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ISSN 2179-166X Revista SÍNTESE - iob.com.br · Carta do Editor Esta edição da Revista SÍNTESE Direito Civil e Processual Civil vem focada nas alterações do Novo Código de Processo

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Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

ano Xiii – nº 97 – set-out 2015 eDição esPeCial – novo CPC

rePositório autorizaDo De JurisPruDênCiaSuperior Tribunal de Justiça – nº 45/2000

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007

Diretor eXeCutivo Elton José Donato

Gerente eDitorial e De ConsultoriaEliane Beltramini

CoorDenaDor eDitorialCristiano Basaglia

eDitoraSimone Costa Salleti Oliveira

Conselho eDitorialAda Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim,

Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim,

José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

ColaboraDores Desta eDiçãoAlex Araujo Terras Gonçalves, Alex Perozzo Boeira, Alexandre Freitas Câmara, Antonio Carlos Marcato, Bruno Campos Silva, Carlos da Fonseca Nadais, Carlos Eduardo Oliveira Dias, Carlos Henrique Soares,

Celso Hiroshi Iocohama, Christine Oliveira Peter da Silva, Clito Fornaciari Júnior, Cristiano de Melo Bastos, Diego Santiago y Caldo, Felipe Cunha de Almeida, Felipe Scalabrin, Flávio Luiz Yarshell, Gelson Amaro de Souza,

Georgenor de Sousa Franco Filho, Gilberto Kerber, Gisele Leite, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Handel Martins Dias, Henrique Alves Pinto, Jorge Sylvio Marquezi Junior, José Henrique Mouta Araújo,

Leonardo Faria Schenk, Leonardo Oliveira Soares, Luiz Manoel Gomes Junior, Marcelo Marzochi, Marco Aurélio Serau Junior, Mirelle Stefani da Silva, Miriam Fecchio Chueiri, Nehemias Domingos de Melo,

Olney Queiroz Assis, Patricia Palhares Aversa Marzochi, Rodrigo Mazzei, Sergio Pinto Martins, Valdeci Mendes de Oliveira, Vinícius de Carvalho P. Mendonça, Vinicius Silva Lemos,

Walter Piva Rodrigues

ISSN 2179-166X

Carta do Editor

Esta edição da Revista SÍNTESE Direito Civil e Processual Civil vem focada nas alterações do Novo Código de Processo Civil que entrarão em vigor em março de 2016.

Depois de tantos estudos, discussões, e conclusões, a disciplina legal aprovada fomenta que as controvérsias sejam solucionadas de forma con-sensual, por meio de conciliação e da mediação. Tudo em prol da celerida-de processual, com a solução amigável do litígio.

Apresentamos uma coletânea de estudos, trazendo doutrinas que abrangem diversos temas, tanto quanto é possível, de cunho prático de grandes nomes do Direito, tais como: Alexandre Freitas Câmara, Walter Piva Rodrigues, Valdeci Mendes de Oliveira, Nehemias Domingos de Melo, Georgenor de Sousa Franco Filho, Sergio Pinto Martins, Carlos Eduardo Oliveira Dias, Alex Perozzo Boeira, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Antonio Carlos Marcato, Rodrigo Mazzei, Carlos Henrique Soares, José Henrique Mouta Araújo, Luiz Manoel Gomes Junior, Miriam Fecchio Chueiri, Marco Aurélio Serau Junior, Handel Martins Dias, Celso Hiroshi Iocohama, Leonardo Faria Schenk, Gelson Amaro de Souza, Gisele Leite, Christine Oliveira Peter da Silva, Olney Queiroz Assis, Carlos da Fonseca Nadais, Jorge Sylvio Marquezi Junior, Leonardo Oliveira Soares, Felipe Cunha de Almeida, Felipe Scalabrin, Clito Fornaciari Júnior, Diego Santiago y Caldo, Flávio Luiz Yarshell, Henrique Alves Pinto, Cristiano de Melo Bastos, Mirelle Stefani da Silva, Bruno Campos Silva, Gilberto Kerber, Vinícius de Carvalho P. Mendonça, Vinicius Silva Lemos, Marcelo Marzochi, Patricia Palhares Aversa Marzochi e Alex Araujo Terras Gonçalves.

Excepcionalmente, nesta edição, não serão publicados os Acórdãos na íntegra do repositório autorizado.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

Sumário

Parte Geral

Doutrinas

1. O Princípio da Primazia da Resolução do Mérito e o Novo Código de Processo CivilAlexandre Freitas Câmara ..................................................................................................................9

2. Breves Anotações sobre o Incidente de Assunção de Competência no Novo CPC/2015Walter Piva Rodrigues .....................................................................................................................17

3. O Poder Judiciário, o Código de Processo Civil de 2015, a Técnica da Cognição e as Tutelas Provisórias. Breves ConsideraçõesValdeci Mendes de Oliveira ............................................................................................................22

4. Da Gratuidade da Justiça no Novo CPC e o Papel do JudiciárioNehemias Domingos de Melo .........................................................................................................58

5. Férias (de Advogado) e Recesso ForenseGeorgenor de Sousa Franco Filho ....................................................................................................66

6. Perícia no Novo CPC e o Processo do TrabalhoSergio Pinto Martins ........................................................................................................................73

7. A Carga Principiológica do Novo CPC e a Instrumentalidade do ProcessoCarlos Eduardo Oliveira Dias ..........................................................................................................82

8. Inovação Recursal no Juízo de Retratação dos Artigos 543-C do CPC e 1.053 do Novo CPCAlex Perozzo Boeira ........................................................................................................................97

