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ISSN: 2176-2066 http:  · filosóficos da modernidade e da contemporaneidade. O Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE encontra-se em atividade desde 1996, sendo

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Jadir Antunes

Libanio Cardoso Neto

Michelle Silvestre Cabral

Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

(Organizadores)

Anais do XIX Simpósio de

Filosofia Moderna e Contemporânea

da UNIOESTE

Toledo – PR

2014

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Catalogação na Publicação elaborada pela Biblioteca Universitária UNIOESTE/Campus de Toledo. Bibliotecária: Marilene de Fátima Donadel - CRB – 9/924

Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (18. : 2014, out. 07-10: Toledo - PR) S612a Anais (do) XIX Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) (recurso eletrônico) / Organização de Jadir Antunes, Libanio Cardoso Neto, Michelle Silvestre Cabral e Roberto S. Kahlmeyer-Mertens. – Toledo : (s. n.), 2014. World wide web http://www.unioeste.br/filosofia/ Evento realizado no período de 07 a 10 de outubro de 2014, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE. Toledo, Pr. ISSN: 2176-2066 1. 1. Filosofia moderna – Congressos 2. Filosofia contemporânea – Congressos I. Antunes, Jadir Org. II Cabral, Michelle Silvestre, Org. III. Cardoso Neto, Libanio, Org. IV. Kahlmeyer-Mertens, Roberto, Org. VI. T.

CDD 20. ed. 190.63 106.3

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Comitê Científico:

Epistemologia:

Andre Leclerc (UFPB)

Douglas Antonio Bassani (UNIOESTE)

Marcelo do Amaral Penna-Forte (UNIOESTE)

Remi Schorn (UNIOESTE)

Estética:

Olímpio José Pimenta Neto (UFOP)

Pedro Costa Rego (UFRJ)

Wilson Antonio Frezzatti Jr (UNIOESTE)

Ensino de Filosofia:

Altair Fávero (UPF)

Ana Miriam Wuensch (UnB)

Célia Machado Benvenho (UNIOESTE)

Ester Maria Dreher Heuser (UNIOESTE)

Filosofia da Mente:

Marcos Rodrigues da Silva (UEL)

Luiz Henrique Dutra (UFSC)

Metafísica:

Alberto Marcos Onate (UNIOESTE)

Alexandre Tadeu Guimarâes de Soares (UFU)

Clademir Luís Araldi (UFPel)

Claudinei Aparecido de Freitas da Silva (UNIOESTE)

César Augusto Battisti (UNIOESTE)

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Cristiano Perius (UEM)

Eder Soares Santos (UEL)

Eneias Junior Forlin (UNICAMP)

Erico Andrade Marques de Oliveira (UFPE)

Libanio Cardoso (UNIOESTE)

Luciano Carlos Utteich (UNIOESTE)

Marisa Carneiro de O. F. Donatelli (UESC)

Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens (UNIOESTE)

Filosofia Política:

Aylton Barbieri Durão (UFSC)

Carlo Gabriel Pancera (UFMG)

Cláudio Boeira Garcia (UNIJUÍ)

Delamar José Volpato Dutra (UFSC)

Jadir Antunes (UNIOESTE)

José Luiz Ames (UNIOESTE)

Luis Portela (UNIOESTE)

Marciano Adilio Spica (UNICENTRO)

Tarcílio Ciotta (UNIOESTE)

Rosalvo Schütz (UNIOESTE)

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SUMÁRIO

Apresentação..................................................................................................................................................9

Programação geral.......................................................................................................................................11

Programação comunicações......................................................................................................................14

Resumos......................................................................................................................................................27

Artigos completos.....................................................................................................................................165

Índice de autores dos resumos................................................................................................................571

Índice de autores dos artigos completos................................................................................................575

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APRESENTAÇÃO

O substantivo grego simpósium (συμπόσιον) tem sua origem no verbo simpinein (συμπίνειν),

formado pela junção dos vocábulos σύν (com) e πίνειν (beber). Simpósio significa, assim,

literalmente, juntar-se em grupo para beber. Simpósio pode significar, ainda, a ação de beber do

mesmo copo e da mesma fonte. Um simpósio, portanto, ocorre todas as vezes em que um grupo de

amigos se reúne para beber e conversar. Um simpósio de filosofia, deste modo, ocorre todas as

vezes em que um grupo de amigos, entre si e do saber, se reúne para beber e conversar sobre

temas filosóficos.

O mais famoso dos simpósios filosóficos é aquele retratado por Platão no diálogo chamado

Banquete, onde os convivas, liderados por Sócrates, bebem e discursam sobre os mais diversos

significados, poéticos e filosóficos, do termo amor (Eros). Neste Banquete, os amigos do

anfitrião e dramaturgo Agatão são convidados para beber, conversar e festejar sua vitória na

gincana poética da cidade de Atenas. Neste Banquete, os diversos convivas, então, tais como o

comediógrafo Aristófanes, o político Alcebíades e o filósofo Sócrates, entre outros, bebem,

festejam e conversam noite adentro sobre o eterno tema do amor.

Nosso Simpósio de Filosofia pretende continuar, ainda que em seus modestos limites e

condições e de maneira apenas aproximada, a velha tradição poética e filosófica inaugurada pelos

gregos de reunir os amigos do saber para beber e conversar sobre os mais diversos temas

filosóficos da modernidade e da contemporaneidade.

O Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE encontra-se em atividade

desde 1996, sendo promovido pela Graduação e pelo Mestrado em Filosofia da UNIOESTE.

Nosso simpósio já se encontra, portanto, plenamente consolidado dentro da comunidade

filosófica nacional, reunindo os mais eminentes pesquisadores da área, sejam eles estudantes da

graduação e da pós-graduação, professores da rede pública, mestres, doutores ou pós-doutores

das mais diversas universidades do país.

A consolidação de nosso simpósio pode ser observada pelos números e pela qualidade das

atividades desenvolvidas: O XIXº Simpósio teve cerca de 350 participantes, sendo 250 inscritos e

100 não inscritos. Para festejar conosco e conversar sobre filosofia estiveram aqui palestrantes e

participantes das mais diversas localidades da região sul do país. Da Região Oeste do Paraná

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estiveram presentes cidadãos das cidades de Toledo, Cascavel, Marechal Cândido Rondon e Foz

do Iguaçu; da Região Norte do Paraná estiveram os das cidades de Londrina e Maringá; da

Região Centro Oeste do Paraná estiveram os da cidade de Guarapuava; e do Estado do Rio

Grande do Sul estiveram presentes cidadãos das cidades de Santa Maria e Ijuí. Os palestrantes e

minicursistas brasileiros, em número de dez, vieram para festejar e dialogar das cidades de

Londrina, Maringá, Porto Alegre, Belém, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia. De Paris

e Pisa vieram nossos conferencistas estrangeiros. Neste 19º Simpósio foram apresentados 135

resumos, 100 trabalhos completos, 105 comunicações, 8 palestras e 12 minicursos, totalizando

370 trabalhos. O presente livro de Anais publica, desta amostra, ao redor de 50 trabalhos

completos e 110 resumos, entre simples e expandidos.

Em conformidade ao espírito festivo de trabalho e discussão, esperamos que a leitura

destes textos seja tão agradável e frutífera quanto foram a festa e a presença de todos os

participantes em nosso simpósio.

Jadir Antunes;

Roberto S. Kahlmeyer-Mertes,

Coordenadores do

XIX Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE

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PROGRAMAÇÃO GERAL

Terça-feira: 07/10/2014 08:30 – 09:30 Abertura 09:30 – 11:30 Conferência: Dra. Marie Gaille (Université Paris-Diderot – França): Saúde, corpo e usos do corpo: um lugar para a democracia. 14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas 19:00 – 20:45 Conferência: Dr. Ernani Chaves (UFPA): Nietzsche, Foucault e a Teoria Crítica (UFPA) 21:00 – 22:30 Conferência: Dr. Silvio Gallo (Unicamp): Michel Foucault e uma filosofia outra.

Quarta-feira: 08/10/2014

08:30 – 11:45 Minicursos: Críticas à Metafísica na Alemanha do Século XIX Grupo de Pesquisa em Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do Século XIX. Coordenador: Dr. Wilson Frezzatti Jr. (Unioeste). Ministrantes: Dr. Wagner Félix (UEM), Dr. Jadir Antunes (Unioeste) e Dr. Wilson Antonio Frezzatti Jr. (Unioeste). A racionalidade em três vieses Grupo de Pesquisa em Lógica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem. Coordenador: Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste). Ministrantes: Dr. Gelson Liston (UEL), Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste), Dr.ª Halina Macedo Leal (Unioeste). Direitos Humanos Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política. Coordenador: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste). Ministrantes: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste), Dra. Helena Esser dos Reis (UFG), Dra. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui (UEL). Fenomenologia Grupo de Pesquisa em História da Filosofia. Coordenador: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste). Ministrantes: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste), Dr. Claudinei Aparecido Silva (Unioeste) e Dr. Carlos Tourinho (UFF).

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14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas 19:00 – 20:45 Conferência: Dr. João Carlos Brum Torres (UCS).: A teoria kantiana dos conceitos . 21:00 – 22:30 Conferência: Dr. Mauro Castelo Branco de Moura (UFBA): Sobre a Riqueza Burguesa.

Quinta-feira: 09/10/2014

08:30 – 11:45 Minicursos: Críticas à Metafísica na Alemanha do Século XIX Grupo de Pesquisa em Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do Século XIX. Coordenador: Dr. Wilson Frezzatti Jr. (Unioeste). Ministrantes: Dr. Wagner Félix (UEM), Dr. Jadir Antunes (Unioeste) e Dr. Wilson Antonio Frezzatti Jr. (Unioeste). A racionalidade em três vieses Grupo de Pesquisa em Lógica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem. Coordenador: Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste). Ministrantes: Dr. Gelson Liston (UEL), Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste), Dr.ª Halina Macedo Leal (Unioeste). Direitos Humanos Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política. Coordenador: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste). Ministrantes: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste), Dra. Helena Esser dos Reis (UFG), Dra. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui (UEL). Fenomenologia. Grupo de Pesquisa em História da Filosofia. Coordenador: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste). Ministrantes: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste), Dr. Claudinei Aparecido Silva (Unioeste) e Dr. Carlos Tourinho (UFF). 14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas 19:00 – 20:45 Conferência: Dr. Carlos Tourinho(UFF): O lugar da experiência na fenomenologia de Husserl: de Prolegômenos à Ideias I. 21:00 – 22:30 Conferência: Dra. Helena Reis(UFG): Filosofia e Direitos Humanos.

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Sexta-feira: 10/10/2014 08:30 – 11:45 Minicursos: Críticas à Metafísica na Alemanha do Século XIX Grupo de Pesquisa em Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do Século XIX. Coordenador: Dr. Wilson Frezzatti Jr. (Unioeste). Ministrantes: Dr. Wagner Félix (UEM), Dr. Jadir Antunes (Unioeste) e Dr. Wilson Antonio Frezzatti Jr. (Unioeste). A racionalidade em três vieses Grupo de Pesquisa em Lógica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem. Coordenador: Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste). Ministrantes: Dr. Gelson Liston (UEL), Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste), Dr.ª Halina Macedo Leal (Unioeste). Direitos Humanos Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política. Coordenador: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste). Ministrantes: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste), Dra. Helena Esser dos Reis (UFG), Dra. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui (UEL). Fenomenologia. Grupo de Pesquisa em História da Filosofia. Coordenador: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste). Ministrantes: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste), Dr. Claudinei Aparecido Silva (Unioeste) e Dr. Carlos Tourinho (UFF). 14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas 19:00 – 20:45 Conferência: Dr. Stefano Busellato (Università degli Studi di Pisa – Itália). Nietzsche e as doenças. Local: Unioeste Campus de Toledo – Toledo, PR.

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PROGRAMAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES

07/Outubro: Terça-feira 13h30 Mesa “Platão” – Sala 06 Angélica de F. de Almeida Lara

UMA REFLEXÃO ACERCA DA BIVALÊNCIA DA AÇÃO JUSTA NO LIVRO II DA REPÚBLICA

Thayla Gevehr (mediadora)

HEIDEGGER E FRIEDLÄNDER: UMA DISCUSSÃO SOBRE A TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE ALÉTHEIA, NA FILOSOFIA PLATÔNICA

Poliana Tomazi Vieira Lopes AMOR: A MEDIDA DO SER?

Mesa “Marx” – Sala 01 Marco Aurélio Palu

O JOVEM MARX E A CRÍTICA ONTOLÓGICA DA POLÍTICA: ANÁLISE DOS ESCRITOS POLÍTICOS DE 1842 A 1844

Bruno Gonçalves da Paixão (mediador)

POLÍTICA EM MARX: VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA

Adriana Paula de Souza A QUESTÃO DO ESTADO NO 18 DE BRUMÁRIO

Matheus Bernardes Galieta / Matheus I. Silva França

MARX E O TRABALHO EXPLORADO

Viviane Bonfim Fernandes A ABSTRAÇÃO DO VALOR DE TROCA EM O CAPITAL, DE KARL MARX

Mesa “Descartes e a metafísica moderna” – Sala 08 Juliana Abuzaglo Elias Martins

O ASPECTO REPRESENTATIVO DA IDEIA EM DESCARTES

Isis Moraes Zanardi DEUS E O CONHECIMENTO DO MUNDO EXTERNO NO PENSAMENTO DE DESCARTES

João Antônio Ferrer Guimarães (mediador)

LEIBNIZ E A SUPERAÇÃO DA NOÇÃO CARTESIANA DE SUBSTÂNCIA

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Mesa “Problemas Filosofia da Ciência” – Sala 20 João Vitor de Oliveira Rego / Pedro Augusto Baleroni

LAKATOS: A CRÍTICA À PESQUISA CIENTÍFICA

Erickson dos Santos (mediador)

A COMUNIDADE CIENTÍFICA NAS CIÊNCIAS PURAS E APLICADAS

Mesa “Deleuze” – Sala 02 Leandro Nunes

UM ESBOÇO PARA UMA A IMANÊNCIA ABSOLUTA E UMA ÉTICA VITALISTA: DELEUZE ENTRE SPINOZA E NIETZSCHE

Sindy Mirian Leite DELEUZE, SPINOZA E UEXKÜLL: UM VITALISMO ÉTICO PELA VIA ETOLÓGICA

Anna Maria Lorenzoni (mediadora)

FILOSOFIA, ARTE E CIÊNCIA CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS A PARTIR DE DELEUZE E GUATTARI

07/Outubro: Terça-feira 15h30 Mesa “Filosofia Medieval / Maquiavel : amor e liberdade, da religião à política” – Sala 06 Valbert Luíz Cortarelli Júnior

A JUSTIFICAÇÃO COMO MEIO PARA LIBERDADE PARA SANTO AGOSTINHO

Douglas Meneghatti (mediador)

VONTADE E AMOR EM SANTO AGOSTINHO

Anderson Lucas dos Santos Pereira HUGO DE SÃO VÍTOR E O PROBLEMA DO AMOR DESINTERESSADO

Lairton Moacir Winter MAQUIAVEL: A LIBERDADE COMO EQUILÍBRIO DOS HUMORES ANTAGÔNICOS.

Mesa “Descartes / Galileu – a filosofia da ciência moderna e sua crítica” – Sala 08

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Renato Francisco Merli

A DISTINÇÃO DE CURVAS GEOMÉTRICAS E CURVAS MECÂNICAS EM DESCARTES E NOS GEÔMETRAS GREGOS

Luiz Antonio Brandt O DIÁLOGO E A DEFESA DA MOBILIDADE DA TERRA: AS CRÍTICAS GALILEANAS À COSMOLOGIA ARISTOTÉLICA

César Augusto Battisti (mediador)

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM DESCARTES: O CASO DA “GEOMETRIA”

Leandro Righi de Sousa MICHEL HENRY E A CRÍTICA AO REDUCIONISMO-GALILAICO

Mesa “Nietzsche 1” – Sala 17 Kelly Cristina Sherer

O MESTRE ANDARILHO EM NIETZSCHE

Maria Eduarda Pereira NIETZSCHE: A CRÍTICA A MORAL E A TRANSMUTAÇÃO DE VALORES

Roni Lenon da Silva (mediador)

TIPOS MORAIS

André Murilo Oliveira UMA VISÃO BASEADA NA VERDADEIRA LIBERDADE DA MORAL DE NIETZSCHE

Mesa “Foucault 1” – Sala 01 Lucas Silva Russo / Allan G. Vilas Boas Palomares

FOUCAULT: A ORDEM DO DISCURSO E O MÉTODO DOS SABERES

Matheus Avelaneda / Anderson Alieve MICHEL FOUCAULT: O DISPOSITIVO EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE SUBJETIVIDADE, SEXUALIDADE E BIOPOLÍTICA

Daniel Salésio Vandresen (mediador) A FILOSOFIA COMO PARRESÍA: UMA ÉTYMOS TÉKHNE (TÉCNICA AUTÊNTICA)

Mesa “Antropologia filosófica” – Sala 08 Alderberti Batista Prado (mediador)

DELINEAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA NATUREZA HUMANA EM DAVID HUME

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Jarbas Mauricio Gomes A CONCEPÇÃO DE NATUREZA HUMANA NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE GRAMSCI

Amilton Martins Oliveira / André Murilo Oliveira

UMA CONCEPÇÃO ANTROPOLÓGICA DE EVOLUÇÃO EM TEILHARD CHARDIN

"Deleuze, Simone de Beauvoir: questões de gênero e de sexualidade” – Sala 02 Luana Marques

SIMONE DE BEAUVOIR: UMA ANÁLISE EXISTENCIALISTA DA FÊMEA MULHER

Lucas Henrique Nunes Batista (mediador)

A TEORIA QUEER E A PRODUÇÃO DE UM CORPO SEM ÓRGÃOS

Tamara Havana dos Reis Pasqualatto DELEUZE EM DEFESA DE MASOCH: ELEMENTOS DA DISSOCIAÇÃO DA UNIDADE SADOMASOQUISTA

08/Outubro: Quarta-feira 13h30 Mesa “Ceticismo” – Sala 06 Henrique Zanelato (mediador)

CETICISMO PIRRÔNICO E AS MEDITAÇÕES DE DESCARTES

Charles Eriberto Wengrat Pichler O CETICISMO PIRRÔNICO NOS ARGUMENTOS DE MONTAIGNE CONTRA A RAZÃO

Mesa “Maquiavel” – Sala 10 José Luiz Ames (mediador)

OS VÁRIOS USOS DE LIBERDADE NA OBRA DE MAQUIAVEL

Gabriel Allan Drehmer Gonçalves LIBERDADE POLÍTICA NOS DISCORSI DE MAQUIAVEL

Douglas Antônio Fedel Zorzo LA MIGLIORE FORTEZZA CHE SIA, È NON ESSERE ODIATO DAL POPULO: A PERSPECTIVA POLÍTICA DA ANÁLISE MAQUIAVELIANA DAS FORTIFICAÇÕES

Alícia Beatriz Mallmann Piccinin OS PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM A CONQUISTA E A PERMANÊNCIA NO PODER NA CONCEPÇÃO DE NICCOLAU MAQUIAVEL

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Mesa “Hobbes / Espinosa” – Sala 08 Elizandra Bruno Sosa (mediadora)

LIBERDADE NO PENSAMENTO POLÍTICO DE THOMAS HOBBES

Yohana Silva Marques dos Santos A LINGUAGEM PARA A CONSTRUÇÃO DO ESTADO CIVIL EM HOBBES

Francieli Constantini LINGUAGUEM E POLÍTICA EM THOMAS HOBBES: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTATUTO DA LINGUAGEM

Juliane Cristina Helanski Cardoso O PODER CONSTITUINTE DA MULTIDÃO EM ESPINOSA

Mesa “Kant” – Sala 11 Gustavo Ellwanger Calovi

O SUMO BEM E A ANTINOMIA DA RAZÃO PRÁTICA

Luana Pagno A AUTONOMIA EM KANT, A FUNDAMENTAÇÃO MORAL E A AÇÃO EM SI

Solange de Moraes Dejeanne DOUTRINA PURA DA VIRTUDE E ANTROPOLOGIA MORAL EM KANT

Dean Fábio Gomes Veiga / Rejane Veissid

KANT E OS POSTULADOS DA RAZÃO PRÁTICA

Jaime José Rauber (mediador) KANT E A FUNDAMENTAÇÃO DE DEVERES MORAIS A PRIORI

Mesa “Schopenhauer / Schelling” – Sala 30 Josieli Aparecida Opalchuka

A FELICIDADE ENQUANTO INTERRUPÇÃO DA DOR - UMA APROXIMAÇÃO ENTRE ARISTÓTELES E SCHOPENHAUER

Márcia Elaini Luft A CONCEPÇÃO DE “FELICIDADE” PARA SCHOPENHAUER

Angela Maria da Silva (mediadora)

SCHOPENHAUER E AS SUAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONHECIMENTO HUMANO

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Ademir Menin SCHOPENHAUER E A HIERARQUIA DAS BELAS ARTES

Kayenne Cristine Ferigotti Santos Vosgerau

A INTUIÇÃO INTELECTUAL EM SCHELLING: A TENTATIVA DE MEDIAÇÃO ENTRE O DOGMATISMO E O CRITICISMO

08/Outubro: Quarta-feira 15h30 Mesa “Filosofia da Mente” – Sala 30 Bruno Fernandes de Oliveira (mediador)

MENTE E EXTERNISMO SEMÂNTICO NA FILOSOFIA DE PUTNAM

Carlos Ferreira SOBRE VALORES E NORMAS: SONDAGENS A PARTIR DO DIÁLOGO HABERMAS-PUTNAM

Carlos Roberto Bueno Ferreira CAN MORALITY BE BASED ON BIOLOGY? A NEUROECONOMIC MODEL ON OXYTOCIN

Lucas Mateus Dalsotto É A TEORIA DO SENTIMENTALISMO CONSTRUTIVO DE JESSE PRINZ DE FATO CONSTRUTIVISTA?

Mesa “Ética contemporânea” – Sala 31 Marilda Pereira dos Santos (mediadora)

JOHN RAWLS: PRINCÍPIOS MORAIS PARA A ESTRUTURA BÁSICA DE UMA SOCIEDADE JUSTA

Daniele Bet JUSTIÇA COMO EQUIDADE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS IDEIAS DE JOHN RAWLS

Bruno Martinez Portela NORMATIVIDADE E MORAL NATURALIZADA

Mesa “Foucault 2” – Sala 11

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Carla Musa Latsch Cherem RELAÇÕES DE PODER, SOBERANIA E GOVERNAMENTALIDADE EM MICHEL FOUCAULT

Gilson Arend - Vania Sandeleia Vaz da Silva

A MULTIDÃO DE ESPINOSA E A PRIMAZIA DA RESISTÊNCIA DE FOUCAULT E DELEUZE NA TESE DE NEGRI E COCCO EM “GLOB(AL): BIOPODER E LUTA EM UMA AMÉRICA LATINA GLOBALIZADA”.

Anderssieli Irion Boschetti (mediadora)

CONCEPÇÃO MORAL DA LOUCURA EM MICHEL FOUCAULT

Mesa “Nietzsche 2” – Sala 16 Adelson Cheibel Simões

NIETZSCHE E A FILOSOFIA: NIILISMO E MUNDO DA VIDA

Anna Cecilia Amaral Branco da Silva A VONTADE DE PODER EM NIETZSCHE COMO ÍMPETO POR REALIZAÇÃO

Neomar Sandro Mignoni (mediador)

O FIM DO MAIS LONGO ERRO: NIETZSCHE E A FILOSOFIA DO MEIO DIA

Mesa “Filosofia da Educação 1” – Sala 10 Dayanne Vicentini (mediadora)

EDUCAÇÃO CRÍTICA E DIREITOS HUMANOS

Nilva Aparecida F. da Silva - Hélio Clemente Fernandes

O ENSINO DA FILOSOFIA, A EJA E A ESCOLA JOAQUINA MATTOS – CEEBJA/CASCAVEL, PR

Giovanna Takata Liberatti A PROPOSTA DIALÓGICA DE PAULO FREIRE NO AMBIENTE HOSPITALAR: A INCLUSÃO DA CRIANÇA HOSPITALIZADA

Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo A SOCIEDADE CHINESA E O DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

09/Outubro: Quinta-feira 13h30 Mesa “Escola de Frankfurt 1” – Sala 10 Vinícius Bogdan Orlandi

AS FONTES DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN

Luís Fernando Jacques (mediador)

RACIONALIDADE CRÍTICA E RACIONALIDADE TECNOLÓGICA: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A

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TECNOLOGIA NA SOCIEDADE CAPITALISTA A PARTIR DO PENSAMENTO DE MARCUSE

Gerson Lucas Padilha de Lima / Marcelo Barbosa

ANÁLISE DO NOVO PRINCÍPIO DE REALIDADE E DO LUGAR SOCIAL DA NEGAÇÃO EM HERBERT MARCUSE

Cleberson Odair Leonhardt UMA BASE BIOLÓGICA PARA A EMANCIPAÇÃO

Mesa “Problemas gerais de Ética” – Sala 11 João Willian Stakonski

A IMPOSSIBILIDADE DA FELICIDADE PLENA NA TESE DE MICHEL HENRY

Josete Rockenbach A RELEVÂNCIA DA NOVIDADE E DA ALEGRIA PARA A ECONOMIA, A RELIGIÃO E A POLÍTICA

Rafael de Barros (mediador)

CRISE DE IDENTIDADE E CORROSÃO DO CARÁTER

Mesa “Husserl e Heidegger: mundo-da-vida, ciência e técnica” – Sala 06 Devair Gonçalves Sanchez (mediador)

DA CRISE DAS CIÊNCIAS AO MUNDO-DA-VIDA: O ÚLTIMO HUSSERL

Felipe Ricardo Deuter Becker SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA EM HEIDEGGER

Silvio Alves HEIDEGGER E O PROBLEMA DA ARTICULAÇÃO ENTRE A TÉCNICA E O PODER

Mesa “Problemas contemporâneos” – Sala 20 Lucas Eduardo Gaspar (mediador)

CIDADE EM QUESTÃO: DEBATES ACADÊMICOS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DAS CIDADES E DE QUESTÕES URBANAS

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Paulo Alves de Oliveira O MARCO CIVIL DA INTERNET E A TENTATIVA DO ESTADO DE ADESTRAMENTO DO CIBERESPAÇO NO BRASIL

Adriano Marcelo Thiel COMUNICAÇÃO E MÍDIA SOB UM OLHAR BERKELEYANO

09/Outubro: Quinta-feira 15h30 Mesa “Escola de Frankfurt 2” – Sala 10 Rosalvo Schütz (mediador)

ENTRE ADAPTAÇÃO E EMANCIPÇÃO: O DESAFIO DA EDUCAÇÃO SEGUNDO T. ADORNO

Michele Borges Heldt DIALÉTICA NEGATIVA: DA INSUFICIÊNCIA À POSSIBILIDADE

Rafael Adilson Ribeiro O CONCEITO DE HOMEM EM ERICH FROMM

Mesa “Filosofia e Literatura” – Sala 11 José Luiz Giombelli Mariani (mediador)

O ALÉM-DO-HOMEM DE NIETZSCHE NA OBRA CRIME E CASTIGO DE DOSTOIÉVSKI

Toani Caroline Reinehr O HOMEM É UM ANIMAL QUE SORRI: O FENÔMENO DO RISO NA OBRA DE ARTE LITERÁRIA

Thiago Ossucci Santello A CONSTRUÇÃO DO OUTRO: O ÁRABE EM FRANZ KAFKA

Mesa “Filosofia e Arte: As políticas da arte” – Sala 20 Ulisses Santo do Nascimento (mediador)

A MANIPULAÇÃO DA ARTE PELO DISCURSO

Marlon José Alves dos Anjos STATUS ARTE NA FALSIFICAÇÃO DE OBRAS

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Vera Vilma Fernandes Leite MALANDRO OU MARGINAL? BATALHA SIMBÓLICA EM CIDADE DE DEUS

Mesa “Heidegger e Sartre: questões” – Sala 31 Luana Borges Giacomini

DA CONCEPÇÃO DE VERDADE NA ONTOLOGIA FUNDAMENTAL DE HEIDEGGER

Marli Batista Basseto A OBRA DE ARTE E O BELO COMO UM PROBLEMA DA ESTÉTICA FENOMENOLÓGICA

Maria Lucivane de Oliveira Morais O ESPAÇO DESCRITO PELA FENOMENOLOGIA DE HEIDEGGER

Guilherme Gonçalves Ribeiro O CARÁTER ONTOLÓGICO DOS CONCEITOS DE “NÁUSEA”, EM SARTRE, E DE “ANGÚSTIA”, EM HEIDEGGER

Cristiane Picinini (mediadora)

A MORALIDADE NO CONCEITO DE MÁ-FÉ EM JEAN-PAUL SARTRE

10/Outubro: Sexta-feira 13h30 Mesa “Kierkegaard” – Sala 06 Juan Manuel Terenzi

A VIA CRUCIS DA CONSCIÊNCIA, EM HEGEL

Christiano Tortato FILOSOFIA, ONTOLOGIA E DIALÉTICA A PARTIR DE EXCERTOS DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA, DE HEGEL

Rômulo Gomes A EXISTÊNCIA HUMANA SEGUNDO SÖREN KIERKEGAARD

Cleyton Francisco Oliveira Araújo (mediador)

O CONCEITO DE ANGÚSTIA EM KIEKEGAARD E O IDEALISMO ALEMÃO

Samuel Schaia REFLEXÃO SOBRE PROJETO DE VIDA EM SÖREN AABYE KIERKEGAARD

Mesa “Bergson/Marcel” – Sala 11 Adeilson Lobato Vilhena

INTUIÇÃO – UMA VIA AO CONHECIMENTO DO REAL: PROPOSTA BERGSONIANA AOS PROBLEMAS METODOLÓGICOS DA FILOSOFIA

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Eleandro Lopes Depieri A PRIORIDADE DO TEMPO EM RELAÇÃO AO ESPAÇO NO PENSAMENTO DE BERGSON

Nadimir Silveira de Quadros (mediador)

A EXIGÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA EM GABRIEL MARCEL

Mesa “Hermenêutica” – Sala 08 Hubert Milanês Pessoa (mediador)

POR UMA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

Odair Salazar da Silva A METÁFORA ENTRE O SENTIDO E A REFERÊNCIA: UMA ABORDAGEM RICOEURIANA APLICADA AO DISCURSO LITERÁRIO

Vilson Joselito Schütz COMPREENSÃO E LINGUAGEM À LUZ DO PENSAMENTO DE HANS-GEORG GADAMER

Mesa “Problemas recentes em Filosofia Política” – Sala 20 Mariana de Macêdo Seixas - Tamires Dias dos Santos

A EXPERIÊNCIA DA BARBÁRIE COMO POSSIBILIDADE DA BILDUNG NA CONTEMPORANEIDADE

Ricardo Corrêa (mediador)

O HOMEM DEMOCRÁTICO E O RISCO DO DESPOTISMO DEMOCRÁTICO SEGUNDO ALEXIS DE TOCQUEVILLE

Leandro Mateus Fernandes DECLÍNIO, PERDA DA AUTORIDADE E ASCENSÃO DO TOTALITARISMO EM HANNAH ARENDT

Mesa “Filosofia da Psicologia” – Sala 10 Letícia Nunes Goulart

A TENDÊNCIA OCULTA NA PSICANÁLISE

Alexandre Moschen Ortigara A RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA POR MEIO DO DOMÍNIO DO SABER

Maurício Smiderle A CIVILIZAÇÃO COMO FONTE DE DESPRAZER SEGUNDO FREUD

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Rodrigo Cavalheiro de Lima DA IMPOSSIBILIDADE DE UMA PSICOLOGIA SEM ALMA

Maiara Graziella Nardi (mediadora)

A CRISE DO SUJEITO NO SÉCULO XIX-XX E O NASCIMENTO DE UMA PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTÊNCIAL

10/Outubro: Sexta-feira 15h30 Mesa “Heidegger” – Sala 06 Caroline Marangoni

A HERMENÊUTICA DA FACTICIDADE E A DESCONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO ONTOLÓGICA SEGUNDO HEIDEGGER

Katyana Martins Weyh O ENSINO DE FILOSOFIA E O ATO DE FILOSOFAR SEGUNDO MARTIN HEIDEGGER

Roberto S. Kahlmeyer-Mertens (mediador)

PODE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HEIDEGGER CONTRIBUIR À HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO?

Mesa “Filosofia do Direito: discussões” – Sala 08 Douglas Maranhão Marques

DIFICULDADES CONTRAMAJORITÁRIAS: JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGITIMIDADE DO DIREITO EM HABERMAS

Kátia R. Salomão / Cezar A. Lazzarotto A LEGITIMIDADE DO DIREITO EM FACE DA LEGITMIDADE DA LEGALIDADE, EM HABERMAS

João Guilherme Alvares de Farias (mediador)

FILOSOFIA E DIREITO: A CONTRIBUIÇÃO DE E. PACHUKANIS PARA A CRÍTICA MARXISTA DO DIREITO

Mesa “Rousseau” – Sala 11 Luana Aparecida de Oliveira

APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO ROUSSEAUNIANO DE AMOR-PRÓPRIO

Luis Carlos Goetz (mediador)

ESTADO E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE ROUSSEAU

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Alexandre José Krul A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA, NO EMÍLIO DE ROUSSEAU

Christian Lindberg L. do Nascimento CIÊNCIA E RELIGIÃO NOS ESCRITOS EDUCATIVOS DE JOHN LOCKE

Mesa “Filosofia da Educação 2” – Sala 10 Roselene Aparecida Moreira

DISCUSSÕES ÉTICAS NOS ESPAÇOS ESCOLARES

Valéria Mazzer Tortelli EDUCAÇÃO BANCÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA SOCIEDADE: DEMOCRACIA O REFLEXO NA CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE

Angelina Cortelazzi Bolzam - Renato Bellotti Senicato

“OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO” DE EDGAR MORIN: UMA TEORIA DO CONHECIMENTO

José Carlos Mendonça WITTGENSTEIN, SUA FILOSOFIA E SEU ‘ENSINO’: DESAFIOS À PRÁTICA FILOSÓFICA DO PROFESSOR-FILÓSOFO NA CONTEMPORANEIDADE

Cristiane R. Xavier Candido (mediadora)

ANÁLISE DA ESCOLA E SEU PAPEL SOCIAL PELA ÓTICA DO CONCEITO DE “DESCONSTRUÇÃO” EM JACQUES DERRIDA

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RESUMOS*

* A redação e a revisão finais dos textos são de responsabilidade dos próprios autores.

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NIETZSCHE E A FILOSOFIA: NIILISMO E MUNDO DA VIDA

Adelson Cheibel Simões

Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

[email protected]

Palavras-chave: Niilismo; consciência; amor fati; mundo sensível; mundo ideal

Diferentemente de Kant e tantos outros filósofos, não encontramos em Nietzsche uma separação

detalhadas de assuntos, como é o caso da ética, da moral, etc. Em Nietzsche encontramos um

emaranhado de conceitos sobre os quais precisamos transitar. Nosso autor está convencido de

que a consciência é como que uma mistura de tudo, sentimentos, desejos de todos os tipos.

Fazendo uma comparação um tanto forçada podemos dizer que é como se existisse um mar onde

um navio equipado com um farol navega e a cada instante da viagem um ponto desse mar é

iluminado pelo farol em movimento. Constatamos então que tudo aquilo que vem à nossa

consciência é um recorte insignificante de um todo, a velha metáfora do iceberg. Isto, porém não

significa que a medida que uma coisa venha à consciência as demais foram esquecidas. Significa

apenas que naquele momento elas não estão ‘sendo iluminadas’. Portanto de maneira muito

básica podemos dizer que a consciência para Nietzsche é uma espécie de recorte casual da psique.

Entretanto, a grande questão que nos cabe fazer é: quem movimenta o farol? Se formos averiguar

veremos que no entender de Nietzsche não é o ‘Eu’, porque este ‘Eu’ é a consciência, e, portanto

o ‘Eu’ não poderia ser a água iluminada e o faroleiro ao mesmo tempo. Sendo assim, podemos

dizer que quem movimenta o farol é a ‘Vontade de potência’, Energia vital’ chamada por

Nietzsche de essência. Em resumo isto significa dizer que para Nietzsche o que ocorre na psique

tem muito a ver com aquilo que se sente, que por sua vez tem a ver com as oscilações de

potência. Portanto não há um ‘Eu’ consciente que controla o farol, no exemplo citado, pelo

contrario, o eu consciente é o resultado da iluminação do farol que por sua vez é inconsciente.

Isto quer dizer que não sou Eu (sujeito) que controlo o que se passa na minha cabeça. Usando a

afirmação freudiana poderíamos dizer: “você não é senhor em sua própria casa” (FREUD, 1976,

p. 178). Outro aspecto importante e que não deve passar despercebido quando tratamos de

Nietzsche é a sua forma de escrita, e isto tem muito a ver com a sua teoria. Nietzsche não esta

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preocupado com uma ordem de pensamento. Ele escreve exatamente da maneira como as coisas

surgem à sua cabeça, portanto contrario à forma q fomos ensinados. Os passos da aula de

redação são um exemplo claro do que estamos falando. Entretanto, isto é muito diferente daquilo

que Nietzsche faz. Ele mesmo afirma que o que ele escreve não tem nenhuma pretensão de ser

uma verdade suprema. Esta, portanto é a razão pela sua forma de escrita. Logo podemos ultimar

daí uma coerência muito clara entre seus escritos filosóficos e a maneira como eles são

estruturados. O termo niilismo é utilizado por Nietzsche em todas as suas obras, e é

imprescindível que se tenha domínio deste conceito para tentar compreender o autor.

Notadamente o conceito ‘niilismo’ é tomado quase que de forma contraria de seu significado

verdadeiro. No senso comum, este conceito se equivaleria a uma forma de lavar a vida sem

valores superiores, uma forma de conduzir a vida desamarrada de princípios transcendentes. Em

termos poéticos, “deixa a vida me levar...” é uma definição sugestiva. Portanto, uma forma de

levar a vida sem se pautar por qualquer valor superior. O niilismo no sentido comum é isto,

deixar a vida ir de maneira qualquer. Isto, porém, não é o niilismo nietzschiano. Existe outra

forma de niilismo que é bem distinta desta formulada anteriormente. Isto é, independente do que

aconteça existem alguns princípios sobre os quais nos apoiamos para conduzir a nossa vida. Para

Nietzsche, o niilista é justamente aquele que pauta sua vida por valores. Niilista é aquele que tem

principio e pauta a vida por eles, o cristão, o socialista etc. Portanto todo aquele que pauta a sua

vida em algum valor. Não obstante, se o cristão é um niilista e ele tem valores, o que ele nega?

Ele nega o ‘mundo da vida’. O que Nietzsche está afirmando é que pelo fato de se acreditar em

valores absolutos, nega-se o mundo das sensações, dos desejos, etc. Isto é, por se acreditar em

ideais, em valores superiores e absolutos nega-se o mundo daquilo que acontece o mudo do

encontro com a matéria, o mundo dos corpos. Isto se traduz na conhecida frase Nietzschiana,

“Em nome do céu nega-se a terra, em nome de valores absolutos e superiores nega-se os tezões”.

É necessário lembrar que esta critica ao niilismo não é endereçada a opinião comum das pessoas.

Ela é endereçada às posturas filosóficas. E, portanto, a primeira postura é a de Platão. Este é o

primeiro grande niilista com o qual podemos começar segundo Nietzsche é Platão. Platão fala de

mundo sensível e mundo inteligível no qual este último é pautado por verdades, e ideias absolutas

etc., enquanto que o primeiro é pautado pela ilusão. Entretanto o questionamento é: E o que eu

vejo com meus olhos, é uma ilusão? Isto é o que vem nos ensinar a alegoria da caverna. Por esta

razão Platão é o primeiro niilista no entendimento nietzschiano. Ele nega a matéria em prol do

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imaterial. Ele nega o sensível em prol do mundo inteligível. Esta critica do niilismo de Platão na

obra O Crepúsculo dos Ídolos, no capitulo intitulado Sócrates (Cf. 2009, p. 8s). O segundo exemplo

de niilismo apontado por Nietzsche é o pensamento aristotélico, porém, aqui ele aparece de

forma mais sutil. Para Aristóteles a grande referência é o Cosmos. E a dúvida é saber se cosmo e

mundo não são a mesma coisa. Para Nietzsche não. Para ele, o cosmo é certa ideia do mundo,

ordenado, harmonizado etc., onde o sujeito para ser feliz precisa encontrar-se dentro dele e em

harmonia para ser feliz. E para encontra-se em harmonia com o cosmos é necessário encontrar-

se dentro dele justamente no lugar onde justamente, só aquele sujeito poderia estar. Logo, assim

como no modelo de Platão, este é mais um modelo que escraviza a vida. O sujeito se torna refém

no caso de Platão, de um modelo que escravizava a vida a partir da ideia de existência de um

mundo das ideias e no caso de Aristóteles de um modelo que escraviza a vida a partir da ideia de

cosmo ordenado. Em termos corriqueiros isto significa dizer que o sujeito é obrigado a agir de

acordo com o universo e desempenhar exatamente o papel que nasceu para desempenhar, do

contrario ele não será feliz. No modelo aristotélico cada um tem um papel a desempenhar no

cosmo e tudo estará em ordem quando cada um encontrar o seu lugar. Terceiro exemplo de

niilismo são os monoteísmos. Especificamente Deus. Deus está fora daqui e ele criou o mundo.

Não obstante, além do mundo em que vivemos existe o mundo das almas, o qual várias

denominações são possíveis, céu, paraíso, eternidade, etc. E novamente se percebe que a vida

mais adequada é a que busca a eternidade. E outra vez se escraviza a vida em nome de uma

eternidade. A crítica nietzschiana neste sentido é que em nome de um céu, se blasfema contra a

terra, em nome de um paraíso se blasfema contra as pulsões. Neste sentido, afirma Nietzsche, os

homens inventaram um ideal para negar o real, este é o entendimento de Nietzsche. Além disso,

Nietzsche trabalha com um conceito intitulado Amor Fati, que nada mais é do que uma proposta

de amor pelo mundo da forma como o mundo é. Não se trata de tolerar o mundo, mas de amá-lo

da forma como ele se nos apresenta sem adicionar nem excluir nada. Isto por que se formos amar

excluindo algo ou alguém acabaríamos voltando para estrutura de pensamento criticada por

Nietzsche anteriormente. A partir deste conceito de Amor fati Nietzsche fala de dois momentos.

De um lado o momento estóico de amor pelo mundo como ele é. De outro, ele fala dos

pensadores que propõe a transformação do mundo onde Marx é o seu expoente maior. A

conclusão é que é possível dar razão os dois, desde que não haja extremismos. Contudo se o

impasse continuar sem solução, os revolucionários querendo revolucionar tudo e alguém como

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Nietzsche querendo que se ame tudo, a solução mais provável seria, ame o que te faz bem e

transforme o que não faz ou não está bem. Ainda um conceito mais é o de Genealogia onde

Nietzsche fala do inconsciente. Para ele o pensamento é algo do corpo e que ao mesmo tempo

transcende a ele. É portando a ideia de que existe uma força pensante que escapa da decisão do

individuo e que ele não controla, que é o consciente. A consciência, portanto é a parte mais

ínfima e inútil de tudo aquilo que o sujeito pensa. Assim, quando Nietzsche fala em genealogia o

que realmente interessa à ele é, qual o motivo do pensamento pensado? Ou de outro modo, de

onde veio o pensamento que brotou em você? Quais são as forças que o fizeram brotar? A isso

ele chama de genealogia, a origem do pensamento. Quanto as distintas formas de interpretação

do pensamento a partir de Marx e Freud e Nietzsche, posteriormente chamados mestres da

suspeita, existem alguns esclarecimentos a serem feitos. A diferença entre Marx, Freud é que

quando o individuo no divã e começa a falar, o freudismo tem a pretensão de estabelece sobre

este discurso uma espécie de verdade, a chamada verdade do inconsciente. O psicólogo constrói

uma gramática a partir do dito. Neste sentido o ato da psicanálise é uma forma de construção de

verdades sobre o inconsciente daqueles que se submetem à análise. De forma parecida é no

marxismo, onde existe uma convicção de que a sociologia identificará verdades sobre aquilo que

passa pela cabeça das pessoas enquanto ideologia. Então, quando Marx e Freud analisam o

discurso de alguém eles analisam na posição de cientista, na posição daquele que sabe em relação

a alguém que não sabe. Na visão de Nietzsche, é um pouco diferente e mais sofisticado também.

Para ele, quanto se analisa um discurso, a interpretação deste discurso é também interpretável e a

interpretação desta interpretação também é interpretável e isto vai ao infinito. Para Nietzsche

quando o analista faz uma interpretação, esta nada mais é do que o resultado de suas forças vitais

e, portanto pode ser interpretado por outro, que quando for interpretar vai falar a partir de suas

forças vitais e assim sucessivamente ao infinito. Isto é o que Nietzsche chama em A gaia ciencia de

“nosso novo infinito”. O “novo infinito” é o fato de que quando falamos sobre o mundo, o que

nós falamos não é uma análise objetiva, mas sim aquilo que as nossas forças vitais e seus estados

determinaram. E, portanto quando Nietzsche escreve sua obra, ele não diz que ela é a verdade

sobre o mundo e sim que toda esta teoria é, a manifestação das “minhas forças vitais” diz

Nietzsche.

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A QUESTÃO DO ESTADO NO 18 DE BRUMÁRIO DE LOUIS BONAPARTE –

UMA PERSPECITIVA MARXIANA EM RELAÇÃO AO PROCESSO

REVOLUCIONÁRIO FRANCÊS

Adriana Paula de Souza

Universidade Estadual de Maringá - UEM

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Robespierre de Oliveira

Palavras-chave: Proletário; burguesia; revolução

Entre as obras de Marx, é em “O 18 de Brumário de Louis Bonaparte” que o conceito de Estado

aparece de modo mais significativo. Marx, na obra, observa os fatores que desencadeiam a

movimentação da história política na França no século XIX (do período das revoluções de 1848

até o golpe de Luís Bonaparte) através nos quais a problemática teórica do estado é pensada em

um cenário composto por lados partidários, pela luta de classes entre dominantes e dominados,

personagens históricos e políticos. O livro apresenta-se de forma metafórica, analisando em

etapas cronológicas cada ação em particular, seja de uma classe, de outra, ou de um individuo em

prol da mesma. O projeto de pesquisa tem como objetivo estudar esse percurso extraindo os

conceitos políticos de Marx.

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COMUNICAÇÃO E MÍDIA SOB UM OLHAR BERKELEYANO

Adriano Marcelo Thiel

SEED/PR

[email protected]

Palavras-chave: Empirismo; publicidade; fama

A mídia é pensada já há tempos pela Filosofia. A Teoria Crítica, por exemplo, pensa nela,

associando-a a Cultura de Massas, como, inclusive, uma forma política de dominação por meio da

propagação de ideologias dominantes, sobretudo observado nos modelos totalitaristas do Século

XX. Entretanto, vamos pensar a mídia partindo de uma ótica expositiva: a comunicação tende a

expor alguns elementos ao máximo, em detrimento a outros elementos ou acontecimentos. O

papel da mídia, por sua natureza, é a comunicação, a exposição de acontecimentos, eventos e

informações. Mas o que transmitir, e com que ênfase? Os acontecimentos considerados

relevantes, como uma tragédia ou um evento esportivo, por exemplo, possuem cobertura intensa,

com flashes ao vivo dados pela televisão e rádio, atualizações imediatas nos portais virtuais e a

mídia impressa, que cada vez tem menos alcance, faz edições especiais sobre esses assuntos. É só

observarmos o que ocorreu com a Copa do Mundo ou acidente que vitimou o candidato à

presidência Eduardo Campos: quase não se via em outros temas nas manchetes e nos noticiários

de algumas emissoras. Antes das reflexões mais profundas e filosóficas, queremos destacar que,

acima da cobertura, há um excesso de informações, que muitas vezes nada contribuem para o

conhecimento sobre a notícia. Questões que são irrelevantes, como a cor de uma chuteira ou o

que foi dito por último por tal pessoa antes de um acontecimento, por exemplo, são notícias que

acompanham a grande mídia. Podemos nos perguntar o que leva a tal cobertura com a atenção

exacerbada, ou a quem é importante que essas informações sejam repassadas à população. Ou

ainda, podemos pensar nas ações políticas que são feitas na medida em que a população está

“ocupada” com outros assuntos, ou ainda os acontecimentos que ficam “na sombra” enquanto

outro rouba a cena. Sobre a questão política, cito um evento bem prático: uma convocação

extraordinária por parte da base governista da Câmara de Vereadores da minha cidade, Nova

Santa Rosa, que, no dia da semi-final da Copa do Mundo, chamou os edis para votar algo “em

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regime de urgência”: uma parceria de trinta anos, que teve cerca de quinze minutos de discussão e

nenhum destaque nos meios de comunicações, parceria esta que beneficia a prefeitura1.

Entretanto a nossa reflexão não se aterá a esses pontos de interesses políticos ou ideológicos. Se a

comunicação relevante e séria faz isso, ou seja, expõem excessivamente algumas coisas, o que

dizer daquele tipo de mídia que se associa à fofoca, à vida das ditas celebridades? Para esse tipo

de noticiário, as ações mais irrelevantes e insignificantes devem ser expostas, replicadas a todo o

custo. “Quem andou em tal lugar?”, “Quem está ‘pegando’ quem?”, “Quem estava em tal festa?”,

enfim, perguntas como estas parecem servir de base para muitos programas televisivos, folhas ou

colunas “sociais” de jornais e revistas, e mais uma vez podemos observar a exposição exagerada.

Poderíamos nos perguntar sobre o público que esses espaços possuem, pois se não houvesse

quem assistisse isso, não haveria patrocínio e por lógica, não haveria esses tipos de comunicação.

Mas essa e outras perguntas nós também deixaremos de lado por enquanto, e tentaremos

responde-la em um outro momento. Foquemos nos motivos pelos quais alguns “famosos”

tentam tanto se expor e como a mídia usa isso muito bem a seu favor, ou seja, como ela faz com

as coisas sejam mostradas, expostas e como a fama está associada ao trabalho dos meios de

comunicação. É aí que podemos associar a mídia, sobretudo à mídia que foca nos famosos, na

fofoca ou nas curiosidades irrelevantes, sob uma perspectiva berkeleyana. George Berkeley,

pensador e bispo irlandês nascido em 1685 e falecido em 1753, nos oferece como expressão

máxima de sua doutrina filosófica, empirista e imaterial, a frase “ser é ser percebido ou perceber”,

ou em latim “esse est percibi o percibere”. Por isso, sua doutrina é dita como imaterialista, pois não há

a matéria objetiva das coisas e somente a percepção destes seres. Como as percepções somente

são decifradas na mente, virando assim idéias, existindo então só há idéias das coisas e mentes –

para quem as idéias são percebidas. E é na primeira parte dessa máxima, a saber, ser percebido,

que podemos usar de base para se pensar a maior parte das atividades e exposições da

comunicação e a mídia. Para a mídia contemporânea, e por conseqüente, para a sociedade atual,

que pode ser chamada de uma sociedade midiática, pois tudo deve ser exposto na mídia para

existir, só existe aquilo que é exposto, e bastante exposto, principalmente. A comunicação faz

com que alguns elementos sejam percebidos. Por isso mesmo eles são expostos repetidamente.

1 A parceria em questão é sobre o fornecimento de água à população, ou seja, SANEPAR e Municipalidade. Até aí, tudo em ordem, se não fosse por alguns detalhes: o município cedeu à companhia o direito de desapropriar redes particulares e comunitárias, desde que a SANEPAR julgue pertinente. Outros pontos do acordo também foram duramente criticados posteriormente pela população.

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Algumas notícias são tratadas por diversos ângulos no mesmo telejornal, por exemplo,

afirmando-se cada vez mais a necessidade de que o povo a perceba. Seja por meios de manchetes,

gerenciadores de caracteres ou por referências em outros programas, no caso da televisão, seja

por vários link’s na internet, popup’s ou outros recurso: o fundamental é que as pessoas

percebam, notem, e se possível, comentem, repliquem enfim, espalhem o que estão percebendo.

A parte de ser republicado pode ser observado nos hashtag, que, quando usado, faz referencia à

algo que as pessoas querem que seja exposto e pesquisado pelos demais. Esse uso ocorre

principalmente nas redes sociais, onde há a possibilidade de pesquisa, tomando por base as

cerquilhas ou jogos-da-velha; #Berkeley, por exemplo. Temos aí um exemplo forte de percepção e

reprodução daquilo que queremos que os outros percebam sobre nós. Isso é influência pela

mídia, naturalmente. Para Berkeley, como comentamos acima, a única coisa que realmente existe

é idéia dos seres, e não sua matéria. E isso também é associável à mídia. Para ela, só existe o que é

exposto, o que aparece e tem destaque. Os elementos que não ganham destaque e espaço na

comunicação simplesmente não existem. Não é dada atenção àquilo que não importa à mídia e a

comunicação, ou seja, não existe. A família de alguém que ganha destaque ou que sofreu um

golpe, ou as ações ilegais realizadas por alguém que teve um grande feito: isso não merece

destaque, a não ser que hajam outros elementos que fazem com que aquilo seja relevante, como

curiosidades ou a possibilidade de uma cobertura maior ainda. Na teoria berkeleyana, a mente é o

único lugar onde as coisas existem, pois em última analise, é a mente quem percebe, já que os

sentidos são compreendidos pela mente. Já para a mídia, é somente nela que as coisas aparecem,

mesmo que ela possa usar o que foi apresentado em outro espaço midiático: não é raro a

televisão se referindo ao que aparece nos jornais ou revistas, e o oposto também é comum. Mas

fora da mídia e da comunicação, muitas coisas não existem, não passam de um acontecimento

comum, irrelevante ou ainda corriqueiro. Como só existe aquilo que ela faz perceber e percebe, é

a mídia que se coloca como a “mente” e como “corpo”, fazendo a ligação entre o que ela percebe

e o que ela quer que a sociedade perceba. É ela que identifica algum acontecimento como

relevante. Ou seja, as coisas primeiramente existem para ela. Após ela perceber, é ela quem

expõem, ou seja, faz com que as coisas sejam percebidas pela sociedade. É esse trabalho que

evidencia a forma como a comunicação consolida o que ocorre e o que não existe. É ele que faz

as coisas ocorrem. Sobre esse sentido, podemos pensar no uso da mídia para fins

políticos/eleitoreiros/partidários. Muitos são os candidatos que só passaram a existir por que

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ganharam destaque midiático, ou por que estavam ‘em destaque’ na mídia e na comunicação. Ou

ainda, as várias ocasiões em que a televisão, ou o rádio em localidade menores, oferece a

cobertura de alguma coisa somente para beneficiar ou prejudicar a equipe administrativa. Além

do impacto instantâneo, esses materiais, muitas vezes são utilizados em momentos posteriores de

campanhas eleitorais. Ainda sobre as campanhas eleitorais, tudo que existe só o é por que foi

exposto por algum meio de comunicação: o tempo todo há referência a uma reportagem de

jornal ou televisão, uma gravação de rádio ou uma capa de revista. Sendo assim, pensamos em

abordar a comunicação sob um viés berkeleyano, justamente por que identificamos em Berkeley

os elementos suficientes para sistematizar e esclarecer a forma como a mídia se pauta na

comunicação de algumas questões ou assuntos. A forma como a comunicação capta alguns

elementos ou assuntos ou a forma como esses são apresentados à nós é uma clara tentativa de

fazer com algumas coisas existam para nós, mesmo que muitas vezes nós nem ao menos

queremos saber. Se pensarmos somente no aspecto da fama, por exemplo, podemos observar a

busca por espaço nas redes sociais, na televisão ou mesmo em mídia impressa como um lugar

comum de todas as ditas celebridades. A busca pela fama é uma busca por ser percebido, uma

busca para ser notado. Aqueles que já possuem espaço na mídia, já possuem destaque, muitas

vezes se esforçam para não serem apagados. E aqueles que são os “ilustres desconhecidos”

muitas vezes clamam por atenção a espaço, mesmo que para isso eles tenham que se submeter à

situações inconvenientes. Para muitos, só isso faz com eles existam socialmente, pois, mesmo

sem que se conheça profundamente Berkeley, para estas pessoas, existir é ser visto, comentado,

mesmo que os comentários não sejam positivos. Muitos agem segundo a máxima do “falem bem

ou falem mal, mas falem de mim”. Não importa tanto, muitas vezes o que será dito, mas o

fundamental que a pessoa seja exposta. Mesmo sendo uma situação vexatória ou indelicada,

aceita-se e busca-se isso, a fim de ser percebido pela mídia. Aí temos uma base para explicar os

paparazzi, por exemplo, que tem a sua atuação profissional captando descuidos ou aparições de

pessoas que são consideradas celebres. Muitas vezes, os ditos famosos nem se importam em

serem fotografados, ou serem ridicularizados: eles sabem que isso ajudará à sua exposição, sendo

assim, acabam sendo mais percebidos pela mídia e pela sociedade, que é influência por essa

mesma mídia. Aí temos uma justificativa para participarem de quadros insanos nos programas de

domingo à tarde, por exemplo. Aqueles que aparecem constantemente na mídia são aqueles que

existem para o grande público. E são estes que serão lembrados. Aí é que entra a publicidade e o

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marketing: a dita celebridade que for a mais lembrada, mais conhecido, ou seja, mais exposta e

percebida pela sociedade, é aquela que causa mais impacto na hora de anunciar algum produto ou

idéia. Ela será, naturalmente, mais procurada e ganhará os maiores cachês. É aí que temos a

relação entre a exposição e o viés econômico. Podemos observar isso nas campanhas

publicitárias, onde os produtos são associados a pessoas de “influência”. Também as questões de

ordem ideológica e política, pois pode-se manipular a consciência coletiva com base no exagero

de informações e opiniões associado à um acontecimento. Isso ocorre, sobretudo, nas mídias

engajadas, seja o engajamento aberto ou velado. Os produtos ou idéias, assim como os

acontecimentos, também devem ser percebidos pelo grande público, afim de que sejam

comprados e aceitos pelos consumidores ou pela população. Mais uma vez aí podemos associar a

máxima berkeleyana: só existe o produto que é observado nas propagandas, sejam elas

merchandising ou publicidade aberta, enfim, a sempre a idéia de que, “a propaganda é a alma do

negócio”, junto com a máxima berkeleyana do “ser é ser percebido”. O mercado serve então de

base para o que colocamos acima, ou seja, é ele quem motiva essa exposição massiva, pois muitas

vezes ele usa essa mesma exposição para lhe servir de alavanca para o lucro e o comércio.

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A CONSTITUIÇÃO DA NATUREZA HUMANA EM DAVID HUME:

DELINEAMENTOS SOBRE A NATUREZA DA MORAL

Alderberti B. Prado

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Percepção; impressão; sensação; reflexão; sentimentos

Uma questão norteia o empreendimento teórico ao qual Hume se lança no Tratado da Natureza

Humana: como distinguimos o vício e a virtude das ações? Através de ideias ou através de

impressões? (p.496). No início do livro III do Tratado, Hume afirma que “nada jamais está

presente à mente senão suas percepções; e que todas as ações como ver, ouvir, julgar, amar, odiar

e pensar incluem-se sob essa denominação.” (p.496). Para Hume, as percepções da mente se

dividem em impressões e ideias. As impressões são, por definição, percepções de uma vivacidade

e força primárias, ou seja, são experiências sensíveis que fundamentam os juízos que formamos a

respeito do mundo, do conhecimento e, sobretudo, a respeito da moral. Já as ideias, são derivadas

das impressões. O termo percepção, segundo Hume, também se aplica aos sentimentos pelos quais

distinguimos o bem do mal na moral. Esta percepção é de natureza moral, e a distinção que daí

resulta será capaz de qualificar as nossas experiências, de acordo com a sua influência sobre os

nossos sentidos. As impressões podem ser impressões de sensação ou impressões de reflexão. Voltaremos

o nosso olhar para as impressões de reflexão, ligadas ao nosso sentido interno, ao modo como somos

tocados pelas impressões advindas do exterior, estas são chamadas de impressões secundárias,

pois elas derivam a sua realidade das impressões de sensação como uma “resposta afetiva” que suscita

o louvor ou a censura de nossos sentimentos morais, habilitados a nos guiar por entre as ações e

caracteres. Essas impressões são relacionadas às nossas emoções, vontades, desejos e possuem

um valor moral, pois estão sujeitas a aprovação e reprovação, conforme o agrado ou desagrado

que acompanha tal percepção.

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A RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA POR MEIO DO DOMÍNIO DO SABER

Alexandre Moschen Ortigara

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Onipotência; psicanálise; desenvolvimento humano; narcisismo

A Onipotência é definida pela psicanálise como um constructo do sujeito; tal constructo tem

origem ainda na infância, na fase anal (uma das fases do desenvolvimento do sujeito proposta

nessa ciência). Suas implicações incluem sensação do controle de si, que muitas vezes extrapola o

próprio corpo. Como o sujeito é constituído numa sociedade que exerce influência sobre ele, que,

por sua vez, exerce influência sobre ela, essa manifestação onipotente narcísica acontece também

na sociedade. Inicialmente, ela aparece, na sociedade primitiva mítica, como animismo;

posteriormente, no âmbito religioso, como magia, e no científico sob o modo da onipotência do

pensamento. Assim como os sacerdotes influenciaram toda uma época, pois eram os

representantes autorizados pela religião, hoje os professores também o fazem na condição de

estarem autorizados pelo ideal humano oriundo do iluminismo. Deste modo, essa relação de

onipotência, que inicia em casa, passa pelo crivo da religião, num segundo momento, a qual

ratifica essa condição fantasiosa do humano; tudo isso culmina no ideal de humanidade. O

objetivo deste trabalho é investigar a ratificação do processo de onipotência na esfera do

conhecimento e o modo como ele é reproduzido em sala de aula, na relação professor/aluno.

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UMA CONCEPÇÃO ANTROPOLÓGICA DE EVOLUÇÃO EM TEILHARD

CHARDIN

Amilton Martins Oliveira

André Murilo Oliveira

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Homem; evolução; vida

A filosofia de Teilhard de Chardin pode ser um ponto de partida para pensar o homem no

processo de evolução no tempo em uma curta aproximação entre ciência e teologia. Embora

desprezado pelos cientistas, por tratar de coisas do espírito e pelos teólogos, por tratar de ciência

e evolução, Chardin concebeu pela primeira vez uma síntese entre a ideia de criação e a ideia de

evolução. Foi a partir da Origem das Espécies (1959) de Charles Darwin, que a ideia evolucionista

ganhou força perante o criacionismo. Para Chardin, a ideia de evolução passa a assumir uma

amplitude universal de processo de patamares: matéria – vida – inteligência – ponto ômega. A

matéria é o início de tudo; Deus Criador é o Alfa; a vida constitui a Biogênese, que evolui para a

Inteligência: a Noogênese; o processo evolui e converge para o ponto ômega, chamado Cristo

gênese. A ideia de evolução é aplicada à realidade humana; a matéria natural é transformada pela

inteligência de modo contínuo, diretamente ligada à vida, para sua plenitude ou para o fim dela. A

terra pode ser vista como ponto ômega, atualização do processo de transformação, mas não

generalizada para a humanidade, pois os bens produzidos, as melhorias das condições da vida,

não abrange a todos. Podemos relacionar a transformação da natureza em bens para a

humanidade; transformamos rocha em minério, minério em liga de ferro ou aço, este em peças, e

em incontáveis máquinas, mas máquinas de guerra, para defender o homem do homem.

Cultivamos o solo, reproduzimos as sementes que se tornam alimento que dá vida, porém vira

lucro, disputas, desperdícios e muitos têm fome, e há desperdício e poluição de recursos naturais.

Tudo é evolução; o processo evolutivo é realmente amplo. “Tu és pó e ao pó voltarás” (Gênesis,

3,19) – pó igual matéria, inteligência/consciência, sabemos que somos matéria; voltar ao pó não é

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voltar ao nada, é a convergência para o uno, para o espírito. É um caminho sem volta, por isso

evolutivo; ciência e teologia estão juntas.

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CONCEPÇÃO MORAL DA LOUCURA EM MICHEL FOUCAULT

Anderssieli Irion Boschetti

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

ciely.aib@hotmail

Orientador: Prof. Dr. Wilson Antonio Frezzatti Júnior

Palavras-chave: Foucault; loucura; moral

O intento dessa comunicação é investigar a concepção moral da loucura no período Clássico

através do viés arqueológico do pensador Michel Foucault, na obra intitulada História da loucura

(1961). Na interpretação foucaultiana, observa-se que o louco é definindo como outro, pois é

identificado através de comparações qualitativas, que visam ressaltar apenas os defeitos humanos,

os quais evidenciam sua alteridade em relação aos demais indivíduos normativos. No que se

refere ao classicismo, a concepção da loucura está associada ao mal-estar social, sendo caracterizada

moralmente de acordo com o instinto social, o qual para determinar a presença loucura, se baseia

no erro e na falta, tendo a finalidade de excluir e rotular os indivíduos como loucos, apenas por

diferirem das normas sociais vigentes. Neste sentido, pretende-se especular qual a influência do

advento do internamento, na concepção clássica da loucura, que reduz os diversos tipos sociais

considerados como heterogêneos, numa unidade que compartilha a mesma experiência, isto é, o

desatino.

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UMA VISÃO BASEADA NA VERDADEIRA LIBERDADE DA MORAL DE

NIETZSCHE

André Murilo Oliveira

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Moral; liberdade; valores

Após a Filosofia moderna de Kant (1780) a metafisica se torna improvável, assim abrindo uma

possibilidade de indagações sobre as instituições dogmáticas e o seu controle da moral. Nietzsche

baseado na filosofia moderna e com um pouco da ideia Schopenhaueriana, vê que a cultura tem

um papel destaque na formação da moral e que essa moral é uma forma de controle sobre o

homem, estabelecendo verdades absolutas que tem de ser seguidas e respeitadas, senão haverá

punições. Logo o filósofo critica a filosofia de Sócrates, Platão, Kant, Schopenhauer e Hegel,

pois, afirma que a filosofia somente surgiu através da superação dos mitos, e por esse motivo ele

critica também o cristianismo. Nietzsche cria uma nova perspectiva a respeito do homem, ou

seja, um além-do-homem que agora passa a ver o que o controlava, a moral e assim por meio

dessa crítica aos valores do homem, Nietzsche abre possibilidades para a transvaloração de todos

os valores, isto é a coragem de afirmar o além-do-homem, valente, hábil, sem moral (acima do

Bem e do Mal), procurando demonstrar que a existente universalidade dos valores da tradição

socrático-cristã não passam de uma construção histórica cujos resultados são contrários à vida.

Afirmar a vontade de potência é se guiar pela sua vontade de poder, a sua energia vital. O super-

homem é aquele que aceita a vida como ela é: incerta, conflituosa e sem ilusões.

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A BIVALÊNCIA DA AÇÃO JUSTA NA REPÚBLICA: O EMBATE ENTRE

SÓCRATES E GLÁUCON

Angélica de F. de Almeida Lara

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE

Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo

[email protected]

Palavras-chave: Cultura; justiça; moralidade

Na República observamos as motivações de Platão para responder a uma questão do elenchos

socrático: o que caracteriza uma ação enquanto justa? No livro II, Gláucon alega serem as

vantagens o que leva o homem a agir com Justiça, portanto a causa da ação. E Sócrates busca

conciliar a causa com o efeito, apontando a utilidade como o efeito da Justiça. Para demonstrar

que a vantagem é o efeito da Justiça, Sócrates terá que demonstrar qual é a sua causa, o que move

a ação. Gláucon exige a demonstração do que a Justiça é para além de qualquer utilidade, ou seja,

se é possível uma ação desinteressada, uma ação que possa ser qualificada moralmente. O que

Platão vê consolidado é uma cultura solidificando a opinião, pautada nos interesses, e busca refletir

se há algo para além desta opinião, i.e., se é possível haver ciência, e se há algo para além do

interesse, i.e., se é possível haver moral. Na tentativa de refletir esta possibilidade, Platão idealiza

a Callipolis, na qual em oposição ao império da opinião, reinaria a busca pelo saber. Sócrates evoca,

no livro IV, a metáfora da lente de aumento, sugerindo averiguar a Justiça na Callipolis para

encontra-la no homem, pois, segundo ele, não é possível pensar a Justiça independente da

utilidade, ou independente da moralidade, pois toda ação boa é sempre útil. E como poderíamos

considerar útil uma ação que não fosse boa? Que visasse o mal a alguém? Não é possível pensar o

homem independente da cultura, configurando o que denominamos como a bivalência da ação

justa. Esta bivalência configura o empasse de Sócrates, pois não consegue evidenciar a ação

desinteressada para Gláucon, sem relacioná-la a utilidade, ou seja, através da Justiça.

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SCHOPENHAUER E AS SUAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONHECIMENTO

HUMANO

Angela Maria da Silva

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia

[email protected]

Palavras-chave: Intuição; representação; razão

Schopenhauer, ao considerar o mundo como uma representação para o sujeito, suposição esta

abstraída de considerações racionalistas de pensadores como Descartes e Berkeley, parece estar

de acordo com as proposições afirmativas da superioridade da razão no processo de conhecer,

imposta em sua época, principalmente, pela filosofia de Hegel, a qual, como veremos, ele irá

refutar. No entanto, uma leitura mais atenta de sua obra O Mundo como Vontade e Representação nos

permite verificar que o filósofo, embora afirme que tudo que existe para o conhecimento é objeto

em relação a um sujeito, uma representação, não propõe haver um privilégio do sujeito em

relação ao objeto: ambos são metades essenciais e inseparáveis que formam a representação, de

tal forma que (dessas duas instâncias) “cada uma (...) possui significação e existência apenas por e

para a outra; cada uma existe com a outra e desaparece com ela” (SCHOPENHAUER, 2005,

p.46). Isso significa que, embora toda representação pressuponha a separação entre sujeito objeto

– relação em que o sujeito enquanto “sustentáculo do mundo” tem uma receptividade do objeto

intuído, pois é aquilo que conhece sem ser conhecido, e todo objeto existe para um sujeito e se

configura a partir das formas do espaço, do tempo e da causalidade – um não é causa do outro,

“por isso entre os dois não pode haver relação alguma de fundamento e consequência”

(SCHOPENHAUER, 2005, p.55). Há, no entanto, um limite imediato entre sujeito e objeto:

“onde começa o objeto, termina o sujeito”. Segundo Schopenhauer, todo objeto encontra-se em

relação necessária com outros objetos, sendo determinado ou determinando, por meio do espaço,

tempo e causalidade, o que configura o chamado, “princípio de razão”. E é este princípio de

razão que originado no entendimento organiza as impressões imediatas, dando-lhes a forma de

representação. E que ,por conseguinte, condicionam todo o conhecimento do sujeito. Com isso,

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pode se concluir que sujeito e objeto, embora distintos, formam uma unidade representativa,

mantida pelo princípio de razão que, ao mesmo tempo, estabelece o limite entre as duas partes –

sujeito e objeto –, pois, só pode ser aplicado aos objetos, mas pertence apenas ao sujeito. O

principio de razão, por sua vez, é para Schopenhauer aquele que representa a forma desses

objetos, a forma dos conceitos, uma representação de representação, um conceber e não somente

perceber como no entendimento acontece. Disso, podemos concluir que o filósofo aponta a

diferença entre entendimento, que é imediato, diz o como (descritivo) e o principio de razão, que

é mediato (explicativo), pretende dizer o porquê, e é neste, por conseguinte que parece residir o

conhecimento, este algo a mais que não só se percebe, mas se concebe. Portanto, ao considerar a

representação como ponto de partida para o conhecimento, o filósofo não toma separadamente

sujeito e objeto, mas os desdobra pelo entendimento. O sujeito, para o qual o mundo é objeto,

tem o entendimento como capacidade fundamental do conhecimento. É apenas por meio dessa

capacidade que podemos intuir os objetos. Caberia ao entendimento o conhecimento imediato da

relação entre causa e efeito, e à razão, por sua vez, caberia a função da formação de conceitos.

Esses conceitos fazem parte de uma classe que, segundo o pensador, é uma forma “especial” de

representações, representações de representações; absolutamente distintas das representações

intuitivas, só existem no espirito humano, não são percebidas, mas concebidas. Nessa relação

causal, a intuição do mundo é um desdobramento desse conhecimento e a razão, de forma

parecida, opera com conceitos, ou seja, são ambos modos variados dessa função do

entendimento. Sendo assim, por mais abstrato que seja o conceito, ele só é possível, ou só tem

seu início, por conta do entendimento ou da sensibilidade, já que, segundo Schopenhauer, não há

separação entre ambos. “A razão sempre pode apenas SABER; unicamente ao entendimento,

livre de toda influência da razão, é permitido intuir” (SCHOPENHAUER, 2005, § 6, p.69).

Percebe-se aqui um distanciamento de Schopenhauer em relação à filosofia de Kant. Enquanto

para Kant a sensibilidade tem um papel intuitivo, interno, como aquela que apresenta as relações

causais e as noções de tempo/espaço, e o entendimento é a faculdade do julgar, para

Schopenhauer a sensibilidade e o entendimento são unificados no entendimento sob o nome de

princípio de razão. Espaço e tempo, as formas a priori da sensibilidade, são entendidos como

presentes no entendimento juntamente com a causalidade que proporciona o vínculo entre essas

duas formas. O entendimento, com o mesmo caráter da sensibilidade, recebe as sensações como

um efeito e assim as vincula à causalidade para ir através do tempo até as suas origens e

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posicioná-las no espaço como representação intuitiva. Ou seja, para Schopenhauer, “intuição não

é somente sensual, mas também intelectual” (SCHOPENHAUER, 2005, §4, p.55). O corpo, que

até o presente momento não é distinto de outros objetos para o sujeito, é também, portanto,

apenas representação. Isso se dá porque ele também se apresenta como objeto imediato, assim

como a representação, que serve de ponto de partida para o sujeito que conhece. Toda a

atividade exercida pela matéria corporal é doravante mediada pela sensibilidade, e esta identifica

as relações causais e se traduz para o sujeito no entendimento, que por fim se entende enquanto

separado de outros objetos. A representação, portanto, só aparece mediante essa relação sujeito e

objeto, em que o objeto primeiro é corpo; isso implica o objeto colocado diante do sujeito, e por

sua vez, ambos entendidos pelo sujeito enquanto distintos, porém inseparáveis. Como visto

acima, Schopenhauer, afirma que o corpo é ele mesmo um objeto para o sujeito, e neste sentido é

considerado o ponto de partida para o conhecimento, como uma forma intuitiva, um sentimento,

uma evidência. Portanto, o pensador não parte do sujeito e nem do objeto tomados de forma

separada, mas como um mesmo em si para o conhecimento. O entendimento se dá como uma

forma primitiva, intuitiva e essencial que se desdobra em uma relação sempre ativa entre sujeito e

objeto. Desse modo, podemos inferir que o entendimento é somente essa relação imediata entre

sujeito e objeto, causa e efeito, esse modo da intuição pura, um ato da vontade. A forma geral de

todo o entendimento se manifesta, então, no modo desse conhecimento a priori (intuição) e

nessas relações entre as leis naturais (causalidade), como uma condição prévia de toda percepção

de mundo. Essa operação do entendimento não é reflexiva e nem discursiva, mas direta e

imediata, que aparece apenas enquanto intuição sem influência da razão.

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“OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO” DE EDGAR

MORIN: UMA TEORIA DO CONHECIMENTO

Angelina Cortelazzi Bolzam2

Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP

[email protected]

Renato Bellotti Senicato3

Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI

[email protected]

Palavras-chave: Educação do futuro; Edgar Morin; filosofia contemporânea

Essa investigação é fruto da junção das problematizações realizadas pelos pesquisadores em

momentos concomitantes, mas em ambientes diferentes, quais sejam, no curso de Mestrado em

Direito da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP; e da Especialização em

Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá -

UNIFEI, que analisaram a mesma obra como desenvolvimento de atividades de pós-graduação.

O objeto de nosso estudo, que está nos entreolhares das referidas pesquisas, é a obra Os sete

saberes necessários à educação do futuro, de Edgar Morin (1921). Utilizando a metodologia de pesquisa

e revisão bibliográfica e a abordagem de cunho Multirreferencial, problematiza-se o que Morin

considera acerca desses “sete saberes”. Segundo o autor, “Há sete saberes ‘fundamentais’ que a

educação do futuro deveria tratar em toda a sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem

rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a casa cultura”. (MORIN, 2000,

p.13). Na obra, Morin faz uma crítica às formas de se fazer educação, propondo uma reforma da

mesma e demonstrando que a insuficiência do conhecimento se dá pela ausência do elemento

complexidade na educação. Ao desenvolver suas ideias, Morin nos apresenta sete buracos negros

totalmente ignorados e que precisam ser colocados no centro das preocupações sobre a formação

de sujeitos, tendo, por fim, a reforma do pensamento. Ademais, pautado na problemática da

2 Bacharel em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP (2014); Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. 3 Licenciado em Filosofia pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP (2014); Estudante de especialização em Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade pela Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI.

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fragmentação do saber, o autor destaca que o pensar complexo supera as formas desassociadas,

pois a informação precisa ser contextualizada. É neste ponto que se destaca a

interdisciplinaridade. Nessa perspectiva, compreendemos ser necessário problematizar os sete

saberes apresentados por Morin, quais sejam: (I) As cegueiras do Conhecimento em relação à realidade

e os elementos que a constitui, evitando “o erro e a ilusão”. (II) O conhecimento pertinente que

demonstra a necessidade de relacionar e contextualizar os diferentes saberes que também

constituem a vida humana. Dessa maneira, há o amadurecimento do conhecimento que se

produz, imprimindo-lhe pertinência. (III) A condição humana, desconsiderada dos programas de

formação, constituída como trinitária: individual, social e de espécie, de forma que, como

categorias interdependentes devem ser consideradas, é com referência à ela que as ciências devem

produzir o conhecimento. (IV) A compreensão humana, como elemento que, segundo Morin nunca

é ensinado ao outro. Além de pontuar que a compreensão é o ato de agrupar os elementos para o

entendimento do objeto, é necessário compadecer-se do outro, estar com, identificando o que

leva à. (V) A incerteza, que nos permite compreender a vida como uma aventura suscetível aos

imprevistos, portanto, incerta. Contudo, o imprevisto não é de todo desconhecido, fazendo-se

reconhecer como possibilidade de acontecimento, para o qual, através da “ecologia da ação”, é

possível tomar consciência de possíveis erros por ele provocados e corrigi-los. (VI) A condição

planetária, visto que a aceleração do movimento com que se dão as relações é uma justificativa da

qual se utiliza Morin para falar de uma noção fragmentária do mundo, da qual o ensino não dá

conta. Ao citar que os problemas que encaminham a humanidade para sua finitude estão todos

relacionados, o autor fala da necessidade de fugirmos do imediatismo, criando a consciência de

que o destino da humanidade é comum. (VII) A antropo-ética que, com ênfase na identidade

humana, estabelecida nas relações de interdependência entre o individual, o social e a espécie,

reforça a importância da democracia para a tomada de consciência da condição humana, a

efetivação consciente dos princípios desta, bem como das antinomias dela provenientes. A

criação da consciência para o exercício da cidadania e responsabilidade encaminha-nos a uma

noção de antropo-ética. Apesar de considerar a pertinência dos saberes considerados necessários

à educação do futuro, Morin adverte que seu texto “não é um tratado sobre o conjunto das

disciplinas que são ou deveriam ser ensinadas: pretende, única e essencialmente, expor problemas

centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou esquecidos e que são

necessários para se ensinar no próximo século”. (MORIN, 2000, p.13). Ao isolar o caráter

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prescritivo de sua obra, consideramos que Morin constrói uma teoria do conhecimento, que

valoriza nesses setes saberes os traços da potência emancipatória que o processo educativo pode

assumir. De forma que não circunscreve a exclusividade da pertinência desses saberes à espaços e

tempos, como, por exemplo, o da escola, o autor abre as portas desses saberes para o traço

educativo indispensável de ser pontuado como valor humano, ou seja, “o saber científico sobre o

qual este texto se apoia para situar a condição humana não só é provisório, mas também

desemboca em profundos mistérios referentes ao Universo, à Vida, ao nascimento do ser

humano.” (MORIN, 2000, p.13). É por colocar os sete saberes como problemas do

conhecimento que se refletem na vida que consideramos, com Morin, que o apresentado em sua

obra apresenta-se como apontamentos de uma teoria do conhecimento que “abre um indecidível,

no qual intervêm opções filosóficas e crenças religiosas através de culturas e civilizações.”

(MORIN, 2000, p.13).

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FILOSOFIA, ARTE E CIÊNCIA CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS A PARTIR

DE DELEUZE E GUATTARI

Anna Maria Lorenzoni

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CAPES/CNPq

Orientador: Prof. Dr. Rosalvo Schütz

[email protected]

Palavras-chave: Arte; ciência; Deleuze; filosofia; Guattari

Em O que é a filosofia?, Gilles Deleuze e Félix Guattari respondem à pergunta que dá título ao livro

ao mesmo tempo em que estabelecem as ressonâncias entre a arte, a ciência e a filosofia. Tratam-

se de modos de criação do pensamento que não confundem-se uns com os outros: “o verdadeiro

objeto da ciência é criar funções, o verdadeiro objeto da arte é criar agregados sensíveis e o

objeto da filosofia é criar conceitos” (MACHADO, 2010, p. 14). Tendo isso em vista, o objetivo

deste trabalho é expor como, a partir da perspectiva deleuze-guattariana, esses diferentes

domínios do saber diferenciam-se, assim como porquê os autores reivindicam a especificidade da

criação filosófica frente a esses domínios. Sendo assim, veremos como saberes diferentes são

movimentados por problemas diferentes, resolvendo-os a partir de seus próprios meios.

Entretanto, isto acontece sem que haja privilégio de um modo de pensamento sobre o outro,

uma vez que essas atividades criadoras interferem e repercutem entre si, podendo, inclusive

estimular novas criações.

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MENTE E EXTERNISMO SEMÂNTICO NA FILOSOFIA DE PUTNAM

Bruno Fernandes de Oliveira

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Remi Schorn

Coorientador: Dr. Luiz Henrique de Araújo Dutra

Palavras-chave: Mente; externismo; Putnam

Este trabalho tem o objetivo de investigar e apresentar o que o filósofo estadunidense Hilary

Putnam entende por mente, e qual a importância deste conceito para o externismo semântico em

sua filosofia da mente e da linguagem. Para tanto se faz necessário compreender o conceito de

funcionalismo e, em seguida, a relação da teoria dos estados mentais com externismo semântico.

Neste sentido surgem questões como: a mente pode ser reduzida ao cérebro? Qual a natureza dos

estados mentais? Como os estados mentais se relacionam com o cérebro? Estados mentais são

produtos da vida biológica? Computadores podem possuir estados mentais? O externismo supera

o funcionalismo? Na década de 60 Putnam propõe uma explicação funcional da mente, isto é, a

teoria sobre o funcionalismo. Tal teoria mostra que eventos e estados mentais não são reduzidos

à processos biológicos, mas, sim, a funções causais. O funcionalismo pretende definir o cérebro

como uma máquina, no qual a mente é um programa e, o computador ao receber informações

processa essas informações por meio do programa que recebe através de um input. O

funcionalismo tem seus problemas, reduzir o cérebro humano ao um supercomputador é um

deles. Na década de 80, o próprio Putnam refutou o funcionalismo. O filósofo percebeu a

incompatibilidade do funcionalismo com o externismo semântico, isto é, o funcionalismo tinha

uma enorme dificuldade em se relacionar com o externismo semântico e com o conteúdo mental.

O próprio Putnam destaca a problemática e refuta definitivamente o funcionalismo em seu livro

Representation and Reality (1988). A dificuldade que Putnam levanta é que o funcionalismo não dá

conta de superar o internismo, ou seja, os estados intencionais são estados cerebrais. O que é

totalmente contra a sua proposta externista. Portanto, segundo o modelo funcionalista, os

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significados são entidades privadas, isto é, o funcionalismo é incompatível com o externismo

semântico, no qual os significados são entidades públicas.

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POLÍTICA EM MARX: VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA

Bruno Gonçalves da Paixão

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Jadir Antunes

Palavras-chave: Política; estado; ontonegatividade

No campo do pensamento marxista a única assertiva unânime, sem sombras de dúvidas, é de que

não existe unanimidade em seus vários intérpretes. A maior evidência é o número de escolas, ou

pseudo-escolas, que reivindicam a verdadeira interpretação da obra de Marx. A consequência

disso é um enorme desencontro interpetativo-prático da teoria desse pensador alemão. Nesse

sentido, a temática aqui estudada está longe de passar ilesa por essas variedades de análises,

muitas vezes parecidas, outras nem tanto, e, em sua grande maioria, totalmente díspares. Essa

comunicação pretende abordar a política na obra marxiana, procurando entender, a partir da letra

de Marx, o real significado de tal dimensão para este autor, assim como a sua validade histórica.

Para isso, tentaremos primeiramente mostrar como a temática é abordada por três grandes

comentadores marxistas brasileiros que se debruçaram ou ainda se debruçam sobre a questão da

política e sua manifestação material, o Estado. O primeiro, José Chasin, vê a política enquanto

dimensão essencialmente negativa ou ontonegativa, seguido por Ivo Tonet, que a entende como

elemento negativo na sociedade de classes e que atingiria um status de positividade numa

sociabilidade emancipada (comunista), e por fim, Carlos Nelson Coutinho, que encara a política

como sendo essencialmente positiva. O esforço aqui se dará para apresentar as principais ideias

que norteiam o pensamento de cada autor – intervindo nesse primeiro momento apenas

pontualmente – para depois, concluirmos de forma breve, o que entendemos sobre a política em

Marx.

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NORMATIVIDADE E MORAL NATURALIZADA

Bruno Martinez Portela

Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

Bolsista da CAPES

[email protected]

Orientador: Prof. Jair Antônio Krassuski

Palavras-chave: Moral; naturalismo; sentimentos; normatividade

Estudos recentes em neurociência sobre psicologia moral têm repercutido no cenário filosófico e

motivado novos debates sobre a moralidade. Alguns filósofos e cientistas têm apontado

divergências entre teorias clássicas da moral e o resultado de determinados experimentos

científicos, trazendo novos elementos para discutir conceitos fundamentais da moral, como o

papel da razão e sensibilidade nas decisões morais e o próprio fenômeno da normatividade. É o

caso dos estudos realizados por Joshua Green há pouco mais de uma década. Com sua

colaboração, a discussão moral contemporânea toma um rumo diferenciado e dá lugar a novas

teorias naturalistas da moral. No presente artigo, pretende-se mostrar que a importância dos

sentimentos no âmbito da moralidade já estava presente em teorias morais naturalistas modernas,

como a de David Hume, e que, a exigência de determinadas revisões na forma como a tradição

racionalista compreendeu a noção de obrigações morais não devem redundar em um obstáculo à

normatividade na moral.

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RELAÇÕES DE PODER, SOBERANIA E GOVERNAMENTALIDADE EM

MICHEL FOUCAULT

Carla Musa Latsch Cherem

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Guilherme Castelo Branco

Palavras-chave: Poder; soberania; estado; governamentalidade; relações de poder

A questão do poder emerge em vários cursos e textos do filósofo francês Michel Foucault.

Tentar perceber o poder como algo que não existe como substância, nem localizado em

instituições é ao mesmo tempo desafiador e um fator importante para compreendermos o olhar

foucaultiano sobre o poder. Pela tradição filosófica temos a tendência de identificar o poder aqui

e ali, como o poder dos governantes, ou dizer que a burguesia tem poder e o proletariado não.

Em primeiro lugar, é relevante dizer que Foucault não está, com seu discurso, negando que, em

alguns momentos e em certo sentido, também se possa pensar o poder como aquilo que alguns

indivíduos possam, individualmente ou através de instituições, exercer no sentido do controle ou

de alguma dominação sobre outros. O que Foucault parece deixar emergir em seus estudos é, no

entanto, o entendimento de uma forma de racionalidade política que envolve, em sua lógica

interna, alguma coisa que mesmo não estando em nenhum lugar específico está em todos, pois

transita pelos espaços. Essa noção multiforme de “espaços” envolve muito mais do que

instituições, ou lugares, abrange as pessoas viventes e os discursos que são produzidos. Como

Foucault entende as relações de poder? Em que sentido, ou em que medida, o conceito de

relações de poder aponta para um caráter multidimensional, em que a dinâmica da “circulação”

faz mais sentido para uma análise contemporânea do poder, do que a compreensão “estática” do

mesmo, como asseverada por Maquiavel e outros filósofos modernos? Qual o papel do Estado

nas relações de poder? O fato de Foucault afirmar que não existe um “Poder com ‘p’ maiúsculo”

indica o “fim do Estado”? Tentaremos observar estas questões para buscar investigar, a partir do

conceito de relações de poder, o entrecruzamento entre Estado soberania e governamentalidade

na contemporaneidade.

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SOBRE VALORES E NORMAS:

SONDAGENS A PARTIR DO DIÁLOGO HABERMAS-PUTNAM

Carlos Ferreira

Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas

[email protected]

Palavras-chave: Valores/normas; relativismo moral; Putnam; Habermas

Neste trabalho empreende-se a busca de um meio termo entre o ceticismo dos que são contra

teorias morais e a posição de que a filosofia moral é o tribunal supremo de toda justificação

moral. Acompanhando a discussão entre Putnam e Habermas, busca-se avaliar a situação atual da

relação entre normas e valores, relevante tanto para a Filosofia quanto para o Direito. Normas e

valores então interligados, assim como fatos e valores são indissociáveis. Nossas máximas

universalmente válidas, sejam elas poucas ou muitas, contém conceitos éticos estritos e, portanto,

não podem ser tomadas por mandamentos meramente descritivos do que deveria ser a correta

conduta moral. Tampouco podemos cair no relativismo de considerar que cada lei somente

possui validade conforme a valoração individual de cada destinatário. Em razão disso seria

necessário um meio termo entre a vinculação normativa absoluta e o relativismo. Aceitar que

valores éticos sejam racionalmente discutidos e, portanto, não necessitem ser relativizados, não é

o mesmo que tomar valores aprioristicamente.

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CAN MORALITY BE BASED ON BIOLOGY?

A NEUROECONOMIC MODEL ON OXYTOCIN

Carlos Roberto Bueno Ferreira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS

Mestrado em Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Orientador: Nythamar de Oliveria

Palavras-chave: moral molecule; moral theory; neurophilosophy

In the past decades the neurosciences made ground breaking discoveries about how the human

brain works and, consequentially, what is involved in our decision making processes. This essay

faces the question about the possibility of taking under consideration the biological physiology of

the brain when formulating a moral theory. Most theories about morality (Aristotle and Kant, for

example) focus on the rational aspect of value selection, leaving the natural biological account

out of equation. The first part of the present work addresses the research of neuroeconomist

Paul Zack, who claims to have found a “moral molecule” capable of making people to act more

trustingly. This substance is a neuropeptide named oxytocin. A philosophical experiment is then

proposed concerning the possibility (and even the desirability) of a neuroeconomical system

based on oxytocin. In conclusion what can be observed is that all moral is based on values. There

is no such thing as a “pure morality” simply because there is no pure source of value. Nature has

its values, selected throughout billions of years of trial and error, just as cultures construct their

own set of moral principles.

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A HERMENÊUTICA DA FACTICIDADE E A DESCONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO

ONTOLÓGICA SEGUNDO HEIDEGGER

Caroline Marangoni

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Hermenêutica; facticidade; tradição filosófica

O objetivo deste trabalho é apresentar uma breve explicação sobre a hermenêutica da facticidade

tal como encontrada na obra do filósofo alemão Martin Heidegger. Para tanto, tomaremos por

base os trabalhos Ontologia - Hermenêutica da facticidade e Ser e tempo, nos quais nosso autor programa

sua ontologia fundamental. A partir dessas, será necessário refletir sobre as concepções de

hermenêutica e de facticidade. Pretende-se descrever como o autor faz um estudo sobre a

tradição filosófica e utiliza a hermenêutica não como um modo artificial de análise, mas como

uma interpretação que conduz ao encontro e com vistas à facticidade. Em nossa comunicação,

após explanar a hermenêutica da facticidade se faz necessário outra análise da questão do ser,

também será apresentada o plano geral de sua destruição da história da filosofia, projeto filosófico por

meio do qual o filósofo pretende uma destruição da tradição filosófica. Dizendo de modo claro:

nossa comunicação tem por meta descrever como o filósofo busca destruir tudo aquilo que

impede a aproximação do caminho que conduz às experiências originárias em torno do ser.

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RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM DESCARTES: O CASO DA “GEOMETRIA”

Prof. Dr. César Augusto Battisti

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Descartes; resolução de problemas; geometria

Conhecer é demonstrar verdades ou resolver problemas? Embora resolver problemas também

seja estabelecer verdades e, portanto, em última análise, as duas perspectivas confluam, não é

uma mesma coisa conceber a ciência de uma ou de outra dessas duas formas (havendo

consequências pedagógicas, epistêmicas e de várias outras ordens). Descartes é um exímio teórico

e praticante da ciência (do saber em geral, estando aí incluída também a filosofia) entendida como

resolução de problemas. As Regras para a direção do espírito expõem uma “teoria dos problemas” e

um método voltado à sua resolubilidade. A Geometria, por sua vez, é talvez o edifício científico

mais bem construído pelo autor dentre dessa concepção: seus três livros se organizam em razão

da divisão dos problemas examinados; ela inicia e se encera referindo-se a “todos os problemas

de geometria”; as etapas do método consistem no tratamento de problemas por meio de sua

recondução à sua equação correspondente e por meio de sua resolução (construção) geométrica.

Pretende-se discutir essa concepção de conhecimento dentro desta que é uma obra central do

pensamento cartesiano e, ao mesmo tempo, um clássico da história da matemática.

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O CETICISMO PIRRÔNICO NOS ARGUMENTOS DE MONTAIGNE CONTRA A

RAZÃO

Charles Eriberto Wengrat Pichler

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Henrique da Conceição

Palavras-chave: Ceticismo; Montaigne; apologia

Na perspectiva montaigniana, encontramos o paradoxo da crítica da razão pela própria razão. A

razão não pode conduzir a vontade contra as paixões; ao contrário, as paixões podem ameaçar a

teórica "constância da alma", pois a razão (instrumento móvel e incerto) inclina-se para diferentes

lados porque é defeituosa e cega de um lado e de outro. A razão, em todos os homens, é a

mesma em sua instabilidade, e a ignorância impera em todos. Em Montaigne, não há uma razão

soberana e exterior; inversamente, para ele a razão é, ela mesma, um objeto de cera que se curva

aos imperativos da vida e aos interesses particulares. A razão é, assim, uma instância de

justificação. Como é sabido, Montaigne é leitor de Sexto Empírico e de Diógenes Laércio. Ao

discorrer sobre o pirronismo, Laércio considera-o o mais nobre filosofar, por ter inventado em

seu modo de vida os estados de akatalepsía (inapreensibilidade das coisas) e de epokhé. De acordo

com Sexto Empírico, o princípio pirrônico fundamental é criar antinomias, opondo razões

contrárias, para renovar o estado de epokhé decorrente dessa impossibilidade de reconhecer a

verdade nas filosofias conflitantes. A diaphonia é insolúvel. No contexto desse estudo, este

trabalho visa analisar a crítica de Montaigne à razão, mais precisamente ao seu modo de

aplicação. No ensaio denominado “Apologia de Raymond Sebond”, a crítica recai sobre o uso da

razão que faz o teólogo Sebond na “Teologia Natural”, que tenta sustentar sua crença através da

razão, bem como na crítica radical ao uso da razão feita pela Reforma, que busca um novo

critério de conhecimento religioso. A crítica de Montaigne é a de que a razão não deve ser usada

para estabelecer uma universalidade – como faz Sebond, tentando estabelecer um critério de fé –,

no máximo pode ser utilizada de forma investigativa em um contexto particular; no caso de

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Sebond, por exemplo, poderia ser aplicada na fé – que independe de razão e só pode ser

adquirida através da revelação divina.

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CIÊNCIA E RELIGIÃO NOS ESCRITOS EDUCATIVOS DE JOHN LOCKE

Christian Lindberg L. do Nascimento

Universidade Federal de Campinas - UNICAMP

Bolsista da FAPESP

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Lidia Maria Rodrigo

Palavras-chave: Ciência; educação; Locke; moral; religião

O presente texto tem como objetivo central discorrer sobre o pensamento educativo de John

Locke. Embora haja argumentações relevantes e pertinentes, a abordagem que este trabalho

desenvolve é centrada, única e exclusivamente, no aspecto moral. Para tanto, parte-se de um

problema identificado no conjunto da obra de Locke. Fala-se da aparente controvérsia entre a

ciência e a religião e o papel que cada uma exerce na formação moral da criança. É com base

nesse recorte que a presente análise é feita. Para a construção argumentativa, utilizou-se como

fonte primária: Do estudo (1677), Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough

(1697), Ensaio sobre a lei assistencial (1697) e Algumas ideias acerca da leitura e do estudo para um cavalheiro

(1703). De forma secundária, foi adotada obras de comentadores relevantes. Por ser um estudo

estritamente qualitativo, o procedimento metodológico usado foi a análise de conteúdo, sendo a

leitura, o fichamento e a interpretação dos dados obtidos a técnica de pesquisa empregada.

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FILOSOFIA, ONTOLOGIA E DIALÉTICA A PARTIR DE EXCERTOS DAS

PRELEÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA FILOSOFIA DE HEGEL

Christiano Tortato

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Tarcílio Ciotta

Palavras-chave: Filosofia; ontologia; dialética

Com a presente comunicação, almejamos iniciar uma reflexão sobre Filosofia, Ontologia e

Dialética, a partir de alguns excertos retirados das Preleções sobre a História da Filosofia, de Hegel.

Iniciaremos nossa apresentação com uma reflexão sobre a proposição de Tales de Mileto, “A

água é a arkhé da phýsis” dando prioridade aos conceitos de arkhé e de phýsis. Em seguida,

meditaremos sobre o fragmento DK 10 de Heráclito de Éfeso – “Conjunções o todo e o não

todo, o convergente e o divergente, o consoante e o dissonante, e de todas as coisas um e de um

todas as coisas” (trad. Joé Cavalcante de Souza) – dando ênfase a essa concepção de conjunção, ou

seja, à concepção que zela pela unidade imanente entre ser e não-ser mediante a noção de devir. O

próximo pré-socrático a ser investigado será Parmênides de Eléia, do qual analisaremos os

fragmentos B 7 e B 8 do seu poema Sobre a Natureza (DK 28 B 1-9), em que a via do ser e a do

não-ser aparecem radicalmente desvinculadas. É importante ressaltar que nossas reflexões se

desdobrarão a partir dos comentários elaborados por Hegel, os quais, nesse primeiro momento,

servirão para refletirmos sobre sua concepção de Filosofia e Ontologia. O final do fragmento B 8

do poema de Parmênides é de suma importância para nossa pesquisa, pois, ao apresentar a via do

ser enquanto uma esfera, ressalta que seu “limite é extremo”. O limite, que em Parmênides

demarca o abismo entre ser e não-ser, é re-pensado e re-apresentado dialeticamente por Platão em

seu diálogo Sofista (258a-259b). Assim, retomamos nossa investigação sobre a Dialética a partir

dessa imagem que, curiosamente, também aparece no Prefácio da Fenomenologia do Espírito de

Hegel.

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UMA BASE BIOLÓGICA PARA A EMANCIPAÇÃO

Cleberson Odair Leonhardt

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Repressão; princípio de realidade; emancipação

Entre as construções teoricas marcusianas que procuram demonstrar um caminho a seguir, em

relação a possibilidade de reconstrução do princípio de realidade, está a ideia de que existe uma

base biológica para tal feito social. A identificação de uma emancipação instintiva que equilibre o

processo mental e elimine a repressão dos instintos, não parece ser apenas uma emancipação

social ou política, mas do indíviduo como um todo, atingindo até mesmo a sua estrutura de

sentimentos e necessidades. Essa reestruturação compreende um novo entendimento e nova

conceituação da base biológica, que não significa, em Marcuse, um determinismo biológico, que

levaria de qualquer maneira à uma reestruturação do princípio de realidade, mas é antes um

potencial facilitador que já está presente na sociedade. A pretensa liberação sexual, estabelecida

na sociedade, não significa necessariamente uma maior libertação do princípio de prazer da

repressividade que lhe é imposta pelo princípio de realidade. Afinal, a libertação da repressão que

é imposta ao princípio de prazer exige muito mais do que uma liberação sexual. A dessublimação

repressiva acontece quando a opressão assume a forma de gratificação. O indivíduo pensa que

sublima mas na verdade se aliena. A liberação se coaduna a esse processo e acaba servindo aos

propósitos do princípio de realidade estabelecido. No entanto, segundo Marcuse, esse não é o

mundo que desejamos viver, e a revolta instintiva surge (daí, talvez a base biológica!) e facilmente

se tranforma em rebelião política, e contra ela todas as forças desse sistema são mobilizadas.

Podemos, ainda que unicamente desse fato, concluir que a própria natureza, impulsionada por

essa situação, aspira a revolução. É esta base biológica que Marcuse quer apresentar e fomentar o

potencial biológico que ela representa, ao visar a modificação do princípio de realidade e a

emancipação.

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O CONCEITO DE ANGÚSTIA EM KIEKEGAARD E O IDEALISMO ALEMÃO

Cleyton Francisco Oliveira Araújo

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Mestrado em Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Angústia; idealismo alemão; existência; racionalismo

O livro Conceito de Angústia, de Kierkegaard, constantemente dialoga e confronta com as ideias da

filosofia do Idealismo Alemão. Compreender o objeto, o sujeito, o mundo, o indivíduo e a

realidade (a partir das capacidades cognitivas da racionalidade humana, determinando-as em um

sistema racional) é a pretensão dessa escola filosófico que iniciou em Kant, no final do século

XVIII e terminou em meados do século XIX, com Hegel. Kierkegaard compreende, em seus

escritos filosóficos e religiosos, que o sistema racional da Ideologia Alemã é capaz de

compreender a existência em uma perspectiva meramente teórica e esta compreensão é possível

somente no campo da lógica. A existência concreta e real, segundo o autor danês, é antagônica a

visão desse sistema idealista, pois ela é experimentada no indivíduo em suas possibilidades, em

sua liberdade, em suas contradições, sentimentos e angústias. Esta última, compreendida

existencialmente e não no campo da psicologia moderna, é um instrumento importante para o

entendimento do homem, pois abre-lhe oportunidades de interiorizar-se e descobrir-se como um

devir. Angústia, em Kierkegaard, é a realidade da liberdade como possibilidade antes da

possibilidade, são escolhas existenciais ainda não efetivadas, questões da vida que estão no campo

da imaginação, assuntos contraditórios que não podem ser mediados ou harmonizados pela

síntese. Na angústia há a realidade da tese e da antítese e a síntese é a escolha entre uma das duas,

a liberdade, a existência vivida e experimentada, o salto. Angústia, em sua essência, é

contraditória e paradoxal e pode ser compreendida, não por um sistema racionalista, mas por um

indivíduo atento a sua existência. Angústia é um instrumento para a descoberta do homem no

homem

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A MORALIDADE NO CONCEITO DE MÁ-FÉ EM JEAN-PAUL SARTRE

Cristiane Picinini

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Moralidade; má-fé; liberdade

De acordo com o existencialismo sartriano, o homem não seria apenas portador de uma essência

já dada, mas teria de criá-la a partir da sua existência. Nesse sentido, fala-se da liberdade, condição

fixa do humano, dado que o homem estaria "condenado a ser livre". No terreno da moral, segue-

se que o homem não tem mais a possibilidade honesta de apelar a mandamentos, códigos ou leis

para auferir as razões motivadoras de determinado ato. Isso equivaleria a massificar a moral como

coisa, quando, na verdade, o único fundamento de qualquer ato está na escolha própria e

individual do sujeito. Não há um guia de valores e deveres estabelecidos, mas ao menos se sabe

que o sujeito é o único responsável por seus atos. Portanto, é no mundo delimitado pelas

situações que o sujeito condenando a ser livre e criador da moral, sem o amparo de Deus, irá

encontrar e se defrontar com a Alteridade. A liberdade, no entanto, só pode ser pensada, no

plano ontológico, por meio da facticidade. A facticidade se revela pelas condições não escolhidas

em que o homem aparece lançado e abandonado no mundo, como presença ao Ser. Neste

sentido, a consciência será fundamento do seu Vazio, mas não será capaz de fundamentar a

contingência do Ser. O esforço de Sartre direcionou-se ao esclarecimento desse conceito,

partindo da sua sustentação em O Ser e no Nada. A consciência concebida fenomenologicamente

deve ser vista, ela mesma, como relação com o mundo. A consciência é, ela própria, relação; por

sua própria natureza, exige um objeto do qual seja, efetivamente, consciência. A consciência

jamais poderia ser “consciência de nada”. Concebida como intencionalidade, ela é a própria

atividade intencional e relação com seus objetos. Seja qual for o tipo de atividade em que estiver

envolvida – percepção, imaginação, emoção, desejo, crença, etc. – é, a um só tempo, relação e

constituição de sentido dessa relação desde um plano existencial, na medida em que é sempre

consciência singularizada no mundo. O objetivo de O Ser e o Nada é mostrar que e como o

homem traz consigo, sob a forma de sua consciência, uma contradição interna marcada pela

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necessidade de relação com o Ser. Isto significa que, paradoxalmente, a liberdade depende da

facticidade para ser liberdade, iluminando-a pelos fins. Se, de um lado, a liberdade deriva do

Vazio da consciência humana, de outro, é graças ao Ser que ela surge como liberdade. Pode-se

perguntar: a facticidade seria determinante das escolhas, de maneira que a liberdade não fosse

apenas ilusão? Não, e é exatamente contra esse tipo de argumentos que se volta o existencialismo

sartriano. Nenhum determinismo seria razoável para explicar a situação humana, pois o homem é

livre ao anunciar como fim a si mesmo. Toda liberdade está em situação, e não poderia ser de outra

forma. É nesse território que nos decidimos pela autenticidade ou pela má-fé, conceito que

pretendemos discutir. Para isso, alguns conceitos básicos, porém difíceis, de O Ser e o Nada

deverão ser também esclarecidos.

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ANÁLISE DA ESCOLA E SEU PAPEL SOCIAL PELA ÓTICA DO CONCEITO DE

“DESCONSTRUÇÃO” EM JACQUES DERRIDA

Cristiane R. Xavier Candido

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo

[email protected]

Palavras-chave: Educação; desconstrução; Derrida

Esta análise tem por objetivo apresentar o desenrolar das ideias principais que o filósofo

franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004) desenvolveu (em meados da década de 60) acerca

do conceito denominado “desconstrução”, de forma que se especifique como tai conceito

desenvolve-se no âmbito da educação e, em que medida e circunstâncias pode ser possível

estabelecer e observar o surgimento, ou melhor, a redescoberta do papel social das escolas em

vista da “desconstrução” proposta pelo filósofo. De acordo com Derrida, a desconstrução na

educação é uma quebra de fronteiras (que ainda são existentes), é uma decisão (e não uma ação

que rege um comportamento determinado gerador de um modo de ser) em relação ao outro.

Não há um método a ser seguido, uma doutrina a ser ensinada, mas sim, uma decisão que se

toma. Ocorre, portanto, por um lado - através desta decisão reflexiva - tanto a emancipação do

professor quanto do aluno e, diametralmente se sucede a emancipação da escola. Isto se dá,

pois num primeiro momento, o professor terá que se vislumbrar com a desconstrução da sua

própria maneira de ensinar e, assim ir ao encontro de novos meios de ensino, já o aluno ficará

livre para criar suas próprias ideias em relação ao que foi ensinado (terá conhecimento de fato

para isso), e assim, sucessivamente, observar-se-á que o papel social da escola abarcará muito

mais do que se vem analisando ultimamente (com resquícios da educação tradicional). É neste

habitat que a “desconstrução” derridiana “alça vôos” e promove importantes reflexões para a

educação.

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A FILOSOFIA COMO PARRESÍA:

UMA ÉTYMOS TÉKHNE (TÉCNICA AUTÊNTICA)

Daniel Salésio Vandresen

IFPR

[email protected]

Palavras-chave: Filosofia; parresía; tékhne

O objetivo deste trabalho é apresentar o conceito grego de parresía (dizer-verdadeiro), resgatado

por Michel Foucault como forma de redefinir o papel da filosofia como uma técnica autêntica de

transformação de si. O filósofo exerce a parresía, pois, ao mesmo tempo em que busca o

conhecimento da verdade, também transforma a si mesmo, articulação fundamental que faz da

filosofia uma técnica autêntica (étymos téchne). A parresía significa a liberdade do dizer verdadeiro e

está ligada a um êthos (atitude moral) e a uma tékhne (procedimento técnico), ambas indispensáveis

para a constituição de si. Na parresía se busca o equilíbrio entre o que se fala (procedimento

técnico) e o que se vive (conduta). Primeiramente, este trabalho descreve os conceitos de técnica

e tecnologia na trajetória do pensamento de Foucault, para compreender como o conceito grego

de téchne está presente em diferentes momentos de sua teoria. Para em seguida, apresentar a

articulação dos conceitos de parresía e psicagogia (condução da alma ou operação sobre si mesmo

por meio de discursos verdadeiros). A parresía consiste na técnica de, por meio do conhecimento

verdadeiro, possibilitar a transformação do sujeito – temática fundamental para o ensino da

filosofia, onde a formação do sujeito ocorre por meio de discursos, ou seja, uma educação que

leva à constituição de si por meio de discursos verdadeiros que promovem rupturas e a expressão

de novas formas de subjetividade.

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JUSTIÇA COMO EQUIDADE:

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS IDEIAS DE JOHN RAWLS

Daniele Bet

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Ms. Celito De Bona

Palavras-chave: Teoria; justiça; equidade; Rawls

A presente comunicação tem como objetivo apontar os principais pontos apresentados na parte

inicial da obra Uma Teoria da Justiça, do filósofo político, norte-americano, John Rawls. Esta obra,

publicada, originariamente, em 1971, possui grande destaque nas discussões e estudos acerca do

conceito de “Justiça”. Na primeira parte do livro, o filósofo apresenta a ideia de “justiça como

equidade”, concepção de suma importância para sua teoria. A proposta inicial de John Rawls é

imaginar um contrato social hipotético, partindo de uma “posição inicial”, na qual todas as

pessoas se encontram em uma posição original de equidade. Nesta posição, elas estariam vestidas

com um “véu de ignorância”, a fim de deliberar sobre quais os princípios de justiça seriam

utilizados na formação da sociedade. A ideia de Rawls é que usando este “véu de ignorância”, as

pessoas ignorariam suas características pessoais e, assim, seriam capazes de raciocinar de forma

equilibrada e imparcial, o que possibilitaria escolher os princípios mais adequados para o convívio

social.

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EDUCAÇÃO CRÍTICA E DIREITOS HUMANOS

Dayanne Vicentini

Universidade Estadual de Londrina – UEL

Bolsista Fundação Araucária.

[email protected]

Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui

Palavras-chave: Educação crítica; direito à educação; educação para a cidadania

O objetivo deste trabalho é registrar e analisar a concepção de direitos humanos, dignidade e

liberdade ligadas à educação. Para isto, tentaremos analisar os conceitos de dignidade humana e

liberdade, observando qual é o âmbito ideal para que eles sejam preservados. Tendo em conta

que a democracia não é uma invenção legal senão uma construção social, que se vai aprimorando,

ressaltaremos o papel da educação. A importância da pesquisa radica na necessidade de esclarecer

que tipo de educação preserva a liberdade, permite o desenvolvimento da autonomia e a

construção da democracia. Se bem é reconhecida a relação existente entre educação e política é

pertinente observar: que educação e que política queremos desenvolver. Não basta ter o direito à

educação, é preciso que esta educação forme indivíduos autônomos e conscientes de sua

responsabilidade política e críticos com a realidade. Este não é um trabalho pioneiro nem com a

pretensão de esgotar o tema, pelo contrário, é um trabalho que deve ser constante para orientar

nossas práticas docentes, que devem continuamente ser revisadas e melhoradas. O percurso

metodológico será bibliográfico. Entre os principais teóricos abordados temos a Della Mirândola,

que apresenta a dignidade humana e a liberdade fortemente ligadas; a proposta de cidadania pelo

teórico da democracia, Norberto Bobbio e, a sugestão da educação crítica apresentadas por

Michael Apple e Henry Giroux. Também recorremos a outros teóricos que tratam os temas

abordados como: direitos humanos, liberdade, democracia, dignidade humana, cidadania,

educação crítica. Trata-se de uma investigação que se situa na confluência entre educação e

direitos humanos.

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KANT E OS POSTULADOS DA RAZÃO PRÁTICA

Dean Fábio Gomes Veiga

Rejane Veissid

Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR

[email protected]

[email protected]

Palavras-chave: Kant; moral; razão

O objetivo deste trabalho é refletir acerca dos postulados da razão prática, conforme o problema

identificado dentro da filosofia kantiana, nas conclusões da Crítica da Razão Pura, o que

fundamenta a teoria do conhecimento do filósofo alemão. Nas conclusões, Kant estabelece os

limites de sua primeira crítica, ou seja, os limites da razão e da possibilidade do conhecimento

humano. A razão vê-se, então, em uma encruzilhada, pois força a si mesma a buscar

compreender postulados que em âmbito especulativo não lograra certamente êxito. Deste modo,

o problema da razão especulativa tornar-se-á o fundamento basilar das discussões presentes na

filosofia prática do autor, especialmente as presentes na Crítica da Razão Prática e na Fundamentação

da Metafísica dos Costumes. Sustentaremos o argumento de que Kant não faz uma cisão em seu

pensamento, tampouco divide a razão em esferas especulativa e prática, mas sim que a unidade da

razão é identificada dentro das discussões, sendo o objetivo central da filosofia kantiana o de

investigar os postulados da razão e sua operação em sentido prático. Ou seja, a preocupação

kantiana, desde a primeira Crítica, sempre fora o de constatar a possibilidade da moralidade

humana.

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DA CRISE DAS CIÊNCIAS AO MUNDO-DA-VIDA: O ÚLTIMO HUSSERL

Devair Gonçalves Sanchez

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Fenomenologia; mundo-da-vida; ciências

O presente artigo visa basicamente, num primeiro momento, explorar a postura do método

fenomenológico transcendental em meio à problemática da crise das ciências a partir da metade

do século XIX. Em seguida, deslindar a noção de mundo-da-vida (Lebenswelt) a partir da fase

tardia do pensamento husserliano. Pretende-se indagar qual seja a tipologia da crise na qual

estariam inseridas as ciências, de acordo com Husserl. Para tanto, far-se-á uma análise detida na

obra A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental. Para Husserl, a fenomenologia

transcendental deve ocupar-se com a análise dos fundamentos últimos de todas as ciências. A

necessidade de uma busca por fundamento provém da perda de sentido das ciências de um modo

geral e da própria filosofia em seu momento de crise, enquanto ciência das ciências. O conceito

de mundo-da-vida como proposta de reflexão na fenomenologia “tardia” equivalerá a um novo

panorama acerca da investigação do sujeito e de suas relações intersubjetivas. A abertura de

mundo deve levar em consideração o âmbito pre-categorial das vivências. Descrever as estruturas

que permitem essa abertura de caráter inédito no pensamento husserliano é tarefa do filósofo

como funcionário da humanidade. A busca pelo desvendamento do mundo-da-vida permitirá um

cuidado (Sorgen) com a humanidade também afetada no seio da crise europeia.

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LA MIGLIORE FORTEZZA CHE SIA, È NON ESSERE ODIATO DAL POPULO: A

PERSPECTIVA POLÍTICA DA ANÁLISE MAQUIAVELIANA SOBRE AS

FORTIFICAÇÕES

Douglas Antônio Fedel Zorzo

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CAPES/CNPq

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Ames

Palavras-chave: Maquiavel; guerra e política; arte militar; pensamento militar.

Muito próximo às discussões sobre a práxis governamental, Maquiavel apresentava uma

problemática que havia se revelado essencial para a manutenção das disposições políticas: a

questão militar. A abordagem, que buscava reatar os laços entre guerra e política, é testemunha

de um autor que norteia sua argumentação sobre a temática marcial a partir de posicionamentos

de cunho essencialmente políticos. É justamente mantendo a perspectiva política como pano de

fundo que Maquiavel encarava uma das questões mais proeminentes da arte militar do

Cinquecento: a construção das fortalezas. Nosso intuito, aqui, é o de delinear em que medida a

dimensão política se sobressai à compreensão militar desses mecanismos de fortificação. Em O

Príncipe, notamos Maquiavel fundar sua argumentação em um solo substancialmente político. As

fortificações apenas demonstram certa relevância em Estados onde a relação entre súditos e o

poder soberano não é desarmoniosa, ou seja, onde os governantes não são odiados pelos

governados. As providências militares dependem das deliberações políticas para evitar esse

sentimento popular, pois nenhuma construção arquitetônica é capaz de substituir o lugar

ocupado pelo povo na dinâmica de governo. Apenas a benevolência popular é capaz de conferir

segurança e estabilidade ao Estado, e não muralhas, afinal "a melhor fortaleza que existe é não ser

odiado pelo povo". Nos Discursos, as fortificações não apenas aparecem como incapazes de

ocupar um lugar pertencente ao povo, mas também são reputadas como altamente nocivas ao

aparelho estatal, exatamente por fragilizar a relação entre governantes e governados: as

fortificações apenas tornam visível a dominação, cristalizando o ódio dos homens. Assim, a

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crítica às fortificações é depositária das teorias políticas maquiavelianas. Ao destacar o malefício

que essas estruturas acarretavam à coletividade, o que estava em questão não era apenas a

efetividade militar, mas a fragilidade política dos Estados que as fortalezas buscavam maquiar.

Logo, ao basear a segurança estatal em edificações, o papel desempenhado pelo povo no jogo

político não apenas era drasticamente diminuído, mas convertido em algo potencialmente nefasto

à conjuntura política.

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DIFICULDADES CONTRAMAJORITÁRIAS:

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGITIMIDADE DO DIREITO EM

HABERMAS

Douglas Maranhão Marques

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – UNIVEL

[email protected]

Orientador: Profª. Ms. Kátia Salomão

Palavras-chave: Dificuldades contramajoritárias; legitimidade do direito; jurisdição

constitucional; democracia

A constante tensão a que vem sido submetida a noção de democracia é alvo de estudo dos mais

diversos campos das ciências sociais, de modo que o próprio direito circunscreve tal pesquisa aos

limites normativos eventualmente aplicáveis a tal imbróglio. A própria noção de legitimidade do

direito enquanto instituto social autônomo dita o tom da discussão democrática, através dos

embates intrínsecos às relações sociais essencialmente conflituosas, uma vez que o controle social

exercido por tal instituição revela uma face eminentemente paradoxal das jurisdição

constitucional enquanto ramo jurídico aplicado: a de estabelecer uma relação de equilíbrio entre a

vontade majoritária, em face da defesa de garantias mínimas substanciais que contenham avanços

políticos indevidos. A opção pela Teoria do Discurso de Jürgen Habermas como critério de

legitimação jurídica não é leviana, uma vez que o filósofo alemão é um dos mais proeminentes

membros da filosofia contemporânea a depositar em critérios de racionalidade os instrumentos

legitimadores do direito, sendo que as esferas das autonomias privadas e públicas coexistem

como fundamentos para as indagações propostas no estudo pretendido. Por fim, a concatenação

do discurso habermasiano com a crise de legitimidade sofrida pela jurisdição constitucional –

consoante a estruturação primariamente alheia ao corpo eleitoral soberano – ensejam a

pretendida análise das dificuldades contramajoritárias emergentes no seio interpretativo-

constitucional, sempre tomando por base a efetiva necessidade de estipulação do sujeito de

direitos como ponto de partida para a conceituação dos institutos pretendidos.

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VONTADE E AMOR EM SANTO AGOSTINHO

Prof. Ms. Douglas Meneghatti

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Vontade; amor; emoções; felicidade

A vontade é um dos temas filosóficos mais complexos e que suscitou o interesse de filósofos

como Santo Tomás de Aquino, Schopenhauer e Nietzsche. Os dois últimos acreditam que a

vontade é uma força originária presente na natureza como impulso de toda e qualquer forma de

vida. A partir dessa temática, analisaremos à vontade e suas implicações em Agostinho, tendo

como apoio o texto La filosofia della mente in agostino de Gerard O’Daly. A princípio deve-se frisar

que a vontade está intimamente ligada com o amor e tem por fim último à felicidade. No livro As

confissões, Agostinho sugere que o amor é a medida e a direção da vontade, de modo que

quando a vontade chega ao que lhe é desejado, passa a ser amor. No livro O conceito de amor em

santo agostinho, Hannah Arendt salienta: “amar não é mais do que desejar (appetere) uma coisa por

si mesma [...] o amor é desejo (appetitus)”. Assim, o fundamento de toda a ação é o amor, e a

própria vontade é levada a ação por seu intermédio. Convicto de que o homem está onde se

encontra o seu amor, o bispo de Hipona orienta que nem todo o amor deve ser amado: o homem

deve possuir a diligência de diferenciar as coisas passageiras das eternas, e regozijar-se com as

últimas. Não que as coisas passageiras sejam más em sua origem, compete ao homem reconhecer

sua hierarquia e dar a cada coisa o seu devido valor. Na perspectiva agostiniana, para a qual o

conhecimento implica o amor, quando conhecemos o bem passamos a amá-lo, por isso o homem

sente-se atraído pelo Criador que está no seu “interior”. Ou seja, se não conhecêssemos Deus

não o amaríamos, pois o homem busca o que, de um certo modo, já lhe é presente.

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A SOCIEDADE CHINESA E O DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo

Rosa de Lourdes Aguilar Verástequi

Universidade Estadual de Londrina - UEL

[email protected]

Palavras-chave: Educação de qualidade; avaliação internacional; PISA

O objetivo desta pesquisa é apresentar quais ações foram implantadas pela sociedade chinesa,

governo e escola, que beneficiaram a educação tornando-a de qualidade para todos, levando a

cidade de Xangai alcançar o primeiro lugar no PISA (Programa Internacional de Avaliação de

Estudantes). Compreendemos que pode haver qualidade educacional e desenvolvimento social,

mesmo em lugares que exista alto índice de pobreza. Sendo assim acreditamos que a educação se

constitui através de um processo no qual as mudanças são necessárias e são bem vindas as

modificações que supram a diferença estabelecida entre a educação para a elite e a educação para

as classes menos favorecidas, visando ajustar de forma igualitária e justa a diferença entre acesso,

oportunidade, e a qualidade de ensino. Buscamos através de nossa pesquisa relatar e expor

indicações e possibilidades para uma educação e escola de qualidade. Utilizamos como ponto de

partida o documentário, Destino e Educação: diferentes países, diferentes respostas (2011), exibido

pelo canal Futura em parceria com o SESI e pesquisa bibliográfica acerca de textos sobre: a

Educação, Avaliação, Órgãos Governamentais, UNESCO, Organização e Gestão da Escola.

Ressaltamos que o sucesso deste processo que mudou a realidade educacional dos grupos menos

favorecidos da sociedade chinesa se deu através da implementação de políticas públicas que

geraram investimento na educação, na modernização, nas pesquisas, treinamento dos professores

e também pelo fato de que as famílias assumem um papel de grande importância frente à

Educação de seus filhos.

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A PRIORIDADE DO TEMPO EM RELAÇÃO AO ESPAÇO NO PENSAMENTO DE

BERGSON

Eleandro Lopes Depieri

Maria Constança Peres Pissarra

Mestrando Diversitas- FFLCH/USP

[email protected]

Palavras-chave: Tempo; espaço; duração; intuição; método

A partir do resgate de alguns conceitos-chave, pretende-se analisar e compreender o problema da

relação tempo/espaço na filosofia bergsoniana. Afirmando que há duas maneiras de conhecer,

uma que se coloca do lado de fora do objeto, e a outra, por outro lado, que procura penetrar no

objeto do conhecimento, misturando sujeito e objeto numa mesma realidade, Bergson, afirma

que a primeira se prende a um ponto de vista, construindo uma ideia parcial do objeto, e a

segunda, por sua vez, apresenta-se como forma ampla e global de conhecimento. A ciência

moderna, na perspectiva bergsoniana, sustenta-se a partir apenas da primeira forma de

conhecimento, tendo em vista que se baseia somente na observação e análise do objeto. Assim,

para o autor em questão, essa ciência é responsável por construir um conhecimento parcial e

fragmentado. O caminho para se alcançar o conhecimento pleno da realidade consiste na adesão

da intuição como método. A intuição, para Bergson, é o método pelo qual se pode atingir um

conhecimento da realidade como uma totalidade. Ao contrário do método da ciência moderna, a

intuição, estabelece que a realidade deva ser pensada a partir do tempo e não do espaço. Com

base no conceito de intuição, o presente trabalho pretende compreender a inversão conceitual e

metodológica que Bergson promove ao considerar o tempo como prioridade em relação ao

espaço e, a partir dessa análise, resgatar a importância do pensamento bergsoniano, recolocando-

o como elemento central para a compreensão do pensamento contemporâneo.

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A COMUNIDADE CIENTÍFICA NAS CIÊNCIAS PURAS E APLICADAS

Erickson dos Santos

[email protected]

Palavras-chave: Ciência; tecnologia; comunidade

A comunidade científica tem imensa diversidade na sua composição. Sabe-se que seus numerosos

grupos agregam pessoas provenientes de carreiras concebidas, tradicionalmente, como

tecnológicas. Essa multiplicidade de pessoas confere diversidade na distribuição de valores,

composição de ideias, teorias, grupos e instituições que a ciência e a sociedade atual propagam

como representantes do conhecimento. Aquele que faz a ciência básica e aquele que faz a

aplicada, porém, não se distinguem, segundo Stokes (2005). Mas um praticante de alguma ciência

não pode ser descrito somente pela sua formação acadêmica (graduação, mestrado ou

doutorado). Sua linha de pesquisa, que nem sempre está ligada ao seu quadro de formação

original, também não pode ser o limite para que ele seja reconhecido como um cientista ou não.

De fato, a área de prática de investigação deve indicar para qual grupo tem de responder quando

expõe suas teorias e trabalhos a serem publicados. Desse modo, a responsabilidade da

comunidade é ser o juiz dos trabalhos que precisam ser avaliados como pertencentes ou não ao

campo científico e, também, quais, de fato, são de alcance notável para contribuir com a

continuidade daquela referida ciência. Assim, a proposta é estabelecer se há distinção para uma

comunidade de cientistas “puros” ou “aplicados”.

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SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA EM HEIDEGGER

Felipe Ricardo Deuter Becker

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados - PET, Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Libanio Cardoso

Palavras-chave: Filosofia; ciência; Heidegger

Na Introdução à filosofia (1929), Heidegger distingue filosofia de ciência. Nosso objetivo é

acompanhar essa distinção, ocupando-nos do modo como, em cada caso, o ente é considerado.

De fato, tanto a filosofia quanto a ciência parecem se preocupar, "em teoria", com o ente. Por

muito tempo, a filosofia foi mesmo vista como ciência. Se a questão parece ser a mesma – o que

é o ente? – qual será a diferença entre elas? Seria apenas o fato de a ciência se ocupar "na prática",

enquanto a filosofia se ocupa teoricamente com o ente? Não nos parece que seja assim. Apesar

de que, quando começamos a enunciá-la, uma distinção incisiva entre filosofia e ciência soe

estranha, podemos perceber que o núcleo que determina a ciência como ciência é bem diferente

do núcleo filosófico. Não pretendemos apresentar uma distinção histórica, isto é, contar como

cada qual se constituiu; pretendemos investigar o que elas são essencialmente, conforme a

distinção heideggeriana proposta na obra mencionada. Isto implica pôr em jogo a determinação

própria da filosofia e da ciência à medida que esses "saberes" se relacionam com o ser-aí em seu

modo de ser, ou seja, à medida que são comportamentos possíveis do ser-aí junto ao ente. Para

apresentar a distinção, pontuaremos, a partir da Introdução à filosofia: (a) o sentido de "verdade"

para a ciência e para a filosofia; (b) o modo como cada uma concebe história e historiografia; (c)

a relação de cada qual com a facticidade e o fático (facticidade e factualidade).

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LINGUAGUEM E POLÍTICA EM THOMAS HOBBES: CONSIDERAÇÕES SOBRE

O ESTATUTO DA LINGUAGEM

Francieli Constantini

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Alessandro Pinzani

Palavras-chave: Linguagem; política; signos; contrato; Hobbes

O presente trabalho procura analisar a relação que há entre linguagem e política na articulação do

pensamento de Thomas Hobbes, principalmente no que tange a argumentação da instituição do

estado civil, mediante o consenso das vontades dos homens, reunidas e acordadas na convenção

do contrato social. Posto que seja pelo contrato, que os homens abandonam sua fatídica

condição natural, nos interessa verificar as prerrogativas deste ‘evento’ sob os sinais da

linguagem, haja vista a ressalva de Hobbes de que sem a linguagem não poderia haver entre os

homens, nem Estado, nem sociedade, nem contrato e tanto menos a paz. Ademais, nota-se a

função díade que a linguagem conserva; é positiva, na medida em que contribui para o avanço do

conhecimento ao auxiliar adequadamente à razão no cálculo com nomes; e negativa quando

produz engodos e inverdades que levam ao erro e a sedição. Tal caracterização destaca o valor da

linguagem no interior da filosofia hobbesiana, operando positiva e/ou negativamente,

dependendo dos contextos, ações e intenções dos homens.

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ANÁLISE DO NOVO PRINCÍPIO DE REALIDADE E DO

LUGAR SOCIAL DA NEGAÇÃO EM HERBERT MARCUSE

Gerson Lucas Padilha de Lima

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Rosalvo Schütz

Palavras-chave: princípio de desempenho; lugar social da negação; novo princípio de realidade

Para Marcuse a visão de que apenas o proletariado de fábrica é o agente social da revolução não

mais se coaduna com a realidade do capitalismo. Esta constatação levou a considerar necessário

ampliar o lugar social da negação herdado da tradição marxista. Isto não o levou a fazer uma

revisão, mas uma restauração do pensamento marxista, libertando a dialética dos conceitos

petrificados, unindo-a com a práxis e assim pensando a realidade a partir daquilo que é possível e

deveria ser. Marcuse parte do referencial teórico freudiano da contraposição do princípio do

prazer e da realidade, para pensar um novo princípio de realidade, orientado por mudanças

qualitativas no plano psíquico e social do ser humano. Estes novos aspectos revolucionários

podem ser encontrados em temas como arte, a sensibilidade, os movimentos sociais e outras

formas de anseios e necessidades concretas.

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A MULTIDÃO DE ESPINOSA E A PRIMAZIA DA RESISTÊNCIA DE FOUCAULT

E DELEUZE NA TESE DE NEGRI E COCCO EM “GLOB(AL):

BIOPODER E LUTA EM UMA AMÉRICA LATINA GLOBALIZADA”

Gilson Arend

Vania Sandeleia Vaz da Silva

[email protected]

Palavras-chave: Resistência; multidão; Espinosa; Foucault; Deleuze

Antonio Negri e Giuseppe Cocco no livro Glob(Al): Biopoder e luta em uma América Latina

globalizada, publicado em 2005, questionam as interpretações dominantes a respeito da dependência

latino-americana a partir do conceito de multidão – originário do filósofo holandês Bento

Espinosa (1632-1677) – e da noção de primazia da resistência – tal como formulada por Michel

Foucault (1926-1984) e por Gilles Deleuze (1925-1995). Se concordarmos que “a tendência à

recomposição da frente global das lutas dá um caráter de urgência à retomada de um debate

teórico, tanto múltiplo, quanto voltado para a construção de bases comuns”; será que Negri e

Cocco (2005, p. 17) foram capazes de apresentar a resistência da multidão (“a nova figura subjetiva que

o proletariado forjou para a própria expressão constituinte”) de modo a conferir “universalidade à

análise revolucionária”?

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A PROPOSTA DIALÓGICA DE PAULO FREIRE NO AMBIENTE HOSPITALAR:

A INCLUSÃO DA CRIANÇA HOSPITALIZADA

Giovanna Takata Liberatti

Universidade Estadual de Londrina - UEL

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui

Palavras-chave: Dialogicidade; educação de criança hospitalizada; pedagogia hospitalar

Esta pesquisa tem como objetivo ressaltar a importância do diálogo no ambiente hospitalar, com

a finalidade de promover a educação das crianças internadas. Para isto, veremos a situação crítica

das crianças hospitalizadas; depois, ressaltaremos as características humanizadoras do diálogo e,

por último, trataremos de observar a situação especial do diálogo em ambiente hospitalar e seus

benefícios. O referido diálogo apresenta características particulares, tendo como sujeitos do

processo o paciente, a equipe médica, os educadores e a família, entre outros. As características

particulares do ambiente hospitalar trazem situações não convencionais na educação formal. A

importância da pesquisa é que existe uma carência sobre o tema proposto no meio acadêmico, e

também a necessidade de levantar uma reflexão sobre a necessidade e os benefícios que traz a

modalidade de ensino proposta. A pesquisa é bibliográfica e temos como principal referencial A

Pedagogia da autonomia, a Pedagogia do oprimido e a Pedagogia da esperança de Paulo Freire. O trabalho

pretende trazer uma colaboração acadêmica através da reflexão sobre a necessidade do diálogo e

sua potencialidade na práxis docente e também de alguma maneira colaborar com o desempenho

dos docentes que exercem a pedagogia hospitalar.

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O CARÁTER ONTOLÓGICO DOS CONCEITOS DE “NÁUSEA”, EM SARTRE, E

DE “ANGÚSTIA”, EM HEIDEGGER

Guilherme Gonçalves Ribeiro

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Filosofia da existência; tonalidades afetivas; angústia; náusea

O debate a respeito de conceitos filosóficos centrais para dois pensadores implica que,

primeiramente, se apresente o significado de cada conceito a partir da filosofia em que aparece.

Pretendemos tratar da “angústia” na filosofia de Heidegger, em especial como concebida em Ser e

Tempo (1927), e, em seguida, do conceito de náusea em Sartre, conforme exposto, sobretudo, no

romance A Náusea (1938), com isso buscaremos fazer uma comparação mostrando em que

medida estes dois conceitos podem ser vistos de forma ontológica. Heidegger compreende que a

constituição ontológica dos entes é composta por traços existências, referindo-se ao o ser-aí,

(Dasein), que não se fundamenta por uma essência porque é puramente existência, um âmbito que

possibilita ao ser se “apresentar como” dentro de um contexto. O ser-aí não se define como um

ente entre outros, mas sim como uma abertura que possibilita todos os sentidos de ser. A

disposição é um dos traços existenciais, e diz respeito à forma com que mundo se abre. É

fundamental que o ente se apresente como algo em determinado contexto, mas, antes disso, que

o contexto em geral toque afetivamente o ser-aí. A angústia é a mais fundamental entre o que

Heidegger chama de “disposições afetivas”. O ser-aí se dá inicialmente conta de si mediante uma

dessas disposições; e a Angústia abre o mundo: deixando o ser distante e sem fundamento,

esvaziando todos os sentidos dos projetos vividos e o projeto em geral, ou seja, angústia permite

que o ser-aí se veja fora do contexto em que está inserido como ente, permite que o ser-aí se veja

frente ao seu próprio ser e possa decidir-se livremente por se assumir ou fugir. O conceito

sartriano de "náusea", por sua vez, indica um sentimento de estranhamento com o mundo e

consigo mesmo. Aparentando ser um caráter ôntico e não ontológico, primeiramente, a náusea

permite que o homem perceba sua existência como algo indiferente no mundo, e pior, como algo

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que o magoa, mas, simultaneamente, não há modo de fugir dessa existência. No entanto, segundo

a leitura feita, a náusea pode se revestir de um aspecto ontológico, uma vez que joga o próprio

homem face à sua existência e lhe permite enxergar que ele mesmo é a náusea que o corrói e que

não há como escapar dela, apenas aceitá-la.

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O ENSINO DA FILOSOFIA,

A EJA E A ESCOLA JOAQUINA MATTOS – CEEBJA/CASCAVEL, PR

Hélio Clemente Fernandes

[email protected]

Nilva Aparecida F. da Silva

[email protected]

Palavras-chave: Filosofia; humanização; história; EJA; sujeito

Intenta-se com este trabalho realizar algumas considerações acerca da educação de jovens e

adultos (EJA) tendo como ponto de observação as aulas de Filosofia realizadas no Escola

Joaquina Mattos Branco, CEEBJA, Cascavel-PR, em maio/junho de 2013. A partir do

materialismo histórico dialético objetiva-se contribuir com o debate sobre a importância dos

estudos filosóficos. Entendemos ainda que toda educação precisa contribuir com a hominização,

isto é, o homem é o centro de toda ação pedagógica que visa a emancipação do ser social. O

referencial teórico que perpassa esse trabalho liga-se ao materialismo histórico-dialético, pois

compreendemos que as categorias de totalidade e contradição são fundamentais em toda

investigação científica. Nesse intuito e por questões teórico-metodológicas, num primeiro

momento, apresenta-se um breve resgate histórico do ensino da Filosofia no Brasil, tendo como

parâmetro a EJA. Na sequência, realiza-se uma pesquisa de campo entre os 43 estudantes que

frequentaram esta disciplina. A finalidade é perceber as contribuições do ensino da Filosofia para

com a formação do sujeito humanizado, consciente e participativo. Por fim, algumas

considerações finais são elencadas.

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CONHECIMENTO DO MUNDO EXTERNO NO PENSAMENTO DE DESCARTES

Isis Moraes Zanardi

Centro Universitário Franciscano

[email protected]

Orientador: Profª. Solange Dejeanne

Palavras-chave: Deus; conhecimento de si; mundo externo

Descartes afirma que o conhecimento que temos em sua mente é certo, pois se tem

conhecimento sobre si mesmo, e que não pode duvidar de suas crenças acerca da sua própria

existência e de seus próprios pensamentos. Este conhecimento contém três atributos: é

incorrigível, desde o momento que não se pode enganar acerca das crenças sobre si mesmo; é

imediato, toda a vez que tem conhecimento sobre seus pensamentos, tem consciência deles; e é

evidente, de tal modo que se pensa em algo, sabe que este pensamento está realmente

acontecendo. Descartes na obra O discurso do Método redigiu os preceitos metodológicos

complementares da evidência, que devem seguir os imperativos da razão. De acordo com esses

preceitos, a partir da dúvida (ceticismo metódico), Descartes acaba por descobrir uma primeira

certeza: ego cogito, ergo sum - penso, logo existo. O método descrito e aplicado pelo filósofo tinha

por preocupação como conhecemos e como podemos ter acesso a ideias verdadeiras que fossem

imunes ao erro. E para a realização deste processo, Descartes necessitou analisar cuidadosamente

as fontes do conhecimento, como os sentidos e o próprio, espírito, lançando mão no último caso

da hipótese da existência de um Deus enganador. A proposta do trabalho será a partir do que o

autor entende como “eu”, cuja existência é descoberta através do cogito e este é “ uma coisa que

duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que

sente” (DESCARTES, 1979, p. 95). Descartes não invalida a hipótese do Deus enganador e eis o

porquê se deve a analise se há um Deus e se ele não é enganador sob pena de Descartes ter que

suspender o juízo acerca do mundo externo ao sujeito pensante.

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KANT E A FUNDAMENTAÇÃO DE DEVERES MORAIS A PRIORI

Jaime José Rauber

Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR

[email protected]

Palavras-chave: Kant; teoria moral; fundamentação

O objetivo da presente comunicação consiste em mostrar que os princípios éticos estabelecidos

com base na filosofia moral de Immanuel Kant são necessários e universais e que, como

consequência, não abrem espaço nenhum para exceções. Tal exigência é fruto do sistema da

filosofia kantiana que, por princípio, apresenta-se livre de toda e qualquer influência sensível. Na

Dissertação de 1770, Kant já deixou claro que a filosofia moral e os conceitos morais devem ser

tratados sob um viés metafísico, ou seja, por uma filosofia pura, que não recebe nem busca nada na

experiência sensível. Nessa mesma linha de raciocínio, na Crítica da Razão Pura afirma que, no que

se refere à natureza, a experiência pode nos dar conceitos empíricos e é fonte da verdade, mas no

que se refere às leis morais "a experiência é (infelizmente!) a madre da aparência e é altamente

reprovável extrair as leis acerca do que devo fazer daquilo que se faz ou querer reduzi-las ao que é

feito" (CRP, B 375). Se, na primeira Crítica, Kant mostrou que é somente pela razão pura que se

pode alcançar um conhecimento seguro, isto é, um conhecimento que seja necessário e universal,

este é também o caminho adotado pelo autor para estabelecer o princípio supremo da moralidade

(imperativo categórico) e os fundamentos de toda a sua teoria moral, o que fica evidenciado na

Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática. Uma teoria moral na qual a

experiência constitui seu fundamento não alcança necessidade nem universalidade, que são as

características marcantes de um princípio moral puro (a priori). Com efeito, os deveres

estabelecidos com base no imperativo categórico encontram seu fundamento na razão prática

pura e, como tais, não abrem espaço algum para exceções, uma vez que qualquer exceção

pretendida encontra seu fundamento em princípios sensíveis e não na razão pura.

