad del otro.

Palabras claves: Educación Artística. Educación Estética. Política pú-blica. Curricularización del arte.

AbstractArtistic education plays a key role in the school learning processes and allows, through an aesthetic experience, the approximation of all the educa-tion aims: access to the cultural world. The validity and scope of this educa-tion have been studied from two aspects: the public policy agenda at conti-

_________________________________1 Este trabajo nace a partir de la intervención en el Segundo Seminario: “Estética y educación”, organizado por los programas de Educación de la Corporación Universitaria Lasallista y el grupo de investigación Educación y subjetividad.

* Decano de la Facultad de Ciencias Sociales y Educación de la Corporación Universitaria Lasallista, Caldas, Antioquia, Colombia. Licenciado en Filosofía y Magíster en Educación de la Pontificia Universidad Javeriana. Investigador del grupo Educación y subjetividad. Email: [email protected]

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nental level and the curriculum development moments of artistic education. Results have shown that the artistic impact in education goes beyond esta-blishing or regulating the teaching of a knowledge area or field since the question does not rely only a pedagogic challenge for the school or for the teacher, but on a collective challenge in which the whole society is involved. At the same time, aesthetic education contributes to individual and social development from a democratic perspective based on the recognition and legitimacy of the other.

Keywords: Artistic Education. Aesthetic Education. Public Policy. Curri-culum of the art.

La Educación Artística se ha convertido desde hace algunos años en un aspecto sustancial en la educación, adquiriendo un mayor protagonismo en la agenda pública de nuestro continente, partiendo del convencimiento de que las practicas educativas en el área artística son un eje formativo esencial para los estudiantes, y no sólo porque con ello se pretende contribuir al de-sarrollo personal o social, desde una perspectiva psicológica, sino porque de manera más amplia, el presente siglo genera desafíos que sólo podrán ser resueltos por ciudadanos creativos y tolerantes.

En este sentido, la educación artística tiene el reto de desprenderse de su etiqueta de ser un área paliativa para el “divertimento” de los estudian-tes o en el mejor de los casos, como área complementaria en los planes de estudio, y restituir su valor como un componente educativo que requiere especial atención por parte de las autoridades educativas y de los agentes formativos.

Contemporáneamente, la preocupación por la inserción curricular de la educación artística es la preocupación por establecer una dinámica que le devuelva su significación en el concierto de los procesos formativos, su con-vergencia con otras áreas desaber y su contribución a la construcción de una sociedad democrática que reivindique la experiencia estética como un apor-te efectivo para aceptar la presencia de un “otro” legitimo y diverso. Así, es posible afirmar que el arte contribuye a la generación de conocimiento y que por lo tanto no se encuentra fuera de la “academia”, pero sobre todo, no se encuentra fuera de las experiencias colectivas y cotidianas de los estudian-tes, ya que el arte engancha el mundo cultural y simbólico con el mundo que se agita en su interior permitiendo conectar su experiencia individual con la experiencia de la humanidad entera: “Al conducir el mundo hacia dentro, que es uno de los significados que los griegos daban a la palabra estética (o aisthèsis) , el sujeto se desprende de su mirada sobre sí mismo y ve al ser humano en toda su plenitud” (Carbonell, 2008, p. 68).

Política pública En el concierto internacional han surgido diversas reflexiones y agendas

programáticas, que intentan sumar esfuerzos y recursos para promover una

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educación en la que el arte y la cultura son componentes esenciales para el desarrollo integral de los pueblos y las naciones.

Así por ejemplo, El Consejo de Europa a mediados de los años noventa impulsó el estudio Arts Education in Europa: a survey, dentro del programa Culture, Creattivity and the Young (1995), donde se plasman dos preocupa-ciones, la primera tiene que ver con las alternativas para canalizar la riqueza creativa de los jóvenes y la segunda en la posibilidad de conjugar la identi-dad y diversidad cultural para la unidad social. Europa, afirma que su futuro está en los jóvenes, sus ambiciones, sensibilidad y valores, son el fundamen-to sobre el que se ha de construir el desarrollo de las naciones, y por ello los gobiernos nacionales deben formular políticas y programas coherentes para apoyar el desarrollo creativo y cultural de los jóvenes.

Por su parte, la UNESCO en el año 2004 encargo a Anne Bamford un es-tudio internacional para analizar el efecto de los planes de estudios artísticos sobre la educación de los jóvenes y determinar la situación de la educación artística (El factor ¡Wuau!). El estudio recoge información de al menos 60 países, algunos de ellos pertenecientes a Iberoamérica: Argentina, Colombia, Chile, Ecuador, España y Perú. Los resultados de este estudio se convirtieron en el material de análisis y discusión de la primera Conferencia Mundial de Educación Artística de la UNESCO realizada en Lisboa, Portugal (2006). En la segunda conferencia realizada en Seúl, Corea (2010), bajo el siguiente lema: Construir capacidades creativas para el siglo XXI, se propuso evaluar y analizar los resultados de una hoja de ruta que se había definido en la pri-mera conferencia cuatro años atrás. De igual forma, se exploraron entornos de aprendizaje, investigación y oportunidades de desarrollo creativo fuera del ámbito institucional. Se promovió la cooperación y asociación para la educación artística tanto a nivel interdisciplinario como a nivel intersectorial.

La Hoja de Ruta, diseñada para las dos conferencias, establecía para la educación artística los siguientes objetivos: garantizar el derecho de niños y jóvenes a la educación y participación de la cultura; promover el desarrollo de capacidades individuales; mejorar la calidad de la educación artística y el fomento de la expresión cultural diversa. Igualmente, la Hoja planteó tres preguntas a las que la reflexión de la política educativa debería responder y en la que se involucraba a los artistas, docentes, estudiantes y responsables políticos, pues considerada como una meta básica de toda educación era un factor determinante para el desarrollo creativo y cultural:

¿La educación artística sirve sólo para apreciar el arte o hay que considerarla como un medio para potenciar el aprendizaje de otras materias?”; “¿El arte debe enseñarse como disciplina por su valor intrínseco, por el conjunto de conocimientos, ha-bilidades y valores que transmite o por ambos motivos?”, o “¿La educación artística debe ir destinada a unos pocos alum-nos especialmente dotados en disciplinas muy concretas o a todos los alumnos en general? (UNESCO, 2006).

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En América Latina las legislaciones educativas reflejaban tímidamente lo que la Educación artística aportaba a los procesos formativos globales del sistema, su referencia obligatoria estaba asociada al patrimonio cultural e histórico (por ejemplo, la Ley General de Educación de 1993 en México o Ley 9.394 7/1996 en Brasil). Las Leyes Generales, Orgánicas o Leyes Marco de la Educación apuntaban fundamentalmente a una Educación en la que las artes y la cultura eran consideraciones que guardaban una pertinencia endógena, es decir, que lo artístico educa para lo artístico y dónde se de-lineaban asuntos estratégicos de mayor envergadura a los que el sistema debía dirigirse: desarrollo científico y tecnológico, TIC, educación ambiental, convivencia, ciudadanía, o bilingüismo.

En algunas Legislaciones, por ejemplo Argentina o Uruguay, la educación artística forma parte de los temas transversales básicos de que debe ocupar-se el sistema educativo, pues se considera que la educación artística tiene como propósito que los educandos puedan alcanzar “a través de los diferen-tes lenguajes artísticos, una educación integral, promoviendo el desarrollo de la creatividad, la sensibilidad y la percepción, impulsando la creación de universos singulares que den sentido a lo que es significativo para cada ser humano” (Ley General de Educación18.347 de 2009). Pero, en el caso de la Ley General en Colombia (Ley 115/1994) o de la Ley Fundamental en Costa Rica (Ley 2160/1957) los fines educativos no involucran el concepto estético o artístico, a lo sumo son uno más de los valores existentes en la escuela. De manera particular en la Ley General colombiana, lo artístico o estético no aparece como término en los objetivos comunes a todos los niveles del sis-tema educativo, y no hace parte del componente de enseñanza obligatoria para toda la educación formal.

La Educación artística no es un tema de invisibilidad en el marco norma-tivo de la Educación, de hecho cuando se evidencian los fines u objetivos de las diferentes niveles o secciones del sistema formal educativo (preescolar, primaria o secundaria), la artística está asociada a tópicos como: la diversi-dad de lenguajes; a la expresión, sentimiento, apreciación, creatividad artís-tica, a un valor, o a la estimación de bienes culturales nacionales y universa-les. Sin embargo, siendo visible se relativiza el potencial de lo estético en lo educativo y dista mucho de ser una dinámica, no la única, que transforme los sistemas educativos para convertirse en un camino que permita alcanzar el desarrollo no sólo personal sino colectivo:

… sin el arte es difícil ensanchar la comprensión y la cons-trucción del mundo, y de que, asumido como experiencia y práctica transformadora, permite a las personas cambiar su entorno individual, social y comunitario a partir de explorar y asumir diversas prácticas éticas y estéticas (Metas 2021 OEI).

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Inserción curricularEn 1924 Bertrand Russell publica un pequeño texto que vendría a ser

un preludio de desarrollos posteriores de este filósofo en torno a la ciencia, preguntándose si ésta sería la clave que le devolviese al hombre su fe en el progreso y conducirlo a la felicidad: Ícaro o el futuro de la Ciencia. Este panorama en el que se contraponen dos personajes mitológicos, Ícaro y su padre Dédalos, describe como el ingenioso y laborioso Dédalos construye alas para él y su hijo de manera que pudiesen escapar del Rey Minos, pero Ícaro desatendiendo la advertencia de su padre y preso de su inusitado en-tusiasmo se precipita al abismo. Metafóricamente, parecería que la actividad del ingenio humano le regalara la promesa de liberarse de su propia prisión y elevarlo sobre todo aquello que le impide conseguir su “paraíso”, pero es este resplandor de lo “científico” y su conducente entusiasmo lo que puede llevar a convertir la ciencia en una amenaza. “Suelen pensar los humanos que el progreso científico tiene necesariamente que ser una bendición para la humanidad, pero mucho me temo que se trate de otra confortable ilusión del siglo XIX que nuestra época, bastante más realista debería descartar” (Russell, 1987, p. 51).

La escuela por su parte ha reproducido esta ilusión y ha privilegiado en su currículo a la ciencia, sobre todo a las denominadas “ciencias duras” como aspectos fundamentales de su organización, selección, circulación y evalua-ción del saber. Se selecciona así un corpus de conocimientos que se conside-ran necesarios para los futuros ciudadanos, dentro del discurso de igualdad de oportunidades donde se trata de brindar a los estudiantes capacidades que le permitan un protagonismo económico y laboral. Así, en su organi-zación, y entendiendo el currículo como una selección de contenidos cul-turales, la lógica educativa oficial reproduce discursos hegemónicos donde priman los conocimientos que se legitiman desde el monopolio de la ciencia y la tecnología, prometiendo asegurar en un futuro el progreso y desarrollo social (Torres, 2005).

En este escenario la pregunta es por el papel del arte o de la educación artística en la escuela. Su desventaja frente al discurso científico, la ha lle-vado a ser un componente marginal en el concierto de la educación en general y de los currículos de manera más precisa. Se ha depositado en ella una suerte de virtudes terapéuticas en las que las lógicas intrapersonales o psicológicas refuerzan o estimulan su acción curricular o extracurricular, ya que es una dimensión del sujeto que permite un despliegue de sus posibili-dades cognitivas, emotivas y valorativas, pero dicha educación está lejos de poder ser integrada a la vida y la organización de las escuelas.

Desde hace unas dos décadas el discurso oficial ha variado y el arte en la escuela se entiende cada vez más como un componente educativo no accesorio que contribuye a la generación de conocimiento, y que tiene la posibilidad de incidir en la transformación, no sólo de los individuos, sino

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del entorno escolar y comunitario, considerándolo un camino que propicia el entendimiento y la participación social, en definitiva, un componente bá-sico para la construcción de una nueva ciudadanía.

Como practica la presencia curricular de la Educación Artística, ha tenido una evolución en la que se ha transitado desde la formalidad y disciplina del dibujo hasta la indeterminación subjetiva de la experiencia de lo estético (Aguirre, 2005; Azar, 2009; Morales, 2001). En este sentido algunos autores se refieren a modelos, etapas o enfoques de la educación artística en la es-cuela o su inserción curricular distinguiendo al menos cuatro momentos que pasaremos a describir, centrándonos fundamentalmente en la última: el arte como dibujo, el arte como auto expresión, el arte como saber disciplinar y el arte como educación estética.

En un primer momento la educación consideró que el dibujo era la ex-presión de la educación artística, por ello era importante el seguimiento de modelos, la imitación como la acción que debía el maestro desarrollar en el estudiante a fin de replicar las buenas formas del dibujo. El maestro se con-vierte en la fuente de saber apoyado eventualmente en manuales o cartillas que indican a los estudiantes los procedimientos a seguir a fin de realizar un trabajo ordenado y limpio.

La reacción frente a esta forma de concebir el arte en la escuela como academicismo artístico, se expresa en un segundo momento: la autoexpre-sión creativa. Esta tendencia evidencia la necesidad de la escuela para per-mitir el desarrollo de la creatividad, la sensibilidad, la espontaneidad y la genialidad que habita y fluye de manera natural en los niños. Una versión de cuño Roussoniano, donde importa el desarrollo de los sentidos como forma de conocer y acceder al el mundo. No hay direccionalidad curricular del docente o de autoridad alguna pues gnerearía inhibiciones en la expresión del niño o el joven.

En un tercer momento se intentará restituir el arte como saber, como dis-ciplina, reivindicando su valor cognitivo y no solo lo emotivo. La propuesta de sistematización de la enseñanza artística nace en el Centro Getty para la educación en las Artes, en los Ángeles (California), y pretendía desarrollar la enseñanza en cuatro ámbitos: La estética, la historia del arte, la crítica y la práctica de taller. Si bien en la tendencia del arte como expresión se diluye la presencia del maestro, aquí se instala la figura del maestro experto, ya que si el arte es una forma de conocimiento él será quien introduzca al estudiante a la comprensión de los objetos y conceptos “válidos” del arte.

Finalmente, la educación estética intenta articular los alcances de la au-toexpresión, la sistematicidad de la disciplina, buscando el cultivo o el fo-mento de experiencias estéticas donde se vincule el valor del arte a partir de la sensibilidad, pero entendida esta como una exploración amplia y variada no sólo respecto a la diversidad de fuentes del percibir, sino a los fenómenos mismos que son experimentados: naturaleza, obras de arte, diseños, entor-no cotidiano, comunitario y social (Azar, 2009).

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Destacamos algunos aspectos que la experiencia estética permiten rei-vindicar: la desacralización de los objetos de arte; la apertura de manifes-taciones artísticas que rompen el canon tradicional y clásico de lo bello, y finalmente la conexión biográfica que logra. La experiencia de lo estético permite poner a circular de una manera democrática contenidos y sentidos alrededor de lo estético. Dewey (2008) afirmará que se suele identificar lo estético sólo con los objetos o productos, y que siendo resultados de la ex-periencia humana son aislados de esta y elevados a la categoría de cultos por la idealización y sacralización que hace de ellos un sector social o intelec-tual, y de las instituciones que las representan instituyendo así un discurso y una práctica de lo artístico.

Es ilustrativa la anécdota de Auguste Rodin quien el Salón de París de 1864 expuso su primera obra escultórica: “El hombre de la nariz rota”, utili-zando como modelo a un criado suyo. Esta obra incompleta para la crítica fue reprobada por su ofensivo realismo y “fealdad”- fuera de los cánones gestuales – además, porque se trataba, en ese momento, de un autor des-conocido formado en una escuela para artesanos (Petite École). Se dice que años más tarde un amigo de Rodin la mostró a los académicos defendién-dola como una mimesis de la antigüedad clásica, la escultura fue recibida, entonces, con aprobación y admiración por parte de sus contemporáneos.

El carácter biográfico o performativo que pone de relieve la experiencia estética, remite a una experiencia vital que le permite al sujeto un camino de encuentro consigo mismo, una posibilidad de configurar su propia sub-jetividad (Aguirre, 2005). Esto no quiere decir que la experiencia de lo esté-tico sea un reducto de la individualidad o un privilegio de los genios, por el contrario, se trata de hacer emerger “la aptitud de los seres humanos, para explorar sus vivencias sensibles, a partir de su realidad comunitaria” (Azar, 2009). Dewey (2008), sostendrá en este mismo sentido, que los objetos ar-tísticos pierden significación cuando se desliga de la obra las experiencias que la atraviesan: la experiencia subjetiva del artista y la experiencia huma-na, cotidiana y social de la cual obtuvo su realización.

Este propósito de la educación estética se ha visto reflejado en algunas prácticas de centros culturales y museos, intentando acercar los “objetos de la cultura”, derribando sus muros para dialogar con el ciudadano. La prácti-ca museística tradicional insistía en “conservar”, ya que se tenía la sensación de que el objeto de arte era sólo un artículo del recuerdo que dado su carác-ter histórico merecía ser guardado y vigilado para conservarlo en el tiempo, por ello los expertos los catalogaban y coleccionaban para ser finalmente expuestos.

Merece la pena analizar en el marco de educar en lo estético, el proyecto que se implementó recientemente en el Museo de Arte Moderno de Nueva York. El programa se denomina: MOMA unadulterated, que consiste en una experiencia sonora (Audio Tuor Hack) en la que niños de aproximadamente 10 años, comparten su perspectiva sobre las obras de colección del museo.

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Desde el método de “Estrategias de pensamiento visual” (VTS), desarrollado por el propio museo desde la década de los 90, la intención es permitir que los niños, sin la pretensión de aportar información “académica o histórica” al visitante, puedan comunicar su propia creación de significados. El método responde al lema: sólo mirar (¿Qué ves?, ¿Qué te hace decir eso?, ¿Qué más ves?), de manera que rompiendo con un sector de la crítica, la fuente inter-pretativa reside en el espectador, en el visitante, trasladándose la autoridad interpretativa fuera del autor o del propio objeto del arte.

Deberíamos advertir que esta práctica educativa puede llevar al empo-brecimiento de la experiencia estética, pues al percibir sólo los aspectos ma-nifiestos de la obra ignorando o rechazando reflexiones por fuera de litera-lidad de la obra, se genera una limitación en la comprensión de la misma obra, pues lo que se ignora en realidad es que existe un contexto visual, histórico, social y cultural que hace parte de las cualidades que explican el objeto estético mismo. En el museo, al igual que en la escuela, se trata de tejer alrededor de la obra de arte una autoridad compartida, ya que los sig-nificados que le podemos endilgar a una obra es sólo un componente de la riqueza perceptiva, simbólica e interpretativa de la cual hace parte la obra:

Sin embargo, las respuestas personales deberán ser cuestio-nadas y ampliadas, fomentando que los estudiantes usen en su propio beneficio -para la construcción de su experiencia- los diferentes significados construidos en torno a la obra: los que se construyeron en el contexto en el que se produjo la obra, los que le pudo dar el artista, los que han surgido del conocimiento disciplinario y del expertize, y también los significados que construyen los usos que hoy día hacemos de la obra. Puesto que será el debate y el conocimiento crítico de estos significados el que permita a los alumnos construir sus propias interpretaciones y experiencias con la obra de arte contemporánea de manera compleja, crítica y significativa (Arriaga, 2008, p. 138).

La educación estética como afirmación demo-crática del “Otro”

El alcance de una educación estética permite abordar un elemento más en la reflexión, pues si bien se ha mostrado su revitalización o reivindicación en torno a la consideración del objeto mismo de arte, su apertura para la circulación de sentidos y la incidencia de la educación estética en el pla-no autobiográfico, la educación estética se configura como una posibilidad para la divergencia y el reconocimiento del otro, que no es otra cosa que afirmar la posibilidad de construir democracia a partir de la presencia legí-tima de un otro.

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El proyecto de cultura moderna definió al hombre como ser racional, des-valorizando dimensiones como lo afectivo- emotivo, lo lúdico, cercándolas en el área de lo irracional, de los márgenes a-lógicos. Lo Racional- instru-mental es posibilidad de conocimiento de progreso, de desarrollo, es un síntoma inequívoco de civilización. Por su parte lo emocional es un reducto estético, pintoresco, es un síntoma inequívoco de lo folklórico-. Así, una cultura amante de los dualismos establece incompatibilidades - no articula-ciones - entre razón y emoción.

Se han generado valores, estimaciones o cualificaciones hacia las personas, los objetos, la sociedad, que maximizan procesos en aras de la eficacia, la pro-ductividad, la calidad, y en términos de mercado: competencia. Siendo esta última el motor de dicha actividad humana, no sólo leída como la actividad económica, pues en la búsqueda por un lugar en el mundo, en el mercado, la competitividad es un factor de supervivencia, el hombre, la organización, la sociedad o la nación que no es competitiva se dirige a su destrucción o mejor dicho a su anulación, desaparecer será su único destino. Se insiste entonces en la identidad, la calidad como fuentes para abrirse campo en mundo, el que se distingue en el mercado por ser único y tiene un fuerte control sobre lo que produce o hace, evitando al máximo el desperdicio o el defecto tiene posibi-lidades de vivir. La Racionalidad Occidental de progreso y desarrollo tiene como manifestación el fenómeno cultural de la competitividad.

Como fenómeno humano, la competencia se constituye en la negación del otro, se puede sobrevivir si se des-hace del camino hacia el éxito al otro, si se le desplaza o anula. La victoria de uno significa necesariamente la derro-ta o el fracaso del otro. Los Discursos generados desde la razón instrumental son reproducidos en el campo Educativo y político, es decir que la escuela se convierte en un espacio donde los sujetos se niegan o compiten entre sí.

Pero es precisamente la educación en el arte y por el arte que posibilita el ejercicio de la Educación desde un espectro más amplio al de la instruc-ción, el arte permite directa o indirectamente tejer relaciones comunicativas, pedagógicas como construcción de sentido de mundo. En este marco, la búsqueda de la “verdad” es asumida como la posibilidad que tienen los suje-tos de dotar de “sentido” su conexión con la naturaleza, con el mundo, con los otros, su pretensión no es otra que poder interpretar el mundo desde la esfera de la cultura, donde cabe la ciencia y la tecnología. Así, las relaciones con los otros son construidas desde la legitimidad del otro que tiene un puesto en el mundo, que no es necesariamente igual a mí, sino necesaria-mente diverso, distinto, plural.

La pregunta sería si el ejercicio Educativo y con ello la educación artística es una continua preocupación por el logro de este propósito o fin. Pero al intentar construir una respuesta a esta pregunta, nos podemos ver aboca-dos a contemplar la cara más importante de la educación por el arte: si se educa para la afirmación del otro, es decir para la afirmación de lo humano.

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Parecería una redundancia hablar de Educación y en concreto de educar en lo típicamente humano: el pensamiento, la emoción, la libertad y legiti-midad del otro. Pero, tradicionalmente esta acción cultural - educativa es entendida como la transmisión de saberes acumulados de una generación a otra, y este proceso se percibe como una construcción progresiva o ascen-sional. Por ejemplo, una tecnología está hecha sobre la base de una tecno-logía anterior que estructural y teóricamente es menor o inferior, cuando se sobrepasa esta tecnología, llegamos a un grado más de cualificación y podemos percibir no sólo su perfección sino lo que se denomina: Desarrollo. En consecuencia con lo anterior la educación da cuenta precisamente del progreso o desarrollo del saber, en otras palabras diríamos que la educación rinde un informe clasificado o curricularizado del desarrollo de las activida-des de la humanidad en determinados periodos de su historia. La Educación es entonces reproducción de una razón instrumental homogeneizadora del desarrollo (Torres, 2005).

Lo anterior demuestra que Educar en lo humano no es un área del saber en la que el hombre se constituye a la vez en sujeto y objeto de estudio o una tarea externa prescindible a la educación. Educar en lo humano se convierte en la tarea más genuina de la Educación por el arte, que explicaría su modo de ser, su sentido como actividad humana.

Si el rescate del sujeto supone privilegiar la verdadera realidad episte-mológica de lo educativo: El hombre mismo, su pensamiento - no instru-mental-, su libertad, sus emociones, utilizando como mediación el lenguaje, habría que advertir que esto no conduce a ver los espacios comunicativos como la educación en un ejercicio intimista, personal, individual, intransfe-rible en su totalidad. Como si el Ego se instituyera en el principal propósito de cualquier intercambio comunicativo o de aprendizaje, cuando lo que se pretende es la aceptación del otro desde la convivencia, esto constituye el fenómeno social: “Sólo son relaciones sociales las relaciones que se fundan en la aceptación del otro como un legítimo otro en la convivencia, y que tal convivencia es lo que constituye una conducta de respeto. Esta apertura per-mitirá verdaderas relaciones sociales en la construcción de una colectividad Democrática” (Maturana, 2001, p. 68).

Si la sociedad es la actividad relacional de unos hombres con otros y la educación el espacio de aprendizaje de la misma - aprender es convivir - , el circulo se rompe en la medida en que los hombres puedan llegar a un ejerci-cio de comprensión de estas estructuras que reproducen la miseria humana y convivan efectivamente en el respeto y la legitimidad del otro. Pero esta tarea educativa y social de reencontrarse con lo humano no es una tarea fácil, el maestro Estanislao Zuleta (2009), en el contexto de la edificación de la democracia, reconoce que la democracia es frágil, pues todo movimiento que implica la aceptación de sí o de otro es angustioso y exige modestia. “Su fragilidad procede de que es difícil aceptar el grado de angustia que significa pensar por sí mismo, decidir por sí mismo y reconocer el conflicto”. La modestia implica el reconocimiento como sujetos del error, de no poseer en grado sumo la verdad, es aceptar la pluralidad, la diferencia, es choque que se nos plantea en el encuentro de libertades. En sentido positivo la so-

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ciedad es reconocimiento de legitimidad de los sujetos - yo, otros - y desde lo conflictivo es un reflejo trágico de la existencia y de una actitud de respeto es decir: “tomar en serio al otro”.

Educación por el arte y democracia son espacios de encuentro legítimo con el otro, que nos convocan para reaccionar ante el dogmatismo que no permite la búsqueda común de la verdad y nos liberan de la indiferencia ante la responsabilidad de construir tejido social.

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Kahlo é, em grande parte, uma ‘descoberta’ dos surrealistas, mas foram menos as supostas características surrealistas, e sim as características exóticas de sua arte e de sua pessoa, que atraíram a atenção do público na sua época e que continuam a atrair ainda hoje. Kahlo apresenta-se, sobretudo, como uma mexicana e envolve sua imagem de símbolos relacionados ao seu país.

Laura Rodrigues Noehles

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O não-surrealismo de Frida KahloFrida Kahlo’s non-surrealist art

LAURA RODRIGUES NOEHLES*

ResumoEm diferentes momentos, nos escritos de diferentes autores, a pintora me-xicana Frida Kahlo foi considerada uma representante da corrente artística Surrealista. O presente artigo pretende demonstrar, por um lado, o que mo-tivou essa forma de interpretação e quais escritos incentivaram a propa-gação dessa linha de pensamento. Por outro lado, pretende-se esclarecer a razão pela qual a obra de Frida Kahlo na verdade não corresponde aos princípios surrealistas. Considerá-la parte integrante desse movimento pode levar, como será demonstrado a seguir, a uma compreensão limitada de seu trabalho. Para bem apreciar as nuances de sua obra é primeiro necessário ter em mente que sua classificação como surrealista foi decorrente de uma determinada constelação histórica. O distanciamento da interpretação sur-realista permite a melhor compreensão das singularidades do trabalho de Frida Kahlo, como pretende mostrar este artigo.

Palavras-chave: Frida Kahlo. Surrealismo. Alteridade. México.

AbstractIn different occasions Mexican painter Frida Kahlo has been recognized as a surrealist artist. Thus, this article aims at showing the origins of this interpretation as well as how kind of perception was spread. On the other hand, it intends to highlight the reasons why Kahlo’s paintings do not comply with the principles underlying the surrealistic movement. On the contrary, regarding this painter’s work as part of the surrealistic movement may lead to a superficial understanding of it. Grasping the full scope of her work requires acknowledging that the surrealistic perception of Kahlo’s paintings had its origins in certain historical circumstances. As a result, being far from this perception makes it possible for those who admire her art to notice its uniqueness, as this article aims at presenting.

Keywords: Frida Kahlo. Surrealism. Alterity. Exoticism. Mexico.

_________________________________* Doutoranda de História da Arte pela Universidade de Freiburg, Alemanha; Email: [email protected]

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IntroduçãoA arte de Frida Kahlo foi bem recebida pelos surrealistas, especialmente

por André Breton, durante a primeira metade do século XX. Os surrealistas não apenas se entusiasmaram com a arte e a personalidade fortes e mar-cantes dessa pintora mexicana, como também buscaram enquadrá-la nos moldes da estética surrealista. Tal qualificação, no entanto, conduz a uma interpretação limitada de seu trabalho e procura traduzi-lo por meio de um conceito familiar que elimina os enriquecedores elementos caracterizadores da alteridade de sua obra. Aceitar essa alteridade significa assumir a inca-pacidade de compreensão plena de sua iconografia, bem como respeitar as fronteiras de uma cultura cuja apreciação é um exercício de aproximação paulatina, mas nunca total uma vez que toda tentativa de tradução é uma corruptela do original.

DesenvolvimentoA galeria mexicana Ines Amor pôde contar com a presença de um gran-

de público naquela noite de fevereiro de 1940. À vernissage da Exposición Internacional Surrealista compareceram importantes representantes da cul-tura mexicana e o sucesso de público parecia, assim, garantido pela fina presença dessa elite cultural. O mesmo não ocorreu com o sucesso de crítica. Na revista Romance, Gaya (1940) publica um artigo em que a insistência em se dar prosseguimento ao projeto surrealista é exposta como inadequa-da e infértil. Gaya (1940) não deixa de apresentar seu reconhecimento do progresso artístico alcançado pelos surrealistas, mas mostra como a luta já chegou ao fim, como os objetivos já foram alcançados e como o que res-ta da batalha são apenas formalidades cansadas e sem o antigo poder de renovação. O surrealismo, de acordo com Gaya (1940), fez por merecer os louros da vitória, mas deve retirar-se de campo, pois suas armas não são mais adequadas para o combate que se segue. Gaya (1940) não é o único a defender essa posição. Os tempos de glória do surrealismo pertenciam ao passado e, muito embora ele tenha encontrado uma certa sobrevida nos Estados Unidos, sua força criativa se exaurira. A exposição de 1940 veio reforçar essa impressão geral de que o surrealismo já não era mais capaz de exaltar os ânimos como em outros tempos.

Entre as obras presentes nessa exposição constavam, também, trabalhos da então ainda relativamente desconhecida ‘senhora Rivera’, a jovem pinto-ra Frida Kahlo. Não era a primeira vez que a artista relacionava seu nome ao movimento surrealista. Em 1938, ela aceita o convite de André Breton (1896 - 1966), uma das principais figuras do surrealismo, para realizar sua primei-ra exposição individual na galeria Julien Levy de Nova York, especializada em promover os talentos relacionados ao movimento (HERRERA, 1992). A mostra de Nova York teve uma ressonância positiva e Breton logo ofereceu à pintora a oportunidade de expor no ano seguinte na galeria Pierre Colle de Paris. Esta última foi bem-sucedida, apesar de alguns atritos com Breton,

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mas a imprensa européia deixou de dedicar-se à exposição da pequena es-posa do grande muralista mexicano por estar ocupada em demasia com as notícias da guerra eminente.

Apesar de todo seu envolvimento com o círculo dos surrealistas, Kahlo é categórica em afirmar que sua arte nunca foi uma arte surrealista (HERRE-RA, 1992, p. 235). Quem estaria enfim com a razão: o proeminente pintor e escritor André Breton, quando afirma que a obra de Kahlo era a mais pura expressão do surrealismo (BRETON, 1967), ou a própria pintora, que, após participar de três exposições relacionadas ao movimento, afirma não possuir nenhuma afinidade com o grupo (HERRERA, 1992)?

Para tentar responder a essa questão, devemos nos aproximar da própria pintura de Kahlo, que esclarecerá a dúvida levantada pelas afirmativas da pintora e de Breton (1967).

Quando Breton chegou ao México em 1938 e encontrou pela primeira vez Frida Kahlo, ele já havia escrito seu ‘Manifesto Surrealista’ (1924) e pos-suía uma idéia já formada sobre a arte e seus objetivos. Para ele o México com sua paisagem vulcânica e sua fauna e flora exóticas, era um país que ex-pressava perfeitamente as qualidades intrínsecas do surrealismo. Não é, por-tanto, nenhuma surpresa que ele tenha tentado enxergar também nas artes o reflexo de suas teorias surrealistas e tenha interpretado o desconhecido na pintura de Kahlo como expressão de um surrealismo inato, precedente à teoria, como afirma Breton (1938 apud ADES, 1978, p. 224):

My surprise and joy was unbounded when I discovered, on my arrival in Mexico, that her [Kahlos] work has blos-somed forth, in her latest paintings, into pure Surreality, de-spite the fact that it had been conceived without any prior knowledge whatsoever of the ideas motivating the activi-ties of my friends and myself.

Um dos primeiros quadros de Kahlo apreciados por Breton foi o auto-re-trato dedicado a Trotsky (1937). Nesse quadro, Kahlo apresenta-se de corpo inteiro com uma de suas características saias longas, uma blusa vermelha com broche e uma pashmina sobre os ombros. As mãos cruzadas carregam um pequeno buquê de flores e uma dedicatória à Trotsky. O penteado ele-gante é adornado por uma rosa. As cortinas abertas flanqueando a imagem da pintora, o chão de madeira e plano de fundo vazio remetem ao palco de um teatro. Nada na composição parece estranho, mágico, ameaçador ou surreal. O retrato traz uma mensagem clara e direta. O desejo de Breton em ver suas teorias confirmadas deveria ser tão forte, que mesmo um quadro de composição convencional como este não esmoreceu seu entusiasmo.

Um dos quadros realizados antes da chegada de Breton ao México que poderia ser à primeira vista considerado surrealista é o Henry Ford Hospital de 1932. Breton não o cita em seu texto, mas ele pode servir de exemplo para indicar o porquê de a obra de Kahlo ter sido por vezes considerada

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surrealista. Nessa composição, vê-se uma cama de hospital disposta a céu livre diante de um horizonte duro, composto de construções industriais de formas geométricas e metálicas. O espaço entre o horizonte distante e a cama de hospital está vazio. Nem construções, nem pessoas, nem plantas criam uma ligação entre o horizonte longínquo, representando a cidade nor-te americana de Detroit, e a cama colocada transversalmente sobre o chão estéril. Sobre a cama, vê-se o corpo nu e ensanguentado da própria pintora. Seis cordões vermelhos ligam o corpo a figuras simbólicas que são, associa-dos ao sangue sobre o lençol, indícios do aborto sofrido por Kahlo. O cená-rio irreal da composição e as imagens flutuantes ao redor da figura central podem levar-nos inicialmente a associar essa pintura ao surrealismo. Mas, se conferirmos com maior exatidão quais são os princípios da arte surrealista, veremos que essa suposição é inexata.