9. Mediação e Autocomposição: Considerações sobre a Lei nº 13.140/2015 e o Novo CPCGustavo Filipe Barbosa Garcia ......................................................................................................148

10. Os Precedentes Judiciais e o Novo CPCAntonio Carlos Marcato .................................................................................................................162

11. O Dever de Motivar e o “Livre Convencimento” (Conflito ou Falso Embate?): Breve Análise do Tema a Partir de Decisões do Superior Tribunal de Justiça e com os Olhos no Novo Código de Processo CivilRodrigo Mazzei .............................................................................................................................165

12. Abuso do Direito Processual no Novo Código de Processo CivilCarlos Henrique Soares .................................................................................................................177

14. A Duração Razoável do Processo e o Fenômeno da Coisa Julgada no Novo Código de Processo CivilJosé Henrique Mouta Araújo .........................................................................................................200

15. Algumas Considerações sobre os Recursos no Novo Código de Processo Civil – Impressões IniciaisLuiz Manoel Gomes Junior e Miriam Fecchio Chueiri ...................................................................224

16. Impacto do Novo CPC sobre as Ações PrevidenciáriasMarco Aurélio Serau Junior ...........................................................................................................241

17. A Gratuidade da Justiça no Novo Código de Processo CivilHandel Martins Dias ......................................................................................................................260

18. O Princípio da Veracidade e o Direito de Não Fazer Prova Contra Si Mesmo Perante o Novo Código de Processo CivilCelso Hiroshi Iocohama ................................................................................................................277

19. Notas sobre a Interdição no Código de Processo Civil de 2015Leonardo Faria Schenk ..................................................................................................................308

20. Execução e Responsabilidade Patrimonial no CPC/2015Gelson Amaro de Souza ................................................................................................................326

21. Considerações sobre Ontologia Processual Civil Contemporânea e o CPC/2015Gisele Leite ...................................................................................................................................350

22. Sistemática da Repercussão Geral no Novo Código de Processo CivilChristine Oliveira Peter da Silva ....................................................................................................371

23. Condomínio Edilício e o Novo CPCOlney Queiroz Assis ......................................................................................................................391

24. Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurisprudencial Atualizado (Incluindo o Novo Código de Processo Civil)Carlos da Fonseca Nadais ..............................................................................................................415

25. A Sistemática Recursal no Novo Código de Processo Civil: Pontos Positivos e NegativosJorge Sylvio Marquezi Junior .........................................................................................................445

26. Coisa Julgada, Coerência Jurisprudencial e o NCPC: Ligeiro ApontamentoLeonardo Oliveira Soares ..............................................................................................................459

27. O Novo Código de Processo Civil e as Ações de Família: Emenda Constitucional nº 66/2010 e a Confirmação da Manutenção da Separação Judicial no Ordenamento BrasileiroFelipe Cunha de Almeida ..............................................................................................................468

28. A Crise do Poder Judiciário sob as Lentes do Novo Código de Processo CivilFelipe Scalabrin .............................................................................................................................493

29. O Novo Processo Como uma Nova FilosofiaClito Fornaciari Júnior ...................................................................................................................504

30. O Ideal Controle Jurisdicional de Políticas Públicas e o Novo Código de Processo CivilDiego Santiago y Caldo .................................................................................................................507

30. Novo CPC e o Processo Eleitoral: Solução para o Problema do Julgamento de Demandas Fundadas nos Mesmos Fatos?Flávio Luiz Yarshell .......................................................................................................................524

31. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica do Novo CPC: Breves ConsideraçõesHenrique Alves Pinto .....................................................................................................................528

32. O Novo CPC e a Usucapião Administrativa: a Desjudicialização do ProcedimentoCristiano de Melo Bastos e Mirelle Stefani da Silva ........................................................................537

33. Embargos de Declaração e o Novo Código de Processo CivilBruno Campos Silva ......................................................................................................................558

34. Honorários Advocatícios: o Que Muda no Novo Código de Processo CivilGilberto Kerber ..............................................................................................................................569

35. O Procedimento Comum Único e as Causas sobre Direito do Seguro no Novo CPCVinícius de Carvalho P. Mendonça ................................................................................................584

36. A Desistência no Microssistema de Formação de PrecedentesVinicius Silva Lemos ......................................................................................................................602

37. Pedido Genérico na Ação de Dano MoralMarcelo Marzochi e Patricia Palhares Aversa Marzochi ................................................................625

38. Do Reconhecimento Extrajudicial de Usucapião à Luz do Novo Código de Processo CivilAlex Araujo Terras Gonçalves .......................................................................................................629

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................................................635

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publica-ções.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as idéias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Parte Geral – Doutrina

O Princípio da Primazia da Resolução do Mérito e o Novo Código de Processo Civil

ALExAnDRE FREitAs CâmARADesembargador no TJRJ, Professor Emérito e Coordenador de Direito Processual Civil da EMERJ, Membro da Comissão de Juristas que assessorou a Câmara dos Deputados no exa-me do projeto de lei que resultou no novo Código de Processo Civil, Presidente do Instituto Carioca de Processo Civil (ICPC), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual (IIDP) e da Associação Internacional de Direito Processual (IAPL).

SUMÁRIO: 1 O direito fundamental ao exame do mérito; 2 O princípio da primazia da resolução do mérito como norma fundamental do processo civil; 3 Regras de aplicação do princípio da primazia da resolução do mérito no novo CPC; Conclusão.