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A CONCEPÇÃO DE NATUREZA HUMANA NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE

GRAMSCI

Jarbas Mauricio Gomes

PPGE-UFSCar/CNPq

[email protected]

Palavras-chave: Natureza humana; filosofia da práxis; Gramsci

O presente trabalho é uma analise da concepção de natureza humana a partir dos Quaderni del

Carcere (Q) de Antonio Gramsci (1891-1937). O problema da natureza humana emerge como

parte de sua reflexão sobre os fundamentos da filosofia da práxis, enquanto critica a

sistematização da concepção de mundo dos grupos sociais subalternos. Para Gramsci, toda

Filosofia tem início com a reflexão sobre a natureza humana, cuja concepção não é ponto de

partida da investigação, mas o seu resultado. A concepção de natureza humana deve ser deduzida

da observação do homem e de sua vida e, por isso, não pode ser encontrada no homem

particular, mas, sim, em toda a história do gênero humano (Q 7 § 35). Este princípio está

implícito, para Gramsci, inclusive na proposição moderno-burguês de que é “homem” aquele que

tem posses, uma realidade historicamente situada acerca da posição dos indivíduos no mundo e

na vida social (Q 15 § 29). Para ele, não se pode subtrair da concepção de natureza humana a sua

historicidade, isso criaria uma concepção genérica que conduziria ao anacronismo por conceber

que o homem é sempre o mesmo no tempo e no espaço (Q 10 §12). Por ser histórica, a natureza

humana se realiza na síntese unitária entre pensamento (filosofia) e ação (política), mediada pelas

relações entre os homens e as forças materiais presentes na direção política e na transformação da

natureza (Q 10 § 48). Ao pensar sobre si e os outros, o homem quer saber aquilo que é e aquilo

que pode vir-a-ser. Em outras palavras, à medida que cria a si mesmo. Por este motivo, a

indagação sobre o que é o homem e a sua natureza é a primeira e a principal pergunta da

filosofia. (Q 10 § 54). Para Gramsci, na filosofia da práxis a concepção de natureza humana é

sempre datada, resultado de uma investigação dialética acerca do Ser e daquilo que o homem é em

sua totalidade histórica, sem desconsiderar suas contradições e particularidades.

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LEIBNIZ E A SUPERAÇÃO DA NOÇÃO CARTESIANA DE SUBSTÂNCIA

Prof. Dr. João Antônio Ferrer Guimarães

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Racionalismo; substância; mônada

O cartesianismo impôs à modernidade uma nova perspectiva para a noção de substância. Ou seja,

o cartesianismo reelaborou a noção de substância tendo em vista a superação da noção

aristotélico-escolástica – mais precisamente a noção de forma substancial – que se impunha como

única resposta possível para a investigação metafísica e consequente interação do ser na

multiplicidade dos entes. Ao propor o dualismo substancial, Descartes impôs uma distinção não

apenas entre substância infinita e substâncias criadas, mas também entre pensamento e matéria;

este aspecto, se por um lado reduzia a quantidade de elementos aptos ao status de substância, por

outro lado implicava o acréscimo de problemas que levaram a um conflito e consequente

desconfiança sobre a existência real das substâncias nos termos do cartesianismo. Leibniz surge

em plena vigência do problema da relação entre matéria/mundo pensamento/sujeito; ou seja,

enfrenta o problema de como explicar a essência da realidade via noção de substância, bem como

da possibilidade de comunicação entre substâncias. Ao mesmo tempo em que pretende

impulsionar o racionalismo, acredita ser possível uma síntese partindo da posição cartesiana e

incorporando elementos da tradição – recuperando basicamente a noção de forma e a noção de

causalidade final, ambas eliminadas pelo cartesianismo – com o intuito de apontar um novo

sentido para a noção de substância. A estratégia para a superação do cartesianismo consiste em

apresentar o real sob dois aspectos: por um lado o substancial é apenas o inextenso, negando,

portanto, a res extensa como substância e, por outro lado, afirmando que as substâncias são

infinitas. A noção de Mônada – derivada do grego monas, unidade, um – é uma força indivisível

que dá forma aos corpos compondo suas características essenciais e contendo em si, portanto,

atividade plena. Pretendemos mostrar como, tomando a noção de Mônada como única

substância, Leibniz pretende superar a noção cartesiana de substância.

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FILOSOFIA E DIREITO:

A CONTRIBUIÇÃO DE E. PACHUKANIS PARA A CRÍTICA MARXISTA DO

DIREITO

João Guilherme Alvares de Farias

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP

[email protected]

Palavras-chave: Direito e marxismo; forma jurídica e forma mercantil; sujeito de direito e

capitalismo

Alysson Mascaro (2010) afirma que a filosofia do direito, que é tão somente um tema da

filosofia, pode, por vezes, apresentar-se, tanto para os juristas, quanto para os filósofos, como

um ponto de “intersecção” que acaba por alijar a ambos. Por isso, a importância desta

comunicação reside em ampliar o debate em torno da filosofia e do direito. Desse modo,

o presente estudo visa apresentar o pensamento de Evgeni Pachukanis (1891-1937), jurista

soviético que colaborou para o desenvolvimento da crítica marxista do direito. Pachukanis

desempenhou importante papel junto à Revolução de Outubro de 1917, processo no qual

esteve presente como “juiz popular” do Comitê Militar-Revolucionário e, mais tarde, como

membro do Tribunal de Cassação do Comitê Central Executivo da RSFS da Rússia. No

entanto, foi apenas em 1924 que Pachukanis, como membro da Academia Comunista,

promoveu uma verdadeira revolução no modo de conceber o fenômeno jurídico, isto é, com

a publicação de sua obra Teoria Geral do Direito e Marxismo, evidenciando a natureza íntima do

direito no processo de valorização de troca: elemento que possibilita, por meio da

subjetividade jurídica, o intercâmbio de mercadorias. É assim que, partindo da rigorosa leitura

da obra de Marx, Pachukanis se utilizará do método presente em O Capital, para reconstruir o

direito como totalidade concreta (KASHIURA, 2013), o que nos permitirá perceber que “o

direito é a lógica de reprodução do capital” (MASCARO, 2013) e que, portanto, a forma

jurídica, cuja elaboração teórica parte da categoria mais abstrata, isto é, do sujeito de direito,

está para o direito tal qual a forma mercantil, projetada na mercadoria, está para a economia

política.

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LAKATOS: A CRÍTICA À PESQUISA CIENTÍFICA

João Vitor de Oliveira Rego

Pedro Augusto Baleroni

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Filosofia.Ciência.Pesquisa.

Imre Lipschitz nasceu em Decebren, Hungria, no ano de 1922, e lá viveu com sua família de

origem judia, se formou na Universidade local, cursando Física, Matemática e Filosofia, por sua

família sofrer perseguição Nazista, alterou seu nome inúmeras vezes, por fim fixando em Imre

Lakatos, em homenagem ao matemático Grego Lakatos, por seus estudos em Geometria.

Durante o auge do Partido Nazista, Lakatos participou ativamente do partido Comunista

húngaro, onde auxiliou a produção de um manifesto do partido Comunista Húngaro, por

motivos internos saiu do partido, e foi a Lodon School of Echonomics, onde focou seus estudos

inicialmente em Geometria Analítica e, por fim, em Filosofia da Ciência, Epistemologia. Na sua

primeira obra, Criticism and the growth of knowledge, Imre Lakatos apresentou uma teoria

Falsificacionista, em resposta a obra de Thomas Khun, nessa obra Lakatos apresentou que o

conhecimento é uma forma de adaptação da natureza ao homem, de forma que a visão do

homem é revisada sobre o objeto “observado”, assim tendo uma forma de equívoco, mas

podendo conter nela o necessário para ser considerada relevante e até mesmo verdadeira no

momento. Em sua segunda obra, Proofs and Refutations, Imre formulou um teorema de base na

geometria analítica, a partir da relação e interação das informações presentes nessas formas, nessa

mesma obra ele apresenta que nenhum teorema é perfeito, sendo somente justificado a partir de

exemplos para a época. Em sua terceira obra, The Methodology of scientific research Programes, Lakatos

apresenta que, ao contrário do que se quer apresentar, a ciência não é neutra e imparcial, mas

tende ao que o cientista tem como conceitos e pré-conceitos, diz também que a ciência não é

feita individualmente, mas por um núcleo de pesquisa, sendo esse atual ou do passado, circulado

por um “cinturão”, defendido por bibliografia e conhecimentos prévios. Sua última obra,

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Mathematics, science and epistemology, é considerada a continuação de sua terceira obra, nela ele

discorreu sobre seu pensamento e todas sua obras anteriores, formulando uma antítese delas,

onde ele adapta seu teorema matemático para sua concepção de epistemologia.

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A IMPOSSIBILIDADE DA FELICIDADE PLENA SEGUNDO MICHEL HENRY

João Willian Stakonski

Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS

[email protected]

Palavras-chave: Michel Henry; felicidade; desejo; beatitude

O presente artigo traz reflexões sobre uma interpretação possível das teorias do filósofo

contemporâneo Michel Henry acerca de duas concepções de felicidade defendidas por ele, a

saber, saciedade dos desejos, por um lado, e, por outro, beatitude, a aquietação da alma. O

objetivo deste trabalho é esclarecer, de modo sucinto, a tese de que, segundo o pensamento de

Henry, a felicidade plena é praticamente inalcançável, o que é sustentado pela incompatibilidade

entre o constante desejo e a felicidade. Henry defende que a felicidade é a plenitude da alma e sua

aquietação, mas que o desejo, eternamente inquieto, tenta sempre alcançar o que está além de si e

apossar-se, com sua extensão infinita, de objetos da ordem do finito. Além de uma simples

síntese da teoria henryana, se procurou fazer um paralelo com as concepções de felicidade de

Aristóteles e de Epicuro, buscando similitudes que facilitem a identificação ou resolução deste

problema, como se um mesmo agente unisse sua prática à teoria de Henry e à de um dos dois

outros filósofos, buscando nelas a completude que falta à fenomenologia da vida no que tange à

felicidade.

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WITTGENSTEIN, SUA FILOSOFIA E SEU ‘ENSINO’:

DESAFIOS À PRÁTICA FILOSÓFICA DO PROFESSOR-FILÓSOFO NA

CONTEMPORANEIDADE

José Carlos Mendonça

Bolsista UNESP/CAPES/FAPAC

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo

Palavras-chave: Filosofia; ensino; educação filosófica

O presente trabalho tem por objetivo uma reflexão que vise repensar um ‘sentido’ outro à prática

de filosofia na contemporaneidade, no contexto de ensino, encarando-a como um problema

filosófico. Ou seja, por meio de uma reflexão propositiva, intenta-se repensar a questão da

‘educabilidade’ da filosofia na contemporaneidade, e aí os desafios impostos ao professor e

filósofo, tendo como referência a concepção wittgensteiniana de filosofia como um “trabalho

sobre si mesmo”. A tal objetivo, toma-se como pressuposto aproximações conceituais da

filosofia como atividade à arte de viver, tais como os “exercícios espirituais” de Pierre Hadot e o

“cuidado de si” de Michel Foucault. Tal proposição tem seu bojo tanto em vivências e

experiências de um ofício, o de filosofia, - e, nesta prática, aquilo que me afeta e problematiza na

relação com a filosofia: “Qual é o sentido da Filosofia, e seu ensino, no espaço em que vivemos?”;

quanto na pesquisa de doutoramento em vigor, cuja temática está atrelada ao objeto de análise.

De forma mais precisa, objetiva-se demarcar os principais elementos pelos quais, a partir do

referencial mencionado, quando no contexto de vida atual a ‘filosofia’ e seu ensino, esvaída de

seu sentido educativo, tornou-se um problema de cunho ético-pedagógico. Assim, impõe-se a

questão: “Quais as implicações e os desafios à própria filosofia, e ao seu ensino, com a concepção

de filosofia como um trabalho sobre si mesmo?”. Para o desenvolvimento da questão, propõe-se:

1) Apresentar os principais elementos da noção de filosofia como trabalho sobre si mesmo em

Wittgenstein, circunscrevendo-a em seu contexto problemático; fazendo uma aproximação ao

conceito de “exercício espiritual” hatotiano; 2) Apontar e analisar as implicações ético-

pedagógicas que a noção de filosofia como “trabalho sobre si mesmo”; fazendo na medida do

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possível uma aproximação conceitual ao “Cuidado de Si” de Michel Foucault; e, por fim, 3)

apontar em que medida as mesmas são um desafio à filosofia e aos envolvidos nesta prática, no

contexto de ensino e de vida atual.

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OS VÁRIOS USOS DE LIBERDADE NA OBRA DE MAQUIAVEL

Prof. Dr. José Luiz Ames

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CNPq

[email protected]

Palavras-chave: Maquiavel; liberdade; necessidade; conflito

Libertà é dos termos mais frequentes do léxico maquiaveliano. Apesar de prevalecer o sentido de

liberdade como liberdade política, Maquiavel não reduz seu uso a apenas esta concepção.

Elucidar este sentido mais amplo será importante para compreender sua concepção de liberdade

política. Iremos apresentar em um primeiro momento os usos comuns de libertà, depois a relação

de liberdade e livre arbítrio para, finalmente, mostrar como estes sentidos convergem na

concepção maquiaveliana de liberdade política propriamente dita. Uma primeira acepção geral de

liberdade presente na obra de Maquiavel é a que a identifica com liberdade de cativeiro físico. Neste

sentido, ser livre corresponde a não estar preso, a não ser refém de alguém. É, pois, liberdade

como ausência de submissão ou de servidão; ou, formulado positivamente, liberdade como

afirmação da capacidade de autodeterminação de seu agir. Um segundo uso de liberdade

corresponde à ideia de ser “livre de” no sentido de falta ou de estar desfrutando ou sofrendo a

ausência de algo. Ser livre, neste caso, é não estar dependente de algo capaz de tolher a

capacidade de autodeterminação; ou, como dizia Aristóteles, de impedir alguém de ser causa

interna de seu agir. Uma terceira acepção geral de liberdade é a de um estado mental ou

psicológico, como no caso de sentir-se livre do medo. Neste caso, “medo” é aquilo que tolhe o

poder que a pessoa tem sobre si mesmo e sobre seus atos impedindo-a de ser causa interna de

sua ação, como dizia Aristóteles. Como devemos pensar a relação entre liberdade humana e

necessidade natural? Significaria isso que o homem é livre somente em determinadas condições?

Nos exemplos utilizados por Maquiavel evidencia-se que, devido à presença do livre arbítrio, o

homem é livre sempre, por mais que sua liberdade possa estar limitada ou obstaculizada por

outros fatores. A liberdade não é licença, mas capacidade de ajustar a “natureza” individual

(“modo de ser e de costumes”) à “natureza” dos tempos (a “fortuna”). Na obra de Maquiavel,

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livre arbítrio denota a independência do espírito humano, a afirmação da capacidade humana de

fazer escolhas que situam o homem como responsável pelo curso da história. Na maneira como

utiliza a expressão, fica claro que não concebe livre arbítrio como um poder incondicionado pelo

qual seria capaz de impor-se às adversidades ou de sujeitar seus desejos à razão: o livre arbítrio é

limitado pela fortuna e pela necessidade. No entanto, por fortuna Maquiavel não concebe uma

atividade cósmica abstrata, mas uma força que atua em circunstâncias históricas concretas, em

configurações políticas e sociais bem determinadas e que pode ser enfrentada pela virtù; por

necessidade não concebe a coação inelutável da natureza, física ou humana, mas configurações

históricas ou naturais que atuam como “aguilhão” da ação política. Assim, apesar de enfatizar o

livre arbítrio como capacidade prática de modificar e/ou influenciar os acontecimentos

históricos, não se faz presente a tendência à interiorização própria ao cristianismo da época. Livre

arbítrio não é compreendido como a vida interior do homem que delibera sobre as escolhas

existenciais para decidir-se por aquelas mais concordantes com sua condição espiritual de criatura

diante de Deus. Livre arbítrio, pelo contrário, é a afirmação da capacidade prática do homem de

ser autor da história subtraindo-a das mãos da Providência Divina, mas também de uma fortuna

ou necessidade inexoráveis. O homem é livre (ou é capaz de livre arbítrio), para Maquiavel,

sempre no quadro de uma vida associada, de uma coletividade humana determinada. Libertà e

libero arbitrio não são experiências humanas que podem ser ditas de um singular na interioridade

de seu espírito, mas da relação deste homem com os demais dentro de uma coletividade política.

Maquiavel jamais se ocupa destas expressões como se fossem essências abstratas ou metafísicas.

Assim, libertà é algo que se diz, fundamentalmente, de uma cidade: livre é uma cidade, e ainda que

libertà possa ser uma experiência do homem, pressupõe uma comunidade política concreta na

qual esta possibilidade se realiza. Cidade livre, uma vez que é disso que se trata

fundamentalmente, é aquela que vive sob suas próprias leis (con le loro leggi) e não sob o domínio

estrangeiro. O contrário de cidade livre é servitù, termo que Maquiavel utiliza para caracterizar a

cidade governada por estrangeiros, independente de sob quais instituições governem ou se agem

com clemência ou com crueldade. A salvaguarda da liberdade está em evitar cair, internamente,

na servidão de uma tirania e, externamente, sob a dominação de outra potência.

Consequentemente, a liberdade pode existir em dois planos distintos: a liberdade dos cidadãos

sob uma república e a liberdade da república enquanto forma de organização política diante das

demais potências. Podemos denominar a primeira de liberdade no Estado e a segunda de

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liberdade do Estado. Uma e outra devem ser entendidas, sobretudo, não como liberdade

individual, mas como liberdade do corpo político no seu conjunto. A liberdade externa, ou

liberdade do Estado, consiste fundamentalmente na autonomia diante dos demais Estados. Livre

é o Estado que se autodetermina. O meio mais importante para assegurar a liberdade externa é a

existência de um exército próprio. A força das armas é também o meio mais eficiente para

readquirir a liberdade quando o Estado sofre uma intervenção estrangeira. A liberdade interna,

ou liberdade no Estado, pode ser equiparada com as estruturas institucionais próprias às

repúblicas. Liberdade no Estado é, assim, antes uma qualidade da coletividade inteira que do que

de algum membro em particular. Podemos distinguir, no tratamento que Maquiavel confere à

questão, uma concepção negativa de outra positiva da liberdade interna. Negativamente, a

liberdade é definida (a) por oposição à tirania, (b) por contraste ao governo principesco e (c)

como ausência de facções. Além destas três modalidades de definição negativa da liberdade

interna, Maquiavel também oferece uma definição positiva a qual consiste, fundamentalmente,

em identificá-la às repúblicas: somente as repúblicas dispõem de estruturas institucionais capazes

de assegurar de modo duradouro o vivere libero. Maquiavel não vê a liberdade como um fim em

si, como uma ideia abstrata ou como um direito natural tal como será considerada a partir dos

jusnaturalistas modernos. A liberdade é valorizada por seus efeitos benéficos sobre o cidadão e a

coletividade. Ela se define na ação e somente nela tem existência efetiva. Importa a Maquiavel a

ação política, a ação pública. Em suma, Maquiavel entende que a liberdade somente pode existir

no seio de uma coletividade que se autogoverna. Isto implica que, para ser livre, é preciso

cumprir determinadas ações (participação ativa na vida pública) e perseguir determinados fins (o

bem público). Maquiavel não imagina que isso aconteça espontaneamente. Cabe à lei produzi-lo:

a lei produz a liberdade ao obrigar os cidadãos a participar da vida pública e ao impedi-los de cair

no precipício onde a ligação entre autogoverno e liberdade civil seria perdida de vista.

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O ALÉM-DO-HOMEM DE NIETZSCHE NA OBRA CRIME E CASTIGO DE

DOSTOIÉVSKI

José Luiz Giombelli Mariani

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo

[email protected]

Palavras-chave: Crime; castigo; ressentimento; Ubermensch; moral

O autor russo Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881) escreveu diversas obras, dentre elas

Crime e Castigo, que é o seu primeiro grande romance. A história narra um crime que se passa em

São Petersburgo. Este crime fora premeditado e fundamentado por uma teoria, segundo a qual a

humanidade era dividida em homens ordinários, que vivem conforme a sociedade e a moral

tradicional e homens extraordinários, que têm atitudes extraordinárias e nada deveriam sofrer

com elas – um exemplo: Napoleão. O protagonista se toma por extraordinário e comete o crime;

porém, antes mesmo de o crime acontecer, ele começa seu castigo, seu ressentimento e sua culpa.

Um filósofo contemporâneo que trata desse assunto é Nietzsche (1844-1900); através do

conceito Ubermensch, ele tem em vista aqueles que ultrapassam o estabelecido e impõem novos

valores. O Ubermensch aqui é visto como criador de novos valores e de uma nova moral,

precisando expulsar de dentro de si o medo, a culpa, a noção de Deus ou de deuses e de

transcendência. O presente trabalho traz uma relação entre a obra de Dostoiévski, da história de

Raskólnikov, com a transgressão do ressentimento produzido por uma moral cristã, examinando

a necessidade de criar novos valores – superando o “homem” –, como pensava Nietzsche.

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A RELEVÂNCIA DA NOVIDADE E DA ALEGRIA PARA A ECONOMIA,

RELIGIÃO E POLÍTICA

Josete Rockenbach

[email protected]

Palavras-chave: Alegria; economia; religião; política; novidade

A novidade merece atenção como um elemento norteador das atividades e das relações entre os

homens. Para a economia, religião e política a novidade é a causa da alegria, e, apresenta-se de

diferentes formas. A economia (SCHUMPETER) explora a ‘inovação’ como estratégia para o

desenvolvimento e crescimento, aumentando o poder de compra, e garantindo a aquisição de

coisas e serviços. Para assegurar o crescimento, fomenta-se que o ‘novo produto’ vai apresentar

algo ‘melhor’, e, ao se tornar real já há outra possiblidade de ser mais alegre na próxima inovação.

O poder de compra é o que se busca, ao mesmo tempo, pelas esferas produtiva e consumidora, e é a

origem do movimento que acontece no sistema econômico. Para a religião cristã, a Boa Nova

indica o único caminho para o Reino de Deus. Jesus, Filho encarnado de Deus traz essa Boa Nova

a todo povo. O Reino se torna realidade quando a missão estabelecida for cumprida e então

reinar entre os homens fraternidade, justiça, paz e dignidade. Anunciar a Boa Nova é para

transformar toda a tristeza em alegria. Quanto à atividade política (ARENDT), esta é para

garantir a todos a liberdade, que se refere à capacidade humana de iniciativa. O indivíduo, ao

iniciar sua ação no mundo comum aos homens, sente a alegria, experimenta a vida com uma

intensidade que supera a mera manutenção da vida. Garantir isso às futuras gerações suscita o

poder e provoca a iniciativa para resguardar a liberdade no mundo comum aos homens. A

inovação, a Boa Nova e a iniciativa suscitam as relações humanas, estabelecem a maneira como as

atividades humanas se realizam, são invocadas como razões para o crescimento e

desenvolvimento global, pessoal e local.

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A FELICIDADE ENQUANTO INTERRUPÇÃO DA DOR –

UMA APROXIMAÇÃO ENTRE ARISTÓTELES E SCHOPENHAUER

Josieli Aparecida Opalchuka

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Ms. Pedro Gambim

Palavras-chave: Eudaimonía; dor; prudência

Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, desenvolve o conceito de felicidade (eudaimonía) ou sumo

bem. A eudaimonía não deve ser associada aos prazeres do corpo, nem às honrarias ou riquezas,

pois que geralmente levam às vicissitudes, mas deve estar associada ao uso da racionalidade na

deliberação tendo em vista a justa medida (ou meio termo). Aristóteles afirma que o homem

virtuoso é aquele que age tendo em vista a moderação e a prudência, evitando os prazeres, e,

portanto, buscando aquilo que é isento de dor. Atento a isto, Schopenhauer afirma que o

eudaimonismo estaria situado entre o estoicismo, que impõe a privação dos prazeres,

desconsiderando o homem como ser repleto de vontade, e o maquiavelismo, em que a busca pela

felicidade depende do outro, pressupondo, neste, a razão necessária para tal. O eudaimonismo

aristotélico nos ensina como viver da maneira mais feliz possível, tendo alguns prazeres enquanto

resultados de boas ações, e sem utilizar outros objetos ou pessoas como possíveis meios para

alcançar a felicidade. Já Schopenhauer frisa que a felicidade completa e positiva é impossível,

podendo atingir, no máximo, momentos relativamente menos dolorosos. Ao pensar na teoria de

Schopenhauer acerca das ideias de caráter adquirido e de autoconhecimento, concebidos meios

para evitar a dor, podemos estabelecer uma relação com a teoria das virtudes e da prudência em

Aristóteles: o caráter adquirido seria uma virtude, se bem delimitado, e o autoconhecimento

corresponderia à prudência, já que evita a dor mais profunda que o humano pode ter, decorrente

da falta de conhecimento da própria individualidade.

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A VIA CRUCIS DA CONSCIÊNCIA EM HEGEL

Juan Manuel Terenzi

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Hebeche

Palavras-chave: Hegel; consciência; dialética

Neste trabalho, pretende-se abordar a consciência e seu movimento dialético sob a perspectiva da

Fenomenologia do Espírito (1807). Hegel, para tanto, opera uma divisão deste momento inicial rumo

ao Absoluto em três partes: 1. A certeza sensível, 2. Percepção e 3. Força e entendimento. Logo,

interessa-nos analisar de que forma o Absoluto já está presente nestes três estágios inerentes à

consciência, e de que forma se desenvolve a dialética hegeliana nessa etapa. Estaremos, ao

mesmo tempo, baseando-nos nas leituras de Hegel efetuadas por Martin Heidegger e José Ortega

y Gasset. Em relação ao primeiro, destacamos o extenso estudo acerca dos parágrafos que

compõem a Introdução da Fenomenologia e que nos ampara em nossa própria leitura, enquanto o

filósofo espanhol realiza uma leitura de Hegel através do prisma histórico e da relevância de

Hegel neste campo teórico. Assim, desejamos acompanhar o processo dialético em Hegel,

verificando como os objetos da consciência se sucedem, aniquilando-se a cada novo movimento,

até chegarem a Força e Entendimento, momento-limite que antecede a consciência de si.

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O ASPECTO REPRESENTATIVO DA IDEIA EM DESCARTES

Juliana Abuzaglo Elias Martins

Bolsista CAPES

[email protected]

Orientador: Profª. Ethel Rocha

Palavras-chave: Ideia; representação; conhecimento; razão

Durante a exposição do que venha a ser uma ideia, no parágrafo 6 da Terceira Meditação,

Descartes nos apresenta uma definição direta e objetiva do que vem a ser uma ideia. Podemos ler:

“Entre meus pensamentos, alguns são como as imagens das coisas, e só àqueles convém propriamente o nome de

idéia...”. Nesta definição, cabe ressaltar alguns pontos importantes relacionados à expressão “como

as imagens”: A) A imagem em questão referida pelo filósofo não necessariamente é uma imagem

figurativa. Não se trata de uma analogia com qualquer tipo de representação pictórica.

Representar é um ato mental que pode ou não constituir imagens figurativas. B) Ser como uma

imagem salienta o aspecto representativo e referencial da idéia, pois uma imagem é sempre

imagem de alguma coisa, ou seja, ela visa algo fora dela mesma, ela remete a algo diferente de si

própria, que pode ou não existir fora dela mesma. Portanto uma representação de algo. Em

outras palavras, teríamos uma referência a algo que por si só já faz referência a outro algo. C) O

algo a que a imagem se refere, não necessariamente possui uma existência atual no mundo.

Contrariando novamente o senso comum que além de pensar na ideia como algo figurativo,

normalmente pensa na ideia como representando algo que existe e Descartes expressamente

defende a possibilidade de nós termos ideias de coisas que não necessariamente são no mundo.

D) A semelhança que a ideia propõe tendo em vista principalmente A e B consiste simplesmente

na referência, isto é, trata-se de estabelecer uma relação entre o pensamento e as coisas, mas uma

relação que não é necessariamente de identidade. Nosso trabalho visa expor de modo geral essas

características, para entender melhor a teoria do conhecimento de Descartes.

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O ENSINO DE FILOSOFIA E O ATO DE FILOSOFAR SEGUNDO

MARTIN HEIDEGGER

Katyana Martins Weyh

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Heidegger; educação; filosofia contemporânea; fenomenologia

A presente comunicação se empenha em compreender como a filosofia de Martin Heidegger

(1889-1976) torna pensável o ensino de filosofia na atualidade. Sabemos que este filósofo alemão

é vinculado à escola da fenomenologia e, com base nessa, desenvolve uma análise da realidade

humana com nome de analítica existencial. É exatamente a luz desta análise que pretendemos

investigar como Heidegger interpretaria o ato de ensinar filosofia. A questão que nos propomos

investigar vai ao encontro da ideia de Heidegger segundo a qual o ser-aí já se encontra na filosofia

e que é de sua essência que enquanto existimos filosofamos. Ponderamos que, a partir de algumas

indicações dadas pelo próprio Heidegger, em textos diversos, possamos investigar também qual a

relação fundamental entre o docente e o discente. A seguir, buscaremos entender em que medida

a fenomenologia heideggeriana se relaciona com o ensino da filosofia e do ato de filosofar.

Assim, julgamos poder sustentar a hipótese de que – mesmo que Heidegger não seja considerado

um “teórico da educação” – suas contribuições são importantes e influentes na interseção entre a

filosofia e a educação, bem como ao ensino da primeira.

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O MESTRE ANDARILHO EM NIETZSCHE

Kelly Scherer

Bolsista UFSC/CAPES – DS

[email protected]

Orientador: Profª. Lúcia Hardt

Palavras-chave: Zaratustra, mestre andarilho, labirinto, autossupressão, moral

A pesquisa tem como objetivo investigar a ideia de um “mestre andarilho” em Nietzsche e, em

especial, na obra Assim falou Zaratustra destacaremos da obra seletas passagens, marcadores da

travessia de Zaratustra como prenúncio do além-do-homem e a autossupressão da moral. A

partir daí perceber que aprender e ensinar são parte da trajetória trágica da vida e para

adentrarmos nos ensinamentos do mestre andarilho é preciso seguir seu labirinto de ideias.

Entretanto não demarcaremos na obra os pontos fixos a serem analisados. Serão Itinerários dos

quais se pretende extrair ensinamentos, aprendizados do andarilho em direção ao além-homem.

Por meio de Zaratustra, fio condutor, figura labiríntica, corpo-trágico, maestro dançante,

anunciar uma nova perspectiva sobre o humano, por isso, um estudo para produzir efeitos no

campo da educação e refletir sobre a formação humana. Em Zaratustra, aquilo que se ensina e se

aprende acontece por meio da (autossupressão) da moral e transmutação do niilismo em

afirmação da vida, um contra fluxo na modernidade, cuja questão não está em justapor

conteúdos, seguir uma trajetória planejada, mas enfrentar o que “nos chega” e nesse cultivo do

afirmar a vida. Tornar-se o que se é.

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MAQUIAVEL: A LIBERDADE COMO EQUILÍBRIO DOS HUMORES

ANTAGÔNICOS

Lairton Moacir Winter

UTFPR/UFPR

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Maria Isabel Limongi/Prof. Dr. José Luiz Ames

Palavras-chave: Maquiavel; conflito; equilíbrio dos humores; liberdade

O objetivo desta comunicação consiste em analisar a relação que Maquiavel estabelece entre, por

um lado, o conflito de grandes e povo, e, por outro, a liberdade política. A hipótese central é a de

que a liberdade somente pode ser alcançada mediante um ponto de equilíbrio entre os humores

em conflito. A lei republicana, nascida do permanente confronto dos desejos antagônicos,

subverte o caráter negativo dos humores de grandes e povo e canaliza sua força para a vida

política. A fim de esclarecê-lo, partimos da definição das características dos agentes em conflito,

de acordo com as quais o desejo dos grandes se confunde com um desejo de poder, enquanto o

desejo do povo se associa à liberdade. A liberdade, porém, como à primeira vista parece

significar, não reside no desejo popular, mas entre os dois desejos antagônicos, isto é, num

equilíbrio tenso. Para Maquiavel, a verdadeira liberdade política somente é possível com a

manutenção deste frágil equilíbrio nos modos de desejar de grandes e povo.

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DECLÍNIO, PERDA DA AUTORIDADE E ASCENSÃO DO TOTALITARISMO EM

HANNAH ARENDT

Leandro Mateus Fernandes

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Tarcílio Ciotta

Palavras-chave: Autoridade; totalitarismo; Hannah Arendt; ruptura; política

Um dos fatores preponderantes para o surgimento do totalitarismo, como uma forma de governo

nunca vista, foi o declínio e a perda da noção de autoridade. A compreensão de Hannah Arendt

acerca do totalitarismo e do que este representou enquanto ato político, para a História,

caracteriza-o como terror e atentado à condição e à liberdade humana, já que teria sido o maior

ato de ruptura entre o humano e a política na tradição e na história. Quando a pensadora tenta

compreender o que aconteceu nos campos de concentração, percebe-se a crueldade, a ameaça à

humanidade, já que o totalitarismo, como a forma de terror que impunha suas ideologias, não

tinha explicação em nenhuma outra forma de “governo”, como a tirania ou o poder despótico. O

governo totalitário é uma ruptura, é algo novo que demanda reflexão. Através da investigação

sobre o declínio e a perda da autoridade – esta compreendida como não utilização de meios

externos e coercitivos – será analisada a edificação dos governos totalitários, tornados possíveis

como uma forma de política, consequência de não se saber mais o que a autoridade é ou foi.

Autoridade, antes entendida como a formação de uma vontade comum em uma comunicação

orientada para o entendimento, é uma obediência na qual os homens não são ultrajados de sua

liberdade; sendo assim, ela se contrapõe aos horrores do totalitarismo, que usava da força, da

violência, da burocratização e ideologização das massas, confundido a autoridade com o poder

para cometer suas crueldades. O totalitarismo só se constituiu pela crise constante de autoridade,

cada vez crescente e mais profunda, que acompanhou o desenvolvimento do mundo no século

XX.

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MICHEL HENRY E A CRÍTICA AO REDUCIONISMO-GALILAICO

Leandro Righi de Sousa

Bolsista CAPES/CNPQ

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Silvestre Grzibowsky

Palavras-chave: Michel Henry; reducionismo; vida

Apresentaremos, neste trabalho, a crítica tecida pelo filósofo francês Michel Henry ao que é

chamado por ele de reducionismo-galilaico. Para isso, iremos nos valer, como referência, da obra

de Henry intitulada A barbárie, como também de alguns artigos deste filósofo, que discutem essa

temática. Na referida obra, como nos artigos, esta compilada uma série de argumentos que visam

expor como este modo de entendimento da realidade, proposta por Galileu, operou uma redução

desta. A realidade sendo sempre a da cultura, que é a forma de expressão da própria Vida,

segundo Henry, acaba se tornando apenas uma realidade a ser vista e estudada pela própria

ciência, entendida apenas como ciência-matemática-geométrica. Nesse pensamento iniciado por

Galileu, “tudo o que deseja ser” deve ser passível de demonstração científica, e, assim, ser

reduzida, seguindo dessa forma um télos da evidência. Com isso, a própria Vida entendida por

Henry como a realidade mesma, fica reduzida ao contexto de estudo de uma determinada ciência,

onde o “pensar vivo” não pode se realizar. Não podendo as formas de expressão da vida como

cultura se realizar, a própria Vida, entendida por Henry, também não pode existir. Dessa forma,

abre-se caminho para pensar uma cultura sem vida, o que no final não se irá realizar. Assim como

argumenta Henry, a própria ciência é uma forma de cultura que expressa um certo modo a Vida,

mesmo que de forma redutiva.

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EROS E CIVILIZAÇÃO - CAPÍTULO 1

A TENDÊNCIA OCULTA NA PSICANÁLISE

Letícia Nunes Goulart

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Rosalvo Schütz

Palavras-chave: Civilização; homem; repressão

A partir da perspectiva de Freud, Marcuse observa que a repressão já está diretamente ligada à

história do ser humano, e que a dominação dos instintos por meio da repressão não é imposta

pela natureza, mas pelo próprio ser humano; portanto, a história é construída. Em primeira

instância, Marcuse afirma que esse progresso histórico tem objetivos naturais e se relaciona a

instintos básicos do homem, o que seria compatível com a sua própria preservação. Para essa

preservação histórica de sua existência, o homem tem sufocado e reprimido o principio de

prazer: o que sobressai por meio do inconsciente e o que é reprimido acaba não sendo eliminado.

“Portanto, os instintos têm de ser desviados de seus objetivos, inibidos em seus anseios” (1975,

pg. 32), e acabam sendo abandonados. O processo sócio-histórico do homem não regenera

totalmente a busca pelo prazer, pela satisfação, mas adia o prazer e mesmo tolera o desprazer em

vista de um prazer futuro. Colocando o homem em sua original direção básico, transformando

seus objetivos em manifestações de prazer. Nesta transformação, Marcuse vem nos explicar que

os valores instintivos governam os anseios em valores de dominação de um modo probatório. De

satisfação imediata, passa-se para satisfação adiada; de prazer, para restrição do prazer; de júbilo

(atividade lúdica), para esforço (trabalho); de receptividade, para produtividade; enfim, de

ausência de repressão, para segurança. Freud o compreende como o jogo entre princípio de

prazer e princípio de realidade. Os processos culturais e civilizatórios criam uma força repressiva

capaz de refrear e garantir a convivência mais ou menos pacifica. O que Freud concebe como

princípio de realidade é a força modeladora chamada por ele de repressão. A atividade mental

retrai-se, evitando qualquer operação que lhe possa causar prazer, dando origem às sensações de

desprazer, causando confusões com o próprio meio natural do ser humano. “O indivíduo chega à

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compreensão traumática de que uma plena e indolor gratificação de suas necessidades é

impossível”. (1975 pg.33). O princípio de realidade acaba superando o princípio de prazer e o

homem acaba renunciando a todo prazer momentâneo, substituindo-o pelo prazer restrito; mas

garantido, com o tempo o princípio de prazer fixa uma realidade, uma adaptação do Eros,

implicando sua própria transubstanciação e estabelecendo a restrição do prazer.

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SIMONE DE BEAUVOIR:

UMA ANÁLISE EXISTENCIALISTA DA FÊMEA MULHER

Luana Marques

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Sexo; fêmea; mulher

A divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico e não um momento da história humana.

Desde então, a mulher foi submetida ao papel de frívola, pueril, irresponsável, submetida ao

homem. Simone de Beauvoir, ao escrever “o segundo sexo”, rompe com esse destino feminino e

faz de sua vida algo completamente diferente do esperado para uma mulher, principalmente para

uma mulher do século XIX. Em seu livro, ela faz uma análise existencialista do que é ser mulher,

investigando até sua condição biológica. Tenta mostrar como “a realidade feminina” se constitui,

e por que a mulher foi definida como o Outro ou Segundo Sexo. Para Beauvoir, o homem é

quem representa o lado positivo e o neutro, tanto é que “homem” é indicado pelo uso comum

para designar seres humanos em geral, enquanto a mulher sempre é o negativo, definido por

critérios de limitação. Até mesmo os biólogos diziam que a mulher nada mais é, que o sexo

passivo. A partir desse pressuposto o homem nega e impõe a sua superioridade sobre a fêmea.

Beauvoir, para se livrar dessas amarras, anuncia a radicalidade de que, se cada pessoa é formada a

partir da sociedade que é criada, cada mulher singular é livre e responsável para criar sua própria

moral existencial, bem como livre e responsável para lutar por espaços econômico-sociais que

retirem a mulher da condição de corpo destinado a viver “supostas essências femininas” traçada

pela ditadura dos machos. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”(BEAUVOIR, 1980 p. 9). Acreditar

que existe, enquanto essência, um “lugar da mulher” na sociedade seria uma atitude comodista e

equivocada, retirando da mulher exatamente a sua única força capaz de criar seu próprio destino,

a sua liberdade de escolha em traçar caminhos diferentes, inclusive os considerados “impossíveis

para a mulher”. Portanto, o que existe é uma construção econômico-ideológico-jurídico-

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discursiva-social que, criada com base em opressões e dominações, tenta enquadrar a mulher em

papéis não escolhidos por ela própria.

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A AUTONOMIA EM KANT, A FUNDAMENTAÇÃO MORAL E A AÇÃO EM SI

Luana Pagno

Universidade Federal da Fronteira Sul

[email protected]

Palavras-chave: Hetoronomia; autonomia; moralidade

Através de estudos da ética em Kant, o objetivo do trabalho de pesquisa é demonstrar a

importância da autonomia para a doutrina moral no jugo da ação humana, procurando traçar, ao

final, uma pequena diferença entre uma ação moralmente fundamentada e uma ação correta, bem

como o impacto disso na moralidade kantiana. Deste modo, levando em consideração que ao

discutir ética se discute sempre a fundamentação da moral e, portanto, o que é base para saber se

as ações dos homens são corretas ou não, o trabalho tem a pretensão de analisar todos os

elementos que fundamentariam a moral na doutrina ética kantiana. Assim, serão apresentados,

passo a passo, todos os elementos fundamentais, pelos quais, em Kant, uma ação seria

moralmente correta – tais como o dever, a boa vontade, a autonomia, entre outros. A partir daí,

será discutido se todos esses elementos são somente possíveis pelo princípio de autonomia, como

também o motivo por que autonomia e heteronomia são importantes para uma ação moralmente

fundamentada (embora a autonomia não seja necessariamente a base para uma ação correta na

ética kantiana); por fim, avaliaremos as consequências disto.

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CIDADE EM QUESTÃO: DEBATES ACADÊMICOS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO

DAS CIDADES E DE QUESTÕES URBANAS

Lucas Eduardo Gaspar

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CNPQ

[email protected]

Orientador: Prof. Rinaldo José Varussa

Palavras-chave: Cidade; debates acadêmicos; questão urbana

O espaço das cidades em toda sua história foi sempre um campo onde se encontravam, e por

vezes se enfrentavam, diferentes pensamentos e atitudes. No meio acadêmico é extensa a

produção sobre a cidade, devido a sua pluralidade de características e sujeitos, por isso, não tem a

intenção de esgotar o tema sobre as analises e discussões realizadas a respeito das cidades, mas

sim, de maneira breve, expor e analisar algumas obras que reflitam acerca do tema, tanto de

autores clássicos como Friederich Engels, como também de estudiosos atuantes ainda hoje, como

as arquitetas e urbanistas Erminia Maricato e Raquel Rolnik, percebendo seus limites, diálogos e

contribuições para a pesquisa em geral. Ao analisar estas obras, abre-se o espaço para o diálogo e

debates entre os diversos campos do conhecimento das ciências humanas atuais e passadas, e

como estas preocupam-se e dedicam-se a analisar as diversas questões acerca das cidades,

contribuindo, assim, para a ampliação dos campos teórico e prático ligados às pesquisas.

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A TEORIA QUEER E A PRODUÇÃO DE UM CORPO SEM ÓRGÃOS.

Lucas Henrique Nunes Batista.

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista Fundação Araucária.

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Ester Maria Dreher Heuser.

Palavras-chave: Teoria Queer; corpo sem órgãos; Deleuze; Guattari

O seguinte trabalho tem como proposta abordar elementos da teoria Queer e, em conjunto,

trabalhar o conceito de corpo sem órgãos de Deleuze e Guattari fazendo uma relação entre eles.

Também se tem a intenção de explicitar o que estes dois autores têm a dizer sobre a teoria Queer

trabalhada no pós-estruturalismo francês. Primeiramente se fará uso da interpretação da autora

Guacira Lopes Louro para melhor entender o que essa teoria tem a dizer, desde que esta, orienta-

se pelo pós-estruturalismo e usa de filósofos como Deleuze e Guatarri para elaborar seus estudos

nessa área. A teoria Queer está preocupada em discutir as novas formas de indentidades, sexuais e

de gênero, bem como teorizar formas de viver o próprio corpo. Segundo Louro, existem muitas

formas de fazer-se mulher ou homem, e várias possibilidades de viver prazeres em desejos

corporais, porém estas práticas são previamente estabelecidas, anunciadas e promovidas

socialmente como formas desviantes de comportamento e vistas como uma anormalidade. O que

acaba por determinar os indivíduos “anormais” como seres abjetos, pois a sociedade ainda está

pautada numa visão heteronormativa que centra as relações humanas num binarismo Homem-

Mulher. Os escritos de Gilles Deleuze e Felix Guattari abordam a questão da sexualidade, gênero

e corpo como devir e como processo. A partir de O anti-Édipo e Mil Plâtos, Louro percebe forças

para tratar da “queerização”, na medida em que percebe os filósofos criticarem a noção de

“normalidade” e o comportamento imposto sobre os modos de vida existentes numa sociedade

pautada pela heteronormatividade e pelo capitalismo, sendo assim burguesamente

institucionalizada. Com este pano de fundo, se abordará o conceito de Corpo sem Órgãos e um

possível diálogo com a teoria Queer.

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É A TEORIA DO SENTIMENTALISMO CONSTRUTIVO DE JESSE PRINZ DE FATO

CONSTRUTIVISTA?

Lucas Mateus Dalsotto

Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

Bolsista CAPES

[email protected]

Palavras-chave: Construtivismo; sentimentalismo construtivo; Jesse Prinz

Recentemente, a posição construtivista em metaética tem atraído e inspirado uma série de

comentários, tanto daqueles que compartilham de suas principais teses e veem-na com

entusiasmo, quanto daqueles que a veem com certo ceticismo. Uma das importantes teorias

construtivistas nessa área é a de Jesse Prinz. A hipótese central do autor é de que se a moralidade

depende dos sentimentos, então ela é uma construção, e se ela é uma construção, então ela pode

variar através do tempo e do espaço. A teoria do sentimentalismo construtivo, assim chamada por

Prinz, baseia-se em duas premissas centrais, as quais são uma fundamento para a outra. A

primeira ideia é de que os sentimentos são a base para todos os juízos de valor que são

formulados, e que estes mesmos valores podem ser estudados histórica e antropologicamente de

modo a explicar porque alguns deles persistem e porque outros têm desaparecido. A segunda

ideia é de que os sentimentos criam a moral, e que os sistemas morais podem ser criados espaço-

temporalmente de diferentes maneiras. Assim sendo, o problema de trabalho a ser explorado

nesse paper é verificar em que medida a teoria de Prinz está de acordo com as principais teses das

demais teorias construtivistas e esse não for o caso, por que ela não o faz.

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FOUCAULT: A ORDEM DO DISCURSO E O MÉTODO DOS SABERES

Lucas Silva Russo

Àllan G. Vilas Boas Palomares

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Discurso; método; saberes

Foucault inicia sua pronunciação falando sobre os recursos limitantes do discurso, se dirigindo

inicialmente aos recursos de exclusão, que organizam e redistribuem a produção de discursos. O

primeiro é a interdição, que envolve o direito de quem fala, o ritual da circunstância, e o tabu do

objeto, que se aplicam, na atualidade, principalmente nos campos da sexualidade e da política.

Outro recurso é a segregação da loucura, em que Foucault se remete a oposição entre razão e

loucura na idade média, onde a voz do louco, por um processo de exclusão, não existia, sua voz,

portanto, era onde se exercia a separação. O terceiro recurso se dirige à vontade de verdade, que

molda até hoje o modo como se busca o conhecimento verdadeiro, que de acordo com os

métodos de busca que ela mesma criou, limita o poder e o alcance dos outros discursos, que

acabam por pedir a ela a autorização e a legitimação. Foucault cita procedimentos ditos

“internos” que classificam ordenam e distribuem discursos como a disciplina, que se define por

“um domínio de objetos”, ”um conjunto de métodos”; essa disciplina se opõe ao princípio do

autor – outro método citado por Foucault (2009), que se encarrega de separar os discursos pela

necessidade de um autor no discurso científico e sua falta no discurso literário desde o século

XVII, situação que vem se invertendo até a atualidade –. Essa oposição ao princípio do autor se

deve ao fato de que “constitui uma espécie de sistema anônimo à disposição de quem quer ou

pode servir-se dele” (FOUCAULT, 2009, p.30). E se opõe ao princípio do comentário, que diz

que o discurso é um sentido que precisa ser redescoberto ou “uma identidade que deve ser

repetida”; enquanto, na disciplina, o ponto de partida “é aquilo que é requerido para a construção

de novos enunciados”, já que possui como um objetivo “a possibilidade de formular, e de

formular indefinidamente, proposições novas” (Ibidem, 2009, p.25).

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ESTADO E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE ROUSSEAU

Luis Carlos Goetz

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista Fundação Araucária

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Henrique da Conceição

Palavras-chave: Estado; educação; homem; cidadão

Este artigo é um recorte do primeiro capítulo da dissertação de mestrado intitulada Estado e

educação no pensamento de Rousseau. Dissertação essa que centra-se no estudo da obra O Emílio ou da

educação de Jean-Jacques Rousseau, objetivando compreender o pensamento do autor quanto à

questão indissociável entre política e educação. De acordo com o enfoque desse estudo, o

pensamento de Rousseau sobre educação não pode ser separado de sua filosofia política. O que

se comprova na obra O Emílio ou da educação no qual há o resumo do Contrato Social. De maneira

que esta constatação nos levou a investigar as seguintes questões: haverá em O Contrato Social

preocupações gerais com a formação do cidadão e na obra O Emílio uma proposta pedagógica de

formação do homem? Além da formação do homem, haverá, ainda, uma busca de socialização

com vistas ao internamento de regras e normas para a vivência social? Afinal, Emílio não é

formado também com finalidade à vivência em sociedade? Rousseau se refere ao Estado como a

grande família e nessa a administração geral é instituída apenas para garantir a propriedade

individual que a antecede? O Estado assemelha-se à família na obrigação de seus chefes, pois, as

regras de conduta não são as mesmas nos dois casos? A educação para ter êxito deve ser bem

regrada tendo seus conteúdos regulados pela legislação? Elencando essas questões nos torna

possível compreender e expor o pensamento de Rousseau referente a afirmações de ordem

existencial e política da humanidade. Sem a pretensão de resolver essas questões, abordamos o

tema nesse artigo recorte na possibilidade de uma reflexão das afirmações político-pedagógicas de

Rousseau, quando este se refere a questão existencial da formação moral humana.

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O DIÁLOGO E A DEFESA DA MOBILIDADE DA TERRA:

AS CRÍTICAS GALILEANAS À COSMOLOGIA ARISTOTÉLICA

Luiz Antonio Brandt

Instituto Federal Farroupilha

[email protected]

Palavras-chave: Filosofia da ciência; cosmologia; movimento

Podemos encontrar na Primeira Jornada do Diálogo, obra de Galileu publicada no ano de 1632, uma

série de críticas à concepção aristotélica de movimento, cujo o principal objetivo é romper com a

ideia de imobilidade da Terra. Para realizar tal propósito, Galileu parte de um pressuposto

comum à cosmologia aristotélica: a aceitação de que o universo e seus corpos devem, como tal,

estar em plena ordem e harmonia. A crítica à dicotomia cosmológica e à concepção peripatética

de movimento partem deste ponto em comum, ou seja, se os corpos se movimentam, tal

movimento deve preservar a ordem e a harmonia pré-estabelecidas. Galileu utiliza-se deste

“princípio” peripatético de que o universo deve ser perfeitamente ordenado como base para

atacar a “naturalidade” e a exclusividade do movimento retilíneo aos corpos sublunares, uma vez

que, para Aristóteles, o movimento retilíneo (natural para os corpos sublunares) tem a função

também de restituir os corpos ou elementos aos seus lugares naturais. Esta estratégia

argumentativa de Galileu tem uma razão de ser. Ora, de acordo com a concepção heliocêntrica

do pisano, o planeta Terra se movimenta ao redor do sol com movimento circular, o que seria

contrário à cosmologia do estagirita. Assim, na Primeira Jornada, o físico italiano mostra que, num

universo perfeitamente ordenado, os corpos integrais não poderiam possuir “naturalmente” uma

tendência ao movimento retilíneo, já que este, segundo Galileu, não é um movimento completo

como o circular por não ter um fim determinado ou por ser finito. Em suma, estas considerações

e outras se convertem, no Diálogo, nos elementos contestadores dos conceitos peripatéticos que

fazem oposição à concepção copernicana. Assim, o presente trabalho pretende mostrar como a

ruptura galileana com a dicotomia Céu-Terra está intimamente ligada e centrada, no Diálogo, à

crítica ao uso “incorreto” do movimento retilíneo por Aristóteles e mais especificamente à

concepção qualitativa de movimento do estagirita.

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CRISE DO SUJEITO NO SÉCULO XIX-XX E O NASCIMENTO DE UMA

PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTÊNCIAL

Maiara Graziella Nardi

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Crise do sujeito; psicologia fenomenológico-existencial; daseinanálise

A comunicação tem o objetivo de apresentar um esboço da assim chamada crise do sujeito.

Assume como problema a pergunta: como a crise da razão propiciaria, durante a passagem do

século XIX ao XX, o surgimento de uma psicologia fenomenológico-existencial? Para concretizar

este objetivo, percorreremos brevemente as ideias dos principais pensadores ligados à filosofia e a

psicologia que desenvolveram a concepção de sujeito (Descartes, Kant e Freud), a fim de tornar

compreensível como estes formularam a noção teórica de sujeito, apontaremos às apropriações

psicológicas de tais teorias em seu intuito de pensar o sujeito e assim colocar na prática clínica tais

teorias. Veremos como cada qual dos filósofos mencionados respondeu de modo satisfatório o

ponto em questão. Com isso, enfatizaremos como, em meio à filosofia do sujeito, restaram

brechas das quais os pensadores da contemporaneidade partiram para repensar as várias

problemáticas ainda abertas, entre elas a da relação entre sujeito e objeto e sua representação.

Este repensar partiu de novos pontos de vista (por exemplo, o da fenomenologia), como o do

filósofo que enfocamos de modo mais primordial em nosso texto, a saber, o alemão Martin

Heidegger e do psiquiatra suíço Medard Boss. Cientes de que, ao nos atermos a referida crise, não

a temos como encerrada, estamos alertas também para o fato de que a crise não tem início

especificamente no século XIX, já que desde Sócrates iniciaram os questionamentos acerca do

homem e de seu modo de agir e pensar. Através do texto, poderemos evidenciar (por meio de

uma interpretação que desconstrói o conceito de subjetividade) que somos entes privilegiados de

algum modo, por poder projetar e compreender o sentido próprio ao nosso mundo. Contudo,

estamos entre outros e necessitamos destes para ser o que somos e assim, não temos privilégio de

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controlar de modo a prever o que está por vir ou estar hierarquicamente num patamar mais

elevado que outros.

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A CONCEPÇÃO DE “FELICIDADE” EM SCHOPENHAUER

Márcia Elaini Luft

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Mundo; representação; vontade; felicidade

O tema desta comunicação é a felicidade, e o problema central reside em compreender como ela

é possível, visto que, segundo Schopenhauer, o constante sofrimento é essencial e a vida se

constitui de dor e tédio; portanto, toda a vida é sofrimento. Contudo há momentos em que o

homem foge ao mero contexto vital, quando é contemplador da beleza e quando se orienta pelo

amor-compaixão próprio da santidade. Ao gênio, através da arte, e ao santo, através do amor-

compaixão, é possível chegar ao conhecimento metafísico da vontade, ou seja, da coisa-em-si, ao

conhecimento da essência íntima do mundo. A metafísica de Schopenhauer é o ponto de partida

para compreender, aqui, o tema da felicidade. Schopenhauer compreende a noção de mundo sob

dois âmbitos: a representação e a vontade. O consolo proporcionado pela arte, através do

conhecimento da Ideia, é que faz o homem esquecer-se da penúria da vida. É também atribuído

aos santos, através da sua compaixão extremada, o conhecimento da vontade. A felicidade é

ilusória e só existe quando a vontade é negada; é preciso que o homem se liberte da vontade que

o domina, seja por meio da arte ou por meio do amor-compaixão. A felicidade não existe como

estado permanente e há momentos breves em que cessa o sofrimento, mas o que caracteriza o

sujeito é o estado de insatisfação: a felicidade não passa de um intervalo entre a satisfação de um

desejo e a busca de outro. A libertação de um mundo insuportável é possível pela negação da

vontade, segundo Schopenhauer, o qual considera a vontade como essência única do homem e

do mundo, e uma força obscura e inconsciente que limita e comanda tudo o que existe. A única

consolação para o homem é a negação da vontade; assim pode alcançar a libertação temporária

pela contemplação estética e, sobretudo, a libertação definitiva pela renúncia total à vontade. A

filosofia shopenhaueriana convida o homem a refletir sobre sua própria condição no mundo e

utilizar-se de artifícios para ter uma vida o menos infeliz possível, pois feliz jamais será, segundo

essa análise metafísica.

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O JOVEM MARX E A CRÍTICA ONTOLÓGICA DA POLÍTICA: ANÁLISE DOS

ESCRITOS POLÍTICOS DE 1842 A 1844

Marco Aurélio Palu

Universidade Estadual de Maringá - UEM

[email protected]

Palavras-chave: Marx; crítica ontológica; política

O presente trabalho tem por finalidade realizar uma reflexão crítica acerca de uma coletânea de

escritos políticos de Karl Marx (1818 – 1883). Trata-se de textos datados entre janeiro de 1842 e

Abril de 1844: quatro artigos de A Gazeta Renana, correspondências com Arnold Ruge, Crítica à

Filosofia do Direito de Hegel, Crítica à Filosofia do Direito de Hegel - Introdução e Sobre a Questão

Judaica, os quais caracterizam parte de sua obra de juventude. A análise cronológica desses

escritos demonstrou uma radicalização teórico-analítica no interior do pensamento de Marx rumo

às suas próprias teses e a consequente ruptura com o padrão de reflexão anterior, consagrado em

Hegel pelo postulado de "realização da razão". Nesse sentido, foi constatado o trânsito entre a) a

defesa das teses tradicionais de política e o estado moderno enquanto instituição racional, b) a

discussão sobre a possibilidade de uma verdadeira democracia e a reforma de consciência, c) uma

ruptura de natureza ontológica, a determinação ontonegativa da politicidade, manifesta na

oposição categorial entre emancipação humana à emancipação política. Desse modo, buscou-se

refletir sobre a emergência do pensamento marxiano sob a perspectiva de crítica ontológica

destes textos, e de acordo com um procedimento que se orientou pela lógica imanente aos

mesmos, segundo as indicações do filósofo brasileiro José Chasin. Esta conquista analítica viria a

caracterizar o pensamento mesmo de Marx ou propriamente marxiano.

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NIETZSCHE: A CRÍTICA A MORAL E A TRANSMUTAÇÃO DE VALORES

Maria Eduarda Pereira

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Moral; crítica; valores

Nietzsche inverte o papel moral da filosofia dando-lhe um sentido ético-estético ao tratar da

transvaloração dos valores, afirmando que o homem é criador de valores, mas que essa criação é

algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", isto é, os valores que se apresentam como

verdadeiros e absolutos não são mais do que valores "humanos",não são mais que dependências,

portanto, contigentes e relativos. Apenas na lógica do rebanho é que se pode afirmar a verdade

como absoluta ou então ao puro domínio da razão (iluminismo – Kant) humana, mas o além do

homem, “uma corda sobre um abismo”, isto é, um passar e um sucumbir em sacrifício á terra

para que a “terra um dia se torne além do homem”,inverte a lógica de uma filosofia moral. A

oposição nietzschiana a lógica do rebanho se dá na perspectiva da moral que é imposição de uma

“verdade última” para os modos de viver, contudo, sempre há em um rebanho a “ovelha

perdida” ou a que não quer ser encontrada, um inovador, sendo “todo inovador um blasfemo”

(NIETZSCHE,2009,p.18-19). Este estaria dando o primeiro passo para a transmutação de

valores, a ousadia de um pensamento que afirma a diferença, neste aspecto a transmutação do

espírito em camelo, em leão, e em criança é a imagem da transmutação dos valores, assim leão e

criança constitui dois momentos, um ético no que diz respeito a liberdade (leão) e outro estético

(criança) no que diz respeito a criação o que em agenciamento ético estético poderíamos dizer de

uma produção da vida como obra de arte que criaria inventivamente novos modos de

pensamento e vida, como uma linha de fuga do já dado mundo moral. Porém, sabendo que a

criança não é um fim, algo estabelecido,estático e o ser tendo tendência de imitar para voltar ao

convívio do rebanho, este mesmo que passou pelo camelo,leão e criança terá de passar pela

transmutação ainda diversas vezes.

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O ESPAÇO DESCRITO PELA FENOMENOLOGIA DE HEIDEGGER

Maria Lucivane de Oliveira Morais

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Fenomenologia; Heidegger; espaço; ser-no-mundo

O tema da presente comunicação se refere ao espaço tratado a partir do paradigma

fenomenológico proposto por Martin Heidegger na obra Ser e tempo onde a espacialidade é

pensada a partir do Dasein. A fenomenologia pode ser descrita como um método de investigação

que, nesse caso, tem como principal objeto de interesse o sentido do ser estudado por meio de

uma analítica existencial capaz de apontar para a singularidade que permeia o existir humano.

Além disso, a análise da realidade, do espaço e a forma como os fenômenos se mostram são

preocupações constantes na obra de Heidegger que os descreve a partir de um enfoque

ontológico capaz de ilustrar a questão do ser-no-mundo. A aplicação do método fenomenológico

permite definir o conceito de espaço e suas características originárias bem como o papel que a

dimensão espacial desempenha sobre a existência que é única em cada lugar ou espaço vivido.

Dessa forma, objetivo geral proposto nessa comunicação visa: descrever algumas concepções de

como o espaço é tratado na fenomenologia de Heidegger. A metodologia de pesquisa empregada

nesse processo fundamentou-se em análises bibliográficas que permitiram a consulta de obras

cujos autores se dedicaram ao estudo da fenomenologia Heidegger.

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A EXPERIÊNCIA DA BARBÁRIE COMO POSSIBILIDADE DA BILDUNG NA

CONTEMPORANEIDADE

Mariana de Macêdo Seixas

[email protected]

Tamires Dias dos Santos

[email protected]

Universidade Federal Fluminense – UFF

Mestrado

Palavras-chave: Bárbarie; experiência; Bildung

Este trabalho tem como intuito entender a dinâmica indissociável entre a crise da experiência e a

possibilidade de formação individual do homem (Bildung) à luz do pensamento de Walter

Benjamin e Theodor Adorno. Segundo Benjamin (1996, p. 115), ao tratar de nossa cultura, diz

que “uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica na

qual a experiência não mais se vincula a nós”. Dentro deste âmbito da desvinculação da

experiência, a partir do advento da modernidade,faz-se necessário pensar em uma formação que

relaciona-se com a “elevação da interioridade do sujeito e com sua autonomia.”(GUR-ZE’EV,

2009, p.12). As profundas mudanças ocorridas na forma organizacional das relações de trabalho

surgidas com o desenvolvimento da técnica somadas a aceleração do tempo, impuseram um

mecanicismo produtivo no qual homem deixou de pertencer a si mesmo, tornou-se alheio em

relação ao que ele mesmo produz se distanciando dos objetos e também dos outros homens,

visto que nesta lógica de maximização da produção, não há lugar para a troca de experiências.

Adorno em Dialética do Esclarecimento expõe que o grande desafio atual da formação cultural deve

se desembocar numa crítica à “semiformação”. A concepção do indivíduo semiformado, é o

resultado do conjunto de forças conformistas ou irracionais que são propagadas pela Indústria

Cultural que tem por última finalidade moldar as subjetividades. Essa “semiformação” constitui

os traços do autoritarismo que favorece a obliteração do eu compelindo, assim, os indivíduos à

adaptação e assimilação das massas. Diante desta condição de negação de si mesmo, Adorno

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entende que uma educação não pode tornar-se emancipatória se não se compromete com a

inserção crítica na realidade.

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JOHN RAWLS: PRINCÍPIOS MORAIS PARA A ESTRUTURA BÁSICA DE UMA

SOCIEDADE JUSTA

Marilda Pereira dos Santos

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Equidade; justiça; princípios

O presente trabalho pretende investigar como se apresentam, na obra do filósofo John Rawls,

Uma teoria da justiça, os princípios morais para a estrutura básica de uma sociedade justa. O

filósofo político promoveu uma justificação teórica legitimando um Estado justo, promoveu uma

experiência de pensamento, extraindo dela uma concepção de justiça que coloca em prática os

princípios de justiça escolhidos pelos indivíduos. Nosso objetivo é mostrar como o pensador

desenvolveu o conceito de justiça como equidade, fundamentando dois princípios de justiça. Sua

teoria constitui, em grande parte, uma reação ao utilitarismo clássico, por isso, é seu propósito

refutar essa teoria e elaborar uma nova teoria da justiça, visando formar uma sociedade igualitária.

A ideia de sociedade bem ordenada e que funciona como um sistema de cooperação social

também serão desenvolvidas em nosso trabalho, uma vez que são centrais no pensamento do

autor. A proposta argumentativa do pensador americano traz contribuições importantes através

de um novo modelo de teoria da justiça, evidenciando uma teoria da justiça como equidade. Por

fim, percorremos a argumentação de Rawls em defesa de uma concepção de justiça, a teoria da

justiça como equidade, evidenciando que nela o justo e o bem são complementares. No conjunto

da apresentação, pretendemos investigar qual é a relação da teoria da justiça com a formação

moral dos indivíduos, mostrando como John Rawls fundamenta os princípios gerais de justiça e

como ele concilia os dois princípios (defesa das liberdades com a garantia das igualdades).

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A OBRA DE ARTE E O BELO COMO UM PROBLEMA DA ESTÉTICA

FENOMENOLÓGICA

Marli Batista Basseto

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Palavras-chave: Arte; estética; belo; ontologia; fenomenologia

Segundo a metafísica tradicional, o belo e o artístico ou existem em si mesmos, objetivamente, ou

existem como princípios e condições subjetivas de apreciação estética. Desse modo, ou bem

existiria o belo em si ou bem o belo para o homem. Haveria, assim, a urgênca de encontrar, por

meio de uma estética, o fundamento e a essência da arte e do belo, ou os critérios “objetivos”

para toda apreciação subjetiva. Por outro lado, o século XX propôe, sobretudo a partir da

fenomenologia que a a arte é uma abertura de mundo, inauguração de sentido, rompimento de

compreensão que permite visualizar o contexto essencial. A arte é um conhecimento de mundo,

um modo humano de se instalar nesse mundo com cores, sons, formas, linhas, movimentos etc.

Por meio da arte, atribuem-se significados ao mundo, examinam-se possibilidades de ser ainda

não realizadas, criando-se, desse modo, novos objetos ou eventos que serão passíveis de novas

interpretações por parte do artista e do observador. Entretanto, uma obra de arte deve ser

entendida como a forma pela qual o artista percebe o mundo, reflete sua realidade, sua cultura e

sua época. Segundo Selbch (2010, p.35), “a obra de arte permite ao ser humano (artista e

observador) imaginar situações, fatos, ideias e sentimentos, aceitando-se plenamente a

criatividade, que pode se colocar muito além da experiência imediata”. Deste modo, é importante

salientar que a ontologia propõe por meio da fenomenologia inaugurar um sentido aquilo que

está dado de modo que as concepções de beleza e de gosto não afetem a compreensão das coisas.

No entanto, para não cair no lugar-comum de que “gosto não se discute”, faz-se necessário

pensar o que na obra de arte aparece. Pois segundo Heidegger (apud Inwood, 2004, p.141), “a

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obra não é uma coisa a que se adicionam qualidades artísticas; a obra revela a natureza das

coisas”.

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MICHEL FOUCAULT: O DISPOSITIVO EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE

SUBJETIVIDADE SEXUALIDADE E BIOPOLÍTICA

Matheus Avelaneda

Anderson Alieve

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Dispositivo; sexualidade; biopolítica

Foucault abordou assuntos tais como as relações de poderes, o uso dos saberes e as formas de

controle da sociedade. Em uma de suas obras, "A história da sexualidade: a vontade de saber",

Foucault mostra que as relações de poderes são constituídas através dos diversos dispositivos sob

uma forma de repressão; neste aspecto, queremos destacar o papel do dispositivo educacional no

processo de formação de subjetividade e suas implicações disciplinares. A escola apresenta-se

como um campo de práticas disciplinares; inclusive, nesse conjunto heterogêneo, tais práticas

tendem ao discurso formador da sexualidade e de constituição dos processos de subjetivação.

Desse modo, começaremos a discutir o tema da sexualidade foucaultiana na perspectiva da

biopolítica e de suas implicações a respeito da diversidade sexual. As práticas repressoras da

sexualidade e o controle dos corpos são evidenciadas por Foucault ao tratar da escola como um

dispositivo de poder. As noções e as divisões de sexo e gênero configuram um discurso

concernente ao dispositivo que tem o "poder" de "cortar", ou seja, estreitar as relações e os

discursos do sexo assim como o envolvimento de pessoas heterossexuais, que são reduzidas aos

costumes da religião quanto ao do status da moral. Nisto vemos que o resultado desse dispositivo

foi apenas difundir o sexo e suas vertentes? Na verdade, o dispositivo veio para controle de

massa e favorecimento do capitalismo, que crescia cada vez mais na época e necessitava de mão-

de-obra. Nisto vemos que o dispositivo interferiu nessas relações e discursos, relacionado a três

poderes explícitos, que regiam as práticas sexuais: o Direito Canônico, a Pastoral cristã e a lei

civil. Procura-se, com este trabalho, trazer uma reflexão e um entendimento sobre o dispositivo

da sexualidade, sua interferências nas relações homossexuais e heterossexuais, e também mostrar

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o caminho para a mudança dos atuais padrões sexuais impostos pela sociedade na direção de uma

igualdade afetiva.

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A CIVILIZAÇÃO COMO FONTE DE DESPRAZER SEGUNDO FREUD

Maurício Smiderle

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia

[email protected]

Orientador: Profª. Msª. Célia Machado Benvenho

Palavras-chave: Civilização; indivíduo; sentimento de culpa

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a civilização como fonte de desprazer

segundo a concepção de Sigmund Freud. Em seu livro, O mal-estar na civilização, o pai da

psicanálise procura mostrar que a sociedade é responsável por uma parcela do sofrimento do

homem. Antes de viver na civilização, o ser humano vivia mais feliz, pois era possível dar livre

vazão aos seus desejos e instintos. O problema era que a felicidade era muito curta, visto que

aquela espécie de vida da antiga humanidade possuía muitos perigos. Ao perceber que a vida em

sociedade, de certa forma, poderia ser segura e vantajosa, o indivíduo realizou uma troca de um

pouco de felicidade por um pouco de segurança, pois somente com isso era possível prolongar a

sua existência. Ou seja, o processo civilizatório, então, exigiu vários sacrifícios dos homens, visto

que era necessário que os estímulos humanos não fossem exteriorizados, mas interiorizados. Isso

não foi uma tarefa fácil, acarretando em um desconforto: o sentimento de culpa. Este sentimento

foi o resultado da interiorização dos instintos, fazendo o homem maltratar a si mesmo. Com o

sentimento de culpa, surgiu uma nova estância responsável por aplicar toda aquela agressividade

que o Eu desejava praticar, isto é, o Super-eu. Este, agora, irá agredir o próprio indivíduo, já que

os instintos agressivos não foram exteriorizados. Desta forma, segundo Freud, a civilização, que

é criação do próprio ser humano, provocou alguns desprazeres, isso não ocorreu de maneira

abrupta, mas foi um processo lento e gradual.

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A METÁFORA ENTRE O SENTIDO E A REFERÊNCIA UMA ABORDAGEM

RICOEURIANA APLICADA AO DISCURSO LITERÁRIO

Odair Salazar da Silva

SED/SC

[email protected]

Palavras-chave: Metáfora; epistemologia; discurso literário

Paul Ricoeur apresenta em sua produção linguístico-filosófica o fenômeno da metáfora (viva)

como um instrumento epistemológico, que objetiva defender a tese de que o referido tropo não

tem apenas função de plasticidade, de imitar as ações humanas na tragédia ou colmatar uma

lacuna linguística. Pensando assim, o filósofo francês procura criar uma nova metodologia

linguístico-filosófica, aplicando-a à metáfora, que garante um novo significado passível de

aceitação. A partir da compreensão do conceito de “sentido” e “referência”, adaptado ao discurso

literário, cuja origem está Gottlob Frege, é que Ricoeur propõe não só descrever linguisticamente,

mas pensar filosoficamente o poder heurístico da metáfora. A pesquisa parte da hipótese de que a

metáfora é uma ferramenta legítima que tem o poder de oferecer novos insights sobre a realidade,

no momento em que o absurdo linguístico de uma dada sentença se autodestrói ao eliminarem-se

o sentido e a referência primários, para darem lugar a um sentido e referência secundários, de

onde brota uma nova visão de mundo, válida, passível de aceitação. Esta metodologia adotada

por Ricoeur, com a contribuição de filósofos e linguistas, dente eles, Richards (1962), Black

(1966), Monroe Beardsley (1978), Cohen (1992), Goodman (2010), entre outros, assegura que

não só os discursos ordinários são os detentores de verdades de mundo. Ao contrário, os

discursos literários são também possuidores de informação inédita, a partir de um erro sentencial

já calculado (Gilbert Ryle) e resolvido. Afinal, o “poema é uma metáfora em miniatura”, cuja

função é desvelar um novo mundo compreensível, no dizer de Monroe Beardsley, de quem

Ricoeur é seguidor.

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O MARCO CIVIL DA INTERNET E A TENTATIVA DO ESTADO DE

ADESTRAMENTO DO CIBERESPAÇO NO BRASIL

Paulo Alves de Oliveira

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT

[email protected]

Palavras-chave: Marco civil; estado; adestramento; internet; Brasil

Este trabalho insere-se numa tentativa de compreender e pensar as tecnologias através da

Filosofia da informação. Contextualizada com essas novas cotidianidades que surgem através das

vivências dos seres humanos. Neste caso específico da regulação das redes de computadores

através da criação do Marco Civil da Internet. E as ferramentas criadas pelas mesmas para melhor

viver e dominar a natureza da tecnologia e assim chegar à razão civilizadora para um melhor

funcionamento da sociedade. Direcionado para o controle do Estado visto que “os indivíduos

apóiam-se constantemente sobre a ordem e a memória distribuídas pelas instituições para decidir,

raciocinar, prever” (LÈVY, 2004 p. 87). O Marco Civil da Internet estabelece os princípios, as

garantias, os direitos e os deveres para o uso da Internet no Brasil e determina as diretrizes para

atuação do Estado, é oficialmente conhecida como a Lei nº 12.965, foi sancionada pela presidenta

Dilma Rouseff no dia 23 de Abril de 2014. Essa regulação do Estado através de uma tentativa de

adestramento nos traz a certeza de que a punição “é que deve desviar o homem do crime”

(FOUCAULT, 1987). Apesar do início das discussões e a lei dizer que não funcionará como

sancionadora ou disciplinar devemos entender que “para que haja infração é preciso haver poder

político, uma lei, e que essa lei tenha sido efetivamente formulada” (FOULCAULT, 2002, p. 80).

Assim, para Foucault, as condutas somente poderão sofrer as penalidades repreensíveis pela lei.

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O CONCEITO PERSPECTIVISTA DE PESSOA NA ANTROPOLOGIA DE

VIVEIROS DE CASTRO

Pedro Henrique Vieira

Universidade Federal do Paraná –UFPR

Doutorando em Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Valentim

Palavras-chave: Perspectivismo; multinaturalismo; humanidade

Ao investigar outros povos, a antropologia de Eduardo Viveiros de Castro se propõe a buscar

um pensamento outro, uma contrainterpretação antropológica que opere uma transformação no

discurso do próprio antropólogo acerca de si mesmo. É dessa maneira que Viveiros de Castro

subverte conceitos centrais da tradição ocidental, tais como as dualidades humano/animal,

natureza/cultura, corpo/alma, dentre outras. Tal transformação no pensamento deriva, talvez de

modo primordial, da exposição da metafísica ocidental à concepção ameríndia de pessoa: antes

que um conteúdo substancial que demarcaria uma região ontológica por oposição às demais,

pessoa seria aí uma posição perspectiva em constante disputa interespecífica, de modo que o

humano e o não humano estariam potencialmente superpostos, em sua diferença, sobre todo e

qualquer agente, imbricando-se mutuamente num trânsito recíproco e reversível. É com base

nisso que Viveiro de Castro desenvolve sua interpretação do pensamento ameríndio como um

perspectivismo ou multinaturalismo, interpretação essa cuja utilidade consiste menos em explicar e dar

sentido ao discurso do nativo do que em transformar o discurso que o ocidente desenvolve

acerca de si próprio. O objetivo desta comunicação é apresentar os contornos gerais dessa

interpretação que Viveiros de Castro elabora a propósito do conceito ameríndio de pessoa, bem

como alguns de seus possíveis efeitos reversos sobre a filosofia ocidental.

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O CONCEITO DE HOMEM EM ERICH FROMM

Rafael Adilson Ribeiro

Universidade Estadual de Maringá - UEM

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Wagner Félix

Palavras-chave: Homem; existência; liberdade; necessidades

Erich Fromm define que o homem é, sobretudo, um ser social que deve ser entendido a partir da

interação com os outros homens, a natureza e ele mesmo; o qual tem seu caráter formado

socioculturalmente na relação entre natureza humana e sociedade. Fromm parte da ideia de que a

evolução distanciou o homem das determinações naturais, trazendo a ele elementos e

propriedades que constituíram sua razão e lhe colocou em uma nova condição na natureza, a qual

lhe trouxe maior liberdade e, não obstante, novas necessidades de caráter psíquico. Essa condição

é intrinsecamente dicotômica, porque o homem tem, por um lado, liberdade para agir e, ao

mesmo tempo, sofre diversas determinações. Esse conflito é o que estabelece o mecanismo

fundamental do comportamento humano. Para Fromm os homens possuem, basicamente, dois

modos de superar esse conflito inerente à sua existência: um modo regressivo e outro

progressivo. O primeiro, Fromm denomina como mecanismos de fuga, que são aqueles modos

em que o homem deseja regredir para a unidade com a natureza, ao estado de pré-individuação.

O segundo modo é progressivo e consiste em utilizar e desenvolver as propriedades

especificamente humanas, um modo de relacionamento com o mundo no qual o homem utiliza

as potencialidades de sua razão para, então, lidar com sua situação existencial e satisfazer suas

necessidades fisiológicas e psíquicas. A impossibilidade de satisfazer essas necessidades gera os

modos regressivos de desenvolvimento tanto a nível individual quanto social. Em suma, para

Fromm o homem é naturalmente impulsionado a superar e anular sua inalterável dicotomia

existencial, sendo esta, portanto, a origem mais fundamental de suas necessidades e motivações.

Assim, para Fromm o conhecimento da psique e da natureza humana deve basear-se na análise

filosófico-existencial das necessidades básicas do homem, resultantes das singularidades e

contradições da situação humana.

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CRISE DE IDENTIDADE E CORROSÃO DO CARÁTER

Rafael de Barros

[email protected]

Palavras-chave: Pós-modernidade; capitalismo flexível; identidade; corrosão do caráter

O presente trabalho tem como objetivo compreender o processo de perca crescente da

identidade sofrida pelos indivíduos na Modernidade Tardia, que segundo Stuart Hall ocorre devido

à flexibilização das relações existentes entre o homem e o meio social em que este se insere, uma

vez que todos os processos sociais se flexibilizaram, nos termos de Richard Sennett, o indivíduo

se vê imerso em uma sociedade que a todo momento se reinventa e se transforma e que, como

consequência, força os indivíduos a se transformarem. Este processo de transformação crescente

faz com que os indivíduos percam as bases sólidas sob as quais se apoiavam e tomavam como

fonte de segurança, bases estas que proporcionavam a criação de auto identificação e

autoconhecimento, de modo geral, de uma identidade. Uma vez que tais relações se

flexibilizaram, o indivíduo perdeu seu ponto de apoio, viu-se imerso em uma sociedade que tem

como característica fixa a mutabilidade de suas relações. O processo de flexibilização que

promove, segundo Hall, a perca da identidade, promove ainda a perca de valores morais fixos aos

quais os indivíduos podem fundar seu caráter, desse modo, mais que a perca do sentido de

identidade, o indivíduo na Pós-modernidade sofre um processo degenerativo do caráter, que Richard

Sennett denomina Corrosão do Caráter. Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo

analisar de modo comparativo como a crise de identidade diagnosticada por Hall promove a corrosão

do caráter apontado por Sennett.

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A DISTINÇÃO DE CURVAS GEOMÉTRICAS E CURVAS MECÂNICAS EM

DESCARTES E NOS GEÔMETRAS GREGOS

Renato Francisco Merli

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. César Augusto Battisti

Palavras-chave: Geometria; curvas geométricas; curvas mecânicas; geômetras gregos

A proposta do texto é apresentar a tese de que Descartes classifica as curvas geométricas e

mecânicas de forma distinta dos antigos geômetras gregos. Vale salientar que as curvas

geométricas são os principais objetos geométricos estudados pelo filósofo e são assim chamadas

por serem precisas e exatas, além de se abrirem a um tratamento e ordenamento algébrico. Os

antigos já haviam fixado certos critérios (implícitos, pelo menos) de aceitação ou de recusa das

curvas; entretanto, a consideração dos instrumentos legítimos à sua construção, e sua limitação à

régua e ao compasso, levaram os geômetras gregos a excluirem da geometria determinadas curvas

tão precisas e exatas quanto as aceitas. Para Descartes, régua e compasso são máquinas tanto

quanto os outros compassos. E, portanto, tanto uns quanto outros podem gerar curvas

geométricas. Logo, é preciso proceder a uma nova avaliação da natureza das curvas. Ao contrário

dos gregos, que com base no método cinemático (de movimento) agruparam todas as curvas

como a quadratriz, a cissóide, a concóide e a espiral num conjunto que exigiam na sua construção

instrumentos mais complicados do que a simples régua não graduada e o compasso, o filósofo

fez uma criteriosa distinção, aceitando a cissóide e a concóide como curvas algébricas e rejeitando

as restantes. Assim, tomando por “geométrico o que é preciso e exato e por mecânico o que não

é”, ele deu reconhecimento geométrico às curvas como a reta, o círculo, as cônicas, a cissóide e a

concóide, designando-as por curvas geométricas. Às curvas restantes, que excluiu da sua A

Geometria, deu o nome de curvas mecânicas, pois podiam imaginar-se descritas por dois

movimentos separados cuja relação não admitia determinação exata, ou seja, escreveu Descartes,

“em virtude de poderem imaginar-se descritas por dois movimentos que não têm entre si

nenhuma relação que possa medir-se exatamente”.

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O HOMEM DEMOCRÁTICO E O RISCO DO DESPOTISMO DEMOCRÁTICO

SEGUNDO ALEXIS DE TOCQUEVILLE

Prof. Ms. Ricardo Corrêa

Instituto Federal Farroupilha

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Palavras-chave: Alexis de Tocqueville; estado social democrático; despotismo democrático

Mesmo que a palavra democracia, para nós ocidentais, designe “bons sentimentos e valores” –

pois relacionamos outros dois termos muito caros à nossa cultura: liberdade e igualdade –, para o

pensador francês a democracia estabelece um estado social que pode trazer consigo alguns

malefícios, como a apatia social e, consequentemente, o despotismo democrático. Pois o estado social

democrático, segundo o pensamento tocquevilliano, favorece o aparecimento de um novo tipo de

homem, o homem democrático: um tipo que não se prende a nada, não lhe interessa as tradições nem

o passado, apenas o quadro do presente. Busca incessantemente os ganhos materiais, sem se

importar com a coisa pública. Ao se preocupar apenas com sua vida privada, com os bens

privados, o homem retira-se do “palco da vida política”. Mesmo todos tendo os mesmos direitos,

podendo gozar das mesmas profissões, podem perder a liberdade política. E perderão de bom

grado se lhes garantirem o bem-estar. Este é o perigo do individualismo: uma sociedade em que

só o conforto e a segurança são valorizados. Então, através da apatia social, decorrente do

individualismo, pode surgir um governo despótico.

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PODE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HEIDEGGER CONTRIBUIR À

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO?

Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Hermenêutica filosófica; fenomenologia; fundamentos filosóficos da educação;

história da educação; Heidegger

A presente comunicação assume por tema a contribuição que o projeto filosófico heideggeriano

de uma hermenêutica da facticidade poderia trazer para pensar os fundamentos filosóficos da

educação. O problema que colocaremos e que pretendemos responder, desde o início, será: como

a hermenêutica filosófica contribui à história da educação? Para responder este problema,

precisaremos determinar como o projeto heideggeriano de uma hermenêutica da facticidade pode

ser útil a pensar conceitos fundamentais da educação. Esta meta final, entretanto, apenas se

obtém cumprindo os seguintes objetivos específicos: a) Apresentar os termos da hermenêutica da

vida fática segundo Heidegger; b) Caracterizar a história da educação como narrativa das

concepções de educação em vista de seus fundamentos; c) Descrever como a hermenêutica

filosófica de Heidegger poderia liberar o sentido de certas interpretações de educação tornando

seus fundamentos compreensivos de modo a permitir novas acepções dos mesmos. Após

cumprir estas tarefas, julgamos poder validar a hipótese de que noções tradicionais da educação (e

suas respectivas práticas) serão compreendidas de modo mais fundamental com o auxílio da

hermenêutica fenomenológica de Heidegger.

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DA IMPOSSIBILIDADE DE UMA PSICOLOGIA SEM ALMA

Rodrigo Cavalheiro de Lima

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

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Palavras-chave: Introspecção; psicologia; espírito

Em sua derradeira obra, O mundo Interior, Raimundo de Farias Brito (1862-1917) realiza uma

intensa e seria investigação de todas as correntes psicológicas da época, com a intensão de

encontrar uma Psicologia que atendesse aos requisitos de uma Psicologia filosófica, concluindo

que nenhuma delas atende às exigências de uma Psicologia transcendental. Sua ultima obra se

inicia com uma severa crítica à psicologia moderna, pois esta, baseada na pesquisa de laboratório,

através da experimentação, buscando descrições anátomo-fisiológicas, medida das sensações e

dos atos psíquicos, torna-se irônica mediante a sentença “Psicologia sem alma” a qual

complementa o Filósofo, “uma Psicologia morta”, ou seja, uma Psicologia que não nos instrui

nem edifica, que nada nos diz sobre a energia que reside em nós. Brito diferencia a ciência da

Filosofia, entendendo a primeira como a busca do domínio do homem sobre a natureza, a

segunda como a busca do domínio do homem sobre si mesmo. Então propõe uma Filosofia do

Espírito, uma ciência que leve a conhecer o ser íntimo que é base e sede das ações humanas. Não

sendo o espírito apenas base do edifício do pensamento, mas o principio dos princípios,

resistindo a toda duvida, torna-se o espírito objeto de ciência, possuindo seus princípios e

métodos próprios. Desse modo, identifica a Psicologia com a Filosofia, dando lhe o qualificativo

de Psicologia Filosófica, e é esta a ciência das ciências, a ciência fundamental, ciência da coisa em

si e do ser verdadeiro, pois só a ela é dado entrar no coração das coisas. Para tanto é preciso de

um “método” que não se limite a observar apenas a fenomenalidade, o mundo exterior, a

matéria, é preciso entrar no âmago da pura realidade e ver o que se passa no interior mais

profundo de nosso ser, e isto se da através da “introspecção”.

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A EXISTÊNCIA HUMANA SEGUNDO SØREN A. KIERKEGAARD

Rômulo Gomes

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Estádio; existência; indivíduo; relação; síntese

Vem-se, por meio desse artigo, apresentar o pensamento de Søren Aabye Kierkegaard, que expõe

em sua obra a ideia de indivíduo em relação consigo e com seu Criador. Para o autor, cada

indivíduo é responsável pela sua existência; mas na falta da autenticidade desta, surge o

desespero, doença do espírito que atinge todos os homens. O ser humano é uma síntese de corpo

e alma, portanto de finitude e infinitude, de temporalidade e eternidade. A relação destes termos

dialéticos é o espírito, pelo qual o homem se distingue de todo o resto do mundo. O espírito, ao

relacionar-se consigo, dá origem ao eu, que é a reflexibilidade da relação e a conciliação das partes

da síntese. Contudo, o eu não se estabelece por si mesmo, existe um terceiro termo, um Autor,

que permite ser. Segundo o filósofo, não é o homem que dá a si mesmo o seu próprio ser, mas

participa desse pela responsabilidade de criar sua existência, que é produto de sua vontade.

Fazendo uso da sua liberdade o homem escolhe como dirigir a sua vida. O homem, pela

capacidade de existencializar-se, pode viver de três modos gerais: segundo o estádio estético, ético

ou religioso. No primeiro, estético, o homem deixa-se guiar pelos apetites sensuais e vive uma

vida sem responsabilidades, apega-se ao que é superficial e finito, como a beleza corporal, glórias

e riquezas; no estádio ético, o homem busca o que é melhor para si, procurando ser uma pessoa

boa, conciliando sua vida com as leis éticas; no estádio religioso, por meio da fé, vai-se além da

razão, além do que é ético e acredita-se naquilo que é escândalo, absurdo para os homens de

pouca fé. A cada ascensão de estádio, o homem percebe o que realmente é merecedor de maior

ou menor valor e compreende que nada poderá satisfazer a sua fome de infinito, a não ser o

próprio infinito.

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TIPOS MORAIS

Roni Lenon da Silva

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Wilson Antonio Frezzatti Júnior

Palavras-chave: Hierarquia; moral; tipologia

O objetivo desta comunicação é expor de forma interpretativa alguns dos aspectos

argumentativos a respeito da moral de senhores e da moral de escravos, tendo como base textual

os seguintes escritos do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: o capítulo nono de Além do bem e do

mal: prelúdio a uma filosofia do futuro (1886), intitulado “O que é nobre?” e a primeira dissertação

(“Bom e mau”, “bom e ruim”) de A genealogia da moral: uma polêmica (1887), paralelos a breves

alusões a outros textos do pensador em questão. O intento inicial se desdobra, por um lado,

enquanto uma tentativa de detectar algumas das características tipológicas e hierárquicas de

ambas as morais (senhores/escravos) nestes contextos, e por outro, descrever uma possível

proximidade entre as fontes textuais selecionadas. Isso não consiste em dissecar linearmente

todos os aforismos das seções selecionadas, mas apenas em destacar e descrever o que é

pertinente para a produção deste texto.

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DISCUSSÕES ÉTICAS NOS ESPAÇOS ESCOLARES

Roselene Aparecida Moreira

Universidade Estadual de Londrina - UEL

Orientador: Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui

[email protected]

Palavras-chaves: Escola democrática; educação cidadã; formação ética

O objetivo desta pesquisa é apresentar o espaço escolar como um lugar que propicia a construção

de uma sociedade democrática. Para isto, abordamos algumas das críticas feitas pela visão pós-

moderna à formação autônoma, que foram apontadas por Freire. Acreditamos que o conceito de

autonomia é uma categoria central na obra de Paulo Freire e tem importância não só para a

formação profissional, mas também para o exercício da docência, na construção de uma

sociedade democrática. A instituição escolar centraliza a atividade intelectual da educação formal,

porém, há aquela formação caracterizada como educação não formal intrínseca, que contribui na

formação do ser humano que está inserido na sociedade, onde precisa ser um sujeito atuante e

que necessita de regras, normas e consciência para garantir o bem estar individual e coletivo. A

metodologia utilizada será uma revisão bibliográfica dos textos e entrevistas de Paulo Freire onde

trata da autonomia. Nosso principal referencial será: A Pedagogia da autonomia, A pedagogia da

esperança e A pedagogia do oprimido. A pesquisa pretende unir as reflexões filosóficas com a prática

docente, sem tentar conclusões definitivas, pelo contrário, observando a necessidade de unir

sempre a reflexão filosófica na prática docente.

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REFLEXÃO SOBRE PROJETO DE VIDA EM SØREN AABYE KIERKEGAARD

Samuel Schaia

Anhanguera Educacional - FACIAP

[email protected]

Palavra-chave: Kierkegaard; sofrimento; estádio

Utiliza-se muito frequentemente a frase: “Dinheiro não trás felicidade, mas sofrer em Paris é

muito melhor”. Não, sofrimento é sofrimento em qualquer lugar, ele está dentro do homem; se o

homem for para Paris, Las Vegas, qualquer lugar; O sofrimento lá estará, pois não se trata do

local onde o homem está, mas do próprio homem. Parece que não nos satisfazemos nunca a

respeito do prazer; nossa condição de humanos e, portanto de sobreviventes, nos leva a isso.

Biologicamente, somos animais que lutam pela sobrevivência, correndo atrás de satisfação

fisiológica; como comer, beber, fazer sexo que nos leva a manter a vida e reproduzir a espécie, e,

quando alcançamos essas metas naturais, ganhamos prazer. Mas então “vivemos felizes para

sempre”? Não; logo temos de satisfazer essas necessidades novamente, remetendo ao ciclo da

vida, como em qualquer outro animal. Qual é o sentido da vida? Em suma, buscamos a verdade;

nesse caminho devido o livre arbítrio podemos decidir o sentido de nossas vidas. Quando não

controlamos nossos instintos e vivemos sem buscar uma “independência intelectual”,

naturalmente buscando o prazer imediato, como qualquer outro animal, se tornando vício e não

virtude, entramos em conflito com o mundo, pessoas, animais, etc, e a satisfação não estará

jamais completa.O projeto de vida em aberto, ou dirigido a prazeres imediatos, gerará competição

entre os “animais” pelo meio ambiente, o conflito entre o indivíduo e a lei moral, conflito este

evidenciado no livro “Diário de um sedutor”, de Kierkegaard. Na concorrência pela

sobrevivência “viciada”, com recursos escassos, entende-se que “se ganha quando o outro

perde”, e aí se dá o ideal de “lucro”. O conceito de ganho sobre o outro alimenta o ciclo da

sobrevivência instintiva, estádio estético, segundo Kierkegaard. A reflexão, a “virtude” do livre

arbítrio nos é dada, pela agonia; questionamos o sofrimento, e continuamos nossa busca pela

verdade. Agora usamos métodos teóricos, mentais, racionalistas, empíricos e demais

fundamentalismos para tentar compreender o ser humano como um todo, e enquanto homens,

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não chegaremos jamais à consecução desse propósito. Não tocamos a verdade, apesar de

fazermos parte dela, a verdade universal está no “é” e nós “somos”, estamos presos à nossa

finitude e limites humanos. Compreendendo-o, porém, daremos o “salto da fé” passando ao que

Kierkegaard denomina estágio religioso. “A fé não é cega, é visionária, no sentido não de lhe

faltar, mas lhe sobrar visão. A fé vê no visível o invisível, vê no mundo e em tudo que o mundo

contém a luz, a luz de um paradoxo vivenciado, está fé é o destino de toda a existência humana.

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HEIDEGGER E O PROBLEMA DA ARTICULAÇÃO ENTRE A TÉCNICA E O

PODER

Silvio Alves

[email protected]

Palavras-chave: Técnica; biopoder; controle da vida

Como a técnica e o poder se articulam na época atual? A relação entre a técnica e o poder

aprofunda o pensamento crítico ou contribui para o controle total da vida? Estas questões

norteiam esta investigação, que parte da concepção de técnica de Martin Heidegger, exposta na

conferência A questão da técnica, proferida no Auditorium Maximum da Escola Superior Técnica

de Munique, em 18 de novembro de 1953. Sua crítica da técnica moderna distancia-se da noção

comum da técnica percebida como um meio para alcançar determinados fins e como um fazer do

homem. Para Heidegger, a modernidade é técnica, não porque os instrumentos técnicos

permeiam a interatividade do homem com o mundo, mas pelo fato de que o pensamento

calculista e tecnicista fundamenta a maneira de pensar e de criar dos homens, e, em detrimento

disto, contribui também para o esquecimento do Ser. Nesse sentido, sua problematização não

somente desloca a abordagem tradicional sobre a técnica, mas apresenta elementos fundamentais

para pensá-la no âmbito do poder. Nossa abordagem, portanto, pretende compreender, pelo

menos, três aspectos centrais dessa articulação entre a técnica e o poder: a) como a questão da

técnica, em Heidegger, apresenta-se como um modo de compreender o mundo; b) de que modo

o conceito de biopoder desenvolvido por Michel Foucault no curso Segurança, território e população

(1977-1978) contribui para atualizarmos a noção de poder e a reflexão sobre a técnica e poder; e

c) que aproximações, similaridades e divergências podemos identificar entre a técnica e o

biopoder, a fim de aprofundarmos a compreensão da centralidade da técnica e dos mecanismos

de poder pertinentes ao controle da vida na época atual.

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DELEUZE, SPINOZA E UEXKÜLL:

UM VITALISMO ÉTICO PELA VIA ETOLÓGICA

Sindy Miriam Leite

Instituto Federal do Paraná - IFP

[email protected]

Orientador: Profª. Alan Rodrigo Padilha

Palavras-chave: Ética; etologia; vida

A tese fundamental da ontologia de Spinoza é formulada a partir do ser unívoco sendo

substância absolutamente infinita, ou seja, constitui-se de uma infinidade de atributos, cujos

produtos são modos. Para Deleuze, Spinoza define corpo de duas maneiras, uma cinética que diz

respeito as relações de movimento e de repouso, de lentidão e de velocidade entre partículas. E

outra dinâmica que se remete ao poder de afetar e ser afetado, nessa concepção cinética e

dinâmica pode-se compreender a afirmação deleuziana da ética como uma etologia que serve

tanto aos homens quanto aos animais, porque desse depende somente o poder de afetar e ser

afetado e de suas relações de movimento e lentidão conforme já exposto de antemão. O caráter

etológico da ética é definido por Deleuze no exemplo uexküliano, o carrapato, animal que suga o

sangue dos mamíferos. Ele define esse animal a partir de três afetos: luz, olfato e calor, assim em

um primeiro momento ao subir no alto de um galho, a segunda de se deixar cair sobre o

mamífero que passar debaixo do galho, e a terceira procurar a região mais quente e de pelo. O

homem é definido por duas características, as “ações que se explicam pela natureza do indivíduo

afetado e derivam de sua existência, e pelas paixões que se explicam por outra coisa e derivam do

exterior” (DELEUZE, 2002, p.33). Para Spinoza, a vida é uma maneira de ser, um mesmo modo

eterno em todos os seus atributos. Spinoza inaugura uma nova perceptiva ética que é renovada

por Deleuze: a vida é o centro, sua potência.

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DOUTRINA PURA DA VIRTUDE E ANTROPOLOGIA MORAL EM KANT

Solange de Moraes Dejeanne

Centro Universitário Franciscano - Santa Maria/RS

[email protected]

Palavras-chave: Ser moral; humanidade; pessoa; liberdade; homem como fim em si mesmo

Várias são as passagens dos textos kantianos sobre filosofia moral nas quais se encontram

afirmações e pressupostos que parecem nos autorizar a conceber aí uma antropologia moral

concebida basicamente a partir da condição do homem de ser racional, isto é, uma antropologia

não empírica. Com efeito, Kant afirma que “o homem, e, duma maneira geral, todo ser racional,

existe como fim em si mesmo [...]” (FMC, 64). E não há dúvida de que Kant pensa o homem

como ser moral a partir da sua natureza racional. Na Fundamentação da metafísica dos costumes, assim

como na segunda Crítica e na Doutrina da Virtude, onde Kant trata do desenvolvimento do sistema

da liberdade, a condição de agente moral do homem lhe é atribuída enquanto ser dotado de

razão, isto é, da capacidade de agir segundo a representação das leis. Pois, enquanto ser racional, o

homem pode pensar-se como legislador da sua própria conduta. Assim, tanto a metafísica dos

costumes, quanto a Doutrina da Virtude, que Kant desenvolve a partir de um princípio metafísico

fundamental, apontam para uma antropologia moral. Ou seja, a filosofia moral de Kant parece

implicar elementos para uma antropologia moral depurada de todo elemento sensível da

condição humana. Contudo, há que se considerar que também, para Kant, o homem enquanto

tal não é um ser racional puro, e sim um ser natural racional; e que é exatamente na relação que se

estabelece entre uma lei da razão pura e a vontade do homem, que não é santa, mas pode ser boa,

que Kant situa o imperativo categórico. Ora, a condição do homem de ser racional natural nos

coloca o problema de pensarmos que lugar ocupa (ou ocuparia) no sistema da filosofia prática de

Kant uma antropologia (moral) destituída da dimensão empírica do ser humano. Neste ensaio

trata-se, pois, de analisar alguns elementos que Kant apresenta em seus textos, especialmente na

Doutrina da Virtude, e de fazer notar sob que condições se pode compreender a antropologia

moral kantiana.

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HEIDEGGER E FRIEDLÄNDER: UMA DISCUSSÃO SOBRE A TRADUÇÃO E

INTERPRETAÇÃO DE ALÉTHEIA, NA FILOSOFIA PLATÔNICA

Thayla Magally Gevehr

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Mestrado em Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Claudinei de Freitas da Silva

Palavras-chave: Alétheia; Heidegger; Friedländer

Pretendemos analisar a discussão de Friedländer com Heidegger sobre a interpretação e tradução

do termo grego alétheia. Em A doutrina platônica da verdade, Heidegger traduz o termo por

desvelamento, entendendo, a partir disso, que em Platão houve uma mudança no conceito de

verdade. Platão teria abandonado a concepção originária de verdade como desvelamento,

substituindo-a por adequação (homóiosis). Friedländer, em Platão: eidos, paideia, diálogos, afirma que

a tradução de alétheia por desvelamento conduz a uma interpretação errônea da filosofia

platônica; afirma, também, que na maioria das vezes, embora se possa encontrar duas exceções –

uma em Homero e outra em Hesíodo – o termo é traduzido por verdade. Apresentaremos o teor

dessa discussão e suas consequências na leitura da filosofia platônica.

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A CONSTRUÇÃO DO OUTRO: O ÁRABE EM FRANZ KAFKA

Thiago Ossucci Santello

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Vania Sandeleia Vaz da Silva

Palavras-chave: Poder; dominação; liberdade; alteridade; orientalismo

Edward Wadie Said (1935-2003), no livro Orientalismo: a invenção do Oriente pelo Ocidente, publicado

em 1978, mostrou que a criação discursiva do Oriente como o “Outro”, pelo Ocidente, servira aos

interesses imperialistas das grandes potências europeias. Independente do acerto da tese de Said, a

leitura de Franz Kafka (1883-1924) possibilita uma perspectiva interessante a respeito de como

alguns europeus simbolizavam o árabe e levanta uma série de questões a respeito dos conceitos de

alteridade, poder, dominação e liberdade. Isso fica evidente no conto “Chacais e Árabes”, mas aparece

em outras passagens da obra kafkiana, que permitem repensar algumas das articulações entre os

discursos do poder e alteridade – já que construir discursivamente o outro como não-humano ou menos

humano fornece a justificativa teórica para a dominação de fato, e recoloca o problema da liberdade

cuja garantia é política, como bem o demonstra a obra de Bento Espinosa (1632-1677).

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O HOMEM É UM ANIMAL QUE SORRI:

O FENÔMENO DO RISO NA OBRA DE ARTE LITERÁRIA

Toani Caroline Reinehr

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CAPES

[email protected]

Palavras-chave: Riso; carnavalização; ambivalência

O riso é essencialmente humano, uma vez que, como aponta Aristóteles e o confirmam os

estudos de Bergson, somente no homem ele se manifesta, o riso é, portanto, traço distintivo

entre nós e os outros animais. Fenômeno perturbador e perigoso, o riso pode servir como

mecanismo de coesão social, de manutenção de uma ordem, mas também pode, pela inversão,

dessacralizar. Por um lado, apresenta-se como distração da vida, fazendo com que nos olvidemos

momentaneamente de nossa finitude; por outro lado, rimos também da consciência de nossa

morte indubitável, riso do homem que percebe que seu mundo é também representação, sendo

ele próprio personagem: agora um, no instante seguinte, já transformado, sempre outro, e,

ambivalente, sempre o mesmo (ele próprio, o eu, ele outro, o outro dele e o meu). Nosso

objetivo, nesse trabalho, é tratar das questões elencadas, observando o riso na perspectiva de sua

manifestação na obra de arte literária, ancorados nas reflexões de Henri Bergson, Georges Minois

e Mikhail Bakhtin sobre o tema.

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A MANIPULAÇÃO DA ARTE PELO DISCURSO

Ulisses Santo do Nascimento

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB

Bolsista Projeto PIBID Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Ricardo Henrique Resende Andrade

Palavras-chave: Retórica; arte; capitalismo

O presente trabalho pretende discutir as relações entre a retórica (Chaim Perelman) e a

instauração de preços nas obras de arte, destarte, o principal problema de pesquisa é refletir sobre

as técnicas de convencimento e persuasão, apresentadas no tratado da argumentação de

Perelman, e a partir daí, tentar estabelecer uma relação entre os valores das obras e o discurso que

advoga a favor de cada uma delas. Pretendo dialogar com Walter Benjamin, a respeito da

reprodução e a desvalorização da arte em meio aos avanços tecnológicos, desse modo, a principal

reflexão apresentada no texto é a seguinte: Com quais critérios lógicos os críticos de

arte/peritos/curadores, seguem para determinar o nível de qualidade de determinada obra. Sendo

que o juízo de valor e o juízo de gosto é algo pessoal e intransferível. Por fim, o texto discute

uma perspectiva contemporânea de Filosofia da Arte que segue o pensador Arthur Danto,

refletindo sobre o fim da arte, e a grande explosão do capitalismo.

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A JUSTIFICAÇÃO COMO MEIO PARA LIBERDADE EM SANTO AGOSTINHO

Valbert Luíz Cortarelli Júnior

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Palavras-chave: Justificação; liberdade; pecado

Santo Agostinho, após sua conversão, escreve uma filosofia bem parecida com sua vida, de modo

especial em O Espírito e a Letra. O processo de justificação se dá pelo fato do homem estar

privado, parcialmente, da sua liberdade. Sendo assim, já escravo dos vícios, do pecado, o Espírito

age nele, pois o dom da graça já nos é dada na concepção. O início do processo de justificação é

a ação do Espírito, mas só continua por livre decisão individual. Se acaso o Espírito privasse o

direito de escolha da pessoa, ainda que fosse para seu bem, a ação não seria boa por si, todavia,

isso é egoísmo, que é próprio do pecador e não do Espírito. A decisão individual, a qual me

refiro, é a tomada de consciência dos erros que estava cometendo, e a vontade de mudar. E

assim, auxiliado pela graça, e observando as leis, inicialmente, vai sendo justificado também pelas

ações. A liberdade é a última que se alcança nesse processo. A liberdade é entendida

considerando todas as consequências, uma vez que as leis, que outrora eram a base do

discernimento das ações, portanto, uma prisão, agora não são mais necessárias, em outras

palavras, as leis são para os injustos. Qual a necessidade da graça no processo de justificação?

Santo Agostinho diz: “Se o caminho da verdade permanecer oculto, de nada vale a liberdade a

não ser para pecar” (1998, p.21). A graça é a condição e o meio para o bem, evidencia a liberdade

que vai sendo adquirida, e sua perca se não escolher a justiça. Existem dois tipos de leis, e ambas

auxiliam no processo: a lei das obras e a lei da fé. A primeira é que nos leva a pecar e incita a

concupiscência. A outra, enquanto consciência ética do crente, é uma lei que o sujeito segue por

vontade e não por obrigação, pois não é uma imposição, a fim de respeitar o Ser que ele crê sem

ver, e a lei é justa, porque a graça não a deixou ser corrompida.

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EDUCAÇÃO BANCÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA SOCIEDADE:

DEMOCRACIA O REFLEXO NA CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE

Valéria Mazzer Tortelli

Universidade Estadual de Londrina - UEL

[email protected]

Orientador: Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui

Palavras-chave: Oprimido; educação democrática; educação libertária

O objetivo desta pesquisa é apresentar o conceito de “educação bancária” em Paulo Freire,

apontando as implicações que tem com a educação e a construção de uma sociedade

democrática. Primeiramente, a noção de educação bancária e os conceitos de democracia e de

liberdade, e também, as implicações políticas da educação tradicional sobre a democracia e a

liberdade. Os conceitos de oprimido e de liberdade permeiam a obra de Paulo Freire e têm

importância não só para a formação profissional, senão também para o exercício da docência, e

os estudos filosóficos sobre a construção de uma sociedade democrática. A metodologia utilizada

será uma revisão bibliográfica dos textos de Freire, no qual trata do oprimido. As principais

referências são a Pedagogia do Oprimido, a Pedagogia da Esperança e a Pedagogia da Autonomia. Sendo

que esta pesquisa não terá conclusões definitivas, pelo contrário, coloca como relevante a

importância os conceitos de oprimido e liberdade no cotidiano da vida escolar, confrontando

novos problemas.

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MALANDRO OU MARGINAL? BATALHA SIMBÓLICA EM CIDADE DE DEUS

Vera Vilma Fernandes Leite

Faculdade Assis Gurgacz

[email protected]

Palavras-chave: Literatura; dialética da malandragem; marginalidade; violência; batalha simbólica

O objetivo desta comunicação é propor uma nova abordagem em relação à sociedade brasileira e,

principalmente, à literatura brasileira contemporânea. Para isso, faremos uma reflexão acerca da

obra Cidade de Deus (1997), do escritor Paulo Lins, que tem como temática a violência urbana e a

marginalidade, contrapondo-a ao ensaio da Dialética da Malandragem formulada por Antônio

Cândido, e que, por muito tempo, caracterizou – em alguns casos, ainda caracteriza – a

autoimagem do povo brasileiro com a “dialética da marginalidade” proposta por João César

Castro Rocha (2004), que busca superar a desigualdade mediante o confronto, a exposição da

violência em lugar da passividade e conciliação. Para Castro Rocha, a “dialética da malandragem”

– forma descontraída de lidar com a injustiça social do cotidiano – é substituída pela “dialética da

marginalidade” – que representa a ordem conflituosa e que pressupõe a exposição da violência. A

figura-destaque deixa de ser o malandro e passa a ser o marginal, o que foi excluído pela

sociedade e, em vez de se deixar cooptar pelo sistema e transitar entre dois polos, assume a sua

situação de excluído e, de objeto do discurso, passa a ser sujeito de seu próprio discurso. O

enfrentamento desses dois modos de tentar compreender o país cria o que Castro Rocha

denomina “batalha simbólica”, sendo evidenciada, neste trabalho, na tentativa de buscar

elementos da narrativa de Cidade de Deus que contribuam com o modelo das relações sociais.

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AS FONTES DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN

Vinícius Bogdan Orlandi

Universidade Estadual de Maringá - UEM

Orientador: Prof. Dr. Robespierre de Oliveira

Palavras chave: Crítica ao progresso; Benjamin; filosofia da história; historiador; materialismo

histórico

O presente trabalho tem por objetivo apresentar a crítica da cultura feita por Walter Benjamin,

exibindo sua concepção de filosofia da história, bem como suas fontes e influências (o

romantismo alemão, o messianismo judeu e o marxismo). Fazer um apanhado do

desenvolvimento das teses (Sobre o Conceito de História), e por fim, evidenciar o pensamento do

filósofo alemão de que a ideia de cultura parece representar a perspectiva positivista da história, a

qual incorpora características destrutivas em seu conceito, e este contém as “sementes da

barbárie”, que dão a luz ao melancólico desencantamento da arte.

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A ABSTRAÇÃO DO VALOR DE TROCA EM O CAPITAL DE KARL MARX

Viviane Bonfim Fernandes

Universidade Federal da Bahia - UFBA

Bolsista CAPES

[email protected]

Orientador Dr. Mauro Castelo Branco de Moura

Palavras-chave: Marx; valor de troca; abstrato

A exposição de Marx começa pelo conceito mais abstrato, mais geral, como o próprio Marx

anunciou. No primeiro capítulo de sua obra Marx conceitua o valor da mercadoria, esse é o

começo, o conceito de valor de troca, o que temos de mais abstrato, esse começo não é empírico,

pois, como vimos, não se trata de uma descrição vinda da sensibilidade, pelo contrário, se trata de

uma elaboração do pensamento a partir da realidade. Sendo o valor de troca da mercadoria uma

construção social, em virtude de ser a média dos trabalhos no mercado, se constitui uma

abstração, no sentido de que o trabalho concreto sozinho não explica o valor de troca, e essa foi

a dificuldade encontrada pelos economistas clássicos, não conseguiram perceber a construção

social do valor. O trabalho abstrato, ou seja, a média social dos trabalhos, passa a funcionar

objetivamente como medida de valor. Deste modo, a abstração passa a ter uma existência real

dada pelas próprias relações sociais. No Livro Primeiro do Capital Marx analisa de modo formal e

abstrato as leis de funcionamento do sistema capitalista de produção a partir de seu aspecto mais

puro e idealizado. Esse é o momento da exposição das contradições mais genéricas e potenciais,

que não deixa de conter uma primeira totalização abstrata, que nos esclarece tanto sobre a forma

mais elementar do capitalismo, a mercadoria; quanto sobre seu fim. Somente depois que os

aspectos genéricos são compreendidos é que se torna possível avançar na exposição. Deste

modo, em O Capital existem momentos mais abstratos e momentos mais determinados, é

importante destacar que o movimento de exposição dialética, por mais que faça abstrações e

generalizações, nunca perde de vista a totalidade, por estar sempre vinculado ao real com suas

determinações, tendo-o como pressuposto e retornando a ele.

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A LINGUAGEM PARA A CONSTRUÇÃO DO ESTADO CIVIL EM HOBBES

Yohana Silva Marques dos Santos

Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS

[email protected]

Palavras-chave: Linguagem; abusos; razão

De acordo com o pensamento de Hobbes no Leviatã, capítulo IV, o uso geral da linguagem

consiste em passar de um discurso mental para um discurso verbal, isto é, passar todos os

pensamentos para uma sequência de palavras. Sendo o discurso mental apenas o raciocínio com

imagens, podendo facilmente esquecermos das muitas coisas que passam pela memória, é

somente, então, através do discurso verbal que fora possível os homens registrarem seus

pensamentos por meio de palavras e comunicar aos outros aquilo que estão pensando. Não

sendo algo bem estruturado, o discurso verbal poderá se comprometer a abusos de linguagem.

Seguindo o pensamento hobbesiano, o conhecimento verdadeiro, então, deve ser buscado

através do estabelecimento de precisas significações, sabendo o que cada palavra significa para

que, então, sejam usadas de forma adequada. Então, para o autor, o primeiro passo para o uso da

razão será calcular as consequências de nomes, isto é, não somente conhecer as causas de um

acontecimento: “mas começar por estas e seguir de uma consequência para a outra” (L, V, p. 40).

Após a eliminação de significações gerais e definindo com exatidão aquilo que se quer dizer é que

o homem usará adequadamente a razão, que o possibilitará chegar à lei natural (Lex Naturalis) que

o privará de “fazer tudo o que possa destruir a sua vida” (L, XIV, p. 112), isto é, o uso da razão

vai impor ao homem sua própria preservação. Desta forma, não é possível desconsiderar a

relevância da linguagem para a política hobbesiana, pois é a partir da exata definição daquilo que

se quer dizer que o homem usará a razão de forma adequada e seguirá o caminho para a sua paz e

segurança, renunciando o seu direito a todas as coisas e mantendo-se em um contrato.

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ARTIGOS COMPLETOS*

* A redação e a revisão finais dos textos são de responsabilidade dos próprios autores.

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INTUIÇÃO - UMA VIA AO CONHECIMENTO DO REAL:

PROPOSTA BERGSONIANA AOS PROBLEMAS METODOLÓGICOS DA

FILOSOFIA

Adeilson Lobato Vilhena

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Celso Kraemer

RESUMO: Bergson aponta a metafísica tradicional como a responsável pelas inconsistências do

saber moderno, uma vez que este procede segundo o mesmo método intelectivo da metafísica

tradicional. Tal método torna-se inadequado para abarcar a essência movente da realidade,

porque, sendo da natureza da inteligência analisar o que se apresenta como estático e superficial,

acaba atribuindo ao ser um princípio imutável. A proposta de Bergson de erigir a intuição como

método para a filosofia é uma forma de possibilitar o conhecimento do real, caracterizado como

movimento, duração e tempo real. Sua abordagem teórica é um convite a repensar a essência da

filosofia em meio à tendência de nosso tempo de aceitar o que é prático, fenomênico e relativo.

Palavras-chave: Bergson; intuição; conhecimento; real

1 Crítica aos problemas filosóficos.

A cultura intelectual da época de Henri Bergson, século XIX e a primeira década do século

XX, era fortemente influenciada pelo determinismo científico, cujo ideal era estabelecer a ordem

positivista a toda área do saber, inclusive às ciências humanas.

Dizemos que em tal época, diante da palavra ciência, curvavam-se irreverentes os espíritos

mais fortes. Bergson, envolvido pela mentalidade positivista, aceita o ideal de pôr a filosofia no

mesmo plano que as ciências positivas, mas percebe que com tal mentalidade, se ignoraria o que

ele entende por real e a liberdade em sentido ontológico. Afasta-se então dela, e busca meios de

dar precisão à imprecisão que até então era sustentada na filosofia.

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O problema que Bergson vê se concentra justamente no procedimento metodológico da

análise, que por si mesmo é um método falho e inconsistente. Diz ele: “Analisar consiste

portanto em exprimir uma coisa em função daquilo que não é ela” (BERGSON, 2006 a, p. 187).

1.1. A metafísica tradicional

Ao olhar para a metafísica tradicional, Bergson percebe que ela é a veia que vem

alimentando as ilusões dos sistemas filosóficos e científicos de sua época, pois tais sistemas se

equivocaram ao promoverem conhecimentos fundados na tendência natural da inteligência, no

que diz respeito em agir sobre aquilo que é prático e estável, deixando despercebido o que

Bergson concebe como real; a mobilidade. Diz ele: “Mas, preocupada antes de tudo com

necessidade da ação, a inteligência, como os sentidos, limita-se a tomar vez por outra, sobre o

transformar-se da matéria, ângulos instantâneos e, por isso mesmo, imóveis” (BERGSON, 1979,

p. 239).

Bergson caracteriza a inteligência como uma faculdade voltada essencialmente para a

matéria, e o fato da metafísica tradicional proceder pelo método intelectivo, estará criando um

abismo entre suas certezas e a realidade em sua essência. Para ele “[...] a filosofia antiga procede

como faz a inteligência. Ela se instala pois no imutável, e tomará apenas ideias” (Ibid., p. 274).

No parecer de Bergson, a metafísica em questão, em vez de adentrar no real, passa apenas a dar

representação intelectual dele. Assim afirma:

Foi assim que a metafísica foi levada a procurar a realidade das coisas acima do tempo, para além daquilo que se move e que muda, fora, por conseguinte, daquilo que nossos sentidos e nossa consciência percebem. Desde então, a metafísica já não podia ser mais que um arranjo de conceitos mais ou menos artificial, uma construção hipotética (BERGSON, 2006 a, p. 10).

O pecado da tradição consiste, portanto, em não conseguir se desvencilhar dos hábitos

intelectuais, ao analisar o devir, paralisa-o, crendo que ele é ilusório.

Ao longo do capítulo quatro de L’Évolution Créatrice, Bergson focaliza sua crítica aos

problemas metodológicos da filosofia tradicional, ao que concebeu como a ‘instauração platônica

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da metafísica’, fazendo-nos entender que, desde Platão, a filosofia se encapuzou de ilusões, tal

erro foi se alastrando em todas as áreas do conhecimento, como que uma reação em cadeia.

Vejamos: “Mas, a partir do momento em que se ponham as ideias imutáveis no fundo da

realidade móvel, uma física inteira, uma cosmologia inteira, até mesmo uma teologia inteira

decorrerão, necessariamente” (BERGSON, 1979, p. 273). Nisso, somos herdeiros da filosofia

que vê na estabilidade o real, utilizando-se do enfoque inteligível, capta somente o que é imutável.

1.2. O relativismo kantiano

Em Introdução à Metafísica, Bergson se refere a Kant da seguinte maneira: “Mas toda a Crítica

da Razão Pura repousa também sobre o postulado de que nosso entendimento é incapaz de

qualquer outra coisa a não ser platonizar, isto é, modelar toda experiência possível em moldes

preexistentes” (BERGSON, 2005, p.57). Com Immanuel Kant, a ilusão filosófica persiste, pois o

caminho metodológico tomado pelo pensador alemão é de inspiração platônica. Segundo ele,

conhecemos o que está no espaço e tempo:

Kant havia estabelecido, dizia-se, que nosso pensamento se exerce sobre uma matéria espalhada antecipadamente no Espaço e no Tempo e desse modo preparada especialmente para o homem: a “coisa em si” escapa-nos; seria preciso, para atingi-la, uma faculdade intuitiva que não possuímos (BERGSON, 2006 a, p.24).

Kant teria chego ao conhecimento real, se não limitasse a capacidade do entendimento

humano a aspectos intelectivos, rejeitando, assim, o meio para atingi-lo.

Pelo menos num ponto notava Bergson, sublinhando a experiência fundamental de Maine de Biran, era possível ao espírito humano “atingir o absoluto” e fazer dele “objeto das suas especulações”, atingir a realidade “em si” e não só os fenômenos, “essa realidade que Kant declarava inacessível às nossas especulações” (MARTINS, 1946, p. 14. Grifo do autor).

Para Bergson, o que Kant rejeita é sim possível, pois o que faltou ao autor da Crítica foi um

pouco de esforço de consciência, de outra forma teria chegado ao absoluto.

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2. O procedimento metodológico científico

O que Bergson identifica como inconsistência da metafísica tradicional é florescido nas

ciências particulares, por estas se encontrarem arraigadas aos mesmos parâmetros metodológicos.

A ciência moderna, como a ciência antiga, procede segundo o método cinematográfico. Ela não

pode agir de outro modo; toda ciência está submissa a essa lei. É da essência da ciência, com

efeito, manipular signos que ela põe em lugar dos próprios objetos (BERGSON, 1979, p. 284).

Vê Bergson que o conhecimento moderno não escapou da exigência da inteligência de

manipular as evidências sensíveis e estacionárias da realidade, caracterizando-se com o teor

matemático, ao tentar abordar questões essenciais que não se enquadram no âmbito da exatidão,

tais como os elementos que compõem o real; movimento, tempo, duração, acaba demonstrando

incoerências e visão distorcida do real. “O que equivale a dizer que o tempo real, considerado

como um fluxo ou, em outras palavras, como a própria mobilidade do ser, escapa no caso ao

domínio do conhecimento científico” (Ibid., p. 290), diz Bergson.

O caminho metodológico da ciência é inteiramente intelectivo e, os sistemas que adotaram

a inteligência como propulsora da verdade, mostraram apenas fragmentos do real. Rossetti nos

diz que: “A inteligência tem uma visão espacial da realidade e, dessa forma, a percebe como

descontínua e imóvel, percepção que a impede de ver o todo e o movimento essencial da realidade

[...]” (ROSSETTI, 2004, p. 30, grifo do autor).

No Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, Bergson aponta os problemas das psicologias

associacionista e experimental. Essas erram em tentar quantificar os dados da consciência em vez

de vivê-los. Em tais ciências, os dados da consciência, sentimentos, sensações afetivas e

representativas, são tomados como grandezas extensivas. Isso segundo Bergson, é tido como um

grande equívoco, pois uma vez feito da consciência objeto de análise da psicofísica, os dados

internos tornam-se objetivados, passíveis de aumento e diminuição, o que implica em uma

espacialização da consciência. Em sua opinião, os estados da consciência devem ser vividos e não

mensurados. “[...] quanto mais se desce nas profundezas da consciência, menos se tem o direito

de tratar os fatos psicológicos como coisas que se justapõem” (BERGSON, 1988, p. 12).

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O evolucionismo de Spencer é outro para onde se voltam as críticas de Bergson, para

nosso autor, aquela teoria se limita em “[...] tirar o decalque das coisas e modelar-se pelo detalhe

dos fatos” (BERGSON, 2006 a, p. 04). Ainda acrescenta: “Digamos apenas que o artifício comum

do método de Spencer consiste em reconstituir a evolução com fragmentos do evoluído” (BERGSON, 1979, p.

313, grifo do autor).Desse modo, não haveria transformismo, tão pouco evolução. Eis a

ambiguidade de sua teoria, pois concebe a vida como uma combinação físico-química, dito de

outro modo, o elemento determinante da vida já parte previamente de uma determinação objetiva

e externa, de um elemento físico.

3. A intuição como método

A intuição na proposta de Bergson é a chave que a filosofia poderá usar para adentrar no

real. É o método que se opõe à metodologia intelectiva. Diz Bergson: “Desse modo, nós nos

reinstalaríamos no fluxo da vida interior, do qual a filosofia com muita frequência não nos parecia

reter mais que o congelamento superficial” (BERGSON, 2006 a, p. 22). Tamanha é a necessidade

de Bergson apresentar um novo método para a filosofia, visto que a tradição filosófica

comprimida pelos hábitos da inteligência, negligenciava o que realmente compõe a realidade e

abstraía somente o superficial. O método que propõe Bergson tem como objetivo abarcar a

totalidade de uma forma clara, pois segundo ele “a precisão não podia ser obtida, a nosso ver, por

nenhum outro método” (Ibid., p. 25). Assim ele a caracteriza como: “o ato pelo qual nosso

espírito conhece perfeitamente a verdade” (Ibid., p. 130).

Pelo método intuitivo, Bergson declara uma nova metafísica que se propõe abranger um

conhecimento puro da realidade em si, pois intuir é conhecer e afirmar como as coisas realmente

são, unindo-se a elas de tal forma que se torne parte dela, pois “Conhecer é unir-se a uma coisa e,

em certo sentido, tornar-se a própria coisa; é coincidir o conhecimento do objeto com o

conhecimento de si mesmo” (SAYEGH, 1998, p. 26, grifo do autor).

Dizemos, portanto, que no método intuitivo nos possibilita uma visão ampla da realidade,

o que não se exclui a realidade externa, como a vida em seus aspectos imanentes, mas, além disso,

e de forma bem pertinente, podemos conhecer nosso próprio eu, nosso estado de alma, nosso

espírito, nisso tornamos claro a expressão que a intuição é um conhecimento do espírito pelo

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próprio espírito, isto é, conhecemos nossa origem, história e tempo, nossa interioridade,

portanto, a afirmação do eu sou, torna-se clara e verdadeira, uma vez que é alcançada pela intuição

supra-sensível.

O alcance da intuição consiste em desvencilhar a consciência dos hábitos naturais da

inteligência, ou seja, transcender seu hábito prático de agir sobre o estático. É importante

esclarecer, que o transcender, aqui, não significa o desligamento da vida em sua imanência, pelo

contrário, consiste em uma maior inserção nela. Nos explicita Bergson:

Mas suponham que, ao invés de querermos nos elevar acima de nossa percepção das coisas, nela nos afundássemos para cavá-la e alargá-la. Suponhamos que nela inseríssemos nossa vontade e que essa vontade, dilatando-se, dilatasse nossa visão das coisas. Obteríamos desta vez uma filosofia na qual não se sacrificaria nada dos dados dos sentidos e da consciência: nenhuma qualidade, nenhum aspecto do real se substituiria ao resto sobre o pretexto de explicá-lo (BERGSON, 2006 a, p. 154).

A riqueza que vemos na filosofia de Bergson é justamente a possibilidade da experiência

com o real, ou seja, conhecer a vida em sua essência pelo uso da intuição. Dessa forma, estaria ele

erguendo uma metafísica de ocupação ontológica por excelência.

4. O conhecimento real

O tripé ontológico que sustenta a realidade, na perspectiva de Bergson, é composto de

movimento, tempo e duração.

O Movimento é apresentado como uma realidade intrínseca à vitalidade, isto é, a vida em

sua essência é movente, pois tudo passou a existir a partir daquilo que ele chama em L’Évolution

Créatrice de impulso original da vida, o Elán vital, fluidez completa

O movimento é ontologicamente o que rege todo o existir. É nele e a partir dele, que se

efetiva o processo vital, “o movimento, qualquer que seja sua natureza íntima, torna-se uma

incontestável realidade. […] Se movimento existe, como uma simples relação: trata-se de um

absoluto” (BERGSON, 1990, p. 159, 161). Contrapondo as afirmações de que a essência do real

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é imutável, Bergson apresenta sua crítica à metafísica platônica, afirmando que o movimento é o

que rege a vitalidade. Rossetti nos diz que

A razão fundamental de tal crítica é que, para Bergson, Platão propõe como fundamento da movente realidade ideias imutáveis e eternas, assim concebe um princípio imutável para a realidade. O que é um equívoco para a visão bergsoniana da realidade, a qual, se verdadeiramente intuída em sua essência, é puro movimento que se move a partir de si mesmo (ROSSETTI, 2004, p. 52).

Fechar os olhos para a mutabilidade que nos envolve, é dar ouvidos aos apelos evasivos da

inteligência que, por sua natureza, volta sua atenção para o fenômeno da estaticidade. Uma

filosofia que se dedique na busca da verdade é fundamental e necessário que afaste o véu que

esconde o real, para assim, se pôr no burburinho do movimento, pois “a realidade, intuída em sua

essência, se mostra como puro movimento; puro porque quando intuímos, nosso pensamento se

move junto com o ser” (Ibid., p. 54).

A duração é uma característica intrínseca do real, ou seja, do movimento. Em outras

palavras, entende-se que a vida, impulsionada pelo movimento primário, avança em um ritmo de

criação e transformação.

O que deve ser destacado é que o ato de criar é permeado pela capacidade de mudar, pois o

novo só se torna possível mediante a mudança, porém, ao se falar de mudança, não

necessariamente se exclui características passadas, pelo contrário, elas conservam-se, ou melhor,

atualizam-se no presente.

Para ser mais sucinto, dizemos que o movimento criador é em si memória, pois mesmo

enveredando por caminhos e desdobramentos múltiplos, ao criar uma nova vida, deixa nela

alguns códigos genéticos que foram retidos dos seres anteriores.

O itinerário que percorremos no tempo está juncado dos resíduos de tudo o que

começávamos a ser, de tudo o que poderíamos ter vindo a ser. Mas a natureza que dispõe de um

número incalculável de vias, de modo algum se restringe a semelhantes sacrifícios. Ela conserva

as diversas tendências que bifurcaram ao crescer. Ela cria, com elas, séries divergentes de espécies

que evoluirão distintamente (BERGSON, 1979, p. 95).

A vida como criação, em si é um prolongamento do ponto inicial, uma síntese das diversas

formas de vidas perpassadas pelo movimento criador, uma duração genética. Utilizando-se da

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visão do espírito, teríamos consciência de que o passado se atualiza no presente e estica-se ao

futuro. A duração torna-se consciente a partir do uso da intuição filosófica, pois “pensar

intuitivamente é pensar em duração” (BERGSON, 2006 a. p. 32).

A condição para a duração é a consciência, pois essa última percebe o passado e torna-o

presente, de outro modo, diz Bergson “não se pode falar de uma realidade que dura sem

introduzir nela uma consciência” (BERGSON, 2006 b, p. 56).

Tal consciência, necessariamente tem que ser intuitiva, pois é ela que nos põe em contato

com a duração, ela é memória. Assim define o filósofo francês:

Ela é memória, mas não memória pessoal, exterior àquilo que ela retém, distinta de um passado cuja conservação ela garantiria; é uma memória interior à própria mudança, memória que prolonga o antes no depois e os impede de serem puros instantâneos que aparecem e desaparecem num presente que renasceria incessantemente (BERGSON, 2006 b, p. 51).

A duração pura é uma qualidade de nossa consciência. “A duração pura apresenta-nos uma

sucessão puramente interna, sem exterioridade” (DELEUZE, 1999, p. 27). Não há, portanto,

nessa duração, influência de um espaço ou de um tempo externo, mecanizado. Ela é um estado

de consciência límpida, percepcionada a partir de si mesma, por isso a certeza de se afirmar como

conhecimento real.

Se o movimento é real, logo deve haver um tempo real, cujo papel é fazer a passagem de

um estado a outro, ou seja, o tempo é o responsável pela mudança, é a ponte de atualização do

que era no que é. Assim, o tempo torna-se uma realidade ontológica.

Bergson põe em cheque o conceito de tempo que perdurou na teoria de Spencer, isto é, um

tempo justaposto, dividido em partes, por essa concepção, o tempo pode ser mensurado, pois é

separado por espaços que impedem a continuidade do movimento, tornando passado, presente e

futuro distantes entre si. A concepção de tempo que sustenta Bergson não possui essas

características, afirma ele: “Sua essência consistindo em passar, nenhuma de suas partes está mais

aí quando outra se apresenta. A superposição de uma parte à outra com vista a mensuração é

inconcebível” (BERGSON, 2006a, p. 04).

O tempo real que se refere Bergson é o tempo da consciência, o qual se diferencia do

tempo mecanicista, isolado e divisível. O tempo freado para ser mensurado não possui duração,

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mas sim instantes, pois uma vez que é superposto uma parte à outra, quebra-se com sua extensão

única. A mensuração está voltada para o imóvel em um determinado espaço. Bergson observa

que essa é uma problemática que perpassa a história da filosofia:

Ao longo de toda a história da filosofia, tempo e espaço são colocados no mesmo plano e traçados como coisas do mesmo gênero. Estuda-se então o espaço, determina-se sua natureza e função, e depois se transportam para o tempo as conclusões obtidas (BERGSON, 2006a, p. 07).

Procedendo pelo que ordena a inteligência, as ciências se bastam com a análise do espaço.

O erro, vê Bergson, se dá quando elas têm a pretensão de tratar com a mesma visão da matéria o

que é espiritual, isto é, reveste os dados da consciência de uma roupagem que não lhe é própria,

elimina sua real essência, o que é qualidade, torna-se quantidade; o móbil torna-se estático, a

duração torna-se instante, a sucessão dá lugar à justaposição. A proposta de Henri Bergson é de

devolver à realidade as características que lhe são próprias, e é mediante ao uso do método

intuitivo que isso é possível.

Referências Bibliográficas:

BERGSON, Henri. A evolução criadora. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

___________. Cartas, conferências e outros escritos. Trad. Franklin L. e Silva. São Paulo: Abril Cultural,

2005. (Os pensadores).

___________. Duração e simultaneidade. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2006 b.

___________. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Trad. João S. Gama. Lisboa: Edições 70, 1988.

___________. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes,

1990.

___________. O Pensamento e o movente: ensaios e conferências. Trad. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins

Fontes, 2006 a.

DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Trad. Luiz B.L. Orlandi. São Paulo: 34, 1999.

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MARTINS, Diamantino. Bergson: a intuição como método na metafísica. Porto: Tavares Martins, 1946.

ROSSETTI, Regina. Movimento e totalidade em Bergson: a essência imanente da realidade movente. São Paulo:

Editora da universidade de São Paulo, 2004. (ensaio da cultura; 25).

SAYEGH, Astrid. Bergson: o método intuitivo: uma abordagem positiva do espírito. São Paulo:

Humanitas/FFLCH/USP, 1998. (Teses)

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SCHOPENHAUER E A HIERARQUIA DAS BELAS ARTES

Ademir Menin

[email protected]

RESUMO: A doutrina estética de Schopenhauer vê nas belas artes, mas especialmente na

música, uma via de fuga para a problemática existencial, pois o ser humano é continuamente

oprimido pelo peso dos conceitos, da representação. Na tentativa de encontrar na contemplação

artística uma boa maneira de aliviar a dor ontológica, Schopenhauer expõe, nos dois primeiros

livros da sua obra filosófica principal, ou seja, O mundo como vontade e representação, a sua visão de

mundo, a qual é muito relacionada à cosmovisão platônica. No terceiro livro da mesma obra, o

filósofo apresenta a sua peculiar visão estética, configurando uma hierarquia das artes, sendo a

música a maior de todas e, portanto, a mais apta a levar o ser humano para uma dimensão

espiritual, ou seja, para além dos conceitos.

Palavras-chave: Schopenhauer; vontade; representação; arte; música

Arthur Schopenhauer(1788-1860), na sua obra filosófica principal, apresenta a sua visão

cosmológica. Para ele, o mundo é a nossa representação, ou seja, é aquilo que nós representamos

como tal através dos nossos conceitos, com base naquilo que recebemos através dos nossos

sentidos. Na verdade, para o filósofo de Danzig, o mundo é uma força cega e simplesmente

existe como tal, independentemente dos conceitos. A mente humana não faz outra coisa senão

uma espécie de projeção daquilo que quer que o mundo seja.

Essa tese, “o mundo é a minha representação” (I, 1)4, aparece logo no início da obra

principal de Schopenhauer, como se fosse um resumo de toda a sua filosofia. Baseado nessa

simples e curta frase, ele pretende desenrolar todo o seu pensamento e procura demonstrar a sua

aversão em relação ao mundo representativo como um todo. O filósofo é mais propenso a uma

4 A obra de Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, é dividida em dois volumes, os quais são indicados em números romanos (I e II). Ao interno de cada volume, existe uma divisão numérica crescente em números arábicos. Esse sistema facilita o estudo e a indicação do preciso trecho da obra a que se faz referimento. Usaremos esse sistema também nessa comunicação, indicando entre parênteses esses trechos do texto quando necessário, inclusive nas citações.

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ideia de mundo como sendo uma força bruta, uma força cega e, portanto, procura uma saída para

libertar o ser humano das amarras dos conceitos e da vida segundo a representação intelectiva.

São os conceitos os responsáveis por grande parte do sofrimento humano e fazem o mesmo

viver angustiado e aniquilado por esse peso que incumbe a todo instante; tem-se a impressão que

Schopenhauer considere a força da representação uma espécie de “pecado original” que subjuga

o ser humano, tirando-lhe a paz de espírito.

Apesar de partir dos pressupostos da filosofia kantiana, Schopenhauer tem um modo

próprio de ver a realidade, pois coloca por um lado o mundo condicionado pelas categorias da

filosofia de Kant, ou seja, espaço e tempo e princípio de causalidade; e por outro lado, a

consciência subjetiva que faz com que o mundo exista assim como o representamos. Portanto,

todo o esforço filosófico de Schopenhauer se concentra na busca de uma solução ao problema

do ser humano, o qual deseja, satisfaz os próprios desejos e depois se entedia, criando um circulo

vicioso, do qual não consegue se livrar. A visão pessimista do filósofo em relação ao mundo é

exatamente essa: o mundo como representação cria uma barreira ao ser humano, como se fosse

uma prisão ontológica onde ele se encontra incapaz de agir espontaneamente. Portanto, é

necessário encontrar um modo de objetivar a vontade, cancelando o poder da representação, ao

menos em pequenos intervalos de tempo. A representação seria toda a carga de preocupações

que fazem a vida tornar-se um peso; d’outra parte, a vontade é aquele viver despreocupado e sem

objetivo aparente, como acontece no cosmos, entendido como situação natural. A representação

é, em Schopenhauer, o mundo apolíneo, ou seja, dominado pelos conceitos e pela ordem; mais

precisamente, é o mundo da razão. A vontade é o domínio de Dionísio, onde tudo acontece com

mais naturalidade e despreocupação: é o reino das artes.

Os momentos de prazer na vida do ser humano são somente momentos fugazes em que o

ser se livra da dor, a qual é uma nota característica da vida humana. Daí parte a busca para poder

encontrar caminhos que libertem o ser dessa dor profunda que o acomete. Esses caminhos são

particularmente relacionados com a estética. O ser humano é capaz de elevar-se além desse

mundo e alcançar um estado de espírito tal que consiga eliminar a dor ontológica, deixando-se

levar pela embriaguez dionisíaca proporcionada pela contemplação artística.

A obra de Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, é composta de quatro livros.

Porém se deve notar que essa obra teve duas edições: uma em 1819 e uma segunda edição em

1844. Essa segunda edição foi acrescida de suplementos que o autor achou por bem fazer para

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explicar melhor algumas passagens da sua filosofia. A estrutura da obra, então, em cada edição é

essa: os dois primeiros livros tratam da visão cosmológica do filósofo; o terceiro livro discorre

sobre o problema estético, ou seja, a via artística como modo de libertar o ser humano das

amarras desse mundo, com os seus conceitos e sofrimentos; o quarto livro, enfim, trata de outra

via de fuga para o ser humano, isto é, a via ética ou ascética.

A via estética do pensamento schopenhaueriano

Concentremo-nos agora somente sobre a via estética, ou seja, aquilo que Schopenhauer

apontou na sua obra como sendo a primeira possível via de fuga dos sofrimentos desse mundo,

na tentativa de aliviar o ser humano do peso que o oprime.

No terceiro livro de O mundo como vontade e representação, Schopenhauer faz uma interessante

exposição sobre as artes em geral. Apesar da peculiar cosmovisão que tem, a sua descrição e

organização das artes segundo uma hierarquia bem definida, é algo para ter-se em conta como

sendo de grande valor, vista a sua complexidade (I, 301-316).

As artes em Schopenhauer são vistas como um complexo de manifestações humanas e uma

forma de conhecimento unitária. Mas organizando as artes segundo uma escala de valores, a

tendência do filósofo de Danzig é aquela de construir uma escala das artes, condenando algumas

a ocuparem um lugar mais baixo nessa escala.