O inconsciente e o desejo são dois conceitos centrais da produção artís-tica surrealista. Na pintura de Kahlo no entanto nenhum desses conceitos é identificável. O que ela nos apresenta é um debate consciente de temas que nada têm em comum com a esfera do desejo surrealista, que é um desejo predominantemente masculino e sexual. A pintura não lança mão nem dos recursos sensuais de um Salvador Dalí (1904-1989), nem da ilusão ótica de um René Magritte (1898-1967). Ela retrata a dor física e a dor psíquica. Além disso, o corpo nu não traduz uma expressão de sensualidade, não é apenas um meio fácil para atrair determinado público masculino, mas consiste em um símbolo dos limites físicos, isto é, um símbolo da fragilidade humana. Essa grande qualidade da obra de Kahlo torna-a substancialmente diferente dos surrealistas: na sua pintura, o corpo não é um objeto de desejo. Desde os gregos e romanos e durante todo o Renascimento, procurou-se alcançar nas artes uma beleza ideal que deveria ser expressa na relação perfeita das proporções do corpo humano. A arte moderna liberta-se dessa submissão ao ideal estético, pelo menos no que se refere à representação dos corpos masculinos. Mas libertar-se da longa tradição iconográfica que apresentava a figura feminina como forma extremamente sensualizada foi um processo longo e difícil. Kahlo consegue dar esse passo e apresenta a biologia do cor-po feminino como metáfora de seu estado interior.

Kahlo é, em grande, parte uma ‘descoberta’ dos surrealistas, mas foram menos as supostas características surrealistas, e sim as características exóti-cas de sua arte e de sua pessoa, que atraíram a atenção do público na sua época e que continuam a atrair ainda hoje. Kahlo apresenta-se, sobretudo, como uma mexicana e envolve sua imagem de símbolos relacionados ao seu país. Esse nacionalismo é reflexo do espírito de seu tempo e é o próximo ponto a ser analisado na comparação entre a pintora e o surrealismo1.

É preciso ter-se em mente o momento histórico em que Breton chega ao México para se compreender as motivações do surrealismo. Em 1938,

_________________________________1 Block e Hoffman-Jeep (1999) oferecem em seu artigo ‘Fashioning National Identity Frida Kahlo in‚ Gringolandia‘ uma boa análise do papel do nacionalismo para a arte e a auto-representação de Kahlo.

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uma nova onda de patriotismo havia invadido a Europa e prenunciava o início da próxima guerra que o continente iria vivenciar. O surrealismo surge como reação aos horrores da Primeira Guerra Mundial e seu engajamento por uma arte internacional é sintoma de sua oposição ao início de uma segunda guerra que tornasse a dividir o continente europeu. A maior parte dos surrealistas considerava, por isso, fundamental que a arte se libertasse de suas “amarras nacionalistas”. A arte de Kahlo, por outro lado, é forte-mente marcada pela busca de formas que expressem a idéia de identidade nacional. Uma das principais metas de sua arte é a busca de uma estética fundamentalmente mexicana. E nesse ponto crucial - o caráter nacional ou internacional da execução2 da arte - a pintora e os surrealistas se diferen-ciam uma vez mais. A visão de mundo de Kahlo é influenciada pela geração pós-revolucionária mexicana e ela incorpora o espírito de uma geração que acredita em uma nação mexicana homogênea, com um passado em comum e um futuro a ser construído. Entretanto, os surrealistas não conseguem - ou querem - reconhecer o patriotismo de Kahlo.

A pintura Lo que el agua me dio (1938) foi realizada após o primeiro encontro de Kahlo com André Breton e mostra-nos uma vez mais o que atraiu a atenção dos surrealistas para o seu trabalho. Nessa obra, vê-se um agrupamento de pequenas figuras fantásticas que ao primeiro olhar pare-cem não interagir nem possuir nenhum fator de identificação que os una. Um aparente caos sem nexo de figuras a esmo. Elas flutuam sobre a água de uma banheira na qual se reconhece a ponta dos pés da pintora. É como o cenário de um sonho, um devaneio no qual desejos íntimos são revelados (expresso, por exemplo, nas duas mulheres desnudas que se acariciam) e lembranças da infância são despertas (como se pode reconhecer no retrato dos pais da pintora, que também se encontra na pintura Mis abuelos, mis padres y yo, de 1936). Seres fantásticos, como a minúscula bailarina que ca-minha sobre uma corda acompanhada de insetos diversos, criam a sensação de estranhamento e parecem existir em um mundo paralelo ao da lógica e da razão. Tudo isso poderia ser considerado como ponte de ligação entre a obra e o surrealismo.

No entanto, três fatores devem aqui ser levados em consideração. Primei-ro, mesmo nessa obra ‘surrealista’ os elementos iconográficos relacionados ao México ainda possuem forte presença e nos levam a reconhecer os traços da arte nacional de Kahlo. O vestido de Tejuana que flutua sobre a água, os traços indígenas dos dois nus femininos, a vegetação, o homem com a máscara asteca e o esqueleto (referência à Pelona, a caveira que simboliza a morte no México) são alguns dos componentes que levam o observador a constantemente associar a composição à arte mexicana.

Segundo, a força e qualidade artísticas da obra residem no fato de que _________________________________2 É importante aqui salientar que a discussão gira em torno da forma de execução, da busca do artista por seus meios expressivos, pois, muito embora a realização da arte de Kahlo seja caracterizada por um estilo nacional, sua linguagem é internacional uma vez que sua temática se refere a questões não limitadas ao universo mexicano.

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a perspectiva do tradicional nu feminino, representado desde sempre como objeto voyeurista da perspectiva masculina, foi completamente invertida pela composição. Uma excelente análise dessa inversão do ponto de vista pode ser encontrado no minucioso trabalho de Ankori (2002). Nessa obra, a autora faz um paralelo entre as pinturas tradicionais de banhistas e a ima-gem criada por Kahlo, na qual é usada a perspectiva real da pintora para observar o próprio corpo, ou seja, sem a possibilidade de enxergar o próprio rosto. Assim, ao invés de oferecer ao observador a imagem de um nu femi-nino, ela desfila sobre a tela os pensamentos que povoam seu imaginário. O que se vê é um fragmento de seu corpo (a ponta dos pés) e a projeção das imagens do seu pensamento. Nessa fragmentação, Ankori (2002, p. 126) também identifica um antagonismo em relação ao surrealismo:

In Surrealist art in particular, the female body is often frag-mented in an erotic or sadistic way. Most often, this frag-mentation is a fetishizing process. In sharp contrast, Kahlo’s image of her fragmented body desexualizes it completely.

O terceiro e último fator a ser considerado é o fato de que, muito embora essa pintura possa constar entre as mais conhecidas de Frida Kahlo, ela não pode ser considerada representativa de sua obra. Essa obra permanece uma exceção entre sua produção artística e não constitui uma fase no processo de criação da pintora que possa ser reconhecida em conjunto com outros trabalhos. Embora seus frutos sejam limitados, essa experiência é antes um exercício, uma forma de experimentar a nova realidade que Kahlo começa a conhecer melhor ao manter contato com os surrealistas.

ConclusãoNão é exatamente um mundo de sonhos o que Kahlo apresenta em seus

trabalhos, mas antes uma ‘realidade mágica’3. É um universo de seres im-possíveis, de contextos improváveis e lugares fantásticos. A composição não é, no entanto, resultado do acaso, de uma ‘escritura automática’4, como os surrealistas tentavam realizar em seus textos, buscando possibilitar ao inconsciente que se expressasse por meio da arte. Kahlo não sente essa ne-cessidade. Ela não foge de um continente em guerra nem vive em uma civili-zação que sente ter perdido o elo natural com a terra e com suas origens. Ao contrário, ela vive um momento de grande confiança em um denominador comum, em uma origem comum, em um povo cujas características ela acre-dita serem as suas também. Após a Revolução de 1910, os mexicanos ini-ciam sua fase de independência cultural, voltam as costas para o Velho Con-tinente e procuram em seu próprio território as raízes de sua identidade5. _________________________________3 O termo ‘realismo mágico’ tem origem nos estudos de literatura, mas pode também ser aplicado às artes plásticas (BORSÓ, 1994, p.88).4 Para uma análise do método da ‘escritura automática‘ (‘écriture automatique‘) vide Hilke (2002).5 Matzat (1996, p. 116-120).

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A pintura não é a maneira de Kahlo nos mostrar seus sonhos, mas sua forma de criá-los. Ela cria o sonho de um México homogêneo, um México com uma identidade harmônica e constante, que é a identidade vista em seus numerosos auto-retratos, gênero com o qual Kahlo mais se ocupou. Nele re-conhecemos a imagem icônica da pintora cercada de uma fauna e flora das mais variadas formas e cores. Kahlo permanece a mesma; é o mundo ao seu redor que se modifica constantemente. Para Kahlo, a natureza é fonte de vida e elemento dessa busca de identidade tão central em sua obra. Repetidas ve-zes ela fez uso simbólico de raízes como elemento de ligação entre o indivíduo e sua terra (por exemplo em Raíces, em El abrazo de amor de el universo, la tierra, yo, Diego y el señor Xolótl ou em Retrato de Luther Burbank), reve-lando a influência cíclica entre o homem e a terra, a terra e o homem, ambos caracterizando-se mutuamente, completando-se, nutrindo-se.

O auto-retrato de Kahlo insere-se, assim como seu nacionalismo, no con-texto de uma nova mentalidade mexicana pós-revolucionária. Segundo Cruz Porchini e Vargas Santiago (2009, p. 350),

La elite posrevolucionaria utilizó el retrato para reforzar esa aureola de poder que paulatinamente se institucionalizó. Algunos retratos por encargo suscitan, en ocasiones, la iro-nía, la crítica y la reafirmación personal [...]. Dentro de esta diversidad, es constante la confluencia visual entre la vani-dad, la autoafirmación (David Alfaro Siqueiros) e incluso la fabricación hagiográfica (Frida Kahlo).

Os autos-retratos de Kahlo não são pinturas de caráter meramente pes-soal nem se fecham em um universo auto-referencial inspirado apenas pelo ambiente doméstico ao que a pintora teve que se limitar durante as fases críticas do desenvolvimento de seus problemas de saúde. Essas pinturas, na verdade, possuem um forte vínculo com o ambiente cultural mexicano do período e são um exercício constante de busca por uma identidade. O resul-tado dessa busca é uma combinação tanto de elementos pessoais quanto de símbolos e formas pertencentes ao universo cultural mexicano. Kahlo conse-gue combinar de maneira original os diversos símbolos da cultura mexicana, criando uma nova iconografia que se torna a partir de então uma referência fundamental na auto-representação e identificação do mexicano. Ela supera o propagandismo político e alcança uma expressão que sobrevive as quere-las de seu tempo e, assim, contribui consigo mesma e com o país inteiro na construção de uma nova identidade.

A força da arte de Frida Kahlo reside exatamente nessa capacidade de ter se tornado uma parte tão forte da consciência nacional mexicana. O fato de ela ter se tornado uma das principais referências culturais de uma nação, é uma das maiores qualidades de sua obra. No exterior o nome de Kahlo é uma das primeiras associações que se faz com o México. Ela representa e ca-racteriza seu país - uma tarefa de grande peso e que apenas poucos conse-

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guem alcançar. E exatamente por ser esse o diferencial de Kahlo, por ser sua obra parte intrínseca, mas também crítica da formação cultural da identida-de mexicana, é que é tão importante que se saiba, por um lado, reconhecer o importante papel do surrealismo para a recepção de sua arte e, por outro, evitar o enquadramento precipitado de sua obra na estética surrealista.

Vale lembrar que, muito embora Kahlo tenha participado de diversas ex-posições em vida e seu nome se tornasse aos poucos independentes do nome de Diego Rivera, o sucesso de sua arte não alcançava ainda nas dé-cadas de 40 e 50 as dimensões internacionais dos dias de hoje. Sua parti-cipação na mostra surrealista de 1940, citada no início deste artigo, pode ter sido motivada por um desejo de participação oriundo não de possíveis afinidades com a corrente surrealista, mas antes de uma ligação profissional e pessoal com os demais participantes da exposição.

Frida Kahlo não era indiferente às correntes artísticas de seu tempo e também se interessava pelo desenvolvimento da arte européia. No entanto, seu trabalho perde em riqueza e diversidade se reduzido a um mero ramo de uma corrente artística surgida numa Europa que se encontrava em um momento histórico-cultural completamente diverso do México pós-revolu-cionário. Tais rótulos são fáceis e confortáveis, mas nos privam do prazer de conhecer em toda a extensão as nuances da obra de Frida Kahlo.

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A associação conceitual que o senso comum faz do trabalho artístico com o lazer, com o entretenimento e com o ócio se estende ao sujeito que usufrui e, principalmente, segundo essa visão, a quem produz. É sabido que tal conceito de atividade artística como não produtiva (ou que não gera renda) apenas reforça a ideia do senso comum de que o trabalho de arte se funda numa espécie de inspiração divina, de um talento individual ou um dom, velando a sua materialidade concreta e alimentando a dissociação entre o trabalho de arte e o trabalho em geral.

Ronaldo Rosas Reis

Luciana Requião

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Arte e formação humana: estatuto ontológico e sistema de arte

Art and human formation: ontological status and system of art

RONALDO ROSAS REIS*LUCIANA REQUIÃO**

ResumoEste ensaio aborda o tema do trabalho do artista e do ensino de arte na educação básica considerando, metodologicamente, as relações sociais de produção artística face ao desenvolvimento histórico das forças econômicas no Brasil. Preocupa-se centralmente em demonstrar que na medida em que faz parte do Sistema Capital, a arte reproduz em seu meio de produção, isto é, no processo de trabalho, no ensino e na circulação da mercadoria arte os mesmos esquemas de exclusão e dominação inerentes a qualquer outra mercadoria na mesma circunstância.

Palavras-chave: Arte. Música. Sistema de arte. Trabalho. Educação.

AbstractThis paper has as its theme the artist’s work and teaching art in elementary education. It considers the social relations of artistic production over the historical development of economic forces in Brazil. It is mainly concerned with demonstrating that, as part of the Capital System, art reproduces the same patterns of exclusion and domination inherent to any other good in the same condition.

Keywords: Art. Music. Art system. Work. Education.

Este estudo propõe-se a estabelecer as bases teórico-críticas da Educa-ção Estética no Brasil. Do ponto de vista epistemológico, aborda sistema-ticamente os temas do estatuto ontológico da arte, do sistema de arte, do trabalho do artista e do ensino de arte, considerando, metodologicamente, as relações sociais de produção artística face ao desenvolvimento histórico

_________________________________* Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil; Docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil; Email: [email protected].** Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil; Docente do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil; Email: [email protected].

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das forças econômicas no Brasil. Preocupa-se centralmente em demonstrar que, na medida em que faz parte do Sistema Capital, a arte reproduz em seu meio de produção, isto é, no processo de trabalho, no ensino e na circulação da mercadoria arte, os mesmos esquemas de exclusão e dominação ineren-tes a qualquer outra mercadoria na mesma circunstância. Dessa forma, a análise aqui proposta está delimitada pelo corpus epistemológico que busca dar conta da questão da dualidade na arte em nosso país, seja, por um lado, determinada pelo esforço das frações esclarecidas da burguesia buscarem meios de saírem do atraso estético, seja, por outro lado, determinada pela necessidade de formar força de trabalho especializada e explorar o exceden-te desse trabalho.

Embora partindo da compreensão de que a estrutura econômico-social sobre a qual se ergue a concepção e a exploração do trabalho do artista é comum a todas as formas e meios de expressão artística, a limitação do es-paço impôs algumas restrições para uma abordagem mais ampla do tema. Nesse sentido, o enfoque se voltará para as artes visuais e para a música, re-conhecidamente os dois meios de expressão artística de maior inserção nos currículos do ensino fundamental e do ensino médio das escolas brasileiras. Trata-se, portanto, de um movimento de consolidação de algumas ideias e do esforço de aprofundamento de outras tantas que compõem o estado da arte dos estudos que individualmente vimos realizando há algum tempo.

O texto está organizado em breves apontamentos críticos metodologi-camente complementares. Cada um deles contempla um objeto de estudo específico a ser problematizado em conjunto com a abordagem temática proposta no título geral do presente ensaio. No primeiro apontamento vol-tamo-nos para o estatuto ontológico da arte, considerando, nesse contexto, a problemática da formação dos cinco sentidos humanos conforme Marx analisa nos manuscritos de Paris, em 1844 (2004a). Em seguida, desenvolve-mos a noção de Sistema de Artes circunstanciando o modo como as relações de produção artística se mostram subordinadas aos interesses da classe do-minante. O objetivo específico desse exame preliminar é observar sintetica-mente o processo de transformação da forma geral de mercadoria da obra de arte em mercadoria arte, atribuindo a essa última um valor distinto dos demais artefatos ou objetos ordinários. Cabe esclarecer que tal noção é cen-tral no conjunto geral do texto, seja pela necessidade de apreensão dialética das continuidades e descontinuidades históricas das relações de produção artística face ao próprio Sistema, seja pela exigência de compreensão das diretrizes ideológicas que o constituem historicamente enquanto tal.

No terceiro apontamento buscamos aprofundar as questões examinadas anteriormente considerando a contradição entre a demanda ideológica da intelectualidade burguesa e a alienação do trabalho artístico para os contro-ladores dos meios de produção de arte, inclusive a problemática reivindica-ção daquela intelectualidade pela autonomia completa do sistema arte face ao Sistema Capital. Com o objetivo de adensar a abordagem sobre a contra-

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dição acima indicada, analisamos, no quarto e último apontamento, o papel histórico do ensino de arte no país tomando como marco de referência o PCN-Arte e as concepções hegemônicas que o precedem e o seguem em educação artística e educação musical.

Sobre o estatuto ontológico da arteA associação conceitual que o senso comum faz do trabalho artístico com

o lazer, com o entretenimento e com o ócio se estende ao sujeito que usufrui e, principalmente, segundo essa visão, a quem produz. É sabido que tal con-ceito de atividade artística como não produtiva (ou que não gera renda) ape-nas reforça a ideia do senso comum de que o trabalho de arte se funda numa espécie de inspiração divina, de um talento individual ou um dom, velando a sua materialidade concreta e alimentando a dissociação entre o trabalho de arte e o trabalho em geral. Assim, o artista é visto como aquele ser que se difere dos demais por dominar certas habilidades ou possuir certos dons, e o fetiche que envolve a sua imagem e a sua atividade profissional acaba por ocultar suas necessidades humanas e suas condições reais de produção. Nesse sentido, noções como dom e outras similares encobertam os processos con-cretos de produção artística, desde a sua aprendizagem até o momento em que o produto artístico é consumido como mercadoria pelo público.

No sentido contrário, a ideia que parte da premissa que atribui ao traba-lho um caráter ontocriador da práxis (KOSIK, 2002), permite-nos apreender a importância da educação estética como condição inaugural de toda a for-mação humana. O ponto de partida de Kosik considera, como Marx, que ao se apropriar da natureza, o homem o faz impregnando-a e aos seus próprios sentidos de humanidade tornando-os “teoréticos” (Idem, p. 109), o que o levará a concluir que “a percepção sensível é a base de toda ciência” (Idem, p. 112). Com efeito, para Marx, a sensibilidade humana é uma força essencial forjada no e pelo trabalho criativo, concebendo a história como o resultado do esforço do “corpo trabalhador”, “através de suas extensões que chama-mos de sociedade e tecnologia, em luta pelo autocontrole dos seus poderes” (MARX apud EAGLETON, 1993, p. 147). Contrariamente a Hegel e aos estetas idealistas, Marx associará a tomada de consciência teórica à fruição estética, e nesse sentido ele valorizará o conhecimento artístico como fundamental no âmbito das realizações humanas. Segundo suas próprias palavras

Só pelo desenvolvimento objetivo da riqueza do ser humano

[...] é que um ouvido musical, um olho sensível à beleza das

formas, que numa palavra, os sentidos capazes de prazeres

humanos se transformam em sentidos que se manifestam como forças do ser humano e são, quer desenvolvidos, quer produzidos (MARX, 2004b, p. 110).

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Não obstante, na medida em que a análise marxiana avança no sentido do reconhecimento de que, sob o capitalismo, a arte torna-se mercadoria e o trabalho artístico, como as demais formas de trabalho, trabalho alienado, porquanto subordinado às regras das relações de produção existentes, a análise marxiana avançará igualmente no sentido de ressaltar a importância do papel da arte como ideologia.

Assim, o ponto de vista que compartilhamos é aquele que entende a arte como um trabalho humano. Como observou Ernest Fischer (1983, p. 21), “a arte é quase tão antiga quanto o homem. É uma forma de trabalho, e o trabalho é uma característica do homem”. Assim, a capacidade de criar, de modificar a natureza, estaria na arte do trabalho e no trabalho da arte reciprocamente.

Por seu trabalho, o homem transforma o mundo como um

mágico: um pedaço de madeira, um osso, uma pederneira,

são trabalhados de maneira a assemelharem-se a um mode-

lo e, com isso, são transformados em signos, em nomes, em

conceitos. O próprio homem é transformado de animal em

homem (FISCHER, 1983, p. 42).

Todavia, o pressuposto de que o processo incorpora uma “magia” não significa um poder sobrenatural, uma dádiva divina. Muito pelo contrário, conforme afirma Fischer (1983, p. 14):

Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, contro-

lar e transformar a experiência em memória, a memória em

expressão, a matéria em forma. A emoção para um artista

não é tudo; ele precisa também saber tratá-la, transmiti-

-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, for-

mas e convenções com que a natureza – esta provocadora

– pode ser dominada e sujeitada à concentração da arte.

Desse modo, esse autor assinala que na sociedade capitalista tanto a arte como o trabalho vêm se desenvolvendo fora da magia como resultado da alienação (FISCHER, 1983, p. 51). No mundo capitalista, a arte, como toda a produção humana, transformou-se em mercadoria e o trabalho artístico em trabalho profissional.

Se de um lado o trabalho de arte, apesar de totalmente integrado ao sistema de produção capitalista, é comumente visto como uma espécie de lazer, o seu ensino também carrega esse estigma. Conforme indicou Tolila (2007), a associação ao luxo tornou as artes visuais, a música, a dança, o tea-tro etc. itens supérfluos ou apenas complementares nas grades curriculares.

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Sobre o sistema de artesUm sistema de arte autônomo do sistema geral que estrutura, regula e

conduz a forma como os homens se mantêm e sobrevivem cotidianamente sob um determinado modo de produção, constitui uma das posições polí-ticas mais inflexíveis da intelectualidade burguesa no século XX, principal-mente da fração que se considera “de esquerda”. Sabe-se que essa posi-ção política opera na expectativa deleuziana de que tal autonomia acabaria por contaminar a totalidade do sistema filosófico e científico do ocidente, impondo-lhe uma fragmentação de tal ordem entrópica ou esquizoide que qualquer esforço de apreensão da forma sistêmica seria em vão.

De acordo com essa posição política, trata-se de uma operação “revolucio-nária” fundada na ideia do rizoma, cuja eficácia, segundo Deleuze e Guattari (1995), diferentemente das demais posições políticas “totalitárias” (ou não) até aqui experimentadas, não comporta qualquer métrica1. Contudo, confor-me assinalamos na abertura do presente ensaio, não por acaso foram essas posições políticas que, agindo no plano ideológico, acentuaram as lacunas de compreensão sobre a arte e o seu ensino no Brasil. Para essa posição política, artistas e aprendizes são como sujeitos desencarnados das relações sociais de produção. Portanto, entendendo a necessidade e a urgência do enfrentamen-to dessa posição hegemônica, passamos em seguida à problematização do sistema de artes historicizando-o no contexto do Sistema Capital.

O pressuposto do Sistema de Artes refere-se à sua condição de mante-nedor e controlador do capital cultural da classe dominante. Dentre outras, sua tarefa primordial é identificar, classificar e qualificar um objeto quanto ao seu valor artístico segundo um conjunto de parâmetros e critérios teleo-lógicos previamente definidos. Tais parâmetros e critérios são, portanto, os elementos objetivos e subjetivos que entram na composição do télos estéti-co mediante o qual as metas culturais elaboradas pela classe dominante (ou de uma fração no seu interior) são perseguidas.

A origem do Sistema de Artes confunde-se com o processo de consoli-dação da classe burguesa à frente do poder político do Estado, por volta do fim do século XVIII e início do XIX. Suas raízes, no entanto, estão fincadas profundamente nas transações comerciais com objetos artísticos (pintu-ras, gravuras, esculturas, desenhos, móveis etc.) realizadas por setores da burguesia afluente do século XVII, sobretudo na Holanda e na Bélgica. A necessidade de se estabelecer parâmetros e critérios que fossem úteis ao in-vestimento dos rentistas e mecenas na carreira e na produção de um deter-minado artista, e, igualmente, aos investimentos do comprador de objetos artísticos nos mercados então existentes, levaria à elaboração de um código contendo noções gerais de estética que serviam para balizar, dentre outros aspectos, o valor artístico de uma obra, a produção geral de um artista e as suas qualidades enquanto tal. _________________________________1 Para Deleuze e Guattari, tal esforço constitui um "traço deplorável do espírito ocidental" não considerar as ações no seu plano próprio de imanência, isto é, como um valor em si (op. cit. p. 33).

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No curso do período conhecido como romantismo, filósofos e artistas movidos pelo firme propósito de revestir o humanismo burguês de um pro-jeto político pedagógico que fosse imanente à sua sensibilidade, definiriam a educação estética do homem como a meta a ser perseguida2. De outra forma, a dinâmica da disputa política hegemônica no interior do Estado se refletia no interior das Academias, fazendo das regras e normas acadêmi-cas suas expressões ideológicas no ensino de arte. Para o afluente público burguês e para a pequena burguesia intelectualizada da segunda metade do século XIX, o peso institucional da Academia (do Estado, em última ins-tância) na definição do valor artístico das obras produzidas anualmente era fundamental, e, nesta medida, também sua assimilação e reconhecimento pelos colecionadores de objetos artísticos e demais agentes do mercado de arte era imediata, tornar-se-ia o objetivo a ser buscado por aqueles setores da burguesia.

Mais adiante, já no século XX, a ruptura artística com o modelo acadêmi-co concorria para a compreensão de uma divisão no interior do Sistema de Artes, o que, de fato, não ocorreu. O que ocorreu foi que o desenvolvimento da produção artística dos artistas e músicos de vanguarda levaria a indústria a uma progressiva apropriação das suas ideias estéticas e, de outra parte, o mercado a aceitação das suas obras. Portanto, é possível afirmar que o que houve foi um deslocamento do télos estético no interior do Sistema, dos estilos acadêmicos para os ismos da vanguarda.

Percebe-se, nessa circunstância, que a interferência da ideologia é fla-grantemente mais intensa por força das disputas hegemônicas que, no mais das vezes, escondem na turbidez da subjetividade posições de classe de ori-gem. Nesse sentido é sintomático que sob o capitalismo tenha se acentuado nos discursos da intelectualidade burguesa uma polarização esquizoide em torno de uma dimensão positiva e outra negativa da arte, depreendendo-se daí oposições vazias, como, por exemplo, alta cultura versus cultura de mas-sa, modernismo versus pós-modernismo, evolucionismo versus nomadismo (linguístico) etc.

Sobre o trabalho de arteExaminando os aspectos mais importantes relacionados com o processo

de acumulação, tais como, dentre outros, o custo da reprodução da força de trabalho e a remuneração do capital, Oliveira (2003, p. 38) destaca que a instituição do salário mínimo associado à legislação trabalhista fez par-te “de um conjunto de medidas destinadas a instaurar um novo modo de acumulação” no qual os enormes contingentes populacionais que afluíam à cidade necessitavam serem transformados em “exército de reserva”. Nesse

_________________________________2 Na verdade, tratava-se de educar a coletividade humana para as Belas-Artes, a Bela-Música, as Belas-Letras etc., constituía um fim que se traduzia genericamente na formação de público para o calendário oficial da cultura artística promovido pelo Estado, composto de Salões, Óperas, Saraus e respectivas premiações anuais. Ver Hegel (1972) e também Schiller (1995).

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sentido, a instituição do salário mínimo como regulador do preço do traba-lho acabou nivelando por baixo a massa salarial, propiciando a remuneração do capital em detrimento do trabalho. Associada a isso, a existência de um estoque extraordinário de força de trabalho (o “exército industrial de reser-va”), de um lado, concentraria ainda mais a renda e, de outro, equalizaria a pobreza. Conforme esperado, o excedente de força de trabalho demandou um tipo de acumulação primitiva que, a princípio, voltava-se apenas para o escoamento de parte da produção agrária, mas que, posteriormente, em períodos críticos de transição/reestruturação voltar-se-ia também – e com força – para a construção civil e toda sorte de artefatos industriais.

Do ponto de vista econômico, o trabalho do instrumentista na indústria fonográfica, do ator na indústria cinematográfica, do arquiteto na indústria da construção civil, do ilustrador na indústria de comunicação, do estilista na indústria da moda, do designer na indústria automobilística dentre outros mais é apreendido como trabalho produtivo na forma clássica e direta da re-muneração do capital (MARX, 2004b). Como gerador de mais-valia, isto é, de lucro sobre o trabalho realizado, o trabalho artístico realizado nessas condi-ções assume uma dupla (e contraditória) dimensão. De uma forma, sendo tra-balho assalariado a dimensão técnico-produtivista é enfatizada na medida em que se constitui parte indissociável do funcionamento da cadeia produtiva. De outra forma, na medida em que a dimensão criativa é constituinte do próprio trabalho a ser executado, resulta daí uma contradição em termos com a outra dimensão do trabalho a ser executado, posto não ser possível, a princípio, à dimensão criativa moldar-se pelos critérios produtivistas.

No sistema Capital essa contradição tem sido resolvida de dois modos distintos, porém complementares. No nível estrutural mediante processos de acompanhamento e controle sistemático do “fator criativo” a fim de desenvolver instrumentos em larga escala para o ajustamento daquele fa-tor à dimensão técnico-produtivista. Tal ajustamento consiste, em síntese, na tendência geral observada no sistema Capital que é o de transformar o trabalho vivo (criativo-formador) em trabalho morto (técnico-produtivista), significando isso o estabelecimento de cânones estilísticos para a utilização industrial. Conforme analisamos na seção anterior, a ação no nível da supe-restrutura se faz complementarmente mediante o controle ideológico dos meios de produção/circulação/consumo da linguagem artística e da produ-ção de um sentido ou télos estético.

Resta finalmente saber o que ocorre com a produção artística enquanto trabalho improdutivo, aquele que não gera a mais-valia e é fonte de subsis-tência do artista não assalariado. Trata-se, evidentemente, de uma circuns-tância especial, mas não de todo diferente do processo conhecido como acumulação primitiva, e nesse caso o esquema de análise em ambos os ní-veis, estrutural e superestrutural, é análogo ao desenvolvido logo acima. Contudo, é necessário reforçar a ideia acerca do papel do trabalho exce-dente no campo da arte. Isso porque, grosso modo, para o sistema Capital

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o trabalho exercido pelo artista não assalariado é trabalho excedente, cujo exercício marginal à cadeia produtiva industrial garante estabilidade social ao sistema na medida em que viabiliza a acumulação capitalista. Ora, no capitalismo tardio, mesmo não exercendo trabalho assalariado, o artista de-pende cada vez mais intensamente daqueles que controlam o meio de circu-lação da arte, afetando, nesse sentido, o conjunto das relações de sua pro-dução. Com base nisso pode-se afirmar que a contradição entre a dimensão técnico-produtivista e a dimensão criativa do trabalho artístico permanece, embora com a ordem invertida, sendo resolvida com mecanismos similares ao examinado anteriormente.

Considerações finaisDesde a década de 1970 os estudos sobre a Arte-Educação no Brasil têm

contribuído decisivamente para a instituição de uma importante tradição de debates nos meios pedagógicos do país sobre o seu papel e função na for-mação humana. A inclusão, em 1996, do ensino de arte como componente curricular obrigatório da educação básica na Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação Nacional (LDBEN), e, em 2008, a aprovação do GT- Educação e Arte pela plenária da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), não apenas atestam a legitimidade dessa tradição como impõem a exigência sobre a necessidade de continuidade, renovação e ampliação do es-pectro temático e teórico-metodológico dos estudos até aqui desenvolvidos.

Nessas quatro décadas, em sua quase totalidade, as pesquisas e publica-ções no campo da Arte-Educação têm tradicionalmente se apoiado em axio-mas que buscam nos estudos de caso (empiria) a comprovação de hipóteses acerca de problemas envolvendo a relação ensino-aprendizagem. Predomi-nam, nesse sentido, estudos empíricos sobre o papel da linguagem artística e a cognição, sobre aspectos da didática e a prática pedagógica do professor de arte e, numa escala abaixo, sobre a formação docente. A título de exemplo, considerando apenas um período recente, nas edições de 2008, 2009 e 2010 da Reunião Anual da ANPEd, do total de 55 comunicações apresentadas no GE/GT Educação e Arte, 46 seguiam essas linhas, oito traziam abordagens de natureza filosófica e/ou estética, e apenas um trabalho de extração histórico--sociológica (ANPEd, 2008-2010). Uma explicação para esse fato pode ser tanto extraída da análise dos currículos das licenciaturas então dominantes nas décadas de 1970 e 1980, como do exame crítico dos currículos revisados a partir de 1996-1998, período em que foram promulgados e publicados, respectivamente, a LDBEN e o PCN-Arte. Assentados em contradições epis-temológicas e metodológicas de difícil solução, os currículos de formação de professores de arte tentam, em sua maioria, mesclar concepções pedagógicas de fundo tecnicista, laissez-faire e pragmatismo conteudista.

No caso específico da atividade musical, não por acaso o espaço a ela dedicado nas escolas brasileiras foi, e ainda é, espaço de disputa entre aque-les que consideram a atividade musical lazer, recreação, e aqueles que en-

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tendem a música como conteúdo específico a ser desenvolvido na busca por uma formação humana omnilateral e desinteressada. Nesse contexto, a formação do professor é uma das preocupações daqueles que entendem a educação musical como uma área de estudos específicos.