1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO EXAME DO MÉRITO

Há muito se fala, em sede de doutrina, que existe um direito funda-mental de acesso à justiça, o qual não pode ser visto como mera garantia de acesso ao Judiciário, mas, mais do que isto, deve ser compreendido como o direito fundamental de acesso ao resultado final do processo1. Não obstante isso, sempre foi muito grande o número de decisões obstando o exame de mérito (de processos e de recursos), o que gerou até mesmo um movimento nos Tribunais que ficaria conhecido como “jurisprudência defensiva”2.

A existência de uma jurisprudência defensiva, porém, com a cria-ção de obstáculos ao exame do mérito de processos e recursos, acaba por contrariar o direito fundamental de acesso à justiça (aqui compreendido como garantia de acesso aos resultados a que o processo se dirige, e, pois,

1 Não é por outra razão que a doutrina, ao definir o acesso à justiça, fala expressamente da obtenção dos resultados: FÉRRAND, Frédérique. Ideological background of the Constitution, Constitutional rules and civil procedure. In: International Association of Procedural Law Seoul Conference. Seul: IAPL, 2014. p. 10: onde Se lê que “[a]cesso à justiça se refere à habilidade das pessoas de buscar e obter um remédio através de instituições formais ou informais de justiça, e em conformidade com os standards dos direitos humanos” (tradução livre. No original: “[a]ccess to justice refers to the ability of people to seek and obtain a remedy through formal or informal institutions of justice, and in conformity with the standards of human rights”).

2 Reconhecendo a existência de uma jurisprudência defensiva, vale ler o que disse, em voto proferido no STF, o Ministro Gilmar Mendes: “É evidente que a orientação dominante está presidida por aquela denominada por alguns de nós de ‘jurisprudência defensiva’. Cabe à parte, portanto, tomar todas as medidas para o recurso ser adequadamente aviado e chegue ao Tribunal em condições de ser devidamente apreciado” (STF, AI 496136-AgRg/SP, Rel. Min. Celso de Mello, J. em 15.05.2004).

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garantia de obtenção de pronunciamentos de mérito e de satisfação prática dos direitos)3.

O direito fundamental de acesso à justiça, evidentemente presente no ordenamento jurídico brasileiro (por força do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República), assegura, porém, o acesso aos resultados efe-tivos do processo, notadamente a resolução do mérito (nos procedimentos cognitivos, aí incluídos os recursos) e a satisfação prática do direito subs-tancial (nos procedimentos executivos, inclusive naquele que no Brasil se convencionou chamar de cumprimento de sentença, e que nada mais é do que a execução de decisões judiciais). Para dar efetividade a este direito fundamental, o Código de Processo Civil de 2015 fez constar do rol (não exaustivo) de normas fundamentais do processo civil o princípio da prima-zia da resolução do mérito, objeto deste breve estudo.

2 O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO COMO NORMA FUNDAMENTAL DO PROCESSO CIVIL

O Código de Processo Civil de 2015 é, em sua estrutura (e não só em seu conteúdo), bastante diferente da legislação processual anterior. Des-taca-se, aí, a existência de uma Parte Geral, cujos dispositivos, ao serem interpretados, dão azo à identificação de normas aplicáveis a todos os pro-cedimentos civis (e não só civis, como se pode ver pela leitura do art. 15 do Código). E na Parte Geral do Código tem especial destaque um capítulo denominado “Das normas fundamentais do processo civil”, composto pelos doze primeiros artigos da lei.

Nesse capítulo podem ser encontrados dispositivos cuja interpreta-ção permite a afirmação de princípios e regras que compõem a base do direito processual civil brasileiro. No que concerne aos princípios, especifi-camente, não há – no CPC de 2015 – grandes novidades. É que todos esses princípios já resultam diretamente da Constituição da República de 1988,

3 É claro que o direito ao julgamento do mérito e à satisfação prática do direito não esgota a garantia de acesso à justiça. Como se pode ler em UZELAC, Alan. Goals of civil justice and civil procedure in the contemporary world: Global developments – towards harmonisation (and back). In: UZELAC, Alan (Coord.). Goals of civil justice and civil procedure in contemporary judicial systems. Suíça: Springer, 2014. p. 3: “Qual é o objetivo de tribunais e juízes em causas cíveis no mundo contemporâneo? Seria fácil afirmar o óbvio e repetir que em todos os sistemas de justiça do mundo o papel da justiça civil é aplicar o direito substancial aplicável aos fatos estabelecidos de modo imparcial, e pronunciar julgamentos justos e precisos. O diabo está, como sempre, nos detalhes” (tradução livre. No original: “What is the goal of courts and judges in civil matters in the contemporary world? It would be easy to state the obvious and repeat that in all justice systems of the world the role of civil justice is to apply the applicable substantive law to the established facts in an impartial manner, and pronounce fair and accurate judgments. The devil is, as always, in the details”).

