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Revista SÍNTESE Direito Empresarial ANO VIII – Nº 43 – MAR/ABR 2015 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Alberto Flores Rosa Alexandre Priess Anderson Vichinkeski Teixeira Antônio Janyr Dall’Agnol Junior Arnoldo Wald Cristiano Heineck Schmitt Daniel Ustárroz (Coordenador) Danilo de Araujo Éderson Garin Porto Eliane Maria Octaviano Martins Euclides Rosa Filho Fábio Ulhoa Coelho Francisco Xavier Amaral Giuseppe Vettori Gustavo Filipe Barbosa Garcia Ives Gandra Martins João Glicério de Oliveira Filho José Augusto Delgado José Tadeu Neves Xavier Marcos Catalan Raúl Cervini Ricardo Lobo Torres Ruy Rosado de Aguiar Júnior Sergio Gilberto Porto Vera Maria Jacob de Fradera COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Bruno Schimitt Morassutti, Douglas Genelhu de Abreu Guilherme, Felipe Cunha de Almeida, Fernanda Borghetti Cantali, Geovane de Mori Peixoto, Josiane Nunes Alves, Marcelo Terra Reis Mateus Silveira da Silva, Matheus Teixeira da Silva, Vinicius Diniz Vizzotto ISSN 2236-5346 COMITÊ TÉCNICO Anderson Heineck Schmitt André Estevez José Paulo Dorneles Japur Nikolai Sosa Rebelo Rosilene Gomes da Silva Giacomin

ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 43_miolo.pdf · Arnoldo Wald Cristiano Heineck Schmitt Daniel Ustárroz (Coordenador) Danilo de Araujo Éderson Garin Porto Eliane

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Revista SÍNTESEDireito Empresarial

Ano VIII – nº 43 – MAr/Abr 2015

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIretor executIVo

Elton José Donato

Gerente edItorIAl e de consultorIA

Eliane Beltramini

coordenAdor edItorIAl

Cristiano Basaglia

edItorA

Herica Eduarda Geromel Vasques

conselho edItorIAlAlberto Flores Rosa

Alexandre PriessAnderson Vichinkeski Teixeira

Antônio Janyr Dall’Agnol JuniorArnoldo Wald

Cristiano Heineck SchmittDaniel Ustárroz (Coordenador)

Danilo de AraujoÉderson Garin Porto

Eliane Maria Octaviano MartinsEuclides Rosa FilhoFábio Ulhoa Coelho

Francisco Xavier Amaral

Giuseppe VettoriGustavo Filipe Barbosa GarciaIves Gandra MartinsJoão Glicério de Oliveira FilhoJosé Augusto DelgadoJosé Tadeu Neves XavierMarcos CatalanRaúl CerviniRicardo Lobo TorresRuy Rosado de Aguiar JúniorSergio Gilberto PortoVera Maria Jacob de Fradera

colAborAdores destA edIçãoBruno Schimitt Morassutti, Douglas Genelhu de Abreu Guilherme, Felipe Cunha de Almeida,

Fernanda Borghetti Cantali, Geovane de Mori Peixoto, Josiane Nunes Alves, Marcelo Terra Reis Mateus Silveira da Silva, Matheus Teixeira da Silva, Vinicius Diniz Vizzotto

ISSN 2236-5346

coMItê técnIcoAnderson Heineck Schmitt

André EstevezJosé Paulo Dorneles Japur

Nikolai Sosa RebeloRosilene Gomes da Silva Giacomin

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos jurídicos e empresariais.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Empresarial: Ano 8, nº 43, Mar./Abr. 2015. Nota: Continuação da Revista Jurídica Empresarial da Editora Notadez. Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

ISSN 2236-5346

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

A edição de nº 43 da Revista SÍNTESE Direito Empresarial escolheu o tema “Penhora sobre o Faturamento” para tratar no Assunto Especial.

O art. 655 e seus incisos do Código de Processo Civil estabelecem ordem preferencial para a realização da penhora dos bens. Somente se pro-cederá à penhora sobre parte do faturamento da empresa devedora se não houver outros bens passíveis de constrição ou, em havendo, sejam eles de difícil alienação.

Assim nos ensina Moacyr Amaral Santos:

E aí se tem a execução forçada, ou, simplesmente, a execução, que é o pro-cesso pelo qual o Estado, por intermédio do órgão jurisdicional, e tendo por base um título extrajudicial empregando medidas coativas, efetiva e realiza-ção à sanção. Pelo processo de execução, por meio de tais medidas, o Estado visa a alcançar, contra a vontade do executado, a satisfação do direito do credor. A execução, portanto, é a atuação da sanção inerente ao título exe-cutivo. A sanção mencionada, para caso do não cumprimento da obrigação, pelo devedor, será a da penhora sobre o faturamento às empresas.

Para tratar do assunto, contamos com a colaboração dos juristas: Drs. Felipe Cunha de Almeida, Marcelo Terra Reis e Mateus Silveira da Silva.

Na Parte Geral da Revista, publicamos importantes doutrinas sobre diversos temas do direito empresarial.

E, também, um ementário com Valor Agregado Editorial, criteriosa-mente selecionado e preparado para você, com Comentários elaborados pela equipe SÍNTESE.

Na Seção Especial denominada “Jurisprudência Comentada” publica-mos comentário de Bruno Schimitt Morassutti, intitulado “Breves Comentá-rios Acerca da Capacidade Processual do Devedor Insolvente”.

Publicamos, ainda, na Seção Especial denominada “Estudos Jurídi-cos”, artigo intitulado “Análise Econômica do Direito: Fundamentos e Limi-tes Constitucionais”, de autoria do Dr. Matheus Teixeira da Silva.

E, por fim, publicamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam, de forma resu-mida, os principais acontecimentos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Penhora sobre o Faturamento

Doutrinas

1. Penhora sobre Faturamento: Doutrina e JurisprudênciaFelipe Cunha de Almeida ...........................................................................9

2. Os Requisitos para a Realização da Penhora sobre o Faturamento da Empresa nas Execuções FiscaisMarcelo Terra Reis e Mateus Silveira da Silva ..........................................31

JurisPruDência

1. Acórdão na Íntegra (TJRS) .........................................................................55

2. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................65

3. Ementário de Jurisprudência .....................................................................71

Parte Geral

Doutrinas

1. Títulos de Crédito: o Princípio da Autonomia e a Defesa do AvalistaDouglas Genelhu de Abreu Guilherme ....................................................77

2. A Adoção de Sistema de Compliance e o Novo Marco Legal de Combate à CorrupçãoGeovane de Mori Peixoto.........................................................................93

3. EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada: Características e Principais ControvérsiasFernanda Borghetti Cantali e Josiane Nunes Alves ....................................96

4. Investimento Direto Estrangeiro e Sustentabilidade: Interação, Efetividade e Impacto de Políticas Ambientais no Fluxo de Capital ExternoVinicius Diniz Vizzotto ..........................................................................132

JurisPruDência

Acórdão nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................155

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ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................162

Seção Especial

JurisPruDência comentaDa

1. Breves Comentários Acerca da Capacidade Processual do Devedor InsolventeBruno Schimitt Morassutti ......................................................................191

estuDos JuríDicos

1. Análise Econômica do Direito: Fundamentos e Limites ConstitucionaisMatheus Teixeira da Silva.......................................................................197

Clipping Jurídico ..............................................................................................207

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................217

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Penhora sobre o Faturamento

Penhora sobre Faturamento: Doutrina e Jurisprudência

FELIPE CUNHA DE ALMEIDAProfessor Convidado nos Cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e na Laureate International Universities (UniRitter), Advogado, Mestrando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Especialista em Direito Civil.

RESUMO: O estudo analisou o instituto da penhora sobre faturamento na visão da doutrina e da jurisprudência. Seus requisitos e percentual sobre o faturamento das empresas foram objeto deste artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Execução; penhora sobre o faturamento; jurisprudência; novo CPC.

ABSTRACT: The study looked at the Institute of pledge on sales in view of the doctrine and jurispru-dence. Your requirements and percentage of the sales of the companies were the subject of this article.

KEYWORDS: Execution; attachment on revenue; case law; new CPC.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A execução; 2 Princípios gerais da execução forçada; 2.1 Princípio da satis-fatividade; 2.2 Princípio da patrimonialidade ou da realidade; 2.3 Princípio da efetividade da execução ou do resultado; 2.4 Princípio da utilidade da execução; 2.5 Princípio da menor onerosidade ou da economia da execução; 2.6 Princípio do respeito à dignidade humana; 2.7 Princípio da especialidade da execução; 3 Penhora e penhora sobre o faturamento; 3.1 Ordem de preferência; 3.2 Previsão no novo Código de Processo Civil; 4 Posicionamento jurisprudencial; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Nosso artigo propõe analisar o instituto da penhora, mais especifica-mente da penhora sobre o faturamento. A execução, estritamente falando da penhora, pode obrigar ao condenado, pode impor sanções que leve de-terminado patrimônio seu às mãos do credor. Precisas as lições de Moacyr Amaral Santos ao ensinar sobre o processo de execução1:

E aí se tem a execução forçada, ou, simplesmente, a execução, que é o pro-cesso pelo qual o Estado, por intermédio do órgão jurisdicional, e tendo por

1 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil: volume 3. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 265.

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base um título extrajudicial empregando medidas coativas, efetiva e realização a sanção. Pelo processo de execução, por meio de tais medidas, o Estado visa a alcançar, contra a vontade do executado, a satisfação do direito do credor.

A execução, portanto, é a atuação da sanção inerente ao título executivo.

A sanção mencionada por Moacyr Amaral Santos, para o caso do não cumprimento da obrigação, pelo devedor, a ser aqui estudada, será a da penhora sobre o faturamento às empresas.

A nossa intenção é a de esclarecer tal instituto, por meio dos ensina-mentos da doutrina, e compará-lo com a aplicação prática pelos tribunais, no sentido de melhor demonstrar a posição dos Magistrados. Tal circunstân-cia mostra-se relevante, eis que situações como percentual a ser faturado, os requisitos para o deferimento, entre outros, demandam análise apurada de cada caso.

Princípios como o da efetividade da execução e o da execução pelo modo menos gravoso são colocados em conflito. Portanto, nossa contribui-ção por meio deste trabalho vai dirigida a todos os estudiosos do Direito Processual Civil, especialmente àqueles que lidam com a execução, dia a dia, no meio forense. Até porque, para se buscar a realização do direito material, devemos nos utilizar do processo, como meio para tal.

1 A EXECUÇÃO

Ovídio Baptista da Silva já ensinava que nos utilizamos da execução para a realização de operações práticas, estas necessárias à efetivação da sentença, de tal sorte que haja modificação dos fatos para se buscar o crédi-to do credor. Submete-se, desta forma, o patrimônio do executado à sanção executória, no sentido de satisfação do direito do credor2.

Sérgio Gilberto Porto e Guilherme Athayde Porto, ao ensinarem so-bre a execução, asseveram que “o propósito do processo de execução é de realizar o direito, retirando este de seu estado de hipótese e o fazendo inci-dir no mundo fático. Realiza o direito através de atos materiais, tais quais, p. ex., a expropriação de bens para a satisfação de crédito”. Os autores citados também diferenciam o processo de conhecimento, do processo de execução e do processo cautelar. Em relação ao primeiro, ocorre a defini-

2 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2002. p. 29.

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ção do direito; quanto ao segundo, aquele realiza o primeiro; já o processo cautelar preserva o próprio processo3.

Estamos tratando da penhora sobre o faturamento. Todavia, antes faz-se necessário mesmo que brevemente, discorrer sobre a execução. Cândido Rangel Dinamarco assim leciona4:

Executar é dar efetividade e execução é efetivação. Conclui o mestre que “a execução forçada, a ser realizada por obra dos juízes e com vista a produzir a satisfação de um direito, tem lugar quando esse resultado prático não é realizado espontaneamente por aquele que em primeiro lugar deveria fazê--lo, ou seja, pelo obrigado. Diante dessa situação, que o Código de Processo Civil denomina inadimplemento [...] ao sujeito que falhou em seu dever de adimplir o sistema processual endereça uma sanção muito específica, que é a sanção executiva”.

O autor anteriormente citado continua seus ensinamentos acerca da execução na teoria geral do processo civil. Em decorrência do mencionado inadimplemento, surge a consequência de uma sanção específica, denomi-nada de sanção executiva. Transcrevemos, pois, no ponto, as precisas lições do mestre, relativas a tal sanção5:

Consiste esta na imposição de medidas que, com ou sem o concurso da von-tade do obrigado, produzam o mesmo resultado que ele não quis produzir, a saber, a satisfação do direito do credor (Liebman). Diz-se também que cada uma dessas medidas é uma sanção e que a sanção executiva é o conjunto sis-temático das sanções que ao longo da execução forçada vão sendo impostas. Execução é, portanto, em uma primeira abordagem, o conjunto de medidas com as quais o juiz produz ou propicia a satisfação do direito de uma pessoa à custa do patrimônio da outra, quer com o concurso da vontade desta, quer independentemente ou mesmo contra ela.

Como o objeto deste estudo é a penhora sobre o faturamento, e nos valendo da doutrina de Cândido Rangel Dinamarco anteriormente transcri-ta, aquele será o meio pela qual o credor tentará ver recebido o que tem por direito, em se tratando de execução.

2 PRINCÍPIOS GERAIS DA EXECUÇÃO FORÇADA

Como será abordado, deferir o pedido de penhora sobre o parce-lamento não é tarefa das mais simples, muito pelo contrário. De sorte

3 PORTO, Sérgio Gilberto; PORTO, Guilherme Athayde. Lições sobre teorias do processo: civil e constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 123-124.

4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 1.5 Idem, p. 12.

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que importante o estudo de princípios relativos ao processo de execução. Para tanto, buscamos estudá-los a partir dos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior, quando nos apresenta os princípios informativos do pro-cesso de execução.

A importância desses princípios informativos é ímpar para o ordena-mento jurídico. Humberto Theodoro Júnior assim completa6:

O ordenamento jurídico compõe-se de uma verdadeira coleção de regras dos mais variados matizes. Mas quando se encara um subconjunto de nor-mas, destinado a regular um grupo orgânico de fatos conexos, descobrem-se certos pressupostos que inspiram o legislador a seguir um rumo geral. En-contram-se, dessa maneira, certas idéias, ainda que não explícitas nos textos, mas inquestionavelmente presentes no conjunto harmônico das disposições. Esse norte visado pelo legislador representa os princípios informativos, cuja inteligência é de inquestionável importância para a compreensão do sistema e, principalmente, para interpretação do sentido particular de cada norma, que haverá de ser buscado sempre de forma a harmonizá-lo com os vetores correspondentes à inspiração maior e final do instituto jurídico-normativo.

A seguir, portanto, analisaremos os princípios informativos relativos à execução forçada, complementando-os com as lições de Cássio Scarpinella Bueno.

2.1 PrincíPio da satisfatividade Em se tratando de execuções singulares, a atividade jurisdicional exe-

cutiva deve recair parcialmente sobre o patrimônio do dever. Inclusive é a dicção do art. 659 do Código de Processo Civil7. Portanto, tendo em vista que “a idéia de que toda a execução tem por finalidade apenas a satisfação do direito do credor corresponde à limitação que se impõe à atividade juris-dicional executiva [...]”8.

2.2 PrincíPio da Patrimonialidade ou da realidade

A atividade jurisdicional executiva incide, apenas e tão somente, sobre o patrimônio do devedor, e não sobre a sua pessoa, por isso é de-

6 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2013. p. 128.

7 “Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.

[...].”8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 129.

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nominada de real, nos termos do art. 591 do Código de Processo Civil9. Não é à toa, inclusive, que a execução pode restar frustrada nos termos do art. 791, inciso III, para a hipótese de o devedor não possuir bens passíveis de execução10.

Cássio Scarpinella Bueno denomina tal princípio também como prin-cípio da patrimonialidade, mencionando, ainda, o art. 64611 do Código de Processo Civil12.

2.3 PrincíPio da efetividade da execução ou do resultado

Tal princípio encontra fundamento no art. 612 do Código de Processo Civil13 e deve ser entendido no sentido de que a tutela jurisdicional execu-tiva e a prática dos atos necessários à sua prestação devem ser efetivados “com vistas à satisfação do exequente”, em seu interesse, mas respeitando o modo menos gravoso ao devedor14.

2.4 PrincíPio da utilidade da execução

Por não ser instrumento de simples castigo ao devedor, o princípio da utilidade da execução “deve ser útil ao credor”. Portanto, não se concebe a ideia de se utilizar da execução com apenas e tão somente o objetivo de cau-sar prejuízo ao devedor, sem qualquer vantagem para o devedor, de acordo com a redação dos arts. 659, § 2º15, e 69216 do Código de Processo Civil17.

9 “Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 130.11 “Art. 646. A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito

do credor (art. 591).”12 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional e executiva.

3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 50-51.13 “Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III),

realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.”

14 BUENO, Cássio Scarpinella. Op. cit., p. 56.15 “Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado,

juros, custas e honorários advocatícios.

[...].

§ 2º Não se levará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.

[...].”16 “Art. 692. Não será aceito lanço que, em segunda praça ou leilão, ofereça preço vil.

Parágrafo único. Será suspensa a arrematação logo que o produto da alienação dos bens bastar para o pagamento do credor.”

17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 129.

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2.5 PrincíPio da menor onerosidade ou da economia da execução

Nos termos do art. 620 do Código de Processo Civil18, a execução deve realizar o direito do credor, considerando prejudicar o menos possível o devedor19. Podemos observar a aplicação deste princípio, quando relacio-nado à penhora sobre o faturamento, nos termos da jurisprudência do Su-perior Tribunal de Justiça, tal e qual colocamos na introdução deste artigo20:

[...] Nos termos da jurisprudência do STJ, é possível a penhorar e cair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa desde que observa-das, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual (art. 655-A, § 3º, do CPC), e desde que o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial, sem que isso configure violação do princípio exposto no art. 620 do CPC segundo o qual, “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor” (STJ, AgRg-AREsp 183.587/RJ, Rel.

18 “Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”

19 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 129.20 “PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

– ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE NO STJ – PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA – MEDIDA EXCEPCIONAL – POSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 83/STJ – ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO EXAURIMENTO DAS TENTATIVAS DE LOCALIZAR OUTROS BENS, PASSÍVEIS DE PENHORA – ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE PENHORA E DE OUTROS BENS PENHORÁVEIS, SUFICIENTES PARA A GARANTIA DO DÉBITO, EM EXECUTIVO FISCAL – NECESSIDADE DE INCURSÃO NO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO – INVIABILIDADE, EM SEDE ESPECIAL – SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

I – Nos termos da jurisprudência do STJ, é possível a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual (art. 655-A, § 3º, do CPC), e desde que o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial, sem que isso configure violação do princípio exposto no art. 620 do CPC segundo o qual, ‘quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor’ (STJ, AgRg-AREsp 183.587/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 10.10.2012). Em igual sentido: STJ, AgRg-REsp 1.320.996/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJe de 11.09.2012.

II – O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que ‘a instância de origem consignou que houve diligências suficientes para encontrar bens passíveis de penhora, as quais restaram infrutíferas (BacenJud, Renavam, DOI, registro de imóveis); que os bens oferecidos à penhora não seriam suficientes para garantir a dívida; e que, nesse contexto, seria válida a penhora sobre o faturamento, como reforço do crédito que está sendo cobrado, a qual foi fixada no percentual de 5%’.

III – Ademais, tendo o Tribunal de origem concluído – para determinar a penhora de 5% sobre o faturamento da empresa – que houve diligências suficientes, na tentativa de encontrar bens passíveis de penhora, que restaram infrutíferas, e que os bens oferecidos à penhora não seriam suficientes para garantir a dívida, o acolhimento da pretensão da recorrente, com vistas à reversão do julgado, exigiria amplo revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que encontra óbice, em recurso especial, na Súmula nº 7/STJ. Precedentes do STJ (AgRg-REsp 1.313.904/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 21.05.2012; AgRg-AREsp210.440/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe de 04.12.2012).

IV – Agravo regimental improvido. (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg-AREsp 433526/SC, Relª Min. Assusete Magalhães, Julgado em: 02.09.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1345017&num_registro=201303814090&data=20140911&formato=HTML>. Acesso em: 4 mar. 2015)

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Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 10.10.2012). Em igual sentido: STJ, AgRg-REsp 1.320.996/RS, Rel. Ministro Castro Meira, 2ª Turma, DJe de 11.09.2012 [...].

2.6 PrincíPio do resPeito à dignidade humana

A execução “não pode ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e de sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana”. Soma-se a tal assertiva a proteção que o art. 649 do Código de Processo Civil21 estabelece22.

2.7 PrincíPio da esPecialidade da execução

Como regra, a execução deve atuar de forma específica, ou seja, pre-valece a inviabilidade de o credor exigir do devedor “prestação diversa da-quela constante no título executivo [...]”. O raciocínio, desta forma, é o de que a execução “deve propiciar ao credor, na medida do possível, precisa-mente aquilo que se obteria, se a obrigação fosse cumprida pessoalmente

21 “Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II – os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;

V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;

VI – o seguro de vida;

VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.

XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.

§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem.

§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.”

22 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 131.

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pelo devedor”. Todavia, na impossibilidade, pode ser permitida a substi-tuição, de acordo com os arts. 62723 e 63324 do Código de Processo Civil25.

3 PENHORA E PENHORA SOBRE O FATURAMENTO

Ovídio Baptista da Silva leciona sobre a penhora26:

A doutrina costuma dividir o procedimento da execução singular por quantia certa em três fases distintas, a que José Alberto dos Reis denomina afeta-ção, representada pela penhora, expropriação e pagamento [...]. Igualmente, Pugliati [...] vislumbra, no processo executivo, três fases distintas: a fase ini-cial, em que se procede, através da penhora, à determinação dos bens sobre os quais deverá incidir a atividade executória; a fase central, caracterizada pela expropriação; e, finalmente, a fase correspondente à entrega do produto ao credor.

O faturamento equivale ao todo, ao montante, que foi faturado pela devedora ou, em outras palavras: “[...] tudo quanto ingressou pecunia-riamente na empresa”. Ainda, tal procedimento não pode inviabilizar as atividades comerciais da instituição, sendo vedado excesso na fixação do percentual que será penhorado27. Mais adiante, em tópico específico, anali-saremos a jurisprudência acerca deste ponto específico.

Araken de Assis é profundo ao estudar e ensinar sobre a penhora de empresas e faturamento, citando a doutrina de Pontes de Miranda28:

Os arts. 90 e 91 do CC/2002 delineiam as noções de universalidade de fato e de direito. Na primeira, apesar de reunidas coisas singulares para desti-nação unitária, as diversas partes podem ser tomadas individualmente: isto acontece na biblioteca e na pinacoteca, compostas de livros e telas de per si independentes (art. 90, parágrafo único); na segunda, as coisas singula-res “se encaram agregadas em todo”, formando algo coletivo, v.g., empresa industrial, comercial ou agrícola. Daí a proposição normativa do art. 91 do CC/2002: “Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídi-cas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”. O direito pátrio autoriza

23 “Art. 627. O credor tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa, quando esta não lhe for entregue, se deteriorou, não for encontrada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente.”

24 “Art. 633. Se, no prazo fixado, o devedor não satisfizer a obrigação, é lícito ao credor, nos próprios autos do processo, requerer que ela seja executada à custa do devedor, ou haver perdas e danos; caso em que ela se converte em indenização.”

25 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 130.26 SILVA, Ovídio Baptista da. Op. cit., p. 87.27 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil: comentado artigo por artigo. 4. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 667.28 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 765-766.

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a penhora de ambas as universalidades e lhes dedica capítulo autônomo no contexto da expropriação. Este tratamento particular se justifica pela comple-xidade e dinamismo da empresa.

Mas a situação em relação à penhora nestes termos é complexa, se-gundo Araken de Assis, alertando, inclusive, que existem ordenamentos ju-rídicos que a repelem. É que a atividade empresarial refletida no caput do art. 966 do Código Civil “impõe a interação de bens, corpóreos e incorpó-reos, e de pessoas, carece de impulso constante, de vontade que a direcione nos rumos do lucro, da sobrevivência e do desenvolvimento”. De tal sorte que conclui o mestre que29:

[...] à primeira vista não se afigura empreitada simples e cômoda interferir neste conjunto delicado e às vezes instável, afetando-o à execução e impri-mindo-lhe aquela vasta gama de efeitos inerentes à penhora.

O autor em referência adverte sobre a dificuldade da penhora sobre a empresa, bem como a sua equiparação à penhora sobre o faturamento30.

Cássio Scarpinella Bueno ensina acerca da penhora sobre o fatura-mento. Em que pese a previsão normativa vir expressa no inciso VII do art. 655 do Código de Processo Civil31, por meio de inserção da Lei de nº 11.382/2006, tal procedimento já era, antes do advento da referida lei, conhecido da doutrina e da jurisprudência, portanto, era medida atípica, mas os seus resultados, segundo o autor ora citado, eram excelentes. O que existia antes da Lei nº 11.382/2006 nos então arts. 726 a 729 do Código era o denominado instituto do usufruto da empresa, procedimento que servia de parâmetro para o que a atual legislação prevê como a penhora sobre o faturamento. Em termos de usufruto, só é concebível o de bens móveis ou imóveis32. No mesmo sentido, revela Humberto Theodoro Júnior acerca de tal procedimento, que era acatado pela jurisprudência, mesmo com al-gumas ressalvas, o que acabou tornando-se lei, a partir do ano de 200633, como referido.

Outra questão importante revela-se da leitura do inciso VII do art. 655, e que traduz questão eminentemente prática: a ausência sobre qual

29 Idem, p. 766.30 Idem, ibidem.31 “Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

[...]

VII – percentual do faturamento de empresa devedora.”32 BUENO, Cássio Scarpinella. Op. cit., p. 274.33 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 314.

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o percentual que pode ser passível de penhora. Todavia, Cássio Scarpinella Bueno pondera que o caso concreto deve ser analisado com o objetivo de se chegar ao percentual adequado, a título de penhora. O que alerta o mes-tre é que tal procedimento não pode inviabilizar a subsistência da empresa devedora, não pode impossibilitá-la de cumprir com as suas demais obri-gações, tais como pagamentos de tributos, encargos trabalhistas e todos os demais que a atividade empresarial exige34.

Cândido Rangel Dinamarco ressalta a nomeação de depositário, con-forme as disposições do § 3º do art. 655-A do Código de Processo Civil35. Assim, explica o mestre que, “feita a penhora de algum percentual de fatu-ramento e nomeado o depositário, a este caberá desde logo sugerir como serão feitas as penhoras sucessivas – a saber, ele sugerirá ao juiz como, onde e quanto se penhorará periodicamente, e em qual periodicidade”36. Elpídio Donizetti ressalta a importância do depositário referido por Cândido Rangel Dinamarco: “O depósito e administração dos bens penhorados têm por fim evitar a decadência da empresa, a paralisação da atividade ou a degradação da coisa penhorada”37.

Humberto Theodoro lista os requisitos cumulativos que podem possi-bilitar a penhora sobre parte do faturamento das empresas: a) a inexistência de outros bens penhoráveis ou, no caso de existirem, sejam eles de difícil execução ou insuficientes para saldar o crédito em execução; b) que haja a nomeação de um depositário administrador com a função de estabelecer um esquema de pagamento, tal e qual previsto nos arts. 67838 e 71939 do Có-

34 BUENO, Cássio Scarpinella. Op. cit., p. 274-275.35 “Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento

do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

[...].

§ 3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exeqüente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.”

36 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 608.37 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

p. 681. 38 “Art. 678. A penhora de empresa, que funcione mediante concessão ou autorização, far-se-á, conforme o

valor do crédito, sobre a renda, sobre determinados bens ou sobre todo o patrimônio, nomeando o juiz como depositário, de preferência, um dos seus diretores.

Parágrafo único. Quando a penhora recair sobre a renda, ou sobre determinados bens, o depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pagamento observando-se, quanto ao mais, o disposto nos arts. 716 a 720; recaindo, porém, sobre todo o patrimônio, prosseguirá a execução os seus ulteriores termos, ouvindo-se, antes da arrematação ou da adjudicação, o poder público, que houver outorgado a concessão.”

39 “Art. 719. Na sentença, o juiz nomeará administrador que será investido de todos os poderes que concernem ao usufrutuário.

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digo de Processo Civil; c) que o percentual fixado sobre o faturamento não inviabilize o exercício da atividade empresarial. Ainda, o autor enfrenta a diferenciação feita pelo Superior Tribunal de Justiça relativa ao faturamento denominado “boca do caixa” e faturamento por meio de “títulos ou dupli-catas”. É que a Corte, ao julgar o Recurso Especial nº 1.035.510/RJ, “decidiu que a penhora de percentual de créditos futuros, certos e determinados, em execução contra o sacador, não se enquadraria nas regras de penhora de “faturamento” (art. 655, VII), mas sim na de penhora de crédito (arts. 671 a 676)40.

A insurgência do mestre é realmente procedente. E vai neste sentido41:

A diferença entre faturamento na “boca do caixa” e faturamento por meio de títulos ou duplicatas” é, data venia, insustentável. Faturamento, segundo a noção elementar de contabilidade, equivale à “receita bruta das vendas de mercadorias e serviços e de mercadorias e serviços de qualquer natureza, das empresas públicas e privadas” (Decreto-Lei nº 2.397/87, art. 22). Não é dife-rente o sentido léxico do termo: “faturamento é o ato ou efeito de faturar”, ou seja, de relacionar mercadorias, com os respectivos preços, vendidas a uma pessoa ou firma.

Humberto Theodoro Júnior finaliza a sua crítica à diferenciação pro-cedida pelo Superior Tribunal de Justiça alertando que o faturamento “é si-nônimo de receita obtida pelo empresário com a venda, no mercado de seus produtos ou serviços”. Destaca o mestre, ainda, que se mostra irrelevante a forma como sejam efetuadas as vendas, ou seja, se no balcão, à vista ou a prazo, com ou sem a expedição de título. Importa, sim, o faturamento42.

3.1 ordem de Preferência

Como abordado no tópico anterior, a previsão para a penhora sobre o faturamento vem descrita no rol do art. 655, em especial no inciso VII.

Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, ao comentarem o Có-digo de Processo Civil no tocante ao rol previsto no art. 655, alertam que “a parte tem direito à indicação de bens à penhora na ordem legal”. Nesta seara, completam os autores referidos que o Direito brasileiro adotou o que

Parágrafo único. Pode ser administrador:

I – o credor, consentindo o devedor;

II – o devedor, consentindo o credor.”40 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 315.41 Idem, p. 317.42 Idem, ibidem.

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20 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

se denomina de “técnica da execução por graus ou por ordem (art. 655, CPC), haja vista que só se passa a cogitar da penhorabilidade de bens de determinada classe para constrição depois de exaurida a possibilidade de penhora sobre aqueles da classe imediatamente precedente”. A consequên-cia da não observação da ordem prevista pela norma é a possibilidade de substituição da penhora43.

José Carlos Barbosa Moreira, ao analisar o art. 655 e seus incisos do Código de Processo Civil, aduz que a lei estabelece uma ordem a ser obser-vada quanto aos bens a serem penhorados. Todavia, ressalta o processualis-ta que tal rol deve ser adotado de forma preferencial, mas não obrigatória44. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que, em rela-ção à preferência de bens, é direito líquido e certo do executado que seja respeitada a preferência específica dos bens a serem penhorados45. Elpídio Donizetti ressalta que a previsão em relação acerca da penhora sobre o faturamento, como se observa da leitura do art. 655, vem em sétimo lugar, quando da ordem de preferência acerca da possibilidade dos bens passíveis de penhora. A conclusão do autor é idêntica a dos outros mestres aqui ci-tados: “[...] somente se procederá à penhora sobre parte do faturamento da empresa devedora se não houver outros bens passíveis de constrição ou, em havendo, sejam eles de difícil alienação”46.

Humberto Theodoro Júnior também leciona sobre a ordem de prefe-rência. Ensina o mestre que, em “[...] havendo bens livres de menor grada-ção, não será o caso de recorrer à constrição da receita da empresa, que, sem maiores cautelas, pode comprometer o seu capital de giro e inviabilizar a continuidade de sua normal atividade econômica”. Ressalta também que tal procedimento figura em sétimo lugar na ordem de preferência do Código de Processo Civil47.

Cândido Rangel Dinamarco, ao estudar acerca da penhora sobre o faturamento, ressalta a importância da nomeação do depositário. O mestre pondera que cabe àquele sugerir ao Magistrado a forma de como serão efetuadas as demais penhoras sucessivas, a sua periodicidade. É que não se pode conceber como uma leitura apressada do texto da lei poderia levar a

43 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 666.44 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento.

28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 240.45 NERY JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1038.46 DONIZETTI, Elpídio. Op. cit., p. 681.47 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 315.

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entender que haja “um depositário nomeado e investido no munus antes de qualquer penhora feita”48.

Trazemos interessante acórdão julgado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho do Superior Tribunal de Justiça. A execução em questão tinha natureza fiscal, e o debate, entre outros aspectos, girava em torno da possibilidade de a Fazenda Pública recusar a penhora sobre precatórios quando não observada a ordem legal. Ressaltamos que tal debate foi firmado em recurso representativo de controvérsia nos termos do REsp 1.337.790/PR, figurando como Relator o Ministro Herman Benjamin (DJe 07.10.2013). Nesta discussão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu como correta a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a nomeação de bens a penhora, entendendo que49:

Assim, entendo ser possível o credor recusar o bem indicado à penhora, no entanto, essa rejeição deve ser motivada, não bastando a mera inobservân-cia da sequência enunciativa da LEF. Verifica-se que o acórdão recorrido negou a pretensão de indicação à penhora de crédito de precatório, pelos fundamentos assim resumidos: O MM. Juiz indeferiu a nomeação de bens à penhora feita pela executada, após manifestação contrária pela Fesp, por não ter sido homologada a cessão dos direitos creditórios e, em razão do desrespeito à ordem legal do art. 11 da Lei nº 6.830/1980. Não existe ile-galidade na r. decisão agravada. A pretensão da Fazenda mereceu guarida, pois, somente a penhora revestida dos atributos da utilidade e eficácia atende ao fim da execução. Da mesma forma que a execução deve se processar da forma menos gravosa ao devedor (art. 620, CPC), também deve se efetivar em vista do interesse do credor (art. 612, CPC). O processo executivo tem cunho eminentemente satisfativo, voltado para que por meio de uma presta-

48 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 608.49 “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL –

INDICAÇÃO À PENHORA DE DIREITO SOBRE PRECATÓRIO – RECUSA DA EXEQUENTE – POSSIBILIDADE – ART. 655 DO CPC – ART. 11 DALEF – ACÓRDÃO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ FIRMADA EM RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – RESP 1.337.790/PR, REL. MIN. HERMAN BENJAMIN, DJE 07.10.2013 – AGRAVO REGIMENTAL DA EMPRESA – CONTRIBUINTE DESPROVIDO.

1. A sequência enunciativa constante do art. 655 do CPC e do art.11 da LEF estabelece um rol que deve ser observado na realização da penhora, mas não cria, a rigor, uma ordem de preferência, que não possa ser quebrada; se assim fosse, não se justificaria que as ações e quotas de sociedades empresárias (inciso VI) viessem antes do percentual do faturamento da empresa (inciso VII), quando este apresenta, sem dúvida, índice de liquidez muito mais elevado; sob tal perspectiva, a recusa teria de ser motivada, não bastando a mera inobservância daquela sequência.

2. Contudo, a orientação que se firmou na Primeira Seção deste STJ é a de que, conquanto seja possível a penhora de precatórios judiciais, a Fazenda Pública pode recusar essa nomeação quando fundada na inobservância da ordem legal (REsp 1.337.790/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 07.10.2013, recurso submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC).

3. Agravo regimental da empresa contribuinte desprovido.” (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, AgRg-AREsp 258460/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em: 21.11.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1281044&num_registro=201202403533&data=20131203&formato=HTML>. Acesso em: 4 fev. 2015)

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22 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

ção jurisdicional, o credor, possa, através da execução forçada, valer-se dos bens do devedor para satisfazer seu crédito. Portanto, nomeados bens em discrepância a ordem disposta no art. 11 da Lei nº 6.830/80, pode o credor, fundamentadamente, opor-se à mesma. Se assim não fosse, não haveria por-que a lei dispor quanto à ordem a ser seguida, quando, a vontade do devedor se imporia ao credor.

3.2 Previsão no novo código de Processo civil

O novo diploma processual que está em vias de ser sancionado tam-bém prevê a penhora sobre o faturamento, merecendo destaque a sua inte-gral transcrição, que contempla, especialmente, o inciso X do art. 835:

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição finan-ceira;

II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;

III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

IV – veículos de via terrestre;

V – bens imóveis;

VI – bens móveis em geral;

VII – semoventes;

VIII – navios e aeronaves;

IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias;

X – percentual do faturamento de empresa devedora;

XI – pedras e metais preciosos;

XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alie-nação fiduciária em garantia;

XIII – outros direitos.

§ 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipó-teses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

§ 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

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§ 3º Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora.

4 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

O entendimento dos Tribunais é imprescindível para a aplicação prá-tica do instituto da penhora sobre o faturamento, de tal sorte que iniciamos com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Neste julgamento, a Corte possibilitou a penhora sobre o faturamento da empresa, todavia, res-saltou o caráter de exceção de tal medida, senão vejamos50:

A jurisprudência desta Corte é assente quanto à possibilidade da penhora re-cair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa, desde que ob-servadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual e o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial, sem que isso configure violação do princípio da menor onerosidade.

Esta outra decisão também foi no mesmo sentido da anterior, ou seja, da possibilidade da penhora sobre o faturamento, este que ficou em 20% sobre os rendimentos da pessoa jurídica, tal e qual decidido no acórdão recorrido e, em razão da Súmula nº 7, impossibilitada a sua revisão51. Na

50 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA – POSSIBILIDADE – QUESTÕES DE NATUREZA PROBATÓRIA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ.

1. A jurisprudência desta Corte é assente quanto à possibilidade da penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa, desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual e o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial, sem que isso configure violação do princípio da menor onerosidade.

2. Na hipótese vertente, verifica-se que a penhora sobre o faturamento foi determinada com base em duas premissas fáticas: ausência de bens hábeis à garantia da execução e inexistência de prova de prejuízo ao funcionamento da empresa.

3. Nesse contexto, infirmar as conclusões a que chegou o acórdão recorrido demandaria a incursão na seara fático-probatória dos autos, tarefa essa soberana às instâncias ordinárias, o que impede o reexame na via especial, ante o óbice da Súmula nº 7 deste Tribunal.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg-REsp 1454403/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Julgado em: 02.12.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1372185&num_registro=201401147235&data=20141217&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015)

51 “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA – PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE – AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 620 DO CPC – REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS – INADMISSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ – DECISÃO MANTIDA.

1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático- -probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7 do STJ.

2. O Tribunal de origem, com base nos elementos de prova, concluiu que a penhora sobre 20% do faturamento da empresa não caracteriza violação do princípio da menor onerosidade. Alterar esse entendimento é inviável em recurso especial, ante o óbice da referida súmula. Precedentes.

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mesma fundamentação, o AgRg-AREsp 483558/SP, cujo percentual sobre o faturamento ficou em 10%52.

Mas trazemos decisão também que deve ser analisada, também do Superior Tribunal de Justiça. Realmente o caso tratou de possibilitar a pe-nhora, mas não especificamente sobre o faturamento, e sim sobre créditos a serem recebidos oriundos de empresas de cartão de créditos, os quais são equiparados à penhora sobre o faturamento. Restou decidido, ainda, que o percentual é o de 3%53. Por último, o Superior Tribunal de Justiça deixa

3. Agravo regimental a que nega provimento.” (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, AgRg-AREsp 389440/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Julgado em: 20.11.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1367745&num_registro=201302909829&data=20141128&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015)

52 “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO – INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO OUTRO SUFICIENTE PARA GARANTIR A EXECUÇÃO – PENHORA SOBRE O FATURAMENTO (10%) – POSSIBILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte é assente quanto à possibilidade de a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa – desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual (arts. 655-A, § 3º, do CPC) e o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial – sem que isso configure violação do princípio exposto no art. 620 do CPC.

2. O STJ, por vários dos seus precedentes, tem mantido penhoras fixadas no percentual de 5% a 10% do faturamento, com vistas a, por um lado, em não existindo patrimônio outro suficiente, disponibilizar forma menos onerosa para o devedor e, por outro lado, garantir forma idônea e eficaz para a satisfação do crédito, atendendo, assim, ao princípio da efetividade da execução, caso dos autos. Precedentes.

3. Na espécie, o Tribunal de origem fixou a penhora sobre o faturamento no percentual de 10% (dez por cento), diante da baixa liquidez do bem ofertado à substituição.

4. Agravo regimental não provido.” (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, AgRg-AREsp 483558/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Julgado em: 20.11.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1367654&num_registro=201400467221&data=20141219&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015)

53 “PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DE VALORES VINCENDOS, A SEREM REPASSADOS POR ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA – DIREITO PROBATÓRIO – ÔNUS – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO DE CRÉDITO – POSSIBILIDADE – EQUIPARAÇÃO PARCIAL, PARA FINS PROCESSUAIS, AO REGIME JURÍDICO DA PENHORA DE FATURAMENTO.

Introdução

1. Controverte-se a respeito da decisão que manteve a penhora de percentual incidente sobre os créditos vincendos, a serem pagos por administradoras de cartão de crédito.

2. A recorrente defende a tese de que esses créditos são pagos em dinheiro, razão pela qual devem receber o tratamento idêntico ao dispensado à penhora de aplicações financeiras via BacenJud – isto é, penhora em dinheiro, nos termos do art. 655, I, do CPC – e, portanto, sem limitação percentual (constrição sobre a integralidade dos valores).

3. O Tribunal a quo equiparou a medida constritiva, para fins processuais, à penhora sobre faturamento, razão pela qual, diante da verificação da existência de penhora similar deferida em outros processos judiciais, manteve a penhora determinada pelo juízo de primeiro grau, mas a limitou a 3% do montante a ser repassados pelas operadoras de cartão de crédito. Tese preliminar: omissão no acórdão recorrido.

4. Na hipótese dos autos, a Corte local, ainda que de modo sucinto, concluiu que os créditos repassados pelas administradoras de cartão de crédito devem ser equiparados ao faturamento da empresa, porque incluídos como recursos oriundos das atividades típicas da empresa.

5. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Ônus probatório e ausência de prequestionamento.

6. A instância de origem, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não emitiu juízo de valor sobre o art. 333 do CPC.

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claro ao referir que a penhora sobre o faturamento não se dá nos mesmos moldes da penhora sobre o dinheiro, ou seja, não é sinônimo ou idêntica a esta54 e, na mesma esteira dos anteriores julgados aqui analisados, pondera que “a referida constrição exige sejam tomadas cautelas específicas discri-

7. Assim, ante a ausência de prequestionamento, é inviável o conhecimento do recurso nesse ponto. Aplicação da Súmula nº 211/STJ.

Mérito

8. Atualmente, a maior parte das relações obrigacionais possui expressão monetária e, por essa razão, em dinheiro é naturalmente extinta. Assim, quer o pagamento seja feito em dinheiro, cheque ou cartão de crédito, em última instância, sempre haverá a conversão dobem em dinheiro.

9. Fosse esse o raciocínio, portanto, não haveria sentido no estabelecimento de uma ordem preferencial de bens, para efeitos de constrição judicial, uma vez que qualquer um deles (metais preciosos, imóveis, veículos, etc.) será, com maior ou menor dificuldade, transformado em dinheiro.

10. Os recebíveis das operadoras de cartão de crédito, naturalmente, serão pagos em dinheiro – tal qual ocorre, por exemplo, com o precatório judicial –, mas isso não significa que o direito de crédito que o titular possui possa ser imediatamente considerado dinheiro.

11. Por essa razão, os valores vincendos a que a empresa recorrida faz jus, tendo por sujeito passivo as administradoras de cartão de crédito, possuem natureza jurídica de direito de crédito, listado no art. 11, VIII, da Lei nº 6.830/1980 e no art. 655, XI, do CPC.

12. É correta a interpretação conferida no acórdão recorrido, que, embora acertadamente não confunda a penhora do crédito com a do faturamento, confere uma equiparação entre ambos, para fins estritamente processuais (isto é, de penhora como instrumento de garantia do juízo).

13. Isso porque é legítima a suposição de que os recebíveis das administradoras de cartão de crédito têm por origem operações diretamente vinculadas à atividade empresarial do estabelecimento, o que autorizaria enquadrá-los no conceito de faturamento (isto é, como parte dele integrante).

14. Assim, a constrição indiscriminada sobre a totalidade desses valores tem potencial repercussão na vida da empresa – quanto maior a sua representatividade sobre o faturamento global do estabelecimento, maior a possibilidade de lesão ao regular desempenho de suas atividades.

15. Não bastasse isso, as questões relacionadas à efetivação de penhora pelo mecanismo ora apreciado possuem consequências que ultrapassam a relação jurídica existente entre as partes credora e devedora, o que justifica a cautela adotada pelo Tribunal a quo.

16. Dada a larga difusão, no sistema financeiro, da utilização do denominado ‘dinheiro de plástico’, a autorização para a penhora do montante total a ser repassado pelas administradoras de cartão de crédito acarretaria, de certo, sensível abalo no sistema financeiro, pois, de um lado, haveria forte queda, no terceiro setor, na aceitação dessa forma de pagamento. De outro lado, a realidade mostra que o forte segmento financeiro não arcará, ao final, com o prejuízo daí decorrente, o que significa dizer, a exorbitante taxa de juros já praticada tenderia a aumentar, como forma de absorver o impacto social.

17. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp 1408367/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em: 25.11.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1370228&num_registro=201303345276&data=20141216&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015)

54 “PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA – PRESSUPOSTOS – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – OCORRÊNCIA – DECISÃO SINGULAR REFORMADA – AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.

1. A penhora sobre faturamento da empresa não é sinônimo de penhora sobre dinheiro, razão por que o STJ tem entendido que a referida constrição exige sejam tomadas cautelas específicas discriminadas em lei.

2. É admissível proceder à penhora sobre faturamento da empresa, desde que: a) comprovada a inexistência de outros bens passíveis de garantir a execução, ou seja, os indicados de difícil alienação; b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a apresentação das formas de administração e pagamento; c) fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa.

3. O juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas, ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão. Não se faz necessário julgar adotando ou afastando os dispositivos

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minadas em lei”. Como se não bastasse, prossegue a Corte: “É admissível proceder à penhora sobre faturamento da empresa, desde que: a) compro-vada a inexistência de outros bens passíveis de garantir a execução, ou seja, os indicados de difícil alienação; b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a apresentação das formas de administração e pagamento; c) fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa”.

Em São Paulo, a Corte daquele estado, em sede de agravo de instru-mento, também viabilizou a penhora sobre o faturamento. Contudo, refor-mou a decisão de primeiro grau que havia determinado o percentual de 30% sobre o faturamento bruto, reduzindo para 15% sobre o faturamento líquido. A justificativa foi a de que o fixado pelo Juízo a quo revelou-se one-rosamente excessivo55. No Rio de Janeiro também houve ressalva ao risco da atividade que a penhora sobre o faturamento pode causar. Entretanto, ao analisar o caso concreto, a Corte entendeu que a decisão de primeira ins-tância que fixou o percentual de 10% sobre a renda líquida da empresa não

legais citados pelas partes. Contudo, a matéria suscitada deve ser adequadamente enfrentada, sob pena de negativa de prestação jurisdicional.

4. O Tribunal regional não enfrentou adequadamente as questões que lhe foram postas nos aclaratórios, uma vez que, ao relatar o recurso de agravo de instrumento, reconhece que a penhora sobre o faturamento já havia sido deferida na instância a quo, mas, quando do julgamento dos embargos de declaração, afirma que ‘embora tenha sido descabida, naquela fase processual, a ordem de penhora sobre o faturamento, não se pode impedir que o Juízo a quo, caso venha a ser frustrada a busca de bens penhoráveis ou se estes forem insuficientes para garantir a execução, determine a penhora sobre o faturamento da empresa’.

5. Assim nota-se a existência dos alegados vícios do art. 535 do CPC, porquanto a decisão não debateu, de maneira clara e objetiva, sobre a revogação (ou não) da penhora sobre o faturamento decretada na decisão objeto do agravo de instrumento.

6. Necessário se faz o retorno dos autos à origem para esclarecimento da contradição verificada. Motivo pelo qual dou provimento ao agravo regimental para nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, prover parcialmente o recurso especial, determinando o retorno dos autos à origem e a consequente apreciação integral dos embargos declaratórios opostos, mormente quanto à contradição verificada acerca da penhora sobre o faturamento da empresa ora recorrente.

Agravo regimental provido.” (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg-AREsp 518189/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Julgado em: 16.10.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1357759&num_registro=201401176518&data=20141028&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015)

55 “AGRAVO DE INSTRUMENTO – Execução de título extrajudicial. Penhora sobre faturamento de empresa. Possibilidade. Ausência de indicação de outros bens capazes de garantir a execução. Penhora sobre percentual razoável que não inviabilize a atividade empresarial da executada. Percentual de 30% do faturamento bruto da empresa que se mostra com onerosidade excessiva. Desconsideração dos custos relativos à atividade empresarial. Redução de rigor. Fixação em 15% sobre o faturamento líquido, em conformidade com o pedido do exequente. Providência que atende aos critérios contidos no art. 620, combinado com o art. 655-A, § 3º, ambos do CPC. Recurso provido em parte.” (Brasil, Tribunal de Justiça de São Paulo, 32ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 2186255-47.2014.8.26.0000, Rel. Des. Luis Fernando Nishi, Julgado em: 22.01.2015. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=8138034&cdForo=0&vlCaptcha=kpceh>. Acesso em: 23 jan. 2015).

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coloca em perigo a sua atividade56. O Tribunal do Distrito Federal, como podemos observar, perfilha do mesmo entendimento57.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, ao analisar pedido de penhora sobre faturamento, no caso concreto, indeferiu tal pleito. A justificativa para tanto foi a de que, assim como na esteira do Superior Tri-bunal de Justiça, tal medida é excepcional e, encontrando o credor veículo em nome da devedora, a penhora de tal bem impossibilita a penhora sobre o faturamento58. Nesta outra decisão, a Corte gaúcha considerou que o per-centual de 30% sobre o faturamento foi, no caso concreto, irrisório. Desta

56 “Agravo de instrumento. Ação de indenização. Decisão que determinou a penhora da renda líquida diária da empresa executada, indicando como arrecadador o depositário judicial. A penhora de receita fixada em percentual que não comprometa a respectiva atividade empresarial, não ofende ao princípio da execução menos gravosa. Incidência da Súmula nº 100, deste eg. Tribunal de Justiça. Percentual que não põe em risco a atividade empresarial. A regra do art. 620 do CPC, não pode retirar do credor o direito à satisfação do seu crédito para justificar a conveniência do devedor. Precedentes. Nomeação de depositário judicial. Medida demais onerosa ao exequente, posto a necessidade de atuação diária do citado profissional. Dou parcial provimento ao recurso, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, apenas para determinar a nomeação de um dos diretores da executada como depositário.” (Brasil, Tribunal de Justiça de São Paulo, 3ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0000475-29.2015.8.19.0000, Relª Desª Helda Lima Meireles, Julgado em: 12.01.2015. Disponível em: <http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004E50F33EEF46A67531F49299498C076DD33C50345360D>. Acesso em: 23 jan. 2015)

57 “AGRAVO REGIMENTAL – PROCESSUAL CIVIL – NEGATIVA DE SEGUIMENTO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANIFESTA INADMISSIBILIDADE – SUBSTITUIÇÃO – PENHORA – IMÓVEL – FATURAMENTO – EMPRESA – 1. Dispõe o caput do art. 557 do Código de Processo Civil que o Relator negará seguimento ao recurso manifestamente improcedente. 2. Possível a substituição do bem penhorado, desde que não acarrete prejuízo ao credor e seja menos onerosa ao devedor. 3. Na ordem de preferência da legislação aplicada, a constrição sobre imóveis é preferível aos percentuais de faturamento da empresa devedora. 4. A penhora sobre a renda da empresa/devedora deve ser medida excepcional, para que não haja inviabilização do exercício normal de suas atividades empresariais, o que traria prejuízo a ambas as partes. 5. Recurso não provido.” (Brasil, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2ª Turma Cível, Agravo Regimental nº 20140020284022AGI, Relª Desª Leila Arlanch, Julgado em: 26.11.2014. Disponível em: <http://juris.tjdft.jus.br/docjur/840841/841526.Pdf>. Acesso em: 23 jan. 2015).

58 “AGRAVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – VEÍCULO – IMPENHO-RABILIDADE – INSTRUMENTO ESSENCIAL DE TRABALHO – AUSENTE COMPROVAÇÃO – Havendo bem penhorado de propriedade da embargante, não comprovado que o veículo é utilizado como instrumento essencial, ônus que lhe incumbia nos termos do art. 333, inciso I, do CPC, deve ser mantida a penhora, mormente porque o bem que apenas ajuda ou facilita a atividade profissional ou empresarial é passível de penhora. Precedentes do TJRGS. PENHORA DE FATURAMENTO DE EMPRESA – DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO – EXISTÊNCIA DE VEÍCULO DA DEVEDORA – A penhora sobre o faturamento da empresa é medida que somente se admite quando não há bens suficientes para garantir a execução. Havendo demonstração de que a empresa possuiu veículo passível de constrição, descabida a penhora sobre o faturamento da empresa, observada a ordem de preferência do art. 655 do CPC. Precedentes do TJRGS. PREQUESTIONAMENTO – A apresentação de questões para fins de prequestionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela parte, mormente porque foram analisadas todas as questões que entendeu o julgador pertinentes para solucionar a controvérsia. Agravo desprovido, por maioria.” (Brasil, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 22ª Câmara Cível, Agravo nº 70062880695, Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 18.12.2014. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70062880695%26num_processo%3D70062880695%26codEmenta%3D6106889+penhora+sobre+o+faturamento++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70062880695&comarca=Comarca%20de%20Feliz&dtJulg=18/12/2014&relator=Carlos%20Eduardo%20Zietlow%20Duro&aba=juris>. Acesso em: 23 jan. 2015)

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feita, ordenou o cancelamento da penhora anteriormente determinada pelo juiz de primeiro grau59.

CONCLUSÃO

Como pudemos perceber, revela-se importante a previsão da penhora sobre o faturamento. Todavia, ao interpretar o Código de Processo Civil, es-pecificamente quanto a este ponto, doutrina e jurisprudência são unânimes em relevar o percentual a ser penhorado. É que, como estudado, a continui-dade da empresa e o pagamento dos seus encargos, sejam de que natureza forem, devem ser preservados, sob pena de se instaurar um verdadeiro caos nas atividades, que pode, inclusive, levar à paralisação de suas atividades.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Manual da execução. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

BRASIL. Código de processo civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Dispo-nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>.

______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2ª Turma Cível, Agravo Regimental nº 20140020284022AGI, Relª Desª Leila Arlanch, Julgado em: 26.11.2014. Dispo-nível em: <http://juris.tjdft.jus.br/docjur/840841/841526.Pdf>. Acesso em: 23 jan. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, AgRg-AREsp 258460/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em: 21.11.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1281044&num_registro=201202403533&data=20131203&formato=HTML>. Acesso em: 4 fev. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg-REsp 1454403/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Julgado em: 02.12.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1372185&n

59 “AGRAVO DE INSTRUMENTO – NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS – AÇÃO DE EXECUÇÃO – PENHORA SOBRE O FATURAMENTO – VALOR IRRISÓRIO – APLICAÇÃO DO ART. 659, § 2º, DO CPC – É possível a penhora sobre o faturamento da empresa (art. 655, inciso VII, do CPC). Entretanto, mesmo o percentual fixado de 30% do faturamento resulta em valor irrisório frente ao valor executado, razão pela qual deve ser indeferida a penhora. Inteligência do art. 659, § 2º, do CPC. Agravo de instrumento provido.” (Brasil, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 17ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70062454566, Rel. Des. Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 18.12.2014. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70062454566%26num_processo%3D70062454566%26codEmenta%3D6110353+penhora+sobre+o+faturamento++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70062454566&comarca=Comarca%20de%20Porto%20Alegre&dtJulg=18/12/2014&relator=Gelson%20Rolim%20Stocker&aba=juris>. Acesso em: 23 jan. 2015)

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um_registro=201401147235&data=20141217&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, AgRg-AREsp 483558/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Julgado em: 20.11.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1367654&num_registro=201400467221&data=20141219&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp 1408367/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em: 25.11.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1370228&num_registro=201303345276&data=20141216&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg-AREsp 518189/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Julgado em: 16.10.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1357759&num_registro=201401176518&data=20141028&formato=HTML>. Acesso em: 23 jan. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg-AREsp 433526/SC, Relª Min. Assusete Magalhães, Julgado em: 02.09.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1345017&num_registro=201303814090&data=20140911&formato=HTML>. Acesso em: 4 mar. 2015.

_____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 22ª Câmara Cível, Agra-vo nº 70062880695, Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 18.12.2014. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_proces-so_mask%3D70062880695%26num_processo%3D70062880695%26codEmenta%3D6106889+penhora+sobre+o+faturamento++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70062880695&comarca=Comarca%20de%20Feliz&dtJulg=18/12/2014&relator=Carlos%20Eduardo%20Zietlow%20Duro&aba=juris>. Acesso em: 23 jan. 2015.

______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 17ª Câmara Cível, Agra-vo de Instrumento nº 70062454566, Rel. Des. Gelson Rolim Stocker, Jul-gado em: 18.12.2014. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_pro-cesso_mask%3D70062454566%26num_processo%3D70062454566%26codE

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NERY JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

PORTO, Sérgio Gilberto; PORTO, Guilherme Athayde. Lições sobre teorias do processo: civil e constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil: volume 3. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2013.

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Assunto Especial – Doutrina

Penhora sobre o Faturamento

Os Requisitos para a Realização da Penhora sobre o Faturamento da Empresa nas Execuções Fiscais

MARCELO TERRA REISAdvogado e Professor Universitário, Doutorando em Direito na Universidade de Buenos Aires, Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Osório.

MATEUS SILVEIRA DA SILVAAdvogado, Bacharel em Direito na Faculdade Cenecista de Osório.

RESUMO: O processo de execução fiscal tem como principal escopo a arrecadação judicial dos tributos que foram inscritos em dívida ativa, na forma do art. 201 do Código Tributário Nacional e o art. 1º da Lei nº 6.830/1980, que regula o processo de execução fiscal. Por ter a natureza de pro-cesso de execução, o seu principal mecanismo para atingir o patrimônio do devedor é a penhora. O processo de execução fiscal é regulado subsidiariamente pelo CPC, do qual sofreu alterações na ordem da penhora pelo advento da Lei nº 11.382/2006. Uma destas alterações foi a introdução da possibilidade da penhora sobre o faturamento da empresa devedora. Para a sua ideal aplicação no processo, deverão ser observados princípios processuais executivos e empresariais.

PALAVRAS-CHAVE: Penhora; faturamento; empresa; execução fiscal.

ABSTRACT: The process of tax enforcement has as main scope to judicial collection of taxes were enrolled in outstanding debt, in accordance with article 201 of the National Tax Code and article 1° of Law nº 6.830/80, which regulates the process of tax enforcement. By having the nature of the implementation process, its principal mechanism for achieving the debtor’s estate is the attachment. The process of the alternative tax lien is governed by the CPC, which has changed the order of attachment by the enactment of Law nº 11.382/2006. One of these changes was the introduction of the possibility of the lien on revenues of the debtor company. For its ideal application in the process, executives and business procedural principles should be observed.

KEYWORDS: Garnishment; billing; business; tax enforcement.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da penhora no processo de execução fiscal; 1.1 Ordem de preferência da penhora; 2 Da penhora sobre o faturamento da empresa; 2.1 Conceito; 2.2 Um breve histórico da penhora sobre o faturamento da empresa; 2.3 Possibilidade e cabimento da penhora sobre o fatura-mento da empresa em ações de execução fiscal; 3 Dos requisitos necessários para o deferimento da penhora sobre o faturamento da empresa devedora no processo de execução fiscal; 3.1 Breves considerações acerca do depositário-administrador; 4 Considerações acerca da proteção à atividade empresarial; Considerações finais; Referências.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo a ser estudado tem como escopo abordar os requisi-tos para a realização da penhora sobre o faturamento da empresa nas ações de execução fiscal, analisando-a e expondo sua evolução no ordenamento jurídico, verificando a sua incidência nas ações de execução fiscal.

A escassez ou ausência de bens do devedor é um dilema enfrentado pelo credor. A busca judicial para o adimplemento da dívida por meio do processo de execução fiscal pode demorar anos. Após muitas ações em que a União, os Estados e os Municípios recorriam às instâncias superiores para buscar o adimplemento da dívida fiscal de seus devedores, o Superior Tri-bunal de Justiça consolida um entendimento no processo de execução que, após sua discussão no tribunal, passa a ser previsto em lei: a penhora sobre o faturamento da empresa.

O Superior Tribunal de Justiça consolidou a possibilidade da pe-nhora sobre o faturamento da empresa por débito em ações de execução antes da Lei nº 11.382/2006 ser sancionada, com base em análise a casos concretos substancialmente discutidos nos processos de execução de títu-lo extrajudicial desde o início da década de 19901, o que ocasionou, de forma direta, a positivação do instituto da penhora do percentual do fatu-ramento da empresa devedora nos arts. 655, VII, e 655-A, § 3º, do Código de Processo Civil.