A expressão artística, a qual é uma atividade exclusiva do ser humano, é caracterizada por

afastar-se o mais possível dos conceitos. Nas artes prevalece a intuição imediata da vontade, em

graus diferentes, obviamente. Inclusive, em Schopenhauer, a filosofia não é nada mais que a

tentativa de traduzir em conceitos o conhecimento adquirido através da contemplação artística.

Segundo o estudioso italiano de Schopenhauer, G. Invernizzi5, é exatamente a teoria estética

aquela que explica a filosofia do nosso pensador, o qual possui um vasto e indiscutível

conhecimento no que diz respeito à arte em geral.

Na tentativa de expor a sua teoria estética, o autor diz que existe uma verdadeira hierarquia

ou escala das artes em Schopenhauer. Segundo essa escala, a arquitetura representa o grau mais

5 INVERNIZZI, G.Invito al pensiero di Schopenhauer, p. 173.

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baixo, enquanto que a música ocupa o grau mais alto. D. Jacquette6 expõe com clareza e

resumidamente essa escala das artes, classificando-as em ordem ascendente desse modo:

arquitetura, escultura, pintura, literatura, poesia e música.

Segundo essa escala, as artes figurativas, como a arquitetura, a pintura e a escultura,

assumem uma posição inferior; a poesia e a música assumem uma posição de maior importância.

Quanto mais livre dos conceitos e do mundo fenomênico, mais a arte consegue exprimir-se como

objetivação da vontade. Schopenhauer tende a confundir o peso da matéria com o mundo físico,

fenomênico; o maior exemplo dessa tese é exatamente a arquitetura, pois o material usado por

essa arte é caracterizado pelo peso e pela rigidez da matéria. Por outro lado, a leveza da matéria é

associada ao mundo espiritual, como é o caso da música, a qual é formada de sons, os quais são

constituídos de matéria leve e não pesada, como no caso da arquitetura (II, 511).

Falando das artes, desde a arquitetura até a música, Schopenhauer se expressa nesses

termos:

Após termos considerado até aqui todas as belas artes na generalidade adequada ao nosso ponto de vista, começando com a bela arquitetura, cujo fim enquanto tal é clarear a objetivação da Vontade no grau mais baixo de sua visibilidade em que ela se mostra como esforço regular, abafado e sem conhecimento da massa, já manifestando autodiscórdia e luta entre gravidade e rigidez; - e fechando a nossa consideração com a tragédia, a qual, no grau mais elevado de objetivação da Vontade, traz-nos diante dos olhos justamente aquele seu conflito consigo mesma, em terrível magnitude e distinção; após tudo isso, ia dizer, notamos que uma bela arte permaneceu excluída de nossa consideração e tinha de permanecê-lo, visto que, no encadeamento sistemático de nossa exposição, não havia lugar apropriado para ela. Trata-se da música. Esta se encontra por inteiro separada de todas as demais artes. Conhecemos nela não a cópia, a repetição no mundo de alguma Ideia dos seres; no entanto é uma arte tão elevada e majestosa, faz efeito tão poderosamente sobre o mais íntimo do homem, é aí tão inteira e profundamente compreendida por ela, como se fora uma linguagem universal, cuja distinção ultrapassa até mesmo a do mundo intuitivo – que decerto temos de procurar nela mais do que um exercitium arithmeticae occultum nescientis se numerare animi, na qualificação acertada de Leibniz, apesar de ter considerado só a sua significação imediata e exterior, a sua casca; pois se a música não fosse algo mais, a satisfação por ela proporcionada teria de ser semelhante à que sentimos na correta resolução de uma soma aritmética e não poderia ser a alegria interior com a qual o íntimo mais profundo de nosso ser é trazido à linguagem. (I, 301-302).

6 JACQUETTE, D., The philosophy of Schopemhauer, p. 145-146.

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O fato de que algumas belas-artes sejam de caráter mais espiritual que outras, (ou seja, não

têm tanta necessidade de um suporte material como as outras), faz com que essas artes sejam

mais ligadas ao tempo e menos necessitadas do espaço. Nesse sentido, as duas categorias a priori

de Kant, espaço e tempo, são amplamente propostas no discurso sobre as artes por

Schopenhauer: o espaço é mais necessário às artes visuais, como a pintura e a escultura, mesmo

se estas não excluem o tempo, no entanto que o tempo é mais relacionado às artes não visuais,

como no caso da narrativa e da música. Schopenhauer mesmo aponta a necessidade de um tempo

rigorosamente preordenado no caso da experiência artística de dramas musicais e sinfonias(I,

134).

Nesse caso então, a música, não sendo uma arte visual, não necessita do espaço da mesma

forma que acontece com as outras artes; por outro lado, as artes figurativas, as quais são

estreitamente ligadas ao espaço, tem menos necessidade do tempo para serem experimentadas

esteticamente.

Como Schopenhauer concorda com a concepção platônica de mundo, ao menos em parte,

podemos dizer que ele se refere às artes exatamente com essa concepção, através da qual as Ideias

estão em algum lugar (no Hiperurânio), mas não neste mundo fenomênico, o qual é

necessariamente influenciado pelas categorias a priori de Kant, ou seja, o tempo e o espaço. A

ideia, a qual não entra no princípio de razão, vai além do mundo dos fenômenos, além do véu de

Maia. A arte é a responsável pela realização do passo que constitui um grande salto de qualidade

em relação aos animais e a todo o mundo fenomênico em geral, ou seja, faz o homem ultrapassar

o limiar do puramente sensível.

Tem-se a impressão que Schopenhauer não faça nada mais que expor em modo diferente a

teoria platônica segundo a qual a arte é mimese, ou seja, imitação dos objetos do mundo sensível,

os quais são imitação, eles mesmos, do mundo das Ideias, de forma que as artes se distanciam

ainda mais da verdade. Desse modo, as artes devem ser bandidas do estado ideal, conforme a

teoria de Platão na República7. Dessa concepção de fundo parece provir a escala das artes proposta

por Schopenhauer, o qual não despreza abertamente as artes em geral como o faz Platão, mas se

adverte uma certa tendência a privilegiar umas em detrimento de outras. Nesse caso, a música é

considerada uma arte superior às outras.

7 REALE, G. Platone: tutti gli scritti. (República, Livro X).

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Na contemplação estética, segundo Schopenhauer, acontece algo que suspende, nem que

seja só por um momento, o ser das amarras da cadeia causal espaço-temporal. Como diz o

comentador de Schopenhauer, C. Janaway8, é como se acontecesse uma celebração do “sábado”

no meio da penosa servidão da vontade; é um momento de distração, no qual são colocados em

disparte os conceitos.

Apesar de que, na visão de Schopenhauer, só a ascese pode anular o domínio da vontade

sobre o ser humano, libertando-o do paradoxo criado entre os extremos do desejo/dor e do

tédio, as artes constituem um lenitivo para a vida humana, transportando o indivíduo,

principalmente o apreciador de música, em direção a uma dimensão mais leve e despreocupada,

diferente daquela dominada pelos conceitos. Falando sobre a arte em geral, Schopenhauer diz:

“A roda do tempo pára. As relações desaparecem. Apenas o essencial, a Ideia, é objeto da arte. –

Podemos, por conseguinte, definir a arte Como o modo de consideração das coisas independente do princípio

de razão, oposto justamente à consideração que o segue, que é o caminho da experiência e da

ciência. Este último tipo de consideração é comparável a uma linha infinita que corre

horizontalmente; o primeiro, por sua vez, a uma linha vertical que corta a outra linha num ponto

qualquer. O modo de consideração que segue o princípio de razão é o racional, único que vale e

ajuda na vida prática e na ciência; já o modo que prescinde do conteúdo desse princípio é o

genial, o único que vale e ajuda na arte. O primeiro é o modo de consideração de Aristóteles, o

segundo é no todo o de Platão. O primeiro é comparável a uma tempestade violenta que desaba

sem princípio e fim, a tudo verga, movimenta e arrasta; o segundo, ao calmo raio de sol que corta

o caminho da tempestade, totalmente intocado por ela. O primeiro é comparável às gotas

inumeráveis de uma cascata que se movimentam violentamente e que, sempre mudando, não se

detêm um único momento; o segundo, a um calmo e sereno arco-íris que paira sobre esse

tumulto. – Apenas pela pura contemplação (antes descrita) a dissolver-nos completamente no

objeto é que as Ideias são apreendidas. A essência do GÊNIO consiste justamente na capacidade

preponderante para tal contemplação (I, 218).

Tendo presente este trecho da obra principal de Schopenhauer, não se pode não notar uma

certa dificuldade na compreensão sobre o tipo de tempo a que se refere o filósofo. Visto que a

música observa um andamento de tempo que se pode dizer matematicamente exato, parece que

quando ele se refere ao tempo em música e nas artes em geral, não se refere ao tempo mecânico,

8JANAWAY, C. Self and world in Schopenhauer’s philosophy, p. 276-277.

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mas ao tempo assim chamado “psicológico”. Na contemplação artística, portanto, é deixado de

lado o cronômetro para dar espaço a uma dimensão na qual o sujeito não se dá conta do

transcorrer do próprio tempo. Só assim podemos compreender e interpretar o que o pensador

quer dizer com o que ele chama de “bloqueio da roda do tempo”.

Conclusão

Com essa breve exposição em relação à hierarquia das artes em Schopenhauer, se pode

deduzir que o critério de classificação das mesmas deve ser buscado dentro da própria

experiência estética, isto é, quanto mais a arte é ligada à materialidade, tanto mais permanece

ligada também ao mundo da representação e dos conceitos; ao invés, quanto mais a arte se liberta

dos conceitos, tanto mais leva o ser humano em direção ao mundo da vontade. Como exemplo

típico de Schopenhauer para o primeiro caso, se pode indicar a arquitetura; o segundo caso

encontra plena conformação na música, a qual é o mais alto grau de objetivação da vontade: a

música, dentre todas as artes, é aquela que melhor consegue desvelar alguma coisa desse mundo

arcano que é a vontade.

Mais uma vez precisamos notar que o nosso filósofo considera a matéria dotada de peso

e rigidez, uma pedra por exemplo, como alguma coisa de material; a matéria dotada de leveza,

como os sons, é considerada menos ligada à materialidade e, portanto mais espiritual. Essa é uma

concepção que destoa com a ciência acústica moderna, a qual considera o som como sendo um

fenômeno puramente físico. O fato é que essa escala das artes pode ser considerada como tal só

dentro do sistema filosófico schopenhaueriano, o qual tem como objetivo encontrar uma via de

fuga da opressão da vontade sobre o ser humano.

A doutrina estética schopenhaeriana procura alcançar esse objetivo, ou seja, mostrar

como a arte pode livrar o ser humano da trama do mundo da representação, dominado pela

causalidade, para inseri-lo em uma dimensão que vai além das aparências. Neste sentido, a

vontade, ou seja, a força cega da natureza, se torna conhecível através da via estética, isto é, da

contemplação do belo.

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Referências Bibliográficas:

INVERNIZZI, G. Invito al pensiero di Schopenhauer. Milano: Mursia, 1995.

JACQUETTE, D. The philosophy of Schopenhauer. Chesman: Acumen, 2005.

JANAWAY, C. Self and world in Schopenhauer’s philosophy. New York: Oxford University Press,

1989.

NUSSBAUM, M. C. L’intelligenza delle emozioni. Bologna: Il Mulino, 2004.

REALE, G. Platone: tutti gli scritti. Milano: Bompiani, 2008.

SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Unesp, 2000.(Trad.: Jair

Barboza)

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A CONSTITUIÇÃO DA NATUREZA HUMANA EM DAVID HUME:

DELINEAMENTOS SOBRE NATUREZA DA MORAL

Alderberti Batista Prado

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

RESUMO: O pensamento de Hume ressalta a moralidade inerente à constituição humana e

entende os sentimentos como o princípio que possibilita as relações harmoniosas. Hume afirma

que aprovação e reprovação são percepções distintas, sendo as percepções divididas em

impressões e ideias, afirma ainda que o louvor moral está fundamentado em uma impressão de

natureza reflexiva, que distingue o bem do mal através de prazer e dor, impressões de nosso

sentido externo. Considerados manifestações de nosso sentido interno, os sentimentos se

baseiam na distinção traçada pelas impressões sensíveis e tende a aprovar as impressões que

comunicam prazer. A manifestação dos sentimentos é sempre uma impressão reflexiva, que se volta

para o ínfimo de nossa constituição natural e encontra os aparatos necessários para qualificar a

afecção proporcionada por um caráter.

Palavras-chave: Percepção; impressão; sensação; reflexão; sentimentos

Uma questão norteia o empreendimento teórico ao qual Hume se lança no Tratado9. Ela se

refere aos princípios fundantes de nossa moralidade, a saber, como distinguimos o vício e a

virtude das ações? Através de ideias ou através de impressões10?

No início do livro III do Tratado, dedicado aos assuntos morais, Hume afirma que “nada

jamais está presente à mente senão suas percepções; e que todas as ações como ver, ouvir, julgar,

amar, odiar e pensar incluem-se sob essa denominação.” (p.496). Para Hume, as percepções da

mente se dividem em impressões e ideias.

As impressões são, por definição, percepções de uma vivacidade e força primárias, ou seja,

são experiências sensíveis que fundamentam os juízos que formamos a respeito do mundo, do

9 Cf. HUME, David. Tratado da Natureza Humana: Uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. Tradução de Déborah Danowski. São Paulo: Editora UNESP, 2001. 10 Cf. Idem, p. 496.

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conhecimento e, sobretudo, a respeito da moral. As ideias são consideradas por Hume como

cópias das impressões e, por vezes, é designada de percepção fraca. Essa fraqueza se deve ao fato de

elas não serem realidades originais, as ideias são, no entanto, derivadas de nossas impressões, não

se encontram diretamente em nosso aparato sensível e sim em nosso entendimento, remetendo-

se aos sentidos para fundamentar a sua realidade.

O termo percepção se refere a todas as ações da mente e, segundo Hume, esse termo se

aplica também aos sentimentos pelos quais distinguimos o bem do mal na moral. Para demonstrar

que essa distinção está fundamentada em uma percepção, podemos utilizar a passagem na qual

Hume profere que “aprovar um caráter e condenar outro são apenas duas percepções

diferentes.” (Idem, p. 496), pois a distinção entre o bem e o mal, entre a virtude e o vício está

fundamentada numa percepção11 particularmente moral, a distinção que daí resulta será capaz de

qualificar as nossas experiências de acordo com a sua influência sobre os nossos sentidos e a

partir da comunicação de uma impressão de sensação ao nosso sentido interno é que estamos em

condições para aprovar ou condenar uma ação ou um caráter.

Cabe ainda uma subdivisão no que se refere às impressões, elas podem ser impressões de

sensação ou impressões de reflexão. As impressões de sensação se referem às percepções ligadas ao nosso

sentido externo, que capta as qualidades dos corpos como sons, cores, prazer e dor, etc., estas

impressões são chamadas de impressões originais, pois a sua ocorrência na alma não depende de

nenhuma impressão anterior, surgem assim que são tocadas pelos objetos externos à nossa

sensibilidade.

Já as impressões de reflexão são ligadas ao nosso sentido interno, ao modo como somos tocados

pelas impressões advindas do exterior, estas são chamadas de impressões secundárias, pois elas

derivam a sua realidade das impressões de sensação como uma “resposta afetiva12” que suscita o

louvor ou a censura de nossos sentimentos morais, habilitados a nos guiar por entre as ações e

caracteres. Essas impressões são relacionadas às nossas emoções, vontades, desejos, etc., estas

possuem um valor moral, pois estão sujeitas a aprovação e reprovação, conforme o agrado ou

desagrado que acompanha tal percepção.

As impressões de reflexão são derivadas das impressões de sensação, pois, diante das impressões de

dor e prazer, formamos uma ideia sobre tais percepções, “uma cópia tirada pela mente”. Perante

11 As percepções são classificadas em impressão e ideia; e as impressões são classificadas em impressões de sensação e impressões de reflexão. 12 Cf. PEQUENO, Marconi. 10 Lições sobre Hume. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p.78.

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essa cópia surge uma nova impressão, uma impressão reflexiva, que enquanto tal imprime no

espírito um assentimento pelo prazer e uma repulsa pela dor, suscitando o sentido interno que

aprova ou reprova os caracteres comunicados por esta impressão.

Hume entende as impressões de prazer e dor enquanto impressões distintivas. A distinção que

dessa impressão resulta apoia a nossa decisão moral sobre ações e caracteres. E o prazer ou a dor,

amor ou ódio, consequentemente nos constrange à aprovação ou reprovação. Estas impressões

distinguem o bem e o mal, suscitando um sentimento favorável à virtude e contrário ao vício das

ações.

Como as impressões distintivas, que nos permite reconhecer o bem e o mal morais, não são senão dores e prazeres particulares, segue-se que, em todas as investigações acerca das distinções morais, bastará mostrar os princípios que nos fazem sentir uma satisfação ou um mal-estar ao considerar um certo caráter para nos convencer que esse caráter é louvável ou censurável. Por que uma ação, sentimento ou caráter é virtuoso ou vicioso? Porque sua visão causa um prazer ou desprazer de um determinado tipo. Portanto, ao dar a razão desse prazer ou desprazer, estamos explicando de maneira suficiente o vício ou a virtude. Ter o senso da virtude é simplesmente sentir uma satisfação de um determinado tipo pela contemplação de um caráter. O próprio sentimento constitui nosso elogio ou admiração. (HUME, 2001, p. 510- 511).

As distinções traçadas pela impressão de prazer suscitam o nosso senso da virtude, e obrigam-

nos a reconhecer as qualidades morais das ações e caracteres através de um sentimento, que além de

reconhecer um valor ao caráter que produziu a ação, discerne a influência de cada uma dessas

qualidades sobre a vida dos homens. Essas distinções estão fundadas na natureza humana de

modo intrínseco, isto é, podem ser consideradas como uma parte elementar de nossa natureza, de

modo a nos tornar humanos e sermos capazes de estabelecer uma relação harmônica com os

outros seres humanos, reconhecendo humanidade na bondade de seus propósitos e ações.

Hume afirma que essas distinções morais não podem ser fundamentadas na razão, pois a

razão não é capaz de acender uma terna afeição em nosso coração e tocar os sentimentos que nos

conduzem à virtude e nos afasta do vício. As distinções morais, que nos impõe o certo e o

errado, não são capazes de se referir a uma ordem de regras e normas que lhes impõe uma

medida, pois, certo e errado deve estar de acordo nossa própria natureza. E como esses valores

não estão fundamentados na razão, nada justifica o estabelecimento de objetos que transcendam

os limites de nossa própria natureza. A medida para as ações e juízos morais só pode ser

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instituída pela experiência dos sentimentos benévolos, sem a influência dos sentimentos, a moralidade

seria incapaz de nos afetar e nos impelir à ação. Como nos diz Hume:

Como a moral, portanto, tem uma influência sobre as ações e os afetos, segue-se que não pode ser derivada da razão, porque a razão sozinha, como já provamos, nunca poderia ter tal influência. A moral desperta paixões, e produz ou impede ações. A razão, por si só, é inteiramente impotente quanto esse aspecto. As regras da moral, portanto, não são conclusões de nossa razão. (HUME, 2001, p. 497).

Como a moral não pode ser fundamentada na razão, ela (a moral) não pode dizer o

verdadeiro e o falso, pois, segundo Hume, é papel da razão descobrir a verdade ou falsidade dos

juízos. A verdade e a falsidade fundam-se num acordo ou desacordo que se refere à relação entre

as ideias, sendo que cada ideia já possui referência a uma impressão precedente; ou na relação

entre o juízo e os fatos cuja existência real impõe um acordo empiricamente aceitável para o

nosso entendimento.

Os sentimentos, como afirma Hume (Cf. 2001, p. 498), não são suscetíveis desse acordo e

desacordo, os quais seriam instaurados pelas relações de ideias ou as questões de fato13. Os sentimentos,

enquanto impressões que possuem uma realidade reconhecida pela nossa constituição interna não

carecem de referência à outra realidade que vá além das impressões, uma vez que o próprio

entendimento se refere a essa realidade original, as sensações e os sentimentos, para fundar a

veracidade de seus “juízos impassíveis”.

As ações podem ser louváveis ou censuráveis, mas não podem ser racionais e irracionais. Louvável ou condenável, portanto, não é a mesma coisa que racional ou irracional. O mérito e o demérito das ações frequentemente contradizem e às vezes controlam nossas propensões naturais. Mas a razão não tem tal influência. As distinções morais, portanto, não são frutos da razão. A razão é totalmente inativa, e nunca poderia ser a fonte de um princípio ativo como a consciência ou senso moral. (HUME, 2001, p.498).

Ao tratarmos da natureza da moral no pensamento de Hume, é importante dar a devida

atenção a estas impressões de reflexão, considerando que o nosso senso de moralidade é guiado por

estas impressões. Esse modo de pensar inclui Hume entre os partidários do senso moral que,

enquanto tal, se opõe ao racionalismo, pois essa corrente filosófica considera que a distinção

13 Relação de ideias e questões de fato são, para Hume, os objetos próprios da razão humana.

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moral seria traçada pelo entendimento, segundo as operações básicas da razão: as questões de fato e

a relação de ideias.

Para o filósofo escocês a razão é impotente, não pode influenciar as nossas forças ativas, o

que ela pode é informar a existência de algo que possa suscitar um sentimento; e instruir-nos,

através de uma cadeia causal, sobre os meios adequados para a satisfação de um desejo. Com isso,

não pretendemos dizer que os juízos racionais são ineficazes, mas sim, que eles não nos dizem o

bem e o mal.

Comunicados pelas impressões sensíveis de prazer e dor, bem e mal fixam valores que

motivam o caráter, de modo que o louvor dedicado a esse caráter está subentendido no prazer

que a ação ou o próprio caráter nos imprime. O caráter obrigatório do certo não pode provir do

exterior, tal obrigação deve estar fundada na natureza humana, por isso, é necessário encontrar

em nossa natureza um senso que nos impelirá a ação moral. Hume encontra nos sentimentos essa

norma para a ação e conduta humana.

É importante que se entenda os sentimentos morais como impressões de reflexão de uma força

capaz de nos constranger a aprovar a afeição e benefício presente nas boas ações e recomendá-la

a toda humanidade. Os sentimentos14 seriam a expressão primeira de nossa interioridade em

resposta às afecções empíricas que o nosso sentido externo capta. Assim, quando buscamos o

sentido de uma ideia15 nos voltamos para a impressão original, também o fazemos quando

buscamos um fundamento para os fenômenos morais, buscamos um sentido interno capaz de

fundamentar o mérito que imputamos a um caráter.

Encontramos nos sentimentos morais, próprios de nossa humanidade, uma regra para a

qualificação moral. As qualidades morais não ostentam realidade objetiva, da qual a razão fosse

capaz de determinar um objeto de conhecimento. Os sentimentos preservam a realidade dos juízos

morais, são eles que dão vida à frieza dos conceitos de bem e mal, dão validade às virtudes e as

reconhece enquanto tal. Os sentimentos reconhecem as qualidades das ações e caracteres, assim

como a sensibilidade reconhece as qualidades materiais que afetam o sujeito, comunicando

percepções. São os sentimentos que apreciam o louvor de uma virtude, e o seu mérito fundamenta-

se no agrado imediato que uma ação é capaz de provocar, bem como das consequências

benéficas que as ações são capazes de produzir.

14 Compreendidos como sentido interno. 15 Isto é, das qualidades que a compõe.

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Referências Bibliográficas:

HUME, David. Tratado da Natureza Humana: Uma tentativa de introduzir o método experimental

de raciocínio nos assuntos morais. Trad.Déborah Danowski. São Paulo: UNESP, 2001.

PEQUENO, Marconi. 10 Lições sobre Hume. Petrópolis: Vozes, 2012.

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A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA, NO EMÍLIO DE ROUSSEAU

Alexandre José Krul

Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências - Doutorado. UNIJUÍ/RS

[email protected]

RESUMO: Este artigo é uma pesquisa de revisão bibliográfica que se propõe a refletir sobre a

aproximação proposta por Rousseau entre a educação natural do homem e a educação para a

autonomia do cidadão, em sua obra Emílio. Segundo Rousseau a educação do cidadão é permeada

pela formação moral que inicia na puberdade, com acompanhamento do preceptor, e estende-se

por toda a vida. A educação moral é destacada mais especificamente no Livro IV do Emílio, e

aponta para a tensão entre o amor de si do homem e a opção livre de viver com os outros firmando

um contrato social.

Palavras-chave: Educação. Homem. Cidadão. Autonomia.

Rousseau (2004) critica a educação de sua época, que não se decidiu se quer formar o

homem ou o cidadão. Um dos objetivos da sua obra Emílio é propor uma aproximação entre

esses dois objetivos, ou seja, entre a educação natural e educação civil. Há necessidade de educar

os sentidos, mas também fortalecer a educação do cidadão para ser autônomo e viver em um

Estado, organizado por leis que dirigem-se ao bem comum.

A crítica realizada por Rousseau (idem) se dirige às Instituições educativas de sua época,

principalmente aquelas regidas pela ordem dos jesuítas, acusando-as de formar sujeitos

dependentes e estúpidos, pois querem desde a tenra idade inculcar reflexões que visam a

educação moral. No seu entender, a educação institucional precisa primeiramente promover um

desenvolvimento das forças físicas para depois passar a educação moral.

Rousseau (idem) questiona o fato do ser humano ser ensinado sobre lições de moral desde

a infância, pois é somente no início da juventude, na puberdade, que o homem apresentará

interesses e será capaz de entender racionalmente essas relações a partir de um entrosamento

com outras pessoas na sociedade. Durante a primeira e a segunda infância há apenas uma grande

preocupação do homem consigo mesmo, não existindo ainda sentimentos sociais.

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A educação para uma autonomia moral, encontra seu caminho na experiência do indivíduo

vivendo em sociedade. Para Rousseau (idem) temos que estudar o homem a partir do estudo da

sociedade e estudar a sociedade a partir do homem. Os problemas de um homem em relação a

moral só podem ser resolvidos no seio da própria sociedade. O maior desafio do educador é

fazer com que o homem não escorregue e caia nos vícios que brotam desta convivência.

A moralidade que deve brotar no indivíduo que vive em sociedade torna-se paradoxal

quando a criança convive ou confronta-se com comportamentos e atitudes denegridos e

mascarados. Salinas Fortes (1997) afirma que Emílio é desafiado a viver em uma sociedade que

valoriza, na maioria das vezes, o ter no lugar do ser. A autenticidade, que é própria da natureza

humana, é abandonada ou denegrida enquanto que os desvios sociais próprios de uma vida

aparente são percebidos em ações corriqueiras. Em um contexto social de degeneração social é

que o indivíduo autônomo poderá se questionar sobre determinadas atitudes com que se depara.

Agir com autonomia moral, fundamenta-se naquilo que é para si e para os outros realmente útil e

importante para o bem comum.

Rousseau (2004) afirma que o homem não foi feito para permanecer na infância,

demonstrando com isso que o aspecto amoral com que viveu um longo período, reforçando seus

músculos e conhecendo o mundo a sua volta pelo contato com as coisas, processos descritos nos

Livros I, II e III, devem ser abandonados. A nova postura proposta, descrita no Livro IV; salienta

que viver com os outros implica um desenvolvimento moral fundado na valorização dos aspectos

fundamentais da condição humana.

"Nossas paixões são o principal instrumento de nossa conservação" (idem, 2004, p.287),

portanto a alternativa encontrada por ele é valorizar e desenvolver aquelas que são boas para a

espécie, e não somente aquelas que colocam o indivíduo em vantagem. Embora a paixão mais

vantajosa para o indivíduo, e a única que é inata, e que estará presente em todas as fases da sua

vida seja o amor de si. Muitas outras surgem com o desenvolvimento do indivíduo, porém, em

muitos casos, não passam de ilusões. "O amor de si é sempre bom e sempre conforme à ordem"

(idem, p. 288).

Em vários momentos da vida, a paixão poderá, sob olhar instintivo, apontar vantagens,

porém não passam de ilusões. Paixões são resultados das relações que são construídas pelo

próprio homem, mas se faz importante um constante alerta para que as necessidades, deveres e

preferências não sejam fundamentadas na cega obediência e nem no instinto. "O supremo gozo

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está no contentamento consigo mesmo; é para merecer esse contentamento que fomos colocados

na terra e dotados de liberdade, que somos tentados pelas paixões e contidos pela consciência"

(idem, p.397).

Um ponto criticado por Rousseau envolve o hábito, já que esse pode criar barreiras para o

desenvolvimento. Assim, como as paixões, os hábitos podem ser bons ou ruins. São bons

quando reafirmam atitudes e comportamentos virtuosos, e são ruins quando criam uma espécie

de carapaça de insensibilidade e preconceitos. Um dos grandes problemas, segundo Rousseau,

acontece quando o homem age de maneira mecânica e fria frente as situações.

Podemos perceber um exemplo disso na descrição do Vigário Saboiano. O jovem

despatriado e sem lar, mente sobre suas opções de vida para conseguir hospedagem e comida,

porém não está consciente de seu comportamento, e ignora as possíveis consequências. Ele

mesmo não sustentou, após alguns diálogos, sua real situação e confessou a sua mentira; como

reprimenda sofreu a punição de ser preso.

É importante que entendamos o conceito de preservação dos traços da natureza, que são a

liberdade, a autenticidade e a bondade. Para Rousseau os traços fundamentais do humano devem

ser conservados, até que este esteja em condições espirituais de entender o processo pelo qual

está passando, sem que haja alguma perda no caminho.

A experiência de convivência, juntamente com o acompanhamento do preceptor é que

auxiliará o jovem a decidir melhor sobre questões fundamentais, identificando as virtudes e os

males que são frutos das relações. A sociedade não é ruim em si mesma, muito menos a natureza

possui maldade, mas o próprio homem por meio de seus atos, pode agir de maneira positiva ou

negativa.

No Livro IV do Emílio, Rousseau apresenta seu aluno inserido-se ainda mais na vida social,

vivendo relações que serão fundamentais para a constituição da personalidade. Na vida civil o

amor de si, por obra da comparação com os outros, transforma-se em amor-próprio, e os freios

desse sentimento que deseja tudo para si é o contrato social. Graças a capacidade de se proteger e

querer o melhor sempre para si, é que a educação poderá lapidar esse sentimento direcionando-o,

por meio da voz da consciência, às necessidades gerais comuns a todos.

Tudo o que o homem recebe de fora de si, pode ser filtrado pela consciência. Segundo

Rousseau (2004) o homem é dotado de uma consciência individual que pode ser denominada:

"voz da consciência". "A consciência é a voz da alma, as paixões são a voz do corpo. [...] Ela é o

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verdadeiro guia do homem; [...] quem a segue obedece à natureza e não tem medo de se perder"

(idem, p.405). Na interpretação de Maruyama (2001), a consciência é um sentimento inato,

diferente da sensibilidade física. A consciência é responsável pelo senso de justiça e virtude que

envolve todos objetos intelectuais da razão humana.

Em outra passagem do Emílio podemos ler a seguinte afirmativa de Rousseau: "Dizem que

a consciência é obra dos preconceitos; no entanto, sei por minha experiência que ela se obstina

em seguir a ordem da natureza contra todas as leis dos homens" (2004, p.373). Partindo desta

afirmação podemos perceber que o homem vive uma tensão entre os próprios desejos e o bem

comum.

A interpretação de Maruyama (2001) é de que a consciência permite à razão, a partir da

observação da natureza, ordenar inteligentemente os atos humanos. Com o auxílio da

consciência, a razão deixa de se limitar à mera descrição das leis da natureza, para postular uma

ordem universal e inteligível, sem a qual não seria possível o conhecimento.

A educação do jovem influência diretamente na construção da autonomia e da

autenticidade, sendo conduzida pelas luzes da razão. O desenvolvimento do homem, bem como

a constituição da moralidade depende de todo o processo educacional; dependem diretamente

das influências resultantes da socialização. É impossível pensar um homem que não sofrerá

influência. A diferença é que o indivíduo educado segundo a natureza, estará fundamentado na

norma de que ele é um indivíduo que pode assumir um pacto como os outros. Todos os

indivíduos estarão dotadas do amor de si, e, portanto terão desenvolvido habilidades de pensar

por si mesmos, diminuindo as chances de terem suas decisões manipuladas por ações de outros

indivíduos. Rousseau (idem) afirma que o homem natural desenvolveu um amor profundo sobre

si mesmo, e se ama tanto que deseja que todos o amem da mesma forma que ele se ama. Pela

convivência um indivíduo observa o outro e, caso não esteja bem consciente do seu papel

enquanto humano, pode se comparar com outro e querer imitar o outro, ou até mesmo deixar

um outro tomar as decisões sobre aquilo que lhe compete. Mas o homem que é influenciado

rapidamente poderá chegar ao seguinte dilema:

O que duplicava meu embaraço era que, tendo nascido numa Igreja que tudo decide, que não permite dúvida, se eu rejeitasse um só ponto rejeitaria todo o resto, e a impossibilidade de admitir tantas absurdas separava-me também das que não o eram. Ao me dizerem creia em tudo, impediam-me de crer em algo, e eu já não sabia quando parar (idem, p.375).

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A educação rousseauniana chama atenção ao desafio que temos de preservar no homem

seus principais traços de humanidade e autonomia; "se o homem é ativo e livre, ele age por si

mesmo" (idem, p.396). Na leitura de Maruyama (p.43), Rousseau afirma que a atuação pública do

indivíduo supõe "o desenvolvimento das faculdades mentais do indivíduo e sobre a relação deste

com o modo de vida e os costumes de uma sociedade particular".

O Emílio viveu sempre livre, portanto suas necessidades eram suas leis. Para viver em

sociedade, o homem terá que abandonar a liberdade natural, para poder viver com os outros.

Desta forma o homem natural continuará a pensar somente em si, tendo seus atos baseados

exclusivamente no amor de si; pois "O homem, portanto, é livre em suas ações e, como tal

animado de sua substância imaterial" (ROUSSEAU, 2004, p.397)

Se a bondade moral é conforme à nossa natureza, o homem só pode ser são de espírito ou bem constituído na medida em que é bom. Se ela não o é, e o homem é naturalmente mau, ele não pode cessar de sê-lo sem se corromper, e a bondade é nele apenas um vício contra a natureza (idem, p.406).

A educação do indivíduo proposta no Emílio afirma que devemos:

[...] exercitar nele a bondade, a humanidade, a comiseração, a beneficência, todas as paixões atraentes e doces que agradam naturalmente aos homens e impedir que nasçam a inveja, a cobiça, o ódio, todas as paixões repugnantes e cruéis, que por assim dizer, tornam a sensibilidade não somente nula, mas negativa, e fazem o tormento de quem as experimenta (idem, p.304).

O desafio está justamente em acompanhar a educação do indivíduo, para que tome

decisões autônomas de acordo com o bem comum. Assim, homem e cidadão podem ser

conciliados, não relativizando nenhum. Agir na sociedade de acordo com a vontade geral, não

implica não agir de acordo consigo mesmo, pois as vontades particulares podem ser pertencentes

à vontade geral. O desafio é proporcionar ao indivíduo um desenvolvimento racional do homem

civil, que aprenda a compartilhar interesses e valores de acordo com o bem comum. Portanto,

criar convenções que devem ser seguidas por todos aqueles que realizaram o pacto social.

Embora o homem abandona, segundo o Contrato Social, aquele estado disperso da natureza,

a piedade natural e o amor de si continua vivo em seu interior, é o ponto de referência para que

se forme em seu interior a piedade civil e o amor-próprio.

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A vida civil, segundo Rousseau (2010a), permite-nos viver sem os males naturais, mas não

ensina como podemos suportar os males que vem do próprio homem por obra das paixões. Ao

mesmo tempo que o homem se desenvolve, surgem novas dores e vergonhosas glorificações. As

paixões não são boas ou ruins, o desafio está em como o homem conseguirá refrear essas

paixões.

O homem tem dificuldade de se contentar com aquilo que as suas próprias forças lhe

conseguem abastecer, ele quer sempre mais para si, e "o que nos é proibido pela consciência não

é sermos tentados, mas sim deixar-nos vencer pelas tentações. Não depende de nós ter ou não ter

paixões, mas depende de nós reinar sobre elas" (ROUSSEAU, 2004, p. 657).

No Livro IV do Emílio, Rousseau apresenta os pressupostos do desenvolvimento moral,

que tendem a reforçar a autonomia do homem. Tais pressupostos estão voltados sempre para os

objetivos comuns de todo o Estado. A vontade particular não deixa de ser um sentimento, porém

mesmo havendo uma constante tentação de relacionar tudo a si mesmo, cabe ao homem social

resistir a ela, e direcionar suas capacidades para a vontade geral. Essa centralidade do eu necessita

ser superada para que as relações políticas aconteçam, e assim, prevaleça o bem comum, sobre o

bem particular.

Portanto, a educação política proposta por Rousseau salienta que sempre as decisões

precisam estar baseadas na sabedoria humana que valoriza o bem comum. O maior desafio está

em criar condições de se viver bem.

Então, educar o homem para por em prática a vontade geral, pode ser uma possibilidade de

solucionar a contradição entre homem natural e homem civil. Rousseau (2010a) aponta que as

convenções são as melhores formas de organizar o Estado e de formar as leis, sendo assim a

República pode ser o melhor lugar para se viver. Na República o cidadão pode participar das

decisões como legislador, e vai compartilhar com os outros uma liberdade civil que lhe

beneficiará tranquilidade e segurança, pois poderá desenvolver suas aptidões e ser compreendido

como um igual aos demais. A vida pública depende diretamente dos indivíduos envolvidos. A

República somente existe porque os cidadãos, por convenção, a criaram, logo objetiva promover

a vida plena daqueles que ali vivem.

Assim, o que determina a ordem pública são as leis positivas, determinando o que é justo e

bom. Todo homem que pactua em viver no Estado civil, está livre da submissão a qualquer

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instituição e até mesmo a ordem divina. O homem civil age com autonomia e apenas é submisso

ao pacto social, e portanto às leis que dele emergem.

Referências Bibliográficas

FORTES, Salinas. Rousseau, o bom selvagem. São Paulo: FTD, 1997.

MARUYAMA, Natalia. A contradição entre o homem e o cidadão: consciência e política segundo J.-

J.Rousseau. São Paulo: Humanitas: Fapesp, 2001.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

___________. O Contrato Social. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010a.

___________. Os devaneios do caminhante solitário. Porto Alegre: L&PM, 2010b.

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A RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA POR MEIO DO DOMÍNIO DO SABER

Alexandre Moschen Ortigara

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

RESUMO: A Onipotência é definida pela psicanálise como um constructo do sujeito. Suas

implicações incluem sensação do controle de si, e que outras vezes extrapola o controle do

próprio corpo. Como o sujeito é constituído numa sociedade, que exerce influência sobre ele e

ele sobre ela, essa manifestação onipotente narcísica acontece também na sociedade. Inicialmente

na sociedade primitiva mítica como animismo e, posteriormente, na religiosa como magia e

científica como onipotência do pensamento. Assim como os sacerdotes influenciaram toda uma

era, pois eram os representantes autorizados pela religião, hoje os professores também o fazem

na condição de estarem autorizados pelo ideal humano oriundo do iluminismo.

Palavras-chave: Onipotência; psicanálise; desenvolvimento humano; narcisismo

Introdução:

Com o advento da psicanálise, no final do século XIX, quando Freud e Breuer16

postularam sobre o inconsciente, muito se questionou acerca de seus estudos. Ao inserir a

sexualidade infantil nos seus trabalhos, as críticas se acentuaram e nem mesmo Breuer seguiu

Freud, porém, esse seguiu com suas convicções, não sem cometer alguns excessos contra outros

estudiosos que se interessaram por seus postulados e buscaram ampliar sua área de atuação,

entretanto, obteve grande sucesso em sua obra.

Contudo, nem por possuir uma história já consolidada a psicanálise deixa de ser contestada.

Demonstrar se ela possui validade ou não, não será o objetivo desse trabalho, mas, buscar-se-á,

por meio de alguns conceitos que ela fornece, demonstrar como ela poderia estar presente nas

16 Os primeiros escritos da psicanálise foram realizados por Sigmund Freud e Josef Breur.

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relações de autoridade no âmbito social, sendo na religião ou no meio acadêmico, e como essa

relação pode constituir, com manutenção de algumas psicopatologias que se fundam no

inconsciente e se manifestam no humano, mais especificamente a partir da onipotência presente

no humano.

Para esse fim será necessário conceber que o humano possui um inconsciente que contém

os desejos mais íntimos. Esses desejos têm uma carga de energia que conduzem as ações que

possuem muito mais controle sobre o humano que sua própria consciência. É a partir disso que a

psicanálise busca encontrar esses desejos contidos no humano, para que, após manifestá-los, esse

sujeito possa conduzir sua vida um pouco mais leve, ou seja, menos reprimida, com menos culpa.

Ao abordar a onipotência como tema central, faz-se necessário, inicialmente, uma

apresentação do conceito, bem como suas implicações na vida do sujeito nas fases iniciais e

complementares do desenvolvimento.

Onipotência pode ser definida pela própria palavra, que pode ser interpretada como

“aquele que pode tudo”, ou ainda “aquele que possui tudo”. Sua origem psíquica tem origem no

Id, que é constituído pelo princípio do prazer17, e está presente no humano desde o seu

nascimento.

Na primeira fase do desenvolvimento humano, essa onipotência constitui-se na relação do

bebê com a mãe. Nessa relação, a mãe é para a criança parte dela, criando assim uma relação

simbiótica para com a mãe. Com essa simbiose, a onipotência da criança está na figura da mãe,

vez que a função materna satisfaz as necessidades alimentares da criança18. Portanto, a

onipotência está constituída na mãe, enquanto objeto de satisfação plena da criança.

Na fase posterior do desenvolvimento, ou seja, na fase anal, essa relação objetal para com

mãe é introjetada e não mais se encontra (ou identificada) nela. Esse processo dá-se pelo próprio

desenvolvimento do corpo humano, vez que agora ele possui controle esfincteriano19.

Di Loreto (2007, p. 64-68), afirma que nessa fase, em que ocorre o processo de dissociação

da criança com a mãe, também se inicia o processo de dissociação entre impotência e

onipotência. O autor questiona a ausência do termo médio, que seria o caracterizador dos

17 Ao abordar os processos anímicos (ou psíquicos) inconscientes, Freud busca determinar quais seriam os primários, e os identifica como Princípio do prazer-desprazer. Nesses processos, se buscará atingir o prazer, e o que for desprazeroso será recalcado ou reprimido (FREUD, 1911, p. 110-111). 18 A questão alimentar mencionada acima, refere-se a condição de erotização da boca na fase oral. Assim todo o conhecer da criança se da pela boca, vez que essa é sua zona de satisfação. 19 A fase anal se dá com o deslocamento de energia da erotização, que sai da boca para a região anal.

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conceitos tratados acima, sendo ele a potência. Busca, então, por meio de exemplo, definir o

lugar da potência na constituição da criança e, consequentemente, do adulto potente,

diferenciando tanto a impotência e onipotência como gêneses de doenças psíquicas, como de

potência enquanto base de um sujeito confiante para a vida.

1 Onipotência no desenvolvimento humano

A necessidade da potência no humano é o diferencial para a satisfação e pleno

desenvolvimento de suas escolhas, ou seja, a potência seria a utilização adequada desse poder na

ação. Enquanto que impotência fantasiada é a potência existente não exercida, ou utilizada, a

onipotência é potência fantasiada e, portanto, não praticada, pela impossibilidade de se atingir

esse ideal.

O termo fantasia, utilizado acima, se faz necessário para a caracterização real da impotência

e onipotência. Assim define Freud (1911, p. 114-115): “É a atividade da fantasia, que tem início já

na brincadeira das crianças e que depois, prosseguindo como devaneio, deixa de lado a sustentação

em objetos reais”, demonstrando, assim, o real sentido, tanto de impotência quanto de

onipotência.

Nesse processo de constituição e aprendizado, o humano, na sua infância, passa tanto pelo

processo da fantasia de impotência quanto pelo processo da fantasia de onipotência, até

encontrar-se com a sua potência. É nesse processo diastólico e sistólico, ou ainda, de flutuação

entre extremos, no caso Impotência e Onipotência, que ele se apropriaria de sua potência.

Ressalta-se que esse seria o processo idealizado do humano para ter consigo uma plena realização

de existir junto à realidade, ou seja, saindo da fantasia de não poder realizar nada (impotência), ou

ainda poder realizar o que a ele for possível pensar (onipotência).

Em sua obra Totem e Tabu, mais especificamente no terceiro capítulo, Animismo, Magia e

Onipotência, Freud busca demonstrar nossa projeção de Onipotência enquanto sociedade em

constante desenvolvimento. Ao explicar animismo faz referência a Hume, “há uma tendência

universal, entre os homens, de conceber todos os seres como eles próprios e de transferir para

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todo objetos qualidades que conhecem familiarmente e de que estão intimamente cônscios”

(FREUD, 1912, p. 124).20

A partir dessa referência, Freud, assim como o próprio Hume, passa a demonstrar como

esse processo de onipotência se dá na sociedade. Inicialmente, essa projeção é somente para com

animais, espíritos ou almas, ou seja, algo que esteja próximo à natureza e que não exija maior

descrição lógica de algo para demonstrar essa “evidência” para a crença. Nesse estágio evolutivo,

a manifestação dessa onipotência é dada pelo feiticeiro, que possui poderes de influenciar os

espíritos para que estes realizem os desejos humanos.

Num segundo momento da evolução do homem, em que esses processos de manifestação

de poder estão mais constituídos, este passa a projetar num deus uno, detentor de poderes que

dão conta de validar a existência de um ser supremo e onipotente, nesse caso o sacerdote é quem

manifesta o poder.

Já no terceiro estágio evolutivo de sociedade, esse processo de onipotência humana, ou

mais claramente, uma “fantasia coletiva de onipotência humana”, se dá pelo processo científico.

E aqui o autor narra o que segue:

Na concepção científica do mundo não há mais lugar para a onipotência do homem, ele

reconhece sua própria pequenez e submete-se resignadamente a morte e às outas necessidades

naturais. Mas a confiança no poder do espírito humano, a contar com as leis da realidade, retém

algo de primitiva fé na onipotência (FREUD, 1912, p. 140).

O ideal humano, concebido no período do Renascimento21 e potencializado no

Iluminismo, é quem guia as ciências. A partir de Kant e sua delimitação do uso da Razão,

surgiram outros ramos das ciências e, hoje, conta-se com uma infinidade de conhecimentos

descritos por métodos que assegurariam a validade das hipóteses levantadas.

A partir de essas hipóteses estarem corretas ou não, percebe-se a satisfação humana nas

suas relações mais triviais. Por vezes não raras, em diálogos dos mais diversos assuntos, nos quais

há uma possibilidade de necessidade de conhecimento brevemente aprofundado, para se ratificar

20 HUME, David. História Natural da Religião. Na edição da UNESP, de 2005, encontra essa citação na p. 36. 21 “O otimismo com respeito à razão já era anunciado desde o Renascimento, quando a nova concepção de ser humano valoriza os poderes do indivíduo contra o teocentrismo medieval e o princípio da autoridade. No século XVII o racionalismo e a revolução científica acentuaram essa tendência, de modo que no Século das Luzes o indivíduo se descobre confiante, como artífice do futuro, e não mais se contenta em contemplar a harmonia da natureza, mas quer conhecê-la, dominá-la” (ARANHA, 2006. p.172).

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ou não uma questão arguida por um dos propositores, os humanos (sujeitos) buscam assegurar

sua condição de estarem certos, ou de estarem de acordo com a validade vigente.

Porém, o que ocorre se depurarmos um pouco esses diálogos é que, em várias ocasiões, o

que os presentes almejam é estarem “certos”. Não há de fato a busca pelo diálogo, que no caso

pressupõe a escuta, vez que ambos somente estão ansiosos em ter sua certeza ratificada.

Com a ciência, quando se busca demonstrar a hipótese, tais diálogos são condicionados à

validade ou nulidade da hipótese. Ou ainda, ratificar a potência argumentativa de um ou de outro.

Por passar boa parte de sua vida convivendo com pessoas que buscam encontrar respostas na

religião para suas angustiantes perguntas e, por a mesma reiterar o processo de onipotência em

que, por meio da divindade, o humano recebe todo poder, o humano reitera somente o ego

primitivo e onipotente. O sujeito onipotente não somente não é capaz de demonstrar a

necessidade do outro (partindo do pressuposto que o homem é um ser social), mas também evita

toda conduta que possa ser julgada de forma eficiente, como por exemplo, expor-se a uma

atividade com outro em que ele não possua domínio ou controle sobre o resultado.

2 A filosofia acadêmica é ciemtífica

A filosofia acadêmica que Nietzsche criticou, se me for permitido uma comparação, em

pouco difere de qualquer disciplina da ciência. O processo de positivação do conhecimento

pouco tem demonstrado modificar o roteiro do saber. Esse método desestimula a liberdade

criativa e de se expressar do sujeito pensante que, por vezes, almeja-se aventurar escrevendo

algumas conjecturas, mas logo é cerceado pela necessidade de fontes, às quais, o sujeito, muitas

vezes, não tem acesso, mas que conjecturou algo, sem a necessidade de consultar Aristóteles,

Platão, Descartes, ou qualquer autor que tenha debatido um assunto de interesse do sujeito em

questão.

Se realizarmos uma reflexão singela e superficial acerca do que diferencia o humano dos

demais animais, poder-se-ia inferir que a principal característica da humanidade seria a mudança,

por conta da capacidade adaptativa própria da espécie, ou ainda, essa capacidade adaptativa.

Com isso, poderíamos deduzir que esse processo onipotente que o humano desenvolve

inicialmente em si e, posteriormente, projeta na sociedade, é mais uma das diversas “condições

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humanas” para satisfazer o ego onipotente de estar certo e, para satisfazê-lo, identifica-os em

diversos objetos ou institutos diferentes do querer.

A pregação que o sacerdote, ou orientador espiritual, realiza na sua religião, em pouco se

difere de aulas que muitos professores ministram e, assim como o sacerdote afirma que o livro

sagrado contém todas as respostas, também esses professores o fazem com seus alunos a partir

do ramo do conhecimento que ele atua e acredita dominar.

Na academia, ao seguir um autor, um professor passa, necessariamente, por extensivas

horas de estudos, muitas vezes prazerosos momentos com o autor e, nessa relação, o processo

empático com o autor já se estabelece, ou seja, esse processo de identificar no outro, ou

reconhecer no livro características próprias do sujeito, é algo necessário para a consolidação desse

vínculo.

O professor, então, ao explanar sobre um autor ou um assunto, também estará falando um

pouco de si mesmo. Porém, isso, em muitas vezes, deixa de ser benéfico para condição de

potência do aluno, vez que ele, ao questionar o professor, estará questionando o assunto,

entretanto, pelo vínculo (inconsciente) do professor para com o assunto ou autor, dificilmente

este se deixará ser afetado pela questão, mas, possivelmente, se sentirá atingido por ela.

A provável resposta de um professor do exemplo acima em muito poderá se assemelhar à

pregação do sacerdote quando invoca o deus que pune. Essas semelhanças somente ratificam a

onipotência de ambos e dificultam a descoberta da potência no sujeito em desenvolvimento, em

qualquer idade.

A filosofia acadêmica presente pouco se distancia do método científico em suas exigências

para a escrita acadêmica. Sendo possível afirmar que se vive uma filosofia positiva. Para aqueles

que afirmam que a filosofia é diferente da ciência, não parece equivocado, mas, o oposto também

pode ser afirmado se o processo para aquisição e produção de saberes for trazido à discussão.

A produção filosófica na academia não se refere ao filosofar que o humano é capaz, em

suas mais diversas formas e aplicações, enquanto humano dotado de razão. Essa limitação que a

filosofia recebe de si mesma seria o equivalente ao que ocorre na ciência, e, por conseguinte, sua

proximidade/intimidade com ela se ratifica, ou seja, parece ocorrer um processo de onipotência

em todo o processo acadêmico.

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Referências Bibliográficas:

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Paulo: Moderna, 2006.

FREUD, S. (1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: ___________ Obras psicológicas

completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7.

___________.(1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. In:

___________. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das

Letras, 2013. v. 10.

___________. (1912-1913). Totem e Tabu. In: ___________.Obras Completas. Tradução de Paulo

César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 11.

___________. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: ___________.Obras Completas. Tradução de

Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 12.

___________. (1916-1917). Conferências introdutórias à psicanálise. In: ___________.Obras

Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 13.

HUME, David. História natural da religião. Trad. Jaimir Conte. São Paulo: UNESP, 2005.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Lucimar A. Coghi Anselmi, Fulvio Lubisco. São

Paulo: Martin Claret, 2009. (Coleção a obra-prima de cada autor; 3)

LORETO, Oswaldo di (Org.). Posições tardias: contribuição ao estudo do segundo ano de vida.

São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.

NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de Melo Sobrinho. Rio

de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.

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OS PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM A CONQUISTA E A PERMANENCIA NO

PODER NA CONCEPÇÃO DE NICCOLAU MAQUIAVEL

Alícia Beatriz Mallmann Piccinin

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

RESUMO: Este artigo tem por objetivo descrever de forma breve a organização do Estado para

Nicolau Maquiavel. Segundo ele o homem tende naturalmente a suas inclinações e vícios, sendo

O príncipe a principal obra utilizada aqui, que se trata de um manual ao qual Maquiavel escreve ao

príncipe de Médici, com o intuito de fazê-lo aprender quais devem ser as suas ações perante o

povo e a organização de um principado para que permaneça no poder. Caracteriza que o ser

humano almeja por poder e por isso, seguindo o seu manual alcançará o poder facilmente.

Palavras-chave: Príncipe; poder; povo

Nicolau Maquiavel foi um filosofo que nasceu em Florença na Itália em três de maio de

1469. No período de sua juventude Florença enfrentava uma situação de desordem e

instabilidade, devido ao domínio da Igreja e a queda e retorno dos Médicos22 ao poder. Devido a

está instabilidade Maquiavel que exerceu cargo de destaque na vida pública foi acusado de

conspiração quando retornou ao poder os Médicos, o que ocasionou seu exílio, sendo impedido

de executar sua função pública. Desde então, ocorreu à tentativa constante de Maquiavel para

recuperar seu antigo emprego, o que acabou não acontecendo mesmo depois da redação de O

príncipe que ele escreveu dedicando “ao Magnífico Jovem Lourenzo Dei Médici” na esperança de

que pudesse retorna a vida pública.

Infelizmente depois da publicação de O príncipe, que se trata de um manual de como um

príncipe23 deve agir para obter êxito em sua vida pública ele adoece e morre em junho de 1527.

22 Médici (em italiano:Médici) foi uma dinastia política italiana. A família teve origem na região de Mugello na Toscana. O poder político dos Médici aumentou, até que passaram a governar Florença. 23 Na condição de príncipe, refere-se a qualquer governante, seja imperador, rei, presidente, duque, conde, senhor feudal ou mesmo príncipe.

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Maquiavel após a publicação de O príncipe ficou conhecido ora como mestre da maldade,

ora como bom conselheiro. Tem como ponto de partida e de chegada a percepção da realidade

concreta, sendo seu objetivo tratar do estado real. Este autor foi de grande importância, pois

provocou a ruptura com o saber que vinha sendo repetido durante os séculos, ou seja, trata-se de

uma nova conjuntura sobre o pensar e o fazer política, colocando fim a ideia de uma ordem

natural e eterna das coisas e das relações humanas. Caracteriza que a ordem é condição necessária

da política, não sendo natural e não sendo definitiva, sendo construída pelos homens e podendo

assim ser sempre modificada conforme houver necessidade. A ordem é fundamental, pois é

através dela que se pode evitar o caos e a barbaria dos homens.

Maquiavel caracteriza que todos os Estados, governos que tem poder sobre os homens são

repúblicas ou principados. Os principados são hereditários quando pelo sangue seu senhor tenha

sido desde longo tempo príncipe ou são novos. Assim, existem dois modos de principados:

hereditários ou novos. Os principados novos ocorrem quando um novo príncipe conquista a

cidade, ou seja, quando por um ato primeiro de violência ele toma posse de um determinado

local.

O ato primeiro deve ser de violência, pois após a tomada da cidade por este primeiro ato

deve-se instaurar a paz e manter a paz segundo as leis estabelecidas. A partir daí, só se deve

recorrer à violência quando há desordem para que se estabeleça a ordem. Após este primeiro

momento a ordem deve manter-se e deve ser respeitada pelos cidadãos. Uma força bem

empregada inicialmente é necessária para que o povo nesse momento compreenda que houve

mudança e que passe a respeitar o acontecimento, mantendo o respeito por essa ação primeira.

Deste modo se instaura a paz e faz-se de tudo para que aos poucos as leis consigam manter a paz

e que se utiliza cada vez menos o ato de violência. A força mal empregada é quando a violência é

pouco necessária no início para instaurar a paz, contudo depois passa a ser sempre preciso

recorrer a ela para manter a paz.

Há dois rumores acerca do pensamento de Maquiavel sendo eles: o dos grandes e o do

povo. O que diferencia os dois é o desejo em questão de cada um. Os grandes possuem o desejo

de manter o poder de qualquer maneira, enquanto que o desejo do povo é somente o desejo de

querer um governo que não os oprima, é a luta constante pela não opressão. Este conflito que

existe não deve ser eliminado porque é ele que permite esses dois rumores. É necessário canalizar

os conflitos, de forma que esses dois rumores possam manter-se na sociedade. O bom

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governante é aquele que sabe usar este conflito a seu favor, canalizando esse conflito e tirando

proveito dele.

Este conflito torna-se uma condição de liberdade, pois é ele que faz com que as leis

estabelecidas sejam e promovam o bem de todos. A liberdade se dá na geração de leis porque as

leis servem tanto para um quanto para o outro e proporcionam a liberdade. O conflito é o

fundamento para boas leis, que favoreça ambos. O que caracteriza a vida política é o conflito.

A escolha do principado sempre se dá ou pelos grandes ou pelo povo. Um desses dois vai

eleger o principado, ou, em favor de um ou, em favor do outro. Os principados hierárquicos são

os que se mantém mais facilmente no poder, pois o povo esquece com muita facilidade os vícios

e os erros cometidos pelos príncipes, visto que sempre estiveram no poder.

Quando ocorrem os principados novos, ou também denominados mistos, ou seja,

quando alguém de fora da linhagem chega ao principado (podendo ele ter sido eleito pelos

grandes ou pelo povo) é mais difícil de manter o poder alcançado. Pois quando ele entra no

principado ele não vai poder contar com os que eram contra ele. As pessoas que o apoiaram

também não irá poder confiar inteiramente por que do mesmo modo que o apoiaram, eles

podem vir a apoiar outro principado misto e ir contra ele.

Para que um principado misto consiga manter-se no poder, seja ele eleito pelo povo ou

pelos grandes é necessário conquistar acima de tudo o povo. Uma das formas de fazer isso

inicialmente é manter as leis e os impostos. O príncipe deve ir de perto manter seu deprincipado.

Deve também fundar colônias milícias24, pois quando se funda colônias se tem menos gasto para

o principado. Sobre os deveres do príncipe para com seus exércitos, Maquiavel afirma que o

príncipe tem que ter como único objetivo a guerra, sua organização e disciplina, o que lhe

permite conquistar o Estado é ser um profundo conhecedor da guerra. Nos tempos de paz deve

estar sempre exercitando seu pensamento com este propósito, o fazendo de duas maneiras: com

a ação e com a mente. A ação remete as caçadas, por meio delas acostumará o corpo as fadigas,

conhecendo a natureza dos lugares, como se estendem as planícies e observando a natureza dos

rios, sendo este conhecimento útil por duas razões, primeiro, porque se aprende a conhecer seu

próprio país e o príncipe pode melhor identificar as defesas que oferece; segundo, em decorrência

desta atividade, poderá entender qualquer outro novo local que precise observar, pois são

24 As milícias e exércitos, dos quais afirma serem as bases principais de sustentação do poder, ao lado de boas leis e ambos têm uma forte ligação entre si. Milícias são os exércitos/soldados que eram disponibilizados aos governantes, no caso de houver uma guerra, um conflito ou a necessidade de agir pela violência.

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parecidos. Com relação à mente, deve ler as histórias e nelas observar as ações dos grandes

homens, ver como se conduziram as guerras, examinar as causas de suas vitorias e derrotas, para

que possa evitar estas e imitar aquelas, um príncipe jamais pode ficar inerte nos tempos de paz,

deve seguir estas ações, afim de que quando a sorte mudar, encontre-se preparado para resistir.

Assim, a arte da guerra deve ser sempre exercitada.

É preciso que os seus súditos saboreiem das boas ações do príncipe, ou seja, o príncipe

deve conquistar o povo, ser bom com ele para que deste modo consiga manter-se mais

facilmente no poder. Claro que não é somente isso que o fará se manter no poder, mas ter o

povo ao seu lado é de grande ajuda também em qualquer circunstância, pois o que o príncipe fala

ao povo, se o povo o aprova, é levado em consideração e possui valor. O príncipe que deseja se

manter no poder precisa aprender a poder não ser bom e usar isso ou não, dependendo da

necessidade. Seria excelente encontrar em um príncipe todas as características boas, contudo já

que não pode possuir todas, é fundamental que o príncipe prudente as finja, evitando aqueles

vícios que lhe tirariam o Estado. Mas deve-se recorrer a eles (aos vícios), quando com eles se

poderiam salvar o Estado, porque em alguns casos, podem significar segurança e bem-estar,

mesmo sendo vícios.

O principado misto deve evitar que os mais fracos alcancem o poder, pois desta forma o

príncipe adquire maior poder, prestígio e força diante do povo e de todos. É preciso também

estabelecer alianças porque é fundamental estar sempre prevenido com relação às guerras

possíveis e futuras.

Maquiavel deixa claro também o fato de que se o príncipe for se aliar a alguém que possui

tanto poder quanto ele, deve ter em mente que isso abre brechas para futuras traições. Se o seu

aliado possui tanta sede de poder quanto ele próprio, seria uma questão de tempo até o seu aliado

tentar tomar o seu lugar.

Enfatiza o desejo que o homem possui de conquistas, dizendo ser natural de todo homem

tal inclinação. A política segundo ele se estabelece de acordo com esse processo contínuo,

lembrando que a política visa fundamentalmente o poder e a conquista.

Quando ocorrer do príncipe ser eleito pelos grandes, eles agem sempre de acordo com

seus interesses, possuem mais visão e inteligência que o povo. Buscam ficar do lado daqueles que

possuem maiores chances de vencer. O principado quando eleito pelos grandes é tumultuado em

virtude de o príncipe que está no poder estar rodeado de pessoas tão poderosas como ele próprio

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e corre o risco de ser ludibriado e perder o poder/principado para outro grande/poderoso.

Apesar desta dificuldade interna de se manter no principado, o príncipe eleito pelos grandes tem

uma grande vantagem, pois o povo espera que ele vá oprimir e qualquer atitude dele que vá

agradar e favorecer ao povo, como a não opressão, vai surpreender o povo e aos poucos

conquistá-los.

Quando ocorre do príncipe ser eleito pelo povo, a ação esperada do príncipe vai ser

favorável ao povo a não opressão. Contudo como ele foi eleito pelo povo, o povo já espera

justamente por esta ação, ou seja, o povo não se surpreende com a atitude tomada pelo príncipe,

porque já o seguem e já esperavam esta atitude.

O principado eleito pelos grandes já possui o apoio dos grandes. De modo que se

conquista o povo pelas suas atitudes surpreendentes passa a ser apoiado pelos grandes e pelo

povo. Enquanto que o príncipe eleito pelo povo só terá o apoio destes, de forma que o que ele

fizer enquanto príncipe já era esperado pelo povo. Além disso, sendo príncipe ele estará rodeado

de grandes, correndo um risco muito grande de perder o poder. Alguém eleito pelo povo não

possui tanta inteligência quanto um poderoso e também pode ser facilmente ludibriado por um

grande.

A manutenção do principado é mais fácil do que a própria conquista do principado. De

modo que é o povo quem garante a permanência do principado juntamente com a ordem pública

que o príncipe estabelece e que consegue manter.

Ao lado das coisas corruptíveis25 está a fortuna (sorte), ou seja, pode acontecer mais, não se

sabe onde e nem como. É aquilo que é casual, tudo o que não se pode prever/esperar. Aquele

que consegue estabelecer formas de se preparar, enxerga possibilidades de se prever. O homem

de virtu26 é o homem virtuoso que consegue frear os efeitos de uma fortuna, ou seja, freia as suas

consequências.

O príncipe misto deve instaurar seu poder primeiramente por um ato de violência e

depois manter a paz a partir de leis, ou seja, pelo seu uso da virtu. O príncipe dá forma à matéria

conforme a sua virtu.

25 O homem tende a interesses particulares, ou seja, ele pode tanto tender para o bem quanto para o mau. O que normalmente ocorre é o homem tender muito mais ao egoísmo do que a bondade, pois sendo egoísta ele muitas vezes satisfaz seus interesses particulares. 26 Capacidade de agir e fazer o bem. Promover o sucesso. Homem astuto/esperto.

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Os homens tendem aos interesses particulares, sendo necessário ser mau em alguns

momentos, no que diz respeito à moral. No caso de uma promessa, existem momentos em que

não se deve cumpri-la, ou seja, se a promessa feita for prejudicar o seu governo a frente não tem

porque cumpri-la. O príncipe para manter-se no poder “[...] é obrigado, [...] a agir contra a fé, a

caridade, a humanidade, contra a religião.” (MAQUIAVEL, p. 88, 1532) é preciso que ele não

aparte-se do bem, porém que saiba entrar no mau quando necessário.

Os meios empregados sempre são em prol do bem comum, visando uma utilidade ao

todo. Os meios utilizados não devem ser aqueles que tornam o principado um tirano, pelo

contrário deve visar ao bem do todo, deve promover a boa ação ao povo, diante da perspectiva

de que o príncipe deve agir sempre de modo a ter o povo ao seu lado, pois desde modo se

manterá mais facilmente no poder.

As melhores instituições são aquelas que duram mais que o seu fundador, porque ela é

reconhecida por outras. A vida em sociedade em Maquiavel se justifica nela mesma.

Assim, conclui-se na visão de Maquiavel que o homem tende naturalmente aos seus

vícios, ou seja, o homem sendo egoísta irá agir sempre na perspectiva de alcançar o poder, para

que assim torne-se poderoso e respeitado por todos.

Referências Bibliográficas:

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Ciro Mioranza. 2. ed. Revista. São Paulo: Escala, s. d.

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A “VONTADE DE PODER” EM NIETZSCHE COMO ÍMPETO POR REALIZAÇÃO

Anna Cecilia Amaral Branco da Silva

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

RESUMO: Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão cujas ideias influenciaram

grandemente o pensamento ocidental, foi uma mente em contraste com seu tempo, combatendo

violentamente o cristianismo, o socialismo e criticando, ainda, os valores morais da burguesia.

Seu pensamento confronta, assim, obras existentes e tendências surgidas na época, tais como: o

positivismo, o voluntarismo e o darwinismo. No temário nietzschiano, um dos pontos mais

intrigantes e, ao mesmo tempo, de caráter ilimitado é a Vontade de Poder (Wille zur Macht). Com

esta concepção, Nietzsche pretende ressaltar que existem forças instintivas do homem que se

exteriorizam através dos fenômenos. Essas forças são inconscientes, vitais e ao mesmo tempo

irracionais, pois impulsionam os indivíduos à destruição. Pretende-se aqui realizar uma

aproximação com esse conceito de Vontade de Poder, defini-lo e sustentar a hipótese de que tal se

traduz em uma espécie de ímpeto para ser, em um impulso à realização.

Palavras-chave: Nietzsche; vontade de poder; ser; realização; vida.

Para Benedito Nunes, Nietzsche foi um pensador solitário na orla do século XIX,

combatendo violentamente o cristianismo e o socialismo e, ainda criticando alguns valores morais

da burguesia. O pensamento de Nietzsche confronta as obras existentes e as tendências surgidas

na época, tais como: o voluntarismo e o darwinismo, dentre outras, todas essas correntes de

pensamento se encontravam em conflito com sua filosofia. Seus primeiros escritos, baseados nas

obras de Schopenhauer, têm caráter estético, dotado de grande força poética e de linguagem

aguda e paradoxal.

No temário nietzschiano, um dos pontos mais intrigantes e, ao mesmo tempo, de caráter

ilimitado é a Vontade de Poder (Wille zur Macht). Com esta concepção, Nietzsche pretende ressaltar

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que existem forças instintivas do homem que se exteriorizam através dos fenômenos. Essas

forças são inconscientes, vitais e ao mesmo tempo irracionais, pois impulsionam os indivíduos à

destruição.

Das obras de Schopenhauer, onde Nietzsche se embriagou em seu iniciar filosófico, ele

retirou a noção de vontade e através desse conceito fez seus escritos de vida e constituição, sendo

vontade de poder o ponto central de sua filosofia. Schopenhauer escreveu e acreditava existir uma

vontade cósmica, única e independente do tempo, mítica, um impulso irracional e sem sentido, uma

vontade universal, o mal e o mau, causa de interminável sofrimento, ligada a extrema

individualidade, onde não há conhecimento, não há Deus e sim uma eterna e frustrante vontade

que sempre dará origem as mesmas coisas, aos mesmos seres e situações, gerando um eterno

retorno, pois sempre tudo o que já existiu voltará a existir, sendo considerada uma concepção

trágica da vida.

E assim, conforme afirma Benedito Nunes, foi dessa noção de vontade cósmica que proveio a

vontade de poder, onde Nietzsche imprime seu conceito de vontade e associa-o a poder/potência,

dando origem a expressão Wille zur Macht (em alemão = vontade/impulso/ímpeto para poder

fazer/ser). Esse ímpeto em que se fundem todos os instintos, primeiro nexo de caráter afetivo e

volitivo entre o homem e o mundo. É nessa vontade, também universal, que tudo domina e que é

dominadora, que o homem tem possibilidades ilimitadas, ou melhor, possibilidade de

possibilidades, de crescer, de expandir e de ser. Dependendo unicamente dele o seu destino e das

condições que a natureza o dotou, condicionadas à sua consciência, moral, razão e lógica.

A auto formação do homem em Nietzsche é natural, biológica e psíquica. Os instintos

humanos primários, cujo objetivo natural é a dominação, podem ser direcionados para outras

finalidades, porém, para Nietzsche são direcionamentos antinaturais, pois impedem as

possibilidades de possibilidades e, nesta concepção trágica para o filósofo, segundo a qual a vida é

instinto e o instinto é poder, a razão infere de forma negativa na auto formação do homem, pois

o limita, sendo considerada um poder eficaz, porém, secundário e a consciência entra em conflito

permanente em relação aos outros.

Para o filósofo alemão, essa vontade não está além do mundo, fora de seus limites, ela se

dá nessa relação, sendo assim, ela é múltipla e se mostra como efetivação real, ou seja, o mundo é

esta luta constante, desequilibrada, apenas tensão que se prova pelo movimento, às vezes

imperceptível e outras vezes impetuoso.

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A vida é vontade de poder, mas não se pode restringi-la apenas à vida natural orgânica. Vida se

expressa é a vontade de poder que está presente em tudo, desde reações físico/químicas simples até à

complexidade da mente humana. Tudo o que acontece no mundo é vontade de poder, é aquela

capacidade de resiliência, de se expandir, de se superar, de se relacionar, de se associar para se

tornar maior, pois todas as forças, no fim, sempre buscam sua própria expansão. A busca

constante por dominar, por ser cada vez mais forte, por subjugar outras forças anêmicas ou

mesmo absorvê-las. As relações naturais recorrentes diariamente demonstram isso, animais que

subjugam outros animais, sistema sanguíneo que produz sempre a quantidade de sangue

necessária e suficiente para a sobrevivência, dentre outros, são exemplos de vontade de poder,

que não descansa um só momento, mas que sempre está em busca de conquistar mais, de realizar

mais.

Quem estuda física sabe que nesta ciência, potência ou poder é a capacidade que algo tem

de realizar algum trabalho, de executar algum feito, já na filosofia de Nietzsche, vemos vontade de

poder/potência como a capacidade que a vontade tem de efetivar-se, de se tornar plena e realizada,

vemos aqui o princípio da vontade de poder como ímpeto por realização.

Nietzsche através de seus escritos afirma que o homem quer ser o dominador, quer criar

valores, provocar sentidos próprios, ser muito mais do que um ente que procura apenas

sobreviver ou adaptar-se ao mundo, ele quer ser ativo no mundo, criar suas próprias condições

de poder, criar seus feitos; ele quer ser, fazer, criar, ter e principalmente realizar.

Quando Nietzsche fala da vontade de poder, ele não quer dizer que o poder pode ser

representado, ou que a vontade deseja um poder que não tem, para o filósofo o poder é aquilo

que quer na vontade, um sempiterno sim, uma afirmação do poder na vontade quando este diz

sim ao devir, quando o realizar se sobrepõem e traz a alegria na afirmação:

Vontade! – assim se chama o libertador e o mensageiro da alegria: - eis o que vos ensino, meus amigos; mas aprendei também isto: a própria vontade ainda é escrava. O querer liberta; mas, como se chama o que aprisiona o libertador? “Assim foi”: eis como se chama o ranger de dentes e a mais solitária aflição da vontade. Impotente contra o fato, a vontade é para todo o passado um malévolo espectador.A vontade não pode querer para trás: não pode aniquilar o tempo e o desejo do tempo é a sua mais solitária aflição.O querer liberta: que há de imaginar o próprio querer para se livrar da sua aflição e zombar do seu cárcere?Ai! Todo o preso enlouquece! Também loucamente se liberta a vontade cativa. (NIETZSCHE, 1957, p. 171 e 172).

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Neste trecho de Assim falava Zaratustra, sobre a redenção, o filósofo faz uma reflexão

muito profunda entre o querer e a vontade, colocando a vontade como aquela que liberta e ao

libertar traz a mensagem de alegria, provoca o contentamento do que era até então cativo.

Entretanto, ao mesmo tempo em que liberta também se encontra na condição de escrava, sendo

subjugada pelo que o passado representa na vida daqueles que estão acorrentados, aprisionados

pelo que sempre foi, não se permitindo ser diferente, querer, viver e realizar de forma diferente

do que até então se fez.

Em Nietzsche a vontade não deve querer olhar para trás, e nem observar o passado, ela

deve olhar para frente, visualizar o futuro e o que pode realizar a partir de então, ser completa e

plena de si, dar sentido e criar valores, se libertar de seus próprios limites e ir ao alcance de novas

fronteiras, se libertar das demarcações que a impedem de expor seu ímpeto por realização. O

querer deve utilizar sua própria capacidade de criar e imaginar para se livrar da aflição, porém,

esse imaginar pode ser considerado loucura por muitos, e é essa loucura que em seu ímpeto, em

sua ânsia pelo que deseja realizar, promove a libertação.

Esse ímpeto por realização cresce, ultrapassa e vai além de seus limites, transborda, cria,

compõem, inventa, produz, liberta, e, vem de encontro às aspirações do filósofo, a criação de

valores. Assim, de modo escalar e hierárquico, algumas forças são impelidas a mandar e outras

submetidas a obedecer, e esse ativismo ou pacifismo das forças leva Nietzsche a criar sua

genealogia da moral e objetiva realizar a transvaloração dos valores, assumindo que ao homem

moderno é necessário reapoderar-se de sua vontade de poder para voltar a criar seus próprios

valores, realizar experimentos, estabelecer novas hierarquias, ultrapassar seu tempo e seus valores,

ser extemporâneo à sua geração.

Desta forma, o homem para Nietzsche poderá superar a si mesmo, se livrar dos limites que

o restringem, arrancar as amarras que a sociedade colocou sobre si por séculos, e assim ser capaz

de entender o mundo sem se deixar enveredar por explicações metafísicas, dando novos sentidos

e novas significações para os fenômenos que acontecem.

Mas assim o quer a minha vontade criadora, o meu destino. Ou, para o dizer mais francamente: esse destino quer ser minha vontade. Todos os meus sentimentos sofrem em mim e estão aprisionados; mas o meu querer chega sempre como libertador e mensageiro de alegria. “Querer, liberta!”; essa é a verdadeira doutrina da vontade e da liberdade; tal é a que ensina Zaratustra. [...] Na investigação do conhecimento só sinto a alegria da minha vontade, a alegria

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do engendrar; e se há inocência no meu conhecimento, é porque nele há vontade de engendrar. Essa vontade apartou-me de Deus e dos deuses. Que haveria, pois, que criar se houvessem deuses? A minha ardente vontade de criar impele-me sempre de novo para os homens, assim como é impelido o martelo para a pedra. (NIETZSCHE, 1957, p 107).

Novamente nesta passagem, o filósofo trata do querer como libertador, da vontade

criadora como mensageira da alegria, procurando se libertar do destino que tão incisivamente o

acorrenta. A vontade de criar e de realizar é a causadora da alegria, pois é na criação onde há o

conhecimento e nele se encontra o contentamento. Para tanto, o filósofo precisou se afastar de

toda a explicação metafísica, precisou se afastar das concepções de divindades, pois não existe

capacidade criadora se for considerado a existência de deuses. Tendo em vista que, se existem

deuses estes bloqueiam ou impedem a vontade criativa e a capacidade realizadora dos homens.

Assim, de acordo com Kahlmeyer-Mertens, a vontade de poder em Nietzsche está em

ligação com o eterno retorno, onde o filósofo procura descrever o caráter sempre atual e sua

constante inserção ou reaparecimento no modo de ser da realidade. A vontade é vista como algo

que o ser humano possui ou não, estando em ligação direta com a possibilidade de escolha, ou

com o então conhecido, livre arbítrio. Este ser, que de posse do livre arbítrio, realiza, ou melhor,

produz realizações de acordo com o movimento essencial do tempo e na configuração do

instante.

Sendo assim, a vida se mostra e retorna como impulso ou ímpeto para a realização, para ser

possibilidade de possibilidades, possibilidades estas que se configuram no instante,

concretizando-se apenas uma por vez, uma a cada instante no tempo.

Vida, segundo Nietzsche, é o movimento sempiterno de diferenciação da vontade, tendo este sempiterno o caráter do eterno retorno, que determina o instante em sua circularidade. Vontade de poder/eterno retorno diz respeito a toda e qualquer dimensão do acontecimento de realidade, narrando, enquanto existência, a assunção fundamental da vida em sua cadência, instauração, vigência e propriedade (KAHLMEYER-MERTENS, 2011, p. 6)

Finalizando esta exposição, pode-se concluir que Nietzsche, diferentemente de

Schopenhauer, conseguia visualizar na vontade de poder uma força positiva sobre o homem, uma

força que o mobiliza a ultrapassar obstáculos, a vencer desafios e a ser muito mais do que mera

possibilidade, sendo capaz de por esse impulso ou ímpeto, realizar coisas mais grandiosas e

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fascinantes do que se vivesse apenas amarrado pela camisa de força que a sociedade lhe impõe.

Daí se reduzir quase tudo na existência à essa luta pela vontade de poder (Wille zur Macht), essa

necessidade incondicional do homem de incessantemente lançar-se sobre os demais homens e

objetos da natureza, com vistas a seu domínio, querendo ser senhor de todos e de todas as coisas.

Uma vontade vital, amoral, que independe de conceitos éticos, uma pulsão incontrolável, uma

vontade de poder, uma vontade de ser, vontade como ímpeto por realizar.

Referências Bibliográficas:

BUCKINGHAM, W. et al. O livro da filosofia. (tradução Douglas Kim) São Paulo: Globo, 2011.

KAHLMEYER-MERTENS, R. S. A gênese do problema moral segundo F. W. Nietzsche. Revista

Litteris, v. 7, p. 30-55, 2011.

MARÇAL, J. (Org.). Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED-Pr., 2009

MARTON, S. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. 3ª ed. Belo Horizonte: Editora

UFMG, 2010.

NIETZSCHE, F. W. Assim falava Zaratustra. Col. Universidade. Trad. José Mendes de Souza. Rio

de Janeiro: Tecnoprint - Edições de Ouro, 1957.

NUNES, B. Filosofia Contemporânea- Trajetos iniciais. São Paulo: Ática, 1991.

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MENTE E EXTERNISMO SEMÂNTICO NA FILOSOFIA DE PUTNAM

Bruno Fernandes de Oliveira

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Remi Schorn

Coorientador: Prof. Dr. Luiz Henrique de Araújo Dutra

RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de investigar e apresentar o que o filósofo

estadunidense Hilary Putnam entende por mente, e qual a importância deste conceito para o

externismo semântico em sua filosofia da mente e da linguagem. Para tanto se faz necessário

compreender o conceito de funcionalismo e, em seguida, a relação da teoria dos estados mentais

com externismo semântico. Neste sentido surgem questões como: a mente pode ser reduzida ao

cérebro? Qual a natureza dos estados mentais? Como os estados mentais se relacionam com o

cérebro? Estados mentais são produtos da vida biológica? Computadores podem possuir estados

mentais? O externismo supera o funcionalismo? Sendo assim, pretendemos problematizar os

conceitos de mente, estados mentais e externismo na evolução da filosofia de Putnam.

Palavras-chave: Mente; externismo; Putnam

O que é funcionalismo? O funcionalismo, em filosofia da mente, é uma teoria que trata das

questões relativas ao problema corpo- mente, e pode ser explicado por teses que envolvem e

remontam uma teoria da mente. Trata da relação da mente, dos fenômenos mentais e dos seus

componentes físicos, ou seja, o funcionalismo é uma teoria que trata os eventos e estados mentais

como não físicos. Os eventos e estados mentais não são produtos de uma análise eletro físico-

química, mas sim funcionais.

Hilary Putnam nos anos 60 formulou sua teoria sobre o funcionalismo (podemos chamá-la

de funcionalismo computacional), e tratou que eventos e estados mentais não são reduzidos à

processos biológicos, mas, sim, a funções causais. Segundo Kim:

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O funcionalismo também é frequentemente considerado uma forma de fisicalismo não-reducionista. De acordo com esta posição, as propriedades psicológicas não são propriedades físicas ou neurais (caráter do fisicalismo reducionista), mas tipos funcionais, em que um tipo funcional é uma propriedade definida em termos de estímulos (inputs) e resultados (outputs) causais.Para dar um exemplo familiar, a dor é dita ser um tipo funcional, em que estar com dor é estar em algum estado físico/biológico, que geralmente é causado por certos tipos de inputs (por exemplo, danos nos tecidos) e que faz com que causa determinados outputs (por exemplo, gemer, estremecer, comportamento de fuga). (KIM, 1999, p. 646).

O funcionalismo pretende definir o cérebro como uma máquina (um computador), no qual

a mente é um programa e o computador ao receber informações processa essas informações por

meio do programa que recebe através de um input. Segundo Claudio Costa:

Particularmente impressionante é o assim chamado funcionalismo da máquina, posto em circulação por Putnam, que se vale de uma analogia entre cérebros e computadores. Um computador é um hardware, um sistema material, no qual é implementado um software, o programa, que é constituído por um sistema de regras que permitem o processamento dos dados recebidos. Ora, também nós somos constituídos por um hardware, que é o cérebro, e por um software, ao qual damos o nome de mente! Assim, a mente nada mais é do que o programa implementado no cérebro, e os estados mentais são os seus estados funcionais. Certamente o “programa mental” nada tem a ver com os softwares que são atualmente implementados em computadores, mas o princípio é o mesmo. (COSTA, 2005, p. 28-9).

De fato a proposta funcionalista de Putnam ganhou muita influência no cenário da filosofia

da mente. Embora, o filósofo, hoje, rejeitou em parte o funcionalismo, isso não faz da teoria um

grande fracasso. Muito pelo contrário, ela trata de questões importantes para o atual contexto da

filosofia da mente, como: a causalidade mental, teoria da identidade, externismo semântico e

internismo semântico. Feito, brevemente, a análise do funcionalismo em filosofia da mente,

passamos agora a analisar o artigo “A natureza dos estados mentais” (1975) de Putnam.

II

Em “A natureza dos estados mentais”, Putnam inicia seu artigo questionando sobre a

“dor”, ou seja, parte das seguintes questões: 1) como sabemos que as outras pessoas têm dores?

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2) as dores são estados mentais? 3) o que é a análise do conceito dor? No entanto, a questão que

o filósofo pretende elucidar é: as dores são estados mentais?

O conceito dor, ou a sensação de dor, toma um lugar privilegiado no funcionalismo.

Putnam parte da premissa que estados mentais ou a relação desses estados mentais tem com o

comportamento corporal não são reduzidos a aspectos físicos. O que Putnam quer dizer é que o

conceito dor não é o mesmo conceito (ou, não é sinônimo) de estar em um determinado estado

cerebral.

É importante destacar que o funcionalismo se difere do behaviorismo. Enquanto o

behaviorismo sugere input perceptual e output comportamental, sem identificar estados internos,

como por exemplo, a visão de nuvens escuras, que por sua vez causa estados internos, como o

pensamento de que as roupas no varal ficarão molhadas, e que o guarda-chuva o protegerá ao sair

- o que causa output - como o ato de recolher a roupa e pegar um guarda chuva ao sair (Cf.

COSTA, 2005, p. 28). Neste ponto que o funcionalismo se difere do behaviorismo; os

behavioristas não deram atenção aos estados internos, ao contrário dos funcionalistas atribuindo

à teoria os estados internos. Segundo Churchland:

Essa concepção pode trazer o behaviorismo à mente do leitor, e, de fato, ela é herdeira do behaviorismo. Porém, há uma diferença fundamental entre as duas teorias. Enquanto o behaviorismo esperava definir cada tipo de estado mental exclusivamente em termos de entrada de dados do meio ambiente e saídas comportamentais, o funcionalismo nega que isso seja possível. Para o funcionalista, a caracterização adequada de quase todos os estados mentais envolve uma referência não-eliminável a uma série de estados mentais com os quais o estado mental em questão está conectado em termos causais, e, assim, uma definição reducionista exclusivamente em termos de entradas e saídas é totalmente impossível. Dessa forma, o funcionalismo está imune a uma das principais objeções contra o behaviorismo. (CHURCHLAND, 2004, p. 68).

Segundo o modelo funcionalista de Putnam, estados mentais não podem ser reduzidos a

estados neurofísiológicos, ou estados cerebrais. A dor não pode estar localizada

especificadamente em uma localização neural, caso contrário, afirma Putnam, a dor é possível em

qualquer sistema nervoso.

Para justificar a sua tese que a dor é possível em qualquer sistema nervoso, ou em qualquer

estrutura neural cerebral, Putnam apresenta o exemplo do reino animal, no qual existem diversas

estruturas cerebrais, em diversas espécies animais. No entanto, essas diferenças estruturais em

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nada modificam o resultado da dor, ou seja, os estados mentais ou os estados funcionais não

sofrem nenhuma alteração em relação à dor. O que o filósofo quer dizer é que os estados

mentais não são exclusivos dos cérebros humanos, podemos falar em inteligência artificial, e os

“cérebros” artificiais de robôs podem produzir estados mentais, isto é, os estados mentais não

são produtos exclusivos de uma rede neurofisiológica.

Para fundamentar a teoria do funcionalismo, Putnam usa a teoria da máquina de Turing.

Com isso Putnam pretende mostrar que é possível, através do exemplo da máquina de Turing,

demonstrar que a natureza dos estados mentais é como a natureza dos estados automáticos da

máquina. O que parece é que Putnam tinha o interesse de universalizar o conceito de estados

mentais aos moldes dos estados automáticos da máquina de Turing. Por conta dessa redução, do

cérebro biológico a um supercomputador, Putnam foi alvo de muitas críticas. Claudio Costa

apresenta uma consequência do funcionalismo:

Outra consequência do funcionalismo é que sendo o mental definido em termos puramente funcionais, o substrato material não precisa ser um cérebro biológico. Se pudermos implementar o programa de uma mente humana em um supercomputador, ou no cérebro biônico de um andróide, essas máquinas passarão a ter mentes humanas! Há entusiastas do funcionalismo que previram a conquista da imortabilidade com base nisso: no dia em que a inteligência artificial estiver suficientemente desenvolvida, acreditam eles, poderemos escanear o programa de uma mente humana e implementá-lo em um supercomputador, de modo que essa mente possa a partir de então viver para sempre entre os seus microcircuitos. Uma pessoa poderá, inclusive, ter o seu programa guardado em um disquete como seguro de vida: caso ela venha a falecer, o precioso software poderá ser implementado no primeiro supercomputador disponível. (COSTA, 2005, p. 29-30.)

De fato o funcionalismo tem seus problemas, reduzir o cérebro humano ao um

supercomputador é um deles. Na década de 80, o próprio Putnam refutou o funcionalismo. O

filósofo percebeu a incompatibilidade do funcionalismo com o externismo, isto é, o

funcionalismo tinha uma enorme dificuldade em se relacionar com o externismo semântico e

com o conteúdo mental. O próprio Putnam destaca a problemática em seu livro The Threefold

Cord: Mind, Body, and World (1999).

Para melhor compreender o caminho que o funcionalismo deu na filosofia da mente de

Putnam, vale destacar o externismo semântico e o argumento da Terra Gêmea, que o filósofo

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propôs para a filosofia da mente e da linguagem. No que se segue trataremos de forma breve o

argumento.

III

Putnam no The Meaning of ‘meaning’ (1975) apresenta suas teses a favor do externismo

semântico e suas críticas ao individualismo, às quais causaram um grande impacto na filosofia da

linguagem e da mente. Tais teses têm como objetivo fundamental refutar basicamente toda teoria

que, em particular, sustenta que o conhecimento, os estados mentais e os significados das

palavras são processos eletroquímicos do cérebro. Tal teoria busca determinar como podemos

instanciar o significado, ou seja, cabe a pergunta: é através da relação mente humana com o

mundo externo que formamos o significado? Ou os significados são simplesmente produto do

nosso cérebro? Será que os significados são produtos da vida biológica ou são formados através

de uma relação causal com o mundo externo? Como a linguagem se relaciona com o mundo?

A doutrina tradicional sustenta que a referência é determinada por estados mentais, ou seja,

saber o significado de um termo é apenas uma questão de estar em um determinado estado

mental e a intensão de um termo determina a sua extensão. Portanto, se é apenas uma questão de

estar em um determinado estado mental e a intensão determina a extensão, pode-se afirmar que é

o estado psicológico que determina o significado; logo os significados são instanciados em nossas

cabeças.

De acordo com Putnam, os significados dos termos linguísticos e seus correlatos mentais

estão relacionados com o mundo físico-social-linguístico, isto é, atribuir significado ao termo

depende ao menos em parte do mundo físico-social-linguístico. Trata-se, portanto, de uma

relação causal da mente humana com o mundo. E para refutar a teoria semântica tradicional,

Putnam formulou o experimento mental da Terra Gêmea. Mais adiante retornaremos ao

experimento mental da Terra Gêmea. Em suma, Putnam não atribuiu aos significados a condição

de instâncias privadas mentais, ou seja, o único lugar que os significados estão é no mundo

externo, ou seja, corte a torta da forma que desejar, os significados não estão na cabeça

(PUTNAM, 1975, p.227).27

27 “Cut the pie any way you like, ‘meanings’ Just ain’t in the head!”

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IV

Em The Meaning of ‘meaning’ (1975), Putnam apresenta o argumento clássico a favor do

externismo semântico: o argumento da Terra Gêmea. Nessa ficção ou hipótese de pensamento,

Putnam faz com que se imagine viajar para um mundo idêntico a Terra. O filósofo pede que se

imagine uma Terra idêntica a esta, molécula por molécula, porém, a água da Terra Gêmea não

possui as mesmas propriedades químicas que a água da Terra possui, ou seja, H2O. Mas ela

possui a mesma propriedade fenomênica: é incolor, bebível, corre nos rios, lagos e etc.. A água da

Terra Gêmea é composta pelos elementos químicos XYZ. Agora, imagine-se que nessa Terra há

alguém fisicamente idêntico a um terráqueo em todos os aspectos. Imagine-se também que esse

alguém (Putnam vai chamar esse terráqueo gêmeo de Doppelgänger, do alemão para duplo ou

gêmeo) e o terráqueo se encontrassem num dia muito quente e acabassem bebendo um copo de

água para saciar a sede, ambos têm o pensamento de que a água está refrescante. A questão que

surge é: será que ambos pensam a mesma coisa, a referência sendo diferente? O argumento de

Putnam que segue é que embora os falantes estejam no mesmo estado psicológico, eles não

entendem a mesma coisa, pois o falante da Terra significa a palavra água como sendo H2O e o

gêmeo significa a palavra água como sendo XYZ. A partir deste ponto, Putnam apresenta seu

slogan - os significados não estão na cabeça.

Pode-se dizer que os significados das palavras e dos pensamentos dependem em parte das

relações com o entorno físico e social, ou seja, a intencionalidade (a direção do pensamento do

falante a uma referência) depende do contexto. O que Putnam propõe é que quando o terráqueo

diz a palavra água (H2O) e o seu gêmeo diz a palavra água (XYZ) ambos estão no mesmo estado

psicológico, ou seja, a intensão é a mesma, mas a extensão é diversa. Portanto, o estado

psicológico de ambos não é suficiente para determinar a extensão da palavra. Logo, os

significados não estão na cabeça.

V

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Depois de feitas as análises do funcionalismo, estados mentais e a influência que o

funcionalismo teve para à teoria do significado de Putnam, podemos observar que o filósofo

toma uma posição diferente na evolução da sua filosofia da mente. Quando Putnam tratou do

funcionalismo, sua argumentação era que os eventos externos em nada contribuíam para os

estados mentais, ou seja, o contexto não tinha relevância para os estados mentais enquanto

estados funcionais. No entanto, ao tratar do externismo semântico, Putnam toma uma

posição inversa ao funcionalismo. Agora, o contexto físico social-linguistico é importante em

relação aos estados mentais, ou seja, o filósofo atribui importância à semântica em sua filosofia da

mente.

Referências Bibliográficas

COSTA, Claudio. Filosofia da mente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. , 2005, p. 28-9.

CHURCHLAND, Paul M. Matéria e Consciência: uma introdução contemporânea à filosofia da

mente. Trad. Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora UNESP, 2004, p. 68.

KIM, Jaeggwon. Physicalism, In: Robert A. Wilson e Frank C. Keil (org.) The MIT Encyclopedia of

the Cognitive Sciences, The MIT Press, Cambridge, Londres, 1999.

PUTNAM, Hilary “A Natureza dos Estados Mentais”. Disponível em: http://mlag.up.pt/wp-

content/uploads/2011/05/PUTNAM-2.pdf Acesso em: 02 de junho de 2014

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Cambridge University Press, 1975

___________. “Meaning and Reference”, In: The journal of philosophy, 70/19, (Nov. 8, 1973), p.

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1999.

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A HERMENÊUTICA DA FACTICIDADE E A DESCONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO

ONTOLÓGICA SEGUNDO HEIDEGGER

Caroline Marangoni

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar uma breve explicação sobre a hermenêutica da

facticidade tal como encontrada na obra do filósofo alemão Martin Heidegger. Para tanto,

tomaremos por base os trabalhos Ontologia - Hermenêutica da facticidade e Ser e tempo, nos quais nosso

autor programa sua ontologia fundamental. A partir dessas, será necessário refletir sobre as

concepções de hermenêutica e de facticidade. Pretende-se descrever como o autor faz um estudo

sobre a tradição filosófica e utiliza a hermenêutica não como um modo artificial de análise, mas

como uma interpretação que conduz ao encontro e com vistas à facticidade.

Em nossa comunicação, após explanar a hermenêutica da facticidade se faz necessário

outra análise da questão do ser, também será apresentado o plano geral de sua destruição da história

da filosofia, projeto filosófico por meio do qual o filósofo pretende uma destruição da tradição

filosófica. Esclarecendo esta proposição: nossa comunicação tem por meta descrever como o

filósofo busca destruir tudo aquilo que impede a aproximação do caminho que conduz às

experiências originárias em torno do ser.

A hermenêutica da facticidade

Em sua obra Ontologia – Hermenêutica da Facticidade, Heidegger nos apresenta os termos de

seu projeto hermenêutico. Este, entretanto, só se faz plenamente compreensível à luz das

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investigações que tem em vista a recolocação da pergunta pelo sentido do ser. Da maneira como

é apresentada, tal hermenêutica parece ocupar-se com o estado de fato no qual os entes podem se

mostrar; não por acaso, há diversos pontos de conexão desta investigação com aquilo que mais

tarde nosso autor chamará de analítica existencial. Esta que, por sua vez, significa o exame

filosófico do ente que compreende o sentido do ser, ou seja, o ser humano em sua existência.28

Em seu projeto hermenêutico, Heidegger (2014) analisa como a tradição filosófica

compreendeu a questão do ser (tema central de toda ontologia) desde a antiguidade. Nessa

análise, convém ressaltar que o filósofo não utiliza a hermenêutica como uma simples teoria da

interpretação, pois acredita que ela vai além, que ela é a interpretação da facticidade que

condiciona ao encontro, visão, maneira e conceito de facticidade. Do mesmo modo, a facticidade,

entra em cena não apenas como um mero conjunto de fatos relativos à história do pensamento

ontológico. Heidegger a compreende como um caráter do ser-aí que somos em cada ocasião.

Deste modo, dependendo dessa noção de facticidade, o ser (objeto de toda ontologia) não é algo

determinado de fora, mas sempre compreendido segundo a nossa vida fática, algo que é por si

mesmo sobre um caráter ontológico, que é desse modo, e aí que significa possível em cada

ocasião. O que nos leva a reforçar a tese de que hermenêutica da facticidade no plano

fenomenológico designa o próprio âmbito no qual somos aí no mundo.

Contudo, se faz necessário um entendimento sobre a “ontologia” para Heidegger.

Ontologia pode significar doutrina do ser, onde irá indagar tematicamente o ser, irá falar do ser.

Poderia também ser tratada como uma disciplina, que pertence a linhas acadêmicas, marcada por

um caráter escolar, mas não é desta ontologia que o autor trata. Os termos “ontologia” e

“ontológico” por ele utilizados, não tem nenhuma das características citadas acima, pois não

servem de indicação. Esses termos significam: questionar e determinar de forma voltada para o

ser enquanto tal, ao passo que ser e de que modo permanecem totalmente indeterminados.

Ser reportarmos para a o grego, ontologia significa o tratamento de questões acerca do ser,

e mesmo pretendendo dedicar-se as determinações gerais do ser, ainda tem em vista um setor

determinado do ser. Ontologia equivale à teoria da objetualidade, segundo o uso linguístico

moderno, o que coincide com a ontologia antiga, entendida enquanto metafísica.

A ontologia moderna não é uma disciplina isolada, mas está ligada com aquilo que se

compreende por fenomenologia de forma clara. Pois, somente com a fenomenologia é que surge

28 Veja-se mais a este respeito em Ser e tempo, Heidegger (2014).

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um conceito apropriado para investigação. Nesse caso, quando utilizada em disciplinas como

ontologia da natureza, ontologia da cultura ou ontologias materiais, em função de seu caráter

temático-categorial, é que se tem um conteúdo objetual.

Contudo, somente a partir da fenomenologia é que a ontologia corresponde em uma base

problemática firme. O que se vê e de que maneira se vê, é o caráter objetual de um ente enquanto

tal. A ontologia trata dos caracteres objetuais da região do ser, e a fenomenologia em sentido

amplo inclui também a ontologia.

Desconstrução da tradição ontológica

Após desenvolver a hermenêutica da facticidade, será necessário abrir terreno para uma

nova apropriação da questão do ser. Heidegger, em parte, faz isso destruindo aquilo que a

tradição filosófica fez da referida questão, ou seja, as interpretações do ser enquanto um

problema histórico-filosófico. É isso que Heidegger busca quando em sua obra Ser e tempo fala de

destruição da história da metafísica.

Segundo o autor, toda investigação, e não apenas aquela que se move em torno da questão

central do ser, é uma possibilidade ôntica da presença. O sentido do ser da presença está na

temporalidade. A definição de historicidade se dá antes do que se pode chamar de história,

enquanto acontecimento que pertence à história da humanidade. A historicidade indica uma

criação do ser do “acontecer”, próprio da presença como tal. Com base na historicidade, é que a

história da humanidade e tudo que pertence à história mundana, tornam-se possíveis. A presença

é como o que ela sempre já foi, é sempre o seu passado, mas não no sentido do que está atrás, é

algo dado às experiências passadas, que influenciam sobre a presença. A presença é o seu passado

no seu modo de ser, pois ela sempre acontece a partir de seu futuro. Ela nasce e cresce dentro de

uma interpretação de si mesma, herdada pela tradição filosófica.

A historicidade rudimentar da presença pode permanecer escondida nela mesma. A

presença pode descobrir a tradição, de modo a investigá-la, explicar o que ela lega e como ela o

faz, e pode também conservá-la. Quando a presença investiga a tradição, ela assume o modo de

ser do questionamento e dos fatos. A fatualidade só se faz possível como o modo de ser da

presença, essa que por sua vez questiona porque, no fundamento de seu ser, pois ela só se

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determina e se constitui pela historicidade. Mas, se a historicidade ficar escondida para a presença

é negada possibilidade de questionar e descobrir factualmente a história. Contudo, a falta da

história fatual não vem a ser uma prova contra a historicidade da presença, mas sim uma prova a

seu favor, uma vez que uma época só pode ser destruída de fatos históricos por ela ser histórica.

Mas, caso a presença tiver apanhado sua possibilidade de não apenas se tornar transparente

para si mesma, mas também de questionar a definição da existencialidade em si mesma, ou seja,

investigar o sentido do ser em geral, e durante esta investigação alertar-se para a historicidade

essencial da presença, será inevitável perceber a questão do ser em sua necessidade ôntico-

ontológica, caracterizada em si mesma pela historicidade. Somente a partir do sentido de ser mais

próprio é que se caracteriza o questionar como questionamento histórico, onde a questão do ser

deve se orientar para questões acerca de sua própria história, ou seja, de determinar-se por fatos

históricos. Somente quando ela se apropria positivamente do passado é que abre as possibilidades

mais próprias do seu questionamento.

Uma interpretação preparatória da presença, no qual ela é antes de tudo histórica, revela o

seguinte: a presença tende a decair no mundo em que está, e interpretar-se a si mesma pela luz

que dela emana. Desta forma, a presença decai também em sua tradição, e essa lhe retira a

capacidade de se guiar por si mesma, de questionar e escolher a si mesma.

Sendo assim, a tradição torna-se pouco acessível ao que ela lega, e geralmente ela encobre e

esconde. Entrega o que é legado à responsabilidade da evidência, escondendo assim, a passagem

a fontes originárias, de onde os conceitos tradicionais e as categorias foram esgotados. A tradição

cria a ideia de que é inútil compreender a necessidade do retorno às origens. Segundo Heidegger:

A tradição desarraiga de tal modo a historicidade da presença que ela acaba se movendo apenas no interesse pela multiplicidade e complexidade dos possíveis tipos, correntes, pontos de vista da filosofia, no interior das culturas mais distantes e estranhas. Com esse interesse, ela procura encobrir seu próprio desarraigamento ausência de solidez. (HEIDEGGER, 2014, p.59).

Como consequência, todo o interesse pelos fatos historiográficos e sua ambição por uma

interpretação objetiva, a presença não se torna capaz de compreender as condições essenciais que

possibilitam um retorno ao passado de forma produtiva.

Na visão de Heidegger, caso o ser adquirir transparência de sua própria história, é

necessário abalar toda uma estrutura petrificada de uma tradição e remover os entulhos

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acumulados. Essa seria então a destruição do acervo da antiga ontologia, herança da tradição

filosófica. Segundo Heidegger:

Deve-se efetuar essa destruição seguindo-se o fio condutor da questão do ser até chegar às experiências originárias em que foram obtidas as primeiras determinações de ser que, desde então, tornaram-se decisivas. (HEIDEGGER, 2014, p.61).

Para ele, a questão do ser deve adquirir transparência em sua própria história, então é

necessário estremecer a rigidez de uma tradição petrificada. Essa ideia parece querer destruir um

acervo da ontologia antiga legado pela tradição, mas na verdade o que o autor busca é destruir

tudo que impede de apontar o fio condutor e através dele chegar às experiências originárias. Essa

destruição não tem o sentido de arrasar a tradição ontológica, ao contrário ela vai definir a

tradição em suas capacidades positivas, ou seja, em seus limites, que tornará o campo da

investigação possível. A destruição não se refere ao passado, mas aos dias atuais e para os modos

de se tratar da história da ontologia, independente de como esses modos foram impostos.

Depois de ter desenvolvido uma “hermenêutica da facticidade”, a ontologia fundamental

precisaria de um projeto no qual pudesse pensar em um momento onde as interpretações

históricas quando existente faz do ser e de si mesmo. Dessa forma torna-se algo natural falar em

destruição.

Considerando a hermenêutica da facticidade extensão desta, a destruição da história da

ontologia é um processo de libertação do ser das amarras que o subjugavam a interpretações

tradicionais. Dessa forma, tanto a hermenêutica fenomenológica da facticidade como o projeto

da destruição da tradição, fazem parte da ontologia fundamental.

Essa desconstrução da tradição é uma tarefa de urgência na esfera de retomada da pergunta

pelo ser. Isso se torna necessário, porque a hermenêutica da facticidade deixa claro que sempre

perguntamos pelo ser tendo em vista nossas interpretações prévias, dessa forma o projeto da

destruição é necessário para romper com esses ideais tradicionais, uma vez que eles não são

apenas pontos do passado, mas podem influenciar no pensar e no agir da existência humana nos

dias atuais. Esse processo de desconstrução não deve ser feito apenas com um olhar sobre a

tradição metafísica perante as interpretações que fazemos sobre a facticidade, mas de forma

decisiva sobre as leituras tradicionais, pois as mesmas são capazes de orientarem nossa

compreensão, e exprimem em si mesmas um caráter simplificado, ou seja, são reproduções

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históricas de interpretações que relatam apenas pequenas partes das ideias originais, deixando boa

parte encoberta e que muitas vezes se tornam desconhecidas.

Sendo assim, a destruição da história da ontologia tomando de forma hermenêutica a

história da metafísica atual, viria com o objetivo de confrontar as interpretações, destruindo

conceitos, fazendo um exame de seus conteúdos e uma revisão atual das ontologias. Tendo em

vista também, indicar os pré-conceitos com interesse de livrar da ação enrijecedora que durante

muito tempo obstruiu a compreensão do sentido do ser.

Contudo, Heidegger deixa claro seu propósito, e mostra que sua intenção não é uma

destruição no sentido negativo de arrasar a tradição ontológica e sepultar o passado, ao contrário,

ela tem suas possibilidades positivas, ocorre como um retorno à tradição para nela ver como o

que era originário experimentou a decadência e se deixou petrificar. Para ele, há algo de originário

sob a tradição que precisa voltar a sua posição de origem que corresponda a uma situação

histórica diferente da atual, onde essa base originária seria terreno existencial do ente que

compreende ser, do ser-aí. A partir do momento que se apodera dos conceitos metafísicos na

gênese da tradição para conduzi-la ao seu horizonte, isso dependerá de um dialogo com a história

da filosofia e da historicidade humana. Dessa forma, a questão do sentido do ser conduz a si

mesma a uma compreensão fática em concordância com seu próprio trajeto, onde se faz

necessário uma explicação sobre nossa existência.

Conclusões

Heidegger mostra em seus trabalhos que a hermenêutica não é apenas uma interpretação,

mas é um questionamento que visa à compreensão acerca do sentido do ser, que se ocupa com a

forma de fato com que o ente se mostra, e que no decorrer de seus escritos ele vem a chamar de

analítica existencial. Já a facticidade em seu ponto de vista, não é apenas um conjunto de fatos da

história, mas um caráter do ser-aí em cada ocasião. O que o autor busca enfatizar é que a

hermenêutica da facticidade no plano fenomenológico designa o próprio âmbito no qual somos

aí no mundo.

Logo após ter desenvolvido uma “hermenêutica da facticidade”, Heidegger acredita que a

ontologia fundamental necessita de um projeto que se pode pensar um cenário onde as

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interpretações históricas, quando existente faz do ser e de si mesmo. É nesse contexto que passa

a fazer sentido falar em desconstrução. Partindo desse ponto, o autor faz uma análise da tradição

filosófica para uma compreensão do ser, e depois de ter elaborado uma “hermenêutica da

facticidade”, conclui ser necessária uma destruição da tradição filosófica. Neste momento, se

torna compreensível sua atitude de fazer essa desconstrução da história da filosofia, uma vez que

este procedimento seria a libertação do problema do ser das amarras que dominavam as

interpretações filosóficas tradicionais.

Enfim, após a análise e busca pela interpretação dos trabalhos de Heidegger, conclui-se que

de fato a desconstrução da tradição ontológica se faz necessária, uma vez que este trabalho seria a

emancipação de ideias originárias no seio da filosofia e a abertura para novos horizontes e novas

possibilidades de interpretação do ser.

Referências Bibliográficas:

HEIDEGGER, M. Ontologia (Hermenêutica da facticidade). 2ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 9ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora

Universitária São Francisco, 2014.

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CIÊNCIA E RELIGIÃO NOS ESCRITOS EDUCATIVOS DE JOHN LOCKE

Christian Lindberg L. do Nascimento

Universidade Federal de Campinas - UNICAMP

Bolsista da FAPESP

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Lidia Maria Rodrigo

RESUMO: O presente texto tem como objetivo central discorrer sobre o pensamento educativo

de John Locke. Embora haja argumentações relevantes e pertinentes, a abordagem que este

trabalho desenvolve é centrada, única e exclusivamente, no aspecto moral. Para tanto, parte-se de

um problema identificado no conjunto da obra de Locke. Fala-se da aparente controvérsia entre a

ciência e a religião e o papel que cada uma exerce na formação moral da criança. É com base

nesse recorte que a presente análise é feita. Para a construção argumentativa, utilizou-se como

fonte primária: Do estudo (1677), Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough

(1697), Ensaio sobre a lei assistencial (1697) e Algumas ideias acerca da leitura e do estudo para um cavalheiro

(1703). De forma secundária, foi adotada obras de comentadores relevantes. Por ser um estudo

estritamente qualitativo, o procedimento metodológico usado foi a análise de conteúdo, sendo a

leitura, o fichamento e a interpretação dos dados obtidos a técnica de pesquisa empregada.

Palavras-chave: Ciência; educação; Locke; moral; religião.

John Locke é daqueles autores que não desenvolveu uma reflexão sistemática a respeito da

educação. Sendo assim, qual o motivo de ele ter sido inserido como um expoente para a Filosofia

da educação? Para responder a este questionamento, a presente argumentação virá expor a

concepção educativa do filósofo inglês, tendo como ponto de partida o papel que os conteúdos

educativos têm. Esta abordagem será alicerçada em quatro obras educacionais dele.

Escrito durante o exílio na França, Do estudo aparece como a primeira publicação educativa

de Locke. Baillon (2005, p. 20) observa que este manuscrito foi redigido com o intuito de

estabelecer um método de trabalho direcionado a um adulto que se dedica aos estudos, tendo

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como foco elevar a própria autonomia e complementar a formação intelectual. Por outro lado,

diz o comentador, Do estudo apresenta um esboço do que será o STCE.

O que Locke expõe nesta obra são caminhos e métodos para o aperfeiçoamento das

experiências da própria pessoa, requisito necessário para o governo de si. Assim, o objetivo da

educação é estabelecer uma filosofia moral, a ponto de o governo de si ser a premissa

fundamental para a constituição de uma sociedade. Esta filosofia moral compreende a religião e

as obrigações que a moral religiosa impõe para a vida de cada um.

Locke parte da análise da educação vigente, centrada nas disputas – disputation - e na

memorização dos conteúdos educativos. A refutação manifesta-se quando o filósofo afirma que o

labirinto de palavras e frases é inventado somente para instruir e entreter as pessoas na arte da

disputation (LOCKE, 1986b, p. 354). Assim, o que há é o desenvolvimento de palavras, frases e

argumentos sem o progresso do conhecimento. Na crítica à educação vigente, o filósofo

demonstra certa preocupação com o uso inapropriado do tempo para o estudo. Como exemplo,

cita o caso do ensino de idiomas. Para ele, perde-se muito tempo lecionando idiomas inúteis para

a vida do infante. Como contraponto, defende que é mais importante aprender o vernáculo do

que outro idioma, salvo aqueles que põem o indivíduo em contato direto com o texto original das

Sagradas Escrituras, já que esta obra traz consigo o fundamento eterno da verdade.

Por outro lado, Do estudo implica três direções para cada indivíduo: 1) O conhecimento do

caminho que o conduz para os assuntos celestiais; 2) A percepção de que a felicidade em outro

mundo requer uma conduta discreta e o autocontrole, ou seja, que o indivíduo seja prudente; 3)

O ensino de uma profissão, já que o trabalho é uma norma estabelecida por Deus, obrigando

cada um a trabalhar para garantir a própria subsistência.

Para Locke, o livro é o recurso didático mais apropriado para ensinar. A leitura e a

meditação sobre os conteúdos trazidos por ele tornam-se a ponta de lança para a ação, o que

requer a seleção das melhores obras e autores. Esta preocupação de Locke tem um motivo. O

que o filósofo pretende é tornar possível à mente humana aprender os conhecimentos úteis para

a ação, respeitando os princípios da moralidade.

Mas o que mais chama a atenção nesta obra é a relação entre a vida mundana e a

extramundana, relação esta que perpassa implicitamente o Do estudo. Escrita na década de 1670, a

obra repercute o alinhamento existente entre a lei de natureza e a lei civil. Como a moral é o tema

central dos escritos lockeanos, parece que os preceitos educativos contidos em Do estudo

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demonstram afinidade com a teoria política defendida pelo filósofo. Mais do que isso, o que

Locke pretende é, através da educação, estabelecer as condições necessárias para que a criança

aprenda a verdade e a pratique em sociedade, até porque esta é um dever que os seres humanos

têm para com Deus, fonte e autor de toda a verdade.

Já Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough (ALCP) é uma carta

endereçada à citada condessa, que tinha pleiteado orientações para educar o próprio filho. Para

Baillon (2005, p. 21), este pequeno texto não tem a pretensão de ser um minucioso tratado

educativo. O que Locke fez foi indicar à condessa ensinamentos úteis para a educação da criança.

Nesta obra, o filósofo inglês afirma que a educação é o fator determinante para o futuro da

criança, portanto os pais devem se preocupar bastante com ela. Essa observação é pertinente

porque Locke expõe uma breve rejeição à educação então vigente.

Locke estabelece que o objetivo central da educação é a formação moral da criança. Para

tanto, defende a importância de o infante conhecer a História: “A história é considerada como

um dos estudos mais necessários para um cavalheiro e um dos mais divertidos e fáceis de ser

aprendido.” (LOCKE, 1986a, p. 352, tradução minha). O fato de ele citar Tito Lívio caracteriza a

preocupação com a formação do futuro governante. O ensino de conteúdos relacionados à

Geografia, à Cartografia, à Cronologia e à Leitura só tem utilidade se colaborar para a melhor

compreensão da História.

Deve-se ensinar à criança outros conteúdos educacionais, como a filosofia natural, a

química, a anatomia. Seguindo os passos metodológicos da Ciência moderna, Locke recomenda

que sejam ensinadas primeiramente as coisas mais fáceis e perceptíveis aos sentidos da criança

para, só em seguida, se proceder de forma gradual até as questões mais abstratas.

Todavia, se os conteúdos científicos colaboram para a educação da criança, Locke atribui

ao Novo Testamento o poder de ser o principal guia moral para o infante. Jesus Cristo é o

exemplo de homem a ser constituído e seguido. É com base nessa preocupação que Locke

vincula educação e política, a ponto de dizer que a verdadeira política é uma parte da Filosofia

moral. Assim, a educação deve ser capaz de formar as crianças para que elas vivam em

comunidade, mesmo sendo ela recheada de vícios.

Alguns pensamentos a respeito de leitura e estudo para um cavalheiro foi redigido com o propósito de

produzir um programa de leitura destinado aos indivíduos. Baillon (2005, p. 21) chama atenção

para o fato de que com esta obra Locke demonstra adaptar seus conselhos e métodos educativos

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para as situações concretas mais diversas. As recomendações feitas por ele têm como

preocupação central aperfeiçoar o entendimento humano: “A leitura existe para aperfeiçoar o

entendimento. O aperfeiçoamento do entendimento tem duas finalidades: primeiro, visa a nosso

próprio aumento do conhecimento; segundo, visa a nos permitir transmitir e mostrar esse

conhecimento para os outros.” (LOCKE, 2007a, p. 435).

Ora, sendo a atribuição central da leitura o aperfeiçoamento do vocabulário e o

enriquecimento dele para que cada indivíduo possa melhor expor as próprias ideias, pode-se

apontar que a leitura colabora para o desenvolvimento do entendimento. De igual modo, da

mesma forma que Locke defende que os conteúdos educativos tenham uma utilidade prática para

a vida das pessoas, com a leitura não poderia ser diferente. Contudo, ele atenta ao fato de que as

leituras não podem conduzir à erudição, pelo contrário, as leituras devem possibilitar o raciocínio

correto.

Sendo assim, o que ler então? Os livros devem ser selecionados de acordo com a

moralidade a que se pretende conduzir o leitor. Embora reconheça a existência de vários livros

que podem cumprir esse papel, o Evangelho é o que há de melhor quando o assunto é a

formação moral. Para Locke, só o Novo testamento é capaz de ensinar a verdadeira moralidade.

Livros de política também fazem parte das sugestões dele. A leitura de textos políticos precisa

relatar a origem das sociedades e a história da própria nação. Ele menciona outros tipos de

leitura. Devem ser lidos livros de Cronologia e Geografia para darem suporte aos de História,

além de ser recomendada a leitura de livros que auxiliem no conhecimento da natureza do

próprio homem.

Estas três primeiras obras – Do estudo, Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de

Peterborough e Alguns pensamentos a respeito de leitura e estudo para um cavalheiro - são direcionadas para

alguns casais que integram o círculo de amizade de Locke, o que pode conduzir a leituras

apressadas, simplistas e que apontam o filósofo inglês como precursor da educação burguesa.29

No entanto, há outro texto produzido por ele que é direcionado para as camadas pobres da

sociedade, onde aborda o tema da educação para os pobres.

29 Karl Marx e Friedrich Engels apontam, no Manifesto comunista, o papel histórico da burguesia e os feitos realizados por ela. Afirmam que a burguesia ao chegar ao poder desempenhou um papel revolucionário e decisivo na história da humanidade, derrubando todas as relações feudais e monárquicas existentes, além de desvelar a brutalidade da Idade Média. Este relato é oportuno porque Locke colaborou com o protagonismo político da burguesia inglesa do século XVII, a mesma que realizou a primeira grande revolução burguesa na Europa. Desconsiderar este fator contextual seria um erro grotesco que poderia conduzir os intérpretes ao anacronismo.

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Escrito com o objetivo de dar uma contribuição à lei assistencial proclamada por Elizabeth,

no ano de 1601, o Ensaio sobre a lei assistencial é uma obra que registra sugestões para a primeira

política de assistência social30 de que se tem relato. Locke (2007b, p. 226) argumenta em torno da

necessidade de que cada paróquia deve ser obrigada a fornecer emprego para os homens pobres e

fisicamente capazes, de modo a garantir meios de subsistência para eles e permitir a arrecadação

de um imposto para sustentá-los.

Locke argumenta que não há falta de empregos para os pobres, e atribui a Deus a fartura

de alimentos, a pujança no comércio e a paz. Contudo, para o filósofo inglês a origem da pobreza

é o vício e ocorre por causa do relaxamento da disciplina e do aumento do ócio. Ele alega que a

pobreza é uma vergonha para a cristandade. Locke chega a ser rígido quanto às punições,

propondo que todos aqueles que possuam um corpo e uma mente sã, tenham mais de 14 anos e

estejam mendigando sejam presos ou enviados para realizar trabalho forçado nos portos ingleses.

Já para as crianças com menos de 14 anos, o castigo é o encaminhamento para as escolas, locais

onde são açoitadas e obrigadas a trabalhar até o anoitecer.

Mészáros, no livro Educação para além do capital, afirma que Locke pretendia controlar as

atividades dos pobres com uma disciplina perversa, mesmo sendo um homem religioso. Segundo

Mészáros, Locke promove a combinação entre “uma disciplina de trabalho severa e a doutrinação

religiosa”, e complementa: “As medidas tinham de ser aplicadas aos ‘trabalhadores pobres’ e eram

radicalmente diferentes daquelas que os ‘homens de razão’ consideravam adequadas para si

próprios.” (MÉSZÁROS, 2005, p. 42). Estabelece-se, assim, a divisão entre a educação para os

ricos e para os pobres, separação guiada pelo afloramento do capitalismo. O que o marxista

húngaro esquece de mencionar é que os únicos ambientes educativos para as crianças pobres

eram as denominadas escolas de caridade.31

30 No final do século XVI e início do XVII, a Inglaterra passou por um grande êxodo rural. Pessoas dos mais diversos cantos do país migraram para as cidades em busca de trabalho. Preocupada com a explosão social, a rainha Elizabeth, com a chancela do parlamento, aprovou a denominada Lei dos Pobres, que tinha como atributo central garantir assistência social para os pobres que residiam nos centros urbanos. A ideia funda-se no preceito de que o Estado repassasse recursos para a Igreja e que esta instituição realizasse atividades assistenciais como, por exemplo, alimentar os pobres, capacitá-los profissionalmente, cuidar da saúde deles e preocupar-se com a sua formação moral. 31 A escola de caridade é uma consequência prática da moral calvinista. Para os reformadores educacionais, a caridade é um dever civil universal. O próprio Locke, no Dois tratados sobre o governo, expõe que: “Tal como a justiça confere a cada homem o direito ao produto de seu esforço honesto e as legítimas aquisições de seus ancestrais são transmitidas a ele, a caridade confere a cada homem o direito àquela porção da abundância de outrem que possa afastá-lo da extrema necessidade quando não dispõe de outros meios para subsistir.” (LOCKE, 2001, p. 244)

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O que se pode afirmar é que a formação moral guiou a reflexão educativa feita por Locke.

Inicialmente, ele defende que devem ser construídas escolas operárias32 para os filhos dos

pobres33 em cada paróquia, nas quais as crianças recebam alimentação, aprendam um ofício e

sejam obrigadas a frequentar a Igreja aos sábados. O filósofo inglês argumenta que a instituição

religiosa tem a tarefa de realizar a educação moral dos infantes, corrigindo-as para o convívio

social.

Por fim, o trajeto educativo exposto por Locke nas reflexões filosóficas contidas em Do

estudo, Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough e Ensaio sobre a lei assistencial

aponta para um mesmo caminho: a constituição de indivíduos moralmente corretos. Para tanto,

os conteúdos educativos tornam-se meios fundamentais para que isso ocorra, a ponto de que

cada conteúdo tenha validade na medida em que seja útil para a vida futura da criança. Por outro

lado, percebe-se que a moral cristã, ensinada a partir das Sagradas escrituras, contém os

ensinamentos necessários para o estabelecimento desse indivíduo moral.

Referências Bibliográficas:

BAILLON, Jean François. Une philosophie de l’éducation: John Locke, Some thougths concerning education

(1693). Domont-FRA: Dupli-Print, 2006.

EBY, Friedrich. História da educação moderna. Rio de Janeiro: Globo, 1978.

LOCKE, John. Alguns pensamentos a respeito de leitura e estudo para um cavalheiro. In.:

Ensaios políticos. Organizado por Mark Goldie. Trad. Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes,

2007a. p.434-442.

___________. Borrador de una carta de Locke a la Condessa de Peterborough. Trad. Rafael Lasaleta.

Madrid: AKAL, 1986a.

___________. Del estudio. Trad. Rafael Lasaleta. Madrid: AKAL, 1986b.

32 Embora centre a sugestão para o meio urbano, Locke não descarta a educação agrícola como um dos tipos de escolas operárias. 33 A faixa etária estipulada vai dos 3 até os 14 anos. A criação destas escolas permite às mães irem ao trabalho sem se preocuparem com a assistência para o filho, já que estes estão em um ambiente seguro. Inclusive, os pais podem receber uma pensão destinada a comprar os mantimentos necessários para a sobrevivência dos filhos, se os enviarem para as escolas paroquiais.

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___________. Dois tratados sobre o governo. Trad. Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

(Clássicos).

___________. Ensaio sobre a lei assistencial. In.: Ensaios políticos. Organizado por Mark Goldie.

Trad. Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes, 2007b. p.226-246.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Trad. Sueli Tomazini Barros

Cassal. Porto Alegre: DP&M, 2001.

MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2005.

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JUSTIÇA COMO EQUIDADE:

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS IDEIAS DE JOHN RAWLS

Daniele Bet

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Ms. Celito De Bona

RESUMO: John Rawls, filósofo político norte-americano, possui grande importância no campo

da filosofia do direito. Dentre suas obras, “Uma Teoria da Justiça”, publicada, originariamente,

em 1971, possui grande destaque nas discussões e estudos acerca do conceito de Justiça. Em

virtude disto, o presente trabalho tem como objetivo apontar os principais pontos apresentados

na parte inicial da obra “Uma Teoria da Justiça”. Afinal, é na primeira parte do livro que John

Rawls apresenta a “justiça como equidade”, concepção que faz parte de sua teoria.

Palavras-chave: Teoria; justiça; equidade; Rawls

Introdução:

A proposta inicial de John Rawls, ao apresentar sua teoria, é imaginar um contrato social

hipotético, partindo de uma “posição inicial”, na qual todas as pessoas se encontram em uma

posição original (inicial) de equidade. Vestidas com um “véu de ignorância”, a fim de deliberar

sobre quais os princípios de justiça que seriam utilizados na formação da sociedade. Estes

princípios definiriam as regras da justiça nas instituições, que, por sua vez, seriam as

intermediárias entre as pessoas, no convívio social. Pois, segundo ele, “a justiça é a primeira

virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento” (RAWLS, 1981,

p. 27).

A ideia de Rawls é que, usando este “véu de ignorância”, as pessoas ignorariam suas

características pessoais. Ninguém conheceria suas condições financeiras, nem suas qualidades ou

falhas. Assim, com o uso do véu, seriam capazes de pensar de forma equilibrada e imparcial. Pois

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teriam de decidir os princípios essenciais sem pensar em si. Deixariam o egoísmo de lado, pois

não haveria nada que garantisse que as decisões tomadas às beneficiariam ou prejudicariam.

Assim, a única opção, seria procurar algo que fosse bom para todos, independentemente de

características e situações individuais.

Justiça como equidade

É em contraposição ao princípio do utilitarismo que Rawls apresenta sua teoria de Justiça.

Enquanto o utilitarismo (princípio da “máxima felicidade”) define como “melhor”, “mais justo” e

“mais correto”, aquilo que traz mais felicidade para o maior número de pessoas, a equidade busca

definir a ideia de justiça partindo de um ponto comum, de um estado de igualdade.

Em virtude disto, as pessoas precisariam ignorar o que realmente eram. Ninguém deveria

conhecer sua real situação, nem saber o que seriam, ou teriam, no futuro. E, para que isto fosse

possível, todos precisariam ser cobertos pelo “véu”.

Esta forma de definir os princípios da justiça (que devem regular as instituições), Rawls

denomina “justiça como equidade”:

Estes princípios são os que pessoas livres e racionais, reunidas pelos mesmos interesses, adotariam inicialmente quando todos estivessem numa posição de igualdade, para definir os termos fundamentais da associação que estariam fazendo. [...] A esta maneira de ver os princípios de justiça chamaremos de justiça como equidade. (RAWLS, 1981, p. 33)

Pois, esta “justiça como equidade”, é o que busca resolver o conflito existente na

distribuição dos bens sociais entre as pessoas.

A Proposta de Rawls

Considerando que a ideia de John Rawls era usar a equidade como base para fazer a

sociedade funcionar de forma justa, o filósofo propôs um modelo de instituição que deveria

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fomentar e aplicar o valor de justiça, buscando minimizar as diferenças sociais. Para Rawls, a

justiça deveria ser pactuada previamente às instituições.

Para que isto fosse possível, as pessoas que compõem esta sociedade deveriam ser vestidas

com o véu da ignorância, o que as deixaria num estado de igualdade (posição inicial). Nesse

momento, ninguém optaria por valores de justiça que pudessem ser vantajosos para uns, e

prejudiciais para outros, pois ninguém conseguiria saber de que forma seria afetado. Afinal,

estando todos na mesma posição, e ignorando o que está por vir, não teriam como saber se

seriam prejudicados ou agraciados com tais decisões.

A partir disso, Rawls desenvolve seu raciocínio ponderando que, as pessoas se encontram

em diferentes posições sociais e possuem diferentes características pessoais, o que influencia em

todas as suas decisões e expectativas. E é isto que a “posição original” de igualdade busca

reparar.

Entre os traços essenciais desta situação [posição original], encontramos o fato que ninguém conhece sua posição na sociedade, nem a posição de sua classe, e nem mesmo seu status social ou a parte que lhe caberá dentro da distribuição do conjunto de bens e das capacidades naturais, ou de sua natureza, força ou semelhante. Assume-se também que as partes não conhecem seus diferentes conceitos de bem, ou suas propensões psicológicas particulares. Os princípios de justiça são, dessa forma, estabelecidos em total ignorância da posição específica de cada um. (RAWLS, 1981, p. 33 – 34).

Assim, no momento em que todas se encontram na mesma posição social e possuem as

mesmas características, buscarão algo que favoreça a todos. E, segundo o filósofo, é isto que

também “garantirá que não se possa tirar vantagens ou sofrer desvantagens durante o processo

de escolha dos princípios” (RALWS, 1981, p 34).

Ninguém buscaria princípios que favorecessem determinadas classes ou características, pois

não teriam como saber se estariam inseridos em tais classes e se possuiriam tais características.

Deste modo, parece razoável e aceitável, de forma geral, que ninguém possa tirar vantagens ou desvantagens da escolha dos princípios por sorte, ou por circunstâncias sociais. Parece também ser de ampla aceitação, o fato de que seria impossível ajustar os princípios às circunstâncias peculiares a cada caso particular. Deveríamos, além disso, assegurar que as inclinações particulares, as aspirações e a visão que cada pessoa tem de seus bens, não venham a afetar os princípios que seriam racionalmente propostos e aceitos. (RAWLS, 1981, p. 38)

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Assim, a justiça deve, usando tais instituições sociais criadas com base na justiça equitativa,

garantir que não existam distinções arbitrárias entre as pessoas, no que tange os direitos e deveres

básicos e, também, garantir regras que possibilitem equilíbrio na reivindicação de interesses e

vantagens para a vida social e para a distribuição de rendas e riquezas.

É neste cenário que Rawls desenvolve sua concepção política de justiça, sua justiça como

equidade, e os princípios que a devem reger.

Os princípios na teoria da justiça como equidade

Diante de sua “justiça equitativa”, Rawls nos faz pensar sobre quais os princípios que

escolheríamos, partindo da situação de igualdade, da posição original de equidade. Para ele, os

princípios devem decorrer de uma visão mais geral, mais ampla e, consequentemente, mais

equilibrada, onde os valores sociais como liberdade, oportunidade, renda, riqueza e até mesmo,

auto-estima, devem ser distribuídos de forma equilibrada. Salvo, é claro, se alguma distribuição

desigual puder beneficiar toda a sociedade.

Rawls acredita que não optaríamos pelo princípio da máxima felicidade (o utilitarismo),

pois consideraríamos a terrível possibilidade de fazermos parte da minoria oprimida.

Não há razão para se supor que os princípios, que deveriam regular uma associação de homens, sejam simplesmente uma extensão do princípio da escolha de um só indivíduo. Muito pelo contrário: se presumirmos que o princípio regulador, correto para qualquer coisa, depende da natureza da coisa em si, e que a pluralidade de indivíduos distintos com diferentes sistemas de finalidades é um traço essencial das sociedades humanas, não deveremos esperar que o princípio da escolha social seja do tipo utilitarista. (RAWLS, 1981, p. 45)

Seguindo essa ideia, para John Rawls, os princípios escolhidos seriam dois: o princípio da

liberdade igual (ou, igualdade de liberdades) e o princípio da diferença. Estes princípios, por sua

teoria, deveriam ser aceitos por todos, a fim de possibilitar que os direitos e liberdades sejam tão

extensos quando possível, para cada pessoa, tendo como limite os direitos e liberdades dos

demais. Também as desigualdades sociais e econômicas devem estar igualmente distribuídas para

qualquer posição, para promover o melhor benefício pela menor desvantagem.

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O primeiro princípio é o que oferece para todos as mesmas liberdades básicas. E o segundo

princípio refere-se à equidade social e econômica, onde as desigualdades sociais e econômicas

devem ser organizadas de tal forma que, ao mesmo tempo, possam beneficiar e trazer vantagens

para todos (dentro dos limites do razoável) e ser vinculadas a posições acessíveis a todos.

O princípio da liberdade igual busca garantir um sistema de liberdades e direitos iguais para

todas as pessoas, da forma mais ampla possível. Por esse princípio, entende-se que cada

indivíduo, considerado como cidadão participante no estado de direito, deve possuir algumas

liberdades básicas. E, segundo Rawls:

As liberdades básicas do cidadão são, de forma geral, a liberdade política (o direito de voto e a elegibilidade para cargos públicos) associada à liberdade de expressão e de reunião; a liberdade de consciência e de pensar; a liberdade pessoal associada ao direito à propriedade; e a liberdade de não ser preso arbitrariamente e de não ser retido fora das situações definidas pela lei. (RAWLS, 1982, p. 68)

Por este princípio, entende-se que estas liberdades básicas devem existir igualmente para

todos, pois elas são necessárias para que seja possível atingir o primeiro princípio. Rawls

considera tais liberdades básicas como moralmente significantes e imprescindíveis aos indivíduos.

Isto, pois, elas são necessárias para a consideração e escolha de seus interesses e, ainda, são

necessárias para que as pessoas tenham um senso de justiça. Afinal, nas palavras do próprio

filósofo: “todos os cidadãos de uma sociedade justa devem ter os mesmos direitos básicos”.

(RAWLS, 1981, p. 68)

O segundo princípio é aplicado no que diz respeito à distribuição de renda e riqueza. Nesse

sentido, é importante lembrar que, para Rawls, a renda e a riqueza não precisam ser iguais para

todos. Basta que a distribuição delas aconteça de tal forma que beneficie todos,

independentemente, de posição social ou qualquer outra característica. O princípio da diferença,

segundo a formulação de John Rawls, é aquele que combina as desigualdades econômicas e

sociais, de uma forma que ambas “correspondam à expectativa de que trarão vantagens para

todos”, e “que sejam ligadas a posições e a órgãos abertos a todos”. (RAWLS, 1981, p. 67)

O filósofo assume que a divisão igualitária dos bens e da riqueza pode causar problemas.

Porém, acredita que as desigualdades sócio-econômicas são permitidas, desde que exista um

compromisso entre os mais e os menos favorecidos, ou seja, que o progresso dos mais

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favorecidos se reflita em melhoria na situação dos menos favorecidos. Assim, com este

compromisso, todos conseguem obter vantagens.

Usando os princípios da liberdade igual e da diferença, John Rawls procura preservar o

valor do indivíduo. Seja protegendo as suas liberdades básicas fundamentais ou proporcionando

melhorias sociais para sua vida. Porém, para que isto seja possível, os dois princípios da Teoria da

Justiça devem obedecer a uma ordem: primeiro, o princípio da liberdade igual e, depois, o

princípio da diferença. Esta ordem significa que: as violações das liberdades iguais (protegidas

pelo primeiro princípio), não podem ser justificadas, nem compensadas, por maiores vantagens

sociais. Nesse sentido, explica Rawls:

Tais princípios devem ser organizados dentro de uma ordem serial, com o primeiro princípio antecedendo o segundo. Esta ordem significa que, partindo-se das instituições de liberdade igualitária para a exigida pelo primeiro princípio, não poderão ser justificadas ou compensadas, através de maiores vantagens econômicas ou sociais. A distribuição de bens e renda, e as hierarquias de autoridade, devem ser consistentes tanto com as liberdades de cidadania igual quanto à igualdade de oportunidade (RAWLS, 1981, p. 68)

São os princípios apresentados por John Rawls, que configuram a ideia da justiça como

equidade. Sendo que, esta ideia de justiça, esta forma de justiça, não busca a divisão igualitária e

totalizadora de bens e da autoridade. Pois ele compreende que esta desigualdade é inevitável e até

mesmo, necessária.

Dessa forma, a equidade deve ser entendida como uma tentativa de equilibrar os diferentes

interesses presentes na sociedade. Ou seja, a equidade busca uma forma de obter vantagens para

todos, baseando-se na escolha do princípio da liberdade igual e da diferença, escolhidos na

situação inicial de posição original.

Ainda a respeito da importância dos princípios, o filósofo explica:

Os princípios do direito, assim como os da justiça, impõem limites determinando quais os desejos que têm algum valor; eles impõem restrições sobre o que é razoável conceber como o bem de uma pessoa. Traçando-se planos e decidindo-se sobre as aspirações dos homens, deve-se levar em conta estas pressões. Consequentemente, na justiça como equidade, não se devem tomar as propensões e inclinações dos homens como dados absolutos, sejam quais forem, e então procurar obter a melhor forma de preenchê-las. Seria preferível que seus desejos e aspirações fossem limitados desde o princípio, pelos princípios da justiça que especificam tais limites, de forma tal que os

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sistemas de objetivos dos homens sejam respeitados. Poderíamos expressar tal ideia, dizendo que na justiça como equidade, o conceito do direito vem antes do que for bom. (RAWLS, 1981, p 46)

Assim, para que a sociedade seja justa, conforme a ideia de justiça como equidade, faz-se

necessário que os cidadãos aceitem os princípios (que devem ser escolhidos com o auxílio do

“véu da ignorância”). E, ainda, que os apliquem obedecendo a “ordem serial”: primeiro o

princípio da liberdade igual e depois, quando este primeiro já tiver sido “satisfeito”, o segundo

princípio, o princípio da diferença.

Conclusão

A Teoria da Justiça, de John Rawls, foi a primeira grande teoria sobre o assunto. Apesar de

já ter recebido inúmeras críticas, tanto quando publicada como ainda nos dias atuais, ela é de

grande importância para as discussões referentes à justiça em geral.

Para compreender a ideia de justiça, é necessário estudar os princípios elencados na obra de

John Rawls. Afinal, ao apresentar seus princípios como pressupostos básicos para a criação de

uma sociedade justa, ele nos mostra pontos sobre os quais devemos refletir.

Assim, compreendendo os princípios apresentados por ele e entendendo o seu objetivo, é

possível compreender a necessidade de pensar sob o “véu da ignorância”. Pois, como ele

defendeu, as pessoas só são capazes de optar por tais princípios e, consequentemente, conquistar

uma sociedade justa, se não estiverem “cegas” por seus interesses individuais e egoístas.

Apesar disso tudo, ao apresentar sua teoria, Rawls sabe que é impossível ter uma visão

única a respeito de justiça. Afinal, as pessoas são diferentes, vivem em sociedades distintas e

possuem culturas e hábitos bastante diversificados. Por isso, “justiça” sempre será um conceito

relativo.

Dessa forma, é possível verificar a importância da Teoria da Justiça criada por John Rawls.

Pois, ele demonstra grande preocupação social, em uma época onde o individualismo é uma das

características predominantes. E, por consequência, defende que todos devem ter as mesmas

chances, e que os mais fracos não devem ser “sufocados” pelas vontades e interesses dos mais

fortes. Enfim, Rawls acredita que sua teoria possui força para, por meio da própria justiça, criar

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uma sociedade justa, igualitária e equilibrada. Colocando, assim, em prática, a “justiça como

equidade”.

Referências Bibliográficas:

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Brasília: Universidade de Brasília, 1981.

___________. O Liberalismo Político. São Paulo: Editora Ática, 2000.

SANDEL, Michael J. Justiça: O que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

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EDUCAÇÃO CRÍTICA E DIREITOS HUMANOS

Dayanne Vicentini

Universidade Estadual de Londrina – UEL

Bolsista Fundação Araucária.

[email protected]

Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui

RESUMO: Este estudo tem como objetivo principal observar a relação existente entre os

direitos humanos, a dignidade, a liberdade e a educação para a cidadania. Justificamos a intenção

da pesquisa porque existe consenso em reconhecer a educação como um direito, embora seja

necessário esclarecer que tipo de educação é esta, pois ela deve resguardar a dignidade humana e

permitir a liberdade. A liberdade deve estar atrelada à autonomia, para que a partir dela os

indivíduos possam construir a democracia. A metodologia se pautará em pesquisa bibliográfica,

tendo a Della Mirândola, Bobbio, Apple e Giroux como principais referenciais. Esta pesquisa

poderá contribuir para o debate de elementos que denunciam a falta de criticidade da educação,

fator este que é fundamental para manter a dignidade e a liberdade.

Palavras-chave: Educação crítica; direito à educação; educação para a cidadania

Introdução:

O objetivo deste trabalho é observar algumas relações entre os direitos humanos e a

educação. Para isto, abordamos as manifestações dos direitos humanos: a dignidade e a liberdade

fazendo uma relação com a educação para a cidadania. A educação proposta nesta pesquisa é

uma educação que nos prepare para exercer nossa cidadania: a educação crítica.

Justificamos a pesquisa dada a importância política na formação de cidadãos críticos e

ativos. A pesquisa é bibliográfica e servirá para ressaltar o papel da educação na sociedade, bem

como para refletir o compromisso dos docentes e discentes no exercício da cidadania e no

respeito pelos direitos humanos.