Embora não explicite isso, o entendimento do Sistema Capital é que a arte é uma mercadoria produtiva a merecer cuidados diferenciados da fun-ção formadora. Nesse sentido, não nos parece ocasional a existência no Bra-sil e em outros países de ministérios ou secretarias de Cultura subordinadas à área econômica.

O Decreto n° 91.144 que criou o Ministério da Cultura (MinC), declara, por exemplo, que as transformações ocorridas nas últimas décadas no âm-bito da cultura e da educação gerou a “necessidade de métodos, técnicas e instrumentos diversificados de reflexão e administração, e tem exigido polí-ticas específicas bem caracterizadas, a reclamarem o desmembramento da atual estrutura unitária em dois ministérios autônomos” e que “a situação atual do Brasil não pode mais prescindir de uma política nacional de cultura, consistente com os novos tempos e com o desenvolvimento já alcançado pelo País” (MINc, 2007) . Mas, quais seriam exatamente as transformações nos assuntos culturais que determinariam a necessidade de sua separação dos assuntos educacionais? Quais são as políticas específicas de que estaria necessitando a cultura?

No Brasil, principalmente a partir do início dos anos 2000, indicadores mostram o crescimento e a importância da cultura e do lazer para o de-senvolvimento econômico. O relatório produzido pela Organização das Na-ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), publicado em 2003, indica essa tendência e orienta países como o Brasil a investir na área. Segundo o documento, é necessário definir o campo de abrangência do setor cultural e levantar dados com o objetivo de desenvolver políticas culturais “como chave da estratégia de desenvolvimento” (UNESCO, 2003, p. 14). Percebe-se aqui a tendência que indicava que a cultura no Brasil já representava cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no final do século XX e início do XXI, sendo reconhecido como um dos mercados mais promis-sores. Os dados atualizados hoje nos mostram que a perspectiva de cresci-mento se confirmou.

Segundo Luciana Guilherme, diretora de Empreendedorismo, Gestão e Inovação da Secretaria da Economia Criativa (MinC), a contribuição dos se-tores criativos no PIB do Brasil é de R$ 104,37 bilhões, segundo dados do IBGE de 2010, e representa 2,84% do PIB brasileiro, segundo dados da FIR-JAN (FIRJAN, 2010). O crescimento anual dos setores criativos nos últimos cinco anos (relativo ao PIB) foi de 6,13%. Outros estudos existentes con-firmam essa perspectiva indicando que a economia da cultura representa, hoje, no Brasil, cerca de 1% do PIB e que “é, dos mercados emergentes, um dos apontados como dos mais importantes e promissores do início do sécu-lo XXI” (HOLLANDA, 2002, p. 31).

Cabe dizer conclusivamente que um dos nossos objetivos aqui foi o de explicitar a dupla condição da arte no Sistema Capital. De um lado, ela re-produz nas relações sociais de produção os mesmos esquemas de exclusão e

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dominação que nos impõem a entropia e a obscuridade. De outro lado, ela é portadora de um estatuto ontológico capaz de alimentar de esperança a nossa utopia criativa.

Referências ANPEd – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação. Reuniões Anuais, 2000-2010. Disponível em: <WWW.anped.org.br>. Acesso em: 7 set. 2010, baixado em 2012.

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Através das oficinas de criação, ampliaram-se as linguagens plástica e poética que, ao se entrelaçarem, possibilitaram a cada participante vivenciar esteticamente seu processo de formação, trazendo as memórias de si, de sua própria formação como aluno. As propostas foram, muitas vezes, do individual ao coletivo; outras vezes, do coletivo ao individual, utilizando-se materiais diversos e sempre criando oportunidade para o uso da palavra oral e escrita.

Maria Cristina dos Santos Peixoto

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Resgatando histórias e cultura escolar: o foco na formação

estética docenteRescuing stories and school culture: focus on aesthetic teacher training

MARIA CRISTINA DOS SANTOS PEIXOTO*

ResumoO artigo intenta compartilhar reflexões sobre uma pesquisa educacional de-senvolvida com professores em formação inicial, no Rio de Janeiro. Objeti-vou resgatar registros e memórias na constituição de ser professora. Utili-zou-se como metodologia oficinas pedagógicas estéticas, que tangenciaram o conceito de Arte, enquanto uma linguagem potencializada, que contribui para a constituição do sujeito (VYGOTSKY) e para a ampliação da consciên-cia estética humana. Teve como suporte as categorias: criatividade, auto--conhecimento, formação docente, narrativas (auto)biográficas, vivenciadas através das linguagens expressivas: plástica, poética e cênica, além do uso da Palavra, enquanto um lugar de narração e construção de si: Josso; Do-minicé; Sposito; Freitas. Como corpus da pesquisa elegeu-se: observação; diário de bordo; produção de imagens; registro escrito; entrevistas; questio-nários; registros fotográficos e filmagens. Os resultados da pesquisa aponta-ram no sentido de que as linguagens expressivas potencializam as memórias escolares das futuras professoras e que as narrativas de si favorecem um alicerce para a formação inicial de professores.

Palavras-chave: Formação estética de professores. Memórias. Cultura escolar. Narrativas de si.

AbstractThe article intends to share reflections on educational research developed with teachers in initial training, in Rio de Janeiro. It aimed to rescue records and memories in the constitution of being a teacher. The methodology used

_________________________________* Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Brasil; Docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil; Email: [email protected].

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was aesthetic teaching workshops, which enhanced the concept of art, as a enhanced language which contributes to the constitution of the subject (VYGOTSKY) and to the extent of the aesthetical human consciousness. It had the following categories as support: creativity, self-awareness, teacher training, autobiographical narratives, experienced through expressive languages: plastic, poetic and scenic ones, besides the use of the Word, as a place of narration and a self-construction.: Josso, Dominicé, Sposito, Freitas. As research corpus, it was elected: observation, a logbook, images production, written records, interviews, questionnaires, photo records and filming. The results of the research have pointed that expressive languages have enhanced the school memories of future teachers and that the self narratives favor a support for initial teachers training.

Keywords: Aesthetic Teacher Training. Memories. School Culture. Self-narratives.

IntroduçãoSer professor, hoje, é viver, intensamente, o seu tempo com consciência e sensibilidade. Não se pode imaginar um fu-turo para a humanidade sem educadores. Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a informa-ção em conhecimento e em consciência crítica, mas tam-bém formam pessoas. Eles fazem fluir o saber – não o dado, a informação, o puro conhecimento – porque constroem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável para todos. Por isso, eles são imprescindíveis (GADOTTI, 2007, p. 22).

A epígrafe que ora apresentamos retrata como percebe-se hoje o desafio de ser educador, uma vez que envolve ir além dos parâmetros que ainda são forjados para que se abrace novas/velhas teorias e práticas que se compro-metam com a formação dos futuros professores em busca de perguntas e respostas que alimentem a razão e a sensibilidade humana.

Assim, este trabalho traz consigo um esforço institucional de acompa-nhar e registrar a trajetória de jovens alunas em um curso de formação de professores para as séries iniciais do ensino médio normal, em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. Na tentativa de compreender as memórias construídas do universo da cultura escolar, como espaço de sociabilidade e de práticas educativas desenvolveu-se, desde o ano de 2008, uma pesquisa com sessenta jovens dessa instituição pública, pretendendo identificar, in-terpretar e descrever os diálogos acerca das vivências e memórias escolares, através do espaço pedagógico nomeado de Oficinas de Criação.

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Essa investigação está relacionada no contexto das diretrizes para for-mação de professores e, especialmente, diz respeito às reflexões quanto “à pressão da juventude pela profissionalização após o ensino fundamental, o que coloca um imenso contingente de jovens no exercício do magistério e na busca de profissionalização” (FREITAS, 2009, p. 86).

Assim, ganha novos contornos a importância da investigação realizada ao indagar-se sobre o tipo de experiência intelectual e cultural que as jo-vens, futuras professoras, oriundas das camadas mais desfavorecidas mate-rialmente estão tendo oportunidade de vivenciar.

Segundo Sposito (2007), estaria sendo estruturado algum patamar de re-lações significativas para novas aprendizagens, ou as instituições de forma-ção têm oferecido apenas um credenciamento, cuja única referência impor-tante se transforma em uma vaga lembrança de um professor ou professora que souberam interagir de forma mais intensa com os alunos, fortalecendo seu desenvolvimento pessoal e profissional?

No presente artigo dar-se-à um enfoque mais ampliado às questões re-lacionadas à cultura escolar e à formação estética de futuros educadores.

A emergência da formação de jovens alunas e a cultura escolar expressa nas oficinas de criaçãoDestaca-se que o texto intencionou, retornando aos objetivos desenha-

dos, por meio da investigação realizada, identificar, interpretar e descrever os diálogos acerca das vivências e experiências escolares; das contribuições da instituição escolar de nível médio frente à formação; das expectativas desses jovens alunos em relação ao trabalho e sobre seus projetos de vida e de futuro. Além disso, propõe-se a compreender o complexo universo da cultura escolar que abrange a formação das futuras profissionais, articulado às discussões sobre a qualidade educacional e à necessidade de construir alternativas pedagógicas para os primeiros anos da Educação Básica, tendo em vista as continuidades e mudanças na carreira docente.

Nesse cenário, construiu-se um espaço denominado de oficinas criativas, que ocorreram em encontros semanais. Inicialmente, em espaço do próprio Colégio Estadual “João Pessoa” e, a partir do segundo semestre de 2008, por motivos de obras na escola, passaram a acontecer na Universidade Estadual do Norte Fluminense “Darcy Ribeiro”, totalizando uma média de sessenta horas de atividades.

Foi eleita a abordagem qualitativa de pesquisa, buscando priorizar os aspectos dinâmicos/complexos/subjetivos da natureza humana, o que fez procurar, nos encontros vivenciais, facilitar o espaço de escuta atenta dos sujeitos participantes, de acordo com Lücke e André (1988).

Como as Oficinas de criação tiveram por objetivo oportunizar vivências expressivas, tomou-se a categoria Vivência como a que possibilita um saber do todo através da experiência das partes. Uma vivência poderá favorecer o

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direcionamento a encontros com o próprio potencial, considerando-se o ser em suas múltiplas formas de expressão. Uma vivência ou uma experiência possibilitam um aprendizado circular, favorecendo a inclusão do sujeito no processo de globalização de sua interiorização/exteriorização, proporcionan-do-lhe tomar consciência do todo, através da ação, ou seja, um “perceber-se em ação” (LARROSA, 2002).

Desse modo, através das oficinas de criação, ampliaram-se as linguagens plástica e poética que, ao se entrelaçarem, possibilitaram a cada participan-te vivenciar esteticamente seu processo de formação, trazendo as memórias de si, de sua própria formação como aluno. As propostas foram, muitas vezes, do individual ao coletivo; outras vezes, do coletivo ao individual, uti-lizando-se materiais diversos e sempre criando oportunidade para o uso da palavra oral e escrita.

Com essa perspectiva, muitas histórias foram tecidas, dando espaço à ima-ginação. Desenhos, esculturas em argila, esculturas com massa de modelar, bonecas de papel entravam em cena e, coletivamente, em processo alquí-mico, transformavam-se em criativas histórias, que ora deslumbravam os(as) autores(as), ora os(as) faziam emocionar-se com as lembranças!

Tais registros eram feitos em diários de bordo, do tipo diário de campo, o qual criativamente foi construído, por cada um. Verificou-se, através dos escri-tos criativos, como cada aluna, ao longo do processo, ia construindo a capaci-dade de refletir sobre a própria formação, o que Souza (2007, p. 76) sublinha:

O processo de escrita reflexiva permite que o sujeito pro-duza um conhecimento sobre si mesmo, sobre os outros e sobre seu cotidiano, o que potencializa o contato com sua singularidade e a reflexão sobre sua identidade. É, pois, processo de formação e de conhecimento fundamentado nas experiências do sujeito.

Foi possível constatar que existia uma expectativa das jovens que partici-param da pesquisa de que a vida pessoal iria melhorar a partir da educação. Apesar de reconhecerem as precariedades da escola pública, percebe-se que há uma grande variação quanto às chances de continuarem os estudos ou as possibilidades de atuarem como profissionais da educação.

As memórias da cultura escolar que foram vivenciadas, as lembranças das várias interrupções nos estudos que muitas alunas passaram, de modo a garantir a sobrevivência familiar, foram sendo reveladas nas entrevistas semi-estruturadas e nas oficinas de criação. Esses registros serão comparti-lhados no presente texto, objetivando questionamentos sobre a qualidade do ensino, além da possibilidade de analisarmos os depoimentos das jovens sobre a importância de terem acesso à escola. Sobre tal questão foi possível verificar que, embora percebessem que o acesso à escola era precário, ainda assim as jovens se sentiam determinadas em caminhar por trilhas incertas.

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Nessa trajetória, instigou-se, através de atividades pedagógicas expressi-vas, que as professores em formação inicial pudessem expressar o presente e o passado durante as oficinas, favorecendo com que lidassem com suas percepções, seus valores, seus conhecimentos e suas linguagens próprias, assim ressignificando aprendizagens de formação docente.

Na escavação das memórias foram sendo desvelados o ritmo e a organi-zação das vivências escolares na escola primária, onde os conteúdos expostos pelos professores exigiam atividades de leituras com orientações como: a exe-cução de exercícios; pesquisas sobre diversos temas; trabalhos em grupo, que finalizavam com a realização de provas para a verificação da aprendizagem.

Tais vivências revelavam que esse enquadramento pedagógico nem sem-pre podia ser cumprido por muitas dessas jovens, que não tinham condições financeiras para a compra do material escolar.

Sobre essa questão, Mogarro (2005) admite que a cultura escolar apre-senta uma natureza profunda e naturalmente histórica. Ela é constituída por um conjunto de teorias, ideais e princípios, normas, regras, rituais, ro-tinas, hábitos e práticas que nos remetem às formas de fazer e pensar os comportamentos sedimentados ao longo do tempo, apresentando-se como tradições, regularidades e regras partilhadas pelos atores educativos, no seio das instituições.

A produção dessa cultura, como a sua compreensão, exige não só um traba-lho de elaboração e procura de fontes, como também, de acordo com Felguei-ras (2005), o recolhimento, junto às pessoas, de recordações que são permea-das de simbolizações e assumem processos dinâmicos de conflito e mudança.

No espaço de narração de si, ficou claro que muitas questões se colo-cavam para reflexão acerca da especificidade de “ser professor”, tais como as vivências e experiências escolares, envolvendo o ensinar e aprender; a possibilidade de estudar, dependendo da renda familiar e as relações entre estudo e perspectivas de trabalho. Isso foi possível de ser vivenciado ao aces-sarem memórias, reflexões individuais e coletivas ligadas à prática pedagógi-ca testemunhada pelas jovens alunas.

Indo em direção a esse mote, nas entrevistas e nas oficinas de criação, capturou-se:

Me matriculei no curso por incentivo da minha mãe e no início não estava muito motivada e hoje com os estágios e o apoio de alguns professores, penso que conseguirei chegar numa universidade e conseguir dar aulas numa escola da rede privada ou pública (aluna de 18 anos/2008).

E que lembranças/memórias sobre o espaço escolar e sobre as vivências expressivas as educandas trouxeram para os encontros? Como foram fazen-do e inventando seus modos de fazer através da escrita de si?

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Minha infância foi muito feliz, tudo era colorido. Eu me lem-brei de quando minha mãe me levava à escola. Era muito bom ver meus amigos, brincar de massinha, por avental para fazer pinturas. Na vivência foi tudo tão mágico que eu cheguei a sentir o cheiro de chocolate.Eu me lembrei de quando eu era pequena que estudava na creche. Lembrei das muitas cores, da música, do chocolate. Lembrei que eu e as crianças da creche tínhamos que dor-mir toda à tarde, mas eu não conseguia pregar os olhos.

Minha mãe levava minha irmã e eu para a creche. Sempre que chegávamos lá minha irmã abria a boca a chorar.

A minha infância foi muito divertida. Aprendi muito. Lem-bro do cheiro do bolo de fubá que minha avó adorava fazer. Lembro das minhas professoras na escola, as minhas pintu-ras no caderno (Diários de Bordo, março de 2008).

A oportunidade de recuperar memórias, registrá-las ou expressá-las plas-ticamente através de imagens, foi um caminho possível capaz de levar a uma reflexão sobre o seu próprio processo de aprendizagem e das experiências estéticas vividas, uma vez que tais memórias iluminam os fazeres do presen-te, como Chamlian (2008, p. 136) sinaliza:

A narrativa autobiográfica permite trazer à luz as dificulda-des, as fraquezas, mas, também, as potencialidades e qua-lidades, que podem sedimentar escolhas, e fortalecê-las. Permite, sobretudo, compreender o processo de aprender e a implicação de esteriótipos na aceitação das explicações teóricas sobre a aprendizagem.

Nesse sentido, Vygotsky (1988; 2001; 2003 a, b, c) teoriza sobre a lin-guagem, como constituidora do sujeito, sublinhando que as expressões criativas do sujeito, potencializam a linguagem como instrumento do pen-samento. Afirma que, quando o indivíduo se apropria da cultura e da lin-guagem, ele se auto-organiza, pois tanto a cultura quanto a linguagem são dinâmicas, possuem movimento e não se cristalizam. Por sua vez, o pensa-mento e a linguagem são chave para compreensão da natureza da consci-ência humana (2003c).

Na trilha do caminho vygotskyano:

Um pensamento pode ser comparado a uma nuvem des-carregando uma chuva de palavras. Exatamente porque um pensamento não tem em equivalente imediato em palavras, a transição do pensamento para a palavra passa pelo sig-nificado. Na nossa fala há sempre o pensamento oculto, o subtexto (VIGOTSKY, 2003 c, p. 129).

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Se o foco da pesquisa foi jovens, entende-se que a sua formação não se dá somente através de uma ação educativa, mas, sim é resultado de uma trajetória de vida e da reflexão sobre o modo como se apropriam de um determinado tempo e de espaços educativos (DOMINICÉ, 1990), além da capacidade do uso da palavra que expresse pensamentos e emoções.

Podemos interpretar que, a partir desses estudos:

Os relatos de vida, centrados na formação, relacionam-se a territórios, e como todo o território estão, geralmente, as-sociados a questões de pertencimento e, por consequência, a questões de identidade que se encontram no cerne dos relatos, como nas autobiografias contemporâneas (JOSSO, 2008, p. 23).

Foi na busca desses territórios de si, que a pesquisa se desenvolveu, mate-rializando as possibilidades de que através do uso de formas de linguagens libertadoras e reflexivas, os futuros professores encontrassem seus próprios meios para acessar suas memórias e narrações.

Os relatos pessoais apresentam-se como investidos de representações co-mumente partilhadas na inscrição de aquisições e buscas de novas compe-tências para a carreira do magistério. Vale destacar a escrita de uma partici-pante das oficinas criativas: “Para ser uma professora competente é preciso ter vocação, amar a profissão, amar as crianças e isso nasce com a gente” (Registro feito no “Diário de Bordo” em 19 de novembro de 2008).

Com tais registros, podemos observar a naturalização do significado da docência, evidenciando-se a priorização da produção de um conhecimento prático. A vocação, de acordo com Bruschini (1981), associa-se à ideia de que as pessoas possuem dons naturais e uma predisposição para o desem-penho de determinadas ocupações, sendo esse um dos mecanismos mais eficazes para induzir as mulheres a escolher profissões menos valorizadas socialmente (Ibid., p. 72). Assim, alguns mitos acompanham o motivo de o magistério ter a predominância feminina, e ressalta-se, nas oficinas realiza-das, o debate acerca das condições concretas de realização profissional e a desvalorização em vários sentidos: econômica, social e cultural.

Notas finais: pontuando algumas reflexõesRecuperar a história das mulheres no magistério é crucial, no momento

em que o debate sobre a profissão docente tem sido intensificado com o movimento de revitalização dos cursos de formação em que se questionam o projeto pedagógico e os saberes implicados no processo formativo.

Através dos depoimentos feitos, das imagens plásticas construídas, dos registros escritos, tentou-se elaborar algumas análises que aqui foram esbo-çadas como produto de uma leitura, entre outras, mesmo que preliminar e a ser construída. Assim, procurou-se problematizar as posições ocupacionais precárias entre as jovens que optam pelo curso, o estímulo familiar para

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a continuidade dos estudos, especialmente a participação das mães nesse processo, as expectativas em relação ao trabalho, avanço nos estudos e a desmotivação pela carreira docente.

Nesse sentido, é prioritário desenvolver cada vez mais estudos na área de formação de professores, a fim de avaliar as atividades realizadas e propor novos planos formativos. Um dos caminhos pode ser o de levar em conta as percepções dos estudantes em formação e suas representações sobre suas vidas, ou seja, como vão se construindo e como encaram suas carreiras. Ou-vir o que essas jovens alunas sabem sobre si mesmas pode ser uma forma de valorizá-las e de contribuir para o mencionado debate sobre a profissio-nalização docente, expondo os variados ângulos da questão. Sabe-se que existem muitas formas de os alunos falarem de suas vidas, de suas trajetó-rias humanas e escolares, e esses “dizeres” podem dar voz àqueles, que por tanto tempo, foram silenciados.

Para tal, devemos dar oportunidade para que espaços escolares de for-mação inicial e continuada de professores se potencializem em busca de uma agenda pedagógica sustentada por práticas educativas que no âmbito dos desafios da vivência criativa sejam capazes de redimensionar estudos e ações de educadores.

Afinal, a Arte, como o linguagem e manifestação de cultura poderá ser uma aliada nessa construção urgente, pois, retomando a epígrafe, no di-zer de Gadotti (2007), os professores são imprescindíveis, pois constroem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável para todos.

Acredita-se que esse é um caminho possível.....

Referências

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DOMINICÉ, P. L´histoire de vie comme procesus de formation. Paris: Éditions L´Harmattan, 1990.

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FREITAS, Helena. Elementos para definição de uma política de formação, profis-sionalização e valorização do magistério. São Paulo, UNICAMP, Campinas, 2009. Disponível em: <http://www.lite.fae.unicamp.br/anfope>. Acesso em: 30 nov. 2009.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Rio de Janeiro: WTC, 2007.

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JOSSO, Marie-Christine. As histórias de vida como territórios simbólicos nos quais se exploram e se descobrem formas e sentidos múltiplos de uma existencialidade evolutiva singular-plural. In: PASSEGGI, Maria da Conceição (Org.). Tendências da pesquisa (auto) biográfica. Natal, RN: EDEFRN, São Paulo: Paulus, 2008.

LARROSA, Bondía Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 54- 72, jan./fev./mar./abr. 2002.

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MOGARRO, M. J. Os arquivos escolares nas instituições educativas portuguesas. Pre-servar a informação, preservar a memória. Pro-Posições, Campinas, SP, v. 16, n. 1. p. 46- 52, jan./abr. 2005.

SOUZA, Elizeu C. Abordagem experiencial: pesquisa educacional, formação e histó-rias de vida. In: SOUZA, Elizeu C. (Org.). Histórias de vida e formação de professo-res. Salto para o futuro, TV Escola. Boletim 01, mar. 2007, SEED/MEC.

SPOSITO, Marília. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas deman-das políticas. São Paulo: Ação Educativa, 2007.

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O argumento de que o Design, em sua ontologia, possui uma estreita vinculação com a arte e com o desenvolvimento da técnica parece-nos correto. Assim, da mesma forma como outros aspectos o são, no tocante à estética, consideramos que esse é um relevante ingrediente do trabalho de Design. E isso nos traz algumas questões para refletirmos sobre a relação entre o Design e a Arte.

Marcos Antonio Esquef Maciel

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Design industrial: entre a razão e a sensibilidade

Industrial design: between the reason and the sensibility

MARCOS ANTONIO ESQUEF MACIEL*

ResumoO artigo aborda o tema da formação do desenhista industrial, desenvolven-do uma reflexão em torno da antiga controvérsia arte versus técnica discu-tindo a relação forma e função e a dupla inserção social do artefato produ-zido, quer como objeto de fruição estética quer como objeto útil. Apreende e considera a ideia humanística de que o design reúne razão e sensibilidade.

Palavras-chave: Design. Arte. Técnica. Formação humana.

AbstractThe article discusses the formation of the industrial designer. It reflects on the longstanding controversy art versus technique and discusses the relationship of form and function as well as the insertion of industrial artifact, whether as an object of aesthetic enjoyment or as a useful object. Thus, this study focuses on the humanistic idea that design gathers together reason and sensibility.

Keywords: Design. Art. Technique. Human formation.

IntroduçãoComo caracterizar o Design Industrial? Existe uma relação íntima entre

Design Industrial e a Arte? Essas são algumas perguntas que ainda hoje ge-ram algumas dificuldades de compreensão. Nossa análise não deseja detra-tar ou exaltar argumentações, favoráveis ou não, a tais pressupostos. Busca-mos explorar um território que é muito instigante e apaixonante, e que vem desde as origens do Design até os momentos atuais sendo pontuado, de-marcando fronteiras, reflexões e debates acalorados. Nesse sentido, associá-

_________________________________* Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Brasil; Docente do Instituto Federal Fluminense, Brasil; Email: [email protected]

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-lo à aparência das coisas, à inovação, à criatividade, à esfera dos produtos que nos agradam visualmente e que nos trazem conforto, assim como ao aforismo da boa forma, não nos parece incorreto. Também nos parece per-tinente estabelecer uma correspondência do Design Industrial a uma ideia de progresso, de desenvolvimento e de evolução. No entanto, tais vocábulos por si só, não nos indicam a quê, para quem e em que níveis se posicionam. É verdadeiro que durante um processo evolutivo nos defrontamos com várias situações e experiências que nos podem ser vistas como alegres, incômodas ou não. Assim, a ideia de progresso pode, à nossa percepção, se apresentar ambivalente, isto é, todos nós desejamos as benesses e confortos proporcio-nados pelo progresso; no entanto, se tal condição nos impõe uma perda de valores, coisas etc., que nos são caras, ela também nos impele a mudanças e ajustes, não tão confortáveis a esses novos impositivos existenciais.

O que vem à mente como descrição de progresso em nossa sociedade moderna? Considerando a análise de Forty (2007, p. 19), essa é, na verdade, associada a uma série de mudanças de padrões provocados pela burgue-sia industrial. Não há como negar a pujante transformação e melhoria do ambiente circundante humano proporcionada pelas máquinas e produtos industriais. No entanto, em se tratando do sistema capitalista, contradições se apresentam fortemente. Há sempre uma contrapartida em que a cada inovação tecnológica introduzida, em sua totalidade, nem sempre se propõe como resultante, benefícios à maioria da população. Conforme enfatiza Oc-tavio Paz, o “progresso povoou a história com as maravilhas e os monstros da técnica, mas também desabitou a vida dos homens. Deu-nos coisas, não mais ser” (apud DE MORAES, 1999, p. 108).

Sobre esse caráter, importa que recordemos, por exemplo, na ocasião do advento da máquina a vapor, isto é, conjugado em seu bojo e desenvolvi-mento veio uma exponencial eficiência na produção industrial manufatureira, seja na esfera de bens de consumo como de capital; alavancou-se todo um desenvolvimento da infraestrutura de transportes, de construções etc.. Entre-tanto, a que preço? Que grupo(s) social(is) foi(ram) beneficiado(s) realmente? Tal conjunto de inovações societárias contribuiram, dentre outros, para um aumento das cidades, sem que houvesse uma infraestrutura necessária e ade-quada para tal, acarretando um alto índice de insalubridade; como também uma perda de qualidade de vida não somente nos ambientes residenciais, sobretudo nos fabris. Ao mesmo tempo, empobreceu e desagregou a relação familiar de trabalhadores; ajudou a cercear e subordinar classes de trabalha-dores, dentre elas, os artesãos que perderam seu poder de criação e produção e estatuto de outrora, transformando-se por necessidade de sobrevivência, em assalariados subsumidos às diretrizes da indústria capitalista.

Focando-se por uma lente humanista, diante da pujante e profícua transfor-mação que a natureza circundante sofreu, e que ainda se configura sob o tra-balho humano, alterando-a radicalmente de acordo com as necessidades exis-tenciais humanas, seja em seus artefatos, sistemas societários etc., nos parece certo afirmar que tal mundo foi produzido pelo homem; é um mundo humano.

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De acordo com Fischer (1981, p. 21-25), em seu processo de transforma-ção da natureza – tal fato exercido no e pelo trabalho – o homem sonhou também em mudar os objetos proporcionando-lhes novas formas e interfa-ces mais amigáveis. Nessa perspectiva, é pertinente sinalizar uma presença de um caráter de esteticidade posto num produto. Sob a tendência de um forte “fazer com arte” constitutivo do caráter do homem, em seus próprios termos, Dorfles (2002) confere relevo a tal caráter, constatando a presença em cada obra humana de uma “[...] vis formativa, implícita na própria natu-reza do material [...] de cada vez que ele for utilizado [...] e que deu origem à apresentação de elementos altamente artísticos” (Ibid., p. 11).

Importa recordar a existência da presença de um caráter formativo intrín-seco ao homem em toda a sua produção existencial, e que, na produção de seus meios existenciais, constituiu-se, como manifestação da atividade hu-mana, o aspecto artístico. Dessa forma, podemos reforçar que em tal modo do agir humano, ou seja, em toda a “operosidade humana” (PAREYSON, 1993, p. 20-22), há um caráter de invenção e inovação.

Ao produzir seu meio de vida, o homem no exercício de suas faculdades concebeu objetos, processos, produziu ferramentas, tecnologias operativas e construtivas, sob sua teleologia evolutiva. A essência do trabalho humano em toda a produção de sua existência se deu por uma busca em ir além de uma instintiva competição biológica dos seres vivos com seu mundo am-biente. Tal busca esteve mediada pelo protagonismo da consciência huma-na. A natureza tornou-se, dessa forma, instrumento da atividade humana, pelo qual o ser humano suplementa e potencializa os órgãos de seu corpo.

Sobre o trabalho dos designers, se abstrairmos para uma concepção pu-ramente humanista, e desprezarmos as tipificações societárias, podemos assinalar que todos os homens têm, ontologicamente, sensibilidade para exercê-lo. A bibliografia marxista, resguardadas as diferenças internas, mos-tra recorrentemente que o homem ao produzir uma paisagem artificial o faz de modo inventivo e criador, o que lhe confere algumas das características essenciais do trabalho exercido pelos designers. Tal percepção baseia-se no modelo de trabalho humano mediante o qual a natureza é transformada, tornando-se adaptável e útil à vida do indivíduo e do seu grupo social.

Design: arte & técnicaPodemos apontar que as origens do Design se circunscreveram ao cam-

po industrial. Foi forjado no mesmo cadinho de modernidade inaugurado pelo modo de produção capitalista. Também é pertinente afirmar que, não obstante os primeiros designers terem emergido das entranhas do processo produtivo serializado da fábrica moderna, conforme sinaliza Denis (2000, p. 18), tanto sob o ponto de vista lógico quanto empírico, o surgimento de atividades ligadas ao Design antecede a aparição da figura de tal profissio-nal (designer).

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Para o historiador, o seu significado, observando a origem mais remota do vocábulo, vem do latim designare. Remete à ideia de um verbo que en-campa dois sentidos, ou seja o de desenhar e o de designar. Em tempo, é pertinente ressaltar que na língua espanhola, o termo Design adquire uma tradução mais fiel e próxima da sua origem, pois possui dois vocábulos dis-tintos, o dibujo e o diseño. Tais palavras facilitam uma diferenciação e me-lhor aproximação do sentido mais correto do vocábulo na língua inglesa, ou seja: dibujar significa desenhar, num sentido de uma dada atividade que se realiza manualmente; e diseño diz respeito às atividades de cunho projetual, termo usado para concepção, projeto, vindo daí a se encaixar perfeitamente no significado de Design.

Portanto, devemos inferir que é correto pensar que “do ponto de vista eti-mológico, o termo já contém nas suas origens uma ambiguidade”. Nele exis-te uma “tensão dinâmica, entre um aspecto abstrato de conceber/projetar/atribuir e outro concreto de resgatar/configurar/formar” (DENIS, 2000, p. 16).

Pode-se perceber, então, que o Design tem em seu cerne esses dois ní-veis, e ele gera atividades projetuais. Porém, diferentemente da engenharia e da arquitetura (que também são projetuais), o Design concebe determi-nados tipos de artefatos móveis, muito embora na maioria das vezes essas atividades estejam complexamente imbricadas. De certo modo, salienta-se que tal aspecto tem sido objeto de constante preocupação e fonte inesgo-tável de polêmicas entre os teóricos do assunto, na medida em que diz res-peito às definições e atribuições das atividades frequentemente associadas ao Design, como o artesanato, as artes plásticas e gráficas, que também produzem artefatos móveis.

O argumento de que o Design, em sua ontologia, possui uma estreita vinculação com a arte e com o desenvolvimento da técnica parece-nos cor-reto. Assim, da mesma forma como outros aspectos o são, no tocante à estética, consideramos que esse é um relevante ingrediente do trabalho de Design. E isso nos traz algumas questões para refletirmos sobre a relação entre o Design e a Arte.

É fato de que vivemos atualmente num mundo em que em todas as suas instâncias, há um pujante apelo sensorial. Por outro lado, todo fazer humano possui um caráter teleológico, seja esse de cunho artístico, utilitário ou não. Em decorrência desse aspecto, nos parece certo reiterar que não se encontra somente na esfera do Design Industrial a exigência de um processo de concepção ou produção com objetivos e finalidades. Por outro lado, não poderia existir poesia num fazer eminentemente tecnológico? Ora, é correto apontar que em todo o modo produtivo humano há – implícitos –, aspec-tos de âmbito criativo, inventivo e inovador. Nesse contexto, fazer arte não implica num fazer tecnológico; não é preciso um domínio deste? Conforme sustentam algumas correntes, o âmbito dos produtos do Design se destina a fins mercadológicos. Ora, como em tudo que põe a mão se transforma em mercadoria, o modo de produção capitalista também não direcionaria a esfera artística sob um viés mercadológico?

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A repetição de um determinado objeto em níveis elevados (seja em cen-tenas, milhares ou dezenas e centenas de milhares), com um quesito sempre observado como constante, a saber: a fidelidade formal e técnica de cada produto a seu protótipo. Nesse sentido, o conceito de série se reporta àque-le que possibilita uma reprodução – enquanto for adequado ao empresário industrial reproduzir um dado objeto –, sob diretrizes técnicas e caracterís-ticas específicas de um dado modelo pré-concebido. Cabe notar que esse fator (o caráter de reprodutibilidade técnica e formal) é utilizado como um dos argumentos que sustenta de maneira contrária uma associação entre a Arte e o Design.