Porém, ocorreu a omissão do legislador em um ponto específico, e, no mais, muito importante, tratando-se de penhora sobre determinado per-centual, o que, desta forma, gerou o início a principal discussão: o valor do percentual ao qual deverá ser penhorado, e qual o seu limite.

Com advento da Lei nº 11.382/2006, foram inseridas relevantes alte-rações no Código de Processo Civil no que tange à ordem de preferência dos bens a serem indicados à penhora2 e na celeridade do processo de execução. A ordem dos bens que deverão ser penhorados no processo de execução fiscal regulado pela Lei nº 6.830/1980, art. 11, e o Código de Pro-cesso Civil, no art. 655, ocorrendo de forma subsidiária.

1 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, REsp 37.027/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Ac. 16.11.1994, DJ 05.12.1994, p. 33530. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_ registro=199300202812&dt_publicacao=05-12-1994&cod_tipo_documento=>. Acesso em: 3 set. 2013.

2 “A penhora observará preferencialmente a seguinte ordem: [...] VII – percentual do faturamento da empresa devedora, [...].” (Brasil, Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 5 set. 2013)

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Diante de tais circunstâncias, surgem as seguintes indagações: a) Quais são as possibilidades e os requisitos a serem respeitados para haver a possibilidade de penhora do faturamento da empresa decorrente de débito em ação de execução fiscal?; b) Como a jurisprudência se posiciona acerca deste ato executório?; c) Qual o percentual do faturamento será passível de penhora?

Far-se-á importante destacar a evolução do procedimento da penhora sobre o faturamento da empresa por meio de consulta jurisprudencial dos Tribunais Superiores até o presente ano de elaboração do trabalho, bem como apresentar as posições de doutrinadores especialistas do processo de execução.

A importância de tal ato executório justifica-se pela evolução que ocasionou no andamento do processo de execução e a sua principal conse-quência positiva: a possibilidade do aumento da adimplência e arrecadação dos tributos em uma área na qual a demanda de processos é muito grande, pois, conforme será apresentado posteriormente, a Fazenda Pública tem a faculdade de trocar os bens indicados pelo executado no curso da execução fiscal.

A discussão do instituto tomou força no Superior Tribunal de Justiça com o passar dos anos e das reformas realizadas no sistema processual civil, abrangendo todos os processos de execução que estavam conges-tionando varas judiciais e tribunais com as mesmas discussões e interpre-tações.

A relevância do estudo acerca da possibilidade da penhora do fatu-ramento em processos nos quais o Poder Público é o exequente, além do estudo de seus requisitos para a sua realização dentro do processo, são de suma importância para encontrar maneiras mais céleres e protetivas para ambas as partes do processo.

Com a finalidade de operacionalizar os objetivos traçados e analisar as dimensões expostas no presente artigo, a pesquisa foi realizada com pes-quisas bibliográficas em obras e artigos na forma impressa, e em pesquisa a sites específicos com conteúdo jurídico relevante e atual.

O estudo contou também com a análise de julgados do Supremo Tri-bunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a fim de averiguar de que forma vem sendo aplicado o ins-tituto processual da penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal.

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1 DA PENHORA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

Preliminarmente, é importante expor uma breve conceituação geral do instituto da penhora e sua importância no processo de execução fiscal.

De todas as modalidades de garantia do juízo na ação de execução fiscal, a penhora é a mais comum e utilizada. Porém, a Lei de Execução Fiscal apenas se apropria do conceito de penhora no art. 10, que diz que, “não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o art. 9º, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis”3. Nota-se que o dispositi-vo legal mencionado não se diferencia no que tange aos dispositivos que preveem a penhora no Código de Processo Civil.

A relevância da penhora no processo de execução fiscal se justifica pelo seu papel fundamental na iniciação do procedimento de expropria-ção de bens do executado. Esta expropriação tem o propósito de satisfazer o crédito tributário que não foi pago na forma administrativa, fazendo-se necessário o ingresso na esfera judicial para a sua arrecadação.

A penhora recairá sobre bens do devedor ou de terceiro coobrigado, ou quem a ofereça para viabilizar o pagamento da dívida de outrem, con-forme prevê o art. 4º, § 3º, e art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei de Execução Fiscal.

Humberto Theodoro Júnior explica que a penhora é “o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo”4. É importante ressaltar que, no con-ceito trazido pelo jurista, a responsabilidade patrimonial do executado já está individualizada, ou seja, em um caso concreto a penhora já estaria perfectibilizada.

Segundo o art. 591 do Código de Processo Civil, o devedor respon-de para o cumprimento de suas obrigações com todos os seus bens presen-tes e futuros, o que nos remete à responsabilidade patrimonial em sentido amplo e abstrato, eis que não há ainda a certeza de quais bens serão uti-lizados para a garantia do processo, bem como para o adimplemento do crédito do exequente.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart trazem o conceito de penhora com maestria e clareza acerca das considerações anteriormen-

3 Brasil, Lei nº 6.830/1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. Acesso em: 3 abr. 2014.

4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 20. ed. São Paulo: Leud, 2000. p. 287.

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te expostas, sendo a penhora o “ato processual pelo qual determinados bens do devedor (ou de terceiro responsável) sujeitam-se diretamente à execução”5.

Tais conceituações remetem à conclusão que a responsabilização patrimonial tem caráter processual, uma vez que cabe ao Direito Proces-sual estabelecer limites à exigibilidade dos bens que serão passíveis de pe-nhora. Exemplo disso são os arts. 649 e 650 do Código de Processo Civil, os quais expõem os bens absolutamente impenhoráveis e, tendo em vista o princípio da subsidiariedade, aplicáveis ao processo de execução fiscal.

Neste sentido, decidiu o eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À PENHORA – EXECUÇÃO FISCAL – BEM DE FAMÍLIA – ART. 5º DA LEI Nº 8.009/90 – NÃO COMPROVAÇÃO DE RESIDIR NO IMÓVEL – IMPENHORABILIDADE AFASTADA – Na forma do art. 5º da Lei nº 8.009/90, para fins de aferição da impenhorabilidade reputa-se “residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela en-tidade familiar para moradia permanente”. Faturas de serviços básicos trazidas aos autos demonstram que o consumo de água e energia elé-trica no imóvel foi ínfimo no ano de 2013, quase sempre igual a zero. Há também nos autos certidão de oficial de justiça informando desocu-pação do bem. Ausência de comprovação de que o imóvel sirva de re-sidência do embargante, não se enquadrando no conceito de bem de família. Precedentes desta Corte. Apelação provida. (Apelação Cí-vel nº 70058428251, 21ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 12.03.2014)6

Portanto, a penhora é o ato executivo que atinge determinado bem do executado e o deixa à disposição do processo com a finalidade de ga-rantir o pagamento da dívida, tornando os atos de disposição do seu pro-prietário ineficazes, em proteção ao andamento do processo de execução, admitindo-se, após, a expropriação do bem.

5 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: execução. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2008. p. 254.

6 TJRS, Apelação Cível nº 70058428251, Vigésima Primeira Câmara Cível, Rel. Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em: 12.03.2014. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70058428251%26num_processo%3D70058428251%26codEmenta%3D5678494+penhora+conceito&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70058428251&comarca=Comarca+de+Carazinho&dtJulg=12-03-2014&relator=Almir+Porto+da+Rocha+Filho>. Acesso em: 3 abr. 2014.

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1.1 ordem de Preferência da Penhora

A partir da Lei nº 11.382/2006, o credor teve sua situação melhorada no processo de execução, pois, com a nova redação do art. 655, no qual é prevista a ordem preferencial da penhora, não é mais do devedor a incum-bência de indicar os bens a serem penhorados. Neste sentido, com a nova redação do art. 652, § 2º, ao credor é dada a faculdade de indicar os bens a serem penhorados desde a petição inicial do processo de execução, medida que já é adotada pela União, Estados e Municípios.

Tais modificações trouxeram para o processo de execução fiscal, celeridade e efetividade no que tange ao pagamento do crédito tributário, pois a Fazenda Pública, utilizando-se das prerrogativas processuais e, prin-cipalmente, administrativas, nas quais se encontram os acessos aos órgãos ligados à propriedade de veículos (art. 11, VI, da LEF e art. 655, II, do CPC), bens imóveis (art. 11, IV, da LEF e art. 655, IV, do CPC), entre outros, poderá ter um processo menos demorado e diligente com o seu principal objetivo atingido, que é a adimplência do tributo.

Com essas alterações, a principal consequência trazida ao processo de execução fiscal foi a valorização do crédito tributário, sendo arrecadado de forma mais rápida e assim descongestionando varas judiciais de execu-ções fiscais. Por meio desta valorização, a Fazenda Pública arrecada mais e, invariavelmente, investe mais nos setores de sua responsabilidade, seja na saúde, educação, segurança e também em sua própria estrutura admi-nistrativa.

A ordem de preferência da penhora com as alterações trazidas pela Lei nº 11.382/2006 para o processo de execução civil está prevista no art. 6557.

Tal dispositivo legal é taxativo, porém não se faz imperiosa a sua lite-ral aplicação em casos concretos, pois, conforme o próprio texto, a penhora observará preferencialmente a ordem prevista, a qual não restará prejudi-cada a penhora de um veículo (655, II) caso não tenha sido requisitada a

7 “Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – veículos de via terrestre; III – bens móveis em geral; IV – bens imóveis; V – navios e aeronaves; VI – ações e quotas de sociedades empresárias; VII – percentual do faturamento de empresa devedora; VIII – pedras e metais preciosos; IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI – outros direitos. § 1º Na execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora recairá, preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia; se a coisa pertencer a terceiro garantidor, será também esse intimado da penhora. § 2º Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado.” (Brasil, Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/c civil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 4 abr. 2014)

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penhora em dinheiro (655, I). Neste sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

O credor, após aceitar a oferta do bem dado em garantia, poderá vir a recusá--lo, pedindo a sua substituição ou reforço de penhora. A ordem de nomea-ção, constante do CPC 655, I, embora seja taxativa, dispensa por parte do intérprete maior flexibilidade para se adaptar às circunstâncias fáticas.8

Embora o dinheiro esteja na primeira colocação, a penhora pode e deve recair em outros bens para a satisfação do crédito. Giza-se que a or-dem prevista no artigo alhures citado foi a forma que o legislador encontrou de colocar os bens que tenham maior cotação em bolsas de valores e imo-biliárias, deixando ao critério do credor a escolha.

2 DA PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA

Neste capítulo, serão apresentadas todas as considerações acerca da penhora sobre o faturamento da empresa expondo o seu conceito doutriná-rio e legal. Também será apresentada uma breve síntese sobre o seu histó-rico e evolução em nosso ordenamento processual, principalmente na sua aplicação ao processo de execução fiscal previsto na Lei nº 6.830/1980 e, subsidiariamente, no Código de Processo Civil.

2.1 conceito

A penhora sobre o faturamento da empresa tem sua base legal nos arts. 655, VII, e 655, § 3º, do Código de Processo Civil. A penhora sobre o faturamento da empresa não se confunde com a penhora em dinheiro, pois esta pressupõe a disponibilidade do bem, ou seja, o dinheiro depositado e mantido em conta corrente é quantia certa e determinada do devedor.

A penhora sobre o faturamento da empresa, como se pode prever, é a espécie de penhora que é exclusivamente aplicada em casos que a empresa que figura no polo passivo da execução terá determinado percentual de seu faturamento penhorado, com a finalidade de satisfazer o crédito exequendo.

Conforme decisão do STJ, a penhora sobre o faturamento da empresa não consistirá em “simples depósito em conta judicial ou bancária, exigindo providência e forma de administração ditadas pela lei processual por afetar,

8 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp 602.382/MG, Relª Min. Eliana Calmon, Ac. 22.03.2005, DJU 09.05.2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1658924&sReg=200301944171&sData=20050509&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 7 abr. 2014.

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na verdade, e comprometer o capital de giro, significando a constrição do próprio estabelecimento”9.

Destarte, cabe destacar que a penhora sobre o faturamento pressupõe quantia não determinada, discriminada em percentual fixo, porém fazendo--se com que o valor obtido mensalmente por meio da penhora seja variável, de acordo com a rentabilidade da empresa no respectivo período.

2.2 um breve histórico da Penhora sobre o faturamento da emPresa

Primeiramente reconhecida em processos de execução de títulos ex-trajudiciais, a penhora sobre o faturamento da empresa era uma manobra processual admitida em casos excepcionais, sendo deferida apenas quando o devedor não possuía bens para serem objetos de penhora.

A penhora sobre o percentual do faturamento da empresa foi conso-lidada por meio de vários julgados no Superior Tribunal de Justiça, desde a primeira metade da década de 1990, sendo reconhecida como instituto legal por meio da Lei nº 11.382/2006, que inseriu, no art. 655 do Código de Processo Civil, o inciso VII e o art. 655-A, § 3º, além de estudos doutrinários acerca do tema e sua excepcionalidade processual, sendo reconhecida a sua eficácia no que tange à celeridade e ao adimplemento da dívida10.

Após a possibilidade de penhora do percentual do faturamento de empresas devedoras em processos de execução tornar-se um entendimen-to pacificado no Superior Tribunal de Justiça, outro tribunal se manifestou acerca da possibilidade da aplicação do ato executório que vinha crescen-do no sistema processual civil.

O Tribunal Superior do Trabalho, Seção de Dissídios Individuais II, editou, em 2002, a Orientação Jurisprudencial nº 93, na qual prevê que “é admissível a penhora sobre a renda mensal ou faturamento de empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o desenvol-vimento regular de suas atividades”11.

9 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, REsp 37.027/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Ac. 16.11.1994, DJU 05.12.1994. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199300202812&dt_publicacao=05-12-1994&cod_tipo_documento=>. Acesso em: 8 abr. 2014.

10 Cleide Previtalli Cais aduz que “a penhora de percentual de faturamento, hipótese antes versada na jurisprudência pátria, e agora expressamente prevista no inciso VII do art. 655, constitui outra opção ao credor, no processo de execução fiscal regrado pela Lei nº 6.830/1980, sendo, óbvio, meio eficaz, porque dotado de grande solvabilidade e de grande impacto em relação ao patrimônio do executado”. (CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 577.

11 Brasil, Tribunal Superior do Trabalho, SDI II, Orientação Jurisprudencial nº 93. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/ojs/-/asset_publisher/1N7k/content/secao-de-dissidios-individuais-ii-sdi-ii>. Acesso em: 6 set. 2013.

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Da mesma forma, a penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal tornou-se uma realidade no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos primeiros anos da década de 199012, nos quais os mesmos requisitos e princípios consolidados pelo Superior Tribunal de Justiça eram utilizados pelos Desembargadores do eg. Tribunal.

Nesta premissa, pode-se afirmar que tribunais de diferentes instâncias e competências estavam uniformizando o entendimento consolidado em julgamentos no Superior Tribunal de Justiça13, assim como o legislador, que, com o intuito de evitar qualquer distorção sobre o assunto, normatizou o instituto no texto do Código de Processo Civil, art. 655-A, § 3º14.

2.3 Possibilidade e cabimento da Penhora sobre o faturamento da emPresa em ações de execução fiscal

No curso do processo de execução fiscal, as inúmeras diligências to-madas pelo exequente demandam tempo e necessitam que haja a espera de respostas a ofícios, cálculos e, em várias oportunidades, pedidos de suspen-são, ocasionando grandes perdas de arrecadações e a disponibilidade de exigir o crédito tributário.

A escassez e, principalmente, a ausência de bens em nome da em-presa devedora são um dilema enfrentado pelo exequente na esmagadora maioria dos processos de execução fiscal. Tal empecilho obrigou o credor,

12 “EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DA PARTE DA RENDA (RECEITA) DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL: POSSIBILIDADE – LEF, ART. 11, § 1º – AGRAVO PROVIDO.” (Agravo de Instrumento nº 594081838, 2ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Élvio Schuch Pinto, Julgado em 28.09.1994) Assunto: PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA – ADMISSIBILIDADE – 1. DIREITO TRIBUTÁRIO –. 2. PROCESSO CIVIL – 3. PENHORA – ESTABELECIMENTO COMERCIAL, INDUSTRIAL OU AGRÍCOLA – CRÉDITOS E DIREITOS PATRIMONIAIS – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA À EXECUÇÃO FISCAL – LIMITAÇÕES – 4. EXECUTIVO FISCAL – PENHORA – PARTE DA RENDA (RECEITA) DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL E COMERCIAL – POSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DA LEI Nº 6.830, DE 1980, ART. 11, § 1º. Referências legislativas: CPC-678; CPC-649; CPC-671; CPC-672; CPC-677; LF 6.830, DE 1980, ART. 15, INCISO II. Revista de Jurisprudência: RJTJRS, 167/266. Fonte: JURISPRUDÊNCIA TJRS, CÂMARAS CÍVEIS, 1994, v. 2, t. 9, p. 73-77. RRR, Data de Julgamento: 28.09.1994, Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça, Agravo de Instrumento nº 594081838, 2ª Câmara Cível, Rel. Élvio Schuch Pinto, Julgado em 28.09.1994. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=penhora+faturamento+empresa+execu%E7%E3o+fiscal&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=&ini=380>. Acesso em: 22 set. 2013.

13 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, REsp 418.129/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, Ac. 16.05.2002, DJU 24.06.2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=6829&nreg=200200258509&dt=20020624&formato=PDF>. Acesso em: 22 set. 2013.

14 “Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.” (Brasil, Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ l5869.htm>. Acesso em: 23 set. 2013)

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juízes e tribunais superiores à busca de um mecanismo que ocasionasse de forma gradual o adimplemento da dívida, sem prejuízo aos princípios do processo de execução fiscal previstos na LEF e no CPC: a penhora do per-centual do faturamento da empresa.

Tratando-se de execução fiscal para a cobrança de dívida ativa, o rito processual é regulado pela Lei nº 6.830/1980 e, de forma subsidiária, o Có-digo de Processo Civil. A ordem de preferência da penhora está prevista no art. 11 da LEF, porém seu § 1º expõe em seu texto uma situação passível de ser entendida como o tema da penhora sobre o faturamento que “excepcio-nalmente a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, indus-trial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção”15.

Nota-se que não é expressamente prevista na lei de execução fiscal a possibilidade da penhora do faturamento da empresa, porém, em analogia ao art. 11, § 1º, pode-se aventar que a penhora do faturamento está prevista de forma indireta no texto. Entendimento este reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, que, em julgamento de recurso especial na primeira turma, concluiu que:

A penhora sobre percentual do movimento de caixa da empresa-execu-tada configura penhora do próprio estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, hipótese só admitida excepcionalmente (§ 1º do art. 11 da Lei nº 6.830/1980), ou seja, após ter sido infrutífera a tentativa de constrição sobre os outros bens arrolados nos incisos do art. 11 da Lei de Execução Fiscal.16

Reconhecida a possibilidade e seu cabimento em ações de execu-ção fiscal para que a penhora do faturamento da empresa seja utilizada no processo, devem ser observados os requisitos reconhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pela doutrina: a) A inexistência de bens passíveis de penhora, suficientes para garantir a cobrança do crédito; b) Existência de bens de difícil comercialização em hastas públicas; c) Deverá ser promovi-da a nomeação de administrador que apresente o plano de pagamento na forma dos arts. 655-A, § 3º, 677 e 678 do Código de Processo Civil; d) O percentual fixado sobre o faturamento não pode tornar inviável o exercício da atividade empresarial.

15 Brasil, Lei nº 6.830/1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. Acesso em: 25 set. 2013.

16 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, REsp 249.353/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Data de Julgamento 20.06.2000, DJU 09.04.2001. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=249353&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=3>. Acesso em: 29 set. 2013.

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3 DOS REqUISITOS NECESSáRIOS PARA O DEFERIMENTO DA PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA DEvEDORA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

Por ser de grande complexidade, a penhora sobre o faturamento não será utilizada no processo de forma que possa levar a empresa devedora à ruína. É importantíssimo ressaltar que, mesmo o processo judicial tributário tendo seus princípios específicos, rege-se subsidiariamente pelo Código de Processo Civil, sendo assim aplicável o princípio da menor onerosidade para o devedor, com fulcro no art. 620, que expõe que, “quando, por vários meios, o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”17.

O princípio da menor onerosidade tange à apreciação do Magistrado quanto aos atos executórios no curso da execução fiscal, ou seja, sendo en-contrados dois ou mais atos executórios em face do executado, o juiz deve optar sempre pelo menos danoso ao seu patrimônio, no caso de empresas serem os sujeitos passivos do processo de execução fiscal, a constrição re-cairá no seu maior bem: o faturamento.

Foi com grandes cuidados que o Superior Tribunal de Justiça conso-lidou a possibilidade da penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal, pois, por se tratar de procedimento de alta solvabilidade, exige que sejam tomadas cautelas previstas no Código de Processo Civil.

No Estado do Rio Grande do Sul, a demanda de ações de execução fiscal em face de empresas é muito grande, o que instigou ao Estado e aos Municípios a busca da possibilidade de penhorar o faturamento da empresa devedora em execuções fiscais de ICMS e IPTU.

Em processo de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Genaro José Borges, o Estado do Rio Grande do Sul pleiteou possibilidade da pe-nhora sobre o faturamento de empresa devedora de Imposto sobre Circula-ção de Mercadorias e Serviços, sendo reconhecida pelo eg. Tribunal com base no princípio da menor onerosidade para o devedor, conforme citado a seguir:

Para obsequiar os princípios da menor onerosidade (CPC, art. 620) e da ra-zoabilidade, a fixação de percentual sobre o faturamento da empresa não há de se dar em patamar que impeça ou comprometa o exercício da atividade Percentual sobre faturamento que não onera demasiado e injustificadamente

17 Brasil, Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 30 set. 2013.

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a devedora, prestando-se, antes, para saldar em doses homeopáticas o cré-dito tributário.18

Nota-se a adoção do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de toda a cautela exigida e discutida no Superior Tribunal de Justiça e doutrina majoritária.

A empresa, em alguns casos, não possui bens suficientes de satisfazer o crédito tributário, justificando a busca do exequente por mais bens, e a utilização do redirecionamento da execução para os sócios e o seu patri-mônio, na forma do art. 135, III, do Código Tributário Nacional, além do instituto da desconsideração da personalidade jurídica19, previsto no art. 50 do Código Civil. Porém, as procuradorias do Estado e as dos municípios utilizam-no como requerimento na ação de execução fiscal em casos muito específicos.

Em processos de execução fiscal em face de empresas, o valor da dí-vida em grande parte dos casos é alto, na hipótese da empresa não possuir bens passíveis de penhora suficientes para a garantia do juízo e da dívida, pode o credor requerer a penhora sobre o faturamento da empresa, sem pre-juízo do princípio da menor onerosidade, já explicitado anteriormente, bem como não haverá um desrespeito à ordem da penhora de bens.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que não é necessário esgotar todas as tentativas e diligências com a finalidade de encontrar bens passíveis de penhora, sendo a execução feita no interesse do credor com a faculdade de trocar a ordem de penhora dos bens previstos no art. 11 da Lei de Execuções Fiscais, desta forma ocorrendo uma relativi-zação da referida ordem:

Não havendo a embargante apresentado qualquer outro bem de sua proprie-dade sobre o qual possa recair a penhora, descabe discutir a necessidade de

18 TJRS, Agravo de Instrumento nº 70053918025, 21ª Câmara Cível, Rel. Genaro José Baroni Borges, Julgado em 04.09.2013. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70053918025%26num_processo%3D70053918025%26codEmenta%3D5437760+70053918025&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70053918025&comarca=Comarca+de+Porto+Alegre&dtJulg=04-09-2013&relator=Genaro+Jos%E9+Baroni+Borges>. Acesso em: 30 set. 2013.

19 Art. 50 do Código Civil de 2002: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (Brasil, Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 set. 2013).

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esgotamento das diligências pelo exequente para postular a penhora de seu faturamento.20

A decisão anterior deixa explicitado o requisito acerca da falta de bens passíveis de penhora suficientes para garantir o adimplemento da dí-vida, necessário para haver a penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal.

No processo de execução fiscal, a empresa devedora, muitas vezes durante o curso do processo, nomeia bens de difícil comercialização em hastas públicas, ocasionando diligências processuais sem necessidade e gastos ao juízo e às próprias partes. A dificuldade de execução destes bens acarreta um processo mais lento, com muitos leilões que restam desertos com a falta de interesse de alienação.

A nomeação de bens por parte do executado é subordinada ao aceite do exequente, que pode, no caso concreto, fundamentar em suas razões a dificuldade e possível demora exacerbada que pode ocorrer para uma futura arrematação dos bens indicados pela empresa, e, deste modo, satisfazer a dívida, com base no art. 15, II, da Lei de Execuções Fiscais, que concede à Fazenda Pública, em qualquer fase do processo, a possibilidade de substi-tuição dos bens penhorados, independentemente da ordem estabelecida no art. 11 da referida lei.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery exemplificam o re-quisito da existência de bens de difícil comercialização em hastas públicas ao afirmar que “o ato constritivo há de recair em bens com expressão eco-nômica que possam cumprir os objetivos do processo executório, quais se-jam conversão em dinheiro pela hasta pública e o pagamento do credor”21.

A expressão econômica dos bens diz respeito ao valor de mercado passível em conversão à moeda nacional, os bens indicados pelo devedor não podem estar em estado precário e sem valor em mercado, desta forma, não prejudicando futuras hastas públicas.

20 TJ, Embargos de Declaração nº 70056184039, 2ª Câmara Cível, Rel. Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 09.10.2013. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70056184039%26num_processo%3D70056184039%26codEmenta%3D5491869+70056184039&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70056184039&comarca=Comarca+de+Porto+Alegre&dtJulg=09-10-2013&relator=Almir+Porto+da+Rocha+Filho>. Acesso em: 10 out. 2013.

21 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 1079.

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Estes requisitos podem ser observados pelo exequente por meio das diligências tomadas por ele com a finalidade de encontrar os bens da em-presa executada, podendo ser exemplos destas medidas os diversos ofícios encaminhados pelas procuradorias aos registros de imóveis, Detran e à Re-ceita Federal, além das certidões emitidas pelos oficiais de justiça que ava-liam os bens e por muitas vezes deixam de penhorá-lo por serem encontra-dos em péssimas condições.

Entrementes, resta evidenciado que, no curso do processo de execu-ção fiscal, é necessária a observância do princípio da expressão econômica dos bens passíveis de penhora, conforme fora levantado anteriormente.

Caracterizados no curso da execução fiscal, os dois requisitos explici-tados anteriormente, a inexistência de bens passíveis de penhora, suficientes para garantir a cobrança do crédito ou a existência de bens de difícil comer-cialização em hastas públicas, o exequente poderá pleitear a possibilidade da penhora sobre o faturamento em face da empresa devedora.

A preocupação com o estado de insolvência que pode ocorrer por conta da penhora do percentual de seu faturamento não se restringe apenas à empresa executada e seus sócios. O legislador também apontou tal pre-caução na norma processual, na qual é encontrado explicitamente o requi-sito da nomeação de depositário administrador para que apresente o plano de pagamento da dívida, bem como os cálculos acerca do percentual que poderá ser penhorado.

A escolha do administrador depositário será feita na forma dos arts. 677 e 67822 e a ele cabe a elaboração de plano eficaz e urgente com o estado atual dos lucros e dívidas da empresa, além das ponderações e indi-cações atuais do mercado em que a empresa atua.

Conforme preceitua o art. 678 in fine, o depositário-administrador será, de preferência, um dos diretores da empresa, porém esta condição é

22 “Art. 677. Quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifício em construção, o juiz nomeará um depositário, determinando-lhe que apresente em 10 (dez) dias a forma de administração. § 1º Ouvidas as partes, o juiz decidirá. § 2º É lícito, porém, às partes ajustarem a forma de administração, escolhendo o depositário; caso em que o juiz homologará por despacho a indicação. Art. 678. A penhora de empresa, que funcione mediante concessão ou autorização, far-se-á, conforme o valor do crédito, sobre a renda, sobre determinados bens ou sobre todo o patrimônio, nomeando o juiz como depositário, de preferência, um dos seus diretores. Parágrafo único. Quando a penhora recair sobre a renda, ou sobre determinados bens, o depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pagamento observando-se, quanto ao mais, o disposto nos arts. 716 a 720; recaindo, porém, sobre todo o patrimônio, prosseguirá a execução os seus ulteriores termos, ouvindo-se, antes da arrematação ou da adjudicação, o poder público, que houver outorgado a concessão.” (Brasil, Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 19 out. 2013)

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apenas imprescindível em empresas que prestam serviços públicos, confor-me entendimento do TJRS.

A ilustrar, entre inúmeros precedentes:

AGRAVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO TRIBUTÁRIO – EXE-CUÇÃO FISCAL – PENHORA – FATURAMENTO – DEPOSITÁRIO ADMI-NISTRADOR – NOMEAÇÃO DE TERCEIRO ESTRANHO AOS QUADROS DA EMPRESA EXECUTADA – CABIMENTO – REMUNERAÇÃO – MANU-TENÇÃO – A preferência de nomeação de um dos diretores da empresa exe-cutada como depositário administrador é prevista para empresas que exer-çam serviço público, sob regime de concessão e permissão, o que não ocorre no caso, razão pela qual perfeitamente possível a escolha de pessoa estranha aos quadros sociais da executada, com reputação ilibada e experiência no ramo dos negócios, medida que visa assegurar a satisfação da dívida e, ao mesmo tempo, resguardar a continuidade da exploração econômica da em-presa, estando o percentual de 3% sobre todo e qualquer valor penhorado, fixado a título de remuneração mensal do profissional, de acordo com o parâmetro adotado no âmbito deste Tribunal de Justiça, não havendo que se falar em onerosidade excessiva ao devedor. Precedentes do TJRS. Agravo desprovido. (Agravo nº 70058073941, 22ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 27.02.2014)23

O plano de pagamento elaborado pelo administrador será apreciado pelo juiz, devendo sempre ocorrer a oitiva do exequente e o executado acerca de todas as condições de pagamento apresentadas no relatório apre-sentado. É facultado às partes a recusa ou a desistência da aplicação da pe-nhora sobre o faturamento, caso haja, de alguma forma, perigo à atividade da empresa.

No plano de pagamento, juntamente com todas as informações perti-nentes à forma de pagamento (prazo para o início e término do pagamento das parcelas), será incluído o percentual do faturamento da empresa, que poderá ser penhorado.

Porém, faz-se necessário expor um breve conceito de faturamento. O art. 22 do Decreto-Lei nº 2.397/1987 expõe que faturamento é “a receita

23 TJ, Embargos de Declaração nº 70056184039, 2ª Câmara Cível, Rel. Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 09.10.2013. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70058073941%26num_processo%3D70058073941%26codEmenta%3D5666408+remunera%C3%A7%C3%A3o+administrador+penhora+faturamento&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesh eet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70058073941&comarca=Comarca+de+P orto+Alegre&dtJulg=27-02-2014&relator=Carlos+Eduardo+Zietlow+Duro>. Acesso em: 10 abr. 2014.

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bruta das vendas de mercadorias e serviços e de mercadorias e serviços de qualquer natureza, das empresas públicas e privadas”24, portanto, fatura-mento trata-se de toda receita obtida pela empresa por meio da venda de todos os seus produtos e serviços.

Segundo entendimentos consolidados do Superior Tribunal de Justi-ça25 e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul26, o percentual que deverá ser penhorado não pode inviabilizar as atividades empresariais e o capital de giro da empresa executada. Por não ser explícito no texto do Código de Processo Civil, o limite do percentual penhorado deverá ser analisado pelo juiz caso a caso, conforme os lucros brutos da empresa e o plano de paga-mento apresentado pelo depositário-administrador. Conforme se verifica na jurisprudência, o percentual deferido é relativamente baixo, com a variação entre 3% e 20% do faturamento.

Para todos estes requisitos apresentados na petição, serão analisados pelo juiz, que decidirá, interlocutoriamente, o (in)deferimento da penhora sobre o faturamento da empresa.

3.1 breves considerações acerca do dePositário-administrador

Inicialmente, cabe destacar que, no procedimento da penhora sobre o faturamento da empresa, é necessária a nomeação do depositário-admi-nistrador, que, conforme exposto anteriormente, será o responsável pela elaboração do plano de pagamento, bem como pelo depósito dos valores relativos ao percentual penhora do faturamento da empresa.

24 Brasil, Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987. Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/110478/decreto-lei-2397-87>. Acesso em: 19 out. 2013.

25 “A jurisprudência desta Corte é assente quanto à possibilidade de a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa, desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual (arts. 655-A, § 3º, do CPC) e o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial. Precedentes.” (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg-REsp 1340318/SP, Rel. Min. Castro Meira, Data de Julgamento 27.11.2012, DJ 06.12.2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1198656&sReg=201103070585&sData=20121206&formato=PDF>. Acesso em: 20 out. 2013)

26 “Possível, em situações excepcionais, que a penhora recaia sobre o faturamento da empresa, desde que em percentual que não inviabilize a continuidade da atividade econômica. Mostra-se excessiva a penhora de 10% do faturamento, pena de inviabilizar a continuidade das operações do estabelecimento. Razoável na espécie a penhora de 5% da receita bruta.” (TJRS, 2ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70023092141, Rel. Des. Arno Werlang, Data de Julgamento: 06.08.2008, DJ 05.09.2008. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70023092141%26num_processo%3D70023092141%26codEmenta%3D2493997+70023092141&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70023092141&comarca=Comarca+de+Cachoeirinha&dtJulg=06-08-2008&relator=Arno+Werlang>. Acesso em: 21 out. 2013.

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O depositário-administrador será nomeado pelo juiz da execução fis-cal, conforme preveem os arts. 666, III, 677, caput, e o 655, § 3º, do CPC, e deverá ser profissional particular, de amplos conhecimentos contábeis e jurídicos, experiência em assessoria a empresas, além da necessidade de haver a sua disponibilidade para o exercício do cargo.

Em recurso especial interposto pelo Botafogo Clube de Futebol e Re-gatas, que desafiou acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janei-ro, restou evidenciada a importância da figura do depositário-administrador e a sua apresentação do plano de pagamento, previamente ao deferimento da penhora.

Vejamos um trecho da decisão proferida pelo Relator Ministro Humberto Gomes de Barros:

Primeiro, a nomeação de administrador deve preceder o início do ato cons-tritivo. Não pode o juiz autorizar a penhora, fixar percentual e só então no-mear administrador, cuja função é intervir na empresa, ordenando os paga-mentos, de modo a evitar a quebra de privilégios creditícios.27

Ao depositário-administrador recairá também as mesmas responsa-bilidades e penalidades do depositário da coisa penhorada, incumbindo a ele a guarda e a conservação e, principalmente, no caso da penhora sobre o faturamento da empresa, a gestão do bem penhorado, eis que por meio da sua atividade será efetivada a penhora.

No que tange à penhora sobre o faturamento da empresa, cabe ao depositário-administrador prestar contas de forma espontânea, a iniciar da extinção do depósito, ou seja, o depositário-administrador fica responsável pela arrecadação dos valores do percentual penhorado, deve realizar o de-pósito judicial e finalmente deve proceder à prestação de contas, com base no plano de pagamento apresentado e deferido pelo juiz.

A atividade de depositário-administrador será remunerada na forma do art. 149, caput, do CPC, que prevê que “o depositário ou administrador perceberá, por seu trabalho, remuneração que o juiz fixará, atendendo à si-tuação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução”28.

27 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma. REsp 952.143/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Data de Julgamento 17.03.2008, DJU 13.05.2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=763153&sReg=200602425763&sData=20080513&formato=PDF> Acesso em: 10 abr. 2014.

28 Brasil, Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 10 abr. 2014.

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Esta remuneração arbitrada pelo juiz não abrangerá as despesas ine-rentes às suas responsabilidades de guarda, conservação e administração da penhora.

4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROTEÇÃO À ATIvIDADE EMPRESARIAL

Neste capítulo, serão abordados sucintamente os princípios do Direi-to Empresarial, em esfera constitucional e infraconstitucional, a atividade empresarial e seu conceito, bem como serão explicitadas as consequências jurídicas, econômicas e sociais, caso ocorra o deferimento da penhora sobre o faturamento da empresa de forma que não sejam observados tais princí-pios e premissas.

A atividade empresarial no Brasil encontra proteção constitucional, eis que o art. 1º, IV, da Carta Magna traz, em seu texto, os princípios dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e estes são princípios funda-mentais da República Federativa do Brasil, bem como princípios basilares para a sociedade brasileira, que tem, no capitalismo, a sua forma de sistema econômico.

A importância do trabalho como princípio do Estado Democrático de Direito é indiscutível, face à sua essencial existência para o crescimento, dignidade e concretização de objetivos ao cidadão.

Porém, o princípio fundamental da livre iniciativa (econômica e ju-rídica) nos traz a importância que o estabelecimento empresarial tem para com o Estado brasileiro. Esta discussão e embasamento encontram-se prin-cipalmente entre doutrinadores especialistas em Direito Empresarial.

Gladson Mamede explica que, ao empreendedorismo, não cabe qualquer distinção a qualquer outra forma de trabalho, devendo ser prote-gido constitucionalmente de forma igualitária, pois o empresário/empreen-dedor contribui de forma direta quanto ao sistema econômico e financeiro do País29.

29 “Da forma como disposto na Constituição, no amplo espaço conceitual aberto pela expressão valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, tem-se o reconhecimento da atuação produtiva individual ou coletiva, havida sob formas jurídicas distintas: o trabalho nos diversos setores da economia (rural, industrial, comercial, financeiro etc.), manual ou intelectual (art. 5º, XXVII a XXIX, da Constituição); o trabalho autônomo, remunerado ou não (voluntário, assistencial); o trabalho cooperativo, personalizado (sociedades cooperativas) ou não (mutirões); o trabalho empregado, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, ou o desempenho de funções públicas. Mas, da mesma forma, e sem qualquer distinção, o trabalho empreendedor, isto é, empresarial, que planeja, investe, estrutura, emprega pessoas, organiza a produção do trabalho individual, remunera-o, inova; trabalho empresarial que cria condições para que sejam alcançados os objetivos fundamentais da República.” (MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 6. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2012. p. 27)

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Desta forma, é imprescindível para o julgador do caso concreto pon-derar além das premissas do direito processual e seus ditames executivos, todos os direitos previstos na Constituição da República, bem como as leis especiais que regulam o Direito de Empresa e a importância que a atividade da empresa executada presta para o meio em que atua.

Imprescindível é a análise e exposição de considerações acerca de princípios que tangem à empresa e sua atividade econômica e social que poderão ser afetados, interferindo diretamente no ramo empresarial que atua.

No sistema jurídico brasileiro, adota-se a teoria da empresa, na qual à empresa é dada a concepção de pessoa, não se confundindo com o seu estabelecimento ou com o empresário que seja o seu titular. A empresa é a atividade conjunta de todos, na qual o empresário não é a empresa, bem como não será empresa apenas o estabelecimento (base física), caso não haja a atividade empresarial.

Conforme Fábio Ulhoa Coelho, tem-se o seguinte conceito de em-presa:

Conceitua-se empresa como sendo atividade, cuja marca essencial é a ob-tenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gera-dos estes mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia).30

Gladson Mamede expõe que:

A empresa é a organização de meios materiais e imateriais, incluindo pes-soas e procedimentos, para a consecução de determinado objeto, com a fi-nalidade de obter vantagens econômicas apropriáveis: o lucro que remunera aqueles que investiram na formação do capital empresarial. A empresa, na sua qualidade de organização, é um conjunto de partes com funções especí-ficas, constituída artificialmente pelo engenho humano, com a finalidade de otimizar a atuação econômica, produzindo riquezas.31

A partir destes conceitos trazidos pelos dois juristas, tem-se a mais im-portante finalidade sócio-econômica da empresa: os lucros. A empresa não gera lucros apenas para ela mesma, mas sim a todos que são influenciados pelas suas atividades.

30 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2013. p. 34.

31 MAMEDE, Gladson. Op. cit., p. 30.

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Neste sentido, temos como base a aplicação do princípio da preser-vação da empresa32, no qual a ótica quanto à sua proteção transcende ao direito público, ou seja, a preservação da empresa se dará principalmente em face da sua importância e contribuição ao mercado de trabalho, econo-mia e à intervenção e tributação do Estado quanto às suas atividades, como, por exemplo, a execução fiscal de ICMS pelo transporte interestadual de mercadorias de determinada empresa.

Ademais, temos dois princípios que juntamente com a livre iniciativa e a preservação da empresa formam a base da proteção jurídica empresa-rial, quais sejam, o Princípio da Função Social da Empresa33, que é implícito no texto da Constituição Federal, e o Princípio do Impacto Social da Empre-sa34, derivado do texto do art. 47 da Lei nº 11.101/2005 (Lei da Falência e Recuperação Judicial da Empresa).

Em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 370.202/RS35, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, foram discutidas as consequências

32 “O princípio da preservação da empresa reconhece que, em torno do funcionamento regular e desenvolvimento de cada empresa, não gravitam apenas os interesses individuais dos empresários e empreendedores, mas também os metaindividuais de trabalhadores, consumidores e outras pessoas; são estes últimos interesses que devem ser considerados e protegidos, na aplicação de qualquer norma de direito comercial.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 34)

33 “O princípio da função social da empresa conduz ao enfoque da livre iniciativa não por sua expressão egoística, como trabalho de um ser humano em benefício de suas próprias metas, mas como iniciativa que, não obstante individual, cumpre um papel na sociedade.” (MAMEDE, Gladson. Op. cit., p. 49)

34 “Em razão do impacto social da crise da empresa, sua prevenção e solução serão destinadas não somente à proteção dos interesses do empresário, de seus credores e empregados, mas também, quando necessário, à proteção dos interesses metaindividuais relacionados à continuidade da atividade empresarial.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 99)

35 “CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – PENHORA DE FATURAMENTO – VINTE POR CENTO DA RECEITA DE EMPRESA DO RAMO DE DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS – ALEGADA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE-INICIATIVA, CONCORRÊNCIA E ASSOCIAÇÃO – ARTS. 1º, IV, 5º, XIII, XVI E XVII E 170 DA CONSTITUIÇÃO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – 1. Esta Corte firmou uma série de precedentes fundados, entre outros pontos, no direito constitucional ao exercício de atividade econômica lícita e de livre concorrência, que impedem a adoção de medidas constritivas desproporcionais e indiretas destinadas a dar efetividade a arrecadação tributária (sanções políticas). 2. No acórdão-recorrido, o Tribunal de origem condicionou a penhora de faturamento ao esgotamento de outros meios menos gravosos de satisfazer a obrigação tributária, mas não examinou argumentação específica da parte-agravante, no sentido de que as margens de lucro próprias da indústria da distribuição de combustíveis eram muito pequenas, de modo a tornar a penhora verdadeiramente confiscatória. 2.1. Contudo, o recurso extraordinário não discute eventual violação dos princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e do dever de fundamentação das decisões judiciais. Impossibilidade de suprir a deficiência das razões recursais. 3. A constatação do efeito confiscatório depende da desproporcionalidade da medida de constrição adotada e, portanto, requer o exame das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto. 3.1. No caso em exame, embora a constrição tenha ocorrido em 2001, a empresa continua a funcionar em 2010. A persistência da atividade econômica embasa a presunção de que a penhora não tem força suficiente para absorver parcela da atividade econômica suficiente para tornar desinteressante o empreendimento. Para que fosse possível reverter a presunção, tal como delineada nestes autos, seria necessário reabrir a instrução probatória (Súmula nº 279/STF). Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (Brasil, Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, AgRg-REx 370.202/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Data de Julgamento: 19.10.2010, DJU 16.11.2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=616632>. Acesso em: 3 jun. 2014.

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e violações aos princípios constitucionais da livre iniciativa (art. 1º, IV), as-sociação (art. 5º, XIII, XVI e XVII) e da concorrência (art. 170). A decisão foi no sentido de que a penhora sobre o faturamento, no caso concreto, não inviabilizou as atividades essenciais da empresa, bem como não atingiu de forma negativa o contexto econômico e social da empresa.

É clara e indiscutível, a aplicação de todas as técnicas e ponderações que os juízes ou os tribunais devem utilizar para não incorrerem em qual-quer tipo de violação a algum destes princípios constitucionais empresa-riais, bem como os princípios processuais na execução do crédito público.

Caso não haja qualquer tipo de ponderação no deferimento de uma penhora sobre o faturamento da empresa executada em uma ação de exe-cução fiscal, além de prejuízos em âmbito privado, de forma indireta, o próprio Estado pode sofrer consequências negativas.

Uma empresa sem capital de giro não será boa contribuidora, desta forma, além de prejudicar a atividade econômica da empresa, o próprio Es-tado, credor legítimo da execução fiscal, terá diminuída a sua possibilidade de arrecadação no caso concreto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como objetivo abordar os requisitos para a realização da penhora sobre o faturamento da empresa nas ações de exe-cução fiscal, bem como analisá-la e expor a sua evolução no ordenamento jurídico processual, verificando a sua influência no caso em concreto e em um contexto social e econômico.

Entretanto, o tema proposto não é exaustivamente estudado pela dou-trina processualista, fazendo-se necessária uma abordagem geral sobre o en-tendimento e considerações do Superior Tribunal de Justiça, este o tribunal que trouxe todas as considerações acerca da penhora sobre o faturamento, seja ela em processos de execução fiscal ou de processos de execução de título extrajudicial.

Primeiramente é importante destacar e expor a penhora propriamente dita. Em um sentido lato, é o principal ato no processo de execução, com a finalidade de garantir o juízo e o futuro pagamento da dívida, tendo como requisito e consequência a individualização do bem. A penhora não pode levar o devedor à ruína, pois, embora seja o começo de uma eventual perda do bem, não pode ser deixado de lado o princípio da menor onerosidade ao devedor.

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Ocorreram importantes alterações no Código de Processo Civil, prin-cipalmente pela Lei nº 11.382/2006, entre elas a alteração na ordem de preferência da penhora e a introdução de outras possibilidades de bens passíveis de constrição. No tocante ao tema proposto no presente artigo, é notório que a evolução social e econômica do Brasil influenciou esta altera-ção, pois, conforme o crescimento de empresas e a sua arrecadação de ren-da, trouxe a inclusão da penhora sobre o faturamento para o diploma legal.

No que se refere à penhora sobre o faturamento da empresa, esta é a principal modalidade que foi inserida no ordenamento processual pela Lei nº 11.382/2006. É uma modalidade específica, que não pode se confundir com a penhora de dinheiro, vejamos. A penhora, em qualquer das suas espécies, deve ser individualizada, ou seja, o bem objeto da penhora deve estar identificado no processo.

Na penhora sobre o faturamento, não se fala em individualizar o di-nheiro, mas sim o faturamento, que se trata de quantia incerta, porém com percentual líquido e fixado pelo juiz ou tribunal. Desta maneira, está aten-dido o princípio da individualização na penhora sobre o faturamento da empresa.

Algumas dúvidas foram levantadas sobre a possibilidade e cabimento da penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal, o que foi pacificamente admitido pelo Superior Tribunal de Justiça, que interpretou ser possível a sua aplicação em analogia ao art. 11, § 1º, da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal).

Foram expostos e analisados os requisitos para o seu deferimento e efetivação, quais sejam: a) A inexistência de bens passíveis de penhora, su-ficientes para garantir a cobrança do crédito; b) Existência de bens de difícil comercialização em hastas públicas; c) Deverá ser promovida a nomea-ção de administrador que apresente o plano de pagamento na forma dos arts. 655-A, § 3º, 677 e 678 do Código de Processo Civil; d) O percentual fixado sobre o faturamento não pode tornar inviável o exercício da atividade empresarial.

A observância destes requisitos é obrigatória para a ideal aplicação da penhora sobre o faturamento da empresa, juntamente com a análise do caso concreto, sem a ocorrência destes requisitos, o julgador não deferirá a penhora sobre o faturamento da empresa.

Ademais, no que tange ao percentual, a jurisprudência brasileira já deferiu números de 30%, o que ocasionou o fechamento das portas de

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muitas empresas, prejudicando não só a atividade empresarial, mas sim até mesmo o credor, que não terá mais o seu devedor com solvência, transfor-mando o processo de execução, que, por regra, é um processo que prima pela celeridade, em uma longa jornada em busca da adimplência.

Também, e não menos importante, foi destacado o encargo do depo-sitário-administrador, na forma dos arts. 677 e 678 do Código de Processo Civil, será dele a grande responsabilidade de elaborar o plano de pagamen-to que será aplicado no caso concreto. Será o depositário-administrador que informará o Juiz, qual o percentual será passível de ser constrito, levando em consideração o capital de giro da empresa executada, com as mesmas responsabilidades e penalidades do depositário da coisa penhorada.

Trazidos os aspectos processuais, passou-se a analisar os aspectos e consequências jurídicas, econômicas e sociais, de uma penhora sobre o faturamento mal elaborada, sem um plano de pagamento eficaz e protetivo à empresa.

A atividade empresarial é respaldada pela Constituição Federal, tendo princípios implícitos e explícitos no texto da Lei Maior da República. Estes princípios constitucionais empresariais devem ser observados e respeitados pelo julgador no caso concreto, eis que a atividade empresarial é essencial ao Estado, desde o fornecimento de lucros diretos com o pagamento dos im-postos, bem como é a empresa que gera a circulação de capital à economia, e além destes, é a empresa que fornece o trabalho ao cidadão.

Pois bem. A relevância do estudo do tema proposto se justificou con-forme os avanços da pesquisa, não só às considerações processuais executi-vas, como também à importância da necessidade do estudo e exposição da problematização existente sobre a aplicação da penhora sobre o faturamen-to da empresa em ações de execução fiscal.

Desta maneira, pode-se ressaltar que a penhora sobre o faturamento da empresa, em ações de execução fiscal e em processos de execução de título extrajudicial, ganhou repercussão geral no mundo jurídico, principal-mente pelos resultados que trouxe para o credor, devedor e sociedade.

REFERÊNCIAS

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MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 6. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: execução. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2008.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de processo civil comentado e interpreta-do. São Paulo: Atlas, 2008.

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

RIO Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/site/>.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Penhora sobre o Faturamento

2399

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulAgravo nº 70062880695CNJ: 0480632‑50.2014.8.21.7000Vigésima Segunda Câmara CívelComarca de FelizAgravante: Indústria e Comércio de Móveis Alto Feliz Ltda.Agravado: Estado do Rio Grande do Sul

AGRAvO – AGRAvO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – vEÍCULO – IMPENHORABILIDADE – INSTRUMENTO ESSENCIAL DE TRABALHO – AUSENTE COMPROvAÇÃO

Havendo bem penhorado de propriedade da embargante, não com-provado que o veículo é utilizado como instrumento essencial, ônus que lhe incumbia nos termos do art. 333, inciso I, do CPC, deve ser mantida a penhora, mormente porque o bem que apenas ajuda ou facilita a atividade profissional ou empresarial é passível de penhora.

Precedentes do TJRGS.

PENHORA DE FATURAMENTO DE EMPRESA – DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO – EXISTÊNCIA DE vEÍCULO DA DEvEDORA

A penhora sobre o faturamento da empresa é medida que somente se admite quando não há bens suficientes para garantir a execução.

Havendo demonstração de que a empresa possuiu veículo passível de constrição, descabida a penhora sobre o faturamento da empresa, observada a ordem de preferência do art. 655 do CPC.

Precedentes do TJRGS.

PREqUESTIONAMENTO

A apresentação de questões para fins de prequestionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela parte, mormente

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porque foram analisadas todas as questões que entendeu o julgador pertinentes para solucionar a controvérsia.

Agravo desprovido, por maioria.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Segunda Câ-mara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, negar provimento ao agravo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senho-ras Desª Maria Isabel de Azevedo Souza (Presidente) e Desª Marilene Bon-zanini.

Porto Alegre, 18 de dezembro de 2014.

relatório

Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro (Relator):

A parte agravante, acima qualificada, interpõe agravo diante da deci-são monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento interpos-to pela parte ora agravante.

Em razões, sustenta a presença de fumus boni iuris e periculum in mora, com o prosseguimento da execução e arrematação do bem penhora-do, enquanto discutida a dívida. Assevera estar impossibilitada de utilizar o veículo penhorado, que permite o pleno funcionamento de suas atividades, indispensável a atribuição de efeito suspensivo aos embargos do devedor, destacando a inaplicabilidade do art. 739-A do CPC à execução fiscal, que é tratada por lei própria, incidindo o CPC de forma subsidiária. Aduz que a penhora não pode ser inviabilizar a empresa, devendo ser fixada propor-cionalmente, além de a penhora de faturamento ser sinônimo de dinheiro, tendo preferência sobre outros bens. Invoca o princípio da menor onerosi-dade, salientando tratar-se de veículo de carga, para uso exclusivamente empresarial. Colacionando jurisprudência e invocando dispositivos legais, requer seja provido o presente agravo, demonstrando intenção de preques-tionamento.

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É o relatório.

votos

Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro (Relator):

O presente agravo não merece acolhimento, tendo em vista a sua manifesta improcedência, que autorizou o julgamento singular.

Na oportunidade, proferi a seguinte decisão, ora reproduzida como razões de decidir:

“Nego seguimento ao presente agravo de instrumento, forte no art. 557, caput, do CPC, uma vez que se trata de recurso manifestamente improce-dente.

Com efeito, a alegada impenhorabilidade do bem não resta demonstrada, isto porque, havendo bem penhorado de propriedade da agravante, não comprovando que o veículo é utilizado como instrumento ‘essencial’, ônus que lhe incumbia nos termos do art. 333, inciso I, do CPC, deve ser mantida a constrição.

Inexiste demonstração de que veículo é indispensável para o exercício da atividade, porque há outros meios de locomoção que podem ser utilizados pela recorrente, pessoa jurídica que atua no ramo da fabricação de móveis, devendo ser considerado que o bem que apenas ajuda ou facilita a atividade profissional ou empresarial é passível de penhora.

Assim, não logrando demonstrar que o veículo penhorado, efetivamente, é indispensável, não há como se reconhecer a impenhorabilidade.

Neste sentido:

AGRAVO INTERNO – DECISÃO MONOCRÁTICA EM AGRAVO DE INS-TRUMENTO – DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO – EXECUÇÃO – VEÍCULO – INSTRUMENTO DE TRABALHO – INDISPENSABILIDADE NÃO DEMONSTRADA – PENHORA MANTIDA – Em não tendo sido demonstrado que o veículo penhorado é indispensável ao trabalho do executado, não há como reconhecer a impenhorabilidade, sobretudo quando ele próprio requereu a substituição do bem por outro, que é uti-lizável na atividade rural. Agravo interno desprovido. Unânime. (TJRS, Agravo nº 70058403395, 18ª C.Cív., Relª Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 20.03.2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO TRIBUTÁRIO – IPVA – INCI-DENTE DE IMPENHORABILIDADE DE VEÍCULO NOS TERMOS DO ART. 649, V, DO CPC – NÃO COMPROVAÇÃO – Caso em que não é possí-

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vel reconhecer a impenhorabilidade de veículo, nos termos do art. 649, V, do CPC. A utilidade ou necessidade do veículo para o exercício da atividade profissional não implica, por si só, a impenhorabilidade do bem constrito, salvo se o automóvel for a própria ferramenta de trabalho. Pre-cedente do STJ. Recurso a que se nega seguimento. (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70056589252, 22ª C.Cív., Relª Denise Oliveira Cezar, Julgado em 25.09.2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – INCIDENTE DE IMPENHORABILIDADE DO VEÍCULO PENHORADO REJEITADO – AU-SÊNCIA DE PROVA DE QUE O VEÍCULO É INDISPENSÁVEL AO EXER-CÍCIO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DO EXECUTADO – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – Não há impenhorabilidade do bem constrito, quando não demonstrada a indispensabilidade e necessidade do veículo penhorado para o desempenho da atividade exercida pelo executado, porque, ao que tudo indica, se trata de mero facilitador no desempenho da atividade de Contador. Inaplicabilidade do disposto no inciso V do art. 649 do CPC. Decisão agravada mantida. Agravo desprovido, por decisão monocrática. (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70057958068, 17ª C.Cív., Rel. Liege Puricelli Pires, Julgado em 16.12.2013)

APELAÇÃO CIVIL – TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE TERCEIRO – INO-VAÇÃO EM SEDE RECURSAL – NÃO CONHECIMENTO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – DEFESA DE DIREITO ALHEIO – DESCA-BIMENTO – [...] IMPENHORABILIDADE – VEÍCULO – INSTRUMENTO ESSENCIAL DE TRABALHO – AUSENTE COMPROVAÇÃO – Havendo bem penhorado de propriedade da embargante, não comprovado que o veículo é utilizado como instrumento essencial de trabalho, ônus que lhe incumbia nos termos do art. 333, inciso I, do CPC, deve ser mantida a penhora, mormente porque o bem que apenas ajuda ou facilita a ativida-de profissional é passível de penhora. Precedentes do TJRS. [...] Apelação conhecida em parte, e, no ponto, provida em parte liminarmente. (TJRS, Apelação Cível nº 70057076333, 22ª C.Cív., Rel. Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 25.10.2013)

Outrossim, a penhora sobre o faturamento é medida extremada, que somente se justifica quando esgotados todos os outros meios de garantia, situação que não se evidencia no caso dos autos, devido à existência de bem móvel de propriedade da executada.

Ademais, os veículos situam-se melhor colocados na ordem legal de prefe-rência ao percentual do faturamento de empresa devedora, a teor do art. 655 do CPC (grifo):

Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (Re-dação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

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I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição fi-nanceira; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

II – veículos de via terrestre; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

III – bens móveis em geral; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

IV – bens imóveis; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

V – navios e aeronaves; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

VI – ações e quotas de sociedades empresárias; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

VII – percentual do faturamento de empresa devedora; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

VIII – pedras e metais preciosos; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)

XI – outros direitos. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006)

Existindo bem preferencial, impossibilita-se o decreto de penhora sobre o fa-turamento, em razões recursais não desfazendo a exequente as alegações do Estado, que em impugnação não concordou com a penhora de faturamento, fl. 93, além de não demonstrar a empresa que o percentual oferecido teria forças para saldar o débito, ausentes demonstrativo contábil atualizado e prova de comprometimento de valor mínimo mensal de penhora.

Neste sentido:

AGRAVO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – FATURAMENTO – 1,5% – PREFERÊNCIA – ORDEM LEGAL – É lícita a recusa de penhora sobre o faturamento pela Fazenda Estadual por não atender a ordem de preferên-cia do art. 11 da Lei nº 6.830/1980. Recurso desprovido. (TJRS, Agravo nº 70055150874, 22ª C.Cív., Relª Maria Isabel de Azevedo Souza, Julga-do em 27.06.2013)

AGRAVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DE FATURAMENTO DE EMPRE-SA – DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO – EXISTÊNCIA DE BEM IMÓVEL DA DEVEDORA – A penhora sobre o faturamento da empresa é medida que somente se admite quando não há bens suficientes para ga-rantir a execução. Havendo demonstração de que a empresa possuiu bem imóvel passível de penhora, descabida a penhora sobre o faturamento da

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empresa, observada a ordem de preferência do art. 655 do CPC. Pre-cedente do TJRGS. Agravo desprovido. (TJRS, Agravo nº 70056986375, 22ª C.Cív., Rel. Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 24.10.2013)

Por estes motivos, nego seguimento ao agravo de instrumento, forte no art. 557, caput, do CPC.”

Oportuno salientar que a apresentação de questões para fins de pre-questionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela par-te, mormente porque foram analisadas todas as questões que entendeu o julgador pertinentes para solucionar a controvérsia posta nos autos.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo.

DESª MARILENE BONzANINI

Peço vênia para divergir do Eminente Relator.

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a impenho-rabilidade prevista no atual art. 649, inciso V, do Código de Processo Civil (antigo art. 649, VI, do CPC), aplica-se às pessoas jurídicas, ainda que de forma excepcional. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:

PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DE BENS ESSENCIAIS À ATIVIDADE DA MICROEMPRESA – ART. 649, INC. VI, DO CPC – IMPOS-SIBILIDADE – TR/TRD – JUROS DE MORA – POSSIBILIDADE

I – Os bens da pessoa jurídica são penhoráveis, admitindo-se, em hipóteses excepcionais, a aplicação do inciso VI do art. 649 do CPC, quando se tra-tar de pessoa jurídica de pequeno porte ou microempresa ou, ainda, firma individual, e os bens penhorados forem necessários ou úteis ao seu funcio-namento.

II – Esta Colenda Corte vem entendendo pela aplicação da Taxa Referencial (TR) como juros moratórios, admitindo-se sua incidência a partir de fevereiro de 1991.

III – Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 512.564/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., Julgado em 28.10.2003, DJ 15.12.2003, p. 211)

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – PESSOA JURÍ-DICA – IMPENHORABILIDADE DE BENS – ART. 649, VI, DO CPC – OMIS-SÃO INEXISTENTE – PREQUESTIONAMENTO – SÚMULAS NºS 282/STF E 211/STJ

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1. Inexiste a omissão apontada, uma vez que a Turma Julgadora se valeu dos fundamentos legais que entendeu aplicáveis e suficientes para o deslinde da causa, concluindo, acertadamente, que os aclaratórios não são o meio pró-prio para a reforma do julgado.

2. É cediço que, para o conhecimento do recurso especial pela alínea a do permissivo constitucional, se faz necessário que a norma infraconstitucional tida como contrariada tenha sido objeto de análise pela instância de origem, sob pena de não ser conhecido por ausência de prequestionamento. Incidên-cia da Súmula nº 282/STF.

3. “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposi-ção de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” (Sú-mula nº 211/STJ).

4. Esta Corte, ampliando a aplicação do art. 649 do Código de Processo Civil, tem reconhecido a impenhorabilidade de bens necessários ou úteis ao fun-cionamento de empresas de pequeno porte ou micro-empresas, de modo a não causar nenhum óbice ao exercício das atividades por elas desenvolvidas.

5. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

(REsp 946.959/RN, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Julgado em 14.08.2007, DJ 27.08.2007, p. 219)

Mais recentemente:

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO – IMPENHORABILIDADE DE BENS ÚTEIS E/OU NECESSÁRIOS ÀS ATIVIDADES DA EMPRESA INDIVIDUAL – PRECEDENTES – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 97 DO CTN

1. Não houve prequestionamento do art. 97 do CTN. Incide o óbice da Sú-mula nº 282/STF, por analogia.

2. Pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que os bens úteis e/ou necessários às atividades desenvolvidas por pequenas empresas, onde os sócios atuam pessoalmente, são impenhoráveis, na forma do disposto no art. 649, VI, do CPC. Na hipótese, cuida-se de empresa individual cujo úni-co bem é um caminhão utilizado para fazer fretes, indicado à penhora pelo próprio devedor/proprietário.

3. Inobstante a indicação do bem pelo próprio devedor, não há que se fa-lar em renúncia ao benefício de impenhorabilidade absoluta, constante do art. 649 do CPC. A ratio essendi do art. 649 do CPC decorre da necessidade de proteção a certos valores universais considerados de maior importância, quais sejam o Direito à vida, ao trabalho, à sobrevivência, à proteção à famí-lia. Trata-se de defesa de direito fundamental da pessoa humana, insculpida em norma infraconstitucional.

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4. Há que ser reconhecida nulidade absoluta da penhora quando esta recai sobre bens absolutamente impenhoráveis. Cuida-se de matéria de ordem pú-blica, cabendo ao magistrado, de ofício, resguardar o comando insculpido no art. 649 do CPC. Tratando-se de norma cogente que contém princípio de ordem pública, sua inobservância gera nulidade absoluta consoante a juris-prudência assente neste STJ.

5. Do exposto, conheço parcialmente do recurso e nessa parte dou-lhe pro-vimento.

(REsp 864962/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 04.02.2010, DJe de 18.02.2010)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BENS ESSENCIAIS AO FUNCIONAMENTO DE PEQUENA EMPRESA – SÚ-MULA Nº 7/STJ

1. O aresto recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte segundo a qual “os bens úteis ou necessários às atividades desenvolvidas por pequenas empresas, onde os sócios atuam pessoalmente, são impenhoráveis, na forma do disposto no art. 649, V, do CPC” (AgRg-REsp 1.381.709/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 11.09.2013).

2. Não há como se revisar premissa de fato que justificou a aferição de essen-cialidade dos bens penhorados, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-REsp 1462134/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., Julgado em 18.09.2014, DJe 03.10.2014)

De fato, o art. 649, V, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006, dispõe que são absolutamente impenhoráveis os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens mó-veis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão.

E, no caso, além de a agravante qualificar-se como micro empresa (conforme consulta junto ao site da Receita federal1), não tenho dúvida de que o caminhão é um bem, senão necessário, no mínimo útil ao desenvol-vimento do objeto social da empresa, que consiste na fabricação e comer-cialização de móveis, com predominância de madeira, comércio varejista de móveis em geral, bem como na prestação de serviços relacionados a conserto e restauração de artigos de madeira.

1 http://www.receita.fazenda.gov.br/pessoajuridica/cnpj/cnpjreva/cnpjreva_solicitacao.asp

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Assim sendo, entendo que o caminhão penhorado, que serve de transporte dos bens comercializados e produzidos pelo agravante, como bem demonstram as fotografias acostadas, serve diariamente para viabilizar tanto a entrega dos materiais aos seus clientes quanto na busca de matéria prima para desenvolver o seu objeto social.

Ademais, releva ponderar que se trata do único veículo da agravante capaz de viabilizar a entrega dos produtos comercializados, bem como para transportar os materiais utilizados na fabricação dos móveis que fabrica, e de buscar os móveis dos clientes para ser realizado conserto ou restauração do móveis.

Assinalo que, apesar de o transporte não consistir no principal objeto social da agravante, penso ser ele ínsito à atividade desenvolvida pela agra-vante, e, caso possibilitada a penhora, o transporte deverá ser terceirizado, onerando a atividade, quiçá impossibilitando-a de forma absoluta, pois o agravante não terá condições de competir no mercado.

Por fim, mas não menos importante, em reforço, acresço que a agra-vante disponibilizou-se a entregar mensalmente percentual do seu fatura-mento para amortizar a dívida, o que, aliás, é possível pelo ordenamento jurídico.

Reza o art. 10 da Lei de Execuções Fiscais que a execução fiscal se realiza no interesse do credor, podendo recair a penhora sobre qualquer bem do executado, exceto sobre aqueles que a lei declare absolutamente impenhoráveis. Neste sentido, preceitua o art. 11 desta lei que a penhora se fará com obediência à ordem legal:

Art. 11. A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:

I – dinheiro;

II – título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;

III – pedras e metais preciosos;

IV – imóveis;

V – navios e aeronaves;

VI – veículos;

VII – móveis ou semoventes; e

VIII – direitos e ações.

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Por sua vez, a penhora sobre o faturamento encontra-se prevista no art. 655, VII, do CPC, e sua possibilidade é amplamente reconhecida pela jurisprudência, apesar de ser utilizada como última medida, a ser tomada somente quando esgotadas todas as outras tentativas de localizar bens pas-síveis de penhora no patrimônio do executado, como muito bem ilustra o seguinte precedente.

AGRAVO REGIMENTAL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA SOBRE FATU-RAMENTO – SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS – MATÉRIA FÁTICA – INCIDÊN-CIA DA SÚMULA Nº 7/STJ

1. A jurisprudência desta Corte é assente quanto à possibilidade de a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa, desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação proces-sual (arts. 655-A, § 3º, do CPC) e o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial. Precedentes.

2. Para afastar a premissa firmada pela Corte de origem, de que a credora não diligenciou suficientemente no sentido de procurar outros bens de proprieda-de da executada, faz-se necessário o reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Precedentes.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-REsp 1187671/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Julgado em 17.05.2011, DJe 02.06.2011)

No caso, como já destacado, em afastando-se a penhora do cami-nhão, poderá ser deferida a penhora sobre o faturamento da agravante, caso o agravado não logre êxito na localização de outro bem passível de penhora que goze de preferência.

Ante o exposto, em vistas de tais fundamentos, voto no sentido de dar provimento ao recurso para afastar a penhora.

Desª Maria Isabel de Azevedo Souza (Presidente) – de acordo com o(a) relator(a).

Desª Maria Isabel de Azevedo Souza – Presidente – Agravo nº 70062880695, Comarca de Feliz: “por maioria, negaram provimento”.

Julgador(a) de 1º Grau: Marisa Gatelli

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Penhora sobre o Faturamento

2400

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo em Recurso Especial nº 614.093 – RJ (2014/0295200‑0)Relator: Ministro Moura RibeiroAgravante: Supervia Concessionária de Transporte Ferroviário S/AAdvogados: João Cândido Martins Ferreira Leão e outro(s)

Natasha Mandela Marchelli RibeiroAgravado: Jane da Silva SantosAdvogado: Pedro Paulo Antunes de Siqueira e outro(s)

ementa

CIvIL – AGRAvO REGIMENTAL NO AGRAvO EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO – PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA CONCESSIONáRIA – POSSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83 DESTA CORTE – ACÓRDÃO qUE DIRIMIU A CONTROvÉRSIA COM BASE NOS FATOS DA CAUSA – REFORMA DO JULGADO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ

1. Este Superior Tribunal entende não ferir o princípio da menor one-rosidade na execução, observadas as cautelas legais, a penhora sobre o faturamento da empresa. Precedentes.

2. O tribunal local entendeu pelo deferimento da penhora sobre o faturamento da demandada em virtude das peculiaridades do caso.

Rever tais conclusões demandaria o reexame das circunstâncias fáti-cas dos autos, procedimento inviabilizado pela aplicação da Súmula nº 7 do STJ.

3. Agravo regimental não provido.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regi-mental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

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Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 05 de fevereiro de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Moura Ribeiro Relator

relatório

O Senhor Ministro Moura Ribeiro (Relator):

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática de minha relatoria que conheceu do agravo, a fim de negar seguimento ao recurso especial, assim ementado:

CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC – OMISSÃO INEXISTENTE – OFENSA AO ART. 538 DO CPC – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – MÉRITO – PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – REFORMA DO JULGADO – NECESSI-DADE DE REEXAME DOS FATOS DA CAUSA – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7 DO STJ – AGRAVO CONHECIDO – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO (e-STJ, fl. 173).

Nas razões do regimental, a concessionária demandada pugna pelo afastamento da Súmula nº 83 desta Corte, afirmando que a penhora sobre faturamento só é admitida em casos excepcionais, somente sendo permitida mediante a comprovação pelo credor de que não há outros bens capazes de garantir a execução. Afirma, outrossim, não ser necessário o reexame de matéria fática para se aferir a necessidade ou não de a penhora recair sobre o faturamento da empresa.

É o relatório.

ementa

CIvIL – AGRAvO REGIMENTAL NO AGRAvO EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO – PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA CONCESSIONáRIA – POSSIBILIDADE – INCIDÊNCIA

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DA SÚMULA Nº 83 DESTA CORTE – ACÓRDÃO qUE DIRIMIU A CONTROvÉRSIA COM BASE NOS FATOS DA CAUSA – REFORMA DO JULGADO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ

1. Este Superior Tribunal entende não ferir o princípio da menor one-rosidade na execução, observadas as cautelas legais, a penhora sobre o faturamento da empresa. Precedentes.

2. O tribunal local entendeu pelo deferimento da penhora sobre o faturamento da demandada em virtude das peculiaridades do caso.

Rever tais conclusões demandaria o reexame das circunstâncias fáti-cas dos autos, procedimento inviabilizado pela aplicação da Súmula nº 7 do STJ.

3. Agravo regimental não provido.

voto

O Senhor Ministro Moura Ribeiro (Relator):

Nas razões deste recurso, a empresa demanda da alega que a penhora sobre o faturamento da empresa só é permitida quando não houver outros bens capazes de garantir a execução e que tal demonstração não importa reexame do conjunto fático dos autos.

Todavia, não lhe cabe razão.

A decisão agravada destacou que o acórdão recorrido encontra-se em conformidade com a orientação emanada nesta Corte, reconhecendo a possibilidade de a penhora recair sobre o faturamento de empresa, observa-das as cautelas necessárias ao bom desempenho de suas atividades normais.

A propósito, confiram-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – FATURAMENTO DA EMPRESA – PENHORA – POSSIBILIDADE – REEXAME FÁTICO-PROBATÓ-RIO – SÚMULA Nº 7/STJ

1. Este Superior Tribunal entende não ferir o princípio da menor onerosidade na execução, observadas as cautelas legais, a penhora sobre o faturamento da empresa.

2. A conclusão do tribunal de origem acerca da viabilidade do exercício da atividade empresarial não pode ser revista em sede especial ante a incidência do óbice da Súmula nº 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-REsp 1.398.809/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe 28.11.2013)

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AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PENHORA EM DINHEIRO – POSSIBILIDADE – ONEROSIDADE EXCESSIVA – ARTS. 620 E 655 DO CPC – SÚMULAS NºS 7 E 83 DO STJ – IMPROVIMENTO

1. Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que é possível a penhora recair sobre o dinheiro da empresa, sem que tal fato importe ofensa ao princípio da menor onerosidade para o devedor, previsto no art. 620 do CPC. (Súmula nº 83/STJ)

2. Averiguar se a relativização da ordem da penhora era justificável ou não, são investigações que exigem o exame da situação de fato, incabível no âm-bito do recurso especial. (Súmula nº 07/STJ)

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-Ag 1.092.437/RS, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, Des. Conv. do TJ/AP, DJe de 23.11.2009)

Desse modo, incide à espécie o Enunciado nº 83 da Súmula desta Corte.

E ao decidir pela manutenção da penhora sobre o faturamento, o Tri-bunal a quo o fez ante as seguintes razões:

Versa a hipótese sobre cumprimento de sentença. Revelando-se infrutífera a penhora on line determinada, foi deferida a penhora de 10% (dez por cento) da renda bruta diária da devedora, sendo este o motivo da presente irresig-nação recursal.

Com efeito, a de renda penhora, recaindo sobre dinheiro, além de respeitar a ordem de preferência legal (art. 655 do CPC), de regra, não ofende o prin-cípio da execução menos gravosa para o devedor, situação que, se viesse a ocorrer, deveria ser cabalmente demonstrada por este, exigência prevista no art. 668.

Observe-se o entendimento sumulado por esta Corte.

“Súmula nº 100. A penhora de receita auferida por estabelecimento co-mercial, industrial ou agrícola, desde que fixada em percentual que não comprometa a respectiva atividade empresarial, não ofende o princípio da execução menos gravosa, nada impedindo que a nomeação do depo-sitário recaia sobre o representante legal do devedor.”

Ademais, a agravante também não comprovou, cabalmente, que a substitui-ção pleiteada por bens móveis não trará prejuízo algum à parte exequente, outra exigência do mesmo artigo.

Ao contrário, deve-se registrar que bens móveis ou o seguro garantia judicial não têm a mesma liquidez do dinheiro depositado em juízo.

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Assim, verifica-se que a substituição pleiteada retardaria ainda mais a pres-tação jurisdicional, em evidente prejuízo á parte exequente, não se podendo olvidar que a execução é feita no interesse do credor.

Acrescente-se que o percentual objeto da penhora é razoável, devendo-se considerar que sociedade recorrente tem faturamento considerável, pois seus trens “transportam, em média, 600 mil passageiros por dia útil”, conforme anuncia a recorrente em seu próprio site.

Portanto, não há motivo para não ser respeitada a ordem de preferência pre-vista no já citado art. 655 do CPC, sendo a penhora de renda medida adequa-da à espécie. (e-STJ, fls. 16-17)

Portanto, a inversão do decidido, como propugnado, demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, bem como a análi-se do contrato de compra e venda, o que encontra óbice na Súmula nº 7 desta Corte: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

Nesse sentido, destacamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – PENHORA SOBRE O FATURAMENTO – POSSIBILIDADE – BENS INDICA-DOS À PENHORA DE DIFÍCIL ALIENAÇÃO E COM CONSTRIÇÃO ANTE-RIOR – ALEGAÇÃO DE OUTROS BENS – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE – SÚMULA Nº 7/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO – AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível a penhora sobre o faturamento da empresa quando ofertados bens de difícil liquidez ou não encontrados bens do devedor para satisfazer o crédito exequendo.

2. O exame acerca da existência de outros bens a serem penhorados ou mesmo a de que a penhora sobre o faturamento ocasionaria o fechamento da empresa demanda a revisão de matéria fática, defeso ao STJ, em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7.

[...].

(AgRg-Ag 1.339.145/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., DJe 29.04.2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO – PENHORA SOBRE FATURAMEN-TO – REDUÇÃO DE PERCENTUAL – AUSÊNCIA DE PROVA DE INVIABILI-DADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL – REEXAME DE PRO-VAS. SÚMULA Nº 7/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL

1. A convicção a que chegou o Acórdão decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o re-

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exame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do Especial o Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte Superior.

2. Dissídio jurisprudencial que não restou comprovado nos termos exigidos pelos dispositivos legais e regimentais que o disciplinam.

3. Agravo Regimental improvido.

(AgRg-AREsp 407.971/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., DJe 28.03.2014)

Nessas condições, pelo meu voto, nego provimento ao agravo regi-mental.

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Assunto Especial – Ementário

Penhora sobre o Faturamento

2401 – Penhora sobre o faturamento da empresa – cooperativa – administração judicial – admissibilidade

“Execução. Cooperativa sob administração judicial. Penhora sobre o seu faturamento. Em que pese admissível a penhora sobre faturamento da empresa, mister que se façam pre-sentes determinados requisitos cumulativamente, quais sejam: a) o devedor não possua bens ou, se os tiver, sejam esses de difícil execução ou insuficientes a saldar o crédito demandado; b) haja indicação de administrador e esquema de pagamento (CPC, arts. 678 e 719); e c) o percentual fixado sobre o faturamento não torne inviável o exercício da ati-vidade empresarial. Quanto ao percentual, a jurisprudência do STJ, atualmente, orienta-se no sentido de que a constrição deve ser inferior a vinte por cento sobre o faturamento, sob pena de conduzir a empresa à insolvência com seus dolorosos efeitos. No caso dos autos, não se logrou demonstrar a presença destes requisitos. Ademais, a cooperativa agravante está sob usufruto, com nomeação de administradores, nos termos do art. 716 e seguintes do CPC, conforme decisão lançada em feito executório, perante a justiça do trabalho. Com isso, objetiva-se alcançar o adimplemento de diversos créditos trabalhistas. Tal mo-tivo, por si só, já inviabiliza a penhora dos valores que constam em conta-corrente, por-quanto estes devem ser direcionados para o pagamento dos créditos trabalhistas que por se revestirem de caráter alimentar gozam de preferência. Agravo provido de plano.” (TJRS – AGI 70012778072 – 9ª C.Cív. – Relª Desª Marilene Bonzanini Bernardi – J. 31.08.2005)

2402 – Penhora sobre o faturamento da empresa – excesso na fixação do percentual – con-cessão – possibilidade

“Processo civil. Execução fiscal. Penhora sobre o faturamento da empresa. Alegação de excesso no percentual fixado. 1. O Tribunal de origem deferiu a penhora sobre o fatu-ramento da empresa porquanto considerou presentes os requisitos para a concessão da medida. 2. A parte recorrente alega excesso na fixação do percentual de 5% do fatura-mento. Todavia, adotar posicionamento diverso do adotado pelas instâncias de origem demandaria análise fático-probatória, vedada em sede de recurso excepcional. Incidên-cia da Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.496.408 – (2014/0296995-2) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 20.02.2015)

2403 – Penhora sobre o faturamento da empresa – não localização de bens – precedentes

“Administrativo e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Exe-cução fiscal. Penhora sobre o faturamento. Medida excepcional. Precedentes. Não locali-zação de bens passíveis de penhora. Pretensão que encontra óbice na Súmula nº 7 do STJ. Dissídio não demonstrado. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a penhora sobre o faturamento da empresa é admitida, excepcionalmente, quando presentes os se-guintes requisitos: (i) não localização de bens passíveis de penhora e suficientes à garantia da execução ou, se localizados, de difícil alienação; (ii) nomeação de administrador; (iii) não comprometimento da atividade empresarial – sem que isto configure violação ao princípio da menor onerosidade ao devedor. Precedentes: REsp 1.130.972/PR, Rel.

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Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 04.04.2011; AgRg-Ag 1.349.856/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª T., DJe 02.02.2011; REsp 903.658/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 13.10.2008. 2. A revisão da conclusão a que chegou o Tribunal de origem de que não foram localizados bens passíveis de penhora, demanda o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do STJ. 3. Não se conhece do recurso especial interposto com base na alínea c do permissivo constitucional, quando a divergência não é demonstrada nos ter-mos em que exigido pela legislação processual de regência (art. 541, parágrafo único, do CPC, c/c art. 255 do RISTJ). No caso, o recorrente não realizou o devido cotejo analítico, nem demonstrou a existência de similitude fática e jurídica entre os arestos confrontados. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp 573647/RS – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 03.02.2015)

2404 – Penhora sobre o faturamento da empresa – nomeação de máquinas – utilização pela devedora – requisitos – não reconhecimento

“Agravo de instrumento. Execução. Penhora sobre 20% do faturamento da empresa exe-cutada. Possibilidade. Nomeação de máquinas em utilização pela devedora rejeitada. Considerando que a devedora nomeou à penhora algumas máquinas de uso da empresa, em relação às quais pretende ficar depositária porque essenciais à atividade comercial que exerce, e com isto discordando a exequente, cabível a penhora sobre parte do fatura-mento, mormente em se tratando de execução de sentença cuja dívida restou inequívoca. Ademais, a exequente manifestou expressamente que só concordaria com a nomeação dos equipamentos se atendidos os requisitos referidos, o que não ocorreu. Afora isto, já transcorreu mais de um ano do ajuizamento sem estar seguro o juízo, de modo que a decisão impugnada resta mantida, pois nenhuma afronta à Lei se verificou no ato. Agravo desprovido.” (TJRS – AGI 70013219084 – 16ª C.Cív. – Rel. Des. Paulo Augusto Monte Lopes – J. 30.11.2005)

2405 – Penhora sobre o faturamento da empresa – possibilidade – honorários advocatícios – não cabimento

“Processual civil. Cumprimento de sentença. Ofensa ao art. 535 do CPC. Não ocorrên-cia. Liquidação. Cálculos do credor. Modalidade. Súmula nº 344/STJ. Impugnação. Coisa julgada. Anterior objeção. Penhora sobre o faturamento. Possibilidade. Honorários ad-vocatícios. Não cabimento. 1. Não há ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que o órgão julgador examine uma a uma as alegações e os fundamentos expendidos pelas partes. 2. O acórdão recorrido não reconheceu a premissa fática segundo a qual a anterior objeção apresentada pelo executado teria sido extinta sem resolução de mérito. Com efeito, o acolhimento da tese recursal, no ponto relativo à não ocorrência de coisa julgada, demandaria reexame de provas, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ. 3. ‘A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada’ (Sú-mula nº 344/STJ). 4. É cabível a penhora sobre o faturamento do devedor. Ademais, saber se a constrição, notadamente quanto ao percentual de bloqueio determinado, ofende o art. 620 do CPC (princípio da menor onerosidade) demanda reexame de provas. Inci-dência da Súmula nº 7/STJ. 5. Nos termos do entendimento firmado em sede de recurso especial representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC), não são cabíveis honorários

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advocatícios pela rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença. Apenas no caso de acolhimento da impugnação, ainda que parcial, serão arbitrados honorários em be-nefício do executado, com base no art. 20, § 4º, do CPC (REsp 1.134.186/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, Julgado em 01.08.2011, DJe 21.10.2011). 6. Agravo regimental parcialmente provido.” (STJ – AgRg-AREsp 583685/RJ – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 11.02.2015)

2406 – Penhora sobre o faturamento da empresa – pretensão de recebimento – descabi-mento

“Agravo de instrumento. Execução fiscal. Embargos do devedor julgados improcedentes. Apelação. Efeitos. Pedido de recebimento do apelo no efeito suspensivo para desconsti-tuir penhora sobre receita bruta da empresa devedora. Descabimento. Preclusão. Matéria não ventilada na instância originária. Negativa de seguimento liminar do agravo na forma do que dispõe o art. 557, caput, do CPC. Tendo sido os embargos do devedor julgados improcedentes em primeiro grau, o recurso cabível é o de apelação, recebido apenas no efeito devolutivo (art. 520, V, do CPC). Tem admitido esta câmara que, em determinadas circunstâncias, até que sejam julgados em definitivo pelo tribunal, por força da apelação interposta, a execução prossiga, mas de acordo com a regra do art. 588 e incisos, do Estatuto Processual civil, ou seja, de forma provisória, sem que lá se efetivem atos que importem em alienação de domínio, e isto por força do que dispõe o art. 587, segunda parte, do mesmo diploma legal. Contudo, mostra-se descabida a pretensão de recebimen-to do apelo no efeito suspensivo para o fim de sustar a eficácia de anterior penhora havida sobre o faturamento da empresa, e que não restou impugnada na instância originária no momento processual adequado, pena de, além de configurar hipótese de supressão de grau de jurisdição e violação ao instituto da preclusão, importar em perda da garantia da execução. Agravo de instrumento a que se nega seguimento liminarmente.” (TJRS – AGI 70012813127 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick – J. 02.09.2005)

2407 – Penhora sobre o faturamento da empresa – requisitos – atendimento – deferimento – possibilidade

“Processual civil. Efeito suspensivo ao recurso especial. Improcedência. Execução fis-cal. Violação do art. 535 do CPC. Inexistente. decisão extra petita e requisitos legais para deferimento da penhora do faturamento da empresa. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 1. Não há a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se depreende da leitura do acórdão recorrido, que enfrentou, motivadamente, os temas abordados no recurso de apelação, ora tidos por omitidos. De fato, a Corte se manifestou acerca dos requisitos legais para o deferimento da penhora sobre os ativos financeiros da empresa e o pedido expresso da exequente para o deferimento da medida. 2. Vê-se, pois, na verdade, que a questão não foi deci-dida conforme objetivava a recorrente, uma vez que foi aplicado entendimento diverso. 3. Ressalte-se, ainda, que cabe ao magistrado decidir a questão de acordo com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. 4. A irresignação recursal acerca do julgamento extra petita não pode ser conhecida, uma vez que o entendimento contrário ao da Corte de origem no sentido de que houve pedido expresso de penhora sobre o faturamento da empresa demandaria a incursão no contexto fático dos autos, impossível

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nesta Corte, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 5. No presente caso, o Tribunal de origem ratificou o decisum que deferiu a medida por reconhecer que: a) não forem encontrados outros bens sobre os quais possa incidir a constrição judicial; b) a penhora sobre ativos financeiros foi insuficiente para garantir a execução, não obstante as bilionárias movi-mentações financeiras declaradas pela empresa (consulta DIMOF); c) o imóvel ofertado foi recusado pela exequente, ante a existência de gravames sobre o referido bem (fl. 628, e-STJ). 6. Tendo a Corte de origem, com amparo no contexto fático dos autos, entendido que foram atendidos os requisitos determinados para a penhora sobre o faturamento de empresa, entendimento contrário estaria obstado pela incidência da Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 558.845/SP – (2014/0194135-1) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 03.02.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de agravo regimental interposto pelo agravante contra decisão monocrática que conheceu do agravo para negar seguimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL – EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL – IMPROCE-DÊNCIA – EXECUÇÃO FISCAL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INEXISTENTE – DECISÃO EXTRA PETITA E REQUISITOS LEGAIS PARA DEFERIMENTO DA PENHORA DO FATURAMENTO DA EMPRESA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO CONHECIDO – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.”

Consta dos autos que o recurso especial inadmitido foi interposto com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, o qual busca reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim ementado:

“PROCESSO CIVIL – AGRAVO PREVISTO NO ART. 557, § 1º, DO CPC – DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO ART. 557, CAPUT, DO CPC – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO – 1. Para a utilização do agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC, deve-se enfrentar, especificamente, a fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve-se demonstrar que aquele recurso não é manifesta-mente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência deste Tribunal ou das Cortes Superiores. 2. Decisão que, nos termos do art. 557, caput, do CPC. negou seguimento ao recurso, em conformidade com o entendimento pacificado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de ser admissível a penhora sobre o faturamento nos casos em que não forem encontrados outros bens sobre os quais possa incidir a constrição judicial (AgRg-REsp 904923/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 03.02.2009; STJ, AGA 484827/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 19.05.2003, p. 00145). 3. E, conforme consignado na decisão agravada, a penhora sobre ativos financeiros foi insuficiente para garantir a execução, não obstante as bilionárias movimentações financeiras declaradas pela empresa (con-sulta Dimof). Consta, ainda, que o imóvel ofertado foi recusado pela exequente, ante a existência de gravames sobre o referido bem. 4. Considerando que a parte agravante não conseguiu afastar os fundamentos da decisão agravada, esta deve ser mantida. 5. Recurso improvido.”

A agravante alegou em síntese, que “o v. Acórdão do E. TRF 3ª R., da forma como pro-ferido, negou vigência à Lei Federal, notadamente aos arts. 2º, 460, 535 e seguintes do CPC e art. 11 da LEF, bem como divergiu de entendimento já consagrado dessa Corte Superior”.

Mencionou ainda que “o v. acórdão restou omisso e obscuro quanto à existência de uma ordem de preferência entre a penhora do imóvel indicado pela Agravante e a penhora do seu faturamento, da mesma forma quanto aos requisitos para que, no caso da penhora de faturamento, fosse essa medida extraordinária levada a efeito pelo d. Juízo originário.

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Demonstrou-se com clareza solar que não houve pedido por parte da Agravada (União) de decretação da penhora de faturamento nos autos de origem (1ª instância) antes da segunda decretação”.

Por fim, defendeu que o § 1º do art. 11 da Lei de Execução Fiscal é absolutamente claro ao determinar que a penhora do faturamento de uma empresa somente haverá de ser admitida excepcionalmente, isto é, se e após comprovadamente inexistirem outros bens passíveis de penhora, entre os arrolados nos incisos de I a VIII.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“O Tribunal de origem ainda cuidou de refutar a existência da alegada omissão, conforme se extrai do trecho do voto do acórdão que apreciou os embargos (fl. 644, e-STJ):

‘De fato, o acórdão embargado deixou de analisar a preliminar de nulidade da decisão de Primeiro Grau, suscitada pela embargante na minuta do agravo de instrumento. Evidenciada, pois, a omissão apontada pela embargante, é de se declarar o acórdão. Entendo que uma primeira decisão, que restou reformada por esta Egrégia Corte, havia determinado a realização de penhora sobre o faturamento sem que houvesse pedido da exequente. No entanto, a medida ora questionada já foi deferida após manifestação da exequente, a qual requereu, expressamente, caso restasse infrutífera a penhora on line, a realização da penhora sobre o faturamento mensal da empresa devedora. Não há que se falar, assim, em nulidade da decisão de Primeiro Grau.’”

Vê-se, pois, na verdade, que a questão não foi decidida conforme objetivava a recorren-te, uma vez que foi aplicado entendimento diverso. É sabido que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu.

Ressalte-se, ainda, que cabe ao magistrado decidir a questão de acordo com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.

Nessa linha de raciocínio, o disposto no art. 131 do Código de Processo Civil:

“Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”

Em suma, nos termos de jurisprudência do STJ, o magistrado não é obrigado a respon-der todas as alegações das partes se já tiver encontrado motivo suficiente para funda-mentar a decisão, nem é obrigado a ater-se aos fundamentos por elas indicados, como ocorreu no caso em apreço.

Nesse sentido, ainda, os precedentes:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SER-VIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA – CEDAE – ART. 535, II DO CPC – AUSÊNCIA DE OMISSÃO – INSTALAÇÃO DE HIDRÔMETRO E COBRANÇA POR ESTIMATIVA – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RESPONSABILIDADE CIVIL – REVISÃO DO JULGADO – NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO – 1. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 535 do CPC. 2. É inadmissível Recurso Especial quanto à matéria que não foi apreciada pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios – Súmula nº 211/STJ. [...] 4. Agravo Regimental desprovido.” (AgRg-AREsp 281.621/RJ, Rel. Min. Napoleão Nu-nes Maia Filho, 1ª T., Julgado em 19.03.2013, DJe 03.04.2013)

“AGRAVO REGIMENTAL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – NÃO OCORRÊN-

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76 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

CIA – ILEGITIMIDADE ATIVA – REEXAME DE PROVAS – ÓBICE DA SÚMULA Nº 7/STJ – 1. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas partes. [...] 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg-EDcl-REsp 1.353.405/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., Julgado em 02.04.2013, DJe 05.04.2013)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – INEXISTÊNCIA – CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL – RESCISÃO – ART. 42, § 3º, DA LEI Nº 4.886/1965 – INDENIZAÇÃO – CABIMENTO – REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direi-to que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. [...] 3. Agravo regimental não provido.”

Diante do exposto, o STJ negou provimento ao agravo regimental.

2408 – Penhora sobre o faturamento da empresa – requisitos – atendimento – necessidade do reexame de provas – impossibilidade

“Processual civil e tributário. Agravo regimental em agravo em recurso especial. Viola-ção ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Art. 333, I, do CPC. Falta de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Penhora sobre o faturamento. Atendimento aos requisitos. Necessi-dade do reexame de provas. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Não ocorre violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem dirime, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia apresentada nos au-tos. 2. É inviável o conhecimento do recurso especial quanto à alegação de violação ao art. 333, I, do CPC, que alberga a tese referente ao ônus da comprovação da capacidade de pagamento da empresa, na hipótese em que o Tribunal de origem não se pronunciou sobre a matéria versada no referido dispositivo, apesar de instado a fazê-lo por meio dos competentes embargos de declaração. Incidência, na espécie, da Súmula nº 211/STJ (‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo’). 3. A verificação do cumprimento dos requisitos aptos a justificarem a excepcional penhora sobre o faturamento, demanda-ria o revolvimento das circunstâncias fático-probatórias dos autos, encontrando óbice na Súmula nº 7/STJ, procedimento vedado em recurso especial. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AREsp 365471/PE – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 03.03.2015)

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Parte Geral – Doutrina

Títulos de Crédito: o Princípio da Autonomia e a Defesa do Avalista

Letters of Credit: the Principle of Autonomy and the Defense of a Guarantor

DOUgLAS gENELHU DE ABREU gUILHERMEProfessor de Direito Empresarial na Área de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Vale do Rio Doce – Univale, Mestre em Direito das Relações Econômicas, Especialista em Direito Empresarial, Especialista em Direito Civil e Processual Civil, Advogado.

RESUMO: A lei não permite ao avalista recusar-se a honrar sua obrigação sob a alegação de defeito no contrato que deu origem à dívida, porém, há respaldo jurídico contrário, quando não ocorre a cir-culação do título. O rigor do princípio cambial da autonomia nega ao avalista o direito de discutir even-tual descumprimento do contrato por parte do credor originário. Assim, mesmo que o avalizado tenha o amparo do Direito para não pagar o título, persistirá a obrigação do avalista. Esse entendimento prevalece nos Tribunais pátrios, sobretudo se se tratar de credor terceiro de boa-fé. No entanto, de-saparecendo a figura deste, constata-se, pela revisão bibliográfica doutrinária e jurisprudencial, que o Direito pende a rechaçar a má-fé, reconhecendo ao avalista o direito de valer-se das defesas que tiver o avalizado contra o credor que não cumpriu sua obrigação contratual. Assim, é possível concluir que o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência é aquele que nega ao avalista o di-reito de discutir a causa debendi do título, salvo na hipótese de comprovação de que o crédito resulta de operação espúria, em observância à boa-fé e ao equilíbrio nas relações econômicas.

PALAVRAS-CHAVE: Títulos de crédito; autonomia; avalista.

ABSTRACT: The law does not allow the guarantor refuses to honor its obligation under the allegation of defect in the contract giving rise to the debt, but there is otherwise legal support when no move-ment occurs the title. The accuracy of the exchange principle of autonomy denies the guarantor the right to discuss any breach of contract by the originating lender. So even though the guaranteed have the protection of the right not to pay the ticket, persists the obligation of the guarantor. This view prevails in the native courts, especially in the case of a third party creditor in good faith. However, the disappearing figure of this, it appears, the literature review doctrine and jurisprudence, the law leans to reject bad faith, recognizing the guarantor the right to avail himself of the defenses that have endorsed against the lender not fulfill its contractual obligation. Thus, we conclude that the prevailing understanding in doctrine and jurisprudence is one that denies the guarantor the right to discuss the causa debendi title, except in case of proving that the claim arises from spurious operation, in com-pliance with good faith and balance in economic relations.

KEYWORDS: Letters of credit; autonomy; guarantor.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Títulos de crédito; 1.1 Breve histórico; 1.2 Princípios norteadores; 2 O aval; 3 O princípio da autonomia e a defesa do avalista; 3.1 O rigor cambiário; 3.2 A relativização da obri-gação do avalista; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Ao contrário de épocas passadas, a concessão de crédito nos dias de hoje é iniciativa corriqueira e muitas vezes vital em determinadas cir-cunstâncias. Verdadeiro afortunado o empreendedor que se dá ao luxo de somente contratar mediante pronto pagamento, “à vista e em dinheiro”. A despeito da evolução tecnológica e das práticas de mercado que levaram ao uso disseminado dos meios digitais de pagamento (cartões de crédito e débito), o cheque e a nota promissória, a título de exemplo, ainda mantêm seu prestígio, em especial fora dos grandes centros.

Os títulos de crédito surgiram para atender aos anseios tanto do cre-dor como do devedor. Se, por um lado, o credor aumenta o volume de contratações confiante em regras desenvolvidas para proteger o crédito con-substanciado em certo documento, o que lhe resulta aumento de riqueza, o devedor pode ter acesso imediato a bens ou serviços cujo consumo lhe exi-giria mais tempo, em razão de momentânea indisponibilidade de recursos financeiros. Acrescente-se a possibilidade de circulação do crédito, o que potencializa a utilidade de tais documentos. Esses são fatores que denotam a importância dos títulos de crédito na sociedade, um significativo instru-mento de estímulo à atividade econômica.

Para que as partes envolvidas possam ter segurança na utilização do título de crédito, é preciso respeitar os princípios (ou características) ele-mentares do instituto. Entre eles, o princípio da autonomia das obrigações, segundo o qual a validade de uma obrigação constante de título de crédito independe da validade de outra. No caso deste trabalho, nessa condição encontra-se o avalista, figura típica do direito cambiário: sua obrigação de pagar o título, como responsável solidário, independente de o avalizado ter sido satisfeito no contrato que deu origem ao título. É o rigor do princípio, positivado na legislação pátria e estrangeira.

A observância dos dispositivos legais atinentes ao instituto dará a “confiança jurídica” necessária para que ele continue a cumprir a finalida-de para a qual foi idealizado. A lei não reconhece ao avalista o direito de recusar-se a pagar o título sob a alegação de vício no negócio que lhe deu origem, reservando-lhe somente o direito de discutir defeito na forma do tí-tulo, isto é, se o título observa os requisitos legais de validade. O título pode ser discutido, não o negócio.

Diante de tal previsão legal, indaga-se se o fato de ser equiparado ao avalizado dá ao avalista o direito de discutir o negócio subjacente ao título. É possível ao avalista recusar-se a pagar o título caso haja prova de que o

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contrato não foi cumprido pelo credor ou prevalece o princípio da autono-mia das obrigações? São indagações que favorecem o uso da dialética para obter as respostas, com apoio na revisão bibliográfica doutrinária e jurispru-dencial, e foi isso que se tentou fazer neste estudo.

A primeira parte do trabalho está reservada para lições elementares a respeito dos títulos de crédito, nas quais não está incluída a classificação doutrinária, entendida como inadequada para o momento, sem diminuir--lhe a importância teórica e prática. O aval é apresentado na segunda seção, em que houve uma preocupação maior com o aspecto de autonomia da obrigação do avalista. Na seção 3, é apresentado com maior profundidade o princípio da autonomia e a possibilidade de defesa do avalista, com forte apoio da jurisprudência1.

1 TÍTULOS DE CRÉDITO

1.1 breve histórico

Título de crédito é o documento necessário para o exercício do di-reito literal e autônomo nele contido. Essa lição clássica de Vivante, hoje positivada no art. 887 do Código Civil brasileiro, diz respeito a um institu-to de enorme impacto nas relações humanas, sobretudo para a atividade econômica. O empreendedor passou a usá-lo como importante ferramenta para a prosperidade de seus negócios, haja vista sua (do título de crédito) função de proporcionar segurança tanto na concessão como na circulação do crédito.

Ensina Pontes de Miranda que, na Antiguidade, entre Assírios e Hebreus, além de Índia e Grécia, já havia títulos parecidos com o título cambiário da Era Moderna. Segundo o autor, o Direito romano ignorou o título de crédito2.

Rubens Requião, com apoio da doutrina estrangeira, já menciona um esboço da letra de câmbio entre os romanos e um “ancestral” desse título entre os chineses, mil anos antes de Cristo. No entanto, para o autor, tais informações “têm apenas sabor de curiosidade”, em razão de os pesquisa-

1 Dado ao grande número de acórdãos explorados, a opção por não incluí-los nas referências para não tomar um espaço demasiado, mas a identificação de cada um pode ser conferida nas respectivas notas de rodapé, quando não no próprio texto.

2 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito cambiário. Atual. Vilson Rodrigues Alves, v. 1. Campinas: Bookseller, 2000. Ressalte-se que a história dos títulos de crédito confunde-se com a história da letra de câmbio, estudada pela doutrina como o primeiro título de crédito.

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dores identificarem nas instituições medievais as raízes históricas da letra de câmbio3.

Fran Martins acrescenta que o surgimento dos títulos de crédito na Idade Média se deu mais em razão de necessidades momentâneas de cará-ter mercantil do que de um procedimento visando especialmente à solução de um problema jurídico, afinal,

foi, realmente, naquela época que começaram a aparecer, de maneira mais frequente e completa, documentos que representavam direitos de crédito, a princípio direitos que poderiam ser utilizados apenas pelos que figuravam nos documentos como seus titulares (credores) e que posteriormente passa-ram a ser transferidos por esses titulares a outras pessoas que, de posse dos documentos, podiam exercer, como proprietários, os direitos mencionados nos papéis.4

Carvalho de Mendonça assim sintetiza o estudo feito pelo jurista ale-mão Kuntze, que dividiu a história dos títulos de crédito em três períodos, quais sejam: 1) o italiano – 1300 a 1700 –, período em que o título serviria apenas como permuta de dinheiro, “isto é, como título do contrato de câm-bio”; 2) o francês – 1700 a 1848 –, no qual já era considerado como meio de pagamento; e 3) o alemão – em 1849 –, quando o documento assume a condição de título de crédito5.

A lição do autor Tedesco, mencionada pelos autores anteriormente citados, mostra uma mudança na função dos títulos de crédito e que so-mente na Alta Idade Média é que o título de crédito se aperfeiçoou e se consolidou como instrumento de uso corriqueiro na mercancia. Não por coincidência o surgimento, nesse período da história ocidental, de outros institutos inerentes à atividade econômica como a falência e as diversas modalidades de sociedades.

1.2 PrincíPios norteadores

Nada difícil reconhecer a enorme influência que os títulos de crédito exerceram sobre a atividade econômica, seja ela de produção, de comércio ou de prestação de serviço. O surgimento do crédito teve como consequên-

3 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 29. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2012. p. 478.4 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: letra de câmbio e nota promissória. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

p. 37.5 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Atual. Paulo Benasse, v. 3,

tomo II. Campinas: Bookseller, 2003.

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cia lógica (e esperada) o aumento no volume de transações econômicas, mas a segurança na concessão do crédito ainda estaria por vir.

Dessa forma, a despeito da inegável utilidade do crédito para as re-lações econômicas, fazia-se necessário desenvolver características bem pe-culiares aos documentos que o representavam. Na verdade, características de tamanha peculiaridade que passaram a ser tratadas como princípios. Há uma pequena divergência doutrinária a respeito da matéria, pois ora é tra-tada como características, ora como princípios, ora apresentam-se alguns deles como subprincípios, quando não lhes dão outra nomenclatura.

Os princípios cambiários resguardam também o interesse do deve-dor, embora o enfoque tenha sido dado ao credor, conforme a seguir será apresentado. A questão aqui suscitada, em especial em relação ao princípio da autonomia, é até que ponto se deve aplicar esse princípio (estudado na seção 3) à obrigação do avalista (seção 2), figura cambial cuja única função é garantir o pagamento do título.

Neste trabalho, houve a opção pela doutrina de Fábio Ulhoa Coelho, deixando reservadas para as próximas seções deste estudo as lições de outros autores, mais de maneira específica sobre o princípio da autono-mia, dada a sua influência para o tema aqui tratado. Assim,

pelo princípio da cartularidade, o credor do título de crédito deve provar que se encontra na posse do documento para exercer o direito nele mencionado.

O direito decorrente do título é literal no sentido de que, quanto ao conteú-do, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo exclusivamente o teor do título. (Messineo)

Pelo princípio da autonomia das obrigações cambiais, os vícios que compro-metem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédi-to, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento.

Quando o título de crédito é posto em circulação, diz-se que se operou a abstração (o autor trata como subprincípio), isto é, a desvinculação do ato ou negócio jurídico que deu ensejo à sua criação,

Pelo subprincípio da inoponibilidade de exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, o executado em virtude de um título de crédito não pode alegar [...] matéria de defesa estranha à sua relação com o exequente, salvo provando a má-fé dele.6

6 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2013. p. 446-452.

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Pelo princípio da cartularidade, a titularidade do crédito somente é comprovada mediante a apresentação do original do título de crédito. Des-sa forma, está resguardado o interesse do credor, vez que, na hipótese de perda do documento, não poderá outra pessoa exercer de maneira legítima o direito ao crédito (ainda que seja um título ao portador, pois a lei aponta caminhos para o credor desapossado). Em relação ao devedor, apresentado o original do título para o pagamento, terá a certeza de que não ocorreu sua circulação, o que lhe dá segurança para fazer o pagamento.

Em relação ao princípio da literalidade, verifica-se a proteção do in-teresse do devedor, i.e., na hipótese de pagamento parcial, quando poderá exigir que a quitação seja feita no próprio título. Dessa forma, caso o título entre em circulação em momento posterior ao pagamento (parcial), isso ocorrerá somente pelo saldo remanescente a pagar, o que permitirá, ainda, ao novo portador saber o verdadeiro valor do título. Noutro ponto, não haverá responsabilidade de pagamento se a pessoa não se obrigar (assinar) no título, isto é, se o título for transferido pela simples tradição, não está obrigado ao pagamento (a lei não o obriga, mas os valores, sim!) aquele que não endossou o título, pois sua obrigação dele não consta.

O princípio da autonomia será comentado na seção 3. Abstração e inoponibilidade de exceções pessoais estão ligadas à circulação do título. Conforme a doutrina anteriormente citada, depois que o título entra em cir-culação, não é dado ao devedor discutir com o novo portador um eventual defeito no contrato que deu origem ao título. Nuanças do contrato somente são discutíveis pelas partes que o fizeram (princípio da relatividade dos con-tratos). Após a circulação do título, diz-se que o crédito tornou-se abstrato, pois está desvinculado do negócio subjacente (o que deu origem ao título), portanto, são inoponíveis ao portador de boa-fé as defesas que o devedor tiver contra o portador anterior.

Esses princípios, idealizados em outra época, foram todos incluídos na lei e, dado o prestígio do positivismo jurídico, prevaleceram por um bom tempo. No entanto, o direito pós-moderno, o desenvolvimento tecnológico, a proteção da boa-fé e a observância da função social do contrato impu-seram uma nova abordagem sobre a aplicação desses princípios. Devido ao objetivo traçado para este trabalho, dar-se-á destaque ao princípio da autonomia das obrigações, matéria a ser tratada a seguir, mas não antes de estudar o instituto do aval e as obrigações do avalista.

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2 O AvAL

Pode-se afirmar, sem receios, que todo e qualquer credor quer ter a certeza de que vai receber seu crédito. Natural, é preciso reconhecer que o contraente se sinta estimulado a conceder o crédito se tiver maior seguran-ça em relação ao pagamento. Contudo, já não basta ao credor a confiança moral, baseada no bom nome e nas boas relações mantidas na sociedade, senão exige-se uma confiança jurídica, é dizer, confiança nos instrumentos jurídicos que o Estado disponibiliza na hipótese de inadimplência7.

Para tanto, um instrumento desenvolvido foi o aval, instituto tipica-mente cambiário pelo qual um terceiro (avalista), mediante a assinatura no título – verso ou anverso –, apresenta-se como garantidor do cumprimento da obrigação na condição de responsável solidário, juntamente com o de-vedor originário (avalizado).

Há algumas regras em torno do aval, tais como a forma de prestá-lo, o efeito do aval em branco, o aval parcial, a perda da eficácia, etc., todas elas com a sua importância para transmitir ao credor a confiança jurídica necessária para a concessão do crédito. Além disso, quiçá mais importante, o princípio da autonomia, positivado e espalhado na legislação, que pres-creve a independência da obrigação do avalista em relação à obrigação do avalizado. A conferir algumas passagens da lei:

Decreto nº 57.663/1966 – Promulga as convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letra de câmbio e notas promissórias.

Art. 32. O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (sic).

A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Lei nº 7.357/1985 – Lei do Cheque:

Art. 31. O avalista se obriga da mesma maneira que o avalizado. Subsiste sua obrigação, ainda que nula a por ele garantida, salvo se a nulidade resultar de vício de forma.

Código Civil:

Art. 899. O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; [...].

[...]

7 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 2. ed. São Paulo: Atlas, v. 3, 2005. p. 28.

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§ 2º Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação da-quele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma.

Constata-se que o direito positivo restringiu a matéria de defesa do avalista, o que, sem dúvida alguma, resguarda o interesse do credor. Dessa forma, não é permitido ao avalista recusar-se a cumprir sua obrigação sob a alegação de vício no contrato que deu origem ao título. Permite-lhe a lei somente discutir o título, se há defeito no documento, se este observa os requisitos legais de validade, se há vício na forma prescrita em lei para a validade do documento como título de crédito.

Pois bem, quando a obrigação contratual do credor é cumprida na maneira devida, nada resta ao avalista senão pagar o título, quando des-cumprida a obrigação por parte do avalizado/devedor. Por outro lado, raros não são os casos em que o credor descumpre ou cumpre mal sua obrigação, motivo suficiente para que o avalizado/devedor recuse-se a pagar o título, com o respaldo da lei8. Nesses casos, conforme visto anteriormente, ainda assim permanecerá válida a obrigação do avalista. Há, ainda, os casos em que o avalista alega ser de má-fé o credor, porquanto obtido o crédito por erro, dolo ou coação. Estará, ainda assim, o avalista obrigado a honrar a dívida ou lhe será permitido usar das defesas do avalizado para recusar-se a pagar o título?

3 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA E A DEFESA DO AvALISTA

De fato, se se pretende que os títulos de crédito alcancem o objetivo de proporcionar maior segurança na concessão e na circulação do crédito e, por consequência, estimular a atividade econômica, é preciso prestigiar os princípios orientadores do direito cambial. O princípio da autonomia quer assegurar ao credor que o devedor solidário por meio do aval não poderá recusar-se a pagar o valor garantido sob a alegação de defeito no negócio que deu origem ao título, o negócio subjacente, a causa debendi.

Por outro lado, se não ocorre a circulação do título, ausente a figura do terceiro de boa-fé. Nesse caso, se houver, por parte do avalista, alegação de que o título tem origem espúria, a repulsa e a preocupação do direito em não deixar prosperar a má-fé têm levado a doutrina e os Tribunais pátrios, inclusive a instância máxima na matéria – Superior Tribunal de Justiça –, a permitirem ao avalista a discussão do negócio originário.

8 Código Civil, art. 476: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

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Assim observado, esta seção dedica-se a analisar a aplicação do prin-cípio da autonomia e as possibilidades de relativização do rigor desse prin-cípio, tudo com apoio na doutrina e na jurisprudência.

3.1 o rigor cambiário

Conforme apresentado na subseção 1.2, pelo princípio da autonomia, a validade de uma obrigação independe da validade de outra, é dizer, caso exista algum fator ou fato que invalide uma obrigação constante de título de crédito, isso não compromete a validade de outra obrigação. Nada custa esclarecer que uma pessoa se obriga no título de crédito ao nele assinar, seja como sacadora, aceitante, avalista ou endossante (este pode excluir sua responsabilidade com a inclusão da cláusula sem garantia).

O aval representa uma manifestação do princípio da autonomia, pois, conforme visto na seção própria, a legislação mantém a obrigação do ava-lista, ainda que nula a obrigação por ele avalizada, salvo se a nulidade decorrer de vício de forma. Dessa forma, estaria resguardado o interesse do portador do título na hipótese de inadimplemento pelo devedor originário. Assim enfatiza Fran Martins:

A autonomia das obrigações assumidas é uma das maiores garantias dos títu-los de crédito, dando ao portador a segurança do cumprimento dessas obri-gações por qualquer uma das pessoas que tenham lançado suas assinaturas nos mesmos.9

Na verdade, a doutrina vê a manifestação do princípio da autonomia tanto na hipótese de circulação do título como no aval:

O possuidor de boa-fé exercita um direito próprio, que não pode ser res-tringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor.

-------------------

Se a assinatura da obrigação avalizada for eivada de nulidade e, assim, de-clarada, persiste o aval concedido ou é ele também nulo? Tendo em vista o princípio da independência das assinaturas e da autonomia das relações cambiárias, a resposta não pode ser outra senão a de que subsiste o aval, que não é atingido pela ineficácia da assinatura que ele garante.10

Nesse mesmo sentido, Mamede:

9 MARTINS, Fran. Op. cit., p. 11.10 REQUIÃO, Rubens. Op. cit., p. 458 e 525.

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É na circulação do título que essa autonomia se revela mais forte, pois impe-de que ao terceiro de boa-fé, [...], sejam opostas exceções (defesas) que di-gam respeito ao negócio fundamental, [...]. Vê-se, portanto, que o princípio da autonomia tem validade também aqui, [...]. No âmbito específico do aval, tem-se, em primeiro plano, que o aval é autônomo em relação aos ajustes jurídicos ou morais, havidos entre avalista e avalizado, determinantes da de-claração jurídica de garantia, excetuando-se a hipótese do eventual vício ou efeito serem – ou deverem ser – do conhecimento do credor e/ou contarem com sua participação.11

Isso posto, não cabe ao avalista utilizar em proveito próprio as defesas que tiver o avalizado contra o credor a favor do qual foi dada a garantia. É o caso, por exemplo, da pretensão de suspensão da execução proposta contra o avalista de devedor cujo pedido de recuperação judicial foi deferido, haja vista a previsão da legislação especial de suspensão das ações de execução propostas contra o devedor/avalizado, conforme orienta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉ-DULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – DECISÃO QUE RECEBEU OS EMBAR-GOS SEM ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EMPRESA DEVEDORA QUE NÃO IMPLICA A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO MOVIA APENAS EM FACE DO AVALISTA – INTELIGÊNCIA DO ART. 49, § 1º, DA LEI Nº 11.101/2005 – O deferimento do pedido de processamento de recuperação judicial à empresa coexecutada, à luz do art. 6º da Lei de Falências, não autoriza a suspensão da execução em relação a seus avalis-tas, por força da autonomia da obrigação cambiária. (STJ, REsp 1095352/SP, 3ª T., Rel. Min. Massamo Uyeda, Julgado em 09.11.2010, DJe 25.11.2010). Recurso conhecido e não provido.

No tocante à discussão da causa debendi, não é outro o entendimen-to do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO EMPRESARIAL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – TÍTULOS DE CRÉDITO – NOTA PROMISSÓRIA – AVAL – AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DO AVALISTA – 1. A jurisprudência desta Corte Superior consagra a autonomia do aval em relação à obrigação garantida, considerando que, “como instituto típico do direito cambiário, o aval é dotado de autonomia substancial, de sorte que a sua existência, valida-de e eficácia não estão jungidas à da obrigação avalizada” (REsp 883.859/SC, Relª Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 10.03.2009, DJe 23.03.2009). Precedentes do STJ e do STF. Doutrina. 2. A autonomia é um

11 MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 49 e 159.

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importante princípio cambiário. Ignorar ou mesmo relativizar esse princípio significa pôr em xeque o arcabouço normativo que sustenta o regime jurídi-co cambial, com o risco de produzir danos à necessária segurança jurídica que deve presidir as relações econômicas. 3. A autonomia do aval não se confunde com a abstração do título de crédito e, portanto, independe de sua circulação. AgRg-REsp 885261/SP, DJe 10.10.2012.

RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL E DIREITO EMPRESARIAL – CON-TRATO DE FOMENTO MERCANTIL – (FACTORING) – EXECUÇÃO DE TÍ-TULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS EM GARANTIA DE EVENTUAL RESPONSABILIDADE DA FATURIZADA PELA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO – CAUSA NÃO PASSÍVEL DE SER ALE-GADA PELO AVALISTA – OBRIGAÇÃO CAMBIAL AUTÔNOMA – DEFE-SA PRÓPRIA DO DEVEDOR PRINCIPAL – ÔNUS DA PROVA IMPUTÁVEL APENAS A ESTE – ARTIGO ANALISADO: 333, II, DO CPC – 1. Embargos do devedor opostos em 27.09.2007, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao gabinete em 06.03.2012. 2. Discute-se, quando exe-cutadas notas promissórias dadas em garantia da existência de crédito cedido em contrato de factoring, se é ônus do devedor demonstrar a inocorrência dessa causa. 3. Sendo o embargante avalista das notas promissórias execu-tadas, é-lhe vedado sustentar a inexistência da causa que pautou a emissão das notas promissórias executadas, dada a autonomia que emana do aval e a natureza de exceção pessoal dessa defesa. 4. Recurso especial conheci-do em parte e, nesta parte, improvido. REsp 1305637/PR. Recurso Especial nº 2011/0078736-2. Min. Nancy Andrighi (1118); DJe 02.10.2013.

Melhor sorte não está reservada ao avalista por Tribunais estaduais; no caso de tentativa de discussão da causa debendi: sua obrigação persiste, ainda que haja vícios no negócio subjacente, matéria de defesa reservada para o devedor principal/avalizado, conforme se tem enfatizado12.

Apesar de ser equiparado ao avalizado no tocante à responsabilidade pelo pagamento – devedor solidário –, não cabe ao avalista o direito de alegar o descumprimento do negócio subjacente por parte do credor. A ele é negado o direito de valer-se da exceção de descumprimento de contrato – art. 476 do CC –, matéria de defesa exclusiva do avalizado, que é quem celebrou, executou e se beneficiou do contrato que deu origem ao título. Ao avalista cumpre honrar o pagamento da dívida representada no título, afinal,

12 TJSC, AC 131259-SC-2002.013125-9; TJPR, AC 1062462/PR; TJRS, AC 188085278/RS; TJMG, 2.0000.00.396687-4/000(1); TJPA, Acórdão nº 93563, Processo nº 200730002330; TJSC, Apelação Cível nº 2007.056843-1; TJSC, Apelação Cível nº 2007.045619-8; TJSC, Apelação Cível nº 2006.030959-7, entre muitas outras que, caso incluídas, ocupariam um considerável espaço.

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sua obrigação é autônoma em relação à do avalizado/contraente, vale por ela mesma, não depende de outra.

A legislação somente permite ao avalista discutir defeito na forma do título (ver seção 2). Todo e qualquer título de crédito existente no direito positivo brasileiro foi criado por uma norma especial. Essa norma prescreve os requisitos legais e entre esses aqueles que são essenciais para a validade do documento como um legítimo título de crédito.

O defeito na forma do título, isto é, a inobservância de algum requi-sito essencial estabelecido em lei é a única matéria de defesa reservada em lei para o avalista. Esse rigor no tratamento dado à obrigação do avalista, e o próprio título de crédito, dá ao empreendedor, público-alvo da matéria, a almejada e necessária confiança jurídica defendida por Mamede.

3.2 a relativização da obrigação do avalista

A regra/princípio de negar ao avalista o direito de discutir o negócio subjacente ao título vem sucumbindo no Direito diante da preocupação com a prevalência da má-fé, além da observância do equilíbrio nas relações econômicas. Segundo Mamede, uma nova visão jurisprudencial deixa claro que os princípios norteadores dos títulos de crédito estão sendo submetidos a uma moderna hermenêutica, que prefere a legalidade e o direito aos “ex-cessos injustificados da forma”13.

Bem assim, diante da alegação de má-fé do portador ou mesmo, em alguns casos, vícios no negócio subjacente, a jurisprudência tem amparado o pleito do avalista, desde que o título não tenha entrado em circulação, a conferir:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DO DEVEDOR – EXECUÇÃO DE NOTA PROMISSÓRIA – AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO – INVESTIGA-ÇÃO DA CAUSA DEBENDI – EXCEÇÃO PESSOAL – ARGUIÇÃO PELO AVALISTA – POSSIBILIDADE – PROVA DE AGIOTAGEM – NULIDADE – EMBARGOS ACOLHIDOS – SENTENÇA MANTIDA – Embora como regra geral ao avalista não seja dado discutir a causa debendi ou opor exceção pessoal do avalizado, a regra disposta no art. 17 da Lei Uniforme de Genebra tem sido flexibilizada no sentido de admitir a recusa de pagamento quando não há circulação do título, nos casos de má-fé do seu beneficiário ou de nulidade do negócio subjacente. Precedentes do Superior Tribunal de Justi-ça. Rel. Des. Luiz Carlos Gomes da Mata, Data de Julgamento: 03.11.2011.

13 Op. cit., p. 55.

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EMBARGOS À EXECUÇÃO – NOTA PROMISSÓRIA – DISCUSSÃO PELO AVALISTA DA CAUSA DEBENDI – LEGITIMIDADE AD CAUSAM – EMPRÉS-TIMO – JUROS EXTORSIVOS – AGIOTAGEM – NECESSIDADE DE PROVA ROBUSTA – Tratando-se de situações onde se alega má-fé do beneficiário da nota promissória pela prática de agiotagem, é o avalista parte legítima para discutir a causa originária do título. Não havendo nos autos prova robusta de utilização de juros extorsivos a configurar a prática de agiotagem, ônus que cabia ao embargante, improcedem os embargos. Rel. Des. Osmando Almeida, 2.0000.00.409177-0/000.

EMBARGOS DEVEDOR – CHEQUE – AVALISTAS – DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI – EXCEPCIONALIDADE – NULIDADE DO NEGÓCIO POR CO-BRANÇA DE JUROS ABUSIVOS – PROVA PERICIAL AFASTADA – Sendo a obrigação decorrente do aval firmada nos cheques executados autônoma, não permite que a causa debendi, ou seja, a origem da dívida, seja arguida tão somente pelo avalizado, estando limitada a impugnação dos avalistas ao aspecto formal do título e a eventual vício de vontade, como regra. Para se admitir excepcionalmente a discussão da causa debendi do título, é neces-sário que sejam ao menos a princípio comprovada a má-fé do beneficiário do título e a existência de nulidade do negócio subjacente por erro, dolo ou fraude, não bastando a simples alegação de cobrança de juros abusi-vos, de modo a justificar a realização da prova pericial, visto que a má-fé não se presume, prevalecendo na sua ausência a força executiva do título de crédito. Rel. Des D. Viçoso Rodrigues, Data de Julgamento: 11.12.2003, 2.0000.00.4264410-4/000.