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Falar de direitos humanos como a conquista pela igualdade, pela liberdade e a fraternidade

nos remete à declaração dos direitos do homem e do cidadão. Por isso, dizemos que os direitos

humanos formam um conceito moderno, mesmo tendo antecedentes políticos filosóficos que

nos lembrem de uma proposta de liberdade humana e de fraternidade universal. Essas propostas

não tinham o status de medida política imposta com caráter de lei como acontece na Revolução

Francesa (BITTAR, 2004).

Ao reconhecer que os seres humanos são seres dignos de direitos, eles devem ter sua

dignidade preservada, assim estamos falando de direitos humanos universais. Os direitos

humanos tiveram um processo de reconhecimento internacional, o qual legitimou e fortaleceu

sua constituição. Da Revolução Francesa que só reconhecia os direitos dos homens, passamos à

declaração dos direitos dos seres humanos.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, as nações veem a necessidade de criar uma ordem

internacional que permita fortalecer internacionalmente o cumprimento dos direitos humanos.

Um destes passos que marcam as conquistas dos direitos humanos foi a Declaração Universal

dos Direitos Humanos de 1948, isto devido a um consenso da Organização das Nações Unidas,

assim no Preâmbulo desta declaração encontramos que “o reconhecimento da dignidade inerente

a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da

liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

Mas, como o que desencadeou esta necessidade internacional foram as agressões contra a

humanidade do regime alemã fascista, a declaração manifesta que é “essencial que os direitos

humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como

último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão”(ONU,1948). Observando a necessidade de

cumprimento e respeito por parte dos estados assinantes com a intervenção dos povos que

representam, a Declaração cuida para que todo o assinado passe a conhecimento da população e

das futuras gerações através da educação.

Considerando a educação, parte fundamental para poder cristalizar os ideais da Declaração

dos Direitos Humanos, passamos a iniciar nossa proposta sobre a educação crítica, a dignidade

humana e os direitos humanos.

Sobre a dignidade humana

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Antes de tratar de direitos humanos universais, a filosofia já abordava a condição universal

da Dignidade Humana, e assim encontramos no livro de Pico della Mirândola sobre a Dignidade

Humana, uma alusão à seguinte exclamação, “o Asclépio, que portento de milagre é o homem!”,

um ser admirável, “mensageiro da criação, parente de seres superiores, rei das criaturas inferiores,

[...] enfim, um pouco menor que os anjos, conforme o testemunho de Davi” (DELLA

MIRÂNDOLA, 2006, p. 37).

A enumeração das qualidades do ser humano nos ajuda a observar a importância deste ser

frente à natureza, da qual ele é herdeiro. E todas elas constituem razões para respeitar e admirá-

lo.

A liberdade é o único que o caracteriza e o faz inacabado. Sobre esta liberdade Della

Mirandôla ressalta, “tu, porém, não estás coarctado por amarras nenhuma. Antes pela decisão do

arbítrio, em cujas mãos depositei, hás de predeterminar a tua compleição pessoal.” (DELLA

MIRÂNDOLA, 2006, p. 39). Deixando esta liberdade nas mãos dos homens, eles poderão descer

ao nível dos seres mais embrutecidos ou escolher livremente ascender aos níveis divinos. Maior

liberdade não podia ter nenhuma criatura.

Quando Pico ressalta a dignidade humana, ela radica no que o caracteriza, o faz único entre

as criaturas, sua liberdade. A liberdade permite ao ser humano crescer, e continuar a criação

divina. Praticamente ele é o grande continuador da obra divina. Mas dado que a liberdade deixa a

decisão em mãos humanas, “oxalá nossa alma se deixe conduzir pela santa ambição de superar a

mediocridade e anele por coisas mais sublimes” (DELLA MIRÂNDOLA, 2006, p. 42).

A razão livre que nos ajuda a orientarmos e a ser criterioso nas decisões é o que caracteriza

ao ser humano. Porque o que nos diferencia dos animais e as plantas não é necessariamente o

físico, senão ou como ele se comporta.

O que nos faz melhores humanos não é nossa forma, senão a sensibilidade e critério para

guiar nossas ações. Não é a aparência que caracteriza ou eleva ao ser humano e sem sua

sensibilidade e prudência, que lhe permitem dominar suas paixões. Um ser com estas qualidades é

“o mais augusto dos numes revestido de carne humana”. (DELLA MIRÂNDOLA, 2006, p. 41).

Pico é bastante enfático ao aproximar ao ser humano dos vegetais e os outros animais,

ressaltando que as características humanas que o fazem refletir e atuar com consciência crítica são

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as que o levam ocupar junto com os Querubins os lugares mais elevados, porque podemos ter a

mesma dignidade que estes seres incorpóreos.

A educação crítica como um direito que preserva a liberdade

Enquanto um processo autoconsciente, a educação crítica refere-se à análise consciente e

impõe uma necessária e radical vinculação da teoria à prática, com vistas à transformação das

estruturas sociais vigentes. A escola, portanto, deve ajudar a criar condições necessárias à tomada

de consciência, de forma articulada com a prática, para poder romper com o aspecto ideológico e

mistificador de uma racionalidade que desumaniza. A educação crítica exigirá do campo

educacional o mesmo procedimento das outras ciências, ou seja, conduzir tanto o trabalho

pedagógico como a pesquisa em função de um processo crítico e emancipatório (PRESTES

1994).

A educação crítica busca realizar conexões entre as práticas educacionais e culturais e a luta

pela justiça social e econômica, direitos humanos e uma sociedade democrática para que se possa

ampliar as compreensões críticas e as práticas libertadoras, com o objetivo de buscar

transformações sociais e pessoais progressistas. (TEITELBAUM, 2011).

Durante o século XX o mundo experimentou transformações profundas em diversos

aspectos da vida social. No Brasil, aconteceu a tomada de poder dos militares no posto de

governo, evento que fora marcado como “Golpe de 64”. A partir daí houve o reforço do poder

executivo, o aumento do controle social pelo conselho de segurança nacional e o fim dos

protestos sociais.

O pensamento do povo é então “bloqueado” pela repressão, o exercício da democracia

desaparece completamente na vida social do brasileiro, sendo ele uma testemunha da

negatividade. A sociedade fora marcada por grande repressão e falta de liberdade de expressão.

Inúmeros movimentos sociais surgiram no Brasil em prol de uma sociedade mais justa, igualitária

e democrática, com melhores condições de vida e de trabalho. Sobre estes movimentos,

Ghiraldelli (1999, p.120) afirma que, [...] entre a efervescência ideológica dos primeiros quatro

anos da década de 60, cresceram organizações que trabalharam com a promoção da cultura

popular, a educação popular, a desanalfabetização e a conscientização da população sobre a

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realidade dos problemas nacionais [...] a movimentação dos anos 60 em torno da promoção da

cultura popular prendeu-se às preocupações dos intelectuais jovens e alguns políticos com a

emergência das massas na participação política do país.

Será que os movimentos sociais conseguiram realizar essas promoções pré-estabelecidas?

Como a sociedade se comporta hoje? Alienação? Consciência ingênua? Será que ainda somos

represados mesmo sem perceber? Como a educação crítica pode auxiliar para que haja a

verdadeira democracia?

Para Apple, Au e Gandin (2011), devemos ver o mundo com senso crítico, para agir contra

os processos ideológicos e institucionais que reproduzem condições opressivas. Dessa forma, a

pedagogia crítica configura-se como uma filosofia educacional que auxilia os estudantes a

desenvolverem uma consciência de liberdade, para reconhecer tendências autoritárias e tomar

uma atitude crítica à vez para enfrentar os desafios da sociedade.

De acordo com Giroux (2010), para o educador crítico Paulo Freire, a pedagogia era

considerada como parte de uma prática política mais ampla em prol de uma mudança

democrática. Sobre a relação entre educação crítica e democracia, Giroux (2010, p. 113) esclarece

que, [...] ocupando o espaço entre o político e o possível, Paulo Freire passou a maior parte de

sua vida trabalhando na crença de que vale a pena lutar pelos elementos radicais da democracia,

que a educação crítica é um elemento básico da mudança social e que a forma como pensamos

sobre a política é inseparável de como compreendemos o mundo, o poder e a vida moral que

aspiramos a levar.

A educação crítica é um elemento da mudança social e um instrumento para atingir uma

verdadeira democracia. A democracia, assim como a liberdade é um dos temas históricos em

debate e a sua efetivação depende das opções concretas que os homens venham a realizar. Assim,

o elemento principal deste modelo de educação é a criticidade, que permite ao educador e aos

educando a reflexão critica da realidade na qual estão inseridos, “possibilitando a constatação, o

conhecimento e a intervenção para transformá-la” (MOREIRA, 2010, p.97).

Para Freire (1967, p. 67) a postura crítica é importante para um desenvolvimento social

justo porque, [...] implica num retorno à matriz verdadeira da democracia. Daí ser esta transitividade

crítica característica dos autênticos regimes democráticos e corresponder a formas de vida altamente

permeáveis, interrogadoras, inquietas e dialogais, em oposição às formas de vida “mudas”, quietas e

discursivas, das fases rígidas e militarmente autoritárias, como infelizmente vivemos hoje, no recuo que

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sofremos e que os grupos usurpadores do poder pretendem apresentar como um reencontro com a

democracia.

Ainda para Freire, a essência da democracia envolve uma nota fundamental que lhe é

intrínseca: a mudança. Os regimes democráticos se nutrem na verdade de termos em mudança

constante. São flexíveis e inquietos. Devido a isso, deve corresponder ao homem desses regimes,

maior flexibilidade de consciência. (FREIRE, 1967).

Essa flexibilidade de consciência dentro da verdadeira democracia exige o engajamento da

ação transformadora e prepara os homens para a luta contra os obstáculos à sua humanização,

assim o comprometimento não é um ato passivo, “implica não apenas a consciência da realidade,

mas também o engajamento na luta para transformá-la”. (FREITAS, 2010, p. 88). Freire coloca a

conscientização como o primeiro objetivo de toda a educação, buscando provocar uma atitude

crítica de reflexão no sujeito de modo a colaborar com a mudança do mundo.

Deste modo, é imprescindível voltar a educação crítica e libertadora para a participação do

indivíduo, sendo o educador, o profissional responsável para que de fato isso aconteça, pois “

aprende-se democracia fazendo democracia”. (FREIRE, 1986, p. 60).

A relação entre o respeito aos direitos humanos, à dignidade e liberdade é um trabalho

árduo, que está diretamente ligado com a educação cidadã. E acreditamos que uma educação que

nos prepare de forma honesta e livre ao exercício da cidadania é a educação crítica.

Conclusão

A liberdade é uma característica fundamental do ser humano, pois ela permite tomar

continuamente decisões e fazer da vida uma constante construção, própria de todo ser inacabado.

A dignidade humana está centrada no respeito à liberdade. A liberdade propicia o

crescimento. E a democracia é o governo no qual a liberdade deve ser respeitada. Por isso, na

sociedade democrática, o respeito pela dignidade e a liberdade está contemplados e assegurados

pela constituição. Mas, se a liberdade é parte da dignidade humana ela deve ser bem orientada, e o

problema do ser humano é como apreender a lidar com a liberdade. Para isto, nosso trabalho traz

uma reflexão sobre a educação crítica, como uma educação que nos ensina a ser livres e

responsáveis.

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Por fim, vale lembrar que Paulo Freire coloca a conscientização como o primeiro objetivo

da educação, para poder almejar um senso crítico dos cidadãos. Um cidadão crítico e ativo pode

mudar o mundo para melhor.

Referências Bibliográficas:

APPLE, M. W; AU, W.; GANDIN, L. A .O Mapeamento da Educação Crítica. In: APPLE, M.

W; AU, W.; GANDIN, L. A (Org.). Educação crítica: análise internacional. Porto Alegre: Artmed,

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BITTAR, E. Ética, educação, cidadania e Direitos Humanos. Barueri: Manole, 2004.

CHOMSKI, Sobre democracia y educación. Escrito sobre las instituciones educativas y el lenguaje en aulas.

Barcelona: Paidos, 2006.

DELLA MIRÂNDOLA, P. A Dignidade do Homem. São Paulo: Editora Escala, 2006.

GHIRALDELLI, P. J. História da Educação. 2ed. São Paulo: Cortez, 1991.

FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire.

São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

MAGRI A. C. A educação em direitos humanos: uma abordagem a partir de Paulo Freire, In Revista

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DIFICULDADES CONTRAMAJORITÁRIAS:

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGITIMIDADE DO DIREITO EM

HABERMAS

Douglas Maranhão Marques

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – UNIVEL

[email protected]

Orientador: Profª. Ms. Kátia Salomão

RESUMO: A tensão existente entre direito e democracia é alvo dos mais recentes

desdobramentos filosóficos e políticos pela alta carga de racionalidade intrínseca a tal embate.

Habermas, assim, ao estabelecer o agir comunicativo como teoria capaz de circunscrever as

modalidades racionais e ainda dar conta de legitimar o direito enquanto fenômeno social, exsurge

como alternativa óbvia para a análise do imbróglio aludido pelo prisma dos diferentes paradoxos

envoltos na questão, além da figura enigmática dos direitos humanos dentro do plano conflituoso

apontado. Por fim, apontam-se as dificuldades contramajoritárias como eixo condutor da

pesquisa pretendida, correlacionando os apontamentos habermasianos ao conflito entre direito e

democracia dentro da mais aplicável de suas searas: a jurisdição constitucional.

Palavras-chave: Dificuldades contramajoritárias; legitimidade do direito; jurisdição

constitucional; democracia

Compreender o fenômeno democrático nos dias atuais esbarra necessariamente na

vinculação de condutas judiciais como mecanismos auxiliares da própria definição do processo

democrático. Funcione o Judiciário como instituto definidor das regras ou da substância do

processo de formulação política, é fato indelével que o século XXI é notadamente marcado por

este poder atuando como definidor de limites formais e axiológicos.

Num dinamismo social constante – e sua intrínseca estruturação midiática –, torna-se

indispensável uma análise que faça jus à complexa atuação judiciária de uma Corte Suprema. Não

raros são os casos em que indivíduos questionam a legitimidade de Ministros de tal corte para a

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tomada de decisões de grande porte. Quem os colocou ali? Como podem ofender a vontade da

maioria se vivemos numa democracia?

Assim, o presente estudo objetiva uma análise hodierna quanto ao tema, de modo a

sistematizar uma análise que permeie a tensão entre democracia e jurisdição constitucional. A opção

pelo modelo habermasiano de contemplação da legitimidade inerente ao questionamento aludido

se deve, assim, pelo marcado uso da racionalidade como instrumento diferenciador dos diálogos

interinstitucionais, como se verá no momento oportuno.

Ressalva que merece ser destacada – e que coaduna com o pensamento habermasiano – é o

risco que se corre quando da excessiva atuação jurisdicional na esfera constitucional, onde se cria

um fundo de reserva em que se apoia o legislativo para uma atuação menos consciente. Bickel

(1986) previu tal defasagem da tripartição dos poderes quando da análise do fato de que o

legislativo passa a escamotear a defesa de direitos fundamentais, deixando de se fundar do

próprio processo de racionalidade e discursividade para simplesmente confiar no trabalho do

Judiciário.34

A citada advertência traz à baila a consequente interconexão entre a modalidade

jurisdicional aludida e a função institucional da mesma dentro do Estado Democrático de

Direito. Tal forma de Estado é, nos ditames de Hayek (1971 apud KIMMINICH, 2011), o ideal

ao movimento liberal que começou a tomar lugar no início do século XIX. A liberalidade

proporcionada por um regime governamental que deposita em seus indivíduos a possibilidade de

condução do futuro nacional enquanto remanescem desvinculados politicamente é uma das

características que permitem, exempli gratia, o livre desenvolvimento econômico, social e

institucional.

Teóricos da primeira metade do século XIX passaram a assentar o entendimento de que a

compreensão de um Estado influenciado pela concepção material de si quanto ao Direito que lhe

é intrínseco daria azo o fato de “[...] que a ideia de Estado de Direito não residia na simples

vinculação formal das atividades do Estado à letra da lei, assentando-se também numa concepção

material de justiça” (KIMMINICH, 2011, p. 1031).

É perceptível que a própria noção de justiça substancial apontada por Kimminich (2011)

relaciona-se com a racionalidade levantada por Habermas (2003a) na exata medida em que

34 Sobre o processo discurso racional e a respectiva acreditação de legitimidade conferida pelo mesmo ao Estado como um todo, v. infra.

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vincula um conceito amplo de possibilidades pautadas no discurso aceito através da chancela

racional, de modo que o próprio exercício da liberdade – fim último da distribuição da tutela

jurisdicional dentro do viés de observância da jurisdição enquanto mecanismo hábil a resguardar

liberdades intersubjetivas mínimas (HABERMAS, 2003b) – é compreendido pela matriz

habermasiana da autodeterminação racional.

Antes de se passar, contudo, à análise da compreensão da autodeterminação individual

como critério de utilização da Teoria do Discurso habermasiana, insta repisar a tensão existente

entre o estabelecimento jurisdicional constitucional e a própria noção de democracia,

marcadamente substancial, consoante o exposto alhures.

A harmonização do tênue equilíbrio constitucional entre a representatividade majoritária ocasional da sociedade e o consenso democrático específico de maior grau qualitativo decorrente da Constituição é atribuída ao controle de constitucionalidade, especialmente à jurisdição constitucional, como uma decorrência natural do caráter jurídico-vinculante das Constituições Contemporâneas, em que estas se caracterizam como um conjunto de normas de maior hierarquia formal e de maior densidade político-jurídica, que, caso não observadas espontaneamente, deve ser imposto mediante coercibilidade pelos órgãos constitucionais responsáveis pelo controle de constitucionalidade, especialmente pelos juízes constitucionais. (MORAIS, 2012, p. 163).

O que se faz perceber, assim, é que a atuação constitucional pode contrariar integralmente

os anseios de eventuais maiorias representativas ou populacionais para que firme a compreensão

constitucional da vexata quaestio, sendo que o próprio texto constitucional, como bem aponta

Comella (1997), ostenta indeterminação interpretativa especificamente para fazer jus à adequação

de seus ditames aos paradoxos sociais supervenientes.

É esta relação de contrariedade, portanto, que é tida como a dificuldade contramajoritária.

O termo cunhado por Bickel (1986) na década de 1960 dá conta, contudo, da crise de

legitimidade jurisdicional das cortes constitucionais para declarar a ineficácia de atos normativos –

os Statues – que contrariem substancialmente o sentido do texto constitucional.35 Eule (1996 apud

BASSOK, 2012) dá conta de divergir do precursor da terminologia, fazendo crer que Bickel

35 Ressalva que merece ser feita em relação ao modelo anglo-saxão de decretação de inconstitucionalidade é que a doutrina norte-americana acredita que tal controle por parte da Corte Constitucional retira a validade da norma, não sua eficácia, como ocorre no Brasil e na maior parte das nações europeias. Como visto, o corrente estudo filia-se à posição kelseniana, pleiteando que tal declaração de inconstitucionalidade não interfere na validade normativa, mas tão apenas em sua eficácia.

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devesse ter cunhado o termo Dificuldade contrarrepresentativa, uma vez que o controle de

constitucionalidade concentrado lida com a amostragem política representativa, não a

diretamente populacional. Desta feita, para o autor, a dificuldade contramajoritária se revelaria

como a contrariedade do decidido pela corte em face do ansiado pela maioria populacional, numa

aparente relação de tensão democrática.

Da discussão exposta, Bassok (2012) expõe a adoção pela doutrina especializada do termo

dificuldades contramajoritárias, englobando tanto a versão tradicional – lançada por Bickel (1986)

– quanto a literal, levantada por Eule (1996 apud BASSOK, 2012).

Passando à concatenação do exposto, percebe-se que da metafísica kantiana até a discussão

racional intersubjetiva entre sujeitos de direito em Habermas (2004), os critérios de legitimidade

não só do direito, mas da atuação jurisdicional, revestem-se da aplicabilidade por darem azo à

obediência incontida em relação ao normativamente sentenciado. O questionamento sobre o que

efetivamente leva sujeitos livres a se sujeitarem à normas imperativas, à obediência incontida, traz

em seu bojo o apelo à racionalidade, tão logo não há outro plano explicativo lógico para tal

paradoxo.

O que se percebe, desta forma, é a adoção do próprio critério de racionalidade para a

definição dos instrumentos políticos e legitimadores debatidos. Há a hodierna noção de que se o

instituto discutido é racionalmente estipulado, não subsistem maiores dificuldades para a

implementação e continuidade do mesmo.

A teoria habermasiana merece destaque na análise do caractere legitimador democrático

pelo status de racionalidade conferido pelo filósofo alemão aos processos de diálogos e liberdades

intersubjetivas, que decorrem da interação em esferas públicas formais ou não. Costa (2003), ao

analisar o princípio democrático em Habermas, percebe a necessidade de fixação do Princípio do

Discurso – ou Princípio D, nos termos do próprio Habermas (2003b) – como mecanismo

inafastável do processo de conferência legitimadora do agir normativo e/ou institucional.

Em que pese o pensamento de Habermas buscar conferir legitimidade ao Direito como um

processo único, sua argumentação é plenamente aproveitável ao caso do imbróglio legitimador

das Cortes Constitucionais. A partir do momento em que Habermas (2003b) cinge como

legítimas normas de liberdade de ação – sendo função dos direitos intersubjetivos limitar, prima

facie, o campo de livre desenvolvimento da autonomia privada – em que todos os atingidos

assentiram enquanto participantes de discursos racionais, nada obstaculiza a aplicação analógica

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do exposto ao funcionamento institucional das Cortes referidas dentro deste processo racional de

estipulação do discurso (COSTA, 2003).

O próprio Habermas (2003a) cuida de estabelecer a necessidade de análise da legitimação

do direito pelo espectro que este emana dentro da eminência não apenas de sua aceitação

enquanto instituto democrático e soberano, mas também quanto ao seu merecimento. Para o

alemão, tal relação de busca por uma relação intersubjetiva em que suas decisões não sejam

apenas endereçadas e reconhecidas, mas também cumpridas, é o que formula tal pleito em torno

do aludido merecimento.

Para Costa (2003), ponto a ser destacado é a relação de complementação existente entre o

direito positivo e a moral dentro dos termos de Habermas. Para o filósofo, nenhuma lei poderá

ser legítima se não for cunhada dentro das permissões morais, sem que isso implique na relação

de subordinação dos elementos normativos aos dizeres morais, como supunha Kant.

Ordenamentos jurídicos modernos são constituídos fundamentalmente de direitos subjetivos. Esses direitos reservam para os sujeitos de direito espaços legais abertos para uma atuação que é orientada pelas respectivas preferências. Com isso desobrigam a pessoa, de uma forma claramente circunscrita, de mandamentos morais ou de prescrições de qualquer outro tipo. De qualquer modo, dentro dos limites estabelecidos pela lei, ninguém é juridicamente obrigado a justificar publicamente as suas ações. Com a introdução das liberdades subjetivas, o Direito moderno, à diferença de ordenamentos jurídicos tradicionais, promove a validade do princípio de Hobbes de que é permitido tudo o que não for explicitamente proibido. Com isso, Direito e Moral se dissociam. (HABERMAS, 2003a, p. 68).

Pinzani (2009) exemplifica o exposto no parágrafo alhures através da relação dos direitos

humanos36 e essa premissa de complementação legitimadora: muitos dos direitos expostos como

constitucionalmente basilares foram criações normativas sem prévio assentamento moral, sendo

que o Direito, nestes casos, lançou as bases para o aceite racional coletivo, não funcionando

como mero sintetizador de premissas éticas.

Muitos dos argumentos legitimadores da atuação institucional de uma Corte Constitucional,

dentro da teoria habermasiana, se aproximam ao critério de autoridade do referido Tribunal

36 O termo Direitos Humanos utilizados por Habermas é plenamente equiparável aos Direitos Fundamentais, como são conhecidos os primeiros dentro do âmbito interno de uma nação.

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graças à sua expertise, como aponta Bassok (2012).37 Exemplo disto é a delegação à Corte de um

agir moralmente pautado no conteúdo normativo, sendo que na atual sociedade econômica

estabelecida, o agir ético é neutro, mas a integração social ainda é necessária (COSTA, 2003).

A partir do instante, assim, em que cada indivíduo age pautado na sua liberdade de atuação

circunscrita no interior de direitos intersubjetivos, a questão seguinte passa a ser a necessidade de

conferir a todos os sujeitos a máxima liberalidade que é conferida individualmente, estipulando

Costa (2003, p. 42):

Neste horizonte, o princípio da democracia destina-se a amarrar um procedimento de

normatização legítima do Direito. Ele significa, portanto, que somente podem pretender ter

validade legítima leis jurídicas capazes de ter o assentimento de todos os parceiros de Direito em

um processo de normatização discursiva. O princípio da democracia contém, por conseguinte, o

sentido performativo intersubjetivo necessário da prática da autodeterminação legítima de

membros do Direito que se reconhecem como membros iguais e livres de uma associação

intersubjetiva estabelecida livremente.

Desta forma, a partir do estabelecimento da legitimidade através do discurso racional

pautado numa relação de complementaridade entre moral e direito positivo, o critério legitimador

desborda para um discurso aceito na esfera da autonomia privada, mas sempre conferindo

participação aos sujeitos de direito dentro da autonomia pública, de modo que também possam

eles alterar a argumentação racional empregada na criação de direitos (COSTA, 2003).38

Antes de se passar à análise especificada da racionalidade em Habermas (2003b), merece

destaque a estipulação de um espaço mínimo em que é impossibilitado qualquer

intervencionismo político e/ou estatal: os direitos humanos. O autor aponta tais direitos como

37 O critério da legitimidade das Cortes Constitucionais pela expertise demonstrada pelas mesmas é tópico extenso que já foi objeto de trabalho próprio pelo autor do corrente artigo. Inobstante, para os fins de compreensão a que se destina este estudo, cabe frisar que tal postulado de legitimação assenta-se na premissa d’O Federalista, em seu texto número 78, assinado por Alexander Hamilton. Desta forma, considerando que, nos ditames do próprio Hamilton, o Executivo tem a espada, e o Legislativo o dinheiro, resta ao Judiciário o contentamento com a própria tecnicalidade que desvela o verdadeiro sentido e substância constitucionais, estando as Cortes legitimadas pelo simples entendimento de que sua atuação pautada no conhecimento é inafastável premissa que sedimenta sua existência. 38 Os dois tipos de autonomia dentro da teoria habermasiana são magistralmente sintetizados por Costa (2003) na medida em que o âmbito privado de autonomia é tido como o espaço de livre desenvolvimento dentro da limitação dos direitos intersubjetivos – que funcionam, assim, como ultima ratio ao conviver social e desenvolver da personalidade – e o campo público é vislumbrado como as possibilidades de participação ativa no discurso racional através dos direitos políticos, cabendo a todos os sujeitos de direito voz na formulação de diálogos pautados na Teoria do Discurso, alterando, eventualmente, o campo de restrição dos direitos intersubjetivos.

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escudos mínimos diante de maiorias políticas eventuais, de modo que a própria defesa de tais

premissas humanitárias é instrumento de legitimação de qualquer instituição dentro do Estado.

Assim, o conceito de maioria deveria restringir-se apenas quando do fomento aos

instrumentos de participação política, sem qualquer forma de intervenção no plano individual de

conquistas pessoais, cabendo aqui a inserção dos direitos humanos como cláusula de barreira da

intervenção legiferante ou política (HABERMAS, 2003a).

O nexo interno que se buscava entre direitos humanos e soberania do povo consiste, pois,

em que os direitos humanos institucionalizam as condições de comunicação para formar a

vontade de maneira política e racional. Direitos que possibilitam o exercício da soberania do povo,

não podem, a partir de fora, ser impostos a essa prática como restrições. Essa reflexão, porém, só

é convincente, de forma imediata, para os direitos políticos fundamentais, portanto, para os

direitos à comunicação e à participação, mas não para os direitos clássicos à liberdade que

garantem a autonomia privada dos indivíduos. Esses direitos, que deveriam garantir a cada qual

chances iguais de conquista de seus projetos pessoais de vida e proteger de forma abrangente os

direitos fundamentais, parecem evidenciar um valor intrínseco – e não se esgotam, por exemplo,

no seu valor instrumental para a formação democrática de vontade. (HABERMAS, 2003a, p. 71).

O que merece ser levado em consideração é o próprio posicionamento de Bickel (1986)

quando da análise da estrutura dos referidos Tribunais para lidar com questões essencialmente

valorativas e reveladoras de um plano metafísico de realização pessoal. Em singular expressão, o

criador da terminologia objeto deste estudo reflete acerca do sentido substancial de democracia

esperado por operadores jurídicos: “O que queremos dizer com democracia, contudo, é muito

mais sofisticado e complexo do que a tomada de decisões num encontro na cidade através de

levantamento de mãos” (BICKEL, 1986, p. 17, tradução nossa).

É por não haver “[...] Direito sem a autonomia privada dos cidadãos” (HABERMAS, 2003,

p. 71) que os direitos humanos – ou fundamentais, dependendo da esfera de normatividade a que

se referem – funcionam como pressupostos imutáveis da formação da vontade pública, sendo

que nenhuma forma de decisão ou vontade majoritária tem o condão de mitigar o campo de livre

desenvolvimento da personalidade ou planos pessoais de cada indivíduo.39

39 Neste mesmo sentido é o entendimento expresso na secular Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, que aduz ipsis litteris em seu art. 4º: “A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram

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É verdade, por óbvio, que o processo de refletir a vontade de uma maioria populacional no legislativo é deflagrada por várias desigualdades de representação e por toda sorte de hábitos institucionais e características, as quais talvez tendam mais em favor da inércia. Ainda assim deve ser mantido em mente que os estatutos são produto do legislativo e do executivo agindo concomitantemente, e que o executivo mantém uma constituição muito diferente e tende a curar inequidades de sobre e sub-representação. [...] Um fator muito mais complexo [...] é a proliferação e poder do que Madison previu como ‘facção’, o que o Sr. Truman chama de ‘grupos’ e que nos ditames populares sempre foi chamado de ‘interesses’ ou ‘grupos de pressão’ (BICKEL, 1986, p. 18, tradução nossa).

Desta feita, tais grupos de interesses – que, dentro da seara habermasiana das esferas

públicas, tendem a aparecer tanto nas modalidades formais e informais – podem, ao buscar a

supremacia dos bens e interesses por eles defendidos, almejar a supressão do exercício de direitos

humanos inafastáveis de cada indivíduo, de modo que, assim, devem tais direitos serem vistos

como barreira última da intervenção política.

Conclui-se quanto à dificuldade contramajoritária que a mesma vincula-se com o ato

decisório que tem seu conteúdo destoante do texto legal ou dos anseios populacionais

majoritários, aparentemente acreditando-se que elas – a lei ou o índice numérico apurado da

opinião pública – expressam-se como a vontade da maioria, já que o formalismo legalista

supostamente normatiza leis que se referem a todos os cidadãos indistintamente, em respeito ao

princípio da isonomia.

Contudo, mediante uma análise da teoria do discurso em Habermas (2003b), e do modelo

jurídico descrito pelo autor alemão, entende-se que a esfera jurídica pode legitimar conteúdos

instrumentais da política, ou estratégicos do sistema: a racionalidade legítima desses discursos foi

artificialmente fomentada, com o foco em avultar sua real intenção, impedindo a influência de

discursos comunicativamente elaborados, oriundos da interação dos atores sociais na esfera

pública.

Como antídoto para essa poluição da jurisdição por interesses obscuros e estratégicos,

Habermas (2003b) concebe a racionalidade comunicativa que encontra seu lócus de existência na

‘situação ideal de fala’, isto é, na interação intersubjetivamente elaborada entre falantes: fato que

aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei”.

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ocorre no mundo da vida, na sociedade civil, em esferas públicas formais e informais e até

mesmo em situações virtuais. Dessas esferas discursivas são elaborados conteúdos, que por vezes

possuem potencial crítico e dialético. Assim, tais conteúdos tem que ser dotados de energia para

interferir e [des]construir a aparência da legitimidade formalmente elaborada.

Um sistema que supere as crises da contemporaneidade, que diametralmente se envolva

com o poder, com a política e com o capital, para Habermas (2003b), somente encontra

possibilidades de superar tal dinâmica quando este mesmo sistema escuta as vozes dos cidadãos

que podem ainda fazer o ‘uso de sua razão’, no sentido de emanar opiniões públicas, ou seja,

consensos.

Por isso, mesmo quando a decisão contramajoritária é aparentemente elaborada fora das

instâncias e limites do formalismo legalista, parecendo ser geradora de um desacordo com o que

consente a maioria, ela, em essência, quando livre do decisionismo subjetivo, ou dos interesses do

sistema, pode superar a aparência avultadora do direito. In fine, a essência da justiça para

Habermas (2003b) liga-se irremediavelmente aos discursos que emanam da racionalidade

comunicativa, sendo legítimo todo ato decisório que se deixar influenciar por tais premissas e

conteúdos discursivos.

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A SOCIEDADE CHINESA E O DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo

Rosa de Lourdes Aguilar Verástequi

Universidade Estadual de Londrina - UEL

[email protected]

Introdução:

Ao procurarmos no dicionário o conceito da palavra Educação encontramos: Ato ou efeito

de educar, processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano,

civilidade e polidez, refletimos então sobre todas as formas de desenvolvimentos que podemos

alcançar através da Educação, Paulo Freire (2013, p.50), nos diz que através de oportunidades e

estímulos passamos por processos de grandes mudanças no decorrer de nossas vidas.

De acordo com o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, Meta de

2015, apresentado pela UNESCO, a Educação é o ponto de partida para amenizar as diferenças

existentes no decorrer da vida.

Todas as pessoas – crianças, jovens e adultos- devem ter condições de usufruir das

oportunidades educacionais elaboradas para atender as suas necessidades básicas de

aprendizagem, que compreendem os instrumentos essenciais de aprendizagem-alfabetização,

expressão oral, operações com números e resolução de problemas- e o conteúdo básico de

aprendizagem, - conhecimentos, habilidades, valores e atitudes. Esses instrumentos são

necessários para que o ser humano seja capaz de sobreviver, desenvolver plenamente suas

capacidades, viver e trabalhar com dignidade [...] (UNESCO, Relatório de Monitoramento Global

EPT, 2008p. 14)

Nos dias atuais podemos dizer que todas as pessoas têm acesso a uma Educação de

qualidade? Levando em conta as condições precárias, movida pelas desigualdades sociais esse

acesso é possibilitado.

Ao compreendermos que uma Educação de qualidade muda a história de uma nação e que

há uma busca por essa tão esperada, educação de qualidade para todos, reconhecemos que ela se

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constitui através de um processo no qual as mudanças são necessárias e bem vindas sendo assim,

como exemplo analisamos a China que nos leva a compreender que pode haver qualidade

educacional, que proporcione desenvolvimento social, mesmo em lugares que exista alto índice

de pobreza.

O presente trabalho busca relatar algumas mudanças que ocorreram na cidade de Xangai na

China, onde a educação era privilégio das classes mais favorecidas e ao longo de um processo, se

propagou nos dias atuais para todas as classes, proporcionando uma educação pública de

qualidade independente da classe social, levando o país estar em primeiro lugar no mundo, nos

resultados do PISA, nas disciplinas de matemática, leitura e ciências.

Este trabalho busca contribuir, através de seus relatos, expor indicações e possibilidades

para uma Educação e Escola de qualidade.

O Objetivo Geral desta pesquisa é analisar as ações governamentais do governo chinês

para as políticas públicas educacionais visando melhorar a qualidade da educação e especificar as

medidas que proporcionaram desenvolvimento educacional nas escolas de Xangai, com o

objetivo de que elas possam ajudar, oferecendo um novo olhar para essas experiências com o

desejo de que de que em algum momento possam ser testadas em beneficio de mudanças para a

qualidade educacional brasileira.

Fundamentação

Neste Projeto, pretendo abordar a partir do documentário, “Destino e Educação:

diferentes países, diferentes respostas” (2011), exibido pelo canal Futura em parceria com o SESI,

a educação na cidade de Xangai, onde o mesmo apresenta a cidade, como tendo conquistado o 1°

lugar em desempenho na matéria de matemática, leitura e ciências, no mundo.

Segundo o documentário e o Ministério da Educação Chinesa, o número de crianças e

jovens que frequentam a escola, na Cidade de Xangai é: 99,9 % na idade de 06 a 14 anos e 97%

dos alunos estão entre 15 e 19 anos, sendo que grande parte dos estudantes que participam do

PISA, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes futuramente entrarão em uma

Universidade, pois o índice de adolescentes que chegam até a Universidade chega aos 80% dos

estudantes.

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A avaliação em larga escala é um instrumento significativo cujos resultados orientam

investimentos em políticas públicas a favor da qualidade educacional, segundo Penin (2009 p.23-

24)

A avaliação em âmbito externo oferece informações para que tanto os pais quanto a

sociedade, especialmente os sistemas de ensino, possam efetivar um relacionamento produtivo,

com a instituição escolar. Apurar os usos da avaliação, comparar resultados e comportamento de

entrada dos alunos em cada situação e contexto social e institucional é da maior importância para

não homogeneizar processos que são de fato diferentes.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP,

2011) o Pisa é um:

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes é uma iniciativa internacional de

avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o

término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.

Através dos resultados obtidos pelo (PISA) acontecem então discussões e levantamentos

de possíveis problemas que afetam a qualidade da educação no país.

Sobre as avaliações Vianna (1999, p.12), afirma que, “a avaliação visa à tomada de decisões,

para melhorar o que já existe, a fim de corrigir possíveis distorções”.

Para o INEP (2011) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira, as avaliações do Pisa acontecem a cada três anos e abrangem três áreas do

conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências – havendo, a cada edição do programa, maior

ênfase em cada uma dessas áreas.

Conforme o documentário, a cidade de Xangai é uma metrópole, a segunda maior cidade

da China que lidera o comércio Chinês, em 1968 a Educação era muito ruim, pois privilegiava a

elite e tinha como foco atender pessoas que viessem de outras cidades da China, sendo que nos

últimos anos o governo investiu em escolas mais pobres buscando dar a mesma oportunidade a

todos.

Nos dias atuais a Educação deve ser para todos, por isso é uma grande preocupação do

Governo os resultados do PISA, que visam à aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos não

apenas estatísticas para investir em políticas públicas.

Segundo Vasconcellos (1994, p.43),

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A avaliação é um processo abrangente da existência humana, que implica uma reflexão crítica sobre a prática no sentido de captar seus avanços suas dificuldades e possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para superar os obstáculos.

Sobre o tempo que os alunos ficam na escola ao assistirmos o documentário, percebemos

que a carga horária se comparadas com a do Brasil, é bem diferenciada, pois existem dias da

semana que os alunos estudam em período integral e outros em que as aulas vão das 07h30min às

14h00min horas, os alunos também estudam em casa em torno de duas a três horas por dia, e nos

finais de semana.

O reforço escolar é indicado para alguns alunos que apresentam dificuldades, recebem

aulas extras em casa, os pais procuram estar presentes em todo o processo que envolve escola e a

aprendizagem do aluno.

Sobre a relação existente entre escola e família Vygotski afirma:

A educação recebida, na escola, e na sociedade de um modo geral cumpre um papel primordial na constituição dos sujeitos, a atitude dos pais e suas práticas de criação e educação são aspectos que interferem no desenvolvimento individual e consequentemente o comportamento da criança na escola (1984 p.87).

Os alunos recebem o apoio de seus pais para fazerem outras atividades fora do contexto

escolar, como música, natação entre outros, desde que não atrapalhe os estudos.

Quanto aos professores, eles têm a carga horária muito bem organizada, pois seu horário

dentro da sala de aula é reduzido, restando-lhe bastante tempo para preparar aulas e estudar,

investindo em sua capacitação. As aulas são preparadas por grupos de professores que trabalham

a mesma disciplina, proporcionando então uma discussão sobre a melhor forma de se atingir a

aprendizagem no aluno, sendo que professores de escolas bem conceituadas ajudam as mais

fracas.

Sobre a importância social do trabalho dos professores em grupos, Giroux (1997, p. 29)

afirma: Portanto os professores enquanto intelectuais precisarão reconsiderar e possivelmente

transformar a natureza fundamental das condições que trabalham. Isto é, os professores devem

ser capazes de moldar os modos nos quais o tempo, o espaço, atividade e conhecimento

organizam o cotidiano nas escolas. Mais especificamente, a fim de atuarem como intelectuais, os

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professores devem criar a ideologia e condições estruturais necessárias para escreverem,

pesquisarem e trabalharem uns com os outros na produção de currículo e repartição do poder.

Após o ano 2000, o governo deu maior importância à profissão de professor, sendo o

professor mais valorizado, sua profissão bem conceituada e sua remuneração e benefícios

também, o que permite que o professor se sinta valorizado.

As escolas apresentam adequada estrutura física, recursos tecnológicos, material didático

apropriado, os quais são proporcionados pelo Governo, buscando dar direitos iguais de acessos a

toda à população.

No quadro abaixo o autor Gustavo Ioschpe (2011), publica na “Revista Veja” as medidas

educacionais utilizadas na China a fim de proporcionar uma reflexão sobre as possibilidades de se

utilizar como um projeto piloto no Brasil.

-Grupos de estudos para professores de todos os níveis de educação, os quais tivessem

oportunidade de preparar aulas e compartilhar suas experiências;

-Professor líder por turma com contato com as famílias dos alunos, proporcionando uma

relação direta entre a família e a escola;

-As piores escolas reveladas através de índices de avaliação em larga escala teriam o apoio

das partes administrativa das melhores escolas;

-Dever de casa com objetivos definidos de beneficiar a aprendizagem do aluno e não

imposto como uma punição, nos quais os alunos e as famílias participassem juntos desse

momento;

-Aumento de funcionários dentro das salas de aula, proporcionando uma relação mais

profunda entre o aluno e o professor;

-Benefícios individuais para os professores comprometidos;

-Treinamento administrativo para professores que virão a tornarem-se diretores;

-Criação de espaços on-line para profissionais da educação se interagir com outros

profissionais de educação;

Essas medidas fazem parte de um processo de mudanças que visaram proporcionar uma

Educação de qualidade para toda a população, levando a conquista do primeiro lugar no PISA, e

os resultados foram se estabelecendo em longo prazo hoje a educação contempla todos de forma

a se igualar o acesso e a qualidade sem fazer distinção das pessoas, pelas suas condições

financeiras.

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De acordo com Depresbiteris (2001 p.140): Avaliar um sistema educativo repousa na idéia

de que uma escola é muito mais do que simples junção de classes. A escola existe em certo

contexto e é fundamental que esteja analisado, uma vez que se constitui em fator determinante

para a qualidade de ensino. O sucesso deste processo se deu através da implementação de

políticas públicas que geraram investimento na Educação, na modernização, pesquisas,

treinamento dos professores e também pelo fato de que os pais também assumiram seus papéis

frente à Educação de seus filhos.

Segundo, o Conae Conferencia Nacional de Educação (2010, p.27): A educação com

qualidade social, e a democratização da gestão implicam a garantia do direito à educação para

todos, por meio de políticas públicas, materializadas em programas e ações articuladas, com

acompanhamento e avaliação da sociedade, tendo em vista a melhoria dos processos de

organização e gestão dos sistemas, e das instituições educativas.

Este trabalho partiu de fatos reais que demonstram que o país que fortalece a Educação

acaba consequentemente tendo sucessos em outros segmentos, como a economia a saúde etc.,

seu contexto demonstrou que as relações entre a Cultura e o desenvolvimento são indissociáveis.

Metodologia

Este trabalho esta embasado no Documentário, Destino e Educação: diferentes países,

diferentes respostas (2011), exibido pelo canal Futura em parceria com o SESI, sendo utilizada a

pesquisa bibliográfica a cerca de textos sobre: a Educação, Avaliação, Órgãos Governamentais,

etc.

Segundo Marconi e Lakatos (2008, p.43)

A pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias, é a que especificamente interessa a este

trabalho, trata-se de levantamentos de algumas das bibliografias mais estudadas em forma de

livros e revistas, publicações avulsas, sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto

com o que já foi escrito sobre determinado assunto [...]

Referências Bibliográficas:

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A PRIORIDADE DO TEMPO EM RELAÇÃO AO ESPAÇO NO PENSAMENTO DE

BERGSON

Eleandro Lopes Depieri

Maria Constança Peres Pissarra

Mestrando Diversitas- FFLCH/USP

[email protected]

RESUMO: A partir dos conceitos de intuição e duração, pretende-se analisar e compreender o

problema da relação tempo/espaço na filosofia bergsoniana. A intuição, para Bergson, é o

método pelo qual se pode atingir um conhecimento total da realidade. Ao contrário do método

da ciência moderna, a intuição, estabelece que a realidade deva ser pensada a partir do tempo e

não do espaço. Com base no conceito de intuição, o presente trabalho pretende compreender a

inversão conceitual e metodológica que Bergson promove ao considerar o tempo como

prioridade em relação ao espaço e, a partir dessa análise, resgatar a importância do pensamento

bergsoniano, recolocando-o como elemento central para a compreensão do pensamento

contemporâneo.

Palavras-chave: Tempo; espaço; duração; intuição; método

Introdução

Procurando resgatar a importância de Bergson para a História da Filosofia, propomo-nos

adentrar especificamente em dois conceitos importantes da filosofia desse autor que nos ajudarão

a entender a relação tempo e espaço. A partir dos conceitos de intuição e duração, resgataremos

perspectivas e ideias bergsonianas que, direta ou indiretamente, fazem parte da reflexão da

Filosofia Contemporânea e que, por sua vez, nos ajudarão a entender a inversão conceitual e

metodológica que Bergson realiza em sua obra.

Segundo Deleuze, “um grande filósofo é aquele que cria novos conceitos” (1999, p. 125).

Nesse sentido, é indiscutível que Bergson é um grande filósofo, pois o seu nome sempre estará

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ligado aos conceitos de intuição, memória, impulso vital e duração. São conceitos que fazem

parte da construção da Filosofia Contemporânea e que nos remetem a uma reflexão ampla e

profunda sobre a relação do tempo e espaço. A proposta bergsoniana é complexa, mesclando

crítica com construção teórica, Bergson, procura superar as perspectivas e teorias acerca da

realidade e do conhecimento construídas historicamente. Nesse sentido, a sua proposta se

apresenta concomitantemente como crítica e como teoria. Dessa forma, para não cometermos

equívocos e injustiças com esse autor de extrema importância para a História da Filosofia e

visando alcançar o objetivo proposto, analisaremos a seguir os conceitos de intuição e duração

como fundamentais para a compreensão da relação tempo/espaço na filosofia do pensador em

estudo.

A relação tempo e espaço na construção metodológica de Bergson

Para Bergson, há duas maneiras de conhecimento. Uma que se coloca do lado de fora do

objeto, observando a partir de um ponto de vista a realidade externa que se apresenta à

percepção. A outra, por outro lado, procura penetrar no objeto do conhecimento, misturando

sujeito e objeto numa mesma realidade de conhecimento. Nesse sentido, a primeira forma de

conhecimento, prendendo-se apenas a um ponto de vista, constrói apenas uma ideia parcial do

objeto. A outra forma, contudo, não se detém a um ponto de vista e nem está presa a nenhum

símbolo. A primeira forma de conhecimento é relativa e a segunda absoluta (BERGSON, 2006,

p. 184).

A Ciência Moderna sustenta-se e sustentou-se a partir apenas da primeira forma de

conhecimento, haja vista que o conhecimento do objeto na perspectiva dessa ciência se dá a

partir de um ponto de vista. Nesse sentido, para Bergson, essa ciência é responsável por construir

um conhecimento parcial e fragmentado da realidade (BERGSON, 2006, p. 24). Além disso, ela

está ligada historicamente às especulações metafísicas clássicas que foram as responsáveis pela

construção da dicotomia da realidade, ou seja, pela construção de uma divisão ou barreira entre o

que é real e o que possivelmente se apresenta como não sendo real. Essa construção dicotômica

tem o seu início principalmente na filosofia Eleática, passando pelo dualismo platônico até chegar

à Modernidade, com o ofuscamento total da metafísica pela ciência.

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Bergson não é totalmente pessimista em relação à ciência e à metafísica. Para ele, o

problema está justamente no fato de que ambas possuem o mesmo objetivo, mas se prendem a

caminhos totalmente diferentes. A metafísica buscando o ser dos objetos como se esse ser fosse

uma realidade fora do objeto, e a ciência, por outro lado, buscando o conhecimento do objeto a

partir de uma perspectiva parcial. Ambas, a partir dessa dicotomia, tornam-se formas relativas do

conhecimento na medida em que se prendem apenas a pontos de vistas diferentes. Contudo,

existe uma forma de superarmos essa dicotomia e essa consequente fragmentação da realidade

que consiste na adesão de um novo método de conhecimento que, em tese, procura superar as

parcialidades da metafísica e da ciência. Esse método é o que Bergson chama de intuição. “A

intuição, não é um sentimento nem uma inspiração, uma simpatia confusa, mas um método

elaborado, e mesmo um dos mais elaborados métodos da filosofia” (DELEUZE, 1999, p. 07). E

é por meio da intuição que podemos encontrar o conhecimento absoluto da realidade.

Segue-se daí que um absoluto só poderia ser dado numa intuição, ao passo que todo o

resto é da alçada da análise. Chamamos aqui de intuição a simpatia pela qual nos transportamos

para o interior de um objeto para coincidir com aquilo que ele tem de único e, por conseguinte,

de inexprimível (2006, p. 187).

Esse novo método de Bergson consiste justamente numa tentativa de unificar crítica

metafísica e ciência moderna, ou seja, o conhecimento do ser do objeto e o conhecimento

adquirido por meio da experiência (PINTO, 2007, p. 29). E, ainda, é importante ressaltar que o

método na perspectiva bergsoniana não é uma entidade que existe antes e se impõe à

investigação, ao contrário, ele se constitui como parte do sistema de investigação (PRADO Jr,

1988, p. 27). E essa novidade justifica as aparentes contradições do pensamento bergsoniano,

pois, por uma questão metodológica, nada impede ao filósofo tomar caminhos que mais tarde

serão ignorados ou combatidos, haja vista que tomar esses caminhos não é assumir posturas ou

verdades, mas caminhar e construir um processo de investigação que tem em vista a

compreensão total da realidade. Contudo, não se trata de um método que pressupõe um

caminhar, ao contrário, esse caminhar que, pressupõe-se idas e vindas, está pautado por um

método rigoroso com “regras estritas que constituem o que Bergson chama de precisão em

filosofia” (DELEUZE, 1999, p. 07). A respeito da precisão da intuição como método, Bergson

afirma:

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O que fez perder de vista esse alvo e pôde enganar a própria ciência acerca da origem de

certos procedimentos que ela emprega é o fato de que a intuição, uma vez conquistada, precisa

encontrar um modo de expressão e de aplicação que esteja em conformidade com os hábitos de

nosso pensamento e que nos forneça, através de conceitos bem definidos, os pontos de apoio

firmes de que temos tão grande necessidade. Aí está a condição daquilo que chamamos rigor,

precisão, e também extensão indefinida de um método geral a casos particulares (2006, p. 223).

Buscando o rigor metodológico, Bergson distingue três comportamentos que também são

as três regras principais de seu método. Para melhor entendermos e compreendermos a proposta

bergsoniana, faremos uma análise desses três comportamentos que também são as três principais

regras da intuição como método.

Podemos resumir a primeira regra do método bergsoniano da seguinte forma: “Aplicar a

prova do verdadeiro e do falso aos próprios problemas, reconciliar verdade e criação no nível dos

problemas” (DELEUZE, 1999, p. 8). Em outras palavras, a primeira regra consiste na construção

de verdadeiros problemas. Parece simples, mas olhando de perto e assumindo uma postura crítica

percebemos que a intenção de Bergson com essa primeira regra vai além da simples construção

de problemas. Ao propor essa regra ele apresenta uma crítica à ciência e à metafísica clássicas

que, segundo ele, prenderam-se aos falsos problemas e, a partir dessa crítica, ele propõe que o

caminho para se chegar a um conhecimento amplo da realidade passa pela postura de saber e

poder elaborar verdadeiros problemas. Essa primeira regra nos impõe uma regra complementar:

“Os falsos problemas são de dois tipos: problemas inexistentes porque seus próprios termos

implicam uma confusão entre o mais e o menos; problemas mal colocados, que se assim se

definem porque seus termos representam mistos mal analisados” (DELEUZE, 1999, p. 10). E é

essa regra complementar que nos leva à segunda regra na medida em que os falsos problemas

tomam-se o mais pelo menos.

Nesse sentido, podemos resumir a segunda regra da seguinte forma: “lutar contra a ilusão,

reencontrar as verdadeiras diferenças de natureza ou as articulações do real” (DELEUZE, 1999,

p. 14). É essa confusão entre as diferenças de grau e as diferenças de natureza que nos leva, por

exemplo, à ilusão da precedência do possível em relação ao real, ou como o professor Bento

Prado afirma, da ilusão do Nada como precedente ao real. O Nada como um conceito primitivo

em relação a algo (1989, p. 44). E é a partir da análise dessa regra que nos aproximamos mais

especificamente ao problema da relação do tempo e do espaço, pois a confusão entre as

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diferenças de grau ou de natureza está centrada no que se entende e no que se compreende dessa

relação. Normalmente, atribuímos diferença de natureza onde há diferença de grau. As

diferenças de graus são mais comuns e as diferenças de natureza são mais raras, isso porque as

diferenças de graus estão ligadas ao espaço e as diferenças de natureza ao tempo.

A análise dessa regra nos remete à terceira regra que podemos resumir da seguinte forma:

“colocar os problemas e resolvê-los mais em função do tempo do que do espaço” (DELEUZE,

1999, p. 22). E é essa regra que nos coloca no cerne do problema que propomos analisar, pois,

segundo ela, a realidade deve ser pensada em função do tempo e não do espaço e, por isso, ela

nos leva à análise de outro conceito importante da filosofia bergsoniana, que é o conceito de

duração.

Para Bergson, a intuição pressupõe a duração no sentido de que a intuição consiste em

pensar em termos de duração (DELEUZE, 1999, p. 22). Ao se afirmar que a intuição pressupõe

ou supõe a duração não se quer dizer que ambas são as mesmas coisas, ao contrário, pretende-se

dizer que a intuição está intrinsecamente subordinada à duração na medida em que a realidade

deve ser pensada a partir do tempo e não do espaço. Além disso, dizer que intuição supõe

duração é dizer que a intuição é a forma que nós temos para sairmos de nossa duração e irmos ao

encontro de outras durações, ou seja, a intuição é o caminho que nós temos para tomarmos

consciência da multiplicidade de durações. Nessa perspectiva Deleuze afirma:

A intuição não é a própria duração. A intuição é sobretudo o movimento pelo qual saímos de nossa própria duração, o movimento pelo qual nós nos servimos de nossa própria duração para afirmar e reconhecer imediatamente a existências de outras durações acima ou abaixo de nós (1999, p. 23).

A intuição é o único método capaz de nos levar ao conhecimento da realidade de forma

total. Isso porque ela está subordinada à duração. Conhecer a realidade de forma total não é

tarefa fácil até porque essa realidade está constantemente em construção (BERGSON, 2005, p.

295). A realidade está constantemente fazendo-se e refazendo-se, nunca está totalmente acabada.

Nesse sentido, a vida é constante movimento e transformação, ela está constantemente a se fazer,

nunca está totalmente acabada, assim, o impulso vital se revela como o pressuposto da constante

construção e reconstrução da realidade que por si é movente. O impulso vital “trata-se sempre de

uma virtualidade em vias de atualizar-se, de uma simplicidade, em vias de diferenciar-se, de uma

totalidade em vias de dividir-se” (DELEUZE, 1999, p. 75). Portanto, o impulso vital “será a

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própria duração à medida que se atualiza, à medida que se diferencia. O impulso vital é a

diferença à medida que ela passa ao ato” (DELEUZE, 1999, p. 133). Em outras palavras, o

impulso vital é a potência móbil da realidade.

Partindo do pressuposto da evolução, Bergson, utiliza o conceito de duração como forma

de penetrarmos nessa realidade constantemente em processo de construção. Uma definição

perfeita da realidade é impossível, haja vista que uma definição perfeita de algo só é possível se

esse algo estiver totalmente já feito, e não é o caso da realidade, pois esta está em construção

permanente (BERGSON, 2005, p. 14). Diante disso, como é possível pensar numa visão total da

realidade sendo que esta está em constante construção? Para respondermos a essa questão é

importante compreendermos melhor o sentido de duração. Para Bergson, tudo possui uma

duração. A duração mais do que um tempo de existência ou tempo qualquer mensurável, significa

invenção, criação constante, elaboração do absolutamente novo. A duração, portanto, é mudança

(BERGSON, 2005, p. 12). Indo além, podemos afirmar, de forma comedida, que duração na

proposta bergsoniana coincide com o termo movimento, ou ainda, a forma de percepção do

movimento. A realidade é movimento constante, a duração é a forma ou percepção do

conhecimento dessa realidade móbil. É a partir do conceito de duração como movimento que

podemos entender mais especificamente a crítica que Bergson faz à ciência moderna. Para ele,

essa ciência é moderna porque compreendeu a mobilidade como uma realidade independente

(BERGSON, 2006, p. 225). Contudo, ela continuou no equívoco dos antigos de pensar o móbil a

partir do imóvel. A ciência moderna busca conhecer a mobilidade a partir da imobilidade. Em

outras palavras, podemos dizer, que a ciência moderna pensa o tempo a partir do espaço. E,

nesse sentido, o tempo se torna relativo na medida em que se relaciona com as diferentes

perspectivas de espaço. Bergson critica essa perspectiva porque, para ele, devemos pensar o

tempo partir do próprio tempo, não é o tempo que se subordina ao espaço, ao contrário, é o

espaço que está subordinado ao tempo. Os cientistas modernos necessitam estabelecer um ponto

fixo, que é o espaço, para pensar a mudança e é, por isso, que, segundo o pensador em estudo, os

modernos teimam em permanecer na vertigem da realidade.

Raciocinamos sobre o movimento como se este fosse feito de imobilidade e, quando o

olhamos, é com imobilidades que o reconstituímos. O movimento para nós é uma posição,

depois uma nova posição, e assim por diante, indefinidamente (...) Temos instintivamente medo

das dificuldades que seriam suscitadas para nosso pensamento pela visão do movimento naquilo

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que este tem de movente estamos certos, a partir do momento em que o movimento foi

carregado por nós de imobilidades. Se o movimento não for tudo, não será nada; e, se de início,

pusemos que a imobilidade pode ser uma realidade, o movimento escorregará entre nossos dedos

quando acreditarmos tê-lo pego (BERGSON, 2006, p. 167).

Dessa forma, posicionando-se contrariamente à postura da ciência moderna que pretende

conhecer a realidade movente a partir da imobilidade, Bergson, apresenta a sua proposta

metodológica que se baseia na intuição e que, por sua vez, considera o tempo como prioridade

em relação ao espaço.

Conclusão

A partir da ideia de duração entendida como mudança e construção do novo, podemos

entender que o pensar em duração é uma ação de construção do objeto para e na consciência.

Pensar em duração é interagir com o objeto do conhecimento, construindo a si mesmo e,

também construindo o objeto que se deseja conhecer. Assim, a busca pelo conhecimento passa

da epistemologia para a ontologia e dessa para um possível existencialismo, pois, na medida em

que busca o conhecimento do objeto, sujeito e objeto do conhecimento passam por um processo

de construção. Dessa forma, a duração pode ser considerada a forma de nos fazermos e de

construirmos o conhecimento da realidade. Nesse sentido, fica mais clara a ideia de que o método

em Bergson, não antecede à investigação, ao contrário, ele é feito e construído ao mesmo tempo

em que investiga, e tudo isso é possível a partir da ideia de duração que nos possibilita entrar e

participar de um processo constante de construção e elaboração da realidade e de nós mesmos.

O pensar em duração participa interiormente da geração do objeto, operando uma

superação da própria condição humana (que na sua finidade é separação e exterioridade em

relação ao Ser). Mais do que um pensar o objeto, este ato identifica-se de alguma maneira, com o

próprio ato que cria o objeto. Pensar em duração é identificar-se com a temporalidade do próprio

surgimento do objeto enquanto objeto (PRADO Jr, 1988, p. 37).

O conceito de duração apresentado por Bergson, foi a forma que ele encontrou de propor

um conhecimento de uma realidade que sempre está a se fazer. Mas a duração, que é percepção

temporal do objeto ou da realidade a ser conhecida, propõe algumas questões que nos levam a

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outras reflexões importantes da filosofia do autor em estudo. A duração, como percepção do

objeto, proporciona a construção de uma ideia ou conceito da realidade, mas até que ponto esse

conceito e essa ideia representam realmente a realidade em si? Qual a relação entre duração,

percepção e memória? A duração percebida é um elemento psicológico? Qual a relação entre

memória e matéria? São questões que transcendem o objetivo do presente trabalho, mas para

responde-las, inevitavelmente, é necessário fortalecer a perspectiva de que, de fato, para

construirmos o conhecimento da realidade, devemos necessariamente adotar a intuição como

método, pois ela é a única que pressupõe duração e, portanto, não subordina o tempo ao espaço,

ao contrário, a partir da perspectiva temporal, procura-se compreender a realidade movente que

está constante e permanentemente em construção.

Referências bibliográficas

BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

_________. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: 34, 1999.

PINTO, Debora Morato. Crítica do negativo e ontologia da Presença: a interpretação de Bergson

segundo Bento Prado Júnior. O que nos faz pensar? n. 22, p. 23- 48, nov. 2007.

PRADO Jr, Bento. Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na Filosofia de

Bergson. São Paulo: Edusp, 1989.

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LIBERDADE NO PENSAMENTO POLÍTICO DE THOMAS HOBBES

Elizandra Bruno Sosa

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados - PET, Filosofia

[email protected]

RESUMO: No presente trabalho pretendo apresentar o conceito de liberdade segundo Thomas

Hobbes, presente na obra Leviatã. O livro é considerado uma obra-prima do pensamento político

inglês e contribuiu para o caráter da política moderna. Veremos que a liberdade é ausência de

imposição, ela se dá em relação às coisas. Em sua concepção de liberdade, Hobbes difere das

tradicionais concepções. Ser livre não significa possibilidades, na idealização da liberdade, ou

vontade livre, mas a ausência de impedimentos. Mas de qual sentido de liberdade falaremos?

Hobbes fala da liberdade no Estado, o qual é constituído pelo súdito,-visando sua paz e

segurança-. O pensador é constantemente acusado de ter formulado uma filosofia política na qual

o Estado é um exterminador da liberdade dos indivíduos. Seguiremos como roteiro o capítulo

XXI - Da liberdade dos súditos.

Palavras-chave: Liberdade; súditos; estado.

Em um Estado natural a convivência humana é quase impossível, visto que os indivíduos

tendem naturalmente a guerra de todos contra todos, os homens para saírem do caótico Estado

de natureza, firmam um pacto de forma voluntária para que se garanta a paz e a segurança, dando

origem ao Estado civil. Mas a vida em sociedade implica em abdicar da liberdade que se possui,

sujeito a regras, leis (feitas com a finalidade de proteger a sua própria vida). O Estado de Guerra

não é um estado de conflito empiricamente conhecido, mas um estado de conflito possível, os

indivíduos utilizam de ações violentas para a solução de suas contendas.

No Estado em que o poder é absoluto, questionamos que papel caberá à liberdade? O que

justifica a ação de homens livres ao abdicarem de sua plena liberdade com objetivo de se

pactuarem leis e regras? E como a partir disso denominaremos a liberdade que resta aos

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indivíduos? O que significa ser um homem livre no interior de uma sociedade civil? Inicialmente,

podemos dizer que ser livre em um Estado é estar desimpedido de exercer suas capacidades na

busca dos fins desejados.

Hobbes apresenta a liberdade como ausência de todos os impedimentos para a ação que

não está contida como qualidade na natureza do agente, sendo assim:

Liberdade significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendo por oposição os

impedimentos externos do movimento); e não se aplica menos às criaturas irracionais e

inanimadas do que às racionais. Porque de tudo o que estiver amarrado ou envolvido de modo a

não poder mover-se senão dentro de um certo espaço, sendo esse espaço determinado pela

oposição de algum corpo externo, dizemos que não tem liberdade de ir mais além. E o mesmo se

passa com todas as criaturas vivas, quando se encontram presas ou limitadas por paredes ou

cadeias; e também das águas, quando são contidas por diques ou canais, e se assim não fosse se

espalhariam por um espaço maior , costumamos dizer que têm a liberdade de se mover da

maneira que fariam se não fossem esses impedimentos externos. Mas quando o que impede o

movimento faz parte da constituição da própria coisa não costumamos dizer que ela não tem

liberdade, mas que lhe falta o poder de se mover; como quando uma pedra está parada, ou um

homem se encontra amarrado ao leito pela doença (HOBBES, 1979, p.129).

Nessa analogia colocada por Hobbes, onde temos a ação humana com o movimento

natural das águas em um rio, o autor nos revela que o Estado, tal como as margens, não criam

obstáculos em relação ao movimento natural dos homens na obtenção do que é melhor para si, é,

senão, o que orienta para seu melhor fluir. Deste modo a concepção geral de liberdade se aplica a

tudo o que existe, o que não deve ser confundido é a falta de liberdade com a falta do poder de se

mover, tomamos o exemplo de uma pedra que está parada, visto que quando o que impede o

movimento faz parte da coisa, não dizemos que ela não tem liberdade.

Entendemos por homem livre “aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho

é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer.’’ (HOBBES, 1979, p.129).

Mas quando aplicamos as palavras livre e liberdade a coisas que não sejam corpos, ocorre um

abuso da linguagem, cito Hobbes:

Porque o que não se encontra sujeito ao movimento não se encontra sujeito a impedimentos. Portanto, quando se diz, por exemplo, que o caminho está livre, não se está indicando qualquer liberdade do caminho, e sim daqueles que por

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ele caminham sem parar. E quando dizemos que uma doação é livre, não se está indicando qualquer liberdade da doação, e sim do doador, que não é obrigado a fazê-la por qualquer lei ou pacto. Assim, quando falamos livremente, não se trata da liberdade da voz, ou da pronúncia, e sim do homem ao qual nenhuma lei obrigou a falar de maneira diferente da que usou (HOBBES, 1979, p.129).

Um alerta é feito para o uso da expressão livre arbítrio, nela não é possível alcançar liberdade

na vontade, do desejo ou da inclinação, apenas a liberdade do homem, que consiste no fato de ele

não se deparar com obstáculos ao fazer aquilo que tem vontade, desejo ou inclinação de fazer. A

questão do livre arbítrio é um dos problemas que Hobbes tentará resolver, no qual encontramos

a dificuldade em compatibilizar as concepções de liberdade e deliberação e a ideia de que tudo é

causalmente determinado.

Outro elemento sobre a liberdade é sua compatibilidade com o medo, pois todos os atos

praticados pelos homens no Estado, por medo da lei, são ações que seus autores têm liberdade de

não praticar. Quando alguém age por medo dizemos que agiu em conformidade com a sua

vontade, segundo o que lhe pareceu melhor durante seu processo de deliberação. Por exemplo:

Como quando alguém atira seus bens ao mar com medo de fazer afundar seu barco, e

apesar disso o faz por vontade própria, podendo recusar fazê-lo se quiser, tratando-se portanto

da ação de alguém que é livre. Assim também às vezes só se pagam as dívidas com medo de ser

preso, o que, como ninguém impede a abstenção do ato, constitui o ato de uma pessoa em

liberdade (HOBBES, 1979, p.130).

A liberdade e a necessidade também são compatíveis, pois as ações que os homens

voluntariamente praticam -que derivam de sua vontade- derivam da liberdade. Os atos da

vontade de todo homem, todo desejo e inclinação derivam de alguma causa, e essa de uma outra

causa -em uma espécie de cadeia contínua, onde Deus é a primeira de todas as causas-. Mas

derivam também da necessidade, de forma que “Para quem pudesse ver a conexão dessas causas

a necessidade de todas as ações voluntarias do homem pareceria manifesta”. (HOBBES, 1979,

p.130)

Deus que vê e dispõe de todas as coisas, vê que a liberdade que o homem tem de fazer o que

quer é acompanhada pela necessidade de fazer aquilo que Deus quer. Os homens podem fazer

muitas coisas que Deus não ordenou e, portanto, não é autor (Deus não é autor das ações dos

homens), entretanto não é possível ter paixão ou apetite por nada cujo apetite a vontade de Deus

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não seja causa (Deus é a causa primeira). Se a vontade de Deus não garantisse a necessidade da

vontade do homem, a liberdade dos homens seria uma contradição e um impedimento à

onipotência e liberdade de Deus.

A concepção geral de liberdade é aplicada a tudo o que existe; na filosofia política temos a

definição de liberdade natural e liberdade civil. A liberdade natural para Hobbes é a única

propriamente chamada liberdade. Mas como se justifica que os homens abdiquem de sua liberdade

natural e se direcionem a um pacto que os levem a um Estado? Para maior compreensão cito

Hobbes:

Mas tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através disso sua própria conservação, criaram um homem artificial, ao qual chamamos Estado, assim também criaram cadeias artificiais, chamadas leis civis, as quais eles mesmos, mediante pactos mútuos, prenderam numa das pontas à boca daquele homem ou assembleia a quem confiaram o poder do soberano, e na outra ponta a seus próprios ouvidos. Embora esses laços por sua própria natureza sejam fracos, é no entanto possível mantê-los, devido ao perigo, se não pela dificuldade de rompê-los (HOBBES, 1979, p.130).

Podemos pensar que é uma enorme vantagem possuir plena liberdade mas, em um Estado

em que todo homem seja dotado de liberdade para fazer aquilo que desejar, não devemos

esquecer que o outrem também pode. Em tal situação o medo e a insegurança toma conta dos

homens, a consequência de plena liberdade para todos é de uma guerra generalizada, uma

condição que, segundo Hobbes, “o homem é o lobo do homem”.

É sabido que em nenhum Estado do mundo foram estabelecidas regras suficientes para

regular todas as ações e palavras dos homens, pois é impossível. Em situações em que as ações

não são previstas pelas leis, os homens têm liberdade de fazer o que a razão de cada um sugerir,

como mais favorável para si, e nesse sentido há uma liberdade dos súditos, essa liberdade resulta

da ausência da repressão. A liberdade dos súditos está:

[...] apenas naquelas coisas que, ao regular suas ações, o soberano permitiu: como a liberdade de comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada um escolher sua residência, sua alimentação, sua profissão, e instruir seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes [...] (HOBBES, 1979, p.131)

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Se a liberdade em seu sentido próprio é a liberdade corpórea, é absurdo que homens que

não se encontrem presos em cadeias ou prisões, exijam uma liberdade que manifestantemente

desfrutem. Homem livre entende-se por aquele que não encontra impedimentos para sua ação,

ou seja, realiza sua vontade sem qualquer impedimento interno ou externo.

Por que transferimos direitos no momento em que criamos um Estado? Qual a liberdade

que a nós negamos? A liberdade e obrigação do súdito deve derivar da função do Soberano: a paz

dos súditos entre si, e sua defesa contra um inimigo comum.

Há direitos que não podem ser transferidos por um pacto, como o direito de defender seu

próprio corpo. Haverá casos em que o súdito tem a liberdade de desobedecer, quando, por

exemplo, lhe é ordenado que se prive de alimentos, ou qualquer outra coisa, sem a qual não

poderá viver, ninguém pode ser obrigado por um pacto a recusar-se a si próprio.

A liberdade no Estado é um contexto de respeito à lei e manutenção dos direitos

individuais; serve como modelo de liberdade individual: a liberdade de um cidadão termina onde começa

a do outro. Cito Júlio Bernardes: “O Estado hobbesiano como um estado de liberdade, de

possibilidade efetiva do exercício dos direitos individuais, mediado por certas obrigações

referentes ao respeito às leis.” (BERNARDES, 2002, p.51)

O Estado de Natureza é caracterizado como um estado de plena liberdade, onde cada

indivíduo é juiz de suas ações, esta liberdade é deixada aos súditos através das leis civis,

objetivada pelo Soberano em favor e manutenção da vida.

O mecanicismo materialista fundamenta a concepção de liberdade – influência da física de

Galileu- na filosofia política de Thomas Hobbes, e para melhor compreensão do tema é

necessário se familiarizar com a ideia de força; ela pode ser compreendida nos seguintes sentidos

abaixo: compreendida como movimento que age como forças nos corpos, mas sem esses

pertencer. O movimento enquanto alteração espacial de um determinado corpo material; em

sentido restrito o movimento causa apenas mudança na posição dos objetos e não há alteração

das propriedades do objeto segundo a concepção dos Aristotélicos. Um corpo não se movimenta

ou deixa de se movimentar por si mesmo, isso ocorre apenas quando recebe influências de forças

externas que nele são impressas. Consiste aqui o principio da inércia: Todo corpo permanece em seu

estado de repouso, ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu estado por

forças impressas nele postulado por Newton, popularmente conhecido como a Primeira Lei de Newton.

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A ideia de liberdade em Hobbes é compreendida na medida em que os corpos são livres

quando conseguem manter seu estado de movimento, cito Júlio Bernardes:

A liberdade é definida por Hobbes como ausência de obstáculos ao estado cinético em que um corpo se encontra. De acordo com esta definição de liberdade, a tarefa fundamental do Estado é garantir condições para a manutenção do livre exercício deste estado cinético interno por cada um dos seus súditos. O ordenamento da ação, através da restrição do seu campo de possibilidades, é requerido como meio para a correção de uma perversão originada pela liberdade absoluta de ação no estado de natureza. Qual perversão? Que o princípio ( a manutenção da vida) que legitimava o estado de plena liberdade da ação passa a ser ameaçado quando do exercício do mesmo. Ou seja, a liberdade plena da ação ou de movimento externo se constituía uma ameaça ao movimento vital (BERNARDES, 2002, p.54)

Concluímos que o Estado deve por meio de um conjunto de leis, visar ao bem comum,

como promotor da paz. O Estado hobbesiano é um artifício humano que possibilita o

desenvolvimento dos homens (artes, ciências, trabalho, comercio, etc). No Estado, os súditos

possuem um estado de liberdade parcial enquanto um conjunto de ações se encontram impedidas

ou constrangidas enquanto outras não. O Estado proíbe certas ações para orientar os homens na

busca do melhor para si – o súdito ainda possui a liberdade de deliberar sobre obedecer ou não-.

Neste aspecto o Estado político hobbesiano age como um mantenedor da liberdade que se refere

ao movimento vital e da liberdade de todas as ações que contribuam para uma vida digna e

confortável. A liberdade dos súditos depende da flexibilidade da própria lei, é uma liberdade

limitada, mas é efetiva.

Referências Bibliográficas:

HOBBES, T. O Leviatã: Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. J. P.

Monteiro; M.B N. da Silva. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

BERNARDES, J. Hobbes e a Liberdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

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LIBERDADE POLÍTICA NOS DISCORSI DE MAQUIAVEL

Gabriel Allan Drehmer Gonçalves

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista Fundação Araucária.

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Ames

RESUMO: O presente texto tem a intenção de levar em frente a análise de conceitos abordados

já em O Príncipe, além de novos conceitos implicados nos Discursos sobre a primeira década de Tito

Lívio, onde o autor que uma vez falou da monarquia se volta para a forma de governo

republicano, a partir da qual lança luz ao conceito de conflito como inerente a toda sociedade e

mantenedor da vida livre, baseando-se na história da república romana como exemplo de virtude

cívica, tanto do povo quanto do governo. A virtú, assim, passa a ser um predicado não só de um,

o príncipe, mas de muitos, um povo, tal como atesta e ilustra Maquiavel no decorrer dos seus

Discursos. É, pois, nessa obra, os Discursos, que o autor torna audível com mais solidez sua

preferência, em consonância com seu realismo, pela forma de governo mais estável e condizente

com a vida civil, a república.

Palavras-chave: Conflito, liberdade, república

Maquiavel fala da fundação do Estado, tema não aprofundado anteriormente, para mais

uma vez chegar ao conceito de conflito como possível mantenedor da vida livre em sociedade. A

partir disto o autor tem a possibilidade mais ampla de explorar novos conceitos não antes vistos

em sua obra sobre o principado, como a lei, virtude popular (não sendo mais esta uma

exclusividade do governante, por mais que seja por meio deste que o povo livre pode se

manifestar positivamente) e corrupção.

Diz Maquiavel, logo no primeiro capítulo dos Discursos, acerca da fundação do estado

romano:

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Quem ler a história do princípio da cidade de Roma e da forma como tudo foi ordenado e por quais legisladores, não se admirará de que tanta virtù se tenha mantido por vários séculos naquela cidade; e de que depois tenha surgido o império que aquela república atingiu. E, para discorrer antes sobre o seu nascimento, direi que todas as cidades são edificadas, ou pelos homens nascidos no lugar onde são edificadas, ou por forasteiros. O primeiro caso ocorre quando os habitantes , dispersos em muitas e pequenas partes, percebem que não poderão viver seguros, visto que cada um por si não poderia resistir ao ímpeto de quem os assaltasse, seja pelas feições do local, seja por serem em pequeno número, e não teriam tempo para unir-se para a defesa diante da chegada do inimigo; ou mesmo, em havendo tempo, precisariam abandonar muitos dos seus redutos, vindo assim a tornar-se presa fácil dos inimigos: de tal modo que, para escaparem a esses perigos, movidos por si mesmo ou por alguém dentre eles com mais autoridade, se reúnem para morar juntos, em lugar escolhido por eles, lugar que seja cômodo para se viver e mais fácil de se defender. (Discursos, I,1; MAQUIAVEL, 2007, p. 7-8)

O autor segue afirmando que foi esse o início de muitas cidades datadas de tempos antigos,

como Atenas.

Partindo da concepção da fundação do Estado a partir da regra da necessidade o autor

florentino coloca nas mãos de um homem de virtù que capta a ocasião, no caso presente a

necessità, que primeiramente se apresenta na forma natural do medo primordial (pestes, guerras,

condições climáticas) a tarefa de, institucionalizando-a em uma necessidade artificial, constante,

fundar um Estado de equilíbrio entre os interesses dos humores divergentes que compõem a

cidade e a necessidade imposta pela lei. Maquiavel parte do princípio de que o desejo do homem

é tal que este não age corretamente se não por uma necessidade, daí o autor afirma que, onde a

escolha abunda, cabe à necessidade regrar o comportamento dos muitos, caso contrário instala-se

a licença e, no caso de um governo já fundado, o advento da corrupção.

Sobre a necessidade imposta à escolha, diz Maquiavel:

E, como os homens agem por necessidade ou por escolha, e como se vê que é maior a virtù onde haja menos escolhas, é de se pensar que, para a edificação das cidades, talvez fosse melhor a escolha de lugares estéreis, para que os homens, obrigados a esforçar-se e a ocupar-se menos com o ócio, vivessem mais unidos por terem menos razões de discórdia [...] (Discursos, I,1; MAQUIAVEL, 2007, p. 10)

Sobre a questão de onde deve-se edificar uma cidade vale salientar que, mesmo que num

primeiro momento se cogita a idéia da fundação num lugar estéril, este que reproduziria de forma

eficaz a necessidade primordial, esta não é, para o autor florentino, a melhor opção, visto que,

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privados de tudo, os homens tornam-se facilmente industriosos e mesquinhos. Assim, segue o

autor, caberia antes edificar uma cidade num terreno fértil, introduzindo ali leis e ordenações tais

que o ócio não domine o cidadão.

Maquiavel lida com a transitoriedade daquilo que é para mostrar que em termos efetivos

não existe uma forma perfeita de governo que sob o estandarte de um fundador/legislador

virtuoso que, de acordo com a moral, doe leis e instituições “de mão beijada” para que assim os

cidadãos gozem da eterna pluralidade de fins convergindo para um mesmo Bem comum na

eternidade harmônica de um Estado incorruptível, de acordo com os ditames da lei divina. O

autor abandona a natureza teleológica que vê no homem uma estrutura que está de acordo com

um fim supremo desvelado na natureza enquanto tal preferindo uma visão pessimista acerca do

ser humano, que é tecnicamente mau, mas que permite pensar a política em termos mais realistas

chegando à ‘verdade efetiva’, ao encontro entre o político/governante e o político/governando,

evidenciando o verdadeiro tirano da verdadeira vida livre em sociedade. Maquiavel parte do

desejo anárquico e insaciável para pensar o homem como um ser medíocre, uma mediania

amoral, lhe bastando a perspectiva de consecução desiderativa para que sua moral pessoal cambie

entre bem e mal, fazendo do bem um suposto mal e do mal um bem de acordo com a maré,

como bem evidencia na sua famosa peça teatral ‘A mandrágora’, onde a moral cristã é colocada

em xeque em prol de uma “política” pessoal de fins justificando meios.

Assim, como bem salienta Winter em sua tese, para que se compreenda a política de

Maquiavel faz-se necessário primordialmente que se entenda sua visão dos desejos humanos:

Maquiavel parte da tese de que os homens são dotados de desejos e a todo custo procuram satisfazê-los. Esta constatação acerca da natureza humana permite a Maquiavel estabelecer uma nova compreensão da política a partir de uma visão real e não ideal dos homens. A verdade efetiva das coisas (verità effettuale delle cose) é o fundamento da política maquiaveliana. Compreender a teoria dos humores, circunscrita pela verdade efetiva, por isso, é condição necessária para compreender, na esfera do político, a relação entre o conflito civil de grandes e povo e a liberdade no pensamento do secretário florentino. (WINTER, 2010, p. 51)

Maquiavel nos ensina que o único modo pelo qual é possível ao homem modificar e/ou, ir

contra a natureza é pelo meio político. Essa idéia é totalmente contraditória com o ideal político

cristão onde é seguindo a natureza, como bem exemplificado pela metáfora das abelhas usada por

Tomás de Aquino, que o homem chega ao seu devido fim já que está em Deus o ideal que deve

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ser perseguido refletindo-se este na natureza e cabendo ao homem atualizar-se conforme a

vontade do criador. Para Maquiavel o jogo político não é uma natureza proveniente do supra-

sensível, mas algo que modifica e, muitas vezes vai contra essa força cósmica adotada pelo

cristianismo para fundar o regime perfeito. Para o autor florentino o agente político é criador na

medida em que dá forma à matéria fazendo surgir como possível uma realidade que não existe na

natureza, onde a multiplicidade se funde na unidade da coletividade em prol de um “bem

comum” ditado pelo próprio jogo político e nunca desvelado na natureza pela forte mão de um

ser onipotente. Política enquanto o meio público onde se efetiva a ação é constante criação de

um ou muitos homens de virtù de acordo com a necessidade imposta como constante conflito

que dilacera a vida social.

Como diz Ames: “Na finalidade da natureza humana não existe mais qualquer

normatividade interna, ela está livre de princípios. Por esse motivo, não é em conformidade com

a natureza e sim contra ela que é possível instaurar uma ordem entre os homens” (AMES, 2002,

p.98).

Assim, se os homens são maus e não há neles uma natureza tal que garanta o impulso

inicial do fundador, é preciso encontrar no próprio jogo político, na verdade efetiva da coisa, um

critério, ou regra geral, tal que possa servir de base para o agente político. Tal é, pois, a ação

política sob conceitos como virtù, fortuna e ocasião. O governante de virtù, como exposto acima,

é aquele que capta a necessidade.

Mas se não há uma convergência de fins e cabe ao regente agir, este deve agir sobre o quê?

Sobre, ou com base em que, ditar leis e instituições? Daí o conceito de conflito inerente que traz

em si todo o sentido antropológico exposto na teoria maquiaveliana onde o homem deseja

sempre. Maquiavel fala de dois pólos do jogo político, basicamente, os grandes e o povo, ambos

partilhando do mesmo princípio antropológico tendo o mesmo grau desiderativo. Não existe

desejo bom e desejo ruim entre povo e grandes. O que existe é a canalização institucional calcada

na situação social imposta pela realidade das coisas onde uma parte, os grandes, uma vez tendo

muito, mas nunca contentes com o que tem, pelo caráter geral do desejo anárquico e insaciável,

querem sempre oprimir, querem sempre mais, e de outro lado o povo que, ainda que deseje tanto

quanto os grandes, no medo de perder o que tem apela para a defesa da liberdade pela não

opressão. Daí que o povo é o guardião da liberdade na república, pois o equilíbrio entre estes e os

grandes suprime, até certo ponto, o desejo popular, que não é diferente do desejo dos grandes,

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possibilitando assim que o povo em tal posição seja o mantenedor da vida livre de acordo com o

aparato institucional. Assim, cabe ao governo institucional canalizar os humores de forma que

uma parte não se sobreponha à outra, nem que o governo caia na licenciosidade. Cabe ao

governante impor a necessidade onde a escolha abunda. Sobre a defesa da liberdade a partir do

desejo do povo diz Maquiavel no capítulo IV do livro I dos Discursos:

Direi que quem condena os tumultos entre os nobres e a plebe parece censurar as coisas que foram a causa primeira da liberdade de Roma e considerar mais as assuadas e a grita que de tais tumultos nasciam do que os bons efeitos que eles geravam; e não consideram que em toda república há dois humores divergentes, o povo, e os grandes, e que todas as leis que se fazem em favor da liberdade nascem da desunião deles [...] (MAQUIAVEL, 2007, p. 22)

Vê-se neste trecho que Maquiavel coloca, mais uma vez, na voz de um interlocutor, a saber,

a tradição, a defesa de uma política que não visualiza com precisão o problema do conflito dentro

de uma república. Segue o autor logo abaixo, continuando o parágrafo:

E não se pode ter razão para chamar de não ordenada uma república dessas, onde há tantos exemplos de virtù: porque os bons exemplos nascem da boa educação; a boa educação, das boas leis; e as boas leis, dos tumultos que muitos condenam sem ponderar: porque quem examinar bem os resultados deles não descobrirá que eles deram origem a exílios ou violências em desfavor do bem comum, mas sim a leis e ordenações benéficas à liberdade pública. (MAQUIAVEL, 2007, p.22)

Fica evidente, pois, a ruptura de Maquiavel com a tradição tanto antiga, da política clássica

e medieval, como para com seus contemporâneos humanistas.

Para complementar diz Maquiavel diretamente sobre o desejo do povo: “E os desejos dos

povos livres raras vezes são perniciosos à liberdade, visto que nascem ou de serem oprimidos ou

da suspeita de que virão a sê-lo” (MAQUIAVEL, 2007, p. 23)

Se em O Príncipe Maquiavel trata de destruir todas as bases metafísicas que mistificavam a

ação do príncipe e os fundamentos de um governo segundo a natureza quando denuncia a

violência geral a que fazem uso os conquistadores de um principado novo, nos Discorsi o ar se

torna um tanto mais teórico possibilitando ao autor a exploração de novos temas como: as leis, a

liberdade, as instituições e outros temas associados à república e ao bom funcionamento do

Estado. Ao contrário de O Príncipe, escrito como um compêndio de princípios básicos dedicados

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a sua senhoria, os Médici, os Discorsi diferem logo no meio em que foi composto. Apesar de

algumas especulações sobre em qual ano especificamente o autor escreveu seus Discursos, o meio

onde este resolveu vincular e ampliar suas idéias republicanas foi o jardim da família Rucellai,

onde jovens intelectuais reuniam-se para ouvir os ensinamentos de Maquiavel e também para

expor sua vontade contra o despotismo Médici na cidade de Florença. Daí vê-se um

compromisso mais solto, o tratado desta vez não é dedicado ao príncipe, mas sim ao próprio

autor e seu circulo de ouvintes, os cidadãos florentinos.

Assim Maquiavel inicia seu tratado sobre as repúblicas discorrendo sobre a fundação dos

Estados livres por uma cisão que desde início ditará subliminarmente toda a temática da vida livre

no pensamento do autor. A premissa geral sob a qual se desdobrará toda a pesquisa do autor na

forma de discurso é a de que, falando da fundação e manutenção de um Estado, o que um funda

somente muitos mantém. Pois política é o embate engajado de forças antagônicas. No cerne da

atividade fundadora está um homem, ou um grupo de homens que “capta no ar” a ocasião de dar

uma resposta à necessidade geral. Para Maquiavel todo e qualquer agrupamento de homens na

forma de um Estado pressupõe uma relação de medo prévio, medo este que se traduz pela

necessidade mesma que se mostra ao homem de virtù como a ocasião de agir, de inserir forma à

matéria, de criar leis e instituições. Este aspecto bruto da necessidade é primordialmente natural,

o homem tende a fugir da morte iminente que se traduz na natureza pela fome, peste e até

guerras entre homens. Assim, Maquiavel vê nessa necessidade natural o motor que move os

homens à coexistência, mas não basta somente este impulso inicial para que se mantenha a vida

social e muito menos a vida livre. Daí a necessidade de ditar a forma na matéria, caso contrário

retornaríamos ao argumento teleológico aristotélico que pressupõe uma ordem de fins de tal

modo inerente à natureza do animal racional, e depois social, que ao fundador bastaria a tarefa de

dar esse único impulso inicial a partir do qual tudo convergiria para o Bem comum do ‘dever ser’.

A necessidade deve ser constantemente rememorada para que a instituição não cristalize na

mente do cidadão aquilo que Maquiavel já denunciava em O Príncipe, que a legitimidade natural de

qualquer governo ou principado tem sua origem no sangue e que este foi somente inserido numa

perspectiva política na qual se mascarou de segunda natureza inerente ao próprio homem o que é

criação do próprio homem a partir de um ato de violência inicial. O cidadão não tem e não pode

pensar ter se tornado tal a vida civil que nada poderia dissociar o impulso natural dos homens, a

necessidade deve ser constantemente rememorada nas formas institucionais que regulam o

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combate entre as forças sociais que dilaceram a sociedade resultando sempre em novas leis que,

de ambas as partes desiderativas, rejam o equilíbrio onde nem uma parte nem outra sobreponha

sua antagonista, pois tal seria o fim da vida livre. Por isso, diz Maquiavel, toda forma de governo

que prega a harmonia, o fundamento da concórdia, carrega nos seus atos o sangue do povo ao

qual oprime por uma ilusão de Bem sobrenatural. Em suma, o fundador de virtù é aquele que

institucionaliza a necessidade de forma a dar vazão ao conflito inerente à vida política.

Se na filosofia política clássica era concebida uma essência como prévia à existência, no

pensamento político de Maquiavel, usando termos conceituais contemporâneos, a existência

precede a essência na medida em que o agente político na forma de grandes ou povo é

responsável pela sua própria condição. É na coisa mesma que se dá o fazer do político e é nela

ainda que se encontram as condições possíveis para toda ação que deve legitimar a si mesma. É

no embate social, nos seus desejos e na necessidade imposta pela lei coercitiva como resultado do

conflito, que se legitima constantemente a ação política. Fundação é constante renovação, é o

embate que lembra sempre a necessidade primordial na figura antagônica do desejo em questão,

grandes querendo oprimir e povo querendo não ser oprimido. Assim, o conflito produz a lei que

legitima o meio político por sua autoimposição. Não há racionalidade ou racionalização da

natureza na forma da lei, mas sim o equilíbrio resultante do conflito. A lei faz a vez da

necessidade natural como produto do homem, esta necessidade que é artificial. A produção da lei

como criação humana, não natural, se dá no meio institucional que tem como pano de funda o

dilaceramento social imposto pela necessità.

Ao enunciar o problema da circularidade polibiana Maquiavel intenta achar um meio

estável que propicie a conservação da vida política. Uma vez que o ciclo polibiano prevê uma

naturalização do político, o que resulta na degradação de sua forma institucional em seu direto

oposto. Maquiavel vê no governo misto a estabilidade política que não se deixa naturalizar com

tanta facilidade, pois, em vez de somente um, poucos ou muitos governarem, no governo misto

cada parte tem seu papel na feitura das leis ao propiciar abertura ao desafogo do conflito. No

governo misto o príncipe, grandes e povo nas figuras do cônsul, senado e tribunos

respectivamente, são parte ativa e conflitante na dinâmica política que carrega em si o equilíbrio

institucional.

Ao comparar os governos Espartano e Veneziano, modelos de estabilidade, ao governo

Romano, Maquiavel se utiliza de um elemento retórico que coloca na boca do interlocutor (a

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tradição) a defesa de uma pretensa harmonia enquanto defende na primeira pessoa o tumulto

romano, considerado pernicioso e prejudicial à república, esta que, como no caso de Roma, se

não fosse assegurada pelas armas e pela boa fortuna, nunca teria alcançado liberdade e prestigio.

Maquiavel mostra que, se em Roma houveram boas armas, estas decorreram mais da boa

educação proveniente dos bons costumes, que por sua vez devem-se às boas leis cunhadas no

cerne do conflito, do que de uma falsa noção aristocrática de harmonia essencial. Roma brilhou

não só como potência militar, mas, também, como modelo de instituição; suas leis foram

cunhadas no conflito de modo a propiciar o desafogo das partes componentes do jogo político.

O conflito Romano entre plebe e povo, mediado pela figura do senado, compõe um governo

misto baseado na tríplice relação entre as formas institucionais puras, a democracia (povo), a

aristocracia (nobres) e a monarquia como cume mediador (cônsul), estas três instâncias

individuais unindo-se de forma orgânica contribuindo para a institucionalização do medo como

necessidade na forma da lei regulada pelo conflito que garante, de forma mais sólida, a liberdade

política, esta que é posta nas mãos do povo que deseja, mas não deseja dominar pela sua posição

de oprimido, sendo que, visto que o desejo é anárquico e insaciável dentro do homem em geral,

o povo compõe a parte negativa dos desejos antagônicos que passa a ser positivada pela

efetividade que o conflito exige contra a total dominação de uma das partes, tornando, assim, o

povo guardião da liberdade via institucional/legal.

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2009.

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___________. Poética da virtù: um estudo da comédia la mandragola de Niccolò Machiavelli. Tempo da Ciência,

Toledo, v. 8, n.15, p. 33-45, 2001.

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LEFORT, Claude. Le travail de l’oeuvre Machiavel. Paris: Gallimard, 1972.

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A MULTIDÃO DE ESPINOSA E A PRIMAZIA DA RESISTÊNCIA DE FOUCAULT

E DELEUZE NA TESE DE NEGRI E COCCO EM “GLOB(AL):

BIOPODER E LUTA EM UMA AMÉRICA LATINA GLOBALIZADA”

Gilson Arend

Vania Sandeleia Vaz da Silva

[email protected]

RESUMO: Antonio Negri e Giuseppe Cocco no livro Glob(Al): Biopoder e luta em uma América

Latina globalizada, publicado em 2005, questionam as interpretações dominantes a respeito da

dependência latino-americana a partir do conceito de multidão – originário do filósofo holandês

Bento Espinosa (1632-1677) – e da noção de primazia da resistência – tal como formulada por

Michel Foucault (1926-1984) e por Gilles Deleuze (1925-1995). Se concordarmos que “a

tendência à recomposição da frente global das lutas dá um caráter de urgência à retomada de um

debate teórico, tanto múltiplo, quanto voltado para a construção de bases comuns”; será que

Negri e Cocco (2005, p. 17) foram capazes de apresentar a resistência da multidão (“a nova figura

subjetiva que o proletariado forjou para a própria expressão constituinte”) de modo a conferir

“universalidade à análise revolucionária”?

Palavras-chave: Resistência; multidão; Espinosa; Foucault; Deleuze

“Que se vayan todos, que no quede ni uno solo”

(Grito argentino das manifestações de 19 e 20 de dezembro de 2001)

A trilogia – Império (2000); Multidão (2004) e Commonwealth (2009) – escrita por Michael

Hardt e Antonio Negri a respeito do que tradicionalmente chamaríamos de relações internacionais,

rompe com o modo próprio de pensar e escrever nas Ciências Sociais, na Ciência Política e nas

Relações Internacionais, porque mescla, propositadamente, ciência, mitologia, literatura,

sociologia, antropologia, filosofia e, até mesmo, notícias jornalísticas dos eventos que envolvem

poder e resistência, ou, para ser mais fiel ao propósito dos autores, potência e resistência aos poderes

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provisoriamente constituídos. Giuseppe Cocco integra-se nesse projeto e modo de pensar a política

que lembra muito bem parte de um prefácio que Michel Foucault (1926-1984) escreveu para o

livro O anti-Édipo (1972) de Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guatarri (1930-1992), o qual,

segundo escreveu Foucault, poderia ser considerado “uma Introdução à vida não fascista”:

Essa arte de viver contrária a todas as formas de fascismo, quer já estejam instaladas ou

próximas do ser, acompanha-se de um certo número de princípios essenciais [...]: - liberem a ação

política de toda forma de paranoia unitária e totalizante; - façam crescer a ação, o pensamento e os

desejos pela proliferação, justaposição e disjunção, antes que pela subdivisão e hierarquização

piramidal; - liberem-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna),

que o pensamento ocidental há muito tempo sacralizou como forma de poder e modo de acesso à

realidade. Prefiram o que é positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os

arranjos móveis aos sistemas. Considerem que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade; - não

imaginem que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo se o que se combate é abominável.

É o liame do desejo à realidade (e não sua fuga nas formas da representação) que possui uma força

revolucionária; - não utilizem o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade;

nem a ação política para desacreditar um pensamento, como se ela só fosse pura especulação.

Utilizem a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um

multiplicador das formas e domínios de intervenção da ação política; - não exijam da política que

restabeleça os “direitos” do indivíduo, tais quais a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto

do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação e pelo deslocamento dos

diversos arranjos. O grupo não deve ser o liame orgânico que une os indivíduos hierarquizados,

mas um constante gerador de “desindividualização”; - não caiam apaixonados pelo poder

(Foucault, [1977] 2010, p. 105-6, grifos nossos).

A teoria da dependência é desconsiderada sumariamente pelo mainstream da disciplina de

Relações Internacionais, a princípio, porque é uma teoria que não é abrangente mas muito

circunscrita: seu objetivo é pensar as consequências políticas do desenvolvimento capitalista na

região compreendida pelo rótulo América Latina, que, tal como anuncia o adjetivo, teria sido

dependente do desenvolvimento capitalista em geral, aquele que diz respeito aos países do Oeste

europeu e dos Estados Unidos (e, Canadá, e Japão, e Austrália, enfim, o que poderia ser agrupado

no hemisfério Norte definido não por localização geográfica, mas por critérios sócio-econômicos).

Enquanto teorias como o Realismo, o Idealismo e o Imperialismo seriam gerais porque consideram a

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interação de todos os Estados – ou dos mais importantes – a teoria da dependência seria restrita e não

poderia compor a corrente principal da disciplina de Relações Internacionais.

O questionamento feito à teoria da dependência de que trataremos aqui é de um tipo

diferente. Antonio Negri e Giuseppe Cocco no livro Glob(Al): Biopoder e luta em uma América Latina

globalizada, publicado em 2005, questionam as interpretações dominantes a respeito da dependência

latino-americana a partir do conceito de multidão – originário do filósofo holandês Bento

Espinosa (1632-1677) – e da noção de primazia da resistência – tal como formulada por Michel

Foucault (1926-1984) e por Gilles Deleuze (1925-1995).

A obra de Negri e Cocco suscita indagações e curiosidade sobre a matriz filosófica que

orienta e conduz o pensamento destes autores para a América Latina. Sua abordagem foca o

México, a Argentina e o Brasil dentro de uma perspectiva pós-moderna da filosofia política. Para

eles, o poder soberano se encontra em crise no momento histórico que marca a transição da

modernidade para a pós-modernidade e o método mais eficiente para a análise dos

acontecimentos recentes é levar a sério a ideia de Foucault e Deleuze de que a resistência tem

primazia ontológica e explicativa em relação ao poder constituído. Assim, os movimentos coletivos de

resistência – a luta dos trabalhadores pela liberação ou pela libertação – antecedem e forjam as

nuances seguintes do desenvolvimento capitalista –as inovações técnicas são consequências das

inovações sociais – e dos arranjos de poder.

Então, se é verdade que “o capitalismo mundial sabe unificar e articular seus instrumentos

de domínio e de repressão” (2005, p. 17), cabe notar que a ação da multidão – a mais recente

figura subjetiva que o proletariado forjou para sua resistência – pode ser considerada uma

consequência na medida em que questiona a unidade do poder, já que é múltipla. A associação da ideia

de multidão com a perspectiva da resistência já se encontra presente numa publicação de 2002 em

uma coletânea – O trabalho da Multidão: Império e resistências – em que se discute as transformações

do trabalho e as formas emergentes de lutas e resistências, plurais, múltiplas, a partir de uma rede

(a Universidade Nômade, desterritorializada) que se ocupa de estudos que inclui diversas áreas do

conhecimento (é transdisciplinar) e possibilita a cooperação entre várias instituições (é

interinstitucional) que buscam atravessar os limites do mundo acadêmico e superar conjecturas

puramente teóricas.

Negri e Cocco lançam um novo olhar para os movimentos sociais dos anos 90 e asseguram

que não faz sentido hoje retornar ao desenvolvimentismo – que se apoia em um Estado centralizador,

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reduzindo o espaço público às implicações individualistas do mercado (2005, p. 54). A partir da

crise da representação política – e todo tipo de transcendência ligada ao Estado moderno e

soberano, que jamais fora plenamente instituído na América Latina, segundo os autores –

enfatizam as inovações da multidão no campo da democracia que eles chamam de New Deal (Novo

Pacto), pois, como afirmam, “o desenvolvimento tem necessidade de liberdade e democracia”

para que não seja só “crescimento econômico”, e, assim “tais processos representam verdadeiras

mutações biopolíticas” (2005, p. 88).

Retomando o conceito de multidão – que Antonio Negri reelabora a partir da obra de Bento

Espinosa – acrescenta-se a noção de potência do trabalho vivo, que reinterpretam da obra de Karl

Marx e consideram que o exercício do poder é melhor entendido a partir da noção de biopoder de

Michel Foucault. Para Negri e Cocco, a multidão é “um conjunto biopolítico de singularidades que

trabalham e são oprimidas, que resistem com os corpos e que, com a inteligência, querem

revolucionar o mundo” (2005, p. 73). Trata-se, portanto, de uma “multiplicidade de todas as

diferenças singulares” (Negri e Hardt, 2004, p. 12), comunicando-se em rede em âmbito global e

agindo em comum: interferindo, provocando mudanças nas formas de se governar, nesse contexto

que definem como Império. A multidão é constituída de minorias atuantes, mas a aspiração de um

dado grupo está excluída de se tornar a da maioria ou em governo, pois possui a intenção de

provocar transtornos nos trâmites tradicionais de representação política (Hopstein, 2002, p. 48).

A ênfase será sempre mantida na “insistência em momentos comuns de luta” (2005, p. 100).

A multidão é uma categoria pensada distintamente de outros conceitos como “povo”,

“população” e “massa” na análise da atualidade. “População” é uma designação que dá destaque

às diferenças e que, por sua vez, o emprego da terminologia “povo” engendra uma ideia de

unidade associada a uma identidade comum. Já, no uso do conceito de “massa”, não está

presente a noção de identidade e unicidade e a sua característica essencial é a indiferença surgida

da diluição de todas as diferenças em um conglomerado uniforme. Ao contrário, a multidão não

se permite reduzir a uma unicidade ou identidade, nega-se a ser representável; a sua democracia é

absoluta por não reconhecer qualquer princípio ou soberania que lhe seja alheio ou inconveniente

(Negri e Cocco, 2002, p. 25). O movimento da multidão é auto-organizado e movido pelo desejo

de democracia, trata-se de uma “inteligência fundamentalmente social” (Hardt e Negri, 2004, p.

131), uma inteligência forjada nas relações coletivamente estabelecidas – na vida e trabalho – e

que adquire um nível elevado e isento de um controle central ou unificado. O fundamento desta

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inteligência social (ou coletiva) é a comunicação e a cooperação entre diferentes agentes criativos

da multidão.

Como pensar a resistência considerando um sujeito político que não se permite unificar, que é

estranho às teorias da soberania que estudamos – as quais nos ensinaram que os pactos, inclusive o

contrato social que cria a soberania do Estado tem que ser mantido?

Não se pode romper o contrato porque não é justo retirar a palavra dada. Ora, como explica

Michel Foucault (1979, p. 66) a justiça é um instrumento de Estado que age para fragmentar

internamente as massas, dissipando-as (Foucault, 1979, p. 67), e se o poder é exercido sempre

como “um modo de ação de alguns sobre os outros” (Foucault, 1995, p. 242), ou “um conjunto

de ações sobre ações possíveis [de outros]” (Foucault, 1995, p. 243), por outro lado, o exercício

do poder somente se dá sobre sujeitos que tenham possibilidades de escolha e reações de

comportamentos diversos (1995, p. 244). Quer dizer que a liberdade é uma condição para o exercício

do poder: “a relação de poder e a insubmissão da liberdade não podem, então, ser separadas”

(1995, p. 244). Foucault explicita que na sociedade as situações de adversidades colocam em ação

mecanismos de poder (1995, p. 249), e sendo os sujeitos individuais ou coletivos, as relações de

poder se originam na complexidade da rede social (1995, p 247), sendo que o mais importante é

notar que:

o que torna a dominação de um grupo, de uma casta ou de uma classe, e as resistências ou as revoltas às quais ela se opõe um fenômeno central na história das sociedades é o fato de manifestarem, numa forma global e maciça, na escala do corpo social inteiro, a integração das relações de poder com as relações estratégicas e seus efeitos de encadeamento recíproco (Foucault, 1995, p. 249).

Gilles Deleuze, no seu livro sobre Foucault, afirma que “a última palavra do poder é que a

resistência tem o primado, na medida em que as relações de poder se conservam por inteiro no

diagrama, enquanto as resistências estão necessariamente numa relação direta com o lado de fora,

de onde os diagramas vieram” (2005, p. 96). Trata-se de partir das formas de resistência às diversas

formas de poder (e das tentativas de suas dissociações) para melhor esclarecer estas relações de

poder. As lutas de resistências, conforme Foucault (1995, p. 234), são caracterizadas: por não se

restringirem a “uma forma política e econômica particular de governo”, por objetivarem “os

efeitos de poder enquanto tal”, por serem imediatistas porque criticam “as instâncias de poder

que lhes são mais próximas (...) o inimigo imediato”; por combaterem a fragmentação da vida

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comunitária; por assumirem oposição aos privilégios do saber e sua relação com o poder e por

demonstrarem uma “recusa de uma investigação científica ou administrativa que determina quem

somos”. Com relação a estas características Foucault define que o alvo específico das resistências

diz respeito às técnicas e formas de se exercer o poder, não às instituições ou elites

socioeconômicas (1995, p. 235).

A principal crítica de Negri e Cocco à teoria da dependência e a todos os movimentos de

resistência na América Latina é que “a independência nacional nada tem a ver com a emancipação

social” (2005, p. 43), pois aqui “a chamada construção do Estado-nação e do desenvolvimento”

jamais foi acompanhada da “criação da democracia” e da “justiça social”; mais especificamente,

buscam explicitar que “o Estado moderno – ou seja, o Estado- nação – nos países de soberania limitada

nunca existiu propriamente” (2005, p. 46). Mas quem é que deveria lamentar isso? Atualmente,

continuam, “a constituição da soberania imperial é um processo aberto” o que não quer dizer que seja

linear, mas que é “aberto às lutas, articulado na interdependência e não obrigado à dependência”

(2005, p. 47). Cabe, então, à multidão, ter em mente que:

A liberdade não é algo que vem depois – algo que só se pode gozar depois de ter comido, uma consequência do emprego e do salário. Ao contrário, a liberdade é a condição mesma da produtividade. Ela o é na organização pós-moderna do trabalho, onde o que o capitalista compra é essencialmente a criatividade intelectual (o que há de mais livre?). Mas ela o foi sempre, mesmo no passado, na história do desenvolvimento capitalista. Marx percebeu isso muito bem quando, percorrendo com enfado a documentação e análises econômicas preocupadas em mostrar a potência civilizadora do capital, definia a força de trabalho do proletariado como “livre”, mesmo na desesperada condição e na situação de violência a que estava submetida pela dominação: por outro lado, era esta liberdade que determinava a possibilidade da valorização econômica. Mas a força de trabalho também é livre lá onde todos parecem negá-lo: no subdesenvolvimento, no êxodo intercontinental e continental, na pobreza absoluta. Viver é ser livre, é tentar sê-lo continuamente, lutar por. Isso não significa, ao mesmo tempo, que viver não seja também ser reprimido, constrangido, disciplinado, controlado – mas isso acontece porque existe a liberdade e, consequentemente, o patrão sente o desejo de revolta respirar ininterruptamente e vê a resistência do sujeito manifestar-se: o patrão reage a isso e demonstra assim que todas as formas organizativas do capital são projetos de enclosure, de bloqueio e de controle dos movimentos da força de trabalho, contra o êxodo, tentado continuamente, do trabalho; demonstra assim que as lutas vêm primeiro, pois as instituições do capital são reações contra a liberdade das lutas proletárias (NEGRI; COCCO, 2005, p. 69-70, em itálico no original).

Referências Bibliográficas:

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A PROPOSTA DIALÓGICA DE PAULO FREIRE NO AMBIENTE HOSPITALAR:

A INCLUSÃO DA CRIANÇA HOSPITALIZADA

Giovanna Takata Liberatti

Universidade Estadual de Londrina - UEL

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui

RESUMO: Este estudo reflete sobre a importância do diálogo no ambiente hospitalar, com a

finalidade de promover a educação das crianças hospitalizadas. Para isto veremos a situação

crítica das crianças hospitalizadas; depois ressaltaremos as características humanizadoras do

diálogo e por último trataremos de observar a situação especial do diálogo em ambiente hospital

e seus benefícios. O referido diálogo apresenta características particulares, tendo como sujeitos

do processo o paciente, a equipe médica, os educadores e a família, entre outros. As

características particulares do ambiente hospitalar trazem situações não convencionais na

educação formal. A importância da pesquisa é que existe uma carência sobre o tema proposto no

meio acadêmico, e também a necessidade de levantar uma reflexão sobre a necessidade e os

benefícios que traz a modalidade de ensino proposta. A pesquisa é bibliográfica e temos como

principal referencial A Pedagogia da autonomia, a Pedagogia do oprimido e a Pedagogia da esperança de

Paulo Freire. O trabalho pretende trazer uma colaboração acadêmica através da reflexão sobre a

necessidade do diálogo e sua potencialidade na práxis docente e também de alguma maneira

colaborar com o desempenho dos docentes que exercem a pedagogia hospitalar.

Palavras-chave: Dialogicidade; educação de criança hospitalizada; pedagogia hospitalar

Introdução:

Neste estudo veremos a saliência do diálogo proposto por Paulo Freire para a educação

hospitalar, durante o tempo de internação da criança. É sabido que um ambiente propício ajuda

na recuperação do enfermo, daí a precisão da educação ajudar neste processo, no sentido de

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admitir a inclusão da criança trazendo um cotidiano que o vincule a um ambiente educativo. Por

meio deste, veremos a valia de trabalhar a sensibilidade e humanização no processo educativo,

que terá o cuidado em escutar a “voz” da criança internada.

O tema servirá como uma referência para os educadores que pretendem trabalhar no

ambiente hospitalar. Cremos que são poucas as menções e bibliografias a esse respeito, por essa

razão vemos a necessidade dessa pesquisa.

A pesquisa é bibliográfica, conta com o levantamento de jornais, entrevistas, textos

virtuais, impressos e teses, além dos textos propostos nas referências.

A situação da criança hospitalizada

A criança que chega ao hospital experimenta deixar o lar, o lugar de conforto, para ir a um

ambiente frio, impessoal e novo. Esta mudança não é fruto de uma decisão da criança, é uma

imposição, na qual ela se sente frágil. Mas, de modo algum, a criança vê que é um mal necessário

pelo qual deve passar para poder se sentir melhor. A chegada da criança a um hospital é, muitas

vezes, em emergência, sob uma crise, dor e medo, na expectativa de aliviar esta situação

(MANNONI, 1983).

Quando a criança é internada ocorre um corte nos hábitos e ritmo de vida. Ela espera que

este tempo seja breve, mas a incerteza invade, tanto na família como na criança. Se na família os

pais são os que têm controle, no ambiente hospitalar, a criança e seus familiares não têm controle

nem segurança. A impotência e fragilidade invadem seu entorno. A experiência hospitalar é

traumática, desagradável, domina a sensação de descontrole e fragilidade, além, da incerteza. Os

pais podem tentar estabelecer equilíbrio e paz, tentam encontrar um profissional da área médica

que lhes possa dar alguma segurança. “[...] a atitude emocional dos pais desempenha um papel

fundamental nas reações da criança hospitalizada. Nesse sentido, refere que a equipe de saúde

pode ajudar os pais a se adequarem às necessidades de seu filho” (QUINTANA; ARPINI;

PEREIRA et al., 2007, p. 414). A situação da criança hospitalizada afeta a família por duas razões,

primeiro pela existência da doença e por que eles não têm o controle nem a segurança que toda

família busca brindar a seus membros. Este fato gera sofrimento e fragiliza a firmeza da família.

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Entre as mudanças de hábitos da criança está à saída da rotina escolar. Sobre esta situação

buscamos refletir. Além de quebrar um ritmo ao qual a criança está adaptada e faz parte de sua

vida e dia a dia. Surge também a preocupação com o escolar. A rotina escolar traz o convívio

com outras crianças, o despertar de atividades próprias da idade e desenvolvimento das crianças

que juntas experimentam descobrimentos e crescimentos, tanto físicos como psicológicos

(SCHNEIDER, 2011).

A escola brinda à criança um ambiente de socialização e dependendo do tempo em que a

mesma se encontra hospitalizada e o tipo de tratamento que recebe, verá que sua vida adoece e

em consequência é hospitalizada, fica mais frágil e sensível emocionalmente. Isto se reforça

quando a doença é crônica, neste caso a hospitalização da criança pode ser frequente e

prolongada e, as consequências destes métodos podem até causar prejuízos físico e mental da

criança.

Estudos sugerem que a sensibilidade comportamental da criança a arranjos ambientais

específicos aumenta a probabilidade da alteração do comportamento, permitindo o

estabelecimento de repertórios comportamentais diferenciados (SOARES e BOMTEMPO, 2004,

p. 55).

O hospital representa um cenário que destitui da criança sua função de brincar, rir, e de se

ser criança. Um ambiente que está cheio de aparelhos, medicamentos, tubos, soros, e com

profissionais que querem manter o controle, pela reação dos pacientes ao tratamento, não estão

receosos por fazer da vida da criança uma vida próxima a seu cotidiano. E ainda a criança se vê

deixada nesse ambiente, com desconhecidos (SCHNEIDER, 2011).

O estresse pelo que passa a família ecoa na criança, pois ela é o centro dessa preocupação,

o ser mais ingênuo e frágil. Os pais vivenciam sensações de impotência, ignorância, dificuldade

econômica, etc. Tais fatores podem afetar o emocional da criança.

Um analista do comportamento tem como tarefa identificar contingências que estão

operando (ou inferir quais as que podem ou devem ter operado), quando se depara com

determinados comportamentos ou processos comportamentais em andamento, bem como

propor, criar ou estabelecer relações de contingência para o desenvolvimento de certos processos

comportamentais (SOARES; BOMTEMPO, 2004, p. 55).

A criança tem um conceito de si e da sociedade que ela formou por meio do convívio

familiar e escolar. A partir da hospitalização ela passa a ver mais uma a do sistema de saúde. Ele

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passa a considerar-se um membro desse sistema do qual ele faz uso e no qual vai ser deixado. Se

antes ela se sentia segura no seu lar agora passa a ser um estranho, num ambiente alheio e novo e

deixado nele. A criança é despida, banhada, vestida com roupas do hospital e tem que obedecer

ao pessoal do hospital. E também tem que se submeter a um tratamento doido ou invasivo.

A hospitalização influencia no desenvolvimento da criança, causando mudanças de conduta

e até físicas e mentais e pode gerar trauma, medo e insegurança. Por vezes a criança pode sentir

que é culpada e responsável por essa situação. O controle e a rotina do hospital podem despertar

sentimentos de repressão, insegurança e medo. A criança pode passar por uma fase de choro,

desespero, ela quer que os pais a “resgatem”, mas por outro lado observa a preocupação dos pais

para que ela fique.

Diante disto, podemos ajudar à criança a passar por estas situações hospitalares do melhor

jeito, para que ela constitua uma fase de aprendizagem e possa compreender que seu papel é

essencial para o andamento do tratamento e recuperação. A criança deve sentir que ela ajuda e

pode estar no controle de seu corpo.

Atualmente, considera-se que a experiência de enfrentar a doença e a hospitalização pode

constituir uma oportunidade para que a criança adquira determinados padrões comportamentais

mais adaptativos. A hospitalização pode representar uma oportunidade para que o paciente

aprenda mais sobre a doença e o funcionamento de seu corpo; descubra sobre as profissões da

área da saúde; adquira habilidades de enfrentamento; demonstre capacidade para tomar decisões,

independência, autocontrole e autoconfiança, tornando-se participante mais ativo em decisões

clínicas (SOARES; BOMTEMPO, 2004, p. 54).

Por estas razões uma pedagogia hospitalar é importante para que a criança possa avançar

nessa fase de sua existência, e tenha maior conhecimento desse momento que está passando e

consiga adquirir maior segurança e controle sobre sua situação. A consciência que pode despertar

sobre sua condição hospitalar e as novas relações que nela terá que estabelecer é muito

importante. Para isto, propomos o diálogo com uma condição para a aprendizagem e

desenvolvimento da criança.

O papel do diálogo na educação

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A pedagogia de Freire acredita no ser humano, tem a esperança que a educação pode

acordar todos para uma sociedade mais justa e solidaria. O professor e os sujeitos envolvidos no

processo educativo precisam ter senso crítico para a elaboração da aprendizagem. A educação

exige apreço pela condição dos educandos, um apreço democrático na relação educador

educando. Porque “na verdade, se há saber que só se incorpora ao ser humano

experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático.” (FREIRE, 2001, p.100). A

democracia implica respeito de todos por todos.

A educação exige cuidar e o dialogar e é por meio deste que se dá a mudança do ser

humano, pois este é o caminho que admite a liberdade,

Creio poder afirmar, na altura destas considerações, que toda prática educativa demanda a

existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende outro que, aprendendo, ensina daí o seu cunho

gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de

métodos, de técnicas, de materiais; implica em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias,

ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra.

(FREIRE,1996, p.69-70).

A educação ensina todos envolvidos neste processo, permite o crescimento de educador e

educando, trazendo valores, utopias que guiam nossas ações. No caso da criança hospitalizada, a

prática educativa usa métodos, técnicas e outros recursos que também tem um caráter próprio,

que devem ser cuidadosamente estabelecidas porque elas podem ajudar ou prejudicar no

momento de conscientização.

Mas, neste caminhar para estabelecer as melhores condições para a formação humana,

precisamos adquirir consciência de nossa situação, nosso papel no mundo e sua importância,

A proposta político-pedagógico freireana investe na luta contra o sentir-se não ser, a fim de

que toda pessoa possa assumir, de modo consciente e crítico, sua responsabilidade pelo contínuo

devir do mundo com o outro em um projeto de humanização. Essa experiência dialógica,

segundo concepção freireana, impulsiona o homem a investigar criticamente o mundo,

problematizando sua relação com ele. (XAVIER, 2009, p.7).

Ante a condição da criança hospitalizada, a proposta educativa precisa levar em conta sua

situação, o ambiente hospitalar e o sentir da criança neste novo ambiente. Esta proposta

democrática é dialógica, pois é uma construção que constroem juntos, educador e educando, para

encontrar também juntos os melhores meios para se adaptar e crescer no ambiente hospitalar.

Considerar a situação hospitalar como um problema que devem enfrentar e controlar.

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Já a educação tradicional, bancária, não valoriza a problematização e a conscientização

que nos humaniza, que nos faz seres responsáveis, capazes de mudar o mundo. O conhecimento

é estéril se não nos permite crescer e não nos relaciona a outros seres humanos (FREIRE, 1987).

Na troca de conhecimentos todos ganham na comunicação nos humanizamos e podemos

melhorar nosso entorno. O ambiente hospitalar traz situações que devem ser tratadas com

cuidado e respeito. Tentar superar a condição de hospitalizado não significa ignorar ou trivializar

esta condição, pelo contrário, a admiração e o descobrimento diante de novas experiências são

necessários.

Isso se dá segundo um processo de admiração do próprio conhecimento, ou seja, o homem

volta-se para olhar como conhece e de que modo está conhecendo. O conhecimento admirado, ao

tornar-se objeto de discussão na troca com outros homens, é read-mirado com eles. Essa

experiência de comunicabilidade poderá constituir para os admiradores um saber ampliado; um

conhecer. (XAVIER, 2009, p.7).

A partir do momento em que a criança hospitalizada consegue refletir e agir e pode

crescer, porque dá crédito ao conhecimento ou experiência adquirida por ele e pelos outros. O

respeito pelas novas condições e a percepção da sua situação e dos outros, permite que sejamos

mais humanos, pois não nos consideramos o centro do mundo, mas parte dele. E o diálogo se

torna fator principal na interação educador-educando, nas práticas educativas, que permitem

reconhecer as dificuldades e estar preparado para novas aprendizagens (BERTONCELLO, L.

ROSSETE, 2007). Juntos, educador e educando observam e descobrem sua relação com o

ambiente hospitalar, conhecem, compreendem e crescem.

Sabemos dos obstáculos de estar numa sociedade excludente e para reverter esse quadro,

a educação tem um papel essencial. No caso da condição de hospitalização, pode ser uma

experiência nova, agressiva, mas, cabe ao educador e educando tentar tornar esta situação mais

controlável. Freire acredita na humanidade, na sua capacidade de criar, recriar e da condição de

inacabado, que lhe permite crescer e procurar melhorar. Se o ser humano tem consciência do

mundo e do outro e através do dialogo exterioriza esta consciência, de tal forma que a partir de

sua experiência e a colaboração dos outros pode crescer e tornar-se um ser autônomo.

Compreende-se que o sujeito possui dentro de si uma necessidade de conhecer e de ter

noção do mundo e do outro. O diálogo permite chegar à retidão, que ajuda na propagação, de tal

forma que se entende como ser livre e autônomo, que precisa crescer diante situações novas

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(BERTONCELLO, L. ROSSETE, 2007). A hospitalização pode ser considerada uma situação

nova, que nos converte em ignorantes dessa nova condição.

[...] Na medida em que o homem, embora analfabeto, descobrindo a relatividade da ignorância e da sabedoria, retira um dos fundamentos para a sua manipulação pelas falsas elites. Só assim a alfabetização tem sentido. Na medida em que, implicando em todo esforço de reflexão do homem sobre si e sobre o mundo em que e com que está, o faz descobrir “que o mundo é seu também, que o seu trabalho não é a pena que paga por ser homem, mas um modo de amar – e ajudar o mundo a ser melhor. (FREIRE, 2000, p.150).

O ser humano descobre a importância do conhecimento, que incluem limites e

casualidades, ou seja, saber sobre o papel da ignorância e da sabedoria. Somente sendo consciente

de nossas limitações é que podemos crescer e tentar mudar nosso entorno. Nossa razão nos

permite conhecer nosso dever com o mundo, com a condição de paciente, discente, cidadão e

humano. Abraçar este dever é amar, e não se pode amar o que não se conhece, por isto é

necessário sermos consciente de nosso entorno para amar. Esta consciência permite que o ser

humano escreva a sua própria história, que o paciente supere seus desafios e obstáculos

encontrados no caminho de sua existência. Assim a criança hospitalizada pode se converter em

sujeito construtor e transformador.

Conclusão

A criança hospitalizada deixar o lar e muda para um lugar novo, experimenta desconforto

com o tratamento e, enfrenta esta situação com desconhecidos, os médicos. As mudanças na vida

da criança hospitalizada não são produto de suas decisões, isto produz descontrole e insegurança

frente a sua vida.

A proposta do diálogo na pedagogia hospitalar é importante, para que a criança possa

desenvolver nesse momento de sua vida maior conhecimento, consciência e controle de sua

realidade. A consciência sobre sua condição hospitalar e as novas relações com profissionais de

saúde é muito importante. O diálogo é desenvolvido por Freire como uma condição

humanizadora e nos permite crescer, não isolados mais juntos.

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O docente e discente precisam aprender a lidar com liberdade e a autoridade, com a nova

situação hospitalar, com as condições da doença, com o estresse dos pais e tentar juntos manter

consciência e controle desta nova situação.

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O SUMO BEM E A ANTINOMIA DA RAZÃO PRÁTICA

Gustavo Ellwanger Calovi

Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

[email protected]

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar o modo como os dois elementos do

sumo bem estão unidos. A união desses dois elementos implica realizar a crítica do uso prático da

razão, na medida em que dessa vinculação surge o que Kant denomina antinomia da razão

prática. A antinomia prática expressa uma relação causal, pelo fato de que ou a felicidade é a causa

motriz da virtude ou a virtude é a causa eficiente da felicidade. A antinomia prática, aparentemente,

indica um conflito entre duas proposições, mas esse conflito não é seu ponto principal, porque o

objetivo central da antinomia é o estabelecer a possibilidade prática do sumo bem.

Palavras-chave: Virtude; felicidade; sumo bem.

Introdução

O sumo bem consiste na unidade de virtude e felicidade, mas para estabelecer essa unidade

é necessário fazer a crítica do uso prático da razão, o que necessariamente conduz a uma

antinomia da razão prática. A antinomia afeta o conceito de sumo bem na medida em que é

preciso mostrar como se dá uma ligação sintética entre os elementos do sumo bem. Na

interpretação de Victoria Wike, a antinomia prática possui uma origem conceitual semelhante

com a terceira antinomia teórica, mas essa “similaridade inicial entre a antinomia prática e a

teórica é perdida no desenvolvimento da antinomia prática”40. Contudo, o fato de a origem

conceitual ser parecida implica em analisar se “é o objeto da razão prática a mesma ideia do

incondicionado que é o objeto da razão teórica?”41.

De acordo com Beck o objeto da razão pura tanto para seu uso teórico como para o seu

40 WIKE, 1982, p. 112. 41 Ibid., 1982, p. 112.

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uso prático é o incondicionado, na medida em que: “tanto a razão teórica como a razão prática

têm uma dialética e um mesmo fundamento, isto é, como razão elas buscam o incondicionado

para tudo o que é condicionado, mas elas não o podem encontrar como um objeto do

conhecimento”42. O incondicionado para a razão no seu uso prático é chamado de sumo bem na

medida em que ele, enquanto objeto da vontade racional finita, é a ideia da totalidade

incondicionada.

A antinomia prática estabelece que os dois sentidos do incondicionado não são

contraditórios e, além disso mostra que eles podem ser relacionados um com o outro no mundo

prático por seres finitos racionais43. Após a explicitação da origem conceitual da antinomia prática

Kant é conduzido a explicitar o modo como ele resolve a conexão entre virtude e felicidade, isto

é, deve demostrar a relação de razão e conseqüência que existe entre os dois elementos do sumo

bem. Ele tem de mostar de que forma é possível fixar a possibilidade prática do sumo bem na

medida em que “o propósito da antinomia da segunda crítica é estabelecer a possibilidade prática

do sumo bem”44.

O sumo bem e a supressão crítica da antinomia da razão prática

A unidade entre virtude e felicidade dá-se através de uma ligação sintética a priori. Nesse

sentido, Kant descreve como ocorre a relação de ‘razão e conseqüência’ entre esses dois

elementos, ou seja, essa relação deve “ser pensada sinteticamente e, em verdade, como conexão

da causa com o efeito” (CRPr, V, 113). O conflito prático é apresentado da seguinte forma: “ou o

apetite da felicidade tem que ser a causa motriz de máximas da virtude, ou a máxima da virtude

tem que ser a causa eficiente da felicidade” (CRPr, V, 113)45. Todavia, é preciso advertir que para

as asserções do conflito prático Kant não utiliza os termos ‘tese’ e ‘antítese’, no conflito prático

42 BECK, 1960, p. 239. 43 WIKE, 1982, p.133. 44 Ibid., 1982, p. 8. 45 Lewis White Beck na sua obra ‘A Commentary on Kants’s Critique of Practical Reason’ reformula a antinomia prática: “I. Tese: A máxima da virtude deve ser a causa da felicidade, Antítese: A máxima da virtude não é a causa eficiente da felicidade; a felicidade apenas pode resultar do uso bem sucedido das leis da natureza. Esta é uma antinomia real, desde que as proposições são contraditórias, não contrárias; cada uma expressa um inelutável interesse da razão (moral e teórico); e cada um é uma fórmula verdadeira para um daqueles interesses (…) II. Tese: O sumo bem é possível. Prova: A lei moral requer isto. Antítese: O sumo bem não é possível. Prova: A conexão entre virtude e felicidade não é nem analítica nem sintética a priori nem tampouco dada empiricamente” (BECK, 1960, pp 247-248).

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ele utiliza o termo proposições. A partir dessa diferenciação terminológica é possível afirmar que

existe uma diferença na formulação entre as antinomias teóricas e a antinomia prática na medida

em que:

as asserções da antinomia prática não são rotuladas “tese” e “antítese” como elas foram chamadas na antinomia teórica. Em vez disso, Kant chama o conflito das asserções na antinomia prática de “proposições”. Estes nomes para as asserções revelam uma diferença significante entre a formulação lógica das asserções na antinomia teórica e prática46.

A antinomia prática expressa uma relação causal, pelo fato que ou a felicidade é a causa

motriz da virtude ou a virtude é a causa eficiente da felicidade. A antinomia prática, aparentemente,

indica um conflito entre duas proposições, mas este conflito não é o ponto principal da

antinomia, porque o objetivo central da antinomia é o estabelecer a possibilidade prática do sumo

bem. Aqueles dois caminhos possíveis de combinar virtude e felicidade estão manifestados nas

duas proposições da antinomia prática”47. Kant apresenta, inicialmente, os dois casos da seguinte

forma:

O primeiro caso é absolutamente impossível, porque (como foi provado na Analítica) máximas que põem o fundamento determinante da vontade na aspiração à sua felicidade não são de modo algum morais e não podem fundar nenhuma virtude. Mas o segundo caso é também impossível, porque toda a conexão prática das causas e dos efeitos no mundo, como resultado da determinação da vontade, não se guia segundo disposições morais da vontade mas segundo o conhecimento das leis naturais e segundo a faculdade física de usá-las para seus propósitos, consequentemente não pode ser esperada nenhuma conexão necessária e suficiente ao sumo bem, da felicidade com a virtude no mundo através da mais estrita observância das leis morais (CRPr, V, 113-114).

Para buscar a solução para a antinomia prática é preciso tomar como pressuposto que a

promoção do sumo bem é “um objeto aprioristicamente necessário de nossa vontade e

interconecta-se inseparavelmente com a lei moral” (CRPr, V, 114). Nessa medida, se não

houvesse possibilidade de ligação entre virtude e felicidade não haveria como estabelecer a

possibilidade prática do sumo bem, pois, “se o sumo bem for impossível segundo regras práticas,

então também a lei moral, que ordena a promoção do mesmo, tem que ser fantasiosa e fundar-se

46 WIKE, 1982, p. 16. 47 Ibid., 1982, p. 26.

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sobre fins fictícios vazios, por conseguinte tem que ser em si falsa” (CRPr, V, 114).

A partir dos resultados da Fundamentação e da Analítica da segunda Crítica, fica claro que a

primeira das duas proposições, isto é, que a aspiração à felicidade seja a causa motriz da virtude é

absolutamente falsa na medida em que o apetite da felicidade, no contexto da filosofia prática,

jamais pode ser a causa de máximas da virtude, porque “máximas que põem a fundamento

determinante da vontade na aspiração à sua felicidade não são de modo algum morais e não

podem fundar nenhuma virtude” (CRPr, V, 114). Em relação à segunda possibilidade de conexão

Kant faz algumas advertências, ou seja, ele a considera apenas como condicionalmente falsa, pois

“que a disposição à virtude produza necessariamente a felicidade, não é falsa de modo absoluto mas

só na medida em que ela for considerada a forma da causalidade no mundo sensorial e, por

conseguinte, se eu admito o existir nele como a única espécie de existência do ente racional,

portanto é só condicionalmente falsa” (CRPr, V, 114).

A partir dessa passagem, Kant tem de apresentar qual a diferença entre a proposição ser

considerada absolutamente falsa ou condicionalmente falsa. A proposição é absolutamente falsa

se o existir no mundo sensível for considerado o único modo de existência possível do homem.

De outra forma, a proposição é condicionalmente falsa se for admitido um outro modo de

existência além do sensível, ou seja, se além da existência sensível o agente moral também

pertencer, enquanto sujeito autonômo, a uma esfera supra-sensível. Essa questão remete a

chamada “dupla-cidadania” do homem na medida em que pertencemos, ao mesmo tempo, ao

mundo sensível e ao mundo inteligível. Nesse contexto, Kant explica a diferença entre as duas

esferas da seguinte forma:

[Um] ser racional deve considerar-se a si mesmo, como inteligência (portanto não pelo lado das suas forças inferiores), não como pertencendo ao mundo sensível, mas como pertencendo ao mundo inteligível; tem por conseguinte dois pontos dos quais pode considerar-se a si mesmo e reconhecer leis do uso das suas forças, e portanto de todas as suas ações: o primeiro enquanto pertence ao mundo sensível, sob leis naturais (heteronomia); o segundo, como pertencente ao mundo inteligível, sob leis que, independentes da natureza, não são empirícas, mas fundadas somente na razão (FMC, IV, 452).

Deste modo, a possibilidade prática do sumo bem depende da habilidade da razão em fixar

a diferença entre mundo sensível e mundo inteligível na medida em que “a antinomia é resolvida

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criticamente quando a idéia de um mundo não sensível faz possível uma definição do sumo

bem”48. Entretanto, mesmo após essa possibilidade de solução para a antinomia prática, a questão

da felicidade, o segundo elemento do sumo bem, permanece em aberto. A felicidade enquanto

ideal da satisfação sensível, não pode ter como causa nenhum princípio oriundo da razão pura, o

que implica dizer que a solução para a vinculação entre moralidade e felicidade não é possível no

mundo sensível.

Ao postular o mundo inteligível Kant não está cometendo uma arbitrariedade, ou ainda,

fixando uma argumentação vazia. Essa questão pode ser colocada da seguinte forma: a resolução

crítica da antinomia inclui a necessidade de estabelecer uma justificação da idéia de um mundo

inteligível, essa justificação é fundamentada pela seguinte suposição:

Mas, visto que eu não apenas estou facultado a pensar a minha existência também como [noumena] em um mundo do entendimento, porém tenho até na lei moral um fundamento determinante puramente intelectual de minha causalidade (no mundo dos sentidos), não é impossível que a moralidade da disposição tenha um nexo, se não imediato, contudo mediato (através de um autor inteligível na natureza) (CRPr, V, 114-115).

Nesse contexto, um primeiro passo, para buscar a ‘resolução’ crítica da antinomia prática é

admitir que a promoção do sumo bem como “um objeto aprioristicamente necessário de nossa

vontade” está diretamente conectada com a lei moral.

O argumento de Kant pode soar como inconsistente, pois, nas conclusões da Analítica da

segunda Crítica, a lei moral já está fundamentada e a sua possibilidade é somente através da

liberdade prática, admitindo o fato da razão. Nesse sentido, o fato da razão não deve ser

entendido como um produto de uma demostração, além disso, “ele também não é - e aí reside a

sua diferença radical em relação ao fato empírico – objeto de uma intuição qualquer: a apreensão

da liberdade em mim não é imediata. A lei fundamental, cuja consciência constitui o fato da

razão, é uma proposição sintética a priori que se impõe por si mesma”49. Contudo, antes de

apresentar a resolução da antinomia Kant adverte que: se o sumo bem não for possível e a

antinomia não for resolvida, todos os elementos da moralidade serão colocados à prova, o que

48 Ibid., 1982, p. 145. 49 CRAMPE-CASNABET, 1994, p.74.

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implica em considerar que a autonomia seria um conceito vazio sem resultado crítico-prático50.

Na interprteção de Wike, Kant apresenta três fatores que fundamentam a possibilidade

prática do sumo bem na medida em que suas justificações são encontradas no sistema crítico

kantiano. A justificação da existência noumenal pressupõe a análise da terceira antinomia teórica,

mostrando que a causalidade por liberdade e a causalidade por necessidade (leis da natureza)

podem ser ambas verdadeiras se for estabelecida à distinção entre mundo sensível e mundo

inteligível. A partir da antinomia prática é possível confirmar a suposição do mundo supra-

sensível, na medida em que admitimos uma causalidade por liberdade e, deste modo, a noção da

existência noumenal está fundamentada.

A lei moral, conforme Wike mostra uma relação causal entre o mundo sensível e o

inteligível, na medida em que se admitem dois momentos, a saber: a fundamentação e a

realizabilidade da ação moral. O primeiro está em conexão com o mundo inteligível, porque

pressuporia a causalidade por liberdade, a autonomia da vontade e o fato da razão51. Nesse

sentido na Crítica da razão prática Kant afirma que:

pode-se denominar a consciência desta lei fundamental [lei moral] um factum da razão, porque não se pode sutilmente inferi-la de dados antecedentes da razão, por exemplo, da consciência da liberdade (pois esta consciência não nos é dada previamente), mas porque ela se impõe por si mesma a nós como um proposição sintética a priori, que não é fundada sobre nenhuma intuição (CRPr, V, 031).

O último dos três argumentos que fundamentam a possibilidade da virtude produzir

felicidade pode ser justificado a partir da quarta antinomia da razão teórica, na medida em que

50 Nesse contexto, “A questão que advém daí naturalmente é se o sumo bem é possível de alcançar através das ações que eu e outros agentes morais bem-intencionados podemos adotar para realizá-lo. Tendo em vista o componente da felicidade do sumo bem, não parece que as leis da causalidade mecânica que governam a natureza possam assegurar que a felicidade dos seres morais será proporcional ao seu merecimento. Nem qualquer outra coisa que conheçamos sobre o mundo natural através da experiência aferece-nos algum fundamento para acreditar que o sumo bem seja possível de alcançar através dos esforços morais. Não podemos mostrar que o sumo bem é impossível, mas também temos razão insuficiente para pensar que seja possível. Ainda assim, como seres morais racionais, devemos considerar o sumo bem como nosso fim” (WOOD, 2008. p. 214). 51 No seu artigo “Kant e o ‘facto da razão’: ‘cognitivismo’ ou decisionismo moral” Guido de Almeida afirma que “a concepção cognitivista do “facto da razão” se oferece como a única alternativa possível. Esta tem uma vantagem manifesta sobre a concepção decisionista: ela explica da maneira mais simples possível o que dá a Kant o direito de apresentar nosso conhecimento da lei moral como um facto da razão, que prescinde de toda prova e, particularmente, desse gênero de prova que Kant chama de “dedução”. Com efeito, nessa concepção o “facto da razão” nada mais é, em última análise, do que a consciência contingente de uma verdade analítica: a consciência, que um agente imperfeitamente racional tem, mas poderia não ter, da necessidade de um determinado modo de agir para todo ser racional enquanto tal” (ALMEIDA, 1998, p. 80).

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Kant apresenta a ideia de um ser necessário fora do mundo sensível. Nesse sentido pode-se

afirmar que: “[a] quarta antinomia da razão teórica faz possível à ideia de um ser necessário fora

do mundo. Mas nada na razão teórica pode provar a impossibilidade desse ser inteligível

necessário”52. Frente a esse contexto, entende-se que Kant ao admitir a existência de um autor

inteligível da natureza acena que

o sumo bem só é possível no mundo na medida em que for admitida uma causa suprema da natureza que contenha uma causalidade adequada à disposição moral. Ora, um ente que é capaz de ações segundo a representação de leis é uma inteligência (um ente racional), e a causalidade de um tal ente segundo esta representação das leis é uma vontade do mesmo. Logo a causa suprema da natureza, na medida em que tem de ser pressuposta para o sumo bem, é um ente em que entendimento e vontade é a causa (consequentemente a Autor) da natureza, isto é, Deus (CRPr, V, 125).

Nessa passagem, Kant apresenta a relação entre os postulados e o sumo bem, porque, para

resolver a antinomia prática e, consequentemente, a ligação entre virtude e felicidade, afirma a

necessidade de admitir um autor inteligível da natureza. Nesse sentido, acena para a admissão dos

postulados da razão prática: imortalidade da alma e a existência de Deus, enquanto possibilidades

de garantir a conexão da virtude com a felicidade.

Referências Bibliográficas:

BECK, Lewis White. A Commentary on Kant’s Critique of Pratical Reason. Chicago: University of

Chicago Press, 1960.

CRAMPE-CASNABET. Michèle. Kant: uma revolução filosófica. Tradução de Lucy Magalhães. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

ALMEIDA, Guido Antônio de. Kant e o “facto da razão”: “Cognotivismo” ou “decisionismo”

moral? In: Studia Kantiana, v. 1, n. 1, p. 51-81, 1998.

KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução, baseada na edição original de 1788, com

introdução e notas de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

52 WIKE, 1982, p. 147.

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___________. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa:

Edições 70, 1995.

WALSH, W. H. “Kant’s Concept of Practical Reason”. In: Practical Reason. Ed. S. Körner. New

Haven: Yale University Press, p. 189-212., 1974.