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e compõem o modelo constitucional de processo civil brasileiro4. Não obs-tante isso, o CPC de 2015 explicita esses princípios constitucionais (como os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões judiciais) ou apresenta corolários seus (como os princípios da boa-fé objetiva e da cooperação), o que tem a evidente vantagem de deixar clara a necessidade de se desenvolver o processo a partir de um modelo constitucional. Não é à toa, aliás, que o art. 1º do CPC de 2015 expressamente estabelece que “[o] processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valo-res e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Pois o art. 4º do CPC de 2015 faz alusão a dois princípios funda-mentais do processo civil do Estado Democrático brasileiro: o da duração razoável do processo (que tem guarida constitucional no art. 5º, LXXVIII, da Lei Maior) e o da primazia da resolução do mérito. É que o aludido disposi-tivo expressamente afirma que “[a]s partes têm o direito de obter em prazo razoá vel a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Evidentemente, uma primeira leitura do dispositivo legal transcrito faz com que a atenção do intérprete seja chamada para a referência ao “prazo razoável”, o que imediatamente leva ao princípio constitucional da duração razoável do processo. Uma leitura mais atenta, porém, permite verificar ali a afirmação de que “[a]s partes têm o direito de obter [a] solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Consolida-se, aí, um princípio fundamental: o de que se deve dar primazia à resolução do mérito (e à produção do resultado satisfativo do direito) sobre o reconhecimento de nulidades ou de outros obstáculos à produção do resultado normal do processo civil. Eis aí, portanto, o princípio da primazia da resolução do mérito.

Por força deste princípio, combate-se a jurisprudência defensiva, sen-do, portanto, equivocado identificar obstáculos superáveis (à resolução do mérito) e não envidar esforços para os superar. A decretação de uma nuli-dade, o não conhecimento de um recurso ou a extinção de um processo sem resolução do mérito só serão legítimos, então, naqueles excepcionais casos em que se encontre vício verdadeiramente insanável ou que, havendo

4 Sobre o conceito de modelo constitucional de processo civil, ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile italiano. Turim: G. Giappichelli, 1990. passim. A respeito do modelo constitucional do processo civil brasileiro, CÂMARA, Alexandre Freitas. Dimensão processual do princípio do devido processo constitucional. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal, São Paulo: RT, v. 1, p. 20, 2015.

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necessidade de atividade da parte para que seja sanado o vício, esta perma-neça inerte e não o corrija, inviabilizando a superação do obstáculo.

Para efetiva aplicação deste princípio, o CPC de 2015 permite a iden-tificação de uma série de regras destinadas a permitir que sejam removidos obstáculos à resolução do mérito, facilitando a produção dos resultados a que o processo civil se dirige. Vale, então, examinar um rol meramente exemplificativo dessas regras, o que permitirá uma melhor compreensão do modo como incide o princípio de que aqui se trata.

3 REGRAS DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO NO NOVO CPC

A primeira regra de aplicação do princípio da primazia da resolução do mérito que se destaca aqui é a que resulta da interpretação do § 2º do art. 282. Este dispositivo é apresentado antes de qualquer outro com uma finalidade: permitir que se verifique que o princípio de que aqui se trata não foi “inventado” pelo CPC de 2015, mas é resultado de uma evolução histórica que já permite afirmar a existência de uma história institucional do princípio. Afinal, o dispositivo mencionado é reprodução (com peque-ninos ajustes de redação, como a substituição da expressão “declaração da nulidade” pela expressão, mais precisa, “decretação da nulidade”) do § 2º do art. 249 do CPC de 1973. Pois é por força do § 2º do art. 282 do CPC de 2015 que se pode afirmar que, “[q]uando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Pense-se, por exemplo, no caso em que o juiz verifica não ter havido a correta intimação do réu para comparecer a uma audiência de instrução e julgamento, vício este que só é percebido quando os autos estão conclusos para sentença. Ora, se o material probatório existente nos autos é suficiente para a prolação de uma sentença de improcedência do pedido (pronunciamento de mérito favorável ao réu, que seria favorecido pela decretação da nulidade da audiência para a qual não fora regularmente intimado), não há qualquer sentido em anular--se a audiência. Deve-se, pois, proferir sentença de mérito, e não anular o ato processual.

Este modo de proceder, como dito, já encontrava precedentes no sis-tema processual anterior, o que justificou a prolação de decisões de mérito em casos nos quais haveria motivo para reconhecer a existência de nulida-des processuais e até mesmo para se extinguir o processo sem resolução do mérito5.

5 Assim, por exemplo, no julgamento da Apelação Cível nº 0074003 (08.2006.8.19.0002) o TJRJ, por sua 2ª Câmara Cível, julgou procedente pedido formulado por autor que não estava devidamente representado

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Merece destaque, também, o disposto no art. 317 do CPC de 2015, por força do qual “[a]ntes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o ví-cio”. É, pois, absolutamente incompatível com as normas fundamentais do processo civil brasileiro extinguir-se o processo sem resolução do mérito sem que antes se dê ao demandante oportunidade para sanar eventual vício processual. E, por força do princípio da cooperação – consagrado no art. 6º do CPC de 2015 –, é incumbência do órgão jurisdicional apontar com pre-cisão qual o vício que se faz presente e pode, se não for sanado, obstar a re-solução do mérito. Daí a razão para a previsão, contida no art. 321, de que

[o] juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

No mesmo sentido se encontra o disposto no art. 488, segundo o qual, “[d]esde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a de-cisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”, ou seja, a extinção do processo sem resolução do mérito. Pense-se, por exemplo, no caso de o juiz verificar que o processo se encontra paralisado há mais de trinta dias por desídia do autor, o que é causa de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, III), mas se dá conta, também, de que o direito que o autor pretende fazer valer em juízo já se extinguira por força da consumação de prazo decadencial, o que é causa de prolação de sentença de mérito (art. 487, II). Como a sentença de mérito, aqui, favoreceria o demandado, mesma parte que seria beneficia-da pela extinção do processo sem resolução do mérito, deve-se considerar adequada a emissão de um pronunciamento que resolve o mérito da causa, dando-lhe solução definitiva.