No debate entre Arte e Design, consideramos como certa a coexistência, tanto de um valor utilitário, como de fruição entre ambos; do mesmo modo, também não nos parece correto deixar em patamares secundários as facetas estética e de fruição, que são postas nos objetos pelo Design. Em tempo, a título de ilustração desta sociedade, Argan (2000) demonstra, em linhas ge-rais, que o industrialismo moderno sob uma ótica formal, possui três fases: a) a da “repetição mecânica ou da ‘despersonalização’ dos motivos e pro-cessos formais do artesanato”; b) a segunda fase está caracterizada por um racionalismo científico dos processos mecânicos, os quais levam a um redu-cionismo do belo para o prático, e este ao racional; c) a terceira fase “nasce das transformações profundas que a ideia de ciência e, portanto, a ideia da racionalidade humana sofreram nas últimas décadas”. Nesse momento, já não são verdades somente as que se apresentam com caráter racional, ex-pressas em fórmulas e dogmas, e sim em formas, que podem ser alcançadas através de “processos intuitivos, totalmente semelhantes àqueles que são tradicionalmente reconhecidos como típicos processos estéticos” (ARGAN, 2000, p. 118-120).

A ideia de função remete à de ação, por outro lado, a ideia de contem-plação implica na de imobilidade, salienta Argan (2000). Da mesma forma, ele ressalta que na contemplação, o sujeito está só, separado do objeto, “em colóquio com o ‘todo’ (Ibid., p. 118)”; enquanto que no fazer, ele não está mais sozinho. Os seus atos têm sempre uma direção determinada e estabe-lecida para o próximo, “entrelaçados ao conjunto de ações que constituem a vida da comunidade” (Ibid., p. 116-118). Portanto, para ele, os objetos materializados por esse modus vivendi não se apresentam como simples exemplos, e sim “como objetos propriamente ditos, que se inserem na rea-lidade e a modificam, a recriam continuamente, tal como continuamente se transforma e se recria a estrutura do corpo social” (Ibid., p. 116-118).

Dessa forma, o processo de Design se materializa por um “constante passar do intuitivo para o racional, do subjetivo para o objetivo, do ‘eu acho’ para o ‘eu sei’” (REDIG, 1992, p. 96) – entre razão e sensibilidade. Se consi-derarmos como estreita, a relação entre um designer e um artista, podemos afirmar que tais características estão sedimentadas em Fischer (1981, p. 14), quando ele salienta que não devemos cometer um equívoco em pensar que

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o trabalho para um artista não se apresenta com um caráter “altamente consciente e racional” (Ibid., p. 14). Tal processo de produção (a dialética do sensível-racional) permite que a obra de arte se configure como “realidade dominada” (Ibid., p. 14). Na busca do homem pela transformação de seu mundo circundante, nos parece que tanto em uma categoria profissional quanto na outra, há uma interseção nesse sentido. Para ele, a tensão e a contradição são ingredientes inerentes à arte; assim, a arte não somente necessitaria “derivar de uma intensa experiência da realidade” (Ibid., p. 14), mas também “precisa ser construída”, e, por conseguinte, “precisa tomar forma através da objetividade” (Ibid., p. 14).

A busca de inovações nos objetos tendo como um único princípio o as-pecto formal, o visual e o superficial (no sentido de apelos simbólicos) que relega a planos secundários, aspectos técnicos e socioeconômicos dos pro-dutos, não nos parece ser o princípio correto. A essência do Desenho Indus-trial é a sua tendência de problematização para o relacionamento artefato/usuário. Tal proposição põe em relevo e implica numa “sensibilidade para as necessidades materiais da população” (BONSIEPE, 1983, p. 29).

Nesse sentido, parece-nos necessário salientar esse processo da mesma forma como Fischer (1981, p. 27) demonstrou em sua análise. De onde apre-endemos que o homem numa fase de “experimentação espontânea” – o “pensar com as mãos” –, buscando alcançar um resultado, de tal forma que essa “experimentação” que vem antes de todo pensamento como tal, vai gradualmente sendo substituída pela reflexão. Ele chama essa inversão no processo cerebral, de “trabalho, ser consciente, fazer consciente, ante-cipação de resultados pela atividade cerebral” (Ibid., p. 27). Dessa maneira, ele sinaliza que o pensamento, “uma forma de experimentação abreviada”, pode transferir-se das mãos para o cérebro, de tal modo que os “resultados das experimentações precedentes deixam de ser ‘memória’ e passam a ser experiência” (Ibid., p. 27). Nesse sentido, importa notar que é gradativa-mente através da experiência das mãos, que se compreende como e qual o melhor modo de se fazer.

Considerações finaisBuscando respostas para a pergunta-título deste ensaio, validamos um

direcionamento projetual que atente também para aspectos culturais, socio-econômicos e estéticos. Considerando o designer como um profissional estrei-tamente afinado com o jogo do ato da criação, deve-se levar em conta que ele busque treinamentos específicos, como também conhecimentos, apren-dizados e aventuras pelo mundo da cultura e da estética. Um profissional de Design em meio ao projeto de objetos, opera simultaneamente com catego-rias de valor utilitário e de fruição, como também, da mesma maneira, com as socioeconômicas; observa o planejamento adequado à materialização dos

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produtos, especificando e detalhando os dados necessários à sua produção. Buscar o domínio do conhecimento no âmbito tecnológico se torna uma con-dição básica para a realização de projetos adequados às demandas dos pro-dutos, tanto do ponto de vista econômico quanto produtivo. Não obstante, não devemos cair num determinismo tecnológico-projetual.

Desse modo, salienta-se que no âmbito do Design, esteja presente uma busca pela compreensão do “todo cultural” (MAGALHÃES, 1998), pois, dado seu perfil de interação com vários campos do conhecimento, o Desenho In-dustrial (Design) tem o potencial de preencher esses quesitos.

A premissa é que o Design não deve abandonar duas vertentes, a saber: a tecnológica e a humanista. Nessa perspectiva, projetar para um usuário, implica não somente em reconhecer o progresso tecnológico de produção, numa panaceia tecnológica, mas também buscar equilibrá-lo com o meio ambiente, com os procedimentos técnico-econômicos; como também ob-servar quem é o público para o qual será destinado; suas características cul-turais e sociais e as contradições que estão postas em nossa sociedade. Faz--se prudente buscar um equilíbrio de valores entre a dimensão tecnológica e social, bem como entre as questões de ordem ambiental, estético-formais e as semântico-culturais na fase de concepção dos produtos industriais. Da mesma forma em que se valorizam os conhecimentos sobre a técnica, tam-bém se busca igual observância aos atributos do âmbito da Arte no universo do Design. Nesse sentido, interpretando os valores culturais de uma deter-minada sociedade, transmitindo estes não apenas através da forma como se apresentam os produtos em sua relação social, mas também em seus níveis de significados.

Assim, diante de todas as reflexões expostas, reforça-se a perspectiva de relevar o Design como uma atividade multidisciplinar, de inserção so-cial preponderante, que possui o método projetual em suas entranhas, com a investigação como parte fundamental de seu processo – processo este orientado de um lado, pela razão –, deduzida da experiência, da busca por compreender o entorno circundante, aprendendo a reconhecer seu contex-to, suas relações sociais de produção, contradições, antinomias e formas de cultura. E, importa também reconhecer que graças à Arte, o Design pôde se inserir no âmbito estético, no sentido de uma forma de compreensão do mundo. A arte, assim como o Design (visto sob um âmbito geral) faz parte de todo o universo constitutivo humano, por isso, está em toda parte; nas mais diversas representações humanas, seja nos nossos objetos cotidianos, seja em nossos prédios e construções, em nossas formas de comunicação; ou seja, em toda a produção material de nosso mundo circundante.

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Todos possuem a capacidade de apreciar música e de ouvir criticamente. Existem, porém, níveis de compreensão da música que variam de acordo com a capacidade de atenção e o conhecimento do ouvinte sobre música. Em função disso, o ouvinte crítico é aquele capaz de analisar e apreciar uma peça musical a partir de determinados critérios e aspectos, dando significado e sentido ao que ouve.

Lincoln Francisco de Oliveira Castro

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Educação musical e ouvir crítico na Internet

Music education and critical listening on the Internet

LINCOLN FRANCISCO DE OLIVEIRA CASTRO*

ResumoNeste artigo, elaboramos e validamos um curso de música online, com con-teúdo dirigido à apreciação musical, visando a estimular a audição musical crítica dos seus alunos-ouvintes. Questionamos: 1) A Internet e suas inter-faces e recursos podem contribuir para a formação do ouvinte crítico? 2) Como o conteúdo do curso estimula o ouvir crítico? 3) Como se dá a cons-trução do ouvir crítico no curso online? 4) Que limitações e vantagens são percebidas no curso em termos de construção do ouvir crítico? 5) Como as interfaces de comunicação e de conteúdos multimídia de que o curso faz uso estimulam e facilitam o ouvir crítico? Para responder a estas perguntas, trabalhamos o conceito de “ouvinte crítico” e a temática “as novas tecno-logias e a educação musical nos dias de hoje”. Além disso, organizamos o curso Apreciação Musical Online, que foi validado por educadores, músicos e professores de música, mediante a aplicação de questionário e a realização de entrevistas. A análise dos dados coletados nos possibilitou responder às questões norteadoras deste estudo, além de trazer novos elementos para a reflexão sobre as novas tecnologias e a educação musical.

Palavras-chave: Educação musical. Ouvir crítico. Internet.

AbstractThis article aims at presenting the development and validation of an online music course, designed for producing content for music appreciation and stimulating students critical listening. We seek to answer the following questions: 1) Can the Internet and its interfaces as well resources contribute

_________________________________* Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá, Brasil; Docente do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Brasil; Regente do Coro do Conservatório de Música de Niterói e do grupo Sax Coral; Email: [email protected]

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to the formation of the critical listener? 2) How does the content of the course encourage critical listening? 3) How can the online course critical listening be constructed? 4) Which limitations and advantages can be detected during the course, in terms of building critical listening? 5) How can the communication interfaces and multimedia content produced by the course stimulate and facilitate critical listening? In order to answer these questions, the concept of “critical listener” and the theme “new technology and music education today” have been developed. Besides that, the online Music Appreciation Course has been designed. It has also been evaluated by educators, musicians and music teachers, by using a questionnaire available on the Internet. The analysis of data collected enabled us to answer this study initial questions and contributed with new ideas for the reflection on technology and music education.

Keywords: Music education. Critical listening. Internet.

IntroduçãoNos dias atuais, vivemos em uma conjuntura caracterizada por socieda-

de de informação, resultado da evolução das tecnologias. No âmbito da educação musical, essa evolução permitiu a disponibilização de recursos, interfaces e ferramentas que tem facilitado e agilizado o contato dos indiví-duos com os aspectos e conteúdos musicais. É nesse cenário que se destaca o conceito de ouvinte crítico, objetivando a formação de indivíduos que sejam capazes de apreciar, fazer associações e selecionar criteriosamente o que ouvir. Inserindo-nos no desafio de contribuir para a formação de ouvin-tes críticos, foi elaborado o curso Apreciação Musical Online (AMO), cuja finalidade foi dar subsídios que estimulassem a audição musical crítica dos seus alunos-ouvintes e refletir sobre o desenvolvimento do ouvir crítico na Internet. Os resultados da nossa investigação de dissertação de Mestrado encontram-se sintetizados neste artigo (CASTRO, 2011).

Ouvir crítico: algumas definiçõesUma peça musical requer do compositor um exercício de elaboração de

uma mensagem ou sensação a ser transmitida pelo intérprete e percebida pelo ouvinte. Isso significa que o ouvinte é um dos responsáveis por dar sentido à música a partir das suas vivências, características, sentimentos, experiências, conhecimentos, condições, formações e preferências.

Vários estudiosos vêm refletindo sobre o conceito de ouvir crítico. Granja (2006) e Queiróz (2000) trabalham com duas categorias que são compre-endidas de forma distintas: o ouvir e o escutar. Afirmam que embora esses conceitos sejam usados como sinônimos, eles representam dois momentos diferentes da relação do homem com o som. Eles classificam o ouvir como um ato físico da captação do som, enquanto o escutar seria um ato intelec-

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tual e interpretativo, na busca de dar sentido ao que se ouve, transformando as vibrações sonoras em vibrações em signos.1

Granja (2006) pontua, ainda, três tipos de ouvir crítico: o emotivo, o corporal e o intelectual, apesar desses modos de escuta não aconteçam iso-ladamente. O ouvir emotivo seria a percepção dos sons antes de qualquer reflexão ou interpretação. O ouvir corporal seria aquele momento em que a música afeta diretamente ao ouvinte, provocando algum tipo de reação cor-poral, como um batucar de dedos e a dança. Essa etapa ainda seria um ato físico e mecânico de captação do som sem reflexão, estando mais próximas do âmbito da fruição musical. Já a escuta intelectual é definida pela escuta especializada de um ouvido educado musicalmente, atento para as sutilezas dos sons percebidos, buscando atribuir significado a eles. Essa escuta inte-lectual não se restringiria somente ao “músico-especialista”, pois todos nós podemos ouvir inteligentemente o som musical.

Para Copland (1974), todos os seres humanos escutam música em três planos distintos: o plano sensível, o plano expressivo e o plano puramente musical. O primeiro é identificado como o plano mais comum dentre as pes-soas, que se caracteriza pelo ato de ouvir a música apenas pelo prazer que o som proporciona. Seria sentir, apreciar a música, sem ter a preocupação de atribuir qualquer sentido e, até mesmo, sem a pretensão de analisar os ele-mentos musicais executados. É sentir a música pelo simples ato de prazer de ouvir. O plano expressivo se caracteriza pela ação do sujeito de tentar atri-buir algum significado à obra musical, significados esses que podem variar de música para música e de sujeito para sujeito e que, por isso, nunca seriam completos e nunca haveria um consenso acerca desses significados. Por fim, no plano puramente musical, os sujeitos buscariam escutar a música apenas pelos seus elementos técnicos, como, por exemplo, a partir das notas, ritmo, melodia, timbre, harmonia.

Portanto, todos possuem a capacidade de apreciar música e de ouvir criticamente. Existem, porém, níveis de compreensão da música que variam de acordo com a capacidade de atenção e o conhecimento do ouvinte sobre música. Em função disso, o ouvinte crítico é aquele capaz de analisar e apre-ciar uma peça musical a partir de determinados critérios e aspectos, dando significado e sentido ao que ouve.

As novas tecnologias e a educação musical nos dias de hojeAtualmente, as culturas nacionais estão se reformulando rapidamente com

as relações estabelecidas entre os aspectos locais e aspectos culturais mais globais. Ou seja, intensificaram-se as trocas culturais, resultando na formação de uma cultura híbrida já que os modos e práticas culturais desvinculam-se

_________________________________1 Cabe notar que neste trabalho optamos pela utilização do termo ouvir crítico, entendendo-o como sinônimo de escutar.

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dos seus tempos e espaços originais, sendo transplantadas para outras locali-dades, das mais próximas às mais longínquas (CANCLINI, 2006, p. 17).

Conjuntamente à hibridização cultural e, assim, à mundialização de cer-tos usos, hábitos, estilos e costumes, há o processo de facilitação do acesso às novas tecnologias2. Essas tecnologias têm permitido a rapidez do desloca-mento espaço-temporal das informações e conhecimentos, influenciando os processos de transmissão, aprendizado, construção e uso do conhecimento. É nesse cenário que a educação online3 ganha cada vez mais destaque.

Os referidos processos em curso, articulados a inúmeros outros, produ-zem mudanças no domínio da música e, assim, da educação musical. O acesso a conhecimentos ligados à área musical tornou-se muito fácil e rápi-do com o advento da Internet, sendo a grande dificuldade selecionar o que se quer escutar. Ou seja, apesar da facilitação no acesso aos conhecimentos e peças musicais, percebemos que as pessoas encontram uma enorme difi-culdade em selecionar as informações musicais e músicas criteriosamente e, mais do que isso, em saber como apreciá-las.

Com relação à finalidade da educação musical, entendemos que ela tem o papel de desenvolver a capacidade de percepção e apreciação dos sujeitos. Desse modo, mais do que o ensino de questões conceituais e teóricas, o foco da educação musical deveria estar nos processos de fazer musical, que en-volvem a questão do desenvolvimento da audição, percepção e apreciação musical e o gosto pela música.

O processo de desenvolvimento da apreciação e da percepção musical dá-se concomitantemente ao processo de ensino-aprendizagem de ques-tões teóricas da música. Em outras palavras, o ensino-aprendizagem da teo-ria musical não é suficiente para despertar nos sujeitos a sua capacidade de ouvir, assim como também é insuficiente que eles somente ouçam diversas músicas, descrevendo as sensações e sentimentos despertados.

Curso de Apreciação Musical Online (AMO)4

A necessidade da democratização das artes consideradas eruditas guiou a elaboração do curso Apreciação Musical Online (AMO). Desse modo, ele situa-se no âmbito de uma ação cultural, tendo como finalidade principal estimular uma audição musical mais elaborada e consciente dos sujeitos.

_________________________________2 Apesar de o termo “novas tecnologias de informação e de comunicação” estar diretamente associado ao mundo da informática, ele pode ser compreendido como qualquer conhecimento, procedimento e/ou instrumento utilizado para a produção, difusão, transmissão, classificação, armazenamento, gravação, co-dificação-decodificação e interpretação da informação. Dentre as chamadas novas tecnologias estão, por exemplo: livros, fax, telefone, jornais, correio, revistas, rádio, vídeos, informática, Internet, papel, arquivos, catálogos, HD’s dos computadores, CD’s, DVD’s, PEN DRIVES, MP3, MP4, máquina de fotocopiar, retropro-jetor e data show.3 Moran (2003) define educação online como o conjunto de ações de ensino aprendizagem desenvolvidas na Internet. A educação online está em seus primórdios e ainda “estamos aprendendo a desenvolver propostas pedagógicas diferentes para situações de aprendizagem diferentes” (Op. Cit., 2003, p. 5). Portanto, a edu-cação online é um novo meio, que demanda um novo modus operandi e uma nova abordagem pedagógica.4 Para cursar o AMO, basta acessar o site <www.lincolncastro.com/AMO>.

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Buscamos, com isso, estimular os alunos-ouvintes a experimentar e a se aventurar nas artes e, mais especificamente, na música.

Para atingir esses objetivos, foi necessário pensar em um espaço cultural que viabilizasse o curso. Decidimos desenvolver um curso online sob a forma de blog, por ser essa uma interface rápida e de grande interatividade, que possibilita a feitura de inúmeros hipertextos.

A ideia de que todos podem aprender música marcou a definição do público-alvo do curso. Definimos, então, que o AMO poderia se destinar a todos aqueles que tenham a pretensão de dar início aos seus estudos na área musical, sejam crianças, jovens ou adultos.

Com base nisso, passamos a pensar nos conteúdos e na estrutura do curso. Os conteúdos foram divididos em três aspectos centrais: o conceito de música, os elementos e formas da música e os diversos instrumentos mu-sicais. Eles foram escolhidos por serem considerados elementos essenciais e iniciais do processo de ensino-aprendizagem da música.

O AMO foi estruturado em dez aulas. Nas duas primeiras, discutimos o conceito de música. Na terceira tratamos sobre o conceito de som, ruído e silêncio. Na quarta aula, falamos dos elementos da música: melodia, har-monia e ritmo. Na quinta, trabalhamos sobre pulsação. Na aula de número seis, abordamos sobre os instrumentos musicais: suas divisões e famílias. Na sétima, desenvolvemos sobre a forma musical. Na oitava e na nona aulas, propomos duas atividades finais de apreciação de duas obras: o Bolero de Ravel e Pedro e o Lobo. Por fim, na décima aula, tecemos uma conclusão, na qual reafirmamos a proposta do curso e agradecemos aqueles que fizeram todo o curso.

Cabe ressaltar aqui que, nesse curso, não tivemos a pretensão de avaliar os alunos-ouvintes, isto é, não objetivamos dar notas a esses alunos. Desse modo, assumimos no AMO o papel de mediadores do processo de ensino--aprendizagem dos conhecimentos musicais e mediadores das discussões.

Validação do cursoFinalizado o período de coleta de dados, iniciamos o processo de valida-

ção do curso por educadores, músicos e professores de música, mediante a aplicação de questionário e de entrevistas, com o intuito de aprofundar algumas questões e de obter novos dados que auxiliassem nossas reflexões e considerações sobre o fenômeno estudado.

O material recolhido por meio dessas metodologias nos permitiu esco-lher as categorias com que trabalharíamos e, assim, separar e agregar os dados, na busca de descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compuseram as observações dos nossos sujeitos de pesquisa. Tais núcleos foram: 1) o curso; 2) os conteúdos do AMO; 3) as aulas e atividades do curso.

Na primeira categoria, reunimos as questões e os comentários relativos ao curso: estrutura, objetividade e clareza, expectativas, objetivo, design gráfico e organização. Os aspectos levantados pelos validadores levantou a

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necessidade de aproximar mais os conteúdos do AMO com a realidade do aluno-ouvinte e, consequentemente, de trabalhar canções mais conhecidas pelos brasileiros, tais como as músicas folclóricas.

Outro item sinalizado refere-se à revisão dos textos, pois estariam muito centrados no professor ao invés de estarem centrados no aluno. Em outras palavras, foi assinalado a necessidade de uma melhor definição do público do AMO. Nessa visão, o curso seria muito amplo e confuso tanto para as crianças, que não teriam condições de realizar as atividades voltadas para o público mais velho, quanto para os adultos, já que o curso tem algumas atividades muito infantis.

Sobre a questão dos objetivos propostos (o de estimular uma audição musical mais elaborada e consciente por parte do aluno-ouvinte e o de esti-mular esses alunos-ouvintes a conhecerem e apreciarem os diversos estilos, composições e instrumentos), um validador afirmou que o curso atingiu em parte os objetivos principais. Segundo ele, “o curso apresenta elementos constitutivos que indicam essa possibilidade, mas um fator essencial só es-tará presente na fase em que o curso for posto em prática”.

Outro aspecto interessante apontado foi o papel do mediador no pro-cesso de ensino-aprendizagem dos cursos online, haja vista que o curso não se sustenta por si só. Em outras palavras, o “sucesso” do curso dependerá dessa participação ativa do professor-moderador, não sendo o curso, suas interfaces e atividades suficientes para conduzir o processo de ensino-apren-dizagem5.

Acerca da utilização da interface blog, um dos validadores (v1) afirmou:

Há outras interfaces que podem ser acopladas a um blog e possibilitar uma variedade de atividades presentes em diver-sos AVA (Ambientes Virtuais de Aprendizagem), portanto, acredito que um blog possa ser utilizado com finalidades educacionais, incluindo-se nestas um curso online. Cabe res-saltar a necessidade de se encontrar o equilíbrio ideal entre forma, conteúdo e moderação, seja qual for a plataforma es-colhida. Além disso, haverá sempre uma parcela que se iden-tificará mais com essa ou aquela plataforma (v1)6.

A segunda categoria elaborada refere-se aos conteúdos trabalhados no curso. Em linhas gerais, os validadores assinalaram a acessibilidade da lin-guagem usada, a importância do sumário e a objetividade dos assuntos abordados. Eles aprovaram, também, a forma como o curso trabalha os _________________________________5 Para Dias (2008, p. 1), ao organizar, acompanhar e liderar as comunidades, o moderador promove a susten-tabilidade a elas, fazendo com que as pessoas integrantes desses grupos respeitem as regras estabelecidas e fomentando a participação ativa dos membros.6 Um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) agrega diferentes interfaces que viabilizam a construção de conteúdos e a comunicação por meio de vários canais. Além disso, inclui o gerenciamento de banco de dados e controle das informações ligadas ao ambiente. É um espaço de construção de conhecimento potencializado pela interação entre os indivíduos e as interfaces disponíveis (RAMOS, 2010).

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conhecimentos musicais, embora um dos validadores tenha afirmado que os conhecimentos foram fornecidos de “uma forma um tanto tecnicista”. Outro validador aponta que somente os conteúdos não são suficientes para a formação de ouvintes críticos. Para isso, ele reforça o papel do moderador, de modo que ele esteja atento às necessidades dos alunos-ouvintes e aos objetivos do curso.

Com relação à questão dos hipertextos e os recursos multimídias utilizados para o aprofundamento dos conhecimentos trabalhados, todos os comen-tários foram favoráveis. Alegaram que os hipertextos, além de encaminhar os alunos a sites interessantes, muito provavelmente desconhecidos por eles, disponibilizou textos e vídeos importantes que aprofundaram os conteúdos.

Indagamos, também, se os conteúdos do curso estimulam o ouvir crítico. Dois validadores assinalaram “em parte” e cinco assinalaram “sim”. Para além dos dados quantitativos, os validadores teceram observações muito interes-santes sobre as vantagens e as limitações acerca da contribuição dos conteú-dos no estímulo do ouvir crítico. Um dos validadores (v4) preocupou-se com a questão das possíveis dúvidas que o curso possa gerar no aluno-ouvinte.

A principal limitação percebida é que caso o aluno (que não frequente aulas de Música) tenha alguma dúvida, ele terá que recorrer a determinados recursos (tais como a internet), ao invés de questionar o professor no momento da dúvi-da, o que demandará tempo e dedicação e o que poderá desestimulá-lo no estudo de música (v4).

Sobre isso, pensamos que somente o fato de termos estimulado a curio-sidade e a dúvida no aluno, motivando-o a pesquisar, conseguimos fomen-tar um pouco do que se pretende no ouvir crítico. Além disso, para sanar as possíveis dúvidas do aluno, existem inúmeras interfaces de interação, como e-mail, chats e discussões em fóruns e blogs bastante úteis. Não considera-mos o fato de que o aluno ter dúvida e recorrer à internet para solucionar a sua dúvida seja uma limitação ao curso AMO e sim uma de suas grandes vantagens, que é a de proporcionar guias, caminhos e opções para o aluno poder, em casa, procurar e solucionar suas dúvidas.

Essa ideia parece ser corroborada com a noção de outro validador, que afir-mou que “as aulas online não podem prescindir de aulas presenciais”. Essas visões vão ao encontro da idéia de que o conteúdo online de um curso deve ser utilizado apenas em cursos à distância, o que é equivocado. O material online pode ser utilizado por professores presenciais, inclusive durante as suas aulas.

Sobre as vantagens do AMO, foram assinaladas: a facilidade de acesso aos conhecimentos; a linguagem próxima, clara e acessível ao leigo; e a possibilidade de se ter uma boa seleção de conteúdos em um único local, de forma organizada e seriada.

A terceira categoria elaborada refere-se à validação das aulas e das ativi-dades propostas no curso. Inicialmente, questionamos se as atividades pro-

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postas ao longo do curso foram claras e suficientes. Um validador respon-deu negativamente, justificando existir a necessidade de serem incluídas ao curso mais atividades interativas (não especificou quais atividades seriam). Dois validadores responderam que as atividades foram parcialmente claras, afirmando que algumas dessas atividades poderiam ser mais bem aproveita-das e que poderiam existir outras questões que despertassem a curiosidade dos alunos-ouvintes.

No aspecto suficiência e clareza das atividades propostas houve diver-gências nas respostas. Enquanto quatro validadores assinalaram a opção de que as atividades do curso foram claras e suficientes, dois validadores assinalaram que “em parte” e um assinalou que “não”.

Na opinião de um dos validadores (v5) entrevistados, as atividades do curso foram claras. Ele adverte, porém, que, em diversas atividades, faltou uma conclusão que surpreendesse os alunos-ouvintes.

Nos comentários feitos sobre as aulas, dois aspectos chamaram nossa atenção: o primeiro é a questão da interatividade e da interação e o segundo refere-se à questão das interfaces utilizadas.

A interatividade7 foi um dos aspectos que tentamos privilegiar no curso e no questionário. No entanto, os dados obtidos apontam a necessidade de aprimoramento dos elementos que permitem a interatividade no curso. Os comentários centraram-se na observação de que a interação no AMO tem os limites característicos dos cursos online e que devem ser superados com novos recursos e programas. Destacam, ainda, a necessidade de explorar outras formas de interação, por meio, por exemplo, de videoaulas, fóruns, comentários e bate-papo de texto.

Todos os dados apontados levam-nos a concluir que para avaliar a viabili-dade, vantagens e limites do AMO e, assim, da formação de ouvintes-críticos na Internet depende da sua verificação na prática. Isto é, depende da ação do moderador e da avaliação dos alunos-ouvintes.

Considerações finaisO interesse na formação de ouvintes críticos nos motivaram a ingressar

e desenvolver nossa dissertação de mestrado, sintetizada neste artigo, que teve como objetivo elaborar e validar um curso online com conteúdo dirigi-do à apreciação musical.

Ao final dessa trajetória de pesquisa, reafirmamos que a formação de ouvintes críticos deve ser uma das finalidades principais da educação musi-cal e chegamos à conclusão de que essa formação não se dá em separado do processo de ensino-aprendizagem de alguns conteúdos e conhecimentos fundamentais da música. Nesse sentido, a educação das técnicas e a educa-ção dos sentidos são complementares e, articuladas, dão suporte à forma-ção de ouvintes-críticos._________________________________7 Para maior compreensão sobre os conceitos de interatividade e interação sugerimos a leitura de Primo (2003) e Silva (2007).

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Reafirmamos, ainda, que todos possuem a capacidade de apreciar mú-sica e de ouvir criticamente. Há, porém, níveis de compreensão da música, que variam de acordo com a capacidade de atenção e o conhecimento do ouvinte sobre música.

Sobre a escolha dos conteúdos do AMO, ela se deu com base nas aulas tradicionais de teoria musical, apresentando-se como um roteiro guiado de conhecimentos teóricos e atividades. Contudo, três aspectos diferenciam o AMO de um livro de teoria musical. Inicialmente, destacamos as interfa-ces, recursos multimídias e hipertextos que o curso disponibiliza, levando os alunos-ouvintes a outros saberes para além do trabalhado nas aulas. Em seguida, destaca-se a questão da interatividade e da interação, por meio, sobretudo, dos comentários, que permitem a troca de saberes e experiências entre os sujeitos e, assim, a construção coletiva do conhecimento. Por fim, enfatizamos as atividades práticas, de modo incentivar os alunos-ouvintes a refletirem e “aplicarem” em determinadas peças os conhecimentos ensina-dos-aprendidos.

Em virtude do exposto, acreditamos que o curso AMO tem grande po-tencial para formar o ouvinte crítico pela Internet. Isso se dá por meio dos conteúdos, aulas e atividades do AMO; das interfaces, recursos multimídias e hipertextos; da ação do moderador; e dos recursos que permitem a intera-ção e interatividade dos alunos.

Contudo, a educação online ainda está em seus primórdios e ainda “es-tamos aprendendo a desenvolver propostas pedagógicas diferentes para situações de aprendizagem diferentes” (MORAN, 2003, p. 5). Em relação às limitações apresentadas pelo curso AMO, podemos destacar as lacunas de conteúdos, pois alguns deles poderiam ter sido trabalhados de forma diferente. Além disso, percebeu-se a ausência de atividades e conteúdos voltados para a relação música-poesia. Discutir a canção é um aspecto muito importante nos dias de hoje, pois, com ela, conseguimos aproximar o aluno do conteúdo a ser trabalhado.

Destacamos, também, as limitações das atividades propostas para pro-porcionar interação ao aluno-ouvinte do curso. Como curso online, existe a necessidade de não ser mera transposição do presencial para a Internet e, para tal, faz-se prioritário estabelecer diversas formas de interação com o aluno-ouvinte. Nesse caso, as limitações não se encontram na educação mu-sical online, que nos parece possuir grande potencial, e sim no curso AMO em específico, que precisa ser (re)trabalhado para oferecer atividades que proponham mais interação.

Dentre os pontos que necessitam ser aperfeiçoados, podemos destacar a inserção de novas atividades, recursos e interfaces que melhorem a intera-ção entre os alunos-ouvintes e entre esses e o professor-moderador. Desse modo, talvez seja interessante procurar uma interface mais apropriada, na qual o aluno tenha mais liberdade de interagir.

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Outro ponto a ser reformulado é a valorização de questões mais próxi-mas ao aluno-ouvinte e menos teóricas, de modo a tornar o curso menos “tecnicista”. A tese é permitir a experimentação e a brincadeira com a teoria musical, incentivando a produção de músicas e, também, a problematização das músicas.

Apesar das limitações identificadas e das críticas tecidas, podemos afir-mar que o objetivo principal da pesquisa foi alcançado. A educação musical online tem um potencial enorme, mas a utilização e a apropriação dos re-cursos e ferramentas dependem das ações pedagógicas do professor-mode-rador e da participação dos alunos-ouvintes.

Percebemos, também, que as aulas de educação musical online não de-vem substituir as aulas presenciais. No caso específico do AMO, o curso pode ser entendido como um guia para alunos-ouvintes que se interessem em aprender música utilizando a Internet uma vez que contém conheci-mentos, atividades, interfaces e hipertextos interessantes, que são mais efi-cazmente aproveitados em caráter de complementação pedagógica e não como substituição das aulas presenciais. Em outras palavras, ele não é capaz de estimular o ouvir crítico por si só.

Para finalizar, esperamos ter contribuído para as reflexões acerca da rela-ção entre a música e as TIC, duas das nossas maiores paixões, estimulando outras e novas investigações nessas áreas.

Referências

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CASTRO, Lincoln Francisco de Oliveira. Educação musical e o ouvir crítico na inter-net. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2011.

COPLAND, Aaron. Como ouvir e entender música. Rio de Janeiro: Artenova, 1974.

DIAS, Paulo. Da e-moderação à mediação colaborativa nas comunidades de apren-dizagem. Educação, Formação & Tecnologias, Portugal, v. 1, n. 1, p. 4-10, 2008. Disponível em: <http://eft.educom.pt>. Acesso em: 12 ago. 2010.

GRANJA, Carlos Eduardo de Souza Campos. Musicalizando a escola: música, conhe-cimento e educação. São Paulo: Escrituras, 2006.

MORAN, J. M. Contribuições para uma pedagogia da educação online. In: SILVA, Marco (Org.). Educação online: teorias, práticas, legislação, formação corporativa. São Paulo: Loyola, 2003, p. 39-50.