WIKE, Victoria S. Kant’s Antinomies of Reason. Washington: University Press of America, 1982.

WOOD, Allen W. Kant’s Moral Religion. Ithaca: Cornell University Press, 1970.

___________. Kant. Tradução de Delamar José Volpato Dutra. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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CETICISMO PIRRÔNICO E AS MEDITAÇÕES DE DESCARTES

Henrique Zanelato

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Henrique da Conceição

RESUMO: Objetivamos estudar algumas questões céticas em uma das mais importantes obras

de Descartes, as Meditações. Assim, o que buscamos, no presente trabalho, é mostrar como se dá a

relação de Descartes contra o ceticismo, especialmente no tocante a um dos principais

argumentos do ceticismo, o modo cético do desacordo, diaphonía. Para isso, será necessária a

atenção a obra já citada, especialmente na quarta meditação, onde “prova-se que as coisas que

concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras; e, ao mesmo tempo, é

explicado em que consiste a razão do erro ou falsidade” (DESCARTES, 2010, p. 133). Ao fim, a

intenção será indicar alguns problemas que podem ser levantados contra sua “solução”,

entendendo que tais questões são demasiadamente grandes e complexas.

Palavras-chave: Ceticismo; Descartes; diaphonia

Em sua carta dirigida a alguns teólogos, no início das Meditações, Descartes deixa manifesto

que sua intenção na obra é provar pela luz natural que “há um Deus e que a alma humana não

morre com o corpo” (DESCARTES, 2010, p. 121), assim como o fato de que é mais fácil

conhecer ambos os pontos – Deus e a alma – do que qualquer outra coisa. Deste modo, é

possível desfazer a impressão precipitada que poderia causar uma leitura apressada da primeira

meditação, onde o autor se propõe a levar a dúvida às suas últimas consequências. Uma atenção

especial ao título, “Das coisas que se podem colocar em dúvida”, uma vez que ele sugere que

ainda não conhece os limites da dúvida, mas a leitura das próximas meditações desfaria a ideia de

que Descartes fora um cético, ou que colocaria todas as coisas em dúvida. Assim, pensamos que a

dúvida hiperbólica, desenvolvida até o fim da primeira meditação, tem um caráter totalmente

metodológico que visa, somente ou principalmente, o conhecimento da primeira verdade.

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Levando em conta os argumentos clássicos do ceticismo, acerca dos dados dos sentidos,

Descartes ainda insere outros dois, um deles talvez nunca antes pensados por qualquer um dos

grandes nomes do ceticismo: o argumento do Deus enganador.

Finda a primeira meditação sem certeza nenhuma alcançada, a segunda inicia-se com a

descoberta da primeira verdade: “esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira

todas as vezes que enuncio ou que a concebo em meu espírito”. Infere-se que a dúvida teve a

função de mostrar que, no fim das contas, há algo de que não se pode duvidar de forma

nenhuma, “pois não há dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane,

não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa”

(DESCARTES, 2010, p.142). Assim, a existência do eu é garantida por uma contradição: se Deus

me engana, devo necessariamente existir. Se me engano, ou penso que me engano, devo

necessariamente existir, caso contrário nem sequer poderia pensar ou me enganar. Esta primeira

verdade é o lugar desde onde todas as outras verdades podem ser encontradas.

Compreendido este ponto e destacadas as qualidades disso que pensa existir, a terceira

meditação tem em vista o avanço do conhecimento: o que mais poderia alguém conhecer de

modo que seja impossível se enganar? O que mais há de certo? Mesmo assim, como seria de

imaginar, Descartes continua com o princípio adotado nas outras meditações, que também é

exposto n’O discurso do método, a saber: “o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu

não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a

prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente

a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida” (DESCARTES, 2010,

pág. 76). Portanto, ele se propõe, desde o início das meditações, a encarar sua empresa do modo

mais consequente possível, a fim de que nada pudesse passar despercebido, ou que ninguém

pudesse lhe objetar qualquer inclinação exterior a coisa alguma.

Ocorre, desse modo, que, na terceira meditação, Descartes alude a duas provas da

existência de Deus, ambas a posteriori, ou seja, dos efeitos para sua causa. Para isso, necessita

investigar a natureza das ideias que lhe são inseridas na mente: “ora, destas ideias, umas me

parecem ter nascido comigo, outras, ser estranhas e vir de fora, e as outras, ser feitas e inventadas

por mim mesmo” (DESCARTES, 2010, pág. 154). Nessa investigação, ele ainda não pode aludir

ao mundo material como causa das ideias que tem, visto que ainda não estabeleceu a prova de

que exista qualquer coisa fora de sua mente e, como propôs como método de seu estudo, não

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avançar acerca daquilo que não concebe clara e distintamente em seu espírito, pois, na primeira

meditação, percebeu que muitas vezes lhe parecia estar sentado perto do fogo, vestido, mas que

realmente estava deitado em sua cama, nu, sonhando. Em razão disso, pode-se concluir que

algumas ideias são criadas pela minha mente, sem qualquer necessidade de um representante real,

externo, material, a julgar pelos sonhos e por seres fantásticos, constituídos de várias partes, tais

como dragões, cavalos alados e toda sorte de criaturas mitológicas.

Mesmo assim, qualquer efeito deve ter uma causa, e essa causa deve, no mínimo, ter tanta

realidade quanto seu efeito: “agora, é coisa manifesta pela luz natural que deve haver ao menos

tanta realidade na causa eficiente e total quanto no seu efeito: pois de onde é que o efeito pode

tirar sua realidade senão de sua causa? E como poderia esta causa lha comunicar se não a tivesse

em si mesma?” (DESCARTES, 2010, pág. 157). Portanto, não é possível que qualquer ideia de

algo perfeito ou infinito se imprima em mim a não ser que exista qualquer ser perfeito ou infinito,

capaz de conter tais qualidades. Com efeito, concebendo a ideia de Deus como um ser

“soberano, eterno, infinito, imutável, onisciente, onipotente e Criador universal de todas as

coisas”, ele deve existir necessariamente. Deus, tendo todas as qualidades supracitadas, tem mais

“realidade objetiva”, um “maior número de graus de ser ou de perfeição” do que qualquer outra

coisa no mundo, e, por isso, colocando em mim a ideia de algo perfeito e infinito, existe. Então

se conclui a primeira prova da existência de Deus, qual seja, que algo que contém maior perfeição

deve ser causa do que é menos perfeito.

Partindo da primeira prova (de que algo não pode criar algo mais perfeito que si mesmo),

Descartes logo descarta a opinião de que poderia ter sido causa de si mesmo, analisando que, se

fosse, atribuiria a si como qualidades tudo aquilo de que tem ideia. Então, visto que tem ideias de

coisas que não possui, como perfeição ou infinitude, não pode ser causa de si mesmo,

entendendo que deve ter uma causa exterior. Assim, a busca parte para a primeira causa, de si e

de tudo, Deus. No caso do eu, entende-se que ele não poderia ser causa de si mesmo, visto que

não possui todas as qualidades das quais tem a ideia, mas no que respeita a Deus é totalmente

válido o argumento, pois Deus possui as qualidades das quais tenho ideia. O recurso à

causalidade encontra aquilo que tem, atualmente, todas as qualidades, e é, portanto, causa de si e

causa de tudo o que existe. Todavia, poder-se-ia argumentar que a busca pela causa levaria a uma

regressão ao infinito, argumento esse que Descartes tenta refutar: “e é muito manifesto que nisto

não pode haver progresso até o infinito, posto que não se trata tanto aqui da causa que me

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produziu outrora como da que me conserva presentemente” (DESCARTES, 2010, p. 166).

Como a busca, nesse caso, dirige-se àquilo que possa conservar a existência do eu, ou seja, o

único cuja existência foi provada, desconsidera-se a primeira prova da existência de Deus. A

prova refere-se a conservação do eu instantânea e continuamente, posto que o eu não possui

capacidade de manter-se por si mesmo.

Eis que chegamos ao ponto em que pretendemos mostrar a resposta de Descartes ao

argumento cético do desacordo: a quarta meditação. Todavia, ele não deixa expressa a ideia que

discute, pelo menos aqui, com o ceticismo. Mas, visto que o ceticismo propõe que se deva

suspender o juízo acerca de qualquer questão pelo fato de nunca poder saber com certeza se o

que se diz é verdadeiro ou falso, no plano epistemológico, entendemos que qualquer tentativa de

se estabelecer algo como última palavra acerca de uma verdade objetiva caracteriza-se como

busca de resposta ao ceticismo. A quarta meditação se propõe à refutação do ceticismo, tentando

apontar a causa dos erros nos juízos, mostrando que é possível um conhecimento seguro.

A primeira questão levantada por Descartes visa a solução do problema levantado no fim

da primeira meditação:

Todavia, há muito que tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus que tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que isso não me pareça existir de maneira diferente daquela que vejo? E, mesmo, como julgo que algumas vezes os outros se enganam até nas coisas que eles acreditam saber com a maior certeza, pode ocorrer que Deus tenha desejado que eu me engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em que enumero os lados de um quadrado, ou em que julgo alguma coisa mais fácil, se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso (DESCARTES, 2010, p. 138).

O único argumento cético que sobreviveu até aqui foi o do Deus enganador, mas que não

podia contradizer a existência do eu e de Deus. Todavia, com as verdades adquiridas nas três

meditações precedentes, é possível refutar a ideia de um Deus que empreende sua força em

enganar. Descartes encontra, então, uma contradição na ideia de um Deus enganador: se a ideia

que tenho de Deus engloba bondade, perfeição e onipotência, só para citar algumas qualidades,

fica claro que ele não pode agir de modo a me enganar, pois isso só pode indicar algum tipo de

fraqueza.

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No entanto, mesmo que Deus seja isento da culpa no erro, é manifesto que erro em certas

coisas, e a quarta meditação visa encontrar a causa dos erros. Ao analisar essa questão, notamos

que, seguindo os passos de Descartes, a única coisa passível de erro é o juízo, ou seja, o

assentimento ou não em relação a qualquer coisa. E o juízo consiste numa operação da vontade

acerca de algum dado do entendimento. Encaradas separadamente, vontade e entendimento, não

são passíveis de erro, visto que, no que concerne ao entendimento, somente concebo as coisas do

modo como é necessário que as conceba, e nisso não posso me enganar, e que, no que respeita à

vontade, ela é muito ampla e muito perfeita em sua espécie. Como posso, então, me enganar a

respeito de qualquer coisa, se Deus me deu qualidades perfeitas?

Experimento em mim mesmo certa capacidade de julgar, que sem dúvida recebi de Deus, do mesmo modo que todas as outras coisas que possuo; e como ele não quereria iludir-me, é certo que ma deu tal que não poderei jamais falhar, quando a utilizar como é necessário (DESCARTES, 2010, pág. 170).

Esta capacidade de julgar, formada por estas duas instâncias, entendimento e vontade, só

pode ser utilizada corretamente quando o meu assentimento, que se refere à vontade, só é dado

ou negado após um conhecimento seguro acerca daquilo a que afirmo ou nego:

Ora, se me abstenho de formular meu juízo sobre uma coisa, quando não a concebo com suficiente clareza e distinção, é evidente que o utilizo muito bem e que não estou enganado; mas, se me determino a negá-la ou a assegurá-la, então não me sirvo como devo de meu livre-arbítrio; se garanto o que não é verdadeiro, é evidente que me engano, e até mesmo, ainda que julgue segundo a verdade, isto não ocorre senão por acaso e eu não deixo de falhar e de utilizar mal o meu livre-arbítrio; pois a luz natural nos ensina que o conhecimento do entendimento deve sempre preceder a determinação da vontade (DESCARTES, 2010, pág. 175).

Assim, entende-se que clareza e distinção são os critérios escolhidos para que algo possa

ser considerado verdadeiro ou falso.

A partir do já dito, notamos que, tomando o sistema cartesiano somente encerrado seu

campo próprio, o problema cético da diaphonía parece ter-se elucidado. Diaphonía, para os céticos

gregos, consiste no desacordo entre as escolas filosóficas e conduz, inevitavelmente à epoché, ou

suspensão do juízo. Perplexo, em sua investigação, o cético se vê impossibilitado de fazer sua

escolha por qualquer posição, frente a variedade de sistemas filosóficos construídos durante toda

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a história da filosofia, pois não pode escolher um pelo fato de que todas, em maior ou menor

grau, são capazes de persuasão, até mesmo sistemas que contradizem uns aos outros. No caso da

metafísica cartesiana, descobrimos a causa de todos os erros e, assim, acredita-se ser possível

julgar o mundo, de agora em diante, de modo que seja possível o fim do erro. Todo aquele que

limitar-se a assentir seu juízo somente acerca daquilo que seu entendimento concebeu clara e

distintamente jamais poderá ser enganado e, consequentemente, o juízo de todos que assim

agirem será unívoco. Não haverá, portanto, desacordo entre os homens, não haverá discursos

opostos acerca do mesmo objeto de discurso, o que extingue a diaphonía cética.

Todavia, de um ponto de vista cético, duas objeções podem ser levantadas contra a solução

de Descartes: a primeira é de que ele somente introduziu mais uma nota destoante na história da

diaphonía, visto que nem todos concordam com a argumentação de sua metafísica; e a segunda

refere-se ao poderoso argumento acerca do critério de verdade que, no caso de Descartes, baseia-

se no julgamento daquilo que se concebe clara e distintamente. Assim, poder-se-ia perguntar o

meio pelo qual o critério de clareza e distinção foi adotado como critério de verdade, ou, em

termos mais simples, perguntar-se pelo critério do critério. Essa busca conduziria a um progresso

ao infinito, visto que cada critério necessitaria de outro, e só há duas opções possíveis: ou aceita o

progresso ao infinito ou postula um axioma que seja indemonstrável. Opções estas que são

insatisfatórias para qualquer cético. Conclui-se, então, que a solução de Descartes, aos olhos do

ceticismo, seria insatisfatória e que, em vez de acabar com a diaphonía, só contribui para aumentá-

la.

Referências Bibliográficas

DESCARTES, René. Obras escolhidas. J. Guinsburg, Bento Prado Jr., Newton Cunha e Gita K

Guinsburg, tradução – São Paulo, Perspectiva, 2010.

SEXTO EMPÍRICO. Outlines of Pyrrhonism. Trad. para o inglês R. G. Bury. Cambridge,

Massachusetts, London, England: Harvard University Press, 2000.

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A CONCEPÇÃO DE NATUREZA HUMANA NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE

GRAMSCI

Jarbas Mauricio Gomes

PPGE-UFSCar/CNPq

[email protected]

RESUMO: O presente trabalho é uma exposição das análises de Antonio Gramsci (1891-1937)

sobre a concepção de natureza humana. Gramsci dedicou ao tema algumas notas dos Cadernos do

Cárcere (Q). O problema da natureza humana emergiu como parte de sua análise sobre a fundação

da filosofia da práxis. Para ele, a indagação sobre o que é o homem e a sua natureza é a primeira e

a principal pergunta da filosofia (Q10 §54). Por ser histórica, a natureza humana se realiza na

síntese unitária entre pensamento (filosofia) e ação (política). Desconsiderar a historicidade da

natureza humana origina uma concepção genérica e anacrônica, concebendo que o homem é

sempre o mesmo no tempo e no espaço (Q10 §12). Em Gramsci, a concepção de natureza

humana é sempre datada, resultado de uma investigação dialética acerca do Ser e daquilo que o

homem é a cada momento histórico.

Palavras-chave: Natureza humana; filosofia da práxis; Gramsci

O presente texto é uma exposição das análises de Antonio Gramsci (1891-1937) sobre a

concepção de natureza humana. O problema da natureza humana emergiu de sua reflexão sobre

os fundamentos da filosofia da práxis, enquanto critica e sistematização da concepção de mundo

dos grupos sociais subalternos. Gramsci dedicou à investigação da natureza humana algumas

poucas notas dos Cadernos do Cárcere (Q), um conjunto de 33 cadernos escolares escritos entre o

período de 1929 e 1937 enquanto esteve preso por oposição ao fascismo53.

53 Para facilitar o acesso aos textos dos Cadernos do Cárcere as citações serão feitas a partir da edição brasileira. Mas os textos foram cotejados com a edição crítica dos Quaderni del Carcere, organizada por Valentino Gerratana e publicada na Itália pela primeira vez em 1975. As indicações dos textos serão feitas pelo emprego do número do Caderno (Q) e o número do parágrafo. Ex. Q10 §1.

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Gramsci foi um pensador da primeira metade do século XX. Natural do sul da Itália nasceu

em 1891 na ilha da Sardenha, uma das regiões mais atrasadas e que junto com o sul continental

da Itália formava uma região denominada de mezzogiorno. Com uma economia rural e atrasada,

caracterizada por pequenas propriedades e com uma cultura influenciada pelo catolicismo, o

mezzogiorno era um dos principais problemas da unificação da italiana, conquistada politicamente

em 1861.

Gramsci concebia que a história italiana era uma história de luta pela liberdade e que os

homens se uniam para lutar contra a dominação de poucos sobre povos inteiros. A polarização

política entre liberais e marxistas apresentava caminhos distintos para pensar e agir sobre os

problemas da época. Na Universidade se apropriou teoricamente de ambas as posições, da liberal

com Benedetto Croce e da marxista com Antonio Labriola.

A opção pelo marxismo fundamentou sua adesão ao socialismo e a militância político-

partidária junto aos operários de Turim e está na base de sua reflexão sobre a natureza humana.

Engajado na transformação da realidade política, econômica e cultural da Itália, contrapôs-se às

tendências de apropriação liberal ou positivista da herança filosófica de Marx pela análise

sistemática dos fundamentos da filosofia marxista, atualizando-a a realidade do início do século

XX.

Pensando na elaboração de uma filosofia genuína e originária das necessidades sociais,

políticas e econômicas dos grupos sociais subalternos analisou os fundamentos sobre os quais

deveria ser elaborada a “filosofia da práxis”. Para ele a origem da filosofia da práxis estava na

crítica à filosofia idealista, hegemônica na Itália, e na iniciativa de apresentar uma filosofia capaz

de dar conta das contradições existente na vida dos grupos sociais subalternos. Pois, como

indicou no Q11 §12, “Uma filosofia da práxis só pode se apresentar, inicialmente, em atitude

polêmica e crítica, como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto

existente (ou mundo cultural existente)” (GRAMSCI, 1999. p. 101).

A discussão sobre a natureza humana emerge no debate sobre a historicidade da filosofia,

em outras palavras, retoma-se o debate da natureza humana na medida em que se propõe a

mudança no fundamento originário da filosofia: do idealismo presente na filosofia de Hegel ao

materialismo constante no pensamento de Marx.

Para Gramsci a indagação sobre o que é o homem e a sua natureza é a primeira e a

principal pergunta da filosofia, de modo que a fundação da filosofia da práxis deve passar por

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esta investigação. Ele expôs essas considerações no Q10 §54, intitulado Introdução ao estudo da

filosofia. O que é o homem? e ponderou:

[...] O que é o homem? É esta a primeira e principal pergunta da filosofia. Como respondê-la? A definição pode ser encontrada no próprio homem, isto é, em cada homem singular. Mas é correta? Em cada homem singular, pode-se encontrar o que é cada ‘homem singular’. Mas não nos interessa o que é cada homem singular, o que significa, ademais, o que é cada homem singular em cada momento singular. Se observarmos bem, veremos que, ao colocarmos a pergunta ‘o que é o homem’, queremos dizer: o que é que o homem pode se tornar, isto é, se o homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode ‘se fazer’, se pode criar sua própria vida. [...] (GRAMSCI, 1999, p. 410-411).

Gramsci estava se contrapondo a filosofia idealista representada na Itália por Benedetto

Croce. Tendo como interlocutor Croce, que era considerado o principal representante da filosofia

idealista de Hegel, estava se contraponto não só ao idealismo, mas, também, ao pensamento

liberal italiano.

Para além de sua oposição ao liberalismo e ao idealismo, Gramsci estava se opondo ainda à

vulgata marxista que se difundia pela iniciativa de difusão do marxismo entre os membros dos

partidos socialista e comunista. Ao propor a filosofia da práxis, no Q10 §54 Gramsci enfatizou a

que a historicidade era inerente à natureza humana, e que é pela investigação sobre o que é o

homem que se estabelece o que é a natureza humana.

Observando ainda melhor, a própria pergunta ‘o que é o homem’ não é uma pergunta abstrata ou ‘objetiva’. Ela nasce do fato de termos refletido sobre nós mesmos e sobre os outros; e de querermos saber, em relação com o que vimos e refletimos, aquilo que somos, aquilo que podemos vir-a-ser, se realmente e dentro de que limites somos ‘criadores de nós mesmos’, da nossa vida, do nosso destino. E nós queremos saber isto ‘hoje’, nas condições de hoje, da vida de ‘de hoje’, e não de uma vida qualquer e de um homem qualquer [...]. (GRAMSCI, 1999, p. 411).

A historicidade compreendida na concepção de natureza humana não deixa espaço para

previsões de natureza metafísica, pois a natureza humana é resultado daquilo que o homem é em

um dado momento histórico. Desse modo, a natureza humana é afetada pelas estruturas sociais

dentre elas a cultura e a economia.

Entre as categorias analíticas que Gramsci usou para pensar o homem e a sua natureza

estão as concepções de bloco histórico e reforma ético-política. Bloco histórico é entendido

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como uma unidade entre natureza e razão, por ela o homem se constitui humano ao dominar

racionalmente a sua natureza biológica. Nesse caminho o homem se qualifica eticamente,

enquanto grupo social como indicou no Q10 §48:

O homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais, com os quais o indivíduo está em relação ativa. Transformar o mundo exterior, as relações gerais, significa fortalecer a si mesmo, desenvolver a si mesmo. É uma ilusão e um erro supor que o ‘melhoramento’ ético seja puramente individual: a síntese dos elementos constitutivos da individualidade é ‘individual’, mas ela não se realiza e desenvolve sem uma atividade para fora, transformadora das relações externas, desde aquelas com a natureza e com s outros homens em vários níveis, nos diversos círculos em que se vive, até a relação máxima, que abarca todo o gênero humano. Por isso, é possível dizer que o homem é essencialmente ‘político’, já que a atividade para dirigir conscientemente os outros homens realiza a sua ‘humanidade’, a sua ‘natureza humana’ (GRAMSCI, 1999, p. 406-407).

Por se definir na relação do homem com os outros homens, na vida em sociedade, e no

domínio da própria natureza biológica a natureza humana é política. O homem encontra sua

natureza ao pensar sobre si e sobre os outros, quando quer saber aquilo que é e aquilo que pode

vir-a-ser. Para ele, o devir é uma concepção filosófica e distingue-se de progresso que é uma

ideologia.

A questão é sempre a mesma: o que é o homem? O que é a natureza humana? Se se define o homem como indivíduo, psicológica e especulativamente, estes problemas do progresso e do devir são insolúveis ou puramente verbais. Se se concebe o homem como o conjunto das relações sociais, entretanto, revela-se que toda comparação no tempo entre homens é impossível, já que se trata de coisas diversas, se não mesmo heterogêneas. Por outro lado, dado que o homem é também o conjunto das suas condições de vida, pode-se medir quantitativamente a diferença entre o passado e o presente, já que é possível medir a medida em que o homem domina a natureza e o acaso. [...] (GRAMSCI, 1999, p. 405-406) - Q 10 § 48

Por isso, ao propor uma filosofia orientada pela materialidade da vida humana, com foco

na realidade dos grupos subalternos, o problema que Gramsci enunciou no Q11 §62 como

historicidade da filosofia da práxis se torna a base da sua análise.

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Em certo sentido, portanto, a filosofia da práxis é uma reforma e um desenvolvimento do hegelianismo, é uma filosofia liberada (ou que busca liberar-se) de qualquer elemento ideológico unilateral e fanático, entendido individualmente ou como grupo social global, não só compreende nas contradições, mas coloca a si mesmo como elemento da contradição, eleva este elemento a princípio de conhecimento e, consequentemente, de ação. O ‘homem em geral’ é negado, qualquer que seja a forma em que se apresente, e todos os conceitos dogmaticamente ‘unitários’ são ridicularizados e destruídos enquanto expressões do conceito de homem em geral ou ‘natureza humana’ imanente em cada homem (GRAMSCI, 1999. p. 204).

Para ele, a concepção de natureza humana deve ser deduzida da observação do homem e de sua

vida, mas isso não significa na particularidade. Mas, sim, na história coletiva dos homens. Esse

raciocínio pode ser lido no Q7 §35.

O problema do que seja o homem é sempre, portanto, o chamado problema da ‘natureza humana’, ou também o do chamado ‘homem em geral’, isto é, a tentativa de criar um ciência do homem (uma filosofia) que parte de um conceito inicialmente ‘unitário’, de uma abstração na qual se possa conter todo o ‘humano”, como conceito unitário, é um ponto de partida ou um ponto de chegada? Ou melhor, não será esta investigação um resíduo ‘teológico’ ou ‘metafísico’, na medida em que é colocada como ponto de partida? A filosofia não pode ser reduzida a uma ‘antropologia’ naturalista [...] (GRAMSCI, 1999. p. 244).

Na sequência do parágrafo Gramsci considerou:

A afirmação de que a ‘natureza humana’ é o ‘conjunto das relações sociais’ é a resposta mais satisfatória porque inclui a ideia do devir: o homem ‘devém’, transforma-se continuamente com as transformações das relações sociais; e, também, porque nega o ‘homem em geral’: de fato, as relações sociais são expressas por diversos grupos de homens que se pressupõem uns aos outros, cuja unidade é dialética e não formal [...]. Também é possível dizer que a natureza do homem é a ‘história’ (e nesse sentido, posta história = espírito, de que a natureza do homem é espírito), contanto que se dê á história o significado de ‘devir’, em uma concórdia discors que não parte da unidade, mas que tem em si as razões de uma unidade possível [...] (GRAMSCI, 1999. p. 245).

Para Gramsci, Q7 §35, “[...] a ‘natureza humana’ não pode ser encontrada em nenhum

homem particular, mas em toda a história do gênero humano [...] enquanto em cada indivíduo se

encontra características postas em relevo pela contradição com as de outros homens [...]”

(GRAMSCI, 1999, p. 245).

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Análise do Q7 §demonstra a relação entre a análise gramsciana e a questão cultural do

mezzogiorno, em especial da influência da religião e coloca o problema nos seguintes termos:

A concepção de ‘espírito’ nas filosofias tradicionais, bem como as de ‘natureza humana’ encontrada na biologia, deveriam ser explicados como ‘utopias científicas’ que substituíam a utopia maior da ‘natureza humana’ buscada em Deus (e os homens – filhos de Deus), e servem para indicar o contínuo trabalho da história, uma aspiração racional ou sentimental, etc. [...] (GRAMSCI, 1999, p. 245).

No Q7 §38, Gramsci apresentou três caminhos para investigar a natureza humana: a

religião, a filosofia e a ciência biológica. Todos partindo do tema da origem do sentimento de

igualdade e, como se lê no Q7 §35, tendo como princípio que “[...] a ‘natureza’ humana não

residia dentro do indivíduo, mas na unidade do homem e das forças materiais: portanto, a

conquista das forças materiais é uma maneira – e a mais importante – de conquistar a

personalidade [...]” (GRAMSCI, 1999, p. 245).

Focando na historicidade da concepção de natureza humana, apontou que ela era uma

realidade historicamente situada acerca da posição dos indivíduos no mundo e na vida social.

Conhecer essa realidade é o primeiro passo rumo a emancipação, possível pela análise da

realidade realizada quando o homem pensa sobre si e suas relações com os outros, quando

produz a filosofia da práxis.

Conclusão

Há análises de Gramsci sobre a concepção de natureza humana nos seguintes cadernos e

parágrafos: Q7 §35; Q7 §38; Q10 §12; Q10 §48; Q10 §54; Q11, §12; Q11 §62; Q15 §29. O mote

dessas análises foi à fundamentação da filosofia da práxis e a refutação ao mecanicismo, à

metafísica e a filosofia idealista.

Na filosofia da práxis a concepção de natureza humana é datada, resultado de uma

investigação dialética acerca do Ser e daquilo que o homem é em sua totalidade histórica, sem

desconsiderar suas contradições e particularidades (Q10 §48).

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Não se pode subtrair da concepção de natureza humana a sua historicidade, isso criaria

uma concepção de homem genérica e anacrônica, de que ele é sempre o mesmo no tempo e no

espaço (Q10 §12).

Por ser histórica, a natureza humana se realiza na síntese unitária entre pensamento

(filosofia) e ação (política), mediada pelas relações entre os homens e as forças materiais presentes

na direção política e na transformação da natureza (Q10 §48).

Referências Bibliográficas:

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume 1: Introdução ao estudo da filosofia, a filosofia

de Benedetto Croce. Edição e Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1999.

___________. Quaderni del Carcere: Edizione crittica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino

Gerratana. Torino: Einaudi, 2007. 4 vol.

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FILOSOFIA E DIREITO:

A CONTRIBUIÇÃO DE E. PACHUKANIS PARA A CRÍTICA MARXISTA DO

DIREITO

João Guilherme Alvares de Farias

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP

[email protected]

RESUMO: A relação entre filosofia e direito tende a ser percebida como uma discussão há

muito superada. No entanto, ainda hoje, tanto para juristas como para filósofos, a apropriação de

um saber pelo outro é muito deficitária. Acreditamos que somente se apropriando da filosofia é

que o jurista compreenderá o direito; do mesmo modo, o filósofo que se apropria do direito

enriquece sua análise filosófica. Tal resultado se observa na formulação teórica presente no

pensamento de Pachukanis, que partindo do método presente no Capital, de Marx, atingiu a mais

elevada crítica filosófica do direito, consubstanciada em sua obra Teoria Geral do Direito e Marxismo

(1924). Pachukanis enxerga no direito uma especificidade íntima entre a forma jurídica e a forma

mercantil, o que lhe permite desvendar o vínculo entre direito e capitalismo.

Palavras-chave: Direito e marxismo; forma jurídica e forma mercantil; sujeito de direito e

capitalismo

“De todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.

(Honoré de Balzac)

Introdução

Este breve trabalho é resultado de pouco menos de um ano de pesquisa bibliográfica e

exploratória54, iniciada no segundo semestre da faculdade de direito, que se realiza com o objetivo

de constituir um projeto de Iniciação Científica e futura monografia no campo da filosofia do

54 GIL, A. Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 27; 50.

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direito, mais especificamente, da filosofia marxista do direito. Portanto, é absolutamente

necessário ressaltar que as primeiras conclusões a que chegamos seguem abertas para futuras

pesquisas sobre o tema, a fim de que seja possível sistematizar e complementar os resultados

parciais obtidos até aqui.

Inicialmente, ao conceber a filosofia como a mais elevada forma de saber humano, buscou-

se analisar a relação entre filosofia e direito, na tentativa de que o abismo que contrapõem filósofos

e juristas seja superado. Afinal, acreditamos que não apenas o jurista será capaz de obter uma

compreensão total do direito por meio da filosofia, como o próprio filósofo que se apropria do

direito logra realizar uma análise filosófica ainda mais sofisticada. No primeiro caso, tem-se,

como exemplo, a reflexão de E. Pachukanis, objeto de estudo deste trabalho. Por sua vez, a

segunda hipótese, pode ser verificada nos trabalhos de Jurgen Habermas e Michael Foucault, que

ao se apropriarem do saber jurídico, enriqueceram ainda mais suas análises.

Nesse sentido, pretende-se, nestas poucas linhas, demonstrar que somente a filosofia,

particularmente a filosofia marxista do direito, isto é, a utilização do método da crítica da

economia política formulado por Karl Marx, quem já inicia, no Capital, uma elaboração do

conceito de direito55, que, mais tarde, será sistematizado por Evgeni Pachukanis para a

formulação de sua minuciosa análise do fenômeno jurídico e a especificidade burguesa do

direito56, é capaz de alcançar a mais elevada crítica do direito ao desvendar a intrínseca relação

existente entre a forma mercantil e a forma jurídica57.

Por conseguinte, a importância deste estudo se justifica na medida em que, no Brasil, as

análises que partem da filosofia marxista para refletir sobre o direito são ainda muito escassas e

restritas. Do pequeno grupo que se dedica à crítica marxista do direito, destacam-se Márcio

Bilharinho Naves, Celso Kashiura, Alysson Mascaro, Silvia Alapanian e Vinicius Magalhães

Pinheiro. Um elemento que contribui para esse cenário é, além da contundente crítica de

55 Tal afirmação, absolutamente coerente com a obra de Evgeni Pachukanis, é objeto de análise detalhada de Kashiura Jr. em seu artigo Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. In NAVES, M. (org.). O discreto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis. 1ª ed. Campinas: IFCH-UNICAMP, 2009, p. 55 56 NAVES, M. Bilharinho. A questão do direito em Marx. 1ª ed. São Paulo: Outras Expressões; Dobra Universitário, 2014, p. 12. 57 Tal é a afirmação de Pachukanis no prefácio de sua obra: “Na literatura marxista e, em primeiro lugar, no próprio Marx, é possível encontrar elementos suficientes para tal aproximação”. PACHUKNIS, E. Teoria geral do direito e marxismo.1 ed. São Paulo: Acadêmica, 1988 p. 8.

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Pachukanis ao direito, o próprio alijamento existente entre o filósofo e o direito, o que vale

também para o jurista em relação à filosofia.58

Filosofia e direito

A filosofia, como lecionam Bittar e Almeida (2012), remonta o princípio fundador de todo

o saber, em direção à busca do conhecimento racional59, daí a correta conclusão segundo a qual a

filosofia é a mãe do próprio pensamento jurídico.

Mas qual a relação existente entre filosofia e direito? Ora, o direito se constitui como um

campo de análise da filosofia. Mas a partir de que momento o direito se torna uma área de

reflexão da filosofia, ou seja, seu objeto de estudo? Parece-nos correto dizer que o jurista ao se

debruçar sobre as relações sociais que constituem e são ao mesmo tempo constituídas pelo

direito, de modo a valorar tais relações e questionar os fundamentos jurídicos (como a norma e o

Estado), além de dedicar sua reflexão à justiça, é o que irá permitir o surgimento da crítica

filosófica do direito.

Neste ponto, deve-se deixar claro que a filosofia do direito não constitui uma outra filosofia,

nem tampouco um método. A filosofia do direito, tal como a moral, a religião e a política é

apenas um campo ou tema de análise da filosofia, “um objeto específico da filosofia geral”

(MASCARO, 2014, p. 12). Igualmente, não se trata de um método novo, uma vez que, como

objeto de análise, a filosofia do direito partirá de métodos diversos.

Assim, a análise de Pachukanis está situada na filosofia marxista, isto é, Pachukanis parte do

materialismo histórico e dialético para analisar o direito na sua totalidade e, desse modo, realizar

sua crítica ao fenômeno jurídico. Em outras palavras, tal como fez Marx na sua crítica da

economia política, Pachukanis logrará desvendar a especificidade do direito na sociedade

capitalista.

Direito e capitalismo

58 Para uma leitura detalhada do tema, pode-se consultar a obra de Alysson Mascaro: Filosofia do direito. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. Cap. 1 ao 3. 59 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme. Curso de filosofia do direito. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 16/17.

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Pachukanis será o grande responsável por demonstrar a relação existente entre capitalismo

e direito. É por isso que enfrentará a resistência dos positivistas e dos juristas tradicionais que

defendem uma concepção burguesa da história e do direito.

Contrário às “formulações que nada nos dizem”, inerentes à filosofia do direito tradicional,

Pachukanis constrói sua teoria partindo estritamente das leituras das obras de Karl Marx.

Contra a compreensão do direito apenas como um conjunto coercitivo de normas, seu

ataque ao positivismo e à tentativa de uma teoria “pura” do direito é contundente:

[

[...] toda a teoria geral do direito e toda a jurisprudência “pura” não são outra coisa senão uma descrição unilateral, que abstrai de todas as outras condições das relações dos homens que aparecem no mercado como proprietários de mercadorias. [...] a tarefa da jurisprudência limita-se então exclusivamente a ordenar, lógica e sistematicamente, os diferentes conteúdos normativos. [...] Uma tal teoria geral do direito nada explica, que a priori volta as costas às realidades concretas, ou seja, à vida social, e que se preocupa com as normas sem se importar com sua origem [...] Esta “teoria” não pretende de nenhum modo examinar o direito, a forma jurídica, como forma histórica, porque não visa absolutamente estudar a realidade. Eis por que, para empregar uma expressão vulgar, não podemos tirar dela grandes coisas. (PACHUKANIS, 1988, p. 13;18;19)

Do mesmo modo, Pachukanis se posiciona contra o entendimento evolutivo, universal e

eterno do direito, uma vez que, segundo Sabadell (2006), tais características resultam do

iluminismo para diferenciar o direito “bárbaro e obscurantista” do direito “racional e

esclarecido”, tendo apenas como finalidade a legitimação do Estado moderno e do sistema

jurídico atual. Sua crítica aponta para a afirmação suscitada pela maioria dos juristas nas

faculdades de direito e nos manuais jurídicos, segundo a qual onde há sociedade há direito (ubi

societas, ibi ius):

Em vez de nos propor o conceito de direito na sua forma mais acabada e mais clara e de, por conseguinte, nos mostrar o valor deste conceito para uma determinada época histórica, [os jusfilósofos burgueses] oferecem-nos apenas um lugar comum, deveras inconsistente, o de “regulamentação autoritária externa” que serve indiferentemente para todas as épocas e para os estágios de desenvolvimento da sociedade humana. (PACHUKANIS, 1988, p. 23)

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Esta crítica de Pachukanis é essencial ao entendimento do direito como forma

correspondente apenas ao sistema capitalista: é a necessidade de dar condições à sua reprodução

que faz do direito elemento sem o qual não é possível atribuir segurança jurídica às relações

obrigacionais, que possuem em última instância o objetivo de garantir uma determinada

prestação.

Mas qual a relação entre forma jurídica e forma mercantil? Conforme acentua David

Harvey (2013), o denominador comum sobre o qual Marx iniciará sua análise é a mercadoria, isto

é, sobre a forma social predominante na sociedade capitalista, na qual além do uso, um produto

possui valor de troca e, portanto, se realiza no mercado. Assim, Segnini nos demonstra o papel

que ocupa a mercadoria no sistema capitalista de produção:

[...] De acordo com a análise marxista, a mercadoria constitui a base elementar sobre a qual se desenvolveu o modo de produção capitalista [...] a força de trabalho humano também se transformou em mercadoria [...] a relação social entre os homens se transformou em relação social entre coisas. (SEGNINI, 1984, p. 31)

Mas, a mercadoria, que cristaliza as contradições do sistema capitalista, não “se troca”

sozinha. Assim, é vinculado à necessidade de permitir a circulação mercantil que o direito assume

uma especificidade diferente dos demais períodos históricos. Em outras palavras, no capitalismo,

a forma mercantil – relação social pautada na necessidade de troca - exige uma forma jurídica capaz

de lhe conceder as devidas condições de manutenção do sistema capitalista de produção, o que

implica a própria circulação mercantil.

Desse modo, adstrito ao marxismo, Pachukanis chegará à conclusão de que é a

“determinação mais simples” ou o elemento abstraído da totalidade imediata é que permitirá uma

correta elaboração teórica. Em outras palavras é a categoria mais simples dentro do universo do

direito que permitirá uma verdadeira crítica do fenômeno jurídico: daí sua reflexão partir da

categoria “sujeito de direito”.

É a categoria “sujeito de direito” o átomo da teoria jurídica e a partir do qual se levanta

toda a estrutura que compõe o direito como conhecemos hoje.

Para chegar à sua conclusão, Pachukanis não partirá de conceitos como “ordenamento

jurídico”, isto porque a totalidade concreta não pode ser o ponto de partida, ao contrário, deve o

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pesquisador iniciar sua análise da categoria fundamental, ou seja, partir do conceito mais simples

ao mais complexo60.

Capitalismo e direito são termos que se complementam mutuamente, de modo que “a

persistência do direito implica a persistência do capitalismo e que, assim sendo, o fim deste modo

de produção deve ser igualmente o fim da forma jurídica” (org. NAVES; KASHIURA, 2009, p.

54).

Conclusão

Evgeni Pachukanis logrou demonstrar que o direito é elemento necessário à valorização do

capital, isto é, ao permitir que sujeitos livres e iguais (sujeitos de direito) se relacionem no

momento da negociação da mercadoria no mercado – e aqui está incluída a venda/compra da

força de trabalho – o direito não apenas assume, tal qual a forma-mercantil61, uma forma

universal capaz de permitir a circulação da mercadoria, como também garante a produção de

mais-valor, e, por conseguinte, a valorização do capital. Em outras palavras, o direito e seus

elementos (norma estatal, contrato, sujeito de direito) e instituições (tribunais) é o que permite a

polarização entre duas classes distintas, os ricos e os pobres; aqueles que são obrigados a

trabalhar por toda uma vida e aqueles que sequer sabem o que é uma carteira de trabalho.

Daí sua conclusão, com a qual compartilhamos integralmente, de que uma sociedade sem

classes é também uma sociedade sem direito.

O aniquilamento das categorias do direito burguês significará nestas condições o aniquilamento do direito em geral, ou seja, o desaparecimento do momento jurídico das relações humanas. [...] a transição para o comunismo evoluído não se apresenta, segundo Marx, como uma passagem para novas formas jurídicas mas como um aniquilamento da forma jurídica enquanto tal, como uma

60 Para uma análise detalhada sobre o método de Marx na crítica da economia política, indicamos a leitura da obra de José Paulo Netto Introdução ao estudo do método de Marx; para uma compreensão do método de Marx, utilizado por Pachukanis na crítica do direito, indicamos a leitura do artigo de Kashiura Jr. Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. 61 Segundo David Harvey, ao tratar da presença universal da forma-mercadoria, “Marx escolheu o denominador comum a todos nós, sem distinção de classe, raça, gênero, religião, nacionalidade, preferência sexual ou o que for”. In HARVEY, D. Para entender o capital. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2013, pg. 26.

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libertação em face desta herança da época burguesa destinada a sobreviver à própria burguesia. (PACHUKANIS, 1988, p. 27/28)

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2012

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MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Trad. Florestan Fernandes. São Paulo:

Expressão Popular, 2008.

MASCARO, Alysson. Filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014.

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NAVES, Marcio. B. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões; Dobra

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SABADELL, Ana L. Tormenta juris permissione. Rio de Janeiro: Revan, 2006.

SEGNINI, Lilian R. O que é mercadoria? São Paulo: Brasiliense, 1984

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WITTGENSTEIN, SUA FILOSOFIA E SEU ‘ENSINO’:

DESAFIOS À PRÁTICA FILOSÓFICA DO PROFESSOR-FILÓSOFO NA

CONTEMPORANEIDADE

José Carlos Mendonça

Bolsista UNESP/CAPES/FAPAC

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo um ‘novo olhar’ sobre a questão da

‘educabilidade’ da filosofia à luz da definição wittgensteiniana de filosofia como “trabalho sobre

si mesmo”. Tal concepção demanda à prática filosófica novas posturas, que traduzem-se em

movimentos necessários aos que a ela se propõem interagir (professor, aluno, e filósofo): a) no

que se refere ao aspecto pedagógico, uma nova forma de conceber e praticar filosofia; b) no que

se refere ao aspecto ético, um novo olhar sobre o aspecto da ‘formação’: do movimento do

sujeito sobre si mesmo, na forma como se põe em relação com a filosofia ao filosofar. Dessa

forma, a partir do referencial mencionado, propõe-se: 1) Apresentar os principais elementos da

noção de filosofia como ‘trabalho sobre si mesmo’ em Wittgenstein; 2) analisar as implicações

ético-pedagógicas desta concepção e em que medida as mesmas são um desafio à filosofia e aos

envolvidos nesta prática no contexto de ensino e de vida atual.

Palavras-chave: Filosofia; ensino; educação filosófica

Introdução:

O que proponho com a temática tem como objetivo explorar o sentido e as implicações da

ideia de Wittgenstein relacionada à sua concepção de filosofia datada de 193162, qual seja:

“trabalhar em filosofia é antes de tudo um trabalho sobre si-mesmo”. Intentamos com essa

62 Ideia esta que é uma do conjunto de observações que compõem as Vermischte Bemerkungen. Como consulta utilizarei a versão francesa intitulada Remarques mêlées e a tradução portuguesa intitulada Cultura e Valor (2000), esta última será a fonte das citações.

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exploração, analisa-la no contexto da prática wittgensteiniana, e tendo-a como referência apontar

para o fato de que a mesma se impõe como que um desafio a toda e qualquer prática filosófica,

particularmente aos que tem a filosofia como o objeto de um exercício que visa educar: professor-

filósofo. Cabe ressaltar, que o foco ensejado não é o ‘ensino’ em si, principalmente, de o que

ensinar e como ensinar, como o tema talvez possa sugerir, mas algo que está em sua raiz

condicionando-o a partir deste ponto. O tema está relacionado mais a um exercício de natureza

ética, porque é um exercício de subjetividades, ao mesmo tempo que uma atividade necessária a

uma prática. Também não se quer pôr em questão o ‘ensino de Wittgenstein’, não obstante o que

queremos abordar tenha aí o seu esboço e a sua evidência. A este respeito, pergunta-se: Qual o

grande desafio imposto por Wittgenstein à filosofia e sua prática? Esta questão nos remete à uma

anterior: Se há um desafio, significa que uma determinada prática está envolta a problemas, em

que ele consiste? E, ainda: A partir deste modo de ‘fazer filosofia’, quais são as implicações que

recaem sobre a prática filosófica, principalmente quando se a tem como educativa? De pronto,

pode-se afirmar que o que se trata em todas as indagações é algo de ordem ética, particularmente

quando o foco está relacionado à ‘educabilidade’ da filosofia ao processo de transformação dos

sujeitos.

Dentro de um movimento que vem provavelmente de Nietzsche (e Wittgenstein também

leu Nietzsche), filósofos contemporâneos como Hadot, Foucault e Wittgenstein problematizam o

‘fazer filosófico’ e com isso, ao enfatizarem uma filosofia ascética, cada um à sua maneira querem

fazer-se compreender que o problema da filosofia não é somente uma questão teórica, de método

ou de conhecimento. Aliás, este é o cerne da problemática: se pratica a filosofia como se se

estivesse praticando ciência, a partir do modelo desta última. Além disso, para nós, (pós)

modernos, o que dá acesso à verdade passou a ser o conhecimento e tão somente o

conhecimento. Assim, crê-se que o sujeito, uma evidência em si na modernidade, é capaz, em si

mesmo, e unicamente por seus atos, de obter conhecimento, de reconhecer a verdade e acessá-la.

Por fim, com o ‘pensamento’ da modernidade, desenvolvemos a capacidade de ter o domínio

sobre as coisas e sobre os outros, mas não mais sobre nós mesmos.

Contudo, o que estes filósofos supracitados nos mostram é que, como aponta Foucault em

Hermenêutica do sujeito (2010), o que se visa com (e em) o trabalho filosófico trata-se

fundamentalmente de uma questão ética: “Constituir uma ética do eu, (...) talvez seja uma tarefa

urgente, fundamental, politicamente indispensável, se for verdade afinal de contas de que não há

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outro ponto de resistência ao poder político senão na relação de si para consigo [grifo nosso]” (p.225). Ou seja,

faz-se necessário realçar o movimento que se deve fazer sobre si mesmo quando das práticas,

quando do uso da linguagem, no qual a constituição do sujeito ético possa emergir da sua

condição subjetiva enquanto consequência de sua relação com a verdade, bem como de sua

relação com as práticas – em um movimento onde ao imergirmo-nos nelas, ao mesmo tempo elas

(com suas verdades imanentes) nos invadem transitando sobre a subjetividade, atravessando-a e

transfigurando-a.

A filosofia então está desafiada, ou melhor dizendo, uma prática wittgensteiniana e a forma

como se a concebe impõe aos que se propõem a este ‘jogo’ -professor e filósofo- um novo modo

de vê-la, de usá-la. Aí, nesta prática, ‘pensar a própria relação’, o exercício que se deve fazer de si

na atividade é mais que fundamental, torna-se uma necessidade. Há no filosofar a exigência de

uma relação há muito adormecida: a relação de si para consigo, mas que denote ‘trabalho’. A este

desafio imposto, poder-se-ia dizer então que a função da filosofia, denotando atividade, está

relacionada a este papel de “constituição de uma ética do ‘eu’”, demandada por Foucault. Nesta

perspectiva, com Wittgenstein a filosofia é transformada e esta transformação desafia a própria

filosofia, principalmente quando se a tem por prática educativa.

Do trabalho sobre si-mesmo na filosofia

Segundo Cometti (1996), a ideia de um trabalho sobre si-mesmo, tal como ela se exprime

na citação acima, não é estranha à ideia de uma “maneira de ver”, e está relacionada basicamente

com as preocupações que conduzem Wittgenstein em suas reflexões sobre a “fisionomia” nos

últimos escritos, e sobretudo à visão sinótica (exposição da visão como um todo). No entanto, para

compreender a função sistemática do “trabalho sobre si-mesmo” em Wittgenstein, faz-se

necessário tomar por referência também o Tractatus (2001). Aí Wittgenstein delineia a relação

existente entre a linguagem e o mundo. Conforme o Tractatus, pode-se somente “falar” daquilo

que se encontra no mundo, e os fatos que concernem à nossa relação para com o mundo enquanto

totalidade, a exemplo das questões éticas, pode apenas ser “mostrado”. É justamente neste ponto

que aflora em Wittgenstein a ideia da filosofia enquanto “trabalho sobre si mesmo”.

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A distinção entre “dizer” e “mostrar” é uma distinção que somente pode ser mostrada ao

sujeito. Esta evidência é o que procura mostrar a metáfora bem conhecida da escada, que deve

ser jogada fora após seu uso (WITTGENSTEIN, 2001: 6.54). Para o Wittgenstein do Tractatus,

podemos adquirir uma visão total do mundo, a ‘visão “mística”’, mas ela requer a vontade e a

coragem de subir a escada. As argumentações do Tractatus, portanto, somente podem mostrar ao

sujeito a via, e é ele mesmo que tem de percorrê-la. Em outras palavras, demanda-se do leitor a

participação ativa no processo. Sem ela (a via), as argumentações ficam necessariamente

incompletas. Assim, pode-se dizer que o Tractatus ocupa-se do problema do acesso à verdade

condicionando-a a uma transformação do sujeito: é um trabalho do sujeito sobre si-mesmo, no

modo em que se vê as coisas e sobre o que se espera delas. O trabalho de esclarecimento traz

consigo outro ponto importante, qual seja: fixar os limites da linguagem, principal objetivo do

Tractatus, quer dizer também determinar o espaço onde a linguagem não pode mais nos ajudar (a

vida como um todo, como um corpo que age). Aí, opera-se o deslocamento de atenção do sujeito

filosofante com relação a si-mesmo, visto que uma tal filosofia demanda que a linguagem seja ao

mesmo tempo uma imagem fiel do mundo e o princípio de projeção que torna o si-mesmo

significativo.

Já nos últimos escritos, muito próximo à concepção de Hadot63, com sua crítica a

“linguagem privada”, Wittgenstein enfatiza que todo “trabalho sobre si-mesmo” é um trabalho

sobre a linguagem e, por consequência, sobre um bem comum64. É isso, o uso, o que faz com que

se pertença a uma “forma de vida”, bem como a partir do qual se é capacitado a participar

ativamente do “jogo de linguagem”. Sem isso, como afirma James C. Edwards (1985) há no

indivíduo uma desapropriação de suas próprias experiências.

Do desafio ético-pedagógico de uma prática

63 Na concepção deste filósofo, no que se refere ao cuidado de si, o mais importante deste processo não residia no enfoque dado à prática de si, em si-mesma, mas no sentimento de superação de si devido ao pertencimento a um todo: “pertencer ao todo da comunidade humana (...)” (2001, p.221). 64 Este é o ponto de aproximação a Pierre Hadot. E importante ainda destacar nesta questão é que a linguagem não é um objeto cuja essência é ser um instrumental humano. Por este termo Wittgenstein quer demarcar os modos de manifestação da vida e de suas práticas, modos de viver, nos (e com os) quais o sujeito tem sua relação: por imersão ou por marginalização.

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Quanto à segunda questão levantada no início, acerca das implicações e da forma pela qual

a ideia de “trabalho sobre si-mesmo” traduz-se em desafio à filosofia, particularmente aos

envolvidos nesta prática, pode-se afirmar que ela se resume a uma dimensão ético-pedagógica –

fato que a aproxima em muito à concepção de “exercícios espirituais” 65 de Pierre Hadot -,

segundo a qual o que deve ser destacado é o trabalho que se exerce sobre si mesmo, sobre o

modo em que se vê e se vive em detrimento de uma atividade estritamente exterior-funcional à

qual geralmente se resume o ensino de filosofia. Este desafio demanda, então, à prática filosófica

novas posturas aos que a ela se propõem (professor, aluno, e filósofo) às quais, por sua vez,

implicam em dois movimentos necessários: a) pedagógico, uma nova didática e um novo método,

ou seja, uma nova forma de conceber e praticar filosofia; e b) ético, deve-se ter um novo olhar

sobre o aspecto da ‘formação’, ao movimento do sujeito sobre si mesmo, na forma como se põe

em relação com a filosofia. É sobre estes dois movimentos que iremos nos deter a partir de

então. E para tal empreita, a escrita e leitura são peças fundamentais.

Lendo Wittgenstein pelo ‘olhar hadotiano’, percebe-se alguns elementos dos “exercícios

espirituais” desde sua primeira obra. Mas no que se refere à segunda, conforme Hadot (2001,

p.103), a obra Investigações filosóficas (1996) de Wittgenstein deve ser considerada uma obra

remarcável, porque ela não é um tratado sistemático66, como as obras filosóficas a partir da

modernidade a exemplo do Tractatus, e portanto não deve ser lida sob esta perspectiva. Há em

Investigações toda uma terapêutica que a distinguiria do viés sistemático da modernidade e que

poderia ser resumido, sob a ótica do ‘exercício espiritual’, como uma espécie de diálogo: uma

composição de muitos pequenos diálogos que são frequentemente retomados, porque a cada

momento deve-se ultrapassar a ‘fascinação’ que o uso da linguagem imprime sobre nós, operando

assim a verdadeira terapêutica com vistas à mudança de vida. E como esses diálogos são

originariamente resultados de um exercício sobre si mesmo feito pelo próprio Wittgenstein, agora

65 Para Hadot, os exercícios espirituais “querem realizar uma transformação da visão e uma metamorfose do ser (...). Não se trata de um código de boa conduta, mas de uma maneira de ser no sentido mais forte do termo”; “A denominação de exercícios espirituais é então finalmente a melhor, porque ela marca bem que se trata de exercícios que compromete todo o espírito” (2002, p. 77). Ou seja, os exercícios espirituais estão sempre ligados à transformação de si; para conseguir chegar a um estilo de vida filosófico, precisa-se continuamente se transformar. 66 Aos sedentos por uma obra sistematizadora, explicativa, composta por argumentos bem concatenados, entrar em contato com o texto de Wittgenstein é ‘desesperador’. Não há respostas, mas muitas questões e muitas perspectivas sobre o mesmo ponto. Como resultado, se não se põe à proposta do exercício, em movimentos que nos conduz dialogicamente da obviedade à obscuridade da vida humana, e vice-versa, mudando assim a perspectiva ou aberto a perspectivas outras; a desistência de uma continuidade da leitura do texto wittgensteiniano é algo quase como certo. Um dos pontos que deflagra este conflito, do ‘olhar tradicional’ perante à proposta ético-pedagógica wittgensteiniana, é que se tem a sensação de nunca visualizar ‘com segurança’ onde se chegará com o seu texto.

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que publicados são também uma operação que visa a mudança dos interlocutores, aos quais cabe

mudarem-se a si mesmos pelo processo de leitura, cada um à sua medida. No Tractatus, como

mencionamos, já havia este desafio ao exercício filosófico. O percurso ético-pedagógico ali

arquiteturado compõe-se de sete principais aforismos que estão lado-a-lado ocupando o espaço

total do que se pode dizer. O leitor deve ir captando e aprendendo gradativamente ao mesmo

tempo pela totalidade o sentido que a imagem tractatiana quer mostrar. Neste processo, o

‘misticismo’ e a metáfora da escada tractatianos tornam-se as vias alternativas para obter o que a

linguagem por si só não pode dar. Destarte, a presença da metáfora da escada teria como papel

mostrar o desdobramento do processo a ser percorrido pelo ‘sujeito’: I) é preciso se assegurar do

conteúdo da linguagem, qual seja o de esclarecer o que as palavras podem dizer: II) é preciso

esclarecer nossa relação para com a linguagem.

Quanto às Investigações filosóficas, Wittgenstein as empreende, sob a forma de exercícios

práticos, a fim de forçar o leitor a se libertar de sua tendência natural, como ele diz, de fixar o

conhecido em uma imagem alienante e assim perder seu lugar no mundo. Por isso o estilo

desenvolvido é o autointerrogativo: “(...) os meus escritos são conversas privadas comigo

mesmo” (WITTGENSTEIN, 2000, p. 114). Por consequência, a tessitura de seus últimos

escritos é uma conversação que arrasta o leitor a explorar o que podemos dizer sobre nós

mesmos. Suas questões incessantes, seus erros deliberados, suas fantasias imaginativas, suas

ilusões provocantes, etc., impulsionam o leitor a aceitar alguma coisa como admissível até que o

trabalho sobre o texto faça nascer suspeitas sobre a sua procedência histórica: “O que eu quero

ensinar é: como passar de um absurdo não evidente para um absurdo evidente”

(WITTGENSTEIN, 1996: §464). Por isso, é exigido que a filosofia tome a vida por questão,

voltando-se para a linguagem em seu uso ordinário. Por outro lado, usar a linguagem como a

filosofia tradicional o faz, desconectada da vida ordinária e presa a questões metafísicas, é

ultrapassar o limite de uso da linguagem filosófica. Logo, a lição básica do desafio imposto por

Wittgenstein é aceitar a vida pelo que ela é, em sua limitação e em seu enraizamento. E ao

filosofar, a direção a ser tomada, bem como o seu próprio objeto, é a própria vida tomada como

o “real” da filosofia, não para explica-la mas tão somente ressignificá-la.

Importante também destacar a intenção didático-pedagógica dos escritos wittgensteinianos,

segundo a qual o que se visa é a mudança do interlocutor quando realizada tão somente pelo

próprio leitor. A este respeito, como que um conselho a filósofos e professores, Wittgenstein

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observa: “Deixa ao leitor tudo o que ele pode fazer sozinho” (WITTGENSTEIN, 2000, p.114);

colocando-se como exemplo: “Quase todos os meus escritos são conversas privadas comigo

mesmo. Coisas que a mim próprio digo face a face” (idem). E, ainda: “Eu não devia ser mais do

que um espelho em que o meu leitor pudesse ver o seu próprio pensamento com todas as suas

disformidades para que, assim auxiliado, o pudesse pôr em ordem” (idem, p.35). Deste modo,

quando o leitor toma os seus escritos sua direção é nada mais nada menos do que para si mesmo,

pois obrigatoriamente o leitor se põe em questão no ato da leitura. Seus escritos tomam então a

forma de ‘exercício espiritual’, pois o leitor como interlocutor, ao pôr-se no movimento acaba

por realizar o exercício que Wittgenstein fez: “É importante para mim [e este que lê] ir modificando

a minha postura [grifo e acrescento nosso] ao filosofar, não permanecer muito tempo sobre a mesma

perna, para não ficar perro” (idem, p. 48).

Sua visada ético-pedagógica consistiria, portanto, em criar um estilo de escrita que

permitisse aos outros descobrir e reconhecer o poder da mitologia em seu próprio pensamento,

porque como ele diz em seu Prefácio de Investigações filosóficas: “Com meu escrito não pretendo

poupar aos outros o pensar. Porém, se for possível, incitar alguém aos próprios pensamentos”

(p.12). Por isso que o melhor método, o que resta à filosofia pós-Wittgenstein, ao professor e

filósofo e aconselhado pelo próprio filósofo é: “Quem hoje em dia ensina filosofia não seleciona

o alimento para o seu aluno com o objetivo de lhe adular o gosto, mas para o modificar [grifo nosso]”

(WITTGENSTEIN, 2000, p.35). Eis a importância da filosofia no que se refere à sua

‘educabilidade’. Faz-se necessário, portanto, uma ‘nova’ atitude em relação ao filosofar, em

relação à compreensão de onde se situa e se deve situar a filosofia, e ao que se deve visar com ela.

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___________. Cultura e valor. Trad. Jorge Mendes. Lisboa: Ed.70, 1995.

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___________. Investigações Filosóficas. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

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A RELEVÂNCIA DA NOVIDADE E DA ALEGRIA PARA A ECONOMIA,

RELIGIÃO E POLÍTICA

Josete Rockenbach

[email protected]

RESUMO: A novidade vinculada à alegria se sobressai porque atrai, estabelece e mantém as

relações humanas em diferentes dimensões. Para a economia, religião e política a ‘novidade’

proporciona a alegria, e, apresenta-se de diferentes formas. Respectivamentea‘inovação’, a ‘Boa

Nova’ e a ‘iniciativa’são relevantes para promover as relaçõeshumanase a maneira como as

atividades serão realizadas, e são evocadas como razões para o crescimento e desenvolvimentoem

níveislocal eglobal.

Palavras-chave: Alegria; economia; religião; política; novidade

A ‘novidade’ se revela o motor que move as pessoas e estabelece a maneira como irão se

relacionar e realizar as suas atividades no mundo. Para a economia, religião e política a

‘novidade’está associada à alegria. Neste caso, a alegria contribui por ser uma emoção que agrega

as pessoas em torno daquilo que acreditam ser um bem real ou imaginário. A importância

atribuída à novidade -épor ser ela o quecertificao desfrute daalegriaa cada indivíduo. Equivale a

dizer que, a novidade ao se realizar, ou, a sua possibilidade de se tornar real causa a alegria.

Para compreender como a novidade associada à alegria apareceem diferentes domíniosdas

atividades humanas, apresento: sob o tema ‘Sociedade Aquisitiva’a abordagem econômica, de

acordo coma Teoria do desenvolvimento econômico de Schumpeter;sob o tema ‘Comunidade

Missionaria’na perspectiva religiosa - Exortação Apostólica do Papa Francisco, 2013;e, sob o tema

‘República Democrática’ sobre o aspecto dapolíticade acordo comos textos deArendt -A condição

humana ea Vida do Espírito.

1 Sociedade aquisitiva

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A Sociedade Aquisitiva67é aquela que tem comoprincípio único a aquisição de bens, sejam eles

de qualquer natureza. O que se busca éo poder de comprapela esfera produtiva e consumidora. Para

aumentar o poder de compra é necessário que hajacrescimento edesenvolvimento econômico, o

que épossível com inovações.O crescimento acontece com o aumento de pessoas incluídas na

sociedade aquisitiva, diga-se que éo aumento de pessoas com poder de compra para adquirir os

produtos, para atender as necessidades humanas, de acordo com o que é oferecido pela esfera

produtiva. O desenvolvimento acontece com a descontinuidade, a quebra do ciclo econômico,

com o surgimento de novas combinações para serem adquiridas pela esfera consumidora. Se há

desenvolvimento ocorre o aumento do poder de compra, e isso garante a aquisição de coisas e

serviços.Essa crença de que o crescimento e desenvolvimento trarão a inclusão e a possibilidade de

aquisição de coisasresultando em bem-estar individualse espalha, e as pessoas são convertidas

para essa crença, sustentadas pela Lei de Mercado.

O Bem para o homem na sociedade aquisitiva está sempre ligadoà inovação, a qual

estávinculada ao critério da lei do mínimo esforço (físico e intelectual) e do máximo

conforto,condição essa que proporcionaráa alegria. Isso é importante para que o processo se

sustente. A necessidade de novidade é criada pela esfera produtiva e absorvida pela

esferaconsumidora. Neste caso,a espontaneidade é algo supérfluo, enquanto a necessidade:

[...] nascem [sic] da esfera da vida industrial e comercial, não na esfera das necessidades dos consumidores de produtos finais. [...] desprezamos qualquer espontaneidade das necessidades dos consumidores que possa existir de fato, e admitiremos que os gostos são“dados”. (SCHUMPETER, 1997, p.75). [...] restringi-las às necessidades tais que sejam capazes de ser satisfeitas pelo consumo de bens. (SCHUMPETER, 1997, p.97).

E o autor conclui que é da esfera produtiva, especialmente do empresário, a iniciativa da

mudança de comportamento dos consumidores, para o sucesso danova combinação.

[...] entretanto, é o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os consumidores são educados por ele, se necessário, são por assim dizer, ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de usar. (SCHUMPETER, 1997, p.76).

67SCHUMPETER, 1997, p. 98.

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Se considerar uma comunidade de homens com necessidades diferentes, na sociedade

aquisitiva isso não é válido,pois as diferenças são suprimidas pela necessidade implantada pela

esfera produtiva. Então, a liberdadevalorizada é a escolha do que vai ser comprado, restrito ao

que é oferecido pela esfera produtiva.Explora os desejos humanos, tem fé na tecnologia que vai

atender a todas suas necessidades.Há a confiança de que tudo pode ser adquirido -conforto,

juventude, felicidade, saúde, justiça, etc.-, e,alegria é para todo o povo, uma vida nova com

melhoria das condições, e o melhor de tudo, semmuito esforço.

Os olhos estãosempre voltados para o futuro, pois crescimento e desenvolvimento são

palavras que se fixam em uma possibilidade futura. É algo que ainda não se realizou, está para ser

realizado, em um futuro que nunca chega. O crescimento e o desenvolvimento

econômicodãoagarantia de que algo melhor vai acontecer, neste caso diz-se que a nova

combinação permite isso, mas ao se tornar real já há outra possiblidade de ser mais alegre na

próxima inovação, e assim segue o processo econômico, ‘nada’ pode ser diferente disso para a

Sociedade Aquisitiva.

2 Comunidade missionária

A Comunidade Missionaria‘aceita’ comunicar a todos os homens a Boa Nova, cujo núcleo

fundamental é o ‘bem’ de acordo com o Reino de Deus. A Boa Nova indica o único caminho para o

Reino de Deus. Não se refere a uma ideia de bem, mas, a realização do bem na sua forma concreta.

Vivenciar enquanto povo a: Justiça social, dignidade para todos os homens, convivência fraterna,

unidade na diversidade, verdadeira liberdade, paz no mundo. E, tal realidade há de chegar a

‘todos’ os homens. Aceitar é tera certeza de que a proposta de Deus, a Boa Nova,é uma realidade

possível ao seu povo. Acreditar nessa promessa e cumprir a Lei é um ato de profunda fé no amor

de seu Senhor. Consta na Lei do Senhor: “vos ameis uns aos outros como Eu vos amei”

(Jo15,12).Convida ao crescimento no amor, e uma convocação a acender e amadurecer na

caridade. Deus e seu povo têm um compromisso, e neste pacto a alegria brota, cresce e se

expande no coração do crente. O que Ele – Deus - promete ao anunciar a Boa Nova é

transformar a tristeza em alegria. Como o sentimento de tristeza vivenciado por uma pessoa faz

com que ao encontrar a ternura e o amor do Pai produza no sujeito uma alegria com intensidade

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superior, e que jamais irá se perder. O autorinsiste que esta alegriapermanece no coração após

desfrutar tal emoção.

[...] Ele promete aos discípulos: “Vos haveis de estar tristes, mas vossa tristeza ha de converter-se em alegria” (Jo16,20) [...]“Eu hei-dever-vos de novo! Então, o vosso coração há de alegrar-se e ninguém poderá tirar a vossa alegria.” (Jo16,22)(FRANCISCO, 2013,p.6/i.5). A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. (FRANCISCO, 2013,p.3/i.1). [...] “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança, grita de alegria por tua causa.” (Zc3,17) (FRANCISCO, 2013,p.5/i. 4). [...]. “Não te prives da felicidade presente” (Sir14,11.14). Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas palavras! (FRANCISCO, 2013,p.6/ i. 4)

A liberdade somente é real e se conquista quando aceita ser povo de Deus e é nesta

condição que se usufrui dela. Pois, a liberdade funda-se na caridade, e, é neste aspecto que nada

pode impedir suas ações. Afinal, não há na Lei nada que impeça a caridade entre os homens.

Realizando o bem aos outros estará livre, somente o mal é limitado.

É uma alegria que engloba múltiplos aspectos da vida humana. Não é somente comidao

sonho para os homens do futuro, mas dignidade e a possibilidade de explorar os vários dons que os

homens receberam do seu Pai. Para issofaz-se necessário reforçar esse compromisso da

comunidade missionária de levar a Boa Nova - o reino de Deus - a todo o povo.

A alegria da conversão, que é aceitar a proposta de Deus, a Boa Nova, tem um efeito

profundo. Aos que aceitaram a proposta de Deus, assumem uma vida de acordo com o

Evangelho, ao mesmo tempo, como guardiões do bem e da beleza que há nas Palavras, e

indicandoo caminho para o bem que todos desejam.

3 República democrática

A República Democrática parte do principio de que cada homem é único. Cada homem que

vem ao mundo é um novo homem,um ser que é singular. Esse novo homem ao agir pode iniciar

algo imprevisível no mundo que é comum a todos os humanos. Isto é a garantiada

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novidade.Comenta Arendt68 que as atividades humanas,em relação aos que existiram e existem,

são para assegurar aos recém-chegados o novo homem, a liberdade para iniciar suas ações no

mundo comum. A atenção é para a ação política que é de resguardar esse ‘bem’ precioso às novas

gerações.

O novo homem ao aparecer no mundo comum nasce com a liberdade, pois não são copias

idênticas: não há um modelo de homem que se repita; e,não háum comportamento idêntico a

todoscomo acontece com outras espécies animais. O novo homem, ao se apropriar das coisas

comuns aos homens pelas percepções e iniciar suas ações, faz da novidade sua realidade.

[...] O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por sua vez, só é possível porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. Desse alguém que é singular pode-se dizer, com certeza, que antes dele não havia ninguém. Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é a efetivação da condição humana da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como distinto e singular entre iguais. (ARENDT, 2004, p. 191).

A natalidade está vinculada à realidade dos homens,na qual se concentram as suas ações e é

um assunto público.Cada homem na sua singularidade faz a avaliação da realidade do mundo, e

estabelece o que quereinicia suas ações para que isso seja mantido para os que estão próximos e as

futuras gerações. Ao recusar inicia ações para que algo novo seja real a todos, com a mesma razão

– manter a liberdade de iniciar algo novo. E, isso acontece quando estão próximas umas as

outras, na esfera da aparência, conversando sobre os assuntos humanos – integridade, dignidade,

justiça, virtude, etc. -, avaliando e iniciando ações para que o mundo comum aos homens perdure

com liberdade.

A alegria de ser livre, de iniciar algo novo, é uma alegria distinta daquela que se tem quando

se está livre da dor, do desejo e da tristeza. A alegria de iniciar não estácondicionada à satisfação

das necessidades vitais e dominada pelo desejo ou apetite. Pode-se dizer que estaalegria é uma

sensação da abundância de vida.

A alegria, ao que parece, só pode ser experimentada se estivermos inteiramente libertos de dor e desejo [...] A alegria vem da abundância, e é verdade que toda a

68ARENDT,2004, p. 17.

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alegria é uma espécie de luxo; ela domina-nos, e só podemos ceder a ela depois de terem sido satisfeitas as necessidades da vida. (ARENDT, 2000, p. 186).[...] Por isso a verdadeira meta da Vontade é a abundância: << Com as palavras ‘liberdade da vontade’ queremos dizer esta sensação de um excedente de força >>, e a sensação é mais do que simples ilusão da consciência porque corresponde à superabundância da própria vida.(ARENDT, 2000, p. 186).

A alegria que toma conta da pessoa ao iniciar algo é uma sensação distinta, que se traduz

em um sentimento de "superabundância de vida". É a alegria de ousar e ter a coragem de iniciar

algo. E, ao iniciar experimenta a vida com uma intensidade que supera a mera manutenção da

vida. Ao tomar a iniciativa na esfera pública, em ummundoque é permanente,épara garantir aos

recém-chegados um lugar para usufruir da liberdade de iniciar algo.

Conclusão

“[...]o que une os homens, tanto como amigos privados quanto cidadãos públicos,é‘encontrar alegria nas

mesmas coisas.’”69

O que essa investigação buscoufoi identificar quais aspectos são importantes para se

estabelecer o vínculo entre as pessoas e a composição de um agrupamento humano seja local ou

global.Centramos a atenção nos domínios da economia, religião e política e o que se destacou foi

a alegria e a novidade.Arelevância desses aspectos está em fundamentar a maneira como as

relações humanas acontecem.A novidade e a alegria estão em estreita conexão, esão exploradas

de diferentes modos: pela sociedade aquisitiva no consumo de novas combinações, inovações;

pelacomunidade missionária com a Boa Nova, proposta de um novo reino no qual a justiça e a

dignidade humana é realizada; pelarepública democráticacom o novo homem, e apossibilidade de

iniciar algo novo no mundo. Oque se quer ao centrar as ações humanas na novidadeéencontrar

nas mesmas coisas a alegria, e emconsequência se estabelecera união entre as pessoas para

conquistar este estado de ânimo. Sendo assim, aemoção da alegriasustentaesta reunião de humanos

com a crença de que a novidade,seja ela real ou imaginária,é um “bem” para os homens.

69ARISTÓTELES, p. 1157b-1158a apud POTKAY, 2010,p.252-253.

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Diante disso surgem as questões:A novidade desconectada da alegria se mantém como

elemento norteador das relações e das atividades humanas?Mas, se esse algo novo não

proporcionar a alegria, o que acontece?

Sea emoção da alegriaé experimentadanoencontro com aquilo que se considera o ‘Bem’,a falta de

alegria seria um indicativo queanovidade não atende ao que sejulgaum Bem pelos homens?E,

poderíamos dizer que o que se procura-é a alegria, e encontrar algo novo é um meio, mas não o

fim?O que a falta de alegria pode provocar?

Para concluir, a pergunta de Potkay (2010):Com que coisas nós devemos nos alegrar?

Referências Bibliográficas:

ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo; Posfácio de Celso Lafer. 10.

ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

___________. A vida do espírito – vol. II: Querer. Trad. João C.S. Duarte. Lisboa: Instituo Piaget,

2000.

FRANCISCO, Santo Padre. Exortação apostólica EVANGELII GAUDIUM, ao episcopado, ao clero,

às pessoas consagradas e aos fieis leigos sobre o anúncio do Evangelho no mundo actual. Vaticano: Tipografia

vaticana,nov. 2013.

POTKAY, Adam. A história da alegria: Da Bíblia ao Romantismo tardio. Trad. Eduardo Henrik

Aubert. São Paulo: Globo, 2010.

SHUMPETER, JosefhAlois. Teoria do desenvolvimento econômico. Trad. Maria Silvia Possas. São

Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.

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O ASPECTO REPRESENTATIVO DA IDEIA EM DESCARTES

Juliana Abuzaglo Elias Martins

Bolsista CAPES

[email protected]

Orientador: Profª. Ethel Rocha

RESUMO: Nosso trabalho tem como objetivo apresentar a definição do termo Ideia que

Descartes formula na Terceira de suas Seis Meditações Metafísicas. A exposição do que venha a

ser uma ideia, ocorre no parágrafo 6 da referida Meditação. Lá, o filósofo nos apresenta uma

definição direta e objetiva do que vem a ser uma ideia. Podemos ler nessa passagem: “Entre meus

pensamentos, alguns são como as imagens das coisas, e só àqueles convém propriamente o nome de idéia...”. Nosso

trabalho visa expor de modo geral essa definição de ideia com o intuito último de para entender

melhor a teoria do conhecimento de Descartes, uma vez que se trata de um conceito chave em

sua filosofia.

Palavras-chave: Ideia; representação; conhecimento; razão

Na definição de ideia que Descartes apresenta na 3ª meditação, ele diz que a imagem é

“como uma imagem”. Esta definição comporta seu aspecto representativo. Na realidade, o

aspecto representativo da ideia diz respeito ao seu conteúdo. O conteúdo da ideia é aquilo que

seria representativo nela. Os elementos e características que formam o caráter representativo da

ideia, são na realidade, sua realidade objetiva como veremos a seguir.

No parágrafo 6 da terceira meditação70, o pensador moderno nos mostra existirem dois

gêneros de pensamento que seriam característicos da substância pensante: o primeiro ele

apresenta e define diretamente como sendo idéia. O segundo ele identifica como sendo outros

distintos da ideia. Grosso modo, pode-se entender que a ideia compreende ao ato mental de

apresentar algum conteúdo em nosso intelecto, ou simplesmente, representar. Desta maneira,

quando tenho uma ideia, eu estou tendo uma representação em meu pensamento. Quando eu

70 DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 3ª ed., 1983. (Col. Os Pensadores).

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tenho uma idéia, sempre que isto ocorre, algum conteúdo está se fazendo presente em minha

mente.

É importante entendermos esta noção básica de ideia pois ela está presente no segundo

gênero de pensamento mencionado por Descartes. Como vimos além da ideia, ele admite existir

outro gênero de pensamento que caracteriza a substancia pensante. Este seria então formado por

uma ideia juntamente com algum ato mental. Por ato mental, devemos entender alguma ação do

pensamento. Cito Descartes para explicar melhor: “Outros, além disso (da ideia), têm algumas outras

formas: como, no momento em que eu quero, que eu temo, que eu afirmo ou que nego” 71. Os verbos que

percebemos na passagem acima, querer, temer, afirmar e negar, seriam então alguns exemplos de

algumas das ações mentais que somando-se a ideia, compõem outros gêneros de pensamento -

aos qual o filósofo determina por vontades, afecções e juízos.

Neste cenário, temos então dois gêneros de pensamento: de um lado, a ideia e de outro,

vontades, afecções e juízos. Enquanto que nestes, o intelecto assume necessariamente alguma

determinada atitude (mental) em relação ao conteúdo exibido pela ideia, nesta, não tomamos

nenhuma atitude além da apresentação de um conteúdo ao nosso espírito, à nossa mente. Nesse

sentido, a representação, ou a ideia, é considerada o ato mental mais simples, pois se encontra

envolvida em todos os demais. Já o contrário, não é verdade; podemos ter uma idéia sem

necessariamente ter alguma atitude mental em relação a ela. Posso ter uma ideia sem

necessariamente afirmá-la, negá-la ou temê-la, apenas exibindo um determinado conteúdo em

meu espírito. Enquanto que para ter qualquer outro ato mental – que não uma representação -

pressupõe-se a sua presença. Para afirmar, para negar, para lembrar, para odiar, etc., precisa-se

fazer presente na mente algum objeto, algum conteúdo, em última instância precisa-se de uma

ideia.

Daí, podemos concluir a respeito da substância pensante que; ela possui atributos, modos,

e estes correspondem aos atos mentais próprios de nossa mente que podem ser denominados ou

ideias, ou juízos ou vontades72.

71 Idem. p.101 (grifo nosso). 72 Para esclarecer tal afirmação, vale a pena determo-nos aqui brevemente a respeito de algumas noções da ontologia cartesiana. Esta pode ser considerada, um tanto quanto restrita e econômica, na medida em que diz que tudo que podemos afirmar ser, ou bem é uma substância, ou bem é um modo desta substância. Seriam três as substâncias: uma infinita, Deus, e duas finitas, a pensante e a corpórea. A definição do que venha a ser propriamente uma substancia está no artigo 51 dos Princípios : “ Por “substância” não podemos entender senão a coisa que existe de tal maneira que não precise de nenhuma outra para existir. E de certo, só há uma única substância que se pode entender como absolutamente independente de qualquer outra, a saber, Deus.” É por ser substância que nesse sentido Deus

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Ainda durante a exposição do que venha a ser uma ideia, na mesma passagem, Descartes

então apresenta a definição clássica da mesma. Podemos ler: “Entre meus pensamentos, alguns são

como as imagens das coisas, e só àqueles convém propriamente o nome de idéia...” 73.

Nos parágrafos seguintes, Descartes estabelece um exame de como a tradição investiga as

ideias a partir de suas possíveis origens. No parágrafo 15º, a discussão acerca da teoria da

representação é retomada. A ideia é problematizada principalmente a partir de dois aspectos que

lhe seriam constituintes: a realidade formal e a realidade objetiva. Tal é a importância deles que

alguns dos temas e assuntos que se seguem no texto em diante como o aspecto representativo, a

veracidade, e a possibilidade de falsidade das ideias e o princípio de causalidade se darão no

entorno destes dois conceitos.

Por realidade formal devemos compreender aquilo que alguma coisa é enquanto ato. Todas

as coisas que são atualmente o são de determinado modo e este, seria então a sua realidade

formal. Desta forma, cada ato mental, cada atributo do pensamento, possui uma realidade formal

única, que corresponderá ao seu próprio ato característico. A realidade formal do ato mental de

duvidar, por exemplo, seria hesitar diante do conteúdo apresentado ao espírito. No que tange às

idéias, sua a realidade formal é simplesmente o ato de apresentar um determinado conteúdo o

espírito, ou seja, o próprio ato da representação.

Levando-se em consideração este aspecto formal, as idéias são consideradas iguais entre si,

pois não importa se tenho ideia de uma pedra ou de um cavalo, o ato em questão que lhes é

intrínseco, é sempre o mesmo, a saber, apresentar determinado conteúdo no intelecto. Diz o

filósofo, no parágrafo 15 “... caso essas idéias sejam tomadas somente na medida em que são certas formas de

pensar, não reconheço nenhuma diferença ou desigualdade...”.74

Além de podermos inferir a igualdade das ideias, este mesmo aspecto nos permite afirmar

outra qualidade a respeito das idéias: elas são sempre verdadeiras. Isto porque,

independe de todo o resto para existir, ao passo que todo o resto de coisas irá depender dele de algum modo para existir. Seja unicamente ou duplamente. Apesar de afirmar aqui que somente Deus pode ser considerado uma substância ele admite logo após, no artigo 52, que corpo e mente (substâncias corpórea e pensante respectivamente) na medida em que dependem única e exclusivamente de Deus para existir podem igualmente serem denominadas de substância. Já os modos ou atributos, dependem duplamente; por um lado de Deus, da substancia infinita e, por outro, também da própria substância da qual eles são modos. Numa possível hierarquia ontológica, três seriam então os níveis: no primeiro patamar está a substancia infinita, logo abaixo a substancia finita pensante e corpórea e mais abaixo, os modos destas. O pensamento, enquanto substancia, possui então modos que correspondem aos atos mentais do próprio pensamento. Uma ideia, um juízo, uma volição, são atos mentais, são portanto atributos, modos do pensamento. 73 DESCARTES,R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 3ed.,1983.(Col. Os Pensadores). p101. 74Id. Ibidem p.103.

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independentemente de qualquer que seja o conteúdo exibido por uma idéia, do que venha a ser

(re) apresentado em nossa mente pela ideia, este ato, (de reapresentar (ter idéia)) é sempre um ato

positivo, atual. Algo verdadeiramente, atualmente e positivamente se faz presente na e para, nossa

consciência. Em outras palavras, as ideias, enquanto atos são imediatamente percebidas por nós.

É nesse sentido que afirmamos as mesmas serem “verdadeiras”.

Já a realidade objetiva, equivale ao conteúdo da ideia. Trata-se do conteúdo que se faz

presente em nosso entendimento pelo ato da própria representação à consciência, ou seja, o

objeto da própria idéia existente objetivamente e positivamente na e para a consciência. O objeto

em questão da ideia, ou seja, esta realidade objetiva, não implica em um objeto extenso, no

mundo físico, no mundo externo. O domínio objetivo aqui em questão é meramente intelectual,

mental.

O principio da realidade formal, foi verificado, demarca um princípio de igualdade entre as

próprias idéias, na medida em que todas, se consideradas sob a perspectiva de serem somente

atos, correspondem a um mesmo ato: o ato de apresentar um conteúdo a mente. Mas e agora? O

que será possível afirmarmos da realidade objetiva? Enquanto princípio, esta noção que envolve

o ato mental da representação, condicionará as ideias como sendo iguais ou Diferentes? Falsas ou

verdadeiras?

Em relação à primeira dupla de qualidades, parece-nos óbvio a conclusão de que as ideias

são diferentes umas das outras. Se o ato de apresentar é sempre o mesmo nas ideias, o conteúdo,

a realidade objetiva precisa ser distinto um do outro, pois se assim não o fosse, todos nós

pensaríamos uma única ideia, uma ideia de uma mesma coisa. Em outras palavras, a realidade

objetiva parece ser o princípio que distingue as ideias entre si. O que nos permite pensar coisas

diferentes apesar de termos o mesmo ato mental. Através dela, conteúdos distintos são

apresentados à nossa mente. Diz Descartes: “... considerando-as (as ideias) como imagens, dentre as quais

algumas representam uma coisa e as outras uma outra, é evidente que elas são bastantes diferentes entre si”75.

Na passagem acima ainda que não fale diretamente sobre a realidade objetiva, parece-nos

claro que ao afirmar que as coisas representadas pelas ideias variam que ele está tratando delas

enquanto seu objeto. Ademais, cumpre ressaltar, a presença da menção à definição imagética da

ideia, anteriormente aqui tratada. O que implica podermos supor, que nesta primeira definição

não só a realidade objetiva já estava de algum modo presente, mas que também há, no mínimo,

75 Pag. 103

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uma estreita relação entre o caráter representativo da ideia – que está presente nesta definição – e

a realidade objetiva, ou, o conteúdo, objeto da ideia.

Isto ratifica a nosso ver nossa observação inicial de que o caráter representativo diz

respeito ao conteúdo da ideia, a realidade objetiva. Diante do que exposto, podemos afirmar da

definição de ser “como as imagens”:

A) A imagem em questão referida pelo filósofo não necessariamente é uma

imagem figurativa. Não se trata de uma analogia com qualquer tipo de representação

pictórica. A representação aqui em jogo é mental antes de tudo, podendo desse modo

termos ideias constituintes de imagens não figurativas.

B) O algo a que a imagem se refere, não necessariamente possui uma existência

atual no mundo. Contrariando novamente o senso comum que além de pensar na ideia

como algo figurativo, normalmente pensa na imagem como imagem de algo que é,

Descartes defenderá a possibilidade de nós termos a imagem de coisas que não

necessariamente são no mundo. Logo, eu posso ter idéia de uma coisa que não se apresenta

atualmente no mundo. O fato de me aparecer um determinado conteúdo na mente não

implica que este conteúdo possui alguma contraparte existente no mundo externo. Apenas,

como dito acima, que ele remete a alguma coisa distinta e independente da mente, ou do

pensamento.

C) Ser como uma imagem salienta o aspecto representativo e referencial da idéia,

pois uma imagem é sempre imagem de alguma coisa, ou seja, ela visa algo fora dela mesma,

ela remete a algo diferente de si própria. Portanto uma re-apresentação de algo. No caso

aqui tratado da ideia poderíamos falar até numa dupla referência, pois além da imagem que,

em si, naturalmente, já se refere a algo, o “como” usado por Descartes para caracterizar a

ideia, pode muito bem indicar que não se trata de uma imagem, mas de algo que se

assemelha a ela. Em outras palavras, teríamos uma referência a algo que por si só já faz

referência a outro algo. A escolha dos termos usados pra definir a imagem parece assim

denotar um peso em dobro a esse aspecto de remeter, de fazer referência da ideia.

D) A semelhança que a ideia propõe tendo em vista principalmente A e B não é

uma semelhança literal. É simplesmente o fato de fazer uma referência. Não entras em

questão se é uma semelhança igual ou desigual, mas algo que parece denotar e estabelecer

uma relação entre duas instâncias.

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Para Descartes tudo que pode existir - seja no nosso pensamento, seja no mundo físico -

pode ser definido como real, e tudo que é real pode existir. Logo, coisas reais são coisas que

podem existir. Podemos ter tanto representações de coisas existentes no mundo físico, quanto de

coisas existentes somente em nosso entendimento.

Agora, cumpre afirmar que uma representação para ser considerada verdadeira não

necessariamente necessita ser de coisas existentes atualmente no mundo físico, mas simplesmente

de coisas que podem existir no mundo, porém existindo apenas positivamente em nossa mente.

Elas são representações verdadeiras das coisas, sendo simplesmente “como se” fosse uma imagem,

mas não sendo efetivamente uma. Além disso, tal imagem mesmo que não figurativa, ainda deve

ser considerada imagem por conta de seu caráter representativo, de se referir a algo. É necessário

ter esse algo, ter uma coisa, a ser referido. Assim, elas são representações verdadeiras de coisas,

na medida em que apresentam um conteúdo como distinto da idéia e, por isso mesmo, como se

fosse algo.

Verificamos deste modo que nesta simples definição de idéia, encontra-se essencialmente

aquilo que lhe caracteriza, seu aspecto representativo e o fato de algo estar presente no espírito,

no intelecto. A idéia possui um objeto, mas este não é um corpo extenso, físico e atual como o

termo objeto pode equivocadamente remeter. O objeto da ideia é seu conteúdo, um conteúdo

que se apresenta ao intelecto, uma coisa existindo objetivamente no espírito76. Uma coisa que

representa!

Referências Bibliográficas:

DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 3ª ed., 1983. (Col. Os

Pensadores).

76 Entendemos aqui espírito como sinônimo de intelecto e alma.

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O PODER CONSTITUINTE DA MULTIDÃO EM ESPINOSA

Juliane Cristina Helanski Cardoso

Vania Sandeleia Vaz da Silva

[email protected]

RESUMO: Michael Hardt e Antonio Negri recuperam o conceito de multidão a partir da obra

de Bento Espinosa, para pensar a constituição de um novo sujeito político adaptado às condições

pós-modernas de vida e trabalho. Embora a multidão que vislumbram ainda não exista em todas

as suas determinações concretas ou em toda a sua positividade, possui a característica fundamental

de ser formada pela multiplicidade de todas as diferenças singulares das pessoas que possuem em

comum o poder constituinte.

Palavras-chave: Multidão; Espinosa; Poder Constituinte.

Michael Hardt e Antonio Negri, no iconoclasta Multidão: guerra e democracia na era do Império,

publicado em 2004 – como sequência do angustiante Império, publicado em 2000; que anos depois

foi completado pelo desconcertante Commonwealth, publicado em 2009, e ainda sem tradução para

o português – partem da Anomalia Selvagem espinosana, para afirmar a importância do poder

constituinte da multidão, ainda que essa multidão não possua uma existência real, ou empiricamente

verificável. Robert Musil (1880-1942) no caleidoscópico O homem sem qualidades conceitua utopia

de um modo belo, interessante e muito apropriado, quando escreve que:

Vão objetar que isso é utopia! Certamente é. Utopias significam mais ou menos que possibilidades; o fato de a possibilidade não ser realidade significa que as circunstâncias com as quais se entrelaça atualmente a impedem de se tornar real, caso contrário ela seria apenas uma impossibilidade; se a soltarmos dessas amarras, e permitirmos que se desenvolva, surgirá a utopia. É semelhante ao que acontece quando o pesquisador vê a mudança de um elemento num fenômeno complexo, e tira disso suas conclusões; utopia é a experiência na qual se observa a possível modificação de um elemento, e os efeitos que isso causa no fenômeno complexo que chamamos vida (MUSIL, 2006, p. 274, grifos nossos).

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Falemos das amarras. As teorias da soberania elaboradas por Thomas Hobbes (1588-1679)

no seu Leviatã; John Locke (1632-1704) nos seus Dois Tratados sobre o Governo; e, Jean Jacques

Rousseau (1712-1778) no seu Contrato Social; para ficarmos apenas nos principais autores e obras

consultados pelos cientistas políticos, não fizeram mais do que justificar as amarras, quer dizer

fundamentar teórica e filosoficamente a obediência. O jusnaturalismo e o contratualismo trataram

de “fixar a legitimidade do poder” de modo a embasar teoricamente a soberania, e, assim,

permitiram fundamentar a obediência e conseguiram ocultar “o problema da dominação e da

sujeição”, tal como explica Michel Foucault (1926-1984) na sua aula sobre Soberania e Disciplina,

ministrada em 14 de Janeiro de 1976 no curso do Collège de France:

[...] nas sociedades ocidentais, desde a Idade Média, a elaboração do pensamento jurídico se fez essencialmente em torno do poder real. É a pedido do poder real, em seu proveito e para servir-lhe de instrumento ou justificação que o edifício jurídico das nossas sociedades foi elaborado. [...] O personagem central de todo edifício jurídico ocidental é o rei, é essencialmente do rei, dos seus direitos, do seu poder e de seus limites eventuais, que se trata na organização geral do sistema jurídico ocidental (FOUCAULT, 1979, p. 180-181).

Não surpreende que Bento Espinosa (1632-1677) esteja ausente dos currículos de Ciência

Política quando os contratualistas estão presentes; sua perspectiva não é a do “rei” mas a da

“multidão”. A conclusão mais imediata da leitura de seu Tratado Político é que a multidão é de

meter medo a menos que esteja com medo – ideia politicamente perigosa e subversiva, que

aparece literalmente no Escólio da Proposição 54, da Parte IV, da sua Ética, como nos lembra

Antonio Negri, no livro A anomalia selvagem: poder e potência em Spinoza, publicado originalmente em

italiano em 1981. O caso é que a teoria política espinosana salienta o tempo todo que o poder

constituinte jamais deixa de pertencer à multidão, embora este sujeito político difícil de delimitar nem

sempre reconheça essa atribuição inalienável. Mesmo quando explica o funcionamento da

monarquia, que de acordo com as teorias clássicas sobre as formas de governo, corresponde à

concentração do poder nas mãos do monarca, ou ao governo de um, Espinosa conclui, na seção

31, do capítulo VII, do inacabado Tratado Político que “o povo pode conservar sob um rei uma

ampla liberdade, desde que o poder do rei tenha por medida o próprio poder do povo e não

tenha outra proteção senão o povo” (ESPINOSA, 2004, p. 484).

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Povo foi a palavra usada para traduzir multitudinem e multitudinis, o que quer dizer que

Espinosa optava por variações mais próximas de multitudo. Isso significa que a despeito do que

tantos disseram sobre o poder absoluto do governante – seja um, poucos ou muitos – existe um

limite intransponível ao exercício do poder: a proporcionalidade entre o poder do governante

soberano e o poder dos governados, em outras palavras, o poder da multidão. Tal conclusão

decorre da concepção de poder de Espinosa que aplica-se aos três gêneros de governo civil –

monarquia, aristocracia e democracia – pois em todos os casos o direito natural é igual à potência,

o que quer dizer que tanto os governantes quanto os governados tem direito de fazer tudo aquilo

que tiverem poder para realizar, nas suas palavras.

Isto ver-se-á mais claramente se considerarmos que, dizendo que cada um pode estatuir

sobre um negócio que é da sua competência e decidir como quiser, este poder que temos em

vista deve medir-se, não somente pelo poder do agente, mas também pelas facilidades que

oferece o paciente. Se, por exemplo, digo que tenho o direito de fazer desta mesa o que quiser, tal

não significa que esta mesa pode voar. Assim, também, apesar de dizermos que os homens

dependem, não de si mesmos, mas da cidade, não entenderemos por isso que os homens possam

perder a sua natureza e revestir-se de outra (ESPINOSA, 2004, p. 456-457).

Então, ao contrário do que afirmavam os contratualistas “a política não cria nem elimina os

conflitos, como não transforma a natureza humana passional” já que a instituição do campo

político apenas permite lidar com os conflitos e com as paixões humanas de maneira nova; assim,

a “diferença entre os regimes políticos decorre de sua capacidade ou incapacidade para satisfazer

ao desejo que todos os homens têm de governar e de não serem governados” (Chauí, 2006, p.

136). Portanto, se as pessoas permanecem com a mesma natureza depois de instituída a sociedade

política e isso independe do regime político, podemos concluir que mais importante do que

entender como funciona cada forma de governo é compreender o que é a multidão.

Ao explicitar o inalienável poder constituinte da multidão Espinosa compõe, ao lado de

Maquiavel (a ética da virtú do povo em armas) e Marx (o trabalho vivo), a via maldita da

metafísica política, como define Antonio Negri: a anomalia selvagem, o subversivo por excelência; e as

singularidades da multitudo são traduzidas na parceria com Michael Hardt na figura mística do

judaísmo: o Golem, a carne monstruosa; um deus vivo democrático, no qual a potência da multidão é

definida por diferentes graus de cupiditas – desejo – constitutivas, aquilo que Espinosa chamaria de

paixão constituinte da multitudo. Compreender a subversão espinosana e em que medida seu

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pensamento é rebelde a partir da discrepância do caráter constituinte da multidão significa afirmar

que o poder constituinte nunca se torna constituído de uma vez por todas: a multidão tem o

poder de reinstituir constantemente a política (NEGRI, 1993; HARDT e NEGRI, 2004).

Hardt e Negri (2004) utilizam o conceito de “multidão” em dois sentidos diferentes que

remetem a diferentes temporalidades. Primeiro, a multidão de Espinosa, sub specie aeternitatis: a

multidão do ponto de vista da eternidade, que, como explicava o filósofo, poderia, “através da

razão e das paixões, na complexa interação das forças históricas” criar “uma liberdade que ele

chama de absoluta”, pois, “ao longo de toda a história, os seres humanos têm recusado a

autoridade e o comando, manifestado a irredutível diferença da singularidade e buscado a

liberdade em inúmeras revoltas e revoluções” sendo que, portanto, “essa liberdade não é dada

pela natureza, naturalmente; ela só se manifesta mediante a constante superação de obstáculos e

limites”, pois trata-se de uma multidão que sempre age no presente – um presente perpétuo –

porque desenvolveu historicamente “a faculdade de liberdade e a propensão para recusar a

autoridade”, e, nesse sentido, “essa primeira multidão é ontológica, e não poderíamos conceber

nosso ser social sem ela” (HARDT e NEGRI, 2004, p. 285).

No segundo sentido, trata-se da multidão histórica, ou melhor, a não-ainda multidão que

nunca existiu até hoje. As análises de Hardt e Negri visam demonstrar que atualmente existem

condições culturais, jurídicas, econômicas e políticas que tornam possível essa multidão, mas ela só

existirá por meio de um projeto político. Será concebível um sujeito político com as

características da multidão? Diferente de povo, massa, classe, a multidão é múltipla; composta de

inúmeras diferenças internas que nunca poderão ser reduzidas a uma unidade ou identidade

única, já que estamos falando de diferentes culturas, raças, etnias, gêneros e orientações sexuais;

diferentes formas de trabalho; diferentes formas de viver; diferentes visões de mundo; e

diferentes desejos; pois, em resumo “a multidão é uma multiplicidade de todas essas diferenças

singulares” (HARDT e NEGRI, 2004, p. 12).

Poderíamos dizer que Hardt e Negri viram a mudança de um elemento num fenômeno complexo e

tiraram disso conclusões? No Império perceberam a erosão da soberania nacional; no Multidão,

desenvolveram a tese partilhada por Michel Foucault e Gilles Deleuze de que a resistência, que

chamam de biopolítica para contrapor ao biopoder do Império, vem primeiro; no Commonwealth,

conferem seriedade a tese espinosana do amor (não sensual, nem familiar, nem exclusivista, mas o

amor no sentido ético e político). A multidão é “a portadora do trabalho vivo que é fonte de toda

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riqueza, que constitui o mundo social e o próprio capital tal como ele se apresenta hoje no

Império” pois “só a multidão cria, constitui, é inteira positividade” o que quer dizer que “só ela é

dotada de um poder constituinte”; portanto, “a multidão é o conceito que permite designar a

práxis coletiva, mas a efetivação prática desse conceito não se dá senão pela práxis”

(SANTIAGO, 2014). Cabe lembrar que:

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime os cérebros dos vivos. E justamente quando parecem estar empenhados a transformar a si mesmos e as coisas, em criar algo nunca antes visto, exatamente nessas épocas de crise revolucionária eles conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar, com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo, as novas cenas da história mundial. [...] Do mesmo modo, uma pessoa que acabou de aprender uma língua nova costuma retraduzi-la o tempo todo para sua língua materna; ela, porém, só conseguirá apropriar-se do espírito da nova língua e só será capaz de expressar-se livremente com a ajuda dela quando passar a se mover em seu âmbito sem reminiscências do passado e quando, em seu uso, esquecer a sua língua nativa (MARX, 2011, p. 25-26).

A multidão não é composta apenas pelos homens, nem apenas pelos trabalhadores, nem

apenas pelos ocidentais, mas por todos aqueles e aquelas que são de algum modo, explorados

pelo capital e que lutam pela construção de um mundo comum, todas as pessoas que, como

aparece em Foucault constituem “um conjunto de resistências que engendram uma capacidade de

liberação absoluta, longe de qualquer finalismo que não seja expressão da própria vida e da sua

reprodução”, ou seja, os seres nos quais “libera-se a vida, que se opõe a tudo que a encerra e

aprisiona” (NEGRI, 2002, p. 45).

Para tanto valerá o esforço de pagar um copeque em algum sebo pela Ética de Espinosa...

Bastará ler algumas páginas para que a magia aconteça, tal como ocorreu como o homem de Kiev de

Bernard Malamud, citado por Deleuze: “[...] continuei como se um vento forte me impulsionasse

pelas costas. Não compreendi tudo, como lhe falei, mas quando tocamos em tais ideias é como se

segurássemos uma vassoura de feiticeira. Eu não era mais o mesmo homem” (2002, p. 144). Não

é à toa que Espinosa é o filósofo do coração de tantos homens e tantas mulheres:

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Escritores, poetas, músicos, cineastas e também pintores, inclusive leitores ocasionais podem se tornar espinosistas mas do que filósofos de profissão. É uma questão de concepção prática do “plano”. Não é que se seja espinosista sem sabê-lo. Mas, bem antes, há um curioso privilégio de Espinosa, algo que só ele parece ter alcançado. É um filósofo que dispõe de um extraordinário aparelho conceitual, extremamente avançado, sistemático e sábio; e contudo ele é, no nível mais alto, o objeto de um encontro imediato e sem preparação, tal que um não-filósofo, ou ainda alguém despojado de qualquer cultura, pode receber dele uma súbita iluminação, “um raio”. É como se a gente se descobrisse espinosista, a gente chega no meio de Espinosa, é arrastado, levado ao sistema ou a composição. Quando Nietzsche escreve: “Estou surpreendido, encantado... quase não conhecia Espinosa; se acabo de sentir necessidade dele é o efeito de um ato instintivo...”, ele não fala apenas como filósofo, e sobretudo não, talvez, na qualidade de filósofo (DELEUZE, 2002, p. 134).

Referências Bibliográficas:

CHAUI, Marilena. Política em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.

ESPINOSA, Bento. Tratado Político. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

___________. Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2012.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Record. 2001.

___________. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro: Record, 2005.

___________. Commonwealth. Massachusetts: The belknap press of Harvard University Press,

2009.

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A LEGITIMIDADE DO DIREITO EM FACE DA LEGITIMIDADE DA

LEGALIDADE EM HABERMAS

Kátia R. Salomão 77

Cezar Augusto Lazzarotto78

RESUMO: Longe de exaurir toda a temática do problema da falta de legitimidade do direito, o

presente estudo visa demonstrar como seria possível a construção de um direito legítimo, uma

vez que, a ideia de direito engendrada na modernidade, está atrelada a legalidade ante o

surgimento do estado de direito. Sem se desfazer dessa, a luz da teoria habermasiana da

legalidade, é que se pretende demonstrar que seria possível a construção da legitimidade do

direito, por meio de discursos críticos incumbidos de rediscutir o conteúdo ético-social da

própria lei. Através dos desdobramentos sobre o direito em Habermas, buscou-se albergar os

motivos que o levaram a repensar as bases do legalismo, ou seja, do direito. Assim, se optou em

demonstrar como Habermas acredita ser possível recuperar a legitimidade jurídica, ou

(re)construir um direito legítimo, uma vez que os discursos existente na comunidade jurídica,

respeitem a própria racionalidade procedimental.

Palavras-chave: Legitimidade do direito; legalidade; discurso racional

Introdução

Por que respeitamos à lei (positiva)? Seria por temor às suas sanções? Ou seria pelo simples

fato de que a nossa razão imperativa nos diz aquilo que é certo de tal forma que agiríamos ou

saberíamos agir de acordo com os ditames legais? Pois, em uma sociedade complexa, ou seja, ante

todas as pluralidades de valores e costumes existentes no bojo social, bem como, em face da

multiplicidade de poderes que nela se instauram e controlam a vida do homem (seu modo de agir

77 Mestre em filosofia pela UNESP. Professora de Filosofia e Hermenêutica da UNIVEL— União Educacional de Cascavel. Esse artigo é fruto das discussões do grupo de pesquisa, Habermas: direitos fundamentais e emancipação social, coordenado pela Ms. Kátia R. Salomão. 78 Acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Cascavel- UNIVEL e participante do grupo de estudos: Habermas: direitos fundamentais e emancipação social.

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e de pensar), como poderia a legitimidade do direito encontrar seu fundamento em uma lei geral

e abstrata guiada por um princípio universal da razão pura?

Todas essas questões parecem preocupar Jurgen Habermas fazendo-lhe refletir sobre elas,

uma vez que, para ele algumas das principais respostas que foram construídas ao longo da

história, são demasiadamente insuficientes para explicar os fenômenos sociais, ante as estruturas

complexas das sociedades contemporâneas. Poder-se-ia dizer que as sociedades são complexas,

na medida em que os mecanismos de poder nelas existentes começaram a se instaurar por todos

os setores e instituições que integram sua estrutura, e por tanto sua base, o que fará Habermas

repensar a legitimidade dos dispositivos daí decorrentes, dentre os quais o direito, que estaria

cumprindo com a função estratégica de “administrar a vida” em prol da manutenção do status quo.

É nesse contexto que Habermas buscará (re)interpretar as bases do direito moderno, ou

seja, do legalismo jurídico. Daí que se faz necessário, “olhar o velho com os olhos do novo”79,

pois não seria mais possível repensar os fundamentos que conferem legitimidade ao direito

compreendido em sua legalidade, na forma tradicional da teoria contratualista, que ainda em Kant

encontra seu fundamento último na liberdade assentada no princípio do imperativo categórico.

Neste sentido, poderíamos dizer que Habermas tentará reconstruir as bases do legalismo

moderno, e consequentemente do Estado de direito, de tal forma que indubitavelmente fará uso

da teoria clássica da filosofia política, ou seja, Habermas tenta (re)formular uma concepção de

direito alicerçada na legalidade em contraponto as teorias contratualistas de Hobbes, Rousseau e

Kant, sem no entanto, desfazer-se delas.

A partir daí, Jurgen Habermas fará uma leitura crítica da democracia e do estado moderno,

tentando encontrar em qual posição o direito se encontra na atual conjectura histórica, e

principalmente, qual a função que o mesmo desempenha na era moderna para só então buscar

sua real função. Deste modo, ao identificar que o direito, a legalidade, carece de legitimidade, pois

que, o poder ilegítimo que emerge do sistema se (con)funde à ele, Habermas propõe um método

diferente de se produzir a própria legalidade, em que teríamos necessariamente um processo

racional que respeita sua própria moralidade (não convencional), capaz de garantir a atuação dos

cidadãos receptores da norma e ao mesmo tempo seu legisladores, em uma esfera pública

eminentemente crítica.

79 In: STRECK, Lênio Luiz. Compreender Direito: Desvelando as obviedades do discurso jurídico.

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Isto por que, a reconstrução habermasiana do direito moderno implica em um resgate da

teoria do Estado de direito fundada nos direito subjetivos (principalmente na liberdade), sob um

viés eminentemente empírico, factual, em que fatos e valores dialeticamente convergem entre si,

para a partir de então se tornarem norma jurídica. Assim sendo, aquilo que conferiria legitimidade

a lei, seria a perpetua revisão do seus fundamentos, ou seja, a discussão contínua da própria

legalidade por meio da crítica discursiva, uma vez que, a lei não mais poderia ser compreendida

como algo acabado, inerte aos efeitos do tempo e do espaço. Por isso, para Habermas qualquer

concepção de legalidade que ignore as possibilidades de mudanças e adequações do legalismo as

condições historicamente construídas, autorizaria a tomada do direito por um poder ilegítimo

imantado de uma legalidade ilegal: a racionalidade desses discursos foi fomentada artificialmente,

através dos imperativos do sistema de onde emana a razão estratégica/instrumental, com o foco

de avultar sua real intenção.

Habermas tentará salvar a teoria clássica contratualista e o positivismo, daí decorrente, dos

paradigmas da modernidade em face de uma sociedade em crise. O antídoto para essa poluição

da jurisdição pela racionalidade do sistema, ora para o filosofo alemão, estaria conectada a teoria

da razão comunicativa que emana da interação dos atores civis, capazes de emitir discursos

legitimadores, críticos e dialéticos.

1. Habermas e a legalidade legítima em Kant

Prima face, Habermas pretende demonstrar qual é o conceito de legalidade e de direito kantiano

que se encontra suspenso na teoria dos direitos subjetivos, do mesmo modo que a teoria

contratualista esta alicerçada nestes direitos, como uma resposta ao modelo de estado moderno

de direito desenvolvido por Hobbes (FG, 2012, v. I, p. 48). Nesse sentido, a forma de estado

moderno almejado por Thomas Hobbes, suprimia os direitos subjetivos do homem, porquanto a

sua própria liberdade, no âmago de garantir a paz e a ordem por meio do Estado em Leviatã.

Assim, a teoria kantiana do ‘uso da razão’ autônoma representaria o reverso, isto é, uma crítica ao

autoritarismo do estado absoluto.

Desse modo, para Habermas (2012), em Kant a validade da norma jurídica reside nas tensões

internas entre coerção e liberdade, estatuídas no direito em si. Por isso, o direito fomentado pós-

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contrato social se legítima na medida em que se reveste da potencialidade de usar a coerção de

modo legítimo, opondo-se ao abuso das liberdades individuais: pode-se afirmar que essa é a

pretensão intrínseca e legítima do direito, ou seja, a possibilidade de através do direito positivo se

estabelecer regras coercitivas que possibilitem uma lei geral para a liberdade dos entes. Portanto,

segundo Habermas (2012) Kant busca um fundamento imperativo para o direito, que encontra

subterfúgio na ideia última de imperativo categórico, já que:

As teorias contratualistas – inclusive as de cunho idealista eram demasiadamente abstratas. Elas não tinham conseguido justificar os pressupostos sociais de seu individualismo possessivo. Além disso, elas recusaram-se a reconhecer que a justiça prometida pelas instituições fundamentais do direito privado (contrato e propriedade) e pelos direitos público-subjetivos de se defender contra o estado burocrático, implicava em contrapartida uma ideia de economia em pequena escala. Ao mesmo tempo, as teorias contratuais – aprioristas ou não – eram por demais concretistas. Elas não tinham conseguido discutir suficientemente a mobilização das condições vitais e subestimado a pressão da adaptação oriunda do crescimento capitalista e da modernização em geral (FG, 2011, v.II, p.241).

Diante de tal critica justifica-se a necessidade da pretensão kantiana em possibilitar, sob seu

escopo teórico, uma busca pela legitimidade do direito, a partir da coercibilidade da norma ante o

imperativo categórico, quando se admite que “Regras do direito estatuem condições do uso da

coerção sob as quais o arbítrio de uma pessoa pode ser ligado ao arbítrio de outra, segundo uma

lei geral da liberdade”. (FG, grifo nosso, 2012, v. I, p. 49).

(...) Kant parte da autonomia moral das pessoas regidas pelo imperativo categórico da qual obtém o princípio do direito como uma versão do princípio liberal que garante a proteção das liberdades subjetivas de ação, por isso, ele afirma que os direitos privados concernentes à propriedade privada podem ser fundamentados a partir do único direito inato à liberdade que o homem possui já no estado de natureza, os quais devem somente ser institucionalizados através do contrato originário, embora ele não entenda que isto constitui uma limitação da vontade soberana do povo porque pensa que o povo reunido jamais legislaria contra os seus direitos fundamentais (DURÃO, 2006, p.106).

A lei geral da liberdade seria desse modo, o próprio imperativo categórico. Assim o direito,

per si, estaria autorizado a usar de seu poder de coerção. Todavia, caso tenha-se em mente a ideia

de que existe uma liberdade natural que fundamenta o pacto social, sendo a partir do momento

que o homem passou a viver em sociedade, na qual autoriza o controle de suas liberdades pelo

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estado, que precisa indubitavelmente de normas ou do direito positivo, com o foco em reger eu

quero, eu posso e eu devo no convívio interativo das vontades subjetivas de cada cidadão:

conclui-se então que há um denominador comum na liberdade, (neste caso, o imperativo

categórico kantiano que diz a todo o homem o que é certo), que autoriza per si o poder

coercitivo do direito, e que limita a própria conduta ética, e a escolha correta a fazer pelos direitos

fundamentais (FG, 2012).

A coercibilidade se legitimaria pelo simples fato de que todo o homem é guiado por leis

imperativas, sendo que a própria legalidade estaria imantada deste mesmo imperativo que não

outro senão o categórico, que autorizaria a aplicação de uma sanção à quem infringisse a lei

(norma jurídica). Nesta linha, Habermas conclui que o conceito kantiano de legalidade refere-se

às normas do direito que “(...) são, ao mesmo tempo e sob aspectos diferentes, leis da coerção e

leis da liberdade” (FG, 2012, v. I, p.49).

Portanto, seriam coerção e liberdade dois componentes da efetividade do direito na

concepção kantiana de validade e legitimidade, em que por mais pareçam a um olhar desatento

elementos indissociáveis, em Kant são complementares. O imperativo do dever é o instrumento

utilizado pelo mestre de Königsberg, no sentido de limitar a vontade e impor o dever como regra

sui generis para o comportamento humano, e simultaneamente, é o que reveste o direito e sua

condição legítima de existência coercitiva, onde todos se submetem ao mesmo por estarem

associados numa sociável coletividade, ampliando de tal modo à liberdade a todos os entes.

2. Legalidade e sua facticidade

Em que pese às anotações anteriores em relação a Kant, podemos dizer que Habermas não

se desfaz totalmente daquelas lições, mas que pelo contrário, as reinterpreta sob outro enfoque.

O cerne da proposta habermasiana almeja albergar (dentre outros pontos), a problemática entre a

facticidade e validade do direito: essa alteração ocorre precisamente porque em FG o direito tem

a ver com uma legitimidade que agora depende dos destinatários do próprio direito.

Nessa problemática, Habermas (2012) corrobora com o ideário kantiano de que a coerção e

a liberdade integram o direito, com a ressalva de que a validade da legalidade não se esgota tão

somente sob estas duas características, vez que, Habermas acredita que a validade do direito e a

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facticidade estão interligadas. Assim o que irá diferenciar a concepção de legalidade para

Habermas da concepção kantiana de legalidade, é justamente a possibilidade da dimensão da

validade ser suscetível à críticas, ou seja, a legalidade não teria seu fundamento no mundo

abstrato da metafísica tradicional kantiana, mas sim, em contornos empíricos, em face a

facticidade existente na norma, que possibilitaria sua permanente transformação através do

processo critico discursivo. Com isso, Habermas tenta dar uma conotação eminentemente

prática, empírica, ôntica, e acima de tudo, dialética à validade do direito, e consequentemente ao

direito em sua amplitude, adversamente de Kant que ao separar e o mundo do “ser”, do “dever

ser”, buscará um fundamento de validade no direito em si, compreendido a partir de um

mandamento categorial emergente da razão pura: ai reside o sentido inovador do entrelaçamento

de validade e facticidade para Habermas.

Embora a concepção de coercibilidade em si mesma, por assim dizer, desenvolvida por

Kant na medida em que o mesmo deposita suas expectativas na coesão do dever e da norma

assentada no dever, em Habermas a própria legalidade está umbilicalmente ligada a facticidade.

Para Habermas a validade do direito só faria sentido, desde que respeitada a sua concepção

empírica de direito, compreendido na esfera da legalidade e consequentemente da validade

legítima do mesmo.

Em um sentido muito próximo ao das tensões entre facticidade e validade do direito que

Habermas desenvolve, e talvez de forma mais simples, não raramente Lênio Luiz Streck (2013)

adverte que a linguagem é meio de possibilidade para se conhecer o mundo, desvelá-lo, pois que,

em suas lições entre as palavras e as coisas existe uma dupla dimensão, ao ponto de que o sujeito

hermeticamente ao tentar descobrir o mundo, deve percorrer o trajeto que se desdobra entre a

“realidade da ficção, à ficção da realidade”. Ou seja, poder-se-ia concluir que há mundo no texto

e texto no mundo, ao passo que o próprio mundo seria a convergência entre ambas as

dimensões. Ora pois, nesse sentido, parece que Habermas tenta chamar a atenção para a distância

que existente entre a facticidade dos fatos e a facticidade da norma jurídica que se impõe e regula

os fatos existente na sociedade que reclamam por um controle normativo.

Logo, se não perdemos de vista esse binômio que parece se complementar, seria muito

mais clara a ideia de como poderia uma norma conter em si, a facticidade necessária para se

adequar ao caso concreto, ou seja, poderíamos entender o porquê toda norma tem a característica

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de ser genérica, vez que nesse sentido, Habermas no seu desiderato de compreender o direito em

Kant, nos presta valioso argumento,

Ao contrário da validade convencional dos usos e costumes, o direito normatizado não se apoia sobre a facticidade de formas de vida consuetudinárias e tradicionais, e sim sobre a facticidade artificial de ameaça de sanções definidas conforme o direito e que podem ser impostas pelo tribunal. (FG, 2012, v. I, p. 50).

Complementando o raciocínio alhures, é a facticidade artificial contida na norma, que confere

a possibilidade de coercibilidade do poder normativo80, vez que a norma não seria uma absoluta

construção metafísica sem fundamento empírico. Essa concepção de legalidade em Habermas

fica mais clara quando afirma que:

A positividade do direito significa que, ao se criar conscientemente uma estrutura de normas, surge um fragmento da realidade social produzida artificialmente, a qual só existe até segunda ordem, por que ela pode ser modificada ou colocada fora de ação em qualquer um de seus componentes singulares. (FG, 2012, v. I, p. 60).

Habermas fomenta que a norma, a legalidade, é uma construção abstrata e geral, mas que

devido seu caráter eminentemente factual, uma vez que inclinada a reger a vida em sociedade,

pode ser revestida de validade, pois “(...) o sentido desta validade do direito somente se explica

através da referência simultânea à sua validade social ou fática (Geltunge) e à sua validade ou

legitimidade (Gultigkeit)” (FG, 2012, v. I, p. 50).

Nesse ínterim, Habermas afirma que se faz necessário uma justiça eticamente guiada por

um processo de diferenciação de normas e valores, ou entre respectivamente, legalidade e

legitimidade. Todavia, a concordância da regra do discurso está arraigada a ideia da liberdade e

igualdade entre a totalidade de seres humanos. O princípio da democracia ocidental atribui aos

cidadãos à condição da unanimidade diante da justiça e indica um princípio participativo de todos

aqueles dotados da posição de seres racionalmente morais. Com efeito, Habermas deposita suas

80 Logo, seria possível buscar fundamentos para sua validade e legitimidade, vez que aqui Habermas não se desfaz do conceito de legalidade do direito de Kant, mas tenta refazê-lo, pois para Kant, normas de direito são ao mesmo tempo leis da coerção e da liberdade. Portanto, em Kant se uma norma não é coercitiva ela não pode ser válida, pois não cumpriria com a sua função de correção categórica moral, sendo que é justamente esta característica do pensamento kantiano, que Habermas irá tentar repensar sob outro viés, o que será demonstrado mais adiante.

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crenças na concepção de democracia deliberativa, onde, toda normatização legal somente atinge a

validade e a facticidade quando se torna legítima e reconhecida pelos participantes da sociedade.

Habermas afirma que “(...) o sentido desta validade do direito somente se explica através da

referência simultânea à sua validade social ou fática (...)”, complementando que “A validade social

de normas do direito é determinada pelo grau em que consegue se impor, ou seja, pela sua

possível aceitação fática no círculo dos membros do direito” (FG, 2012, v. I, p. 50).

Nesse ponto é crucial perceber que Habermas está propondo que a legalidade pode ser

válida quando se complementam a sua validade fática e sua legitimidade. Dito de outro modo,

para uma norma ser aplicável a comunidade jurídica, ela deve ser faticamente legítima e por isso

reconhecida discursivamente. Nessa ceara levanta-se a questão sobre como é possível à

legitimidade do sistema jurídico (do direito) por meio da legalidade?

3. A legalidade: Habermas em busca da legitimidade

Segundo Habermas (2012) a legitimidade da legalidade não se perfaz por meio de sua potesta

coercitiva, sendo que para ele, pouco importa o poder de sanção da lei para que a mesma seja

legitima. O direito fora fomentado no decurso de princípios universais e discursivos: o próprio

contrato poderia ser entendido através da teoria habermasiana, como o momento no qual seres

falantes através de uma vontade geral (rousseauniana), ou um ato interativo comum na esfera

pública deliberativa, conferem legitimidade aos próprios princípios universais, que de tal situação

são erigidos e que a partir dela norteiam o direito deontologicamente.

Assim, seria a legitimidade jurídica um fato que não se desprende ora apenas de uma

condição formal, ora através somente de um discurso prático normativo tangível à legalidade e à

positivação do direito. O reconhecimento das normas legais necessariamente ocorre porque

argumentativamente é constituída uma linha norteadora assentada na moralidade dos discursos

práticos legais dos quais são deduzidos argumentos para a sustentação da legitimidade da lei. O

ordenamento jurídico tem que estar baseado em princípios fundamentais da dimensão moral. Os

discursos requerem ora proferir ora questionar ora negar a legitimidade do direito, já que são

dependentes de conteúdos deontológicos compartilhados pelos indivíduos que compõe a

sociedade. Portanto, o direito corrobora com as condições normativas para que o fluxo

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comunicacional opere na direção de orientar o plano legal, com o propósito de conferir a esse

mesmo a legitimidade desejada (FG, 2011).

Por isso, afirma-se veementemente que Habermas nocauteia a perspectiva de que a lei só é

legitima se for coercitiva. O curioso é que a validade jurídica significa apenas que está garantida,

de um lado, a legalidade do comportamento em geral, no sentido de uma obediência à norma, a

qual pode, em certas circunstâncias, ser imposta por meio de sanções e, de outro lado, a

legitimidade da própria regra, que torna possível em qualquer momento uma obediência à norma

por respeito à lei. Habermas ainda afirma que: “Esta análise do modo de validade do direito

obrigatório traz consequências para a normatização jurídica, pois revela que o direito positivo tem

que legitimar-se”. (FG, 2012, v. I, p. 52).

Assim, é que Habermas (2012) propõe que a legalidade só pode ser legítima no momento

em que os sujeitos deixem de ser meros espectadores de seus direitos que ficam à deriva da

atividade estatal, para que possam gozar dos mesmos, e passem a atuar ativamente em uma esfera

pública para de forma crítica e reivindicá-los, e mesmo, (re)construí-los.

Portanto, o sistema torna-se autorreflexivo, por ter a participação dos afetados que

promovem a autocorreção e o saneamento dos problemas e crises. Pois, a ideia de uma sociedade

justa implica a ideia de emancipação e de dignidade humana e, para que todos tenham acesso a

essas condições de justiças sociais, todos irremediavelmente devem ter sua integridade e liberdade

garantidas no caráter universalista do direito, que só é realizável com a condição de promover

discursos publicamente, isto é, o cidadão somente tem sua dignidade afetada positivamente

quando o mesmo a constrói. Nesse aspecto é que Habermas irá fomentar sua crítica à estrutura

daquilo que ele chama de ‘paradigma jurídico liberal’, pois no seu sentir o equivoco presente na

construção do paradigma jurídico liberal consiste em reduzir a justiça a uma distribuição igual de

direitos, isto é, em assimilar direitos a bens que podem ser possuídos e distribuídos. No entanto,

os direitos não são bens coletivos consumíveis comunitariamente, pois só podemos “gozá-los”

exercitando-os. (FG, 2011, v. II. p.159).

Daí o sentido de Habermas afirmar que “No sistema jurídico, o processo de legislação

constitui, pois, o lugar propriamente dito da integração social” (FG, 2012, v. I, p. 52.). O mesmo

não está a fazer anuência ao processo legislativo convencional por óbvio, mais sim em uma forma

de legislar completamente nova, em que o sujeito que é o receptor da norma, passa ao mesmo

tempo a ser seu legislador, já que a influencia diretamente. Tais influências são ressoadas no

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plano da esfera pública81 que deve deliberar e pensar possibilidades de problemáticas concretas,

mesmo que discursivamente.

Por este motivo é que Habermas não se desfaz por assim dizer das teorias contratualistas

de Rousseau e Kant:

(...) por isso que o conceito do direito moderno – que intensifica e, ao mesmo tempo, operacionaliza a tensão entre facticidade e validade na área do comportamento – absorve o pensamento democrático, desenvolvido por Kant e Rousseau, segundo o qual a pretensão de legitimidade de uma ordem jurídica construída com direitos subjetivos só pode ser resgatada através da força socialmente integradora da vontade unida e coincidente de todos os cidadãos livres e iguais. (FG, 2012, v. I, p 53).

Poder-se-ia dizer que esta é uma concepção da democracia pensada sob bases que visão

reconstruir de forma crítica a perspectiva do que significa vontade geral, buscando a real vontade

de todos, até então resignificada por argumentos dogmáticos e conservadores, que de forma

retórica pretendem resguardar os interesses de uma minoria burguesa82, interesse estes, que

81 Tem-se, de acordo com o modelo de uma racionalidade guiada pela comunicação entre entes no mundo, seja o sistema ou o mundo da vida, não mais de uma natureza puramente instrumental como nos frankfurtianos da primeira geração, ou uma natureza concretamente materialista como em Marx e nos marxistas. A herança do marxismo é um mundo da vida produzido na práxis cotidiana, no qual está presente a característica instrumental ou estratégica, além da racionalidade comunicativa. Nesse sentido, o mundo da vida reproduz-se naturalmente mediante as ações orientadas para o entendimento recíproco, que está direcionada inicialmente a objetivos instrumentais, com os quais os falantes movem-se no mundo. As ações instrumentais estão entrelaçadas com as comunicativas, ao passo que se torna observável na execução dos planos dos outros participantes da interação, mediante definições identificáveis entre as pretensões de validade em processos de entendimento recíproco. Assim, a teoria da ação comunicativa considera que a reprodução simbólica do mundo da vida é retroativa e internamente acoplada com sua reprodução material. O mundo da vida reproduz-se pela linguagem que funciona como um mediador da interação entre os seres racionais. Promove a ação orientada para o entendimento recíproco unido aos processos materiais da vida, ou seja, em vista de ações estratégicas entrelaçadas com a racionalidade comunicativa. Apresenta, dessa forma, a execução de planos dos participantes do discurso, em que o outro da razão intervém na ação racional ou na ação direcionada a objetivos. Para tanto, segundo Habermas, qualquer argumento quando ainda não atingiu um consenso fático, encontra no mundo da vida um contra argumento, sendo isso um movimento inerente à racionalidade comunicativa, cujos critérios são estabelecidos pelo conjunto de regras às quais se conformam os agentes comunicativamente competentes. A competência comunicativa nada mais é que o domínio das regras para levantar e sustentar diferentes tipos de pretensões de validade, o que pressupõe que diz respeito tanto ao aspecto cognitivo (domínio das regras de gerações formais, lógicas – Piaget), quanto ao linguístico (a competência linguística de Chomsky, isto é, o domínio das regras para produzir gramaticalmente sentenças bem formadas), e ao aspecto interativo (a capacidade de dominar regras relativas às formas de interação sempre mais complexas – Kohlberg). 82 Neste sentido impõe-se a visão de Marx quanto à legalidade, como sendo um instrumento apto a garantir o sucesso da classe burguesa. (Villey, 2008). Mesmo por que segundo Villey (2008, p.171): “(...) Locke confessava que o contrato social era estabelecido em benefício dos proprietários”.

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falsamente era ou são interpretados como a vontade geral83. Neste sentido, Habermas parece dar

uma resposta àqueles que veem na legalidade um mero instrumento de dominação de classe, ou

do poder instrumental e estratégico da razão, como, a saber, na teorização de Roberto Lyra Filho,

segundo quem:

A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante,

pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob

o controle daqueles que comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos

meios de produção. (Lyra Filho, 1997, p.8).

Nessa esteira Habermas pretende que:

Na medida em que os direitos de comunicação e de participação política são constitutivos para um processo de legislação eficiente do ponto de vista de legitimação, esse direitos subjetivos não podem ser tidos como os de sujeitos jurídicos privados isolados: eles têm que ser apreendidos no enfoque de participantes orientados pelo entendimento, que se encontram numa prática intersubjetiva de entendimento (FG, v. I, 2012, p. 53).

A lei não emanaria propriamente do Estado sem qualquer questionamento,

problematização ou conflitos dialéticos discursivos, como no entendimento de Lyra Filho, e

tantos outros inundados pela visão do materialismo histórico, da [des]razão niilista, dos discursos

dos pós-modernos e dos pensadores frankfurtianos como Adorno e Horkheimer. Segundo

Habermas a legalidade não ocorreria ao seu bel prazer largada aos azares do arbítrio de quem à

cria, mas necessariamente a positividade resultaria de uma vontade legítima em face da malgrada

“(...) autolegislação presumivelmente racional de cidadãos politicamente autônomos” (FG, v. I,

2012, p. 54).

Habermas (2012) adverte que em Kant o princípio da democracia era carente de uma de

uma participação política consensual dos cidadãos. O mesmo princípio da liberdade invocado

pelos revolucionários burgueses da Revolução Francesa para se chegar ao poder, agora é

reinterpretado por Habermas, sob um viés emancipatório social, que pode encontrar

sustentabilidade na legalidade racionalmente e moralmente desenvolvida que respeite seu próprio

processo de formação em uma esfera pública ativa, que faz jus de seus direitos fundamentais no

83 Daí que Engels sedimenta severa crítica a democracia que tem por escopo a teoria do contrato social no sentido de que (...) o moderno Estado representativo é o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo capital”. (2009, p.212).

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seio de um Estado Constitucional. Nesse mesmo aspecto, Habermas sustenta que: “A liberdade

comunicativa dos cidadãos pode, como vimos, assumir na prática da autodeterminação

organizada, uma forma medida através de instituições e processos jurídicos, porém não pode ser

substituída inteiramente por um direito coercitivo (FG, 2012, v. I, p. 54).

Deste modo, Habermas propõe uma legitimidade à legalidade adversa daquela imposta

através do poder coercitivo do direito, que é pouco exposta às críticas, e não raras vezes,

encontra justamente por isso, sua legitimidade em um poder simbólico84. Assim, Habermas

oferece uma resposta ao poder ilegítimo imposto de fora dos mecanismos do direito, ao passo,

que segundo Habermas (2011 v.II, p. 61.): “No Estado de direito a prática da autolegislação dos

cidadãos assume uma figura diferenciada institucionalmente”, por que:

Sociedades modernas são interligadas não somente através de valores, normas e processo de entendimento, mas também sistematicamente, através de mercados e do poder administrativo. Dinheiro e poder administrativo constituem mecanismos da integração social, formadores de sistema, que coordenam as ações de forma objetiva, como que por trás das costas dos participantes da interação, portanto não necessariamente através de sua consciência intencional ou comunicativa. A “mão invisível” do mercado constitui, desde a época de Adam Smith, o exemplo clássico para esse tipo de argumentação (FG, 2012, v.I, p. 61).

Essa problemática emerge segundo Habermas (2011) no momento que a potencialidade da

mobilização comunicativa de argumentos racionais, é controlada de forma estratégica para ser

inacessível aos cidadãos, gerando normas e valores autoritários que permanecerão imunes ao

processo de problematização e discussão para que se alcance o entendimento sobre os mesmos.

Portanto, Habermas arremata que:

(...) a legitimidade pode ser obtida através da legalidade, na medida em que os processos para a produção de normas jurídicas são racionais no sentido de uma

84 Neste sentido Campello em célebre artigo faz as seguintes observações: “(...) IHERING: [...] a preponderância do poder inclina-se para o lado do direito, e a sociedade pode ser designada, por consequência, como o mecanismo de autorregulação da força conforme o direito.” E mais adiante em analise aos argumentos de Pierre Bourdieu no sentido de que este poder se legitimaria justamente pela falta de questionamento, quanto sua legitimidade e conteúdo. Assim segundo Bourdieu, “O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras”. Arrematando Campello que “(...) os conteúdos do Direito são controlados pelo próprio estado, ao limitar o campo de debates, os atores deste debate e a duração do debate, com a apresentação, de uma ‘certeza’ pelo Estado-Juiz.” (Grifo Nosso). CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. O Poder Simbólico do Direito: Uma Introdução ao Estudo do Direito pela Obra de Pierre Bourdieu.

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razão prático-moral procedimental. A legitimidade da legalidade resulta do entrelaçamento entre processos jurídicos e uma argumentação moral que obedece à sua própria racionalidade procedimental (2011, v. II, p. 203).

Ora, o que Habermas pretende é uma legalidade que deve ser exposta a um processo crítico

quanto suas normas e valores, que possa ser examinada por seus receptores em uma esfera

pública, pois só assim seria possível falar em uma legalidade legítima, uma vez que segundo

Habermas (2012, v. I, p. 62): “Com muita frequência o direito confere aparência de legitimidade

ao poder ilegítimo”. O enfoque habermasiano não despreza que o sistema conta com anomias e

crises estratégicas e instrumentais que bloqueiam e impossibilitam o reconhecimento e

legitimidade dos conteúdos normativos. Com isto, pode-se dizer que Habermas pretende superar

os paradigmas do direito a partir de uma compreensão procedimentalista do fenômeno jurídico

em que:

No estado de direito delineado pela teoria do discurso, a soberania do povo (...) se retira

para os círculos de comunicação de foros e corporações, de certa forma destituídos de sujeito.

Somente nessa forma anônima, o seu poder comunicativamente diluído pode ligar o poder

administrativo do aparelho estatal à vontade dos cidadãos (FG, 2012, v. I, p. 173).

4. A formação legítima do direito ante a compreensão procedimental do fenômeno

jurídico: Habermas contra a legalidade ilegítima

O que parece perturbar Habermas é a forma como o moderno sistema de direitos se

apresenta ante uma sociedade que se estrutura de forma complexa. Complexa, pois, o Estado do

bem estar social, não pode (ou não pôde) dar conta na atual conjectura histórica, de cumprir com

seu fim último de garantir uma ‘vida boa’ aos cidadãos, devido à vasta gama de exigências sociais

e políticas que lhe foi imposta, e em face sua própria estrutura que se volta para tal fim. Um dos

efeitos indesejáveis de tal sorte é a redução da soberania estatal, onde a razão instrumental é

utilizada pelas grandes corporações motivando a deliberação política, do próprio Estado, em

benefício a finalidades obscuras e estratégicas do sistema. Assim, o poder público contamina-se

pela racionalidade que emana do mercado, em que as responsabilidades típicas do estado mínimo,

não conseguem atingir o público, contudo realizam o reverso: atingem o privado, que irá

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culminar na fragilidade da lei parlamentar, bem como no crepúsculo pelo qual passa o princípio

da separação dos poderes, é justamente a tomada do Estado pelo sistema85.

O pivô da atual crítica ao direito, num Estado sobrecarregado com tarefas qualitativamente

novas e quantitativamente maiores, resume-se a dois pontos: a lei parlamentar perde de cada vez

mais seu efeito impositivo e o princípio da separação dos poderes corre perigo (FG, 2011, v.II, p.

173).

Nesse aspecto, Habermas coaduna com Dworkin em relação ao alerta das decisões

pautadas em princípios da política, contaminada pela racionalidade meios e fins, em menosprezo

pela realização dos direitos fundamentais do cidadão. Segundo Dworkin, a justiça “é uma questão

de direito individual, não, isoladamente, uma questão de bem público" (DWORKIN, 2009, p.

39). Desta feita, Habermas está preocupado com o fato de que o poder ilegítimo por intermédio

do discurso se institucionaliza, e administra as formas de vida, podendo, inclusive, agir de acordo

com o direito. Isto ocorreria ante uma “administração da vida” que por derradeiro, se apossa ou

se adequa ao direito, revestindo-lhe de ilegitimidade.

Nessa mesma vertente as considerações de Zizek (2008, p.119) esclarecem que para

Habermas, “(...) seria o projeto moderno de liberdade (política) uma falsa aparência cuja ‘verdade’

é corporificada por sujeitos que perderam até o último vestígio de autonomia por estarem

imersos no ‘mundo administrado’ do capitalismo recente (...).”. Ainda para Habermas (2012, v. I,

p.201): “O modo como nós nos apropriamos das tradições e formas de vida nas quais nascemos

e como as continuamos seletivamente decide sobre quem nós somos e queremos ser enquanto

cidadãos”. Em face de tal problemática, da tomada de poder do Estado pelo sistema (dinheiro e a

administração), adverte que a lógica do discurso não pode ser reduzida aos procedimentos

institucionalizados no Estado constitucional.

Partindo dessa problemática, Habermas irá ver no princípio do discurso uma provável saída

desse paradigma, vez que, Habermas (2011) crê que com a guinada analítica da linguagem86 a partir

85 Quanto ao conceito de sistema, Freitag adverte que “Trata-se, neste caso, de dois subsistemas da sociedade que desenvolvem certos mecanismos autorreguladores: o dinheiro e o poder (...)”. (FREITAG, 1995, p. 15 grifo do autor). 86 Neste ponto, Habermas se refere a superação entre a relação sujeito e objeto que não mais pode ser sustentada, vez que o que existe em verdade é uma relação entre sujeito-sujeito, que de forma intersubjetivamente constroem o real. Assim Habermas afirma que “As ideias passam a ser concebidas como incorporadas na linguagem, de tal modo que a facticidade dos signos e expressões linguísticas que surgem no mundo, liga-se inteiramente com a idealidade da universalidade do significado e da validade em termos de verdade.” (FG, 2012, v.I, p.55). Nesse sentido, ver também STRECK, Lênio Luiz. Compreender Direito desvelando as obviedades do discurso jurídico.

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das teorias de Frege e Peirce, seria possível romper com o paradigma da deslegitimidade do

direito a partir de uma compreensão procedimentalista do fenômeno jurídico.

Desse viés, Habermas (2011) afirma que o princípio do discurso tem a incumbência de

garantir um consenso não-coercitivo (adversamente da lei compreendida em sua forma

convencional), por meio de procedimentos que garantam a imparcialidade no momento

deliberativo do entendimento sob determinada norma jurídica.

Portanto, para Habermas (2011), a partir de um procedimento democrático com caráter

discursivo voltado ao entendimento para a formação da vontade em uma esfera pública política,

seria possível fundamentar a legitimidade do direito. Pois adversamente da do discurso moral, o

discurso jurídico possuiria segundo Habermas (2012) uma aptidão para deliberar sobre as

vontades particulares de cada cidadão em concomitância com sua vontade geral, servindo

segundo Habermas como uma ferramenta mediadora. Nesse sentido, com A Crise de Legitimação

no Capitalismo Tardio, Habermas (1999) procura demonstrar que questões práticas podem ser

tratadas discursivamente, sendo possível observá-las empiricamente, para propor uma avaliação

da relação entre sistema e legalidade voltada para a juridificação e legitimação87.

Com isso, se materializa a necessidade de conceber o direito ora como um mediador das

temáticas que são problematizadas discursivamente, ora como um tradutor da linguagem

sistêmica, que desdobra-se nesse movimento contínuo mantenedor da troca de conteúdos entre

as esferas sociais. Essa alteração ocorre precisamente porque em FG o direito tem a ver com uma

legitimidade que agora depende dos destinatários do próprio direito. Em que pese a aparente

discrepância entre vontade geral e particular, se ressalta que Habermas não interpreta esse ponto

sob uma ótica de contradição indissolúvel, mas ao reverso, ele compreende que aquilo que for

deliberado como sendo de interesse de uma vontade geral, deve necessariamente albergar todas

as possibilidades de escolhas frente à pluralidade de vontades emanadas dos membros da

comunidade jurídica. Assim sendo, Habermas versa que:

Se a negociação de compromissos decorrer conforme procedimentos que garantem a todos os interesses iguais chances de participação nas negociações e na influenciação recíproca, bem como na concretização de todos os interesses envolvidos, pode-se alimentar a suposição plausível de que os pactos a que se chegou são conforme a equidade. (FG, 2012, v. I, p. 208).

87 Habermas, 1999, p.93-94 e 149.

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Este método seria segundo Habermas (2011), o que melhor se adaptaria a uma sociedade

complexa, que devido a sua pluralidade de interesses e valores, clama por um procedimento que

respeite sua racionalidade ético-social capaz de garantir a participação política de todos os

cidadãos e fazer frente ao poder ilegítimo que se reveste de forma jurídica por meio da legalidade.

Em última análise, o método procedimentalista do direito almejaria:

(...) impedir, em última instancia, que um poder ilegítimo se torne independente e coloque em risco a liberdade, não em temos outra coisa a não ser uma esfera pública desconfiada, móvel, desperta e informada, que exerça influência no complexo parlamentar e insiste nas condições da gênese do direito legítimo. (FG, 2011, v. II, p. 185).

Data máxima vênia, poderíamos arrematar que Habermas tenta salvar o Estado de direito e

própria democracia de sua falta de legitimidade, no âmago de reconstruir de forma crítica as bases

de um direito à mercê do poder ilegítimo.