Nota-se que existe na jurisprudência a preocupação em preservar o interesse do terceiro de boa-fé, visto que as decisões destacam o fato de o título não ter circulado. Mamede defende que entre a boa-fé do devedor, principal ou solidário, e a boa-fé do terceiro a quem foi o título transferido prefere o Direito este último. Essa preferência sustenta-se no interesse pú-blico, legalmente protegido, de circulação segura do crédito, de maneira a manter o interesse do mercado nos títulos de crédito e assim permitir o cum-primento da “função de instrumentos de otimização das finanças públicas e privadas”14.

Não bastasse a preocupação com o interesse do terceiro de boa-fé quando ocorre a circulação do título, ao avalista somente é permitido discu-tir o negócio subjacente na hipótese de alegação de má-fé do credor origi-nário, isto é, quando se alega que a dívida tem origem ilegítima. No entanto,

14 MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 164.

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Pontes de Miranda defende o direito de o avalista discutir a causa debendi, seja o credor originário de má-fé ou não:

Se o possuidor cambiário, para cobrar a obrigação cambiária, estaria expos-to, nas relações jurídicas com o obrigado, a defesas ou exceções fundadas na causa, a elas continua exposto se cobra ao avalista, porque ele vai cobrar ao avalista o que lhe deve o avalizado. [...] Se se não entendessem oponíveis as defesas pessoais, o avalista não ficaria equiparado ao obrigado, mas em situação inferior.15

Como sói acontecer, a lição desse autor deve ser levada em conta, afinal, a própria lei prescreve que o avalista se equipara à pessoa por ava-lizada – art. 899 do Código Civil. Se assim o é, pode o avalista valer-se das defesas do avalizado para recusar-se a pagar o título, caso contrário, forçoso reconhecer, estaria não equiparado senão inferiorizado. A jurisprudência corresponde:

Aval. Autonomia. Oponibilidade de exceções. Não pode o avalista opor ex-ceções fundadas em fato que só ao avalizado diga respeito, como o de ter-lhe sido deferida concordata. Entretanto, se o título não circulou, ser-lhe-á dado fazê-lo quanto ao que se refira à própria existência do débito. Se a dívida, pertinente à relação que deu causa à criação do título, desapareceu ou não chegou a existir, poderá o avalizado fundar-se nisso para recusar o pagamen-to. REsp 162332 – Rel. Min. Eduardo Ribeiro.

Denota ser esse também o ponto de vista adotado na Apelação Cível do TJMG nº 1.0095.10.000319-3/002, de relatoria a cargo do Desembarga-dor Estêvão Lucchesi, publicada em data recente – 25.10.2013 –, quando admitiu ao avalista opor exceções referentes à própria exigibilidade do cré-dito, considerando que o título não havia circulado.

CONCLUSÃO

Embora o desenvolvimento tecnológico tenha facilitado o acesso ao crédito com a farta oferta de cartões magnéticos para esse fim no mercado, os títulos de crédito ainda mantêm-se atrativos para o empreendedor. Não foge à realidade afirmar que muitos, sobretudo nas cidades interioranas, ainda preferem a nota promissória, o cheque e a duplicata aos cartões de crédito, seja em razão das despesas que esses atraem (para ambos, credor e devedor), seja por apego às tradições.

15 Op. cit., p. 381.

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Entretanto, o uso dos títulos de crédito requer a aplicação dos seus princípios orientadores, afinal, um instituto jurídico somente alcança prestí-gio se houver respeito às regras a ele atinentes. A autonomia das obrigações cambiais propicia ao credor a convicção de poder receber seu crédito ao cobrar o avalista, mesmo havendo vícios no contrato que deu origem ao título. Constatou-se, aqui, tanto pela apresentação da legislação como pela doutrina e pela jurisprudência pertinentes à preocupação em preservar o interesse do credor, como forma de estímulo ao uso dos títulos de crédito.

O direito positivo permite ao avalista recusar-se a pagar o título so-mente na hipótese de defeito no título, algo que torne a obrigação nele contida ou ilíquida ou incerta ou inexigível. O rigor cambiário presente na legislação prevalece tanto na doutrina como na jurisprudência, é o que se pode concluir. A exceção, de forma a relativizar a aplicação do princípio da autonomia, pode ser encontrada quando se alega má-fé do credor ou quando a dívida resulte de erro, dolo, coação ou alguma outra nulidade que macule o crédito, embora seja possível encontrar decisões que consi-derem o avalista equiparado ao avalizado até mesmo em relação às defesas oponíveis.

Assim, mesmo que não tenha havido neste estudo uma preocupação com percentuais, é possível concluir que o entendimento predominante na doutrina e os Tribunais pátrios é aquele que nega ao avalista o direito de discutir a causa debendi do título.

Não se ignora, contudo, a posição jurisprudencial de admitir ao ava-lista a comprovação de que o crédito resulta de operação espúria, em ob-servância à boa-fé e ao equilíbrio nas relações econômicas. Porém, essa posição é uníssona no sentido de ser necessário prova robusta da má-fé do credor. Por fim, mas não menos importante, tanto doutrina como jurispru-dência preservam o interesse do terceiro de boa-fé, do contrário, fadado ao fim já estaria o título de crédito.

REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2013.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 2. ed. São Paulo: Atlas, v. 3, 2005.

MARTINS, Fran. Títulos de crédito: letra de câmbio e nota promissória. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

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MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Atual. Paulo Benasse, v. 3, tomo II. Campinas: Bookseller, 2003.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito cambiário. v. 1, atual. Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2000.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 29. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2012.

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Parte Geral – Doutrina

A Adoção de Sistema de Compliance e o Novo Marco Legal de Combate à Corrupção

gEOVANE DE MORI PEIXOTOSócio do Lapa & Góes e Góes Advogados Associados, atuando no Direito Público e Ambiental. Doutorando e Mestre em Direito Público pela UFBA, Mestre em Política e Cidadania pela UCSAL, Professor de Direito Constitucional e Administrativo da Faculdade Baiana de Direito – UFBA – e Unifacs (Graduação e Pós-Graduação), Membro do Conselho Consultivo do Instituto Baiano de Direito Constitucional, Procurador do TJDF/FBF, Advogado e Consultor na Área de Direito Público.

A edição da Lei nº 12.486, em 1 de agosto de 2013, denominada de “lei anticorrupção”, traz um novo horizonte para as empresas privadas no Brasil, notadamente aquelas que possuem relações mais próximas com a Administração Pública.

Há uma grande preocupação, emanada de diversos segmentos so-ciais, com a crescente dilapidação do patrimônio público e os prejuízos financeiros que o Estado brasileiro vem historicamente arcando pela prática de atos, a priori, imorais, praticados tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Esse foi, genericamente, um dos principais elementos motivadores da reestruturação legislativa que impõe agora, além da responsabilização pessoal por atos de corrupção (lato sensu), também a responsabilização das pessoas jurídicas de direito privado.

Este novo marco legal positivou, inclusive, a possibilidade de respon-sabilização objetiva das empresas, ou seja, sem a caracterização de culpa (lato sensu – dolo ou culpa), pela prática de atos contra a Administração Pública. As penas cominadas pela prática dos ilícitos ali tipificados são se-veras, pode-se, em casos extremos, chegar a multas de 20% sobre o fatura-mento bruto das empresas e até mesmo a dissolução compulsória da pessoa jurídica, sem prejuízo da culpabilização individual dos agentes envolvidos.

Este quadro de maior rigidez legal traz como consequência uma mo-dificação nos processos internos das empresas, requerendo como ação prio-ritária a prevenção de responsabilidades e a proteção de sócios e gestores. Para que isso seja viabilizado, faz-se mister a adoção de mecanismos insti-tucionais de controle interno da atividade empresarial, ou seja, o desenvol-vimento de sistema de compliance.

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Neste particular, merece registro o fato de que a lei citada instiga a implementação e desenvolvimento de sistema de compliance nas empresas, vez que prevê a atenuação das penas aplicadas se a pessoa jurídica possuir “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, au-ditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (art. 7º, VIII, Lei nº 12.846/2013).

Essa nova perspectiva, perceba-se, retira o compliance do seu status de “instrumento” preventivo e de planejamento e estatui a sua funcionali-dade como elemento de mitigação das sanções, caso seja inevitável a apli-cação destas.

Não existe um modelo fixo e unívoco de compliance, são diversos os fatores que interferem na sua configuração, como, por exemplo, o tipo de atividade empresarial, a estrutura da empresa etc. De fato, o que se tem de certo é a necessidade da adoção de regulamentos claros e específicos, diante dos elementos apontados, acompanhado de um código de ética e conduta.

Surgem, assim, novos processos internos imprescindíveis para as pes-soas jurídicas de direito privado, que vão desde a revisão integral dos mo-delos de contratos adotados, que devem se adequar aos novos regulamentos empresariais, anteriormente citados, até a reestruturação e revisão de todo material utilizado para divulgar a empresa, especialmente o seu sítio eletrô-nico.

Principalmente, contudo, a criação de departamentos internos de controle e acompanhamento de tudo que foi introduzido pelo sistema de compliance, com independência e autonomia para executar os regulamen-tos e códigos de ética e conduta.

Deve-se destacar que já existem escritórios de advocacia adaptados a essa nova realidade, capazes de realizar consultorias que, por intermédio de uma imersão no negócio de seu cliente, são capazes de desenvolver com grupos de profissionais multidisciplinares o desenvolvimento de sistema de compliance adequado para cada tipo de negócio, adequado ao porte da empresa e ao setor de suas atividades. O escritório que faz este tipo de consultoria possui advogados que desenvolvem seus trabalhos tanto na área privada (empresarial) como na área pública, pois o enlace entre estas duas perspectivas é indispensável.

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As empresas que saírem na frente na contratação destas consultorias e se adequarem logo a essa nova realidade criada pelo marco legal anticor-rupção vão proporcionar um maior grau de tranquilidade aos seus sócios e gestores para se dedicarem à busca do crescimento do seu negócio e ao aumento da lucratividade. Capacidade de adaptação é, sem sombra de dú-vidas, uma das características primordiais do novo empreendedor.

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Parte Geral – Doutrina

EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada: Características e Principais Controvérsias

LLC – Single-Member Limited Liability Company1: Characteristics and Controversies

FERNANDA BORgHETTI CANTALIAdvogada, Mestre em Direito pela PUCRS, Professora de Direito Empresarial e de Propriedade Intelectual da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e de Direito Empresarial no Centro Universitário Metodista do IPA.

JOSIANE NUNES ALVESAdvogada, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Metodista do IPA.

RESUMO: A EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada foi introduzida no ordena-mento jurídico brasileiro recentemente. Trata-se de uma nova espécie de empresário, ao lado do empresário individual e da sociedade empresária, que contém características próprias e alguns as-pectos controvertidos. O objetivo do presente artigo é apresentar tais características e controvérsias, procurando contribuir para uma melhor compreensão acerca do novo instituto, o qual representa, sem dúvida, a principal alteração do regime jurídico empresarial nos últimos tempos.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa Individual de Responsabilidade Limitada; empresário individual; socie-dade unipessoal; autonomia patrimonial; limitação de responsabilidade.

ABSTRACT: LLC – the Single-member Limited Liability Company has been recently introduced in the Brazilian legal framework. It deals with a new kind of entrepreneur, right beside the sole proprietor type of business and the partnership, with its own characteristics and some controversial points. This article aims to present such characteristics and controversies, and seeks to contribute to better understand the new institute, which undoubtedly has represented the main shift in the legal business structures over the last years.

KEYWORD: Single-member Limited Liability Company; sole proprietor; single-member society; patri-monial autonomy; limit of liability.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O empresário e o princípio da autonomia patrimonial; 1.1 A empresa, o empresário pessoa física e o empresário pessoa jurídica; 1.2 As consequências da personificação e a importância do princípio da autonomia patrimonial; 1.3 EIRELI: as principais características do

1 Importante registrar que, nos países de língua inglesa, as sociedades limitadas unipessoais representam o que há de mais aproximado ao novel instituto brasileiro: a EIRELI. Dessa forma, não há uma correspondência exata entre os termos, implicando a necessidade desta ressalva quanto à tradução.

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novo empresário; 2 Os aspectos controvertidos acerca da EIRELI; 2.1 Quem pode ser titular de uma EIRELI?; 2.2 A EIRELI e o capital mínimo para sua constituição: (in)constitucionalidade da norma?; 2.3 EIRELI: empresário individual, sociedade empresária unipessoal ou um tipo sui generis de empre-sário?; 2.4 A EIRELI e o projeto de novo Código Comercial: extinção do instituto e criação de novas figuras?; Considerações finais.

SUMMARY: Introduction; 1 The entrepreneur and the principle of patrimonial autonomy; 1.1 The bu-siness structure, the individual entrepreneur and the business entity; 1.2 Consequences of the perso-nification and importance of the principle of patrimonial autonomy; 1.3 “EIRELI”: main characteristics of the new entrepreneur; 2 Controversies of the “EIRELI”; 2.1 Whoever can be the sole proprietor of a “EIRELI”; 2.2 The “EIRELI” and the minimum capital requirements to constitute: unconstitutionality of the norm?; 2.3 “EIRELI”: single-member, sole proprietor or a sui generis type of entrepreneur?; 2.4 The “EIRELI” and the project of a new trade code: extinction of institute and creation of new elements?; Final considerations.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 12.441/2011, que entrou em vigor em 9 de janeiro de 2012, introduziu, no Brasil, a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Desde lá, algumas discussões vêm sendo travadas.

Incluída no rol das pessoas jurídicas de direito privado2, a EIRELI dei-xa dúvidas acerca da sua natureza jurídica, sobre a constitucionalidade de alguns dos dispositivos, bem como sobre a melhor forma de suprir as lacu-nas deixadas pelo legislador e o poder regulador do DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio3, órgão executivo que vem estabelecen-do certas determinações que fogem do que consta expressamente do texto legal.

Nessa medida, através deste artigo, busca-se desenvolver uma com-preensão adequada sobre a EIRELI, conhecer suas características essenciais, identificar as distinções e os pontos em comum em relação às figuras já conhecidas do empresário individual e da sociedade empresária, além de identificar as principais controvérsias e as possíveis respostas aos questiona-mentos existentes.

2 Art. 44 do CCB: “São pessoas jurídicas de direito privado: [...] VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada” (Brasil, 2002, p. indeterminada).

3 O DNRC faz parte do SINREM – Sistema Nacional de Registro Mercantil, juntamente com as Juntas Comerciais dos Estados. O DNRC é o órgão central do SINREM e a ele compete fixar as diretrizes gerais para a prática dos atos registrais, pelas Juntas Comercias, supervisionando e regulamentando a atuação destas. A estrutura do SINREM, bem como a competência de seus órgãos, vem definida no art. 3º da Lei nº 8.934/1994, a Lei dos Registros Mercantis.

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A autonomia patrimonial atribuída, em regra, às pessoas jurídicas e a limitação de responsabilidade dos sócios são mecanismos eficientes de incentivo ao exercício da empresa e, por consequência, de fomento da eco-nomia e geração de riquezas. Por essa razão, a discussão acerca da possi-bilidade de aplicar-se àqueles que desejam empresariar individualmente o princípio da autonomia patrimonial e a limitação de responsabilidade sem-pre se fez relevante, revelando-se, também, como um desejo do empresa-riado e dos operadores do Direito.

A recente criação legislativa busca, de fato, reduzir os riscos do exercício da atividade empresarial àqueles que decidem exercê-la in-dividualmente. Os próprios autores dos projetos que deram origem à Lei nº 12.441/2011 referem que a separação de patrimônio aliada com a limi-tação de responsabilidade visa a possibilitar o acesso dos pequenos empre-endedores ao exercício regular da atividade empresária, evitando o risco de afetação da totalidade do patrimônio do empreendedor, em caso de insu-cesso no empreendimento.

A EIRELI, sem dúvida, objetiva incentivar o exercício da atividade empresarial no País. Entretanto, embora festejada, a nova espécie de em-presário gera controvérsias e há quem diga que não logrou alcançar todos os objetivos que embasaram a sua criação. Este é o propósito do presente artigo: apresentar as características da EIRELI, bem como refletir sobre as questões controvertidas, com o intuito de auxiliar na construção de uma adequada compreensão do novo instituto.

1 O EMPRESáRIO E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL

O princípio da autonomia patrimonial é, sem dúvida, um princípio estruturante do direito societário. Para a sua aplicação em relação àqueles que desejam empresariar sozinhos, concebeu-se a EIRELI. Contudo, antes de tratar do princípio em questão, fazem-se necessários breves esclareci-mentos acerca da empresa e das espécies de empresários existentes do Di-reito brasileiro.

1.1 a emPresa, o emPresário Pessoa física e o emPresário Pessoa jurídica

A EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, recente-mente introduzida no ordenamento jurídico pátrio, tornou possível que uma só pessoa exerça uma atividade empresária, limitando sua responsabilida-de patrimonial ao capital investido. Todavia, antes de mais, para o melhor

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entendimento acerca da EIRELI, é importante a compreensão de institutos básicos de direito empresarial, como a empresa e o empresário.

Segundo Rubens Requião (2010), a ideia de empresa surgiu no âmbi-to do direito comercial através do Código Francês de 1807. Ele afirma que, embora os comercialistas franceses tenham tentado desenvolver o conceito de empresa, não lograram êxito, uma vez que suas teorias estavam sempre conectadas com a prática dos chamados atos de comércio4. Para o autor, a melhor definição de empresa foi construída no direito italiano, a partir da doutrina de Alberto Asquini, que entende a empresa como um fenômeno poliédrico.

Ricardo Negrão (2011, p. 64-81) destaca, de forma objetiva, os qua-tro perfis da empresa que compõem a teoria poliédrica do autor italiano: o perfil subjetivo, que remete àquele que exerce a empresa: o empresário, a pessoa – física ou jurídica – que exerce a atividade econômica organizada; o perfil funcional, que nada mais é do que a própria atividade realizada pelo empresário; o perfil objetivo ou patrimonial, entendido como o meio necessário para que o empresário exerça a atividade econômica, ou seja, o estabelecimento empresarial ou complexo de bens utilizados pelo empresá-rio para o exercício da atividade empresarial; e, por fim, o perfil corporativo ou institucional, pelo qual a empresa é o resultado da união de esforços do próprio empresário e de seus colaboradores, os quais têm um objetivo co-mum: a obtenção do melhor resultado econômico possível.

A partir dos diferentes perfis do fenômeno empresa, fixou-se o enten-dimento de que a melhor definição de empresa é a que a identifica como uma atividade econômica organizada, ou seja, define-se empresa através do perfil funcional (Ramos, 2012, p. 11).

4 A teoria dos atos de comércio, desenvolvida a partir da codificação Napoleônica (Código Comercial de 1807), era a teoria que embasava o direito comercial em sua segunda fase evolutiva, isto é, o direito comercial destinado a regular as relações que envolvessem a prática de determinados atos que, segundo disposição legal, eram considerados atos de comércio. Segundo dita teoria, eram comerciantes aqueles que realizavam com habitualidade estes atos. Assim, o Código Comercial Francês, reproduzido em codificações posteriores, inclusive no Brasil (Código Comercial de 1850), enumerava certas atividades que eram consideradas mercantis, cabendo ao Código Civil a regulação dos demais atos não considerados atos de comércio (Ramos, 2012). Considerava-se como ato de comércio, basicamente, a atividade industrial, de comércio de mercadorias propriamente dita e bancária. A definição de atos de comércio apresentava-se com fundamental relevância, na medida em que era a partir da definição de uma determinada atividade como ato de comércio que se caracterizava o agente que a realizava como comerciante, ficando este submetido às normas específicas previstas na legislação comercial (Lacerda, 1970). Para o aprofundamento acerca das fases evolutivas do direito empresarial, vide: NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 25-33; e COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 19-44.

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O Código Civil brasileiro não trouxe o conceito de empresa, mas ape-nas o de empresário, que é o sujeito que exerce a empresa, conforme dispõe o art. 966 do Código Civil5, bem como o conceito de estabelecimento em-presarial, no art. 1.142 do mesmo diploma legal6. Da análise do conceito de estabelecimento, pode-se depreender mais facilmente que empresa é uma atividade, a atividade empresarial que o empresário desenvolve através de seu estabelecimento. O legislador seguiu a tendência doutrinária que de-finiu a empresa como a atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços.

A empresa é a própria atividade empresarial, a qual é marcada por algumas características extraídas do próprio art. 966 do Código Civil, sem as quais a atividade exercida não será considerada empresa e, por conseguin-te, o sujeito que a exerce não será caracterizado como empresário.

A primeira dessas características é a economicidade ou a finalidade lucrativa, que é o objetivo do empresário. Quanto ao intuito lucrativo da atividade empresarial, que caracteriza o empresário, pode-se dizer que:

Ao destacarmos a expressão atividade econômica, por sua vez, queremos enfatizar que empresa é uma atividade exercida com intuito lucrativo. Afi-nal, conforme veremos, é característica intrínseca das relações empresariais a onerosidade. Mas não é só à ideia de lucro que a expressão atividade eco-nômica remete. Ela indica também que o empresário, sobretudo em função do intuito lucrativo de sua atividade, é aquele que assume os riscos técnicos e econômicos de sua atividade. (Ramos, 2012, p. 37)

Segundo Fran Martins (2011, p. 67), “entende-se por comerciante a pessoa, natural ou jurídica, que, profissionalmente, exercita atos de inter-mediação ou prestação de serviços com o intuito de lucro”. Mais adiante, o doutrinador esclarece que o empresário é a evolução da figura do comer-ciante:

Com a evolução da importância das empresas no exercício das atividades comerciais, os comerciantes são considerados empresários, isto é, os chefes das empresas (Código Civil italiano, de 1942, art. 2.086). [...] vê-se que o campo de ação do comerciante foi ampliado com o conceito de empresário, pois se no direito tradicional o comerciante era um simples intermediário, no novo direito as atividades da empresa podem ser também de produção.

5 Art. 966 do CCB: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (Brasil, 2002, p. indeterminada).

6 Art. 1.142 do CCB: “Considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária” (Brasil, 2002, p. indeterminada).

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A segunda característica refere-se ao profissionalismo, ou seja, à ha-bitualidade no exercício da empresa. A atividade econômica não pode ser exercida esporadicamente, mas seu exercício deve prolongar-se no tempo, coadunando com o intuito lucrativo do agente (Verçosa, 2004). Em síntese, o empresário é aquele que exerce a empresa, de forma profissional, assu-mindo os riscos dela decorrentes e com o intuito de obter lucro (Requião, 2010).

Outra característica essencial da empresa, que também caracteriza o empresário, diz respeito a sua finalidade, qual seja, a produção e/ou a cir-culação de bens e serviços. A ligação do exercício da empresa ao binômio “produção-circulação” de bens e serviços ampliou muito o âmbito de inci-dência do direito especializado; afinal, a partir daí, em regra, qualquer ativi-dade econômica pode ser considerada empresária, desde que exercida com o intuito lucrativo, de forma organizada e profissional (Ramos, 2012, p. 38).

A última característica essencial da empresa é a organização. Ao exercer a empresa, o empresário articula os fatores de produção a seu favor, isto é, movimenta o capital, a mão de obra, os insumos e a tecnologia com o objetivo de obter lucro (Coelho, 2011, p. 32). Essa organização é respon-sável pela impessoalidade que se exige no exercício da empresa. Quando a atividade é exercida de forma pessoalizada, onde a organização perde importância, o exercente não estará empresariando.

Empresário, é, portanto

quem organiza, exercendo uma função de intermediação e/ou de transforma-ção dentre os fatores da produção, criando riquezas para o mercado (centro de encontro entre a oferta e a demanda dos diversos sujeitos econômicos), e é quem assume o risco econômico e a iniciativa do empreendimento [...]. (Franco, 2004, p. 57-58)

Nessa medida, sendo a empresa uma atividade econômica e o empre-sário o sujeito que a exerce de forma organizada, tratou a legislação de es-tabelecer, inicialmente, duas formas de exercício da empresa, duas espécies do gênero empresário: o empresário individual (pessoa física) e a sociedade empresária (pessoa jurídica).

O empresário individual é a pessoa natural que exerce uma atividade econômica de produção e circulação de bens, ou de prestação de serviços. É o empreendedor, pessoa física, que sozinho exerce atividade empresarial, ao contrário da sociedade empresária, que é pessoa jurídica, constituída sob

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a forma de sociedade cujo objeto social é a exploração de uma atividade econômica organizada (Ramos, 2012, p. 38).

O ordenamento jurídico brasileiro trata, de maneira bastante distinta, os empresários individuais e as sociedades empresárias, especialmente no que tange ao patrimônio e ao sistema de responsabilidade de um e de outro.

O empresário individual não goza da separação patrimonial da qual gozam as sociedades empresárias pelo fato de estas serem efetivas pessoas jurídicas7. Assim, todo o patrimônio do empreendedor, esteja ele ou não afetado ao exercício da atividade empresarial, pode ser alcançado para o adimplemento das obrigações assumidas no exercício da empresa. Logo, o sistema de responsabilidade que recai sobre o empresário individual é o da responsabilidade ilimitada; responde ele com a totalidade do seu patrimô-nio pelas obrigações contraídas no exercício do negócio. Conclui-se, assim, que o exercício da empresa de forma individual acarreta muito mais riscos do que a exploração da atividade mediante a constituição de uma socieda-de (Ramos, 2012).

Não é por outra razão que Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 39) afirma que as atividades economicamente mais importantes são exercidas pelas sociedades empresárias, normalmente sociedades limitadas ou anônimas, já que, além da possibilidade de compartilhar riscos, permite que a atividade seja exercida com limitação de responsabilidade, restando ao empresário individual as atividades de menor envergadura que implicam menores in-vestimentos, ao mesmo tempo em que não apresenta grande risco de perdas.

Evidentemente, aventurar-se no ramo empresarial, para exploração de atividade econômica, implica decisão mais facilmente tomada quando o risco assumido é menor ou, pelo menos, minimizado.

Em virtude da ausência de limitação de responsabilidade para o empre-sário individual, prática bastante comum é a constituição das chamadas so-ciedades de fachada, sociedades constituídas apenas formalmente, nas quais um dos sócios figura enquanto tal, titularizando percentual mínimo do capital social, sem que seja efetivamente sócio. Na prática, a atividade é exercida de

7 O empresário individual, embora esteja cadastrado no CNPJ, o recebe apenas para fins tributários. O fato de o empresário individual obter um CNPJ não o transforma em uma pessoa jurídica, continuando a ser pessoa física. É pacífico na doutrina e na jurisprudência tal entendimento. A título de exemplo: “Agravo de instrumento. Ensino particular. O patrimônio do empresário individual confunde-se com o pessoal, correspondendo a um só conjunto de bens, cujo domínio é da pessoa física. Inexiste óbice à constrição de patrimônio pertencente à empresa individual no intuito de garantir o pagamento de débitos contraídos pela pessoa física. Agravo de instrumento provido em decisão monocrática” (TJRS, AI 70062097407, 6ª C.Cív., Rel. Ney Wiedemann Neto, J. 15.10.2014).

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forma individual, mas, formalmente, apenas para minimizar o risco assumido pelo empreendedor, celebra-se contrato de sociedade, fazendo surgir a pes-soa jurídica “regularmente” constituída (Ramos, 2012, p. 40-41).

Como visto, para além do empresário individual, a outra espécie de empresário é a sociedade empresária. De pronto, é importante esclarecer que, neste caso, os sócios da sociedade não são, pelo menos tecnicamente, empresários. Quando constituída uma sociedade, esta é que é a empresária, a titular do exercício da empresa. Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 38-39):

Deve-se, desde logo, acentuar que os sócios da sociedade empresária não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituí-da, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito in-dependente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade [...]. As regras que se aplicam ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária.

A sociedade vem definida no art. 981 do Código Civil, o qual dispõe que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obri-gam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade eco-nômica e a partilha, entre si, dos resultados” (Brasil, 2002, p. indeterminada).

Entretanto, as primeiras manifestações de sociedade, enquanto sim-ples comunhão de esforços, têm sua origem mais remota ainda nos povos primitivos. A história da evolução da humanidade mostra que, desde os pe-ríodos mais distantes, os homens conjugavam forças com aqueles em quem depositavam confiança, com a finalidade de alcançar objetivos comuns, os quais nem sempre foram lucrativos. É na Idade Média, contudo, que a sociedade tal como conhecida atualmente tem suas raízes, especialmente em virtude do desenvolvimento do comércio em algumas cidades italianas. Neste período, o direito comercial não passava de um conjunto de usos e costumes adotados pelos primeiros comerciantes, chamados mercadores, para atender as suas próprias necessidades e regulamentar as suas ativida-des. Não obstante, foi na Idade Média que foram delineados os primeiros tipos societários8 que existem até hoje: a sociedade em nome coletivo e a sociedade em comandita simples (Almeida, 2011).

8 Para aprofundamento acerca dos tipos societários previstos no ordenamento pátrio, vide: MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011; ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das

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A sociedade em nome coletivo surgiu na Itália, entre os grupos fa-miliares que formavam sociedades, posteriormente se desenvolvendo en-tre os artesãos e comerciantes (Almeida, 2011). No Brasil, regulada nos arts. 1.0399 e seguintes do Código Civil de 2002, caracteriza-se, essen-cialmente, pelo fato de admitir apenas pessoas físicas como sócios e pelo sistema de responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, imposto aos sócios. Esse sistema de responsabilidade não é muito atrativo, já que, após o esgotamento do patrimônio da pessoa jurídica, o patrimônio pessoal dos sócios será atingido para a satisfação das obrigações da socie-dade. Nesta sociedade, não há limitação de responsabilidade.

A sociedade em comandita simples, regulada nos arts. 1.04510 e se-guintes do Código Civil de 2002, tem sua origem no desenvolvimento do comércio marítimo, no chamado contrato de comenda, por meio do qual os nobres interessados em comerciar, e não o podendo em razão do conceito que o comércio tinha entre aquela casta social, confiavam aos comerciantes marítimos certa quantia em dinheiro para que estes, praticando a ativida-de mercantil, obtivessem lucro, o qual seria dividido entre estes últimos e aquele que tinha investido capital. Em caso de prejuízo, o nobre investidor assumia a perda do valor investido (Martins, 2011).

Atualmente, a sociedade em comandita simples apresenta duas cate-gorias de sócios, com sistemas de responsabilidade diferentes à semelhança do ocorria em sua origem medieval. Os sócios comanditados administram o negócio e, assim, respondem, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais; já os sócios comanditários apenas investem capital para o exercício da empresa, não participando de sua administração e, por isso, respondem de forma limitada ao capital investido. Ou seja, nesta sociedade, esgotado o patrimônio social, somente parte dos sócios poderá ter o seu patrimônio pessoal atingido para satisfação das obrigações da sociedade.

A sociedade anônima, também conhecida como companhia, em que pese não haja entendimento pacífico na doutrina acerca de sua origem, há uma quase unanimidade11 ao afirmar que a primeira manifestação definitiva

sociedades comerciais. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011; COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012; e NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

9 Art. 1.039 do CCB: “Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais”.

10 Art. 1.045 do CCB: “Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota”.

11 Divergem alguns autores sobre este marco histórico, a exemplo de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, que afirma que a primeira sociedade anônima teria sido o Banco de São Jorge, de Gênova, criado em 1407 (Verçosa, 2006, p. 290).

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e mais próxima da atual sociedade anônima, deu-se com a Companhia das Índias Orientais em 1602, na Holanda (Almeida, 2011, p. 187).

A sociedade anônima está regulada nos arts. 1.08812 e 1.08913 do Có-digo Civil de 2002 e na Lei nº 6.404/1976. Entre suas características essen-ciais, destacam-se a divisão do capital social em ações e o sistema de res-ponsabilidade dos sócios, denominados acionistas, que é limitada ao preço de emissão das ações subscritas14 ou adquiridas15.

A Lei nº 6.404/1976 também regulamenta a sociedade em comandita por ações, a qual teve sua origem já na Idade Moderna, com o Código Co-mercial Francês de 1807. Tal espécie societária também foi genericamente regulada pelo Código Civil nos arts. 1.09016 e seguintes. À semelhança das comanditas simples, as comanditas por ações também possuem duas moda-lidades de sócios: os acionistas diretores, a quem incumbe à administração da sociedade, os quais respondem solidária e ilimitadamente pelas obriga-ções sociais; e os demais acionistas que, sem poderes de administração, go-zam de limitação de responsabilidade ao capital investido (Rizzardo, 2009).

A sociedade limitada, contudo, teve origem de modo diverso. Até o seu surgimento, o empreendedor que quisesse exercer uma empresa unindo--se a outro tinha dois caminhos possíveis a seguir: ou constituía uma socie-dade anônima, cujo sistema de responsabilidade era o da responsabilidade limitada, traduzindo-se na forma menos ariscada de exercício da empresa, mas que, por outro lado, exigia muitas formalidades para sua constituição e, assim, destinava-se mais aos grandes empreendimentos, com vultosos investimentos, ou constituía uma das modalidades de sociedade de pessoas existentes à época, de constituição e funcionamento mais simples, sem a ne-cessidade de grandes investimentos, mas com sistema de responsabilidade ilimitada, para todos ou parte dos sócios (Abrão, 2000).

Os modelos societários então vigentes restringiam o acesso de peque-nos e médios empreendedores ao exercício das atividades econômicas. Pri-

12 Art. 1.088 do CCB: “Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir”.

13 Art. 1.089 do CCB: “A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código”.

14 Subscrição de capital é o ato pelo qual o sócio ou acionista assume o compromisso de adquirir para si, pagando o valor devido, determinado número de quotas ou ações. Integralização do capital social é o ato pelo qual o sócio ou acionista efetivamente paga o preço das quotas ou ações subscritas (Martins, 2011).

15 Art. 1º da LSA: “A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas”.

16 “Art. 1.090 do CCB: “A sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação”.

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meiro porque de forma individual ou em sociedade de pessoas, ainda que as formalidades para constituição e o investimento exigido fossem menores, os riscos eram elevados, em decorrência do sistema de responsabilidade ili-mitada. Segundo porque a única sociedade com sistema de responsabilida-de limitada era a anônima, a qual, por exigir um rigorismo formal para sua constituição, destinava-se aos grandes empreendimentos (Verçosa, 2006).

Necessitava-se então, para atender a demanda dos pequenos e mé-dios empreendedores, de um tipo societário capaz de atender a ambas as necessidades: menor assunção de riscos pela limitação de responsabilidade e, ao mesmo tempo, menor complexidade de constituição e funcionamen-to (Pimenta, 2006, p. 67). Nesse contexto, é que surge na Alemanha, em 1892, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada (Almeida, 2011, p. 145).

Ante a necessidade de incentivar o exercício da empresa por parte de tantos quantos por ela se interessassem, por meio da separação entre o patrimônio pessoal dos sócios e o da sociedade, não respondendo aqueles pelos débitos contraídos por esta, é que a sociedade por quotas de responsa-bilidade limitada mostrou-se alternativa eficaz na legislação alemã de 1892 (Pimenta, 2006, p. 68).

No Brasil, esse tipo societário foi consagrado em 1919, através do Decreto nº 3.078, cujo sistema de responsabilidade vinha estabelecido no art. 2º, o qual previa que “o título constitutivo regular-se-á pelas disposições dos arts. 300 a 302 e seus números do Código Comercial, devendo estipular ser limitada a responsabilidade dos sócios à importância total do capital social” (Brasil, 1919, p. indeterminada).

A sociedade limitada17, hoje regulada pelo Código Civil de 2002, pode então ser vista como a primeira forma de incentivar e possibilitar o acesso de um número maior de pessoas ao exercício de atividades empre-sárias. Isso porque, a partir dela, passou a existir um tipo societário que alia a limitação de responsabilidade18, característica que até então era exclusiva

17 Enquanto vigia o Decreto nº 3.078/1919, este tipo societário era denominado “Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada”. O art. 1º do decreto previa que, “além das sociedades a que se referem os arts. 295, 311, 315 e 317 do Código Comercial, poderão constituir-se sociedades por quotas de responsabilidade limitada”. Dito decreto vigorou por mais de 80 anos, vindo a ser parcialmente revogado pelo atual Código Civil, em vigor desde 2003. O CCB/2002 simplificou a nomenclatura, passando a denominar este tipo societário apenas de sociedade limitada, regulando-a sem seus arts. 1.052 e seguintes.

18 Como visto, no sistema atual, somente as sociedades anônimas e limitadas possuem sócios de responsabilidade limitada. O limite da responsabilidade dos sócios é o capital investido por estes no negócio, resguardando-se, assim, o seu patrimônio pessoal. Não é por outra razão que estes são os dois tipos societários de maior utilização no Brasil, estando os demais praticamente em desuso.

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da sociedade anônima, e a contratualidade, ou seja, uma sociedade cujo ato constitutivo é o contrato social, o qual permite uma maior expressão da autonomia privada dos sócios na conformação da sociedade, diferentemen-te da sociedade anônima, que é uma sociedade constituída por um estatuto social muito mais conformado pela própria legislação do que pela vontade dos sócios (Ramos, 2011, p. 248).

Verifica-se ainda que, ao longo da história, a sociedade sempre foi concebida como uma união de forças pela busca de um resultado comum, e as sociedades empresárias, a união de forças pela busca de um resultado lucrativo comum, caracterizando-se pelo exercício, em conjunto, de uma atividade econômica organizada.

Quanto à necessidade de constituição de uma sociedade para o exer-cício da empresa, esclarece Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 21) que

atividades econômicas de pequeno porte podem ser exploradas por uma pes-soa (natural), sem maiores dificuldades. Na medida, porém, em que se avolu-mam e ganham complexidade, exigindo maiores investimentos ou diferentes capacitações, as atividades econômicas não mais podem ser desenvolvidas, com eficiência, por um indivíduo apenas. O seu desenvolvimento pressupõe, então, a aglutinação de esforços de diversos agentes, interessados nos lucros que elas prometem propiciar. Essa articulação pode assumir variadas formas jurídicas, entre as quais a de uma sociedade.

As sociedades assumiram tal importância social que passaram a ser vistas como entes absolutamente distintos, separados dos sujeitos que se uniam para formá-las, acabando por receberem da ordem jurídica status de sujeitos de direito tal como as pessoas naturais. É o que ensina Amador Paes de Almeida (2011, p. 29):

Num crescendo admirável foram as sociedades ganhando vulto a ponto de, em pouco tempo, distinguir-se nitidamente das pessoas físicas que as com-punham. [...]. Formando, pois, uma entidade à parte, absolutamente distinta das pessoas naturais que as integram, culminaram as sociedades por serem reconhecidas pelo ordenamento jurídico como sujeitos de direito, equipara-das, portanto, às pessoas físicas.

A este sujeito de direito que surge a partir de uma sociedade o direi-to deu o nome de pessoa jurídica. Por conseguinte, sociedade empresária, devidamente registrada19, será a pessoa jurídica exercente de uma empresa,

19 O registro do empresário, seja ele individual ou coletivo (sociedade empresária), junto ao órgão responsável pelo registro mercantil, qual seja, as Juntas Comerciais dos Estados, é uma das obrigações impostas àquele

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o sujeito de direito que pratica os atos necessários à realização da atividade econômica, não se confundindo com seus sócios (Coelho, 2012, p. 23 e 27).

De todo o exposto, conclui-se que, para o direito empresarial, desde suas primeiras manifestações, ainda na Idade Média, a personalidade jurí-dica própria, que era atributo exclusivo das pessoas físicas, foi estendida às pessoas jurídicas, que são formadas pela união de, no mínimo, duas pessoas em sociedade. As empresas podem ser exercidas, pois, tanto por pessoas fí-sicas quanto por pessoas jurídicas. Neste último caso, a pessoa jurídica tem autonomia patrimonial em relação ao patrimônio pessoal de seus sócios.

1.2 as consequências da Personificação e a imPortância do PrincíPio da autonomia Patrimonial

A personalidade jurídica é uma invenção do Direito. Não existe pes-soa jurídica senão sob a ótica do Direito, que a criou com o objetivo de solucionar alguns problemas decorrentes das relações humanas, autorizan-do a prática de atos jurídicos por outros sujeitos de direito que não apenas pessoas naturais (Coelho, 2011, p. 138).

A personalidade jurídica das sociedades empresárias é a criação que possibilita conferir titularidade de direitos a um ente que nasce da união de outros, ou seja, é uma ficção que atribui personalidade a um ente formado por uma coletividade de pessoas (Fazzio Júnior, 2008, p. 31).

O principal objetivo da atribuição de personalidade jurídica às so-ciedades é permitir que estas possam praticar todos os atos jurídicos neces-sários ao desenvolvimento da atividade para a qual foram criadas, por si

que exerce profissionalmente uma atividade empresária. Assim sendo, o registro não é condição para a caracterização de uma pessoa (física ou jurídica) como empresário, tratando-se, na verdade, de mera declaração de regularidade do exercício da empresa de acordo com as normas impostas pelo ordenamento jurídico pátrio. A inexistência de registro não descaracteriza o sujeito como empresário, mas, uma vez configurando o descumprimento de uma obrigação a ele imposta, acarreta algumas restrições. No caso da sociedade empresária irregular, uma das restrições é a impossibilidade de realizar sua inscrição junto ao Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas com a consequente sanção pelo descumprimento das obrigações tributárias decorrentes deste cadastro. Assim, a sociedade empresária não deixa de ser empresária pela falta de registro, mas não será uma pessoa jurídica. Dessa forma, sendo sociedade despersonificada, os sócios da sociedade empresária irregular não gozam das benesses da limitação de responsabilidade atribuída, via de regra, às sociedades regulares (Coelho, 2011). Quanto à desnecessidade de registro mercantil para caracterização do empresário, já se manifestou o Conselho da Justiça Federal, na III Jornada de Direito Civil, na qual foram aprovados os Enunciados nºs 198 e 199, que dispõem, respectivamente: “Art. 967. A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário” e “Art. 967. A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua caracterização” (Conselho da Justiça Federal, 2004, p. indeterminada).

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mesmas, e não em nome dos sócios. Na sociedade empresária, tal objetivo mostra-se ainda mais relevante, na medida em que a atividade exercida exi-ge assunção de riscos, os quais serão assumidos pela pessoa jurídica e não pelas pessoas físicas (Fazzio Júnior, 2008, p. 31).

Nesse contexto, a importância da atribuição de personalidade jurí-dica às sociedades empresárias é evidente, sendo fácil concluir que, para minimizar o risco da atividade empresarial, separando o patrimônio pessoal dos empreendedores, os indivíduos devem – ou deveriam até pouco tempo – constituir uma sociedade, formando, assim, uma pessoa jurídica, a qual goza de autonomia patrimonial.

Essa ficção resulta em uma série de consequências importantes para o Direito. De modo geral, é possível identificar três consequências advindas da atribuição de personalidade jurídica às sociedades empresárias: a titula-ridade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade patrimo-nial (Coelho, 2012, p. 32).

A titularidade obrigacional determina que todas as obrigações assu-midas no âmbito do exercício da atividade empresarial o serão pela socie-dade, e não pelas pessoas de seus sócios. Assim, quem figura em um dos polos da relação jurídica estabelecida com terceiros (contratos de trabalho, de prestação ou contratação de serviços etc.) é a sociedade, e não as pes-soas dos sócios que a compõem. Já a titularidade processual implica que apenas a sociedade seja parte legítima para demandar ou ser demandada em processos judiciais que visem a discutir obrigações assumidas em seu nome. Por fim, a responsabilidade patrimonial que determina que a pessoa jurídica é responsável pelas obrigações que ela contrair com o seu próprio patrimônio, o qual é distinto do patrimônio pessoal de cada um dos sócios que a constituem, ou seja, o conjunto de bens da sociedade forma o patri-mônio da pessoa jurídica e é esse patrimônio que, em regra, responde pelas obrigações assumidas pela sociedade (Coelho, 2012, p. 32-33).

Arnaldo Rizzardo também reconhece que

tanto é própria e distinta a personalidade jurídica, que o sistema jurídico reconhece a sua existência distinta da de seus sócios, e, assim, a titularidade própria de direitos (de ordem patrimonial e moral), como a sujeição a obriga-ções e deveres (como sujeito passivo na demanda de créditos existentes por terceiros). Não se confundem os direitos e deveres da pessoa jurídica com os de seus sócios, nem os direitos e deveres destes se transferem para a pessoa jurídica. (Rizzardo, 2009, p. 23)

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Na mesma linha, Ricardo Negrão (2011, p. 203) afirma que são efei-tos da personificação: a assunção de capacidade para direitos e obrigações; a separação entre a pessoa jurídica e as pessoas dos sócios; a existência de patrimônio próprio, distinto do de seus sócios e a possibilidade de a socie-dade alterar a sua estrutura interna.

Vê-se, portanto, que não há grande divergência doutrinária quanto aos principais efeitos da personificação. No entanto, entre as três conse-quências destacadas, é a responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica a que merece maior destaque.

A existência de patrimônio próprio das pessoas jurídicas dá-se por força da incidência do princípio da autonomia patrimonial, segundo o qual os bens da sociedade empresária formam um patrimônio autônomo que responde pelas obrigações contraídas por esta, enquanto que os bens de cada um dos sócios que a compõem permanecem, via de regra, imunes ao cumprimento destas obrigações.

Trata-se, na verdade, de algo muito antigo, decorrente da máxima aplicada desde a Lex Poetelia Papiria, que data de 326 antes de Cristo, por meio da qual se determinou que o patrimônio do devedor fosse a garantia dos credores. Com tal lei, a obrigação entre o credor e o devedor deixou de estar pautada em um vínculo corporal, sendo substituída pela responsabili-dade patrimonial, ou seja, os bens, e não mais o corpo do devedor, passa-ram a responder por suas dívidas (Alves, 2010, p. 382 e 436).

Ora, se a devedora é a sociedade empresária, é justo que apenas o seu patrimônio responda pelas obrigações contraídas, e não o patrimônio de seus sócios, sujeitos de direito distintos. A autonomia patrimonial e a responsabilidade patrimonial, próprias da sociedade, formam uma estrutura que incentiva a assunção do risco do exercício de uma atividade empre-sarial. Principalmente quando o tipo de sociedade traz também a regra da limitação de responsabilidade dos sócios, o que ocorre nas sociedades anô-nimas e limitadas.

Tal é a importância da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas que Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 34) afirma que se trata do alicerce do direito societário:

Esse é o princípio da autonomia patrimonial, alicerce do direito societário. Sua importância para o desenvolvimento de atividades econômicas, da pro-dução e circulação de bens e serviços, é fundamental, na medida em que limita a possibilidade de perdas nos investimentos mais arriscados. A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não res-

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ponde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na ex-ploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particu-lares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a de-senvolver novas atividades empresariais. No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado, e as pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços. O princípio da auto-nomia patrimonial é importantíssimo para que o direito discipline de forma adequada a exploração da atividade econômica.

O princípio da autonomia patrimonial é, sem dúvida, um importante mecanismo de incentivo ao exercício da atividade empresária, na medida em que possibilita a minimização dos riscos assumidos pela pessoa física que decide exercer uma empresa. Isso porque, mesmo nas espécies societá-rias em que a responsabilidade dos sócios é ilimitada (sociedade em nome coletivo, por exemplo), esta será sempre subsidiária, por força do princípio de mesmo nome consagrado no ordenamento jurídico pátrio pelo art. 1.024 do Código Civil de 200220.

Parece evidente que o princípio da autonomia patrimonial coaduna--se não apenas com os fundamentos da ordem econômica brasileira, ex-pressos no caput do art. 170 da Constituição Federal, quais sejam, a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, bem como com seus princí-pios norteadores como a livre concorrência e o livre exercício da atividade econômica, além de toda a construção histórica de incentivo ao exercício da empresa como forma de fomentar a economia dos Estados, possibilitan-do a geração e a circulação das riquezas.

Todavia, como exposto anteriormente, os benefícios desse princípio não se aplicam ao empreendedor que exerce a empresa de forma individual, não sendo outra a razão principal para a edição da Lei nº 12.441/2011, que introduziu, no Brasil, a EIRELI.

1.3 eireli: as PrinciPais características do novo emPresário

Feitos os esclarecimentos sobre as diferentes espécies de empresá-rios até então existentes, cabe o enfrentamento da nova espécie introduzida recentemente no ordenamento jurídico brasileiro: a Empresa Individual de

20 Art. 1.024 do CCB: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais” (Brasil, 2002, p. indeterminada).

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Responsabilidade Limitada – EIRELI21. Espécie de empresário que, conforme refere André Luiz Santa Cruz Ramos (2012, p. 40), surge na legislação pátria atendendo a antigos anseios tanto da doutrina quanto do meio empresarial.

Até a entrada em vigor da legislação que introduziu a EIRELI, como já dito, existiam apenas duas formas de exercer a empresa: ou como empre-sário individual (pessoa física, sem autonomia patrimonial e limitação de responsabilidade), ou como sociedade empresária (na qual os sócios podem ou não vir a responder pelas obrigações contraídas no exercício da ativida-de, mas sempre e tão somente após o esgotamento do patrimônio social, já que há, no mínimo, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica).

A partir da EIRELI, passou a ser possível que uma só pessoa exerça a empresa por meio de uma pessoa jurídica, o que permite a efetiva separação patrimonial e limitação de responsabilidade ao capital investido como ocor-re, mais precisamente, nas sociedades limitadas. Esse novo ente apresenta características bastante próprias.

De plano, pode-se ressaltar uma característica, e esta, incontroversa. A EIRELI é um ente dotado de personalidade jurídica própria, já que inserida no rol das pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do Código Civil. Ao contrário do empresário individual, que é uma pessoa física, a EIRELI é uma pessoa jurídica constituída para o exercício de uma atividade econômica. Ainda, pela leitura do texto legal, na medida em que a EIRELI está prevista em um inciso em separado, inciso VI incluído pela Lei nº 12.441/2011, a priori, não se poderia concluir que se trata de uma sociedade empresária, as quais já vinham previstas no inciso II.

Assim, da simples interpretação da alteração ocorrida no art. 44 do Código Civil, conclui-se que a EIRELI é pessoa jurídica, não se confundindo com as sociedades, tampouco com o empresário individual que nem pessoa jurídica é.

Outra característica importante da EIRELI é a exigência de um capital mínimo não inferior a 100 vezes o salário-mínimo vigente no País para a sua constituição, conforme dispõe o caput do art. 980-A do Código Civil de 200222, também incluído pela Lei nº 12.441/2011. O empreendedor que

21 De plano, cumpre esclarecer que, por tudo quanto já exposto no decorrer do presente estudo, a nomenclatura utilizada pelo legislador é atécnica, na medida em que atribuiu personalidade jurídica a uma atividade. Como visto, empresa não é sujeito de direitos, mas sim uma atividade exercida pelo empresário, este sim, sujeito de direitos.

22 Art. 980-A do CCB: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País” (Brasil, 2002, p. indeterminada).

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desejar exercer a empresa como EIRELI deverá, no ato da constituição, in-tegralizar a totalidade do valor do capital que não poderá ser, em valores atuais, inferior a R$ 78.800,00 (setenta e oito mil e oitocentos reais).

Ainda, a integralização do capital poderá ser feita não apenas em dinheiro, mas também em bens, desde que suscetíveis de avaliação em di-nheiro, não sendo exigida a apresentação de laudo avaliativo para tanto. Este capital, diferente do que ocorre nas sociedades, não será dividido em quotas ou ações. A regra é a da unicidade do capital, afinal este é totalmente titularizado por uma única pessoa.

A terceira característica marcante da EIRELI diz com o sujeito que pode constituí-la, ou seja, o titular da EIRELI. Segundo dispõe o caput do já mencionado art. 980-A do Código Civil, a EIRELI será constituída por apenas uma pessoa. Ocorre que o dispositivo legal não deixa claro que o titular precisa ser uma pessoa física ou se poderia também ser uma pessoa jurídica. Essa falta de especificação legal gerou discussão, com argumentos favoráveis e contra nas duas direções. No entanto, o DNRC – Departamen-to Nacional do Registro do Comércio, por meio da Instrução Normativa nº 117/2011, definiu (item 1.2.10) que apenas as pessoas naturais, plena-mente capazes, podem constituir EIRELI. Ainda, ratificando tal disposição, o item 1.2.11 prevê expressamente que “não pode ser titular de EIRELI a pes-soa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial” (Brasil, 2011, p. indeterminada).

Outra característica, semelhante ao que ocorre com as sociedades limitadas, é que a EIRELI pode utilizar qualquer das espécies de nome em-presarial, qual seja: firma ou denominação social, acrescidas da expressão EIRELI ao final.

Por fim, e talvez a característica mais importante, a responsabilidade limitada ao capital investido e devidamente integralizado pelo titular da EIRELI. Essa regra se depreende da leitura do § 6º do art. 980-A do Código Civil, que determina a aplicação à EIRELI das regras previstas para as socie-dades limitadas, naquilo em que compatível (Brasil, 2011, p. indetermina-da). Essa era a mescla que se desejava, uma modalidade de empresário que fosse constituída por uma única pessoa, mas com limitação de responsabili-dade e facilidade na forma de constituição como ocorre com as sociedades limitadas.

Em síntese, são estas as principais características da Empresa Indivi-dual de Responsabilidade Limitada. Ocorre, todavia, que tais características estabelecidas pela nova legislação vêm causando inúmeras controvérsias

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entre os operadores do Direito e os doutrinadores e estudiosos do direito empresarial. Não obstante, a criação de um instituto que possibilitasse a limitação de responsabilidade para o exercício individual da empresa é an-seio antigo entre os doutrinadores pátrios. Nesse sentido, ainda que objeto de divergências, o novo ente, com certeza, é muito bem-vindo.

2 OS ASPECTOS CONTROvERTIDOS ACERCA DA EIRELI

Apresentadas as características fundamentais da EIRELI, conforme as disposições legais vigentes, faz-se necessário apresentar as controvérsias que delas surgem. A doutrina jurídica diverge, já que algumas das caracte-rísticas da EIRELI, supostamente, vão de encontro a conceitos estabelecidos e institutos consolidados ao longo de séculos.

Os principais aspectos controvertidos acerca da EIRELI dizem respeito às exigências feitas pelo legislador para sua constituição, especialmente no que tange ao capital mínimo a ser investido, quem pode ser seu titular e qual a sua natureza jurídica.

2.1 quem Pode ser titular de uma eireli?

Uma das questões mais problemáticas acerca do novo instituto diz respeito àqueles que podem ser titulares de uma EIRELI.

Como visto, o art. 980-A do Código Civil dispõe, em seu caput, que a EIRELI será constituída por uma única pessoa titular de todo o capital social. O DNRC, por seu turno, emitiu instrução normativa aprovando o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada23, a ser adotado pelas Juntas Comercias de todos os Estados, o qual prevê, expressamente, que apenas as pessoas físicas, maiores, capazes e livres de quaisquer impedimentos legais, podem ser titulares de uma EIRELI.

É justamente na redação da lei e da instrução normativa do DNRC que reside grande parte da controvérsia.

Há quem defenda a possibilidade de constituição da EIRELI por pes-soas jurídicas sob o argumento de que, se o texto legal não faz qualquer proibição de forma expressa, referindo-se apenas a “pessoa”, não poderiam os operadores interpretar a norma de forma a excluir algum sujeito de direi-to quando a própria norma não o faz.

23 Texto integral da Instrução Normativa nº 117/2011 do Departamento Nacional de Registro do Comércio. Disponível em: <http://www.dnrc.gov.br/Legislacao/IN%20117%202011.pdf>.

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Nesse sentido:

Com efeito, o caput do art. 980-A do Código Civil expressamente prescreve que a EIRELI “será constituída por uma única pessoa”, sem excluir as pessoas jurídicas nem restringir essa possibilidade exclusivamente às pessoas físicas. Ora, pessoa jurídica também é pessoa! (Melo, 2011, p. indeterminada)

Da mesma forma, defende-se a ideia de que adotar uma interpretação que restrinja o direito de uma pessoa jurídica constituir uma EIRELI seria afrontar o princípio constitucional da legalidade, uma vez que, se a proibi-ção não está expressa, a permissão estaria subentendida:

[...] não há impedimento legal para que uma pessoa jurídica titularize o ca-pital social de uma EIRELI e, sob o primado de uma ordem jurídica liberal, afirma-se que o que não está proibido ou ordenado é permitido. Esta leitura decorre diretamente do princípio da legalidade, consagrado no art. 5º, II, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (Lupi; Schlosser, 2012, p. indeterminada)

Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 409) também entende que a EIRELI, para ele uma sociedade limitada unipessoal24, pode ser constituída tanto por sócio único pessoa física como jurídica.

No mesmo sentido, sustenta-se que a intenção do legislador, com a publicação da Lei nº 12.441/2011, teria sido justamente permitir a constitui-ção de EIRELI por pessoa jurídica, já que suprimiu da redação original dos Projetos de Lei nºs 4.605/2009 e 4.953/2009, a restrição que era expressa (Melo, 2012, p. indeterminada).

O Projeto nº 4.605/2009, de autoria do Deputado Marcos Montes, tinha por objetivo a inclusão, no Código Civil de 2002, do art. 985-A, o qual teria a seguinte redação: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade” (Brasil, 2009, p. indeterminada).

Já o Projeto nº 4.953/2009, de autoria do Deputado Eduardo Sciarra, intencionava a inclusão do art. 980-A no Código Civil de 2002, com a se-guinte redação: “Qualquer pessoa física que atenda ao disposto no art. 972,

24 Para Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 409), a EIRELI deve ser considerada como uma sociedade limitada unipessoal. Sustenta que a interpretação sistemática do direito positivo conduz à conclusão de que não se trata de nova espécie de pessoa jurídica, mas do nomen juris dado à sociedade limitada unipessoal. Tratar- -se-á melhor da natureza jurídica da EIRELI no item 3.3 deste artigo.

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que exerça ou deseje exercer, profissionalmente, a atividade de empresário, poderá constituir Empreendimento Individual de Responsabilidade Limita-da” (Brasil, 2009, p. indeterminada).

Assim, já que suprimidos os termos “natural” e “física” que acompa-nhavam a “pessoa”, na redação original dos projetos de lei, a intenção do legislador só poderia ser permitir que a EIRELI fosse constituída também por pessoas jurídicas (Rivas, 2012, p. indeterminada).

Outro argumento apresentado por aqueles que defendem a possibi-lidade de a pessoa jurídica ser titular de EIRELI é a facilitação da instalação e do funcionamento de sociedades empresárias estrangeiras no País, como forma de aquecer a economia nacional:

Fundamental mencionar que a possibilidade de constituição de EIRELI por pessoas jurídicas vai facilitar de sobremaneira a instalação de sociedades estrangeiras no Brasil. Estas, ao consultarem advogados brasileiros sobre os procedimentos necessários ao início do desenvolvimento de suas atividades no país, invariavelmente surpreendem-se com a quantidade e complexidade dos procedimentos, sendo que dentre eles um que normalmente cria bastan-te dificuldade é justamente a necessidade de indicação de uma pluralidade de sócios na sociedade brasileira, o que muitas vezes as obriga à indicação de pessoa física com participação apenas simbólica, simplesmente para aten-der ao formalismo exigido. (Martins Filho, s.d., p. indeterminada)

Contra tal argumento, Wilges Ariana Bruscato (2012) sustenta que, embora investimentos estrangeiros sejam importantes para o desenvolvi-mento econômico do País, a EIRELI não pode servir como uma forma de burlar a legislação vigente que regulamenta a instalação e o funcionamento de sociedades estrangeiras no Brasil. Para a autora, trata-se de matéria de ordem pública antes de ser matéria de direito empresarial e, por esta razão, não pode ser superada com a criação da EIRELI.

Também com base nos textos dos projetos que deram origem à lei em comento, a autora conclui que a omissão dos termos “natural” ou “fí-sica” para definir qual o tipo de pessoa poderia constituir EIRELI teria sido acidental, haja vista que não houve qualquer justificativa para a supressão da restrição que era expressa nos textos dos projetos, ou seja, em momento algum, durante o trâmite do processo legislativo, justificou-se tal supressão no interesse de estender às pessoas jurídicas à possibilidade de constituição de EIRELI (Bruscato, 2012).

No mesmo sentido é o entendimento de Jacques Malka y Negri (2012, p. indeterminada):

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Analisado o processo legislativo, fica claro que houve lapso por parte do relator do projeto substituto, Deputado Marcelo Itagiba, e não supressão de-liberada da expressão “natural”, caso em que o parlamentar teria justificado a alteração e a sua intenção.

Esta foi também a conclusão à qual chegaram os juristas integrantes do Conselho da Justiça Federal que, em sua V Jornada de Direito Civil, ocor-rida em novembro de 2011, emitiram o Enunciado nº 46825, segundo o qual apenas as pessoas físicas podem constituir EIRELI.

Parece evidente que, antes de consolidar-se entendimento acerca da possibilidade ou não de pessoas jurídicas virem a constituir empresas indivi-duais de responsabilidade limitada, será no Judiciário que esta problemática será discutida em maior escala.

Recentemente, o Juízo da 9ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro/RJ proferiu decisão na qual deferiu, em mandado de segurança (Pro-cesso nº 0054566-71.2012.8.19.0001) impetrado em face da Junta Comer-cial daquele estado, medida liminar para que uma pessoa jurídica levasse a diante o processo de transformação de sociedade empresária em EIRELI. Trata-se de sociedade limitada composta por um sócio pessoa jurídica e um sócio pessoa física e, este último, retirou-se da sociedade. A pretensão posta em juízo era de que a sociedade limitada pudesse ser transformada em EIRELI como resultado da concentração das quotas sociais em um dos sócios, no caso o sócio pessoa jurídica. O pedido foi negado pela Junta Co-mercial do Estado do Rio de Janeiro, sob a alegação de que a transformação de uma sociedade empresária em EIRELI, no caso de inexistência superve-niente de pluralidade de sócios, é possível, desde que o sócio sobre quem se concentre a totalidade das quotas sociais seja uma pessoa física e não jurídica. O pedido liminar vertido em sede de mandado de segurança foi deferido, tendo o Juízo da 9ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro/RJ sustentado que não existe impedimento legal para que o titular da EIRELI seja uma pessoa jurídica.