PRIMO, A. F. T. Interação mediada por computador: a comunicação e a educação a distância segundo uma perspectiva sistêmico-relacional. 2003. Tese (Doutorado em In-formática da Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.

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QUEIROZ, Gregório J. Pereira de. A música compõe o homem, o homem compõe a música. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2000.

RAMOS, Vivian Ferreira Figueiredo. Possibilidades e limites da interação oral em aulas de conversação on-line. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) – Univer-sidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2010.

SANTOS, Edméa Oliveira. Ambientes virtuais de aprendizagem: por autorias livre, plurais e gratuitas. Revista FAEBA, Salvador, v. 12, n. 18, 2003 (no prelo), 2002.

SILVA, M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2007.

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Se o corpo é um museu vivo, somos todos criadores de suas obras, conservadores delas, curadores das nossas exposições, mediadores culturais, historiadores da nossa arte, mas sempre, necessitamos fechar o ciclo com outro elemento externo, o público, aquele que completa a obra, que interage que manipula, que olha que emite opinião. Necessitamos sempre do olhar de fora, do especialista, daquele que julga pertinente, do discurso competente. No caso da arteterapia, necessitamos da mediação do sujeito chamado arteterapêuta.

Robson Xavier da Costa

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Corpo museu: imagens entre fronteiras

Museum body: images across borders

ROBSON XAVIER DA COSTA*

ResumoEsse trabalho compreende um ensaio teórico sobre as imagens e o lugar do corpo na relação entre a arte e o processo arteterapêutico, buscando compreendê-lo como um espaço de aprendizagem e repositório das marcas do tempo, ou seja, um museu vivo. De forma ampla, objetivamos entender o lugar do corpo na representação artística contemporânea e sua perten-ça simbólica no setting arteterapêutico, utilizando como método a revisão bibliográfica. Tentamos construir um percurso teórico sobre a presença do corpo no discurso sobre a arte e sobre a arteterapia, ao longo dos estudos de Paín (2009), Rouge (2003), Sontag (2009) e Da Costa (2010), instigando o debate sobre a problematização do corpo entre as fronteiras do conheci-mento.

Palavras-chave: Corpo. Arteterapia. Museu. Artes Visuais.

AbstractThis work comprises a theoretical essay on the images and role of the body in the relationship between art and the art therapy process, attempting to conceive it as a learning setting and a repository of time signs, ie, a living museum. In a broad sense, this study aims at unraveling the place of the body in contemporary artistic representation and its symbolic role in art therapy setting. By reviewing literature, it tries to build a theoretical explanation about the presence of the body on the discourse related to art and art therapy. Taking into consideration the studies of Pain (2009), Rouge (2003), Sontag (2009) and Da Costa (2010), it prompts debate about the body subject on the frontiers of knowledge.

Keywords: Body. Art Therapy. Museum. Visual Arts.

_________________________________* Mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba, Brasil; Doutorando em Arquitetura e Urbanis-mo pela PPGAU/UFRN, Natal, Brasil; Bolsista de Doutoramento pelo Programa Erasmus Mundus da União Européia, Uminho, Portugal; Líder do Grupo de Pesquisa em Arteterapia e Educação em Artes Visuais pelo GPAEAV/UFPB/CNPq; Docente do Departamento de Artes Visuais da UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil; Email: [email protected]

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1. IntroduçãoAn idea is a point of departure and no more. as soon as you elaborate it, it becomes transformed by thought1.

Pablo Picasso

O principal instrumento humano de comunicação com o mundo é o corpo, organismo complexo que serviu de modelo para inúmeros experimentos cientí-ficos ao longo do desenvolvimento da civilização, desde a criação de máquinas que imitavam a fisiologia orgânica dos movimentos voluntários e/ou involun-tários dos órgãos humanos, por exemplo, o funcionamento do olho, como é o caso da máquina fotográfica. Todos os inventos humanos, geralmente, têm como finalidade a otimização do uso do corpo e do seu bem estar.

A história está repleta de casos de desrespeito ao corpo, que muitas vezes foi assolado, esfolado, maculado, humilhado, posto à prova em função de de-terminados princípios políticos, econômicos, sociais e culturais que permeiam a história das civilizações. Usado como determinante de status social, o corpo humano, foi vítima de crimes bárbaros, em função da manutenção do poder de poucos, tais como os inúmeros crimes cometidos pelos Maias ao arrancar o coração dos inimigos em rituais públicos, passando pela queima as bruxas pela Santa Inquisição Católica, no período medieval, pela dominação cruel, durante o período escravocrata nas Américas, quando inúmeros seres huma-nos foram tratados como meras mercadorias e relegados a uma vida abjeta, até o profundo pesar da dominação nazista sobre os judeus, um dos maiores atentados sobre a vida humana em todos os tempos; tudo recaia sobre o cor-po daqueles considerados diferentes do grupo dominante, assim foi, e assim continua sendo em inúmeras partes do globo.

Nosso interesse neste artigo é compreender como o corpo pode ser visto ou como se encontra no processo arteterapêutico, como a arte e a terapia pensam e tratam esse corpo. Pensando principalmente em relação aos es-paços entre fronteiras, em meio à possibilidade da dominação política e/ou ideológica, socioeconômica e cultural e as formas de resistência, buscamos compreender que todo ser humano tem o direito de assumir seu corpo e ter seu espaço de expressão garantido em meio às inúmeras adversidades da vida, impostas pelas necessidades da sobrevivência imediata e pelas formas veladas de domínio cultural, buscando garantir o direito de sonhar e imaginar de cada um, característica central da natureza humana, e necessidade imedia-ta para a manutenção da vida.

A arte e a arquitetura sempre foram palco para a divulgação de muitas ideias que em sua maioria refletiam os interesses de uma pequena classe, seja dos intelectuais pequenos burgueses ou dos grandes líderes que pagavam caro pela construção de uma imagem para a história, correspondendo, geral-

_________________________________1 Uma ideia é um ponto de partida e nada mais. Logo que elaborá-la, ela se transforma pelo pensamento. Pablo Picasso (apud SONTAG, 1961) Tradução livre do autor do original em língua inglesa.

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mente, àquilo que era desejável ficar para a posteridade. No entanto, na arte, o poder da contestação, da quebra de barreiras, de convenções, a irreverên-cia, a ironia, o humor, o feio, o grotesco, sempre estiveram presentes, algumas vezes de forma velada, outras explícita, mas sempre lá, permanentemente.

O corpo muitas vezes é palco para o registro das marcas arraigadas da dominação cultural, dominação na maioria das vezes autoimposta, introje-tada. Essa situação nos remete a uma frase de Ana Mae Barbosa proferida na sua palestra durante a Conferência Internacional de Mediação em Mu-seus da Culturgest, realizada em novembro de 2010 em Lisboa, “Diferente daqui [referindo-se a cultura européia], no Brasil a pobreza é introjetada no corpo, incorporada, é visível”. Em que medida esse corpo é reflexo das inúmeras experiências de vida que cada um carrega ao longo da existência, suas crenças, seus valores, sua cultura, suas escolhas? Ou até que ponto, essa dominação está marcada no próprio corpo, como marcas visíveis de expressão ou mesmo a falta delas?

Parece-nos que, tal como um baú, onde organizamos cuidadosamente nossas memórias, o corpo humano também guarda em si mesmo as marcas do tempo e as escolhas da vida; essas relações podem ser compreendidas da mesma maneira que concebemos a imagem de um museu, ou seja, como um lugar da guarda de um acervo raro, único. No corpo, esse acervo é guardado em forma de memórias e imagens vividas. Tal qual a concepção contempo-rânea de museu, o corpo humano está em permanente transformação, re-fletindo a situação mental e física daquele que o habita. Nada escapa a seu registro. O implacável tempo desenha diariamente novas rugas e memórias. O corpo, portanto, pode ser considerado como exemplo de um museu vivo.

Neste ensaio, pretendemos nos aproximar das formas de abordagem do corpo na perspectiva da arte e da arteterapia, procurando compreender o seu lugar e as possibilidades de compreensão da natureza humana, relativas a toda forma de expressão entre fronteiras.

2. Corpo a construção do lugar da experiênciaPensar o corpo no mundo contemporâneo é um exercício deveras com-

plexo, mas para começar, poderemos tentar entender como esse corpo está presente nas ideias de um dos principais pensadores contemporâneos, Mi-chel Foucault (1997). Para esse autor, principalmente na obra “Vigiar e pu-nir”, o corpo é compreendido como matéria, conjunto de elementos físicos, um invólucro histórica e culturalmente moldável, passível de ser trabalhado por técnicas políticas e socioculturais. Pode-se afirmar que Foucault chega a fazer uma história política do corpo.

Sua contundente abordagem sobre o corpo institucionalizado tem ge-rado inúmeros estudos sobre questões de sexualidade e poder, na escola, nos hospitais, nas instituições psiquiátricas, nas penitenciárias, até mesmo na família, lugares que historicamente trabalham para dominar e moldar o corpo às regras sociais estabelecidas.

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Dentre outras coisas, a produção de Foucault estimula a analisar o corpo em seus confrontamentos com outros cor-pos, no nosso cotidiano escolar, familiar, social, “público” e “privado”. Os estudos de Foucault podem ajudar a compre-ender bem os mecanismos, primordialmente históricos, de continuidades e rupturas vivenciadas por esse corpo (MEN-DES, 2006, p. 169).

Se para Foucault o corpo está atrelado à experiência pessoal total do sujeito no meio em que está inserido e ligado invariavelmente a sua cultura de origem, as ligações sociais e culturais ficam impressas na sua superfície, e são carregadas ao longo da existência humana. Elemento de tensão e de-sassossego, o corpo tem sido moldado literalmente no mundo contemporâ-neo a partir da noção da prótese. Desde tempos remotos os seres humanos desenvolvem próteses para facilitar o domínio do meio, para prolongar o corpo e suas habilidades, damos o nome a isso de meios tecnológicos, que cada vez mais tornam-se imprescindíveis para a vida humana no planeta.

Consideramos próteses, desde o uso de um simples óculos de grau, que permite a ampliação ou correção da visão, até o uso de partes mecânicas no próprio corpo, como o marca passo, ou as pernas artificiais, passando pelas próteses de silicone e pelo botox, formas de manipulação agressiva sobre o corpo físico, que refletem as imposições sociais de modelos pré estabeleci-dos como padrões de beleza.

As ideias de Foucault continuam atuais no século XXI, apesar das inú-meras mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas ocorridas, que influenciam diretamente o lugar e a forma de estar do corpo. Embora as antigas regras disciplinares institucionalizadas tenham sido burladas e mes-mo modificadas, outras vieram substituí-las, estas de forma mais sutil, estão entranhadas na malha social e cultural de cada povo ou nação. Para além das instituições, existem formas ocultas de dominação social do corpo, que ainda são severamente punidas em atos, expressões e oralidades.

Entre os séculos XVIII e XIX, período estudado por Foucault, a disciplina institucionalizada do corpo passava pelas políticas de legitimação das práti-cas sociais. Domar o corpo e moldá-lo às formas aceitas era o caminho tido como possível. Evidente que essas normas estavam balizadas na formatação de um padrão de corpo do homem, branco, europeu e heterossexual, tudo o que fugisse dessa estrutura era passível de censura. No mundo contem-porâneo essas regras foram radicalmente modificadas, uma ampla abertura capitaneada pela contracultura dos anos 1960 e 1970, pelo feminismo e pela abertura proposta pelo multiculturalismo em todo o mundo, apoiando a questão étnica, de gênero e social, abriu caminho para a eclosão defini-tiva de outros corpos, já historicamente presentes, mas sempre colocados à margem, como as mulheres, os negros, os índios e os homossexuais, que passaram a falar, a exibir seu corpo em todos os recantos do mundo e nas redes sociais da internet.

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No entanto, o que permanece é o discurso sobre o corpo, é preciso des-crever, falar sobre, para fazer viver os valores. Na arte, assim como na psico-terapia, o corpo deve ser expresso pela palavra ou por meio das imagens, to-das as formas de representação passam pelas possibilidades de exteriorizar, tornar público, um discurso sobre o corpo, seja visual, sinestésico ou oral.

A conduta de d’Orlan2 é particularmente original: esta bela mulher decidiu muito cedo dar o corpo à arte, ou pelo me-nos o rosto. Fazendo-o ser submetido a uma quantidade de operações de cirurgia estética, demonstra a sujeição ao modelo de beleza que a nossa civilização ocidental impõe as mulheres. Orlan censura o imperialismo do cânone da beleza (...) as suas “operações performances” são realiza-das frente às câmeras, que as transmitem direto por saté-lite para todo o mundo. Orlan lê poemas ou textos filosó-ficos, mandou os maiores costureiros costurarem os fatos dos cirurgiões, transformando assim a sala de operações num lugar de criação artística através de uma cenografia minuciosamente orquestrada. (...) diz Orlan, “questionar” o “pronto-a-pensar”. A minha obra luta é contra o inato, o inexorável, o programado. Considero o corpo obsoleto (ROUGE, 2003, p. 37).

Na prática da arteterapia esse corpo é (re) significado e mediado pela imagem, que hora simboliza, hora incorpora as inúmeras cicatrizes dese-nhadas na sua superfície física ou psíquica pelas experiências conscientes e inconscientes do sujeito. Estudar a relação corpo com a arteterapia é embre-nhar-se nas entranhas do ser e do saber ser sobre o mundo.

3. Corpo como museu vivo e a arteterapiaO corpo como um invólucro de práticas socio-históricas e culturais se-

gundo Foucault, passou contemporaneamente a assimilar relações presen-tes no meio dominante do mundo do capitalismo globalizado, tornou-se bandeira de luta, e cabide para as mais extravagantes experiências, sejam artísticas ou de outra natureza. O corpo, principalmente dos jovens, aparece cotidianamente nas ruas das pequenas e grandes cidades como um mani-festo vivo de suas novas crenças e valores, seja para chocar ou agredir, seja para se impor frente às convenções, gritando seu protesto visual frente à sociedade e à hipocrisia.

Desta forma, compreendemos o corpo contemporâneo com um espaço _________________________________2 Orlan é professora permanente da École Nationale Supérieure d'Arts Paris-Cergy. Regularmente convidada por universidades e instituições para dar palestras e master-classes. Explora diferentes técnicas, como foto-grafia, vídeo, escultura, instalação, performance, biotecnologias, trabalhando principalmente com a Body Art.

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expositivo, literalmente um museu vivo, passível de inúmeras transforma-ções cotidianas e em permanente e contínuo processo de envelhecencia, se “a palavra exposição também vem do latim – exponere – isto é, “por para fora”, “entregar à sorte” (GONÇALVES, 2004, p. 13) então podemos com-preender as tentativas de se impor ou tornar-se visto por meio da expressão do próprio corpo frente ao meio, como uma exposição em potencial.

De certa forma, a arte contemporânea, na qual a obra é entendida apenas como fenômeno, postula uma estética artística “pura”. Mas ao mesmo tempo, quando não repre-senta nada, a obra de arte torna-se um objeto do mundo e não mais uma ficção que atua como simulacro de uma coisa (PAÍN, 2009, p. 14).

Se segundo Paín a arte passou a ser objeto do mundo, e se consideramos o ato de expor como essencial para a criação do museu como instituição cultural, o ato de expor-se em público, utilizando para isso o próprio corpo como veículo político e cultural, é um ato fundante para a criação de um museu-corpo.

Em todos os momentos, e em todo lugar, a exposição apa-rece como pressuposto-chave da ideia de museu é o meio pelo qual são reunidos e resgatados objetos carregados de informação cultural para uma recepção determinada (GON-ÇALVES, 2004, p. 14).

Cada vez mais o corpo absorve os adornos, adereços e vestuário que pos-sam identificar as diversas tribos urbanas. Pela visualidade de cada pessoa é possível identificar traços de sua cultura, posição política, religiosidade, opção sexual, raça e gênero.

Esse corpo está constantemente em revisão, em transformação do nas-cimento à morte, mudamos diariamente, nunca somos nem seremos os mesmos, esse processo perecível de continuidade da vida, que carregamos como um carma ao longo de nossa existência pode ser um rico material de trabalho para o arteterapeuta.

Se a vida é um processo contínuo de transformação, é possível rever etapas psíquicas e retomar as pontas dos novelos guardados, ou esquecidos inconscientemente, e refazer o traçado da linha da vida. A arteterapia permi-te que o corpo seja vivido e significado inteiramente no setting. Ao trabalhar com o simbólico e o visual, o arteterapeuta tem nas mãos um conjunto de ferramentas que possibilitam ser o mediador do processo de descobertas sobre o si mesmo e a relação com o mundo. “No museu, exposições, pu-blicações e programas de formação precisam estar em constante revisão quanto a conteúdos e forma de apresentação” (GONÇALVES, 2004, p. 98). Na vida cotidiana essa revisão ocorre em diversos níveis e o corpo é o veículo para que ela se concretize.

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Os exemplos de artistas que põem a sua própria vida no âma-go da sua arte não faltam. É aquilo que chamamos de mu-seus imaginários ou pessoais (ou ainda narração auto-fictícia) (...) Uma das particularidades da arte de hoje é o fato de o artista aceitar que a sua obra não seja durável. O desejo de ancorar o seu trabalho no tempo não é forçosamente uma preocupação dos artistas contemporâneos, que aceitam fre-qüentemente seu aspecto perecível, como a brevidade das suas existências pessoais (ROUGE, 2003, p. 30 - 33).

O arteterapeuta, estando entre a imagem e o sujeito, hora aparece como a figura do voyeur, hora como o curador que escolhe e aponta questões. No setting arteterapêutico o corpo deve ser acolhido em suas várias dimen-sões, aceito e estimulado para o processo criativo, favorecendo a conexão dos conteúdos simbólicos inconscientes com o universo consciente humano, mediados pelos símbolos e imagens.

O voyeurisme não é novidade na arte, é até frequentemen-te um motor essencial da criação; atingiu simplesmente um nível muito mais elevado. Esta forma de criação atual revela e corresponde a uma realidade: o sofrimento dos corpos e a violência da sexualidade. A colocação em cena do corpo hu-mano de forma provocante continua a ser o modo mais elo-qüente para exprimir esse mal estar (ROUGE, 2003, p. 38).

Se o corpo é um museu vivo, somos todos criadores de suas obras, con-servadores delas, curadores das nossas exposições, mediadores culturais, historiadores da nossa arte, mas sempre, necessitamos fechar o ciclo com outro elemento externo, o público, aquele que completa a obra, que in-terage que manipula, que olha que emite opinião. Necessitamos sempre do olhar de fora, do especialista, daquele que julga pertinente, do discurso competente. No caso da arteterapia, necessitamos da mediação do sujeito chamado arteterapêuta.

4. Considerações finais Considerando que vivemos em uma sociedade de choques culturais, imer-

sos em cenários sociais pós-coloniais, em que uma das questões emergentes é como manter a singularidade cultural em meio à globalização do conheci-mento, questões que passam pela prerrogativa do multiculturalismo, e que nos remetem a necessidade da re-educação dos afetos e da minimização do apartheid sociocultural, nos perguntamos, qual o lugar da arteterapia nesse processo?

O que a arteterapia propõe a partir da sua prática transdiciplinar e multi-cultural é o desenvolvimento e aplicação de um olhar cosmopolita, tratando as pessoas e suas culturas simultaneamente como iguais e diferentes. Ao

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lidar com múltiplas formas de conhecimentos, o arteterapeuta necessita de-senvolver um olhar aberto, múltiplo e plural, frente ao mundo exterior e às demandas inconscientes, tem que co-habitar com as diferenças e aprender com elas.

A arte como um campo de conhecimento humano rico em símbolos e significados permite a eclosão de uma linguagem não verbal, possibilitando a comunicação por meios pouco explorados na educação geral. (...) permitindo que pessoas socialmente marginalizadas possam produzir uma nova for-ma de ser e estar no mundo (DA COSTA, 2010, p. 61).

Temos que compreender e aplicar na nossa práxis que não existe uma úni-ca forma de olhar para o mesmo problema, nem uma única maneira de resol-vê-lo, é preciso experimentar continuamente, tentar sempre, olhar de outra maneira, sempre que possível, fugir do convencional, respeitar as respostas divergentes. É preciso ouvir sempre o murmúrio do riacho, e também o farfa-lhar das águas do rio, estar atento aos detalhes, aos sinais, por mais simples que sejam todos são pistas que podem nos levar a grandes estradas, é preciso seguir o paradigma indiciário (GUINZBURG, 1990) para recriar essas histórias.

Segundo Rouge (2003, p. 34) “O artista atual põe de boa vontade a sua vida, a vida de todos os dias, em cena no seu trabalho”. Da mesma forma o ar-teterapeuta tem contato todos os dias com o universo pessoal do cliente, com sua construção simbólica cotidiana e pode compreender como ele organiza em suas prateleiras mentais os conteúdos psíquicos, tornando-se um agente facilitador no acesso aos dados que estão aparentemente inalcançáveis.

A work of art may contain all sorts of information and of-fer instruction in new (and sometimes commendable) at-titudes. (...) But so faras we deal with these works as work of art, the gratification they impart is of another order. It is an experience of the qualities or forms of human conscious-ness (SONTAG, 2009, p. 27)3.

Se for possível acessar as qualidades ou formas da consciência humana no contato com a obra de arte, também é possível que o sujeito do processo arteterapêutico, coloque-se na mesma posição do museu aberto, em que é possível ter contato com seus labirintos e salas de exposições internas; mas nem sempre, ter contato com a reserva técnica, geralmente, guardada longe dos olhos da multidão, palco dos acontecimentos mais significativos da vida humana. _________________________________3 Uma obra de arte pode conter todos os tipos de informações e instruções e oferecer novas (e às vezes louváveis) atitudes. (...) Mas assim que lidamos com essas obras como obra de arte, a gratificação que eles possibilitam é de outra ordem. É uma experiência das qualidades ou formas de consciência humana (SON-TAG, 2009, p. 27). Tradução livre do autor do original em língua inglesa.

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Assim como “o museu e sua atividade acabam sendo avaliados não só pelo rigor de seu conteúdo de informação interna, mas também pela habi-lidade com que se apresenta o referido conteúdo” (GONÇALVES, 2004, p. 98-99), o sujeito da prática arteterapêutica também pode ser avaliado pelos sinais que expressa no seu contato com a arte, no fazer criativo contextu-alizado, significante e nas formas de superação dos complexos simbólicos pessoais e coletivos que enfrenta.

Referências

DA COSTA, Robson Xavier (Org.). Arteterapia & educação inclusiva: diálogo multi-disciplinar. Rio de Janeiro: Wak, 2010.

EÇA, Teresa; MASON, Rachel. International dialogues about visual culture, educa-tion and art. Chicago, USA: The University Chicago Press, 2008.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1997.

_____. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996.

GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário In: _____. Mitos, em-blemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Entre cenografias: o museu e a exposição de arte no século XX. São Paulo: Edusp/FAPESP, 2004.

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.

MENDES, Cláudio Lúcio. O corpo em Foucault: superfície de disciplinamento e gov-erno. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, n. 39, p. 167-181, abr. 2006.

PAÍN, Sara. Os fundamentos da arteterapia. Trad. Giselle Unti. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

ROUGE, Isabelle de Maison. A arte contemporânea. Trad. Joana Rosa. Lisboa: Edito-rial Inquérito, 2003.

SONTAG, Susan. Against interpretation and other essays. London, England: Pen-guin Group, 2009.

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Buscamos, tanto partir do cotidiano do aluno, por compreender que é necessário valorizar questões nele inseridas, como introduzir elementos de belas artes ou da arte popular, para que o estudante vá além de seu próprio cotidiano e conheça outros tipos de produção de conhecimento e expressão humana.

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

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CTS-Arte: uma possibilidade de utilização da arte em aulas de

CiênciasSTS-Art: one possibility of using art

in science classes

ROBERTO DALMO VARALLO LIMA DE OLIVEIRA*GLÓRIA REGINA PESSÔA CAMPELLO QUEIROZ**

ResumoO presente trabalho busca discutir a abordagem CTS-Arte, uma proposta construída no Grupo de Pesquisa em Ensino de Física na UERJ, que se propõe como uma prática pedagógica que valoriza a diversidade cultural e possibili-ta um maior diálogo entre a cultura científica e a cultura humanística. Após formalizar as discussões, apresentamos o relato de uma pesquisa feita em uma turma de 1º ano do ensino médio durante a aula de química, que se utilizou da obra do artista plástico Vik Muniz para discussões sociocientíficas sobre o lixo, por meio de um debate realizado em um ambiente virtual e apresentada à produção dos estudantes.

Palavras-chave: CTS-Arte. Vik Muniz. O lixo extraordinário.

AbstractThe present article discusses the approach STS-Art, a proposal developed by a Research Group on Physics Teaching at UERJ, which is proposed as a pedagogical practice that values cultural diversity and enables a greater dialogue between the scientific and humanistic cultures. The search for new practices that propose a greater dialogue and understanding between all existing cultures in school environment, are obstacles to be surpassed by education in sciences. After formalizing the discussions, we presented

_________________________________* Licenciado em Química pela Universidade Federal Fluminense e Mestrando do Programa Ciência, Tecnologia e Educação do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Brasil; Email: [email protected]** Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ), Brasil; Docente do Instituto de Física Armando Dias Tavares – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), do Programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Tecnologia e Educação CEFET, RJ, Brasil; Email: [email protected]

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a research and its results developed in a high school during a regular chemistry class that used a work created by the plastic artist Vil muniz, to a social-scientific talk about Garbage. A debate was performed in a virtual environment and presented as a production to the students.

Keywords: STS-Art. Vik Muniz. Waste Land

O movimento Ciências, Tecnologia e Sociedade/CTS e seu reflexo no ensino de Ciências Uma das ideias que está sendo difundida há alguns anos na área de pes-

quisa em Educação em Ciências é a necessidade de uma formação básica para que os estudantes consigam compreender uma dimensão social da ciência e sua relação com a tecnologia e a sociedade, sendo capazes de re-fletir de maneira crítica, elaborando juízos de valor sobre práticas científico--tecnológicas (BRASIL, 1998). Essa “forma de pensar” a educação científica está presente em um grande movimento internacional que se chama Ciên-cia, Tecnologia e Sociedade (CTS).

Segundo Bernardo (2008), um dos fatores primordiais que resultou no sur-gimento do movimento CTS foi o lançamento das bombas de Hiroshima e Na-gasaki, além do surgimento de movimentos como o ambientalista e o feminis-ta (AIKENHEAD, 2005). Esses diversos fatores contribuíram para que houvesse o questionamento sobre o modelo linear, proposto por Bush (1945), no qual se estabelecia a proporcionalidade entre desenvolvimento cientifico e social, acarretando num desenvolvimento tecnológico estreitamente relacionado ao desenvolvimento social. No que se refere ao ensino, alguns dos principais fa-tores para o surgimento da abordagem CTS foram: o movimento de reformas curriculares no ensino de ciência e a insistência de educadores por apresentar uma concepção mais humana de ciência. O movimento CTS gerou mudanças no status quo da educação científica (AIKENHEAD, 2005).

Diversos projetos em todo o mundo foram feitos utilizando uma con-cepção de CTS, de forma que é possível encontrar vários sentidos dentro da área. Aikenhead (2005) propôs um espectro que expressa a importância relativa de conteúdos CTS de acordo com a estrutura do conteúdo (conteú-do científico tradicional ou CTS) e sua a avaliação (de acordo com a impor-tância na compreensão do conteúdo científico versus a compreensão do conteúdo CTS). Foram separadas oito categorias em um continuum que vai gradualmente incorporando elementos CTS aos currículos, sendo que a 1ª categoria apresenta um conteúdo tradicional com algumas noções de CTS e a 8ª apresenta uma alta prioridade aos conteúdos CTS e uma baixa prio-ridade aos conteúdos científicos. Independente da localização do tipo de abordagem dentre o espectro apresentado por esse autor, há uma busca pela capacidade na tomada de decisão para uma ação social responsável, ou seja, considerando os valores e as questões éticas.

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Santos e Mortimer (2001) destacam que, além disso, deve-se dar ênfa-se ao processo argumentativo fundamental para esse processo. Entretanto, Auler (2007) faz uma ressalva e mostra que a abordagem CTS, apesar de possuir diversos sentidos e práticas, tem sido utilizada em maior escala ape-nas como uma motivação para ‘cumprir o programa’ e ‘vencer conteúdos’.

A educação CTS, sob a visão de nosso grupo de pesquisa em educação em ciências, vai além de abordagens anteriores, pois temos como meta con-tribuir para uma formação na qual os estudantes sejam formados como ci-dadãos aptos a compreender algumas das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, associando os conteúdos científicos curriculares, ou em fase de transposição didática, a essa tríade, tornando-se capazes de pesquisar e en-gajar-se nas pesquisas e estudos sobre assuntos que, ao longo de sua vida, forem necessários ou de seu interesse. Esperamos, assim, que os estudantes venham a desenvolver conhecimento e um senso crítico que lhes permitam desconfiar de verdades impostas, e que possam assim tomar decisões coe-rentes em seu ambiente, caso seja de sua possibilidade, tendo respeito e to-lerância à diversidade existente nas formas de pensar, agir, vestir-se, cultuar, presentes no mundo contemporâneo.

A aproximação com a arte Ao pensar uma prática CTS, buscamos refletir sobre duas questões: a

primeira, apresentada por Charles Snow em 1959, se refere à existência de uma aparente oposição entre a cultura cientifica e a cultura humanística (SNOW, 1995); já a segunda, feita pela professora Vera Candau (2010), nos levou a indagar sobre a necessidade de romper com uma educação homo-genizadora e monocultural construindo práticas que valorizem a diferença. A escola deve passar a ser vista como um cruzamento de culturas, um am-biente complexo, fluido e permeado por tensões. Dessa forma, utiliza-se de uma perspectiva conhecida como multiculturalismo que a autora, reconhe-cendo a polissemia do termo, define sua posição como intercultural, ou seja, aquela que promove o reconhecimento do outro para o diálogo, considera as culturas como em constante processo de elaboração e reelaboração, e as relações culturais como atravessadas por questões de poder e marcadas pelo preconceito. Tendo em vista a percepção desse afastamento e a neces-sidade de práticas que proponham um diálogo entre culturas, vimos a Arte como possibilidade de aproximação e diálogo.

Antônio Damásio (apud GALVÃO, 2006) ressalta que “um currículo es-colar que integra as artes e as humanidades é imprescindível à formação de bons cidadãos”, e Edgar Morin (2003) enfatiza que a Arte nos leva à di-mensão estética da existência e que em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana. Portinari (2011) ressalta a necessidade de exercer, em paralelo com atividades técnico-científicas, uma ação cultural “que resgate a consciência de nosso momento histórico e recupere o pas-sado como referência dinamizadora que torna, enfim, possível abordar o futuro de maneira própria” (PORTINARI, 2011, p. 33).

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A estratégia metodológica da práticaDe forma a valorizar o diálogo entre as culturas humanística e científica,

foi promovido o enlace entre as questões sociocientíficas e a arte, destacan-do-se conteúdos científicos e tecnológicos, em uma abordagem denomi-nada por nosso grupo como CTS-ARTE. Tal possibilidade metodológica está sendo estudada no âmbito do grupo de pesquisa em diversos contextos.

Aikenhead (1994) apresenta uma sequência didática adotada para a ela-boração de projetos CTS. Em nosso grupo fizemos uma modificação da pro-posta ao acrescentar a “Arte” por sua expressão social. Para isso partimos do princípio da relação entre Arte e Política como é vista por Jacques Ranciére (2005) ao afirmar que “A arte sempre faz política”, e que a estética é atra-vessada por um projeto de Arte que é transcendida. Não são feitos quadros, mas formas de vida. Além disso, Bay (2006) apresenta possibilidades da re-lação entre Arte e Sociedade em Marx, Foucault, Freud e Galiambert. Entre os diferentes sentidos dados por esses autores destacamos o proposto por Marx como a Arte sendo capaz de expressar a luta de classes por ser um reflexo social e o proposto por Foucault, como sendo ela capaz de expressar uma relação entre o dito e o não dito, o reflexo de algo encoberto e relações de poder. Outro conceito utilizado é o de a obra de arte como obra aberta (ECO, 1991), permitindo múltiplas possibilidades de interpretações que de-penderão do intérprete da obra.

Podemos ler a figura que se segue a partir das seguintes etapas indicadas pela seta: 1) é escolhido um tema social a partir de uma relação com a arte; 2) uma tecnologia é introduzida; 3) estuda-se a ciência e sua relação com tecnologia e sociedade; 4) a questão social é rediscutida; 5) é proposto aos estudantes que elaborem um produto final científico-artístico.

Figura 1. Proposta CTS-ARTE adaptado de Aikenhead (1994).

Fonte: http://www.usask.ca/education/people/aikenhead/sts05.htm

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Buscamos, tanto partir do cotidiano do aluno, por compreender que é ne-cessário valorizar questões nele inseridas, como introduzir elementos de belas artes ou da arte popular, para que o estudante vá além de seu próprio cotidiano e conheça outros tipos de produção de conhecimento e expressão humana.

Na última etapa da prática, buscando a articulação CTS-Arte nas escolas de ensino médio e fundamental, os estudantes elaboram um produto final, sendo eles mesmos os artistas e se significando a partir da arte, construin-do identidades próprias. Esses produtos postos em uma exposição fazem com que os estudantes não sejam apenas os “recebedores” de conhecimen-tos clássicos a eles transmitidos, mas reelaboradores dos conhecimentos e modificadores dos sentidos existentes tanto nos colaboradores do projeto, quanto nas pessoas que assistirem à exposição.

Dentre os trabalhos produzidos no grupo de Pesquisa em Ensino de Física da UERJ durante o ano de 2012, podemos identificar a presença de quatro artistas, sendo eles: Fernando Pessoa, com a poesia de seu heterônimo Álva-ro de Campos, poeta e engenheiro futurista; João Batista Melo, poeta popu-lar sergipano, residente em Niterói1 (cordelista), e sua obra com enfoque em Educação Ambiental; Portinari, autor trabalhado no âmbito de uma parceria universidade-escola básica com três escolas do estado do Rio de Janeiro e envolvendo professores de Física e Ciências e, o escolhido para ilustrar esse artigo, Vik Muniz.

O lixo extraordinário: o contexto escolar e a escolha da arteA busca por um tema de relevância sociocultural pode partir da percep-

ção do cotidiano existente no entorno da escola. Nosso contexto era de um colégio da rede privada de ensino e está localizado no município de São Gonçalo/Rio de Janeiro, possuindo 15 alunos na sala de aula do 1º ano do Ensino Médio.