Conclusão

A forma como se buscou compreender o direito subjetivo, ou seja, a liberdade, que

encontra seu ponto máximo na teoria kantiana do livre arbítrio, se tornou no decurso da história

insuficiente para fundamentar o direito e garantir-lhe a legitimidade. Uma vez que julgarmos que

aonde está a sociedade está o direito, (ubi jus, ibi societas), por derradeiro que todas as complicações

que afetam a sociedade indubitavelmente irão afetar o direito. Assim é que o modelo tradicional

de estado de direito emergente da revolução francesa, tem seu fundamento nos direitos naturais,

subjetivos, do homem, a exemplo da liberdade.Ora pois, Kant comete grave equívoco ao separar

o mundo do ser do dever ser, o mundo dos fatos do mundo das normas, pois o direito como no

dizer de Villey (2008), é um fenômeno essencialmente dialético que está em permanente

transformação.

Ademais, Habermas tenta demostrar essa característica do direito, que se torna essencial

para uma compreensão do fenômeno jurídico na era moderna, pois em sociedades complexas

não é possível fazer uma leitura da legalidade e por consequente do direito, sob uma ótica

exclusivamente metafísica. A razão, a lei moral, não gere a si mesma, pelo contrário, ambas estão

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submersas a facticidade do mundo: facticidade que a partir da vidada linguística é concebida

discursivamente na interação dos falantes.

Assim, uma vez que revestida a norma de conteúdo fático, a sua instrumentalização passa a

ser possível. No entanto, o conceito de racionalidade em Habermas abandona a premissa da

axiologia, aderindo à condição dialógica: a racionalidade da lei pode ser tanto

instrumental/estratégica quanto assentada na razão comunicativa, sendo que com base nesta

última, seria possível a construção legítima do direito. Legítima, pois o direito não raras as vezes

tem conferido falsa legitimidade a leis, pelo contrário, essa “leis” muitas vezes são conflitantes

com o sistema de direitos a ponto de infringi-los.

Ora, uma vez que o legalismo surgiu na história com o desiderato foco em garantir os

direitos fundamentais do cidadão contra os arbítrios do ‘estado Leviatã’, não faz sentido que a lei

seja usada pelo sistema (administração e poder) de modo a lesar gravemente esses mesmos

direitos. Em um Estado que se titula democrático de direito, a lei não pode ser uma faca de dois

gumes para o cidadão hipossuficiente em relação ao estado e o sistema. Eis aí o a razão da

existência do estado: garantir, proteger e efetivar os direitos fundamentais em face dos paradigmas

sociais.

Nesse aspecto, fica claro que para Habermas o direito cumpre com uma dupla função na

modernidade: de um lado, serve de instrumento para quem detêm o monopólio do poder, que

usa de seu poder coercitivo e de sua consensualidade (não sou obrigado a fazer nada que a lei não

mande, ou deixar de fazer o que ela me autoriza) para garantir a ordem social estabelecida,

enquanto que de outro lado, a legalidade tem o fim último de frear os arbítrios do estado para

proteger, e materializar o próprio direito. Eis o paradigma do direito.

Desta feita, é que as formas de racionalidades existentes nas sociedades passam a ser as

peças chave para fundamentar a legitimidade do direito, pois se tivermos em mente que o fim do

mesmo reside na manutenção do status quo, então devemos pugnar pelo uso da razão instrumental

para tal, vez que sua dimensão é desprovida de críticas, logo imune a processos dialéticos que

eclodem em transformações, mas se do contrário, julgarmos que o fim do direito é garantir e “dar

vida” as palavras insculpidas na constituição de um Estado Democrático de Direito, então o

mesmo deve necessariamente ser guiado por uma racionalidade comunicativamente e

discursivamente amoldada, que permite a permanente transformação do direito em uma esfera

pública, por processos discursivos críticos emitidos pelos destinatários finais da lei: o povo.

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O ENSINO DE FILOSOFIA E O ATO DE FILOSOFAR SEGUNDO

MARTIN HEIDEGGER

Katyana Martins Weyh

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

RESUMO: A presente comunicação se empenha em compreender como a filosofia de Martin

Heidegger (1889-1976) torna pensável o ensino de filosofia na atualidade. Sabemos que este

filósofo alemão é vinculado à escola da fenomenologia e, com base nessa, desenvolve uma análise

da realidade humana com nome de analítica existencial. É exatamente a luz desta análise que

pretendemos investigar como Heidegger interpretaria o ato de ensinar filosofia. A questão que

nos propomos investigar vai ao encontro da ideia de Heidegger segundo a qual o ser-aí já se

encontra na filosofia e que é de sua essência que enquanto existimos filosofamos. Ponderamos

que, a partir de algumas indicações dadas pelo próprio Heidegger, em textos diversos, possamos

investigar também em que medida a fenomenologia heideggeriana se relaciona com o ensino da

filosofia e do ato de filosofar. Assim, julgamos poder sustentar a hipótese de que – mesmo que

Heidegger não seja considerado um “teórico da educação” – suas contribuições são importantes e

influentes na intersecção entre a filosofia e a educação, bem como ao ensino da primeira.

Palavras-chave: Heidegger; educação; filosofia contemporânea; fenomenologia

Martin Heidegger é reputado como um dos mais reconhecidos filósofos da

contemporaneidade, além de ter contribuído consideravelmente como professor na Universidade

pública de Freiburg, na Alemanha. Sua carreira como docente começou em 1919, antes da

publicação de sua obra mais renomada, a saber: Ser e Tempo. Segundo Hannah Arendt, Heidegger

marcou o ensino e o estudo da filosofia de sua época, uma vez que orientou seus seguidores a

uma nova forma de pensar, através da derrocada da metafísica, onde enfatizava que o

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pensamento deve ocupar-se de problemas como o do sentido do ser, que estava preso à história

da filosofia de maneira inveterada. (ARENDT, 2001)

No período em que se ocupou da profissão de professor, Heidegger tinha o intuito de

mostrar aos seus discentes que deveriam conhecer minimamente os traços principais da filosofia,

para que pudessem ter um conhecimento historiográfico do pensamento até então. Ele

reconhecia que “seria um grande equívoco pensar que sempre poderíamos conformar a filosofia a

partir de uma recusa completa da tradição filosófica” (HEIDEGGER, 2008, p.5). No entanto,

um conhecimento historiográfico não é o suficiente quando tratamos de filosofia, pois o objetivo

principal desta disciplina é ocupar-se dos problemas intrínsecos ao âmbito filosófico. Devido a

isso, cabe aqui dizer que “Heidegger nunca pensa “sobre” algo, ele pensa algo.” (ARENDT,

2001, p. 133).

Assim, notamos que Heidegger tem por objetivo reunir estes aspectos para que seja

possível o ensino da filosofia. Através da tradição filosófica, o ser-aí compreende de forma

panorâmica e em traços principais, os filósofos e a história da filosofia, o que contribui para um

conhecimento historiográfico, porém, não é apenas a história que contribui para o ensino de

filosofia. Há a necessidade de um caráter sistemático, que é capaz de revelar os traços mais

importantes que devem ser destacados no âmbito histórico, para que seja possível verificar como

as disciplinas são coordenadas entre si e como formam um sistema. Portanto, para que seja

possível o ensino de filosofia, é necessário que se tenha um aspecto historiográfico e sistemático,

e que esses dois aspectos se complementem de forma harmoniosa (HEIDEGGER, 2008). Além

disso, o fato de nos atermos à tradição filosófica é necessário para que tenhamos uma pré-

compreensão da filosofia, esta que já nos é necessária e essencial.

Sendo assim, Heidegger acredita que todo ser-aí humano tem em si a possibilidade do filosofar,

e que embora isso não se dê naturalmente, apenas o ser-aí tem essa possibilidade, uma vez que

somente o homem tem consciência de mundo e copreensão de ser. É assim que podemos

entender em que medida a filosofia pertence a nós, tanto quanto nós pertencemos a ela:

Mesmo que não saibamos expressamente nada sobre filosofia, já estamos na filosofia porque a filosofia está em nós e nos pertence; e, em verdade, no sentido de que já sempre filosofamos. Filosofamos mesmo quando não sabemos nada sobre isso, mesmo que não “façamos filosofia”. (HEIDEGGER, 2008, p. 3)

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À vista disso, podemos compreender que o fato de uma pertencer a outra e vice-versa, se

dá, pois a ideia que o filósofo sustenta é de que enquanto existimos, filosofamos, e que o ato de

filosofar não se dá de forma intermitente, mas sim, de forma constante e necessária. Entretanto,

o que Heidegger nos mostra é que o filosofar é uma possibilidade de todo homem, o que não

significa que todo ser-aí tem em si um caráter filosófico. O homem possui a condição de

possibilidade para o filosofar, porém, é uma escolha de cada ser-aí, aceitar ou não o exercer do

ato filosófico.

Heidegger especifica essa ideia através de sua analítica existencial88, onde descreve o

homem como um ente privilegiado ontologicamente, como sendo capaz de filosofar, - diferente

de todos os demais entes - que estão apenas no domínio ôntico. Devido a isso, Heidegger afirma

que nem os animais, nem Deus pode filosofar, apenas o homem, isso porque a filosofia é uma

possibilidade de um ente finito que compreende ser. (HEIDEGGER, 2008).

É nesse sentido, que a fenomenologia heideggeriana e mais especificamente a analítica

existencial vão de encontro com a ideia do filósofo a respeito de um possível ensino de filosofia e

do exercer do ato filosófico. Heidegger acredita que o homem, por ser esse ente privilegiado tem

a possibilidade de compreender ser, compreender mundo e compreender os problemas

filosóficos. Cabe apenas ao homem, que é este ente que abre mundo e que tem consciência, a

possibilidade do filosofar e mesmo que não exista uma escolha a fim de colocar em movimento a

filosofia, ela já se encontra em cada ser-aí, de forma “adormecida”.

No entanto, devemos entender de que forma essa filosofia reside no ser-aí e de que

maneira ela acontece, pois assim podemos compreender o percurso do ato de filosofar. Para

Heidegger, todo ser-aí tem a possibilidade de filosofar, porém, para que seja possível colocar o

filosofar em movimento, o ser-aí precisa de uma introdução à filosofia, a fim de libertar essa

filosofia que se encontra adormecida no nosso ser. O filósofo quer dizer com isto, que para

colocar a filosofia em curso, ou seja, deixar que o movimento do filosofar aconteça em nós,

precisamos, antes de tudo, acolher a liberdade daquilo que deve se tornar algo livre em nosso ser-

aí. Mas de que forma realizar tal tarefa? Heidegger responde:

88 Para elaborar e desenvolver uma ontologia fenomenológica, Heidegger indica uma condição necessária para a recolocação da pergunta pelo sentido do ser, esta condição: uma análise do ente que pode compreender e questionar ser.

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Não podemos ser de modo algum transpostos para o estado do filosofar por meio de um truque qualquer, uma técnica ou um passe de mágica. A filosofia deve tornar-se livre em nós, ela deve tornar-se a necessidade interna de nossa essência mais própria, de modo a conferir a essa essência a sua dignidade mais peculiar. No entanto, é preciso que venhamos a acolher em nossa liberdade aquilo que deve se tornar livre em nós dessa maneira: nós mesmos precisamos tomar e despertar livremente o filosofar em nós. (HEIDEGGER, 2008, p. 5)

Desse modo, entende-se que enquanto a filosofia não se encontra livre em nós, não há, de

fato, o movimento filosófico, o que faz Heidegger investigar de que maneira se dá o essa ação.

Embora o ser-aí esteja aberto para a possibilidade do filosofar, e que acolha enquanto uma

escolha este movimento, há a necessidade de um modo de pôr o filosofar em curso, de forma

que a filosofia aconteça em cada ser-aí. É neste ponto, que o autor coloca a importância de uma

“introdução à filosofia”. Porém, há de se tomar cuidado com relação ao termo introdução, uma

vez que, o filósofo não tem pretensão alguma de mostrar que há a necessidade de conduzir o ser-

aí para dentro do âmbito filosófico, visto que nenhum ente privilegiado ontologicamente

encontra-se fora dele. Isso implica que, quando Heidegger faz menção ao termo introdução à

filosofia, quer mostrar que o ser-aí carece desse meio para colocar o filosofar em curso, ou seja,

deixar o movimento do filosofar acontecer em nós.

Todavia, para que seja possível o filosofar, não basta uma introdução, mas também, uma

atenção à história da filosofia em geral. Aqui Heidegger enfatiza que neste período inicial do

ensino de filosofia, o que deve ser levado em conta são “os contornos mais salientes” da tradição

história, e não os “problemas intrínsecos ao âmbito filosófico” (HEIDEGGER, 2008). Desta

forma, é notória a visão do filósofo sobre a importância da tradição filosófica, uma vez que, não é

possível filosofar a partir de uma recusa total da historicidade. Além disso, Heidegger mostra que

o ensinar é mais difícil do que aprender. Isso acontece, não porque o mestre professor tem que

estar a disposição dos aprendizes e ter domínio de um maior conhecimento para assim poder

passar o conteúdo filosófico, mas sim porque o mestre é incumbido da tarefa de ensinar o

aprendiz a “deixar aprender”. Isso nos mostra que o mestre professor tem o encargo de ensinar o

aluno a aprender nada mais do que o aprender. Contudo, Heidegger acredita que mesmo que o

professor tenha uma tarefa mais difícil que o aluno, o mestre aprende mais do que o seu próprio

aprendiz (QUÉ SIGNIFICA PENSAR? p. 20).

Dessa forma, é possível perceber além de mostrar que a partir da abertura e compreensão

de mundo, o ser-aí tem a possibilidade do filosofar, o filósofo deixa explícito como se dá esse ato

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e o que é necessário para despertar a filosofia, que em nós se encontra “adormecida”. Além disso,

podemos compreender a posição do filósofo também com relação ao momento do ato de

filosofar, como ele acontece e por quê. A partir de uma correspondência de Hannah Arendt à

Martin Heidegger em setembro de 1969, quando ele havia completado oitenta anos, podemos ter

ideia de como o professor Martin tinha alcançado sucesso. Porém, para ele esse fato não era

relevante, uma vez que deixa evidente sua ideia a respeito da distinção entre ser mestre e ser um

docente afamado. O filósofo recusa a ideia de que o professor deve ter uma influência autoritária,

muito pelo contrário, Heidegger acredita que ser mestre é algo sublime, uma vez que o mestre

deve ser capaz de ser humilde e ter uma relação autêntica com seus aprendizes.

Sendo assim, o papel do professor é necessário para que exista uma introdução à filosofia,

porém, todo ser-aí que aceita a liberdade de colocar seu filosofar em curso, carece de uma

condição indispensável para este movimento:

Originariamente é o próprio espanto que produz e propaga o silêncio, e é por causa do silêncio que o resguardo contra todo o ruído, também contra o ruído da própria voz, torna-se condição indispensável de que um pensamento possa se desdobrar a partir do espanto. (ARENDT, 2001, p. 137)

Essa condição indispensável para o movimento do filosofar se dá de forma individual e

silenciosa após o espanto. Após aceitar a filosofia e deixar-se aprender, de forma a unir uma

introdução historiográfica a uma introdução sistemática, o ser-aí está colocando o filosofar em

curso, de modo que coloca em movimento o ato do filosofar.

Assim sendo, é notória a contribuição de Heidegger para a educação, principalmente

quando falamos em “ensino de filosofia e ato de filosofar”, pois mesmo que ele não seja

considerado um teórico da educação, suas contribuições como docente e pensador da filosofia,

são de suma importância para a compreensão do papel do professor, da introdução à filosofia e

do modo como o filosofar é posto em curso. Portanto, a principal meta deste trabalho foi

compreender como a filosofia de Heidegger pensa a questão do ensino de filosofia e do ato de

filosofar. Além disso, buscamos entender em que medida a análise da realidade humana,

embasada na fenomenologia, contribui para colocar o filosofar em curso. Com isso, nosso artigo

se justifica em sua relevância por conter, em seu tema, questões importantes no âmbito da

educação que são discutidos na atualidade e que se mostram como temáticas interessantes a se

pensar no curso de Licenciatura em Filosofia.

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A INTUIÇÃO INTELECTUAL EM SCHELLING:

A TENTATIVA DE MEDIAÇÃO ENTRE O DOGMATISMO E O CRITICISMO

Kayenne Cristine Ferigotti Santos Vosgerau

Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO

Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Manuel Moreira da Silva

RESUMO: Trata-se de uma explicitação da intuição intelectual tal como exposta na oitava carta,

das Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo (1795) de Schelling. Tematiza-se em que

medida a concepção inicial da intuição intelectual em Schelling se mostra enquanto uma tentativa

de mediação do dogmatismo e do criticismo, na medida em que estes são os dois modos

possíveis do conhecimento do Absoluto tematizados nas Cartas. Para isso, Schelling retoma a

Doutrina da Ciência de 1794 e confronta-a com a Ética de Espinosa precisamente no que diz

respeito à intuição intelectual. A questão que daí emerge se apresenta, pois, a Schelling no âmbito

de certa complementaridade dos dois modos da intuição, isso enquanto cada um deles, para o

filósofo, exprime um aspecto determinado da estrutura mesma do Absoluto.

Palavras-chave: Intuição intelectual; Schelling; dogmatismo; criticismo; Cartas filosóficas

Para Schelling neste momento inicial de sua produção filosófica o Absoluto não é senão a

unidade originária de sujeito e objeto, pois quanto à estrutura da intuição intelectual do Absoluto

esta significa aqui os dois modos de intuição, tanto a intuição de si mesmo, tal como apresentara

Fichte em sua Doutrina-da-Ciência de 1794, quanto à chamada intuição objetivada – termo utilizado

por Schelling para referir-se à concepção espinosana da intuição intelectual da substância ou de

Deus, presente na Ética; nesse sentido, a noção de intuição intelectual nas Cartas é apresentada

enquanto tentativa de unificação do dogmatismo por um lado e do criticismo por outro, sendo

esses os dois possíveis do conhecimento do Absoluto.

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Sobre a influência de Fichte na filosofia do jovem Schelling esta é fundamental, devido à

óbvia referencia a este. Mas, se Schelling interpretasse a intuição intelectual apenas pela intuição

de si mesmo, afirmando que esta seria a base da intuição intelectual do Absoluto, a qual

constituiria o ponto de partida da passagem do finito para o infinito, deveria afirma-se também,

que a intuição objetivada mostrar-se-ia como um certo desdobramento da intuição de si mesmo,

que não obstante não se elevou à consciência de si mesma. Schelling, até certo ponto

reconhecesse que, para Fichte, só pode haver objeto de uma intuição intelectual do eu enquanto

este é consciente-de-si, caso em que nunca pode-se abstrair de nossa autoconsciência, que não é,

por sua vez, nada mais que a intuição de si mesmo, sendo esta mesma a base da intuição

intelectual do Absoluto pelo fato de possuir a mesma estrutura desta. Porém, pretende-se mostrar

aqui que não está em jogo apenas a primazia da intuição de si mesmo em relação à intuição

objetivada, quanto à intuição intelectual do Absoluto. Na medida em que, Schelling entende esses

dois modos de intuição como complementares, ou seja, a concepção de intuição presente na

oitava das Cartas Filosóficas não se restringe apenas intuição de si mesmo; pois, tem também como

referência uma outra tradição filosófica. Como aponta Durner (apud PUENTE, 1997, p.30): “as

declarações de Schelling sobre a ‘intuição intelectual’ são primeiramente proferidas em um

espírito totalmente fichteano, entretanto o conceito implica, já em seus primeiros textos,

momentos constituintes de um sentido e alcance que ultrapassam os do conceito sugerido por

Fichte e provêm de outra tradição intelectual”, a saber, do sistema espinosano. Desse modo é que

podemos interpretar a intuição intelectual enquanto tentativa de mediação do criticismo, exposto

por Fichte e do dogmatismo, tematizado em Espinosa.

Em carta a Hegel, Schelling conta que havia se tornado espinosista (SCHELLING, 2011, p.

307)89, através da obra Sobre a doutrina de Espinosa, de Jacobi. Para Espinosa “todos os

conhecimentos adequados, isto é, imediatos, são, segundo Espinosa, intuições de atributos

divinos90”. Ou seja, em várias passagens da Ética, por exemplo, Livro V, prop. 25, 27 e 36,

mostra-se que só é possível o conhecimento de Deus, através do terceiro gênero de

conhecimento, o conhecimento intuitivo. Com efeito, Schelling interpretara tal modo de intuição

como uma intuição objetivada, pois o conhecimento não parte de um Eu absoluto, o qual fez

89 Ver em Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Correspondências. Trad. Hugo Ochoa Disselkoen; Raúl Gutiérrez. Colombia: Centro Editorial, Facultad de Ciencias Humanas, 2011. 90 Nota de Rubens Rodrigues Torres Filho, p. 197. In: FICHTE, J. G. SCHELLING, J. v. Escritos Filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

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Fichte, e sim de um Objeto absoluto, neste caso de Deus, em sentido espinosano. Levando em

consideração que a intuição intelectual em Schelling visa comprovar que há um ponto no qual o

próprio Absoluto e o conhecimento do Absoluto sejam um, na medida em que este é o mais

nobre tipo de conhecimento, pois não é senão pela própria intuição intelectual que conhecemos o

Absoluto. Schelling ainda salienta que:

Essa intuição intelectual se introduz, então, quando deixamos de ser objetos para nós mesmos e quando, retirado a si mesmo, o eu que intuí é idêntico ao intuído. Nesse momento da intuição, desaparecem para nós tempo e duração: não somos nós que estamos perdidos no tempo, mas o tempo – ou antes, não ele, mas a pura eternidade absoluta – que está em nós. Não somos nós que estamos perdidos na intuição do mundo objetivo, mas é este que está perdido em nossa intuição (SCHELLING, 1978, p. 198).

Mostra-se a influência fichteana no desenvolver das Cartas na medida em que há a intuição

de um eu [Selbst] que intuí a si mesmo e ao fazer isso deve-se considerar que o Absoluto não é um

mero objeto. Não obstante, mostra-se a influência espinosana na medida em que essa intuição é

dada sob a forma pura da eternidade, pois, nela dissolve-se tempo e duração. A forma de

eternidade pura é a forma da intuição intelectual e esta não se submete a nenhuma duração,

sendo diferente do tempo que impregna coisas efetivas e caracterizadas como relativas e

transitórias. Esse é o único modo em que é possível o retorno à essência, à liberdade e à bem-

aventurança absoluta. Quanto à concepção schellinguiana de intuição intelectual apresenta-se que

enquanto Fichte compreende o fundamento do conhecimento partindo do Eu absoluto, que é a

unidade do sujeito e o objeto, a qual, por conseguinte, é o eu infinito, que se opõe ao eu finito,

Schelling vai além ao afirmar que o eu finito já está no eu infinito, isto é, no Eu Absoluto.

Portanto, em um dos aspectos do Absoluto, o Eu que intui a si mesmo, enquanto unidade do

finito e do infinito, ou, do subjetivo e do objetivo, seria o Eu incondicionado.

Segundo Schelling, quanto à intuição, Espinosa objetivou a intuição de si mesmo, ou seja,

tomou a intuição intelectual enquanto intuição intelectual objetivada, na medida em que:

Enquanto intuía em si o intelectual, o Absoluto não era mais, para ele, um objeto. Isso era uma experiência que permitia duas interpretações: ou ele se havia tornado idêntico ao Absoluto, ou o Absoluto a ele. Neste último caso a intuição intelectual era intuição de si mesmo; no primeiro, intuição de um objeto absoluto. Espinosa preferiu esta última. Acreditou que ele mesmo era

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idêntico ao objeto absoluto e que estava perdido em sua infinitude (SCHELLING, 1973, p. 198).

O primeiro modo de interpretação, no qual o sujeito identifica-se com o absoluto é a

intuição de si mesmo em sentido fichteano. O segundo modo, no qual é o absoluto, enquanto

objeto, se identifica com o sujeito é a intuição objetivada, em sentido espinosano, ou seja,

“acreditou que ele mesmo era idêntico ao objeto absoluto e que estava perdido em sua infinitude

(SCHELLING, 1973, p. 198). Com efeito, para Espinosa, o homem tem que repetir de modo

finito a mesma estrutura que possui a substância infinita, conforme Ética, Livro II, prop. 48: “a

alma humana tem um conhecimento adequado da essência eterna e infinita de Deus” e, tudo

existe em Deus; pois nada pode ser conhecido sem Ele, na medida em que, todas as ideias

existentes no intelecto humano existem igualmente no intelecto divino. Esse conhecimento é

intuitivo, conforme Ética, Livro V, demonstração 25. Quanto à intuição de Espinosa, Schelling

afirma “este, quando se torna sistema, não provém de nada outro do que da intuição intelectual

objetivada, de se tomar a intuição de si mesmo pela intuição de um objeto fora se si, a intuição

intelectual do mundo interior pela intuição do mundo suprassensível fora de si” (SCHELLING,

1973, p. 199).

Entretanto, é certo que Schelling, pela influência de Fichte, em um primeiro momento,

atentando à concepção de intuição de si mesmo, critica Espinosa pelo fato dele ter objetivado a

própria intuição de si mesmo. “Não era ele que havia desaparecido na intuição do Absoluto, mas

inversamente, para ele tudo aquilo que se chama objetivo desaparecera nessa intuição de si

mesmo. Mas aquele pensamento – de estar dissolvido no objeto absoluto” (ibidem) era suportável

para ele. Espinosa acreditava que ele se dissolvia na intuição, chegando ao conhecimento de

Deus, pelo terceiro gênero. Esse dogmatismo, definido também como delírio místico91. Mas,

mesmo assim, há de se considerar a objetivação, na medida em que Schelling entende que ambas

se complementam enquanto são a estrutura da intuição intelectual do Absoluto. Quanto à

complementaridade do dogmatismo e do criticismo, o filósofo salienta que:

Creio que justamente aquela passagem do infinito ao finito é o problema de toda filosofia, não somente de um sistema isolado, e mesmo que a solução de Espinosa é a única possível, mas a interpretação que ela teve

91Schelling afirma que: “Acredito, ao falar do princípio moral do dogmatismo, encontrar-me no centro de todo o delírio possível” (1973, p. 197).

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de receber através de seu sistema só pode pertencer à este, e que um outro sistema poderia reservar para ela uma outra interpretação (SCHELLING, 1973, p. 195).

A intuição intelectual é a via de acesso ao Absoluto, o qual pode ser concebido levando em

consideração duas interpretações, a saber, de Espinosa e de Fichte, ou mãos propriamente,

considerando a intuição de si mesmo e a intuição objetivada na medida em que se complementam

entre si a fim de resolver o problema fundamental da passagem do infinito ao finito. Tais

interpretações da própria intuição intelectual abarcam o mesmo problema, sendo esse o ponto

comum de ambas92. O que difere-se em cada sistema, como exposto, é apenas o modo de

interpretação desta.

A intuição objetivada tem a mesma estrutura da intuição de si mesmo, pois ambas são o

próprio Absoluto. Diferentemente da intuição objetivada, o que desaparece na intuição de si

mesmo é tudo aquilo que se designa como objetivo. E ainda, ao dissolver tudo o que há de

objetivo enquanto intui-se a si mesmo, o Eu que intuí não pode se anular, e isso por não haver

mais a limitação objetiva e por ser totalmente um pensamento sem objetividade alguma é

totalmente no Absoluto. Na intuição objetivada ou na intuição de si, ha identidade do eu e o

objeto, é uma ação de ser no Absoluto, retornando à sua essência – liberdade e bem aventurança.

Assim, no retorno ao Absoluto, e em sua unificação, referindo-se à intuição de si mesmo, aquele

que intui, intui a si mesmo e assim, o objeto absoluto dissolve-se nessa intuição. Não obstante,

nessa passagem ao Incondicionado, toda a passividade – que se encontra no mundo objetivo –

cessa na ilimitada atividade perfeita da divindade e este é o momento mais alto, mais sublime,

mais elevado do ser, pois o mundo se dissolve na intuição, o que significa, na anulação, ao fim e a

cabo, que ao dissolver tudo o que há de objetivo enquanto intui-se a si mesmo, o eu que intui não

se anula nesta dissolução, e isso por não haver mais a limitação objetiva; e por ser totalmente um

pensamento sem objetividade alguma é totalmente no Absoluto. Quanto à intuição objetivada,

ela é um desdobramento da intuição de si mesmo, pois não é senão a objetivação desta.

Mostra-se nas Cartas a tentativa de Schelling de relacionar o Eu absoluto de Fichte, o qual é

o princípio da infinitude subjetiva, com a substância, objeto absoluto de Espinosa, que é o

92 “O fundamento que me leva a afirmar que esses dois sistemas inteiramente opostos entre si, o dogmatismo e o criticismo, são igualmente possíveis, e que ambos subsistirão um ao lado do outro enquanto todos os seres finitos não tiverem atingido o mesmo grau de liberdade é (...) que ambos têm o mesmo problema” (SCHELLING, 1973, p. 191).

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princípio da infinitude objetiva. Contudo, o Absoluto de Schelling, estruturado sobre a filosofia

de Espinosa, não pode ser definido por um conceito, pois enquanto uno e infinito, causa de si e

causa imanente de tudo, não pode afirmar-se a si próprio senão em um ato de intuição intelectual.

Levando em consideração os modos da intuição, do ponto de vista do processo cognitivo, a

intuição de si não é a primeira que ocorre, é a intuição objetivada a primeira, enquanto é o sujeito

que se dissolve na objetivação e não o mundo objetivo. Contudo, é o sujeito que intui, há uma

intuição de si mesmo, sendo que, ao fim e a cabo, ambas se complementam, isto é, a intuição

objetivada pressupõe a intuição de si mesmo, porém, não se tem acesso à intuição de si sem a

intuição objetivada. Isso é o que constitui, em suma, os dois momentos da intuição.

Tal tentativa de tematização da mediação, implica reconhecer já nas Cartas certos elementos

fundamentais que possibilitarão a unidade do Dogmatismo e do Criticismo mediante a

instauração da auto-intuição do próprio Sujeito-Objeto Absoluto como via de acesso ao

Absoluto em textos sobre a filosofia da natureza. O fato de Schelling fazer uma Ética a la Espinosa

como mostra o projeto das Cartas, constitui-se pelo fato de que, seu objetivo não era os mesmos

que os de Fichte, isto é, não queria provar apenas a existência do Eu pela intuição. Sua própria

concepção de intuição intelectual já constitui-se como ponto de chegada, isto é, como

fundamento enquanto intuição intelectual, pois, mediante sua estrutura, é a própria unificação do

sujeito objeto no Absoluto. Pois, Schelling mesmo em pleno período fichteano busca uma saída

que de razão ao real conteúdo do saber. Diante disso, nesse momento inicial de sua produção

filosófica, Schelling vai além daqui exposto na Doutrina da Ciência de Fichte, complementando-a

com a doutrina de Espinosa, no que tange à intuição intelectual.

Referências Bibliográficas:

ESPINOSA, B. Ética/ Pensamentos metafísicos. Trad. Marilena de Souza Chauí ... [et al. 3.ed. São

Paulo: Abril Cultural, 1993 (Col. Os Pensadores)..

Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Correspondências. Trad. Hugo Ochoa Disselkoen; Raúl Gutiérrez.

Colombia: Centro Editorial, Facultad de Ciencias Humanas, 2011.

PUENTE, F. As concepções antropológicas de Schelling. São Paulo: Loyola, 1997.

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SCHELLING, J. Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e o criticismo / História da Filosofia Moderna. In:

FICHTE, J. G. SCHELLING, J. v. Escritos Filosóficos. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São

Paulo: Abril Cultural, 1973.

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O MESTRE ANDARILHO EM NIETZSCHE

Kelly Scherer

Bolsista UFSC/CAPES – DS

[email protected]

Orientador: Profª. Lúcia Hardt

RESUMO: Neste artigo, apresenta-se a dimensão estética do olhar de um dos primeiros escritos

de Nietzsche, a conferência “Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino”. Se a maioria de suas

obras parece se tratar de uma provocação aos valores filosóficos e morais, nesse escrito, que se

encontra inacabado, ele enfrenta as labirínticas instituições de ensino com sua maior arma: a

cultura clássica dos gregos. E é a partir da figura de mestre que nos revela a ideia reguladora da

educação ou da formação dos estabelecimentos de ensino, elementos que nos permitem discutir

sua estética “pessoal”, desde sua percepção da cultura a seu olhar incisivo sobre os aspectos

geradores do espírito alemão (Geist).

Palavras-chave: Zaratustra, mestre andarilho, labirinto, autossupressão, moral

Investigar conceitos ou temas da filosofia nietzschiana é desviar-se de formulações fixas.

Ou melhor, é desorientar-se, considerando o número de interpretações, paradoxos e discussões

que culminam em teses diversas e investidas contra a filosofia do autor. Além disso, pretender

interpretar seus conceitos é como lançar-se no labirinto93 do rei Minos94. Logo, faz-se necessário

distinguir esses ensinamentos e o que, efetivamente, vemos, quando adentramos nesse

emaranhado de ideias presente nas obras de Nietzsche. Esses ensinamentos, por sua vez, nem

sempre se dão em um estilo teórico-conceitual, pois em Assim falou Zaratustra, Nietzsche

apresenta uma escrita mais pictórica, que nos permite imprimir, ou mesmo criar com suas

93 Construção que compreende um conjunto de corredores entrecruzados, salas e caminhos sem saída, localizada nas ruínas do Palácio de Creta. Foi construído por Dédalo, sob as ordens de Minos. 94 Filho de Júpiter e Europa. Sucedeu Astério, seu pai adotivo, no trono de Creta.

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metáforas e linguagem poética, um cenário, um recorte imagético, pois que, em sua escrita, há

cores, paisagens, melodias, um cenário completo para que seus tantos personagens atuem.

Assim, o trabalho sugere uma imagem, já que, ao mencionar a entrada no labirinto do

pensamento de Nietzsche, seus filosofemas e estilo de escrita, pretende-se também suscitar o

cenário arquitetônico do labirinto como o espaço em que os corpos andam e são direcionados

conforme os modelos de “verdade” que orientam a humanidade. Já a ideia de desorientação

descrita acima sugere, neste caso, pensarmos o “jogo” de linguagem provocado pelo autor e a

inversão dos valores que ele realiza ao propor diversos paradigmas com base em sua filosofia.

Deste modo, os valores da sociedade, configurados por tantos caminhos em que os humanos são

convocados a percorrer — e o que chamamos de uma orientação à cultura — são invertidos pelo

filósofo, causando no leitor a velha vertigem do exercício do pensar. Portanto, o labirinto-espaço

percorrido pelos viventes é o lugar da exigência de perspectivas, mas Nietzsche, ao desdobrar

certos conceitos, dando-lhes novos sentidos ou abrindo espaço ao novo, rebate a orientação

vigente, tornando o espaço “temporariamente desorientado” para, enfim, deixar que novas

perspectivas possam surgir e guiar suas leituras, ou então, guiar os valores que regem nosso

espaço labiríntico (mundo).

Segundo Stegmaier, que define a orientação como sendo “a orientação é sempre primeiro.

Ela precede todo o pensar e agir”, isso congregaria a questão do tempo. Já a orientação tem a ver

com a “medida em que a orientação tem a ver com novas situações, ela tem sempre algo a ver

com o tempo” (STEGMAIER, p. 305). Assim, podemos ver o labirinto como esse espaço onde

os humanos são orientados e desorientados pelos fios do pensamento, de valores e crenças.

Nietzsche, como filho de seu tempo, foi impelido a pensar conforme os valores de verdade

de sua época, sendo envolto por seus mestres e heróis, orientado por modelagens ou contornos

de sua cultura. E, a meu ver, são esses “mestres” que formam ou conduzem o que chamamos de

humano, pois acabam criando, a partir das verdades vividas pelo mestre, valores exemplares que

tecem o querer e o agir; são eles os responsáveis pela condução de uma ética no mundo, ética

sempre modelada pelo exemplo do herói, guia ou líder que impulsiona o drama existencial

fazendo valer desse mesmo impulso a ação legítima ou a veracidade do mestre. A exemplo dos

guias da antiguidade, podemos citar os muitos heróis e suas batalhas políticas ou mesmo

trajetórias como a de Édipo, rei de Tebas95, os quais se tornaram, com suas histórias, exemplos de

95 Ver mito do Édipo Rei.

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conduta ou perspectiva de mundo. No entanto, Nietzsche tornou-se para os séculos XX e XXI

uma espécie de mestre, de profeta, produzindo um abalo sísmico no pensamento moderno, o que

talvez não sirva de orientação, mas certamente desorienta ao implodir e explodir dogmas e

conceitos vigentes.

Deleuze, ao sondar esses caminhos e modelos de verdades através do labirinto em

“Mistério de Ariadne segundo Nietzsche”, oferece uma interpretação interessante da vertigem

provocada pela célebre narrativa poética do filósofo alemão. Nesse artigo, ele relaciona um dos

personagens de Assim falou Zaratustra, chamado, entre outros nomes, de “homem superior”, o

qual parece representar também o niilismo, à versão do labirinto do antigo mito grego. Nesse

texto, o labirinto e o fio condutor do herói Teseu são um disfarce à moral:

O homem superior invoca o conhecimento: ele pretende explorar o labirinto ou a floresta do conhecimento. Mas o conhecimento é só disfarce da moralidade; o fio no labirinto é o fio moral. A moral, por sua vez, é um labirinto: disfarce do ideal ascético e religioso (DELEUZE, 2006, p. 9).

Partindo dessa visão Deleuze/Nietzsche, percebe-se, desde o labirinto de Minos, outro

ângulo da história sobre a versão do herói grego, ou seja, Teseu ansioso por justiça. E é aqui que

se observa um disfarce daquilo que significa ser o homem superior para Nietzsche:

O homem sublime ou superior vence os monstros, expõe os enigmas, porém ignora o enigma e o monstro que ele próprio é. Ignora que afirmar não é carregar, atrelar-se, assumir o que é, mas, ao contrário, desatrelar, livrar, descarregar o que vive (Idem).

Então, o objetivo do herói (“homem superior”) não se reduz a matar monstros

encarcerados em seus labirintos. Talvez o homem “sublime” seja mais uma máscara, e sua

coragem, um refúgio. No texto, Deleuze afirma que o Minotauro preso no labirinto é o impulso

da vida afirmativa, que o liberta, e que isso não é moral. Ou seja, é pulsão da natureza

dionisíaca96. E o fio de Ariadne97? A força reativa que odeia o impulso, odeia, por sua vez,

96 Assim como o apolíneo, o dionisíaco é uma noção que aparece desde o começo da obra de Nietzsche, com O nascimento da tragédia. A “pulsão da natureza” é também a fonte das artes não plásticas e, sobretudo, da música. 97 Filha de Minos e Pasífae. Apaixonou-se por Teseu quando este foi a Creta para lutar contra o Minotauro. Entregou ao herói ateniense um novelo de fio que lhe possibilitou sair do labirinto. Para escapar da cólera de Minos, Ariadne acompanhou Teseu em sua fuga, mas este a abandonou na ilha de Naxos, um dos locais favoritos de Baco. Impressionado com a beleza da jovem, o deus esposou-a, levando-a dali.

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Dioniso, para desdobrar-se e logo afirmá-lo. Esse odiar de Ariadne, isto é, o fio que conduziu

Teseu, o homem “sublime”, deu-lhe técnicas para matar o impulso e sair do labirinto. No

entanto, Teseu abandonou Ariadne e ela entendeu. Foi em vão sua afirmação de amor ao

conhecimento e sua recusa ao impulso.

Ariadne compreende sua decepção: Teseu nem sequer era um verdadeiro grego, mas antes

uma espécie de alemão – mesmo que o termo não existisse ainda – quando se pensava que se ia

encontrar um grego. Mas Ariadne compreende sua decepção num momento em que já deixou de

preocupar-se: Dioniso, que é um verdadeiro grego, se aproxima; a Alma torna-se ativa, ao mesmo

tempo em que o Espírito revela a verdadeira natureza da afirmação. A canção de Ariadne adquire

então todo o seu sentido: transmutação de Ariadne diante da aproximação de Dioniso, sendo

Ariadne a anima que agora corresponde ao Espírito que diz sim. Dioniso acrescenta uma última

estrofe à canção de Ariadne, que se torna ditirambo (Idem, p.12).

Contudo, ainda segundo Deleuze, o labirinto deveria ser uma espécie de purificação, e

quem o habitasse seria renovado pelo espírito do impulso à vida. “O labirinto já não é

arquitetônico, tornou-se sonoro e musical” (Idem, p.13).

Enquanto na versão grega o herói necessita matar o impulso para vencer e sair do labirinto,

a sugestão de Deleuze é deixarmos pousar “leve” no fundo do labirinto o impulso e deter o

heroísmo tenso, esse querer da perfeição, de uma humanidade que alcançou com a morte do

“instinto” seu acabamento. Pois, como alertou Nietzsche, “o homem superior pretende levar a

humanidade à perfeição, ao acabamento” (Idem, p. 8).

O texto de Deleuze traz uma visão do modelo de humanidade que se queria atingir em um

determinado momento histórico da Grécia Antiga: a moral que exige de seus heróis o

aniquilamento dos impulsos; o modelo do herói preparado para defender e matar em nome da

polis. Teseu é a encarnação desse modelo, ele figura o peso da gravidade, da seriedade, do herói

como exemplo do mestre, pois se sacrifica em nome da cidade, servindo como orientador por ter

sido aquele que encontrou a saída do labirinto. O herói e o homem superior em Nietzsche

representariam, em Zaratustra, essa maestria que carrega o fardo de orientar ou servir de exemplo

ao mundo, pois ambos têm a missão de transmitir a verdade, ou então, ser essa veracidade dos

fios que ordena tal mundo. O personagem de Zaratustra, por vezes, parece suscitar a mesma

energia, pois pressente que é necessário doar aos humanos uma dádiva, quer perecer em sua

missão de anunciar o Além-do-homem.

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Mas a ideia do mestre, do herói e de outras figuras análogas em seus escritos não é

novidade, já que em suas conferências de juventude buscou ressaltar a importância do mestre

como aquele que pudesse levar à juventude o conhecimento autêntico. Esse mestre, no entanto,

não saíra do nada, ele é exemplar, especialmente porque a Alemanha de Nietzsche era marcada,

por parte de alguns poetas, pelo entusiasmo, pelas odes à cultura clássica grega, e mais

precisamente, em Nietzsche, pelo retorno ao mundo arcaico da Grécia. Portanto, para assentar

uma cultura autêntica, para a criação de mestres geniais que pudessem servir de exemplo, não

apenas para o presente, mas que fossem o legado de uma grande civilização, era necessário o

modelo de uma autêntica civilização, como a Grécia Antiga.

A figura do mestre como exemplo ou autoridade, modelo ou purificação do espírito alemão

(Geist) é, então, esse gênio capaz de absorver o melhor de seu passado e criar para seu povo uma

literatura rica e original. Há uma interpretação ilustrativa do professor Viesenteiner98 intitulada

“Aprender a ver, aprender a pensar, aprender a falar e escrever: condições integrantes do

conceito de Bildung no Crepúsculo dos Ídolos de Nietzsche”. Neste artigo, ele discute as

consequências ou os declínios que comprometeram a cultura alemã ao não cultivar esse espírito.

Assim, ele também esclarece outro ponto que não pode ser deixado de lado, ou seja, o

tema da Bildung, termo que é uma referência ao processo do cultivo desse espírito alemão (Geist).

O capítulo ‘O que os alemães estão perdendo’ foi escrito em três horizontes teóricos bem claros, apesar da composição em 7 aforismos: a) os aforismos 1 e 2 nos quais Nietzsche elabora o diagnóstico do declínio da Bildung alemão, cuja formulação se desenvolve a partir de um dos conceitos-chave desse capítulo, vale dizer, a palavra ‘espírito’ (Geist) que, como veremos, tem uma ampla envergadura semântica estreita ligação com a noção de Bildung; b) os aforismos de 3 a 5 onde se encontra a estrita crítica nietzschiana da relação entre Bildung e política, especialmente no que se refere à mudança no ‘pathos’ sobre as ‘coisas do espírito’ e a perda da imprescindível ‘jovialidade’ à cultura, incluindo aí também as considerações sobre ‘todo o sistema de educação superior na Alemanha’ e seus ‘educadores’; e, por fim, c) os aforismos 6 e 7 em que Nietzsche mostra novamente sua maneira ‘afirmativa’ de ser e indica as ‘três tarefas em razão das quais se precisa de educadores’, quais sejam, ‘tem de se aprender a ver, aprender a pensar, aprender a falar e escrever’, de modo que a ‘meta em todas as três é uma cultura

nobre’(VIESENTEINER, 2011).

98 Doutor em filosofia pela UNICAMP e professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR. É membro do GIRN (Groupe International de Recherches sur Nietzsche) pela Universidade de Greifswald/Alemanha.

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Entretanto, ao propor a leitura dos clássicos como um dever ao ginásio, isso não seria

economizar tarefa, já que, além de ler, é preciso saber ler, falar e escrever. E para ensinar e educar

é necessário, antes, educar os educadores. “Educar os educadores! Mas os primeiros deviam

educar-se a si mesmos! E, é para eles que escrevo” (NIETZSCHE, 2012, p. 7). Nietzsche inicia

uma de suas conferências provocando os educadores a instruir-se, cultivar-se, antes de ensinar a

leitura e, depois, a escrita aos seus alunos; eis o tratamento que, a exemplo de mestre, deveria ser

exigido. Em outras palavras, o mestre cultivado, mencionado pelo autor, é aquele que leu e

aprendeu com os clássicos da antiguidade.

Mas o que é ou quem é o mestre nos primeiros escritos do jovem Nietzsche? Não seria

aquele capaz de levar a juventude a emancipar-se? E para que ele pudesse realizar tal

empreendimento não seria o mestre um ancião capaz de servir de exemplo não apenas ao jovem,

mas a toda uma cultura? São questões sobre as quais, de fato, Nietzsche se preocupava

seriamente enquanto professor na Basileia, não apenas com as questões do presente, mas também

com futuro e o problema degenerativo que se instalava nas instituições de ensino alemãs de seu

tempo.

Assim, a primeira Conferência, em Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino, inicia com

a reflexão acerca de um problema que se tornava cada vez mais perturbador à época: a perda do

espírito alemão (Geist), quando os estabelecimentos de ensino eram os responsáveis pela

instrução e emancipação dos jovens. Nietzsche, nessa conferência, utiliza-se de uma narrativa

envolvendo o problema do conhecimento filosófico a partir de um diálogo ou experiência sobre

um velho mestre e seu discípulo, em meio a um lugar calmo e bucólico, mas carregado de uma

atmosfera reflexiva e, como veremos também, explosiva. Logo, ele, o personagem descrito por

Nietzsche, avisa a quem está dedicando esta reflexão:

De fato, tenho plena consciência do lugar em que agora aconselho a refletir e a meditar a respeito deste diálogo, quer dizer, está cidade que, com o espírito de uma elevação incomparável, procura fazer progredir a formação da educação de seus cidadãos, numa escala que só pode ter algo de humilhante para os estados mais importantes: assim, certamente não estou errado quando suponho que lá onde se faz mais neste domínio se deve também pensar mais. É justamente a tais ouvintes que poderei me fazer compreender quando contar o diálogo a qual me refiro (NIETZSCHE, 2012, p. 57).

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Nietzsche definiu a história que se propôs a contar na Conferência como sendo uma

“inocente experiência”. A história proporciona não somente a visão do estudante do ginásio da

época: alegre, impetuoso, sonhador, despreocupado; características próprias de uma juventude

“estranha ao tempo”, mas seu estilo ilustra também uma forma bem singular, isto é, o jogo de

figuras antagônicas na relação mestre e discípulo. Um exemplo disso é o encontro dos jovens e

suas pistolas afoitas diante do velho tranquilo e seguro de sua sabedoria, mestre-filósofo que

acabaria mostrando o caminho solitário da floresta e do pensamento.

Segundo Nietzsche, o mestre deve ser emancipado, pois ele compreende a importância dos

“clássicos”, podendo semear sobre o jovem uma linguagem apropriada ou menos viciada,

barbarizada pela leitura jornalística ou de romances da moda. O mestre terá de ser aquele que leva

o mais importante para uma cultura, isto é, o ensinamento da leitura adequada aos alunos do

ginásio. Por isso, é o sábio que ousou refletir profundamente e que reconhece nos clássicos uma

cultura valiosa; é mestre porque é maduro e já se cultivou, tendo aprendido a refletir, não

necessitando mais dos disparos, barulhos frenéticos de pistolas disputando precipitadamente

características da juventude. Mas, do que se trata esse amadurecimento do mestre filosófico? Por

que ele é apto ao ensinamento dos jovens?

Nietzsche narra a história de modo harmoniosamente belo, dando ênfase ao encontro entre

o filósofo, um discípulo e os estudantes (incluso Nietzsche, um jovem estudante). Os jovens, que

estavam em um passeio para recordar velhos momentos do ginásio e desfrutar de uma vivência

prazerosa entre os amigos em um lugar de retorno em boas passagens, decidem fazer algo que

gostavam muito: tiro de pistola, uma moda juvenil à época. No entanto, são interrompidos pela

fala de um velho que os olhava seriamente exigindo que parassem com aquela vilania sem

sentido, já que aquele era um lugar de contemplação, meditação, pensamento.

Nossos tiros de pistola, repetido pelo eco, tinha nesta solidão um efeito muito mais impressionante; logo dado o segundo tiro do pentagrama, me senti agarrar violentamente pelo braço e vi ao mesmo tempo em que meu amigo tinha sido surpreendido da mesma maneira enquanto recarregava sua arma. Eu me voltei bruscamente e vi o rosto irritado de um velho, e o mesmo tempo sentia que um cão robusto pulava sobre minhas costas (NIETZSCHE, 2012, p. 62).

Verificar-se-á duas posturas distintas que também podem ser interpretadas como o trajeto

que se faz do pensamento menos sutil, bruto, ao pensamento mais sutil, que é o pensamento

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filosófico, ou seja, o caminho da ascese ao pensamento mais profundo evocado pelo mestre e seu

discípulo. É esse caminho em que, por um lado, está o impulso juvenil, a impossibilidade para a

reflexão filosófica, que se torna essencial à emancipação do indivíduo. Por outro lado, está o

velho filósofo que surgiu como uma fatalidade aos planos e alegrias dos jovens que pensavam

estar cientes de seu futuro, pois ele evoca o pensamento mais profundo deles, indagando sobre

os disparos e os alardes. Com uma só palavra, eles se sentem reprimidos pela ousadia do pedido,

gerando certo conflito de ideias e opiniões acerca das vontades contrárias que foram postas em

discussão:

A esta fala grosseira, ainda que verdadeira, respondemos com irritação, cortando constantemente a palavra um do outro: ‘Em primeiro lugar, você comete um erro sobre o fato principal: não estamos aqui para nos bater, mas para fazer exercícios de tiro com a pistola. Em segundo lugar, você parece ignorar totalmente como se realiza um duelo: acredita você que iríamos nos enfrentar numa total solidão, como dois bandidos de estrada, sem padrinhos, sem médicos etc.? Em terceiro lugar, enfim, temos – cada um de nós – nosso ponto de vista sobre a questão do duelo e não queremos nos deixar surpreender nem assustar com lições como as suas (Idem, p. 63).

A imagem do filósofo que alcançou sua maestria surge como uma caricatura da

representação filosófica, ou seja, a caminhada do mestre é envolta de ações como: o silêncio, a

meditação, o olhar a distância sem pressa no andar, que equivale ao sentido do preparo à

ascensão do filosofar. O tema do caminho do mestre se dá desde os disparos ao filosofar e

demonstra, por um lado, o velho filósofo e seu discípulo, e por outro, o impulso vigoroso dos

estudantes ginasiais. Deste modo, a narrativa evocaria, com a presença da figura do velho

filósofo, a ruptura entre o pensamento apressado versus o silêncio e a meditação, modos

intrínsecos de quem alcançou certo gosto pelo pensar.

Segundo a perspectiva nietzschiana sobre o ensino, o mestre é o responsável pelo (cultivo)

dos jovens, porque é ele quem saberá conduzir os impulsos ainda inflamados pela juventude e

suas pistolas explosivas. E, sobretudo, podemos ver na experiência das pistolas e na ousadia dos

jovens uma alusão ao pensamento apressado e/ou irrefletido deles, enquanto alunos. Por isso que

o aluno (discípulo) deve, antes de ter uma mera posição ou opinião dos fatos, seguir

rigorosamente os passos do mestre, aprender com os clássicos para, futuramente, emancipar-se,

ou constituir seu próprio pensamento (autenticidade). E com isso, Nietzsche nos convida a

refletir sobre o tema da liberdade dos jovens estudantes que tinham tudo para esbanjar essa

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autonomia. Mas essa autonomia ainda não era emancipatória, não que tivessem que agir

passivamente ou tornar-se reprimidos, pois isso, de fato, causaria mais horror ao pensar. Na

verdade, Nietzsche quer valorizar ou sugerir a importância do exercício contínuo e vagaroso,

oscilante dos pensamentos, que vai dos disparos ao exercício contínuo até o refinamento tanto da

linguagem adequada quanto do estilo de escrita que o gênio em potencial adquire ao seguir o

exemplo de seus mestres:

Enquanto caminhávamos meu amigo expunha francamente seus pensamentos ao filósofo: Como tinha ele temido que hoje, pela primeira vez, o filósofo o impedisse de filosofar. O velho se pôs a rir: ‘Como? Vocês temem que o filósofo a impeça de filosofar’? (Idem, p. 67).

Cabe à juventude, que não se propõe a seguir o exemplo do mestre, viver sob o desperdício

de uma geração que mal lê, fala, escreve ou pensa. Com isso, Nietzsche estaria denunciando a

barbárie causada pelos estabelecimentos de ensino, com seus conceitos e professores, que

ignoraram, por exemplo, a autonomia, uma liberdade que deve ser uma trajetória, um caminhar

junto ao exemplo do mestre. Ao invés disso, deixaram-se levar pela expansão do mercado,

enquanto deveriam exercitar, nos alunos, a leitura dos clássicos, fazendo-os compreender,

absorver e reproduzir de modo loquaz. Mas o que se vê nesses estabelecimentos de ensino são

alunos comparando-se a um Schiller ou Goethe, sem as condições literárias necessárias para

compor como um gênio.

O fato é que, para Nietzsche, esses estabelecimentos, na Alemanha, não estavam

preocupados em formar homens para a cultura99, pois lhes faltava o mais importante: o fato de

não ensinar o princípio da cultura, isto é, o exercício da leitura através dos grandes clássicos e a

importância do exemplo do mestre. E é por isso que o filósofo e o artista compõem um pequeno

número de homens raros, por terem recebido um ensino mais sutil, um aprendizado mais lento,

99 * Deve-se distinguir a cultura (Cultur) da civilização (Civilisation) e lembrar que, em sentido amplo, o conceito nietzschiano de cultura corresponde ao que o uso francês designaria antes pelo termo “civilisation”. A cultura não visa à formação intelectual nem ao saber, mas engloba o campo constituído pelo conjunto das atividades humanas e de suas produções: moral, religião, arte, filosofia, estrutura política e social, etc. Abarca, portanto, a série de interpretações que caracteriza uma determinada comunidade humana, num estágio preciso da história. ** Nos primeiros anos de sua reflexão, Nietzsche se debruça particularmente sobre o problema da unidade e da harmonia dessas interpretações: “A cultura é, sobretudo, a unidade de estilo artístico que atravessa todas as manifestações da vida de um povo. Mas o fato de saber muito e ter aprendido muito não é nem um instrumento necessário nem um sinal de cultura e, se necessário, combina perfeitamente com seu contrário, a barbárie, ou seja, com a ausência de estilo ou com a mistura caótica de todos os estilos” (Considerações extemporâneas I, “David Strauss: o confessor e o escritor”.

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embora mais rigoroso, diferente da “precipitação” (rapidez) ou da “grosseria” (linguagem

jornalística), em que o estado colocou à disposição uma série de estabelecimentos de ensino. Daí

a crítica, inclusive, ao erudito, homem de saber intelectual (especialista) que, com seus métodos,

não garante esse princípio de cultura:

Assim, me pareceu que se tratava de distinguir duas orientações principais: duas correntes aparentemente opostas, ambas nefastas nos seus efeitos, mas unidas enfim nos seus resultados, dominam atualmente os estabelecimentos de ensino: a tendência à extensão, a ampliação máxima da cultura, e a tendência à redução, ao enfraquecimento da própria cultura. A cultura, por diversas razões, deve ser estendida a círculos casa vez mais amplos, eis o que exige uma tendência. A outra, ao contrário, exige que a cultura abandone as suas ambições mais elevadas, mais nobres, mais sublimes, e que se ponha humildemente a serviço não importa de que forma de vida, do estado, por exemplo (Idem, p. 72).

A crítica aos estabelecimentos de ensino talvez não visasse a alguma transformação “em

quadros e horários”, conforme escrevera Nietzsche, ou a uma revolução, uma vez que parece não

haver fórmulas. No entanto, o que nos interessa é a provocação que sua reflexão quer apontar,

isto é, ao denunciar certo exagero por parte da ampliação e/ou extensão dos estabelecimentos de

ensino, que levariam à massificação do ensino. Portanto, ele supunha que, com a ampliação do

ensino, a cultura estaria perdendo o mais importante, isto é, o cultivo100 de si.

Segundo a perspectiva de Nietzsche, o principal espaço para se propor o cultivo à

formação cultural é o ginásio; é no preparatório onde os alunos discutem o que irão assumir

diante da cultura. Que cargos estão dispostos, serão técnicos ou especialistas? Se apenas bons

especialistas, o filósofo logo avisa: o erudito é um “operário de fábrica que durante toda a sua

vida, não faz senão fabricar certo parafuso ou certo cabo para uma ferramenta ou máquina”

(“Crítica aos eruditos”, op.cit, p. 75). E assim discorre porque a produção desses eruditos está

atrelada à ciência, e para ele, o homem de ciência também é uma redução da cultura, por estar a

serviço do Estado.

O homem de ciência enquanto tal não tem absolutamente palavra; ao contrário, esta trama de cola viscosa que se infiltra agora nas ciências, o jornalismo, acredita aí cumprir sua tarefa, que ele realiza de acordo com sua

100 Cultivar, em contrapartida, não possui relação com essas técnicas de erradicação de potência: significa, para Nietzsche, favorecer o surgimento e a conservação de um tipo específico de homem, com características pulsionais precisas, ou melhor, lutar contra as grandes variações de um indivíduo para o outro. Esse trabalho pode ser realizado simultaneamente em várias direções numa mesma cultura, como mostra o exemplo de Nietzsche. Continuar etc.]

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natureza própria, quer dizer, como o seu nome indica, como uma tarefa de jornalista (Idem, p. 76).

Nietzsche também se posiciona contra a linguagem utilizada nos estabelecimentos que

objetivam exercitar o mínimo de leituras adequadas. Acredita-se que, por detrás dessa linguagem

“grosseira”, a linguagem disseminada pelo jornalismo é o vilão que toma o lugar do “gênio”.

Declara também que essa “pseudocultura” é uma perversão porque, no momento em que um

aluno toma para si tais leituras, está sendo inserido e iniciado à barbárie, ou à “pseudocultura”:

“A leitura de um jornal, um romance da moda, ou um desses livros doutos, cujo estilo já traz

consigo os brasões repugnantes da barbárie cultivada que está em curso hoje em dia” (Idem,

p.79). Provocativo, aponta a pedagogia como sendo a responsável por essa barbarizarão do

ensino, já que ela deveria ser orientada por mãos sutis, sábias (um mestre filósofo?),

caracterizando a pedagogia de sua época como uma “brincadeira de roda infantil”.

Assim, Nietzsche acusaria os estabelecimentos e os próprios membros do ensino como

responsáveis pela grosseria da língua alemã. Falta, segundo ele, a seriedade no ensino da língua e

no trato com o ginásio. Sobre o diálogo, proposta experimental de Nietzsche, entre o “filósofo e

seu discípulo”, há um momento sublime em que ele apresenta o filósofo como o homem-do-

cultivo e da vivência, capaz de conduzir a juventude à criação do gênio:

Eu tenho, disse o Filósofo, uma opinião tão elevada quanto a tua a respeito da importância do ginásio: todas as outras instituições devem medir-se pelo objetivo cultural que é visada pelo ginásio, pois elas sofrem com os desvios de sua tendência, e assim serão também purificadas e renovadas com sua purificação e renovação (Idem, p. 80).

Percebe-se, nessa passagem, uma grande esperança depositada na formação (cultivo) do

ginásio. Por isso, a preocupação com a língua, de como e por quem ela é conduzida, de modo

que, para ensiná-la apropriadamente, isso caberia ao mestre emancipado. A língua é uma das

tarefas que os alunos deveriam se apropriar com afinco, para depois se arrogar qualquer

pretensão, autonomia do pensar e escrever. No entanto, não é exatamente isso que se exige nos

estabelecimentos de ensino, e que Nietzsche pontualmente critica. Deste modo, lemos o seguinte:

O próprio mestre deveria logo mostrar, ao analisar a nossa clássica linha por linha, com que cuidado e com que rigor é preciso fazer cada exame, quando se

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tem no coração um verdadeiro sentimento artístico e diante dos olhos a compreensão total do que escreve (Idem, p. 82).

O ensino formal, onde se aprende a ler e a escrever, é a prática à qual os professores

deveriam mais se deter, mas que não ocorre em tais instituições de ensino. Ao contrário, os

alunos do ginásio são estimulados a uma autonomia que não possuem, pelo fato de não estarem

aptos à “verdadeira escrita”. Isso porque, no lugar de utilizarem como princípio a instrução

formal da língua, os professores utilizam apenas a forma histórica:

Em vez desta instrução puramente prática, por intermédio da qual o mestre deve habituar seus alunos a uma severa educação de si no domínio da língua, encontramos em todo lugar a tendência de lidar com a língua materna através da erudição histórica: quer dizer, se usa dela como se fosse uma língua morta e como se não houvesse nenhuma obrigação em relação ao presente e o futuro desta língua (Idem, p. 82).

A tarefa maior de um mestre é, justamente, de não ensinar essa prática histórica, e sim,

reprimi-la: “Ora, a nossa língua materna é um domínio no qual o aluno deve aprender a operar”

(Idem, p. 84). Ao invés de ensinar a escrever, a fim de cultivar, ao menos, certa obediência aos

clássicos, de Goethe a Schiller, os alunos são encorajados a escrever a ponto de se comparar ou

mesmo superar os autores de grande prestígio. O autor diz: “um riso que provoca cólera no gênio

Alemão e do qual se envergonhará uma posteridade melhor” (Idem). Além disso, há também o

estímulo para que os alunos escrevam sobre si, antes mesmo de terem entendido os clássicos:

Basta apenas imaginar o que passa nesta idade tão jovem, quando se exige do aluno a produção de um semelhante trabalho. Esta é sua primeira produção original; as forças que ainda não se desenvolveram tendem pela primeira vez a uma cristalização; o sentimento embriagador da autonomia reveste estas produções com um encanto primitivo, admirável, que jamais retornará (Idem, p. 85).

Nietzsche é contra essa “falsa-autonomia” que os professores exigem de seus alunos e

acredita que é preciso refrear essa “originalidade medíocre”, pois não há aí tal maturidade, para

isso, falta-lhes ainda ler os clássicos. Portanto, antes desse exercício exaustivo, todo o restante é o

resultado de uma escrita de barbárie, longe, de fato, de uma escrita autônoma ou original. A esse

falso ensino há uma recomendação que pode vir a restaurá-lo ou purificá-lo como, por exemplo,

uma cultura de poetas e sujeitos de pensamento autêntico, artistas e afins:

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Em relação à língua, mais do que em qualquer outro lugar, observa-se que nada restou da influência do modelo clássico: e esta única constatação me permite ver naquilo que é chamado de ‘cultura clássica’, que deveria sair do nosso ginásio, algo de muito duvidoso e equívoco. De fato, bastaria dar uma olhada a este modelo, para constatar a imensa seriedade com a qual os Gregos e os Romanos consideravam a tratavam a língua desde a adolescência (Idem, p. 87).

E é pelo fato de se rebelar contra essa “livre personalidade” do aluno que os professores

cometem a barbárie (educação linguística), longe de propiciar uma formação à cultura ou ao

espírito alemão (Geist), já que é através do bom uso da língua materna que se pode dar início a

uma cultura própria. Talvez a resposta nos apareça na Terceira Conferência em que, para demonstrar

seriedade quanto à questão das instituições de ensino de sua época, Nietzsche a inicia retratando

o filósofo e seu companheiro em um silêncio profundo. Aqui, o “sombrio” é parte da

dramatização, em que a importância do filósofo-mestre é reforçada pela caricatura figurativa do

homem (mestre).

E mesmo que de “boa vontade” de algum modo o homem da ciência viesse para iluminar

esse “momento” e o peso sobre seus corações, nada mais importaria. É nesse instante que

percebemos como Nietzsche abala, como nos faz refletir acerca de muitas ideias engessadas no

mundo, desde o passado, passando pelo presente e também “nosso” futuro, sobretudo porque

faz refletir sobre a condição dos processos de individuação:

Uma renovação e uma purificação verdadeiras do ginásio só poderão vir de uma renovação e de uma purificação do espírito Alemão que sejam profundas e poderosas. Misterioso e difícil de compreender é o liame que junta verdadeiramente o ‘ser’ profundo da Alemanha e o gênio Grego. Mas, enquanto a necessidade mais nobre do verdadeiro gênio alemão não procurar a mão deste gênio Grego como apoio firme no fluxo da barbárie, enquanto o espírito alemão não expressar aquela nostalgia angustiante pelos Gregos, enquanto a perspectiva da pátria Grega, penosamente atingida, fonte de deleite para Goethe e para Schiller, não tiverem tornado o lugar de peregrinação dos homens melhores e mais dotados, neste caso, o ginásio proporá para si na cultura clássica um objetivo incoerente, que flutua ao sabor dos ventos: e pelo menos não se deve censurar aqueles que desejam introduzir nos ginásio, ainda que com espírito tão limitado, o cientificismo e erudição, para ter diante dos olhos um objetivo real, sólido e ao mesmo tempo ideal, e salvar seus alunos das seduções deste brilhante fantasma que se faz chamar agora de ‘cultura’ e ‘educação’. (Idem, p. 101).

A questão do aumento dos estabelecimentos de ensino é retomada junto com outro fator

importante, o ensino superior, pois nele se encontra a relação com o aumento das unidades de

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ensino. Observa-se que, conforme se ampliam, há também uma maior demanda de professores

sem nenhuma vocação à pedagogia, isto é, gera-se um empecilho para a construção da cultura:

Estas pessoas estão sem dúvida exageradamente distanciadas das coisas pedagógicas e acham que

a riqueza aparentemente dos nossos ginásios e de mestres, que só consiste no número, poderia,

não sei por que leis e regras, ser transformado numa verdadeira riqueza, numa ubertas ingenii, ser

sem que, por outro lado, este número fosse reduzido (Idem, p. 103).

Por isso, na medida em que cresce o número de instituições de ensino superior, há um número

maior de alunos, e com isso, menor seleção. Segundo Nietzsche: “a imensa maioria dos mestres

se encontra, nestes estabelecimentos, no seu ambiente próprio porque seus dons se encontram

em uma relação harmônica com o baixo nível e com a mediocridade dos seus alunos de ensino”

(Idem, p. 104).

São essas as vozes que continuam a surgir, isto é, os novos estabelecimentos de ensino. Nessas

instâncias, o surgimento do gênio é um processo complicado, pois, a fim de que ele possa

emergir, a língua materna (cultura de um povo) é abafada pelo aumento estrondoso desses

mesmos espaços.

Particularmente, ao debater o tema e refletir acerca da posição do mestre como um fator

fundamental para o cultivo do jovem estudante e sua relação com a cultura, lembrei-me de um

escritor, espécie de mestre-poeta devido ao seu estilo marcante, Paulo Leminski. Ele nos fornece

um verso perfeito para responder a esse pensamento subterrâneo de Nietzsche, quando adverte:

“Repara bem no que não digo” (2010, p. 74). O verso nos faz pensar na relação entre o poema e

o “futuro dos nossos estabelecimentos” de ensino, visto que o filósofo alemão propõe um mestre

cauteloso, meditativo, fadado a uma verdade: a verdade de que o pensar é um exercício sutil e que

deve ser tomado com cuidado e delicadeza. Ele certamente aborda algo que era pouco

comentado, isto é, a importância do cultivo dos alunos no ginásio, de modo a fortificar a cultura

e o espírito alemão. Deste modo, o ginásio é o lugar de preparar a terra, enquanto o mestre

aquele que deve semear e sacrificar-se pela terra.

Após a unificação da Alemanha, houve uma expansão da cultura por meio dos

estabelecimentos de ensino, ocorrendo uma disseminação do conhecimento que não levava em

conta a totalidade de uma cultura, ignorando que o pensar é fruto de uma liberdade que leva

tempo, que brota profundamente, lentamente. Suspeitar e analisar qualquer coisa de modo

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apressado leva uma cultura à decadência e à banalização do pensar, o qual necessita forma,

conteúdo, estilo e tempo para fazer nascer uma (originalidade) ou o gênio de um tempo.

A arte de saber ler e escrever. Uma educação que busca esse gênio e, também, a poesia.

Enfim, Nietzsche é professor de Filologia, mas, como bem sabemos, é um entusiasta da filosofia,

amante do helenismo, fonte inesgotável de formas e expressões artísticas. Se os estabelecimentos

de ensino perderam ou estão perdendo o sentido da língua materna, ou então, ignorando o viés

das grandes obras, Nietzsche vê no retorno aos clássicos uma renovação, uma purificação, na

busca de alcançar o que ele chamou de espírito alemão.

Referências Bibliográficas:

Dicionário de Mitologia. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

DELEUZE, Gilles. O mistério de Ariadne segundo Nietzsche. Cadernos Nietzsche, São

Paulo, n. 20, 2006, pp. 07-17.

___________. Obras incompletas. 2ª Ed. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho;

posfácio de Antônio Cândido de Mello e Souza. São Paulo: Victor Civita Ed., 1978.

MACHADO, R. Nietzsche e a verdade. Rio de Janeiro: Graal, 1999.

VIESENTEINER, Jorge Luiz. “Aprender a Ver”. Aprender a Pensar, Aprender a Falar e

Escrever: condições do conceito de Bildung no Crepúsculo dos Ídolos de Nietzsche. Artigo no

prelo, disponibilizado em Palestra/UFSC-2011. [Links].

LEMINSKI, Paulo. Catatau: um romance-ideia. São Paulo: Iluminuras, 2010.

Vocabulário de Nietzsche/Patrick. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Editora

WMF/Martins Fontes, 2011.

STEGMAIER, Werner. As linhas fundamentais do pensamento de Nietzsche. Petrópolis: Vozes,

2013.

Escritos sobre Educação, Friedrich Nietzsche, Rio de janeiro: Puc- Rio; SP: Ed. Loyola,2012.

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MAQUIAVEL: A LIBERDADE COMO EQUILÍBRIO DOS HUMORES

ANTAGÔNICOS

Lairton Moacir Winter

UTFPR/UFPR

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Maria Isabel Limongi/Prof. Dr. José Luiz Ames

RESUMO: O objetivo desta comunicação consiste em analisar a relação que Maquiavel

estabelece entre o conflito de grandes e povo com a liberdade política. A hipótese central é a de

que a liberdade somente pode ser alcançada mediante um ponto de equilíbrio entre os humores

em conflito. A lei republicana, nascida do permanente confronto dos desejos antagônicos,

subverte o caráter negativo dos humores de grandes e povo e canaliza sua força para a vida

política. A fim de esclarecer isso, partimos da definição das características dos agentes em

conflito, de acordo com as quais o desejo dos grandes se confunde com um desejo de poder,

enquanto o desejo do povo se associa à liberdade. A liberdade, porém, como à primeira vista

parece significar, não reside no desejo popular, mas entre os dois desejos antagônicos, isto é, num

equilíbrio tenso. Para Maquiavel, a verdadeira liberdade política somente é possível com a

manutenção deste frágil equilíbrio nos modos de desejar de grandes e povo.

Palavras-chave: Maquiavel; conflito; equilíbrio dos humores; liberdade

É sabido que Maquiavel elogia os conflitos de grandes e povo em função de seu resultado

positivo para a vida da cidade por produzirem leis capazes de fazerem livre o corpo político.

Contudo, o que determina, no pensamento do secretário florentino, o caráter salutar dos

conflitos de grandes e povo? Qual a dinâmica dos conflitos que permite a Maquiavel afirmá-los

como positivos à liberdade política? A hipótese que possivelmente responde ao problema reside

na ideia de equilíbrio, ainda que momentâneo, dos desejos de grandes e povo, isto é, na

manutenção da diferença dos modos de desejar dos dois humores. Esclarecer isso é o intento

desta comunicação.

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De acordo com Maquiavel, o conflito político resulta do antagonismo no modo de desejar

de grandes e povo: enquanto o desejo do povo é um desejo de liberdade, o desejo dos grandes é

um desejo de dominação. Para o florentino, o conflito desses dois atores sociais é o fundamento

da política. Fugindo de modelos ideais abstratos Maquiavel sustenta que a política é fruto da ação

dos homens no tempo, segundo a qual a solução que se dá ao conflito de desejos determina ou a

liberdade ou a corrupção do corpo político. Compreender a dinâmica desses conflitos parece ser

fundamental para impedir a degenerescência da cidade pela corrupção através de uma ação

política que possa opor a ela o regime da liberdade. Para isso, o florentino sublinha que os “os

conflitos devem expressar-se através de mecanismos legais, sob a pena de destruírem o tecido

social” (BIGNOTTO, 1991, p.95).

Ao afirmar a tese segundo a qual os conflitos são positivos para o corpo político porque

produzem liberdade, Maquiavel atesta que isto somente é verdade quando os conflitos mantêm o

frágil equilíbrio dos humores antagônicos. De acordo com este modelo do conflito político, a

liberdade é resultado da diferença originária dos desejos de grandes e povo, isto é, da

desigualdade nos modos de desejar de ambos os humores. É disso que fala Maquiavel na História

de Florença (III, 1) quando afirma que “em Roma, a igualdade entre os cidadãos levou à

grandíssima desigualdade”. Se esta diferença se mantiver, ou seja, se o desejo dos grandes for

sempre um desejo de domínio, e o desejo do povo um desejo de liberdade, os efeitos dos

conflitos serão sempre positivos.

O modelo paradigmático do qual parte Maquiavel para afirmar a existência de conflitos

saudáveis ao corpo político são os tumultos entre a nobreza e a plebe que assolaram a república

romana e a mantiveram livre e poderosa por mais de quatro séculos. Encontramos nos Discursos

(I, 4) a sua descrição: “direi que quem condena os tumultos entre os nobres e a plebe parece

censurar as coisas que foram a causa primeira da liberdade de Roma e considerar mais as assuadas

e a grita que de tais tumultos nasciam do que os bons efeitos que eles geravam”. Os bons

conflitos são, pois, aqueles que produzem bons efeitos. E os bons efeitos são, para Maquiavel, as

leis que favorecem a liberdade pública. A liberdade deve ser pensada, está claro, a partir da ação

humana.

Ao refletir sobre a história romana, Maquiavel parece estar propenso a afirmar que os

conflitos podem ser de fato produtivos. O autor reconhece que pode existir uma fisiologia dos

conflitos, claramente expressa no título do quarto capítulo do primeiro livro dos Discursos: “a

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desunião entre plebe e senado tornou livre e poderosa a república romana”. Frente a isso, parece prudente

compreender melhor que coisa o conflito, a desunião, pode produzir. Assim, quais efeitos podem

ser resultado de um conflito como aquele que tomou lugar em Roma por tanto tempo? A reposta

de Maquiavel, nos Discursos (I, 4), é enfática: os conflitos entre a plebe e o senado deram origem

“a leis e ordenações benéficas à liberdade pública”. Por ordenações pode-se entender as

magistraturas – como no caso romano, o cargo de tribuno da plebe – e organizações do tipo

constitucional. Além das ordenações, os conflitos em Roma originaram leis, que por se tratarem

de acordos, ainda que provisórios, entre dois humores distintos – o senado e a plebe - tratava-se

de leis ordinárias. Exatamente por esta razão Maquiavel critica aqueles que condenam sem

ponderar os tumultos entre a plebe e o senado porque “todas as leis que se fazem em favor da

liberdade nascem da desunião deles” (Discursos, I, 4).

É fato, portanto, para Maquiavel, que há razões suficientes para se elogiar os conflitos

porque foram eles os responsáveis por produzir leis e ordenações capazes de manter a liberdade

em Roma. A liberdade é o resultado das leis e das ordenações nascidas dos tumultos. “E quando

tais ordenações são bem observadas, as cidades vivem livres por muito tempo; quando não o são,

logo se arruínam” (Discursos, I, 24).

Todavia, para o secretário florentino as ordenações e as leis não devem ser consideradas

um fim em si mesmo, mas um resultado, uma conquista de um momento logicamente

precedente, precisamente aquele das desuniões e dos conflitos. Portanto, as leis e as ordenações

são diretamente proporcionais aos conflitos: variando estes, variam os efeitos. Porém, isto não

parece poder ser afirmado para as ordenações e as leis de todas as repúblicas. Seguramente, vale

para Roma, mas não vale, por exemplo, para Esparta que, de acordo com os Discursos, recebeu o

seu corpo de leis inteiramente de Licurgo.

Seguindo o exemplo romano, Maquiavel demonstra a importância do papel do povo na

criação de um regime livre: “quando o povo queria obter uma lei, ou fazia alguma das coisas

acima citadas [gritos, tumultos, a plebe toda a sair da cidade] ou se negava a arrolar seu nome para

ir à guerra, de tal modo que, para aplacá-lo, era preciso satisfazê-lo em alguma coisa” (Discursos, I,

4). Ora, estas manifestações do povo, que se opunha ao senado romano, representando o próprio

movimento do conflito, produziam leis e ordenações benéficas a todo o corpo político. Não

pode espantar, portanto, que quando o florentino se interroga em seguida sobre o problema

“onde se deposita com mais segurança a guarda da liberdade: no povo ou nos grandes” (Discursos

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I, 5), onde deve ser colocado um poder de última instância em condições de defender a liberdade,

frente à alternativa ou no povo ou nos grandes, a sua resposta seja então unívoca e privilegia a

solução romana que, ao seu juízo, colocava a guarda da liberdade no povo. “É ele [o povo] que,

com efeito, luta contra o desejo de dominação dos grandes para afirmar seu próprio desejo e

fazendo isso, faz nascer leis favoráveis à liberdade” (GAILLE-NIKODIMOV, 2004, p.59). O

povo é melhor guardião da liberdade, pois não reivindica uma parte das magistraturas para

dominar, e porque a expressão do desejo popular coloca em movimento um processo de

construção de uma legislação que introduz a igualdade na distribuição das magistraturas e nos

aspectos privados da existência.

A avaliação positiva que Maquiavel faz das desuniões e dos conflitos tem sugerido muitas

vezes uma clara ruptura em relação a algumas representações compartilhadas pelas tradições do

pensamento político antigo e medieval. Sustentar a tese de que os conflitos produzem bons

efeitos significa, acima de tudo, tomar à distância a ideia clássica da concórdia (do grego,

homonoia), recorrente em toda a reflexão política grega, ideia desenvolvida com maior ênfase tanto

em Aristóteles quanto em Políbio. Significa, ainda, contrapor-se conscientemente à ideia de ‘ordem

e concórdia’ (do latim, “concordia ordinum”) de Cícero, com sua posição política defensora dos

princípios aristocráticos. Do mesmo modo, a tese maquiaveliana dos conflitos como produtores

de bons efeitos representa um nítido rompimento também com as elaborações mais próximas a

ele. Referimo-nos, em primeiro lugar, à cultura pré-humanística e humanística de matriz retórica

que dava grande relevo ao ideal da paz e da concórdia. E, em segundo, à tradição política

florentina, a quem Maquiavel está diretamente ligado, que havia destacado a convicção de que as

facções e os partidos constituíam uma ameaça mortal à liberdade da cidade e que, portanto, toda

discórdia deveria ser descrita como facciosa. As posições de Maquiavel se afastam com

determinação desta tese da paz e da concórdia, assim como tomam à distância as posições filo-

venezianas difundidas por muitos pensadores do humanismo cívico que, no conjunto, formavam

o ideal político a ser seguido pelas repúblicas italianas. O secretário florentino, ao avaliar

positivamente os conflitos e as discórdias e, mais em geral, ao preferir o modelo romano ao

veneziano, defende claramente uma posição filo-popular e anti-aristocrática. É, neste sentido, um

ponto de vista radicalmente novo não apenas por sustentar os efeitos positivos dos conflitos, mas

ao depositar no povo o papel destacado na criação de um regime da liberdade.

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Por esta razão, a tese maquiaveliana dos conflitos como fonte de liberdade parece residir

no desejo do povo. Isto não quer dizer que o povo seja o depositário do bom desejo, mas que a

liberdade política depende sempre do modo de desejar do povo. Em outras palavras: o que

determina ou a liberdade ou a corrupção do corpo político é a maneira pela qual o povo expressa

seu desejo. Se o povo desejar apenas não ser dominado, seu desejo engendra a liberdade; se,

porém, seu desejo se converter em desejo de domínio, seu desejo engendra a tirania e,

consequentemente, a corrupção e a ruína da liberdade. Nesta perspectiva, Maquiavel é enfático:

os bons conflitos são aqueles que mantêm o frágil equilíbrio dos desejos antagônicos de grandes

e povo.

Retomando os efeitos positivos dos conflitos ocorridos em Roma, só podemos chegar a uma

conclusão: os conflitos foram positivos naquela cidade por tanto tempo porque se manteve inalterada a

correlação de forças dos dois humores antagônicos. Dito de outro modo: foi a manutenção do equilíbrio

das forças políticas e, consequentemente, a manutenção da desigualdade originária entre os desejos de

grandes e povo, que permitiu aos conflitos produzirem a liberdade em Roma.

Retornemos aos Discursos (I, 4). Neste capítulo Maquiavel sublinha que “dos Tarquínios aos

Gracos [...] os tumultos de Roma raras vezes redundaram em exílio e raríssimas vezes em sangue”. Esta

característica dos tumultos é uma questão central do pensamento do florentino que, além desta passagem

dos Discursos, a coloca em destaque em outro momento com afirmação semelhante. Assim, ainda no

mesmo capítulo, o autor sustenta que “quem examinar bem o resultado [dos tumultos] não descobrirá que

eles deram origem a exílios ou violências em desfavor do bem comum, mas sim a leis e ordenações

benéficas à liberdade pública”. Os conflitos, as discórdias, por não fazerem recurso à violência privada,

conduziram Roma à liberdade por cerca de quatrocentos anos. Os conflitos produziram liberdade e não

violência armada ou exclusão dos cidadãos da vida política. Os conflitos criaram em Roma uma forma de

manifestação que não levou nenhum sujeito, fosse individual ou coletivo, a ser excluído da vida cidadã.

Na História de Florença (III, 1), Maquiavel retoma o argumento: “porque as inimizades havidas em

Roma, no princípio, entre o povo e os nobres eram definidas por disputas, enquanto as de Florença o

eram por combates; as de Roma terminavam com leis, enquanto as de Florença terminavam com o exílio e

com a morte de muitos cidadãos”. Diferentemente do que ocorrera em Roma, os conflitos praticados em

Florença apresentam formas diversas. Analisando os tumultos ocorridos nas duas cidades, Maquiavel

coloca em relevo seu conhecido raciocínio opositivo: em Roma o conflito se pratica disputando; em

Florença, combatendo. Existe um crivo pelo qual o conflito permanece produtivo na vida política e se

organiza como se fosse quase uma disputa e não degenera em guerra civil. É o caso de Roma. Porém, em

Florença os conflitos redundaram em violência, assassinatos e exílios dos seus cidadãos.

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A disputa é sadia e positiva porque não altera o equilíbrio dos humores. Diferentemente dos

combates, que invariavelmente degeneram em violência, em que o opositor é sempre um rival e visto

como inimigo e, por esta razão, deve ser eliminado para ocupar-lhe sua posição, a disputa evoca discussão,

divergência, que se resolve pela via do acordo, ainda que provisório. Novamente o exemplo romano é

crucial. Para a solução dos confrontos entre a plebe e o senado, Roma criou as assembleias e o cargo de

tribuno da plebe “porque, além de concederem a parte que cabia ao povo na administração, tais tribunos

foram constituídos para guardar a liberdade” (Discursos, I, 4). Em outras palavras, segundo Adverse

(2007, p.40), a agitação popular em Roma obrigou os grandes a reconhecer a plebe como sujeito político.

A criação dos tribunos da plebe foi a resposta institucional para atender à demanda do povo.

Se os conflitos ocorridos em Roma entre grandes e povo confirmam a tese de Maquiavel de que os

tumultos podem ser produtores de liberdade, resta compreender como isto foi possível. De acordo com o

texto dos Discursos, Roma permaneceu livre enquanto o desejo popular, representado pelos tribunos da

plebe, não se alterou. Mas porque o desejo do povo se manteve idêntico ao seu desejo originário? A

resposta do florentino é a de que o desejo de não ser dominado do povo – manifestado nos tumultos, na

oposição ao senado romano, nas manifestações públicas, na negação do seu nome no alistamento para a

guerra - significava não um desejo de poder, de dominação, mas tão somente um desejo de não ser

dominado pelos grandes. Quando o povo alcançava seu objetivo, fosse uma lei, fosse uma ordenação

favorável à liberdade, o conflito se normalizava, até novo movimento de oposição aos grandes, fruto da

necessidade do povo de manter-se livre da dominação. Assim, de acordo com Gaille-Nikodimov, a lei

resultante dos conflitos toma lugar central na narrativa maquiaveliana: “a fim de satisfazer seu desejo de

não ser dominado, o povo busca, com efeito, obter uma representação institucional e leis que garantam

seu estatuto e sua proteção em relação à ambição dos grandes. Com efeito, a lei submete os grandes e

limita, até mesmo impede, sua dominação” (GAILLE-NIKODIMOV, 2004, p.56).

É, portanto, na manutenção da diferença, da desigualdade no modo de desejar de grandes e povo

que reside o aspecto positivo dos conflitos. É disso que fala Maquiavel em Discursos (I, 4) quando afirma

que “em Roma, a igualdade entre os cidadãos levou à grandíssima desigualdade”. Porém, como se

manifestou em Roma esta desigualdade? Para respondê-lo retornemos aos Discursos (I, 4): “não se pode

dizer que tais tumultos sejam nocivos, nem que tal república fosse dividida, se em tanto tempo, em razão

de suas diferenças, não mandou para o exílio mais que oito ou dez cidadãos” (grifo nosso). Os tumultos

são saudáveis e produzem liberdade porque os desejos de grandes e povo são diferentes.

Por fim, é no capítulo 1 do livro três da História de Florença que encontramos a confirmação da

tese da manutenção da desigualdade originária dos desejos de grandes e povo como fundamento da ideia

de que os conflitos podem ser fator de liberdade. De acordo com o texto, Maquiavel ensina que os efeitos

positivos dos conflitos se devem aos fins a que se propõe um povo. Assim, a liberdade foi efeito dos

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confrontos entre grandes e povo “porque o povo de Roma desejava gozar as supremas honras ao lado dos

nobres” (grifo nosso), e não sobre ou como os nobres. Desejar com e não como, ou sobre, é a chave para

entender porque os conflitos em Roma produziram bons efeitos. Ao desejar dividir com os nobres as

supremas honras, o povo mantinha seu desejo originário de não ser dominado, portanto, diferente do

desejo dos grandes, que continuava sendo um desejo de dominação. É o equilíbrio dos humores do qual

fala Maquiavel, pois os dois desejos não se equiparam, mas, ao contrário, se mantém desiguais. Se, ao

contrário, o desejo do povo se igualasse ao desejo dos grandes, os efeitos dos conflitos seriam negativos,

pois corromperiam o corpo político.

Referências Bibliográficas:

ADVERSE, Helton. Maquiavel, a república e o desejo de liberdade. Trans/form/ação. São Paulo,

v.30, n.2, p.33-52, nov. 2007.

BIGNOTTO, Newton. Maquiavel republicano. São Paulo: Loyola, 1991.

GAILLE-NIKODIMOV, Marie. Conflit civil et liberté: La politique machiavélienne entre histoire et

médiecine. Paris: Honoré Champion, 2004.

MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução MF. São Paulo:

Martins Fontes, 2007.

___________. História de Florença. Tradução MF. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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UM ESBOÇO PARA UMA A IMANÊNCIA ABSOLUTA E UMA ÉTICA VITALISTA:

DELEUZE ENTRE SPINOZA E NIETZSCHE

Leandro Nunes

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CAPES/CNPq

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Ester Maria Dreher Heuser

RESUMO: O presente trabalho objetiva pensar e problematizar o que denominamos como uma

ética vitalista que desdobra-se na imanência absoluta a partir da filosofia de Gilles Deleuze, mais

precisamente, a partir das ressonâncias provenientes de seus encontros com as filosofias de

Nietzsche e Spinoza, os quais ele denomina de “filósofos da imanência”. Para tal intento,

trabalharemos com conceitos centrais da obra deleuziana concernentes ao problema de uma ética

imanente, tais como: imanência, multiplicidade, encontros, diferença, linhas de fuga, devir, vida.

Também trabalharemos com a interpretação deleuziana dos conceitos de vontade de potência e

de corpo na filosofia de Nietzsche e o conceito de corpo e o problema da expressão na filosofia

de Spinoza; sempre procurando evidenciar sua importância e seus desdobramentos para se pensar

uma ética no plano imanente a partir da própria obra deleuziana.

Palavras-chave: Ética. Imanência. Vitalista.

Spinoza e uma imanência imanente a si mesma

O plano de imanência para Deleuze é a própria definição do campo transcendental e das

imagens do pensamento elaborada em suas obras anteriores a O que é a filosofia? (1992);

entendendo o transcendental como sendo “o domínio próprio da filosofia na sua determinação

como irredutível ao mesmo tempo à empiricidade e a toda transcendência” (DIAS, 2001, p. 178).

Desse modo, o plano de imanência, segundo o autor, não seria um plano transcendente ou

sensível do ser, mas um campo das condições imanentes pelo qual a realidade se constitui, pois,

“é quando a imanência já não é imanente à outra coisa que não a si mesma que se pode falar de

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um plano de imanência” (DELEUZE, 1995, p. 4). Em suma, o verdadeiro plano de imanência,

isto é, a filosofia plenamente efetuada, só é possível quando a imanência é tomada em si mesma e

não como atributo de algo, ou seja, trata-se de uma imanência imanente a si mesma e livre de

qualquer laço que a torne dependente de “algo”.

Tal plano de imanência, que atribui a imanência a si mesmo, segundo Deleuze, foi

problematizado apenas uma vez na história da filosofia, sendo Spinoza o responsável por traçá-

lo. Esta incomparável operação do spinozismo consiste no seguinte: “libertar a imanência de toda

a transcendência. Subtraí-la a todas as formas do transcendente, e a todas as recriações em si da

transcendência, afirmar a imanência como auto-consistente” (DIAS, 2001, p. 180), isso porque,

para Deleuze, na filosofia de Spinoza a imanência não advém da substância, uma vez que, não é

imanente à mesma.

A substância e os modos é que são na imanência, e esta que é em si mesma, devolvida a si, pertencente exclusiva de si. Se tudo se diz da substância, é porque a substância é o nome spinozista do plano de imanência, o continuum intensivo dos atributos, quer dizer, a produtividade ontológica infinita, infinitamente positiva, que se exprime através dos dois poderes do plano, poder de ser e poder de pensar, extensão e pensamento. Por isso seria o spinozismo, para Deleuze, a mais pura das filosofias, e Spinoza o príncipe dos filósofos, porque o único que teria experimentado até ao infinito, até os movimentos próprios do infinito, a vertigem da imanência. O único, em resumo, que teria acendido a uma pura percepção imanente, sem recair no transcendente, sem restituir a ilusão da transcendência [...] (DIAS, 2001, p. 180).

Assim, é a partir da influência spinozista que Deleuze pensa a imanência absoluta: pensar

“o que não pode ser pensado e que, no entanto, tem que ser pensado, como o impensável do

pensamento, e que é o que o pensamento pensa, o que ele não pode se não pensar” (Idem, p.

180). Desse modo, é preciso salientar que nesse plano de imanência há apenas singularidades e

acontecimentos. Entendendo que, tais acontecimentos, são como o próprio plano, isto é, são

apenas virtualidades. Assim sendo, toda a realidade em ato representa a atualização de formas

possíveis.

O acontecimento imanente atualiza-se num estado de coisas e num estado vivido que fazem com que aconteça. O próprio plano de imanência atualiza-se num Objeto e num Sujeito aos quais se atribui. Mas, por pouco separáveis que sejam da sua atualização, o plano de imanência é ele próprio virtual, tal como os elementos que o povoam são virtualidades. Os acontecimentos ou

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singularidades dão ao plano toda a sua virtualidade, como o plano de imanência dá aos acontecimentos virtuais uma plena realidade. Ao acontecimento, considerado como não-atualizado (indefinido), não falta nada. Basta pô-lo em relação com os seus concomitantes: um campo transcendental, um plano de imanência, uma vida, singularidades. Uma ferida incarna-se ou atualiza-se num estado de coisas e num vivido; mas é ela mesma um puro virtual sobre o plano de imanência que nos impele numa vida. A minha ferida existia antes de mim... Não uma transcendência da ferida como atualidade superior, mas a sua imanência como virtualidade sempre no seio de um meio (campo ou plano) (DELEUZE, 1995, p. 4).

Assim, os acontecimentos e virtualidades constituintes do plano de imanência, segundo

Deleuze, são o campo de potencialidades de toda a realidade; e, por conseguinte, o ser passa a ser

entendido como o poder do novo, como criação pura; de maneira que, por tal razão, a pura

imanência é definida por Deleuze como uma vida e nada mais. Uma vida como imanência da

imanência, pois, “não é a imanência que é imanente à vida, é pelo contrário, a vida que é

imanência plena, melhor, é uma vida que exprime a imanência que é, não em outra coisa, mas em

si mesma” (DIAS, 2001, p. 182-183). Em epítome, trata-se de “imanar” a vida, ou seja, de

restituir o poder da criação ao homem.

O que significa: uma vida é imanente a si mesma, é poder imanente coexistente com a vida individual mas não determinável por ela, não contido nela, antes afirmando-se por si, de si. A vida como auto-referente, em vez de referível aos sujeitos, de atributo de viventes ou fundamento da atribuição de subjetividades: é isso a vida como imanência, ou a imanência como uma vida. Não é pois a vida que se reduz ao vivido, à apropriação individual e subjetiva, nem é a imanência que se apresenta como imanente ao fluxo do vivido [...] é a vida individual e a subjetividade humana que são expressões de uma vida absolutamente imanente e de uma consciência imediata impessoal coextensiva ao plano de imanência (DIAS, 2001, p. 183).

Desse modo, a vida do indivíduo é definida pelos acidentes vividos, sejam eles interiores ou

exteriores, isto é, pela subjetividade e objetividade do que acontece. No entanto, uma vida é

constituída apenas por virtualidades, ou seja, de acontecimentos não atualizados, “de

singularidades pré-individuais que coexistem com os acidentes da vida individual correspondente,

mas que se distinguem deles e que definem a imanência, o plano de imanência, dessa vida

individualizada” (Idem, p. 183-184). Assim sendo, são os acontecimentos vividos que acabam

individualizando a vida do sujeito, compondo de forma sucessiva os momentos de sua vida, o

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que lhe confere uma história e uma determinação ética. Entretanto, os acontecimentos virtuais

dessa vida imanente, não formam uma história, mas um devir.

Em tese, trata-se de saber retirar possibilidades positivas de todas as situações e

contingências vividas, isto é, de ser digno do que acontece.

Deleuze propõe assim um conceito de vida como vida indefinida, anônima, nua, destacada

de todas as determinações empíricas, do que faz dela uma vida pessoal ou individual. Mas o

inindividual ou o impessoal, a neutralização de toda a definibilidade empírica, não equivale em

Deleuze à queda na indiferenciação. Corresponde ao invés à emancipação das diferenças, [...] na

forma de singularidades como pulsações pré-individuais e pré-pessoais, de acontecimentos

virtuais, reais, mas não atuais (Idem, p. 185).

Assim, pode-se afirmar que a filosofia deleuziana é guiada por uma preocupação

fundamental, qual seja: de criar as condições de possibilidade do novo, de garantir as condições

objetivas da produção subjetiva de novidade. Daí decorre as distinções virtualidade/possibilidade,

devir/história, como também, um plano de imanência absoluto, o conceito entendido como

acontecimento e não como essência. Isso porque o plano de imanência é pensado como criação,

já que, a vida, é tratada por Deleuze, como força criadora e toda criação como criação de vida, de

saídas para a vida. De modo que, a imanência plena, absoluta, é entendida como o “invivível que,

no entanto, é o que se vive, o que define uma vida, e o impensável que é, todavia, o que se pensa,

o que não se pode deixar de pensar” (Idem, p. 186). Pois, a vida entendida como imanência da

imanência, retira-se de suas determinações tradicionais e restitui para si o poder ontológico

absoluto, poder este, imanente da criação.

Nietzsche e a interpretação deleuziana da vontade de potência

Nesse sentido, com Nietzsche, Deleuze trabalha com o conceito de vontade de potência,

entendido por ele como aquilo que faz uma disparação intensiva que independe de sua

consciência. Sendo que, sua vontade consciente depende dessa vontade de potência; ou seja, o

indivíduo não pensa só a partir daquilo que domina, que tem controle; ele pensa a partir do

contato com aquilo que já foi recomeçado, isto é, o indivíduo pensa com aquilo que não mereceu

cuidado na tradição filosófica.

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Isso acontece pelo fato de que para Deleuze a consciência torna-se pequena frente às

forças que atravessam o corpo. Uma vez que, a vontade de potência tem a ver com intensidade,

com corpo. Nesse sentido, segundo Deleuze, Nietzsche entendia a vontade de potência como

sendo um princípio intensivo, isto é, como princípio de intensidade pura.

Não obstante, a vontade de potência, segundo Deleuze, não se trata de um querer viver,

pois, não é uma vontade que deseja a potência ou que deseja dominar.

Com efeito, uma tal interpretação apresentaria dois inconvenientes. Se a vontade de potência significasse querer a potência, ela, evidentemente, dependeria dos valores estabelecidos, honrarias, dinheiro, poder social, pois esses valores determinam a atribuição e a recognição da potência como objeto de desejo e de vontade. E a vontade que quisesse uma tal potência somente a obteria lançando-se numa luta ou num combate. Ademais, perguntemos: quem quer a potência dessa maneira? quem deseja dominar? Precisamente aqueles que Nietzsche chama de escravos, de fracos. Querer a potência é a imagem que os impotentes constroem para si da vontade de potência (DELEUZE, 2005, p. 149 [grifos do autor]).

Deleuze afirma que a vontade de potência em seu mais elevado grau, ou seja, em sua forma

intensa ou intensiva, “não consiste em cobiçar e nem mesmo em tomar, mas em dar e em criar”

(Idem, p. 149). Em síntese, a potência não é aquilo que a vontade deseja, pelo contrário, é quem

quer na vontade. Isso porque a vontade de potência, segundo Deleuze, é “afirmação, afirmação

da diferença, jogo, prazer e dom, criação da distância. Mas, de baixo para o alto, tudo se inverte, a

afirmação se reflete em negação, a diferença em oposição; somente as coisas em baixo têm

inicialmente necessidade de se opor ao que não seja elas próprias” (Idem, p. 149-150).

O corpo como multiplicidade

É possível afirmar que o encontro provocado por Deleuze com Nietzsche e Spinoza está

intimamente relacionado com o corpo. É nesse sentido que em Nietzsche, segundo uma leitura

deleuziana, entende-se o corpo como sendo uma estrutura social “de impulsos e afetos que lutam

incessantemente para aumentar sua potência, subjugando outros conjuntos afetivos. A seu ver,

mesmo a alma deve ser remetida a este registro, já que não se distingue substancialmente do corpo”

(MOREIRA, 2011, p. 142). Conquanto que, em Spinoza, Deleuze trabalha com o conceito de corpo

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entendido como “uma estrutura complexa composta de outros corpos, e a mente como “ideia do

corpo” e “ideia da ideia do corpo”. Mente e corpo definidos como modos finitos dos atributos de

uma única substância, Deus” (Idem, p. 142). Sendo que, estes modos podem atingir variados graus de

potência segundo como as contingências apresentam-se.

Na ética de Spinoza, o corpo é apresentado como uma coisa singular, uma espécie de indivíduo

complexo; já que, é composto por outros corpos que tencionam para uma mesma ação; “se vários

indivíduos contribuem para uma única ação, de maneira tal que sejam todos, em conjunto, a

causa de um único efeito, considero-os todos, sob este aspecto, como uma única coisa singular”

(SPINOZA 15, EII Def. 7, 2011). Em suma, trata-se de um composto singular no qual o conjunto

das partes é a única causa de efeito e, por conseguinte, há um equilíbrio “interno na proporção de

movimento e repouso das partes que o compõe, já que sua conservação depende desta

proporcionalidade” (MOREIRA, 2011, p. 143). Não obstante, a mente é definida por Spinoza

como um paralelismo “ideia do corpo” e “ideia da ideia do corpo”, ou seja, “ela é consciência das

afecções do corpo, das alterações pelas quais ele passa para conservar seu equilíbrio, além de ser

consciência de si mesma” (Idem, p. 143).

Todavia, é preciso demarcar que não se trata de uma relação de causa e efeito entre mente e

corpo, uma vez que, o corpo não é capaz de determinar que a mente comece a pensar e nem a

mente pode determinar que corpo se coloque em movimento ou em repouso; “há uma

“simultaneidade” (ou paralelismo) do que ocorre em ambos, de modo que a ordem ou

encadeamento do que ocorre no corpo é simultânea à ordem do que ocorre na mente, não

significando com isto que haja uma relação causal aí posta” (Idem, p. 143).

Trata-se de um esforço simultâneo do corpo e da mente para a preservação. Seria algo

como uma potência de persistência: “assim, na medida em que o corpo se esforça para conservar

a proporção de movimento e repouso de seus constituintes, a mente também procura perseverar

em seu ser, através das ideias que produz” (Idem, p. 144). Disso, pode-se afirmar que Spinoza

assegura que todos os indivíduos são dotados de uma potência de agir; e, a partir de sua interação

com o mundo encontram-se coisas que aumentam ou diminuem sua potência de agir.

Não obstante, assim como em Spinoza, em Nietzsche, o corpo é também entendido e definido

como uma multiplicidade. No entanto, para filósofo alemão, segundo Deleuze, trata-se de uma

multiplicidade hierárquica e que está em constante luta por potência e não por conservação como em

Spinoza.

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Uma ética vitalista

Em epítome, como posto até aqui, pode-se afirmar que o encontro de Deleuze com as

filosofias de Nietzsche e de Spinoza ressoa uma ética vitalista, uma ética imanente. Uma ética que

trata da criação de modos de vida, de linhas de fuga. Já que essa ética pensada a partir de Deleuze

objetiva levar ao máximo a crítica da razão para que se possa evitar qualquer fragmento de

transcendência, isto é, levar a razão até o ponto que ela não dependa de nenhuma substância

transcendente. Isso porque uma ética vitalista na imanência absoluta não possui um fim último,

pois é livre de qualquer compromisso com algo que lhe seja externo e, por consequência, “a ação

esta aberta ao devir, à criação que, por sua vez, forma a razão prática ao invés de serem produto

de um “descobrimento da verdade” dos primeiros princípios” (BORGES, 2013, p. 105).

Referências Bibliográficas:

BORGES, Charles Irapuan Ferreira. Deleuze, ética e imanência. 2013. Dissertação de mestrado

apresentada ao programa de Mestrado em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul. PUC, Porto alegre – RS.

___________. L'immanence: une vie. Philosophie, n.º47, Paris: Minuit, Setembro 1995.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia?. Tradução Bento Prado Jr e Alberto

Alonso Muñoz . Rio de Janeiro: 34, 1992.

DIAS, Souza. “Partir, evadir-se, traçar uma linha”: Deleuze e a literatura. Porto Alegre: Educação, 2007.

___________. A Última Fórmula de Deleuze. In. A criação no cruzamento entre arte e filosofia.

Lisboa: Grácio Editor, 2001.

MOREIRA, Adriana Belmonte. Nietzsche e Espinosa: Fundamentos para uma terapêutica dos

afetos; in. Cadernos Espinosanos XXIV. São Paulo, 2011.

SPINOZA, Benedictus de. Ética. Trad. Tomaz Tadeu; 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora,

2011.

ZAOUI, Pierre. La “Grande Identité” Nietzsche-Spinoza. In. Philosophie n° 47, spécial Deleuze,

éditions de Minuit, Paris, 2000.

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APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO ROUSSEAUNIANO

DE AMOR-PRÓPRIO

Luana Aparecida de Oliveira

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Jean-Jacques Rousseau, em sua obra Emílio ou da educação, dividida em cinco livros, aborda a

educação natural e social a partir do processo educativo de Emílio, aluno fictício. Em relação à

educação social de Emílio, diz-se que se inicia somente na fase adulta, já que é o tornar-se adulto

é indício do ingresso na vida em sociedade; antes disso, o corpo e os sentidos não estariam aptos

para o “segundo nascimento”, termo empregado por Rousseau para indicar a educação social. Nesta,

serão ensinados os valores morais e a melhor forma de usar a razão, tendo em vista o

desenvolvimento da capacidade de dominar-se moralmente. O sucesso da educação social implica

na condição da educação natural ser bem sucedida, pois a estrutura cognitiva e moral do

educando dependem do seu desenvolvimento sensório-motor. A educação natural, chamada

também de educação negativa, abrange desde o nascimento até a idade de 12 anos (segunda

infância). Segundo Dalbosco:

A ênfase do processo pedagógico dessa fase recai sobre o fortalecimento do corpo e o refinamento dos sentidos e, portanto, deve ser uma educação orientada pelo convívio do educando com as coisas. Trata-se mais de uma educação guiada pelas coisas do que discursiva, baseada na razão (DALBOSCO, 2011b, p. 32).

De outro lado, a educação social que é uma educação moral, visa o preparo para o exercício

da autonomia, isto é, a promoção da independência do educando para que ele tenha condições de

viver em sociedade, de modo que possa desenvolver noções de bem e de mal para agir de forma

coerente na comunidade política, “[...] pois isso lhe daria então credencial para criticar os aspectos

corruptos e viciados das relações humanas e da ordem social mais ampla” (DALBOSCO, 2011b,

p. 36). Para Rousseau a base da República deve ser orientada pela ordem moral, no entanto a

formação moral do educando, quando torna-se social, é abalada substancialmente pelas

investidas do amor-próprio .

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Além do Emílio ou da Educação, Rousseau também trata dos conceitos de amor-de-si e de

amor-próprio no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Por meio

destes conceitos, o filósofo genebrino busca explicar hipoteticamente a origem da natureza

humana e de seu processo de socialização, assim como entender as razões que levam o homem à

corrupção. Mas o que significam estes conceitos e quais são suas implicações na moral e na

sociabilidade do homem?

Para Rousseau ambos são sentimentos que constituem a condição humana, quando criança,

o indivíduo possui as características do homem natural que é dominado pelo amor-de-si,

sentimento que já nasce com o ser humano. Apesar de sua bondade natural, o amor-de-si tem

como característica a neutralidade no sentido moral. Já na fase adulta quando ingressar na

sociedade, o sentimento do amor-próprio é que irá fazer parte do processo formativo do

indivíduo. Desta forma, o amor-próprio é construído por meio dos contatos externos, ou seja,

não nasce com o ser humano e sim se desenvolve nas relações sociais, ou em outros termos no

processo civilizatório. No entanto, estes dois sentimentos possuem diferenças mais acentuadas:

O amor de si, que só a nós mesmos considera, fica contente quando nossas verdadeiras necessidades são satisfeitas, mas o amor-próprio, que se compara, nunca está contente e nem poderia estar, pois esse sentimento, preferindo-nos aos outros, também exige que os outros prefiram-nos a eles, o que é impossível. Eis como as paixões doces e afetuosas nascem do amor-de-si, e como as paixões odientas e irascíveis nascem do amor-próprio. (ROUSSEAU, 1999b, p. 275).

Portanto, conforme esclarece o genebrino, no amor-próprio a preferência é sempre por nós

mesmos e os demais ficam em segundo plano, de modo que o privilégio deve ser direcionado

para si e não para o outro; devido a isto, é que a bondade natural pertence ao amor-de-si e o

egoísmo calculado ao amor-próprio. Rousseau explica que o amor-de-si é a “[...] paixão primitiva,

inata, anterior a qualquer outra e da qual todas as outras não são, em certo sentido, senão

modificações” (ROUSSEAU, 1999b, p. 273). Muitas destas modificações são nocivas ao homem,

pois mudam sua própria natureza e o torna irascível.

O amor-de-si, sentimento inato à condição humana, conduz o homem à necessidade de

autoconservação, isto é, de cuidar de seu corpo e de pensar em meios de sua própria subsistência.

Em meio ao amor-de-si e ao amor-próprio há a piedade natural, enquanto o amor-de-si diz

respeito à conservação do indivíduo, por meio da piedade natural o homem preserva a sua

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espécie, pois consegue se colocar no lugar do seu semelhante que sofre e assim se solidarizar com

o mesmo, seja da mesma espécie ou simplesmente um ser vivo sensiente. Rousseau escreve no

Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens que a piedade natural:

[...] é um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo a atividade do amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. É ela que nos leva a socorrer, sem refletir, aqueles que vemos sofrer; é ela que no estado de natureza, substitui leis, costumes e virtude, com a vantagem de ninguém ficar tentado a desobedecer-lhe a doce voz [...] (ROUSSEAU, 1999a, p. 192)

A piedade se encontra entre o amor-de-si e o amor-próprio e no estado de natureza está

enquanto potência, mas para se desenvolver plenamente precisa do contato com os demais. Ela

se dá antes da reflexão e quanto mais afetada e oprimida pelo amor-próprio mais enfraquece e

cede lugar às paixões humanas. O amor-próprio enquanto o sentimento do ser social, ao

contrário do amor-de-si que desperta a necessidade de autoconservação; está relacionado com as

necessidades artificiais e por isso dificilmente o homem conseguirá contentar seus desejos, visto

que está constantemente criando novas e falsas necessidades. Além do mais, para a realização de

suas necessidades poderá sacrificar as dos outros, já que não é possível que todos ao mesmo

tempo satisfaçam seus desejos, desta forma, estando os interesses concorrendo um com o outro e

havendo este embate de desejos, surgem então as disputas e as inimizades.

O amor-próprio é a morada das paixões prejudiciais que levam o homem à má inclinação,

quando em contato com o mundo social o ser comete erros devido a essas más paixões, assim

aos poucos seu estado original, ou seja, sua natureza isenta de vícios se modifica. Para Dalbosco:

[...] tal sentimento projeta o homem social para uma condição corrupta e perversa [...] trata-se de um amor profundamente egoísta, voltado para si mesmo, que coloca o homem particular no centro de tudo e de todos (DALBOSCO, 2011b, p. 38).

As paixões que Rousseau denomina como repugnantes, tais como a inveja e a cobiça se

originam do amor-próprio, por isso diferente do amor-de-si este sentimento não é moralmente

neutro. Ele também contém em si o desejo de se sobressair em relação aos outros, em querer ser

superior aos demais para assim obter reconhecimento, aliás, o amor-de-si se transforma em

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amor-próprio justamente quando o homem começa a se comparar com os outros. É a partir

desta comparação que surge o desejo de estar sempre em primeiro lugar. Por isso:

Em relação ao Contrato Social, o modelo republicado governado por uma vontade geral deve ser capaz de assegurar, tanto jurídico, como político e moralmente, aos seus membros, uma forma substancial de reconhecimento social que limite a aspiração do homem de querer alcançar obsessivamente uma posição superior em relação aos outros homens. (DALBOSCO, 2011a, p. 20).

Esta ambição leva a uma constante disputa de uns contra os outros, pois não há quem

aceite estar numa posição inferior, disto decorre, como por exemplo, a insensibilidade diante do

sofrimento dos demais. Desta forma, em última instância, os efeitos deste sentimento pode

conduzir à destruição das relações sociais. Por isso a necessidade de limitar o desejo em querer

uma posição superior aos demais, todavia, será isto possível de ser realizado? Se esta limitação for

possível então o amor-próprio é capaz de ser normativo no que se refere à formação do caráter

do ser humano.

A partir da compreensão do conceito rousseauniano de amor-próprio que deriva o ser

social, é possível pensar que a socialização é em si mesma corrupta? Ou em outras palavras, a

sociabilidade leva necessariamente a uma sociedade corrompida? Se a formação moral depende

da socialização do homem, e se esta se constitui e se desenvolve de forma egoísta, então o ser já

está predeterminado à perversão moral e não há nada o que se fazer para mudar seu “destino”?

Mesmo sendo o amor-próprio o nascedouro das paixões, não há como transformar ou

superar o amor-próprio em amor-de-si e as paixões em moralidade de forma positiva? Não há

consenso entre os intérpretes de Rousseau no que se refere a estas questões, muitos se

posicionam de forma a destacar apenas o aspecto negativo do amor-próprio, isto é, seu lado

destrutivo. Assim, nesta perspectiva, entendendo-o unicamente enquanto lugar onde nascem as

paixões, a sociabilidade estaria determinada ao fracasso moral. Já outros comentadores pensam

ser possível uma “[...] educação do amor-próprio por meio do retorno do amor-de-si e do

sentimento de piedade a ele associado.” (DALBOSCO, 2011a, p. 16). Outros ainda preferem a

teoria de que o amor-próprio possui uma ambiguidade e que devido a isto há como educar este

sentimento.

A interpretação de que o amor-próprio é ambíguo compreende que este sentimento não

está voltado somente para o mal, mas também para o bem, ou seja, ele pode ser destrutivo assim

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como pode possuir caráter construtivo. Esta perspectiva parece ser a mais viável, mais coerente,

pois ao contrário, se dado enfoque apenas para seu lado negativo, todos os indivíduos estariam

absolutamente condenados à depravação moral de maneira irreversível. Também não é plausível

a ideia de educar o amor-próprio somente com o auxílio da piedade natural, é necessário que a

razão fundamente a piedade natural.

Diferente da conotação apenas negativa, o amor-próprio não é fixo, ele possui plasticidade

e por isso é capaz de promover aperfeiçoamento do ser humano. A capacidade de mudança é

própria deste sentimento, desta forma, assim como ele possui condições de produzir o mal,

também tem condições de “curar” o mal produzido. Em Rousseau o processo de socialização do

ser humano necessita comportar a dimensão e o significado social do conceito rousseauniano de

perfectibilidade, que é um dos atributos especificamente humano responsável pela degeneração

ou aperfeiçoamento do homem em sociedade. Uma espécie de flexibilidade em se adaptar a

situações diversas, assim como a aptidão a se auto-aperfeiçoar por meio dos aprendizados das

experiências que a vida social incita.

[...] há outra qualidade muito específica que os distingue, e sobre a qual não ode haver contestação: a faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade essa que, com a ajuda das circunstancias, desenvolve sucessivamente todas as outras, e reside, entre nós, tanto na espécie quanto no indivíduo [...] - enquanto o bicho, que nada adquiriu e tampouco tem algo a perder, continua com seu instinto – o homem, tornando a perder pela velhice ou por outros acidente tudo o que sua perfectibilidade o fizera adquirir, recai assim mais baixo que o próprio bicho? (ROUSSEAU, 1999a, p. 173-174).

Por meio da perfectibilidade o homem transforma o mundo à sua volta e também se

transforma. Assim, é possível que pela da perfectibilidade o amor-próprio assuma uma direção

construtiva para o ser humano. Outro atributo necessário para a sociabilidade é a

autoconservação, enquanto sentimento primário no homem e no animal, que se manifesta como

um instinto natural de preservação e de proteção da própria vida. Neste ponto, para que o amor-

próprio seja reeducado com o objetivo de auxiliar o ser humano de forma construtiva, é

importante que o “colocar-se na perspectiva do outro” seja de modo positivo, isto é, não egoísta.

Por isso é essencial que a piedade natural esteja aliada à perfectibilidade humana, para então

considerar o ponto de vista e o sofrimento do outro, conforme esclarece Rousseau:

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Para tornar-se sensível e piedosa, é preciso que a criança saiba que existem seres semelhantes a ela que sofrem o que ela sofreu, que sentem as dores que ela sentiu e outras que deve ter ideia de que também poderá sofrer. De fato, como nos deixaremos comover pela piedade, a não ser saindo de nós mesmos e identificando-nos com o animal que sofre e deixando, por assim dizer, nosso ser para assumir o seu? (ROUSSEAU, 1999b, p. 289).

O amor-próprio possui a capacidade da razão reflexiva, com esta capacidade e segundo o

Emílio também por meio da contribuição da ação pedagógica do educador, pode-se refletir sobre

seu próprio sentimento egoísta e, assim, agir com certa elevação moral na alteridade diante do

outro. Portanto, o amor-próprio pode ir além de si e se transformar em virtude, conforme

Rousseau: “Estendemos o amor-próprio aos outros seres, transformá-los-emos em virtude, e não

existe coração de homem em que essa virtude não tenha raiz.” (ROUSSEAU, 1999b, p. 335).

Dalbosco explica que o amor-próprio pode conseguir uma elevação virtuosa, pois “[...] a

passagem do amor-de-si para o amor-próprio não significa o desaparecimento por completo do

amor-de-si” (DALBOSCO, 2009, p. 16). O amor-próprio possui um caráter aporético, pois ele

não é puro egoísmo, corrupção e maldade, visto que este sentimento não elimina por completo

sua relação com o amor-de-si. A sociabilidade e a elevação da moral em seu aspecto positivo não

significam a anulação do amor-próprio em favor do amor-de-si, isto é, a primazia de um sobre o

outro, é possível sim, uma tensão dialética entre um e outro. Para tal, cabe ao homem domar e

educar suas paixões, mesmo que para isso viva em um constante confronto consigo.

Referências Bibliográficas

DALBOSCO, Claudio A. Aspiração por reconhecimento e educação do amor próprio em Jean-jaques

Rousseau. Revista Educação e Pesquisa. V 37,Nº 3 set/dez. São Paulo. 2011a. p 481 - 496.

___________. Crítica à cultura, sociabilidade moral e amour de l’ ordre em Rousseau. Revista Contexto &

Educação. Ano 24. Nº 82 Jul/Dez. Ijuí: Editora Unijuí, 2009. p 13-33.

___________. (org). Filosofia e educação no Emílio de Rousseau: o papel do educador como

governante. Campinas: Alínea, 2011b.

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ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos entre a desigualdade entre os homens :

precedido de discurso sobre as ciências e as artes. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado

Galvão. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes. 1999a.

___________. Emílio ou da educação. Tradução Roberto Leal. 2º Edição. São Paulo: Martins

Fontes, 1999b.

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DA CONCEPÇÃO DE VERDADE NA ONTOLOGIA FUNDAMENTAL DE

HEIDEGGER

Luana Borges Giacomini

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CNPq

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

RESUMO: O conceito de verdade, na ontologia fundamental de Martin Heidegger é o tema do

presente trabalho. Para tanto, a apresentação de alguns de seus principais pressupostos, conceitos

e argumentos serão apontados. A investigação será pautada, basicamente, em como Heidegger

compreende o conceito originário de verdade em Ser e tempo; bem como em que termos se

constitui a crítica do autor à compreensão tradicional (metafísica) de verdade. Muitas das críticas

feitas pelo filósofo ao conceito tradicional de verdade, dizem respeito a uma interpretação que

toma a verdade de modo reificado, ou seja, como uma coisa (res) dotada de propriedades

verificáveis. Para Heidegger, tal reificação é algo que se mostra apenas a partir de um

determinado comportamento do ser-aí (ente que pode compreender o sentido do ser e perguntar

pelo mesmo, além de indagar sobre outros pontos que deste derivam, como por exemplo: o

conceito de verdade).

Palavras-chave: Verdade; ontologia; Heidegger

O tema da verdade abordado por nós nesta pesquisa, por estar de algum modo implicado à

noção de ser, provoca um fecundo e crucial diálogo da ontologia fundamental de Heidegger com

a tradição metafísica. No interior deste projeto filosófico original, Heidegger aposta na

fenomenologia como meio de garantir a recolocação da pergunta pelo ser. Para este filósofo,

entretanto, a questão ontológica é abordada diferentemente da tradição, isso porque Heidegger

não desenvolve uma nova teoria sobre a essência do ser, não examina supostas propriedades de

um ser tratado objetivamente, tampouco transige com modelos teóricos usados pela metafísica

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para desse tratar. “A ontologia fundamental irá dissolver fundações ontológicas e revelar que

nossa existência não tem nenhuma base senão ela mesma” (RÉE, 2000, p.18). O que está em

questão, na ontologia fundamental de Ser e tempo é o sentido de ser. Contudo, esta investigação é

possível ao ser-aí (e é o que o caracteriza) pelo fato de possuir uma pré-compreensão de ser.

Devido a isso, o ser não o é totalmente velado. É importante grifar que o ser-aí, enquanto figura

central na recolocação da pergunta pelo sentido do ser, não constitui uma espécie de sujeito.

Segundo o filósofo, não se trata de uma entidade transcendental possuidora de propriedades ou

atributos subjetivos. O ente que compreende o ser é marcado pelo caráter ontológico de poder-

ser e se autodeterminar na relação com os outros entes manifestos no horizonte compreensivo

que seu mundo constitui. Devido a isso, as possibilidades de ser do ser-aí estão sempre em jogo e

este só é o ente que é na medida em que existe no mundo.

O ser-aí compreende ser antes de lidar com as coisas, e isto, justifica seu privilégio

ontológico. O traço da pré-compreensão de ser é o que o diferencia dos demais entes. O animal,

por exemplo, não lida com seu ser, ou seja, é pobre de mundo. “Ele tem menos. Menos o quê?

Algo que lhe é acessível, algo com o que ele pode lidar enquanto animal, pelo que ele pode ser

afetado enquanto animal, com o que ele pode se encontrar em ligação enquanto vivente”

(HEIDEGGER, 2003, p.224). Contudo, deve-se enfatizar, que a “pobreza de mundo” do animal,

não implica em sua inferioridade perante o ser-aí, mas tão somente em sua impossibilidade de

poder se colocar a questão do ser:.

Todo e qualquer animal, toda e qualquer espécie animal é tão plena quanto outra. Por tudo o que foi dito, torna-se evidente, desde o princípio, o discurso da pobreza de mundo e da formação de mundo não deve ser tomado no sentido de uma ordem de valores depreciativa. (HEIDEGGER, 2003, p. 225).

O comportamento aludido por Heidegger é aquele que presume o ser-aí distanciado dos

entes que o cercam. Tal comportamento toma tanto os entes quanto o próprio ser-aí, como

existências dadas e independentes de qualquer circunstancialidade, criando, então, uma espécie de

“hipóstase”.

Na história da filosofia, a maioria das tentativas de dizer o ser já sempre o tomaram como

conceito mais universal. Afirmar que o conceito de ser é o mais universal, não clarifica nada

acerca do mesmo, ao contrário, obscurece. Heidegger afirma que a questão do ser pode ter tido

alguma relevância em Platão e Aristóteles, mas desde tal época, a questão tem sido deixada de

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lado. Como o filósofo evidencia, isto ocorre justamente por se tornar um conceito universal,

como Jonathan Rée afirma: decaiu em “luminosa auto-evidência”.

supõe-se que o ser deve ser o mais universal de todos os conceitos, dado que designa o que todas as coisas têm em comum. Em segundo lugar, assume-se que o ser é vago e indefinível, pois como algo tão geral poderia ter alguma característica distintiva? O terceiro pressuposto é o de que todos nós já entendemos o que é o ser, sem ter sequer de pensar sobre ele – afinal, qualquer criança sabe usar o verbo “ser”, e o que mais, além disso, poderia estar envolvido em uma compreensão do significado de ser? (RÈE, 2000, p. 12)

Edmund Husserl já havia observado o comportamento hipostasiante em seu livro

intitulado: Investigações lógicas (1990). Nele, a fenomenologia toma as coisas do mundo como

fenômenos, ou seja, em seu acontecimento. Deste modo, a existência dessas coisas não é

independente, como afirmariam as ciências que compartilham do naturalismo, tanto idealista ou

racionalista. “Para Husserl, há de se aprender os fenômenos tal como percebidos pelos seus

dados imediatos à consciência”. (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p.15).

Heidegger, leitor das investigações de Husserl, preserva em suas pesquisas o achado

fenomenológico que a intencionalidade constitui. Intencionalidade diz respeito a estrutura que

está de base: é aquilo que caracteriza a consciência, e que justifica designar todo o fluxo de

vivido como fluxo de consciência. Tal estrutura permanece vigente no principal projeto filosófico

heideggeriano. No interior da ontologia fundamental, o ser-no-mundo resguarda a

intencionalidade na medida em que este ser-aí transcende ao mundo no qual os entes se mostram

de muitos modos.

Observemos que, para a fenomenologia, a essência não é algo para além do objeto, não se

trata de uma ideia que habita uma dimensão ulterior. A transcendência aqui não é o transportar-se

para uma instância supra-sensível, metafísica, mas o ato da consciência sem perceber o que há de

mais objetivo e imediato no fenômeno. (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p. 17)

Na síntese heideggeriana da fenomenologia, ao invés de tomá-la por uma ciência dos

fenômenos, como Husserl afirmava, Heidegger a pensa como um método de investigação,

“porque um método se aplica sempre à resolução de problemas, somente após disso teríamos

uma disciplina, também a fenomenologia só poderia pretender esse status diante de uma

problemática” (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p.18).

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Assegurando as cabidas diferenças frente a Husserl, Heidegger observa uma tendência à

hipostasia, nos comportamentos do ser-no-mundo cotidiano, a qual Heidegger caracteriza como

um traço existencial do ser-aí. Com isso, é necessário enfatizar que a tendência hipostasiante não

é observada apenas na existência cotidiana do ser-aí, mas também, pode ser encontrada nas

manifestações singulares do mesmo, como é o caso do pensamento filosófico. Nas palavras de

Heidegger, Descartes, por exemplo:

não retira o modo de ser dos entes intramundanos deles mesmos. Com base numa ideia de ser, velada em sua origem e não demonstrada em sua legitimidade (ser=constância do ser simplesmente dado), ele prescreve ao mundo o seu ser próprio”. (HEIDEGGER, 2012, p.148)

Apresentada a hipostasia, e esboçando o aporte fenomenológico que não apenas a detecta,

mas que também a qualifica, torna-se possível indicar que o conceito de verdade, tal como na

maioria das vezes compreendido no âmbito filosófico tradicional, ou seja, como adequação (neste

caso a verdade pensada como a concordância de uma proposição de um sujeito sobre um estado

de coisas verificável) também sofre influência das compreensões hipostasiadas da consciência, as

quais se consolidam e se perpetuam na maneira com a qual são historicamente legadas.

Podemos dizer que um dos projetos essenciais de Ser e tempo, se refere à hermenêutica da

facticidade. A facticidade determina quem somos, diz respeito ao modo como já nos colocamos

no mundo de fato. O homem lançado no mundo, já conta com o mundo que existe antes dele,

ou seja, já conta com um modo, com uma facticidade. Até mesmo a tradição filosófica conta com

uma facticidade específica.

O esforço heideggeriano consiste em mostrar que na noção tradicional de verdade ainda

permanece encoberto o horizonte fenomenal (intencional) do ser-no-mundo. Deste modo, a

facticidade do ser-no-mundo, uma vez insuficientemente tematizada, deixa de revelar o horizonte

fenomenal no qual a verdade se configura a este ente sempre como acontecimentos de verdade

em circunstâncias fáticas específicas. Do contrário, o conceito passa a ser interpretado, como

uma propriedade de entes tomados como subsistentes por si só e independentes do ser-no-

mundo.

No livro intitulado Introdução à filosofia, especificamente no §12, Heidegger fala da

necessidade de “elucidar a diversidade da verdade do ente nela manifesto se caracterizarmos mais

proximamente os diversos modos de ser do ente e demonstrarmos como, por meio desses

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diversos modos, é a cada vez exigido um modo próprio da verdade” (HEIDEGGER, 2009,

p.87). O comportamento hipostasiante da metafísica tradicional, tende a interpretar a si e os

demais entes como dotados de propriedades (substancialidade, realidade...) e, podemos

acrescentar agora, no que concerne ao conceito de verdade, a mesma “mecânica” se aplica. Isso

quer dizer que a verdade deixa de se mostrar em seu fenômeno originário, aberto em sua

possibilidade no horizonte intencional do ser-aí, para reduzir-se a uma relação de

correspondência, a saber: a concordância de um sujeito que efetua proposições acerca de um

estado de coisas verificável. Neste caso, a verdade como tradicionalmente compreendida, é o

juízo adequado entre dois tipos de coisas (uma res cogitans e uma res extensa). Segundo

Heidegger, esta formulação já pode ser encontrada nas leituras tradicionais de Aristóteles. Para

essas, o pai da lógica entende que a verdade seria a ligação lógico-judicativa entre os elementos

aludidos.

Heidegger compreende que a metafisica tradicional, em suas diversas tentativas de

determinação da verdade fundamental e todos os entes, incorre na ingenuidade hermenêutica de

ao lançar-se neste empreendimento, tomando critérios ônticos para determinar uma instância

ontológico-fundamental. O lugar originário da verdade, não é a adequação da proposição à coisa,

pois qualquer proposição veritativa não pode prescindir de ser descobridora do que seja a

verdade; dito de outro modo, qualquer discurso (logos) que acerca do verdadeiro e que se

trasponha para a forma conceitual de verdade de dá “originalmente em seu horizonte

intencional”, (HEIDEGGER, 2012, p.31) não podendo deixar de levar em conta o âmbito

compreensivo no qual esta verdade é descoberta: o horizonte compreensivo do ser-no-mundo.

Afinal, ser-verdadeiro (verdade) diz ser-descobridor e este, por sua vez, é um modo de ser do ser-

aí.

Referências Bibliográficas:

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback; posfácio de Emmanuel

Carneiro Leão. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

___________. Os conceitos fundamentais da metafísica. Trad. Marco Antônio Casanova. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2003.

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___________. Introdução à filosofia. Trad. Marco Antonio Casanova 2.ed. São Paulo: Editora WMF

Martins Fontes, 2009.

KAHLMEYER-MERTENS. Roberto S. Heidegger & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica

Editora, 2008.

RÉE, Jonathan. Heidegger – História e verdade em Ser e tempo. Trad. José Oscar de Almeida Marques,

Karen Volobuef. São Paulo: Editora Unesp, 2000.

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A TEORIA QUEER E A PRODUÇÃO DE UM CORPO SEM ÓRGÃOS.

Lucas Henrique Nunes Batista

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista Fundação Araucária.

[email protected]

Orientador: Profª. Drª. Ester Maria Dreher Heuser.

RESUMO: O seguinte trabalho tem como proposta abordar elementos da Teoria Queer e, em

conjunto, trabalhar o conceito de corpo sem órgãos de Deleuze e Guattari fazendo uma relação

entre eles. Também se tem a intenção de explicitar o que estes dois autores têm a dizer sobre a

Teoria Queer trabalhada no pós-estruturalismo francês. Primeiramente se fará uso da

interpretação da autora Guacira Lopes Louro para melhor entender o que essa teoria tem a dizer,

desde que esta orienta-se pelo pós-estruturalismo e usa de filósofos como Deleuze e Guatarri

para elaborar seus estudos nessa área. A Teoria Queer está preocupada em discutir as novas

formas de identidades, sexuais e de gênero, bem como teorizar formas de viver o próprio corpo.

Segundo Louro, existem muitas formas de fazer-se mulher ou homem, e várias possibilidades de

viver prazeres em desejos corporais, porém estas práticas são previamente estabelecidas,

anunciadas e promovidas socialmente como formas desviantes de comportamento e vistas como

uma anormalidade. O que acaba por determinar os indivíduos “anormais” como seres abjetos,

pois a sociedade ainda está pautada numa visão heteronormativa que centra as relações humanas

num binarismo Homem-Mulher. Os escritos de Gilles Deleuze e Felix Guattari abordam a

questão da sexualidade, gênero e corpo como devir e como processo. A partir de O anti-Édipo e

Mil Plâtos, Louro percebe forças para tratar da “queerização”, na medida em que percebe os

filósofos criticarem a noção de “normalidade” e o comportamento imposto sobre os modos de

vida existentes numa sociedade pautada pela heteronormatividade e pelo capitalismo, sendo assim

burguesamente institucionalizada. Com este pano de fundo, se abordará o conceito de Corpo sem

Órgãos e um possível diálogo com a Teoria Queer.

Palavras-chave: Teoria Queer; corpo sem órgãos; Deleuze; Guattari

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O corpo sem órgãos (CsO) é um conceito desenvolvido por Deuleuze e Guattari a partir

de um poema de Artaud, é desenvolvido nas obras o Anti–Édipo e Mil Plâtos, o corpo sem órgãos

faz parte de um tipo de vida nômade, segundo eles, é a maneira de pensar com o corpo; o corpo

sem órgãos está a caminho quando o corpo se cansou do funcionamento determinado dos

próprios órgãos e quer assim licenciá-los, porém isso não quer dizer que o corpo seja contrário

aos órgãos. Este conceito não se opõe aos órgãos propriamente ditos, mas a ideia de um

organismo, que faz com que cada parte do corpo seja inserida dentro de um contexto,

organizando-o, codificando-o e, assim, determinando-lhe uma função para desempenhar, fazendo

com que o corpo se feche para outros modos de individuação e para novas experimentações.

Quando se começa a desencadear seu devir para a experimentação do corpo sem órgãos,

significa que há uma inconformidade do corpo diante do organismo, ou seja, é o mesmo que

dizer que o corpo se cansou dos órgãos e quer liberta-los, pois segundo os autores : “O corpo é o

corpo” (1996, p.21), ou seja, ele é corpo sem precisar de um organismo, é independente desse

organismo, ou seja, dessa organização que fizeram dele. Vejamos uma citação de Deleuze e

Guattari sobre isso:

O organismo não é corpo, o CsO, mas um estrato sobre CsO, quer dizer um fenômeno de acumulação, de coagulação, de sedimentação que lhe impõe formas, funções, ligações, organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas para extrair um trabalho útil (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.21).

Quando dependemos do organismo, estamos presos a padrões estabelecidos pela e na

sociedade, ficamos vulneráveis a censuras, repressões, regras, interpretações e automatismos. O

CsO não reprime os impulsos, mas sim pertence a uma conexão de desejos, é a existência

enquanto criação contínua, o que torna o CsO não apenas um corpo, mas sim um corpo

constituinte. O mesmo tenta superar a padronização e o utilitarismo que fizeram do corpo e, por

consequência, de certa maneira fugir da estratificação, mas não a descartando por completo,

segundo os autores, como veremos adiante, é preciso guardar um pouco dos estratos que nos

perpassam, ou seja, um tanto de organização é importante.

Em suma, a intenção é desprender o corpo das amarras que o tornam um organismo e

impedem que intensidades e novas sensações passem por ele, porém, Deleuze e Guatarri afirmam

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que, quando se pretende desencadear essa experimentação, é preciso ter prudência, ela que fará

toda a diferença nesse processo para que se tenha sucesso nas experimentações com o corpo.

Não digo sabedoria, mas prudência como dose, como regra imanente à experimentação: injeções de prudência. Muitos são derrotados nessa batalha. Será tão triste e perigoso não mais suportar os olhos pra ver, os pulmões para respirar, a boca para engolir, a língua para falar, o cérebro para pensar, o ânus e a laringe, a cabeça e as pernas? Por que não caminhar com a cabeça, cantar o sinus, ver com a pele, respirar com o ventre, Coisas Simples, Entidade, Corpo Pleno, Viagem Imóvel, Anorexia, Visão cutânea, Yoga, Krishna, Love, Experimentação (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 11).

Criar um corpo sem órgãos, desarticular um organismo, é uma experimentação que tende

ao inacabado e visa abrir o corpo para novas conexões; sua intenção é que se possa passar pelo

corpo novas intensidades, mas claro, como ressaltam os autores, com uma dose de prudência

para que isso não leve à loucura ou até mesmo à morte. O CsO tende a novos devires,

libertando-se do que ele foi institucionalizado para ser, que projeta uma finalidade para cada parte

do nosso corpo e assim o transforma num organismo. A intenção de um CsO é permitir que o

corpo possa se libertar entendendo que quando ele se fecha para a lógica de uma finalidade o

mesmo deixa de experimentar suas múltiplas possibilidades.

O corpo tem que se libertar da estratificação que o bloqueia ou o rebaixa, Deleuze e

Guattari consideram três grandes estratos que estão relacionados a nós, quer dizer, aqueles que

nos prendem mais diretamente: o organismo, a significância e a subjetivação. A superfície de

organismo, o ângulo de significância e de interpretação, o ponto de subjetivação ou de sujeição,

fazem com que o sujeito seja organizado em um organismo que articulará o seu corpo – senão

for dentro dessa lógica, você será um depravado. Você será significante e significado, intérprete e

interpretado, senão será desviante. Fazendo então com que nos tornemos sujeitos e, como tais,

algo fixado, sem movimento de transformação, sujeitos de enunciação rebatidos sobre um sujeito

de enunciado. Importante destacar que, criar um CsO não é o mesmo que matar a si mesmo, mas

abrir o corpo a conexões que supõem agenciamentos, circuitos, conjunções, superposições e

limiares, passagens e distribuições de intensidades, territórios e desterritorializações medidas à

maneira de um agrimensor. A intenção é liberar a consciência do sujeito para fazer dela um meio

de exploração, arrancar o inconsciente da significância (do valor que o sujeito dá ao objeto), e da

interpretação para fazer dele uma verdadeira produção, porém, isso não é de total segurança nem

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mais nem menos difícil do que arrancar o corpo do que o torna um organismo. Vale ainda

reafirmar o que Deleuze e Guattari dizem a todo momento sobre o valor da prudência nessa

produção: “A prudência é a arte comum dos três; e se acontece que se tangencie a morte ao se

desfazer do organismo, tangencie-se o falso, o ilusório, o alucinatório, a morte psíquica ao se

furtar à significância e á sujeição” (DELEUZE; GUATTARI, p.22).

Segundo os autores, é necessário guardar o suficiente do organismo para que ele se

recomponha, ou seja, não é necessário se desfazer completamente da interpretação e da

significação, segundo eles, é necessário preserva-las inclusive para opô-las a seu próprio sistema,

quando as circunstâncias o exigirem, quando as coisas, as pessoas, inclusive as situações, nos

obrigarem. Também pequenas doses de subjetividade são necessárias para que se conserve o

suficiente do organismo e para que, assim, se possa responder a realidade dominante. Por isso

que a prudência entra como fator inteiramente necessário para esta produção, pois, por mais que

se tente fugir do organismo e da estratificação, ainda assim se fará uso delas, para que se possa

responder à realidade e não correr o risco de trilhar o caminho da morte. O que se torna claro

nessa afirmação dos autores:

Liberem-no com um gesto demasiado violento, façam saltar os estratos sem prudência e vocês mesmos se matarão, encravados num buraco negro, ou mesmo envolvidos numa catástrofe, ao invés de traçar o plano. O pior não é permanecer estratificado – organizado significado, sujeitado –, mas precipitar os estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós, mais pesados do que nunca. Eis então o que seria necessário fazer: instalar-se sobre um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar aí um lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga possíveis, vivencia-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmento por segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 24).

Criar um corpo sem órgãos para si mesmo é, antes de tudo, descontruir o corpo tal como

as segmentaridades em que nos constituímos nos organizaram, com o intuito de construir

outro/s novos corpo/s e não destruí-lo. Segundo Deleuze e Guattari o CsO é um exercício, uma

experimentação inevitável já feita no momento em que você a empreende, não ainda efetuada se

você não a começou. Porém isso não é tranquilizador, pois sendo o CsO uma experimentação, se

está exposto a falhas como as apontadas pelos filósofos, as quais podem conduzir até a morte.

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O CsO joga com o desejo e o não-desejo, ele não é uma noção, um conceito – ainda que

façamos um esforço de definí-lo, mas antes de tudo é uma prática, ou melhor um conjunto de

práticas. Nele nunca se chega, não se pode chegar, ele não tem um ciclo, não tem começo, nem

tem um fim, ele é puro devir. O corpo sem órgãos é uma disposição perante ao inacabado, onde

não há limites, o limite é imposto pelo próprio sujeito, e as consequências afetam diretamente a

ele/ela; implica em usar a subjetividade como uma base para que assim se possa preservar a si

mesmo, sem ter que exclui-la completamente, para que possam criar novas singularidades que

transpõem padrões e regras. Para a filosofia de Deleuze e Guattari, na ideia de um CsO está

contida a de um corpo livre de interpretação e juízos morais previamente determinados. Em

poucas palavras, por meio do CsO, os filósofos podem pensar a criação de um corpo aberto a

novas experimentações e novas formas de subjetivação. Este conceito será uma importante

ferramenta para a Teoria Queer a fim de problematizar as questões de gênero e sexualidade.