Em grau de recurso – sede em que a jurisprudência defensiva mais se desenvolveu – há diversas regras de concretização do princípio da primazia da resolução do mérito. Algumas aqui também merecem destaque.

A primeira delas, sem dúvida, é a que se alcança com a interpreta-ção do art. 932, parágrafo único, do CPC de 2015, por força do qual “[a]ntes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de

por advogado, já que o reconhecimento da nulidade aí serviria para beneficiar o demandante, que – sem advogado – teria uma defesa técnica de seus interesses que poderia ser considerada deficiente. Ora, se era possível julgar procedente o seu pedido, não obstante o vício de sua representação, não havia qualquer sentido em decretar-se a nulidade.

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5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Pense-se, por exemplo, no caso de ter sido in-terposto recurso que só será tempestivo se ficar comprovada a ocorrência, durante a fluência do prazo, de algum feriado local, pois o art. 1.003, § 6º, do CPC de 2015 estabelece que incumbe ao recorrente comprovar a ocor-rência de feriado local no ato de interposição do recurso. A ausência desta comprovação no momento da interposição do recurso, porém, não acarreta a inadmissão automática do recurso: incumbe ao Relator, antes de proferir decisão de não conhecimento do recurso, determinar a intimação do recor-rente para produzir a prova em cinco dias.

Regra equivalente se aplica aos casos em que não há comprovação do preparo no momento da interposição do recurso. O CPC de 2015 repe-tiu, em seu art. 1.007, § 2º, a disposição contida no § 2º do art. 511 do CPC de 1973, por força da qual o recorrente será intimado, no caso de insufici-ência do preparo, para complementar o depósito no prazo de cinco dias. Novidade, porém, está na previsão do § 4º do art. 1.007 do novo CPC: “[o] recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhi-mento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção”. Verifica-se aí não só a preocupação com a observância do princípio da primazia da resolução do mérito, mas também a necessidade de combater-se conduta protelatória (que, na hipótese, consistiria em não comprovar preparo algum com o objetivo de retardar o exame do mérito do recurso, aguardando-se a abertura de nova oportunidade para comprovar o recolhimento das custas): haverá, é certo, uma segunda oportunidade para o recorrente efetuar o preparo, mas, de outro lado, será ele punido com a exigência de que efetue o depósito do valor em dobro.

Ainda tratando do preparo do recurso, merece destaque o disposto no art. 1.007, § 7º, segundo o qual “[o] equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias”. Elimina-se, aqui, aquela que talvez tenha sido a principal causa de prolação de decisões afinadas com a “jurisprudência defensiva”: a dos erros no preenchimento de guias de reco-lhimento de custas6.

6 Veja-se, apenas a título de exemplo, o acórdão da 4ª Turma do STJ, proferido em 21.05.2015, no julgamento do AgRg-AREsp 576060/SP, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, assim ementado: “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PREPARO – EQUÍVOCO QUANTO À INDICAÇÃO DO CÓDIGO DE RECOLHIMENTO – DESOBEDIÊNCIA À RESOLUÇÃO Nº 4/2013 DO STJ – DESERÇÃO – DECISÃO MANTIDA – 1. ‘No ato da interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção’ (art. 511, caput, do CPC). 2. A regularidade do preparo se verifica pela juntada aos autos da Guia

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Em sede de recurso especial e de recurso extraordinário se destacam algumas previsões que não têm qualquer antecedente na legislação proces-sual anterior. Veja-se, por exemplo, o disposto no art. 1.029, § 3º, por força do qual “[o] Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”. Evidentemente, só se poderá desconsiderar ví-cio de recurso interposto tempestivamente, já que no caso de ser intempestivo o recurso especial ou extraordinário já terá o acórdão recorrido transitado em julgado, caso em que apreciar o mérito do recurso implicaria violar a garantia constitucional da coisa julgada. Tempestivo que seja o recurso excepcional, porém, o STF e o STJ deverão (e não simplesmente poderão, como consta da literalidade do texto normativo, eis que evidentemente não se trata de facul-dade do órgão jurisdicional, mas de um dever que lhe é imposto por princí-pios fundamentais do ordenamento processual) desconsiderar vícios menos graves (como seria uma diferença ínfima entre o valor do preparo recolhido e o efetivamente devido) ou determinar a sua correção (como se daria, por exemplo, no caso de não estar indicado o endereço eletrônico onde encon-trado acórdão invocado como paradigma em recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial, o que afrontaria a exigência formal resultante do dis-posto no art. 1.029, § 1º, do CPC de 2015).

Outra regra de aplicação do princípio da primazia do mérito se en-contra nos dispositivos que regulam a conversão de recurso especial em extraordinário e vice-versa. Dispõe o art. 1.032 do CPC de 2015 que, no caso de o Relator do recurso especial entender que este versa sobre questão constitucional, não deverá declará-lo inadmissível, mas conceder prazo de quinze dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional, a fim de, em seguida, remeter os autos ao Supremo Tribunal Federal. De sua vez, se o STF reputar reflexa a ofensa à Constituição da República alegada em recurso extraordi-nário, por pressupor a revisão da interpretação da lei federal ou de tratado, deverá remetê-lo ao STJ para julgamento como recurso especial (art. 1.033).