Recurso de agravo de instrumento foi interposto pela ré (0016183-27.2012.8.19.0000) e este foi provido para anular a decisão agravada, mas reconhecendo a incompetência do juízo, declinando da mesma para a Jus-tiça Federal. O processo, que recebeu o nº 0008231-27.2012.4.02.5101, tramitou perante a 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Em que pese tenha sido ratificada a decisão da justiça estadual para conceder a medida limi-

25 Enunciado nº 468 do CJF: “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural” (Brasil, 2011, p. indeterminada).

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nar pleiteada, a sentença denegou a segurança sob o fundamento de que, embora no trâmite legislativo, o termo “natural” tenha sido excluído do art. 980-A do Código Civil, todo conteúdo da Lei nº 12.441/2011, que criou a EIRELI, foi engendrado para abarcar apenas a possibilidade de que seu titular fosse pessoa natural. Da decisão, não foi interposto recurso26.

Como se percebe, embora haja discussão doutrinária acerca da possi-bilidade de a pessoa jurídica ser titular de uma EIRELI, há que se considerar que, diante do posicionamento do DNRC esposado na IN 117/2011, bem como do Conselho da Justiça Federal, atualmente, ainda que na prática, prevalece o entendimento de que apenas pessoas físicas podem constituir EIRELI.

2.2 a eireli e o caPital mínimo Para sua constituição: (in)constitucionalidade da norma?

A exigência de capital mínimo para a constituição da EIRELI, em valor não inferior a 100 vezes o maior salário-mínimo vigente no País, também é controvertida.

No mínimo, é possível vislumbrar tal exigência como uma forma de trazer segurança ao instituto, já que, com a constituição da EIRELI, o em-preendedor goza de uma separação entre o patrimônio afetado ao exercício da atividade e o seu patrimônio pessoal. A exigência de um capital mínimo pode ser vista como uma forma de garantir o cumprimento das obrigações assumidas no exercício da atividade. Uma garantia para eventuais credores da EIRELI.

Em outras palavras, o estabelecimento de um capital mínimo é neces-sário para dar credibilidade ao instituto recém-criado, já que, com a cons-tituição da EIRELI, há uma autonomia patrimonial; há uma separação entre o patrimônio aplicado na atividade econômica e o patrimônio particular do titular (Pessoa, 2011).

São muitos, no entanto, os argumentos contrários à exigência imposta pelo texto legal.

Inicialmente, destaca-se que não existe, via de regra, capital mínimo estabelecido para a constituição de sociedades ou registro de empresário individual no Brasil, exigindo-se, tão somente, uma adequação do capital investido ao objeto social, motivo pelo qual a exigência feita somente para a EIRELI é questionável (Ramos, 2012, p. 43).

26 Integra da decisão pode ser visualizada em: <http://procweb.jfrj.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp>.

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Com efeito:

A nenhuma outra forma de exercício empresarial no país se faz a exigência, exceto em casos excepcionais, de um mínimo de capital. Como sustentar essa regra para a EIRELI? Isso infringe a igualdade de tratamento que deve ser dada a todos, genericamente. A desigualdade de tratamento existe, por certo, sem arrostar a isonomia nos casos em que haja, no entanto, justificativa para tanto. (Bruscato, 2011, p. 29)

Este é também o entendimento exposto na Ação Direta de Inconsti-tucionalidade nº 4.637, proposta pelo Partido Popular Socialista perante o Supremo Tribunal Federal, a qual ainda se encontra pendente de julgamen-to. Na aludida ADIn, defende-se que condicionar a constituição de uma EIRELI à integralização de um capital mínimo, sem qualquer motivo eviden-te e relevante, constituiria afronta ao princípio da isonomia, bem como ao fundamento da livre iniciativa27 expresso no art. 17028, caput, da CF/1988 (Brasil, 2011).

Segundo o partido autor da ADIn, ao estabelecer um capital no valor de 100 vezes o salário-mínimo vigente no País, o legislador acabou ferindo o princípio da igualdade. Sustenta-se que, para a constituição de uma socie-dade com sócios de responsabilidade limitada, como, por exemplo, a socie-dade limitada, não existe exigência de capital mínimo; logo, não é possível fazê-lo em relação à EIRELI, já que, segundo exposto na ação, ambas são pessoas jurídicas de idêntica feição, no que diz respeito à responsabilidade dos proprietários (Brasil, 2011).

Outro argumento contrário ao capital mínimo exigido para a constitui-ção da EIRELI diz respeito à capacidade econômica daqueles que poderiam ser beneficiados com a criação da nova figura, isto é, os pequenos empre-endedores, que, antes da criação do novo ente, ou empresariavam de forma individual, sem limitação de responsabilidade e separação de patrimônio, ou necessariamente tinham de estabelecer sociedades apenas para gozar da autonomia patrimonial e assim reduzir os riscos do empreendimento. Nesse

27 A livre iniciativa, segundo Pedro Lenza, é um dos pilares da ordem econômica ao lado da valorização do trabalho humano (Lenza, 201, p. 984). Inocêncio Mártires Coelho, citando Miguel Reale, explica que “livre iniciativa e livre concorrência são conceitos complementares, mas essencialmente distintos. A primeira não é senão a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição das riquezas, assegurando não apenas a livre escolha das profissões e das atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados mais adequados à consecução dos fins visados. Liberdade de fins e de maios informa o princípio de livre iniciativa, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta da interpretação conjugada dos citados arts. 1º e 170” (Reale, apud Mendes; Coelho; Branco, 2010, p. 1409).

28 Art. 170 da CF/1988: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]” (Brasil, 1988, p. indeterminada).

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caso, a sociedade era constituída normalmente com pessoas próximas, mas sem nenhum interesse na atividade, as quais figuravam no contrato social como titulares de percentual mínimo das quotas sociais, constituindo as chamadas sociedades de fachada, já mencionadas29.

Nesse ponto, pode-se dizer que, apesar das críticas disparadas ao novel instituto, a EIRELI mostra-se como instrumento eficaz para coibir a prática, comumente adotada no Brasil, de constituição de sociedades em que um dos sócios não tem qualquer participação na gestão do empreendi-mento, formada com o único objetivo de limitar a responsabilidade do em-presário que, na prática, exerce a empresa individualmente (Ramos, 2012, p. 40-41).

Por essa razão é que, uma vez sendo o objetivo da criação da EIRELI estimular o exercício de atividade empresária, especialmente por pequenos empreendedores, o valor de 100 (cem) vezes o salário-mínimo mostra-se desproporcional. Isso porque grande parte dos empreendedores que podem se enquadrar na EIRELI iniciam suas atividades com capital bastante inferior. Afirma-se que o capital mínimo estabelecido pelo legislador está longe da realidade dos pequenos empreendedores brasileiros e caracteriza desres-peito ao princípio da livre iniciativa. Assim, o legislador pátrio não teria las-treado a fixação deste valor em estudos sobre a capacidade econômico-fi-nanceira dos prováveis interessados nesta espécie societária (Pessoa, 2011).

Estes são também os argumentos que embasam a justificativa do Pro-jeto de Lei nº 2.468/2011, de autoria do Deputado Carlos Bezerra. Segundo o parlamentar, a exigência feita pelo legislador retira dos pequenos empre-endedores a possibilidade de constituição de uma EIRELI, haja vista que o valor exigido na Lei nº 12.441/2011 supera significativamente o valor ge-ralmente empregado para a constituição das pequenas empresas. Por essa razão, o aludido projeto tem como um de seus objetivos alterar o art. 980-A do Código Civil, para reduzir, de 100 para 50 salários-mínimos, o capital mínimo exigido para a constituição de uma EIRELI (Brasil, 2011).

Seguindo mesmo entendimento:

29 A existência das chamadas “sociedades de fachada” é conhecida desde há muito não apenas pela doutrina, mas também pela jurisprudência de nossos tribunais. O reconhecimento desta situação se faz relevante tanto para que possa coibir tal prática quanto para proteger o indivíduo que, comprovadamente, jamais exerceu qualquer poder de administração sobre a sociedade da responsabilização pelos atos praticados individualmente pelo sócio detentor da quase totalidade das quotas sociais. A título de exemplo: “Execução fiscal. É aparente a sociedade em que a imensa maioria das quotas pertence a uma só pessoa física. Situação que mascara a atividade de um comerciante em nome individual. Indeferimento do pedido de penhora sobre bens do ‘sócio de fachada’. Decisão acertada, porque de acordo com a realidade fática. Agravo improvido” (TJRS, AI 591020177, 1ª C.Cív., Rel. José Vellinho de Lacerda, J. 21.05.1991).

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Deveria ser desnecessário dizê-lo, mas tal matéria não poderia jamais ser objeto de decisão arbitrária, sob pena de frustrar o objetivo mesmo da nor-ma e malferir a Constituição. O número 100, ninguém negará, soa bem aos ouvidos, mas isso não deveria bastar para inseri-lo em texto legal. Se, de fato, sua eleição foi desacompanhada de qualquer embasamento técnico, é possível demonstrar-se, inclusive mediante a colheita de dados estatísticos e indicações de direito comparado, a inconstitucionalidade decorrente da violação aos princípios da isonomia e da razoabilidade. Por que se negar ao cidadão que disponha de 50 salários-mínimos o direito de constituir uma EIRELI, quando em Portugal é assaz inferior o montante necessário para fazê--lo, e no Chile sequer existe exigência dessa espécie (como, aliás, previa o texto primitivo do PL), é questão cuja resposta, se desprovida de fundamen-tos sólidos, atesta a contrariedade aos supracitados princípios. (Nadu, s.d., p. indeterminada)

A exclusão de grande parte dos empreendedores do país com a exi-gência de capital mínimo alto é também argumento da ADIn 4.637, já que o objetivo primordial da norma recém-criada é fomentar o desenvolvimento econômico e social do país. Sustenta-se que tal objetivo está sendo prejudi-cado, na medida em que a legislação retira de pequenos empreendedores a possibilidade de lançarem-se no mercado econômico de forma, regular, saindo, portanto, da informalidade (Brasil, 2011, p. indeterminada).

Corroborando o entendimento acima, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa (2011, p. indeterminada) afirma que

[...] a crítica que se faz é que o capital mínimo exigido de tal sociedade deixa à margem uma parcela substancial dos microempresários pátrios, os quais continuarão dentro do regime geral de responsabilidade patrimonial pessoal (e do risco correspondente), sem acesso ao patrimônio separado que veio a ser criado para a EIRELI, a não ser por alguma fuga para mecanismo como o da constituição de uma sociedade limitada com outro sócio, este detentor de mínima expressão do capital social. Mas tal recurso, muito utilizado, apre-senta custos que o microempresário dificilmente poderá suportar.

Ainda, deve-se considerar que a vinculação do salário-mínimo para qualquer fim é expressamente vedada pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 7º, IV30. Nesse passo, ainda que se considere possível, ou até mesmo necessária, a exigência de um capital mínimo para a constituição de

30 Art. 7º da CF/1988: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] IV – salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; [...]” (Brasil, 1988, p. indeterminada).

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uma EIRELI, este capital, em regra, não poderia ser calculado com base no salário-mínimo31.

Seguindo tal raciocínio e por entender que a parte final do art. 980-A do Código Civil de 200232 fere o disposto no art. 7º, IV, da Constitui-ção Federal, entre os argumentos utilizados na ADIn 4.637 está o fato de que o constituinte, com o objetivo de evitar que os reajustes periódicos do salário-mínimo, que visam à preservação de seu poder aquisitivo, sofram influências de interesses diversos daqueles previstos na Constituição, vedou expressamente a vinculação do salário-mínimo para qualquer finalidade (Brasil, 2011, p. indeterminada).

Ainda, considerando a oscilação que o reajuste do salário pode im-plicar, a I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em outubro de 2012, no STJ, definiu, por meio do Enunciado nº 4, que, “uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência de-corrente de ulteriores alterações no salário mínimo”.

Não obstante os argumentos contrários e a ADIn pendente de jul-gamento, vige hoje a exigência de capital mínimo para a constituição da EIRELI, fixada com base no salário-mínimo nacional vigente na época da constituição.

2.3 eireli: emPresário individual, sociedade emPresária uniPessoal ou um tiPo sui generis de emPresário?

O legislador batizou o novo instituto de Empresa Individual de Res-ponsabilidade Limitada. Em primeiro lugar, há que se considerar que resta consagrado na legislação, na doutrina e na jurisprudência que empresa é uma atividade exercida pelo empresário e não uma pessoa, um sujeito de direitos (Moraes, 2010, p. 40). Diante disso, a primeira crítica feita ao legis-

31 O STF já firmou entendimento em diversos julgados no sentido de que é proibida a vinculação do salário mínimo para qualquer finalidade: “Dano moral. Fixação de indenização com vinculação a salário-mínimo. Vedação constitucional. Art. 7º, IV, da Carta Magna. O Plenário desta Corte, ao julgar, em 01.10.1997, a ADIn 1425, firmou o entendimento de que, ao estabelecer o art. 7º, IV, da Constituição que é vedada a vinculação ao salário-mínimo para qualquer fim, ‘quis evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado’. No caso, a indenização por dano moral foi fixada em 500 salários-mínimos para que, inequivocamente, o valor do salário-mínimo a que essa indenização está vinculado atue como fator de atualização desta, o que é vedado pelo citado dispositivo constitucional. Outros precedentes desta Corte quanto à vedação da vinculação em causa. Recurso extraordinário conhecido e provido”.

32 Art. 980-A do CCB: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País” (Brasil, 2002, paginação indeterminada).

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lador infraconstitucional acerca da natureza jurídica da EIRELI diz respeito a sua falta de técnica para dar nome ao instituto recém-criado, chamando de empresa uma espécie de empresário (Ramos, 2012).

Ora, se empresa é uma atividade e não um sujeito de direitos, a falha técnica legislativa contribui para a compreensão inadequada que comu-mente se faz da empresa, ou seja, confundindo-a com a própria pessoa jurí-dica ou ainda com o estabelecimento empresarial. Por essa razão, a crítica vem no sentido de que a terminologia mais adequada seria empresário, e não empresa.

Nominada de forma equivocada ou não, uma figura jurídica capaz de conferir a possibilidade de exercício da empresa por uma só pessoa física com separação de patrimônio e limitação de responsabilidade é, como já dito, desejo antigo da doutrina brasileira. Como exemplo, é possível citar o projeto de Lei nº 201, de 194733, apresentado pelo então Deputado Fausto de Freitas e Castro, o qual dispunha, em seu art. 1º, que “qualquer pessoa capaz de exercer o comércio poderá constituir emprêsa em nome individual limitando a sua responsabilidade pelos negócios da mesma, ao valor do capital declarado” (Martins Filho, 1950, p. 64-66).

Antônio Martins Filho, em cuja obra Limitação da responsabilidade do comerciante individual analisa o aludido projeto de lei, afirmava:

A emprêsa individual de responsabilidade limitada, constituindo a última fase do processo evolutivo da limitação dos riscos, é insistentemente recla-mada pelos agentes da atividade econômica dos novos tempos. Recusando-a de direito, não evitará o legislador a existência de fato dêsse tipo de emprêsa, que passa a funcionar sob forma de sociedade fictícia ou unipessoal. (Martins Filho, 1950, p. 9)

Já naquela época, ainda sob a vigência do Código Comercial de 1850 e do Código Civil de 1916, o autor ressaltava a importância da limitação de responsabilidade daquele que era conhecido como comerciante individual (hoje empresário individual), bem como reconhecia a existência de socie-dades constituídas apenas formalmente para o fim de aquisição de persona-lidade jurídica própria e separação de patrimônio, a partir do que concluía que apenas a criação da empresa individual de responsabilidade limitada

33 Projeto de Lei nº 201, de 1947, anexo à obra Limitação da responsabilidade do comerciante individual: MARTINS FILHO, Antônio. Anais do Congresso Jurídico Nacional Comemorativo do Cinquentenário da Faculdade de Direito de Porto Alegre. Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre, Porto Alegre: URGS, maio 1950.

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seria capaz de acabar com tal prática tão comum no Brasil (Martins Filho, 1950).

Em 2005, Wilges Ariana Bruscato também assinalava a importân-cia do exercício individual da empresa com limitação de responsabilidade como forma eficaz de fomento da economia:

Já que o modus vivendi de nossa sociedade atual baseia-se em resultados econômicos, é relevante acenar com contribuições para o desenvolvimento da atividade empresarial feita de maneira singular, como forma de incentivar as pequenas iniciativas que, num sistema de colmeia, representam a agre-gação de valores sociais importantes, como o emprego, o recolhimento de tributo, a disseminação tecnológica, entre outros, ou seja, o favorecimento de pequenas iniciativas que aquecem a economia. (Bruscato, 2005, p. 75)

No mesmo sentido, Felipe Ferreira Machado Moraes (2010, p. 37-38) sustenta a necessidade de limitação da responsabilidade do empresário in-dividual como forma de cumprir os objetivos do Estado Democrático de Direito, tais como expressos na própria Constituição Federal de 1988:

Em um Estado Democrático de Direito, em que a própria Constituição da República contempla dispositivos que pregam o desenvolvimento nacional, a livre iniciativa e inclusive o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, não parece prosperar o entendimento de que o empresário individual deve ter sua responsabilidade ilimitada, respondendo com a totalidade de seu patrimônio particular (civil) por eventuais insucessos de seu empreendi-mento.

O anseio pela limitação da responsabilidade no exercício individual da empresa entre os doutrinadores pátrios baseava-se, frequentemente, na experiência de outros países que regulamentaram, em sua ordem interna, diversas formas de possibilitar a limitação de responsabilidade daquele que deseja empresariar individualmente.

Na Alemanha, como visto, surgiu o primeiro modelo de sociedade por quotas de responsabilidade limitada em 1892. Em 1981, quase um sé-culo depois, entra em vigor a lei que alterou a legislação das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada para introduzir no ordenamen-to jurídico alemão a Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada Unipessoal. Passou-se, então, a permitir a constituição de Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada por apenas uma pessoa (física ou ju-rídica) (Abrão, 2000, p. 6).

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Também na França, após a regulamentação das sociedades por quo-tas de responsabilidade limitada, foi introduzida a limitada unipessoal em 1985, permitindo, igualmente, a constituição de sociedades unipessoais (Abrão, 2000, p. 12).

Já em Portugal, existem duas possibilidades para o exercício indivi-dual da empresa. Em 1986, o Decreto-Lei nº 248/1986 criou a figura do Es-tabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada – EIRL. Trata-se de figura não dotada de personalidade jurídica, constituída através de um pa-trimônio de afetação, por meio do qual uma pessoa física explora uma ativi-dade econômica empresarial. Para a constituição de um EIRL, é necessário o investimento mínimo de € 5.000 (cinco mil euros). Já a segunda forma de empresariar individualmente em Portugal, com separação patrimonial e limitação de responsabilidade, foi regulamentada 10 anos após o EIRL, por meio do Decreto-Lei nº 257/1996: a Sociedade Unipessoal por Quotas. Tal sociedade é constituída por uma só pessoa (física ou jurídica) titular de todo o capital social e cuja responsabilidade está limitada ao capital investido, sendo este livremente fixado pelo sócio, ou seja, não há exigência de capital mínimo para a SUQ, ao contrário do que ocorre com o EIRL34.

Na experiência brasileira, entretanto, até a edição da Lei nº 12.441/2011, não havia possibilidade de exercer uma atividade econô-mica organizada de forma individual sem o comprometimento da totalidade do patrimônio do empresário. A sociedade unipessoal, admitida em países europeus desde meados de 1980, somente era permitida no Brasil em duas hipóteses excepcionais, quais sejam: a subsidiária integral, prevista na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976)35, e a unipessoalidade tem-porária da sociedade pelo prazo de cento e oitenta dias, conforme dispõe o art. 1.033, IV36, do Código Civil.

Assim, no Brasil, após anos de discussão doutrinária e de entendi-mento quanto à necessidade de criação de um instituto que viabilizasse o exercício da empresa de forma individual sem que isso acarretasse necessá-rio risco ao patrimônio pessoal do empresário, o legislador infraconstitucio-

34 Informações disponíveis em: <http://www.portugalglobal.pt/PT/InvestirPortugal/guiadoinvestidor/Criareinstalar/ Paginas/TiposSociedadesComerciais.aspx>.

35 Art. 251 da LSA: “A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira. § 1º A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o art. 8º, respondendo nos termos do § 6º do art. 8º e do art. 10 e seu parágrafo único. § 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do art. 252”.

36 Art. 1.033 do CCB: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: [...] IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; [...]”.

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nal consagrou a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, a EIRELI.

Quando inserida no ordenamento jurídico, a EIRELI gerou controvér-sias acerca da sua natureza jurídica. Há que diga tratar-se de empresário in-dividual; por outro lado, há que afirme tratar-se de uma sociedade limitada unipessoal. No entanto, há também uma terceira corrente que afirma ser a EIRELI uma nova espécie de pessoa jurídica, um ente distinto do empresário individual e das sociedades empresárias.

A corrente menos expressiva considera a EIRELI uma nova modali-dade de empresário individual, ou seja, um empresário individual de res-ponsabilidade limitada. Para tal corrente, o empresário individual até então conhecido, aquele que é pessoa física, permanece existindo, passando a existir o empresário individual, pessoa jurídica.

Nesse sentido:

Apesar de ser uma pessoa jurídica, a EIRELI não é uma sociedade empresária, mas sim uma forma diferenciada de constituição de empresário individual (que, ao contrário daquela, é pessoa natural). (Cardoso, 2012, p. indetermi-nada)

Outra corrente, mais expressiva, é a capitaneada por Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 409), para quem a EIRELI é uma sociedade empresária, definindo-a como uma sociedade limitada unipessoal, na qual apenas uma pessoa (física ou jurídica, no entender do autor) será titular da totalidade das quotas sociais. O autor salienta que o § 6º do art. 980-A do Código Civil per-mite concluir que a EIRELI é espécie de sociedade limitada, pois se submete às regras deste tipo societário.

Da mesma forma, Gustavo de Alvarenga Batista (2012) define: “Em termos práticos, a EIRELI possibilita que um empresário, pessoa natural, constitua uma sociedade unipessoal, na qual fica sua responsabilidade atre-lada ao valor do capital por ele integralizado”.

Já André Luiz Santa Cruz Ramos (2012) entende que o legislador criou uma nova figura jurídica distinta da sociedade empresária e do empresário individual, mas com características semelhantes a ambos. No entanto, o au-tor entende que foi um equívoco a criação de um novo tipo de pessoa jurí-dica. Sustenta que o legislador poderia tão somente ter consagrado o empre-sário individual de responsabilidade limitada, que continuaria sendo uma pessoa física, mas gozando da separação entre o seu patrimônio pessoal e aquele afetado ao exercício da atividade econômica, ou ainda consagrado

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efetivamente a sociedade empresária unipessoal, bastando, para tanto, in-cluir, entre as espécies de sociedades já existentes, a sociedade constituída por um único sócio titular de todas as quotas. Em qualquer dos casos, a inserção feita no art. 44 do Código Civil seria desnecessária.

Do mesmo entendimento compartilha Wilges Ariana Bruscato (2011, p. 10), que afirma que, acaso a EIRELI fosse uma sociedade unipessoal, não haveria necessidade de inclusão do instituto no inciso VI do art. 44 do Có-digo Civil, já que as sociedades já estão previstas no inciso II do mesmo dispositivo. Da forma como posta, não existe sociedade, e sim um tipo sui generis no direito pátrio. Ainda, afirma-se que

a EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária, ao contrário do que muitos ainda defendem, mas trata-se de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado, que também se destina ao exercício da empresa. Tanto que a Lei nº 12.441/2011 incluiu “as empresas individuais de responsa-bilidade limitada” no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do Código Civil (inciso VI). Ademais, a Lei nº 12.441/2011, ao inserir no Códi-go Civil o art. 980-A, teve o cuidado de, topograficamente, também criar um novo título (Título I-A: “Da Empresa Individual de Responsabilidade Limita-da”), situa do entre os Títulos I e II, que tratam, respectivamente, do empresário individual e das sociedades empresárias. (Pinheiro, 2011, p. indeterminada)

Não obstante os variados entendimentos, há uma tendência de que a EIRELI seja efetivamente compreendida como uma nova espécie de pessoa jurídica, não se tratando de empresário individual, tampouco de sociedade empresária, ainda que unipessoal. Tanto é assim que, na já mencionada I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado nº 3 com a seguinte redação: “A Empresa Individual de Res-ponsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária”, o qual seguia a mesma linha do Enunciado nº 46937 da V Jornada de Direito Civil, que afirma que a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado.

2.4 a eireli e o Projeto de novo código comercial: extinção do instituto e criação de novas figuras?

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.572/2011 que visa à instituição de um novo Código Comercial, com a consequente revo-

37 Enunciado nº 469 do CJF: Arts. 44 e 980-A. “A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado”.

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gação de diversos dispositivos do atual Código Civil, bem como de legisla-ções esparsas.

O projeto, apresentado pelo Deputado Vicente Cândido, baseado em minuta elaborada por Fábio Ulhoa Coelho, na obra O futuro do direito co-mercial, tem como uma de suas justificativas “a sistematização, revisão, aperfeiçoamento e modernização da disciplina jurídica do estabelecimento empresarial, do comércio eletrônico, da concorrência desleal, das condutas parasitárias, da escrituração mercantil, do exercício individual da empresa e da sociedade unipessoal” (Brasil, 2011, p. 118).

Dito projeto não traz em seu texto referência expressa ao instituto recém-criado: a EIRELI. No entanto, consagra duas figuras que merecem especial atenção: são elas o empresário individual em regime fiduciário e a sociedade limitada unipessoal38.

O empresário individual, tal como é conhecido atualmente, não dei-xa de existir na redação do projeto de NCCom, sendo disciplinado entre os arts. 14 a 32 do projeto de lei. No que tange às suas características es-senciais, o empresário individual permanece sendo pessoa física que exer-ce singularmente uma empresa, sem limitação de responsabilidade, não se submetendo ao princípio da autonomia patrimonial.

Entretanto, além do empresário individual até o momento conhecido, o novo Código Comercial visa a instituir outras duas formas de exercício individual da empresa, como já dito, as quais possibilitam a separação de patrimônio e limitação de responsabilidade do empreendedor: o empresá-rio individual que exerce a empresa em regime fiduciário39 e a sociedade limitada unipessoal.

Da leitura do projeto, infere-se que o empresário individual, ao re-querer o seu registro como empresário, junto ao órgão competente, poderá fazer uma declaração na qual conste que o exercício da empresa dar-se-

38 Na verdade, há que se pontuar que o projeto de lei está baseado em texto do jurista Fábio Ulhoa Coelho, o qual entende que a EIRELI é uma sociedade limitada unipessoal e não uma nova espécie de pessoa jurídica. Esse é o fato pelo qual não está ela prevista, nesse formato, no referido projeto.

39 A fidúcia tem origem no direito romano. Tal instituto caracteriza-se pela confiança e boa-fé existentes entre fiduciante e fiduciário. A propriedade fiduciária, por sua vez, caracteriza-se quando determinado bem, ou conjunto de bens, é destinado à garantia de certo(s) credor(es), ou seja, os bens constituídos como propriedade fiduciária de destinam à garantia do cumprimento de determinadas obrigações do fiduciário perante o fiduciante, não podendo ser objeto de expropriação para o adimplemento das obrigações pessoais do fiduciário (Restiffe Neto; Restiffe, 2000). Segundo o Código Civil de 2002, em seu art. 1.361, “considera-se propriedade fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”. Para maior aprofundamento acerca do tema, vide: SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

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-á em regime fiduciário. Com a referida declaração, o empresário deverá constituir um patrimônio relacionado à atividade empresarial que pretende exercer absolutamente separado de seu patrimônio pessoal.

Assim, uma vez cumpridos os requisitos, o empresário individual des-sa modalidade (que continuaria sendo pessoa física) não poderia ter seu patrimônio pessoal expropriado para o cumprimento das obrigações assu-midas no exercício da atividade, salvo se, conforme dispõe o § 2º do art. 32 do NCCom, se tratarem de obrigações de natureza trabalhista e tributária, relacionadas ou não com a empresa. Trata-se, pois, do estabelecimento de um patrimônio de afetação que serviria de garantia aos credores do empre-sário individual, em vez da totalidade do seu patrimônio.

A outra forma de exercício singular da empresa, proposto pelo projeto em comento, é a constituição de uma sociedade limitada unipessoal. Ao tratar das sociedades em espécie, o projeto prevê a existência de cinco tipos societários (sociedade anônima, sociedade limitada, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações), todos os tipos já conhecidos e previstos no atual Código Civil.

A novidade é uma pequena alteração feita no âmbito das sociedades limitadas para, no art. 192, dispor que “a sociedade limitada será consti-tuída por um ou mais sócios”, ou seja, retira da definição de sociedade a pluralidade dos sócios.

Todavia, algumas considerações devem ser feitas acerca do projeto em questão no que tange a sua relação com o instituto ora estudado.

Conforme já referido, a limitação de responsabilidade do empresário individual era esperada pela doutrina pátria há muito tempo, e a EIRELI foi a opção legislativa encontrada para dar resposta aos anseios existentes.

Com críticas ou não, fato é que a EIRELI, hoje majoritariamente con-siderada como uma nova espécie de pessoa jurídica, concebe a limitação de responsabilidade no exercício individual da empresa e, desde o início de sua vigência, as estatísticas mostram que esta nova forma de exercer a empresa vem crescendo em todo o País. Só em São Paulo, nos primeiros três meses de sua existência, a EIRELI já representava mais de 4% do total de registros realizados, conforme informação publicada pela Junta Comercial do daquele Estado40.

40 Para maiores informações e dados estatísticos, vide: http://www.jucesp.fazenda.sp.gov.br/.

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Nesse passo, cumpre questionar qual será o futuro da EIRELI se o Pro-jeto de Lei nº 1.572/2011 vier a ser aprovado. O que fazer com as EIRELIs já existentes ao tempo da publicação do novo Código Comercial? Será neces-sária a criação de regras de transição ou os titulares de EIRELI simplesmente serão obrigados a requerer sua transformação, perante as Juntas Comercias, para uma das duas modalidades criadas pelo novo Código?

Certo é que o projeto de Novo Código Comercial contempla, de certa forma, a EIRELI, mas colocando-a definitivamente como uma espécie de sociedade limitada: a sociedade limitada unipessoal. No entanto, ao propor um projeto, é necessário fazer uma análise do impacto que as alterações provocarão, sob pena de a nova lei, em vez de pacificar entendimentos e unificar tratamento, acabar acarretando um caos inicial, comprometendo sua própria legitimidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A limitação de responsabilidade no exercício individual da empresa é tema recorrente na doutrina brasileira e desejo antigo dos empreendedores. Até a consagração da EIRELI, por meio da Lei nº 12.441/2011, tal limitação não era possível no exercício individual da empresa, como já amplamen-te debatido e demonstrado. Com a criação da EIRELI, o legislador pátrio apresenta aos empreendedores brasileiros uma nova possibilidade para empresariar, sem a necessidade de constituição de sociedades de fachada ou eventual comprometimento da totalidade do patrimônio pessoal do em-preendedor.

Percebe-se, contudo, que as controvérsias existentes em torno da EIRELI ainda são muitas. Mas algumas coisas podem-se dizer certas. Pri-meiro, se a EIRELI veio efetivamente para privilegiar os pequenos e médios empreendedores, não se vê razão plausível para que ela seja constituída por titular pessoa jurídica. Beneficiar sociedades estrangeiras é um argumento fraco para fazer esta defesa.

Segundo, do ponto de vista da garantia dos credores, a exigência de um capital mínimo tem razão de ser, principalmente levando em conta que, até então, os empresários individuais respondiam com a totalidade do seu patrimônio. Todavia, considerando que não há exigência nesse sentido para as demais espécies de empresários, de fato, fere-se o princípio da igualdade de tratamento. Ainda em relação ao capital mínimo, se o objetivo do legis-lador era beneficiar pequenos e médios empreendedores, o mínimo estabe-lecido em 100 vezes o salário-mínimo nacional é bastante alto. Talvez uma

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adequação do montante fosse interessante para o atingimento dos objetivos do novel instituto.

Em relação à natureza jurídica, compreender a EIRELI como uma nova espécie de pessoa jurídica é certamente o melhor caminho, ainda que isso possa parecer estranho, já que se está diante de uma pessoa jurídica constituída de uma única pessoa. Afinal, partindo dessa premissa, não seria necessário relativizar o conceito de sociedade, que exige pluralidade de sócios, tampouco seria necessário pensar um empresário individual, pessoa física, que pudesse ser titular de dois patrimônios autônomos: o pessoal e o de afetação.

Em derradeira análise, no que diz respeito ao Projeto de novo Código Comercial, cabe apenas ressaltar que eventual aprovação deverá levar em consideração o fato de que, como visto, desde a entrada em vigor da Lei nº 12.441/2011, a procura dos empreendedores por esta modalidade de exercício da empresa tem sido grande. Contudo, o projeto de lei não traz qualquer menção ao instituto. Assim, dever-se-á ter uma preocupação com a transição, não se podendo ignorar a existência destes sujeitos de direito sem estabelecer qual será o seu destino. Mal se consagram institutos no Bra-sil, e novamente se pretendem alterações legislativas. Assim não se chega à maturidade.

Por hora, ainda que com questões controvertidas, há uma unanimida-de doutrinária de que a EIRELI é bem-vinda, não apenas porque oriunda de pleitos antigos, mas também porque apresenta uma nova possibilidade para quem pretende empresariar no Brasil, de modo que há grande expectativa no sentido de que o Poder Judiciário seja capaz de dirimir as controvérsias existentes, causadas, basicamente, por falhas do legislador, permitindo uma ampla utilização do novo instituto, especialmente por aqueles que, ao que parece, se tentou beneficiar: os pequenos e médios empreendedores brasi-leiros.

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Parte Geral – Doutrina

Investimento Direto Estrangeiro e Sustentabilidade: Interação, Efetividade e Impacto de Políticas Ambientais no Fluxo de Capital Externo1

VINICIUS DINIZ VIZZOTTOMestre em Direito Internacional Econômico pela UFRGS, LL.M em Análise Econômica do Direi-to (Bologna/Ghent/Hamburgo), Especialista em Direito Internacional pela UFRGS, Advogado.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo estabelecer os fundamentos conceituais e práticos do investimento direto estrangeiro e bem assim os da sustentabilidade, verificando, por meio de pesquisa bibliográfica e empírica, as possibilidades de vincular o nível de regulação ambiental de determinado país com o fluxo de investimento direto estrangeiro. O primeiro capítulo é mais teórico e estabelece as bases de ambos os institutos, verificando pontos de tensão e conjunção. O segundo capítulo, após traçar os fundamentos de direito regulatório, analisa diferentes cenários regulatórios na esfera ambiental e sua relação com o fluxo de investimento direto estrangeiro, a fim de testar o que a teoria regulatória refere em termos de fluxo de investimento.

PALAVRAS-CHAVE: Investimento direto estrangeiro; regulação ambiental; sustentabilidade.

ABSTRACT: The present article has as its core objective to establish the conceptual and practical foundations of foreign direct investment as well as of sustainability, verifying throughout bibliographic and empirical research the possibilities of linking the level of environmental regulation on a given tar-get country to the flow of foreign direct investment. First chapter is more theoretical and establishes the foundations of both institutes, verifying points of tension and confluence. Second chapter after establishing the foundation of regulatory law, analyzes different regulatory scenarios on the environ-mental sphere and its relationship with the foreign direct investment inflow, in order to test what regulatory theory predicts in terms of capital flow.

KEYWORDS: Foreign direct investment; environmental regulation; sustainability.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Investimento direto estrangeiro; 1.1 Fundamentos econômicos, políticos e legais;1.2 Investimento estrangeiro direto e sustentabilidade; 2 Competição regulatória na área am-biental: possibilidade de união entre IDE e sustentabilidade?; 2.1 Fundamentos do direito da regulação; 2.2 Regulamentação ambiental e fluxo de investimento direto externo; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Jorge Madeira Nogueira2, em palestra realizada em Brasília, referiu que “as conseqüências econômicas do incremento do comércio e do in-vestimento externos em decorrência de uma maior integração econômica

1 Artigo apresentado como requisito para avaliação em cadeira versando sobre Direito do Comércio Internacional (2012), ministrada pelo Professor Fábio Morosini, na UFRGS. Matéria integrante do Mestrado em Direito da mencionada universidade, título acadêmico que foi obtido pelo autor em 2013. Os endereços das páginas eletrônicas foram revisitados para confirmar a acessibilidade dos links.

2 Nogueira, 2008.

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entre países é um tema presente na agenda dos estudiosos da Economia há décadas”. Na mesma esteira, refere que a interface “meio ambiente” e “setor externo” tem sido um dos mais desafiadores tópicos de pesquisa econômica desde o início da década passada. Existe, em realidade, um debate entre aqueles que são a favor e os que são contra a tese de incompatibilidade entre aumento do comércio e manutenção de um padrão de desenvolvi-mento econômico e ambientalmente sustentável. Amplia-se o espectro da tese quando se analisa a eventual incompatibilidade entre o movimento do capital financeiro internacional e do investimento direto estrangeiro com a sustentabilidade, tópico central deste artigo.

Assim, a interface “meio ambiente” e “setor externo” envolve, tam-bém, segundo o autor, a possibilidade de uso de restrições comerciais (re-gime de comércio internacional) para impor objetivos ambientais (regime ambiental internacional). O autor refere que, para que se tenha uma com-preensão do tema, devem ser considerados 4 aspectos: i) efeitos do incre-mento do comércio internacional sobre meio ambiente e recursos naturais; ii) distribuição espacial do IDE – concorrência regulatória; iii) certificação ambiental (barreira não tarifária ou projeto de sociedade internacional?) e iv) análise econômica dos acordos ambientais internacionais.

Veja-se que a situação é premente e envolve as discussões mais atuais sobre o tema. O ministro do Meio Ambiente indiano, por exemplo, referiu que o nível de investimento direto estrangeiro decaiu em seu país, devido ao nível de regulações ambientais da Índia, que foram reforçados3.

O presente artigo tem dois questionamentos principais, quais sejam: a) É possível conjugar desenvolvimento sustentável (em especial a parte re-ferente a progresso ambiental) e investimento direto estrangeiro? Em caso positivo, como? e b) Qual o impacto de regulamentações ambientais no fluxo de capital estrangeiro em determinado país? O primeiro capítulo é mais teórico e estabelece as bases de ambos os institutos, verificando pon-

3 Seguem trechos da notícia, no original: “While India hardsells itself at Davos as a favoured destination among emerging economies like China, Brazil, Mexico and Indonesia among others, environment minister Jairam Ramesh’s ‘environment sensitive policies’ seem to be driving foreign direct investments (FDI) away from the country. At least this is what the Reserve Bank of India (RBI) suggests in its quarterly review of economy released on Monday as one of the key factors affecting ‘investors sentiment’. The central bank recorded an ‘almost 36%’ dip in inward FDI during the first-half (April-September 2010) of the current fiscal. […] The Reserve Bank, in its report, pointed out that inward FDI during this period stood at only about $12.6 billion as against $19.8 billion inward flow witnessed during the same period last fiscal. That it was not a global phenomenon is borne out of the fact that FDI inflow into other emerging economies during this period was up in the range of 6-53%. ‘Net FDI flows to India declined by almost 36%, year-on year, during April-September 2010. According to the latest estimates of UNCTAD (January 2011), FDI flows to major EMEs like China, Brazil, Mexico and Thailand recorded increases in the range of 6-53% in 2010. Notably, Indonesia recorded about a three-fold rise in FDI inflows’, says the chapter on External Economy. […]”. (Reserve Bank of India Jairam’s policies for FDI dip. Disponível em: <http://www.indianexpress.com/news/rbi-blames-jairams-policies-for-fdi-dip/742560/>. Acesso em: 11 mar. 2015.

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tos de tensão e conjunção. O segundo capítulo analisa diferentes cenários regulatórios na esfera ambiental e sua relação com o fluxo de investimento direto estrangeiro, a fim de testar o que a teoria regulatória refere em termos de fluxo de investimento.

1 INvESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO

1.1 fundamentos econômicos, Políticos e legais

Entre os fundamentos econômicos do investimento direto estrangeiro, podemos referir os seguintes: a) considerado como importante fator para o desenvolvimento econômico; b) traz a tecnologia necessária, expertise e recursos financeiros para economias em desenvolvimento; c) o investimento direto estrangeiro pode oferecer oportunidades para melhoria da capacida-de dos países em desenvolvimento aumentar sua capacidade de exportação ocasionada pelo livre-comércio e mercados abertos (Gray, 2002).

Ainda em termos econômicos, ele pode, potencialmente, trazer dois grandes tipos de benefício econômico: a) crescimento econômico (alavan-cado pelo aumento na renda, no nível de emprego local, taxa de câmbio, distribuição de renda) e b) aumento das capacidades produtivas (transferên-cia de tecnologia, spillovers em relação a fornecedores locais e subcontra-tados; externalidades (positivas), tais como efeitos de aglomeração; estímulo do investimento doméstico; aumento na produtividade de empresas domés-ticas; aumento na integração de mercados globais; diminuição dos custos e aumento das taxas de pesquisa e desenvolvimento (R&D) e inovação.

Toda e qualquer opção política bem como instituto pode trazer pon-tos positivos e/ou negativos para uma determinada economia. Tudo depen-de do contexto e do nível regulatório em que são desenvolvidas. Assim, para os otimistas, o investimento direto estrangeiro traz a) crescimento da economia; b) renda e empregos; c) transferência de tecnologia, podendo se configurar como lead driver para o desenvolvimento sustentável. Por sua vez, os pessimistas referem que o aumento de fluxos de investimento direto estrangeiro, dentro de um contexto “neo-liberal” pode a) acelerar a degrada-ção ambiental e b) aumentar as diferenças entre ricos e pobres.

O fato, porém, é que os países receptores, ou na expressão inglesa host countries continuam desejando captar investimento direto estrangeiro, conforme refere Karl Sauvant (2011)

Os países receptores estão interessados nos recursos tangíveis e intangíveis que o IDE representa, sopesando quaisquer efeitos negativos que estejam associados com eles. Esses recursos incluem capital e, mais importante ain-da, habilidades, know how tecnológico e acesso a mercados (muitas vezes combinados com nomes de marcas). O último é particularmente importante

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para países que perseguem uma estratégia baseada na exportação, já que é extremamente difícil entrar em mercados altamente competitivos, princi-palmente no mundo desenvolvido. Hoje, quase todos os países no mundo procuram atrair IDE e eles perseguem estratégias cada vez mais similares a este respeito. A estratégia mais básica foi, e continua sendo, fazer com que a estrutura regulatória para Investimento Direto Estrangeiro seja atrativa. Isto inclui, em primeiro lugar, abrir mais setores para investimento estrangeiro. Acontecerem 2.349 mudanças em leis nacionais sobre investimento direto estrangeiro no período de 1991 a 2005, 92% delas na direção de criar um clima mais favorável para investidores estrangeiros.

Conforme referem Moraes et al (2010), citando Eiteman e Stonehill, “dentre as vantagens competitivas usufruídas pelas EMNs (empresas multi-nacionais) que investiram com sucesso no exterior estão: 1) economias de escala; 2) conhecimento administrativo; 3) tecnologia superior baseada em uma forte ênfase em pesquisas; 4) força financeira; 5) produtos diferencia-dos; e 6) competitividade de seus mercados domésticos.

A OECD (2008:7), em seu glossário, define investimento direto es-trangeiro nos seguintes termos:

Investimento estrangeiro reflete o objetivo de obter um interesse permanente por uma entidade residente em uma economia (“investidor direto”) em uma entidade residente em uma economia outra que não a do investidor (“empre-sa de investimento direto”). O interesse permanente implica na existência de uma relação de longo prazo entre o investidor direto e a empresa e um grau significante de influência na administração da empresa. Investimento direto envolve tanto a transação inicial entre duas entidades e todas as transações de capital subseqüentes entre eles e as empresas afiliadas, tanto incorporadas como não incorporadas.

Em termos de fundamentos políticos, é fato que aqueles que se encon-tram nos cargos de direção de um país, especialmente o primeiro escalão do Poder Executivo, terão como um de seus objetivos atrair investimento direto estrangeiro, em verdadeira atividade de rent seeking, tendo em vista que a atração de investimento direto estrangeiro i) aumenta a arrecadação de impostos; ii) ocasiona melhoria da infraestrutura; iii) aumenta a reputação do País perante a comunidade internacional; iv) o eventual crescimento do País ocasiona apoio do povo ao governo de plantão; v) melhora o ambiente político (interação entre o público e o privado); vi) reduz o nível de buro-cracia etc. Existem inúmeras leis e regulamentos locais sobre investimento direto estrangeiro. O próprio Brasil tem legislação que conceitua o instituto e também regra o fluxo de capitais4 relativo a este tipo de investimento.

4 O art. 1º da Lei nº 4.131/1962 refere que são capitais estrangeiros os bens, máquinas e equipamentos que entraram no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como

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Dados estatísticos também têm seu espaço neste artigo. Eles são impor-tantes a fim de realçar o fato de que o fluxo de investimento direto estrangeiro em determinado país tem impacto em políticas regulatórias, na implementa-ção de infraestrutura de um determinado país (seja desenvolvido ou em de-senvolvimento, importante realçar), no estabelecimento de uma concorrência mais acirrada no mercado, na transferência de tecnologia, na inovação.

Os fluxos de investimento ao longo de 1990 a 2002 demonstram um crescimento considerável. Em 1990, o investimento alcançava o valor de US$ 200 bilhões, concentrado em países desenvolvidos. Em 2002, este va-lor alcançou o total de US$ 1,4 trilhão, valor recorde, que, em princípio, foi ultrapassado pelo valor do ano de 2011, o qual atingiu o valor de US$ 1,5 trilhão, conforme relatório da UNCTAD (2011).

figure 1: fdi inflows in the world economy, 1990 to 2002

Relatório da UNCTAD (2011) apresenta o fluxo de stock de investi-mento direto externo na América do Sul no período compreendido entre 1980 a 2011. O Brasil sempre liderou, mas, a partir de 2005, houve um flu-xo muito maior de investimento (ou de incremento do estoque). Isso prova que a América do Sul transformou-se em um dos maiores destinos (tanto em termos proporcionais como em absolutos) para investimento, conforme se denota a seguir.

os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no País, para aplicação em atividades econômicas, desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior. Esta não é a única lei sobre o tema, uma vez que existem outras resoluções: a) Resolução Conselho Monetário Nacional – CMN (Bacen) nº 3884/2010 (DOU 23.03.2010); b) Anexo I à Resolução nº 3884/2010; c) Circular Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil nº 3.491/2010 (DOU 26.03.2010) – altera o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI).

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figure 2: fluxo de stock de investimento estrangeiro direto na américa do sul (1980 – 2009)

Fonte: UNCTAD (2011)

A Cepal (2011) apresentou dados referentes à entrada de investimento direto estrangeiro no período de 2009 e 2010. Apenas nesse período, houve um aporte de US$ 45 bilhões no Brasil, quase o dobro do ano anterior, que oscilou por volta de US$ 27 bilhões.

figura 3. america latina e caribe: entradas de investimento estrangeiro direto dos maiores recePtores da região, 2009-2010 (em bilhões de dólares)

Fonte: CEPAL (2011)

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Dentro dos países em desenvolvimento em si, existem certas tendên-cias importantes nos setores em que há investimento. Conforme dados da UNCTAD (2000) para o conjunto de anos entre 1988 e 1998, por exemplo, na Ásia, houve uma manutenção do investimento no setor secundário. Na África, em 1988, metade do investimento era utilizado no setor primário, si-tuação que se modificou em 1998, quando houve aumento e diversificação dos investimentos nos setores secundário e terciário. Em relação à América Latina, o setor secundário, foco de 60,2% dos recursos em 1988, reduziu sua participação para 32,8% e foi ultrapassado pelo terciário, que, em 1999, detinha 52,2% do total dos investimentos. Nos países do leste europeu, os recursos se concentram nos setores secundário e terciário. A seguir, tabela com o resumo dos dados UNCTAD (2000):

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O mais recente relatório da UNCTAD (2014) refere o atual panorama do IDE desde 1995:

Em relação aos fluxos de capital, as 20 economias que mais recebem re-cursos na forma de IDE são as seguintes, também pelo relatório UNCTAD (2014):

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Um recorte concentrado em blocos econômicos apresenta as seguin-tes tendências no período 2005-2007 e 2013:

Importante referir que não existem tendências estanques de IDE. Na dé-cada de 1960, o investimento avançava no hemisfério norte, entre as nações desenvolvidas. O Japão foi o foco na década de 1970. Nas décadas seguintes, outras regiões do mundo foram integrando-se. Em 2010, pela primeira vez, o investimento direto estrangeiro foi mais direcionado para países em desen-volvimento. E o dinamismo dos fluxos de capital não estaciona. A China, por exemplo, tem também investido no exterior, o que reconfigura o sistema, sendo que agora fluxos de investimento Sul-Norte e Sul-Sul também concor-rem com o tradicional fluxo Norte-Norte ou Norte-Sul. Em termos gerais, a tendência, segundo informação da UNCTAD, vai no sentido de se alcançar US$ 1,7 trilhão em 2015 e US$ 1,8 trilhão em 2016 de IDE.

O conjunto das estatísticas indicam as seguintes tendências: i) os fluxos de capital estrangeiro configuram-se como um dos fatores de maior influência nas economias do mundo, seja desenvolvido ou em desenvolvi-mento, demonstrando o nível de inserção global dos países; ii) o capital in-vestido tem criado aumento da produção mundial de bens, sejam commo-dities ou bens manufaturados, o que, em termos gerais, aumenta a oferta de bens, reduzindo o preço global e incluindo mais pessoas nos mercados con-sumidores; iii) a sustentabilidade do investimento dependerá do setor em que ele for direcionado, assim, v.g., investimentos nos setores secundários e terciários terão uma exposição menor ao risco ambiental, por exemplo, do que no setor primário (extração de recursos naturais e setor agropecuá-rio); iv) tendo em vista os altos valores em jogo, e, via de consequência, os impactos nas condições econômicas, torna-se necessário um certo nível de regulação nos mercados que recebem tais aportes, o que dependerá de cada caso em específico, levando em consideração, especialmente, as condições estruturais das economias em jogo, bem assim o panorama legal e de gover-nança existente, conforme mencionado por Globerman e Shapiro (2002).

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1.2 investimento estrangeiro direto e sustentabilidade

É importante, mais uma vez, estabelecer os fundamentos da sustenta-bilidade. Neste artigo, o importante é refletir a motivação de uma empresa estrangeira para investir nesta seara. Milton Friedman, nos anos 1970, escre-veu um artigo intitulado “A responsabilidade social das empresas é aumen-tar seus lucros5”. Conforme o autor, os executivos das corporações deveriam utilizar os recursos dos acionistas essencialmente para aumentar o valor da companhia e não de outra forma, por exemplo, para reduzir a poluição oca-sionada por sua empresa (um exemplo de internalização de externalidades). Atualmente, o argumento parece fora da realidade vigente, considerando que a literatura estabelecida refere que interesses tanto dos acionistas como da sociedade civil devem ser considerados a fim de maximizar o valor da companhia6, o que vai, por via reflexa, também aumentar o bem-estar so-cial. Nesta linha, o conceito de sustentabilidade, seminal naquela década, hoje está no centro das discussões profissionais e acadêmicas. Ética nos negócios7 e no mercado financeiro, o papel da confiança e as vantagens de cooperação em relações de longo prazo são alguns dos fundamentos filo-sóficos dessa nova onda de investimento8. Como consequência deste novo paradigma, o mercado de firmas de consultoria financeira que consideram nas suas avaliações fatores ambientais, sociais e de governança e o fluxo de dinheiro neste tipo de investimento está rapidamente aumentando9. É o di-nheiro dos acionistas sendo usado para aumentar a sustentabilidade, o que, em muitos casos, cria retornos financeiros positivos. Esta é uma afirmação reforçada, inclusive, por estudos conectados com a governança ambiental, promovidos pela agência ambiental britânica10. Como a maioria das em-presas de grande porte atualmente é multinacional ou transnacional, esses apontamentos também refletem no investimento direto estrangeiro.

Veja-se que, conforme Vellani e Nakao, investimento em desenvolvi-mento sustentável é útil para as empresas:

Com as análises dos casos, o trabalho conseguiu confirmar a hipótese que o investimento em desenvolvimento sustentável diminuiu custos para as em-presas. Assim, a idéia de que os investimentos ambientais não geram benefí-cios econômicos e financeiros é falsa para muitas situações. [...] O objetivo da existência da empresa passa a ser a geração de riqueza com desenvolvi-mento de uma sociedade sustentável. No entanto, enquanto os valores do mundo corporativo forem a geração de valor independente da relação da

5 Friedman, 1970.6 Jensen, 2001.7 Sen, 1991.8 Dupre e Girerd-Potin, 2004.9 A Unep (2008) diz que até 2012 se investirá US$ 450 bilhões por ano na área, aumentando para mais de

US$ 600 bilhões por ano a partir de 2020. 10 White e Kiernan, 2004.

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empresa com seu meio ambiente os estudiosos de Contabilidade da Gestão Ambiental deverão informar a comunidade empresarial que investir em de-senvolvimento sustentável diminui custos, garante a continuidade da empre-sa e gera valor aos acionistas e aos stakeholders.11

Existem estudos que traçam os pontos de confluência entre o investi-mento direto estrangeiro e a sustentabilidade. Porém, o fato é que ainda não existe um framework efetivo para guiar e avaliar projetos de IDE e políticas governamentais. Em termos amplos, projetos de IDE Sustentável sustainable FDI e políticas em países em desenvolvimento deveriam: a) aumentar ca-pacidades produtivas locais; b) reforçar a resiliência social e solidariedade, incluindo a redução de desigualdade; c) melhorar a performance ambiental, tanto diretamente como aumentando as capacidades de regulação. Em todo caso, ainda não existem dados uniformes sobre a matéria.

Um exemplo de que não há uma vinculação direta ou absoluta entre sustentabilidade e investimento direto estrangeiro é o fato de que, conforme índice ambiental (uma fórmula que leva em consideração fatores ambien-tais e de sustentabilidade) a seguir, existem países com índice ambiental menor que recebem mais investimento ambiental. Veja-se que 3 países que possuem índice ambiental menor que 50% apresentam nível altíssimo de investimento ambiental. Percebe-se assim que outros elementos têm influ-ência talvez de maior impacto do que a efetividade ambiental, tais como potencial de desenvolvimento do mercado, tamanho do mercado, marco legal e regulatório etc.

figure 2: fdi and the environment

Environmetal Index

11 Vellani e Nakao, 2009.

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Veja que pode, inclusive, existir conflito entre investimento direto estrangeiro e sustentabilidade. Alguns desses mecanismos, principalmente aqueles referentes a políticas de governo, industriais e de ambiente, podem entrar em conflito com acordos de investimento, especialmente se negocia-dos sob a égide da Organização Mundial do Comércio. O Trims (Agreement on Trade-Related Investment Measures) ainda não foi aprovado. Porém, os princípios da igualdade (tratamento nacional/nação mais favorecida) e não discriminação estão vigentes.

Requerer padrões ambientais mais altos para companhias estrangeiras do que companhias domésticas pode ocasionar lesão ao princípio da “não discriminação” em acordos de investimento, mesmo que o objetivo fosse discriminar não com base na propriedade (doméstica vs. estrangeira), mas com base em impactos ambientais (idade da tecnologia, requisitos de ad-ministração etc.). Faltam instituições para determinar se uma discriminação pode ser justificada em termos ambientais ou sociais, sendo a União Euro-peia uma das exceções.

Independentemente disso, já foram efetuados estudos a fim de men-surar indicadores da sustentabilidade do investimento direto externo, os quais foram tripartidos, conforme tabela a seguir:

TiPo ExEmPlo dE indicador

Econômico Investimento e Produtividade

Total de Investimento Direto Estrangeiro (IDE);Total de Investimento Direto Estrangeiro como percentual do PIB;Mudança Total da participação no share global de IDE;Transferência total de recursos;Razão da transferência total agregada de recursos (longo prazo) em relação ao PIB (%)Gasto local com Pesquisa e Desenvolvimento de-rivado do IDE% de IDE em investimentos greenfield (constru-ção de fábricas do zero).

Outros Fatores Financeiros

Razão do Desenvolvimento Oficial Total; Assis-tência ao PIB; Razão da dívida externa em rela-ção ao PIB; Razão de serviço de cobrança em re-lação à exportação de bens e serviços, incluindo economia doméstica e investimento per capita.

Social Padrões ambien-tais e emprego

Adoção dos padrões da OIT e indicadores% de empregos criados na economia re-ceptora pelo IDE (direto/indireto).

Educação Vagas preenchidas conforme nível de educação, gastos públicos e privados em educação/treina-mento, expectativa de anos de educação formal.

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TiPo ExEmPlo dE indicador

Ambiental Melhores Práti-cas Ambientais

Adoção de sistema de gerenciamento am-biental; relatórios ambientais, eficiência energética, contabilidade verde, e.g., produ-to nacional verde economia genuína etc.

Proteção Ambiental % do IDE em setores ambientalmente sen-síveis; razão de gastos com proteção am-biental e PIB; nível de implementação de acordos ambientais multilaterais.

A própria OECD (2008) estabeleceu os princípios que as indústrias multinacionais devem seguir dentro do contexto de leis, regulações e prá-ticas administrativas nos países nos quais elas operam, levando em total conta a necessidade de proteção do ambiente, da saúde pública e da segu-rança. Assim, devem as empresas levar em conta: i) estabelecer e manter um sistema de gerenciamento ambiental apropriado à empresa; ii) levar em conta preocupações sobre custo, confidencialidade do negócio e a proteção de direitos de propriedade intelectual; iii) avaliar e apontar em processo de decisão, os impactos ambientais, de saúde e segurança previsíveis e rela-cionados com os processos, bens e serviços da empresa ao longo de todo seu ciclo vital; iv) de acordo com os entendimentos técnico-científicos dos riscos, nos quais exista ameaça de dano sério ao meio ambiente, levar em conta a saúde humana e segurança, não o uso de falta de certeza científica como razão de adiar medidas de custo-efetivo para prevenir ou diminuir tais danos; v) manter planos de contingência para prevenir, mitigar e con-trolar danos ambientais e de saúde sérios provenientes de suas operações, incluindo acidentes e emergências; e mecanismos para informações ime-diatas às competentes autoridades; vi) continuamente procurar melhorar a performance empresarial ambiental, encorajando quando apropriado, ati-vidades como adoção de novas tecnologias, desenvolvimento de produtos sem impactos ambientais, desenvolver alto nível de cuidado sobre questões ambientais entre clientes; vii) dar educação e treinamento aos empregados em saúde ambiental e assuntos de segurança, incluindo o manuseio de ma-teriais tóxicos e a prevenção de acidentes ambientais; viii) contribuir para o desenvolvimento de políticas significativa e economicamente eficientes.

Dentro deste contexto de vinculação entre investimento direto estran-geiro e meio ambiente, outro aspecto importante e que deve ser reiterado é que a decisão de efetuar uma fusão ou aquisição é guiada por análise ra-cional de custo-benefício. O valor investido será resgatado para sua origem, cedo ou tarde. Ao longo deste processo, diferentes resultados (positivos ou negativos) podem acontecer, inclusive ao mesmo tempo. Fabiana Elicker (2007) aponta estes fatores:

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As economias receptoras do IDE, incluindo-se o Brasil, sofrem impactos atra-vés das ETNs (empresas transacionais). Seus principais aspectos são: após uma contribuição inicial, a empresa estrangeira pode remeter seus dividen-dos à matriz; o recebimento de operações de baixo valor agregado não traz perspectiva de crescimento de longo prazo; ETNs de países com sistemas organizacionais e tecnológicos mais avançados podem trazer maiores be-nefícios para a economia receptora; a capacidade da economia receptora e das suas empresas de absorverem tecnologias e capacidade gerencial de seus concorrentes estrangeiros e, finalmente, o impacto das ETNs poderia ser avaliado pela comparação do que teria ocorrido se o IDE não tivesse se realizado, o que é de difícil mensuração.

2 COMPETIÇÃO REGULATÓRIA NA áREA AMBIENTAL: POSSIBILIDADE DE UNIÃO ENTRE IDE E SUSTENTABILIDADE?

2.1 fundamentos do direito da regulação

Ao longo da primeira parte, foram traçados os aspectos econômicos, políticos e legais do investimento direto, bem assim a interação entre inves-timento direto e sustentabilidade. Não foi possível constatar uma vinculação direta e absoluta entre ambos; o que foi possível foi encontrar pontos de contato e confluência. Tal constatação corrobora o fato de que cada país e empresa possuem suas próprias idiossincrasias, e cada caso deve levar em conta uma miríade de fatores econômicos, sociais e políticos.