Pelos estudos de Guacira Lopes, professora e pesquisadora brasileira e teórica Queer,

conseguimos perceber esse fluxo quando ela pensa o corpo e os usos que dele podem ser feitos;

contudo, essa alteração, esse devir não são levados em conta apenas quando se trata de

sexualidade e gênero, como se dependesse exclusivamente da mudança de sexualidade para outra,

ou de um gênero a outro, mas sim na forma de vivencia-los, na sua postura política, ética e moral.

Em um fragmento do livro Corpo Educado-Pedagogias da Sexualidade, organizado por Guacira Lopes,

a autora trata da questão da identidade sexual e de gênero como algo que não é dado por

natureza, e muito menos como algo que seja inerente ao ser humano, essas formas de

comportamento estão baseadas numa normatividade da sociedade, numa visão heteronormativa.

Segundo ela, muitos consideram que a sexualidade é algo que todos nós, mulheres e homens,

possuímos "naturalmente".

Aceitando essa ideia, fica sem sentido argumentar a respeito de sua dimensão social e

política ou a respeito de seu caráter construído. A sexualidade seria algo "dado" pela natureza,

inerente ao ser humano. Tal concepção usualmente se ancora no corpo e na suposição de que

todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma. No entanto, podemos entender

que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções...

Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente

"natural" nesse terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo de natureza.

Através de processos culturais, definimos o que é — ou não — natural; produzimos e

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transformamos a natureza e a biologia e, conseqüentemente, as tornamos históricas. Os corpos

ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é

feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura.

As possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são

sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto,

compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma

sociedade (LOURO, 2010, p.8-9).

Pode-se notar que relações de gênero e sexualidade, comportamentos, formas de

expressão, maneiras de sentir prazer, são codificadas no seio de nossa sociedade e, assim,

recebem valores morais baseados na visão heteronormativa, tornando os indivíduos que praticam

relações diversas, seres desviantes das relações normativas imposta pela sociedade, como

humanos taxados de “anormais”, de abjetos. Porém, Lobo defende que cada indivíduo tem uma

maneira de viver seu próprio corpo, de se experimentar, de sentir prazer; que cada sujeito cria seu

próprio modo de vida, alguns vinculados e outros desvinculados do padrão que é imposto pela

sociedade. Ou seja, impor um gênero e uma sexualidade antes mesmo que os indivíduos tenham

consciência de seu próprio corpo é tentar fechá-lo em uma norma imposta, impedi-lo de novas

experimentações; o que torna o sujeito que se desvia dessa normatividade social um transgressor.

Visto por esse viés, fica claro que o conceito, ou melhor, a experimentação do CsO, proposta por

Deleuze e Guattari, tem relação com a concepção de corpo da autora bem como com os “seres

estranhos” que são “objetos” de análise da Teoria Queer, pois eles são desvios dos padrões

impostos pela/na sociedade e pela/na cultura, assim como aqueles que desencadeiam

movimentos de libertação das estratificações para viverem novos fluxos e criarem para si outras

identidades que fujam do que é comumente convencional.

Ainda que a Teoria Queer tenha se desenvolvido marcadamente nos EUA a partir do final

dos anos 80 e que críticos americanos credenciem a si o fato de terem a inventado, o cerne da

temática já havia sido debatido desde 1968. No caso de Deleuze e Guattari, isso se deu na medida

em que exploraram a desestabilização de um “si mesmo” e do que hoje chamamos de

"sexualidades não-normativas". Filosoficamente é, especialmente, nos escritos de Deleuze e

Guattari que a questão da sexualidade e da identidade de gênero como “queer”, ou seja, como

devir e como um processo de diferir-se da diferença, é levantado. Podemos notar que nos

escritos dos autores do Anti-Édipo, tanto a sexualidade quanto os debates em torno das questões

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de gênero são abordadas como um devir, um processo de transformação e de fluxos contínuos

em busca de novas conexões; foram esses estudos que possibilitaram aos filósofos construírem,

em 1980, no Mil Platôs, a complexa noção de CsO, como foi visto antes.

Desde o Anti-Édipo até Mil Platôs (DELEUZE; GUATTARI, 1977, 1987), a queerização é

discutida e realizada no contexto de ataque do filósofo à “normalidade” e aos comportamentos

impostos em uma sociedade capitalista e burguesamente institucionalizada. É nesse aspecto que

a Teoria Queer se relaciona com o conceito de CsO, primeiro por ter essa concepção de

experimentação e de novos afetos, e de fugir da normalidade previamente estabelecida pela

sociedade. Ambos visam criar novas formas de vida e experimentação, e encontrar maneiras de se

livrar dos julgamentos vigentes na sociedade. Ainda há muito a se pesquisar para que esta ideia de

experimentação do CsO fique mais clara para nós e seja abordada mais profundamente em

pesquisas futuras; mas consideramos ser possível afirmar que tanto a filosofia de Deleuze e

Guattari, quanto os estudos relacionados a Teoria Queer afirmam a potência que há no desvio, na

quebra com o que é considerado normal cultural e historicamente na sociedade, bem como

mostram que, com prudência, o desvio da heteronormatividade imposta e da codificação dos

corpos como meras máquinas que desempenham funções úteis a um determinado tipo de

organização visa somente à utilidade e faz com que deixemo-nos de experimentar novas formas

de vida e novos mundos possíveis.

Referências Bibliográficas:

DELEUZE, G; GUATARRI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora

34, 1996.

LOURO, G. L.(Org.). O corpo educado. Pedagogias da sexualidade. 3 ed. Belo Horizonte: Autentica

Editora, 2010.

Conley VA.Trinta e seis mil formas de amor: A queerização de Deleuze e Guattari. Trajetória Queer:

Deleuze e a Teoria Queer. (Nigianni C).; 2009.

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RACIONALIDADE CRÍTICA E RACIONALIDADE TECNOLÓGICA:

CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A TECNOLOGIA NA SOCIEDADE

CAPITALISTA A PARTIR DO PENSAMENTO DE MARCUSE

Luís Fernando Jacques

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CAPES/Fundação Araucária

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Ames

RESUMO: Este artigo apresenta, a partir do pensamento de Marcuse, algumas reflexões sobre a

tecnologia no contexto da sociedade capitalista e suas implicações para as relações sociais de

produção. As relações sociais de produção mecanizadas perpetuam o controle social exercido

pela classe dominante, no que se configura enquanto 'tecnocracia': uma espécie de autoritarismo

científico da tecnologia. Nesse contexto, a extração de mais-valia relativa e a racionalidade

tecnológica desempenham um papel destacado no processo da produção, como forma velada de

encobrir, no interior do ambiente de trabalho, relações sociais de dominação do capital. Em

contrapartida, precisamos construir uma nova racionalidade crítica que liberte o homem do

processo de mecanização da vida, apontando para a superação do capital em prol da efetivação

do reino da necessidade e da liberdade de fato.

Palavras-chave: Tecnologia; tecnocracia; mais-valia relativa; racionalidade crítica e racionalidade

tecnológica; relações sociais de produção.

O filósofo Herbert Marcuse (1898-1979) em um de seus artigos intitulado Algumas

implicações sociais da tecnologia moderna101, expõe um conjunto de interessantes reflexões sobre a

relação entre a tecnologia no contexto da sociedade capitalista e suas implicações com as relações

sociais de produção, sem perder do horizonte da crítica, a relação entre a tecnologia e o fascismo,

101 Tecnologia, guerra e fascismo. Coletânea de artigos de Herbert Marcuse. Edição de Douglas Keller; tradução de Maria Cristina Vidal Borba; revisão de tradução Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.

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mais especificamente sobre o uso da técnica durante o período histórico na Alemanha marcado

pela ascensão do nazismo (nacional-socialismo alemão).102

A tecnologia é vista por Marcuse antes de qualquer coisa, enquanto processo social de

produção que não se resume somente ao conjunto de dispositivos e instrumentos técnicos que

auxiliam a atividade humana, mas para além desta visão parcial e fetichizada da realidade social, a

tecnologia é “uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma das

manifestações do pensamento e dos padrões de comportamento dominante, um instrumento de

controle e dominação” (MARCUSE, 1999, p. 73). A tecnologia enquanto conceito abstrato e

progressista, desprovido de determinações sociais e históricas, pode tanto promover a liberdade

humana gerada pela abundância produtiva – o fim do trabalho árduo – ou a escravização humana

pelo autoritarismo técnico e científico. Marcuse denomina como tecnocracia este autoritarismo

científico da tecnologia, que reflete a correlação de forças das relações sociais de dominação e

opressão, que foram exemplificadas historicamente pelo uso científico-ideológico da técnica pelos

nazistas durante o período que dominaram a Alemanha. Este período histórico foi destacado pela

“economia altamente racionalizada e mecanizada, com a máxima eficiência de produção”

(MARCUSE, 1999, p. 74) que acabou por perpetuar a escassez e o sistema opressor ideológico-

totalitário.

Estes são momentos históricos marcantes, que exemplificam uma das facetes do

totalitarismo tecnológico, em outras palavras, sobre como o terror pode ser não só sustentado

pela força física bruta, mas pode ser difundido de maneira sutil e velado por meio da manipulação

da tecnologia, gerada pelo aperfeiçoamento do modo de produção burguês-capitalista.

A intensificação do trabalho, a propaganda, o treinamento de jovens e operários, a organização da burocracia governamental, industrial e partidária – que juntos constituem os implementos diários do terror – seguem as diretrizes da maior eficiência tecnológica. Essa tecnocracia terrorista não pode ser atribuída aos requisitos excepcionais da “economia de guerra”; a economia de guerra é, antes, o estado normal do ordenamento nacional-socialista do processo social e econômico, e a tecnologia é um dos principais estímulos desse ordenamento (MARCUSE, 1999, p. 74).

102 Período histórico compreendido entre os anos de 1933 até 1945, na qual o partido nazista controlou a Alemanha. Um dos ideais do partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães (Partido Nazista) expressos em seu programa proclamado em 1920 que são o antiparlamentarismo, o antissemitismo/antijudaísmo, o anticomunismo, o totalitarismo, entre outros.

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Uma das questões de consequências ideológicas que nos deparamos por meio da análise

marcusiana se dá no interior do processo de aperfeiçoamento tecnológico, na qual surgem novas

concepções e padrões de racionalidade e de individualidade que transcendem a esfera da

produção, e acabam por influenciar e determinar a base material e espiritual do pensamento da

sociedade civil. Não são somente ideias que partem do aperfeiçoamento da maquinaria e da

extração de mais-valia relativa no interior da esfera produtiva, mas que se tornam ideias

autorreferentes que determinam por elas mesmas o próprio processo de produção. A extração de

mais-valia relativa desempenha um papel destacado neste processo de evolução tecnológica no

modo de produção, pois a partir de Marx podemos perceber que esta é mais-valia mais sutil e

velada no interior do ambiente de trabalho. O trabalhador acaba por se tornar sutilmente um

apêndice103 da máquina, podendo ser substituído a qualquer momento pelos administradores do

processo de produção. É a partir do investimento em mais tecnologia e ciência pelo capitalista,

que ele consegue reduzir o tempo de trabalho necessário para a produção das mercadorias,

embora, sem que com isso, altere os salários e as condições reais de trabalho do proletariado. Nas

palavras de Marx:

Chamamos mais-valia relativa absoluta a mais-valia produzida pelo simples prolongamento da jornada de trabalho, e a mais-valia relativa a mais-valia que provém ao contrário da abreviação do tempo de trabalho necessário e do correspondente da grandeza relativa das dez partes da qual é composta a jornada (MARX, 1963, p. 852, tradução nossa).

Dentro desse processo intenso de mudanças do sistema de produção mecanizado, novos

valores individualistas e concepções de mundo vão sendo criados para perpetuar o controle social

através da ideologia dominante. O princípio do individualismo acaba por colocar o próprio

indivíduo contra a sociedade civil, pois torna gradativamente os interesses imediatos dos

indivíduos contrários ao sistema de regras sociais vigentes, guiados pela tecnocracia e pelo modo

de produção burguês.

Segundo Marcuse, é por causa das imposições tecnocráticas desse modelo de produção que

ocorre a perda da espontaneidade e das potencialidades subjetivas dos trabalhadores, culminando

na transferência da espontaneidade subjetiva dos indivíduos para uma personalidade objetiva

103 Taylor, o fundador do modo de produção taylorista (processo de produção em série, baseado na divisão social do trabalho), denomina “gentilmente” o trabalhador que opera as máquinas de gorila amestrado.

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encarnada na maquinaria de fábrica. Desse modo, podemos afirmar que o capitalismo barra toda

a potencialidade crítica das novas invenções científicas, pois subordina a subjetividade criativa

dos indivíduos ao processo de produção. A ciência e a tecnologia tornam-se submissas aos

ditamos do capital; todas as invenções104 e descobertas inseridas no modo de produção capitalista,

ou são arquivadas ou subsumidas dentro do próprio sistema, assim que tais ameacem interferir

nas taxas de lucratividade do mercado. Por isso, todo protesto contra a padronização do

comportamento dos trabalhadores pela tecnocracia é conceituada como insensata e excêntrica.

“[...] o aparato o qual o indivíduo deve ajustar-se e adaptar-se é tão racional que o protesto e a

libertação individual parecem, além de inúteis, absolutamente irracionais” (MARCUSE, 1999, p.

82). Neste sentido, todas as potencialidades de manifestação do pensamento crítico e autônomo

são interrompidas pela “[...] padronização do pensamento sob o controle da racionalidade

tecnológica” (MARCUSE, 1999, p. 85).

Ser bem-sucedido dentro desse sistema social é sinônimo de adaptação aos ditames da

tecnologia burguesa; não existe espaço para a autonomia e para criticidade. As relações sociais

tornam-se cada vez mais mediadas pelo processo da máquina. A máquina é idolatrada deixando

de ser apenas matéria, para torna-se algo semelhante ao homem. O homem se torna máquina e a

máquina torna-se homem, pois cada vez mais, a eficiência da razão tecnológica torna-se eficiência

lucrativa, racionalização vira sinônimo de padronização. Conforme Marcuse, a padronização do

sistema de produção e consumo capitalista, cavou um túmulo para a razão.

A ideia da eficiência submissa ilustra perfeitamente a estrutura da racionalidade tecnológica. A racionalidade está se transformando de força crítica em força de ajuste e submissão. A autonomia da razão perde seu sentido na mesma medida em que os pensamentos, sentimentos e ações do homem são moldados pelas exigências técnicas do aparato que ele mesmo criou (MARCUSE, 1999, p. 84).

Esse processo que denominamos de mecanização da vida, não se restringe somente ao

ambiente de trabalho, mas afeta e condiciona também o tempo livre e a esfera do lazer dos

trabalhadores. A ordem tecnológica da divisão social do trabalho influencia e condiciona a ordem

social e os espaços de socialização dos indivíduos. Os padrões de comportamento cada vez mais

mecanizados influenciam as relações humanas, tanto de dentro para fora como de fora para

104 Somente numa sociedade verdadeiramente emancipada a ciência e a tecnologia poderão libertar-se e efetivarem-se enquanto tal, em outras palavras, a ciência e a tecnologia estarão a serviço da humanidade e não mais a serviço do capital.

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dentro; a imposição constante das regras da eficiência competitiva aos trabalhadores é tão

avassaladora que, cada indivíduo torna-se um déspota de si mesmo e dos outros no ambiente de

trabalho. O trabalhador acaba por realizar um processo de “autoconcorrência de si mesmo”,

tanto individualmente como socialmente, exigindo cada vez mais de si e dos outros; se não

cumpre as metas ou atende as expectativas da eficiência competitiva e tecnocrática, pensa que o

problema reside nele e não culpa do sistema de produção competitivo e opressor.

Marcuse aponta uma série de fatores que contribuíram ao processo de despotencialização

do pensamento crítico em contrapartida ao avanço do pensamento conduzido pela racionalidade

tecnológica. “Os homens, seguindo sua própria razão, seguem aqueles que fazem uso lucrativo da

razão” (MARCUSE, 1999, p. 86).105 Marcuse também aponta que algumas importantes

organizações de oposição ao sistema contribuíram no processo de despotencialização do

pensamento crítico ao se incorporarem no aparato ideológico da racionalidade tecnológica. A

“Federação americana do trabalho (AFL)” afirmava em 1940 que era uma organização comercial

de interesse privado que tinha como missão “manter os preços altos e a oferta baixa, bem de

acordo com a moda habitual de gerenciamento de outros interesses particulares” (VEBLEN apud

MARCUSE, 1999, p. 87).106 Portanto os valores de verdade e concepções de mundo das

organizações sociais, modificam-se na medida em que vão se enquadrando às regras da

racionalidade tecnológica. Herbert Marcuse também afirma que nesse processo de incorporação

dos grupos de oposição ao pensamento burguês vigente, tais organizações “foram se

transformando em partidos de massa e suas lideranças em burocracias de massa” (MARCUSE,

1999, p. 88). Neste sentido, existem diferenças entre o conceito de massa e de indivíduo.

Certamente uma multidão é um conjunto de indivíduos unidos pelos mesmos interesses, porém,

a multidão une indivíduos “atomizados” buscando por meio da legitimidade da multidão,

satisfazer seus interesses individualistas e competitivos. Segundo Marcuse, a especialização e a

metodologia de testes vocacionais empregados pela psicologia burguesa atendem a lógica da

racionalidade tecnológica, ao individualizar cada vez mais as pessoas no processo produtivo

mecanizado e nos espaços coletivos.

105 Nesta citação percebemos uma crítica indireta ao conceito do uso público da razão de Kant em seu conhecido texto “Resposta a pergunta: o que é esclarecimento?”, na qual Kant deposita a responsabilidade da falta de esclarecimento como consequência da preguiça e covardia dos homens. Kant também restringe o uso público da razão apenas pela escrita e pelo uso de pessoas alfabetizadas. Em outras palavras, o trabalhador analfabeto ou semianalfabeto que trabalha na fábrica, não teria o direito de manifestar seu descontentamento frente à ideologia dominante e a imposição da racionalidade tecnológica. 106 Citação de Marcuse do artigo de Veblen intitulado The engineers and the price system, Nem York, 1940, p. 88.

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Sob outro aspecto, parecia até que o processo tecnológico iria erradicar o problema da

escassez na contemporaneidade, contudo, não somente não conseguiu resolver tal problema,

como intensificou a filosofia do individualismo na sociedade civil. Mesmo segundo Marx, as

massas não são “bucha de canhão” da liberdade. O proletariado não é uma mera multidão, mas

uma classe107 bem definida pelo seu papel fundamental que desempenha no processo produtivo.

Neste sentido, em contraposição a influência da racionalidade tecnológica aos moldes

do sistema capitalista, se faz necessário construir uma nova racionalidade crítica, que liberte o

homem desse processo de mecanização da vida; uma racionalidade crítica enquanto “pré-

requisito para sua função libertadora” (MARCUSE, 1999, p. 91). Para que então, o progresso

tecnológico atinja seu objetivo emancipador de acabar com a escassez e com as desigualdades

sociais, por meio de um processo gradual e revolucionário de abolição da filosofia do

individualismo e da competitividade. Por meio destas condições, a humanidade terá a

possibilidade de superar/transcender o reino das necessidades artificiais e da liberdade fictícia,

rumo ao reino da necessidade e da liberdade de fato. Encerramos este artigo com as palavras de

Marcuse:

[...] cada um poderia pensar e agir por si, falar sua própria língua, ter suas próprias emoções e seguir suas próprias paixões. Já sem estar preso à eficiência competitiva, o eu poderia crescer no reino da satisfação. [...] “Pertenceriam” a ele mais do que nunca e esta propriedade não seria infamante, pois não teria de se defender contra uma sociedade hostil (MARCUSE, 1999, p. 103).

Referências Bibliográficas:

MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. Coletânea de artigos de Herbert Marcuse. Edição

de Douglas Keller; Trad. Maria Cristina Vidal Borba; revisão de tradução Isabel Maria Loureiro.

São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.

MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel: Crítica da filosofia do direito de Hegel - Introdução,

1843. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. 2ed. São Paulo: Boitempo, 2010.

___________. Le Capital: livre premier. Oeuvres Economie I. Trad. Joseph Ray. Paris: Gallimard,

1963.

107 Nas palavras de Marx: “Onde se encontra, então, a possibilidade positiva de emancipação alemã? Eis a nossa resposta: na formação de uma classe com grilhões radicais, de uma classe da sociedade civil que não seja uma classe da sociedade civil, de um estamento que seja a dissolução de todos os estamentos, [...] Tal dissolução da sociedade, como um estamento particular, é o proletariado” (MARX, 2010, p. 156).

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O ESPAÇO DESCRITO PELA FENOMENOLOGIA DE HEIDEGGER

Maria Lucivane de Oliveira Morais

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Resumo: O tema da presente comunicação se refere ao espaço tratado a partir do paradigma

fenomenológico proposto por Martin Heidegger na obra Ser e Tempo onde a espacialidade é

pensada a partir do ser-aí. A fenomenologia pode ser descrita como um método de investigação

que, nesse caso, tem como principal objeto de interesse o sentido do ser estudado por meio de

uma analítica existencial capaz de apontar para a singularidade que permeia o existir humano.

Além disso, a análise da realidade, do espaço e a forma como os fenômenos se mostram são

preocupações constantes na obra de Heidegger que os descreve a partir de um enfoque

ontológico capaz de ilustrar a questão do ser-no-mundo. A aplicação do método fenomenológico

permite definir o conceito de espaço e suas características originárias bem como o papel que a

dimensão espacial desempenha sobre a existência que é única em cada lugar ou espaço vivido.

Dessa forma, objetivo geral proposto nessa comunicação visa: descrever sucintamente como o

espaço é tratado na fenomenologia de Heidegger. A metodologia de pesquisa empregada nesse

processo fundamentou-se em análises bibliográficas que permitiram a consulta de obras cujos

autores se dedicaram ao estudo da fenomenologia Heidegger.

Palavras-chave: Fenomenologia; Heidegger; espaço; ser-no-mundo

Introdução:

Em Ser e Tempo são notadas várias passagens em que Martín Heidegger se dedica a

compreender o espaço e o lugar como conceitos distintos, entretanto, inseparáveis a partir de

concepções ontológicas e da analítica existencial.

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O objetivo geral proposto nessa comunicação se fundamenta na necessidade descrever

sucintamente como o espaço, termo amplamente utilizado por outras ciências, como, por

exemplo, a Geografia, é tratado na fenomenologia de Heidegger assumindo um sentido diverso,

afastado do olhar meramente técnico ou do resultado da apropriação do homem em razão de

suas necessidades.

A análise fenomenológica do espaço permite perceber sua vinculação com o conceito de

lugar no qual o ser-aí existe, se compreende, desenvolve sua linguagem, habita, estabelece

relações, age, cria possibilidades, se vincula, dá sentido a sua existência permite a manifestação

dos entes e seus desdobramentos dando origem a novos lugares não homogêneos.

As considerações apresentados nessa comunicação resultam de meus primeiros esforços

para tentar compreender as reflexões de Heidegger sobre o espaço - que se mostram amplas,

complexas e atemporais. Como resultado disso, verifica-se que a obra escrita em 1927 contribui

significantemente, para que nas primeiras décadas do século XXI, o espaço ainda possa ser

repensado bem como os lugares que dele resultam agregando sentidos distintos e únicos a

existência do ser-aí que se abre para o mundo.

1. Fundamentação teórica

1.1 Analítica existencial e a fenomenologia de Heidegger

Ao longo de sua produção acadêmica Martin Heidegger dedicou-se a realizar uma

investigação sobre o sentido do ser e da existência humana a partir de um novo redirecionamento

da fenomenologia, enquanto método de investigação, anteriormente elaborada por Edmund

Husserl.

Para Heidegger, a fenomenologia, interpretada com grande clareza em sua obra Ser e Tempo

(1927), constitui-se em um método de investigação108 marcado pela dicotomia entre consciência e

fenômeno (aquilo que se mostra em si mesmo, se deixa em evidência, acontece, vem à luz)

108 A fenomenologia é um método de investigação, pois se aplica à resolução de problemas cuja questão mais fundamental é a questão do ser. (Kahlmeyer-Mertens, 2008, p. 19).

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misturando-se a aspectos psicológicos e realísticos onde os atos conscientes estão sempre cientes

do fenômeno e os fenômenos permeados pela consciência enquanto se mostram.

A tarefa que, desde seu início, na escola de Husserl, permeia a fenomenologia concentra-se

na compreensão do fenômeno tal como ele aparece no mundo. Para isso, é preciso contar com a

consciência fenomenológica que é sempre intencional ao transcender para além de si mesma

estando voltada para algo ou alguma coisa, sendo dinâmica, ativa e em movimento atribuindo

significados e sentidos ao mundo.

A fenomenologia se efetiva por meio da redução fenomenológica, método que pressupõe a

suspensão de quaisquer juízos sobre os fenômenos para que sejam compreendidos tal como se

mostram. Em relação a isto, Kahlmeyer-Mertens (2008, p. 16) afirma:

Ao suspender as idiossincrasias, os conceitos dados pela ciência, as pressuposições do senso comum e os preconceitos arraigados à cultura, a fenomenologia passa a não mais estudar as faculdades transcendentais de um sujeito que trava suas relações representativas com seus objetos em um mundo exterior, e sim a estudar uma consciência para a qual, os fenômenos ocorrem.

A consciência transcende intencionalmente sobre os fenômenos confrontando seu modo

de ser, contemplando o que neles há de mais essencial ao mesmo tempo em que supera

concepções oriundas da metafísica antiga (KAHLMEYER-MERTENS, 2008), permitindo o ser

seja visto liberado de seus encobrimentos (NUNES, 2010).

Corroborando com tais discussões, Nunes (2010) afirma que na concepção de Heidegger a

fenomenologia pode ser definida como:

[...] ciência da consciência, [...], como um permitir ver o fenômeno, aquilo que se mostra por si mesmo uma vez liberado de seus encobrimentos. E aquilo que assim se mostra é o ser do ente focalizado, uma vez na fenomenologia reinterpretada, a intencionalidade não é mais, como foi para Husserl, a propriedade fundamental da consciência, mas a direção para o ser compreendido, isto para o ser pré descoberto de que a consciência é o ponto de abertura. (p.11).

Assim, a fenomenologia buscará desvincular completamente a “ontologia das motivações

teológicas e do privado axiológico da ciência” para reelaborar uma nova concepção sobre a forma

como ser-no-mundo integra e constrói o espaço (NUNES, 2010, p.11). O método de análise

utilizado tem na intencionalidade o caminho necessário para compreender o ser cuja consciência

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é ponto de abertura na medida em que o ente põe em jogo sua própria essência por meio da

investigação da autenticidade ou pela inautenticidade, sobre o prisma da temporalidade.

Como exemplo disso, pode-se citar o espaço que permeia a obra de Heidegger se

constituindo em um dos fatores que permitem responder ao sentido do ser enquanto habita e

constrói lugares. Heidegger, ao ampliar suas análises fenomenológicas sobre o ser-no-mundo,

possibilita a construção de um campo fecundo de discussões que apontam para o homem, o

modo como existe e promove mudanças.

Para isso, a analítica existencial põe em suspensão os preceitos contidos nos conhecimentos

dos fenômenos, pensando o sentido do ser e a singularidade de seu existir considerando sua

finitude, vivência e experiências que lhe permite conhecer a si próprio.

Corroborando com estas discussões em torno do espaço pensado de forma ontológica,

foram tecidas as breves considerações seguintes que discorrem sobre o modo como o ser-aí

habita e espacializa novos lugares.

4 O espaço na fenomenologia de Heidegger

A compreensão sobre a forma como o homem cria significados no mundo, suas relações e

circunstâncias, fazem emergir o conceito de “Dasein”, que pode ser traduzido pela Língua

Portuguesa como “ser-aí” (termo que, em determinados contextos, possui equivalência a “ser-no-

mundo”). Para Saramago (2008, p.29):

[...] o Dasein representa o existir em cada caso particular, no aí, no “estar sendo” de cada um. Assim, o existir fático determina um modo de compreensão da existência que já se dá no interior e a partir de si mesma, de tal forma que nunca pode ser contemplada “de fora” como um objeto perante o sujeito.

O ser-aí experimenta a si mesmo na medida em que sujeito e objeto interpenetram-se em

um mesmo fenômeno, fato que diz respeito à espacialidade do Dasein que se compreende como

possibilidade, contribui para a configuração de lugares que ele espacializa e desperta os sentidos

de pertencimento específicos a cada ser. (SARAMAGO, 2008).

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A relação que pauta o desenvolvimento da consciência em relação a um fenômeno permite

a criação de um espaço específico, onde o homem e sua existência são submetidos em nível

ontológico sendo pensados por meio da analítica existencial.

Para Stein (2004, p.213-214):

A analítica existencial nos permite pensar o ser humano a partir da compreensão, enquanto esta possui uma estrutura a priori. Mas esse a priori não se separa da existência. Ele é a existência enquanto transcendência. Assim como se afirma que há categorias na metafísica (em Aristóteles, Santo Tomás e Suarez), que são as possibilidades de nosso acesso às coisas e ao ser humano como coisa, assim também os existenciais são os modos de ser do Dasein e então do ser humano, a partir dos quais se constitui o mundo e a relação com as coisas no mundo.

O ser-aí torna possível compreender a estrutura fundamental própria do existir humano e

de sua atuação no mundo a partir de um viés ontológico. Será a analítica existencial a responsável

por compreender as estruturas que concretizam o sentido do existir humano no mundo, logo ser-

aí e mundo109, complementam-se. (BRASIL, 2005).

Nesse sentido, a pergunta pelo sentido do ser e também sob a existência humana, marcam

uma análise fundamental quando o modo do ser é tomado como fenômeno determinado pela

investigação fenomenológica. Portanto, “o ser do homem é um ser-aí, entendendo esse modo de

ser como sua essência” (KAHLMEYER-MERTENS, 2008. p.20). O ser-aí existe e se lança no

mundo compreensivamente, cumprindo propósitos e delineando relações sociais cujo âmbito é

espacial.

Saramago (2008) alerta para existência de um laço indissolúvel entre o mundo e o ser-aí,

termo que designa tanto o ser do mundo quanto a vida humana, assim, a expressão ser-no-

mundo designa a unidade entre mundo e vida humana na palavra existência, que nos remete a sua

espacialidade.

Para Heidegger (2002, p.126), o espaço reflete a essência do ser-aí não lhe sendo exterior e,

nem uma vivência interior, sendo na base física em que ocorre uma separação entre o ser e o

ente, por isso, define:

A palavra do antigo alto-alemão usada para dizer construir, "buan", significa habitar. Diz: permanecer, morar. O significado próprio do verbo bauen

109 A compreensão de espaço na obra de Heidegger perpassa obrigatóriamente pelo conceito de mundo. (BRASIL, 2005).

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(construir), a saber, habitar, perdeu-se. Um vestígio encontra-se resguardado ainda na palavra "Nachbar", vizinho. O Nachbar (vizinho) é o "Nachgebur", o "Nachgebauer", aquele que habita a proximidade. Os verbos buri, büren, beuren, beuron significam todos eles o habitar, as estâncias e circunstâncias do habitar. Sem dúvida, a antiga palavra buan não diz apenas que construir é propriamente habitar, mas também nos acena como devemos pensar o habitar que aí se nomeia. Quando se fala em habitar, representa-se costumeiramente um comportamento que o homem cumpre e realiza em meio a vários outros modos de comportamento.

Em virtude de sua racionalidade, domínio de técnicas e recursos materiais, será nesse

espaço que o homem construirá lugares em que possa habitar, agindo sobre a natureza atendendo

as exigências de seu existir e, que se espacializam em âmbitos distintos. Na media em que habita,

o homem “espacializa” distintos lugares, compreende sua natureza. Entretanto, Heidegger alerta

que a mero habitar em diversos lugares pode afastar o homem de sua essência, seja pelas coisas

construídas ou pelos artefatos que o cercam (SARAMAGO, 20082).

Cabe mencionar que “[...] Heidegger compreendia como sendo a relação original entre

lugar e espaço, ou seja, a relação na qual os espaços são concedidos por lugares [...] Dasein e

mundo formam-se mutuamente [...]” (SARAMAGO, 2008, p.67). Apenas com sua ocupação

cotidiana o ser-aí terá acesso ao espaço promovendo mudanças.

Portanto, o conceito de espaço vincula-se de forma ontológica com o lugar e a construção

de lugares no mundo. O espaço, para Heidegger vai muito além de uma mera base física, das

definições trazidas por ciências como a Geografia e de seu funcionalismo, devendo ser pensado a

partir da temporalidade do ser-aí, o habitar, a produção de novos lugares e a sensação de

pertencimento. Serão vários lugares que permitirão a construção do espaço - os termos se

diferenciam, entretanto, não podem ser dissociados.

Nas palavras de Heidegger (2009, p.166):

O espaço nem está no sujeito nem no mundo está no espaço. Ao contrário, o espaço está no mundo à medida em que o ser-no-mundo constitutivo da presença já sempre descobriu um espaço. O espaço não se encontra no sujeito nem o sujeito considera o mundo “como se” estivesse num espaço. É o “sujeito” entendido ontológicamente, a presença, que é espacial em sentido originário. Porque a presença nesse sentido é espacial, o espaço se apresenta como a priori. Este termo não indica a pertinência prévia a um sujeito que de saída seria destituído de mundo e se projetaria de si um espaço. A priori significa aqui precedência do encontro com o espaço (como região) em cada encontro do que está no mundo circundante.

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O Espaço é um modo de o Ser-aí experimentar o mundo. De modo cotidiano, ou seja, na

decadência própria ao dia a dia, o ser-aí interpreta o fenômeno do espaço como espaço físico. De

modo fenomenológico, o espaço é um existencial do Ser-aí. Trata-se da espacialidade

(räumlichkeit) dele. No aí do mundo, espaço é sempre espaço de jogo e nunca um espaço

previamente dado. (KAHLMEYER-MERTENS, 2008).

Para Heidegger, o habitar do ser-no-mundo se constrói em um espaço único e dinâmico

marcado pela proximidade direcionada. (FOLTZ, 2000), portanto, não há sujeito sem mundo

tampouco homem sem “ser-aí” (Dasein), este, que coexiste em um mundo compartilhado por

outros seres-aí em meio aos entes que se mostram. (OLIVEIRA, 2010)

Os fenômenos que se manifestam nesse espaço não devem ser analisados de forma

desvinculada da consciência, para que as considerações alcançadas não se resumam apenas ao

esforço interpretativo do modo de ser, do cotidiano e da conduta que caracterizam um plano

contemplativo do espaço que habitam.

Corroborando com estas discussões, Nunes (2010, p.16) afirma que o “Dasein compreende

esses nexos referenciais, cujo todo é dotado de significação – um entrelaçamento de significações,

do qual é inseparável o mundo circundante, cujo âmbito é espacial [...]

Na obra Ser e tempo de Heidegger (2013, p.110) os entes estão “dentro do mundo”,

portanto, para descrevê-lo seria necessário:

[...] elencar tudo o que se dá no mundo: casas, árvores, homens, montes, estrelas. Podemos relatar a “configuração” desses entes e contar o que neles e com eles ocorre. Mas é evidente que tudo isso permanecerá um “ofício” pré-fenomenológico que, do ponto de vista fenomenológico, não pode ser relevante. A descrição fica presa aos entes, é ôntica. O que, porém se procura é o ser. Em sentido fenomenológico determinou-se a estrutura formal do fenômeno como o que mostra enquanto ser e estrutura do ser. Descrever fenomenológicamente o “mundo” significa: mostrar e fixar numa categoria conceitual o ser dos entes que simplesmente se dão dentro do mundo. Os entes dentro do mundo são as casa, as coisas naturais e as coisas “dotadas de valor”. [...]

Heidegger propõe-se a descrever fenomenologicamente o “mundo” mostrando a existência

de uma categoria conceitual sobre o ser dos entes e a forma como se dão nesse espaço (dividem-

se entre coisas naturais e coisas dotadas de valor). A análise relativa à natureza de um ente deve

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estar fundamentada sobre aspectos ontológicos que permitem entender como os fenômenos se

mostram no mundo bem como a essência do ser-no-mundo.

Diante do que se tem discutido, torna-se propício mencionar a ressalva que Saramago

(2008, p.49) efetiva no decorrer de seu livro:

Em suma, a idéia de espaço – sempre compreendida como a espacialidade do mundo – está atrelada ao que há de mais imediato e utilitário na existência, ou seja, aos objetos que a tornam “perceptível” como localidade familiar e habitável, não podendo o espaço sequer ser concebido fora do fechamento da referencialidade do mundo, de sua familiaridade e confiabilidade específicas. Mostra-se apenas na forma de localidades que possibilitam a reunião de uma multiplicidade de coisas, não podendo, ele próprio, ser descontextualizado ou “isolado” por qualquer aproximação teórica sobre o risco de que se perda de vista o seu sentido fundamental. A familiaridade mostra-se, nesse sentido, como fundamento, ou condição, para a existência de uma totalidade referencial, e está diretamente, implicada em inúmeras e importantes considerações sobre o espaço ao longo da obra de Heidegger.

A familiaridade caracteriza a obviedade característica da realidade humana, delineado pelo

caráter de encontro, conhecimento co-mundano mediano, enraizado na cotidianidade e que só se

expande até o limite de ser-lhes suficiente, sendo notórios os sinais de ocupações humanas, até

mesmo naquilo que é estranho, não-familiar e que marca o mundo “dos-outros”. Heidegger se

mantém intrigado pela questão inerente a dicotomia entre o pertencimento a um lugar – o lugar

de origem – e a estranheza de se estar fora dele, onde o não habitual se abre para novas

interpretações do sentido do ser que se lança sobre o espaço. (SARAMAGO, 2008).

É necessário, portanto, que no âmbito da fenomenologia sejam buscados outros sentidos

não habituais para o entendimento do mundo e de sua espacialidade, para os motivos que

justificam a existência do ser em um dado lugar e que permitem sua habitação, uma vez que o

ser-aí está no mundo e tem consciência dele.

Para Heidegger (2002, p. 143):

O homem está superando as longitudes mais afastadas no menor espaço de tempo. Está deixando para trás de si as maiores distâncias e pondo tudo diante de si na menor distância. E, no entanto, a supressão apressada de todo distanciamento não lhe traz proximidade. Proximidade não é pouca distância. O que, na perspectiva da metragem, está perto de nós, no menor afastamento, como na imagem do filme ou no som do rádio, pode estar longe de nós, numa grande distância. E o que, do ponto de vista da metragem, se acha longe, numa distância inconmensurável, pode-nos estar bem próximo. Pequeno

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distanciamento ainda não é proximidade, como um grande afastamento ainda não é distância.

Diante de tal análise, Heidegger chama atenção para o fato de que não é a distância

geométrica utilizada para indicar a localização que determina o sentido do ser que se lança sobre

o espaço, aproximando ou afastando-o, uma vez que o “aqui” do ser aí envolve “estar junto de”.

Ao habitar o mundo o ser-aí espacializa o lugar e se relaciona com outros entes. Ser e ente

ocupam o mesmo espaço. O homem é mundano, tece relações com outros entes e, portanto, se

torna um ser-com-outro, permitindo que o ser-aí exista no mundo delimitando seu horizonte

existencial.

Enquanto pre-sença, o ser-aí projeta sua existência sobre o mundo, se espacializa, tece

relações, cria utensílios, agrega valores, cria possibilidades, estabelece uma teia relacional

denominada como cotidianidade mediana no qual são partilhados costumes, hábitos e cultura

intrínsecos ao ser-no-mundo que se abre como possibilidade. Procura reduzir as distâncias e

continuamente encontrar o sentido de seu ser.

O espaço permite ao homem se descobrir no mundo, pois:

[...] o espaço só pode ser concebido recorrendo-se ao mundo. Não se tem acesso ao espaço, de modo exclusivo ou primordial, através da desmundanização do mundo circundante. A espacialidade só pode ser descoberta a partir do mundo e isso de tal maneira que o próprio espaço se mostra também um constitutivo do mundo, de acordo com a espacialidade essencial da presença, no que respeita à sua constituição fundamental de ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2013, p. 168)

Ao se projetar sobre o espaço, o homem descobre os traços fundamentais de sua

existência, se faz presença, ocupa um lugar, configura novos lugares e os espacializa – se abre

como possibilidade, permite o despertar dos sentidos de pertencimento e também de

permanência em lugares não homogêneos compartilhado por outros entes.

Heidegger (2002, p.150) busca compreender as especificidades que delineiam o conceito de

lugar levando em consideração seu aspecto temporal e espacial, que podem ser descritos da

seguinte maneira:

A proximidade direcionada ao utensílio significa que ele não ocupa uma posição no espaço, meramente localizada em algum lugar [...] O local e a

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multiplicidade de locais não devem ser interpretados como o onde de qualquer ser simplesmente dado de coisas. O lugar é sempre o ‘aqui’ e ‘ lá’ determinados a que pertence um instrumento. [...] A condição de possibilidade da pertinência localizável de um todo instrumental reside no para onde a que se remete a totalidade de locais de um contexto instrumental.

Ao estudar o espaço, Heidegger avalia que este se constrói atrelado a consciência humana,

adquirindo distintas especificidades segundo a temporalidade que o caracteriza e permite a

elaboração de significados específicos ao habitar que se mostra pleno de relações possibilitando

ao homem ser-(estar)-no-mundo.

Pereira (2010) afirma que o estudo fenomenológico do espaço evidencia fenômenos

construídos e que ultrapassam a mera espacialidade territorial na qual os homens estão inseridos,

entretanto, o ser-aí só existe porque partilha com outros o espaço, ao mesmo tempo em que o

homem só existe porque está no mundo. O espaço, portanto, emerge associado à concepção de

mundo representando o ser-aí e a existência dos entes.

Em linhas gerais e pautada em uma definição superficial é possível perceber que a

fenomenologia desenvolvida por Heidegger torna possível analisar os fenômenos que se mostram

no espaço, a existência de cada ser-aí, sua espacialização e, construção de sentidos na medida em

que suas experiências ultrapassam a mera base física do território que residem.

Portanto, o “homem está envolto de espaços vividos, está também envolto de outros

homens que possuem percebem outros espaços de maneira diferente. Perceber, além de significar

é dar valor”. (DUARTE; MATIAS, 2005, p.194). O ser-aí habita porque age e existe, dando

origem a novos lugares. Homem e espaço complementam-se diante de múltiplas possibilidades

abertas pela existência e pela possibilidade.

Conclusão

A busca pelo sentido do ser constitui-se na principal preocupação de Heidegger que se

utiliza da analítica existencial para descrever como os entes se manifestam no mundo dentro do

âmbito do ser-aí que partilha com outros o mesmo espaço, constrói lugares e se espacializa.

Dentro do espaço, são construídos diversos lugares, vinculados a concepções interiores e

exteriores do sujeito que o habita. A análise do espaço a partir da fenomenologia proposta por

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Heidegger permite repensar diversos conceitos inerentes ao ser-aí, o modo como os entes e os

fenômenos se mostram, o habitam, a construção do espaço que faz surgir diferentes lugares, a

mera dominação tecnológica de distintos espaços que afastam o homem do reconhecimento de

sua essência, dentre inúmeros outros aspectos. Este filósofo elabora críticas significativas para as

concepções vazias sobre o espaço e, que são comumente trazidas por ciências como a Geografia,

pela tecnologia entre outros estudos que o apontam apenas como uma base física.

O ser-aí é o único que consegue promover a espacialização do mundo. A partir de sua

existência efetiva diversas formas de ocupação, tece relações, define sua essência, dá sentido a seu

ser, compreende o mundo e lhe atribui significados.

No espaço, o ser-aí, constitui-se como pre-sença dando origem a lugares onde habita,

fazendo surgir à sensação de pertencimento e familiaridade cujas especificidades dependem da

temporalidade da qual emergem. Por meio do espaço o ser-aí experimenta o mundo e suas

significações, desenvolve sua consciência e convive com outros entes em locais não homogêneos.

Essas breves considerações tecidas sobre o espaço tratado por Heidegger deixam claro a

necessidade de ampliação dos estudos sobre essa temática, que constitui um campo fecundo de

discussões. Compreender o espaço e os lugares nele construídos implica em encontrar respostas

ao sentido do ser que se utiliza de diversas formas de ocupação dando origem a novos lugares.

Diante de tal contexto, disponho-me a ampliar meus estudos sobre tal temática que muito me

intriga e tem estimulado o desenvolvimento destas primeiras análises.

Referências Bibliográficas:

BRASIL, Luciano de Faria. A Espacialidade do Dasein: Um Estudo sobre o § 24 de Ser e Tempo.

Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Filosofia, Área de

Concentração em Filosofia do Conhecimento e da Linguagem. Porto Alegre, 2005

DUARTE, Matusalém de Brito; MATIAS, Vandeir Robson da Silva. Reflexões sobre o espaço

geográfico a partir da fenomenologia. Caminhos de Geografia 17 (16) 190 - 196, out/2005

FOLTZ, Bruce V. Habitar a terra – Heidegger ética ambiental e a metafísica da natureza. Trad.

Jorge Seixas e Sousa. Lisboa: Piaget, 2000

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2008.

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HEIDEGGER, Martin. Construir, habitar, pensar. In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes,

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___________. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001. 270 p.

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Saberes. Natal – RN, v. 3, número especial, dez. 2010

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JOHN RAWLS: PRINCÍPIOS MORAIS PARA A ESTRUTURA BÁSICA DE UMA

SOCIEDADE JUSTA

Marilda Pereira dos Santos

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

RESUMO: O presente trabalho pretende investigar como se apresentam, na obra do filósofo

John Rawls, Uma teoria da justiça, os princípios morais para a estrutura básica de uma sociedade

justa. O filósofo político promoveu uma justificação teórica legitimando um Estado justo,

promoveu uma experiência de pensamento, extraindo dela uma concepção de justiça que coloca

em prática os princípios de justiça escolhidos pelos indivíduos. No conjunto da apresentação,

pretendemos investigar qual é a relação da teoria da justiça com a formação moral dos indivíduos,

mostrando como John Rawls fundamenta os princípios gerais de justiça e como ele concilia os

dois princípios (defesa das liberdades com a garantia das igualdades). A proposta argumentativa

do pensador americano traz contribuições importantes através de um novo modelo de teoria da

justiça, evidenciando uma teoria da justiça como equidade.

Palavras-chave: Equidade; justiça; princípios

Rawls objetiva apresentar uma alternativa ao intuicionismo e principalmente ao utilitarismo

tradicional, este último tido como a teoria predominante no campo da filosofia moral moderna.

Segundo ele, grandes utilitaristas como Hume, Adam Smith, Bentham e Mill construíram

doutrinas morais destinadas apenas a dar suporte a suas ideias e propósitos no campo da teoria

social e da economia, sendo que seus críticos pecam por não apresentar um conceito moral que

possa se opor às suas formulações doutrinárias.

Para o autor, o modo como a sociedade está organizada e como os indivíduos agem nela,

reflete nas questões sociais de cada um. A desigualdade social pode ser considerada como uma

questão fundamental para Rawls, de tal modo que ela será a base para justificar a defesa de sua

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concepção de justiça: a justiça como equidade110 (justice as fairness). O autor está preocupado com

as políticas públicas e que rumo elas estão levando no contexto social de sua realidade, pretende

resolver os problemas das desigualdades sociais apresentadas no capitalismo, nesse sentido, o

autor busca aprofundar a concepção de justiça que está implícita no contratualismo apresentando

uma base moral mais apropriada para uma sociedade democrática liberal, e defende, através da

teoria da justiça como equidade, a importância do liberalismo político.

Os princípios de justiça111 serão estabelecidos a partir de um procedimento de construção,

satisfazendo um certo número de exigências razoáveis, isso quer dizer que representa as

limitações dos termos equitativos da cooperação social e remete ao justo, de forma que as

pessoas caracterizadas como agentes racionais definirão os princípios.

Rawls, em sua teoria da justiça como equidade, pretende justificar uma concepção de

justiça permitindo que todos os membros da sociedade compreendam porque as instituições e as

disposições básicas que compartilham são aceitáveis, fazendo com que todos possam aceitar os

argumentos reconhecidos publicamente como sendo válidos.

Nesta situação, ensina Rawls, é necessário que os indivíduos saibam quais são as

instituições sociais que são aceitáveis e coordenadas em um só sistema, de maneira que os

cidadãos as julguem justificadas. Por um lado, se faz a pergunta: como fazer com que as pessoas

entrem num acordo, ou reconheçam esse acordo a respeito de uma concepção de justiça que será

mais razoável para elas? Por outro lado, é importante que tenhamos em mente que nos

lembremos dois últimos séculos, considerando o desenvolvimento do pensamento democrático,

vemos que não existe concordância sobre o modo de organizar as instituições sociais básicas de

maneira que respeitem a liberdade e igualdade dos cidadãos, considerados como pessoas morais.

O problema de Rawls é tentar resolver um conflito fundamental quanto à forma justa que as

instituições básicas das democracias modernas deveriam ter.

É aqui que se dá uma ideia de chegar a uma concepção de justiça que possa ser colocado

em prática, a partir de uma vontade comum de chegar um acordo e que ele seja compartilhado e a

solução encontrada não esteja fundamentada no senso comum, segundo Rawls “[…] não no

110A expressão é empregada para designar a doutrina contratualista e deontológica da justiça, seu traço essencial é a afirmação da prioridade do justo sobre o bem e a definição pela eqüidade do processo de escolha dos princípios de justiça (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.382). 111 Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para outras pessoas. Segundo : as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefícios de todos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos (RAWLS, 2008, p. 73).

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sentido pejorativo, mas algo ligado a uma concepção da filosofia a partir de Bacon e Hobbes, o

saber dos indivíduos emanando da observação e da experiência” (RAWLS, 2000, p.382). Na

verdade, diz Rawls, a verdadeira tarefa consiste em descobrir e formular bases mais profundas

desse acordo que estejam ligadas ao bom senso.

A questão é que estamos à procura de argumentos razoáveis, chegando a um acordo

enraizado na nossa própria concepção, como também nossa relação com a sociedade, ou seja,

uma concepção moral fixada por uma ordem de objetos. Desse modo, é preciso elaborar uma

concepção de justiça que seja aceitável a todos, mesmo que isso implique em resolver dificuldades

teóricas, mas a tarefa social e prática continua sendo primordial, é importante que ela esteja de

acordo com nossa compreensão como sendo a concepção mais razoável.

O alerta que Rawls dá em uma teoria da justiça como equidade é tentar descobrir as ideias

fundamentais ocultas do bom senso e relativas à liberdade, à igualdade, à cooperação social e à

pessoa. Mas como essa concepção funciona? Bom, uma vez enunciada, a justiça como equidade

deve propor uma concepção satisfatória de nós mesmos e da nossa relação com a sociedade

vinculando aos princípios de justiça, sendo eles aplicáveis.

Explica Rawls, que há três concepções básicas na teoria da justiça como equidade, (1) a

ideia de sociedade bem ordenada, “[...] modelo do que é a sociedade democrática quando os

princípios de justiça nela operam e a unificam, princípios de justiça derivando de uma doutrina

que todos compartilham” (RAWS, 2000, p.382); (2) a ideia de pessoa moral, ou seja, “[…] os

membros da sociedade são conhecidos como pessoas morais que podem cooperar tendo em vista

a vantagem mútua, e não somente como indivíduos racionais que têm desejos e metas a

satisfazer” (RAWS, 2000, p.380).

O interesse de Rawls é destacar os aspectos essenciais da nossa concepção de nós mesmos

como pessoas morais e da nossa relação com a sociedade enquanto cidadãos livres e iguais. Essas

concepções descrevem alguns traços gerais que são característicos de uma sociedade,

considerando que os seus membros considerem publicamente a si próprios.

A propósito, uma última concepção é destacada: (3) a posição original. De acordo com

Rawls, ela “[…] é um procedimento figurativo que permite representar os interesses de cada um

de maneira tão eqüitativa que as decisões daí decorrentes serão elas próprias eqüitativas”

(RAWLS, 2000, p.380). A terceira concepção é utilizada por Rawls como papel mediador,

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servindo para vincular a concepção de pessoa moral aos princípios de justiça que caracterizam

suas relações entre cidadãos na concepção de sociedade bem ordenada.

Segundo Rawls, a posição original desempenha um modelo pelo qual os cidadãos de uma

sociedade bem ordenada, ou seja, pessoas morais, selecionam idealmente os princípios de justiça

aplicáveis à sua sociedade. Nesse caso, os limites impostos aos parceiros112 em uma posição

original representam a liberdade e a igualdade que as pessoas morais devem possuir em tal

sociedade.

Os parceiros são sujeitos racionais autônomos e participantes de um processo de

construção, representam o aspecto da racionalidade que faz parte da concepção da pessoa moral

própria dos cidadãos de uma sociedade bem ordenada, sua autonomia racional, (segundo Rawls é

aquela dos parceiros na medida em que são agentes de um processo de construção),

diferentemente da autonomia completa exercida pelos cidadãos na sociedade. Autonomia

completa é aquela dos cidadãos na vida cotidiana, que têm uma visão de si próprios, defendendo

e aplicando os princípios de justiça dos quais se puseram de acordo.

Desse modo, Rawls identifica traços de uma sociedade bem ordenada. Em primeiro lugar,

ela é de fato regida por uma concepção pública da justiça, é uma sociedade na qual cada um

aceita, e sabe que os demais também aceitam, os mesmos princípios de justiça e a estrutura básica

da sociedade respeita os princípios escolhidos, na medida em que os mesmos estão alicerçados

em crenças razoáveis.

Em segundo lugar, os membros da sociedade bem ordenada são pessoas morais, livres e

iguais, e consideram a si mesmos e aos outros como tais em suas relações políticas e sociais na

questão justiça, defendidas por Rawls como a liberdade, a igualdade e a pessoa moral.

Rawls ensina, através da primeira característica da sociedade bem ordenada, que os

membros dela são pessoas morais. A partir do momento que atingem a idade da razão, todos

possuem e reconhecem nos demais um senso de justiça e uma compreensão do que é uma

concepção de bem. Portanto, são considerados como iguais na medida em que se consideram uns

aos outros como detentores de um direito de determinar e avaliar de maneira ponderada os

princípios de justiça que devem reger a estrutura básica da sociedade. São livres na medida em

112 São os atores imaginários desse procedimento artificial que é a posição original e que são incumbidos de escolher e justificar os princípios primeiros de justiça que representam de forma equitativa os interesses de todos os membros da sociedade (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.379).

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que pensam ter direitos de intervir na elaboração de suas instituições comuns, capazes de revisar

e modificar os fins com base em argumento racionais e razoáveis.

Uma segunda característica da sociedade bem ordenada é a possibilidade de sua estabilidade

no que se refere ao senso de justiça, ou seja, o contexto da justiça que, segundo Rawls, foi

descrito por Hume como “[...] um conjunto das condições que obrigam as sociedades humanas a

estabelecer regras de justiça, condições objetivas de igualdade e de relativa escassez de recursos, e

as condições subjetivas constituídas pelo conflito de interesses” (RAWLS, 2000, p 375), tornando

a justiça necessária. Dado que a posição original situa as pessoas livres e iguais de maneira

equitativa umas em relação às outras, a concepção de justiça adotada, seja ela qual for, será

igualmente equitativa. Daí o nome, segundo Rawls, “teoria da justiça como equidade”.

Até aqui parece que Rawls consegue descrever como se dá a escolha dos princípios, no

entanto, o autor certifica que na posição original os parceiros ficarão privados de algumas

informações, na medida em que são colocados por trás do véu de ignorância113. É necessário

excluir todas as informações tais como seu lugar na sociedade, sua concepção de bem, e demais

informações particulares, para que ninguém tenha vantagem ou desvantagem, imperando a

equidade, no relacionamento entre outro indivíduos, comportando-se como justiça procedimental

pura, ou seja, não há critério independente para o resultado correto, existindo um procedimento

correto ou justo de modo que o resultado será também correto ou justo.

Para Rawls, as pessoas morais possuem uma concepção de bem, devido à nossa

racionalidade, e o senso da justiça, capaz de compreender e aplicar princípios de justiça. Há

também dois interesses superiores, diz Rawls,“[..] trata-se de interesses ligados a interesses de

primeira ordem e que nos impelem a efetivar a nossa personalidade moral” (RAWLS, 2000,

p.377).

Assim, dado que os parceiros representam pessoas morais, eles são movidos por esses

mesmos interesses que buscam garantir o desenvolvimento e o exercício das faculdades morais.

Nesse sentido, Rawls pressupõe que os parceiros representam pessoas morais desenvolvidas,

pessoas que possuem um sistema determinado de fins últimos, uma concepção particular de bem.

Dessa forma, essa concepção produz uma terceira motivação, um interesse que busca proteger e

113 Visando preservar a equidade na escolha dos princípios e não fazer que intervenham as contingências

naturais e sociais, “os parceiros ignoram certos tipos de fatos particulares […]. Entretanto eles conhecem todos os fatos gerais que afetam a escolha dos princípios de justiça”. Por isso, a barganha e as relações de força não podem intervir e a imparcialidade é constitutiva da justiça (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.383).

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efetivar a sua concepção do bem da melhor forma, introduzindo dessa forma, os bens

primários114 que são enumerados em Uma teoria da justiça:

I – As liberdades básicas ( liberdades de pensamento e liberdade de consciência etc.) são as instituições do contexto social necessárias para o desenvolvimento e o exercício da capacidade de escolher, de revisar e de efetivar racionalmente uma certa concepção do bem. Do mesmo modo, essas liberdades permitem o desenvolvimento e o exercício do senso da justiça em condições sociais caracterizadas pela liberdade. II – A liberdade de movimento e a livre escolha de sua ocupação, num contexto de oportunidades diversas, são necessárias para a consecução de fins últimos e para a eficácia da nossa decisão de revisá-las e modificá-las se desejarmos. III – Os poderes e as prerrogativas das funções e dos pontos de responsabilidade são necessários para desenvolver as diversas capacidades autônomas e sociais do eu (self). IV – A renda e a riqueza, consideradas no sentido amplo, são meios polivalentes (providos de um valor de troca) que permitem concretizar, direta ou indiretamente, quase todos os nossos fins, sejam eles quais forem. V – As bases sociais do respeito por si mesmo são constituídas pelos aspectos das instituições básicas que são, em geral, essenciais para os indivíduos a fim de que eles adquiram uma noção verdadeira de seu próprio valor enquanto pessoas morais e para que sejam capazes de concretizar os seus interesses de ordem mais elevada e de fazer progredirem os seus próprios fins com entusiasmo e autoconfiança (RAWLS, 2000, p. 63).

Isso mostra que os bens primários são definidos quando se indaga qual o gênero de

condições sociais e de meios polivalentes que permitem aos seres humanos concretizar e exercer

suas faculdades morais, considerando as necessidades sociais e as circunstâncias da existência

humana na sociedade democrática. Ao que parece, é importante considerar que a concepção que

define as pessoas morais como tendo certos interesses superiores bem precisos condiciona a

definição dos bens primários no quadro das concepções, de modo que esses bens não devem ser

entendidos como meios gerais essenciais à concepção de quaisquer fins últimos.

Assim, observamos que como objeto a autonomia racional depende dos interesses que

mobilizam os parceiros e não somente pelo fato deles estarem ligados por algum princípio de

justiça autônoma e superior. Se os parceiros fossem movidos somente por impulsos de ordem

inferior como alimentação, bebida, teríamos que considerá-los como heterônomos, e não como

autônomos.

114 São definidos por Rawls como coisas que todo homem racional presumivelmente quer, não importa quais sejam os seus outros desejos, são constituídos pelos direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza. (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.372).

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Portanto, na base do desejo pelos bens primários, segundo Rawls, encontram-se interesses

superiores da personalidade moral, e a necessidade de garantir nossa concepção de bem, os

parceiros nesse caso, asseguram e efetivam as condições necessárias para o exercício das

faculdades que os caracterizam enquanto pessoas morais. Espera-se que as pessoas se preocupem

com as suas liberdades e oportunidades a fim de efetivar essas faculdades, e ao renunciar a isso

elas carecem de respeito por si mesmas e demonstram fraqueza de caráter. Por isso, Rawls

propõe que os parceiros são mutuamente desinteressados115.

Não há dúvida de que, para Rawls, os parceiros, enquanto agentes racionais de um

processo de construção, são descritos na posição original como seres autônomos sob dois pontos

de vista. Em um primeiro momento, em suas deliberações eles não precisam aplicar nem seguir

princípios de justiça que seriam prévios e anteriores. Em segundo momento, são descritos como

não sendo mobilizados por seus interesses superiores, aqueles que têm por objetivo suas

faculdades morais, preocupados em efetivar seus fins últimos, determinados, ainda que

desconhecidos. Através de uma análise dos bens primários é que se define esse aspecto de

autonomia, concluindo assim a noção de autonomia racional aplicada aos parceiros considerados

como agentes de um processo de construção.

A tese de Rawls diz que na posição original é considerado razoável o resultado que é

expresso pelo conjunto dos cerceamentos aos quais estão submetidas as deliberações dos

parceiros (enquanto agentes racionais de um processo de construção). Portanto, a maneira de

representar o razoável na posição original conduz aos dois princípios de justiça e esses princípios,

na teoria da justiça como equidade, têm conteúdo razoável para a estrutura básica de uma

sociedade bem ordenada.

Referências Bibliográficas:

OLIVEIRA, Nythamar de. Rawls. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. 3ed. Trad. Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

___________.O Liberalismo Político. Trad. Álvaro de Vita. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. 115 São conhecidos como pessoas que não têm interesses nos interesses das outras, eles ignoram a inveja, e é assim que se exprime a sua racionalidade (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.376).

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___________.Justiça e democracia. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2000

SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em Rawls. Campinas: Alínea, 2003.

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STATUS ARTE NA FALSIFICAÇÃO DE OBRAS

Marlon José Alves dos Anjos:

Universidade Estadual Paulista – UNESP.

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Mauro Romagnolo

RESUMO: A falsificação de obras de arte é um assunto estigmatizado e pouco comentado.

Como tema assume riqueza por permitir contextualizar o conceito de arte, sua relação

sociocultural e econômica e, por fim, lançar luzes à figura do falsificador. A relevância da

falsificação manifesta-se ainda no atual número de obras de arte cuja procedência permanece uma

incógnita, nesse ponto cumpre informar que hodiernamente o valor da obra de arte deixa de

relacionar-se com o potencial de embevecimento e exaltação para assumir seu papel de acordo e

imposição do mercado. Sob um olhar crítico e racional a arte pode assumir sua forma de produto

de consumo e o falsificador como um reconstrutor da psique artística e da história cultural de um

povo. Nessa senda insere-se o presente trabalho cujo objetivo é propor reflexões a respeito do

mérito artístico na falsificação de obras de arte.

Palavras-chave: Falsificação; status arte; conceito arte; valor; filosofia da arte

A arte é noção sólida e privilegiada, possui também limites imprecisos. A questão que se

faz presente constitui em: como saber o que é ou não obra de arte? O que as define, quais

conceitos as sustentam e as alimentam? Afirmar que não temos definição para essas questões

torna-se hoje ambivalente116. A diplomacia ordena afirmar que não temos uma noção comum

116O filosofo Arthur Danto demonstra com fôlego ao decorrer de alguns de seus livros celebres: A Transfiguração do lugar- comum (1981), Após o Fim da arte (1997). Que hoje, após Wittgeinstein, podemos através de ferramentas da filosofia da linguagem identificar a “essência” da arte, operando distante dos métodos narrativo e progressivo. Visto de outra forma, a arte a partir dos anos 60 gerou questões abstratas que só poderiam ser respondidas pela filosofia, não podendo mais ser explicadas pela historia ou a teoria da estética moderna. Danto afirma a mudança paradigmática nas teorias da arte ao analisar o Brillo Box de Andy Warhol Danto. E, através da filosofia da linguagem poder-se-ia formular respostas satisfatórias para a questão arte. tal afirmação pode ser consultado na Entrevista de Danto concedida a Manrica Rotili e Sante Scardillo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gW_QiTvWA20 acesso em: 10\06\2014.

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sobre o tema, que aborde toda a miscelânea de objetos artísticos, pode-se dizer, que todas as

épocas, cada uma a sua maneira, formulou respostas à esfinge.

Arte é um conceito polissêmico. Por meio de classificação sociocultural e econômica

inúmeros artefatos recebem o status de artístico. Nesse sentido todos estão de acordo com o status

arte atribuído a Mona Lisa de Leonardo Da Vinci (1452 – 1519), a nona Sinfonia de Beethoven

(1770 – 1827), as peças de W. Shakespeare (1564 – 1616), a Guernica de Picasso (1881 – 1973).

Cada um desses elementos representa a riqueza de seu período, representantes de estilos,

períodos e peculiaridades na história da arte. Cada elemento é amparado por conceitos, teorias e

demais definições do mundo da arte que legitimam tal mérito. Todos estão de acordo que os

itens citados acima são genuínos. Inobstante, enquanto a autenticidade não for posta em cheque.

“uma obra de arte é um artefato, de um tipo, criado para ser apresentado a um público da arte

(...). Um artista é uma pessoa que participa conscientemente na produção de obras de arte. Um público é um conjunto de pessoas cujos membros têm suficiente preparação para compreender um objecto que lhe é apresentado. O mundo da arte é a totalidade de todos os sistemas do mundo da arte. (DICKIE, 2008, p. 144).

Essa forma de pensar impinge regras da receptação de um sistema particular que compõe a

instituição arte, ou se preferirem, o mundo da arte. Os artistas são considerados sujeitos que

exercem, isoladamente ou em grupo, atividades reconhecidas como artísticas, consumando-se

apenas no olhar do outro, ou seja, dependem da prática sociocultural que a instaura, fecundando

o fenômeno artístico, como um artefato criado com discernimento, por alguém, com o objetivo

de apresentá-lo ao público. Há uma relação em detrimento da estética, a instituição absorve o que

a interessa, a arte que lhe é compatível, destarte, visto desse modo, a exibição é o ato por meio do

qual alguém assume a responsabilidade e o poder de dizer o que é arte. O público deve estar

preparado em algum grau para compreender este objeto, que por sua vez deve estar enquadrado

nas regras de apresentação que compõem os sistemas particulares deste jogo.

Uma obra de arte não é uma entidade que tenha existência independente. Em essência o

status arte é um conjunto de relações que se sincretizam, criam conexões que são definidas tanto

por suas relações quanto por suas possibilidades de conectividade. Essas conexões são

ordenações distintas sendo que a ordem agrupa elementos que constroem uma noção de

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familiaridade. Nesse viés ordenar faz com que a obra possa relacionar-se consigo mesma e com o

mundo.

A ordem permeia a história da arte sendo perceptível sua presença nas definições de

períodos, gêneros, estilo, movimentos, manifestação, etc. Cada uma dessas demarcações carrega

em si julgamentos probos e réprobos em relação à obra, ao fazer artístico e, porque não dizer, o

que é entendido por arte. Cada período contou com pensadores que procuraram definir uma

visão particular sobre a arte, história, vida, morte, etc. Zietgeist117, expressão segunda a qual cada

período compreendeu o conceito de liberdade, criatividade, possibilidade, entre outras à sua

maneira e à sua efetividade. Partindo dessa premissa podemos constatar que a ordem e a

regularidade não podem abranger toda a miscelânea de objetos artísticos em seu período de

nascença, por este motivo observamos o sucesso das obras póstumas e o agenciamento dos

valores das mesmas.

Poder-se-ia-dizer que temos como herança os vínculos entre a história, conhecimento e

liberdade. Infelizmente estes elos foram desacreditados pelas múltiplas reinvenções de tradições,

imposições de identidades nacionais e explicações seculares da história que encobriam políticas

voltadas ao atendimento de interesses específicos, deste modo toda a história é um recorte

particular que agrupa familiaridade e acaba por gerar obstáculos a elementos singulares. Talvez

pela influência fria desses interesses a obra de Vincent Van Gogh (1853-1890) só teve seu talento

reconhecido uma década após a sua morte. Fato semelhante se deu com o compositor Franz

Schubert (1797-1828) cuja maioria de suas obras nunca foram executadas na vida do autor. Cite-

se ainda Johann Sebastian Bach (1685-1750) e sua obra com mais de 1000 composições que só

seriam reconhecidas após a sua morte. Dentre os motivos para esse reconhecimento tardio há a

falta de divulgação, as fronteiras ideológicas e até atrito entre os costumes e as tradições de uma

dada época. Em todas essas historias a arte, seu reconhecimento e o tempo dos artistas

permaneceram dessincronizados.

O descompasso manifesto no reconhecimento póstumo corrobora a premissa de que a arte

opera com sistemas e conceitos estabelecidos, excluindo ou acolhendo determinados artefatos. É

117 Espírito da época ou espírito do tempo. Termo atribuído ao filósofo Georg Hegel, mas ele nunca realmente usou a palavra. Em suas obras, tais como palestras sobre a filosofia da história , ele usa a frase der Geist seiner Zeit (o espírito de seu tempo), por exemplo, "nenhum homem pode superar seu próprio tempo, para que o espírito de seu tempo também é o seu próprio espírito " MAGEE, Glenn A Alexander, "Zeitgeist" , o dicionário de Hegel, Continuum International Publishing Group, p. 262, (2011).

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perceptível que nem todas as obras de arte encontram seu valor adequado no momento em que

passam a existir. Nesse sentido é o legado de Wolfflin:

Até mesmo o talento mais original não pode prosseguir além de certos limites que são fixados para ele pela data do seu nascimento. Nem tudo é possível em todos os momentos, e certos pensamentos somente podem ser concebidos em certos estágios de desenvolvimentos. (WOLFFLIN: 1950, p. IX)

O peso do contemporâneo pode massacrar um artista pois define os contornos da noção

de arte que assumem a feição de verdadeiros paradigmas e, como tal, somente o tempo e a

evolução e o passar do tempo podem alterar a visão particular sobre os artefatos, revalidando a

cultura material, abrindo espaço para novas leituras sobre os artefatos antecessores.

Para além desse peso, o status de Arte não é algo sólido e imutável bastando a ameaça de

falsificação para que a obra perca seu prestígio. Foi o que ocorreu no caso apontado por Andrey

Furlaneto na matéria da folha 07\05\2013 intitulada Sob Suspeita de Falsificação, Christie’s retira dez

obras brasileiras de leilão. Segundo o autor, bastaram apenas alguns telefonemas para instigar dúvidas

sobre a autenticidade das obras fazendo com que tais itens fossem retirados do catálogo de

venda. Abruptamente, símbolos tidos de importância nacional com lances iniciais na casa dos

trinta mil dólares, após os telefonemas os artefatos foram exonerados da possibilidade de venda e

de qualidades artísticas, evanescendo por completo o status arte.

Comumente obras que tenham a autenticidade questionada simplesmente são retiradas das

galerias, impossibilitadas de participar de qualquer amostra, desprovidas do valor que um dia as

institui. Somente esse fato propiciaria questionar o conceito de arte ou ainda o que havia na obra

que a tornava arte. Não é crível ser apenas a assinatura do artista ou o reconhecimento da critica.

Talvez a arte seja mais, talvez sejam todos os elementos carreados na obra, o deslumbre, a

inquietação, o estranhamento, sentimentos que não podem ser afastados pela simples

conveniência e suspeição.

Depurando o conceito de arte e despindo nosso olhar de preconceito poderemos, numa

releitura, vislumbrar a arte “essencial” e talvez, compreendermos que essa arte reside nas

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falsificações, elas também suportam o peso do julgamento, o mesmo problema de mérito ligado

ao reconhecimento118.

Essa depuração por óbvio, esbarra na reprobabilidade da conduta ilícita do falsário

entretanto, no presente trabalho esse elemento não será foco pois entende-se que a obra, quando

findada, aparta-se do seu criador passando a existir por si mesma no mundo. Não por outra razão

esse trabalho demanda uma isenção lógica pois se não pudermos ignorar a intenção do autor para

compreender a sua obra acabamos por influenciar o entendimento da mesma. Nesse sentido “ se

o mundo não se importava com a homossexualidade de Leonardo, a sífilis de Baudelaire, o fato

de Gauguin ter abandonado a esposa” (WYNNE, 2008, p. 80) porque deveriam se importar em

desvalorizar o ato de um falsário?

Se pudermos eliminar a ilicitude do falsário da equação e voltarmos a atenção para o valor

da arte, mais especificamente para a arte como atributo poderemos perceber que há a incidência

de uma preocupação/solução econômica e não artística. Disso decorre a suspeita de que, na

história da arte, a crítica e o mercado - num eterno condicionamento – acabaram por purificar os

sistemas da arte estabelecendo conceitos não artísticos a fim de conferir valor às obras.

Partindo dessa premissa os julgamentos e valores passados podem ser renovados a fim de

servirem de ferramenta para “real” compreensão da arte. Se não for assim, se não se primar pela

liberdade teórica e artística fortalecidas pela memória o paradigma termina sendo uma camisa de

força.

A maior aspiração da arte é revelar a natureza da obra, o discurso que permeia o trabalho e

o transcende, passando a existir quando o outro a reconhece e surge um consenso, que

convenciona seu valor artístico. É no olhar do outro que surge a afirmação que traduz algo em

verdadeiro ou falso, em relação à essência da arte e também daquilo que a cerca, caracteriza e a

distingue do restante.

Para Jonathon Keats a “essência” artística da falsificação reside na possibilidade que o

artefato possui em subverter o seu próprio papel, “arte legítima só consegue simular as violações

que falsificações cometem. Neste sentido, falsificações são mais reais que a arte que falsificam”.

(2013 p. 35)

118 Filha de Diego Rivera nega autenticidade de 1.200 obras atribuídas a Frida Kahlo. 09\06\2011. Disponível em: http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/efe/2011/06/09/ult1817u15004.jhtm acesso em: 22 maio 2014.

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As obras possuem um discurso fundante e um objetivo. Este, sem dúvidas, é o

reconhecimento. Nas falsificações o maior argumento é o engano, contudo, admite-se que seu

principal objetivo seja a “comercialização do engano”. Parte-se da premissa que argumentos

legitimados fazem uma obra tornar-se ícone na arte, onde estão inertes, diluídos entre a imagem e

a história, esperando serem revelados sem, contudo, perder os valores de arte. Nesse sentido a

obra que engana alcança a perfeição e se consuma. Logo, ambicionar despi-la desse mistério é um

paradoxo, conforme apontado por Humberto Pereira:

Mas quem engana a perfeição, justamente, não engana, pois o engano não pode ser outra coisa senão uma falta. Se alguém realizar algo para enganar, não disser que sua obra tem por artifício enganar e esse artifício não for descoberto, não se pode dizer, sem o risco de se cair num absurdo, que houve o engano. (PEREIRA, 2007, p. 02).

Por mais lógico que possa parecer, o argumento transcrito acima não encontra eco no meio

artístico. É fato que a falsificação encontra-se em campo ilícito e o falsificador é visto como mero

reprodutor ou copiador, despido de criatividade119, em detrimento do potencial artístico quase

meta artístico presente em suas obras, que vencem o tempo e prolongam o discurso dos grandes

mestres. Talvez, esse não reconhecimento decorre da torpeza do meio artístico, que se vale dos

falsificadores para enganar os incautos que vêem na Arte um mero investimento.

Para demonstrar a incoerência da Arte hermética em seus conceitos, tomemos como

exemplo o trabalho de um falsificador que sai do anonimato e torna-se um ícone da própria arte.

Ao ter revelado sua origem, rapidamente sua importância transmuta de parâmetro, passa então de

obra de arte para um trabalho de menor valor120.

Curioso e contraditório é o caso dos quadros dos Girassóis de “Van Gogh”. Em toda sua

vida o artista teria pintado quatorze Girassóis, dos quais, apenas cinco podem ser visitados

atualmente. Hoje se discute a possibilidade de algumas destas obras serem, em realidade,

falsificações. Alguns especialistas sugerem que seja falso, por exemplo, o quadro comprado pela

119 João Carlos Lopes dos Santos, marchand que trabalha arduamente para desmerecer e exonerar qualidades artísticas a artefatos falsificados ou copiados. Disponível em: http://www.consultarte.com/scripts/apresentacao.asp acesso em: 20 de out. 2013 120 Casa de leilão retira obras falsificadas: disponível em: http://institutovolpi.com.br/midia2.php acesso em: 11\07\2014 às 15:20

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companhia de seguros japonesa Yasuda121 que foi a leilão pela Christie’s de Londres. Um caso

como esse não poderia ser nada menos que polêmico. Contudo, houve a atribuição da suposta

falsificação a Claude Emilie Schuffenecker. Anos de pesquisa não foram suficientes para chegar a

uma conclusão comum sobre a autoria da pintura, visto que, dependendo do resultado, poderia

abalar os méritos e os valores atribuídos a tal obra e artista.

O caso de Hans Van Meegeren122, artista que confessou ter falsificado nove obras de

Vermeer, é deveras curioso. Esse pintor recriou uma das obras mais significativas, de notório

valor econômico, e ao desejar ter sua obra reconhecida como arte encontrou terrível dificuldade

para provar sua autoria.

Se Hans Van Meegeren não tivesse decidido confessar, evitando, assim, o envio de grandes

números de obras aos laboratórios, os quadros desse falsário imensamente talentoso ainda

estariam proporcionando prazer a incontáveis frequentadores de museus em todo mundo.

Embora tenha sido um “acidente histórico”, Hans foi obrigado a confessar, fazendo com que ele

tenha entrado para a história como um falsário, e, como os todos falsários, tenha recebido a

“morte cultural” – a censura.

No entanto, falsificou o quê? Apenas assinaturas? Os quadros de Vermeer que Hans

confessou ter falsificado não são autênticos? Ora, não carregam assinaturas dos mestres do

passado. O que garante, no final das contas, que a assinatura de Hans seja menos qualificada do

que a dos mestres que falsificou?

Como não reconhecer o gênio Meegeren e não colocá-lo lado a lado com os grandes mestres da pintura holandesa do século XVII? Esse anacronismo causa perplexidade, mas se é possível dizer quais são os critérios para afirmar quem são os mestres da pintura na época de Rembrandt, a ausência de Meegeren é uma falha gritante. (PEREIRA, 2007 p. 3).

121Conteúdo disponível nos seguintes itens: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/10/31/ilustrada/11.html acesso em: 22 Nov. 2013 http://www.artexpertswebsite.com/pages/artists/super_van_gogh_forgeries.php acesso em 22 nov. 2013 122 O livro, Eu Fui Vermeer, e enganei os nazistas, de Frank Wynne, remonta a história do falsário Hans Van Meegeren, que reproduziu várias obras de Johannes Vermeer (1632-1675), além de outros artistas. Aborda a ascensão e queda de um dos mais bem sucedidos falsários do século XX, que transmuta de colaborador do nazismo para herói holandês. E, ao confessar que ao invés de ter vendido o tesouro holandês para o inimigo, Reichsmarschall Hermann Goering o engano vendendo Vermeer falsos em troca de duas centenas de obras holandesas. Tal afirmação não foi creditada pela crítica, nem pelo público. Hans, em um episódio teatral, pinta seu último Vermeer diante do júri.

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A mesma ambivalência da critica especializada, ao se utilizar de argumentos para afastá-lo

dos grandes mestres, seria consequentemente aproximá-lo de artistas conceituais. Argumentos

falhos, utilizados somente para afastá-los dos grandes mestres, seriam, por conseguinte,

ambivalentes, pois, os posicionariam ao lado de Duchamp (1887 – 1968) e Andy Warhol (1928 –

1987).

A falsificação é elemento indócil para colecionadores, conservadores, historiadores e o

mercado da arte. Pois se recusa a utilizar as temáticas atuais de produção artísticas ao representar

temas demasiadamente utilizados no passado ou por artistas antecessores, sendo rebelde,

também, por se utilizar do próprio sistema da arte para formalizar seu discurso e transferir a sua

crítica ao meio. Opera com o limiar dos julgamentos morais e éticos. E, por consequência, mina

as verdades dogmáticas que historiadores, colecionadores e o mercado da arte constroem tanto

apreço e, por fim, problematiza qualquer definição canônica a respeito da genuinidade,

autenticidade, balançando o “imaculado” status arte.

Referências Bibliográficas:

DANTO, Arthur. Brillo Box and so forth, ( jan. 2010) Project by: Manrica Rotili, Camera Ivan

Galietti. Editing. Andrea Marchegiani. Nova Iorque. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=gW_QiTvWA20 acesso em: 10\062014.

DICKIE, G. Definindo arte: intensão e extensão. Estética: fundamentos e questões de Filosofia da

Arte. KIVY, P. (Org.) 1ªEd. São Paulo, 2008.

___________. El circulo Del arte: uma teoría Del arte. Ed. Paidos, Espanha, 2005

___________. Introdução à estética. Ed. Bizâncio Lisboa, 2008

INWOOD, Michael. O dicionário de Hegel. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 2011

PEREIRA, Humberto. A arte da falsificação. Ensaio, 2007. Disponível em:

http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1519,1.shl Acesso em: 02 maio 2013.

SANTOS, João Carlos Lopes dos, Consultoria de arte. Disponível em:

http://www.consultarte.com/scripts/apresentacao.asp acesso em: 20 de out. 2013

STREETER, Michael. Van Gogh "falso" pode abalar mercado. 2007. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/10/31/ilustrada/11.html acesso em: 22 Nov. 2013

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VAN Gogh Forgeries and Fakes. Disponível em:

http://www.artexpertswebsite.com/pages/artists/super_van_gogh_forgeries.php acesso em: 22

Nov. 2013

WYNNE, Frank Eu Fui Vermeer, A lenda do falsário que enganou os nazistas. São Paulo Companhia

das letras, 2008

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DIALÉTICA NEGATIVA: DA INSUFICIÊNCIA À POSSIBILIDADE

Michele Borges Heldt

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Luft

Resumo: Mais do que uma crítica ao positivismo lógico e à compulsão ao sistema proveniente da

ontologização do ser, a dialética negativa de Theodor Adorno, tema do presente artigo, aponta

para o que ele chamou de insuficiência do conceito. Entrementes, isso não significa que Adorno

tenha defendido a validade de um pensamento desprovido de conteúdo objetivo. Antes disso, sua

obra propõe à filosofia o desenvolvimento acerca de uma consciência da possibilidade, visto que,

em Adorno, aquilo que o indivíduo deve ser é formado por aquilo que ele foi e também por

aquilo que ele poderia vir a ser.

Palavras-chaves: dialética negativa, Adorno, insuficiência, possibilidade.

Para Adorno, primeiramente, a dialética deveria se libertar de seu caráter positivo e

sistemático, pois a necessidade filosófica de compreensão e sistematização do conhecimento

revelaria uma exigência de poder que faria com que a filosofia perdesse o seu real significado,

regredindo ao status de uma ciência particular.

Esse é o fundamento de sua dialética negativa, cujo desenvolvimento se dá, especialmente,

a partir do confronto com o sistema dialético hegeliano. Segundo Adorno, "dificilmente haverá

algum pensamento teórico de certo alento, que, sem haver 'armazenado' em si a filosofia

hegeliana, pode hoje fazer justiça à experiência da consciência." (ADORNO, 2009, p.27).

De acordo com Adorno, o verdadeiro interesse da filosofia deveria voltar-se justamente

para aquele âmbito que Hegel rejeitou, ou seja, o âmbito do não conceitual, do individual e do

particular. Em parte, Adorno compartilha com Hegel a ideia de que o conhecimento é

fundamentado a partir de conceitos, contudo, a forma como isso se dá, na dialética negativa, é

totalmente diversa.

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Enquanto que, para Hegel, a contradição seria a necessidade de existência de um outro para

a consciência, em Adorno, a contradição seria o indício da inverdade da identidade, onde a

aparência de identidade seria inerente ao próprio pensamento. Logo, a contradição não seria uma

necessidade à parte que deveria ser, nas palavras de Luft, “superada e guardada” (LUFT, 2001,

p.32) pela consciência, mas sim, parte constituinte da mesma. Ou seja, enquanto que, na dialética

hegeliana a contradição deve ser suprassumida, na dialética negativa ela deve ser assumida como

parte integrante da própria consciência.

Dessa forma, segundo Adorno, no sistema hegeliano a aparência e a verdade se

confundiriam, pois em Hegel a representação mais imediata é tida como um caminho rumo ao

conhecimento verdadeiro, enquanto que, para Adorno, o conhecimento fenomenal é apenas uma

aparência, onde o princípio da não contradição identificaria aquilo que é diferente sob a ótica do

pensamento da unidade, deturpando, desse modo, o próprio conhecimento.

O que é diferenciado aparece como divergente, dissonante, negativo, até o momento em que a consciência, segundo a sua própria formação, se vê impelida a impor unidade: até o momento em que ela passa a avaliar o que não lhe é idêntico a partir de sua pretensão de totalidade. Isso é o que a dialética apresenta à consciência como contraditório... A identidade e a contradição do pensamento são fundidas uma à outra. A totalidade da contradição não é outra coisa senão a não-verdade da identificação total, tal como ela se manifesta nessa identificação. Contradição é não-identidade sob o encanto da lei que também afeta o não-idêntico. No entanto, essa lei não é uma lei do pensamento. Ao contrário, ela é uma lei real. Quem se submete à disciplina dialética, tem que pagar sem qualquer questionamento um amargo sacrifício em termos da multiplicidade qualitativa da experiência. (ADORNO, 2009, p.14).

A efetividade, que no sistema hegeliano seria fundamental para que a consciência se torne

certa de si mesma com base na razão e sua atuação, em Adorno, a consciência já conteria nela

mesma a equivocidade de um pensamento voltado para a unificação. Logo, a própria experiência

já seria previamente manipulada com base naquilo que o pensamento gostaria de conceber.

Essa constituição impositiva da realidade teria sido atribuída à relação “sujeito espírito”,

onde o espírito, enquanto universal absoluto, condicionaria os indivíduos, transformando a

necessidade de conceitualização em algo positivo.

Na medida em que se recusa ao pensamento, ele é o absoluto; na medida em que, bem hegelianamente, ele não pode ser reduzido sem restos nem ao sujeito nem ao objeto, ele está para além de sujeito e objeto, apesar de,

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independentemente deles, ele não ser de maneira alguma. A razão que não o pode pensar é por fim ela mesma difamada, como se o pensamento se deixasse de algum modo dissociar da razão (ADORNO, 2009, p.97).

Nesse sentido, enquanto que, em Hegel, o espírito é o universal onde a “consciência-de-si”

se efetiva, ou, dito de outro modo, são os conceitos experimentados, compartilhados e aceitos

por todos, em Adorno, o espírito seria aquilo que se forma a partir de um pensamento idealista

que não aceita nada que não esteja em consonância consigo mesmo, daí a necessidade de

sistematização.

Já o formato do sistema, seria adequado ao mundo que, de acordo com o seu conteúdo, se

adaptaria à hegemonia do pensamento, onde unidade e concordância seriam, ao mesmo tempo, a

idealização de um estado pacificado, que não seria mais contraditório mediante as coordenadas

do pensamento dominante (o espírito absoluto).

Assim, nessa lógica, produz-se não só uma burocracia para a sociedade, mas também, uma sociedade para essa burocracia; não só se produz uma tecnocracia para o povo, mas também se constrói um povo para essa tecnocracia; não só se produz um objeto para o sujeito, mas também, segundo a frase de Marx à qual hoje se podem dar prolongamentos novos e múltiplos, ‘se produz um sujeito para o objeto’ (MORIN, 2002, p.69).

Precisamente aí entra a lei, que em Hegel representa o conceito e a experiência

universalizados, onde a consciência-de-si se faria em conformidade com a lei justamente em

decorrência dessa universalidade por ela assumida. Já em Adorno, a lei representa a ideologia

presente no espírito da sociedade vigente, e incitaria o pensamento à positividade. Contudo, a

positividade seria contrária ao pensamento, logo, necessitaria de alguma autoridade social para

acostumar os indivíduos a ela, uma vez que as formas de pensamento costumam querer ir além

daquilo que lhe é simplesmente dado. Na dialética negativa, é nesse contexto que a lei é

empregada, a saber, como mecanismo de controle social em prol do pensamento dominante.

Segundo Adorno, Hegel só pôde equilibrar essa tensão entre a inflexibilidade das leis

morais vigentes e a dinâmica do pensamento singular através da construção do princípio da

unidade do espírito absoluto. Desse modo, o princípio fundador dos sistemas teria de ser,

necessariamente, embasado na razão, pois assim ele não poderia ser limitado por nada que viesse

de fora do seu esquema, uma vez que, tudo aquilo que não se submete ao princípio da unidade,

teria a aparência de violação da lógica.

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Assim, a sistemática hegeliana teria sido introduzida a tal ponto na consciência dos

indivíduos, que teria se tornado ontologia. Daí a necessidade de desenvolvimento de um sistema

que fixasse a ideia de que, aquilo que é dado de forma imediata, representaria a verdade da “coisa

mesma”.

Enquanto que, em Hegel, a cultura representa o lugar onde a consciência-de-si alcançaria a

sua vigência, para Adorno, a cultura estaria intimamente ligada com essa ontologia que ele

chamou de “ontologia do estado falso”.

O ser-aí teria adquirido um sentido ontológico em Hegel graças à tese idealista do primado

do sujeito, onde ele teria se aproveitado do fato de que o não idêntico precisaria ser determinado

enquanto conceito e, com isso, o ser-aí teria sido transformado em identidade.

Na dialética hegeliana, o ser-aí representa o fenômeno, ou seja, aquilo que é dado de modo

mais imediato. A consciência se restringiria a esse concreto como sendo algo real, pois para ela, o

concreto representaria aquilo que, dentro da razão lógica, seria algo possível. Essa capacidade

significa distinguir algo daquilo que é desigual a si mesmo. Esse seria o momento qualitativo da

razão, na medida em que reconheceria a separação entre o igual e o desigual. Essa separação

levaria à máxima de que a consciência deve, levando em conta a diferença entre natureza e

afirmação, ajustar-se à natureza das coisas, e não simplesmente agir de acordo com a sua vontade.

Surgiria daí, o modo de comportamento espiritual marcado pelo perpétuo “retorno a”.

O absoluto teria se transformado em algo histórico-natural, a partir do qual a norma da

auto adaptação pôde ser implementada. Isso, aliado à compulsão ao sistema, que permite que os

indivíduos confiem em sua própria consciência e experiência e, somado ao medo daquilo que é

novo, teria feito com que a ontologia do estado falso se desenvolvesse de tal modo, que quase

mais nada escapasse a ela.

A grande filosofia foi acompanhada pelo zelo paranoico de não tolerar nada senão ela mesma. O mais mínimo resto de não-identidade era suficiente para desmentir a identidade, totalmente segundo o seu conceito. As excrescências dos sistemas desde a glândula pineal de Descartes e os axiomas e definições de Spinoza, nos quais já está injetado todo o racionalismo que ele extrai posteriormente de maneira dedutiva, manifestam por meio de sua não-verdade a não-verdade dos próprios sistemas, sua loucura (ADORNO, 2009, p.27).

A mediação que estaria contida na aparência da imediatidade do espírito, segundo Adorno,

se manifestaria com base no idealismo da unificação. Aí, a visão das essências se aproximaria da

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consciência alegórica. Assim, quanto mais socializado seria o mundo, e quanto mais

determinações universais seriam desenvolvidas, mais o estado de coisas singular tenderia a tornar-

se imediatamente universal.

A desumanização começa no ponto em que, graças ao distanciamento, os objetos visados pela operação burocrática podem e são reduzidos a um conjunto de medidas quantitativas… Reduzidos, como todos os outros objetos de gerenciamento burocrático, a meros números desprovidos de qualidade, os objetos humanos perdem sua identidade (BAUMAN, 1998, p.26).

Para Adorno, as doutrinas que fogem do sujeito para o cosmo, assim como a filosofia do

ser, seriam mais facilmente conciliáveis com essa limitação do espírito àquilo que é acessível às

suas experiências e com as chances de sucesso que essa limitação traz consigo, do que a menor

parcela de reflexão do indivíduo sobre si mesmo e sobre o seu aprisionamento social.

A cultura na qual o pensamento estaria envolvido faria com que o indivíduo perdesse o

hábito de se questionar acerca do sentido desse pensamento. E, quanto menos o sentido torna-se

evidente para os indivíduos, mais plenamente o funcionamento cultural o substituiria. Mediante o

peso da existência, os indivíduos sequer se perguntariam se o sentido que a cultura afirma é

realizado, e muito menos sobre a autenticidade desse sentido.

O culto do ser, contudo, ou ao menos a atração que essa palavra exerce por meio de seu prestígio, vive do fato de que na própria realidade, tal como outrora na teoria do conhecimento, os conceitos funcionais foram reprimindo cada vez mais os conceitos substanciais. A sociedade transformou-se em contexto funcional total, como antes era pensada pelo liberalismo; aquilo que é, é relativo a um outro, irrelevante em si mesmo. O horror que isso provoca, a consciência crepuscular de que o sujeito está perdendo sua substancialidade, tudo isso predispõe para que se escute a asseveração, faz com que o ser, equiparado de maneira desarticulada àquela substancialidade, sobreviva apesar de tudo a essa estrutura funcional, sem que possa se perder. Todavia, aquilo que o filosofar ontológico buscava como que despertar de maneira evocativa é minado por processos reais, pela produção e reprodução da vida social (ADORNO, 2009, p.63).

Nesse esquema, a tentativa de fuga do idealismo seria invalidada de modo automático e a

doutrina do ser seria reabsorvida em uma doutrina do pensamento que isentaria o ser de tudo

aquilo que seria outra coisa além do pensamento puro. Dessa forma, a formação do espírito da

cultura se tornaria proveniente das normas da sociedade vigente, onde o critério daquilo que é

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tomado como verdadeiro ou falso poderia ser facilmente manipulado em prol dos interesses da

classe dominante.

Em Adorno, a revitalização da ontologia a partir dessa intenção objetivista, se daria pelo

fato de os indivíduos terem se tornado demasiadamente idealistas, dissimulando, dessa forma, o

contexto funcional e objetivo da sociedade e amenizando, com isso, o sofrimento de seus

membros.

Assim, sendo o universal absoluto tratado como algo histórico-natural, a liberdade pôde,

finalmente, ser vinculada à consciência moral que, de acordo com Hegel, antes já seria parte da

própria consciência natural.

O fato de a liberdade permanecer em grande medida ideologia; o fato de as pessoas serem impotentes diante do sistema e não conseguirem determinar suas vidas e a vida do todo a partir de sua razão; sim, o fato de não poderem mais nem mesmo pensar essa ideia sem sofrer adicionalmente, proscreve sua conjuração para a figura contrária: elas preferem sardonicamente o que é pior à aparência de algo melhor. As filosofias ligadas ao espírito do tempo trazem consigo as suas contribuições para essa situação. Elas sentem já em ressonância com a ordem alvorecente dos interesses mais poderosos, apesar de, como Hitler, portarem o peso solitário do destino. O fato de se comportarem como metafisicamente desabrigadas e como mantidas no nada provém de uma ideologia apologética da ordem que provoca o desespero e que ameaça os homens com a aniquilação física (ADORNO, 2009, p.83).

Nesse contexto, para Adorno, a liberdade somente seria possível mediante uma mudança

radical, através do abandono do idealismo em relação à forma de concepção da identidade entre o

sujeito e o objeto. A variabilidade seria essencial para a consciência nesse processo, pois ela seria

capaz de levar o indivíduo a um comportamento que vem do interior, que seria um modo de

comportamento livre, mas oriundo do processo dialético. “Ela não seria outra coisa senão a

experiência plena, não reduzida, no medium da reflexão conceitual”. (ADORNO, 2009, p.21).

O pensamento sem regulamentação possuiria uma afinidade com a dialética porque,

enquanto crítica ao sistema, remeteria a algo que estaria fora dele, onde a força que impulsiona o

movimento dialético seria justamente essa que iria contra o processo de sistematização. Dessa

forma, a reflexão se daria não sobre o concreto, mais sim, a partir dele. O cumprimento do dever,

que em Hegel subjuga totalmente o individual em prol do universal, em Adorno equivale ao

objetivo final de toda a dialética hegeliana, onde o esquematismo, aliado à ontologia do ser,

penetra até a camada mais profunda da consciência humana, com o propósito de torná-la cativa.

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Entretanto, a dialética negativa aponta para a existência de uma falha nesse sistema, que se

refere justamente àquele conceito que abrange o simplesmente não conceitual, ou seja, aquilo que

não se esgota no conceito. Para exemplificar, Adorno cita a música, que, assim como outros tipos

de arte, não seria absorvida já no primeiro instante, mas somente no seu decorrer compartilhado.

Por mais que a música seja ela mesma uma aparência enquanto totalidade, ela faria uma crítica à

aparência por meio dessa totalidade, como sendo a aparência do conteúdo presente em um

determinado tempo e momento. Nesse sentido, em consonância com Adorno, Jimenez faz o

seguinte comentário:

Paradoxalmente, a função social da arte reside então em sua ausência de função. É diferenciando-se de maneira imanente da realidade, que as obras de arte exprimem negativamente um estado outro daquele que é, dizendo o que este deveria ser em uma sociedade liberada da barbárie (JIMENEZ, 1977, p.138).

Para Adorno, a filosofia deveria abrir mão do consolo de acreditar que a verdade não é

passível de ser perdida. Uma filosofia que não pode sequer refletir acerca do não conceitual se

tornaria analítica e tautologia. Para ele, houve uma inversão do conceito de segurança, onde, o

que antes queria ultrapassar o dogmatismo por meio da certeza de si, teria se transformado em

um conhecimento engessado e inquestionável.

A tentativa da filosofia de não se desviar da negação, mas também de não se deixar abater

por ela, precisaria ser desenvolvida. Este é o ponto vital da dialética negativa, o desenvolvimento

de uma consciência acerca da insuficiência do conceito, ou, utilizando as palavras do próprio

Adorno, o desenvolvimento de uma consciência acerca daquilo que vai além-do-conceito. Daí a

sua afirmação de que a dialética precisaria ser caracterizada como um esforço elevado à

autoconsciência por se deixar tornar penetrável.

A crítica de Adorno não se dá contra a ciência, mas sim pelo fato de que, para a filosofia, a

expressão e o seu aperfeiçoamento lógico não deveriam ser possibilidades distintas. Ao contrário,

eles necessitariam um do outro, uma vez que a expressão seria liberada de sua contingência por

meio do pensamento, e esse, por sua vez, só se tornaria conclusivo enquanto algo expresso, ou

seja, somente por meio da apresentação. Nesse sentido, Gagnebin afirma que:

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Adorno não propõe um intuicionismo imediato nem um irracionalismo ingênuo para escapar da lógica identificadora. Propõe, sim, na boa tradição platônica, um demorar e um treinar na linguagem e na ratio, no logos, para enxergar a sua insuficiência e indicar, talvez, o que seria seu outro fundador (GAGNEBIN, 1997, p.120).

Assim, quando Adorno afirma que o que se torna problemático não é apenas a atividade,

mas o sentido da ciência, ele não está se referindo somente à sistematização em prol de alguma

ideologia, mas, mais do que isso, ele refere-se, principalmente, à insuficiência de tais processos

frente à complexidade e diversidade humana e, consequentemente, à necessidade filosófica de

desenvolvimento de uma consciência da possibilidade e de um olhar para aquilo que não se

esgota no conceito, para aquilo que, nas palavras de Adorno, vai “além do conceito”.

Referências Bibliográficas:

ADORNO, T.W. Dialética Negativa. (Trad: Marco Antônio Casanova) Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Editor, 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

___________. O mal-estar da pós-modernidade, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete Aulas sobre Linguagem, Memória e História. Rio de Janeiro: Imago,

1997.

JIMENES, Marc. Para Ler Adorno. Trad: Roberto Ventura. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.

LUFT, Eduardo. As sementes da dúvida. São Paulo: Editora Mandarim, 2001.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência, Trad. Maria D Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória, 6

ed., Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.

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A EXIGÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA EM GABRIEL MARCEL

Nadimir Silveira de Quadros

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Claudinei Aparecido de Freiras da Silva

RESUMO: Segundo Gabriel Marcel, a exigência de transcendência convoca o homem a um

aprofundamento na sua própria existência pessoal, proporcionando a ele decidir por não ficar

numa atitude meramente espectadora, descomprometida e, portanto, teórica. A oposição entre

sujeito e objeto deve ser transcendida, assim como a arte dramatúrgica torna-se o referencial

desse movimento de transcendência pelo qual o personagem se lança no mistério do outro. A

fidelidade aparece como uma abertura ao transcendente, pois o contrário, no caso da traição,

conduz ao afastamento do mistério objetivando, pois, o outro.

Palavras-chave: Gabriel Marcel; transcendência; fidelidade; presença; mistério

Ainda do início da Primeira Guerra Mundial, Marcel já exercia uma busca sincera e

persistente sobre um outro mundo; mundo este transcendente, visto que vivemos num

processo civilizatório objetivante e superficial. Tal mundo passa a ocupar o centro de atenção

do filósofo, posto como nova exigência ontológica. É em direção a essa perspectiva, por

exemplo, que Marcel sustenta na 3ª lição da primeira série da obra Mistério do Ser, a tese da

«exigência de transcendência», que, segundo suas próprias palavras, induzem o homem a um

aprofundamento na sua própria existência pessoal (MARCEL, 2002, p.45). Este homem que é

consciência projetiva, energética, tensitiva, originariamente intencional carece

fundamentalmente dessa busca de sentido para encontrar a sua plenitude, que constitui o

ponto mais importante de partida em direção ao outro. Escreve o filósofo:

Vamos agora perguntar-nos em que consiste precisamente a exigência da transcendência. Parece-me que primeiro devemos situá-la em relação com a vida tal e como é vivida e não mediante uma definição que a colocaria no éter rarefeito do pensamento puro. (MARCEL, 2002, p. 46)

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Esta experiência de transcendência é irredutível a qualquer outra, pois está no cotidiano

do homem, encontrando-se, ainda, na sociedade em que está imerso, numa condição humana

radicalmente conflitiva. Os valores humanos encontram-se esfacelados. O que a exigência de

transcendência pressupõe é que, para além de um mundo cindido, há o reconhecimento

ontológico do mistério, da presença, em sentido pleno. Escreve o filósofo:

Deveríamos nos perguntar se a totalidade não será a plenitude representada ou figurada, porém, também se não há na plenitude algo que não é figurável, que não pode dar lugar a uma projeção. Não será precisamente a partir da necessidade e plenitude que se explicitam as questões que nos ocupam nesta lição? Uma plenitude que se oponha ao vazio interno de um mundo funcionalizado, assim como a agonizante monotonia de uma sociedade na qual os seres se apresentam cada vez mais como simples espécies e cada vez menos discerníveis uns dos outros. (MARCEL, 2002, p. 232).

O homem não pode realizar a sua própria vida se decidir permanecer numa cômoda

atitude espectadora, descomprometida, apenas teórética. O homem é um ser participante.

Nesse ponto, o pensamento filosófico de Gabriel Marcel se elabora a partir de algumas

situações concretas bem como diante de determinadas descrições fenomenológicas, que

apresentam a presença do transcendente no coração da experiência vivida. Deve haver uma

experiência do transcendente como tal, como afirma, quando diz que, “transcendente” não

implica dizer o que transcende a experiência, senão, pelo contrário, que deve ser possível, deve-se

fazer uma experiência de transcendência enquanto tal” (MARCEL, 2002, p. 52).

O ponto de partida de uma filosofia autêntica, segundo o pensador francês, compreendida

como uma experiência transmutada em pensamento é o reconhecimento das afirmações

metafísicas em termos de experiência vivida, que adquirem a plenitude de seu significado. É

preciso chegar à convicção de que a exigência de transcendência não deve dar vazão à ideia de

superação de toda a experiência, pois além de toda experiência não há nada que se deixe ou se

queira pressentir. A exigência da transcendência se apresenta, se sente, antes de qualquer coisa,

como insatisfação:

A insatisfação implica a ausência de algo que, falando com propriedade, é exterior a mim, ainda que eu possa assimilá-lo e, portanto, fazê-lo meu. [...] Talvez precisamente porque o princípio não reside em mim, senão

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fora de mim; é como se outro chamado surgisse de mim mesmo, um chamado que se dirige para dentro. (MARCEL, 2002, p. 49)

O sujeito torna-se um experimento de seu próprio sentimento de vazio, de insatisfação. A

sua originalidade não está somente em interrogar sobre a natureza das coisas, mas em

perguntar pela sua própria essência e, nesse sentido, está além de todas as respostas em que

podem desembocar esta pergunta. O homem somente poderá descobrir seu verdadeiro ser no

comprometimento e na participação.

A dramaturgia de Gabriel Marcel expressa muito bem essa questão da transcendência do

sujeito sobre o objeto. Os personagens que aparecem nos dramas não são marionetes

construídas conforme um plano abstrato do teatrólogo ou diretor. Pelo contrário, eles são

como uma composição musical e vivem numa situação que, por sua vez, como inteiramente

implicados ou transcendidos. Isso significa que o grande ator não apenas representa, uma vez

que a sua prática estaria objetivando o personagem. O ator vive, respira, se movimenta

corporalmente, olha e toda a sua atuação é pelo outro, porque está completamente no ser-com.

Sua empresa é movida pela satisfação de se colocar como outro. Escreve o autor:

Notemos, em primeiro lugar, que a exigência da transcendência se apresenta, se sente, antes de qualquer coisa, como insatisfação. O contrário não parece ser certo; não parece que tenhamos direito a dizer que [mas, nem] toda insatisfação implica aspirar à transcendência. É conveniente, creio, ser aqui tão concreto quanto se puder, quer dizer, que dramatizemos, que imaginemos, o mais precisamente que sejamos capazes, algum tipo de situação em que eu possa ver-me implicado. (MARCEL, 2002, p. 47).

De certa forma, Marcel expressa a exigência de transcendência como uma arte que o ser

humano possui. A dramaturgia quando exercida em profundidade torna-se um referencial de

como o sujeito pode transcender toda objetivação. Justamente porque o personagem não

objetiva, mas vive o sujeito que atua, ele-próprio transcende toda objetivação do personagem

quando se joga no mistério do outro. Em um mundo em que a verdadeira vida está ausente de

sentido, em que, ainda, a falsidade e o egoísmo desterram a sociedade, Marcel mostra que

quem quiser se engajar ao mundo e quiser transcendê-lo precisa atuar com o outro.

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Podemos afirmar que para que o sujeito supere toda forma de objetivação são

necessárias a presença e a participação. Estas necessitam de fé, uma certeza que não pode ser

apenas movida pela razão, mas que se realize no mistério. No reconhecimento do outro se

transcende toda forma de objetivação.

Entre todos os temas que Marcel trabalha em sua obra, o tema da fidelidade é um dos

que aparecem em estado germinal, embora, no contexto da sua dramaturgia, se torne um dos

temas mais desenvolvidos. Quando o dramaturgo francês traz o tema da verdade, esta é graça e

fidelidade, que em último caso, implica o gesto de fidelidade ou de traição. Pela capacidade que o

homem tem de responder a uma delas é que se radica sua essencial liberdade. Uma escolha que

segundo Marcel, pode trair o momento presente:

Pelo fato de que toda fidelidade pode ser rechaçada ou desenraizada, a traição mesma parece mudar de natureza: é ela quem pretende ser a verdadeira fidelidade e trata, ao que nós designamos com este nome, de traição – traição ao instante presente, ao eu real experimentado em cada instante. (MARCEL, 2003, p. 103).

O que seria uma traição do momento? Para o autor, a resposta parece estar numa

autenticidade de vida:

Imaginemos alguém que decidiu professar em uma ordem, fazer-se monge. Porém nunca teve claras as condições sob as quais tomou tal decisão. Encontra-se em vésperas de pronunciar os votos definitivos, de maneira que, todavia, tem tempo de renunciar ao projeto. Seria, pois, indispensável que se perguntasse se sua vocação é autêntica, se sente, verdadeiramente, que foi chamado por Deus para servir-lhe. De fato, não se atreve a formular-se a pergunta diretamente, pois teme a resposta. Na realidade, tomou esta decisão por causa de decepções puramente terrenas, talvez porque uma mulher a quem amava o enganou ou porque suspendeu um exame difícil ou talvez porque crê vagamente que desta maneira obterá a consideração de uma família que o julga incapaz de chegar a nada. (MARCEL, 2002, p. 67)

A fidelidade nos conduz ao mistério. A fidelidade é criadora de uma ordem nova e

misteriosa, que rompe os limites das palavras e do conhecer. Agora, como falar de fidelidade

frente a um mundo desnaturalizado, alienado e prostituído, em que a traição é constante e que

se encontra vazio de significação? Escreve Marcel:

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Não basta dizer que vivemos em um mundo no qual a traição é possível em todo momento e sob todas as formas, traição de todos por todos e de cada um por si mesmo. Repito: esta traição aparece na própria estrutura de nosso mundo que nos encarece. Espetáculo da morte como convite perpétuo à negação. A essência de nosso mundo é talvez traição. (MARCEL, 2003, p. 90).

Significa que a fidelidade somente se desvele na presença do tu, ou seja, que acontece no

seio de uma metafísica da liberdade, da comunhão e da participação. O homem, nessa

perspectiva, poderá experienciar a fidelidade pelo transcender do devir, do trágico mundo do

ter, do problemático, indo além da morte, da ausência e do tempo. Desta aproximação pode -

se afirmar que, além disso, há o desafio da ausência, onde triunfa, em última etapa, a morte.

Nesse sentido, a fidelidade em seu sentido metafísico nos aparece como o único meio para

triunfar sobre o tempo, caso, é claro, ela seja, de fato, criadora. Marcel expressa tal ideia quando

diz que “Amar a um ser é dizer: tu não morrerás”, significando, sobretudo, que há no outro, que

amo, como ser, algo que permite franquear o abismo do que ele chama indistintamente de a morte

(MARCEL, 2002, p. 249). Para Marcel, a fidelidade encontra-se ameaçada, principalmente

quando se pode perceber que “no mundo, sob a opressiva influência da técnica, desaparecem as

relações intersubjetivas. Com isso, a morte deixa de ser um mistério para converter-se em um

fato brutal, como a destruição de qualquer aparato” (MARCEL, 2002, p. 319).

A fidelidade transcende o tempo, ou seja, a fidelidade é a atualização da presença no tempo,

não sendo apenas o fato de uma manifestação exterior e muito menos se define objetivamente,

mas se faz no sentir que estás comigo.

A invasão da técnica, da mecanização e da burocracia contribuem para a progressiva

depreciação do mundo do mistério. Escreve o filósofo:

Não é incrível que possam encontrar-se homens dispostos a tomar a iniciativa de começar uma guerra, quando, todavia não desapareceram as ruínas da anterior, e quando os acontecimentos demonstraram de forma tão peremptória que a guerra não compensa? [...] Tal erro em imaginar que o filósofo enquanto tal não tem que preocupar-se do curso dos acontecimentos, visto que seu papel consiste em legislar desde o intemporal e considerar os fatos contemporâneos com a indiferença desdenhosa com que o passante olha a agitação de um formigueiro. (MARCEL, 2002, p. 42-43).

Marcel alude a um novo realismo, transcendente às categorias meramente espaço-

temporais, em que se destacam as realidades transubjetivas, interpessoais e supra individuais, do

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amor, da convivência, liberdade, esperança, fraternidade, etc., que apontam para âmbitos

inobjetivos da vida humana.

Nessa perspectiva, somente a restituição do sentido do mistério além do mundo do objeto,

do problemático e do mensurável é que constitui a etapa prévia para uma possível recuperação

do sentido dessa ordem de realidades entitativas e profundas, enquanto que superam o campo

do verificável, sujeito às estreitas limitações espaçotemporais empíricas. Trata-se, em última

instância, de restaurar uma filosofia da liberdade frente às filosofias da necessidade e da

racionalidade científica. Avalia Marcel:

Poder-se-ia dizer simplesmente que este poder pressupõe uma estrutura determinada, por demais inacabada, essencialmente inacabada, já que se edifica sobre bases espaço-temporais. Esta estrutura desdobra amplamente a consciência direta que o sujeito possa ter dela apesar de que, como mais tarde veremos detalhadamente, não é nem pode ser monádica. (MARCEL, 2002, p. 70).

Marcel, frente à esperança que se apresenta nas possibilidades mundanas, descobre no

interior da temporalidade da existência humana a abertura constitutiva para a transcendência

como presença indefectível, ainda que inefável.

A análise fenomenológica do amor é que irá conduzir a uma “hiperfenomenologia”. O valor

transcendente da experiência do amor – assim como as experiências concretas da fidelidade e da

esperança – é fruto de um auto reconhecimento, em que o sujeito se faz consciente de sua

busca pelo infinito – exigência de transcendência – que implica sempre uma atitude de participação. A

presença do outro é uma chamada em que o eu tem necessidade de responder. Uma luz no horizonre

em que o eu dirige o olhar.

Referências Bibliográficas:

CARMONA, F. B. La filosofia de Gabriel Marcel. Madri: Encuentro. 1988.

MARCEL, G. Diário metafisico. Trad.Felix Del Hoyo. Madri: Guadarrama, 1964.

___________. Obras seletas de Gabriel Marcel (I): El mistério del ser. Madri: Biblioteca de Autores

Cristianos, 2002.

___________. Os homens contra o homem. Trad.Vieira de Almeida. Porto: Educação Nacional, 1953.

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___________. Prolegomenos para uma metafisica de la esperanza. Tradução de Ely Zanetti e Vicente P.

Quintero. Buenos Aires: Editorial Nova, 1954.

___________. Revolução da esperança. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.

___________. Ser y tener. Trad. Ana Mará Sánchez. Madri: Caparrós, 2003.

___________. Um homem de Deus. Trad. Eduardo de Castro. Petrópolis (RJ): Vozes, 1964.

SILVA, C. A. F. (Org.). Encarnação e transcendência: Gabriel Marcel, 40 anos depois. Cascavel (PR):

Edunioeste, 2013.

ZILLES, U. Gabriel Marcel e o existencialismo. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.

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O FIM DO MAIS LONGO ERRO:

NIETZSCHE E A FILOSOFIA DO MEIO DIA

Neomar Sandro Mignoni

UNIOESTE/CAPES

E-mail: [email protected]

Orientador: Prof. Dr. Wilson Antonio Frezzatti Junior

RESUMO: O presente estudo visa, frente as fases estabelecidas por Nietzsche em Como o ‘mundo

verdadeiro’ se tornou finalmente em fábula, investigar as sentenças finais do referido texto a fim de

explicitar alguns significados do meio-dia enquanto momento da mais curta sombra em que

chega ao fim o mais longo erro e a humanidade atinge seu apogeu. Por conta disso, pretende-se

reconstruir em linhas gerais as fases do texto enfatizando a ultima na qual o filósofo deixa à

mostra sua própria proposta filosófica frente à histórica dualidade de mundos. Tal perspectiva

pretende assim, encontrar fundamentos a partir dos quais toda a perspectiva ulterior do filósofo

se arquiteta e se desenvolve sob a figura de Zaratustra.

Palavras-chave: Nietzsche. Meio-dia. Mundo Verdadeiro.

“Meio-dia; momento da sombra mais breve; fim do longo erro; apogeu da humanidade;

incipit Zaratustra” (CI, IV), assim Nietzsche finaliza Como o ‘mundo verdadeiro’ se tornou finalmente em

fábula. Sentença essa que não apenas compreende o resultado da “história de um erro” como

também traz em seu bojo a perspectiva nietzschiana segundo a qual uma nova humanidade

deverá brotar a partir de uma filosofia autodenominada de transvaloração de todos os valores.

Compreendendo sua filosofia como um divisor de águas entre as “antigas e novas tábuas” o

referido texto aponta para a perspectiva da criação de novos valores. Nesse sentido, o que de fato

significa afirmar o Meio-dia enquanto momento da sombra mais curta em que chega ao fim o

mais longo erro e a humanidade atinge seu apogeu?

Como o ‘mundo verdadeiro’ se tornou fábula, é composto por seis fases que sintetizam aquilo a

que Nietzsche se refere como a “história de um erro”. Nele, ainda que essas etapas configurem-se

apenas como uma síntese do diagnóstico nietzschiano acerca da cultura ocidental, é possível

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obter informações essenciais no que diz respeito ao evento descrito pelas sentenças finais do

texto. É mediante tais informações que poderemos percorrer as noções nietzschianas em busca

de respostas aos problemas levantados. Além do mais, parece-nos prefigurar aqui uma

importante chave de leitura no que diz respeito à obra tardia do filósofo, sobretudo no tocante ao

seu audacioso e por que não ambicioso plano de uma transvaloração de todos os valores.

Na primeira fase, Nietzsche se refere ao pensamento de Platão. A existência de um mundo

verdadeiro, suprassensível é aqui postulada. Embora ela seja alcançável pelos sábios, ela ainda não

se tornou uma entidade meramente “ideal”, “platônica”. De acordo com Laura Laiseca (2001, p.

33) a afirmação “eu, Platão, sou a verdade”, não se encontra em nenhuma obra de Platão, antes

ela possui forte conotação evangélica, uma vez que alude diretamente à passagem do Evangelho

de João (14,6) quando Jesus refere-se como sendo o caminho, a verdade e a vida. No entender da

autora, tal ressonância não seria casual uma vez que situa Platão como ponte que conduz ao

cristianismo. No fundo o importante neste caso, não é a metafísica platônica em si mesma, mas

as intenções e os instintos pelos quais Platão é guiado. São elas que permitem um diagnóstico

adequado da filosofia platônica, não tanto acerca de seus postulados teóricos, mas antes das

consequências históricas imediatas desenvolvidas através do platonismo.

Na segunda fase, o mundo verdadeiro torna-se inalcançável por ora, porém é prometido ao

sábio, ao virtuoso, ao devoto, ao pecador que faz penitência. Começa aqui a ruptura entre o

mundo verdadeiro e o mundo aparente (devir). Com isso, este ultimo passa a ser desvalorizado. A

existência terrena passa a ser transitória, constitui-se de mera aparência de modo que passa-se a

prever a possibilidade de se alcançar, um dia, o mundo verdadeiro. À medida que a existência

humana acontece aqui, mas que tende para o além, o mundo verdadeiro torna-se então objeto de

promessa e de fé. Ele torna-se mais cativante, mais impalpável, torna-se um platonismo para o

povo, torna-se cristianismo (cf. VOLPI, 1999, p. 57).

O pensamento de Kant corresponde à terceira fase da história do niilismo-platonismo. Na

historia da filosofia Kant representa, aos olhos de Nietzsche, uma nova fase da crença no mundo

verdadeiro. Isso porque ele “busca restaurar novamente a crença em Deus pensado como o bem

supremo, combinado com uma justificação do sentido da vida através da ideia de uma ordem

moral do mundo” (LAISECA, 2001, p. 39). Nesse sentido o mundo verdadeiro, passa a ser

excluído do âmbito da experiência tornando-se indemonstrável nos limites da pura razão teórica.

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Contudo, é recuperado como postulado da razão prática impondo-se como imperativo ainda que

reduzido à uma pálida e “desbotada” hipótese (cf. VOLPI, 1999, p. 58).

No capítulo seguinte da história do niilismo-platonismo, Nietzsche refere-se à fase do

ceticismo e da incredulidade posterior a Kant e ao Idealismo. Esta também pode se denominada

segundo Volpi (1999, p. 58) como a fase do positivismo incipiente uma vez que “em decorrência

da destruição kantiana das certezas metafísicas desaparece a crença no mundo ideal e em sua

cognoscibilidade. Mas isso não significa que o niilismo-platonismo tenha sido já superado”. À

medida que o mundo verdadeiro torna-se incognoscível acerca do qual nada podemos saber,

torna-se a rigor impossível defendê-lo ou negá-lo. Por conta disso a importância moral-religiosa

que possuía enquanto postulado da razão prática se esvai.

Mediante esta perspectiva, nos dois últimos capítulos de sua síntese Nietzsche começa a

explicitar sua própria perspectiva filosófica. A partir do momento em que o mundo verdadeiro

perde seu valor ele começa a ser abolido ele torna-se inútil, supérfluo. Por isso é natural que

Nietzsche se refira a ele entre aspas, ou seja, ele deve ser suprimido posto entre aspas. É o

começo da fase do pensamento matinal, onde Nietzsche pensa aqui na própria obra de demolição

que com A Gaia Ciência alcançou seus primeiros resultados123. Ainda longe do meio dia a abolição

do mundo verdadeiro no entender de Franco Volpi, abre espaço para dois problemas: “que é do

lugar onde estava o ideal, que, abolido este ultimo, fica vazio agora? E que sentido tem o mundo

sensível depois de abolido o mundo ideal?” (VOLPI, 1999, p. 59). A resposta encontra-se na fase

seguinte dessa demolição em curso.

Em virtude disso a última fase da síntese do texto Como o ‘verdadeiro mundo’ acabou por se

tornar uma fábula inclui também a abolição do mundo aparente. Deste modo, Nietzsche não só

liberta o devir de seu caráter de aparência como também evita recair numa mera inversão do

platonismo. No fragmento póstumo 11[99] Novembro de 1887 – Março de 1888, Nietzsche cita

três momentos os quais parecem justificar essa tese: em primeiro lugar ocorre a tomada de

consciência de que o mundo não pode mais ser interpretado mediante as categorias da razão, fato

que efetiva o colapso dos valores cosmológicos; daqueles valores com os quais se incutia ao

mundo um valor. O mundo torna-se então desprovido de valor uma vez que o mundo verdadeiro

já não existe mais. Isso permite um segundo momento, momento este em que se investiga a

123 Cabe lembrar aqui que a morte de Deus, o evento que marca o colapso definitivo do mundo verdadeiro é anunciada pela primeira vez no aforismo 125 de A Gaia Ciência.

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origem dessa crença. Dado que a origem da crença reside em nós, se ela se configura apenas

como uma aparência de perspectiva, diga-se fruto de uma mera necessidade humana, então ela

pode ser rescindida.

Com isso o mundo é libertado daquela avaliação efetuada via categorias racionais e,

portanto torna-se também liberto do ideal, da concepção de mundo verdadeiro. Isso faz com que

o terceiro momento venha à tona. Ou seja, quando as categorias são desvalorizadas torna-se

demonstrado sua inaplicabilidade ao todo de modo que já não constituem mais nenhum

fundamento para que o todo seja desvalorizado. Retomando as palavras do próprio filósofo:

“Abolimos o mundo verdadeiro: que restou? O aparente, talvez?... Não! Com o mundo verdadeiro

abolimos também o mundo aparente!” (CI, Como o “mundo verdadeiro” se tornou finalmente fábula).

Aqui se concretiza o fim do mais longo erro; aqui a humanidade atinge seu ponto mais alto; aqui

começa Zaratustra e aqui se dá o Meio-Dia como o instante da mais curta sombra.

A realidade do devir, o mundo agora liberto do jugo da aparência, constitui um livre jogo

de forças sendo pura e simplesmente vontade de potência. E enquanto vontade de potência

constitui o efetivar-se da força sem nenhuma causalidade. Seu efetivar-se emerge de seu constante

‘querer-vir-a-ser-mais-forte’. Tal configuração decorre de seu constante e inevitável conflito com

outras forças que lhe oferecem resistência na busca por mais potência. Tal conflito é sempre de

caráter agonístico advinda da pluralidade dos beligerantes. É mediante este efetivar-se enquanto

impulso de toda força que novas configurações são criadas. Desse modo, nenhum nomós pode ser

admitido à vontade de potência uma vez que seria absurdo que as forças fossem coagidas a

seguirem sempre um mesmo padrão no relacionamento entre si. Da mesma maneira seria

absurdo exigir dela um telos, uma vez que ao superar a si mesma não poderia ter em vista

nenhuma configuração específica das forças (cf. MARTON, 2000, p. 70).

Assim, o mundo revela-se como um pleno devir em que a cada mudança outra se segue de

modo que o mundo não teve um início e não terá fim. Diz o filósofo: “O mundo subsiste; não é

nada que vem a ser, nada que perece. Ou antes: vem a ser, perece, mas nunca começou a vir a ser

e nunca cessou de perecer, - conserva-se em ambos... Vive de si próprio: seus excrementos são

seu alimento” (14 [188] da primavera de 1888)124. Não houve um momento inicial porque não se

pode atribuir nenhuma intencionalidade à vontade de potência, da mesma forma que não haverá

124 Sobre isso vale conferir também os fragmentos póstumos 36[15] de Junho – Julho de 1885, 10 [138] do Outono de 1887 e 10 [72] do mesmo período.

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nenhum instante final uma vez que ao mundo não se deve conferir nenhum caráter teleológico.

“Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de

potência – e nada além disso!” (38 [12] de Junho – Julho 1885). É assim que o filósofo estabelece

um de seus maiores pontos de ruptura com a tradição filosófica, pois como bem ressalta Scarlett

Marton, ao conceber o mundo e o homem enquanto pluralidade de forças, pura e simplesmente

vontade de potência, Nietzsche encontra-se “mais próximo da arché dos pré-socráticos que da

entelechéia de Aristóteles” (MARTON, 2000, p. 72).

É nesse contexto que nos deparamos com o evento maior do Meio-dia enquanto o ápice da

humanidade. Ora, se tanto o mundo quanto o homem constituem nada mais nada menos que

pura e simplesmente vontade de potência, e que devido às suas configurações inexiste qualquer

tipo de causalidade e fatos, tudo o que há não passa de mera interpretação. Assim, é somente

enquanto interpretante que se pode estar e vir a ser no mundo. A vontade de potência ao exercer-

se, constitui ao mesmo tempo o intérprete, o interpretante e a interpretação, razão pela qual se

torna absurda toda e qualquer tentativa de dualidade, dada a inexistência de um mundo

verdadeiro ou aparente. Tudo o que existe são interpretações, perspectivas provisórias destinadas

a afirmar e dominar o vir-a-ser. Desse modo, ao compreender que a progressão da ideia tornada

Verdade não passa de mera interpretação cujo valor encontra-se na obstrução e negação da vida,

sua total abolição permite novas interpretações cujos valores pautam-se pela afirmação da vida

enquanto livre jogo de forças.

Nesse sentido, o ápice da humanidade, o meio-dia enquanto momento da mais curta

sombra passa a ser aquela reconciliação do homem com a natureza, uma vez que marca o retorno

do homem à terra, em que novamente pode vivenciar o mundo enquanto vir-a-ser. Se o ideal

tornado verdade, o engendramento de um outro mundo é interpretado como negação e

distanciamento deste mundo, a filosofia do Meio-dia constitui aqui uma filosofia do vir-a-ser

enquanto livre jogo de forças. Ela não apenas encerra o resgate daquilo que fora considerado

como mera aparência, como sombra, que desde Platão fora alijadas do conhecimento, como

também se projeta para além delas superando toda e qualquer dicotomia.

Nesse sentido, é interessante notar que quando Nietzsche escreve o Andarilho e sua Sombra

(1879) ele ainda considera a sombra tão necessária tanto quanto a luz. Não é a toa que o

andarilho afirma que elas se dão amavelmente, não são rivais até porque quando a luz se vai a

sombra vai com ela. Razão pela qual pode o andarilho alegrar-se não somente por ouvir, mas

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também por vê-la: “Perceberás que eu amo a sombra assim como a luz. Para que haja beleza no

rosto, nitidez na fala, bondade e firmeza no caráter, a sombra é tão necessária quanto a luz”

(HHII, O andarilho e sua sombra, Introdução). Sombra e luz constituem assim os símbolos

significativos da filosofia da manhã. Reconhecer a sombra no mesmo grau de importância da luz

significa resgatar as sombras, a aparência negada por Platão, e trazê-la para junto da luz, do

verdadeiro conhecimento platônico, com a mesma importância. É igualar a dualidade no intuito

de superá-la no momento seguinte.

Se no segundo período de sua obra, período este em que Nietzsche opera de modo mais

significativo sua tarefa demolidora, ocorre o resgate das sombras com vistas à superação da

dicotomia de mundos, o evento do meio-dia constitui a abolição total do mundo verdadeiro e

com isso a superação ultima da dualidade, razão pela qual a ultima fase de “Como o ‘mundo

verdadeiro’ se tornou finalmente fábula” constitui o instante da mais curta sombra. Desse modo, a

abolição do mundo verdadeiro juntamente com o mundo aparente, não só elimina

definitivamente toda e qualquer dicotomia como também, ao estabelecer o fim do mais longo

erro no instante da mais curta sombra, liberta o caráter do devir de toda e qualquer tentativa de

valoração metafísica. Razão pela qual a humanidade atinge assim o seu ápice, uma vez que

reconciliada com a natureza pode outra vez experimentar o mundo enquanto vir-a-ser.

Ou se preferirmos, ao reconciliar o homem com a natureza superando-se as dualidades é

sempre e outra vez Meio-dia. “O sol do conhecimento volta a estar em seu zênite” diz o filósofo,

“e em sua luz, enroscada, encontra-se a serpente da eternidade - - é vosso tempo, irmãos do

meio-dia” (11[196] da Primavera – Outono de 1881). Instaurado o evento do Meio-dia enquanto

o marco do fim do mais longo erro, o filósofo pode agora inserir sua própria perspectiva

filosófica com vistas à “transvaloração mesma dos valores existentes, a grande guerra – a

conjuração do dia da decisão” (EH,Além do Bem e do Mal, §1). Se com a filosofia da manhã o

filósofo demoliu fundamentos, declarou colapsado o mundo verdadeiro, a partir do evento do

Meio-dia o filósofo empenha-se em levar a cabo sua própria perspectiva criadora. É a partir dela

que pode agora entrar em cena o Incipit Zaratustra.

Referências Bibliográficas:

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NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe. G. Colli e M. Montinari

(Hg.). Berlin: Walter de Gruyter, 1999. 15 Bn.

___________. Fragmentos Postumos. Vol IV. (1885 – 1889). 2ª Ed. Edición española dirigida por

Diego Sanchez Meca. Tradución, introdución y notas de Juan Luis Vermal y Juan B. Llinares.

(SEDEN). Editorial Tecnos, Madrid, 2008.

___________. Correspondencia. Vol IV – Enero de 1880 – Deciembre de 1884. Edición dirigida

por Luis Enrique Santiago Guervós. Introdución, notas y apêndices de Marco Parmeggiani,

Editorial Trota, 2010.

___________. Crepúsculo dos Ídolos, ou Como se filosofa com o martelo. Trad. Paulo César de Souza. São

Paulo: Companhia das Letras: 2006.

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Companhia das Letras: 2007.

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Rubens Rodrigues Torres Filho. Pósfácio de Antônio Cândido. São Paulo: Editora Nova

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ARALDI, Clademir Luís. Niilismo, Criação, Aniquilamento: Nietzsche e a filosofia dos extremos. São

Paulo: Discurso Editorial; Ijuí, RS: Editora UNIJUÍ, 2004. (Sendas e Veredas).

LAISECA, Laura. El nihilismo europeo: el nihilismo de la moral y la tragedia anticristiana en Nietzsche.

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MARTON, Scarlett. Nietzsche: a transvaloração dos valores. São Paulo: moderna, 1993. (coleção

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Editorial e Editora UNIJUÍ, 2001. (Sendas e Veredas)

VOLPI, Franco. O niilismo. Trad. Aldo Vanucchi. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

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O CONCEITO DE HOMEM EM ERICH FROMM

Rafael Adilson Ribeiro

Universidade Estadual de Maringá - UEM

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Wagner Félix

Resumo: Erich Fromm buscar dar ao seu conceito de homem raízes históricas e naturalistas,

muito influenciadas pela visão marxista de homem. Fromm parte da ideia de que a evolução

distanciou o homem das determinações naturais, trazendo a ele elementos e propriedades que

constituíram sua razão e lhe colocou em uma nova condição na natureza, a qual lhe trouxe maior

liberdade e, não obstante, novas necessidades de caráter psíquico, que exigem a atividade do

homem para satisfazê-las. Os modos pelos quais os homens buscam satisfazê-las podem ser

progressivos ou regressivos, e dependem fortemente de sua organização política e social.

Palavras-chave: Homem. Existência. Liberdade. Necessidades.

Neste texto procuramos apresentar o conceito frommiano de homem tal como Erich

Fromm o expõe, principalmente, em suas obras Análise do Homem e o Medo à Liberdade.

Para Fromm a compreensão da natureza humana decorre basicamente da análise da

situação humana de existência, que se mostra como uma situação intrinsecamente dicotômica.

Segundo nosso autor, há um momento da história humana em que houve uma separação

primordial de vivência com a natureza, quando se romperam seus vínculos imediatos com a

mesma e o homem deixou de ser um animal puramente instintivo; ele se tornou um animal

racional e ambíguo, que ganhou individuação e liberdade, ao mesmo tempo, em que perdeu a

segurança e a harmonia do pertencimento unitário à natureza.

A história social do homem começou com seu aparecimento saindo de um estado de unicidade com o mundo natural para um outro de percepção de si mesmo como uma entidade separada da natureza que o rodeava e dos outros homens. (FROMM, 1974, p. 29.)

Desde então, a história é construída pelos homens que já sempre se encontram nessa

condição de ambiguidade e dicotomia, portanto, inerente à sua existência. De um lado, o homem

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se encontra livre para agir, do outro está sempre determinado pelas maneiras que construiu para

superar as adversidades.

No processo de ganhar individuação e liberdade, quer dizer, ao emergir e romper seu

vínculo primário de união original com a natureza e com os outros homens, o ser humano

adquiriu as seguintes qualidades que o diferenciam do animal: diminuiu a regulamentação

instintiva do processo de adaptação ao mundo que o rodeia, aumentou o tamanho do seu cérebro

e desenvolveu sua capacidade de aprendizagem, de memória, de pré-visualizar o futuro

construindo objetos e ferramentas, e de usar a linguagem. Essas características que o homem

adquiriu formam a sua razão e expressam a origem da virtude do comportamento propriamente

humano. Assim, segundo Fromm:

O homem é o mais inerme dos animais, mas essa mesma debilidade biológica é a base de sua força, a causa primordial do desenvolvimento de suas qualidades especificamente humanas. Consciência de si mesmo, razão e imaginação romperam a “harmonia” que caracteriza a existência animal. (FROMM, 1983, p. 43).

Portanto, o aparecimento do homem pode ser definido como tendo ocorrido no ponto do

processo de evolução em que a adaptação instintiva atingiu um mínimo e foi sendo substituída

por processos nervosos mais complexos. E segundo Fromm é a partir desse momento que surge

a condição humana de existência que de fato caracteriza sua natureza objetivamente. Por um

lado, o homem faz parte da natureza e tem uma dimensão biológica, por outro transcende, tem

uma dimensão racional.

Como dito, o homem sempre está numa condição dicotômica; isto o insere num processo

dialético que oscila entre os pólos que Fromm denomina como “liberdade de” e “liberdade para”.

A primeira é definida de modo negativo e se refere a liberdade da determinação instintiva de suas

ações, e a segunda se refere a possibilidade do homem agir por si próprio, de maneira emancipada

por meio de sua individualidade e das propriedades humanas que desenvolveu, entretanto, isso

não ocorre facilmente e, na verdade, segundo Fromm, os homens muitas vezes possuem medo à

essa liberdade e, por isso, buscam formas de escapar dela. Analisaremos esse ponto com mais

demora um pouco adiante.

Observa-se que, para Fromm, o conceito de homem, eixo central de seu pensamento, não é

definido como substância metafísica a priori, mas também não é algo puramente derivado do

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contexto sócio-econômico. De forma que o homem não é exaurido da sua historicidade, como

uma universalidade abstrata, nem subjugado a determinações culturais inflexíveis. Não há

qualquer determinação que defina o homem antes que ele venha a existir. A própria existência é o

dado primordial. É a partir deste fato, expresso na conduta e na vida humana, que se constitui sua

natureza e seu caráter ético. Deve-se entendê-lo tão só a partir de um significado existencial que

deriva, filosoficamente, do surgimento histórico do “homo sapiens”. Em suma, o conhecimento

da psique e da natureza humana deve basear-se na análise filosófico-existencial das necessidades

básicas do homem, resultantes das singularidades e contradições da situação humana. Para

Fromm:

A dificuldade em encontrar uma definição satisfatória para a natureza do homem reside no seguinte dilema: se se admitir certa substância como constituindo a essência do homem, ficar-se-á forçosamente numa posição não-evolutiva, não-histórica, que implica não ter havido mudança básica no homem desde os primórdios de seu aparecimento.[...] Pelo contrário, se se aceitar um conceito evolutivo e assim acreditar-se que o homem está constantemente mudando, o que resta para conteúdo de uma suposta “natureza” ou “essência” do homem? Esse dilema também não é solucionado por “definições” do homem como a de ser ele um animal político (Aristóteles), um animal capaz de prometer (Nietzsche), ou um animal que produz com previsão e imaginação (Marx); essas definições exprimem qualidades essenciais do homem, porém não se referem à essência do homem. Acredito que o dilema pode ser solucionado como uma contradição inerente à existência humana. (FROMM,, 1981, p. 128).

A seguinte passagem também nos ajuda a iluminar esse momento:

A natureza humana nunca pode ser observada como tal, mas somente através de suas manifestações específicas em situações específicas. Ela é uma formulação teórica que pode ser inferida por meio do estudo empírico do comportamento humano. A esse respeito a ciência do homem ao criar um “modelo de natureza humana” em nada difere de outras ciências que trabalham com concepções de entidades baseadas em, ou controladas por, inferências de dados observados e que não podem ser, elas mesmas, observadas diretamente. (FROMM, 1983, p. 30).

Por ciência do homem, Fromm entende os estudos éticos, psicológicos e políticos

realizados por pensadores do passado como Aristóteles e Espinosa, enriquecidos com novos

dados da fisiologia, antropologia e psicologia entre outras disciplinas, enquanto todas elas

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estudam as manifestações da natureza humana e, com isso, colaboram para elaborar proposições

válidas acerca das leis que governam o comportamento humano.

Assim, Fromm entende que jamais compreenderemos o homem se tentarmos reduzir todas

as suas paixões e esforços a impulsos instintivos e biológicos.125 Nem nos aproximaremos mais

dele se o olharmos meramente como produto da sociedade. O conhecimento a respeito do

homem deve partir de uma compreensão de sua condição existencial; das desarmonias da sua

existência que despertam nele paixões e anseios caracteristicamente humanos, que transcendem

suas origens animais. De acordo com o comentador John H. Schaar, a argumentação frommiana,

em geral, tem vistas a sustentar a ideia de que:

a condição existencial impõe necessidades que devem ser satisfeitas para que o indivíduo permaneça sadio e se desenvolva. Qualquer disposição social que deixe de satisfazer a essas necessidades mutila o homem”. (SCHAAR, 1965, p.48).

Vimos que as dicotomias existenciais constituem a condição humana básica, isso implica

segundo Fromm, fazendo uma analogia com o nascimento do indivíduo, no fato de que:

jamais nos livramos de duas tendências em conflito: uma, a de emergir do ventre, de uma forma animal de existência para outra mais humana, do confinamento para a liberdade; outra, de volta ao ventre, à natureza, à certeza e à segurança. (FROMM, 1963, p.40).

Assim, esse conflito é o que estabelece o mecanismo fundamental do comportamento

humano. As próprias palavras de Fromm expressam melhor esse ponto:

A necessidade de encontrar soluções sempre renovadas para as contradições de sua existência, de encontrar formas cada vez mais elevadas de unidade com a natureza, com seus próximos e consigo mesmo, é a fonte de todas as forças psíquicas motivadoras do homem, de todas as suas paixões, seus afetos e suas ansiedades. (FROMM, 1963, p. 38).

125 Esta é, resumidamente, a visão freudiana de homem, que dá ênfase ao aspecto biológico na formação do caráter; da qual Fromm divergiu para uma orientação que ele chamou de sócio-biológica, mas, que ficou conhecida como pertencente à escola neo-freudiana culturalista. Na seção intitulada “a função do caráter social” abordaremos essa questão com mais demora. Ainda a respeito dessa divergência, conferir: Fromm, E. A Descoberta do Inconsciente Social: Contribuição ao Redirecionamento da Psicanálise. Trad. Lúcia H. S. Barbosa. Manole. São Paulo. 1992. P. 17ss. E ainda, algumas razões pessoais por ter divergido se encontram na entrevista de 1979 a Gérard D. Khoury, disponível na internet. E também na entrevista a Richard I. Evans que se encontra no livro: Dialógo com Erich Fromm. Trad. Octavio A. Velho. Zahar. Rio de Janeiro. 1967. Cap. 3.

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Portanto, é a necessidade constante de superar essas dicotomias que influenciam as

atividades dos homens, levando-os a desenvolver as condições sócio-econômicas e ideológicas

que podem tornar isso, de algum modo, possível. Inclusive, porque o ganho de liberdade que a

situação humana adquiriu produz, do ponto de vista psicológico, os sentimentos de solidão e

isolamento dos quais o homem procura se proteger.

Posto isto, Fromm afirma que os homens possuem, basicamente, dois modos de superar

esse conflito inerente à sua existência: um modo regressivo e outro progressivo.

O primeiro, o qual ele caracteriza, também, como mecanismo de fuga são aqueles modos

em que o homem deseja regredir para a unidade com a natureza, ao estado de pré-individuação;

buscando, por exemplo, se aderir e se submeter a autoridades religiosas ou políticas para, com

isso, se livrar justamente daquilo que o tornou humano, isto é, sua razão e consciência de si. O

segundo modo é progressivo e consiste em utilizar e desenvolver aquelas propriedades

especificamente humanas, tal como Fromm e a tradição ética humanista em que ele se apoia

afirmam ser a virtude humana, quer dizer, um modo de relacionamento com o mundo no qual o

homem utiliza as potencialidades de sua razão para, então, lidar com sua situação existencial.