CONCLUSÃO

A apresentação que aqui se fez, de algumas regras de aplicação do princípio da primazia da resolução do mérito, teve um único objetivo7: mos-

de Recolhimento da União – GRU e o respectivo comprovante de pagamento, devendo ser observado o correto preenchimento da GRU, conforme determinar a resolução em vigor à época da interposição do recurso. 3. A irregularidade no preenchimento da guia, consistente na indicação equivocada do Código de Recolhimento, caracteriza a deserção do recurso. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg-AREsp 576.060/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Julgado em 21.05.2015, DJe 01.06.2015, sem grifos no original).

7 Perdoe-se a insistência na afirmação de que as regras aqui apresentadas são apenas exemplos de normas que asseguram a primazia da resolução do mérito. Outras disposições como essas poderiam ter sido indicadas.

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trar que é preciso tratar o processo civil brasileiro do século XXI como um mecanismo eficiente de produção de resultados constitucionalmente legíti-mos. O juiz do século XXI deve ser visto como garantidor de direitos funda-mentais8, e entre estes está, sem dúvida, o direito fundamental de acesso à justiça, compreendido aqui como direito fundamental à produção de resul-tados constitucionalmente legítimos por meio do processo.

Certamente a aplicação deste princípio exigirá uma mudança de pos-tura (e de cultura) dos magistrados: é preciso que eles passem a ver-se como integrantes de uma comunidade de trabalho9, por meio da qual, junto com as partes (e seus advogados), construirão a decisão correta para o caso concreto10. É preciso, então, que essa comunidade de trabalho seja compreendida em consonância com o paradigma do Estado Democrático de Direito, estabele-cido pelo art. 1º da Constituição da República. É que, como leciona Nunes11:

Como uma das bases da perspectiva democrática, aqui defendida, reside na ma-nutenção da tensão entre perspectivas liberais e sociais, a comunidade de tra-balho deve ser revista em perspectiva policêntrica e comparticipativa, afastando qualquer protagonismo, e se estruturando a partir do modelo constitucional de processo.

O processo civil brasileiro do Estado Democrático, que o CPC de 2015 consolida a partir de um modelo estabelecido pela Constituição da República de 1988, há de ser um processo comparticipativo, cooperativo, capaz – por isso mesmo – de conduzir a decisões constitucionalmente legí-timas, que serão, preferencialmente, decisões de mérito.

Veja-se, apenas à guisa de exemplo, o disposto nos arts. 139, IX, 338 e 352, todos do CPC de 2015.8 NUNES, Dierle; DELFINO, Lúcio. Juiz deve ser visto como garantidor de direitos fundamentais, nada mais.

Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-set-03/juiz-visto-garantidor-direitos-fundamentais-nada>. Acesso em: 1º jul. 2015.

9 O conceito de comunidade de trabalho processual nasceu na obra do processualista austríaco Franz Klein, que prefigurava uma forma de cooperação (Arbeitsgemeinschaft) entre juiz e partes. Sobre o ponto, PICARDI, Nicola. Le riforme processuali e sociali di Franz Klein. In: Historia et ius – Rivista di Storia Giuridica dell’età Medievale e Moderna, v. 2, p. 16, 2012. A concepção dessa comunidade de trabalho hoje, porém, como se verá melhor no texto, deve ser completamente diferente, já que o CPC de 2015 consolida a superação do processo hiperpublicista inspirado no modelo de Klein e acolhe definitivamente o modelo de processo cooperativo, comparticipativo.

10 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Princípio da primazia do julgamento do mérito. Disponível em: <http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/opiniao/opiniao-49-principio-da-primazia-do-julgamento-do-merito/>. Acesso em: 1º jul. 2015.

11 NUNES, Dierle José Coelho. Comparticipação e policentrismo: horizontes para a democratização processual civil. Belo Horizonte: Tese, 2008. p. 163. No mesmo sentido, DIDIER JÚNIOR, Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodium, 2013. p. 212.

Parte Geral – Doutrina

Breves Anotações sobre o Incidente de Assunção de Competência no Novo CPC/2015

WALtER PivA RoDRiGuEsDesembargador pela Classe dos Advogados no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Professor Doutor no Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A reforma no CPC em 2001: a uniformização de jurisprudência mediante incidente de assunção de competência [CPC, artigo 555]; 3 A abolição do incidente de uniformiza-ção e a nova dimensão do instrumento identificado como “incidente de assunção de competência”; 4 Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

1.1 O incidente de assunção de competência está previsto no art. 947 do CPC/2015, que, por sua vez, está inserido no Livro III “Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais” [arts. 926 a 1.044].

Essa não é propriamente uma “inovação” na medida em que a regra contida no § 1º do art. 555 do CPC/1973, resultante de acréscimo pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001, contemplou essa técnica de julgamento cujo ob-jetivo atende o “prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal”.

Diz a lei, verbis:

Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou com-por divergência entre câmaras ou turmas do Tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado por órgão colegiado que o regimento indicar; reconhe-cendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.

1.2 Como se constata, essa regra pede uma previsão complementar no Regimento Interno do Tribunal que deve designar, como é curial, “órgão colegiado” com participação tal que exprima uma significativa representa-ção dos membros que as Câmaras ou Turmas do Tribunal.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exem-plo, o atual regimento indica que os feitos da classe “assunção de compe-tência” serão julgados por suas “Turmas Especiais” [art. 184 c/c art. 32]

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que, por sua vez, são compostas pelos dois desembargadores mais antigos de cada Câmara da mesma seção ou subseção, ou havendo recurso pelos seguintes na ordem de antiguidade, sucessivamente. É vedada a recusa que comprometer a representação da Câmara [art. 31].