A questão regulamentar está inserida dentro do contexto de framework institucional, e, portanto, não envolve apenas a regulação am-biental. Envolve outras áreas, que também influenciam a decisão do in-vestidor estrangeiro. Em realidade, o surgimento das agências reguladoras é reflexo do novo panorama administrativo do Estado, o qual demanda a descentralização, bem como exigências de celeridade, eficiência e eficácia fiscalizatória, no dizer de Alexandre de Moraes12. Está-se diante de um Esta-do regulador de uma economia de livre mercado, que envolve, entre outros fatores, a captação de investimentos do exterior. Este novo perfil do Estado, como bem esclarece Dinorá Adelaide Musetti Grotti, “impõe a redução das suas dimensões, envolvendo as questões de privatização, terceirização e publicização; a recuperação da sua capacidade financeira e administrativa; a necessidade de fortalecimento de sua função reguladora, fiscalizadora e

12 Moraes, 2002:17.

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fomentadora; e o desmonte do Estado produtor, interventor e protecionista; o aumento da governabilidade”13.

Todo este conjunto de medidas sinalizam a falência do Estado-em-presário – para utilizar a expressão de Luis Roberto Barroso14 – em uma mudança operacional em sentido gerencial, sendo que palavras como des-burocratização, transparência, accountability, ética, profissionalismo, com-petitividade e enfoque no cidadão passam a ser as pedras de toque da ges-tão pública.

E tanto o é, pelo fato de que, conforme referido pela Sociedade Brasi-leira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica a principal função das agências reguladoras é a de preservar a harmonia entre os interesses do consumidor, assim como a viabilidade econômica da atividade econômica que regulam, de forma a garantir o atendimento aos interesses da sociedade. A experiência internacional indica que as agências reguladoras devem ser consideradas como órgãos do Estado, e não de go-verno. É importante prover as mesmas de mandatos fixos, independência orçamentária e autonomia para suas decisões eminentemente técnicas. Essa estabilidade do arcabouço regulatório favorece o ingresso de IDE no País15.

Analisando o contexto norte-americano, a respeito da delegação le-gislativa para as agências reguladoras, José Roberto Pimenta Oliveira é mui-to feliz ao observar que trata-se de uma solução pragmática: “reconhece-se que as delegações são necessárias pela proliferação de atividades das agên-cias em setores muito diversos, e que o Congresso não tem os conhecimen-tos técnicos e a experiência necessária para legislar exaustivamente sobre todas as matérias”16.

Alexandre dos Santos Aragão sintetiza algumas das características co-muns das agências reguladoras nos países que foram analisados:

(a) a “independência” de que são dotados consiste na realidade em uma au-tonomia reforçada em relação ao aparato tradicional da administração direta e indireta; (b) a restrição ao poder de exoneração dos dirigentes dos órgãos ou entidades independentes de regulação não compromete o poder de di-reção do governo, sendo este compreendido nos termos das respectivas leis criadoras; (c) todas elas concentram poderes fiscalizatórios, sancionatórios,

13 Grotti, 2006.14 Barroso, 2002.15 Boletim nº 48 da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica.

Disponível em: <http://www.sobeet.org.br/boletim/boletim48.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2015.16 Oliveira, 2000.

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compõem conflitos e editam regulamentos; e d) os amplos poderes regu-lamentares que geralmente possuem são admitidos desde que a lei fixe os standards em que deverão se desenvolver.17

A regulação deve seguir alguns princípios básicos. Diogo de Figueiredo Neto efetua um elenco tripartite: i) competência regulatória (a partir da des-legalização e da adoção de funções híbridas); ii) independência regulatória (a funcional, a dos agentes e a financeira); iii) participação regulatória (pela publicidade e pela processualidade aberta)18.

A doutrina tem elencado alguns requisitos para que as agências re-guladoras possam agir plenamente, atingindo assim seu objetivo final, que é regular determinados mercados com o objetivo de tornar eficientes suas estruturas. Gesner Oliveira, e.g., elenca cinco pontos fundamentais para que as agências reguladoras ajam de modo eficaz, quais sejam: i) inde-pendência, a fim de que a agência seja órgão de Estado, não de governo, incólume aos influxos políticos; ii) transparência, o que reflete em cons-tante prestação de contas à sociedade, como, por exemplo, publicação dos pareceres técnicos que embasaram a tomada de decisão do órgão; iii) definição precisa de sua missão para, em um segundo momento, in-tegrar e coordenar agências que tenham pontos de conexão; iv) recursos humanos com capacitação técnica de alto nível; e v) criação de incentivos para a concorrência19. Em síntese: um mercado com uma estrutura regula-tória mais transparente e estabelecida atrairá mais investimento, inclusive dentro de um mesmo país. Assim, por exemplo, agências regulatórias am-bientais têm papel importante, seja para a atração como para a implemen-tação da sustentabilidade, por exemplo.

Existem inúmeras discussões a respeito da possibilidade de vincu-lação entre investimento sustentável e regulação ambiental. O estudioso francês Schonard (2002) refere que existe preocupação dos investidores em razão dos deveres que são estabelecidos em momento posterior ao estabe-lecimento do investimento.

17 Aragão, 2002:261. 18 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório. A alternativa participativa e flexível para a

administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. São Paulo: Renovar, 2003. p. 168.

19 Maiores detalhes em: A experiência brasileira com agências reguladoras. Marcos regulatórios no Brasil – O que foi feito e o que falta fazer. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2005, em coautoria com Thomas Fujiwara e Eduardo Luiz Machado. Rio de Janeiro/RJ. Disponível em: <http://www.goassociados.com.br/Papers/Agencias_IPEA_Final.pdf>.

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2.2 regulamentação ambiental e fluxo de investimento direto externo

Em teoria regulatória ambiental, existem basicamente 4 grandes cor-rentes. São elas: i) Pollution Haven (paraísos de poluição); ii) Race to The Bottom (corrida para o fundo, ou, em outros termos degradação das regu-lações ambientais); iii) Race to the Top (corrida ao topo ou melhoria das regulações); e iv) Regulatory Chill (paralisia das regulações).

Adaptando estes termos ao contexto de investimento direto estrangei-ro, a denominada pollution haven preconiza que países em que há pouca ou diminuta regulação ambiental atrairiam investimentos estrangeiros, uma vez que os custos de transação de adequação ambiental nesse país (que é um competidor por investimentos) seriam menores do que em um país com legislação mais forte e impositiva. A race to the bottom é a competição ne-gativa – ou seja, a inação dos atores estatais e privados na área ambiental faz com que ocorra um maior aporte de investimento direto estrangeiro – uma vez que a variável ambiental é negligenciada. A denominada race to the top ocorre em um contexto em que os países competem entre si a fim de se alcançar o mais alto nível de regulação em termos ambientais e de susten-tabilidade. Por fim, o regulatory chill é uma paralisia de ação do ambiente regulatório.

Em que pese o que a teoria, no sentido de que, com menos custos de transação ambiental, ocorrerá um maior aporte de IDE, Gray (2002) observa que:

Em termos gerais, é difícil fazer uma ligação causal entre o fluxo de investi-mento e o grau e alcance de regulação e políticas ambientais. Leis mais fortes podem ser influenciadas por vários fatores, incluindo pressão da comunida-de, movimentos da sociedade civil fortes ou até mesmo iniciados pelo setor privado. A falta de legislação pode ser atribuída mais para déficits institucio-nais, recursos limitados ou simplesmente falta de vontade política. Apesar de existir alguma evidência que companhias podem migrar para países com falta de um regime ambiental rígido ou que países podem usar regulação ambiental, ou exceções, como um incentivo, dados indicando padrões con-sistentes sobre estes fenômenos não estão presentes. Como resultado, é pro-blemático conjecturar definitivamente que existe, de fato, competição entre países para atrair investimento estrangeiro.20

Gray refere que outros fatores são mais importantes para determinar o investimento direto estrangeiro, tais como custos com tributação, condições domésticas do mercado e restrições em relação a moedas estrangeiras.

20 Gray, 2002:307.

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Petrović-Randjelović segue a mesma linha de argumentação, no sen-tido de que:

A conclusão geral é que custos ambientais não estão incluídos como fato-res cruciais em decisões sobre localização de investimentos. Apesar do fato de que a efetividade do custo pode ser um fator importante para atividades de investimento no exterior, corporações multinacionais preferem operar no país com uma estrutura ambiental adequada do que em outros que não a possuem. Se as companhias fazem os investimentos para melhorar o am-biente, muitos custos de produção vão diminuir com uma maior qualidade do meio ambiente. Quando eles decidem fazer uma decisão para investir, os custos ambientais parece ser apenas uma pequena parte do total dos fatores de localização. A significância dos custos ambientais, como parte constituti-va dos custos de produção, vai variar dependendo da indústria em questão e dos setores envolvido.21

Veja-se que, considerando que o fluxo de investimento estrangeiro abarca mais de um país, a regulação talvez a nível somente nacional tal-vez não é suficiente, devendo ser complementada por meio de regulação internacional, dentro do contexto da sustentabilidade. Com essa motivação que Mabey e Mcnally22, por meio de relatório publicado sob os auspícios do World Wildlife Fund, inclusive propõem uma estrutura que tenha como objetivo fazer com que o investimento direto estrangeiro produza susten-tabilidade. Assim, os fatores prelecionados pelos autores são os seguintes: a) promoção de boas práticas de investimento e o papel de requerimentos obrigatórios mínimos; b) regulação de setores ambientalmente sensíveis; c) redução das práticas danosas referentes à competição por investimen-to; d) melhorando a governança por meio do fortalecimento da sociedade; e) construção de mercados sustentáveis, por meio de governança social e econômica.

Por fim, independentemente do nível de regulação ambiental, a fim de que se alcance o desenvolvimento sustentável, Zarsky e Gallagher (2003) referem que “uma estratégia coerente de desenvolvimento e políticas efetivas para promovê-lo são centrais ao se utilizar o IDE para promover desenvol-vimento sustentável. Abertura econômica e liberalização de investimento, mesmo com esforços para se criar um ‘ambiente propício’ e forte proteção para investidores estrangeiros, não garante nem que o IDE vai se materiali-zar ou que vai promover desenvolvimento ou objetivos ambientais”23.

21 Petrović-Randjelović,2007:187. 22 Mabey e Macnally, 1998. 23 Zarksy e Gallagher, 2003.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudos de casos na área de IDE e Sustentabilidade revelam 3 áre-as em que se necessita mais pesquisa, conforme referido por Zarsky e Gallagher (2003): (i) a importância de uma estratégia coerente de desen-volvimento e efetivas políticas para promovê-la; (ii) a vontade das multina-cionais em estabelecer padrões altos em suas operações globais e cooperar com parceiros para alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável; (iii) a necessidade de se incluir padrões de responsabilidade corporativa em re-gimes de investimento e criar regras de investimento que permitam políticas diversas e inovação institucional em nível nacional.

Relatório do Grupo de Trabalho em Desenvolvimento e Meio-Am-biente nas Américas (2009) aponta as seguintes conclusões: a) a política de IDE precisa ser conduzida em paralelo com políticas domésticas signi-ficativas e focadas que promovam as capacitações das firmas nacionais e forneçam um padrão de proteção ambiental. Há diversas políticas nacio-nais específicas que estão sendo ou implementadas ou debatidas no que concerne às formas com que as nações latino-americanas e caribenhas po-dem superar as externalidades de informação e de coordenação, lidar com problemas de crédito e questões de competitividade no âmbito das firmas domésticas. Com relação a esse aspecto, paralelos ou lições da Ásia podem ser extraídos, uma vez que muitas nações desta região adotaram políticas industriais para conectar firmas domésticas a firmas estrangeiras ao ponto de as empresas domésticas se tornarem exportadores competitivos; b) acordos internacionais, tanto ao nível da OMC quanto ao nível de acordos comer-ciais e/ou de investimento nacionais ou bilaterais (RBTIAs) devem deixar às nações em desenvolvimento o “espaço para política” para perseguirem as políticas domésticas necessárias ao desenvolvimento sustentável por meio do IDE. O emergente regime internacional de regras para o investimento internacional está restringindo a habilidade das nações em desenvolvimento de perseguir alguns dos instrumentos de políticas que têm sido exitosos em canalizar o IDE para o desenvolvimento na Ásia e em outros lugares; c) ao agir coletivamente sob o auspício da OMC, nações em desenvolvimento têm obtido grande sucesso em bloquear propostas que restringiriam ainda mais tal espaço para política. No entanto, o movimento mais lento nos de-bates de comércio global tem conduzido a uma proliferação dos RBTIAs en-tre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em que países emergentes apresentam um poder de barganha muito menor e acabam trocando espaço político por acesso ao mercado.

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O mesmo relatório aponta que o IDE não é um fim, mas um meio para o desenvolvimento sustentável. Simplesmente atrair IDE não é suficiente para gerar crescimento econômico de um modo ambientalmente susten-tável. O relatório expõe que mesmo em nações que receberam a principal parcela do IDE na região – Brasil, Argentina e México –, o IDE falhou em gerar spillovers e crescimento econômico sustentável. O IDE precisa ser parte de uma estratégia de desenvolvimento mais abrangente destinada a aumentar o padrão de vida da população nacional com danos mínimos ao meio ambiente.

É importante realçar, ainda, que o mais recente relatório da UNCTAD (2014:187) teve como tema a utilização de IDE para alavancar os “objeti-vos de desenvolvimento sustentável” da ONU. Para se alcançar isso, seria necessária a implementação de i) uma nova geração de promoção de es-tratégias de investimento e instituições; ii) uma reorientação dos incentivos para investimento; iii) regionalização de investimentos nos “objetivos de desenvolvimento sustentável”, iv) novas formas de parceria para investi-mento sustentável; v) promover o financiamento inovador e reorientação dos mercados financeiros (com a abertura de bolsas financeiras sustentáveis, por exemplo); e vi) modificar a atual mentalidade global sobre os negócios (com a realização de cursos e programas educacionais de impacto global).

Por fim, em relação ao uso de políticas ambientais e seu efeito no fluxo de IED, ainda não foram obtidos dados empíricos confirmando o que a teoria preconiza, conforme exposto por Gray (2002). Cada caso tem suas características específicas, e inúmeros fatores exercem influência no dire-cionamento do fluxo de capital. Portanto, são necessárias mais pesquisas, a fim de que o discurso descritivo possa tornar-se mais concreto e normativo, com efeitos práticos e com utilidade para futuros aprimoramentos concretos do tema.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2409

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 498538 2007.51.01.000860‑7Nº CNJ: 0000860‑85.2007.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Marcelo Pereira da SilvaApelante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: Aurival Jorge Pardauil Silva e outrosApelado: Grap‑Pet Indústria e Comércio de Plástico Ltda.Advogado: Karina Carvalho Souza e outrosOrigem: Vigésima Primeira Vara Federal do Rio de Janeiro (200751010008607)

ementa

DIREITO EMPRESARIAL – TÍTULOS DE CRÉDITO – DUPLICATA MERCANTIL TÍTULO CAUSAL – DESFAzIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO – PROTESTO – ENDOSSO TRANSLATIvO – DIREITO DE REGRESSO

I – O pagamento da duplicata mercantil só pode ser exigido median-te demonstração do efetivo cumprimento das obrigações contratuais, quais sejam, a entrega de produto ou a prestação de serviço contrata-do entre as partes.

II – Caracterizada a falta de aceite fundada no art. 8º, da Lei nº 5.474/1968, ante o desfazimento do negócio jurídico contratado e, verificando-se que a emissão do título integrou operação financeira de crédito junto à instituição bancária em favor do sacador, pelo que configurado o endosso translativo na cártula, não obstante ser indevi-do o protesto, deve ser resguardado o direito de regresso da institui-ção credora em face da emitente (sacador), para quem foi transferida a titularidade da duplicata. Inteligência da Súmula nº 475, do STJ. REsp 1213256/RS (art. 543-C, do CPC).

III – Apelação cível desprovida.

acórdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Acordam os membros da 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator.

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Rio de Janeiro, ___ de __________ de 2014.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

relatório

Trata-se de apelação cível interposta pela Caixa Econômica Federal – CEF (fls. 164/168) em face da sentença proferida pelo MM. Juízo da 21ª Vara Federal/RJ (fls. 154/161) que, ratificando as decisões de fls. 92/94 e 117/119, por meio das quais fora determinado à ora apelante que se abstivesse de protestar as duplicatas objeto do presente feito ou, na hipótese de já have-rem sido protestadas, que promovesse sua retirada mediante contra-ordem, ressalvado o direito de regresso da CEF contra a autora, julgou procedente em parte o pedido, nos termos formulados no item “d” à fl. 12 da exordial.

Irresignada, a CEF alega, em síntese, que: é ilegítima para figurar no polo passivo do feito, tendo em vista ostentar a mera condição de ban-co sacado; o interesse processual reside na empresa em favor de quem as duplicatas foram emitidas pela parte autora; a autora não se desincumbiu de comprovar suas alegações, na forma do art. 8º, da Lei nº 5.474/68; sen-do a duplicata um título de crédito “à ordem”, submete-se aos ditames do art. 915, do CC; o fato de não existir o “aceite” não altera a responsabilidade cambial definida em lei; a duplicata mercantil é título de aceite obrigatório e independe da vontade do comprador, estando este vinculado à aceitação da ordem, só podendo recusar a cártula nas situações definidas em lei; apenas a devolução da duplicata não assinada e acompanhada de declaração de recusa de aceite, se havia causa para esta, pode liberá-lo da obrigação cam-bial; nem a falta de aceite ou a devolução do pagamento conduzem à perda do direito creditório em face do devedor principal e seus avalistas, ainda que o protesto seja efetuado fora do prazo de trinta dias do vencimento, ou mesmo que este não exista, eis que tal circunstância só acarretaria a solu-ção do direito creditório em relação aos coobrigados, nos termos do art. 13, §§ 3º e 4º, da Lei de Duplicatas.

A apelação foi recebida no duplo efeito, não tendo sido apresentadas contrarrazões, conforme certificado à fl. 170.

Remetidos os autos a esta Corte, foram encaminhados ao Ministério Público Federal, que não vislumbrou interesse público a ensejar sua inter-venção no feito.

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É o relatório. Peço dia para julgamento.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

voto

Grap-Pet Indústria e Comércio de Plástico Ltda. ajuizou a presente ação ordinária em face da Caixa Econômica Federal – CEF, objetivando a condenação da ré a se abster de protestar ou de praticar qualquer ato de cobrança contra o sacado das duplicatas apontadas pela parte autora como tendo sido canceladas, bem como de retirar do protesto caso o mesmo já te-nha sido efetivado e, por fim , que seja determinado à CEF baixar e devolver as duplicatas discutidas nos autos.

Como causa de pedir, alega que é cliente da ré e, nos termos do contrato bancário celebrado, além do limite de crédito concedido, esta pro-move o desconto de duplicatas, mediante endosso-mandato. Em 2006, em decorrência de um incêndio em sua unidade fabril, houve atraso na entrega de diversos produtos, os quais foram devolvidos pelos clientes, tendo sido retornadas as notas fiscais correspondentes. Afirmou ter acatado a devolu-ção das mercadorias e informado aos clientes que solicitaria ao banco réu a baixa e a devolução das duplicatas, tendo em vista que as mesmas estavam sujeitas ao endosso-mandato. Asseverou que, não obstante tenha emitido a contra-ordem, a CEF negou-se a acatá-la e ameaçou levar os títulos a pro-testo, exigindo o pagamento integral à vista dos valores das duplicatas. Não refuta o crédito da CEF contra a autora, mas a ameaça de protesto configura um meio coativo de cobrança.

O Juízo a quo entendeu que o endosso tratado no contrato celebrado entre a autora e a CEF configura-se espécie de endosse translativo e não endosso mandato, diversamente do sustentado pela parte autora, bem como que, se cabível a proteção dos nomes dos sacados, os quais seriam atingidos pelos protestos dos títulos, cujas causas consistem em negócios jurídicos não aperfeiçoados, também deve ser resguardado o direito da CEF, endos-satária dos títulos não pagos, de protestá-los, a fim de viabilizar seu direito de regresso contra o endossante, pelo que ressalvou este último, ao julgar parcialmente procedente o pedido.

As duplicatas mercantis são títulos de crédito ditos causais, cujo paga-mento só pode ser exigido mediante demonstração do efetivo cumprimento das obrigações contratuais, quais sejam, a entrega de produto ou a presta-

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ção de serviço contratado entre as partes, sendo certo que sua emissão é facultativa, conforme dos dispositivos a seguir reproduzidos, todos da Lei nº 5.474/1968, in verbis:

Art. 1º Em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domici-liadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 (trinta) dias, con-tado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador.

[...]

Art. 2º No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela im-portância faturada ao comprador.

Ainda, nos termos do art. 8º, “o comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de: I – avaria ou não recebimento das mer-cadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco; II – vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mer-cadorias, devidamente comprovados; III – divergência nos prazos ou nos preços ajustados”.

Examinando os autos, mormente os documentos de fls. 45/48 e 116, verifica-se que a CEF levou a protesto algumas das duplicatas emitidas pela parte autora contra seus clientes, circunstância esta que elide a alegação da apelante quanto à sua ilegitimidade passiva.

Compulsando os autos, verifica-se, às fls. 21/39, várias notas fiscais emitidas pela parte autora relacionadas à venda de produtos a três clientes entre 29.08.2006 e 13.12.2006, bem como às fls. 40/44, documentos que demonstram o desfazimento dos contratos de compra e venda e o comuni-cado à CEF. Desta forma, também não prospera a alegação da CEF quanto a não comprovação dos fatos de que trata o art. 8º, da Lei nº 5.774/1968, tendo em vista que as mercadorias não teriam sido recebidas, em decorrên-cia do atraso na entrega devido ao sinistro sofrido (incêndio). Desta forma, forçoso concluir que obrigação contratual que embasava a cártula deixou de existir.

Contudo, não se pode olvidar o comando do art. 13, § 4º, da Lei nº 5.474/1968 o qual dispõe que “a duplicata é protestável por falta de acei-te de devolução ou pagamento. [...] O portador que não tirar o protesto da duplicata, em forma regular e dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contado da

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data de seu vencimento, perderá o direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas”.

As duplicatas mercantis objeto dos presentes autos foram negociadas entre a parte autora (sacador), emitente, e a CEF, na qualidade de instituição bancária, a fim de serem descontadas nos termos do Contrato Limite de Cré-dito para as Operações de Desconto celebrado entre as partes (fls. 108/113). De fato, as duplicatas em comento integraram as operações financeiras de crédito, razão pela qual a titularidade dos títulos foi transferida à ré, confor-me se deduz das cláusulas a seguir transcritas:

Cláusula Primeira. O presente contrato tem por objeto contratar com a de-vedora/mutuária um limite de crédito no valor de R$ 161.286,22 (cento e sessenta e um mil, duzentos e oitenta e seis reais e vinte e dois centavos), destinado ao suprimento de suas necessidades imediatas de capital de giro, a ser disponibilizado na(s) modalidade(s) de desconto de cheque pré-datado, cheque eletrônico pré-datado garantido e de duplicatas.

Parágrafo único. A disponibilidade do limite de crédito estabelecido no caput desta cláusula será reduzida pelo valor de cada cheque pré-datado, e/ou parcela de cheque eletrônico pré-datado garantido, e/ou duplicata descontada e restabelecida proporcionalmente aos valores do(s) cheque(s) e/ou parcelas de cheques eletrônicos pré-datados e/ou duplicata(s) que se liquidar(em).

[...]

Cláusula Terceira. A liberação do crédito ocorrerá após a devedora/mutuária apresentar à Caixa, em cada necessidade de crédito, Borderô(s) de cheque(s) pré-datado(s) e/ou cheque(s) eletrônico(s) pré-datado(s) garantido(s) e/ou duplicata(s), sendo o(s) Borderô(s) assinado(s) apenas pela devedora/mutuá-ria, no(s) qual(is) o(s) cheque(s), a(s) parcela(s) dos cheque(s) eletrônico(s) pré-datado(s) e a(s) duplicata(s) estará(ão) identificado(s) e totatlizado(s) para desconto, que após a conferência e aceitação pela Caixa, passará(ão) a fa-zer parte integrante e complementar deste instrumento para todos os fins de direito, podendo a Caixa rejeitar qualquer título na validação efetuada no sistema.

[...] Parágrafo Segundo: A(s) duplicata(s) objeto da(s) operação(ões) de des-conto, na forma escritural, devidamente endossado(s) pela cedente, junta-mente com o(s) comprovante(s) de entrega da(s) mercadoria(s), estará(ão) sob a guarda e responsabilidade da cedente, na condição de fiel depositária, para apresentação à Caixa quando for(em) exigido(s), se comprometendo a não descontá-lo(s) ou colocá-lo(s) em cobrança noutro banco, sob pena de caracterização de fraude. Para a geração do(s) bloqueto(s) de cobrança, a

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cedente transferiu à Caixa o arquivo eletrônico contendo todos os dados sob o(s) título(s) que está(ão) sob sua guarda.

Portanto, concluiu acertadamente a douta Julgadora de primeiro grau quanto ao endosso em questão configurar-se endosso translativo, e não o endosso mandato como sustentado pela parte autora, restando aplicável a Súmula nº 475, do STJ, pelo que, a despeito de ser indevido o protesto dos títulos, ante o desfazimento dos negócios jurídicos entre a autora e seus clientes, faz-se necessário resguardar o direito de regresso da CEF em face da parte autora, esta a primeira endossante da cártula (Súmula nº 475, do STJ. Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas).

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL – DIREITO COMERCIAL – TÍTULOS DE CRÉDITO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DUPLICATAS MERCANTIS – AUSÊNCIA DE EN-TREGA DAS MERCADORIAS – NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE DES-FEITO – IRRELEVÂNCIA EM RELAÇÃO A ENDOSSATÁRIOS DE BOA-FÉ – DUPLICATA ACEITA – PEDIDO RECONVENCIONAL JULGADO PRO-CEDENTE – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EX-TENSÃO, PROVIDO

1. A causalidade da duplicata reside apenas na sua origem, mercê do fato de somente poder ser emitida para a documentação de crédito nascido de venda mercantil ou de prestação de serviços. Porém, a duplicata mercantil é título de crédito, na sua generalidade, como qualquer outro, estando sujeita às regras de direito cambial, nos termos do art. 25 da Lei nº 5.474/1968, ressaindo daí, notadamente, os princípios da cartularidade, abstração, auto-nomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.

2. A compra e venda é contrato de natureza consensual, de sorte que a entre-ga do bem vendido não se relaciona com a esfera de existência do negócio jurídico, mas tão somente com o seu adimplemento. Vale dizer, o que dá lastro à duplicata de compra e venda mercantil, como título de crédito apto à circulação, é apenas a existência do negócio jurídico subjacente, e não o seu adimplemento.

3. Com efeito, a ausência de entrega da mercadoria não vicia a duplicata no que diz respeito a sua existência regular, de sorte que, uma vez aceita, o sa-cado (aceitante) vincula-se ao título como devedor principal e a ausência de entrega da mercadoria somente pode ser oponível ao sacador, como exceção pessoal, mas não a endossatários de boa-fé. Há de ser ressalvado, no caso,

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apenas o direito de regresso da autora-reconvinda (aceitante), em face da ré (endossante), diante do desfazimento do negócio jurídico subjacente.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.

(REsp 261.170/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 04.08.2009, DJe 17.08.2009)

DIREITO CIVIL E CAMBIÁRIO – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – DUPLICATA DESPROVIDA DE CAUSA RECEBIDA POR ENDOSSO TRANSLATIVO – PROTESTO – RES-PONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO

1. Para efeito do art. 543-C do CPC: O endossatário que recebe, por endosso translativo, título de crédito contendo vício formal, sendo inexistente a causa para conferir lastro à emissão de duplicata, responde pelos danos causados diante de protesto indevido, ressalvado seu direito de regresso contra os en-dossantes e avalistas.

2. Recurso especial não provido.

(REsp 1213256/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª S., Julgado em 28.09.2011, DJe 14.11.2011)

Do exposto, nego provimento à apelação cível.

É como voto.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência 2410 – ação anulatória de nulidade de título de crédito – duplicata – indenização – dano

moral – cabimento

“Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de título de crédito c/c indenização por danos morais e materiais. Duplicata. Alegação de inexistência de negócio jurídico. Título endossado à empresa de factoring. Endosso. Translativo. Litisconsórcio passivo necessá-rio. Art. 47 do Código de Processo Civil. Tratando-se o presente caso de ação declaratória de nulidade de crédito em que se discute a ausência de relação jurídica a ensejar a emis-são de duplicata, protestada indevidamente em nome do Autor/Apelado, deverão figurar, como litisconsortes passivos necessários, a endossante-emissora da cambial e a endos-satária, ora Recorrente, haja vista que a sentença forçosamente trará reflexos na relação daí originada, dependendo, pois, da citação de todos os litisconsortes no processo. Apelo conhecido e provido. Sentença cassada.” (TJGO – AC 201291279997 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Francisco Vildon Jose Valente – DJe 06.03.2015)

2411 – ação de dissolução de sociedade – sociedade em conta de participação – natureza societária – rompimento do vínculo – possibilidade

“Direito empresarial e civil. Recurso especial. Ação de dissolução de sociedade. Socieda-de em conta de participação. Natureza societária. Possibilidade jurídica. Rompimento do vínculo societário. 1. Discute-se a possibilidade jurídica de dissolução de sociedade em conta de participação, ao fundamento de que ante a ausência de personalidade jurídica, não se configuraria o vínculo societário. 2. Apesar de despersonificadas, as sociedades em conta de participação decorrem da União de esforços, com compartilhamento de respon-sabilidades, comunhão de finalidade econômica e existência de um patrimônio especial garantidor das obrigações assumidas no exercício da empresa. 3. Não há diferença onto-lógica entre as sociedades em conta de participação e os demais tipos societários perso-nificados, distinguindo-se quanto aos efeitos jurídicos unicamente em razão da dispensa de formalidades legais para sua constituição. 4. A dissolução de sociedade, prevista no art. 1.034 do CC/2002, aplica-se subsidiariamente às sociedades em conta de participa-ção, enquanto ato inicial que rompe o vínculo jurídico entre os sócios. 5. Recurso espe-cial provido.” (STJ – REsp 1.230.981 – (2011/0009753-1) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 05.02.2015)

2412 – ação de obrigação de fazer fungível – fixação de astreintes – inovação recursal – impossibilidade

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Fixação de astreintes. Ações de obriga-ção de fazer fungível. Inovação recursal. Impossibilidade. Valor arbitrado. Revisão. Ree-xame de provas. Súmula nº 7/STJ. Decisão mantida por seus próprios fundamentos. 1. A parte, em sede de regimental, não pode, em face da preclusão consumativa, inovar em sua argumentação, trazendo questões não suscitadas no recurso especial. 2. A revisão do valor fixado a título de astreintes encontra óbice na Súmula nº 7/STJ, exceto nos casos em que o quantum seja irrisório ou exorbitante. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 509.937 – (2014/0086151-9) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 15.12.2014 – p. 1940)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de agravo interposto contra decisão que conheceu do agravo para negar provimento a recurso especial ante a incidência da Súmula nº 7/STJ.

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Em suas razões, a agravante defende que, além de não ser possível a fixação de medida coercitiva em ações que tratam de obrigação de fazer fungível, não seria caso de reexa-me do conjunto fático-probatório para redução do valor das astreintes.

Aduziu a recorrente que, nas demandas em que for discutida obrigação de fazer fungível, hipótese dos autos, não é adequada a aplicação de medida coercitiva indireta, ou seja, fixação de multa diária por descumprimento de decisão judicial.

Assim, antecipação da tutela para excluir o nome dos recorridos dos cadastros de pro-teção ao crédito, sob pena de multa diária no importe de R$ 200,00 (duzentos reais), seria abusiva, tendo em vista a inviabilidade do cumprimento da obrigação.

A fim de refutar os fundamentos da decisão agravada, a parte apresenta tese inovadora – impossibilidade de fixação das astreintes nas demandas em que for discutida obrigação de fazer fungível –, diferente da desenvolvida no recurso especial, qual não foi debatida pelo Tribunal de origem.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

O jurista Rizzatto Nunes, sobre as astreintes, assim nos ensina:

“Em nosso sistema que, diga-se, é o único que importa, as astreintes são previstas em mais de um texto legal (como se verá adiante). Cabe ao magistrado fixá-las no caso concreto para estimular – forçar, na verdade – o devedor a cumprir sua obrigação.

No entanto, infelizmente, há casos de abusos na sua fixação e, especialmente, na sua liquidação em pecúnia quando não cumprida a obrigação, em parte influenciada pela equivocada doutrina.

E, para citarmos, por todos, a posição jurídica acertada a respeito do tema, transcreve--se o pensamento de Calmon de Passos. Diz ele que o valor das astreintes deve ser proporcional à obrigação inadimplida e que seja capaz de desempenhar a função de coercibilidade sobre o devedor: ‘Suficiente para induzir o devedor a adimplir, pelo que variará em função da capacidade econômica do devedor, mais do que em função da natureza da obrigação, mas essa correção não pode alcançar excesso, devendo cingir-se ao compatível’.

3. Natureza

Realce-se, também, um aspecto que, às vezes, passa despercebido, o de que, a rigor, o resultado da liquidação da multa não deveria reverter a favor do credor da obrigação.

A natureza das astreintes é de pena para exercer pressão psicológica, imposta pelo magistrado para garantir sua própria decisão, e não o crédito ou o direito da outra parte. Tanto isso é verdade que, de fato, as astreintes substituem o delito de desobediência.

A liquidação da multa, portanto, não tem relação com o direito da parte contrária, exatamente como o cumprimento da pena do crime de desobediência não a prejudica nem a beneficia.

Desse modo, o produto da liquidação das astreintes, evidentemente, deveria pertencer ao Estado e não à parte. Nesse sentido é a doutrina de Luiz Guilherme Marinone: ‘a multa [...] serve apenas para pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, motivo pelo qual não parece racional a ideia de que ela deva reverter para o patrimônio do autor, como se tivesse algum fim indenizatório ou algo parecido com isso; seu único objetivo é garantir a efetividade da tutela jurisdicional’.

E também de Marcelo Lima Guerra: ‘o credor não tem, em princípio, direito de receber nenhuma quantia em dinheiro, em razão direta do inadimplemento do devedor, que não seja àquela correspondente a perdas e danos. Na relação entre credor e devedor, o pri-meiro só tem direito à prestação contratada ou ao equivalente pecuniário dessa mesma prestação (o ressarcimento em dinheiro pelos prejuízos resultantes da não realização da prestação)’.

4. O caráter objetivo: confusão a ser evitada

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Outrossim, há de se deixar claro o caráter objetivo da fixação da multa inibitória. Ela não pode ter a natureza de vingança ou castigo pelo descumprimento da ordem judicial.

O que se percebe, algumas vezes, nos pronunciamentos dos magistrados, é uma es-pécie de ira pelo descumprimento de sua ordem, como se a negativa fosse subjetiva e especificamente dirigida ao prolator da ordem. Verifica-se, nesses casos, que o juiz, usando o bastão das astreintes, aplica sua revanche pessoal ao infrator e até, por vezes, exatamente por agir como pessoa e não como representante do Estado, abusa do direito que tem.

Ora, não há nada de pessoal, quer no cumprimento quer no descumprimento de uma ordem judicial. Esta é resultado de uma ação dita jurisdicional, feita não por uma pessoa na condição de indivíduo ou cidadão, mas por alguém investido do papel social público e essencial, no qual está investido, vale dizer, na função pública de magistrado. Uma vez dada a ordem, ela se dirige ao devedor não pela pessoa física do juiz, mas por seu papel, na investidura do cargo como representante do Estado.

Além disso, exponha-se desde já, a Justiça não fica diminuída em sua dignidade, porque em certo momento alguém não cumpre uma determinação do juiz, como também não fica diminuída se esse mesmo juiz (ou pela via de recurso o juízo ad quem) modifique a decisão, revogando a obrigação. É algo juridicamente possível, justo e plenamente de acordo com o sistema processual vigente no país.

Desse modo, é de se excluir as considerações doutrinárias e jurisprudenciais de fun-do psicológico, eis que isso vicia a objetiva incidência do instituto das astreintes nos estritos limites do equitativo e justo no caso concreto.” (As astreintes no direito do consumidor: limites e possibilidades de aplicação e liquidação. Disponível em: http://online.sintese.com.)

2413 – ação monitória – cheques – ilegitimidade de parte – factoring – notificação – des-necessidade

“Apelação. Ação monitória. Cheques. Ilegitimidade de parte. Preliminar rejeitada. Factoring. Notificação. Desnecessidade. A notificação prevista nos termos do art. 290 do Código Civil tem por objetivo cientificar o devedor de que o pagamento deve ser realizado a outro credor, todavia a sua ausência não invalida a cessão de crédito e não torna indevida a cobrança do crédito. Ordem de pagamento à vista. Presunção legal de legitimidade do título cambiário. Cheque prescrito. Correção monetária. Incidência. Data do vencimento. Recursos de apelação do réu e adesivo da autora improvidos.” (TJSP – Ap 1038473-47.2014.8.26.0002 – São Paulo – 37ª CDPriv. – Rel. Pedro Kodama – DJe 19.02.2015)

2414 – cédula de crédito rural – juros de mora – termo inicial

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil e bancário. Cédula de crédito rural. Termo inicial dos juros de mora. Fundamento autônomo não atacado. Súmula nº 283/STF. Decisão mantida pelos próprios fundamentos. Provimento negado. 1. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, do fundamento central do aresto recorrido atrai o óbice da Súmula nº 283 do STF, segundo a qual: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles’. 2. Agravo regimental a que se nega provi-mento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 381.365 – (2013/0259440-0) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014)

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2415 – cheque – empresa de factoring – inscrição indevida em cadastro de emitentes de cheque sem fundos – indenização – cabimento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Empresa de factoring. Inscrição in-devida em cadastro de emitentes de cheques sem fundos. Dano moral configurado. Quantum indenizatório. Revisão que se admite tão somente nos casos em que o valor se apresentar irrisório ou exorbitante. Precedentes. Agravo regimental a que se nega pro-vimento. 1. O valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evi-dencia no caso em tela. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 560.024 – (2014/0196388-2) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 06.02.2015)

2416 – condomínio empresarial – furto à unidade autônoma – ausência de responsabilida-de – possibilidade

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Responsabilidade civil. Condomínio empresarial. Furto à unidade autônoma. Ausência de responsabilidade das agravadas. Reexame de matéria contratual e fática da lide. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. Entendimento adotado nesta Corte. Verbete nº 83 da súmula do STJ. Não provimento. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões deve ser afastada a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. O Tribunal de origem entendeu, com base nos fatos, provas e conteúdo contratual dos autos, que as agravadas não são responsáveis pelos danos decor-rentes do furto. O acolhimento das razões de recurso, na forma pretendida, demandaria o reexame de matéria fática. Incidência dos Verbetes nºs 5 e 7 da Súmula desta Corte. 3. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência desta Corte. Incidente, portanto, o Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 506.687 – (2014/0094811-4) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.02.2015 – p. 543)

2417 – conflito de competência – recuperação judicial – prolação de decisão definitiva no âmbito desta corte – trânsito em julgado

“Agravo regimental no conflito de competência. Recuperação judicial. Prolação de deci-são definitiva no âmbito desta Corte. Trânsito em julgado. Súmula nº 59 do STJ. Juízo de valor acerca da essencialidade ou não do bem ao funcionamento da empresa. Atribuição do juízo da recuperação judicial. Exceção legal prevista na parte final do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. 1. Tendo em vista que esta Corte de Justiça apreciou o recurso tirado da demanda reivindicatória – com trânsito em julgado –, não há falar em conflito a ser dirimido por este Tribunal Superior, consoante dispõe a Súmula nº 59/STJ, in verbis: ‘Não há conflito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida por um dos juízes conflitantes’. 2. O juízo de valor acerca da essencialidade ou não do bem ao funcionamento da empresa cumpre ser realizada pelo juízo da recuperação judicial, que tem acesso a todas as informações sobre a real situação dos bens da empresa em re-cuperação judicial. 3. Agravo regimental a que se dá provimento, a fim de não conhecer do conflito, determinando o retorno dos autos ao Juízo da Vara Única da Comarca de Brasilândia/MS.” (STJ – AgRg-CC 126.894 – (2013/0048208-0) – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.12.2014 – p. 1121)

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2418 – contrato – compra e venda – defesa do consumidor – produto adquirido – duas placas de vídeo – defeito em uma – rescisão – restituição integral do valor – impos-sibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Compra e venda. Consumidor. Pro-duto adquirido. Duas placas de vídeo. Uma defeituosa. Rescisão de contrato. Restituição integral do valor. Impossibilidade. Súmula nº 7. Agravo regimental improvido. 1. O Tri-bunal de origem, apreciando o conjunto probatório dos autos, concluiu pela impossibili-dade da agravada em atender ao pleito dos agravantes em relação à devolução do valor integral, em razão de a outra placa de vídeo não apresentar nenhum defeito. A alteração de tal entendimento, como pretendida, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 7 do STJ. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 238.790 – (2012/0208381-5) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2053)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática de lavra deste Re-lator, que negou provimento ao agravo em recurso especial.

A parte agravante alegou violação aos arts. 18, 31 e 35 do Código de Defesa do Con-sumidor, sustentando, em síntese, que “o presente recurso se consagra admissível por aquilo que o Recurso de Apelação deveria garantir: a observância das normas previs-ta no Código de Defesa do Consumidor, que é garantia no fornecimento dos produtos assegurando-se a quantidade (com qualidade) dos produtos ofertados conforme rezam os arts. 31 e 35”.

Requereram a restituição tal do valor pago pelo produto defeituoso, qual sejam duas placas de vídeo.

Nas razões recursais, os agravantes pretendem a reforma da decisão, sob o fundamento de que não incide a Súmula nº 7/STJ, uma vez que não há controvérsia quanto à matéria de prova, e sim na aplicação do direito pelo Tribunal de origem.

O STJ negou provimento ao recurso.

Rosana Grinberg, discorrendo sobre os prazos estabelecidos na Lei nº 8.078/1990, que trata dos direitos dos consumidores, assim asseverou:

“Finalmente, a questão do prazo de 7 (sete) dias para devolução de mercadoria e de-sistência de contrato, prevista no art. 49 do CDC. O dispositivo legal, embora bastante claro, tem levado consumidores que adquirem um produto numa loja, depois de algum tempo, a quererem devolver, pelas mais diversas razões, e procurar os órgãos de defesa dos consumidores, reclamando que o fornecedor não quis receber. Ora, essa permissi-bilidade só se aplica se ‘a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio’. Significa dizer: são aquelas situações em que um fornecedor bate à porta do consumidor para lhe vender livros ou panelas ou produtos de limpeza. O consumidor, muitas vezes, premido pela lábia do vendedor, ou pelo tempo, sem condições de melhor refletir, adquire o pro-duto e só depois verifica que não lhe interessa a compra. Nestes casos, a lei permite que o consumidor exercite o seu direito de arrependimento, previsto no artigo mencionado (7 dias), situação em que o produto será devolvido, com restituição imediata pelo forne-cedor, dos valores eventualmente pagos, a qualquer título, monetariamente atualizados.

No caso, contudo, de uma consumidora, por exemplo, que adquire um vestido numa loja, de cor vermelha e, ao chegar em casa, o marido não gosta, porque acha que vermelho não lhe cai bem, não há qualquer obrigação do fornecedor (loja) lhe trocar ou receber o vestido de volta. Se o fizer será por mera liberalidade, por uma questão de marketing, objetivando a simpatia da cliente. Do mesmo modo, não há qualquer

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obrigação do fornecedor no sentido de trocar mercadoria, que o consumidor, após a aquisição, encontrou por preço inferior em outro estabelecimento, já que não há, no momento político-econômico do país, tabelamento de preços, cabendo ao consumidor pesquisar os mesmos antes de comprar o produto ou de contratar o serviço.” (Dos pra-zos no código do consumidor. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/14829, nº 19/1998, p. 403, 1ª quinz. out. 1998)

Vejamos as considerações de Luiz Antônio Rizzatto Nunes:

“Recordemos que o § 3º diz que ‘tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia--se no momento em que ficar evidenciado o defeito’.

Primeiramente, anote-se o erro da redação: o texto deveria ser: ‘tratando-se de vício oculto o prazo decadencial inicia-se no momento em que o mesmo fica evidenciado’. Além do problema da redação, há o inconveniente do uso do vocábulo defeito, que, no sistema da Lei nº 8.078/1990, é diferente de vício [...].” (Comentários ao código de de-fesa do consumidor: direito material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 348)

2419 – contrato bancário – empréstimo consignado em folha de pagamento – benefício de aposentadoria – descontos – limitação legal

“Direito civil. Contrato bancário. Empréstimo com consignação em folha de pagamento. Benefício de aposentadoria. Descontos. Limitação legal. Lei nº 10.820/2003. I – ‘Nos termos do art. 6º da Lei nº 10.820/2003, com a redação dada pela Lei nº 10.953/2004, é possível aos titulares de benefícios previdenciários autorizar ao órgão competente o referido desconto em folha, bem assim, à instituição financeira da qual recebam seus be-nefícios a retenção, para fins de amortização, de valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela con-cedidos, quando previstos em contrato, desde que observado o limite de 30% (trinta por cento) do valor do respectivo benefício, nos termos do § 5º do referido dispositi-vo legal.’ (AC 0007205-76.2009.4.01.3500/GO, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 283 de 12.08.2013). II – Apelação provida para julgar procedente o pedido.” (TRF 1ª R– AC-AOr 0002570-38.2013.4.01.3815 – Rel. Juiz Fed. Conv. Carlos Eduardo Castro Martins – J. 21.01.2015)

2420 – contrato de financiamento bancário – importação de equipamento industrial – taxa de juros – limitação

“Direito civil. LICC. Aplicação da legislação estrangeira. Obrigação decorrente de con-trato de financiamento bancário destinado a importação de equipamento industrial. CDC afastado. Art. 535 do CPC. Cerceamento do direito de defesa. Dispositivo inaplicável e impertinente. Taxa de juros. Limitação. Interpretação de norma constitucional. Impossibi-lidade em recurso especial. 1. A norma do art. 9º, § 2º, da LICC (atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), não se refere a domicílio, mas a simples ‘residên-cia’, revelando caráter temporário, vinculado ao local onde se encontrava o proponente no momento de propor a realização do negócio jurídico. 2. No caso concreto, conforme consta do acórdão recorrido, o que se tem é que o contrato de financiamento foi celebra-do nos Estados Unidos da América e a importância respectiva seria repassada pela institui-ção bancária estrangeira diretamente à empresa americana exportadora do equipamento, da qual a empresa nacional recorrente adquiriu o equipamento de corte de metais. Ou seja, o contrato de financiamento foi celebrado no exterior e lá deveria ser cumprido, ine-xistindo esclarecimentos a respeito de como e onde foram realizadas as tratativas iniciais. Com isso, presume-se que a proposta foi realizada também no exterior e, na melhor inter-

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pretação do art. 9º, § 2º, da LICC, não há como deixar de aplicar a legislação estrangeira na relação contratual examinada nestes autos, ficando afastada a incidência do CDC. 3. A propósito da tese de que o contrato vincularia o mutuante ao produto defeituoso, os recorrentes não apontam qual artigo de Lei federal teria sido violado, cingindo-se a con-cluir que o Tribunal de origem decidiu de forma contrária aos ‘termos do próprio contrato’ e da ‘carta de crédito emitida pela Instituição Financeira’. Nessa parte, incide as vedações contidas nos Enunciados nºs 284 da Súmula do STF e 5 e 7 da Súmula do STJ. 4. Ademais, segundo orientação desta Corte Superior, não incide o CDC por ausência da figura do consumidor (art. 2º do CDC) nos casos de financiamento bancário ou de aplicação finan-ceira com o propósito de ampliar capital de giro e a atividade empresarial. É que o capi-tal obtido da instituição financeira destina-se, apenas, a fomentar a atividade industrial, comercial ou de serviços e, com isso, incrementar os negócios e o lucro. 5. A indústria que adquire e importa equipamento com valor superior a US$ 261.485,00 (duzentos e sessenta e um mil, quatrocentos e oitenta e cinco dólares americanos) não revela vul-nerabilidade ou hipossuficiência, na forma da jurisprudência desta Corte, para efeito de conceder-lhe a tutela protetiva prevista no CDC em favor, exclusivamente, do destinatário final do produto ou serviço. 6. Omissões e violação do art. 535 do CPC não configuradas no acórdão recorrido. 7. O art. 1º do CDC, além de não ser aplicável à presente demanda em virtude da incidência da legislação estrangeira e da descaracterização de relação de consumo, é impertinente para impor o reconhecimento de cerceamento do direito de defesa, tendo em vista que o acórdão recorrido encontra-se fundamentado no fato de que as partes, devidamente representadas por seus advogados, teriam dispensado a produção de outras provas e no entendimento de que as provas requeridas seriam inúteis diante do contexto fático-jurídico apresentado. 8. Descabe enfrentar em recurso especial a eventual contrariedade a Dispositivo Constitucional e à auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CF. 9. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, desprovido.” (STJ – REsp 963.852 – (2007/0145056-0) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 06.10.2014)

2421 – contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária – capitalização mensal

“Agravo regimental em recurso especial. Contrato de financiamento garantido por aliena-ção fiduciária. Negativa de prestação jurisdicional. Capitalização mensal. Tarifas bancá-rias. Reexame de matéria fático-probatória. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 1. No tocante à alegada negativa de prestação jurisdicional, agiu corretamente o tribunal de origem ao rejeitar os embargos declaratórios por inexistir omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que obje-tivava a reforma do julgado por via inadequada. 2. No julgamento do REsp 973.827/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, restou decidido que nos contratos firma-dos após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, admite-se a capitalização dos juros em periodicidade inferior a um ano desde que pactuada de forma clara e expressa, assim considerada quando prevista a taxa de juros anual em percentual pelo menos doze vezes maior do que a mensal. Hipótese em que não ficou consignada pelas instâncias ordinárias a data em que firmado o contrato bancário. Incidência das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 3. A reforma do acórdão quanto às tarifas bancárias encontra o óbice de que tratam as Súmulas nºs 5 e 7/STJ, em virtude da ausência de informações, nos provimentos judiciais ordinários, a respeito da data do contrato. 4. Agravo regimental

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não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.477.618 – (2014/0216530-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.12.2014 – p. 2007)

2422 – contrato de franquia – anulação – descumprimento dos requisitos – obrigada da entrega – precedente

“Agravo regimental em agravo em recurso especial. Violação ao art. 535 não verificada. Contrato de franquia. Anulação. Descumprimento dos requisitos elencados no art. 3º da Lei nº 8.955/1994. Alegações genéricas. Súmula nº 284/STF. Prazo de entrega de docu-mento. Entendimento do tribunal de origem, calcada no acervo fático-probatório, con-cluindo pela desinfluência no insucesso do negócio jurídico. Revisão. Súmula nº 7/STJ. 1. Não caracteriza omissão quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte. Destarte, não há que se falar em violação do art. 535, do Código de Processo Civil, pois o tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. 2. O recurso especial reclama que a argumentação erigida de-monstre de plano, mediante uma concatenação lógica, o malferimento dos artigos pelo acórdão recorrido. Na espécie, a recorrente limita-se a arguir violação dos art. 3º, II, III, VIII, a, b, c, IX, X, a, XII, a, b, XIII, XIV e XV da Lei nº 8.955/1994 sem indicar, clara e objetivamente, de que forma tais dispositivos teriam sido violados, de sorte que a alega-ção genérica de ofensa à lei caracteriza deficiência de fundamentação, em conformidade com o Enunciado Sumular nº 284 do STF. 3. O Tribunal de origem, com base nas provas carreadas aos autos, concluiu que o descumprimento por parte do franqueador da obri-gação de entregar a Circular de Oferta de Franquia – COF no prazo de dez dias, não foi a causa determinante para o insucesso do negócio jurídico, e que o descumprimento dessa formalidade não essencial não é passível de anular o contrato depois de passado quase dois anos de exploração da atividade empresarial, de forma que a revisão do julga-do demandaria inegável necessidade de reexame de provas, providência inviável de ser adotada em recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 572.553 – (2014/0196832-8) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.02.2015)

2423 – contrato de participação financeira – excesso de execução – juros

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Telefonia. Contrato de participação fi-nanceira. Excesso de execução. Juros sobre juros. Prequestionamento. Ausência. Súmulas nºs 211/STJ e 282/STF. Recurso não provido. 1. O prequestionamento dos dispositivos de lei federal alegadamente violados, assim como da matéria neles tratada é indispensável ao conhecimento do recurso especial (Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ). Ademais, a simples interposição de embargos de declaração não pressupõe o prequestionamento (Súmula nº 211/STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 603.673 – (2014/0275674-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.12.2014 – p. 2278)

2424 – defesa do consumidor – arquivos de crédito – sistema credit scoring – compatibili-dade com o direito brasileiro – limites – dano moral

“Recurso especial representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC). Tema nº 710/STJ. Direito do consumidor. Arquivos de crédito. sistema credit scoring. Compatibilidade com o direito brasileiro. Limites. Dano moral. I – Teses. 1. O sistema credit scoring é um mé-

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todo desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao con-sumidor avaliado (nota do risco de crédito). 2. Essa prática comercial é lícita, estando au-torizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei nº 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo). 3. Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei nº 12.414/2011. 4. Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas. 5. O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema credit scoring, configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei nº 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utili-zação de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei nº 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incor-retos ou desatualizados. II – Caso concreto: a) Recurso especial do CDL: 1. Violação ao art. 535 do CPC. Deficiência na fundamentação. Aplicação analógica do óbice da Súmula nº 284/STF. 2. Seguindo o recurso o rito do art. 543-C do CPC, a ampliação objetiva (terri-torial) e subjetiva (efeitos erga omnes) da eficácia do acórdão decorre da própria natureza da decisão proferida nos recursos especiais representativos de controvérsia, atingindo todos os processos em que se discuta a mesma questão de direito em todo o território nacional. 3. Parcial provimento do recurso especial do CDL para declarar que ‘o sistema credit scoring é um método de avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito)’ e para afastar a necessidade de con-sentimento prévio do consumidor consultado. b) Recursos especiais dos consumidores interessados: 1. Inviabilidade de imediata extinção das ações individuais englobadas pela presente macro-lide (art. 104 do CDC), devendo permanecer suspensas até o trânsito em julgado da presente ação coletiva de consumo, quando serão tomadas as providências previstas no art. 543-C do CPC (Recurso Especial nº 1.110.549-RS). 2. Necessidade de demonstração de uma indevida recusa de crédito para a caracterização de dano moral, salvo as hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei nº 12.414/2011). 3. Parcial provimento dos recursos especiais dos consumidores interessados apenas para afastar a determinação de extinção das ações individuais, que deverão permanecer suspensas até o trânsito em julgado do presente acórdão. III – Re-cursos especiais parcialmente providos.” (STJ – REsp 1.457.199 – (2014/0126130-2) – 2ª S. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 17.12.2014)

2425 – desconsideração da personalidade jurídica – requisitos autorizadores

“Agravos regimentais nos recursos especiais. Civil e processual civil. Desconsideração da personalidade jurídica. Requisitos autorizadores identificados pelo tribunal de origem. O acolhimento da pretensão recursal exigiria incursão na prova dos autos, o que é vedado a esta corte superior, nos termos da Súmula nº 07/STJ. Agravos regimentais desprovi-dos.” (STJ – AgRg-REsp 1.320.732 – (2012/0051843-6) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 17.12.2014 – p. 1522)

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Comentário Editorial SÍNTESE“Trata-se de agravos regimentais interpostos contra decisão que negou seguimento aos seus recursos especiais, ementada nos seguintes termos:

‘Recursos especiais. Civil e processual civil. Desconsideração da personalidade jurídica. Requisitos autorizadores identificados pelo tribunal de origem. Para alcançar provimento às pretensões recursais, necessária incursão na prova dos autos, o que é vedado a esta Corte superior, nos termos da Súmula nº 07/STJ. Recursos especiais aos quais se nega seguimento.’

Em suas razões, ambos agravantes reiteraram as mesmas alegações expostas em seus re-cursos especiais, respectivamente, destacando a inaplicabilidade da Súmula nº 07/STJ. Postularam a reconsideração ou o encaminhamento do presente recurso à Colenda Tur-ma para apreciação colegiada de suas insurgências.

O STJ negou provimento aos agravos regimentais.

O Relator assim aduziu:

‘Por fim, ambos recursos especiais não podem ser conhecidos quanto à interposição pela alínea c do permissivo constitucional, pois o dissídio jurisprudencial não foi comprovado conforme estabelecido nos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

A divergência jurisprudencial deve ser demonstrada com a indicação das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

No caso concreto, os recorrentes apontam julgados que não guardam similitude fática com o caso dos autos, não se procedendo ademais ao devido cotejo analítico entre os julgados.’

Conforme lições de Alex Moisés Tedesco, a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil assim esclarece:

‘O novo Código Civil após vários anos de discussões no Congresso Nacional foi instituído pela Lei nº 10.406/2002, com um período de vacatio legis de um ano, trazendo no seu bojo alguns institutos antes não previstos e reclamados pela doutrina, a disregard doctrine é um exemplo desta previsão legislativa inovadora.

Tal previsão prevista no art. 50, do novo CC, é de grande relevância para que o aplicador do Direito tenha segurança para desconsiderar a pessoa jurídica, pois a previsão em le-gal desta possibilidade acaba com algumas dúvidas científicas acerca da sua aplicação, já que introduz uma ampla positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no nosso ordenamento jurídico.’

Neste sentido, é importante estudar-se o projeto do novo CC que tratava do tema em discussão, cuja redação original do art. 50, in verbis:

‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram a sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá ao juiz, a requerimento do lesado ou do Ministério Público, decretar-lhe a dissolução. Parágrafo único. Neste caso sem prejuízo de outras sanções cabíveis, res-ponderão, conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração.’

A redação acima recebeu severas críticas por parte da doutrina, já que o artigo prevê a dissolução da sociedade, algo não contemplado pela disregard doctrine, que simples-mente ignora a pessoa jurídica para o caso concreto, não havendo a extinção da pessoa jurídica. O citado artigo previa uma hipótese de despersonalização da sociedade, ou seja, extinção da pessoa jurídica, e não de desconsideração, em que a pessoa jurídica

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é desprezada somente para o caso concreto, permanecendo intocada em relação aos demais negócios da sociedade.

Outra crítica que pode ser feita é a participação do MP em qualquer caso de desconsi-deração, já que, pelo Texto Constitucional, este órgão tem competência para atuar nas causas de interesse público e, na grande maioria dos casos em que é desconsiderada a pessoa jurídica, há um mero interesse individual das partes envolvidas, uma mera relação entre credor e devedor.

Estes aspectos foram melhorados na atual redação do art. 50, que possui o seguinte co-mando normativo: ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo des-vio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os defeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica’.

O texto acima citado revela claramente a intenção de incorporar-se a disregard doctrine no ordenamento jurídico material, sendo notável o avanço neste sentido. Contudo, ape-sar de ter-se adequado a participação do MP, para atuar somente quando realmente possuir interesse, o dispositivo possui algumas falhas.

O pressuposto abuso da personalidade jurídica está em consonância com a concepção doutrinária subjetivista da teoria da penetração. Elogiável também é a menção do desvio de finalidade que pode ser considerado como a premissa maior da disregard doctrine, inclusive tendo sido o motivo determinante da construção da mesma.

Quanto à confusão patrimonial, a que se refere o art. 50, pode-se perceber a intenção do relator do projeto do Código Civil de encampar, também, a concepção objetiva da teoria da desconsideração, que não exige a prova de que o agente agiu com má-fé ocultando--se sob o manto da pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação. Como já mencionado anteriormente, fórmulas aritméticas, como a confusão patrimonial, não revelam por si só um abuso no uso da personalidade jurídica, pois, o fato de um sócio ser o detentor principal do capital social não revela, a priori, que esse tencione ocultar-se sob a pessoa jurídica, já que o simples insucesso nos negócios, tornando a sociedade insolvente, não autoriza a responsabilização do sócio, por maior que seja sua participação no capital social.

Outra questão a ser enfrentada é a da restrição no alcance da aplicação do dispositivo, já que esse prevê somente a extensão dos efeitos de algumas obrigações aos bens da pessoa física, não prevendo a extensão diretamente à pessoa do sócio, para caracterizar--se uma atividade pessoal dele, sendo executada em nome da sociedade.

Um exemplo disto seria o caso de uma pessoa física assumir uma obrigação de não fazer e constituir uma sociedade em que seja o seu controlador e principal detentor do capital social, sendo que a pessoa jurídica passa a exercer a atividade não permitida contratualmente ao sócio. É flagrante a intenção de usar a pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação contratual, havendo um abuso da pessoa jurídica e o desvio de finalidade dessa. Contudo, desconsiderando-se a personalidade jurídica, a atividade exercida pela sociedade seria imputada diretamente ao sócio, ou seja, haveria a extensão dos efeitos de algumas relações à pessoa física e, não aos bens da mesma, como preconiza o citado art. 50.

A previsão da superação da pessoa jurídica no novo CC não contempla a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, para poder-se responsabilizar o sócio por descumprir uma obrigação que não seja de cunho patrimonial, pois o citado artigo prevê somente a extensão de alguns efeitos estritamente aos bens do sócio e não diretamente a esse, para considerá-lo como praticante dos atos a ele vedados e, como consequência, considerá-lo como descumpridor dos termos contratuais.” (Desconsideração da persona-lidade jurídica no Novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com.)