Fadini e Fadini (2001) ressaltam que hoje em dia a mudança nos hábitos de consumo da população está transformando a característica do lixo, de forma que esse crescimento não está sendo acompanhado de medidas que o tratem de forma adequada. Apesar da Política Nacional de Resíduos Sóli-dos (Lei 12.305- 2010) é possível observar o descaso e falta de conscientiza-ção nos arredores do colégio. O lixo espalhado pela rua mostra uma situação passiva tanto de moradores quanto dos gestores, dessa forma, decidimos utilizar a abordagem CTS-Arte a partir da potencialidade existente na obra do Artista Plástico Vik Muniz2.

Seu trabalho faz uma releitura de obras clássicas, utilizando materiais di-ferenciados. Em específico, trataremos da obra realizada, utilizando lixo; Vik

_________________________________1 Sua obra é exposta no Campo de São Bento (Parque situado no bairro de Icaraí em Niterói, RJ) nos finais de semana.2 http://www.vikmuniz.net/

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vai ao aterro de Jardim Gramacho, o maior da América Latina e localizado no Rio de Janeiro, recentemente fechado. Segundo Diogo (2011), o artista fotografa o catador/personagem, e constrói uma imagem que inclui signifi-cantes recolhidos do seu testemunho de vida, tranformando-o em modelo da própria obra. A partir daí há uma participação coletiva na construção da obra com a assinatura do artista. Com isso, parte da renda gerada pelas obras é revertida para modificar o cotidiano dos catadores. Como ressalta Gonçalo (2011), “Vik Muniz não quer realizar apenas mais uma nova série de fotografias e quadros. Ele almeja, de fato, intervir e mudar a vida de uma comunidade, mesmo que num ínfimo instante”. Essa ação realizada tornou--se Documentário sob a direção de Lucy Walker, João Jardim, e Karen Harley, recebendo diversos prêmios, uma indicação ao Oscar em sua categoria no ano de 2010, recebendo um destaque internacional.

A prática Foram utilizados dois tempos de aula para a exibição do filme e, em

seguida, deu-se início ao debate por meio de um grupo da turma existente em uma rede social, o Facebook. O debate via essa rede social, com a possi-bilidade de registro de ideias e falas, foi uma consequência da sua constante utilização por todos os estudantes da turma.

Para Belloni e Gomes (2008), os jovens sempre que possuem acesso às redes sociais são assíduos, interessados e entusiastas da internet, possuindo uma capacidade crítica para os assuntos que os interessam muito. Dessa maneira, o debate ficou aberto durante 28 dias e os estudantes escreviam quando se sentiam à vontade. Foram registrados 24 comentários dos estu-dantes e 2 comentários do professor, além da opção “curtir” que mostra a existência de um consenso dos estudantes sobre algum comentário feito.

Em nosso contexto, todos os estudantes possuíam acesso à rede e cons-tante participação nela, assim desde o começo do ano letivo foi criado um grupo restrito para os estudantes da sala que serviria tanto para a troca de informações sobre as aulas, como para a postagem de filmes, imagens e outros recursos multimídia disponíveis na rede que contribuíssem para o aprendizado. No grupo, álbum de fotos foi introduzido pelo professor antes da exibição do filme “O lixo extraordinário”, com o objetivo de familiarizar os estudantes com a obra do artista, além de levantar questionamentos so-bre o material usado para a elaboração dessas imagens.

O professor após a exibição do filme organizou apenas um tópico para que as discussões fossem realizadas. Podemos descrever a prática partindo das seguintes etapas: 1) Escolha do tema: o lixo foi escolhido por ser um tema social potencialmente significativo e presente no cotidiano dos estu-dantes. Para essa abordagem utilizamos a arte de Vik Muniz; 2) Tecnologia introduzida e debatida: o processo de reciclagem; 3) Ciência por trás do processo: diferenciação entre reciclagem e reutilização. Na reciclagem ocor-re uma transformação; 4) Volta ao tema social: reelaboração e uma melhor

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discussão sobre os temas sociais que cercam os catadores; e 5) Produção científico-artística dos alunos: elaboração deu um material que foi desen-volvido em forma de um calendário para uma possível divulgação dos pro-blemas do lixo no bairro. Nesse caso, podemos compreender a atitude dos estudantes ao fotografar o cotidiano como a arte expressa no nosso projeto e permitiu perceber o estudante como protagonista de sua aprendizagem. Eles saíram de uma situação de apenas “recebedores” de um saber legitima-do e acadêmico para a de potenciais produtores e transformadores do seu próprio cotidiano. Esse calendário foi entregue à coordenação do colégio, mas não foi utilizado no ano seguinte.

A pesquisa completa pode ser lida nos anais do III seminário Iberoameri-cano CTS en la enseñanza de las Ciências3.

(In)conclusões Os trabalhos elaborados utilizando a abordagem CTS-Arte são pensados

em uma perspectiva interdisciplinar, no sentido de que se utiliza uma apro-ximação entre Ciência, discussões sociais e Arte. Todos os trabalhos elabora-dos em 2012 foram feitos apenas com o professor que ministra a disciplina de Ciências. Isso não impede que haja parcerias e que a prática seja reelabo-rada em contextos diferentes. Como as primeiras sementes foram plantadas em 2012, só tivemos a oportunidade de investigar contextos práticos indi-viduais, mas em 2013 já está aprovado o Projeto LIFE para a montagem de um laboratório interdisciplinar, com colaboração de diversos cursos da UERJ e uma disciplina CTS-Arte, eletiva para as diversas licenciaturas Com isso, po-deremos investigar a prática em um contexto de parcerias entre professores de diversas áreas e possibilitar, assim, uma formação baseada em um maior diálogo interdisciplinar.

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É claro que a intersubjetividade seria responsável pela ideia da autonomia da arte por meio do reconhecimento do objeto estético como um ente, com toda sua aura existencial, para usar um termo caro a Walter Benjamin (1987). Podemos dizer, talvez de forma excessiva, que um precursor do existencialismo, como Kierkegaard, estaria disposto a afirmar que os objetos estéticos possuem uma tensão interior. Heidegger, por sua vez, assinalava no objeto estético o mesmo sentido da autenticidade do ser.

Sérgio Câmara

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Autonomia da arte: notas de estéticaAutonomy of art: aesthetics notes

SÉRGIO CÂMARA*

ResumoEste artigo discute as implicações da autonomia da arte a partir dos concei-tos que historicamente associaram o valor de sua experiência aos conteúdos de verdade, moral ou prazer, produzindo, assim, o que poderia ser sinalizado como uma relação de sujeição ou heteronomia. Por outro lado, o problema da autonomia está posto em toda a sua complexidade, na medida em que a liberdade da criação artística é projetada numa esfera de cultismo e pure-za, destacada dos valores constitutivos dos regimes de historicidade. Nesse sentido, busca-se compreender o desejo de independência da representação artística como aquilo que é mais característico da experiência estética.

Palavras-chave: Autonomia da arte. Estética. Sublime.

AbstractThe article discusses the implications of the art autonomy within the concepts that historically associated the value of its experience to contents of moral, truth or pleasure, producing, this way, what could be appointed as a relationship of subjection or heteronomy. On the other hand, the problem of autonomy is put in its entire complexity to the extent that the freedom of artistic creation is designed in a sphere of cultism and purity, distinguished from the constituent values of the historicity regimes. Accordingly, we seek to understand the desire of independence of artistic representation as what is most characteristic of an aesthetic experience.

Keywords: Artistic autonomy. Esthetics. Sublime.

A concepção geral da arte é um dos problemas mais relevantes da Estéti-ca. Ao mesmo tempo em que trata de um conceito essencial do fenômeno, também comparte e delimita o próprio campo da Estética como disciplina filosófica. Assim é que, de Platão a Kant, de Hegel a Sartre, o centro de dis-cussão estética é, em um primeiro plano, o conhecimento do fenômeno, in-

_________________________________* Doutor em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil; Docente do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro, Brasil; Email: [email protected]

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dependentemente das relações conceituais que envolvem a compreensão da arte; por exemplo, compreender a manifestação artística do Renascimento ou do Romantismo pode revelar uma direção de pensamento, um estilo de época, um ideário, mas não resolve a essencialidade do problema artístico. Isso significa que devemos indagar, e questionar a partir dessa indagação, se a arte é um fenômeno autárquico que deve ser investigado por intermédio de leis próprias, atemporais e universais.

Platão, no livro X da República, define que a arte tem o seu ser na apa-rência (PLATÃO, 2006, p. 419). Abstraindo a subordinação da arte aos con-ceitos morais do bem e do belo, teríamos uma questão ontológica de difícil solução, uma vez que o conceito de ser e o de aparência exigiriam a com-preensão do objeto e da sua inserção na realidade. Partindo de uma ideia mais acessível, seria lícito indagar sobre o fato concreto da arte, sua mani-festação nas diversas espécies e gêneros, enfim na sua morfologia, como o fez Aristóteles. De todo modo, as relações de contingência entre a arte e a realidade e por consequência como pretendia Platão, entre essência e apa-rência continuam a alimentar esse eterno debate filosófico e a decidir sobre a liberdade da própria arte. Como assinalou Adorno (1982), a metafísica da arte tornou-se o por excelência o lugar de decisão sobre a sua sobrevivência.

Luigi Pareyson (1984, p. 45) apresenta a questão da plenitude de signifi-cados da obra de arte na qualidade do seu valor artístico:

Se a obra de arte não aceita valer senão como forma, isto não significa que ela se reduz a ser somente forma: ela é, ao mesmo tempo, uma forma e um mundo; uma forma que não exige valer senão como pura forma e um mundo es-piritual que é um modo pessoal de ver o universo. Como acertadamente diz Dewey, a arte é sempre mais que a arte: pela multiplicidade dos atos, desígnios e fins dos homem, ela é sempre ao mesmo tempo profissão de pensamento, ato de fé, aspiração política, ato prático, oferta de utilidade, seja espiritual ou material.

Na realidade, toda a evolução filosófica da estética tem uma nítida ten-dência fenomenológica a ver na arte um verdadeiro ser, logo, uma condição ôntica, uma vertente ontológica de investigação. Para que a arte possa ser avaliada em sua essência, a fenomenologia afirma que a obra tem a sua equivalência na identidade do Ser, a obra sendo experiência pragmática, enfim, idêntica à realidade. E, como diz respeito à natureza do ser, é fruto de uma tensão. De todo modo, o objeto entregue à tensão (ou à dialética) é um dado da consciência, aquilo que se denomina obra como simulacro ou o speculo platônico, o jogo múltiplo de imagens especulares.

Uma reflexão dessa ordem é originalmente controversa, de vez que a representação da realidade pode ser compreendida dentro dos limites da mimesis ou pode ser considerada em termos puros, não se cogitando de

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um simbolismo representacional. Nessas condições, a teoria estética deve se limitar, inicialmente, na condição ontológica do objeto como natureza, antes de definir pelo juízo de valor toda a questão semântica que envolve a sua forma de percepção. Ficaríamos diante de um epifenômeno, logo diante do objeto dado à consciência no seu estado puro. Não fossem a intenção, o quase-juízo, teríamos algo semelhante à teoria do sublime, de Kant (o exem-plo é discutível, mas instigante).

A questão nos interessa em termos de autonomia da arte porque coloca num primeiro plano a posição do sujeito (sua consciência) e do objeto ar-tístico da perspectiva de sua intrínseca realidade (objeto = coisa), e não no campo das possibilidades do objeto como se observa desde Aristóteles (arte como hipótese do ser). Nesse caso, que incide no âmbito da verossimilhan-ça, da mimesis, teríamos definições quanto à fatura da obra (enquanto o ponto discutido se apega à determinação do real) não como elemento que o objeto provoca pela imitação (um aspecto funcional), mas à imanência do ser numa esfera ôntica de sua pura existência. Dessa forma, poder-se-ia cogitar da materialidade do fenômeno artístico dentro do seu relativismo existencial a partir de um suporte eidético. É possível compreender, assim, que as botas de um quadro de Van Gogh (HEIDEGGER, 1992) se constituam numa coisa em si ou que os arlequins de Picasso tenham vida própria. Sartre descreve esse processo de modo exemplar quando trata do retrato de Carlos VIII (SARTRE, 1980).

É bom lembrar que, para Kant, era indiferente que o objeto belo, perce-bido como belo, tivesse ou não existência. Sartre define o retrato de Carlos VIII como representação de um “objeto irreal”. Em suma, ele pôde concluir que “a beleza é um valor aplicável exclusivamente ao imaginário e que com-porta a negação do mundo em sua estrutura essencial. Por isso é estúpido confundir a moral com a estética” (OSBORNE, 1976, p. 69).

Mesmo que não se tenha de concordar com a referida negação do mun-do, é possível admitir a liberdade do objeto estético a partir da irrealida-de da sua existência. É justamente nessa irrealidade como ausência de um fim que está a sua concordância com Kant. Ambos reconhecem que existe um fim que se chama valor. A obra de arte é um fim. Não tem um fim.

A importância da asserção kantiana é tão significativa que mostra os ca-minhos do suprassensível que a liberdade revela ou intui. Com isso, revoga a tese da hierarquia das artes, conforme elaborado por Platão (2006), privi-legiando a liberdade do sujeito da experiência: o belo escapa da esfera da necessidade e portanto, para Kant, além do belo ser inútil, os objetos belos possuem perfeição teleológica. Para ele, seria impraticável distinguir, como Platão, a beleza dos corpos, da alma e a beleza em si na contemplação dos sábios, salvo que se queira aceitar a estética intuitiva platônica do Hípias livre das hierarquias do Banquete.

Não parece tão fora de nexo atualizar a leitura de Platão como um ver-dadeiro tour de force ou uma prestidigitação no sentido de ver a existên-

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cia como um ato estético limite. Alguns personagens de Thomas Mann en-carnam a dualidade do artista doublé de louco ou alienado. Sabe-se que vão se inspirar ora em Schopenhauer, ora, sobretudo, em Nietzsche como o Doutor Faustus. Com isso pretendo exprimir algumas percepções luminosas de Platão que mais tarde foram absorvidas pelo solipsismo de Plotino. Ao condenar o prazer de inspiração realista, Platão reconhece que existe afinal o hedonismo da arte, o prazer como finalidade em si, que contrasta com o princípio do aperfeiçoamento moral. Enfim, deve-se a Platão a criação de uma verdadeira teoria dos mitos e dos símbolos. Desse modo, no Timeu, Deus é perceptível aos sentidos através de uma teologia que se denomina, não por acaso, simbolista. No fundo e para recordar o solipsismo de Plotino, cada coisa é todas as coisas. O sol é todas as estrelas e cada estrela é todas as estrelas e o sol (BAYER, 1974).

Para Platão, seria impensável a unificação dos arquétipos que levaria ao sacrifício do seu sistema dualista, da sua teoria dos símbolos. O grande avanço definitivo em termos de uma estética filosófica ou geral, dado por Kant, retoma a eterna aporia entre o mundo moral e o mundo natural1.

Fixava Kant, de uma vez por todas, a ligação entre o entendimento e a razão. Pela primeira vez, a consciência estética é claramente definida e livre de contingências morais. Daí a afirmação de Hegel sobre a estética kantia-na: “a primeira palavra racional acerca da beleza” (BOSANQUET, 1949, p. 308). Essa “primeira palavra racional” em certos domínios retomaria o du-alismo platônico libertando-o de entraves: entendimento e razão, prazer e desprazer como união das forças judicativas do conhecimento e do desejo. A estética platônica se efetiva pelo amor. A estética de Kant pela conciliação dos contrários: reinos da liberdade e da necessidade. Tal forma de idealismo subjetivo (que vai gerar, dialeticamente, o seu oposto) vai conciliar por meio do juízo estético as leis naturais e as leis morais, daí porque a crítica do juízo completa o sistema.

Por outro lado, o modo como Kant descreve e define a consciência es-tética já antecipa as recentes formulações da fenomenologia, sobretudo ao reservar ao objeto o seu estado puro e dotar o sujeito da liberdade (pelo juízo universal do gosto) para apreendê-lo. Dotando a beleza do conceito de subjetividade, deveria se colocar a questão da beleza natural como algo totalmente livre e sem fim. Como Hegel diria posteriormente, a beleza existe independente de conceito, é uma manifestação sensível da ideia.

Contudo, Kant se utilizaria da teoria do sublime, com muito proveito, como forma de insinuar uma ordem de fenômeno dada ao espírito sem in-terferência de conceitos ou julgamentos. Lemos na sua Crítica da faculdade do juízo:_________________________________1 “Kant não pôde deixar de perceber o abismo que abrira entre o mundo da natureza e o da liberdade. Por um lado, os objetos nos são dados na intuição como fenômenos; por outro, são pensados como coisa em si, independentemente de toda intuição. Entre o sensível, como objeto de conhecimento e o suprassensível, como objeto de pensamento, nenhum nexo parece possível. E no entanto, este liame era indispensável, dado que a ação moral, obedecendo como obedece, a leis suprassensíveis, devia inserir-se no sensível. Tal é o pro-blema que Kant enfrenta no limiar de sua Crítica do Juízo.” (PASCAL, 1990, p.156).

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O belo concorda com o sublime no fato de que ambos apra-zem por si próprios; ulteriormente, no fato de que ambos não pressupõem nenhum juízo dos sentidos, nem um juízo lógico-determinante, mas um juízo de reflexão; consequen-temente, a complacência não se prende a uma sensação como a do agradável, nem a um conceito determinado como a complacência no bom, e contudo é referida a con-ceitos, se bem que sem determinar quais; por conseguinte, a complacência está vinculada à simples apresentação ou à faculdade de apresentação, de modo que esta faculdade ou a faculdade da imaginação é considerada, em uma intuição dada, em concordância com a faculdade dos conceitos do entendimento ou da razão, como promoção desta última. Por isso, também ambas as espécies de juízos são singulares e contudo juízos que se anunciam universalmente válidos com respeito a cada sujeito, se bem que na verdade rei-vindiquem simplesmente o sentimento de prazer e não o conhecimento do objeto (KANT, 1993, p. 89-90).

Trata-se, portanto da aparição pura e simples do abstrato no espírito como uma categoria não classificável segundo qualquer ordenamento. Banfi (1970, p. 196), discorrendo sobre o sublime em Kant, aponta para o fato de que o sublime “resulta do livre jogo da fantasia e da razão: daí fundar-se não numa harmonia, mas num contraste; não no equilíbrio de uma forma finita, mas na tensão de um dissídio infinito, que supera toda forma particular”. Para o autor, o sublime na concepção kantiana, induz à razão e por conse-quência à moralidade. Por sua vez, já se depreende da própria Analítica do Belo que os conceitos de beleza ligados ao primado do espiritual conduzem a uma definição ética.

Tal discussão é difícil, árdua, toda vez que se pretende separar a arte da moral. Bosanquet (1949) acertadamente afirma que não se pode falar de um objeto sublime, mas do sentimento de um objeto sublime. Para ele, o subli-me é ainda mais subjetivo que o belo. Na verdade, o sublime é um estado do sujeito e nele permanece. Para Kant, como depois para os existencialistas ao redor de Sartre, o mundo é indiferente aos nossos sentimentos.

De todo modo, a teoria do sublime, elaborada por Kant, não é meramen-te contrastante no seu insistente dualismo do belo e do sublime como ca-tegorias subjetivas (KANT, 1993). Sobressai o aspecto polêmico do abstrato em confronto com a realidade concreta e, por meio desse conflito, o modo como atua a consciência estética.

Antonio Banfi esclarece que a estética dos séculos XVII XVIII se ocupou do sublime “por causa da crise da arte” – assim, segundo ele, “o estudo da subjetividade estético-artística, do ponto de vista quer da criação, quer da contemplação” expressa as mutações profundas daqueles séculos (BANFI, 1970, p. 162).

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Kant incorpora o conceito de sublime sem aceitar a ideia de pathos e de irracionalidade que será retomada pelos românticos. A base racional da tese do sublime deriva desde o Pseudo-Longino, mas em Kant ela encontra uma formulação que vai além do axioma, do simples valor conceitual. Tem razão Adorno (1982, p. 222-223) ao afirmar que “o sublime, que Kant reservava à natureza, tornou-se depois dele constituinte histórico da própria arte”. Essa forma de espiritualização da arte é indício da sua autonomia e da liberdade do sujeito diante do diverso, do diferente, como quer Adorno.

Nesse ponto poderíamos chegar um pouco mais adiante na questão da autonomia da arte, verificando como os existencialistas, com o seu conceito de autenticidade, determinaram que o conteúdo da verdade é imanente às coisas e às situações. Assim, é possível falar de áreas existenciais em que vão se situar os objetos naturais. No último ensaio publicado em vida (L’oeil et l’esprit), Merleau-Ponty (1964), escrevendo sobre Cézanne, fala-nos da coisa sólida, da deflagração do ser para afinal reconhecer com o pintor que os objetos dão nascimento ao artista e não o contrário. Assim, “[o] mundo já não se encontra diante dele através da representação; melhor, é ao pintor que os objetos do mundo dão nascimento por uma espécie de concentração ou volta em si do visível” (OSBORNE, 1976, p. 134).

É claro que a intersubjetividade seria responsável pela ideia da autono-mia da arte por meio do reconhecimento do objeto estético como um ente, com toda sua aura existencial, para usar um termo caro a Walter Benjamin (1987). Podemos dizer, talvez de forma excessiva, que um precursor do exis-tencialismo, como Kierkegaard estaria disposto a afirmar que os objetos es-téticos possuem uma tensão interior. Heidegger, por sua vez, assinalava no objeto estético o mesmo sentido da autenticidade do ser.

Sobre a objetividade do belo, Cassirer (1992, p. 400) argumenta:

a imagem esboçada pela arte, com efeito, nunca é igualada ao objeto nem coincide com ele, portanto não poderia ser condenada por não-verdade; ela tem sua própria verdade, autônoma e imanente: o alegórico não é falso e a metáfora tem sua verdade, do mesmo modo que a ficção.

Então o problema da verdade na arte, e, portanto, da autenticidade dos objetos estéticos, não se resume no valor artístico e confina, estreitamente, com os limites da ontologia; e mais, tem o seu debate historicamente deli-neado no horizonte na metafísica.

Hegel (1964), com extraordinária acuidade, viu na natureza objetiva da arte a presença do espírito que com ela - logo com o outro - se confunde numa totalidade. A realidade da arte assim se fundamenta no princípio da identidade e da alteridade. Talvez por isso ele tenha dito a seus alunos ber-linenses que é preciso sentir-se na arte como em sua própria casa, ou seja, que é pela arte que o homem pode satisfazer a necessidade geral de sentir--se deste mundo, sentir-se como em sua casa no mundo. É desse modo, por meio da arte, que o homem despoja o mundo exterior daquilo que ele tem de estranho e frio.

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A teoria crítica possibilita detectar um potencial transformador da ciência e do trabalho de conservação e restauração de bens culturais, na medida do entendimento da preservação e apropriação do patrimônio material e espiritual acumulado pela humanidade de modo a serem voltadas, efetivamente, para a construção do conhecimento.

Sonia Aparecida Nogueira

Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 107–117jan./jun. 2013

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A preservação de bens culturais no contexto do capitalismo tardio

The preservation of cultural heritage in the context of late capitalism

SONIA APARECIDA NOGUEIRA*

_________________________________* Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil; Departamento de Patrimônio Histó-rico/COC/ Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Brasil; Email: [email protected]

ResumoEste artigo tem por objetivo analisar os desafios epistemológicos e filosó-ficos colocados no contexto contemporâneo para a teoria e as políticas de preservação do patrimônio cultural, na ênfase de uma problematização da resultante demanda por uma formação geral e técnico-profissional especia-lizada voltada para o trabalho de conservação e restauração de bens cultu-rais, tendo como perspectiva teórico-metodológica o materialismo histórico--dialético e a ontologia do ser social. Desde o âmbito mais amplo das rela-ções entre trabalho e educação, e da sociologia da cultura em particular, se busca uma reflexão a partir de aproximações entre os conceitos de memória social, cultura material, e categorias da teoria crítica marxista.

Palavras-chave: Patrimônio cultural. Trabalho. Educação. Teoria crítica.

AbstractThis article aims to analyze the epistemological and philosophical challenges in the contemporary context for theory and policies of the preservation of cultural heritage, with emphasis on a questioning of the resulting demand for general education and technical vocational specialist focused on the work of conservation and restoration work of cultural property, in theoretical-methodological perspective on the dialectical historical materialism and the ontology of social being. From the broader context of the relationship between work and education, and the sociology of culture in particular, a reflection from the similarities between the concepts of social memory, material culture and categories of the Marxist critical theory is searched.

Keywords: Cultural heritage. Work. Education. Critical theory.

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IntroduçãoA partir de uma historicização das determinações socio-históricas e epis-

temológicas que consagraram o conceito e o estatuto do patrimônio cultu-ral, bem como as teorias e as práticas em conservação e restauração de bens culturais, esse artigo se propõe a uma análise sobre a categoria profissional necessária para a realização desse trabalho especializado, na perspectiva do materialismo histórico-dialético, inserido-a na especificidade do modo de produção capitalista.

A esse propósito, cabe dizer adicionalmente que uma historicização por meio da teoria marxista finda por se constituir como uma forma de com-provar sua própria validade e atualidade, inserida, pois, no movimento das próprias contradições imanentes à sociedade capitalista. O desmoronamen-to da União Soviética e dos países do socialismo real, e o impasse decorrente do triunfo do imperialismo no final da Guerra Fria, não significaram o fim do marxismo. Assim como as desastrosas consequências sociais, econômicas, ecológicas e políticas que a mundialização neoliberal segue propiciando, oferecem uma justificativa histórica – adentrando o século XXI – de continui-dade dos estudos marxistas e de renovação do marxismo1.

Os estudos sobre o papel da técnica e das artes no desenvolvimento das sociedades e das forças produtivas contemplam o pressuposto das ne-cessárias articulações entre cultura material, ciências sociais e as práticas profissionais do presente, associadas à valorização de saberes e ofícios do passado. Dentre uma gama de questões que envolvem o trabalho de con-servação e restauração do patrimônio cultural, tais como os vários fatores de degradação, os critérios e metodologias de intervenção e a necessidade de políticas de preservação de recursos humanos e financeiros, a ênfase aqui se refere às especificidades desse fazer e à formação requerida, analisadas do ponto de vista da centralidade do trabalho para a formação humana, como é tratada pela teoria crítica marxiana e marxista.

Evolução do conceito de patrimônio culturalConforme expõe David Lowenthal (1998), memória, história e fragmen-

tos materiais são as três fontes de conhecimento do passado, sendo os frag-mentos concebidos como os resíduos de processos em todos os âmbitos da vida humana e em sociedade, os geológicos para as ciências da natureza, os palentontológicos, e os museológicos, resultantes da necessidade ontoló-gica do registro e de sua transmissão entre indivíduos, culturas e gerações. Trata-se da compreensão da realidade concreta através dos artefatos reves-tidos do atributo de testemunho e identidade de grupos sociais, das nações, e da humanidade como um todo, em sua evolução no tempo e no espaço.

Nesse âmbito da cultura material, e mais especificamente dos artefatos de valor histórico-cultural, decorrem algumas variantes de reflexões, tais

_________________________________1 Ver, dentre outros, Netto (2007) e Anderson (2004).

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como a diferenciação que se costuma atribuir entre objeto histórico e do-cumento histórico, a questão da autenticidade, do novo valor de uso dos artefatos excluídos de suas finalidades e circuitos originais, da formação, ins-titucionalização e preservação de acervos e coleções, dos conflitos entre a pro-priedade privada e a dimensão pública, da construção social e epistemológica dos objetos escolhidos como de valor histórico, artístico e científico. Ademais, tendo em vista que o homem passou a pretender controlar a duração material das coisas em razão destas servirem como suportes de memória, história, e conhecimento, há que se ressaltar, também, a diferença fundamental entre a história dos objetos, e a história nos objetos (RAMOS, 2008).

Pode-se conjecturar que desde a pré-história o homem tenha se preocu-pado em manter a integridade física dos objetos em suas várias utilidades. Todavia, o momento decisivo da consolidação do conceito e do estatuto jurídico do patrimônio histórico-cultural está vinculado a eventos específicos da cultura ocidental moderna, no enfoque do enfrentamento da sociabili-dade burguesa perante o passado e a memória social, configurando uma área específica de conhecimento, e justificando a ação tutelar do Estado. Desde então, a cultura material clássica passou a se constituir em objeto de uma pesquisa sistemática concernente a cronologias, técnicas, morfologias, fontes, detalhes decorativos e iconografia, dissipando a confusão semântica entre o “fazer” arte e o “saber” sobre arte, e entre historiador da arte e an-tiquário (CHOAY, 2006).

Por sua vez, a circunstância excepcional de reconstrução das cidades devastadas durante a Segunda Guerra Mundial é considerada como outro marco na consolidação epistemológica, institucional e jurídica do patrimô-nio cultural, contribuindo para que o mesmo saísse do âmbito restrito dos acervos e monumentos, alcançando o espaço construído e paisagístico. Des-de então, inúmeras ações, pesquisas, e eventos, bem como a criação de organismos nacionais e internacionais voltados para a salvaguarda de bens culturais – inclusive saindo das fronteiras eurocêntricas – vêm sistematizan-do e atualizando os princípios, critérios, normas e metodologias científicas concernentes à preservação de acervos e monumentos, convergindo para a constituição do Restauro como uma disciplina autônoma, demandando, inclusive, um perfil profissional especializado2.

Em 1972 foi instituído o Comitê do Patrimônio Mundial, inicialmente composto de quinze Estados Membros eleitos em sessões ordinárias da Con-ferência Geral da UNESCO. Com base em inventários apresentados pelos Estados Membros, esse Comitê organiza, publica e divulga periodicamente, sob o título Lista do Patrimônio Mundial, uma relação dos bens do patri-mônio cultural e natural considerados de ‘valor universal excepcional’, de acordo com princípios e critérios pré-estabelecidos. Considerada um marco,

_________________________________2 Como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO - 1945), o Conselho Internacional de Museus (ICOM-1946); o International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cutural Property (ICCROM -1956); e o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS-1964).

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a 17ª sessão da UNESCO, realizada em Paris em 16 de novembro de 1972, que através do documento Convenção sobre a Salvaguarda do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, ratificada em 1975, definiu as responsabilida-des de cada Estado Membro nessa matéria.

Na década de 1990, outra contribuição no sentido da ampliação do pa-trimônio histórico-cultural partiu da Conferência Geral das Nações sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – ECO-92 –, realizada no Rio de Ja-neiro, em 1992, a partir da qual se integrou o âmbito do desenvolvimento sustentável e da diversidade cultural às questões de proteção do patrimônio histórico e artístico. No bojo da discussão sobre as responsabilidades dos Estados, dos governos locais e das próprias comunidades, esse evento se propôs a acrescentar elementos para o possível estabelecimento da relação circular entre ‘assentamentos’ humanos e patrimônio, dimensão histórica e meio ambiente, e estes ao planejamento urbano e territorial. Na esfera de atuação específica da conservação do patrimônio cultural, tal concepção ganhou a denominação de “gestão integrada do patrimônio cultural”.

Na segunda década do século XXI, embora se contemple a questão da transmissão de conhecimentos e habilidades para a formação de recursos humanos adequados à responsabilidade de difusão, gestão, e conservação/restauração de bens culturais, agora em escala mundial, ela todavia não se encontra plenamente resolvida. Há graus diversos de dificuldades entre os países, demandando ações por parte de órgãos representativos e institui-ções de caráter público e privado, no sentido tanto da criação e desenvolvi-mento de processos educativos e de formação profissional, quanto de uma efetiva apropriação social do patrimônio cultural.

Formação e trabalho em conservação/restau-ração de bens culturaisAlém do aperfeiçoamento de uma área de conhecimento, de uma legis-

lação específica, e da consagração da tutela do Estado, os estudos desen-volvidos a partir da primeira metade do século XX, em vários países, refe-rentes à proteção de monumentos históricos e de acervos arqueológicos, museológicos e arquivísticos, resultaram na ampliação dos saberes técnicos e científicos pertinentes ao trabalho de conservação e restauração de bens de valor histórico-cultural. O que também contribuiu para tornar crucial a questão da formação de profissionais para as respectivas práticas de conser-vação e restauração dos suportes de memória, informação e conhecimento, articulando a dimensão estética à documental, se configurando cada vez mais em bases científicas3.

Entretanto, ou paradoxalmente, o ofício de conservador-restaurador de obras de valor cultural, científico, histórico e artístico, enquanto uma ca-

_________________________________3 Tendo em vista as variações de significados dos termos, preservação, conservação, e restauração de confor-me a língua, alguns eventos internacionais se dispuseram à missão de defini-los, dentre eles o XVIII Congres-so Anual da ABPC (1988); XV Conferência Trianual do ICOM (2008).

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tegoria qualificada para intervenções de restauro, legalmente reconhecida, detentora de um conhecimento teórico e de habilidades manuais, guarda-das as particularidades locais e nacionais, não possui uma existência equiva-lente à assinalada evolução da respectiva teoria e conceitos que o justifica. É importante ressaltar que em termos gerais, na atualidade do mundo do trabalho, o que se prescreve como função e atribuições do conservador--restaurador remete a uma especialização que o capacite para avaliação das condições materiais e ambientais de acervos de bens móveis e do patri-mônio construído, e posterior definição de diagnósticos, programas, meto-dologias e técnicas, baseadas em investigação científica e multidisciplinar que consubstancie as devidas intervenções, segundo o princípio universal da reversibilidade dos tratamentos e distinção dos materiais em relação à matéria original deteriorada ou as lacunas a serem preenchidas. Podendo se especializar em determinado material ou grupo de objetos, a formação do conservador-restaurador deve contemplar conhecimento e habilidades nas artes, nas ciências humanas e nas ciências exatas.

A partir da década de 1970 se intensificaram os debates em torno das dualidades: conservação ou intervenção; preservação como ato crítico ou criativo; ênfase na dimensão histórica ou estética. Além disso, junto à defesa da necessidade da implantação de políticas de conservação de bens cultu-rais, sintonizadas com os respectivos debates teóricos, se verifica a defesa da multidisciplinaridade dessa área de conhecimento e práticas especializadas, bem como da própria definição e nomeação da categoria profissional do conservador-restaurador4.

Uma exploração atualizada sobre a questão do perfil necessário e do papel social e ético dos profissionais envolvidos na preservação de bens cul-turais deve remeter, tanto no plano da cultura, como do mundo do traba-lho, às novas condições sócio-históricas colocadas pela pós-modernidade: contexto que subverte os fundamentos iluministas de explicação dos fenô-menos, consagrando o efêmero, o supérfluo, o consumismo exacerbado, o narcisismo, através de meios poderosos de reificação e da indústria cultural.