1.3 Impõe-se observar que esse expediente do § 1º do art. 555 [a ino-vação decorre de lei de 2001] conviveu ao longo destes últimos anos [mais de uma década] com a previsão dos arts. 476 e seguintes do CPC/1973 que já estabelecia a possibilidade de ser suscitado o “incidente de uniformiza-ção de jurisprudência”.

É de se recordar que, uma vez suscitado um tal incidente e concluin-do a turma julgadora de um recurso pela existência de pressupostos da uni-formização, paralisava-se o julgamento, para colher de órgão designado pelo Regimento um pronunciamento prévio de forma a eliminar ou prevenir a divergência na interpretação de uma questão de direito relevante para apreciação do caso concreto.

Por isso mesmo, fala-se em “julgamento per saltum”, pois, acolhido o incidente e fixando-se a tese diante do dissídio jurisprudencial, o julgamen-to do recurso retomava na turma o devido procedimento recursal, devendo a turma julgadora aplicar ao julgamento, até então sobrestado, o entendi-mento fixado pelo acórdão que apreciou o incidente.

Expressa, então, estava a vinculação da turma julgadora ao enuncia-do adotado no incidente.

2 A REFORMA NO CPC EM 2001: A UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA MEDIANTE INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA [CPC, ARTIGO 555]

2.1 Ocorre que, em 2001, surgiu a novidade acima relatada (item 1, parágrafos 1.1. a 1.3.), sobrevivendo, ao lado do incidente de uniformiza-ção de jurisprudência propriamente dito, uma outra alternativa de alcançar igual resultado, qual seja, “prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal” [art. 555, § 1º].

A similitude sobretudo quanto aos objetivos era tanta que Alvaro de Oliveira & Mitidiero, em volume dedicado ao processo de conhecimento de seu Curso de processo civil, editado em 2012 [Atlas, São Paulo], op-taram por dele tratar no parágrafo 41, sob significativo rótulo “Incidente de Uniformização de Jurisprudência mediante Assunção de Competência” [p. 225/226].

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2.2 Nada obstante, devem ser apontadas diferenças, a saber: [a] o incidente pode ser instaurado apenas nos recurso de apelação e agravo de instrumento; [b] o próprio órgão que o Regimento indicar como competente para fixar o entendimento sobre questão jurídica relevante julgará o recurso; [c] o efeito vinculativo servirá de “orientação” em relação a casos futuros.

2.3 O art. 555 do estatuto processual de 1973 faz referência expres-sa, para efeito de processar o incidente, à investigação do “interesse públi-co”, bem assim a existência de relevante questão de direito, encerrando, ao cabo, uma mera “faculdade judicial” [STJ, REsp 723.890/MG, Rel. Min. Francisco Falcão. In: Op. cit., p. 226].

Considere-se, igualmente, o fato de o órgão indicado pelo Regimento, caso entenda ser conveniente o julgamento do incidente, assumir a função de juiz natural do recurso [apelação ou agravo de instrumento] com as con-sequências processuais daí derivadas.

2.4 No Tribunal de Justiça de São Paulo, “a uniformização de ju-risprudência mediante assunção de competência” revelou ser expediente oportunamente cogitado na sua Seção de Direito Público.

Tome-se como “caso-padrão” o relatado pela Desembargadora Tere-sa Ramos Marques, da 10ª Câmara de Direito Público, nos autos da Apela-ção Cível com Revisão nº 766345-5/9-00, da Comarca de São Paulo – Fa-zenda Pública, que logrou convencer os demais membros Desembargador Reinaldo Miluzzi e Desembargador Urbano Ruiz a proporem “assunção de competência” mediante acórdão lavrado em 16.06.2008.

Ali, a relatora fez anotar que

controverte-se nesses processos a base de cálculo do quinquênio ou da sexta--parcela, ou ainda de ambos, como no presente [autos] – diante do art. 129 da Constituição Estadual – e a possibilidade de incidência de uma vantagem re- muneratória sobre outra, após a alteração da redação do inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 19/1998 – diante do art. 115, XVI, da Constituição Estadual.

E identificando, também, a existência de “interesse público”, a rela-tora postulou, com exemplar propriedade, o deslocamento da competência até então da 10ª Câmara [três desembargadores] para a Turma Especial, esta, por sua vez, composta por trinta e dois desembargadores presentes.

Após conhecerem da “assunção e do interesse público”, a Turma Es-pecial julgou a apelação para dar provimento ao recurso, a par de firmar tese segundo a qual “abrangência de todas as vantagens incorporadas ou

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não, desde que não contenham a sexta parte em sua base de cálculo” e “gra-tificações de ordem geral têm natureza jurídica de reajuste, razão pela qual integram o padrão dos inativos, devendo ser incluídas na base de cálculo do quinquênio”.

O acórdão foi lavrado pela mesma relatora da apelação, reunindo minoria de votantes discordantes da tese.

3 A ABOLIÇÃO DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO E A NOVA DIMENSÃO DO INSTRUMENTO IDENTIFICADO COMO “INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA”

3.1 Agora, com o advento do novo CPC, aboliu-se o incidente de uniformização de competência, atribuindo-se ao “incidente de assunção de competência” uma nova feição procedimental, a par de manter o objetivo de assegurar o cumprimento da norma do art. 926, qual seja, “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coeren-te”, sem menosprezar, contudo, um outro comando do novo sistema no sentido de “racionalizar a prestação jurisdicional e impor a observância firmada no âmbito dos Tribunais” [vide CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2111/2113].