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2426 – desconsideração inversa da personalidade jurídica – atos fraudulentos e abuso da personalidade – não comprovação

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Desconsideração in-versa da personalidade jurídica. Violação ao art. 535, I e II, do CPC. Não ocorrência. Atos fraudulentos e abuso da personalidade. Não comprovação. Revisão. Súmula nº 7/STJ. Recurso não provido. 1. Não se constata a alegada violação ao art. 535 do CPC, na medi-da em que a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas. De fato, inexiste omissão no aresto recorrido, porquanto o Tribunal local, malgrado não ter acolhido os argumentos suscitados pela parte recorrente, manifestou--se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. 2. O fato de a parte recorrente entender haver abuso da personalidade e confusão patrimonial não é suficiente para abrir a via extraordinária quando o acórdão recorrido anota, expres-samente, a ausência de provas nesse sentido. 3. A convicção formada pelo Tribunal de origem acerca da ausência dos requisitos necessários para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa recorrida decorreu dos elementos existentes nos autos, de forma que rever o acórdão objurgado, nesse aspecto, importaria necessariamente o reexame de provas, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 159.380 – (2012/0059015-0) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014)

2427 – direito cambiário – protesto de cheque prescrito – não cabimento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito cambiário. Protesto de cheque prescrito. Não cabimento. Precedentes. Recurso negado. 1. É indevido o protesto na hipó-tese de cheque prescrito. O protesto tem por finalidade precípua comprovar o inadimple-mento de obrigação originada em título executivo ou outro documento de dívida e visa, ainda, à salvaguarda dos direitos cambiários do portador em face de possíveis coobriga-dos. 2. O cheque prescrito serve apenas como princípio de prova da relação jurídica sub-jacente que deu ensejo a sua emissão, não detendo mais os requisitos que o caracterizam como título executivo extrajudicial e que legitimariam o portador a exigir seu imediato pagamento e, por conseguinte, a fazer prova do inadimplemento pelo protesto. Preceden-tes. 3. A Lei do Cheque – em seu art. 48 – Dispõe que o protesto deve ser feito antes da expiração do prazo de apresentação (30 dias, se da mesma praça, ou 60, se de praça di-versa, mais 6 meses, a contar da data de emissão do cheque), quando então o título perde a sua executividade. 4. A perda das características cambiárias do título de crédito, como autonomia, abstração e executividade, quando ocorre a prescrição, compromete a pronta exigibilidade do crédito nele representado, o que desnatura a função exercida pelo ato cambiário do protesto de um título prescrito. Precedentes. 5. O protesto do cheque dois anos após sua emissão, no caso, exsurge como meio de coação e cobrança, o que não é cabível diante da finalidade prevista em lei para o ato cambiário. Precedentes. 6. Agra-vo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 593.208 – (2014/0248593-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2262)

2428 – direito empresarial – contrato social – alteração – fraude – prova – reexame

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito empresarial. Contrato social. Alteração. Fraude. Prova. Reexame. Súmula nº 7/STJ. 1. A conclusão do tribunal de se-gunda instância, no sentido de que o recorrente não fez prova bastante da alegação de

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fraude na alteração do contrato social, não se submete ao crivo do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 520.006 – (2014/0113431-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.02.2015)

2429 – direito empresarial – titularidade de ações de sociedade anônima – competência

“Direito empresarial processual. Competência recursal. Ação ordinária. Matéria relativa à definição da titularidade de ações de sociedade anônima. Competência de uma das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, em face da matéria de fundo. Resolução nº 538/2011 do E. Tribunal de Justiça de São Paulo. Redistribuição determinada. Apelo não conhecido.” (TJSP – Ap 0807215-93.1997.8.26.0100 – São Paulo – 8ª CDPriv. – Rel. Helio Faria – DJe 20.02.2015)

2430 – duplicata – contrato de prestação de serviço – cessão do título de crédito – protes-to – apontamento indevido

“Duplicata. Contrato de prestação de serviço. Cessão do título de crédito para empresa de factoring. Devedor que opôs exceção contra o cedente à cessionária. Apontamento indevido do título para protesto. Pedido de indenização por dano moral. Ente despersona-lizado. Reforma-se a sentença para julgar procedentes os pedidos de declaração de inexi-gibilidade do débito e de sustação de protesto de duplicata em relação à corré/cessionária FBM Fomento Mercantil Ltda., uma vez que, apesar de o autor ter oposto exceções contra o corréu/cedente Grupo Fort Serviços S/C Ltda., em razão de descumprimento contratual por parte desse, ainda assim, apontou o título de crédito para protesto. Por outro lado, julga-se o processo extinto, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva, em re-lação ao corréu, quanto a esses pedidos. Apesar de ambos os corréus deverem figurar no polo passivo como parte legítima em relação ao pedido de indenização por dano moral, fundado no apontamento indevido do título ao protesto, o autor não deve ser indenizado porque condomínio é ente despersonalizado (CC, art. 52). Dá-se provimento em parte ao recurso.” (TJSP – Ap 0012077-66.2006.8.26.0152 – Cotia – 20ª CDPriv. – Rel. Alberto Gosson – DJe 27.01.2015)

2431 – duplicata – protesto indevido – responsabilidade solidária – quantum indenizatório

“Apelação. Declaratória. Inexigibilidade de título duplicata. Legitimidade passiva endos-so. Factoring protesto indevido. Dano moral. Responsabilidade solidária. Quantum inde-nizatório. Reconhecido que, nas operações de factoring, a faturizadora compra títulos da empresa faturizada por meio de endosso translativo, sub-rogando-se em todos os direitos e obrigações do sacador e respondendo, portanto, por eventuais prejuízos causados a terceiros. Legitimidade passiva da faturizadora reconhecida. Configurada a responsabi-lidade solidária entre as corrés. Ação procedente. Dano moral decorrente do protesto indevido dos títulos que independe de prova Indenização fixada pela r. sentença em R$ 15.000,00. Redução. Cabimento. Indenização deve ser fixada com base em critérios legais e doutrinários. Indenização reduzida para R$ 10.000,00, a contar da sentença, quantia suficiente para indenizar a autora e, ao mesmo tempo, coibir as corrés de atitu-des semelhantes. Indenização atualizada com correção monetária, a contar da sentença, proferida em 26.03.2013, e juros moratórios, a contar da citação. Impossibilidade de modificação da r. sentença, neste aspecto, sob pena de reformatio in pejus. Súmulas nºs 54 e 362 do STJ. Ação procedente. Sentença parcialmente reformada. Apelos das

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corrés parcialmente providos.” (TJSP – Ap 0010617-36.2010.8.26.0562 – Santos – 24ª CDPriv. – Rel. Salles Vieira – DJe 18.02.2015)

2432 – Execução de título extrajudicial – contrato de fomento mercantil – compra de cré-dito de sociedade empresária

“Apelação cível. 1. Embargos à execução. Execução de título extrajudicial. Contrato de fomento mercantil. Compra de crédito de sociedade empresária. Escritura pública de confissão de dívida com garantia hipotecária firmada em razão de inadimplemento con-tratual. Penhora do bem imóvel dado em garantia. Bem de família. Impenhorabilidade. Exceção do art. 3º, V da Lei nº 8.009/1990. Inaplicabilidade. Garantia hipotecária presta-da em dívida de pessoa jurídica. Exceção que somente incide caso haja benefício direto para a entidade familiar. Precedentes. Manutenção da sentença. Recurso conhecido e desprovido. Apelação cível. 2. Factoring. Distinção entre contrato de factoring e opera-ções de factoring que somente descaracteriza operações de factoring em relação às quais tenha sido aplicada. Previsão contratual insuficiente para afastar a responsabilidade da cedente em relação à existência dos créditos atinentes aos títulos cedidos. Subsistência da responsabilidade do faturizado pela dívida, em qualquer hipótese, quando originada em vício nos títulos cedidos. Confissão de dívida cuja invalidade dependeria da demons-tração de que o débito deriva de operações de factoring relacionada a títulos meramente inadimplidos, fundados na obrigação de recompra. Ausência de prova, porém, a indicar a improcedência da alegação. Recurso conhecido e desprovido.” (TJPR – AC 1239967-0 – 16ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Alexandre Gomes Gonçalves – DJe 18.02.2015)

2433 – Execução de título extrajudicial – cheques – contrato de cessão de crédito – cláu-sula de recompra e exigência de garantia no factoring – precedentes

“Direito civil e comercial. Execução de título extrajudicial. Cheques. Contrato de cessão de crédito. Factoring. Cláusula de recompra e exigência de garantia no factoring. Embar-gos. Impossibilidade de estipulação de garantias no contrato de fomento mercantil. Con-trato aleatório. Nulidade do título. Embargos à execução providos. Extinção do processo de execução. Apelação. Alegação de que havendo previsão contratual, é possível exercer o direito de regresso. Decisão terminativa. Negativa de seguimento. Agravo regimental. Renovação dos argumentos contidos na apelação. Obediência a autonomia da vontade das partes e pacta sunt servanda. Limitação. Agravo improvido. Decisão unânime. Ainda que a transferência dos títulos de crédito seja formalizada por endosso, a aquisição de crédito por faturizadora caracteriza a realização de cessão de crédito, de modo a se afas-tar o direito de regresso contra o cedente na hipótese de inadimplemento; Precedentes.” (TJPE – AgRg-Ap 0150495-93.2009.8.17.0001 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Francisco Manoel Tenorio dos Santos – DJe 08.01.2015)

2434 – Execução de título extrajudicial – penhora inicial – sobre maquinário da atividade empresarial – descabimento

“Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Penhora inicial efetivada so-bre maquinário próprio da atividade empresarial dos devedores. Posteriormente, foi au-torizada penhora on line de ativos financeiros em nome dos executados. Insurgência. Descabimento. Possibilidade de substituição da penhora, eis que a ordem preferencial deve recair sobre dinheiro, em espécie, em depósito ou aplicação em instituição finan-

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ceira, nos termos do disposto no art. 655, I, CPC. Decisão mantida. Recurso desprovido, com observação.” (TJSP – AI 2218107-89.2014.8.26.0000 – São Bernardo do Campo – 37ª CDPriv. – Rel. Sergio Gomes – DJe 19.02.2015)

2435 – Factoring – cobrança de duplicatas – grupo econômico – denúncia de fraude – ma-nipulação – acusação

“Factoring (empresa faturizadora) que ingressa com cobrança de duplicatas não honradas via ação monitória contra várias pessoas jurídicas sob a alegação de se tratar de um só grupo econômico. Denúncia, fraude e manipulação nas transferências societárias. Ação monitória distribuída como demanda principal de cautelar de arresto de tecidos com re-querimento de alienação antecipada para evitar desvalorização dos bens. Adjudicação à melhor oferta por valor muito inferior ao da dívida. Tentativa de constrição de outros bens e de bloqueio de ativos financeiros on line não satisfatória. Suspeita de que as pessoas jurídicas emitiam títulos de dívidas umas contra outras para levantamento de numerário. Sentença de primeiro grau que rejeita os embargos monitórios e constitui a dívida de-nunciada em título executivo judicial no montante de R$ 156.305,07. Apelação da em-bargada Malhas Têxtil Brasil Ltda. Alegando ausência das duplicatas, que a configuração de grupo econômico não acarreta responsabilidade civil solidária entre os participantes e que os documentos referidos às duplicatas são de emissão da Leaders do Brasil Impor-tação e Exportação Ltda. e a Malhasil Têxtil Ltda. Recurso improvido com observação.” (TJSP – Ap 9258360-10.2008.8.26.0000 – São Paulo – 20ª CDPriv. – Rel. Alberto Gosson – DJe 27.01.2015)

2436 – Falência – triplicatas protestadas – comprovação da entrega das coisas – dispensa-bilidade

“Empresarial. Falência. Pedido fundado em triplicatas protestadas para fins de falência. Comprovação da entrega das mercadorias. Título executivo hábil. Prova dos motivos que ensejaram a emissão da triplicata. Dispensabilidade. Recurso conhecido em parte e não provido. 1. Se o acórdão recorrido, com base nos elementos probatórios dos autos, es-tabeleceu que o protesto dos títulos de crédito se deu para fins de falência e que o re-cebimento foi identificado, contrariar esse entendimento esbarraria no óbice da Súmula nº 7/STJ. Recurso não conhecido neste ponto. Protestos, ademais, demonstrados nos au-tos. 2. É pacífico na jurisprudência que se admitem triplicatas emitidas em razão da não devolução das duplicatas originalmente enviadas ao devedor. Interpretação extensiva do art. 23 da Lei nº 5.474/1968 (Lei das Duplicatas). 3. A triplicata sem aceite, mas protes-tada para fins de falência e acompanhada de documentos comprobatórios da entrega da mercadoria constitui título executivo hábil a embasar a propositura da quebra. 4. A retenção das duplicatas deve ser presumida em face da entrega da mercadoria, cabendo ao devedor a prova da devolução. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.” (STJ – REsp 1.307.016 – (2012/0022777-6) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 09.03.2015)

2437 – Juros remuneratórios – limitação – inviabilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Juros remuneratórios. Limitação. In-viabilidade. Taxa contratada superior à taxa média de mercado. Cobrança abusiva. Não configuração. Recurso desprovido. 1. Conforme jurisprudência pacífica do STJ, as institui-

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ções financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), Súmula nº 596/STF; a estipulação de juros remunerató-rios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica cobrança abusiva; são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591, c/c o art. 406 do CC/2002; é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a cobrança abusiva (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 462.026 – (2014/0011544-5) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2129)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial para permitir a cobrança de juros remuneratórios com base na taxa pactuada.

O recorrente, sustentando as mesmas razões expendidas no recurso especial, afirma, em síntese, que “[...] deve-se ressaltar que a agravante em sua inicial requereu a redução dos juros remuneratórios não só com base no Decreto nº 22.626/1933 (Lei da Usura), mas também em face ao princípio da equidade e boa-fé objetiva e diante da excessiva onerosidade dos juros incidentes no contrato de acordo com o art. 51, inciso IV e § 1º, inciso III, do CDC. Portanto, a supressão do limite constitucional, através da Emenda Constitucional nº 40, não retira a ilegalidade da cobrança das elevadas taxas de juros acima do percentual de 12%, eis que afronta o Código de Defesa do Consumidor, di-ploma legal que repugna as cláusulas que se mostram excessivamente onerosas para o consumidor”.

O STJ negou provimento ao recurso, por entender que os argumentos trazidos nas razões recursais não se apresentam suficientes para suplantar os fundamentos lançados na decisão agravada, a qual merece ser mantida em sua integralidade.

Oportuno trazer as lições de Jaqueline Hamester Dick sobre a taxa de juros:

“A taxa de juros, em sentido amplo, é resultante da soma do índice de correção e de juros reais. A utilização do termo juros, em sentido estrito, significa a taxa de juros reais, que representam exclusivamente os ‘frutos civis’, deduzido o índice inflacionário, denominado correção monetária.

Sendo assim, a discussão acerca da limitação da taxa de juros contratuais diz respeito à taxa de juros reais, excluída a correção monetária, que consoante disposição expressa do Código Civil, é devida no caso de mora, para evitar o enriquecimento ilícito, tendo em vista que representa mera atualização do valor da moeda, corroída pela inflação.

O Código Civil, tanto o revogado como o atual, trata separadamente dos juros e da cor-reção monetária. Portanto, o art. 406 do atual Código Civil ao disciplinar a questão dos juros legais, se refere aos juros reais, sendo devido além destes, a correção monetária, na forma prevista no art. 389 do mesmo diploma.

Estabelecia o Código Civil de 1916 que os juros, quando não convencionados, eram de 6% ao ano. Após, o Decreto nº 22.626, de 1933, conhecido como Lei de Usura, limitou a contratação da taxa de juros ao dobro da previsto pelo Código Civil. Assim, pela Lei da Usura a taxa de juros contratual estava limitada a 12% ao ano, sendo nula de pleno direito cláusula que estabelecia taxa de juros superior a 12% ao ano.

Com o advento da Lei nº 4.595, de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, a limitação da taxa de juros para as instituições financeiras passou a ser de competência do Conselho Monetário Nacional, não inci-

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dindo mais, aos negócios realizados pelas instituições financeiras, a regra do Decreto nº 22.626, de 1933, que limita em 12% ao ano a taxa de juros contratual.

Assim, passou a vigorar no Direito brasileiro um sistema de duplicidade de normas no que se refere a juros: um vigente para as relações entre particulares, e outro vigente para as relações entre instituições financeiras e particulares.

O Supremo Tribunal Federal, através da Súmula nº 596, retrata bem esta duplicidade: ‘As disposições do Decreto nº 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou priva-das, que integram o sistema financeiro nacional. (D. Proc. Civ.)’.

Até a entrada em vigor do atual Código Civil, se inúmeras divergências haviam quanto à limitação da taxa de juros nos negócios jurídicos envolvendo instituições financeiras, pacífica era a questão da limitação da taxa de juros entre particulares, em face da reda-ção clara do revogado Código Civil, que estabelecia que os juros, quando não pactuados, eram de 6% ao ano, combinado com a redação do Decreto-Lei nº 22.626, de 1933, que estabelecia que os juros poderiam ser contratados em, no máximo, 12% ao ano.

A Constituição Federal de 1988, ao regular o sistema financeiro, limitou, expressamen-te, a taxa de juros reais em 12% ao ano, determinando, no entanto, que a vigência do art. 192, que disciplina a matéria, depende de regulamentação por lei complementar.

Pois bem, apesar de decorridos aproximadamente quinze anos da aprovação da Cons-tituição Federal, até a presente data não foi aprovada lei complementar destinada a regulamentar o sistema financeiro. Diante de tal lacuna o STF, através da ADIn 4/DF, decidiu que o § 3º do art. 192 tem eficácia condicionada à edição de lei complementar, não tendo, portanto, aplicabilidade imediata.

Com base em tais argumentos, mesmo após o advento da CF de 1988, a taxa de juros a ser pactuada por instituições financeiras continuou sem limitação específica, especial-mente, após a aprovação da Emenda Constitucional nº 40 que revogou todos os incisos e parágrafos do art. 192 da CF, dando nova redação ao mesmo.

Em face da alteração dada à CF pela Emenda nº 40, de 29 de maio de 2003, foi excluí-da da mesma a limitação de juros, deixando a matéria de ter previsão constitucional.

A redação do novo Código Civil, aliada a revogação da previsão constitucional de limita-ção de juros, traz à tona novamente a discussão do limite máximo de juros contratuais, justamente por ser imprecisa quanto a taxa legal de juros, no caso de não serem estes pactuados, inclusive nos contratos celebrados entre particulares, sem a participação das instituições financeiras.

O novo Código Civil, que entrou em vigor em janeiro, determina em seu art. 406 que os juros moratórios quando não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Dita taxa de mora para pagamento de impostos é a Selic, fixada pelo Poder Executivo, através do Banco Central, calculada com base nas operações de compra e venda de títulos públicos. É uma taxa flutuante, composta por índices de correção monetária e juros. Portanto, destoa da idéia do Código Civil, que não mistura correção monetária e juros reais, pois os trata como institutos distintos.

A Taxa Selic atualmente alcança os percentuais de 20% ao ano, percentual este que é muito superior ao limite de 12% ao ano, que desde o decreto de 1933 vem sendo aplicado no sistema brasileiro, e inclusive, fora dos patamares adotados na maioria dos países do mundo.

Frente a essa onerosidade, inúmeros pronunciamentos surgiram no sentido de que a taxa de juros prevista pelo Código Civil deverá seguir a taxa fixada pelo Código Tributário Nacional, que é de 1% ao mês. Inclusive, foi proposto por juristas reunidos pelo Conse-lho da Justiça Federal, o seguinte enunciado: ‘Art. 20. A taxa de juros moratórios a que

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se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja 1% (um por cento) ao mês’, com a seguinte justificativa: ‘A utilização da Taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros superiores a 12% (doze por cento) ao ano’.

Em que pese tal enunciado, ainda não se conhecem decisões de Tribunais acerca da taxa de juros, após a vigência do novo Código, sendo que, inclusive, doutrinadores reno-mados se posicionam com cautela acerca do tema.

O certo é que, pelos princípios que norteiam o atual Código Civil, não se admitirá, em qualquer hipótese, a lesão contratual, a onerosidade excessiva a uma das partes e o enriquecimento ilícito da outra. A razoabilidade na taxação de juros é medida que se impõe frente aos princípios de boa-fé e equilíbrio das relações contratuais.

A complexidade da definição da taxa legal de juros, acarreta, por conseqüência, dificul-dade em se definir qual a taxa contratual de juros. Duas hipóteses podem advir.” (A taxa de juros no novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

2438 – multa cominatória – ação de obrigação de fazer – necessidade de intimação pessoal para adimplemento

“Agravo regimental no recurso especial. Ação de obrigação de fazer. Necessidade de inti-mação pessoal para adimplemento. Decisão monocrática que deu parcial provimento ao recurso especial. Irresignação da consumidora. 1. A multa cominatória objetiva compelir o réu ao cumprimento da ordem judicial a fim de alcançar a efetividade do processo, constituindo-se em meio coativo a ser estipulado em valor que o estimule ao adimple-mento e evite a desobediência ao comando judicial. Porém sua exigência só é possível quando o devedor é pessoalmente intimado para cumprir a obrigação, conforme consig-nado pela Súmula nº 410 desta Corte: ‘A prévia intimação do devedor constitui condi-ção necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer’. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.301.484 – (2012/0015206-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 19.12.2014 – p. 2309)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática, acostada às fls. 265/267 e-STJ, da lavra deste signatário, que deu parcial provimento ao recurso especial.Depreende-se dos autos que a instituição financeira, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, interpôs recurso especial, desafiando acórdão proferido, em sede de apelação, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado: “Ação de Obrigação de Fazer. Petições da instituição financeira demonstrando a ciência inequívoca sobre a obrigação, relacionada com a regularização de cobrança de em-préstimo, no contracheque da autora, perante o Ministério do Exército. Intimação pelo Diário Oficial. Trânsito em julgado. Desnecessidade de intimação pessoal. Aplicação das regras dos arts. 461 e 471, I do Código de Processo Civil. Provimento do Agravo de Instrumento.”Em suas razões de recurso especial a recorrente apontou, além de dissídio jurispruden-cial, violação aos arts. 535, II, 538, parágrafo único, e 632 do CPC, sustentando, em síntese: a) ter havido negativa de prestação jurisdicional por parte do Tribunal de origem; b) necessidade de intimação pessoal do devedor para cumprimento da obrigação de

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fazer; e, c) ser impositivo o afastamento da multa aplicada no julgamento dos embargos de declaração. O STJ negou provimento ao agravo regimental:O Relator asseverou que no caso dos autos, verifica-se que o acórdão a quo aduziu pela desnecessidade da intimação pessoal da instituição financeira devedora para cumpri-mento da obrigação, pois já havia tomado ciência desta, o que vai de encontro com a jurisprudência.Oportuno colacionar julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre a natureza da as-treintes:“Direitos civil e processual civil. Astreintes. Fixação a partir da citação. Necessidade de processo de execução. Impossibilidade de aceitar-se como termo inicial a citação no processo de conhecimento. Exigência de ter havido descumprimento da sentença. Arts. 287 e 644, CPC. Recurso provido. I – As astreintes, originadas do Direito francês, têm por objetivo coagir o devedor, que foi condenado a praticar um ato ou a abster-se da referida prática, a realizar o comando imposto pelo juiz. Elas não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento e, portanto, somente são incindíveis nas obri-gações de fazer ou de não fazer. II – A multa diária somente pode ser cobrada a partir do descumprimento da sentença, o qual, por sua vez, requer instauração do processo de execução e sua regular formação, com a citação, impedindo entender-se que a con-denação ‘a partir da citação’ seja a citação do processo de conhecimento.” (STJ, REsp 123645/BA, Ac. un. da 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 23.09.1998, DJU 1 18.12.1998, p. 360 – ementa oficial)Cabe ressaltar estudo do jurista Guilherme Rizzo Amaral sobre o conceito de astreintes:“As astreintes, no Brasil, comumente equiparadas à multa diária (sabemos, no en-tanto, que esta multa poderá possuir periodicidade diversa, como dispõe o novel § 6º do art. 461 do CPC), adquiriram fundamental importância ao serem erigidas pela Lei nº 10.444/2002 à posição de principal ferramenta do juiz para a efetivação das sen-tenças que imponham obrigações de fazer e não fazer, bem como de importante ins-trumento para o cumprimento das sentenças que determinem entrega de coisa, certa ou incerta, conforme se verifica da leitura dos arts. 461, §§ 4º e 5º, e 461-A do CPC.A extinção do processo de execução autônomo para as sentenças antes referidas cons-titui notável avanço de nossa legislação processual, que deverá ser seguido pela aboli-ção completa da autonomia da execução de títulos judiciais, conforme se vislumbra do anteprojeto de lei elaborado por Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, entregue por meio de carta ao Ministro da Justiça e ainda pendente de estudos no Ministério.No entanto, ainda em fase de acomodação à realidade judiciária brasileira, a sentença mandamental e sua técnica de tutela característica, a multa periódica (astreintes), ainda carecem de uma melhor compreensão por parte da jurisprudência pátria. Vale lembrar que as astreintes constituem técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa a pressio-nar o réu para que ele cumpra mandamento judicial, pressão esta exercida por meio de ameaça ao seu patrimônio, consubstanciada em multa periódica a incidir em caso de descumprimento. Não se confunde a multa com eventuais perdas e danos sofridas pelo autor em face do descumprimento da decisão pelo réu, e seu valor, que será revertido ao autor, não está limitado àquele da obrigação contida na decisão que cominou a multa.” (Astreintes – incidência e exigibilidade. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, nº 1, v. II, p. 41, doutrina nº 2/20713, 1ª quinz. jan. 2004)

2439 – nome empresarial – princípio da veracidade – aplicabilidade

“Agravo de instrumento. Decisão agravada que indeferiu o pedido de fornecimento das senhas de acesso aos sites da empresa e determinou a busca e apreensão relativos ao

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estoque de produtos acabados limitada a 65% das peças, mediante a prestação de cau-ção. Restituição do restante dos bens mantidos sob os cuidados da agravada. Inovação recursal. Impossibilidade de apreciação deste ponto sob pena de supressão de instân-cia. Mérito. Restituição das senhas de acesso aos sites da empresa. Sociedade limitada. Nome empresarial. Inteligência do art. 1.158 do Código Civil. Impossibilidade de adoção de informação falsa. Correlação do nome empresarial com a empresa e seus endereços eletrônicos, devida. Retirada da sócia/agravada que tem o seu nome atrelado a todos os sites da empresa/agravante. Concessão das senhas de acesso aos sites, negada. Aplica-bilidade do princípio da veracidade. Decisão agravada, mantida. Recurso conhecido e não provido.” (TJPR – AI 1297856-2 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Athos Pereira Jorge Junior – DJe 19.02.2015)

2440 – nota promissória – ilegitimidade passiva – inexigibilidade dos títulos de crédito – não configuração

“Apelação cível. Embargos à execução. Notas promissórias. Ilegitimidade passiva. Não reconhecimento. Prova testemunhal e documental que corrobora à sucessão empresarial. Inteligência do art. 1.146 do Código Civil. Inexigibilidade dos títulos de crédito. Não configuração. Pagamento parcial do débito reconhecido pela sentença que não obstacu-liza a execução do restante da dívida. Requisitos da nota promissória presentes. Recurso conhecido e não provido. 1. Reconhece-se efeitos obrigacionais na transferência do es-tabelecimento empresarial, dentre os quais destacam-se aqueles que atingem as dívidas contraídas pelo empresário alienante e sua transferência ao empresário adquirente.” (TJPR – AC 1256982-1 – 13ª C.Cív. – Relª Desª Lenice Bodstein – DJe 19.02.2015)

2441 – Penhora on line – sistema Bacen-Jud – esgotamento de diligências para localização de bens do devedor

“Processual civil e tributário. Execução fiscal. Penhora on line. Sistema Bacen-Jud. Ad-vento da Lei nº 11.382/2006. Esgotamento de diligências para localização de bens do de-vedor. REsp 1.112.943/MA. Nomeação de bens à penhora. Direito de recusa da fazenda pública. REsp 1.337.790/PR. 1. A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.112.943/MA, processado nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou entendimento no sentido de que, após as modificações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei nº 11.382/2006, incluindo, na ordem de penhora, depósitos e aplicações financeiras como bens preferenciais, a saber, como se fossem dinheiro em espécie (art. 655, I, CPC) e que a constrição se realizasse preferencialmente por meio eletrônico (art. 655-A), não se pode mais exigir prova do exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados, como na hipótese dos autos, para que o juiz possa decidir sobre a realização de penhora on line (via sistema Bacen-Jud). 2. Quanto à recusa de bem nomeado à pe-nhora por parte da Fazenda Pública, caso não seja observada a gradação legal, a Primeira Seção deste STJ, ao julgar o REsp 1.337.790/PR, também submetido ao rito do art. 543-C do CPC, ratificou o entendimento no sentido de que seria ela legítima, não havendo falar em violação do art. 620 do CPC, uma vez que a Fazenda Pública pode recusar a substituição por quaisquer das causas previstas no art. 656 do CPC ou nos arts. 11 e 15 da LEF. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.489.460 – (2014/0269379-1) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 19.12.2014 – p. 1404)

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Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto desafiando decisão que negou seguimento ao recurso especial por ela interposto, sob o fundamento de que: (I) após as modificações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei nº 11.382/2006, não se pode mais exigir prova do exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados para que o juiz possa decidir sobre a realização de penhora on line (via sistema Bacen--Jud); (II) é legítima a recusa, por parte da Fazenda, de bem nomeado à penhora, caso não fosse observada a gradação legal.

A agravante, em suas razões, sustenta, em suma, que: (I) na satisfação do crédito deve--se sempre buscar a forma menos gravosa ao executado; (II) “A utilização desmedida da ordem estabelecida no art. 655 do CPC, bem como da penhora on line, é passível de ferir princípio norteador do processo de execução (menor gravosidade ao devedor), sem se olvidar da garantia constitucional do sigilo bancário”.

O STJ negou provimento ao agravo.

Os arts. 620 e 655 do Código de Processo Civil supracitado dispõem o seguinte:

“Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

[...]

Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

[...]

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ati-vos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.

§ 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.

§ 3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.”

Em trabalho desenvolvido sobre a penhora on line, os ilustres Juristas Fernando Cabeças Barbosa e Carlos Augusto Pagani assim esclarecem:

“No trânsito das informações entre a justiça, o Banco Central e as instituições finan-ceiras, é garantida a máxima segurança, com utilização de sofisticada tecnologia de criptografia de dados.

Segundo informações do próprio Banco Central, o Sistema Bacen-Jud não impacta a quebra de sigilo bancário das pessoas físicas e jurídicas, eis que já é permitido aos juízes, por força de lei, determinar o bloqueio de ativos financeiros e obter de entidades públicas ou privadas as informações necessárias para instrução de processos, respeita-das as regras constitucionais e processuais vigentes.

[...]

Com o Sistema Bacen-Jud, não há necessidade do envio do documento em papel, nem envolvimento do Bacen no processo, pois o próprio juiz, repita-se, preenche o docu-mento eletrônico via Internet, contendo todas as informações inscritas no ofício comum.

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Esses dados são transmitidos, com segurança, diretamente aos bancos, que cumprem as ordens e retornam as informações aos juízes.

Ante essas considerações, exsurge clara a conclusão de que o sistema apenas permite que um ofício encaminhado em papel seja agora realizado via Internet, racionalizando os serviços no âmbito do Banco Central e possibilitando ao Poder Judiciário mais agilidade no cumprimento de suas ordens no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

[...]

Dessa forma, com absoluta certeza e sem medo de errar, conseguir-se-á diminuir a an-gústia da trilogia cidadão, advogado e juiz, na medida em que se buscará rápida solução do litígio, traduzindo-se em maior confiança e esperança para o cidadão, desafogo para os juízes e serenidade para os advogados.” (A necessidade da utilização da penhora on line no juízo cível. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/20756, nº 20/2003, p. 537, 2ª quinz. out. 2003)

2442 – Propriedade industrial – colidência de marcas – cancelamento da última – prece-dentes

“Agravo regimental. Recurso especial. Civil. Propriedade industrial. Colidência de mar-cas. Cancelamento da última. Precedência do uso como nome empresarial. Impugnação intempestiva. Honorários advocatícios. Revisão. Óbice da Súmula nº 7/STJ. 1. Decadên-cia do direito de impugnar a validade de uma marca após cinco anos da concessão do respectivo registro (CF, art. 174 da LPI), ainda que sob o fundamento de precedência de nome empresarial. Precedente. 2. Inviabilidade de se contrastar o entendimento do Tri-bunal de origem acerca da efetiva possibilidade de confusão entre as marcas no mercado de consumo, em razão do óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovi-do.” (STJ – AgRg-REsp 1.353.422 – (2012/0239196-5) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 03.03.2015)

2443 – Propriedade industrial – reparação de danos – contrafação de sapatilhas – concor-rência

“Voto nº 14496. Obrigação de não fazer c/c reparação de danos. Propriedade indus-trial (desenho industrial). Contrafação e concorrência desleal. Contrafação de sapatilhas ‘Melissa Zaxy Cookies’. Ação ajuizada antes da concessão do registro do desenho indus-trial. Irrelevância. Depósito do pedido de registro anterior ao ajuizamento da ação. Pedi-do inicial da Apelante que abrange não só proteção à violação do desenho industrial, mas também a repressão a atos de concorrência desleal. Reprodução das características visu-ais do referido produto. Violação a desenho industrial e prática de concorrência desleal caracterizados, conforme robusta prova documental e pericial. Danos materiais e morais presumidos. Desnecessária a prova concreta do prejuízo e/ou sua extensão. Apuração em liquidação de sentença. Precedentes do C. STJ e das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial deste Tribunal. Sentença mantida. Agravo retido e recurso de apelação não providos.” (TJSP – Ap 0002283-04.2010.8.26.0565 – São Caetano do Sul – 2ª C.Res.DEmp. – Rel. Tasso Duarte de Melo – DJe 20.02.2015)

2444 – Protesto – duplicata – falta de aceite – inclusão do nome em cadastros restritivos de créditos; legitimidade passiva – culpa – dano moral – ressarcimento – possibilidade

“Apelação cível. Duplicatas desprovidas de aceite. Protestos. Inclusão do nome do saca-do em cadastros restritivos de crédito. Empresa de factoring. Legitimidade passiva. Culpa.

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Danos causados à sacada. Danos morais. Ressarcimento. 1. A empresa que, mediante contrato de factoring, recebe os créditos consignados em duplicatas desprovidas de acei-te, se torna parte legítima para figurar no polo passivo da ação em que o sacado, alegando que tais títulos forem emitidos sem a correspondente compra e venda ou prestação de serviços, busca ser reparado pelos danos advindos dos protestos dos títulos, com a con-sequente inclusão de seu nome em cadastros restritivo de crédito. 2. Age com culpa a empresa faturizadora que leva a protesto duplicatas desprovidas de aceite, cujos créditos recebeu em virtude de contrato de factoring, sem averiguar a validade e a exigibilidade dos títulos, devendo, por consequência, ressarcir a sacada pelos danos por esta sofridos. 3. A inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, por si só, ocasiona danos morais, a serem ressarcidos.” (TJMG – AC 1.0145.03.068165-7/001 – 15ª C.Cív. – Rel. Maurílio Gabriel – DJe 30.01.2015)

2445 – Protesto – duplicata sem causa – sustação de protesto devida

“Direito empresarial. Agravo regimental em agravo em recurso especial. Sustação de pro-testo. Duplicata sem causa. Endosso-caução. 1. Sustação de protesto devida. 2. Boa-fé do endossatário não evidenciada. 3. Divergência não conhecida. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula desta Corte. 4. Agravo regimental desprovido. 1. ‘Comprovada a inexi-gibilidade da duplicata em face do sacado, não tem substância o protesto efetivado pelo endossatário’ (AgRg-AREsp 245.218/SP). 2. Não subsiste a assertiva de boa-fé do banco, uma vez que a inexistência de lastro à emissão da duplicata pode ser observada pelo endossatário dada a falta de aceite ou do comprovante da entrega da mercadoria ou de prestação do serviço. 3. ‘Não se conhece do recurso especial pela divergência, quan-do a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’. Súmula nº 83 desta Corte. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 586.852 – (2014/0244444-9) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 03.03.2015)

2446 – Protesto de duplicatas – negócio jurídico firmado por preposto sem poderes – ino-bservância do prazo para cancelamento do contrato – teoria da aparência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Protesto de duplicatas. Negócio jurí-dico firmado por preposto sem poderes. Ausência de omissão do acórdão estadual. Ino-bservância do prazo para cancelamento do contrato. Teoria da aparência. Fundamentos não atacados. Nas razões do recurso especial. Súmula nº 283/STF. Recurso improvido. 1. O Colegiado de origem expôs fundamentadamente as razões do seu convencimento, apenas não adotou a tese sustentada pela recorrente nas razões dos embargos de decla-ração (invalidade do negócio firmado por preposto sem prova do mandato outorgado). A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte. 2. A parte deve impugnar especificamente os fundamentos do acórdão recorrido, de modo que não há como admitir um ataque reflexo. Súmula nº 283/STF. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 583.938 – (2014/0238504-6) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 19.12.2014)

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2447 – Protesto de título – ação de sustação de endossatário-mandatário – legitimidade passiva

“Civil. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de sustação de protesto de título. Endossatário-mandatário. Legitimidade passiva. Falta de prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Reavaliação do conjunto fático-probatório dos autos. Inadmissibilidade. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Danos morais. Redução da in-denização. Inviabilidade. Razoabilidade na fixação do quantum. Decisão mantida. 1. A simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que o tema tenha sido enfrentado pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento (Súmula nº 282/STF). 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem incursão no contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7 do STJ. 3. No caso concreto, a análise das razões apresentadas pelo recorrente quanto à ausência dos requisitos da responsabilidade civil demandaria o revolvimento de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial. 4. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da indenização por danos morais arbitrado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do óbice contido na Súmula nº 7/STJ para possibilitar a revisão. No caso, o valor estabelecido pelo Tribunal de origem não se mostra excessivo. 5. Agravo regimental a que se nega provi-mento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 514.811 – (2014/0099897-9) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 17.12.2014 – p. 1541)

2448 – responsabilidade por vício do produto – veículo novo defeituoso – responsabilida-de solidária

“Recurso especial. Consumidor. Responsabilidade por vício do produto. Veículo novo defeituoso. Responsabilidade solidária do ‘banco da montadora’ integrante da cadeia de consumo. Aplicação do art. 18 do CDC. Votos vencidos. 1. Demanda movida por con-sumidor postulando a rescisão de contrato de compra e venda de um automóvel (Golf) em razão de vício de qualidade, bem como de arrendamento mercantil firmado com o ‘banco da montadora’ para financiamento do veículo. 2. Responsabilidade solidária da instituição financeira vinculada à concessionária do veículo (‘banco da montadora’), pois parte integrante da cadeia de consumo. 3. Distinção em relação às instituições financeiras que atuam como ‘banco de varejo’, apenas concedendo financiamento ao consumidor para aquisição de um veículo novo ou usado sem vinculação direta com o fabricante. 4. Aplicação do art. 18 do CDC. 5. Recurso especial a que se nega provimento por maio-ria, com dois votos vencidos.” (STJ – REsp 1.379.839 (2013/0081255-4) – Rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª T. – DJe 15.12.2004)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de Recurso Especial interposto pelo recorrente, com fundamen-to no art. 105, inciso III, alíneas a e c da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Foi ajuizada ação de anulação de venda de veículo novo por defeito oculto, cumulada com pedido de devolução da quantia paga, ressarcimento de prejuízos e compensação por danos morais, pelo recorrido, em face do recorrente, em razão de veículo adquirido com diversos vícios ocultos.

De acordo com a inicial, o recorrido adquiriu da concessionária um veículo modelo Golf Tech, 0 Km, fabricado pela Volkswagen do Brasil S/A.

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O recorrido alega que a transação foi realizada em 31.10.2008 e o veículo foi retirado em 06.11.2008. Sustenta que, da data da retirada do veículo, até a data do ajuiza-mento da ação, em 25.05.2009, o veículo permaneceu a maior parte do tempo na concessionária, em razão de problemas na suspensão e nos freios, além de manchas brancas na lataria.

Aduziu ainda, que deve ser indenizado pelos danos materiais suportados, referentes às despesas com despachante, tributos, insufilm e rastreador, e argumenta, ainda, que é devida compensação por danos morais, em virtude do abalo moral decorrente dos fatos narrados.

De acordo com o relator, o dever de garantir os riscos da evicção é restrito ao alienante do veículo e não se estende à instituição que concedeu o financiamento sem ter vínculo com o importador.

Inicialmente, um consumidor firmou contrato de alienação fiduciária com o banco para aquisição de um Porshe Carrera modelo 911.

Depois, vendeu o veículo para uma empresa e repassou o financiamento com anuência da instituição financeira.

O automóvel, porém, foi apreendido pela Receita Federal devido a irregularidades na importação.

A empresa ajuizou ação contra o espólio do vendedor e o banco. Em primeira instância, o juízo declarou a nulidade do contrato, do termo de cessão, das notas promissórias e das demais garantias vinculadas ao financiamento, além de condenar os dois réus a ressarcir o valor pago pela compradora.

Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo não reconheceu a ilegitimidade passiva da instituição financeira por entender que todos aqueles que participaram do negócio envolvendo a aquisição do veículo devem responder pelos prejuízos suportados por terceiro.

Em recurso ao STJ, o banco insistiu na alegação de ilegitimidade.

A responsabilidade pelos riscos da evicção, segundo o relator, é do vendedor, e desde que não haja no contrato cláusula de exclusão dessa garantia, o adquirente que perdeu o bem poderá pleitear a restituição do que pagou. No caso julgado, entretanto, o ministro concluiu que essa restituição não poderia ser exigida do banco.

Embora o novo recurso tratasse de evicção, e não de produto defeituoso, o relator apli-cou o mesmo raciocínio:

“Não há possibilidade de responsabilização da instituição financeira, que apenas conce-deu o financiamento para a aquisição do veículo importado sem que se tenha evidencia-do o seu vínculo com o importador.”

Com esse entendimento, o STJ negou provimento ao recurso especial.

2449 – Sociedade anônima – diretoria – atos praticados com excesso de poder – má gestão – dolo e culpa – indenização devida

“Direito empresarial. Responsabilidade civil. Sociedade anônima. Diretoria. Atos prati-cados com excesso de poder e fora do objeto social da companhia (atos ultra vires). Responsabilidade interna corporis do administrador. Retorno financeiro à companhia não demonstrado. Ônus que cabia ao diretor que exorbitou de seus poderes. Atos de má ges-tão. Responsabilidade subjetiva. Obrigação de meio. Dever de diligência. Comprovação de dolo e culpa. Indenização devida. Ressalvas do relator. 1. As limitações estatutárias ao exercício da diretoria, em princípio, são, de fato, matéria interna corporis, inoponíveis a terceiros de boa-fé que com a sociedade venham a contratar. E, em linha de princípio, tem-se reconhecido que a pessoa jurídica se obriga perante terceiros de boa-fé por atos

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praticados por seus administradores com excesso de poder. Precedentes. 2. Nesse passo, é consequência lógica da responsabilidade externa corporis da companhia para com ter-ceiros contratantes a responsabilidade interna corporis do administrador perante a com-panhia, em relação às obrigações contraídas com excesso de poder ou desvio do objeto social. 3. Os atos praticados com excesso de poder ou desvio estatutário não guardam relação com a problemática da eficiência da gestão, mas sim com o alcance do poder de representação e, por consequência, com os limites e possibilidades de submissão da pessoa jurídica – externa e internamente. Com efeito, se no âmbito externo os vícios de representação podem não ser aptos a desobrigar a companhia para com terceiros – isso por apreço à boa-fé, aparência e tráfego empresarial –, no âmbito interno fazem romper o nexo de imputação do ato à sociedade empresarial. Internamente, a pessoa jurídica não se obriga por ele, exatamente porque manifestado por quem não detinha poderes para tanto. Não são imputáveis à sociedade exatamente porque o são ao administrador que exorbitou dos seus poderes. 4. Portanto, para além dos danos reflexos eventualmente experimentados pela companhia, também responde o diretor perante ela pelas próprias obrigações contraídas com excesso de poder ou fora do objeto social da sociedade. 5. Se a regra é que o administrador se obriga pessoalmente frente à companhia pelos valores despendidos com excesso de poder, quem excepciona essa regra é que deve suportar o ônus de provar o benefício, para que se possa cogitar de compensação entre a obrigação de indenizar e o suposto proveito econômico, se não for possível simplesmente desfazer o ato exorbitante. Vale dizer, com base no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, eventuais acréscimos patrimoniais à pessoa jurídica constituem fatos modificativos ou extintivos do direito do autor, os quais devem ser provados pelo réu (art. 333, inciso II, CPC). 6. Assim, no âmbito societário, o diretor que exorbita de seus poderes age por conta e risco, de modo que, se porventura os benefícios experimentados pela empresa forem de difícil ou impossível mensuração, haverá ele de responder integralmente pelo ato, sem possibilidade de eventual ‘compensação’. No caso em apreço, e especificamente quanto aos contratos de patrocínio da SPFW e os celebrados com a Campari Itália S.P.A., as ins-tâncias ordinárias não reconheceram nenhum retorno para a companhia, seja patrimonial, seja marcário. Tal conclusão não se desfaz sem reexame de provas, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ. 7. Entendimento da douta maioria quanto aos contratos de publicidade celebrados com África São Paulo Ltda. e 3P Comunicações Ltda. (notas taquigráficas): atos de que resultaram bom proveito para a companhia. Incidência do art. 159, § 6º, da Lei nº 6.404/1976: ‘O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do adminis-trador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia’. É possível reconhecer que a publicidade em rede aberta de televisão favorece a exposição da marca. Ausência de prejuízo à companhia. Interpretação do art. 158 da LSA, invocado no recurso especial e prequestionado. Ressalva do ponto de vista do relator: é incabível a aplicação do art. 159, § 6º, da Lei nº 6.404/1976, à falta de prequestionamento, não sendo o caso de fazer incidir o art. 257 do RISTJ, com aplicação do direito à espécie. Quanto aos referidos contratos de publicidade, já existia limitação decorrente do acordo de acio-nistas de conhecimento de todos. Excesso de poder reconhecido. Exegese do art. 118, § 1º, da LSA e do art. 1.154, caput, do Código Civil de 2002. 8. Tendo o acórdão recorrido assentado peremptoriamente que as festas promovidas pelo diretor em nome da compa-nhia eram estranhas ao objeto social, tal conclusão não se desfaz sem reexame de provas. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 9. Por atos praticados nos limites dos poderes estatutários, o administrador assume uma responsabilidade de meio e não de resultado, de modo que

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somente os prejuízos causados por culpa ou dolo devem ser suportados por ele. Daí por que, em regra, erros de avaliação para atingir as metas sociais não geram responsabili-dade civil do administrador perante a companhia, se não ficar demonstrada a falta de diligência que dele se esperava (art. 153 da LSA). 10. Não obstante essa construção, no caso em exame, segundo apuraram as instâncias ordinárias, não se trata simplesmente de uma gestão infrutuosa – o que seria tolerável no âmbito da responsabilidade civil –, caso não demonstrada a falta de diligência do administrador. Segundo se apurou, tratou--se de gastos com nítidos traços de fraude, como despesas em duplicidade, hospedagens simultâneas em mais de uma cidade, notas fiscais servis a encobrir despesas particulares próprias, de parentes e outros. Incidência, no particular, da Súmula nº 7/STJ. 11. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.349.233 – (2012/0113956-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.02.2015)

2450 – Sociedade anônima – dissolução judicial – inviabilidade econômica – vedação – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Dissolução judicial de sociedade anônima. Descumprimento de seus fins. Inviabilidade econômica aferida no juízo de cognição. Reexame. Prova. Recurso especial. Inadmissibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Identificados os elementos caracterizadores da dissolução empresarial, consoante o tipo do art. 206, II, b, da Lei nº 6.404/1976, com supedâneo no intenso debate de fatos e provas promovido pe-las partes. Nova discussão sobre a situação econômica da empresa e sua potencialidade para produzir lucro demandaria incursão probatória, o que é vedado nos estreitos limites do recurso especial, como espelhado no Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AI 1.316.266 – (2010/0101080-5) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 09.02.2015)

2451 – Sociedade empresarial – apuração de haveres – dissolução

“Direito de empresa. Reconhecimento e dissolução de sociedade empresarial de fato c/c pedido de apuração de haveres c/c liminar de levantamento de protestos. Improcedência do pedido. Inconformismo. Cerceamento de defesa. Inocorrência. A prova oral é inapro-priada para demonstrar a existência de sociedade em comum. Inteligência dos arts. 981 e 987, CC. Affectio societatis não demonstrada ônus probatório. Inteligência do art. 333, I, CPC. Decisão mantida recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0044467-73.2009.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 2ª CD.Priv. – Relª Marcia Tessitore – DJe 19.02.2015)

2452 – Sucessão empresarial – dissolução irregular – citação editalícia – regularidade

“Processual civil. Agravo inominado. Art. 557, § 1º, do CPC. Embargos à execução fiscal. Sócio da empresa principal devedora a não se escusar do debate de sua legitimidade pas-siva em função de já reconhecida sucessão empresarial por outro empreendedor. Disso-lução irregular da empresa inafastada (Súmula nº 435/STJ). Regularidade da citação edita-lícia (Súmula nº 414/STJ). Improvimento ao agravo inominado. 1. De se recordar consagra o ordenamento tributário dois sujeitos passivos – um a não escusar o outro, destaque-se! – seja o direto, nominado contribuinte, seja o indireto, nominado responsável tributário, art. 121 do CTN. 2. Na espécie, evidentemente a sucessão reconhecida (fls. 82/84 e 85) objetivamente estendeu o elenco de subjetiva sujeição passiva ao crédito tributário co-brado, ausente ambicionada ‘exclusão’, aliás exatamente de um potencial representante

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do originário devedor principal, do contribuinte, a pessoa física do aqui embargante, Carlos Ronda. 3. Evidentemente que o cenário de responsabilidade tributária (ou não) ao embargante em prisma em nada interfere na ampliação (também subjetiva, não apenas de patrimônio) já firmada nos termos do noticiado aos autos, assim carecendo de razão in-tentada ‘prejudicialidade’ formal. 4. Cediço que a pretendida responsabilização tributária dos sócios, consoante a remansosa jurisprudência, demanda a comprovação, por parte da fiscalidade, de alguma das hipóteses previstas no art. 135 do CTN. 5. Necessária se faz a demonstração da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ou ainda da dissolução irregular da empresa, inadmitindo-se, em dito contexto, a pessoal responsabilização de sócios, tão somente em virtude do inadimple-mento de tributos. 6. Este é o entendimento da v. jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça, consoante a v. Súmula nº 430/STJ e o Recurso Repetitivo nº 1101728/SP, transi-tado em julgado em 24.04.2009, abaixo transcritos: ‘O inadimplemento da obrigação tri-butária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente’ (Precedente). 7. No caso em análise, constata-se foi a empresa devedora dissolvida irre-gularmente, realidade exposta pela r. sentença e não afastada satisfatoriamente pelo polo apelante. 8. De todo aplicável a v. 435 do eg. Superior Tribunal de Justiça, destacando--se figura até os dias atuais como sócio administrador da executada o ora embargante (fls. 76/78): ‘Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecio-namento da execução fiscal para o sócio-gerente’. 9. Nenhuma ilegitimidade se constata na postulação fiscal de localização dos sócios no polo passivo da execução. 10. Em - bora também não se tenha trasladado aos autos cópia da certidão respectiva, extrai-se da r. sentença que, apesar de localizado quando da citação da empresa sucedida, o polo embargante já não mais residia no local onde fora anteriormente encontrado, quan-do realizada nova diligência pelo Meirinho, pondo-se desconhecido o seu paradeiro. 11. Fracassada a citação por meio de Oficial de Justiça, nenhuma outra providência po-deria se exigir do ente fiscal embargado, ausente qualquer nulidade do ato citatório, con-soante a v. Súmula nº 414/STJ (precedente). 12. Deu-se a nomeação do curador especial, no caso em análise, imediatamente após a efetivação da penhora (fls. 121), inexistindo qualquer prejuízo à defesa do embargante, que pôde através do D. Causídico indica-do formular tempestiva insurgência. 13. Também sem sucesso a desejada anulação do executivo fiscal, a partir da citação editalícia do ora embargante/apelante (precedentes). 14. Agravo inominado improvido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0005989-94.2011.4.03.6106/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 08.01.2015)

2453 – Título de crédito – ação de indenização por danos morais – protestos indevidos

“Ação de indenização por danos morais. Alegação de emissão e protesto indevidos de título de crédito. Competência da Câmara de Direito Comercial. Recurso não conhecido. Diante da necessidade do exame acerca da legalidade ou não da emissão de duplicatas mercantis, de seu repasse a empresa de factoring por cessão de crédito e de seus subse-quentes protestos, matérias típicas de Direito Empresarial, inviável a análise da respon-sabilidade por dano moral pela Câmara de Direito Civil. Remessa a uma das Câmaras de Direito Comercial que se impõe.” (TJSC – AC 2010.081240-6 – Rel. Des. Jaime Luiz Vicari – DJe 10.02.2015)

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2454 – Título executivo – nulla executio sine titulo – redirecionamento da execução fiscal para o sócio – dissolução irregular da empresa – comprovação – necessidade

“Processual civil. Título executivo. Nulla executio sine titulo. Redirecionamento da exe-cução fiscal para o sócio. Dissolução irregular da empresa. Necessidade de comprova-ção. Reexame do acervo fático-probatório. Súmula nº 7/STJ. 1. Na hipótese em exame, o acórdão vergastado decidiu a lide sob o argumento de nulidade do título executivo, todavia, pretende o recorrente que esta Corte Superior analise a possibilidade de redire-cionamento da execução fiscal pela dissolução irregular da empresa. 2. O acolhimento da pretensão recursal demanda o exame de questões vinculadas ao acervo fático-probatório, mormente para se avaliar se estão presentes os elementos caracterizadores da dissolução irregular. Incide, in casu, o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 578.936 – (2014/0231484-4) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2014 – p. 1547)

2455 – Título extrajudicial – contrato de serviços advocatícios – ilegitimidade passiva – grupo econômico – teoria da aparência – inaplicabilidade

“Recurso especial. Processual civil. Civil. Empresarial. Execução. Título extrajudicial. Contrato de serviços advocatícios. Exceção de pré-executividade. Agravo de instrumento. Recurso cabível. Ilegitimidade passiva. Grupo econômico. Teoria da aparência. Inapli-cabilidade. Recurso provido. 1. Nos termos da jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça, o recurso cabível contra a decisão que julga a exceção de pré-executividade, sem extinguir o processo de execução, é o agravo de instrumento, e não a apelação. 2. As sociedades empresárias, ainda que integrantes de um mesmo grupo econômico, quando não figurem como parte no título executivo extrajudicial, não estão legitimadas a integrar o polo passivo da execução. 3. Tratando-se de sociedades distintas, com razões sociais, objetos e patrimônios próprios, o simples fato de pertencerem ao mesmo grupo de em-presas não as torna solidárias nas respectivas obrigações, sendo descabida a aplicação da teoria da aparência para, com isso, ampliar-se a legitimação no polo passivo de ação executiva. 4. Cada pessoa jurídica tem personalidade e patrimônio próprios, distintos, justamente para assegurar-se a autonomia das relações e atividades de cada socieda-de empresária, ainda que integrantes de um mesmo grupo econômico. Do contrário, a legislação faria a equivalência aplicada equivocadamente no v. acórdão recorrido ou até vedaria a formação de grupos econômicos pela inutilidade da medida. Somente em casos excepcionais essas distinções podem ser superadas, motivadamente (Código Civil, art. 50). 5. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1.404.366 – (2013/0311581-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 09.02.2015)

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Seção Especial – Jurisprudência Comentada

Breves Comentários Acerca da Capacidade Processual do Devedor Insolvente

BRUNO SCHIMITT MORASSUTTIPós-Graduando em Direito Processual Civil pela PUCRS, Advogado.

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ACÓRDÃO OBJETO DE ANáLISE

RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIvIL – INSOLvÊNCIA CIvIL – CAPACIDADE PROCESSUAL E LEGITIMIDADE RECURSAL DO DEvEDOR INSOLvENTE – ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO CREDOR INDICADO PARA ADMINISTRADOR DA MASSA INSOLvENTE

1. Reconhecimento da legitimidade recursal do devedor insolvente para veicular sua irresignação contra o credor indicado para adminis-trador da massa insolvente, arguindo a sua suspeição.

2. Não constitui efeito da declaração de insolvência a perda da ca-pacidade processual do devedor insolvente, tendo, inclusive o direito de recorrer.

3. Impossibilidade de utilização de interpretação extensiva de regras processuais para limitação de direitos.

4. Precedente análogo da 3ª Turma do STJ em caso de interdição (REsp 1.251.728/PE, minha relatoria, Julgado em 14.05.2013).

5. Recurso especial provido.

(REsp 1315421/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, Julgado em 18.12.2014, DJe 05.02.2015)

BREvE RESUMO

O precedente transcrito anteriormente, relativo à capacidade proces-sual do devedor insolvente, aborda questão importante no cenário atual

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devido ao crescente número de empresas que ingressaram com pedidos de falência em janeiro de 20151.

Em síntese, trata-se de caso em que devedor insolvente ajuizou exce-ção de suspeição em face da nomeação de administrador judicial que seria seu inimigo. Em primeira instância, o devedor teve seu pedido negado, fato que motivou a interposição de agravo de instrumento.

No tribunal, o agravo de instrumento, por maioria, não foi conhecido em virtude da perda da capacidade de estar em juízo do devedor declarado insolvente, o qual não possuiria legitimidade recursal. Não obstante, em sede de recurso especial, foi reconhecida, por unanimidade, a capacidade processual do devedor insolvente.

COMENTáRIOS

A execução contra devedor insolvente, quer seja ele pessoa empresá-ria ou não, é regulada por procedimentos especiais em razão da necessidade de se garantir o direito fundamental à isonomia na satisfação do crédito de vários credores, assim como proteger o devedor, pois a execução coletiva deve atingir apenas seus bens e não sua integridade física ou moral. Assim, devido a esta grande quantidade de interesses potencialmente em conflito, o processo de execução, mormente o coletivo contra devedor insolvente, tem como princípio a tipicidade, ou seja, seu início, desenvolvimento e fim estão previstos em lei.

Nesse sentido, tendo em vista que a insolvência é status jurídico que não se presume, o primeiro marco jurídico relevante no processo de insol-vência é a sentença que a reconhece. Com efeito, a sentença que reconhe-ce, e, assim, declara juridicamente a existência da condição de insolvência do devedor possui também eficácia constitutiva, pois modifica uma série de questões relativas ao relacionamento jurídico do devedor com seus bens, do devedor com seus credores e dos credores com relação aos bens do devedor. Todavia, tendo em vista que a finalidade de tais modificações está na garantia das dívidas contraídas, o que, por consequência lógica, implica a restrição do direito de propriedade do devedor, os efeitos da sentença de insolvência estão todos prescritos em lei.

1 Disponível em: <http://www.valor.com.br/financas/3891378/pedidos-de-falencia-sobem-106-em-janeiro-diz-boa-vista>.

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Assim, no que diz respeito aos efeitos sofridos pelo devedor quando da prolação sentença que declara a insolvência civil, eis o que elenca o Código de Processo Civil:

Art. 751. A declaração de insolvência do devedor produz:

I – o vencimento antecipado das suas dívidas;

II – a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo;

III – a execução por concurso universal dos seus credores.

Art. 752. Declarada a insolvência, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e de dispor deles, até a liquidação total da massa.

Em primeiro lugar, saliente-se que os dispositivos anteriores, ao espe-cificar os efeitos da declaração de insolvência, em momento algum trazem exceção à regra do art. 7º do CPC. Assim, ainda que o reconhecimento da insolvência restrinja a propriedade do devedor, ela não lhe remove este direito. Realmente, o art. 752 é claro em afirmar qual será o efeito restritivo que o devedor sofrerá em virtude da declaração de insolvência: a perda do direito de administrar e dispor de seus bens, até que seja feita a liquidação total da massa. Tal aspecto é importante ser destacado, pois o termo “admi-nistrar” tem como finalidade tornar claro que a restrição atinge a proprieda-de do insolvente no que tange ao seu uso e fruição. Assim, como forma de especificar o conteúdo de tal restrição, o art. 766 do CPC elenca, em seus incisos, no que consiste o “poder-dever de administração” que lhe é trans-ferido do devedor mediante ordem judicial. Nestes termos, o dispositivo citado diz que:

Art. 766. Cumpre ao administrador:

I – arrecadar todos os bens do devedor, onde quer que estejam, requerendo para esse fim as medidas judiciais necessárias;

II – representar a massa, ativa e passivamente, contratando advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e submetidos à aprovação judicial;

III – praticar todos os atos conservatórios de direitos e de ações, bem como promover a cobrança das dívidas ativas;

IV – alienar em praça ou em leilão, com autorização judicial, os bens da massa.

De fato, deve-se atentar que em momento algum o devedor deixa de ser proprietário de seus bens, pois não há, neste momento procedimental, alienação judicial ou tampouco formação de pessoa jurídica distinta, pois

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a massa é ente despersonalizado, meramente administrado por terceiro in-dicado judicialmente2. Assim sendo, ao administrador judicial competirá, conforme a literalidade do art. 12, inciso III, do CPC, representar apenas a massa falida, não o devedor, o qual, aliás, deverá inclusive ter procu-rador distinto. Deste modo, ainda que tenha perdido a administração de seus bens, é presumível que o devedor tenha interesse jurídico em deixar o estado de insolvência. Portanto, permanece-lhe o direito, ou até mesmo o dever, de auxiliar a administração da massa assim como de fiscalizá-la.