Desafios contemporâneos à preservação do patrimônio culturalCom respeito às mediações entre a noção de formação humana e os desa-

fios colocados hoje para o mundo do trabalho, a presente abordagem assume como referência a antropologia filosófica marxiana do ser histórico e social, conforme está em Manuscritos econômico-filosóficos e A ideologia alemã, obras que inauguram uma nova racionalidade a partir da superação do ide-alismo contemplativo hegeliano e do materialismo empirista de Feuerbach 5._________________________________4 Ver Feilden (1979). Infelizmente, a limitação de espaço nos impede relacionar os inúmeros exemplos de esforços de definição desse perfil profissional.5 Duas obras do jovem Marx – respectivamente de 1844 e 1845, e desconhecidas até a década de 1930 – cujas temáticas serão por ele retomadas, ampliadas e aprofundadas em O Capital.

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De acordo com a teoria crítica marxiana, todo o mundo no qual o ho-mem vive se revela como uma realidade concreta mediada pelo trabalho, sendo a objetivação que o homem realiza por intermédio do trabalho, uma atividade que ele jamais poderá deixar de realizar, independente da forma social vigente, e através da qual ele produz a própria humanização. A ob-jetivação humana não é realizada de forma imediata, pelos instintos, como ocorre com os outros seres vivos, e sim por intermédio de uma atividade consciente e livre: o trabalho – forma especificamente humana de agir so-bre a natureza, que em decorrência das condições históricas específicas do modo de produção capitalista se transformou em fonte de martírio. Assim como está em A ideologia alemã (MARX; ENGELS, 2007, p. 10):

As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na ima-ginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. Essas bases são pois verificáveis por via puramente empí-rica. A primeira condição de toda história humana é, natu-ralmente, a existência de seres humanos vivos. A primeira situação é, portanto, as relações que ele gera entre eles e o restante da natureza.

À diferença das sociedades anteriores (asiática, escravista, feudal e ou-tras), onde a desigualdade era tida como natural, na sociedade capitalista burguesa liberal a igualdade entre os homens é formalmente proclamada. Porém, no modo de produção capitalista, a formação para o trabalho nada mais é do que a formação de mão de obra para o capital, onde o caráter de mercadoria da força de trabalho não é questionado, tomado como algo natural, somente apta a atender os interesses da reprodução do capital.

Chegando ao contexto da reestruturação conservadora do capital, im-posto hegemonicamente a partir da década de 1970, o indivíduo singular e o conjunto das sociedades passaram a enfrentar uma série de novas si-tuações que ameaçam objetiva e subjetivamente suas próprias existências, reforçando o antigo desafio do pleno desenvolvimento de suas capacidades e de sua individualidade em face das condições desumanizadoras e alie-nantes, somente tornadas possíveis pela ordem do capital, na sociabilidade liberal-burguesa. Por sua vez, como resposta a mais recente crise estrutural do capital, empreende-se um processo de reorganização do capital e seu sistema ideológico e político de dominação sem precedentes.

Do ponto de vista da relação entre sociedade e cultura, a presente análise se insere na caracterização da “crise de paradigmas” da pós-modernidade, termo cuja amplitude se dá em função do pensamento hegemônico que se configurou a partir da segunda metade do século XX, sendo um marco con-siderado pela bibliografia pertinente ao tema, o ensaio de Perry Anderson,

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As origens da pós-modernidade (1999), em seu propósito de identificar histórica e cronologicamente as fontes e as condições das quais resultou tal fenômeno, cujas controvérsias e problemas filosóficos, históricos e estéticos permanecem em discussão.

Segundo Anderson (1999), o termo pós-modernismo surge na América his-pânica na década de 1930, com o propósito de caracterizar um novo estilo dentro do modernismo. Só vinte anos depois, no oitavo volume de seu Study of History, Arnold Toynbee, o mesmo surge no mundo anglófono, mas como categoria de época e não como estilo. Toynbee denomina “idade pós-moderna” se referindo à época iniciada pela guerra franco-prussiana, qualificando-a como uma era marcada pelo colapso do racionalismo e do éthos do Iluminismo.

Dentre as obras que proclamam a existência de um mundo pós-histórico desprovido de significado, bem como o desgaste da confiança em uma polí-tica universal de liberdade suscetível de unir as vítimas das diferentes formas de opressão em uma luta comum, é preciso distinguir entre as teorias filosó-ficas desenvolvidas entre as décadas de 1959 e 1970, agrupadas sob o título de pós-estruturalismo, da apropriação que fez delas outros autores durante os anos 1980 para apoiar as teses do surgimento de uma nova era. Grosso modo, é caracterizado pela dissolução da linguagem em um jogo de intermi-náveis labirintos, pelo efêmero, pelo caos, no contexto originário da rebeldia e desilusão de 1968, e do pensamento desenvolvido por Roland Barthes, Gil-les Deleuze, Michel Foucault, Jacques Derrida, Jean Baudrillard, Jean-François Lyotard, Richard J. Bernstein, Richard Rorty, entre outros.

A despeito de suas diferenças, esses autores enfatizaram o caráter frag-mentário, heterogêneo, e plural da realidade, problematizando a questão da objetividade como uma capacidade do pensamento, e inserindo novos temas como intercultural, identidade cultural, diversidade. Intelectuais do ocidente vêm produzindo grande parte dos acalorados debates sobre questões com-plexas e inter-relacionadas, versando sobre a questão global da modernidade e pós-modernidade, desconsiderando tanto as tradições locais de outros con-tinentes, quanto às orientais.

De forma concisa, podemos analisar que o projeto pós-moderno rejeita a diretriz teológica, ontológica, e metafísica do pensamento filosófico tradicio-nal, bem como as grandes narrativas da história humana, em função de um profundo ceticismo epistemológico, uma aversão às abstrações sociológicas, que desconsidera a teleologia e recusa a utopia. Esse abandono da crítica pe-las ciências sociais, sob a concepção de que não há centralidade na história e que o poder é disperso, finda por configurar-se em certa apologia do triunfo capitalista, do discurso do “fim da história” e do “fim das ideologias”.

Já no âmbito da teoria crítica, sem pretensões ortodoxas, em contra-posição ao ceticismo dos pós-estruturalistas em relação às metanarrativas, destaca-se o pensamento do crítico literário e teórico marxista norte-ameri-cano Fredric Jameson. Sua abordagem segue na direção da contextualização dialética e histórica do pós-modernismo e da pós-modernidade, no entendi-mento de que, a cada estágio fundamental do capitalismo corresponde uma

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tecnologia particular e uma dominante cultural. De acordo com Jameson (2006), a reificação presente na experiência social e cultural pós-moderna torna-se expressão da degradação do sujeito, cujo conteúdo de dominação no capitalismo se refere à própria universalidade da forma mercadoria. Nes-se sentido, a pós-modernidade representa um novo momento histórico na medida em que se coloca como a lógica cultural de um novo estágio de do-minação da forma social burguesa. Assim, concebe-se uma centralidade te-órica à categoria modo de produção – aqui, no caso, do capitalismo tardio.

Nessa perspectiva de análise – da pós-modernidade em sua estreita ar-ticulação com a fase do capitalismo das corporações transnacionais e do projeto neoliberal – o cultural se dissolve na dimensão econômica da globa-lização. Agora, a produção de mercadorias é, em si, um fenômeno cultural em escala sem precedentes, sob a mediação fundamental da propaganda, dos investimentos libidinais para realçar os produtos, da indústria do entre-tenimento, da estetização da própria mercantilização, da exacerbação da cultura do consumo, da estandardização da cultura no mundo. No plano da economia política e sua mediação com os aspectos socioculturais, ressalta--se o acirramento global da degradação das condições de trabalho e da vida, da miséria material e espiritual, das desigualdades, e da reedição do termo que, talvez, mais caracterize a civilização moderna: a crise – tendência recor-rente na anarquia intrínseca da economia capitalista.

É na interpretação da realidade concreta assinalada, e na especificidade da luta sem fim do trabalho contra o capital, que a presente análise localiza o trabalho necessário de preservação de bens culturais. Na lógica atual de integração entre as práticas mercadológicas e as políticas públicas para a produção cultural, onde o tema da crise no âmbito da cultura no ocidente é recorrente. Cenário agravado pela perplexidade e incertezas quanto às perspectivas de longo prazo da atual crise econômica, financeira, social e ambiental, vislumbrado como de uma catástrofe iminente. Do ponto de vis-ta da teoria crítica existe uma necessária relação entre crise da cultura e o sistema do capital, chegando à fase contemporânea de crise estrutural do capital financeiro e suas repercussões no mundo do trabalho.

Apesar da ampla divulgação no âmbito da preservação de bens histórico--culturais, o respeito às recomendações nacionais e internacionais é ainda objeto de contradições, e carente de estratégias efetivas de lutas sociais, políticas e jurídicas. A despeito das muitas pesquisas e ações pelo mundo com relação à proteção de acervos e monumentos da cultura material, e especialmente a partir da criação da Lista do Patrimônio Mundial (1972) da UNESCO, a lista desses bens “em perigo” é alarmante.

Na realidade, o poder do Comitê do Patrimônio Mundial, na conjuntura contemporânea, é assaz limitado, a despeito de seu poder para inscrever os candidatos a patrimônio da humanidade, e promover eventos de conscien-tização e mobilização na sociedade. Além das pilhagens, da poluição, atos de vandalismo, das catástrofes ambientais e dos excessos do turismo, outro

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aspecto que, parece, nem as organizações de proteção, nem a humanidade, têm o controle efetivo, refere-se à questão da indústria da guerra nos mol-des imperialistas atuais.

Ao adentrar o século XXI, algo de mais tragicamente novo está a aconte-cer, sob a impotência da comunidade internacional e dos especialistas e pro-fissionais da área de conservação e pesquisas sobre o patrimônio cultural da humanidade, sendo a Guerra do Iraque, a ação militar dos Estados Unidos iniciada em 2003, um exemplo emblemático, quase cinquenta anos após a Convenção de Haya (1954), que determina a proteção de bens culturais em caso de conflito armado. Constituindo-se, na verdade, conforme inúmeras análises, um pretexto estratégico relacionados com os interesses dos EUA no controle das reservas de petróleo nesse território, e da intenção de recupe-ração de sua imagem política após o atentado de 11 de setembro de 2001.

A despeito dos discursos em defesa do patrimônio cultural da humanida-de, de sua consagração na era moderna, e, inclusive, da incorporação de seu uso pela esfera do consumo e do espetáculo, o próprio sistema do capital fin-da por se constituir como um dos fatores de risco existentes que ameaçam a integridade material dos bens culturais, dos artefatos escolhidos socialmente para serem protegidos através de políticas e ações de preservação.

Em contraste com a fragmentação da divisão do trabalho no processo de produção capitalista das condições de existência humana, a formação para o trabalho necessário de preservação do patrimônio cultural requer, obriga-toriamente, a integração entre teoria e prática, entre conhecimento científi-co e tecnológico, valores humanistas, e habilidades manuais na intervenção sobre artefatos considerados de valor artístico e histórico.

Ao conceber a produção e a fruição da arte como aspectos inseparáveis das atividades vitais humanas, a dimensão estética da teoria marxiana revela o universo e as particularidades das relações entre o conceito de alienação e a noção de patrimônio cultural enquanto suporte de memória coletiva e conhe-cimento, tanto na condição do uso reflexivo e crítico de suas dimensões re-presentativas e cognitivas, quanto em sua função mediadora na interpretação dos fatos históricos e no sentido da formação humana (FREDERICO, 2005).

A teoria crítica possibilita detectar um potencial transformador da ciência e do trabalho de conservação e restauração de bens culturais, na medida do entendimento da preservação e apropriação do patrimônio material e espiritual acumulado pela humanidade de modo a serem voltadas, efeti-vamente, para a construção do conhecimento. A crítica cultural marxista do capitalismo tardio – e suas respectivas mudanças da base produtiva e organizacional do trabalho –, no enfoque da formação ontocriativa e da objetivação das individualidades por meio do trabalho, possibilita tanto a explicação da invenção moderna do patrimônio cultural e da necessidade de sua preservação, quanto permite identificar seu potencial transgressor, nos termos de uma insistente defesa da emancipação humana. Significa inserir a dimensão política nessa discussão, e no respectivo exercício profissional, no enfrentamento das contradições da sociedade liberal-burguesa.

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Na contramão das forças sociais que usam de todas as estratégias para manter o capitalismo como o horizonte único da história, uma análise, na perspectiva do materialismo histórico-dialético e da ontologia do ser social, sobre o patrimônio cultural e científico acumulado e preservado pela huma-nidade demonstra como estes podem contribuir para a leitura da história em movimento, no sentido da real socialização do conhecimento e supera-ção da alienação e da degradação do gênero humano, com a condição de serem concebidos em seu potencial de resposta política e de resistência ao mundo reificado, e ao caráter destrutivo do capital.

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A partir de pressupostos básicos da Neuroestética, pode-se pensar que a ampla difusão das linguagens artísticas, quantos mais diversas forem, mais benefícios potenciais poderão oferecer, já que ao espelharem possibilidades criativas inovadoras, ativam novas formas de cognição.

Angela Philippini

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Dialogando com as paisagens culturais: perceber, ampliar e

transformarDialoguing with cultural landscapes:

notice, expand and transform

ANGELA PHILIPPINI*

ResumoEste artigo propõe um estudo exploratório das interações entre paisagens culturais urbanas, patrimônio imaterial, Pontos de Memória e arte pública. Ressalta a importância de que sejam criadas oportunidades significativas para o exercício da percepção estética por meio de intervenções de arte pú-blica, integrando os mais diversos atores sociais. Destaca estratégias e ações que promovem o fortalecimento da transmissão de tradições, de ritos, de saberes comunitários, das próprias intervenções de arte pública, pela criação de museus a céu aberto, e dos pontos de memória. Registra a necessidade de estes legados serem preservados através da governança conjunta de ins-tituições diversas, desde o terceiro setor, até os órgãos governamentais, das instâncias locais até às internacionais. Considera neste contexto, o exercício da percepção estética como possibilidade de gerar saúde, bem estar e me-lhoria da qualidade de vida.

Palavras-chave: Paisagem Cultural. Patrimônio Imaterial. Arte Pública. Percepção Estética.

AbstractThis article proposes an exploratory study of the interaction between urban cultural landscapes, non-material heritage, Memory Spots and public art. It highlights the importance of creating significant opportunities for the exercise of the aesthetical perception by means of interventions of public art, integrating several social agents. It highlights strategies and actions

_________________________________* Mestre em Criatividade pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha; Doutoranda em Ecologia Social pela EICOS – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil; Diretora da Clínica POMAR de Arteterapia e Editora da Revista de Arteterapia Imagens da Transformação; Email: [email protected]

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which promote the strengthening of the transmission of traditions, rites, community knowledge, interventions of public art, by the creation of outdoor museums, and the memory points. It records the necessity of the preservation of these legacies, through the joint management of various institutions since the third sector, up to the governmental organs, from local and international regions. It is considered, in this context, the exercise of aesthetical perception as a possibility of generating health, welfare and life quality improvements.

Keywords: Cultural Landscapes Non-material Heritage. Public Art. Aesthetic Perception.

IntroduçãoO avanço nas descobertas da Neurociência, e particularmente as novas pes-

quisas da Neuroestética, abordam os correspondentes fisiológicos e emocio-nais que ocorrem a partir da contemplação e da percepção das obras de arte, propondo novas e desafiadoras áreas de estudo. Neste contexto são estudados os benefícios para a atividade cerebral, de perceber e interagir com formas, simetrias, cores, volumes, sons, e movimentos de dança, e são mapeadas as consequências destas interações para o equilíbrio e bem estar, seja na dimensão fisiológica, seja na dimensão psicológica.

Estas pesquisas demonstram que, dos nossos 100 bilhões de neurônios dis-poníveis, cerca de 5 bilhões, são chamados de neurônios espelho, ou seja, tem a capacidade de ativarem-se em sintonia com o que é visto, reagindo como se o espectador da obra de arte também estivesse realizando a mesma ação que o autor da performance. Esta descoberta acrescenta importante contribuição na compreensão dos mecanismos de aprendizagem, e abre um interessante cam-po de reflexões sobre contextos culturais e suas áreas de influência.

Um dos precursores destes estudos é o neurofisiologista Giacomo Rizo-latti, que em 1995 na Universidade de Parma, na Itália, integrou a equipe responsável pelos primeiros estudos de laboratório sobre o assunto. E pouco tempo depois, destaca-se o neurocientista indiano Vilayanur Ramachandra, atualmente um dos mais reconhecidos estudiosos de Neuroestética, Diretor do Centro do Cérebro e da Cognição da Universidade da Califórnia, que am-pliando o foco destes estudos iniciais, trouxe a questão da interrelação dos efeitos do neurônio espelho em relação à consciência de si, e nas interações com outros seres.

A partir de pressupostos básicos da neuroestética, pode-se pensar que a ampla difusão das linguagens artísticas, quantos mais diversas forem, mais benefícios potenciais poderão oferecer, já que, ao espelharem possibilidades criativas e inovadoras, ativam novas formas de cognição. A interação com essa diversidade expressiva será apreendida por cada um de forma singular e esta apropriação irá variar em ritmo, intensidade, mas haverá um substrato comum, já que interações com novas cores, novas formas, novos olhares

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sobre corpo e espaço, novas experiências com luzes, sombras e volumes, po-derão propiciar subsídios adequados para experimentar novas percepções, não só estéticas, mas potencialmente poderão contribuir para um leque mais amplo de opções e formas de aprendizagem e, desse modo, auxiliarem também na construção de novas estratégias e novas articulações pessoais em contextos culturais.

Percepção estética e paisagens culturaisContemplar é transportar-se para outro estado subjetivo e perceptivo. O

filme Sonhos de Akira Kurosawa (1990), no episódio Corvos, apresenta o es-pectador de uma obra de arte de Van Gogh, que arrebatado pela imagem que vê, por um tempo sente-se no interior daquela paisagem, onde dialoga imagi-nariamente com os personagens que cria para habitar aquele lugar, inclusive com o próprio Van Gogh, com quem conversa. É arremessado para fora desta experiência por ruídos estridentes perto do local onde está exposto o quadro, trazendo de volta para a vida cotidiana o concentrado espectador.

O benefício da contemplação e da percepção estética é de tal importân-cia, que órgãos governamentais de âmbito internacional como a UNESCO1, e nacionais como o IPHAN2, definem regras para preservar a possibilidade de contemplação e usufruto de determinadas imagens, inseridas em paisagens, tradições e saberes. Apresentam um regramento jurídico propiciando que estas imagens sejam preservadas das consequências e contextos do uso des-trutivo e das agressões do tempo. No caso específico das paisagens, sejam naturais ou criadas por mão humana, podem ao serem vistas, proporcionar sensações tão significativas de bem estar, que nesta função contribuem para proporcionar melhor qualidade de vida. Por isso tem o potencial de serem preservadas e consideradas patrimônio comum da humanidade.

Daí nasce o conceito de paisagem cultural, como também um potencial patrimônio imaterial da humanidade, onde considera-se que a relação “indi-víduo-paisagem” é tão íntima, visual e afetiva, um elo tão forte do convívio cotidiano e comunitário, que como tal merece ser protegido e conservado.

Em 1° de julho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro recebeu o título iné-dito de Patrimônio cultural da Humanidade. Segundo essa categorização da Unesco, ao ser considerada como patrimônio cultural, entre outras tarefas, a cidade passou a ter a responsabilidade (a ser compartilhada com os diver-sos atores sociais) de manter íntegras as possibilidades de contemplação de suas paisagens agradáveis e, simultaneamente, construir, preservar e man-ter, dentro do espaço urbano a ser preservado, a possibilidade de criar con-tinuamente eventos diversos, no sentido de proporcionarem boa qualidade de convivência e lazer cultural._________________________________1 UNESCO - United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)2 IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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Complementarmente, temos o conceito e categorização de Patrimônio Imaterial, que abrange a conexão e preservação de determinados usos e costumes, considerando relações profundamente subjetivas e afetivas em relação às tradições, memórias, saberes, aromas, formas, cores, sons e espa-ços, que também merecem ser preservados, pela sua importância em deter-minados territórios.

No Rio de Janeiro, com a finalidade desta preservação em 06 de julho de 2012 foi criado o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). Poste-riormente foram regulamentadas as novas áreas de proteção de ambiência cultural (APAC), sendo criadas quatro novas áreas de proteção – Parque do Flamengo, Floresta da Tijuca, orla de Copacabana e Pão de Açúcar. Segundo Pedro da Luz Moreira (2012), do Instituto dos Arquitetos do Brasil, é impor-tante fazer um projeto sensível de intervenção na paisagem, já que a mesma pode ser estragada ou potencializada, dependendo de como seja abordada.

As novas APACS terão a fiscalização da guarda municipal, através de cin-co Unidades do Patrimônio da Humanidade (UPHS), com seus respectivos destacamentos para monitorar estas novas áreas.

Ampliando este contexto, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Na-cional (IPHAN) informa que no âmbito das paisagens, em 1992 o conceito de paisagem cultural foi criado pela UNESCO, pois até aquela data abrangia apenas áreas rurais, jardins históricos e locais de cunho simbólico, religioso e afetivo.

Assim, a partir da concessão do título aqui na cidade do Rio de Janeiro, tivemos a possibilidade de reconhecer e começar a conservar dois exemplos significativos de paisagem cultural: Praia de Copacabana e Forte Copacaba-na, já que ao colocar-se como primeira cidade no mundo a se candidatar, e conseguir o título de Patrimônio Mundial por sua paisagem cultural urbana, passou a ter novas tarefas de preservação. Esta ação inovadora da cidade do Rio de Janeiro ampliou e fortaleceu uma nova visão e uma abordagem mais abrangente sobre os bens culturais que podem ser inscritos na lista do Patrimônio Mundial.

Pontos de memória e museus a céu abertoDialogando de forma similar com estes olhares sobre Paisagens Culturais

e Patrimônios comuns à Humanidade, temos o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) que em parceria com o programa Mais Cultura e Cultura viva, do Ministério da Cultura; com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci/Ministério da Justiça) e com a Organização dos Estados Americanos (OEI), apoia ações de memória em comunidades populares das cinco regiões do país, por meio dos Pontos de Memória.

Estes pontos de memória partem do conceito que a reconstrução e for-talecimento da memória social e coletiva de comunidades, a partir do ci-dadão e de suas origens, histórias e valores deve ser viabilizada. Utilizam metodologia participativa e dialógica, trabalham a memória de forma viva e dinâmica, como ferramenta de transformação social. Assim temos que

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a proposta dos Pontos de Memória é promover a melhoria da qualidade de vida da população onde são sediados, fortalecendo as tradições locais, laços de pertencimento, além de impulsionar o turismo e a economia local. São considerados espaços de referência nos seus territórios, por estarem associados à locais de riqueza histórica e cultural, valorizando deste modo o protagonismo popular. Entendem a memória como resultado de interações sociais e processos comunicacionais, os quais elegem aspectos do passado, de acordo com as identidades e interesses dos componentes do grupo onde estão inseridos. E consideram patrimônio cultural como processo social afir-mativo de identidade coletiva e cidadania.

Estes conceitos são referendados pela museologia, em disciplina aplica-da à nova realidade dos museus, que defende a necessidade de todos os segmentos da sociedade interagirem com estas instituições, igualmente de-fende a entrada e proteção do patrimônio de forma global, em atividades museológicas que extrapolem suas portas, e busquem realidades. Para se entender o quanto é complexo preservar tradições, saberes e memórias do fazer, vale lembrar que Mario de Andrade redigiu o anteprojeto do que viria a ser o primeiro órgão de proteção de patrimônios brasileiros em 1930, já incluía sua iniciativa de manifestações culturais imateriais que acreditava constituirem o verdadeiro patrimônio de um povo, no entanto, o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial só foi implantado no ano de 2000, ou seja, sete décadas depois, quando iniciou-se o registro e a proteção dos bens culturais de natureza imaterial no Brasil.

A partir daí passaram a ser considerados bens imateriais, também cha-mados de intangíveis, aqueles que podem ser definidos como expressões culturais e tradições transmitidas, recriadas de geração em geração, des-pertando sentimentos de identidade, solidariedade e continuidade de um grupo ou comunidade (KOK, 2011, p. 233).

Para auxiliar na estruturação destas ações, temos agora disponíveis os seguintes documentos:

Livro de registros dos saberes, que valoriza conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades.

Livro de registro de celebrações, para rituais e festas que marcam a vi-vência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social de uma cidade.

Livro de registro das formas de expressão, para manifestações literárias, musicais, artísticas, cênicas e lúdicas.

Livro de registro dos lugares, que valoriza espaços que concentram e reproduzem práticas culturais coletivas (p. 234, op. cit).

Tais providências integram-se aos conceitos básicos de Arte Pública, como os defendem autores como Fernando Pedro da Silva (2005), que trouxe ques-tionamentos sobre o papel e a atuação social de instituições artísticas como museus e galerias, encaminhando-se no sentido de discutir suas noções de artes, de público, de história, de memória. E apesar destas discussões terem

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se iniciado em 1960, seguem até hoje sendo debatidas, já que a Arte pública segundo o referido autor, trata-se uma prática que se torna cada dia mais presente no espaço urbano. Assim, a cidade é, a partir do referido autor, um local que se presta a receber todo tipo de manifestação artística (2005, p. 14, op. cit). Deste modo não será necessário então desligar-se do espaço cotidiano, como o personagem de Kurosawa, para desfrutar da arte, pois ela poderá estar inserida no próprio ambiente cotidiano.

Dentro desta abordagem, da experiência estética da diversidade da Arte no espaço público, no Rio de Janeiro temos como exemplo um significativo Ponto de Memória referente ao Museu de Favela – MUF (que abrange as comunidades: Pavão – Pavãozinho e Cantagalo). Trata-se de um museu a céu aberto configurado pelo Circuito das Casas Telas no Cantagalo, formado por 27 telas pintadas por artistas plásticos reconhecidos, sobre fachadas das casas, cujos moradores inscreveram-se para sediar o projeto, e como contra-partida responsabilizaram-se pela conservação destas obras.

Figura 1 – Portal do Museu de Favela.

Fonte: Portal do Museu de Favela3.

_________________________________3 Disponível em: http://museudafavela.org.br. Acesso em: 10 out. 2012.

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Figura 2 – Fachada de Casa Tela.

Fonte: Portal do Museu de Favela4.

Assim a percepção estética é oferecida à população destas comunidades, e da cidade de um modo geral, configurada como uma galeria de Arte a céu aberto, com organização singular a dos museus territoriais, retratando me-mórias, cultura local e atendendo à questões básicas da arte pública. O refe-rido circuito consta de dois portais, 27 telas grafitadas e diversas placas de orientação, para que o percurso possa ser melhor aproveitado. O propósito destas obras de arte a céu aberto, é contar a história, e registrar as memórias das 3 favelas que compõem este território, desde a época dos escravos, que ao fugirem, escondiam-se no Maciço de Cantagalo, incluindo a identificação das primeiras construções em 1907, até os dias de hoje, quando a região já possui uma população com cerca de 20 mil moradores.

A designação de museu a céu aberto ou de museu ao ar livre foi criada em 1870 pelos escandinavos, e o primeiro destes museus (O Parque de Skan-sen) foi criado em Estocolmo, em 1891.

Tal como a citada galeria de Arte ao ar livre, as instituições designadas como museus a céu aberto devem interagir adequadamente com a nature-za, e apoiar-se na participação e valorização do espaço, relacionando-se com diversos segmentos da sociedade. A preservação ampla dos patrimônios na-turais e construídos, bem como a sedimentação e a divulgação das tradições e rituais característicos do local, são elementos frágeis, e os primeiros que _________________________________4 Disponível em: http://museudafavela.org.br. Acesso em: 12 out. 2012.

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podem se perder, quando não são transmitidas estas tradições ou prote-gidos estes saberes, memórias e rituais, daí a importância da constituição destes espaços.

Ao longo do século XX o conceito de museu a céu aberto ou ao ar livre vem ampliando-se para os atuais ecomuseus (termo de autoria de Hugues de Varine e Georges – Henriviere), espaços que devem ter grande participa-ção social, atuando coletivamente, integrados à realidade local, em busca constante da autogestão.

A contemplação estética e a interação ambiental com este tipo de espa-ço, preservado, ativo e acolhedor, pode trazer amplos e variados benefícios ao público que dele desfruta. Com seu acervo constituído pela sua paisagem natural cuja harmonia e estrutura está íntegra, seja por obras produzidas por residentes locais, ou artistas convidados, estará nesta diversidade de alternativas, oferecendo algumas das múltiplas facetas da Arte Pública.

Percepção estética, bem estar e cidadaniaNa cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Copacabana, a propósito do

conceito de paisagem cultural urbana, a Sociedade de Amigos de Copacaba-na em uma de suas ações em benefício do bairro, solicitou a prefeitura que a iluminação da orla fosse mantida, restaurada e íntegra, uma vez que aqueles moradores consideravam a visão da sequencia das lâmpadas considerada semelhante a imagem de um colar de pérolas: e para além de questões de segurança, decorrentes de uma boa iluminação, sentiam que esta visão fornecia também uma bela imagem, que como tal deveria ser preservada.

Esta necessidade natural de contemplar a beleza é confirmada na teoria da percepção embasada na Gestalt, quando aborda-se que instintivamente tendemos a concluir a forma, quando esta é apresentada de modo incom-pleto à nossa percepção. Assim a percepção estética de imagens simétricas e harmônicas pode traduzir-se em similares estados de serenidade e bem estar. Neste contexto é interessante observar que, desde tempos ancestrais, tradições religiosas diversas utilizam estratégias que proporcionam sereni-dade e pacificação da mente, através da contemplação de determinadas imagens que tem harmonia e simetria, como por exemplo as mandalas bu-distas, ou as imagens chamadas de yantras, utilizadas pelos praticantes de yoga, para práticas meditativas.

Viver ou interagir em espaços constituídos de aspectos harmônicos e bem cuidados, usufruindo a contemplação diária destas imagens, constitui--se no legado que a preservação de paisagens culturais ou naturais, pode proporcionar, favorecendo melhor qualidade de vida, além de propiciar be-néficas associações subjetivas e afetivas. Os respectivos correspondentes fisiológicos, sustentados e realimentados por estes estímulos benéficos, também favorecem a liberação a nível fisiológico de neurotransmissores de ação positiva, como a serotonina e a endorfina, que promovem comprova-dos benefícios metabólicos, que multiplicam-se e realimentam-se. Assim, o

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lazer constituído pelo exercício de atividades culturais, nestes espaços bem cuidados do ponto de vista estético e ambiental, podem também propiciar bem estar através da estimulação de base neural decorrente da percepção estética propiciada pela contemplação destas paisagens.

O patrimônio imaterial, como conceito jurídico propõe, que ao ser pre-servado para o bem comum, prolongue, sustente e fortaleça o fio de memó-ria que alimenta a subjetividade no legado coletivo. Neste contexto, promo-ver também a interação com a experiência artística, propicia boas condições de compreensão da importância e função da imagem, da forma, da estética, estendendo os seus benefícios em dimensões intergeracionais, individuais e coletivas, interagindo para a construção da identidade de cidadãos criativos.

Arte pública e paisagens culturaisSegundo Kok (2011, p. 11) a partir da constituição de 1988 houve uma

mudança da concepção do que é patrimônio, que deixou de ter o conceito de um acervo congelado no passado e restrito a uma elite, passando a ser o resultado da prática social e cultural de diversos agentes, que tinham a memória como suporte, e o direito a cidadania cultural como horizonte. Essa perspectiva inovadora envolve toda a sociedade na responsabilidade de proteção, preservação e gestão, e passa a definir o patrimônio a partir de suas múltiplas formas de expressão; de seus modos de criar, fazer e viver; das criações científicas, artísticas e tecnológicas; das obras, objetos, docu-mentos, edificações e conjuntos das produções criativas das coletividades.

E complementa, informando que o IPLAN, através dos espaços de diá-logo e debate, fortalece a expressão da diversidade cultural do nosso país, ao assegurar o processo de produção de bens, e respectiva salvaguarda dos conhecimentos das populações tradicionais, garantindo assim sua transmis-são às novas gerações.

Neste sentido incluem-se as edificações na paisagem urbana como tes-temunhos da forma de viver, de técnicas construtivas e de manifestações artísticas e culturais de diferentes períodos históricos (p. 233, op. cit). E re-forçando o valor destes espaços preservados, Albano e Murta (apud SILVA, 2005, p. 32), enfatizam a importância da interpretação na valorização dos patrimônios culturais e naturais. Para estas autoras esta é a forma de des-cobrir significados, trocar emoções diante de um legado, que deve ser visto como um enigma a ser desvendado, um texto a ser interpretado.

Assim, investir na interpretação do contexto de cada território significa valorizar o ambiente urbano e natural, suas histórias, saberes e fazeres cul-turais. E ressaltam essas autoras que para isto, há necessidade de utilizar as diversas linguagens artísticas – teatro, literatura, poesia, fotografia, de-senho, escultura, arquitetura; e também outros meios de comunicação tais como placas, painéis, folders, mapas e guias, todos a serviço do processo de Interpretação do patrimônio.

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Complementando estas ideias, temos Silva (2005, p. 33) afirmando que “a obra de arte pública contribui para a formação e conscientização do cida-dão, possibilitando-lhe a experiência da cidadania por meio do diálogo com a obra de Arte” sendo que os museus a céu aberto, e os Pontos de Memória são inegáveis reforços a estes objetivos.

ConclusãoÀ guisa de conclusão considero, que de certo modo, todos somos Pontos

de Memória itinerantes, e a céu aberto, interagindo com outros tantos Pon-tos de Memória, possíveis interlocutores para o intercambio de tradições, saberes, afetos, com seus legados imateriais singulares, que produzem sen-tidos, e se fortalecem pela conectividade dos elos intergeracionais, afetivos, e também interagindo com as construções culturais a nossa volta.

As discussões sobre o que deve ser considerado “público” na arte come-çarem a ter relevância a partir de 1960, trazendo questionamentos sobre o papel e a atuação social de instituições artísticas como museus e galerias. Estes debates seguem sendo atuais. Estas origens referiam-se à necessidade de revitalizar centros urbanos deteriorados, para que redescobrissem a força e importância da participação comunitária de projetos.