3.2 O incidente pode ser suscitado quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múl-tiplos processos.

Dita o art. 947, em seus quatro parágrafos, o novo desenho do inci-dente, dele podendo extrair, desde logo, o marcante propósito segundo o qual o acórdão a ser lavrado vincular juízes e órgãos fracionários do Tribu-nal em decisões futuras [vide § 3º].

Mais ainda.

3.3 Surge outra função prevalecente, qual seja, o seu caráter preventi-vo, na medida em que há cláusula limitativa de cabimento do incidente. Diz a lei que o incidente não se instaura quando houver “repetição em múltiplos processos”, pois, para uma tal situação, o novo sistema prevê o incidente de recursos repetitivas.

Em outras palavras, procura-se obter para a jurisdição sob égide de um determinado Tribunal a definição de tese sobre questão de direito para vincular órgãos fracionários [juízes e câmaras] pela simples razão de que a definição dessa tese exsurge de uma colegialidade mais ampla e represen-

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tativa sobre “questões relevantes com grande repercussão na sociedade de uma forma mais prudente e diferenciada de questões corriqueiras e ordiná-rias” [Paixão Cortês, ob.cit., p. 2112].

Paixão Cortês refere-se a demandas que, ao interpretar norma jurídica questionada e resolvê-la, é hábil a enunciar como o Tribunal que a julgou no âmbito de incidente passará a decidir em eventuais causas futuras. Exem-plifica com “questão [...] uma vez definida pode importar em mudanças de rumo em políticas públicas, aumento de preços, que pode afetar grupos de pessoas, consumidores, empresas etc.” [vide Ob. cit., p. 2112].

4 CONCLUSÃO

4.1 Pode-se adotar, diante do exposto, o seguinte esquema a permi-tir uma apreensão do tema suscitada pelo instituto em tela: [a] elementos subjetivos – o relator, as partes, o MP e a defensoria pública; [b] elementos objetivos: [b.1] relevante questão de direito com grande repercussão social, desde que não ocorra a repetição em múltiplos processos; [b.2] incidente previsto para qualquer recurso, remessa necessária e processo de competên-cia originária; [b.3] função preventiva predominante; [c] competência para julgamento do feito no qual o incidente for suscitado: órgão definido no Regimento interno [grupos de câmara, turmas especiais]; [d] efeitos vincu-lativos: a tese vinculará juízes e órgãos fracionários do respectivo Tribunal em decisões futuras até que ocorra revisão da tese.

4.2 O tempo e só o tempo dirá se o incidente terá a funcionalidade projetada no novo CPC, sabendo-se de antemão a resistência dos Tribunais Superiores a uniformizar a sua jurisprudência.

Ocorrendo as hipóteses, caberá ao Relator, de ofício ou a requeri-mento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, submeter ao Colegiado o julgamento do incidente.

Deverá o Colegiado julgar se, porventura, reconhecer interesse públi-co na assunção de competência, tendo em vista que o acórdão do Colegia-do “vinculará todos os juízes e órgãos fracionários”.

Esse efeito vinculativo persistirá até que se proponha “revisão de tese”.

Parte Geral – Doutrina

O Poder Judiciário, o Código de Processo Civil de 2015, a Técnica da Cognição e as Tutelas Provisórias� Breves Considerações

vALDECi mEnDEs DE oLivEiRAJuiz de Direito da 4ª Vara Cível de Marília/SP, Pós-Graduado e Especialista em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial, Mestre em Direito Privado, Professor Universitário.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Dos processos judiciais no regime do Código de Processo Civil de 2015; 2 A cognição como técnica processual, os julgamentos e as três espécies de tutelas jurisdicionais: exau-riente, sumária ou provisória e a rarefeita; 3 Tutelas provisórias ou cognição sumária; 3.1 Espécies de tutelas provisórias; 3.2 Enunciados sobre tutelas provisórias da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam (aprovados no seminário realizado em 26 a 28 de agosto de 2015) e do “V” Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis – V FPPC (realizado nos dias 1º, 2 e 3 de maio de 2015, em Vitória/ES); 3.3 Considerações iniciais sobre a estabilização da tu-tela provisória ou tutela antecipada estabilizada (CPC/2015, artigo 304); 4 A conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Nascemos, vivemos e morremos no plano material. Mas o nosso “existir” envolve ou implica quase que necessariamente uma aventura de experiências na vida que vão se acumulando na diversidade e na hetero-geneidade de seres, coisas e questões, tudo com o escopo primordial de alcançarmos sobretudo o progresso moral exatamente nas relações sociais que nos levam ao exercício da solidariedade, da fraternidade, da caridade e do trabalho para o bem-estar individual e coletivo. Em uma palavra: evolu-ção. O verbo da vida: “evoluir”, por isso mesmo que impossível o viver em uma ilha isoladamente e sem vida de relação com os semelhantes. Em uma linguagem filosófica, a recomendação seria: “atrite-se”.

Contudo, assentado que a vida é realmente uma experiência inces-sante, a marcha rumo à felicidade e ao desiderato individual pode encon-trar diferenças, resistências, dissensões ou antagonismos, e aí os conflitos são inevitáveis. As pessoas então envolvidas diretamente nos conflitos, por questões emocionais ou mesmo por falta de oportunidade, habilidade ou maturidade, não conseguem, na grande maioria das vezes, resolver por si sós os atritos surgidos das relações intersubjetivas. É necessário um terceiro para a resolução desses conflitos de interesses, e os povos de uma maneira geral, à custa de muito tempo, aprendizado e experiência, resolveram criar o “Estado” como esse “terceiro” cuidador e zelador da paz social, isto é, um