Nesse sentido, em precedente anterior, o STJ já firmou posicionamen-to no sentido de permitir ao insolvente o ajuizamento de ação de prestação de contas em face do administrador da massa. Assim, por exemplo, o REsp 43.372/MG, de relatoria do Ministro Barros Monteiro, possui a seguinte ementa:

Prestação de contas. Pleito formulado por insolvente contra o administra-dor da massa. Admissibilidade.

Declarada a insolvência do devedor, perde ele o direito de administrar os seus bens e de deles dispor (art. 752 do CPC).

Continua ele, entretanto, proprietário dos bens que integram o seu pa-trimônio e não se acha obstado a pratica dos demais atos da vida civil, desde que as restrições, que lhe são impostas, dizem respeito ao processo de insolvência tão-somente.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 43.372/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª Turma, Julgado em 25.03.1998, DJ 22.06.1998, p. 80) (grifou-se)

No referido julgamento, o então Ministro Barros Monteiro asseverou que:

[...] permanece o insolvente com o interesse de preservar os seus direitos e bens até a liquidação total da massa e, como tal, ínsita é-lhe a qualidade de fiscal do administrador nomeado. Daí lhe advém o interesse de agir e a legi-timidade para pleitear as contas do mesmo administrador.

Não obstante, a Lei nº 11.101/2005, ao tratar sobre os procedimentos de recuperação judicial e falência, é muito mais minuciosa quanto às conse-quências jurídicas originárias a partir da decretação da sentença falimentar.

2 Nesta senda, Pontes de Miranda critica teorias que sustentam sentido contrário: MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao código de processo civil. Arts. 736-795. Rio de Janeiro: Forense, t. 11, 1976. p. 417-418.

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Destarte, se o CPC é silente no que tange à capacidade processual do falido, o parágrafo único do art. 103 é categórico ao afirmar o seguinte:

Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.

Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis. (grifou-se)

Como é possível observar, o dispositivo citado é claro em afirmar que o falido possui capacidade processual plena para atuar juridicamente no de-correr do procedimento falimentar. Aliás, neste ponto, deve-se lembrar que, em virtude do dever de cooperação para com o processo judicial3, o deve-dor possui, de regra, interesse jurídico concorrente ao término adequado do procedimento de execução coletiva. Com efeito, entender de modo con-trário significaria uma subversão do sistema jurídico, porquanto implicaria em admitir a existência de um “direito absoluto de não solver obrigações”, o que certamente não faria sentido em um Estado de Direito. Portanto, se há um interesse jurídico concorrente por parte do devedor, com mais razão este deve possuir capacidade processual para influir no processo de exe-cução coletiva de forma a torná-lo eficiente. Logo, seria inconstitucional, por violação ao art. 5º, incisos XXXV e LIV, da Constituição Federal, o en-tendimento que excluísse ao devedor o acesso ao Poder Judiciário quando necessário para tornar regular o desenvolvimento da execução, principal-mente naqueles casos envolvendo exceções de impedimento e suspeição. Ademais, importa asseverar que os vícios de impedimento e suspeição não são “meras irregularidades” processuais nas quais seria eventualmente pos-sível aplicar o princípio da pas de nullité sans grief, já que afetam a própria legitimidade da atuação jurisdicional enquanto ação estatal4.

De toda forma, deve-se observar que, ainda que o patrimônio mate-rial penhorável do devedor tenha sido arrecadado para fazer parte da massa, esta, por si só, não substitui o devedor como parte no processo falimentar5.

3 No Código de Processo Civil, está previsto principalmente no art. 14, inciso II, do CPC, enquanto na Lei nº 11.101/2005 é intrinsecamente previsto, de forma geral, nos diversos incisos do art. 104.

4 Justamente por este motivo, o art. 485, inciso I, do CPC admite ação rescisória em face de decisão de mérito proferida por juiz impedido. No que diz respeito à suspeição, entende-se que não seria cabível ação rescisória no caso.

5 Nesse sentido, Araken de Assis e Edson Ribas Malachini afirmam que: “O insolvente não perde, como frequentemente se afirma, a capacidade processual. Seguramente, a partir da execução coletiva, ao devedor se subtrairá o ‘direito de administrar seus bens’ [...]. Cria-se, assim, a partir da personalidade civil

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De fato, este deve permanecer como parte para que possa ser atingido pelos efeitos da sentença que encerra o procedimento de execução coletiva, de acordo com a regra geral do art. 4726 do CPC. Assim, permanecendo como parte no processo, o devedor terá capacidade processual para opor exceção de suspeição ou de impedimento contra o juiz e demais agentes inscritos no rol do art. 138 do diploma processual civil.

Por fim, no que diz respeito ao novo Código de Processo Civil leva-do à sanção presidencial, pouca coisa será alterada. Com efeito, ao invés de abordar tais questões adequadamente, o texto se limita a afirmar, no art. 1.052, a que o regramento atual de execução contra devedor insolvente permanecerá em vigor até a edição de lei específica.

do executado, um ente despersonalizado do ponto de vista civil, que, nada obstante, acha-se investido de personalidade judiciária, a teor do art. 12, III. [...] Nada sucederá no plano da capacidade processual, portanto: jamais o devedor será ‘representado’ em juízo pelo administrador, e, sim, a massa ativa, o que é algo inteiramente diferente. A própria constituição da massa, desaguadouro certo das relações patrimoniais do obrigado, significa que seu controle e efetividade refogem à esfera jurídica deste, pois reunirá todos os bens penhoráveis. Nessas circunstâncias, parece natural que a massa, e não o executado, ainda proprietário dos bens, exerça os direitos, ações e pretensões a eles inerentes. Fora daí, a capacidade processual do executado se mostra plena, tanto que atua como parte passiva no processo executivo, e nenhuma restrição sofre quanto aos bens impenhoráveis e, por conseguinte, inarrecadáveis” (MALACHINI, Edson Ribas; ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. Do processo de execução, arts. 736 a 795. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 10, 2001. p. 620-621) (grifou-se). Igual é a posição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil: comentado artigo por artigo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 727), também Luiz Rodrigues Wambier (WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de processo civil: processo de execução. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2005. p. 343). Em sentido contrário, Humberto Theodoro Júnior (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 45. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2010. p. 458).

6 Diz o referido dispositivo: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Análise Econômica do Direito: Fundamentos e Limites Constitucionais

MATHEUS TEIXEIRA DA SILVAAdvogado, Pós-Graduando em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Direito Pro-cessual Civil pela PUCRS e em Direito do Estado pela UFRGS.

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo a realização de uma breve análise sobre o instituto da Análise Econômica do Direito, expondo de forma breve as características e conteúdo principal do tema. Ainda, objetiva-se com o estudo provocar uma reflexão crítica sobre os fundamentos constitu-cionais do instituto em comento e sua conformidade à juridicidade constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Análise Econômica do Direito; Law and Economics; constituição; Direito Empre-sarial.

INTRODUÇÃO

Significativa e crescente atenção vem sendo dada pelos juristas con-temporâneos à temática da Análise Econômica do Direito.

Cuida-se de interessantíssima temática, na medida em que permite ao jurista a compreensão fenomenológica do objeto de seu estudo a partir de perspectiva não exclusivamente afeita às ciências jurídicas, já que, por meio da Análise Econômica do Direito, busca-se a compreensão dos fatos e fenômenos sob a ótica das ciências econômicas.

Destarte, o estudo sobre a Análise Econômica do Direito mostra-se pertinente para a melhor compreensão da interdisciplinaridade almejada, bem como para melhor assimilação da evolução histórica do instituto, suas peculiaridades e críticas possíveis.

Desta forma, tomando-se como premissa a necessária compreensão da constitucionalização do Direito Privado, analisar-se-á, no tocante Aná-lise Econômica do Direito, seu núcleo conceitual, assim como quais sejam seus possíveis fundamentos jurídico-constitucionais.

Por fim, propor-se-á, a partir de exposição crítica, uma reflexão sobre a real conformidade do instituto da Análise Econômica do Direito com a juridicidade constitucional.

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1 BREvE TENTATIvA CONCEITUAL

A Análise Econômica do Direito, também denominada Law and Economics, busca analisar e estudar as implicações e reflexos da aplicação de normas e institutos jurídicos a partir de conceitos próprios à Economia.

O movimento Law and Economics desenvolve-se a partir da década de 1930 do século passado1 junto à Universidade de Chicago (consolidan-do-se na década de 19602), tendo-se como certo que as bases teóricas que lhe dão suporte encontram eco na Escola Clássica, sobretudo na obra de Adam Smith3, cujas ideias notórias dão conta dos benefícios da livre concor-rência e do mercado livre, regulado pela mão invisível do mercado e longe da regulação estatal.

Eduardo Pimenta e Henrique Lana definem a Análise Econômica do Direito como “método de se estudar a teoria econômica relativamente à es-truturação, formação, impacto e consequências comportamentais de even-tual aplicação de institutos jurídicos e/ou textos normativos”4.

Consoante os mesmos autores:

A Análise Econômica do Direito cuida-se de nítida reformulação do Direito, em sentido Econômico, visando resolver problemas judiciais que se rela-cionam com a eficiência do direito em si, os gastos para efetivação de seus institutos, bem como os impactos decorrentes de eventuais intervenções ju-diciais, inclusive as relacionadas ao Direito Civil.5

Deste modo, noções econômicas, tais como eficiência e análise de custos, passam a integrar o âmbito de interesse do jurista: o instituto da Análise Econômica do Direito, transdisciplinarmente, aplica ao Direito os conceitos da Economia, no afã de buscar maior racionalidade.

Para a jurista Rachel Sztajn:

O Direito, por sua vez, ao estabelecer regras de condutas (dever-ser) que mo-delam relações entre pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos que delas derivarão os efeitos sobre a distribuição ou alocação de recursos, os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos

1 PIMENTA, Eduardo Goulart; LANA, Henrique Avelino. Análise Econômica do Direito e sua relação com o direito civil brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 57, p. 85-138, jul./dez. 2010.

2 ARAÚJO, Fernando. Análise económica do direito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 15.3 SMITH, Adam. A riqueza das nações.4 PIMENTA, Eduardo Goulart; LANA, Henrique Avelino. Análise Econômica do Direito e sua relação com o

direito civil brasileiro. Op. cit., p. 85-138.5 Idem, ibidem.

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privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia e as organizações influenciam e são influenciadas pelo ambiente institucional.6

Nesse sentido, afirma-se que “a Economia estuda as escolhas, os cus-tos, riscos e benefícios que os agentes econômicos (sujeitos de direito) en-contram na busca pela maximização de seus próprios interesses”7.

Evidenciando com clareza o impacto das noções de Economia no âmbito jurídico, assim como outros autores8, Márcia Ribeiro e Irineu Galeski sustentam:

Dentre duas decisões, aquela que causar o maior bem-estar é a que deve ser aplicada, devendo ser observado se as partes envolvidas estão em uma situa-ção inicial relativamente homogênea. A escola de Law and Economics, para todos os efeitos, tem por foco a busca do melhor bem-estar, da melhor alo-cação possível de bens, conduzindo ao bem-estar dentro dos limites morais.9

Assim, o intérprete comprometido com a Análise Econômica do Di-reito não se mantém vinculado exclusivamente às normas jurídicas objetiva-mente consideradas; ao contrário, o operador jurídico deve analisar elemen-tos alheios ao direito que, in casu, são providos pela ciência econômica.

Em outras palavras, significa dizer que a Análise Econômica do Di-reito almeja, por meio de um critério objetivo proveniente da Economia, o maior bem-estar possível por meio da melhor alocação possível de recursos escassos.

Nas palavras da magistrada Marga Tessler:

Para a AED a solução mais justa a ser adotada pelo julgador deveria ser a mais eficiente entre todas as opções possíveis ou a que possibilitasse a maxi-mização da riqueza.10

6 SZTAJN, Rachel. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 102.7 PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação de empresas: um estudo sistematizado da nova lei de falências.

São Paulo: IOB Thompson, 2006. p. 29.8 “La mayoría de los análisis económicos consiste en esbozar las consecuencias de asumir que la gente es

más o menos racional en sus interacciones sociales, lo cual quiere decir que la gente prefiere más a menos o, en otras palabras, eligen medios eficientes para sus fines (racionalidad instrumental), cualesquiera que puedan ser estos.” (POSNER, Richard. El análisis económico del derecho en el common law, en el sistema romano-germánico, y en las naciones en desarollo. Revista de Economia, 2005. p. 10)

9 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; GALESKI, Irineu Júnior. Teoria geral dos contratos. Contratos empresariais e análise econômica. Elsevier. 2009. p. 89.

10 TESSLER, Marga Barth. Os efeitos econômicos e sociais das leis e decisões judiciais. Revista do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Porto Alegre, a. 17, n. 61, p. 27-40.

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Com isso, se evidencia o maior postulado (e escopo) do instituto, qual seja a busca pela eficiência nas questões judiciais, nelas incluídas, por exemplo, as decisões judiciais, a produção legislativa e a relação entre particulares.

2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS

Inequivocamente a ordem constitucional brasileira possui diversos princípios que conduzem o intérprete à busca pela melhor compatibiliza-ção das normas constitucionais, as quais muitas vezes afiguram-se incom-patíveis, ensejando, destarte, a necessária ponderação valorativa para reso-lução tópica.

Nesse sentido, alguns dos princípios constitucionais que possuem di-reta relação com a Análise Econômica do Direito: o direito de propriedade e sua inerente função social, a segurança jurídica, a busca de eficiência, a livre iniciativa, a razoabilidade, a proporcionalidade.

Tais elementos são necessários à aplicação da Análise Econômica do Direito na medida em que o instituto possui, além da necessária vinculação à juridicidade constitucional, o escopo de promover a racional solução do caso que se examine, de forma justa, eficiente e com a máxima otimização de recursos.

Ingo W. Sarlet leciona, no tocante à carga normativa dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade:

Com efeito, proporcionalidade e razoabilidade guardam uma forte relação com as noções de justiça, equidade, isonomia, moderação, prudência, além de traduzirem a ideia de que o Estado de Direito é o Estado do não arbítrio.11

A seu turno, José Afonso da Silva leciona no tocante ao princípio da eficiência, que, a despeito de estar topograficamente alocado na Constitui-ção como princípio da Administração Pública, por certo é aplicável a todo o ordenamento jurídico:

Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico; não qualifica nor-mas; qualifica atividades. Numa ideia muito geral, eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidade alcan-

11 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional. São Paulo: RT, 2012. p. 212.

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çado. [...] Rege-se, pois, pela regra da consecução do maior benefício com o menor custo possível.12

Veja-se o conteúdo normativo do princípio da eficiência revelado por José Afonso da Silva é forte ponto de suporte da Análise Econômica do Di-reito, porquanto é comum a ideia de busca do maior benefício com o menor custo possível.

O mesmo autor consigna em obra diversa, no tocante à livre iniciati-va, a qual deve ser compreendida no contexto da Constituição:

A livre iniciativa é fundamento da ordem econômica (art. 170). Ela constitui um valor do Estado Liberal. Mas no contexto de uma Constituição preocupa-da com a realização da justiça social não se pode ter como um puro valor o lucro pelo lucro. Seus valores [...], hoje, ficam subordinados à função social da empresa e ao dever do empresário de propiciar melhores condições de vida aos trabalhadores, exigidas pela valorização do trabalho.13

Realizando o cotejo entre a Análise Econômica do Direito e seu am-paro constitucional, a partir da leitura do princípio da segurança jurídica, Elisberg Lima assevera:

A Análise Econômica do Direito de Propriedade está constitucionalmente amparada, pois tem por objeto a segurança jurídica na alocação dos direi-tos de propriedade, que está garantida na própria Constituição Federal de 1988.14

Em suma, o que se pretende evidenciar é a existência potencial de amparo constitucional à ideologia subjacente à Análise Econômica do Di-reito, na medida em que diversos postulados constitucionais vão ao en-contro do instituto em comento, viabilizando, pois, sua assimilação pelo operador jurídico atento e preocupado com a conformidade constitucional de sua interpretação.

Nesse sentido, procedendo à análise econômica do direito, ainda que de modo implícito, o STF, quando do julgamento do RE 352490, revendo sua própria jurisprudência, entendeu pela ausência de afronta à Carta do dispositivo legal que permite a penhora do imóvel residencial do fiador do contrato de locação. Isto porque, como evidencia a análise econômica da

12 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 671.13 SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 39.14 LIMA, Elisberg Francisco Bessa. Análise econômica do direito de propriedade e a ordem constitucional

brasileira. Anais do XIX Encontro Nacional do Conpedi realizado em Fortaleza/CE nos dias 9, 10, 11 e 12 de junho de 2010. p. 345-362.

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questão posta a exame do Tribunal, acaso fosse mantida a interpretação anterior da Corte (pela inconstitucionalidade da norma legal que permite a penhora do imóvel residencial) se estaria tornando mais difícil o acesso à moradia, justamente porque o contrato de locação ficaria mais caro.

3 LIMITES CONSTITUCIONAIS

A despeito da existência de elementos constitucionais aptos a assegu-rar suporte normativo hierarquicamente privilegiado à Análise Econômica do Direito, como visto, deve-se consignar, todavia, que a Constituição im-põe limites à sua aplicação, os quais devem ser ponderados à luz do caso em exame15, por meio de interpretação necessariamente sistemática16.

Como leciona Maria Cristina de Cicco:

Como a sociedade não se reduz ao mercado e às suas regras, caberá ao Direito, segundo ensinamento do Prof. Perlingieri, indicar os limites e as me-didas corretivas que não podem ser ditadas somente em razão da riqueza ou da sua distribuição, mas que, ao contrário, devem contribuir a alcançar e respeitar os valores fundantes à ordem jurídica.17

Tratando especificamente sobre os limites da Análise Econômica do Direito, Pietro Perlingieri, na consagrada obra O Direito Civil na Legalidade Constitucional, sustenta com propriedade:

Na perspectiva descrita, a análise econômica do direito coloca em evidência o próprio desgaste, na medida em que negligencia completamente os proble-mas de equidade distributiva e não considera que o direito, na sua dinâmica promocional, não somente espelha situações adquiridas, mas produz valores novos. A realidade econômica (e, portanto, o próprio mercado) deve levar em consideração também motivações não ligadas ao lucro.18

15 “Por ser o Direito problemático, a interpretação há de ser feita topicamente, podendo o intérprete, em face de casos diferentes ou momentos históricos diferentes, chegar a resoluções diversas, na aplicação ou observação de uma mesma norma. Interpretar importa em concretizar a norma. Importa, assim, em algum sentido modificá-la, intersubjetivando-a.” (ARONNE, Ricardo. Razão & caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito civil-constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 212)

16 “[...] a interpretação sistemática deve ser entendida como uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas estritas (ou regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob apreciação. [...] verdadeiramente a interpretação sistemática, compreendida em novas e realistas bases, é a que se realiza em consonância com aquela rede hierarquizável, máxime na Constituição, tecida de princípios, regras e valores considerados dialeticamente e em conjunto na interação com o intérprete, positivador derradeiro.” (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 80)

17 DE CICCO, Maria Cristina. A pessoa e o mercado. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008.p. 104.

18 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 514.

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Tal compreensão justifica-se a partir da percepção do fenômeno constitucional como portador de um dever que ultrapassa a mera e singela regulação formal do Estado. Trata-se de elevar a força normativa da Consti-tuição a um patamar de relevância tal que comporte um aspecto de realiza-ção de um projeto político.

Como leciona Bolzan de Morais:

Assim, à jurisdição se abre a possibilidade de promover atribuições de sen-tido aos textos constitucionais por intermédio de sua intervenção jurispru-dencial, emergindo como atuação peculiar à consertação própria ao Estado Democrático de Direito, cujo caráter transformador incorpora um desloca-mento no sentido da função jurisdicional do Estado como instância de reali-zação do projeto de Estado presente no pacto constitucional.19

Corroborando tal entendimento, Lenio Streck afirma que “as noções de força normativa da Constituição e de Constituição dirigente e compro-missória não podem ser relegadas a um plano secundário”20. Ainda, con-soante o autor:

A Constituição não é simples ferramenta; não é uma terceira coisa que se in-terpõe entre o Estado e a Sociedade. A Constituição dirige; constitui. A força normativa da Constituição não pode significar a opção pelo cumprimento ad hoc de dispositivos menos significativos da Lei Maior e o descumprimento sistemático daquilo que é mais importante – o seu núcleo essencial-funda-mental.21

Assim, tendo em vista que a principiologia constitucional possui força normativa própria e “função prospectiva”22 (ou “função dirigente”)23, há de se considerar que a Constituição será limite material à análise econômica do direito sempre que esta for de encontro àquela: significa dizer que os aspectos axiológicos e prospectivos da Carta impõem um dever de interpre-tação jurídica que, além de levar em consideração os aspectos econômicos (subjacentes à Análise Econômica do Direito), tome como necessária a in-terpretação que se afigure condizente à principiologia constitucional.

19 MORAIS, Jose Luis Bolzan. Crises do Estado, democracia política e possibilidades de consolidação da proposta constitucional. In: Entre discursos e culturas jurídicas. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 28.

20 STRECK, Lênio. Constitucionalismo e concretização de direitos no Estado Democrático de Direito. In: Entre discursos e culturas jurídicas. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 116.

21 Idem, p. 123.22 MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 298.23 “As constituições, embora não todas e não da mesma forma, cumprem também o que se pode designar de

função dirigente (ou impositiva) mediante o estabelecimento de programas, fins e tarefas que (em alguma medida) vinculam os poderes constituídos.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 76)

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Associado a tal aspecto, há a chamada “despatrimonialização do Direito”24, que, nas palavras de Luiz Edson Fachin, significa dizer que “o pólo nuclear do ordenamento jurídico passa a migrar da propriedade para a pessoa, em seu sentido ontológico”25.

Os agentes econômicos não são apenas agentes econômicos, por-quanto antes de tal atributo são pessoas: Maria Cristina De Cicco afirma que “o contratante, não somente e não necessariamente consumidor, deve ser protegido antes de tudo como pessoa”26.

Destarte, na busca da racionalidade econômica na interpretação/aplicação do Direito, há de se assegurar que as diretrizes constitucionais estejam sempre presentes, enquanto limite material à aplicação da Análise Econômica do Direito, sob pena de violação da Carta, cujos postulados axiológicos são evidentemente contrários a muitas vezes possíveis premis-sas liberais econômicas27.

CONCLUSÕES

Do exposto, conclui-se que a Análise Econômica do Direito é um instituto afeito às ciências econômicas e jurídicas por meio do qual noções econômicas (tais como eficiência e análise de custos) passam a integrar o âmbito de interesse do jurista na medida em que o instituto da Análise Eco-nômica do Direito, transdisciplinarmente, aplica ao Direito os conceitos da Economia, no afã de buscar maior racionalidade, considerando a intrínseca natureza dos agentes econômicos de buscar o aumento de ganhos e redu-ção de perdas.

Deste modo, percebe-se que a juridicidade constitucional, sobretudo com fundamento no princípio da eficiência, fornece amparo jurídico-nor-mativo à aplicabilidade da Análise Econômica do Direito, na medida em que esta possui por objetivo a busca de decisões economicamente eficien-tes, em total sintonia, pois, com a norma constitucional.

24 “Disso deriva, necessariamente, a chamada repersonalização do direito civil, ou visto de outro modo, a despatrimonialização do direito civil. Ou seja, recoloca-se no centro do direito civil o ser humano e suas emanações.” (FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 53)

25 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 251.26 DE CICCO, Maria Cristina. A pessoa e o mercado. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Op. cit., p. 108.27 “De nada adianta crescimento com concentração de renda, uma especialidade brasileira condizente com um

mundo que retornou a padrões de desigualdade e acumulação dignos do século 19.” (SAFATLE, Vladimir. Deixe meu jatinho em paz. Folha de S. Paulo, p. A2, 13 de maio de 2014)

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Todavia, a Constituição impõe limites materiais à Análise Econômica do Direito, em razão da chamada despatrimonialização do Direito Privado, a qual confere maior importância à pessoa, singularmente considerada, do que às questões econômicas e materiais.

Assim, verifica-se que a Análise Econômica do Direito deverá, para ser recepcionada pela juridicidade constitucional, buscar a eficiência eco-nômica sem que, com isso, ignore os direitos inerentes à pessoa, os quais no constitucionalismo hodierno sobrepõem-se às questões materiais.

REFERÊNCIAS

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Clipping Jurídico

Terceira Turma manda indenizar Barrichello por uso indevido de imagem

O ex-piloto de Fórmula 1 Rubens Barrichello deve ser indenizado pelo uso indevido de seu nome e de sua imagem em campanha publicitária produzi-da pela Full Jazz Comunicação e Propaganda para a Varig Logística S/A. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso rela-tado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. A campanha foi lançada em 2004. Os anúncios não traziam o nome completo do piloto, mas apresentavam uma criança de macacão vermelho – mesma cor da Ferrari, equipe em que Barrichello atuava na época – em um carro de brinquedo também vermelho, com a frase: Rubinho, dá pra ser mais Velog? Velog era o serviço de entre-ga de malotes da Varig Logística, que teve a falência decretada em 2012. Barrichello processou a agência de propaganda e sua cliente, acusando-as de fazer alusão jocosa à sua carreira esportiva, de forma a ridicularizá-lo, e de usar indevidamente sua imagem. No entanto, para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o uso do apelido do piloto não configurou ofensa aos seus direitos de personalidade nem gerou a obrigação de indenizar, por se tratar de pessoa de grande notoriedade. O piloto recorreu ao STJ sustentando, entre outros pon-tos, que o fato de ser uma personalidade pública não autoriza empresas priva-das a usar seu nome e imagem em campanha publicitária sem contrapartida financeira. Alegou ainda que a publicidade não autorizada configura violação do direito de personalidade quando apresenta características capazes de iden-tificar a pessoa, mesmo que não haja menção expressa a seu nome. Segundo o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o caso julgado amolda-se perfeitamente ao Enunciado nº 278 da IV Jornada de Direito Civil, que interpreta o art. 18 do Código Civil. Diz esse enunciado: “A publicidade que divulgar, sem auto-rização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade”. Para o ministro, não há dúvida de que a publicidade foi veicu-lada com fins lucrativos e, mesmo sem mencionar o nome completo do piloto, levou o consumidor a prontamente identificá-lo pelo seu apelido, amplamente conhecido do público em geral, em um contexto que indicava com clareza a sua atividade esportiva. Citando vários precedentes, Sanseverino reiterou que os danos morais por violação do direito de imagem decorrem exatamente do próprio uso indevido da imagem, não havendo necessidade de demonstração de outros prejuízos, conforme entendimento uniforme do STJ. Acompanhando de forma unânime o voto do relator, o colegiado determinou que o tribunal paulista prosseguisse no julgamento da apelação e fixasse o valor da indeniza-ção devida por danos extrapatrimoniais. REsp 1432324. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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Homem é condenado a indenizar namorada por difamação e divulgação de fotos íntimas no Facebook

A juíza da 5ª Vara Cível de Taguatinga/DF condenou um homem a pagar R$ 30 mil de danos morais à ex-namorada, por difamá-la perante os amigos e divul-gar no Facebook fotos íntimas da mulher, furtadas dos seus arquivos pessoais. De acordo com a sentença, a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem das pessoas retratam direito constitucional fundamental e sua violação enseja a devida reparação por danos morais, consoante o art. 5º, inciso X, da CF/1988, hipótese do caso em questão. Na ação, a autora contou que iniciou o relacio-namento amoroso com o requerido em abril de 2010. Tempos depois, o casal decidiu morar junto, no apartamento dele. Passados alguns meses, o homem se tornou agressivo, o que resultou no término da relação. Inconformado com isso, ele resolveu enviar mensagens e e-mails para vários amigos em comum, afirmando que a ex-namorada era garota de programa. Não satisfeito, invadiu os arquivos pessoais do computador da mulher, publicou diversas fotos dela fazendo sexo com um ex-noivo e criou um blog com o intuito de difamá-la. Segundo a autora, o furto das fotos foi possível porque o ex-namorado é servi-dor público da área de informática, no Serpro, e, utilizando-se dessa prerroga-tiva, conseguiu quebrar sua senha. Além disso, afirmou que foi ameaçada por ele diversas vezes, tendo que recorrer à Justiça para pedir medidas protetivas, as quais foram deferidas pelo juiz competente. Ao final, pediu a condenação do réu ao pagamento de R$ 100 mil pelos danos morais experimentados. A contestação do réu foi juntada fora do prazo legal, por isso a magistrada de-cretou sua revelia, conforme previsto no art. 319, do CPC. Nas audiências de instrução e julgamento, a juíza ouviu a vítima e as testemunhas arroladas por ela. Não houve conciliação entre as partes. Para a magistrada, o réu agiu de forma consciente e com intuito de revidar o término do relacionamento e, ao pensar que existia uma suposta traição, atuou com a intenção de denegrir a honra e a imagem da autora, ou seja, sua conduta não foi sequer culposa, mas sim dolosa. Ainda segundo afirmou, independentemente do fato de a autora ter disponibilizado suas fotos íntimas em algum local, não se justifica a sua divulgação a terceiros por meio da rede mundial de computadores sobre a qual não se tem controle após a postagem. Trata-se, na verdade, de violação grave a direito fundamental constitucional. Ainda cabe recurso da decisão de 1ª Instância. Processo nº 2012.07.1.015205-2. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal)

Segunda Seção decidirá sobre cautelar para exibição de documentos do sistema scoring

O Ministro Luis Felipe Salomão afetou à 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recurso no qual se discute a existência de interesse de agir de consumidor para propor ação cautelar de exibição de documentos em relação

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ao sistema scoring mantido por entidades de proteção ao crédito. O sistema scoring é um método de avaliação de risco para concessão de crédito. A partir de modelos estatísticos, atribui-se pontuação ao consumidor avaliado. A práti-ca é autorizada pelo art. 5º, inciso IV, e pelo art. 7º da Lei nº 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo). O consumidor, no caso, interpôs recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que entendeu ausente o interesse do autor da ação. A ação teve por objetivo obrigar a Câmara de Diri-gentes Lojistas de Porto Alegre (CDLPA) a entregar o extrato com a pontuação do sistema de scoring. O consumidor alega que a CDLPA mantém uma base de dados clandestina. O não fornecimento do extrato inviabilizaria futura ação judicial, além de ferir o art. 43, caput, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). O TJRS, porém, extinguiu a ação sem solução de mérito. No fi-nal do ano passado, foi julgado na 2ª Seção recurso repetitivo (REsp 1.419.697) que tratou da consolidação do entendimento do STJ sobre a natureza do siste-ma scoring, da suposta violação a princípios e regras do CDC e do cabimento de indenização por dano moral. Os ministros concluíram, na ocasião, que o sistema é legal, mas devem ser respeitadas a privacidade e a transparência na avaliação do risco de crédito. Apesar de ser desnecessário o consentimento do consumidor para a operação do sistema, deve haver o esclarecimento das informações pessoais valoradas. De acordo com a 2ª Seção, não se pode exigir o prévio e expresso consentimento do consumidor avaliado, pois o sistema é um modelo estatístico sem a natureza de cadastro ou banco de dados. Quando solicitado, deve haver indicação clara da fonte utilizada para que o afetado possa exercer controle acerca da veracidade dos dados. O desrespeito aos li-mites legais na utilização do sistema, segundo ficou decidido, pode acarretar a responsabilidade solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente, conforme o art. 16 da Lei nº 12.414. Pode ainda gerar danos morais nas hipóteses de utilização de informações ex-cessivas ou sensíveis, de acordo com o art. 3º, § 3º, incisos I e II, da lei. REsp 1304736. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

o uso de imagem sem autorização viola a dignidade da pessoa humana

As filmagens captadas por câmeras de segurança instaladas no interior de agên-cia bancária são confidenciais, constituindo abuso divulgá-las sem autorização da pessoa objeto da filmagem ou sem que haja decisão judicial permitindo. Com essa fundamentação, a 6ª Turma do TRF da 1ª Região reformou sentença de primeira instância para condenar a Caixa Econômica Federal (CEF) a pagar indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 10 mil a cliente que teve imagens suas captadas pelo sistema de segurança do banco divulgadas a terceiros sem seu consentimento. O cliente entrou com ação na Justiça Federal

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requerendo a condenação da instituição financeira ao pagamento de indeni-zação por danos morais em virtude da divulgação indevida de suas imagens. Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, razão pela qual recorreu ao TRF1 objetivando a reforma da sentença. O apelante alegou que o gerente da CEF cedeu, sem sua autorização, filmagem para outro cliente na qual aparecia com o filho no interior da agência bancária. Argumentou que o gerente em questão o acusou de ter efetuado saques indevidos na conta--corrente de terceiros. Essa acusação gerou uma ação penal por crime de furto em conta-corrente alheia, ocasião em que acabou inocentado por causa da fra-gilidade da prova produzida. “A conduta do gerente do banco lhe causou pre-juízos de ordem moral”, ponderou. Por isso, requereu o devido ressarcimento. As alegações foram aceitas pelo Colegiado. “A meu ver merece prosperar os pedidos contidos na apelação acerca da concessão de indenização por danos morais”, disse o Relator, Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, ao destacar que os fatos constantes dos autos revelam que as partes protagoni-zaram uma relação de consumo e que o real pedido do recorrente não versa sobre o mérito da ação criminal, mas sim sobre a ilegalidade na conduta da Caixa ao divulgar imagens do cliente captadas pelo sistema de segurança sem a devida autorização. Segundo o magistrado, a legislação prevê que nenhum estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário pode funcionar sem o devido sistema de segurança. “Contudo, o manejo das operações bancárias depende justamente do acesso irrestrito dos funcionários, no desempenho de suas funções. O desequilíbrio próprio dessa relação, constatado pela vulnerabilidade pendente sobre o consumidor, requer cuidados especiais e legais no trato do sigilo discutido nos autos”, explicou. Nessa linha de raciocínio, de acordo com o relator, “cabe à CEF, como agente responsável pelo exercício e risco de sua atividade, a indenização por danos morais decorrente da falha na prestação do serviço bancário. Nesse sentindo, arbitro em R$ 10 mil o pagamento relativo à indenização por danos morais”. A decisão foi unânime. Processo nº 0005166-47.2007.4.01.3801. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

cooperativas devem registrar atos na junta comercial

Apesar de serem equiparadas às sociedades simples pelo Código Civil de 2002, as cooperativas devem registrar seus atos na Junta Comercial e não no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Assim decidiu a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) ao dar provimento à remessa oficial e ao apelo da União e denegar o pedido de uma cooperativa de se inscrever no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) sem antes realizar registro na Junta Comercial. No processo, a cooperativa sustenta que o novo Código Civil

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(Lei nº 10.406, de 10.01.2002) alterou o órgão competente para registro das sociedades cooperativas, pois ao distinguir as sociedades empresárias das so-ciedades simples e estabelecer regras distintas para elas enquadrou as coope-rativas, independentemente de seu objeto, no rol das sociedades simples. Em primeiro grau, foi deferida a liminar e, posteriormente, proferida sentença de procedência do pedido, ordenando a inscrição da impetrante no Cadastro Na-cional de Pessoa Jurídica – CNPJ. Em seu recurso, a União alega que, embora o novo Código Civil considere a cooperativa como sociedade simples indepen-dentemente de seu objeto e estabeleça que elas vinculam-se ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, há disposições específicas para a sociedade cooperativa contidas nos arts. 1.093 a 1.096, o que torna claro que a Lei das Cooperativas (Lei nº 5.764/1971) não foi revogada pelo novo Código Civil. Este deixa claro que terá aplicação, no caso específico das cooperativas, aonde a lei específica for omissa, assim, quando a lei especial não tratar de determinada questão, valerá a determinação referente à sociedade simples. No caso em questão, a lei especial, que prevalece sobre a norma de caráter geral do Código Civil, deter-mina que o registro seja feito na Junta Comercial, por isso não há direito líquido e certo no pleito da impetrante..., argumentou a União. O Relator do proces-so no TRF3, Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, acatou o pedido da União e considerou legal o ato da Receita em não providenciar a inscrição da cooperativa no CNPJ, antes do registro na Junta Comercial. Para ele, apesar da natureza de sociedade simples emprestada pelo novo Código Civil à sociedade cooperativa, o registro dela deve ser feito na Junta Comercial em razão da es-pecialidade do art. 18 da Lei nº 5.764/1971, aplicável mesmo após o advento do novo Código Civil, já que este estabelece no art. 1.093 que a sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo, ressalvada a legis-lação especial, que deve prevalecer onde contiver estipulações peculiares a entidade cooperativa. “Apenas no ponto que a lei de regência das cooperativas for omissa é que se aplicam as disposições referentes às sociedades simples”, esclarece Johonsom Di Salvo. A decisão apresenta precedente jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Nº do Processo: 0022544-20.2005.4.03.6100. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Tribunal condena cEF a indenizar cliente com nome inscrito no cadastro de cheques sem fundos

Em decisão monocrática, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) con-denou a Caixa Econômica Federal (CEF) a indenizar pessoa que teve seu nome indevidamente inscrito no Cadastro de Cheques sem Fundos (CCF) do Banco Central. A autora da ação requereu a exclusão de seu nome do CCF com o de-

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vido pagamento da taxa de exclusão. Após essa providência, teve novo cheque recusado por restrição no referido cadastro. Alegando que o fato lhe causou transtornos e humilhações, pleiteou indenização por danos morais no montan-te de 100 salários-mínimos. Em primeiro grau, o juízo reconheceu a obrigação de indenizar, mas considerou que o montante pretendido pela autora confi-guraria enriquecimento ilícito, motivo pelo qual fixou o valor da indenização em 20 salários-mínimos vigentes na época do pagamento. O banco recorreu alegando a inexistência de dano indenizável e, subsidiariamente, a diminuição do valor da indenização fixado em primeiro grau. Ao analisar o caso, o tribunal lembra que as regras do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis às instituições financeiras, permitindo-se a indenização pelos danos causados na prestação dos serviços. O TRF3 relata que, em agosto de 2000, a autora, por meio de seu procurador, apresentou à CEF cheque no valor de R$ 630,00 que havia sido devolvido duas vezes por ausência de fundos, mas que fora devida-mente quitado, e requereu a sua exclusão do cadastro de cheques sem fundos. No final de setembro do mesmo ano, a CEF foi procurada pelo marido da auto-ra informando que o nome de sua esposa ainda constava no cadastro CCF. O banco imediatamente tentou efetuar a exclusão, o que não foi possível porque o sistema do CCF encontrava-se com a opção exclusão indisponível. Diante de tais fatos, o tribunal considera que houve confissão da própria instituição financeira, evidenciando que ela efetivamente tardou, de forma indevida, em proceder à exclusão do nome da autora do CCF. Dessa forma, a permanência da inscrição indevida gera dano moral indenizável, o que está de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já o montante fixado como valor da indenização em primeiro grau está dentro do critério da razoabilidade, razão pela qual não mereceu reparos. A decisão está amparada, ainda, por pre-cedentes do próprio TRF3. Nº do Processo: 2009.61.10.008301-1. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

câmara aprova em segundo turno PEc do comércio eletrônico

A Câmara dos Deputados aprovou há pouco, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 197/12, conhecida como PEC do Comércio Eletrônico, que fixa novas regras para a incidência do Imposto sobre Circu-lação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações de venda de produtos pela Internet ou por telefone. Como a matéria foi alterada na votação da Câ-mara, ela retorna ao Senado para novas deliberações, antes de ser encaminha à promulgação. Foram 388 votos a favor e 66 contra. O texto apresentado pelo Relator, Deputado Márcio Macêdo (PT-SE), e aprovado em dois turnos pela Câ-mara estabelece que os estados de destino da mercadoria ou serviço adquirido terão direito a uma parte maior do ICMS se o consumidor final for pessoa física.

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RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������213

As regras entrarão em vigor no ano seguinte ao da promulgação da emenda, obedecido o prazo de 90 dias de anterioridade. Pelo texto aprovado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será par-tilhado entre os estados de origem e de destino, na seguinte proporção: para o ano de 2015, 20% para o estado de destino e 80% para o de origem; para 2016, 40% para o destino e 60% para a origem; 2017, 60% para o estado de destino e 40% para o de origem; para 2018, 80% para o destino e 20% para a origem; a partir de 2019, todo o imposto ficará com o estado de destino da mercadoria. Como a PEC não foi aprovada e promulgada no ano passado, terá que ser feita alteração na parte que trata da distribuição do percentual entre estados de destino e de origem, previsto para 2015. Isso porque o texto esta-belece que a medida passa a vigorar na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano seguinte, obedecido o prazo de 90 dias. (Conteúdo extraído do site Agência Brasil)

correntista é condenado a restituir crédito indevidamente depositado em conta-corrente

Valores depositados indevidamente em conta-corrente devem ser devolvidos sob pena de enriquecimento ilícito do favorecido. Essa foi a tese adotada pela 5ª Turma do TRF da 1ª Região (TRF1) para reformar sentença que, ao analisar ação movida pela Fundação Habitacional do Exército (FHE) contra um mutu-ário, julgou improcedente o pedido que objetivava a condenação da parte ré à restituição dos valores recebidos indevidamente. Na sentença, o Juízo da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal entendeu que, a despeito da confissão do réu, os valores creditados na conta-corrente do mutuário cor-respondiam apenas ao objeto do contrato de empréstimo. Inconformada, a FHE recorreu ao TRF1 sustentando, em síntese, que, ao contrário do que concluiu o juízo monocrático, a quantia de R$ 92.525,62, depositada por equívoco, foi sacada pelo mutuário via cheque-avulso. Alegou que o próprio apelado reco-nheceu que realizou o saque dos valores depositados. As alegações foram acei-tas pelo Relator, Juiz Federal convocado Carlos Eduardo Castro Martins. Em seu voto, o julgador ressaltou que “restando comprovado nos autos que os valores foram indevidamente creditados na conta-corrente da parte ré, afigura-se devi-da a restituição da quantia creditada erroneamente, sob pena de se configurar o enriquecimento ilícito do favorecido, nos termos do art. 884 do Código Civil”. O magistrado citou precedentes do próprio TRF1 no sentido de que “compro-vado o creditamento de quantia indevida em conta-corrente, mesmo que por erro da instituição bancária, é dever do correntista favorecido efetuar a resti-tuição ao banco depositário da importância indevidamente recebida”. Assim, a Turma deu provimento à apelação da FHE para determinar que o mutuário

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214 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – CLIPPING JURÍDICO

restitua a quantia de R$ 92.525,62 em favor da parte autora, corrigida mone-tariamente desde o saque indevido e acrescida de juros de mora pela Taxa Selic. A decisão foi unânime. Nº do Processo: 0004093-40.2011.4.01.3400. (Conteú do extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

risco da evicção não atinge banco que apenas financiou a compra do bem

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) eximiu o Banco Volkswagen da obrigação de ressarcir a empresa compradora de um carro financiado que foi apreendido pela Receita Federal por causa de problemas na importação. A empresa havia adquirido o veículo do primeiro comprador, que lhe transferiu o financiamento. De acordo com o Relator do caso, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o dever de garantir os riscos da evicção é restrito ao alienante do veículo e não se estende à instituição que concedeu o financiamento sem ter vínculo com o importador. Com esse entendimento, a Turma reconheceu a ilegitimidade passiva do banco e o excluiu do processo. Inicialmente, um consumidor firmou contrato de alienação fiduciária com o banco para aqui-sição de um Porshe Carrera modelo 911. Depois, vendeu o veículo para uma empresa e repassou o financiamento com anuência da instituição financeira. O automóvel, porém, foi apreendido pela Receita Federal devido a irregulari-dades na importação. A empresa ajuizou ação contra o espólio do vendedor e o banco. Em primeira instância, o juízo declarou a nulidade do contrato, do termo de cessão, das notas promissórias e das demais garantias vinculadas ao financiamento, além de condenar os dois réus a ressarcir o valor pago pela compradora. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não reconheceu a ilegitimidade passiva da instituição financeira por entender que todos aqueles que participaram do negócio envolvendo a aquisição do veículo devem responder pelos prejuízos suportados por terceiro. Em recurso ao STJ, o banco insistiu na alegação de ilegitimidade. Em seu voto, Paulo de Tarso Sanseverino explicou que a evicção – tratada nos arts. 447 e seguintes do Código Civil – “consiste na perda total ou parcial da propriedade de bem adquirido em virtude de contrato oneroso por força de decisão judicial ou ato administrativo praticado por autoridade com poderes para apreensão da coi-sa”. A responsabilidade pelos riscos da evicção, segundo o ministro, é do ven-dedor, e desde que não haja no contrato cláusula de exclusão dessa garantia, o adquirente que perdeu o bem poderá pleitear a restituição do que pagou. No caso julgado, entretanto, o ministro concluiu que essa restituição não poderia ser exigida do banco. Ele mencionou dois precedentes sobre responsabilidade da instituição financeira em relação a defeitos do produto financiado: no REsp 1.014.547, a 4ª Turma isentou o banco porque ele apenas forneceu o dinheiro para a compra; no REsp 1.379.839, a 3ª Turma reconheceu a responsabilidade

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RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������215

do banco porque ele pertencia ao grupo da montadora de veículos e assim fi-cou patente sua participação na cadeia de consumo. Nesse segundo julgamen-to, foi destacada a necessidade de distinguir a instituição financeira vinculada ao fabricante daquela que apenas concede financiamento ao negócio. Embora o novo recurso tratasse de evicção, e não de produto defeituoso, o ministro aplicou o mesmo raciocínio: “Não há possibilidade de responsabilização da instituição financeira, que apenas concedeu o financiamento para a aquisição do veículo importado sem que se tenha evidenciado o seu vínculo com o im-portador.” (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Projeto cria regras de funcionamento para empresas juniores

A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei nº 8084/14, do Senado, que disciplina a criação e a organização de empresas juniores – associações for-madas por estudantes de graduação e ligadas a instituições de ensino superior. Conforme o texto, essas empresas serão organizadas sob a forma de associa-ção civil sem fins lucrativos, integradas por estudantes voluntários para prestar serviços e realizar projetos na sociedade. Um dos objetivos dessas empresas é oferecer consultoria a pequenas e microempresas que não têm condições de contratar esses serviços. Ao mesmo tempo, a iniciativa contribui para o de-senvolvimento acadêmico e profissional dos associados, capacitando-os para o mercado de trabalho. O projeto determina que toda empresa júnior deverá vincular-se a, no mínimo, uma instituição de ensino superior, com atividade voltada a, pelo menos, um curso de graduação. A proposta ainda permite a admissão de pessoas físicas ou jurídicas que desejem colaborar com a entida-de, mas veda qualquer forma de ligação partidária. No entanto, o texto libera a contratação das empresas juniores por partidos políticos para a prestação de serviços de consultoria e de publicidade. As empresas juniores poderão cobrar pela elaboração de produtos e prestação de serviços independentemente de autorização do conselho profissional regulamentador, desde que sejam acom-panhadas por professores orientadores da instituição de ensino. O projeto será analisado de forma conclusiva pelas comissões de Educação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Turma decide pela desinterdição de estabelecimento comercial

A 6ª Turma confirmou sentença de primeira instância que determinou a de-sinterdição de um estabelecimento interditado pela Agência Nacional de Pe-tróleo, Gás Natural e Bicombustíveis (ANP) porque o proprietário, à época dos fatos, não possuía a autorização de funcionamento do Fisco estadual. A decisão foi tomada após a análise de apelação interposta pela autarquia contra

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a sentença. A ANP apelou ao TRF1 alegando que “a legislação de regência da matéria (Portaria ANP nº 116/2000) não alberga a pretensão deduzida em juízo na medida em que pautou a atuação da autoridade administrativa ao efetivar a interdição do estabelecimento”. Afirmou, ainda, que o autuado à época se en-contrava desprovido da necessária autorização estadual. Sustentou que como a autorização possui natureza precária e discricionária, não cabe ao Judiciário determinar a sua concessão, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes. O Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Relator do caso, manteve a sentença de primeiro grau. Segundo o julgador, as normativas ex-traídas dos dispositivos legais cabíveis relatam que ainda que haja o cancela-mento provisório, no CNPJ, da inscrição estadual ou do alvará de funciona-mento, ocorrerá também, como consequência, o cancelamento do registro de revendedor na ANP. “Nessas condições, a autoridade administrativa, ante a indisponibilidade do interesse público, deverá realizar a autuação do estabe-lecimento (interdição). E foi exatamente o que sucedeu na hipótese”, explicou o magistrado. Na época da autuação, 16.01.2008, e da apreciação da liminar, em 27.06.2008, houve pesquisa no sítio do Singegra/ICMS – Consulta Pública ao Cadastro do Estado do Amazonas, constatando que a empresa impetrante constava no cadastro da Secretaria de Fazenda Pública do Estado do Amazo-nas enquadrada no status “Não Habilitada”, fato este que levou, inclusive, ao indeferimento da medida liminar. Em outras palavras, a inscrição estadual da impetrante, à época, encontrava-se suspensa. Posteriormente, [...] verificou-se que a situação da impetrante havia se alterado para status de “Habilitada”, desde 07.10.1996, o que demonstra que a sua situação de irregularidade cons-tituiu em algo provisório que restou devidamente sanado junto à Secretaria da Fazenda Estadual, analisou o relator. “Assim, [...] não se mostra razoável ou proporcional a manutenção da sanção”, determinou. A decisão foi unânime. Nº do Processo: 0013580-39.2008.4.01.3400. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Fechamento desta Edição: 25�03�2015

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

assunto

Penhora sobre o Faturamento

•Os Requisitos para a Realização da Penhora so-bre o Faturamento da Empresa nas Execuções Fiscais (Marcelo Terra Reis e Mateus Silveirada Silva) ...............................................................31

•Penhora sobre Faturamento: Doutrina e Juris-prudência (Felipe Cunha de Almeida) ....................9

autor

FeliPe cunha De almeiDa

•Penhora sobre Faturamento: Doutrina e Juris-prudência ..............................................................9

marcelo terra reis e mateus silveira Da silva

•Os Requisitos para a Realização da Penhora so-bre o Faturamento da Empresa nas Execuções Fiscais ..................................................................31

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

assunto

Penhora sobre o Faturamento

•Agravo – Agravo de instrumento – Execução fiscal – Penhora – Veículo – Impenhorabilidade – Ins-trumento essencial de trabalho – Ausente com- provação – Penhora de faturamento de empre-sa – Descabimento no caso concreto – Exis-tência de veículo da devedora – Prequestiona-mento (TJRS) ..............................................2399, 55

•Civil – Agravo regimental no agravo em recur-so especial – execução – Penhora sobre fatura-mento da concessionária – Possibilidade – Inci-dência da Súmula nº 83 desta Corte – Acórdão que dirimiu a controvérsia com base nos fatos da causa – Reforma do julgado – Incidência da Súmula nº 7 do STJ (STJ) ............................2400, 65

EMENTÁRIO

assunto

Penhora sobre o Faturamento

•Penhora sobre o faturamento da empresa – co-operativa – administração judicial – admissibi-lidade ........................................................2401, 71

•Penhora sobre o faturamento da empresa – ex-cesso na fixação do percentual – concessão – possibilidade .............................................2402, 71

•Penhora sobre o faturamento da empresa – nãolocalização de bens – precedentes .............2403, 71

•Penhora sobre o faturamento da empresa – no-meação de máquinas – utilização pela devedora– requisitos – não reconhecimento ............2404, 72

•Penhora sobre o faturamento da empresa – pos-sibilidade – honorários advocatícios – não ca-bimento .....................................................2405, 72

•Penhora sobre o faturamento da empresa – pre-tensão de recebimento – descabimento .....2406, 73

•Penhora sobre o faturamento da empresa – re-quisitos – atendimento – deferimento – possi-bilidade .....................................................2407, 73

•Penhora sobre o faturamento da empresa – re-quisitos – atendimento – necessidade do ree-xame de provas – impossibilidade .............2408, 76

Índice Geral

DOUTRINAS

assunto

ComplianCe

•A Adoção de Sistema de Compliance e o Novo Marco Legal de Combate à Corrupção(Geovane de Mori Peixoto) ..................................93

eireli

•EIRELI – Empresa Individual de Responsabilida-de Limitada: Características e Principais Con-trovérsias (Fernanda Borghetti Cantali e JosianeNunes Alves) .......................................................96

sustentabiliDaDe

• Investimento Direto Estrangeiro e Sustentabili-dade: Interação, Efetividade e Impacto de Po-líticas Ambientais no Fluxo de Capital Externo (Vinicius Diniz Vizzotto) ....................................132

títulos De créDito

•Títulos de Crédito: o Princípio da Autonomia e a Defesa do Avalista (Douglas Genelhu deAbreu Guilherme) ................................................77

autor

Douglas genelhu De abreu guilherme

•Títulos de Crédito: o Princípio da Autonomia e aDefesa do Avalista ..............................................77

FernanDa borghetti cantali

•EIRELI – Empresa Individual de Responsabi-lidade Limitada: Características e Principais Controvérsias .......................................................96

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218 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

geovane De mori Peixoto

•A Adoção de Sistema de Compliance e o No-vo Marco Legal de Combate à Corrupção ...........93

Josiane nunes alves

•EIRELI – Empresa Individual de Responsabilida-de Limitada: Características e Principais Con-trovérsias .............................................................96

vinicius Diniz vizzotto

• Investimento Direto Estrangeiro e Sustentabili-dade: Interação, Efetividade e Impacto de Po-líticas Ambientais no Fluxo de Capital Externo ..........................................................................132

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

assunto

caPaciDaDe Processual

•Breves Comentários Acerca da Capacidade Pro-cessual do Devedor Insolvente (Bruno Schimitt Morassutti) ...............................................2456, 191

autor

bruno schimitt morassutti

•Breves Comentários Acerca da Capacidade Pro-cessual do Devedor Insolvente ................2456, 191

ESTUDOS JURÍDICOS

assunto

análise econômica Do Direito

•Análise Econômica do Direito: Fundamentos e Limites Constitucionais (Matheus Teixeira daSilva) .................................................................197

autor

matheus teixeira Da silva

•Análise Econômica do Direito: Fundamentos eLimites Constitucionais .....................................197

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

assunto

títulos De créDito

•Direito empresarial – Títulos de crédito – Du-plicata mercantil título causal – Desfazimento do negócio jurídico – Protesto – Endosso trans-lativo – Direito de regresso (TRF 2ª R.) .....2409, 155

EMENTÁRIO

assunto

ação anulatória De nuliDaDe De título De créDito

•Ação anulatória de nulidade de título de cré-dito – duplicata – indenização – dano moral –cabimento ...............................................2410, 162

ação De Dissolução De socieDaDe

•Ação de dissolução de sociedade – sociedade em conta de participação – natureza societária –rompimento do vínculo – possibilidade .... 2411, 162

ação De obrigação De Fazer Fungível

•Ação de obrigação de fazer fungível – fixação de astreintes – inovação recursal – impossibili-dade ........................................................2412, 162

ação monitória

•Ação monitória – cheques – ilegitimidade de parte – factoring – notificação – desnecessidade ................................................................2413, 164

céDula De créDito rural

•Cédula de crédito rural – juros de mora – termo inicial ......................................................2414, 164

cheque

•Cheque – empresa de factoring – inscrição in-devida em cadastro de emitentes de chequesem fundos – indenização – cabimento ...2415, 165

conDomínio emPresarial

•Condomínio empresarial – furto à unidade au-tônoma – ausência de responsabilidade – possi-bilidade ...................................................2416, 165

conFlito De comPetência

•Conflito de competência – recuperação judi-cial – prolação de decisão definitiva no âmbitodesta Corte – trânsito em julgado .............2417, 165

contrato

•Contrato – compra e venda – defesa do consu-midor – produto adquirido – duas placas de ví-deo – defeito em uma – rescisão – restituição in-tegral do valor – impossibilidade .............2418, 166

contrato bancário

•Contrato bancário – empréstimo consignado em folha de pagamento – benefício de aposentado-ria – descontos – limitação legal ..............2419, 167

contrato De Financiamento bancário

•Contrato de financiamento bancário – importa-ção de equipamento industrial – taxa de juros– limitação ...............................................2420, 167

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RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������219 contrato De Financiamento garantiDo Por alienação FiDuciária

•Contrato de financiamento garantido por alie-nação fiduciária – capitalização mensal ..2421, 168

contrato De Franquia

•Contrato de franquia – anulação – descumpri-mento dos requisitos – obrigada da entrega –precedente ...............................................2422, 169

contrato De ParticiPação Financeira

•Contrato de participação financeira – excessode execução – juros .................................2423, 169

DeFesa Do consumiDor

•Defesa do consumidor – arquivos de crédi-to – sistema credit scoring – compatibilidade com o direito brasileiro – limites – dano moral ................................................................2424, 169

DesconsiDeração Da PersonaliDaDe JuríDica

•Desconsideração da personalidade jurídica –requisitos autorizadores ...........................2425, 170

DesconsiDeração inversa Da Per-sonaliDaDe JuríDica

•Desconsideração inversa da personalidade jurídica – atos fraudulentos e abuso da perso-nalidade – não comprovação ...................2426, 173

Direito cambiário

•Direito cambiário – protesto de cheque pres-crito – não cabimento ..............................2427, 173

Direito emPresarial

•Direito empresarial – contrato social – alteração – fraude – prova – reexame ......................2428, 173

•Direito empresarial – titularidade de ações desociedade anônima – competência ..........2429, 174

DuPlicata

•Duplicata – contrato de prestação de serviço – cessão do título de crédito – protesto – apon-tamento indevido .....................................2430, 174

•Duplicata – protesto indevido – responsabilida-de solidária – quantum indenizatório.......2431, 174

execução De título extraJuDicial

•Execução de título extrajudicial – contrato de fomento mercantil – compra de crédito de sociedade empresária ..............................2432, 175

•Execução de título extrajudicial – cheques – contrato de cessão de crédito – cláusula de recompra e exigência de garantia no factoring – precedentes ..........................................2433, 175

•Execução de título extrajudicial – penhora ini-cial – sobre maquinário da atividade empresa-rial – descabimento .................................2434, 175

FaCtoring

•Factoring – cobrança de duplicatas – grupo econômico – denúncia de fraude – manipula-ção – acusação ......................................24356, 176

Falência

•Falência – triplicatas protestadas – comprovaçãoda entrega das coisas – dispensabilidade .. 2467, 176

Juros remuneratórios

• Juros remuneratórios – limitação – inviabilidade ................................................................2437, 176

multa cominatória

•Multa cominatória – ação de obrigação de fa-zer – necessidade de intimação pessoal para adimplemento .......................................2438, 1179

nome emPresarial

•Nome empresarial – princípio da veracidade – aplicabilidade ..........................................2439, 180

•Nota promissória – ilegitimidade passiva – ine-xigibilidade dos títulos de crédito – não confi-guração ...................................................2440, 181

Penhora on line

•Penhora on line – sistema Bacen-Jud – esgota-mento de diligências para localização de bens do devedor ..............................................2441, 181

ProPrieDaDe inDustrial

•Propriedade industrial – colidência de marcas –cancelamento da última – precedentes ....2442, 183

•Propriedade industrial – reparação de danos –contrafação de sapatilhas – concorrência . 2443, 183

Protesto

•Protesto – duplicata – falta de aceite – inclusão do nome em cadastros restritivos de créditos; legitimidade passiva – culpa – dano moral –ressarcimento – possibilidade ..................2444, 183

•Protesto – duplicata sem causa – sustação de protesto devida ........................................2445, 184

•Protesto de duplicatas – negócio jurídico firma-do por preposto sem poderes – inobservância do prazo para cancelamento do contrato –teoria da aparência ..................................2446, 184

•Protesto de título – ação de sustação de en-dossatário-mandatário – legitimidade passiva ................................................................2447, 185

resPonsabiliDaDe Por vício Do ProDuto

•Responsabilidade por vício do produto – veí- culo novo defeituoso – responsabilidade soli-dária ........................................................2448, 185

socieDaDe anônima

•Sociedade anônima – diretoria – atos pratica-dos com excesso de poder – má gestão – dolo eculpa – indenização devida .....................2449, 186

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220 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 43 – Mar-Abr/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Sociedade anônima – dissolução judicial – in-viabilidade econômica – vedação – impossibi-lidade ......................................................2450, 188

socieDaDe emPresarial

•Sociedade empresarial – apuração de haveres – dissolução ...............................................2451, 188

sucessão emPresarial

•Sucessão empresarial – dissolução irregular –citação editalícia – regularidade ..............2452, 188

título De créDito

•Título de crédito – ação de indenização pordanos morais – protestos indevidos..........2453, 189

título executivo

•Título executivo – nulla executio sine titulo – redirecionamento da execução fiscal para o sócio – dissolução irregular da empresa – com-provação – necessidade ...........................2454, 190

título extraJuDicial

•Título extrajudicial – contrato de serviços ad-vocatícios – ilegitimidade passiva – grupo eco- nômico – teoria da aparência – inaplicabilidade ................................................................2455, 190

CLIPPING JURÍDICO

•Câmara aprova em segundo turno PEC do co-mércio eletrônico ..............................................212

•Cooperativas devem registrar atos na junta co-mercial ..............................................................210

•Correntista é condenado a restituir crédito inde-vidamente depositado em conta-corrente ..........213

•Homem é condenado a indenizar namorada por difamação e divulgação de fotos íntimas noFacebook ...........................................................208

•O uso de imagem sem autorização viola a digni-dade da pessoa humana ....................................209

•Projeto cria regras de funcionamento para em-presas juniores ...................................................215

•Risco da evicção não atinge banco que apenas financiou a compra do bem ...............................214

•Segunda Seção decidirá sobre cautelar paraexibição de documentos do sistema scoring ......208

•Terceira Turma manda indenizar Barrichello por uso indevido de imagem ....................................207

•Tribunal condena CEF a indenizar cliente com nome inscrito no cadastro de cheques semfundos ...............................................................211

•Turma decide pela desinterdição de estabele-cimento comercial .............................................215