Assim a contribuição da Arte Pública será fundamental, para que sejam vistas as necessidades da prática cotidiana de comunidades específicas con-siderando sua história, sua memória e seus valores culturais.

A vivência cotidiana em espaços com imagens instigantes e harmônicas, propicia o exercício da percepção estética no dia a dia, o que poderá ser feito através da contemplação de obras de arte oferecidas a céu aberto, na paisagem cultural urbana. Deste modo temos a integração da arte (pública) nas rotas diárias dos cidadãos.

Wisnik no artigo “Impressionante” (2012) celebra o sucesso, em São Pau-lo, da exposição de obras dos impressionistas oriundos do acervo do museu de d’Orsay, que gerou intermináveis filas noite a dentro e um saudável bor-borinho cultural nos arredores da mostra, movimentando ruas, restaurantes e cafés próximos. Neste contexto comenta que:

uma antropologia urbana teria de dar conta da complexa convivência dos entraves à urbanidade com um conjunto muito poderoso de forças culturais que a atravessam de multíssimas formas. Isso que eu estou dizendo deve ser tomado como um voto de esperança. A mente que vibra, vibra as fibras da cidade, que vibra novamente...

Assim é possível voltar, agora de forma poética, através das palavras de Wisnisk, exatamente ao que defendem neurocientistas como Rizzolati e Vi-layanur Ramachandra, pois o que a interação democratizada da vivência ar-tística pode fazer de forma efetiva nos espaços públicos por seus cidadãos, é torná-los mais vivos, coloridos e saudáveis.

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Referências

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BRASIL. IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br>. Acesso em: 8 out. 2012.

CALVINO, Í. As cidade invisíveis. São Paulo: Folha de São Paulo, 2003.

KOK, G. Memórias do Brasil: uma viagem pelo patrimônio artístico, cultural e am-biental. São Paulo: Terceiro Nome, 2011.

MORAES, C. Os caminhos do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo. Intratextos, Rio de Janeiro, nº especial 01, p. 32-46, 2010. Disponível em: <http://e-publicações.UERJ.br/index.php/intratextos/article/viewfle/407/490>. Acesso em: 5 out. 2012.

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VERGOLINO, P. L. G. Belém do Pará: Museu a céu Aberto. Revista Museu. Disponível em: <http://www.revistamuseu.com.br/emfoco/emfoco.asp?id:3348>. Acesso em: 12 out.2012.

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Em uma primeira aproximação, é importante destacar que a imagem comunica e transmite mensagens, além do fato de vivermos em uma sociedade que preza e utiliza a imagem em grande escala. Porém, apesar dessa latência, tradicionalmente a ciência, especialmente as ciências humanas no caso específico, não conferiam às imagens um status de validade científica.

Márcio José Melo Malta

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Uma imagem vale mais: o uso das imagens na educação como

elemento potencializadorAn image is worth more: the use of images in education as an enhancer

element

MÁRCIO JOSÉ MELO MALTA*

ResumoO presente artigo aborda o uso das imagens na educação. De caráter ex-planatório, desenvolve um histórico acerca dos referenciais teóricos sobre o tema, assim como faz digressões sobre como vivemos em uma sociedade marcada por símbolos imagéticos. O leque de reflexões faz parte da realiza-ção das atividades do recém-inaugurado “Laboratório de Produção e Análise de Imagens” (Lapi’s) que o pesquisador coordena na Unilasalle-RJ. A pro-posta central é a de uma maior utilização das imagens em sala de aula para potencializar a explicação de conteúdos pedagógicos vai ao encontro de um aprendizado de maneira mais lúdica e prazerosa. As imagens fazem parte do cotidiano das pessoas, sendo portanto mais fácil de assimilar e recordar elementos que foram ensinados com o auxílio desse recurso, assim como, no campo da academia, ressignificar aspectos históricos a partir do uso de fontes alternativas.

Palavras-chave: Imagens. Educação. Semiótica. História cultural. Fontes.

AbstractThis issue discusses the use of images in education. With an explanatory nature, it , develops a theoretical framework about the history on the subject, as does digressions about the way we live in a society marked by pictorial symbols. The range of reflections is part of the accomplishment of the newly opened “Laboratory of Production and Analysis of Images “ activities

_________________________________* Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, Brasil; Docente da Universidade Federal Fluminense, Brasil; Email: [email protected]

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which the researcher coordinates at the Unilasalle-RJ. The central proposal is the greater use of images in the classroom to enhance the explanation of educational content which leads to a fun and enjoyable way of learning.. The images are part of everyday life, making it easier to assimilate and recall elements that were taught with the help of this resource, as well as , reframe the historical aspects from the use of alternative sources in the field of academia.

Keywords: Images. Education. Semiotics. Cultural history. Sources.

IntroduçãoO objetivo do presente artigo é analisar as possibilidades proporciona-

das pelo uso de imagens na educação. A ideia central é refletir sobre a po-tencialização do ensino por meio de imagens. A principal motivação desse foco temático deve-se à experiência no exercício da atividade de professor universitário, conjugada à profissão de cartunista. Essa junção proporcio-nou a realização de trabalhos acadêmicos voltados para tais questões, assim como a utilização de recursos didáticos, como, por exemplo, o amplo uso de desenhos feitos em sala de aula para expor os conteúdos. Essas reflexões fundamentam-se em análises de atividades do Laboratório de Produção e Análise de Imagens (Lapi’s) da Unilasalle-RJ, no âmbito do curso de História, e seus subsídios às discussões sobre usos e possibilidades pedagógicas e históricas da arte.

Em termos estruturais, o trabalho contempla uma introdução, seguida de três seções descritas a seguir. A primeira parte aborda o espaço conferido à ima-gem na academia. Na segunda parte do trabalho serão explorados referenciais teóricos acerca da imagem. Discutir-se-á alguns dos autores que se debruçaram sobre a questão. Na terceira parte, como um estudo de caso, serão apresenta-dos alguns resultados da exposição “Desenhando em sala de aula”. Por último, à guisa de conclusão, algumas considerações serão feitas sobre a defesa de uma maior utilização das imagens na educação como um todo, seja no espaço da sala de aula, seja na produção de conteúdos acadêmicos.

O espaço conferido à imagem na academia“Interessar-se pela imagem é também interessar-se por toda a nossa his-

tória”, afirmou Martine Joly (2006, p. 136) na conclusão de seu livro “Intro-dução à análise da imagem”. A presente seção busca refletir sobre o lugar conferido à imagem como fonte na produção do conhecimento científico, especialmente o historiográfico. De caráter interdisciplinar, o presente artigo se vale da Antropologia e da Ciência Política como interlocutoras, haja vista a primeira ser um campo em que tradicionalmente determinantes culturais e simbólicos foram levados em grande consideração; e a segunda como res-ponsável pela reflexão acerca das dimensões do poder e do cenário político.

Vivemos em uma sociedade caracterizada como midiática, sendo que

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grande parte desse conteúdo é transmitido através de imagens. Desde as épocas mais remotas – pode-se remeter aos longínquos tempos das caver-nas – os homens se comunicam por meio de representação pictóricas. Já existe uma pré-socialização da leitura de símbolos, desde a mais tenra infân-cia, inclusive por meio de gibis, ou cartilhas ricamente ilustradas.

O que está em questão seria uma potencialização da leitura de tais ma-teriais, se fazendo necessária uma espécie de educação do olhar, no sentido, de se localizar indícios não identificados na produção das imagens, que sem-pre possuem o claro objetivo de transmitir uma mensagem. Um dos itens em foco é justamente a investigação de como se dá a relação obra- autor-leitor.

Dentre outros, o campo que irá nortear as investigações é o da cultura po-lítica, pois um dos focos em tela é a tentativa de mapear como determinada sociedade se comporta em termos de intervenção social em momentos-chave.

Neste bojo, parte-se da ressalva de que as imagens são produzidas por sujeitos históricos incluídos de forma concreta nas sociedades em que vi-vem, ou seja, não são isentas, imparciais ou neutras. As fotografias e char-ges, como meios de comunicação, possuem de forma aberta ou velada, in-tenções, ideologia e finalidades. As diversas modalidades de recepção do público consumidor destas produções simbólicas é de grande pertinência na influência que cumpre como agente formulador da opinião pública. Inclusi-ve pelo grande contingente que absorve essa produção de forma cotidiana através da leitura dos meios de comunicação.

Breve balanço teórico-metodológicoNa presente seção serão listadas e discutidas algumas contribuições teó-

ricas que auxiliaram a chegada ao tema escolhido. Serão relatados as trans-formações ocorridas no interior das disciplinas abordadas, assim como, o surgimento de novos paradigmas científicos.

Em uma primeira aproximação, é importante destacar que a imagem co-munica e transmite mensagens, além do fato de vivermos em uma socie-dade que preza e utiliza a imagem em grande escala. Porém, apesar dessa latência, tradicionalmente a ciência, especialmente as ciências humanas no caso específico, não conferiam às imagens um status de validade científica.

Apesar das limitações de espaço inerentes à apresentação deste artigo, podem ser arroladas como principais causas para o não reconhecimento da imagem no campo acadêmico, o fato dela normalmente possibilitar múl-tiplas interpretações, fato este gravíssimo para um campo que em via de regra priorizou construções de caminhos unilineares, e em segundo plano a eleição do discurso textual como o único possível na construção de verdades e do saber científico. Em terceiro e último nível consta ainda a dificuldade de utilização deste tipo de material, ou seja, os caminhos tortuosos que levam à sua interpretação.

Porém, o reconhecimento desses aspectos não como negativos, mas posi-tivos, apesar de tardio, foi feito. A partir da década de 70 do século passado,

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as transformações políticas acontecidas que impuseram a necessidade de uma maior multiplicidade de reflexões e ferramentas teóricas, assim como a cada vez mais veloz mudança na sociedade, conjugada ao desenvolvimento das comunicações, facilitaram a disseminação das imagens e novos paradig-mas começaram a ganhar espaço no interior das ciências sociais.

A pesquisadora Tânia Regina de Luca, no artigo “História dos, nos e por meio dos periódicos”, publicado no livro “Fontes históricas” (apud PINKY, 2005), assinala a construção de uma narrativa histórica por meio da impren-sa e não da imprensa. Nesse sentido cabe destacar que o presente artigo não busca fazer também uma história da fotografia ou da charge, mas sim uma reflexão com base em tais instrumentos.

A autora aponta que poucos trabalhos acadêmicos até a década de 70 do século XX se dedicaram ao paradigma abordado. Como já discutido anterior-mente, a responsabilidade de tal vácuo poderia ser creditada a um certo pre-conceito, ou ao hábito de serem exigidas nesse campo de fontes documentais objetivas, oficiais e com maior índice de uma “suposta” credibilidade.

Uma mudança só pôde ser observada em fins do século XX, com o adven-to do que ficou conhecido como “História Nova”, somados aos esforços da “New Left Review”, que contava dentre seus expoentes com nomes como o de Eric Hobsbawn, Perry Anderson e Edward Thompson.

A terceira geração da escola dos Annales1 trazia consigo novos objetos, problemas e abordagens. Apostando na interdisciplinaridade, esgarçou fronteiras que normalmente eram dificilmente transpostas. Com a adoção de “novos problemas” e um alargamento do campo de preocupação, histo-riadores como Jacques Le Goff ampliaram o conceito de documentos “legí-timos” a serem adotados pela historiografia.

A partir das mudanças possibilitadas pela transformação no contexto teórico, foi possível posteriormente a abordagem da imprensa como um objeto de pesquisa, posta a sua capacidade de intervenção social. Tânia de Luca (apud PINKY, 2005) destaca que nos trabalhos publicados anteriormen-te à década de 70, os dados coletados na imprensa figuravam tão somente como uma confirmação de elementos checados em outros documentos.

Outra pertinente contribuição é feita por Ivan Gaskell (apud BURKE, 1992), no capítulo “História das Imagens”, do livro “A escrita da História: novas perspectivas”, organizado por Peter Burke. Gaskell (Ibid.) aponta que muitas vezes historiadores mal instrumentalizados se valem das imagens apenas com fins ilustrativos, sendo minoria, o campo dos pesquisadores que utilizam as imagens como uma fonte sofisticada e especificamente histórica.

A palavra teria perdido a primazia, sendo que outros símbolos semânti-

_________________________________1 De forma sucinta, a Escola dos Annales pode ser descrita como uma nova abordagem da história, crítica ao positivismo e que se vale dos métodos das ciências sociais. Nasceu no cenário da crise econômica de 1929 e foi fundada por Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956), classificados como uma primeira geração da escola. A segunda geração dos annales teve Fernand Braudel (1902-1985) como símbolo e por último, a terceira geração foi caracterizada pela proeminência de Jacques Le Goff (1924).

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cos ganharam status, em que se incluiriam as charges e as fotografias. Assim como a tentativa de registrar a que tipo de público tais imagens se destinam e qual a função social que cumprem esses cronistas visuais que são os char-gistas e jornalistas fotográficos.

Existiria uma direção renovadora de um amplo e diversificado conjunto de estudos históricos que iluminaram a situação da academia nas últimas déca-das do século XX. Em linhas gerais o conjunto da produção retomou o grande tema da questão social, recusando por sua vez um enfoque por demais es-truturalista e meramente baseado em termos econômicos. Abordagens que ressaltavam variáveis políticas e culturais passaram a ser privilegiadas.

Um estudo de caso: a exposição “Desenhando em sala de aula”Em setembro de 2012, por ocasião do lançamento do já referido “Labo-

ratório de análise e produção de imagens” (LAPI’S), o autor do artigo organi-zou na Galeria La Salle, a exposição “Desenhando em sala de aula”. Algumas imagens (figs. 1-4 do anexo) que ilustram o presente artigo demonstram exemplos de tal experiência.

A série de desenhos elaborada no primeiro semestre de 2012 representa uma viagem pelas áreas da Antropologia, Ciência Política e Sociologia, discipli-nas ministradas pelo docente. Dentre os objetivos está o “re”conhecimento por parte dos alunos das gravuras que observaram em sala de aula e servir de exem-plo para educadores das possibilidades do uso de imagens na prática pedagógi-ca. Em oposição ao “saber bancário” tão bem expresso pelo mestre Paulo Freire, os desenhos remetem à defesa do aspecto lúdico na aprendizagem.

Fotografados pelo próprio professor após as suas aulas, as ilustrações feitas na lousa são registros que buscam captar a síntese de uma gama de matérias, assuntos e autores os mais variados do campo das ciências sociais.

A experiência de desenhar os tópicos que estão sendo explanados no mo-mento das aulas demonstrou que os alunos passaram a se apropriar o conteú-do a partir de um outro ponto de vista. Muitos discentes relatam inclusive em momentos de avaliações, como provas, que se recordam mais facilmente dos conceitos a partir das recordações dos desenhos feitos no quadro.

A partir do componente da emoção que envolve a arte, as turmas se en-volvem de uma maneira mais produtiva com as discussões que estão sendo feitas no decorrer das aulas. E, ainda, muitas vezes, os próprios estudantes invertem as tradicionais posições pedagógicas e participam ativamente da relação ensino-aprendizado quando vão até o quadro para pintar ou mesmo desenhar um tópico programático.

Cabe salientar que um dos objetivos do LAPI’s é justamente capacitar os membros pesquisadores a aprender noções básicas de desenho, para que no exercício futuro do magistério também possam compartilhar de tal fer-ramenta pedagógica.

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Considerações finaisA proposta de uma maior utilização das imagens na educação eviden-

ciada no presente artigo caminha em dois sentidos: o de resgatar períodos históricos, utilizando essas ferramentas; e, em um segundo plano, a defesa da explicação de conteúdos pedagógicos vai ao encontro de um aprendiza-do de maneira mais lúdica e prazerosa. As imagens fazem parte do cotidiano das pessoas, sendo portanto mais fácil de assimilar e recordar elementos que foram ensinados com o auxílio desse recurso. Além disso, o texto que por ora se encerra também advoga o uso das imagens, sejam fotos, carica-turas, ou demais gêneros, como uma fonte de conhecimento histórico e do tempo presente. A imagem se constitui como uma síntese de determinados temas, muitas vezes complexos. Um dos objetivos, portanto, é incentivar aos docentes e acadêmicos uma maior interação com os alunos e seus leitores, ao estimular a utilização de representações gráficas, que, apesar de simples, vão além do suporte meramente textual ou expositivo predominantes no magistério e produção acadêmica tradicionais.

Referências

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DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.

GASKELL, Ivan. História das imagens. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: EDUNESP, 1992.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

GOMES, Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algu-mas reflexões. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda B.; GOUVêA, Maria de Fátima Silva (Orgs.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, cultura política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 2006.

LEMOS, Renato (Org.). Uma história do Brasil através da caricatura: 1840-2001. Rio de Janeiro: Bom Texto, Letras e Expressões, 2001.

LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Edi-tora, 1963.

LUSTOSA, Isabel. Histórias de presidentes: a República no Catete. Rio de Janeiro: Vozes/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1989.

MALTA, Márcio José Melo. Henfil: o humor subversivo. São Paulo, Expressão Popular, 2008.

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_____. O Jeca na careta - charges e identidade nacional. 2007. Dissertação (Mestra-do em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRJ, Rio de Janeiro.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

TEIXEIRA, Luiz Guilherme Sodré. Sentidos do Humor, trapaças da razão, a charge. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2005.

Anexos:

Figura 1 - Cartaz da exposição “Desenhando em sala de aula”

Fonte: Cartaz da exposição. Concepção do autor em parceria com Jefferson Fernandes (diagramador Unilasalle-RJ).

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Figura 2 - Desenho sobre o conceito de cultura como um quebra-cabeça (aula sobre estruturalismo)

Fonte: pintado pelos alunos e fotografado pelo autor.

Figura 3 - Aula sobre o surgimento da moeda. O desenho mostra uma das inconveniências do uso de outros elementos como elemento de troca.

Fonte: desenhado e fotografado pelo autor.

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Figura 4 - Aula sobre a divisão do trabalho e o modelo do fordismo.

Fonte: desenhado e fotografado pelo autor.

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Permutas1. Aprender – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação2. Cadernos de Pesquisa3. Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE – UFES 4. Cadernos Pagu5. Dados - Revista de Ciências Sociais6. Educar em Revista7. Estudos de Psicologia - Núcleo de Editoração SBI/CCV8. L’année de la recherche en sciences de l’éducation - AFIRSE9. La Salle – Revista de Educação Ciência e Cultura - Centro Universitário

La Salle 10. Olhar de Professor - Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG11. Paideia12. Rbep - Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Inep/MEC –

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira13. Revista ABRAPEE14. Revista Argentina de Educación Superior - Universidad Nacional de

Tres de Febrero15. Revista Avaliação16. Revista Brasileira de Ciências Sociais17. Revista Brasileira de Educação18. Revista Brasileira de Educação Especial19. Revista Brasileira de História20. Revista Brasileira de Plantas Medicinais - Departamento de Botânica

- Instituto de Biociências – UNESP21. Revista Brasileira de Pós-Graduação - Ministério da Educação 22. Revista Cadernos de Educação23. Revista Ciência & Saúde Coletiva - Associação Brasileira de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva24. Revista Científica do Centro Universitário de Barra Mansa25. Revista CLAR26. Revista Comum - Faculdades Integradas Hélio Alonso27. Revista Comunicações - UNIMEP – Faculdade de Ciências Humanas28. Revista Confluência - Liceu Literário Português29. Revista Contracampo30. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade - UNEB -

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Departamento de Educação I – NUPE31. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade - Universidade

do Estado da Bahia - Departamento de Educação I – NUPE32. Revista da FAEEBA – Universidade do Estado da Bahia

Actualidades Pedagógicas - Revista de la Facultad de Ciencias de la Educación - Oficina de Publicaciones

33. Revista de Ciências da Educação - Centro UNISAL – EU Americana – Biblioteca Central

34. Revista de Ciências Humanas35. Revista de Educação Pública - Centro de Tecnologias e Documentação

Educacionais36. Revista de Educação PUC – Campinas - SBI/SPDI – Serviço de

Publicação, Divulgação e Intercâmbio A/C Geovani Morgado - Complexo CCSA – Bloco D – Pavimento Inferior

37. Revista de Estudos de Linguagem - Faculdade de Letras da UFMG38. Revista de Estudos Universitários39. Revista de Investigación Educativa - Departamento de Métodos de

Investigación y Diagnóstico en Educación. Facultad de Educación. Universidad de Murcia

40. Revista de Saúde Pública41. Revista Diálogo42. Revista Diálogo Educacional43. Revista Educação – EDIPUCRS - Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul44. Revista Educação & Cidadania - Editora Átomo45. Revista Educação & Linguagem - Faculdade de Educação e Letras -

Universidade Metodista de São Paulo (Umesp)46. Revista Educação Brasileira - Conselho de Reitores das Universidades

Brasileiras (CRUB)47. Revista Educação e Filosofia48. Revista Educação e Pesquisa49. Revista Em Aberto - Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira50. Revista Estudos em Avaliação Educacional51. Revista Estudos Feministas52. Revista Gênero - Núcleo Transdisciplinar de Estudos de Gênero53. Revista Inclusão - Esplanada dos Ministérios54. Revista Intermeio

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55. Revista Katálysis - Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima

56. Revista Lasallista de Investigación57. Revista Nuances58. Revista Olho Mágico59. Revista Perspectiva60. Revista Physis61. Revista Poiesis62. Revista Portuguesa de Pedagogia - Faculdade de Psicologia e de

Ciências da Educação63. Revista Práxis Educativa64. Revista Pro-Posições65. Revista Psicologia & Sociedade66. Revista Psicologia Escolar e Educacional67. Revista Tempo68. Revista Xihmai - Universidad La Salle Pachuca - Escuela de Ciencias

Humanas69. Revista Zetetike - CEMPEM – FE/ UNICAMP70. Rivista lasalliana71. Senac – Departamento Nacional - Boletim Técnico do Senac - Centro

de Educação a Distância72. Tempo Social - Revista de Sociologia da USP73. Topoi: Revista de História

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Normas para publicaçãoA Revista Conhecimento & Diversidade (Qualis B3 nas áreas de Educação,

Interdisciplinar e Psicologia e B4 na área de História) ISSN 1983-3695 (versão impressa) e ISSN 2237-8049 (versão online) é uma publicação do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro e integra a Rede de Instituições La Salle, que se estende a 82 países, incluindo 74 Universidades e 1200 escolas básicas. A Revista integra também a Província La Salle Brasil-Chile e o Projeto Educativo Regional Lassalista Latino-Americano/PERLA.

A Revista é de natureza multidisciplinar e acolhe artigos de diversos cur-sos e áreas de conhecimento, que tragam contribuições ou possam agregar aportes ao campo educacional. A periodicidade é semestral; no 1º semestre de cada ano, é contemplado um tema específico e, no 2º semestre, são te-mas livres (a critério dos autores). Podem ser enviados artigos inéditos ou resenhas de livros.

Os trabalhos enviados à Revista poderão estar acompanhados de ima-gens (fotos, ou outras ilustrações), que serão reproduzidas em preto e bran-co. O material ilustrado deverá ser enviado em arquivos formato GIF, na resolução de 300 dpi, durante o processo eletrônico de submissão do artigo à revista. Deve ser feita referência à fonte.

O artigo original deverá ser submetido eletronicamente pelo site da re-vista Conhecimento & Diversidade. Só poderão submeter artigos os auto-res devidamente cadastrados no site da revista, através do preenchimento de um formulário eletrônico, igualmente disponível online. O processo de submissão envolve cinco etapas: 1) o início da submissão com a escolha da seção, do idioma da submissão e do aceite da declaração de direito autoral; 2) a transferência do arquivo com o artigo; 3) a inclusão dos metadados; 4) transferência de documentos suplementares (opcional); 5) confirmação.

O artigo será apreciado pela Comissão Editorial e por pareceristas. Os avaliadores decidirão sobre a conveniência, ou não, de sua aceitação, ou poderão fazer sugestões aos autores para que sejam feitas alterações no texto. Será assegurado o anonimato dos avaliadores. A revista não devolverá os originais das colaborações enviadas.

A resposta da Revista será enviada para o e-mail do autor. As informações contidas nos textos publicados são de responsabilidade

de seus autores e, portanto, não refletem obrigatoriamente a opinião da Revista, ficando também sob responsabilidade dos autores a originalidade e autoria dos artigos.

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Serão fornecidos ao autor principal de cada artigo, gratuitamente, 3 (três) exemplares da revista.

Os temas e prazos de envio de artigos serão:

11º. Número – Educação e direitos humanos: 30 de novembro de 201312º. Número – Tema livre, a critério dos autores: 30 de abril de 201413º. Número – Psicologia em diversos prismas: 30 de novembro de 201414º. Número – Tema livre, a critério dos autores: 30 de abril de 2015

A previsão de publicação será de aproximadamente 8 meses após a aprovação do artigo.

Observação: recomenda-se que o texto dos artigos obedeça às alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2009 e está atualmente em período de transição.

1. Resumo e abstractO resumo deverá ter, aproximadamente, 15 linhas. Deverá ser feito na

língua original do artigo e também em inglês. Em seguida ao resumo e ao abstract, devem ser apresentadas de três a cinco palavras-chave em cada uma das duas línguas. Caso o artigo seja escrito em inglês, além de abstract e keywords, deverá apresentar também o resumo e as palavras-chave em português ou em espanhol.

A digitação deverá ser alinhada, ou seja, sem parágrafos. O texto deverá ser digitado em padrão Word for Windows, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço simples entre linhas.

2. Texto completo do artigoa) Extensão: os artigos deverão ter de 12 a 25 páginas, incluindo as

referências, e o título dever ter no máximo 14 palavras;

b) Digitação: o texto deverá ser digitado em padrão Word for Windows, fonte Times New Roman, tamanho 14, espaço 1,5 cm entre linhas e 0 pt entre parágrafos, com alinhamento justificado. Os espaços das margens serão: superior com 4,0 cm, e laterais e inferior com 3,0 cm.

c) Menções a autores, no texto, e referências, ao final, deverão estar de acordo com a NBR 6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

3. ResenhaAs resenhas deverão ter de 2 a 3 páginas. É indispensável a indicação

da referência completa da obra resenhada. A edição da obra deverá datar

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de, no máximo, 2 anos anteriores ao encaminhamento da resenha para a revista. A digitação e a formatação deverão obedecer aos mesmos critérios dos artigos.

4. Informações na primeira folha do artigoO artigo deverá vir acompanhado de uma folha com o título, nome

completo do(s) autor(es), a instituição a que pertencem, maior titulação, identidade, CPF, endereço, telefone, fax e e-mail.

5. Menções a autores no corpo do texto do artigoNo caso de artigos elaborados em outros países, serão aceitas as normas

de referência a autores e publicações do país. No caso de artigos brasileiros, será necessária a cuidadosa atenção dos autores às normas da ABNT, que são exemplificadas em seguida.

Exemplos de menções a autores, com citação literal

a) Citação literal com até três linhas:

“A dinâmica do processo didático e do conhecimento que se ensina, aprende e (re)constrói na escola solicita do supervisor que incentive e promova o hábito de estudo” (RANGEL, 2007, p. 58).

Segundo Rangel (2007, p. 58), “(...) o estudo requer do supervisor a atenção ao processo didático, seus fundamentos, princípios e conceitos”.

b) Citação literal, com mais de três linhas:

Segundo Rangel (2007, p. 57-58):

A coordenação das atividades didáticas e curriculares é interdisciplinar, tanto em seus fundamentos, quanto no sentido da promoção de articulações entre os elementos do processo ensino-aprendizagem: professores, alunos, objetivos, conteúdos, métodos, avaliação, recuperação e contexto.

Como se percebe nos exemplos acima, quando a citação literal tem menos de três linhas, ela é inserida no parágrafo; quando tem mais de três linhas, é destacada, em itálico, e alinhada à direita (com recuo de 4 cm), digitada com letra tamanho 12 e espaço simples.

Quando o sobrenome do autor apresenta-se ao final do parágrafo, ele é digitado em maiúscula, entre parênteses, seguido do ano da publicação e,

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quando for o caso de citação literal, também da página. O ponto, ao final do parágrafo, é colocado após os parênteses.

Referência da fonte a partir da qual foram formulados os exemplos:RANGEL, Mary. O estudo como prática de supervisão. In: _____. Supervisão pedagógica: princípios e práticas. 9 ed. Campinas (SP): Papirus, 2008, p. 57-80.

6. Referências ao final do artigoAo final do artigo, devem ser apresentadas as referências completas das

fontes (publicações impressas ou divulgadas por meio eletrônico), que foram consultadas e mencionadas no corpo do artigo. As obras devem ser listadas em ordem alfabética, de acordo com o último sobrenome do autor.

No mesmo intuito de auxiliar os articulistas, apresentam-se, em seguida, exemplos de referências de alguns tipos de publicações impressas ou divulgadas por meio eletrônico. Todos os exemplos encontram-se na NBR 6023 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS/ABNT, 2002, p. 4-20).

Livros com um a três autores, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 14:

ALVES, Roque de Brito. Ciência criminal. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antônio. Curso de direito jurídico. São Paulo: Atlas, 1995.

PASSOS, L. M. M.; FONSECA, A.; CHAVES, M. Alegria de saber: matemática, segunda série, 2, primeiro grau: livro do professor. São Paulo: Scipione, 1995.

É interessante observar, no terceiro exemplo, que o título tem duas partes, e só a parte principal é destacada. Observa-se, também, em todos os exemplos, que só a primeira letra do título é maiúscula.

Livros ou documentos com mais de três autores, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 14:

URANI, A. et al. Constituição de uma matriz de contabilidade social para o Brasil. Brasília, DF: IPEA, 1994.

Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 143–149jan./jun. 2013

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Livro cujo autor é uma entidade, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 15:

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Catálogo de teses da Universidade de São Paulo, 1992. São Paulo, 1993.

Livro ou documento de autoria desconhecida: entrada pelo título, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 15:

DIAGNÓSTICO do setor editorial brasileiro. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 1993.

Ordenação de referências do mesmo autor, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 21:

FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1943.

___. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1936.

Vale notar, nos dois exemplos acima, que, na sequência de obras do mesmo autor, não se repete nome; basta um traço na mesma direção (4 toques).

Livro ou documento com organizador(es) ou coordenador(es), de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 14:

FERREIRA, Leslie Piccolotto (Org.). O fonoaudiólogo e a escola. São Paulo: Summus, 1991.

MARCONDES, E.; LIMA, I. N. de (Coords.). Dietas em pediatria clínica. 4 ed. São Paulo: Savier, 1993.

É interessante observar, nos dois exemplos acima, que as palavras “Orga-nizador” e “Coordenadores” são abreviadas e colocadas entre parênteses, após os nomes dos autores. No segundo exemplo, observa-se que o número da edição é digitado em seguida ao título, escrevendo-se o número, seguido da palavra edição, abreviada.

Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 143–149jan./jun. 2013

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Parte de livro ou documento de um autor em obra organizada por outro, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 4:

ROMANO, Giovanni. Imagens da juventude na era moderna. In: LEVI, G.; SCHMIDT, J. (Orgs.). História dos jovens 2: a época contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 7-16.

Parte de livro ou documento de um autor em obra organizada pelo mesmo autor, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 4:

SANTOS, F. R. dos. A colonização da terra do Tucujús. In: ___. História do Amapá, 1º grau. 2 ed. Macapá: Valcan, 1994, cap. 3, p. 15-24.

Observa-se no exemplo acima que, quando a parte citada está no livro do mesmo autor, após o título da parte, e em seguida à pontuação, digita-se In: ___. Seguem-se, então, o título geral do livro e os outros dados.

Artigo em periódico impresso, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 5:

GURGEL, C. Reforma do Estado e segurança pública. Revista Política e Ad-ministração, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 15-21, set. 1997.

Observa-se, nesse exemplo, que o elemento destacado é o título da revista, e não o do artigo.

Artigo em meio eletrônico, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 5-6:

VIEIRA, Cássio Leite; LOPES, Marcelo. A queda do cometa. Neo Interativa, Rio de Janeiro, n. 2, 1994. 1 CD-ROM.

SILVA, M. M. L. Crimes na era digital. Net, Rio de Janeiro, nov. 1998. Seção Ponto de Vista. Disponível em: <http://www.brazilnet. com.br/contexts/brasilrevistas.htm>. Acesso em: 28 nov. 1998.

RIBEIRO, P. S. G. Adoção à brasileira: uma análise sociojurídica. Dataveni@, São Paulo, ano 3, n. 18, ago. 1998. Disponível em: <http://www.datavenia.inf.br/frame.artig.html.>. Acesso em: 10 set. 1998.

WINDOWS 98: o melhor caminho para atualização. PC Word, São Paulo, n. 75, set. 1998. Disponível em: <http://www.idg.com. br/abre.htm.>. Acesso em: 10 set. 1998.

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Artigo em jornal, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 6:

NAVES, P. Lagos andinos dão banho de beleza. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 1999. Folha Turismo, Caderno 8, p. 13.LEAL, L. N. MP fiscaliza com autonomia total. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 abr. 1995, p. 3.

Trabalho apresentado em evento e publicado em anais, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 7:

BRAYNER, A. R. A.; MEDEIROS, C. B. Incorporação do tempo em SGBD orientado a objetos. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE BANCO DE DADOS, 9, 1994, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 1994, p. 16-29.

Trabalho apresentado em evento, em meio eletrônico, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 7:

GUNCHO, M. R. A educação à distância e a biblioteca universitária. In: SEMINÁRIO DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS, 10, 1998, Fortaleza. Anais... Fortaleza: Tec Treina, 1998. 1 CD-ROM.SILVA, R. N.; OLIVEIRA, R. Os limites pedagógicos do paradigma da qualidade total na educação. In: CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFPe, 4., 1996, Recife. Anais eletrônicos... Recife: UFPe, 1996. Disponível em: <http: //www. propesq.ufpe.br/anais/anais/educ/ce04.htm>. Acesso em: 21 jan. 1997.

Dissertações e Teses, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 20:

ARAUJO, U. A. M. Máscaras inteiriças tupúna: possibilidades de estudo de artefatos de museu para o conhecimento do universo indígena. 1985. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, 1986.

Leis, de acordo com exemplo da NBR 6023, 2002, p. 8:

BRASIL. Medida provisória no 1.569-9, de 11 de dezembro de 1997. Estabelece multa em operações de importação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1997. Seção 1, p. 29514.

Referência

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e docu-mentação: referências-elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

Conhecimento & Diversidade, Niterói, n. 9, p. 143–149jan./jun. 2013

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