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Revista SÍNTESE Direito Empresarial ANO VIII – Nº 45 – JUL/AGO 2015 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Alberto Flores Rosa Alexandre Priess Anderson Vichinkeski Teixeira Antônio Janyr Dall’Agnol Junior Arnoldo Wald Cristiano Heineck Schmitt Daniel Ustárroz (Coordenador) Danilo de Araujo Éderson Garin Porto Eliane Maria Octaviano Martins Euclides Rosa Filho Fábio Ulhoa Coelho Francisco Xavier Amaral Giuseppe Vettori Gustavo Filipe Barbosa Garcia Ives Gandra Martins João Glicério de Oliveira Filho José Augusto Delgado José Tadeu Neves Xavier Marcos Catalan Raúl Cervini Ricardo Lobo Torres Ruy Rosado de Aguiar Júnior Sergio Gilberto Porto Vera Maria Jacob de Fradera COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alessandre Ferreira Canabal, Carlos da Fonseca Nadais, Filipe Vinícius Aparecido Ferreira, Graziela Maria Rigo Ferrari, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, Laura Romano Campedelli, Mario João Ferreira Monte, Osvaldo Agripino de Castro Júnior, Ricardo Lupion Garcia, Roberto Epifanio Tomaz ISSN 2236-5346 COMITÊ TÉCNICO Anderson Heineck Schmitt André Estevez José Paulo Dorneles Japur Nikolai Sosa Rebelo Rosilene Gomes da Silva Giacomin

ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 45_miolo.pdf · 1 Cf. nossos Contratos mercantis e a teoria geral do contrato – O Código Civil e a crise do contrato. São Paulo:

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Revista SÍNTESEDireito Empresarial

Ano VIII – nº 45 – Jul/Ago 2015

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIATribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

geRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Herica Eduarda Geromel Vasques

conselho edItoRIAlAlberto Flores Rosa

Alexandre PriessAnderson Vichinkeski Teixeira

Antônio Janyr Dall’Agnol JuniorArnoldo Wald

Cristiano Heineck SchmittDaniel Ustárroz (Coordenador)

Danilo de AraujoÉderson Garin Porto

Eliane Maria Octaviano MartinsEuclides Rosa FilhoFábio Ulhoa Coelho

Francisco Xavier Amaral

Giuseppe VettoriGustavo Filipe Barbosa GarciaIves Gandra MartinsJoão Glicério de Oliveira FilhoJosé Augusto DelgadoJosé Tadeu Neves XavierMarcos CatalanRaúl CerviniRicardo Lobo TorresRuy Rosado de Aguiar JúniorSergio Gilberto PortoVera Maria Jacob de Fradera

colAboRAdoRes destA edIçãoAlessandre Ferreira Canabal, Carlos da Fonseca Nadais, Filipe Vinícius Aparecido Ferreira,

Graziela Maria Rigo Ferrari, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, Laura Romano Campedelli, Mario João Ferreira Monte, Osvaldo Agripino de Castro Júnior,

Ricardo Lupion Garcia, Roberto Epifanio Tomaz

ISSN 2236-5346

comItê técnIcoAnderson Heineck Schmitt

André EstevezJosé Paulo Dorneles Japur

Nikolai Sosa RebeloRosilene Gomes da Silva Giacomin

2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos jurídicos e empresariais.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Empresarial: Ano 8, nº 45, Jul./Ago. 2015. Nota: Continuação da Revista Jurídica Empresarial da Editora Notadez. Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

ISSN 2236-5346

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

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Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Carta do Editor

Para esta Edição de nº 45 da Revista SÍNTESE Direito Empresarial trazemos para o Assunto Especial um assunto bastante interessante que sempre gera muito interesse para os juristas que atuam na área empresa-rial, qual seja: “Direito Contratual – Função Social”. Para tanto, e com o objetivo de aprofundar ao máximo sobre este sempre interessante tema, trouxemos à baila dois artigos de importantes juristas, no qual destaca-mos o do Professor Associado do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, Dr. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, intitulado “A Função Social dos Contratos Empresariais e o Judiciário”, e o da Dra. Graziela Maria Rigo Ferrari, Especialista em Processo Ci-vil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e do Dr. Ricardo Lupion Garcia, Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), intitulado “Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva e Responsabilidade Social”.

Ainda, na seção Assunto Especial, trazemos um ementário com-pleto tratando exclusivamente do tema escolhido para esta edição.

No que tange à Parte Geral da Revista, selecionamos para você um Acórdão na Íntegra do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, além de cinco artigos de interessantes temas atrelados à área empresarial.