Resumindo, para Fromm, o homem é naturalmente impulsionado a superar e anular sua

inalterável dicotomia existencial sendo esta, portanto, a origem mais fundamental de suas

necessidades e motivações.

Uma primeira e importante necessidade do ponto do comportamento social, por exemplo,

corresponde à necessidade de um sistema de orientação e devoção. Este permite ao homem

formar um quadro geral do mundo, pelo qual ele possa dar sentido àquilo que o cerca e se

orientar. Outra necessidade corresponde à de identidade, e consiste no desenvolvimento da

individualidade do indivíduo de modo tal que ele se conheça como sujeito e autor de suas ações.

Há ainda mais três, a de enraizamento, de transcendência e a de relacionamento que juntas com

as duas anteriores representam, na visão de Fromm, as principais necessidades humanas de

aspecto psicológico e comportamental. De todo modo, essas necessidades pressupõem a

condição humana descrita acima e correspondem às diferentes tentativas de resolvê-las. Sendo

que a impossibilidade de satisfazer essas necessidades gera os modos regressivos de

desenvolvimento tanto em nível individual quanto social.

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Com isso, Fromm elabora uma visão normativa, um conceito de homem e de natureza

humana, a partir do qual lhe torna possível elaborar uma crítica às ordens sociais. Haja vista a

necessária interação entre sociedade e natureza humana. Assim, nas palavras de Fromm:

A natureza humana não é nem uma soma biologicamente fixada e inata de impulsos, nem tampouco uma sombra inanimada de padrões culturais a que ela se adapte suavemente; ela é o produto da evolução humana, porém também certos mecanismos e leis que lhe são inerentes. Há alguns fatores da natureza humana que são fixos e imutáveis: a necessidade de satisfazer impulsos fisiologicamente condicionados e a de evitar o isolamento e a solidão moral126. (FROMM, 1974, p. 27).

Sendo assim, o conceito de homem que emerge da obra de Fromm parte da ideia de que a

evolução trouxe ao homem elementos e propriedades que constituíram sua razão e lhe colocou

em uma nova condição na natureza, a qual lhe trouxe maior liberdade e, não obstante, novas

necessidades; que por sua vez são determinantes para o dinamismo e modos de relacionamento

do homem com o mundo e a sociedade.

Referências Bibliográficas:

FROMM, E. O Medo À Liberdade. Trad. Octávio Alves Velho. Rio de Janeiro. Zahar. 1974.

___________. Análise Do Homem. Trad. Octávio Alves Velho. Rio de Janeiro. Zahar. 1983.

___________. O Coração do Homem. Seu Gênio para o Bem e para o Mal. Trad. Octávio Alves Velho.

Rio de Janeiro. Zahar. 1981.

___________. Psicanálise da sociedade contemporânea. Trad. L. A. Bahia e Giasone Rebuá. Rio de Janeiro.

Zahar, 1963.

SCHAAR, John H. O Mundo de Erich Fromm. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro. Zahar. 1965.

126 No mesmo livro, na página 26, Fromm explica o que entende por solidão moral: “A falta de relacionamento com valores, símbolos e padrões pode ser chamada de solidão moral; ela é tão intolerável quanto a solidão física, ou melhor, a solidão física somente se torna intolerável quando implica também solidão moral. O relacionamento com o mundo pode assumir muitas formas; o monge que em sua cela crê em Deus, e o prisioneiro político, que em sua reclusão solitária se sente unido aos correligionários, não estão moralmente sós. [...] O relacionamento com o mundo pode ser nobre ou fútil, mas mesmo estar relacionado com o mais abjeto tipo de padrão é imensamente preferível a estar sozinho. A religião e o nacionalismo, assim como qualquer costume e qualquer crença por mais absurdos e degradantes que sejam, desde que liguem o indivíduo a outros, são refúgios contra aquilo que o homem mais teme: o isolamento. (17-18).

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O HOMEM DEMOCRÁTICO E O RISCO DO DESPOTISMO DEMOCRÁTICO

SEGUNDO ALEXIS DE TOCQUEVILLE

Prof. Ms. Ricardo Corrêa

Instituto Federal Farroupilha

[email protected]

RESUMO: O estado social democrático, segundo o pensamento tocquevilliano, favorece o

aparecimento de um novo tipo de homem, o homem democrático. Mesmo que a palavra democracia,

para nós ocidentais, designe bons sentimentos e valores, pois relacionamos outros dois termos

muito caros à nossa cultura: liberdade e igualdade, para o pensador francês, este estado social

pode trazer consigo alguns malefícios, como a apatia social e, consequentemente, o despotismo

democrático.

Palavras-chave: Alexis de Tocqueville; estado social democrático; despotismo democrático

Esta comunicação discute: 1) o que Tocqueville entende por estado social democrático (em

oposição ao estado social aristocrático – já adianto que trato desta questão em Tocqueville como

construções típicas weberianas e não como descrição da realidade); 2) que tipo de homem pode

surgir deste estado social (o homem democrático – mais um tipo ideal) e; 3) por que este homem

democrático, apático socialmente, sem interesse pela coisa pública, pode favorecer o

aparecimento de um governo despótico127.

Se Tocqueville afirma-se como uma referência para pensar a democracia, por outro lado,

esse termo, em suas obras, apresenta várias significações. Comentadores, como José Guilherme

Merquior, Raymond Aron e Marcelo Gantus Jasmin, mesmo reconhecendo a polissemia que o

termo democracia apresenta nas obras de Tocqueville, reconhecem que prevaleceu em seu

sistema conceitual a conotação associada a uma maneira de ser da sociedade. Em uma célebre

127Um governo despótico, para Tocqueville, contém algumas particularidades, entre elas, e talvez a principal, a de não retirar da vida dos indivíduos o conforto da vida privada. Para que um governo despótico alcance êxito, este deve deixar apenas algumas liberdades como, por exemplo, a liberdade de consumo para seus “cidadãos”.

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passagem, Raymond Aron (1986, p. 209) sintetiza muito bem o entendimento de Tocqueville

sobre a democracia:

A seus olhos, a democracia consiste na igualização das condições. Democrática é uma sociedade onde não existem distinções de ordens e de classes; em que todos os indivíduos que compõem a coletividade são socialmente iguais, o que não significa que sejam intelectualmente iguais, o que é absurdo, ou economicamente iguais, o que, para Tocqueville, é impossível.

Ao interpretar a crescente igualização de condições dos povos ocidentais, Tocqueville

apresenta-a como um processo universal, consistindo num movimento quase irrefreável: os

homens entram na era da igualdade. E mais, essa igualdade se torna o fato decisivo, é ela

responsável por toda sorte de mudanças na sociedade, desde a opinião pública e os hábitos, às

leis e aos governos.

E foi justamente esse novo estado social que destruiu tudo o que representava o Antigo

Regime, as instituições aristocráticas. Desde o primeiro volume da Democracia até o Antigo Regime,

Tocqueville permanece com essa idéia.

É claro, como comenta Barbu (1982, p.17), que, mesmo Tocqueville “tratando” a

democracia como um fait total128, ela se manifesta de várias formas, dependendo do contexto

histórico. Assim, o movimento democrático na Inglaterra guarda diferenças com o movimento

democrático na França e nos Estados Unidos, por exemplo. “Enquanto a democracia inglesa é a

democracia da liberdade, a francesa é a democracia da igualdade”, comenta Barbu (idem, p. 18).

Nesse aspecto, é a ação humana, a “ação” de cada povo, com seus costumes, hábitos e

crenças, que irá determinar o rumo da democracia. Tocqueville, em muitas passagens, expressa-se

tragicamente, dando a entender um destino inexorável para o mundo ocidental. Mas isso é apenas

em aparência. Uma análise mais aprofundada da obra do pensador francês reconhecerá a intenção

deste de alterar os rumos da democracia; para melhor. Tocqueville está, em todos seus escritos,

preocupado com a liberdade no mundo moderno. Assim, é preciso ultrapassar essas contradições

superficiais para compreender sua obra. O próprio Tocqueville, no livro II da Democracia,

reconhece e adverte para o seu tom trágico (1987, p.319).

128 Fato total ou Fenômeno total é a expressão cunhada por Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, sobrinho de Émile Durkheim. São fenômenos complexos que abrangem vários níveis da realidade. Ver, sobre isso, Marcel Mauss, 1974, p. 41.

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Por isso, é preciso reconhecer e distinguir os hábitos democráticos dos hábitos de cada

povo. Por exemplo, a religião puritana é um hábito do povo norte-americano, não é, por sua vez,

um hábito democrático. Já o hábito de não reconhecer nenhuma autoridade intelectual é um

hábito democrático.

Por sua vez, a igualdade social de condições, característica imprescindível da democracia, ao

contrário do estado social aristocrático, desenvolve em cada homem o desejo de julgar tudo por

si mesmo (1987, p. 345). A igualdade faz surgir, no espírito humano, “[...] muitas idéias que não

lhe teriam vindo sem ela, e modifica quase todas as que já possuía” (1987, p. 340).

O homem democrático, então, para Tocqueville, é um homem que não reconhece mais

nenhuma autoridade no mundo terreno. A igualdade faz, cada vez mais, os homens tornarem-se

parecidos. “A primeira e mais viva das paixões que a igualdade de condições faz nascer é, não é

preciso que o diga, o amor a essa mesma igualdade” (1987, p. 383)129.

por repudiar as antigas tradições, principalmente as de classe, é que Tocqueville caracteriza

a sociedade democrática, ao contrário da sociedade aristocrática, como uma sociedade que se

“move” de maneira rápida. Nada mais prende o homem democrático. Tudo pode estar ao seu

alcance. “A igualdade desenvolve em cada homem o desejo de julgar tudo por si mesmo; dá-lhe,

em todas as coisas, o gosto pelo tangível e pelo real, o desdém pelas tradições e pelas formas”

(Tocqueville, 1987, p. 345). O homem volta-se para si mesmo, para si próprio, não estima a

erudição, não lhe interessa o passado, o que se passava em Roma ou Atenas, só o que exige é o

quadro do presente (1987, p. 372).

E essas ameaças que a igualdade, o princípio unificador da democracia (cf. Jasmin, 2005,

p.47), traz consigo, faz surgir dois novos problemas sociais: o individualismo e o despotismo

democrático.

O Individualismo

129 “A igualdade de condições, característica dos tempos democráticos, invade todos os domínios da vida humana dando origem a uma paixão a que os homens aderem irrefletidamente. Ou seja, a igualdade de condições aparece como o valor dominante da sociedade igualitária. Enquanto dominante, a igualdade de condições faz nascer entre os homens um ‘pensamento-mãe ou paixão principal’ pela igualdade, que pode preencher completamente o coração humano” (Reis, 2002, p. 65).

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O individualismo, segundo Tocqueville, é um fenômeno novo, decorrente do processo de

igualdade de condições. Ao contrário do egoísmo130, que é intrínseco ao ser humano, o

individualismo só surge nos séculos democráticos. “O individualismo é um sentimento refletido e

pacífico, que dispõe cada cidadão a isolar-se da massa de seus semelhantes e a retirar-se para um

lado com sua família e seus amigos, de tal sorte que, após ter criado para si, desta forma, uma

pequena sociedade para seu uso, abandona de bom grado a própria grande sociedade” (1987, p.

386).

Diferentemente das sociedades aristocráticas, onde existia uma cadeia de proteção entre os

súditos, na democracia cada um depende única e exclusivamente de seus esforços pessoais. Não

há mais laços entre os indivíduos de uma mesma classe. Nas sociedades aristocráticas, a riqueza é

um privilégio hereditário, os ricos não precisam se preocupar em obtê-la, é como que natural a

condição econômica das classes. Por isso, os aristocratas podem se preocupar com outros

assuntos, como, por exemplo, a vida pública. Com a “revolução” democrática, cai a barreira

social que separava ricos e pobres. E, por não haver mais laços, os homens se esforçam, cada vez

mais, por buscar, pelos seus próprios esforços individuais, um maior bem-estar.

Para o homem democrático, então, constitui perda de tempo o envolvimento com a coisa

pública. Isso lhe tira o foco do “essencial” – ganhar dinheiro e viver seguramente. O homem

democrático acha inútil a vida pública. “Como os cidadãos que trabalham não desejam pensar na

coisa pública e não existe mais a classe que poderia encarregar-se desse cuidado para encher os

seus vagares, o lugar do governo fica como que vazio” (TOCQUEVILLE, 1987, p. 413).

Mesmo vivendo em sociedade, o homem torna-se uma “ilha”. Seu círculo de relações

familiares forma “toda a humanidade”. O restante dos homens, mesmo estando a seu lado, “[...]

ele não os vê, toca-os e não os sente; existe apenas em si e para si mesmo, e, se ainda lhe resta

uma família, pode-se ao menos dizer que não tem mais pátria” (1987, p. 531).

Ao se preocupar apenas com sua vida privada, com os bens privados, o homem retira-se do

“palco da vida política”. Mesmo todos tendo os mesmos direitos, podendo gozar das mesmas

profissões, podem perder a liberdade política. E perderão de bom grado se lhes garantirem o

130 “O egoísmo esteriliza os germes de todas as virtudes, o individualismo, de início, só faz secar a fonte das virtudes públicas; mas, depois de algum tempo, ataca e destrói todas as outras e vai, afinal, absorver-se no egoísmo. O egoísmo é um vício tão antigo quanto o mundo. Praticamente, não pertence mais a uma que a outra forma de sociedade. O individualismo é de origem democrática e ameaça desenvolver-se à medida que se igualam as condições” (TOCQUEVILLE, 1987, p. 386).

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bem-estar. Esse é o perigo do individualismo: uma sociedade em que só o conforto e a segurança

são valorizados.

A igualdade pode estabelecer-se na sociedade civil e não reinar no mundo político. Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres, de entrar para as mesmas profissões, de encontrar-se nos mesmos lugares [...]. Pode-se estabelecer-se mesmo uma espécie de igualdade no mundo político, embora não haja a liberdade política. Somos iguais a todos os nossos semelhantes, menos um, que é, sem discussão, o senhor de todos, e que toma igualmente, entre todos, os agentes do seu poder (TOCQUEVILLE, 1987, p. 383-384).

Então, através da apatia social, decorrente do individualismo, pode surgir um governo

despótico.

O despotismo democrático

Mas o que Tocqueville compreende por despotismo democrático não se encontra na história: é

uma nova forma de poder. Para esse novo fenômeno, o pensador chama a atenção para o fato de

este poder não se fixar contra a vontade dos homens. Ao contrário, ocupará o lugar vago da

política, deixado pelos indivíduos. Esse poder, absoluto e brando ao mesmo tempo, irá impor-se

com o apoio dos homens, desde que se garanta, é bom lembrar, o bem-estar e a segurança.

O estado social democrático gera, nos indivíduos, dois tipos de sentimentos, que se

contradizem de certa forma: o desejo de independência e a necessidade de ser conduzido131. De um lado, o

homem democrático não se submete a nenhuma autoridade, quer conduzir sua vida particular, seus

negócios, da maneira como lhe aprouver. De outro, na vida pública, deseja apenas que esta não

tome seu tempo, que não atravanque sua vida privada. Se alguém se dedicar a esta atividade, o

homem democrático “agradecerá”, pois ele só quer a paz pública. E, “[uma] nação que não pede a seu

governo senão a manutenção da ordem já é escrava no fundo do coração; é escrava do seu bem-

estar, e o homem que deve acorrentá-la pode aparecer” (TOCQUEVILLE, 1987 p. 413).

O homem democrático não percebe que, inclusive a sua vida privada, seu bem-estar, depende

da coisa pública. Ele crê que comparecer às urnas basta para garantir sua liberdade política. “A

131 Ver, sobre esse tema, Jasmin, 2005, p. 67.

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vida privada é tão ativa nos tempos democráticos, tão agitada, tão cheia de desejos, de trabalhos,

que quase não resta mais energia nem vagar a cada homem para a vida política” (1987, p. 515).

O homem democrático é, ao mesmo tempo, independente e frágil. Não lhe ocorre se unir com

seu semelhante. E como nenhum deve obediência a outro, a um senhor, como nos tempos

aristocráticos, o poder de associação é quase nulo. Os séculos democráticos desenvolvem nos

homens idéias simples e gerais. Vêem-se como iguais, crêem que as regras devem ser iguais a

todos. Essas idéias também têm seu lado negativo, principalmente em política, pois “[...] a

uniformidade legislativa parece-lhe ser a condição primeira de um bom governo” (1987, p. 513).

E em qual governo reina uma uniformidade maior que no despótico?

Os homens admitem e se convencem de que, como o poder emana do povo, o Estado tem

o poder de tudo fazer. Deve pôr a mão em tudo, como menciona Tocqueville. Assim, cria-se um

poder central onipotente. “A unidade, a ubiqüidade, a onipotência do poder social, a

uniformidade de suas regras, constituem o traço de realce que caracteriza todos os sistemas

políticos nascidos hoje em dia” (TOCQUEVILLE, 1987, p. 514). Mesmo que haja eleições e que

os homens as desejem, os programas políticos e as idéias dos governos não mudam. “Todos

concebem o governo sob a imagem de um poder único, simples, providencial e criador” (idem, p.

514).

Os homens, nos tempos democráticos, não se importam em perder a liberdade política,

desde que todos a percam. Preferem a igualdade acima de tudo e, mais, os bens que um estado

social democrático pode proporcionar.

Esses são os maiores problemas das eras democráticas, segundo Tocqueville. Mas isso não

quer dizer que todos os povos democráticos cairão sob o jugo de um Estado onipotente, devido

às suas respectivas apatias políticas. E, nesses termos, o maior exemplo de que se pode combinar

igualdade e liberdade está no povo dos Estados Unidos da América.

Referências Bibliográficas

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ESSER DOS REIS, Helena. A liberdade do cidadão: uma análise do pensamento de Alexis de

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PODE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HEIDEGGER CONTRIBUIR À

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO?

Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE

Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo

[email protected]

RESUMO: A presente comunicação assume por tema a contribuição que o projeto filosófico

heideggeriano de uma hermenêutica da facticidade poderia trazer para pensar os fundamentos

filosóficos da educação. O problema que colocaremos e que pretendemos responder, desde o

início, será: como a hermenêutica filosófica contribui à história da educação? Para responder este

problema, precisaremos determinar como o projeto heideggeriano de uma hermenêutica da

facticidade pode ser útil a pensar conceitos fundamentais da educação. Esta meta final,

entretanto, apenas se obtém cumprindo os seguintes objetivos específicos: a) Apresentar os

termos da hermenêutica da vida fática segundo Heidegger; b) Caracterizar a história da educação

como narrativa das concepções de educação em vista de seus fundamentos; c) Descrever como a

hermenêutica filosófica de Heidegger poderia liberar o sentido de certas interpretações de

educação tornando seus fundamentos compreensivos de modo a permitir novas acepções dos

mesmos. Após cumprir estas tarefas, julgamos poder validar a hipótese de que noções

tradicionais da educação (e suas respectivas práticas) serão compreendidas de modo mais

fundamental com o auxílio da hermenêutica fenomenológica de Heidegger.

Palavras-chave: Hermenêutica filosófica; fenomenologia; fundamentos filosóficos da educação;

história da educação; Heidegger

Introdução

Qualquer estudo que pretenda vincular o pensamento heideggeriano à educação deve

iniciar prudentemente com a seguinte advertência: Heidegger não é um filósofo da educação. (sic.)

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Significa dizer, de modo incisivo, que nosso autor não investigou tal tema, não tratou

filosoficamente dos seus fundamentos, tampouco desenvolveu teoria pedagógica ou método

didático. Heidegger é um filósofo que, como ele próprio diz, esteve comprometido

circunspectamente com uma só questão ao longo de toda sua obra, sc. a questão do ser.

(HEIDEGGER, 2003).

Desse modo, os temas abordados nas diferentes etapas de sua filosofia só têm razão de ser

em vista da questão ontológica. Isso vale para a existência humana, para a fundamentação da

metafísica, para a crítica ao niilismo da técnica moderna, para a linguagem, para a arte e a poesia

e, também, para o tema do sagrado. Tendo isso em vista, a pretensão de pensar a educação com

Heidegger é controversa, afinal, o que temos sobre ela em tal filosofia são algumas poucas

menções vagas, considerações marginais e indícios indiretamente vistos em algumas preleções

didáticas que nosso professor-filósofo apresentou e que, apenas quando reunidos, nos dão a

compreender como Heidegger concebia a educação.

Fica patente, assim, que a educação enquanto tema não seria algo que pensaríamos no

âmbito da filosofia de Heidegger, mas a partir dela e, ainda assim, seria necessário reconhecer

que, em vista dos propósitos desse pensamento (que até o fim se esforçou por chegar a uma

compreensão originária de ser), tratar da educação seria tomar o curso contrário ao trilhado pelo

próprio filósofo, sendo esse, portanto, derivado daquele que nos leva à questão ontológica

fundamental. Esses acenos introdutórios têm muito mais a finalidade de enfatizar a posição de

Heidegger frente à educação, e de situar o terreno para quem (como nós) julga relevante tal

temática, do que desqualificar iniciativas de pesquisas sobre a matéria. Isso porque, indicar o

caráter ontologicamente derivado da educação enquanto questão temática não significa – em

absoluto – preteri-la.

A favor das abordagens desses temas fala, afinal, o próprio Heidegger que, segundo se tem

notícia, mais do que consentimento, tinha simpatia pela aplicação de seu pensamento em

domínios extrafilosóficos. “Aplicação”, nesse sentido, diz atuar em vista de viabilizar certos

projetos filosóficos. Assim também parecia compreender Heidegger, que, na escola de Husserl,

não apenas aprendeu a fenomenologia quanto a aperfeiçoou e a aplicou habilmente à “coisa do

pensamento”.

Por sua habilidade e criatividade em operar o método fenomenológico, Martin Heidegger

se destacava, já na década de 1920, como “o jovem e genial filósofo que era professor assistente

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de Edmund Husserl”. (GADAMER, 2012, p.11). Contudo, não foi apenas a fenomenologia

husserliana a apropriada na sua síntese filosófica autoral; também o historicismo hermenêutico de

Wilhelm Dilthey e o gesto desconstrutivo do jovem Martin Lutero (ao rever a escolástica ainda

em vigor em sua época) são arregimentados nesta primeira fase do pensamento heideggeriano.132

O motivo do filósofo se servir desses novos expedientes se deve a ele entender que a

fenomenologia de Husserl (especialmente após ter investido na análise das estruturas

transcendentais da consciência intencional) se mostrava insatisfatória ao empreendimento da

recolocação da questão do ser em seu sentido. Ora, como demonstra saber Heidegger (2009) em

seu texto autobiográfico Meu caminho para a fenomenologia, as pretensões de filosofia perene que a

fenomenologia de seu mestre nutria se mostravam incompatíveis à tarefa de evidenciar como o

ser se dá de muitos modos e, sobretudo, que essa não possuía elementos para passar em revista e

tornar compreensíveis as maneiras com as quais a história interpretou tradicionalmente a dita

questão.

Para Heidegger, assim, havia plena clareza de que para levar a efeito uma ontologia

fundamental (deste modo foi nomeado seu projeto filosófico de recolocação do sentido do ser)

seria necessário contar com projetos subordinados, dentre os quais estaria a hermenêutica da

facticidade e a destruição da história da metafísica.

A interpretação da vida fática (facticidade)

Em face de Ser e tempo – obra que traz de modo explícito e melhor elaborado os termos de

uma ontologia fundamental – outros trabalhos da primeira fase do pensamento de Heidegger

parecem adquirir posição secundária em meio aos preparativos desse projeto capital. Se esta

avaliação for realmente além da mera evidência empírica; se for correto avaliar que certos escritos

do jovem Heidegger estariam subordinados a Ser e tempo, há que se questionar se tais projetos,

mesmo tidos como subsidiários, não possuiriam autonomia uma vez deslocados; podendo ser,

assim, aproveitados também fora do âmbito dessa ontologia. Reformulando esta questão de

modo ainda mais claro, desejamos saber: algo como uma hermenêutica da facticidade só funcionaria no seio

da pesquisa do sentido do ser? Isso dá o que pensar. Para o momento, é significativo lembrar que o

132 Veja-se mais a este respeito em Sander (1996), especialmente a p.62.

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projeto de uma hermenêutica da facticidade ganha corpo na forma de lições proferidas na

Universidade de Freiburg em 1923. Publicada muitos anos depois, sob o título de Ontologia –

Hermenêutica da facticidade,133 tal preleção comunica desdobramentos de pesquisas elaboradas pelo

filósofo desde 1921, registrando os primeiros frutos maduros das investigações que resultariam

em Ser e tempo (1927).

Esses resultados ganham em relevo quando Günter Figal (2007) assevera que o principal

saldo positivo dessa preleção reside no fato de ela proporcionar a compreensão de pontos ligados

àquilo que, naquele ambiente temático específico, Heidegger chamava de “vida fática” (faktischen

Leben), termo que seria posteriormente substituído pela expressão “facticidade” (Faktizität), tendo

em vista a existência humana em sua experiência paradigmática de “ser-aí” (Dasein). Para

Heidegger, a facticidade do ser-aí é um existencial. Grosso modo, isso denota que é um traço

ontológico de sua realidade humana que o distingue dos entes dotados de propriedades, i.e., dos

entes substancialmente constituídos, simplesmente dados. Facticidade é, portanto, indicativa não

só da maneira com que este ente é-no-mundo, quanto de sua diferença ontológica frente aos

outros com os quais se ocupa no interior do mesmo. Ao tratar expressamente da facticidade,

Heidegger (1988, p.21) a ela se refere como o que expressa “nosso modo de ser-aí mais próprio

em cada caso”. Mas, de que modo interpretamos nosso ser-aí? Resposta: é como um fato que cada

um de nós, de início e na maior parte das vezes, toma o próprio existir no mundo. Isso porque,

cotidianamente, é como um ente dotado de propriedades e, portanto, contrariamente ao nosso

modo existencial de ser, que interpretamos a nós mesmos.

O que se faz compreensível pelo fato de nos orientarmos pelos modos de ser dos entes

intramundanos com os quais pragmaticamente já nos ocupamos, e diante das significações de um

mundo que é igualmente compreendido como o que se expressa segundo a medida do ente, i.e.,

onticamente. Se, assim, a facticidade se refere ao modo concreto com o qual os entes são

compreendidos e interpretados no espaço próprio à existência, é preciso que se diga que isso

determina, do mesmo modo, que tal existência sempre se opera orientada segundo um conjunto

de significações (= significância) já consolidado na semântica fática de um mundo específico. É

sobre esses contextos que atua a chamada hermenêutica da facticidade, dado que tal interpretação

fenomenológica de nossa situação de fato elucida o âmbito próprio ao nosso “-aí” no mundo.

133 Embora esta obra documente um período de intensa produção intelectual do filósofo, ela integra um conjunto de escritos que só vieram a lume em data relativamente recente (a preleção em questão tardou até 1982, quando foi editada no volume 63 das Obras Reunidas).

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Deste modo, temos em vista a maneira com a qual interpretamos a existência humana em face

dos demais entes, perguntando filosoficamente sobre o nosso modo de ser e sobre o ser dos

entes que nos circundam. Por isso mesmo, como nos diz o filósofo: “o tema da investigação

hermenêutica é o ser-aí próprio em cada ocasião, justamente por ser hermenêutico, questiona-se

sobre o caráter ontológico, a fim de configurar uma atenção sobre si mesmo”. (HEIDEGGER,

1988, p. 16). A hermenêutica é, portanto, também o que faz com que guardemos atenção frente à

nossa vida fática, o que – não seria demais repetir – se empenha por tornar compreensível o

conjunto de significações consolidadas a partir do qual os entes e a relação com os mesmos são

compreendidos. (HEIDEGGER, 1988, p. 16). Essa apresentação abreviada do projeto de uma

hermenêutica da facticidade nos permite compreender que Heidegger pretende delimitar o solo

no qual o pensamento é possível.

O filósofo, com isso, almeja que, ao recolocar a pergunta pelo ser, sua investigação evite

reproduzir gestos tradicionais como: assumir indistintamente posições consagradas da tradição

filosófica, enfocar os problemas já desde as visadas habituais à mesma, reapropriar

desavisadamente a conceptualidade fixa com a qual as ontologias desde sempre operaram, e se

posicionar de tal modo que qualquer filosofar permaneça condicionado à reprodução viciosa do

que se sedimentou na facticidade própria à história da filosofia. (HEIDEGGER, 1988). Essa

concisa reconstrução dos termos do projeto hermenêutico de Heidegger delineou, até aqui, a

tarefa heideggeriana de tornar acessível o ser-aí próprio em cada ocasião em vista de seu caráter

ontológico, isso porque, “com a hermenêutica da facticidade, se configura uma possibilidade do

ser-aí vir a compreender-se e de ser essa compreensão” (HEIDEGGER, 1988, p.14). Todavia,

por trazermos aqui mais especificamente os termos da hermenêutica da facticidade (em face do

programa da ontologia fundamental) ainda não se evidenciou como Heidegger utiliza a

hermenêutica na história da filosofia (= metafísica), uso que nos forneceria parâmetro para

procedermos exemplarmente com a história da educação. Sendo assim, a extensão do projeto da

hermenêutica da facticidade, enquanto destruição da história da filosofia é o que teremos a seguir.

“Destruição” da história filosófica

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Desdobramento da análise interpretativa da facticidade, o referido projeto

desconstrucionista tem por intuito liberar (freilegen) a questão do sentido do ser dos influxos que

as numerosas interpretações tradicionais exerciam sobre a mesma. Tais influências na pauta do

pensamento erudito se reduziam em meras ocorrências. A distinção entre as noções de questão e

problema, deste modo, é algo que adquire especial relevo neste momento, porque, para nosso

filósofo:

[...] questões não são ocorrências; questões não são tampouco “problemas” hoje em dia em uso, que “impessoalmente” assume ao acaso pelo que se ouve dizer e se lê nos livros ou que se acompanha pelo gesto de serem pensados em tão grande profundidade. Questões surgem na discussão e no confronto com as

“coisas”. (HEIDEGGER, 1988, p. 5).

Essa passagem nos oferece o ensejo de reforçar o quanto o procedimento hermenêutico-

desconstrucionista de Heidegger atua de maneira crucial na tarefa de pensar a ontologia

fundamental. O caráter decisivo aqui aludido (se levarmos em conta os interesses próprios desse

projeto filosófico) reside, primeiramente, no fato de a hermenêutica da facticidade nos possibilitar

o questionamento do ser já livre das interpretações célebres e das leituras que a repetição

tradicional referendou e que, por isso mesmo, governam as maneiras de ir às questões, a saber:

convertendo-as em problemas. Como em geral em Ser e tempo, o que Heidegger chama de

“destruição” (Destruktion) visa a romper com essas posições celebradas que, mais do que registros

históricos, acabam por se tornar condicionantes das leituras que fazemos das questões da filosofia

(inclusive a que Heidegger especialmente tem em vista). Em uma palavra: a destruição que nosso

filósofo propõe se aplica aos condicionamentos da história da filosofia, às interpretações que

fazemos da facticidade e também sobre a estandardização que essas leituras tradicionais exercem

sobre nossas possibilidades mais próprias.

O projeto desconstrucionista de Heidegger, assim, confrontaria as interpretações

hegemônicas da tradição que arrastam consigo um extenso histórico de elaboração. O resultado

dessa destruição das interpretações consignadas na história (e a consequente revisão conceptual

que ela proporciona) mostra-se em sua inexcedível radicalidade enquanto liberação de um

horizonte hermenêutico que licita um renovo interpretativo e, por conseguinte, uma revisão do

estado de fato da filosofia. Diga-se categoricamente, contudo, que a destruição daquilo que

herdamos da história da filosofia “não tem o sentido de arrasar a tradição” por um arroubo

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iconoclasta. (HEIDEGGER, 1993, p.51). Nada há de aniquilante na destruição programada por

nosso filósofo, há muito mais um procedimento gradual de “desmontagem” da suma filosófica

que historicamente se estabeleceu. E, com este desmonte – apenas possível desde nossas

posições, visadas e conceptualidades atuais – trata-se de analisar os conteúdos, indicar os

preconceitos e buscar se liberar do embotamento que o repertório de leituras da tradição, por

séculos, aderiu sobre a questão do ser, obstruindo novos caminhos de questionamento do tema.

Uma vez liberado este horizonte, uma filosofia que se ocupe do sentido do ser (como deseja

Heidegger), encontraria a base originária para interpretação de tal questão ontológica no terreno

existencial próprio ao nosso ser-aí.

Deste modo, ao reapropriar os conceitos metafísicos no seio da tradição para, então,

reconduzi-los ao seu horizonte significativo mais próprio, dependeríamos de entabular um

diálogo com a história da filosofia e com a historicidade do existente humano. Com esta senha

reformadora, a questão do sentido do ser, tal como interessa a nosso filósofo, seria conduzida a si

mesma a partir das compreensões fáticas possíveis desde nossa própria existência. Com os dois

tópicos apresentados até aqui, atingimos nosso primeiro objetivo. Com eles, expusemos os

traços-força da hermenêutica fenomenológica de Heidegger; indicamos o papel da hermenêutica

da facticidade na economia da sua investigação ontológico-fundamental e dissertamos acerca dos

pontos mais insinuantes do projeto de uma destruição da história da filosofia.134 Tais

desenvolvimentos parciais prestaram, assim, uma tarefa propedêutica: introduzir a maneira com a

qual devemos compreender o procedimento hermenêutico-desconstrucionista de Heidegger;

também preparar a compreensão de como a destruição da história da filosofia – ou no nosso

caso, já apropriativamente, uma destruição da história da educação – tornaria capaz a já referida

liberação de horizonte e a assunção de uma posição de origem que corresponderia a uma revisão

histórico-conceitual. Urge agora caracterizar a história da educação como narrativa das

concepções educacionais em face de seus fundamentos e descrevermos pontualmente como a

hermenêutica da facticidade de Heidegger poderia liberar o sentido das interpretações desse

campo de saber, tornando seus fundamentos compreensíveis de modo a permitir novas e mais

radicais acepções dos mesmos.

134 O procedimento desconstrucionista de Heidegger é objeto da recomendável investigação de Grondin (2007). Cf. Referências bibliográficas.

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História como narrativa das concepções de educação

Segundo uma opinião corrente, a história da educação seria, à semelhança a da filosofia, o

relato dos acontecimentos passados dessa ciência aplicada. Tal narrativa, diante do obstáculo que

a distância cronológica constitui ou da relatividade provocada pela variedade de visadas, posições

e conceptualidade que orientam as interpretações dos referidos acontecimentos, faria com que

houvesse uma grande discrepância de avaliações sobre o escopo mais primordial de uma história

da educação, bem como sobre seu “objeto” (a educação, ela mesma). No limiar do século XVIII,

o que mais se aproximava do que hoje tomamos por história da educação resumia-se numa

compilação de notícias sobre concepções educacionais incertas, impressões sobre práticas

pedagógicas supostamente bem sucedidas, relatos de didáticas que pouco se distanciavam dos

hábitos dos docentes do passado e opiniões difusas sobre as políticas para a instrução pública.

Como podemos entrever, essas narrativas da educação, em seus primórdios, ainda não

poderiam granjear a legitimidade de ciência rigorosa. É apenas na orla do século XIX que são

identificados os primeiros esforços por elaborar uma história da filosofia crítica e, a exemplo desta,

também uma história da educação. O marco qualificador para essa mudança, atesta Dilthey (1968b,

p.13), “teria sido o estudo particular das fontes com a crítica que se inspira na filosofia de Kant”

que, proporcionara uma abordagem verdadeiramente rigorosa da filosofia ao combinar e ordenar

as fontes documentais e bibliográficas em sistematização cada vez mais desenvolvida na especial

proximidade de Herder.135 Algo próximo vale ser dito sobre a história da educação que, bem

como a história filosófica, se beneficiou, em seu início, da filosofia crítica e, até mesmo, da

filologia em sua feição clássica para historiar a educação como formação cultural (Bildung).Se,

mais tarde, porém, a história da filosofia, alçara sua autonomia, tornando-se uma história filosófica

da filosofia (ao proporcionar, a partir do desenvolvimento de métodos filosóficos e da maior

conexão entre sistemas, um melhor conhecimento e expressão conceptual de seus conteúdos

pelas categorias da razão), é preciso indicar que a história da educação, por sua vez (ao sofrer,

135 Afirmar que apenas no século XIX a história da filosofia ganhou seu status filosófico não significa que não houvessem relatos históricos da filosofia até esta centúria. Referências a autores que assinaram histórias da filosofia no século XVIII (e mesmo anteriores) abundam nos rodapés das obras de Windelband (ao exemplo: J. J. Bruckner, J. G. Buhle e G.G. Fülleborn). O mesmo vale para a história da educação que, como sabemos, já na Ciropédia de Xenofonte, encontrávamos notas sobre a formação do homem antigo. O que afirmamos acima é que estas narrativas ainda são dogmáticas (= pré-críticas) e, por isso mesmo, não são reconhecidas por autores como Windelband, Dilthey e Tannemann, como científicas. (Windelband, 1901).

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desde cedo, a acentuada influência do positivismo de ciência), pareceu se acomodar ao ofício de

compilar enciclopedicamente episódios da educação, por mais que já dispusesse do aparato

crítico-filológico. (DILTHEY, 1968a).

Ao restringir-se a uma descrição episódica da educação, na qual constaria o registro do

afluxo de ideias e tendências na tradição, seja por seus articulistas ou pelas grandes linhas do

pensamento educacional (o que, com efeito, já seria acreditar que a educação já constituiria um

firme território de estudo),136 a história da educação não chegou a ter uma lida radicalmente

compreensiva com seus fundamentos. Isso porque, padecendo de uma ingenuidade hermenêutica

frente a seus próprios conceitos fundamentais, ela não apenas adere quanto repete interpretações

dos mesmos, tal como encontradas no seio de sua tradição. Sob os influxos disso que se

apresenta como “leituras clássicas”, a tradição não só determina atualidade desse campo

conceitual e prático como também governa o seu destino, antecipando sua autoridade às

possibilidades próprias ao pensamento educacional. Com base no dito acima, nos vemos muito à

vontade para avaliar que, não fossem as honrosas exceções que as histórias da pedagogia de

Dilthey e, bem mais tarde, a de Larroyo constituem,137 a história da educação constituiria apenas

uma disciplina acessória, representando, nesta cena, o desalentador papel de criada às ordens das

ciências da educação, ou seja, de uma: Historiae, ancilla educationis.

A liberação do horizonte dos fundamentos da educação

Retomando a pergunta incipiente que permaneceu em aberto acima, acreditamos, sim, que

a hermenêutica da facticidade e o projeto de destruição heideggeriano funcionem em contextos

diversos ao da ontologia fundamental. Nossa abordagem sobre tal tema, no entanto, não seguiria

além de indicações de como poderíamos apropriar o procedimento desconstrucionista, tal como

136 Com a expressão genérica “pensamento educacional”, compreendemos a educação tratada em seus níveis educacional, pedagógico e didático; abrangendo, nestes, seus traços teóricos, metodológicos e materiais. 137 A primeira enfaticamente hermenêutica e a outra com traços do neokantismo de Windelband. Embora sem sustentar a teleologia própria à filosofia do espírito de Hegel (a mesma que, passando às mãos de Windelband, é residualmente identificada em sua História da filosofia), a obra de Francisco Larroyo se presta bem a caracterizar a história da educação, pois expõe sagazmente tal história de maneira permitir seu conjunto de forma consistente e conexa, desenvolvendo em cada período seus temas pontuais e pondo em relevo cada problema e a confluência entre as teorias, os métodos e as técnicas da educação. Por esta razão, em sua obra, como já fazia Dilthey, encontramos a disposição por grandes movimentos filosóficos em vez de uma mera ordenação de ideias educacionais.

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compreendido por Heidegger, aplicando-o à história da educação. Embora distanciado do escopo

da ontologia fundamental, nossas indicações à destruição da história da educação preconizam a

liberação de um horizonte no qual a tradição consolidou as interpretações dos fundamentos da

educação.

É possível presumir, desde aqui, o quanto a proposta de uma destruição da história da

educação é arrojada, afinal, trata-se de acarear interpretações dominantes que possuem atrás de si

uma longa história de elaboração. A destruição dos conceitos históricos não deve ser encarada,

por isso, como uma revisão do atual “estado da arte” das ciências da educação, pois não se trata

de passar em revista a história educacional para, depois, apreciar o que foi feito de seus conceitos

fundamentais em celebrados sistemas educacionais e nas iniciativas de cada época; tampouco está

em jogo a instrumentalização da educação para intensificar teorias ou práticas educacionais,

pedagógicas ou didáticas. Uma destruição da história da educação, realizada em meio a uma

hermenêutica da tradição, consiste em libertar a conceptualidade de fundo da educação dos

preconceitos que obstruem o horizonte propício ao pensamento educacional.

Tratar-se-ia, assim, de “desmontar” a tradição para conquistar, por sob seus “escombros”,

compreensões mais radicais de seus conceitos e tornar possível uma educação que possua

questões que se ocupem propriamente dos fenômenos da educação e não apenas problemas com

objetos precondicionados. É o que nos diz Heidegger de maneira pregnante (no contexto símile

de sua ontologia fundamental):

Desconstruindo criticamente a tradição, não há a possibilidade de desviar-se em problemas apenas aparentemente importantes. “Desconstruir” (Abbauen) quer dizer aqui: retornar à filosofia grega, (...) para ver como o que era originário decai e permanece encoberto, e para ver como nós estamos em meio a essa decadência. Em correspondência à nossa posição, trata-se de configurar de novo a posição originária, quer dizer, uma posição em que a correspondência a uma situação histórica diferente é outra e, ao mesmo tempo, a mesma. (HEIDEGGER, 1988, p. 68)

É possível derivar dessa passagem indicação necessária de como operar tal destruição. Ela

se cumpriria em dois âmbitos de tematização: um primeiro, negativo, no qual se abalam as

consolidações interpretativas tradicionais e se removem elementos obstrutivos de uma

reelaboração radical (destruição do acervo das maiores teorias da educação, por exemplo, a

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antiga, com Platão, de modo a dirimir ambiguidades que ofereceriam o risco de nos colocar na

pista de problemas apenas aparentemente relevantes).

Um segundo momento, positivo, no qual, acompanhando os indícios trazidos pela ação

destrutiva, se reconduz as interpretações dos fundamentos da educação (por exemplo: o sujeito, o

aprender, o ensinar etc.) às fontes de onde seus conceitos foram originalmente projetados

(rearticulação das ontologias históricas ao horizonte estruturante de onde se originam sua

conceptualidade própria). Um exemplo concreto deste procedimento no plano da educação é

algo que ainda não possuímos no pensamento educacional, mas um paralelo filosófico nos é dado

por Heidegger em sua preleção O sofista.

Nessas lições, Heidegger nos faz ver que apenas destruindo as interpretações tradicionais

do texto filosófico platônico e tentando apropriar-se dos aspectos ontológico-existenciais do

sofista, no interior da facticidade grega, é que o comportamento sofístico pode originariamente se

mostrar. Assim o filósofo nos diz naquela preleção de inverno de 1924-25:

Era efetivamente uma proeminente força espiritual do mundo grego, a partir desse inquestionável poderoso ser do comportamento do sofista; isso, ao mesmo tempo, deixa claro que aquilo em relação ao que ele se comporta, aquilo com o que ele lida como sofista, é a ilusão e o engano. [...] Assim, a partir da concreção e da facticidade do ser sofístico, a partir da existência de algo assim como um sofista, certamente, para uma consideração que se encontra num estágio mais elevado, aflora o fato de que o não-ser, a ilusão, o engano, é. (HEIDEGGER, 1992, p. 163)

Podemos depreender das palavras do próprio Heidegger que a destruição de um capítulo

da história da filosofia nos permitiria a recondução ao modo concreto e genuíno com o qual o

sofista se realiza faticamente no interior daquele mundo histórico.

A exemplo de Heidegger, que destrói a interpretação clássica da filosofia de Platão, caberia

a nós igualmente destruir as compreensões da educação antiga, tanto a grega, com Platão, quanto

a romana, com Cícero; as do renascimento e da reforma, com Melanchton e Comenius; a

moderna, com Rousseau e Herbart, e, por fim, a contemporânea, com Piaget e Freire. A

desconstrução hermenêutico-fenomenológica de Heidegger desautoriza as interpretações

petrificadas da história, permitindo que a filosofia da educação adquira mobilidade e

autotransparência, para, então, reconduzir os conceitos fundamentais da educação ao solo que lhe

é próprio. Deste modo, retomar os conceitos para radicá-los no seu horizonte, refundando um

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questionamento de fundo, depende inexoravelmente do diálogo com a história da educação e da

facticidade existencial que a esta subjaz.Enfatize-se, com isso, que essa recondução

proporcionada pela destruição repercute tanto nos conceitos fundamentais da educação, quanto

na compreensão da realidade humana da qual a educação haure seu sentido e propósito.

Ressalte-se, também, que a proposta de uma aplicação do projeto de destruição

heideggeriano à história da educação não tem por propósito desconsiderar a tradição, ao

contrário, parece sustentar que somente através dessa “apropriação positiva do passado se chega

à plena posse das possibilidades mais próprias do questionamento”. (HEIDEGGER, 1993, p.20).

Conclusões

Considerando com segura distinção ter realizado satisfatoriamente as duas primeiras

tarefas, reconhecemos, por outro lado, que o tratamento da terceira ofereceu menos do que o

necessário para ser considerado um “programa de aplicação” da atitude desconstrucionista

heideggeriana à história da educação. Julgamos que o presente trabalho teria, sim, indicado a

maneira de usar a destruição em favor do pensamento educacional. Com isso validamos a

hipótese que tacitamente orientou todo nosso movimento expositivo, a saber: que noções

tradicionais da educação (e suas respectivas práticas) seriam compreendidas de modo mais

fundamental com o auxílio da hermenêutica fenomenológica de Heidegger.

Cabe ressaltar, entretanto, que muito das indicações dadas em nosso plano de análise não

passaram do deslocamento do projeto heideggeriano da destruição da história da filosofia para o

âmbito da educação. Este agenciamento dependeu de uma série de ajustes, uma vez que a

filosofia (ao contrário da educação) não é uma ciência, tratando-se, pois de uma ontologia geral, e a

educação, pensada enquanto uma ciência, constitui, por sua vez, uma ontologia regional (justamente

por não perguntar pelo ente em sua generalidade, substancialidade ou universalidade, como faz a

filosofia, mas por indagar pelo ente em uma categoria específica, “regional”, do saber).

Muito ainda há, portanto, que refinar os saldos destes exercícios que não podem se

considerar válidos senão sob a qualificação de preliminares. Uma das maiores dificuldades da

transposição do projeto desconstrucionista de Heidegger para a educação foi que, em seu

contexto original, a história a ser destruída nos reconduz à experiência existencial do ser-aí (=

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historicidade); no campo de sua aplicação à educação, no entanto, permanecemos ainda no

domínio da conceptualidade própria de uma epistemologia da educação (ou, ainda, de uma

filosofia da educação), solo que, por mais que indiscutivelmente ligado à história e aos conceitos

fundamentais tão aludidos, ainda constitui um terreno derivado da existência.

Uma melhor tematização da relação entre educação e existência acaba, consequentemente,

por ser um desdobramento requerido para nossas futuras investigações sobre o mesmo tema.

Julgamos que a descrição e análise mais detida das ideias daqueles pensadores, que constituem os

maiores teóricos da educação em suas épocas, seriam capazes de deslindar (como acima fez

Heidegger com o texto de sua preleção sobre O sofista de Platão) modos não apenas da educação

se lastrear na existencialidade, quanto, a partir desse, lograrmos implicações ontológicas deste

debate. Ao fim, vislumbramos que, apesar de muito da tentativa de pensar a educação pela via

hermenêutica até aqui tenha se pautado na hermenêutica da facticidade (tal como formulada por

Heidegger), desdobramentos futuros dessa investigação teriam muito a ganhar ao recorrermos à

hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer.

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ENTRE ADAPTAÇÃO E EMANCIPÇÃO:

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO SEGUNDO T. ADORNO

Rosalvo Schütz

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CAPES/CNPq

[email protected]

RESUMO: O atrelamento da educação à satisfação de demandas do mercado segundo Adorno é

tão ideológica quanto aquela educação que se pretende totalmente apartada da esfera material e

social. Através da noção de semiformação, desenvolvida por T. Adorno, pretendemos contribuir

para a compreensão destes mecanismos neutralizadores do potencial educativo. Simultaneamente,

com a ajuda do mesmo autor, assinalamos a importância e centralidade da valorização de

aspectos não idênticos ao sistema enquanto constitutivos num processo de formação crítica e

solidária. O não-idêntico pode manter viva a esperança que aponta para além das relações de

domínio e exploração pressupostos pela sociedade atual.

Palavras-chave: Educação; semiformação; não-idêntico; experiência formativa.

1. Educação e a tensão necessária

A educação seria impotente se ignorasse a adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém seria questionável igualmente se ficasse nisto, produzindo nada além de well adjusted people, em conseqüência do que a situação existente se impõe no que tem de pior (ADORNO, 1995, p. 143).

Uma das intenções historicamente subjacentes à noção de Bildung, segundo Adorno,

objetiva, por um lado, a libertação da natureza em vistas à constituição/adaptação à sociedade,

mas, por outro lado, também o fortalecimento da autonomia do indivíduo humano frente às

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restrições exigidas pela sociedade, através da formação da “sua natureza”. Ou seja, ela se constitui

num campo tenso entre emancipação e adaptação. A absolutização de qualquer uma dessas

dimensões tende a degradar em ideologia, em semiformação. O objetivo da Bildung originalmente

foi a busca de uma possível pacificação entre geral e individual, sociedade e indivíduo, buscando

conceber uma sociedade onde o indivíduo não precise abrir mão de suas reivindicações de

autodeterminação e felicidade para fazer parte da mesma. Adorno sugere que, de certa forma,

esta reconciliação, ironicamente, vem acontecendo na sociedade atual: no entanto, à custa do

sacrifício do indivíduo, da sua adaptação. Ou seja, a identificação e integração do indivíduo na

totalidade social é tão forte que ele não percebe mais a possibilidade de ser algo não compatível

com ela. Desde seus desejos mais íntimos até sua forma de pensar e agir ele é tendencialmente

formatado pela totalidade. A semiformação, por isso, se traduz principalmente pela incapacidade

de pensar e ser para além do que está aí. É possível, pois, que mesmo douto, alguém possa ser

totalmente adaptado ao sistema e, por isso, só aparente e ilusoriamente, livre e autônomo: douto

ignorante.

O potencial formativo que tradicionalmente a noção de formação cultural (Bildung) tinha,

advinha justamente desta tensão gerada por momentos contrapostos mas em constante interação.

Na medida em que um destes momentos se torna uma categoria fixa, este potencial fica

neutralizado. Quando a formação cultural não é mais compreendida a partir da origem e do

contexto social na qual está inserida e a partir de onde é gerada, ela tende a se degradar em

“autoengano elitista”. Neste sentido, ela não pode deixar de ser adaptação. Por outro lado,

quando não consegue mais estabelecer um distanciamento crítico no que concerne às relações

sociais estabelecidas, colocando-se simplesmente a serviço de finalidades das mesmas, ela

também abdica da autonomia. Ambos os caminhos levam a uma falsa reconciliação. É preciso,

pois, que tanto as relações sociais existentes sejam levadas a sério, a fim de que não se recaia no

absolutismo da vontade, mas, simultaneamente, estas relações não podem ser absolutizadas e, por

isso, a liberdade e a possibilidade de escolha autônoma de fins também não podem ser

sacrificadas. Assim se entende Adorno quando este afirma que a educação não pode abdicar nem

do seu caráter de formação crítica nem da sua dimensão adaptadora, sob o preço de, em ambos

os casos, se transformar em ideologia.

Obviamente, no contexto contemporâneo de crescente domínio da indústria cultural, o

maior desafio parece estar no polo do fortalecimento da autonomia, visto que há uma tendência

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de a adaptação se tornar o momento dominante em vista de uma autoconservação no interior do

sistema. É neste sentido que Adorno alerta que, em vez da emancipação do sujeito, há, na

concepção de educação resultante desse processo, uma tendência de que a educação se degrade

em eliminação do sujeito em função de sua autoconservação. Uma questão intrigante e

contraditória é que a dimensão da liberdade e da autonomia subjetiva não pode ser eliminada

nem mesmo pela sociedade constituída, pois a própria ideia de sujeitos autônomos é constitutiva

da sociedade burguesa e fundamental para a sustentação de suas referências de legitimidade.

Nesse sentido, a sociedade constituída não pode abdicar da noção de autonomia e liberdade do

sujeito, sob risco de pôr em questão sua própria justificação, pois isso inviabilizaria, por exemplo,

as possibilidades de contratos entre sujeitos formalmente livres, sem os quais as relações de

exploração se tornariam inviáveis. Ela precisa, por isso, alimentar constantemente a promessa de

liberdade e autonomia, uma vez que elas lhe são constitutivas, sem, no entanto, permitir sua

realização efetiva. Liberdade e autonomia estas que, por isso, precisam permanecer restritas aos

âmbitos da liberdade formal e da autonomia subjetiva. Os fundamentos e os pressupostos sociais

destas, portanto, já não podem ser tematizados. Percebe-se aí uma influência progressiva da

ordem estabelecida na constituição dos limites emancipatórios do sujeito. A realidade da

liberdade, por isso, parece se afastar cada vez mais da promessa, algo semelhante ao que acontece

com a educação, conforme vimos acima. Não cair na tentação de delegar apenas ao sujeito a sua

situação de não liberdade, apontando para as contradições realmente existentes, deslumbra-se,

assim, como uma tarefa educacional imprescindível. Simultaneamente, a subjetividade não pode

ser eliminada, pois a consequência disso seria a total adaptação. “O problema, quase insolúvel,

consiste aqui em não se deixar imbecilizar nem pelo poder dos outros nem pela impotência

própria” (ADORNO, 1993, p. 47).

Evidentemente, o próprio significado de termos como educação, formação cultural,

autonomia, dentre outros, na medida em que são conceitos historicamente construídos e,

portanto, carregados dos fins para os quais foram constituídos dentro de uma sociedade regida

pelo interesse de classes, não é isento de cargas ideológicas herdadas dos contextos nos quais

esses termos foram formulados. Desta origem não se pode abstrair, sob risco de cair em um agir

ingênuo e facilmente instrumentalizável. Por outro lado, estes conceitos também contêm

conteúdos que transcendem [ou que podem transcender] as finalidades instrumentais que

historicamente lhes foram atribuídas e, por isso, não se deixam reduzir a estes. Adorno

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insistentemente chama a atenção para o fato de que todo conceito contém pressupostos pré-

reflexivos que foram escamoteados, que, embora ocultos, lhe permanecem latentes. Além disso,

todo conceito pode sempre levar para além daquilo que normalmente lhe é atribuído. Nesse

sentido, as contradições não são possíveis apenas entre conceitos, mas estão no próprio conceito.

São justamente estes pressupostos que indicam para os potenciais que ultrapassam o significado a

que foram restringidos138. A ressignificação destes139, portanto, poderia significar a reabilitação de

dimensões normalmente não perceptíveis. Trazer à tona o caráter não-idêntico destes conceitos,

portanto, poderia ser concebido como um momento de autonomia em relação ao que os

conceitos nos querem fazer pensar dentro das relações sociais constituídas. A crítica do

conhecimento, desta forma, acaba se tornando, em grande medida, crítica social. “Crítica da

sociedade é crítica do conhecimento, e vice-versa” (Adorno, 1995a, p. 198). Desde onde a

possibilidade crítica, no sentido apontado, seria possível? Um dos ingredientes indispensáveis é a

experiência.

2. Perspectiva: experiências formativas

Diante do exposto, certamente pode-se afirmar que o conceito de experiência pode ser

tomado como um conceito-chave de uma teoria crítica da educação. Evidentemente, não se trata

do conceito de experiência tal como ele é tomado nas ciências. Trata-se de um conceito

polarmente contrário ao processo de identificação e redução de tudo a mesmice/identidade. O

processo de experiência é condição de possibilidade de existência da Bildung, pois ela é condição

de possibilidade da constituição subjetiva e, por isso, da autonomia. A experiência exige o

encontro produtivo com o diferente, com o não-idêntico. Exige tanto a abertura e a entrega não

violenta ao objeto quanto a capacidade de constituição e localização constelar deste objeto a

partir do sujeito: ela só é possível na medida em que nem o objeto/mundo nem o sujeito são

negados e tampouco absolutizados. Ou seja, ela é oposta ao pensamento identificador na medida

em que o sujeito, ao se confrontar com algo qualitativamente novo, consegue fortalecer a sua

própria individualidade e liberdade sem “negar o outro”, sem degradar o diferente a conceitos e

138 A esse respeito, veja Schütz (2012), especialmente o item “O pensamento filosófico enquanto subversão”. 139 A metáfora mais utilizada por Adorno para aludir a esse desafio de buscar pelo pensamento aquilo que foi extirpado do pensamento é o das constelações conceituais. A esse respeito veja Pucci (2012) e Schütz (2012).

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esquemas prévios. Com o fortalecimento da capacidade de fazer experiências, Adorno sugere

uma equiparação com a capacidade de resistir à adaptação sem dobrar-se a uma noção de cultura

“a-histórica”. Pode-se afirmar, portanto, que fazer experiência exige capacidade de pensar desde

o não-idêntico, situando-se em contextos.

A degradação da educação a uma Halbbildung, por bloquear a experiência e, por isso,

bloquear o que alimenta e instiga o pensamento (pois “pensar é ser perturbado por aquilo que o

pensamento não é”!) permite que a entendamos como sinônimo de progressiva coisificação do

pensamento. Se o “[…] que é verdadeiro no sujeito desdobra-se na relação com aquilo que ele

mesmo não é, de maneira alguma por meio da afirmação peremptória de seu ser-assim”

(ADORNO, 2009, p. 114), então não pode existir pensamento autônomo sem experiência.

Mas aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em relação à realidade, ao

conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não

é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o

desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente à capacidade de fazer

experiências. Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais. Nesta medida e

nos termos que procuramos expor, a educação para a experiência é idêntica à educação para

emancipação (ADORNO, 1995, p. 151).

Não há esforço intelectual e racional, ou mesmo anos de frequência escolar e universitária,

que possam substituir isso. É nesse contexto que Adorno sugere que se desenvolva uma

concepção de Bildung que possa ser tomada como sinônimo de resistência à coisificação, ou seja,

capaz de facilitar experiências formativas e, assim, contribuir para superar a indiferença. Talvez

agora possamos ter uma noção do que significa a seguinte afirmação: “A necessidade de dar voz

ao sofrimento é condição de toda a verdade” (Adorno, 2009, p. 24).

Referências Bibliográficas:

ADORNO, T. W. Dialética negativa. Tradução: Marcos Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Zahar,

2009.

___________. Educação e Emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1995.

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___________. Minima Moralia. Trad. Luiz E. Bica, ver. Guido de Almeida. 2 ed. São Paulo: Ática,

1993.

___________. “Notas marginais sobre teoria e práxis”. In: ADORNO, T. Palavras e sinais. Modelos

críticos 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995a.

PUCCI, Bruno. A Dialética Negativa enquanto metodologia de pesquisa em Educação:

atualidades. In: Revista E-curriculum, São Paulo, v. 8, n.1, 2012.

SCHÜTZ, R. Refúgio da liberdade. Sobre a concepção de filosofia de T. Adorno. In: Revista

Veritas. Porto Alegre, v. 57, p. 32-52, 2012.

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DELEUZE EM DEFESA DE MASOCH:

ELEMENTOS DA DISSOCIAÇÃO DA UNIDADE SADOMASOQUISTA

Tamara Havana dos Reis Pasqualatto

[email protected]

RESUMO: Para Deleuze, a unidade (clínica) sadomasoquista é inconcebível. Em sua visão

sadismo e masoquismo são perversões únicas, particulares, que compõe uma sintomatologia

própria que deve ser considerada de forma exclusiva. Desse modo, existe uma injustiça no

“sadomasoquismo”: Masoch é considerado um complemento de Sade por um desconhecimento

de sua obra. Sendo assim, Deleuze busca reparar essa iniquidade cometida a Masoch. Essa é sua

proposta principal: argumentar em favor da separação da unidade “sadomasoquista”, buscando

nas obras literárias de cada autor provas que mostrem a especificidade de cada um, assinalando

suas diferenças e semelhanças. O presente trabalho visa, portanto, apresentar os principais

aspectos dessa argumentação.

Palavras-chave: Sade; Masoch; sadomasoquismo; Deleuze.

Filósofo francês contemporâneo, Gilles Deleuze (1925 – 1995) e sua obra são marcados

por características como a do contraponto e do rompimento com a tradição. Essa característica

pode ser ilustrada com o fato de ter feito publicações sobre Hume quando o clima intelectual de

1950 era dominado pelos “três H (Hegel, Husserl, Heidegger), e de ter trazido à luz Sacher-

Masoch em plena onda de Sade” (DOSSE, 2010, p.98). Com o livro Sacher-Masoch: o frio e o cruel

(2009), Deleuze busca reparar o esquecimento de Masoch, separando-o de Sade, e concedendo-

lhe uma análise e uma visão exclusiva do seu trabalho literário e do universo peculiar que o

constitui.

Na tradição clínica, Masoch serve de complemento a Sade, o que, para Deleuze, é uma

confusão proveniente da injustiça do esquecimento e da desatenção à obra de Masoch, pois só

quem não prestou atenção ao universo de sua obra, ou quem não a leu é que pode considerá-lo

um acessório de Sade, um apêndice do sintoma clínico nomeado “sadomasoquismo”. Propõe-se,

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então a refazer o percurso que conduz da crítica literária à clínica para discernir os sintomas

próprios ao masoquismo e ao sadismo, pois, para ele, “basta ler Masoch para sentir que seu

universo nada tem a ver com o de Sade” (DELEUZE, 2009, p.13).

Na obra supracitada, Deleuze põe em prática seu posicionamento de que o artista ou o

escritor é um pensador tanto quanto o filósofo ou o cientista. Por isso, olha para as obras

literárias de Sade e Sacher-Masoch e percebe nelas o trabalho não de doentes perversos, mas de

médicos, ou “clínicos da civilização” que conseguem descrever um fenômeno humano, um tipo

de “sentimento de vida”. Essa percepção o motivará a escrever e a “buscar uma crítica e uma

clínica capazes de resgatar os mecanismos realmente diferenciais, assim como as originalidades

artísticas” de cada um dos escritores (DELEUZE, 2009, p.14).

Para Deleuze, Sade e Masoch são admiráveis exemplos de eficácia literária, pois cumprem

sua função de pensar o homem e o mundo. O fato de seus nomes servirem para designar

perversões expressa que em suas obras há elementos que justificam tal uso. Resta saber: Masoch

e Sade foram doentes ou médicos? É correto afirmar que ambos apresentam em seus livros

quadros inigualáveis de sintomas e de signos, cabendo inclusive perguntar se, comparado a Sade,

Masoch não define uma sintomatologia mais refinada, tornando possível uma separação de

distúrbios antes confundidos.

No esforço de Deleuze, a fim de estabelecer as diferenças de natureza entre os dois

universos, a primeira a ser abordada é a da linguagem. Segundo ele, chama-se literatura

pornográfica uma literatura reduzida a algumas “palavras de ordem”, seguidas de descrições

obscenas, nas quais violência e erotismo estariam nelas reunidas de forma simples. Ainda que em

Sade e Masoch, palavras de ordem são abundantemente proferidas, bem como as descrições, suas

obras não podem ser classificadas como pornográficas, pois nelas a linguagem erótica não se

reduz às funções elementares de mando e descrição, merecendo por isso o nome de

“pornologia”.

Na linguagem erótica de Sade, há o desenvolvimento da faculdade demonstrativa como

função superior da linguagem. Nessa faculdade da linguagem sadista, os dois outros aspectos –

palavra de ordem e descrição – ganham nova significação: eles mergulham no elemento

demonstrativo, existindo somente em relação a ele: “as descrições e a atitude dos corpos passam

a representar o papel apenas de figuras sensíveis, ilustrando as demonstrações abomináveis”

(DELEUZE, 2009, p.22).

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A demonstração em Sade jamais tem a intenção de convencer ou persuadir, pois afinal, o

sádico deseja se apoderar de uma vítima e gozar à custa dela, com um prazer inversamente

proporcional ao seu consentimento. A função da demonstração, segundo Deleuze, é outra: é

atuar sobre um mundo extra-sensível, onde a violência e a maldade são perpetuadas.

Também em Masoch, as palavras de ordem e descrições vão além para alcançar uma

linguagem mais elevada. Nele, porém, tudo é persuasão, pois aqui é a vítima que necessita de uma

mulher carrasco, que precisa convencê-la e formá-la. Para Deleuze, “é o sádico que pensa em

termos de possessão instituída e o masoquista, em termos de aliança contratada. A possessão é a

loucura própria do sadismo; o pacto, a do masoquismo. O masoquista precisa formar a mulher

déspota” (Deleuze, 2009, p.23). Isto fica evidente nos romances de Masoch, é ele quem a deseja

cruel e a forma como déspota: “pela mulher que amo quererei ser maltratado, enganado – quanto

maior a crueldade, melhor” (MASOCH, 2008, p.54).

À primeira vista parece que o herói masoquista é educado, formado pela mulher autoritária,

porém, mais profundamente, é ele quem a forma e a traveste, determinando inclusive as palavras

duras que ela deve dizer. Por conta disso, Deleuze demarca que a linguagem própria do

masoquista é dialética. As especificidades das linguagens tanto de Sade quanto a de Masoch

caracterizam a literatura pornológica. Sua tarefa, segundo Deleuze, “é colocar a linguagem em

relação com o seu próprio limite, com uma espécie de ‘não linguagem’ (a violência que não fala, o

erotismo de que não se fala)” (Deleuze, 2009, p.25). Para isso, é preciso que os elementos da

linguagem pornográfica – palavras de ordem e descrição – se desdobrem, indo a uma função mais

elevada. Em Sade, a função imperativa e descritiva da linguagem se supera, alcançando uma pura

função demonstrativa e instituidora; em Masoch ela se supera também, indo a uma função

dialética, mítica e persuasiva.

Das funções superiores da linguagem de Sade e Masoch, Deleuze nos faz ver uma grande

diferença do ponto de vista das descrições, do seu papel e do seu valor. As descrições em Sade

estão relacionadas a uma intensa demonstração que não depende do limite dos acontecimentos

do mundo da experiência e por isso são obscenas em si mesmas. Em Masoch isso não acontece.

Sua obra guarda uma formidável decência, tanto que as fantasias masoquistas de seus romances

são facilmente confundidas com costumes nacionais, brincadeiras de crianças, jogos de linguagem

feminina, ou expressão do folclore eslavo e da alma da Pequena-Rússia.

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A pergunta que Deleuze se coloca frente a essa diferença é: por que a função demonstrativa

da linguagem, em Sade, implica descrições obscenas, enquanto a função dialética, em Masoch,

parece exclui-las? Toda a criação do primeiro é marcada por um aspecto: negação, em toda sua

extensão e profundidade. Enquanto a do segundo por uma denegação e suspensão.

Deleuze argumenta que na negação presente na literatura de Sade, dois níveis devem ser

diferenciados: o negativo como processo parcial e a negação pura como Ideia totalizante. Esses

níveis correspondem à distinção sadista das duas naturezas: natureza segunda e natureza primeira.

A natureza segunda forma o mundo da experiência e é sujeitada às suas próprias regras e às suas

próprias leis: nela, o negativo está em todos os lugares, e a negação se dá apenas como processo

parcial do negativo: destruição como inverso da criação, a desordem é uma outra ordem, a

putrefação da morte é igualmente composição da vida. Por isso o libertino abomina essa

natureza, pois ela deixa claro que o crime absoluto é impossível.

Oposta a natureza segunda está a natureza primeira, que é portadora da negação pura,

acima dos reinos e das leis. É o delírio original, caos primordial feito unicamente de moléculas

furiosas e dilacerantes. Porém essa natureza não pode ser dada na experiência: ela é unicamente

objeto de uma Ideia, e a pura negação um delírio, mas um delírio da razão (Cf. DELEUZE, 2009,

p.28).

Para Deleuze o papel do negativo e da negação, ou da natureza segunda e primeira, é

delimitar aquilo que o sádico deseja daquilo que ele efetivamente consegue fazer. O que excita

um libertino, conta-nos Sade (2006) em 120 dias de Sodoma, não são os objetos presentes, não é

a sua vítima ou o que ele pode fazer com ela, mas sim, uma “ideia do mal”, ideia do Não, da

negação (Deleuze, 2009). Porém, ela não pode ser dada na experiência, então, constitui-se objeto

de demonstração.

Essa função superior da linguagem – a demonstração – permite que o sádico prove com

um raciocínio delirante e convincente a ideia do mal, a negação pura. Contudo, ele não consegue

aplicá-la empiricamente, ou seja, ela não se dá na experiência, mas se dá na palavra, na linguagem.

A linguagem supera os limites da natureza segunda e alcança a natureza primeira que é portadora

da negação pura. O sádico, porque vive na natureza segunda, não experimenta a negação pura,

mas a demonstra pela linguagem. Essa é a razão que Deleuze vê – e nos faz ver – nos diálogos

intermináveis entre os libertinos, entre o libertino e suas vítimas. Porque não conseguem

experimentar a negação pura, mas só demonstrá-la via linguagem é que “os heróis sádicos se

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desesperam e se enfurecem, vendo seus crimes reais tão diminutos, em comparação àquela ideia

que eles só podem atingir pela onipotência do raciocínio” (DELEUZE, 2009, p.29).

A função dialética da linguagem em Masoch, por sua vez, não necessita de lingas descrições

obscenas, porque sua criação tem outra característica: a denegação e a suspensão. De acordo com

Deleuze, em Freud encontra-se uma análise de resistências que implicam um processo de

denegação, que não consiste em negar ou destruir, mas sim, em contestar a fundamentação do

que é com uma espécie de suspensão e neutralização, capaz de relevar uma nova perspectiva não

dada. Resistências estas que Deleuze evidenciará em sua leitura de Masoch. O melhor exemplo de

denegação, segundo Deleuze, leitor de Freud é o fetiche: meio pelo qual se denega que à mulher

falta o falo. De início, o fetichismo é denegação (não é verdade que falta o falo à mulher), em

segundo lugar, neutralização defensiva (o conhecimento da situação real subsiste, mas é suspenso,

neutralizado) e em terceiro lugar, neutralização protetora, idealizadora (neutraliza-se ou suspende

no ideal, para anular os ataques que o conhecimento da realidade poderia trazer) (Idem).

O fetichismo assim definido, pelo processo de denegação e suspense, é parte essencial do

masoquismo, pois não há masoquismo sem fetichismo. Ou seja, não se trata de negar o mundo,

destruí-lo ou idealizá-lo, mas sim, de denegá-lo, suspendê-lo, criando a possibilidade de abrir-se a

um ideal dependurado na fantasia. Por meio do fetichismo “contesta-se a fundamentação do real

para fazer surgir um puro fundamento ideal” (Idem).

Deleuze nos mostra que nos romances de Masoch tudo culmina no suspense: os ritos

masoquistas de suplício e sofrimento implicam suspensões físicas (herói pendurado, suspenso); a

mulher-carrasco assume poses estáticas que a identificam com uma estátua, um retrato ou uma

foto, etc., para ele, o sentido da repetição no masoquismo (repetição suspensiva) já explicaria a

ausência de descrições obscenas em sua obra e, portanto, uma diferença significativa entre

Masoch e Sade. Na obra de Masoch, “a função descritiva subsiste, mas a obscenidade é denegada

e suspensa, com as descrições de certa forma deslocadas do objeto propriamente para o fetiche”

(DELEUZE, 2009, p.34).

Por meio de seu esforço em buscar as diferenças de natureza, Deleuze nos dá a ver que em

Masoch e Sade existem duas artes, tanto quanto duas linguagens completamente diferentes.

Deleuze resume essas diferenças:

Na obra de Sade as palavras de ordem e as descrições se superam, buscando uma função

demonstrativa mais elevada; essa função demonstrativa repousa no conjunto do negativo como

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processo ativo e da negação como Ideia da razão pura; ela opera conservando e acelerando a

descrição, saturando-a de obscenidade. Na obra de Masoch, palavras de ordem e descrições se

superam também, buscando uma função mítica ou dialética mais elevada; essa função repousa no

conjunto da denegação como processo reativo e no suspense, como Ideal da imaginação pura;

tanto assim que as descrições subsistem, mas deslocadas, fixadas, tornadas sugestivas e decentes.

A distinção fundamental entre o sadismo e o masoquismo vem à tona nos dois processos

comparados: do negativo e da negação, por um lado; da denegação e do suspensivo, por outro

(Idem, p.37 [grifos do autor]).

Referências Bibliográficas:

DELEUZE, Gilles. Sacher-Masoch: o frio e o cruel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

DOSSE, François. Gilles Deleuze e Félix Guattari: biografia cruzada. Trad: Fatima Murad. Porto

Alegre: Artmed, 2010.

SACHER-MASOCH , Leopold Von[1870]. A Vênus das Peles. Trad. Saulo Krieger. São Paulo:

Hedra, 2008.

SADE, O marquês de. Os 120 dias de Sodoma. São Paulo: Iluminuras, 2006.

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A CONSTRUÇÃO DO OUTRO: O ÁRABE EM FRANZ KAFKA.

Thiago Ossucci Santello

Vania Sandeleia Vaz da Silva

[email protected]

RESUMO: Edward Wadie Said (1935-2003), no livro Orientalismo: a invenção do Oriente pelo

Ocidente, publicado em 1978, mostrou que a criação discursiva do Oriente como o “Outro” pelo

Ocidente servira aos interesses imperialistas das grandes potências europeias. Independente do

acerto da tese de Said, a leitura de Franz Kafka (1883-1924) possibilita uma perspectiva

interessante a respeito de como alguns europeus simbolizavam o árabe e levanta uma série de

questões a respeito dos conceitos de alteridade, poder, dominação e liberdade. Isso fica evidente no

conto “Chacais e Árabes”, mas aparece em outras passagens da obra kafkiana, que permitem

repensar algumas das articulações entre os discursos do poder e alteridade – já que construir

discursivamente o outro como não-humano ou menos humano fornece a justificativa teórica para a

dominação de fato, e recoloca o problema da liberdade cuja garantia é política, como bem o

demonstra a obra de Bento Espinosa (1632-1677).

Palavras-chave: Poder; dominação; liberdade; alteridade; orientalismo

Qual a relação entre as teses sobre império e imperialismo – originadas nos campos

disciplinares especializados da Ciência Política, da História, da Economia, das Relações

Internacionais – e alguns contos da coletânea O médico rural de Franz Kafka? Existirá relação além

da coincidência da leitura – dado que é comum que cientistas sociais que ainda não perceberam

bem, ou não aceitaram totalmente, ou jamais se curvarão à especificidade exclusiva de suas

ciências, costumem flertar com a literatura e se socorrer nas filosofias? A relação entre as teorias

do imperialismo e o crítico literário Edward Wadie Said (1935-2003) é mais fácil de esquadrinhar:

além de investigar diretamente os aspectos culturais do imperialismo, este autor tem lugar

garantido entre antropólogos e sociólogos que pretendem compreender a construção discursiva da

alteridade e, mais diretamente, da dominação de outros, ou quando os cientistas sociais querem

compreender as consequências políticas dos discursos. E a relação com Franz Kafka?

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Primeiro a coincidência. Estudando as teses sobre império e imperialismo é curioso o

argumento do historiador Eric John Ernest Hobsbawm (1917-1912) a respeito do sucesso da

dominação colonial, do fato de que um número reduzido de europeus foi capaz – efetivamente –

de manter sob domínio um número excessivamente grande de “outros”, os nativos e, mais

importante, a proposta desse historiador marxista que, no livro A Era dos Impérios: 1875-1914, de

1998, afirma que:

[...] É impossível negar que a ideia da superioridade em relação a um mundo de peles escuras situado em lugares remotos e sua dominação era autenticamente popular, beneficiando, assim, a política do imperialismo. [...] A sensação de superioridade que uniu os brancos ocidentais – ricos, classe média e pobres – não se deveu apenas ao fato de todos eles desfrutarem de privilégios de governante, sobretudo quando efetivamente estavam nas colônias. [...] o mais modesto funcionário era um amo e era aceito como gentleman por pessoas que nem teriam notado sua existência em Paris ou Londres; o operário branco era um comandante de negros. Mas mesmo onde a ideologia insistia numa igualdade [...] esta se transformava gradualmente em dominação (HOBSBAWM, 2008, p. 106-7).

A anomalia que representa essa ênfase no aspecto cultural do fenômeno do imperialismo,

por parte de um historiador marxista, fica mais evidente se consideramos as dificuldades que o

próprio Edward Said enfrentou ao enfatizar a construção discursiva da dominação, mais do que seus

aspectos mais concretos, tal como expõe:

Talvez seja verdade que a maioria das tentativas de esfregar o nariz da cultura na lama da política tenha sido rudemente iconoclasta; talvez, também, a interpretação social da literatura em meu próprio campo não tenha acompanhado, simplesmente, os enormes avanços da análise textual detalhada. [...]. Pois o orientalismo põe-nos diretamente frente a esta questão – isto é, faz-nos perceber que o imperialismo político domina todo um campo de estudo, imaginação e instituições eruditas –, de tal modo que torna o fato impossível de ser ignorado intelectual e historicamente. No entanto, haverá sempre o perene mecanismo de escape de dizer que um erudito literário e um filósofo, por exemplo, são treinados, respectivamente, em literatura e em filosofia, não em política ou análise ideológica. Em outras palavras, o argumento especialista pode agir com muita eficácia para bloquear a perspectiva mais ampla e, na minha opinião, mais séria intelectualmente (SAID, 1990, p. 25).

Falamos como especialistas da ciência política. Mas a insubordinação metodológica

possibilitou um insight durante uma leitura despretensiosa dos contos de Franz Kafka na coletânea

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O médico rural: como não lembrar de Edward Said ao ler o conto “Chacais e Árabes”? E, menos

diretamente, como não imaginar a construção discursiva do outro como menos humano durante a

leitura do conto “Uma folha Antiga”? Será uma maneira irônica nominar “O novo advogado” de

dr. Bucéfalo?

Cabe lembrar que não somos europeus, e, de acordo com Samuel Phillips Huntington (1927-

2008), no livro O choque de civilizações: e a recomposição da Ordem Mundial, publicado em 1996, sequer

somos ocidentais, pois nossa origem latino-americana nos faz lembrar a advertência de Said sobre

os não europeus:

[...] para leitores do chamado Terceiro Mundo, este estudo se propõe como um passo em direção não tanto da política ocidental e do mundo não-ocidental nessa política, como da força do discurso cultural ocidental, uma força muitas vezes considerada erroneamente como algo decorativo ou “superestrutural”. Minha esperança é ilustrar a formidável estrutura da dominação cultural e, especificamente para povos outrora dominados, os perigos e tentações de se empregar essa estrutura sobre si mesmo e sobre os outros (SAID, 1996, p. 36).

No livro Orientalismo: a invenção do Oriente pelo Ocidente, publicado em 1978, Edward Said

mostra como foi produzido um discurso científico capaz de legitimar a autoridade sobre o Outro,

trata do domínio dos impérios inglês, francês e norte-americano sobre a sociedade islâmica do

Oriente Médio e Próximo, nos séculos XIX e XX. O que ele chama de orientalismo é “um modo

de resolver o Oriente que está baseado no lugar especial ocupado pelo Oriente na experiência

ocidental europeia” (SAID, 1996, p. 13).

O Oriente não está apenas adjacente à Europa; é também onde estão localizadas as

maiores, mais ricas e mais antigas colônias europeias, a fonte das suas civilizações e línguas, seu

concorrente cultural e uma das suas mais profundas e recorrentes imagens do Outro. Além disso,

o Oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente), como sua imagem, ideia, personalidade e

experiência de contraste. Contudo, nada desse Oriente é meramente imaginativo. O Oriente é

parte integrante da civilização e da cultura materiais da Europa. [...] Expressa e representa esse

papel, cultural e até mesmo ideologicamente, como um modo de discurso com o apoio de

instituições, vocabulário, erudição, imagística, doutrina e até mesmo burocracias e estilos

coloniais (SAID, 1996, p. 13).

Orientalismo é (1) o rótulo ou nome do que fazem aqueles que estudam o Oriente; é,

também, (2) “um estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica

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feita entre” o Oriente e o Ocidente e, neste sentido, “este orientalismo pode acomodar Ésquilo, [...]

Victor Hugo, Dante e Karl Marx” (Said, 1996, p. 14). Outro sentido de orientalismo é (3) “a

instituição organizada para negociar com o Oriente – negociar com ele fazendo declarações a seu

respeito, autorizando opiniões sobre ele, descrevendo-o, colonizando-o, governando-o”, então,

em resumo, o orientalismo foi um “estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade

sobre o Oriente” (SAID, 1996, p. 15).

[...] é útil empregar a noção de discurso de Michel Foucault [...] para [...] entender a disciplina enormemente sistemática por meio da qual a cultura europeia conseguiu administrar – e até produzir – o Oriente política, sociológica, ideológica, científica e imaginativamente durante o período pós-Iluminismo. [...] O orientalismo tinha uma posição de tal autoridade que [...] ninguém que escrevesse, pensasse ou atuasse sobre o Oriente podia fazê-lo sem levar em conta as limitações ao pensamento e à ação impostas pelo orientalismo. [...] O Oriente não era (e não é) um tema livre de pensamento e de ação. Isso não quer dizer que o orientalismo determine de modo unilateral o que pode ser dito sobre o Oriente, mas que ele é toda a rede de interesses que inevitavelmente faz valer seu prestígio [...] toda vez que aquela entidade peculiar, “o Oriente”, esteja em questão. [...] Tenta também mostrar que a cultura europeia ganhou em força e identidade comparando-se com o Oriente como uma espécie de identidade substituta e até mesmo subterrânea, clandestina (SAID, 1990, p. 15).

Com Michel Foucault é possível a Said explicar que o orientalismo não é uma verdade sobre

o Oriente mas uma representação, um “conjunto de relações entre obras, audiências e alguns

aspectos particulares do Oriente” que “constitui uma formação analisável” considerando sua

“presença no tempo, no discurso e nas instituições (escolares, bibliotecas, serviços diplomáticos)”

capaz de conferir “autoridade” ao orientalismo como “um sistema feito para citar obras e autores”

(SAID, 1996, p.32-35). Com Raymond Williams, foi possível a Said explicar suas fontes: além de

trabalhos eruditos, obras literárias, passagens políticas, textos jornalísticos, livros de viagens,

estudos religiosos e filológicos, e os textos individualmente ganham importância porque, para Said,

os textos individuais contam muito para “revelar a dialética entre o texto e o autor individual e a

complexa formação coletiva para a qual a sua obra é uma contribuição” (SAID, 1996, p.35).

Como os “textos não são obras acabadas”, mas anotações práticas e culturais que criam

seus antessessores e sucessores, afirma Said, saber como ler é tão importante quanto saber “o que

ler” (Said, 1995, p. 321). Franz Kafka não está entre as fontes de Said, mas, é possível sugerir uma

leitura, pois, “o que o orientalismo alemão tinha em comum com o orientalismo anglo-francês, e

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mais tarde com o americano, era uma espécie de autoridade sobre o Oriente no interior da cultura

ocidental” (Said, 1990, p. 31). E, lembra, Said,

Não há nada mais misterioso ou de natural na autoridade. Ela é formada, irradiada, disseminada; é instrumental, é persuasiva; tem posição, estabelece padrões de gosto e valor; é virtualmente indistinguível de certas ideias que dignifica como verdadeiras, e das tradições, percepções e juízos que forma, transmite, reproduz. Acima de tudo, a autoridade pode e realmente deve ser analisada. Todos esses atributos da autoridade são válidos para o orientalismo (SAID, 1990, p. 31).

No conto “O novo advogado”, o nome próprio do doutor é Bucéfalo, que significa o cavalo

de Alexandre, o Grande, mas também sendeiro – cavalgadura velha e ruim; em sentido figurado,

significa safado, sem-vergonha, relaxado, desprezível. Este doutor está sob o olhar vigilante do

oficial de justiça “frequentador habitual das corridas de cavalos” (Kafka, 1994. p.7). Aparece no

conto a inabilidade do “Outro” de conhecer a direção para a Índia, ainda que “muitos seguram

espadas, mas só para brandí-las; e o olhar que quer seguí-las se confunde” porque falta o rei para

lhes indicar o caminho (um governante “forte”, pois não são capazes de autogoverno como os

ocidentais). Dr. Bucéfalo, o árabe da Macedônia, é comparável ao cavalo de Alexandre, mas agora

inapto para a guerra: assim, Kafka justifica que “talvez por isso melhor realmente seja, como

Bucéfalo fez, mergulhar nos códigos” pois “distante do flagor da batalha de Alexandre, ele lê e

vira as folhas dos nossos velhos livros” (KAFKA, 1994. p.8). Os livros dos europeus são lidos

pelo Outro.

Em “Uma folha antiga”, Kafka nos traz a representação de um outro, que, considerando os

elementos descritivos – chicote, cavalo – poderia ser um árabe. Trata-se de um nômade (não é

sedentário como o europeu) que veio “evidentemente do norte”; esse nômade abomina as casas

(símbolo de civilização); e, embora não se pode dizer que seja violento (o que seria um símbolo de

poder), é fato que ele apenas pega o que precisa (é um coletor tal como se afirmou sobre os povos

primitivos); e eles não sabem falar porque “na realidade quase não têm um idioma próprio.

Entendem-se entre si de um modo semelhante ao das gralhas” (estão mais próximos dos animais

do que dos humanos civilizados do tipo ocidental), e, o pior, “para eles nossa maneira de viver,

nossas [ocidentais] instituições são tão incompreensíveis quanto indiferentes” (KAFKA, 1994, p.

20). E, estes outros consomem carne crua... Eles pegam as carnes do açougue “muitas vezes o

cavaleiro fica ao lado do seu cavalo e os dois se alimentam da mesma posta de carne, cada qual

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por uma extremidade” (realmente, não se diferenciam dos animais); quando o açougueiro

resolveu disponibilizar um “boi vivo”, a animalidade ficou mais evidente: a cena descrita é dos

“nômades” comendo o boi vivo às mordidas, como um bando de carniceiros, “os nômades

atacavam de todos os lados para arrancar com os dentes pedaços de sua carne [o boi] quente”

(Kafka, 1994, p.20), e depois descansaram bêbados em torno dos restos do boi. Em resumo, esses

nômades não são humanos, não como o europeu sedentário e civilizado.

No conto “Chacais e Árabes” Kafka narra o encontro de um grupo de chacais com um

europeu, detentor de uma capacidade de compreensão superior à dos árabes. Os chacais não

suportam conviver com árabes e esperam que um outro, o europeu, resolva a questão. Fica

explícito que o árabe não é apenas menos humano do que o europeu, mas é mais animalesco do que os

próprios animais, na opinião dos animais (dos chacais) que consideram o europeu muito sagaz:

– Sabemos que você vem do norte – começou o [chacal] mais velho – e é nisso que se funda a nossa esperança. Lá existe a capacidade de compreensão que não se pode encontrar aqui entre os árabes. Dessa fria altivez [do árabe], você sabe, não pode saltar nenhuma centelha de compreensão. Eles matam animais para comê–los e desprezam a carniça. – Não fale tão alto – disse [o europeu] –, há árabes dormindo por perto. – Você é realmente um estrangeiro – disse o chacal. – Se não fosse, saberia que nunca na história do mundo um chacal teve medo de um árabe. Deveríamos ter medo deles? Não é desgraça suficiente termos sido jogados no meio de um povo como esse? – Pode ser, pode ser – disse eu [o europeu] –, não me atrevo a julgar coisas que estão tão distantes de mim; parece ser uma disputa muito antiga; seguramente está no sangue e talvez por isso só termine com sangue. – Você é muito sagaz – disse o velho chacal [...]. Tiramos–lhes [dos árabes] pois o sangue e a disputa acaba. – Oh – disse [o europeu] – eles [os árabes] irão se defender; irão abatê–los a tiros aos montes com os seus rifles. – Você nos interpreta mal – disse ele [o chacal] – segundo a maneira dos homens, que persiste também no norte distante. Sem dúvida nós não icemos matá–los. O Nilo não teria água suficiente para nos purificar. Já diante da mera aparição de seus corpos vivos partimos às pressas para um ar mais puro, para o deserto, que por essa razão é o nosso lar. (KAFKA, 1994, p. 29, grifos nossos)

Diante da comida – um camelo morto trazido por um árabe – os chacais esquecem dos

árabes e atacam a carniça ferozmente com seus dentes (como os nômades do conto Uma folha

antiga). Enquanto comem são chicoteados pelo árabe chefe da caravana, até que o europeu segura o

braço do árabe, que admite, “– Tem razão – disse ele. – Vamos deixá-los no seu ofício; é hora de

levantar acampamento. Você os viu. Animais maravilhosos, não é verdade? E como nos odeiam!”

(KAFKA, 1994, p. 31). É o europeu que tem razão... Tais representações do mundo árabe

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constituem um discurso que coloca o europeu como melhor em tudo, tal como afirma Said: “o

orientalismo depende, para a sua estratégia, dessa superioridade posicional flexível, que põe o

ocidental em toda uma série de relações possíveis com o Oriente, sem que ele perca jamais a

vantagem relativa” (Said, 1996, p. 19), pois, “o cientista, o erudito, o missionário, o negociante ou

o soldado estavam no Oriente, ou pensavam nele, porque podiam estar lá, ou podiam pensar sobre

ele, com muito pouca resistência da parte do Oriente” (SAID, 1996, p. 16-7).

Poder, resistência, liberdade. O poder está diretamente relacionado com a liberdade – para

Foucault só há poder onde há liberdade (e possibilidade de resistência). Bernard Malamud, no

romance The Fixer, de 1966, adaptado para o cinema – O Homem de Kiev – permite um belo

resumo da ideia espinosana de que a liberdade só é possível por meio da política: Espinosa

“acreditava que o homem era mais livre quando participava na vida da sociedade do que quando

vivia na solidão como ele mesmo fez”, ou seja, que “um homem livre na sociedade tinha um

interesse positivo na promoção da felicidade e emancipação intelectual de seus vizinhos”

(MALAMUD, 1966. p.68). Dada a relativa proximidade que podemos ter com diversos outros no

mundo atual, caberia lembrar a principal questão intelectual colocada pelo orientalismo, que, para

Said, é a seguinte:

Será que podemos dividir a realidade humana, como ela na verdade parece estar dividida,

em culturas, histórias, tradições, sociedades e até raças claramente diferentes, e sobreviver

humanamente às consequências? Quando falo em sobreviver humanamente às consequências,

quero com isso questionar se há algum modo de evitar a hostilidade expressada pela divisão dos

homens em, digamos, “nós” (ocidentais) e “eles” (orientais). Pois essas divisões são generalidades

cujo uso, histórico e de fato, foi sublinhar a importância da distinção entre alguns homens e

alguns outros, normalmente com intenções não muito admiráveis (SAID, 1996, p. 56).

Referências Bibliográficas:

HOBSBAWN, E. Era dos Impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, (1998) 2008.

KAFKA, F. Um Médico Rural. São Paulo: Brasiliense, 1994.

MALAMUD, Bernard. The Fixer. New York: Deli, 1966.

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SAID, E. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras. (1978)

1996.

SAID, E. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras. (1993) 19

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O HOMEM É UM ANIMAL QUE SORRI:

O FENÔMENO DO RISO NA OBRA DE ARTE LITERÁRIA

Toani Caroline Reinehr

Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

Bolsista CAPES

[email protected]

RESUMO: O riso é essencialmente humano, uma vez que, como aponta Aristóteles e o

confirmam os estudos de Bergson, somente no homem ele se manifesta, o riso é, portanto, traço

distintivo entre nós e os outros animais. Fenômeno perturbador e perigoso, o riso pode servir

como mecanismo de coesão social, de manutenção de uma ordem, mas também pode, pela

inversão, dessacralizar. Por um lado, apresenta-se como distração da vida, fazendo com que nos

olvidemos momentaneamente de nossa finitude; por outro lado, rimos também da consciência de

nossa morte indubitável, riso do homem que percebe que seu mundo é também representação,

sendo ele próprio personagem: agora um, no instante seguinte, já transformado, sempre outro, e,

ambivalente, sempre o mesmo (ele próprio, o eu, ele outro, o outro dele e o meu). Nosso

objetivo, nesse trabalho, é tratar das questões elencadas, observando o riso na perspectiva de sua

manifestação na obra de arte literária, ancorados nas reflexões de Henri Bergson, Georges Minois

e Mikhail Bakhtin sobre o tema.

Palavras-chave: Riso, carnavalização, ambivalência.

A comédia tem sua origem, como aponta Aristóteles (1973), nos solistas dos cantos fálicos,

ligada à dança e ao improviso, ao ambiente festivo desde o princípio. É interessante notar que, na

disputa que o Estagirita nos apresenta, ao comentar a etimologia da comédia e os povos que a si

reclamavam o título de “genitores” do nome, alguns dórios que viviam na região do Peloponeso,

“[...] chamam kômai às aldeias que os atenienses denominam dêmoi, e que os ‘comediantes’ não

derivam seu nome de komázein, mas, sim, de andarem de aldeia em aldeia (kómas), por não serem

tolerados na cidade [...]” (ARISTÓTELES, 1973, p. 445). Essa passagem da Poética, revela-nos o

caráter ambulante, errático dos primeiros comediantes. Traço que se manterá por longo tempo,

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pois ainda que muitas cortes tivessem nela espaço cativo (pois que tinha acesso ao rei) para

comediantes, como é o caso da personagem do bobo, a realidade da maioria dos comediantes

ainda os fazia migrar, no final da Idade Média, de povoado em povoado, e, logo, já de burgo em

burgo, montando seu palco improvisado no meio da pequena praça. Mesmo em nosso tempo,

podemos dizer que se mantém o nomadismo: nos palhaços dos circos familiares do Brasil e nas

companhias de teatro mambembe, por exemplo.

O fragmento de Aristóteles nos inquieta ainda mais pela explicação do motivo que levava

os comediantes a andarem de lugar em lugar: o de “não serem tolerados na cidade”. Ora, se a

comédia imita os homens piores do que são, como afirma o filósofo grego140, gênero inferior,

portanto, não seria estranho pensar que dela desgostassem os que fossem seus alvos. Mas, quer

nos parecer, que, observando a comédia de modo mais amplo, pensando no fenômeno do riso,

algo mais temível do que a imagem pública de um legislador ridicularizada, por exemplo,

provocava essa aversão aos comediantes. Esse temor maior, que ameaçava não apenas o homem

ou seu cargo/ofício, ambos transitórios (o primeiro porque finito, e o segundo porque passível de

imputar a outro), mas que poderia provocar e/ou abalar um modo de vida inteiro, uma

sociedade, para dizer de modo mais claro, fazia com que temessem o riso os que desejassem

manter o mundo ordenado, a partir do princípio que os exageros, as paixões, as desmedidas em

relação ao estabelecido ameaçariam o equilíbrio desejado.

Um olhar sobre o riso nos revela que, ao longo da história dos homens, a maneira de tratar

este fenômeno oscilou entre uma posição mais livre, na qual, não raro, os instintos mais selvagens

e primitivos conviviam em harmonia com o conservadorismo de uma sociedade ordenada, e

entre momentos nos quais o riso foi censurado, riso autorizado, o que implica pedir permissão

antes de rir, não o fazendo, o comediante é deixado à margem, perseguido ou mesmo silenciado.

Já na Grécia e Roma Antigas, que, para nós, homens politicamente corretos do século XXI,

poderiam parecer, com suas festas dionisíacas, estátuas de falo e concursos das nádegas de Vênus,

ambientes mais abertos ao riso, houve também momentos em que comediantes foram

condenados, em processos oficiais que sentenciaram, algumas vezes, ao exílio ou à morte (cf.

MINOIS, 2003). Por outro lado, na Idade Média, quando o domínio da Igreja Católica fez-se

140 “Pois a mesma diferença separa a tragédia da comédia; procura, esta, imitar os homens piores, e aquela,

melhores do que eles ordinariamente são” (ARISTÓTELES, 1973, p. 444).

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mais severo, permitiam-se, conforme comenta Bakhtin (2010), as festas populares, a exemplo da

festa dos loucos.

Ao estudar as festas populares da Idade Média e o riso na obra de François Rabelais,

Bakhtin observa a ambivalência presente nestas representações. Nelas, o riso se manifesta como

ambivalente, pois é “[...] alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e sarcástico,

nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente” (BAKHTIN, 2010, p. 10).

Nas festas carnavalescas do período medieval e da Renascença esse riso ambivalente podia

se revelar. Sua importância se configurava em ser polo oposto “[...] à cultura oficial, ao tom sério,

religioso e feudal da época.” (BAKHTIN, 2010, p. 3) No entanto, de acordo com a exposição de

Bakhtin (1981), o hábito de realizar festividades de cunho carnavalesco manifesta-se já na Grécia

e Roma antigas, estando centralizadas, nesta, nas saturnais. Segundo o pensador russo, o carnaval,

espetáculo em que ocorre uma inversão de papéis, dispunha também na Antiguidade de uma

grande importância na vida social, especialmente nas camadas mais populares. Conforme o autor,

essa tradição festiva manteve um lugar de destaque até o século XVII, constituindo-se em fonte

para o processo de carnavalização da literatura.

Riso e comicidade

O riso é humano. Isso quer dizer que é ele fenômeno que se manifesta apenas entre os

homens, ainda entende-se que não é dado aos outros animais serem cômicos — “se algum outro

animal ou um objeto inanimado consegue fazer rir, é devido a uma semelhança com o homem, à

marca que o homem lhe imprime ou ao uso que o homem lhe dá” (BERGSON, 2001, p. 3).

Assim, podemos classificar o homem como um animal que sorri. Mas como e do que rimos? Em

que situações é-se cômico? E além: qual nossa intenção quando rimos?

Essas perguntas inquietaram o filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) em seu ensaio

sobre o riso, publicado primeiramente em forma de artigos, entre fevereiro e março de 1899, na

Revue de Paris.

Bergson (2001) observa que, ao contrário do drama, que apresenta “o desenrolar de uma

alma, uma trama viva de sentimentos e acontecimentos, alguma coisa enfim que se apresentou

uma vez para nunca mais se reproduzir” (BERGSON, 2001, p. 121), a comédia não visa ao

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individual, mas ao coletivo, à generalidade: “A comédia pinta caracteres que já conhecemos, ou

com que ainda toparemos em nosso caminho. Ela anota semelhanças. Seu objetivo é apresentar-

nos tipos” (BERGSON, 2001, p. 122).

Na seara das semelhanças, da repetição, a comédia nos apresenta aquilo que é passível de

reprodução, o automatismo de gestos e comportamentos, o arranjo mecânico sobreposto ao

humano, ao vivo. Rimos do homem que parece máquina, mecanismo, engrenagem, assim como

se pode observar no filme Tempos modernos, de Charles Chaplin, quando a personagem reproduz

os movimentos de operação da máquina mesmo quando não a está operando. Tal cena é cômica

pois o mecânico sobrepôs-se ao vivo, nela vemos antes o autômato, não o homem, “[...] rimos

sempre que uma pessoa nos dá a impressão de coisa” (BERGSON, 2001, p. 43, grifo do autor). Seria a

comédia então distante da vida? Mais próxima do engano, da ilusão dos sentidos?

A comicidade é esse lado da pessoa pelo qual ela se assemelha a uma coisa, aspecto dos acontecimentos humanos que, em virtude de sua rigidez de um tipo particular, imita o mecanismo puro e simples, o automatismo, enfim o movimento sem vida (BERGSON, 2001, p. 64-65, grifo nosso).

Se como aponta Bergson (2001, p. 125) “A vida não se recompõe. Ela simplesmente se

deixa olhar”, o objeto da arte (a vida humana, numa perspectiva benjaminiana) é sempre devir,

não sendo possível um rearranjo dos átomos que recomponha o humano que somos agora, e

que, no minuto seguinte, já é outro, sempre cambiante, hesitante, agitando-se para ser sempre

outro. Caberia à arte apenas entrever seu objeto, mais bem reapresentando o humano, que o

imitando (cópia mecânica). Interessa-nos observar que, mesmo a comédia tratando do

“movimento sem vida”, o efeito do riso visa à coletividade, daí sua relação mais próxima com a

vida factual, o que explicaria também o medo que o riso nela produz (medo do ridículo, da

transgressão, da inversão, que pode conduzir inclusive à censura). Em outras palavras, quando

rimos do homem que se parece coisa, a imagem risível é a do mecânico, da coisa, mas isso não

exclui o homem de quem se ri, o qual é ridicularizado por seu comportamento mecânico.

Chegamos, assim, às reflexões do filósofo francês, quando conjectura que

O riso deve ser alguma coisa desse tipo, uma espécie de gesto social. Pelo medo que inspira [da ridicularização], o riso reprime as excentricidades, mantém constantemente vigilantes e em contato recíproco certas atividades de ordem acessória que correriam o risco de isolar-se e adormecer; flexibiliza enfim tudo

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o que pode restar de rigidez mecânica na superfície do corpo social (BERGSON, 2001, p. 15, grifo do autor).

O caráter social do riso pode ser observado nesse objetivo de correção (de um

comportamento, por exemplo). Como apontam os estudos de Minois (2003), o riso procuraria

reestabelecer uma ordem, para isso, é preciso corrigir, reprimir, por meio do ridículo que pode

levar a uma exclusão social. Ora, a ordem pressupõe a estabilidade, a unicidade a partir de uma

dada representação de mundo, isso implica em rejeitar (ou corrigir) tudo que desorganiza, que

propõe novos arranjos, que se isola ou que se afasta do modelo ordenado. “O riso é essa

correção. O riso é certo gesto social que ressalta e reprime certa distração especial dos homens e

dos acontecimentos” (BERGSON, 2001, p. 65). Por isso, o sentido do riso é também histórico, é

preciso compartilhar com quem se ri o mesmo mundo ordenado, ao menos conhecê-lo para que

o comportamento ridicularizado possa ser visto como ridículo por nós e, assim, provocar o riso.

Além disso, não é permitido não fazer parte do mundo ordenado e coeso,

Quem quer que se isole expõe-se ao ridículo, porque a comicidade é feita, em grande parte, desse isolamento. Assim se explica por que a comicidade é tão frequentemente relativa aos costumes, às ideias — aos preconceitos de uma sociedade, para darmos nomes às coisas (BERSGON, 2001, p. 103-104).

Quando Bergson (2001) afirma que uma sociedade torna cômicos seus preconceitos (ainda

que ela não os nomeasse assim, uma vez que vê sua representação de mundo como única e

correta, verdadeira), permite-nos apontar que rimos, portanto, daquilo que é diferente do

padronizado apresentado pela ordem, do disforme em relação a forma normatizada.

Essa reflexão do filósofo francês nos permite perceber uma intenção social (de correção e

unidade social) do riso, isto é, nos apresenta uma motivação para o riso diante do diferente,

daquele que se isola da festa — do que também trata Minois (2003, p. 32), “Para assegurar a

eficácia do rito, cada um deve desempenhar seu papel. O riso festivo é obrigatório. Os deuses

punem os desertores da festa” —: é preciso rir daquele que não se enquadra no modelo

estabelecido, do que se afasta dos festejos. Numa palavra, aquele que não compartilha de nosso

recorte de mundo precisa ser exposto ao ridículo, pois esse riso é condição para assegurar a

permanência desse modelo e da sociedade ordenada que ele alimenta. “O riso deve corresponder

a certas exigências da vida em comum. O riso deve ter uma significação social” (BERGSON,

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2001, p. 6). Encontra-se aí uma motivação, uma explicação para o fenômeno do riso a partir de

uma perspectiva mais sociológica: o riso atua como mecanismo de manutenção de uma ordem,

elimina (pelo ridículo) os desordenados (em relação ao modelo), tolhe as ideias (modos de pensar

e conceber o mundo) divergentes que poderiam promover o desequilíbrio de dada sociedade,

conserva-a coesa, uniforme, ordenada. “O riso é, acima de tudo, uma correção. Feito para

humilhar, deve dar impressão penosa à pessoa que lhe serve de alvo. A sociedade vinga-se por

meio dele das liberdades tomadas com ela” (BERGSON, 2001, p. 146).

Conclusão

A partir das reflexões apresentadas neste trabalho, podemos observamos que, via de mão

dupla, o riso ao mesmo tempo em que pode nublar aquilo que vemos, reafirmando os valores do

grupo, fazendo retornar ao mundo ordenado, previsível — “O parêntese festivo do riso

desenfreado serve, pois, à recriação do mundo ordenado e ao reforço periódico da regra”

(MINOIS, 2003, p. 31) —; a inversão promovida pelo riso também pode, ao confundir o mundo

que é nossa representação (aquele que criamos a partir do que vemos e que quase sempre nos

parece real) com o mundo representado (que costumamos atribuir ao outro e que nos parece

representação), reorientar, reordenar nosso mundo e o modo como nos relacionamos com ele.

Isso quer dizer que, tomando consciência de que o mundo que julgamos verdadeiro, unívoco é

também ele representação, multipartido, multifacetado, e se nos questionarmos sobre a

capacidade de apreensão do real — como chegar a ele, se de mim a ele há mundos, olhares, vozes

do outro que ecoam do hoje e de tempos remotos —, podemos rir-nos disso tudo. “O riso pode,

assim, ser a reação fisiológica do títere que toma consciência de seu aniquilamento” (MINOIS,

2003, p. 29), a máscara, a fantasia, o disfarce nos provoca o riso: “Um homem que se fantasia é

cômico. Um homem que parece fantasiado é cômico também. Por extensão, todo disfarce será

cômico, não só o do homem, mas também o da sociedade, e até o da natureza” (BERGSON,

2001, p. 31). Ao retirar a máscara que recobre o mistério da vida e da morte, descobrimos que

levávamos também uma máscara, e que, debaixo dela, muitas outras se desvelam, em nós e nos

outros, nos mundos que representamos.

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Referências Bibliográficas:

ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François

Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. 7ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

___________. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1981.

BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Trad. Ivone Castilho

Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. Trad. Maria Elena O. Ortiz Assumpção. São Paulo:

Editora UNESP, 2003.

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COMPREENSÃO E LINGUAGEM A LUZ DO PENSAMENTO

DE HANS-GEORG GADAMER

Vilson Joselito Schütz

RESUMO:A questão da compreensão sob base da linguagem e suas variantes, torna se o centro

deste trabalho, a luz das ideias do pensador Gadamer. A finalidade é mostrar alguns elementos

que estão presentes na compreensão, que fazem com que se tenha compreensão diferentes sobre

o mesmo assunto, e por vezes não haja entendimento. Este texto está referenciando em Almeida,

Rohden e principalmente Gadamer. Relatando uma concepção de compreensão na perspectiva

hermenêutica a fim de possibilitar uma perspectiva afirmativa em relação a uma possível

compreensão e entendimento humano em prol do próprio ser humano.

Palavras chave: Compreensão; linguagem; hermenêutica.

Para podermos entender o fenômeno da compreensão, sua atualidade e possibilidade,

partiremos duma sequência de análise para observar quão necessária é seu aprofundamento, ou

seja, ver a atualidade da discussão sobre a compreensão e suas implicações com a linguagem.

A princípio pode até parecer que fazer uma problematização a respeito da compreensão

seja banal, porque todos possuímos a capacidade de compreensão e compreendemos o mundo

que nos rodeia e no qual estamos. Compreendemos assim, algumas coisas melhor do que outras,

mas compreendemos o suficiente para nos localizarmos e vivermos no mundo. Isto, justamente,

é o que motiva a um melhor aprofundamento desta problemática. Ou seja, podemos fazer-nos

algumas questões que moverão e orientarão este estudo: Como compreendemos? O que

proporciona a compreensão? Há compreensão plena de algo? O que diferencia a forma de

explicação dos fatos e a compreensão dos fatos? Porque há compreensões opostas sobre o

mesmo fato, assunto? O que faz diferenciar as compreensões? Como posso compreender a

compreensão do outro? Alguém pode compreender melhor que o outro?

O problema da compreensão é percebido nos nossos dias, conforme Gadamer. Para ele o

problema da compreensão tem adquirido atualidade perante a situação política e social do mundo

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e da agravação das tensões que caracterizam nosso presente. Os esforços de entendimento em

todos os campos parecem fracassar frente há uma falta de uma linguagem comum. E os

conceitos em uso parecem ser mais estímulos que reforçam os contrastes e agravam a tensões do

que propriamente eliminá-los. “Todo entendimento é um problema linguístico e seu êxito ou

fracasso se produz através da linguisticidade”. (GADAMER, 2002, p. 216).

Com esta tese Gadamer quer defender que não somente o processo inter humano de

entendimento, se não o processo mesmo de compreensão é um feito linguístico inclusive quando

se dirige a algo extralinguístico, um diálogo interno da alma consigo mesmo. Este compreender

mudo, silencioso, é o modo supremo e íntimo de compreensão.

Almeida analisando o pensamento de Gadamer descreve que, em relação a linguagem é

preciso analisar dois fenômenos: Acordo Tácito e Leitura do Pensamento. Alguém que se

maravilha ou fica mudo de admiração, longe de ser uma falta de linguagem, ou fim dela, é por

assim dizer uma linguagem em potência, é a partir daí que ela começa. Pode não conseguir no

momento encontrar palavras que exprimam tudo o que se quer dizer e nem saber por onde

começar de tanto que quer dizer.

A problemática da compreensão é objeto de muitos debates especialmente nas ciências que

não oferecem uma exata metodologia de verificação. Esta por sua vez consiste em somente dar

uma mera evidência interna da compreensão, que aparece pronta. O esforço de compreensão

começa quando alguém encontra algo que lhe resulta estanho, provocador, desorientador.

O fenômeno da compreensão perpassa não somente tudo o que diz respeito ao mundo do ser humano. Tem vitalidade independente também no terreno da ciência e resiste à tentativa de deixar-se ser reinterpretado como um método da ciência. (GADAMER, 2002 )

Os gregos utilizavam a palavra atopon para dizer compreensão. Significa a tópico, não

localizado, algo que encaixa em nossos esquemas de expectativas de compreensão e que por isto

é desconcertante (desconcerta). Para Platão, é aí que começa a filosofia, a partir do desconcerto.

Assim podemos dizer que os obstáculos para o entendimento e o consenso são os que

fundamentam a tarefa da vontade de compreensão.

A ciência moderna, nascida no séc. XVII se funda num ideal de método que garanta o

progresso do conhecimento. Privilegia uma forma de aceso ao mundo que certamente não é a

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única que possuímos. Com ela surgiu um modo de conhecimento metódico muito definido que

tem provocado tensão entre nosso conhecimento não metódico do mundo, que abarca todo o

âmbito de nossa experiência vital, e os valores cognitivos da ciência.

O que desfigurou o fenômeno da compreensão foi à ciência moderna e seu ideal

metodológico. As ciências que trabalham com a compreensão se ajustaram cada vez mais ao

conceito metodológico deste gênero e por isso conceberão como eliminação de mal-entendidos,

como mediação da distância entre o eu e o tu. O entendimento é mais originário que o mal-

entendido, porque a compreensão desemboca sempre no entendimento restabelecido.

A linguagem é a que constrói e sustenta a orientação comum no mundo. Falar uns com os

outros não é primeiramente discutir entre si. Segundo Rohden, “linguagem não é somente a

linguagem de palavra. Há a linguagem dos olhos, a linguagem das mãos, mostrar e nomear, tudo

isto é linguagem e confirma que linguagem é sempre na relação de um-com-outro.” (ALMEIDA,

2000, p. 162). A verdadeira comunicação humana consiste em que o diálogo não impõe a opinião

de um contra o outro e nem agrega a opinião de um na do outro. O diálogo transforma uma e a

outra pessoa. A coincidência já não é mais minha opinião ou tua, é uma interpretação comum do

mundo, há uma compreensão recíproca. Assim, a compreensão se amplia na fala e na

conversação.

A linguagem desenvolve sempre sua tensa vida em um antagonismo entre a

convencionalidade e a ruptura revolucionária, conforme Almeida, todos temos tido um

adestramento linguístico no período escolar, o que não quer dizer que a educação seja sempre um

processo repressivo.

O que cabe perguntar é se a relação entre o conformismo natural da sociedade e as forças

que desfazem e derivam de um conhecimento crítico não se hão modificado qualitativamente em

uma civilização técnica altamente industrializada?

A técnica de formação de opinião pública outorga hoje a regulamentação linguística

mediante controle central de uma influência que distorce, estranhamente, o conformismo natural

da sociedade. Esta regulamentação linguística dirigida é um instrumento de política. E isto limita

constantemente a liberdade crítica do investigador.

Possuem os sistemas comunicativos desenvolvidos dentro da investigação científica o

caráter de uma linguagem própria? Qual é a relação entre a linguagem e o pensamento científico e

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o extra científico? É correto afirmar que toda linguagem busca, como sua perfeição, uma

aproximação gradual a linguagem científica?

Para responder estas questões Gadamer contrapõe o enunciado e a palavra. A palavra (Wort,

em alemão) se refere aqui a aquela que se pode dirigir a alguém, a palavra dita e sentenciada em

um determinado e preciso contexto vital e que recebe sua unidade desta comunidade de contexto

vital, aponta para além de um unificante da razão humana, é a sede da existência.

O enunciado não é a única forma discursiva que existe. A pergunta é o fenômeno mais

intermediário, implica estar tão próximo do enunciado como nenhum outro fenômeno

linguístico. Para a ciência moderna os enunciados são uma espécie de tesouro de verdades

metodológicas garantidas.

Os problemas de responsabilidade social e humana da ciência que tanto pesam em nossa

consciência desde Hiroshima se agonizam como consequência do processo metodológico da

ciência moderna, que não pode dominar os fins aos quais se aplicam seus conhecimentos como

domina suas próprias relações lógicas. A abstração metodológica da ciência moderna que lhe há

proporciona êxitos ao possibilitar a aplicação prática a que chamamos de técnica. Por isto a

técnica como aplicação da ciência não é por sua vez controlável. Não é a ciência, mas nossa

capacidade humana e política global que pode garantir a aplicação razoável de nosso saber, e

fazer com que evitemos as catástrofes extremas.

Será que os enunciados não estariam sempre motivados? Para Gadamer é correto afirmar

que o que entendemos por enunciado nunca está isento de motivações. Falamos sempre

motivados e não fazemos uma declaração de um enunciado, e sim respondemos. Responder uma

pergunta significa perceber o sentido da pergunta e o que nos motiva a ela. Nunca um enunciado

possui um pleno sentido em si mesmo.

A linguagem não depende de quem a usa. A linguagem consiste em que as palavras tenham

uma gama semântica oscilante e justamente esta oscilação constitui o risco peculiar da fala. Uma

palavra engendra a outra, que cada palavra seja suscitada pela outra e ao mesmo tempo mantenha

aberta à marcha do discurso esta é a tarefa de uma tradução. O estar em um contexto, não perde

a polivalência que a palavra possui em si. A linguagem aponta sempre ao espaço aberto de sua

continuação. Sempre terá mais e mais por se dizer em direção a aquilo iniciado pela linguagem. A

linguagem se torna no elemento da conversação.

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Se o fenômeno da linguagem não se contempla desde o enunciado observado, se não desde

a totalidade de nossa conduta no mundo, que é por sua vez um viver em diálogo, se poderá

compreender melhor porque o fenômeno da linguagem é tão enigmático, atrativo e opaco ao

mesmo tempo. Falar é a ação de máximo auto escutar que realizamos como seres racionais. A

linguagem possui uma força protetora e ocultadora. É interessante notarmos também que dentro

da unidade vital da linguagem, a linguagem da ciência é somente um momento integrado, que

Habitamos na Palavra.

Parece então que há um direcionamento no sentido de culpar a linguagem pelo que

estamos vivendo. Será realmente linguagem a culpada por nos encontrarmos nesta situação? Esta

suspeita se dá perante a nossa inquietude atual em relação ao futuro, o receio de se seguir

impulsionando a industrialização e a exploração do nosso trabalho humano e organizando nosso

planeta a modo de uma imensa fábrica, colocando assim, em perigo a condições vitais do ser

humano, tanto no plano biológico como no plano de seus ideais humanos chegar a

autodestruição. Por isto nos perguntamos hoje se não há algo de errado em nossa conduta no

mundo?

A linguagem exerce influência sobre o pensamento. Pensamos com palavras. Pensar

significa pensar algo e pensar algo significa dizer algo. Platão define pensamento como diálogo

interno da alma consigo mesmo, um diálogo que é um constante transcender-se, uma reflexão

sobre si mesmo e os próprios juízos e opiniões, numa atitude de dúvida e de objeção. E se tem

algo que caracteriza nosso pensamento é o diálogo interminável consigo mesmo e que nunca leva

a nada definitivo.

Em nossa experiência linguística a inserção no diálogo interno conosco mesmos, que é por

sua vez o diálogo antecipado com os outros e a entrada de outros em diálogo conosco, a que abre

e ordena o mundo em todos os âmbitos de experiência. Mas o que significa reconhecer as

experiências como idênticas e quando se produz a unidade de um universal? Ou melhor, como se

forma de muitas perspectivas a unidade de uma experiência e como se forma lentamente a

pluralidade das experiências algo assim como uma consciência do geral que se conserva nestes

fluxos de aspectos trocados da vida de experiência.

Na aprendizagem da fala percebemos que não há uma primeira palavra, e crescemos a

medida que aprendemos a falar e nos familiarizar com o mundo. Este processo chamamos de

maduração na conduta social. Segue se daí que tudo depende de como assimilamos os esquemas

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de nossa futura orientação do mundo mediante a aprendizagem da fala e de tudo que assimilamos

por via do diálogo. Assim com a aprendizagem da fala é no fundo um constante exercício de

expressões e temas, também nossa formação em crenças e opiniões é um caminho para mover-se

em uma estrutura pré-formada de articulações significativas.

Estamos familiarizados com um mundo pré-formado e convencional. Será que realmente

se consegue dizer o que se pretende dizer? A compreensão total e o dizer adequado são casos

limites de nossa orientação no mundo, de nosso diálogo interminável conosco mesmo.

Para Gadamer, justamente, porque este diálogo é interminável, pois esta orientação objetiva

que nos oferece em esquemas pré-formados do discurso, entra constantemente no processo

espontâneo do nosso entendimento com os outros e conosco mesmos, por tudo aquilo que se

nos abre assim a infinitude de aquilo que compreendemos, de aquilo que podemos fazer

espiritualmente nosso, não há nenhuma fronteira para o diálogo da alma consigo mesma. Com

esta tese, quer opor-se a suspeita da ideologia lançada contra a linguagem.

O que se quer é mostra a universalidade da compreensão e da linguagem. Faz se assim a

pergunta: não há uma série de graves objeções contra a universalidade de nossa experiência do

mundo mediada pela linguagem? As línguas são modos de ver e de conceber o mundo, de sorte

que é impossível sair-se da cosmo visão respectiva, cujos esquemas se internalizam no indivíduo.

Mas, até que ponto tudo está pré-determinado pela linguagem? Ou, quem negará que nossas

possibilidades humanas não residem exclusivamente na linguagem? Devemos reconhecer que

toda a experiência linguística do mundo é um saber do mundo e não da linguagem, que nossa

experiência do mundo não se produz somente na aprendizagem da fala em no exercício

linguístico, há uma experiência pré-linguística do mundo. Por detrás de todas as relatividade da

linguagem e convenções há algo comum que não é a linguagem.

Desta forma pode se concluir que verdadeiro mal entendido da questão da compreensão é

um mal entendido sobre a linguagem, como se esta fosse uma invenção contingente de palavras e

frases, conceitos, opiniões e modos de ver. A linguagem é na realidade a única cuja virtude nos

abre a possibilidade incessante de seguir falando e conversando e a liberdade de dizer e deixar se

dizer algo. A linguagem não é uma convencionalidade reelaborada nem um lastre de esquemas

prévios quem nos enchem, se não a força geradora e criadora capaz de fluir uma e outra vez este

material.

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Linguagem é o verdadeiro centro do ser humano, só ela preenche o domínio de estar com

o outro, de compreender. É tão imprescindível à vida humana quanto o ar que respiramos.

Referências Bibliográficas:

ALMEIDA, Custódio Luís Silva de. Hermenêutica Filosófica: nas trilhas de Hans-Georg Gadamer /

Custódio Luís Silva de Almeida, Hans-Georg Flickinger, Luiz Rohden. Porto Alegre: EDIPUCRS

(Coleção Filosofia; 117), 2000.

ALMEIDA, Custódio Luís Silva de. A universalidade da hermenêutica: Revista Veritas, Porto Alegre,

v. 44. n.1, p. 33-59. Março,1999.

GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método II: Complementos e índice. Petrópolis: Vozes, 2002.

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AS FONTES DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN

Vinícius Bogdan Orlandi

Universidade Estadual de Maringá - UEM

Orientador: Prof. Dr. Robespierre de Oliveira

Palavras chave: Crítica ao progresso; Benjamin; filosofia da história; historiador; materialismo

histórico

RESUMO:O presente trabalho tem por objetivo apresentar a crítica da cultura feita por Walter

Benjamin, exibindo sua concepção de filosofia da história, bem como suas fontes e influências (o

romantismo alemão, o messianismo judeu e o marxismo). Fazer um apanhado do

desenvolvimento das teses (Sobre o Conceito de História), e por fim, evidenciar o pensamento

do filósofo alemão de que a ideia de cultura parece representar a perspectiva positivista da

história, a qual incorpora características destrutivas em seu conceito, e este contem as “sementes

da barbárie”, que dão a luz ao melancólico desencantamento da arte.

Palavras chave: Crítica ao Progresso, Walter Benjamin, Filosofia da História, Historiador,

Materialismo Histórico.

O presente artigo pretende debater acerca da Filosofia da História de Walter Benjamin,

com um breve levantamento sobre as fontes das quais seu pensamento bebe, as críticas

direcionadas ao “progresso” da sociedade burguesa capitalista que tendem ao fascismo, a barbárie

acarretada pela dominação das classes vitoriosas da história sobre as classes oprimidas, e por fim,

elucidar o projeto de “salvação” e “redenção” que permeia o trabalho do historiador materialista,

o qual Benjamin propõe em contraposição ao historiador tradicional.

Para Michael Löwy, “a filosofia da história de Walter Benjamin bebe de três fontes

diferentes: o romantismo alemão, o messianismo judeu e o marxismo.” E aqui vale destacar que

Löwy encara o projeto empreitado por Benjamin não como uma síntese dessas fontes

aparentemente incompatíveis, mas como algo totalmente original.

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Este projeto de composição dialética faz o pensamento de Benjamin tomar forma de

“constelação”, onde suas principais obras figuram como “estrelas”, dentre as quais, para o

seguinte debate, nos concentraremos especialmente nas teses Sobre o Conceito de História, nas quais

destacam-se o ataque às ideias de progresso da sociedade capitalista.

Esse ataque não é novo no pensamento de Benjamin, e podemos talvez rastrear sua origem

na conferência de 1914 “Sobre a Vida dos Estudantes”, onde os elementos messiânicos e

revolucionários aparecem frente aos ideias progressistas da sociedade burguesa:

Confiante no infinito do tempo, certa concepção da história discerne apenas o ritmo mais ou menos rápido, segundo o qual homens e épocas avançam no caminho do progresso. Donde o caráter incoerente, impreciso, sem rigor, da exigência dirigida ao presente. Aqui, ao contrario, como sempre têm feito à luz de uma situação determinada que a resume em um ponto focal. Os elementos da situação final não se apresentam como tendência progressista informe, mas, a titulo de criação e ideias em enorme perigo, altamente desacreditadas e ridicularizadas, incorporam-se de maneira profunda a qualquer presente [...] Essa situação [...] só é possível na sua estrutura metafísica, como o reino messiânico ou a ideia revolucionaria, no sentido de 89.

Márcio Seligmann-Silva nos lembra do prefácio da Origem do Drama Barroco Alemão, em

queBenjamin critica o estado da germanística de então, pela “vulgarização e a banalização

historicizante dos estudos germanísticos no último terço do século não foram muito favoráveis às

pesquisas sobre o drama barroco (Trauerspiel).”

Neste panorama que ele descreve a germanística do século XIX, prepondera uma imagem

desoladora: predomínio de uma postura positivista do tipo “coletar e cuidar” (Sammelnund Hegen),

uma tentativa de aproximação com as ciências naturais, ao lado da tematização privilegiada do

“colossal cortejo do triunfo de grandes figuras.” O princípio que está na base deste método é a

empatia (Einfühlung).

O marxismo começa a figurar gradativamente em seu pensamento a partir de 1924, quando

Benjamin se depara com História e Consciência de Classe de Lukacs, a qual se refere em um trecho de

1929: “A obra mais acabada da literatura marxista. Sua singularidade se fundamenta na segurança

com a qual apreendeu, de um lado a situação crítica da luta de classes na situação crítica da

filosofia e, de outro, a revolução, a partir de agora concretamente madura, como a pré-condição

absoluta, ou até mesmo a realização e a conclusão do conhecimento teórico.”

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A luta de classes é incorporada como elemento-chave na visão da História de Benjamin, mas

ele nega outros elementos básicos do materialismo histórico das correntes marxistas tradicionais,

como a ideia de que a revolução é algo “natural” ou “inevitável” do processo econômico, e

mantem-se firme às suas intuições “antiprogressistas” de caráter romântico e messiânico,

encarando o progresso técnico como um trem desgovernado à caminho de um abismo.

É ao perceber esse caminho à barbárie que Benjamin formula seu pessimismo no artigo sobre

o surrealismo de 1929. E aqui não se deve cometer o engano de se pensar um pessimismo de

resignação, complacência ou conservadorismo, pois para o filósofo trata-se de um pessimismo

revolucionário, o qual está a serviço da emancipação das classes oprimidas. “Sua preocupação”,

diz Löwy, “não é a derrubada das classes dominantes, mas as ameaças que o progresso técnico e

econômico faz pesar sobre a humanidade.”

Para entendermos o conceito de História para Benjamin, devemos antes entender quem é a

figura que conta, ou melhor, que narra a história, a saber, o historiador. Para tanto cabe a nós

recuperarmos a relação que Benjamin estabelece entre o narrador de uma obra literária com o

narrador da história. Nesse sentido, cito Susana Kampff Lages:

O que é a história, como disciplina, senão uma outra espécie de narrativa fundamentalmente melancólica, cujo objeto de estudo encontra-se ausente, por definição, inalcançável para o estudioso que, paradoxalmente, tanto mais é considerado apto a aproximar-se dele quanto mais distanciado em termos cronológicos estiver? Se toda a narrativa contém a marca mais ou menos incisiva de um narrador, na visão que a disciplina da história fornece do passado, está inevitavelmente incluída a perspectiva do sujeito que a escreve. [...] A visão da história mais tipicamente benjaminiana está nas teses “Sobre o Conceito da História”, em que nos apresenta um panorama povoado por imagens de morte, destruição, por um lado, e redenção iluminada, por outro. Em seu centro, exatamente na nona tese (ao todo, são dezoito), encontra-se a imagem do anjo da história que, arrastado para o futuro por uma tempestade provinda do paraíso, contempla o passado como cenário de ruína. Ao redor dela, Benjamin enfrentará a dura batalha de combater o historicismo com uma interpretação muito pouco ortodoxa, quase literária, do materialismo histórico.

A crítica literária de Benjamin parte de uma indistinção de princípio entre o trabalho do

crítico e o do historiador. Não que Benjamin tenha confundido atividade da crítica com a da

história da literatura. Ele, aliás, sempre fez questão de delimitar estas duas atividades de modo

claro. O que ocorre é que, para ele, para não correr o risco de cair no abismo do positivismo, do

puro formalismo ou do historicismo, uma não pode existir sem a outra.

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Na análise da terceira tese Sobre o Conceito de História, o cronista é descrito como aquele

que não distingue “os grandes dos pequenos acontecimentos”, pois ele leva em conta o fato de

que “nada do que já ocorreu pode ser dado por perdido para a história.”

Ao pensar o historiador como um “cronista”, Benjamin caracteriza dois tipos historiadores:

o historicista tradicional e o materialista histórico. Para elucidar a diferença mais significativa

entre estes, cito Benjamin na sétima tese:

Impossível caracterizar melhor o método com o qual rompeu o materialista histórico. Esse é o método da empatia. Sua origem é a inércia do coração, a acedia, que desespera de apropriar-se da verdadeira imagem histórica, em seu relampejar fugaz. Para os teólogos medievais, a acedia era o primeiro fundamento da tristeza. [...] A natureza desse tristeza se tornará mais clara se nos perguntarmos com o que investigador historicista estabelece uma relação de empatia. A resposta é inequívoca: com o vencedor.

A este respeito, Löwy entende que “o historicista vê a história como uma sucessão gloriosa

de altos fatos políticos e militares”, e Seligmann-Silva retoma uma nota de Bejamin que diz:

“’Würdigung’ é empatia com a catástrofe”, e explica que “o método que ele (Benjamin) havia

criticado na germanística é idêntico ao do historicismo que ele criticou então, que ‘não tem

nenhuma armação teórica’, e cujo ‘procedimento é aditivo’, contenta-se em estabelecer ‘nexos

causais entre diferentes momentos da história’.”

Daí segue-se a comparação de Benjamin das “conquistas” da humanidade como bens

culturais, adquiridos pelo sacrífico de inúmeros seres humanos. Cito,novamente Benjamin na

sétima tese:

Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos de bens culturais. O materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir com horror. Devem sua existência não somente aos esforços dos grandes gênios que os criaram, como à servidão anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse simultaneamente um monumento da barbárie. E assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é tampouco o processo de transmissão da cultura.

Aos olhos do anjo do quadro de Klee, estes bens culturais nada mais são do que ruínas, e

se compreendemos a história como uma simples cadeia de acontecimentos, ele a vê uma

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catástrofe única, a qual esta impedido de evitar pela mesma tempestade que o levará a contemplar

tal cenário de desespero. Cito, na nona tese:

Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que o anjo não pode mais fecha-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele volta as costas, enquanto o amontoado de ruínas diante dele cresce até o céu. É a essa tempestade que chamamos de progresso.

Aqui vale destacar mais um elemento romântico no pensamento de Benjamin, a saber, de

que o progresso é essa “tempestade” a qual nada podemos fazer para evitar, e que leva a

continuidade da história adiante, para um futuro que “acumula incansavelmente ruína sobre

ruína”.

Mas se até aqui encontramos a “morte e a destruição” de que Susana Kampff Lages havia

falado, onde podemos encontrar a redenção iluminada?

A resposta para tal pergunta apresenta-se ao longo de sua crítica aos políticos, ao

conformismo presente na socialdemocracia, à forma como o conhecimento histórico é escrito

pelas classes dominadas, de forma que apresenta no desenvolvimento de suas obras uma possível

“salvação”. A despeito disso, cito a décima segunda tese:

O sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente e oprimida. Em Marx, ela aprece como a última classe escravizada, como a classe vingadora que consuma a tarefa de libertação em nome das gerações de derrotados. Essa consciência, reativada brevemente no movimento espartaquista, foi sempre inaceitável para a social-democracia. Em três decênios, ela quase conseguiu extinguir o nome de Blanqui, cujo eco abalara o século passado. Preferiu atribuir à classe operária o papel de redentora das gerações futuras. Com isso, ela cortou o nervo das suas melhores forças. A classe operária desaprendeu nessa escola tanto o ódio como o espírito de sacrifício. Porque ambos se alimentam da imagem dos antepassados escravizados, e não do ideal dos descendentes libertados.

Sobre tal apontamento, Jeanne Marie Gagnebin nos diz que “Benjamin tenta pensar uma

‘tradição’ dos oprimidos que não repousaria sobre o nivelamento da continuidade, mas sobre os

saltos, o surgimento, a interrupção e o descontinuo.”

Seligmann-Silva aponta o colecionador/historiador alegorista como aquele que quer salvar

na sua arca o máximo possível de ruínas da enchente/tempestade chamada progresso/fascismo.

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Porém como em termos de uma vida humana tal trabalho de recolhimento de todos os cacos da

história é impossível, resta ao historiador selecioná-los, como o trapeiro, e extrair de cada caco o

todo. Segue-se daí a tese XVII, onde Benjamin apresenta a concepção de historiografia como

desconstrução do tempo contínuo: o materialista histórico “arranca a época da ‘continuidade

histórica” coisificada, assim como a vida de uma época, assim como a obra, da obra de uma vida.

Aqui vale destacar que na obra Origem do Drama Barroco Alemão, Benjamin descreveu a

relação do melancólico com o mundo material, que está, na verdade bem próxima dessa postura

do colecionador-historiador: “A melancolia trai o mundo graças ao saber. Mas a sua meditação

continuada recebe as coisas mortas, na sua contemplação, para salvá-las.”

Foi essa contemplação que levou Benjamin, no trabalho sobre as passagens de Paris, à uma

“salvação”: seu Passagen-Werl era na verdade uma enorme “arca” construída para transportas e

salvar os mortos, fazer com que esses mortos, as ruínas de uma Europa destroçada, fossem

lembrados, passados para o presente.

A “salvação” era, para Benjamin, uma categoria tanto política quanto literária; daí porque o

trabalho de salvação do historiador do Passagen-Werk vincula-se à teoria benjaminiana do “agora

da conhecibilidade”: a salvação pode dar-se apenas em um momento único – o kairós – no qual o

historiador – com “presença de espírito” [Geistesgegenwart] – reconhece determinado elemento

do passado como seu contemporâneo.

É esse reconhecimento o salto dialético que Benjamin diz ser a Revolução como Marx a

concebeu.

Referências Bibliográficas:

BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin, Obras Escolhidas volume 1: Magia e Técnica, Arte e Política. SP:

Editora Brasiliense. 8ed., 2012.

___________. Origem do Drama Trágico Alemão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.

LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin, Tradução & Melancolia. SP: Editora EDUSP, 2007.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em W. Benjamin. SP: Editora Perspectiva, 1994.

ROCHLITZ, Rainer. Le désenchantement de l’art.ÉditionsGallimard, 1992.

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Ler o Livro do Mundo. SP: Editora Iluminuras, 1999.

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MISSAC, Pierre. Passagem de Walter Benjamin. SP: Editora Iluminuras, 1998.

LÖWY, Michael. A Filosofia da História de Walter Benjamin. SP: Revista Estudos Avnaçados16 (45),

2002.

___________. Romantismo e Messianismo, Ensaios sobre Lukács e Benjamin. SP: EDUSP, 1990.

___________.Walter Benjamin: Aviso de Incêndio. SP: Boitempo Editorial, 2005.

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INDICE POR AUTORES:

RESUMOS

Adelson Cheibel Simões 28

Adriana Paula de Souza 32

Adriano Marcelo Thiel 31

Alderberti B. Prado 38

Alexandre Moschen Ortigara 39

Amilton Martins Oliveira 40

Anderssieli Irion Boschetti 42

André Murilo Oliveira 43

Angélica de F. de Almeida Lara 44

Angela Maria da Silva 45

Angelina Cortelazzi Bolzam 48

Anna Maria Lorenzoni 51

Bruno Fernandes de Oliveira 52

Bruno Gonçalves da Paixão 54

Bruno Martinez Portela 55

Carla Musa Latsch Cherem 56

Carlos Ferreira 57

Carlos Roberto Bueno Ferreira 58

Caroline Marangoni 59

César Augusto Battisti 60

Charles Eriberto Wengrat Pichler 61

Christian Lindberg L. do Nascimento 63

Christiano Tortato 64

Cleberson Odair Leonhardt 65

Cleyton Francisco Oliveira Araújo 66

Cristiane Picinini 67

Cristiane R. Xavier Candido 69

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Daniel Salésio Vandresen 70

Daniele Bet 71

Dayanne Vicentini 72

Dean Fábio Gomes Veiga 73

Devair Gonçalves Sanchez 74

Douglas Antônio Fedel Zorzo 75

Douglas Maranhão Marques 77

Douglas Meneghatti 78

Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo 79

Eleandro Lopes Depieri 80

Erickson dos Santos 81

Felipe Ricardo Deuter Becker 82

Francieli Constantini 83

Gerson Lucas Padilha de Lima 84

Gilson Arend 85

Giovanna Takata Liberatti 86

Guilherme Gonçalves Ribeiro 87

Hélio Clemente Fernandes 88

Isis Moraes Zanardi 89

Jaime José Rauber 90

Jarbas Mauricio Gomes 91

João Antônio Ferrer Guimarães 93

João Guilherme Alvares de Farias 94

João Vitor de Oliveira Rego 95

João Willian Stakonski 97

José Carlos Mendonça 98

José Luiz Ames 100

José Luiz Giombelli Mariani 103

Josete Rockenbach 104

Josieli Aparecida Opalchuka 105

Juan Manuel Terenzi 106

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Juliana Abuzaglo Elias Martins 107

Katyana Martins Weyh 108

Kelly Scherer 109

Lairton Moacir Winter 110

Leandro Mateus Fernandes111

Leandro Righi de Sousa 112

Letícia Nunes Goulart 113

Luana Marques 115

Luana Pagno 117

Lucas Eduardo Gaspar 118

Lucas Henrique Nunes Batista 119

Lucas Mateus Dalsotto 120

Lucas Silva Russo 121

Luis Carlos Goetz 122

Luiz Antonio Brandt 123

Maiara Graziella Nardi 124

Márcia Elaini Luft 126

Marco Aurélio Palu 127

Maria Eduarda Pereira 128

Maria Lucivane de Oliveira Morais 129

Mariana de Macêdo Seixas 130

Marilda Pereira dos Santos 132

Marli Batista Basseto 133

Matheus Avelaneda 135

Maurício Smiderle 137

Odair Salazar da Silva 138

Paulo Alves de Oliveira 139

Pedro Henrique Vieira 140

Rafael Adilson Ribeiro 141

Rafael de Barros 142

Renato Francisco Merli 143

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Ricardo Corrêa 144

Roberto S. Kahlmeyer-Mertens 145

Rodrigo Cavalheiro de Lima 146

Rômulo Gomes 147

Roni Lenon da Silva 148

Rosa de Lourdes Aguilar Verástequi 78

Roselene Aparecida Moreira 149

Samuel Schaia 150

Silvio Alves 152

Sindy Miriam Leite 153

Solange de Moraes Dejeanne 154

Thayla Magally Gevehr 155

Thiago Ossucci Santello 156

Toani Caroline Reinehr 157

Ulisses Santo do Nascimento 158

Valbert Luíz Cortarelli Júnior 159

Valéria Mazzer Tortelli 160

Vera Vilma Fernandes Leite 161

Vinícius Bogdan Orlandi 162

Viviane Bonfim Fernandes 163

Yohana Silva Marques dos Santos 164

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INDICE POR AUTORES:

ARTIGOS COMPLETOS

Adeilson Lobato Vilhena 166

Ademir Menin 176

Alderberti Batista Prado 184

Alexandre José Krul 190

Alexandre Moschen Ortigara 197

Alícia Beatriz Mallmann Piccinin 204

Anna Cecilia Amaral Branco da Silva 211

Bruno Fernandes de Oliveira 217

Caroline Marangoni 223

Cezar Augusto Lazzarotto 368

Christian Lindberg L. do Nascimento 230

Daniele Bet 237

Dayanne Vicentini 245

Douglas Maranhão Marques 253

Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo 263

Eleandro Lopes Depieri 271

Elizandra Bruno Sosa 277

Gabriel Allan Drehmer Gonçalves 285

Gilson Arend 294

Giovanna Takata Liberatti 301

Gustavo Ellwanger Calovi 310

Henrique Zanelato 315

Jarbas Mauricio Gomes 324

João Guilherme Alvares de Farias 331

José Carlos Mendonça 338

Josete Rockenbach 346

Juliana Abuzaglo Elias Martins 353

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ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia

Juliane Cristina Helanski Cardoso 359

Kátia R. Salomão 365

Katyana Martins Weyh 384

Kayenne Cristine Ferigotti Santos Vosgerau 390

Kelly Scherer 397

Lairton Moacir Winter 412

Leandro Nunes 417

Luana Aparecida de Oliveira 426

Luana Borges Giacomini 433

Lucas Henrique Nunes Batista 437

Luís Fernando Jacques 446

Maria Constança Peres Pissarra 272

Maria Lucivane de Oliveira Morais 452

Marilda Pereira dos Santos 464

Marlon José Alves dos Anjos 472

Michele Borges Heldt 481

Nadimir Silveira de Quadros 489

Neomar Sandro Mignoni 496

Rafael Adilson Ribeiro 503

Ricardo Corrêa 509

Roberto S. Kahlmeyer-Mertens 516

Rosalvo Schütz 530

Tamara Havana dos Reis Pasqualatto 533

Thiago Ossucci Santello 542

Toani Caroline Reinehr 550

Vilson Joselito Schütz 557

Vinícius Bogdan Orland 564