Chamamos a sua atenção para a Seção Especial denominada “Acontece”, em que trazemos um brilhante artigo intitulado “Mediação e Autocomposição: Considerações sobre a Lei nº 13.140/2015 e o Novo CPC”, de autoria do Dr. Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Não deixe de conferir, na seção “Clipping Jurídico”, os principais acontecimentos do período na área empresarial.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane Beltramini

Gerente Editorial e de Consultoria

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Direito Contratual – Função SoCial

DoutrinaS

1. A Função Social dos Contratos Empresariais e o JudiciárioHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa ..........................................................9

2. Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva e Responsabilidade SocialGraziela Maria Rigo Ferrari e Ricardo Lupion Garcia ...............................15

JuriSpruDênCia

1. Ementário de Jurisprudência .....................................................................36

Parte Geral

DoutrinaS

1. Governança Corporativa: a Situação dos Acionistas Minoritários (Não Controladores) em Assembleias GeraisFilipe Vinícius Aparecido Ferreira ............................................................41

2. O Surgimento dos Consórcios de Empresas no Brasil Como Estrutura Jurídico-Organizativa Alternativa à Sociedade Empresária e a Sua Relação com o DesenvolvimentoLaura Romano Campedelli .......................................................................60

3. Nova Lex Mercatoria: Ordenamento Jurídico Supranacional (?)Roberto Epifanio Tomaz, Mario João Ferreira Monte e Osvaldo Agripino de Castro Júnior .........................................................................85

4. Contratos de Colaboração Empresarial: uma Via Alternativa para Afastar a Rigidez dos Modelos Societários em Benefício do Crescimento da EmpresaAlessandre Ferreira Canabal ...................................................................104

5. Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurisprudencial Atualizado (Incluindo o Novo Código de Processo Civil)Carlos da Fonseca Nadais ......................................................................122

JuriSpruDênCia

Acórdão nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................156

ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................162

Seção Especial

aConteCe

1. Mediação e Autocomposição: Considerações sobre a Lei nº 13.140/2015 e o Novo CPCGustavo Filipe Barbosa Garcia ...............................................................194

Clipping Jurídico ..............................................................................................209

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................216

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Assunto Especial – Doutrina

Direito Contratual – Função Social

A Função Social dos Contratos Empresariais e o Judiciário

HAROLDO MALHEIROS DuCLERC VERçOSAProfessor Associado do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, Consultor do Escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.

RESUMO: A partir de excertos de decisões do STJ, o consultor analisa a função social de contratos empresariais e demonstra preocupação pela maneira como este instituto vem sendo aplicado pelo Judiciário.

Tanto quando se podia esperar, a função social do contrato vem sendo aplicada pelo Judiciário com alguns dos vícios que já havíamos apontado anteriormente, fato que gera receio no meio empresarial, ten-do em vista uma instrumentalização maléfica do instituto1.

Havendo penetrado no Direito brasileiro na roupagem do art. 421 do Código Civil como condição da liberdade de contratar, a função so-cial do contrato não se encontra conceituada e se mostra extremamen-te fugidia para o intérprete menos avisado, apta a um uso político ou jurídico ideológico, o que representa enorme perigo para a certeza e a segurança do Direito. Nesta breve análise, vamos nos limitar aos efei-tos do instituto no campo dos contratos empresariais. Estes podem ser conceituados como aqueles que apresentam como partes de um lado um empresário no exercício de sua atividade e do outro igualmente um empresário ou uma pessoa natural não caracterizada como consumidor.

Como se sabe, o Brasil se classifica como um país capitalista, no sentido de que entre nós as pessoas são livres para exercerem atividades econômicas privadas em diversos campos, na busca e na apropriação dos lucros que possam produzir. Dentro desse contexto, cabe aos em-presários criar, girar e, consequentemente, distribuir riqueza pela utiliza-

1 Cf. nossos Contratos mercantis e a teoria geral do contrato – O Código Civil e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010; e Teoria geral do contrato – Fundamentos da teoria geral do contrato. 2. ed. São Paulo: RT, v. 4, 2013.

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ção dos fatores da produção (capital, trabalho, tecnologia e informação). Na medida em que os empresários atuam nas mais diversas esferas da atividade econômica, eles assumem o risco individual do seu eventual insucesso por eventuais quebras, não encontrando no Estado, em regra, suporte econômico para enfrentar suas vicissitudes2.

É o próprio risco do negócio o fator que legitima a apropriação dos lucros na atividade empresarial, e, por simplesmente exercê-la dentro de um campo lícito, o empresário já preenche, de forma primária, uma função social, seja por meio da própria empresa, seja pela utilização dos contratos que celebra para a realização dos seus objetivos econômicos.

Assim sendo, ao concluir um contrato empresarial (tanto faz se nominado ou inominado, estes segundo permitido pela liberdade das convenções), o empresário exerce a função social que dele se deve es-perar, até porque ele gera empregos em cascata, peça fundamental na economia de um país emergente. Não haveria, pois, que se falar em algum acréscimo superveniente à qualificação da atividade empresarial ou dos contratos realizados dentro do seu âmbito.

A atuação do Judiciário na operacionalização da função social do contrato tem encontrado uma base, entre outros, em Judith Martins--Costa, para quem teria havido uma mudança fundamental no direito contratual pela regulação da função social, no qual a restrição à liber-dade de contratar não mais se colocaria no campo da exceção, a um direito absoluto, mas como expressão da função meta individual que integra aquele direito. Desta forma, a função social seria dotada de um valor operativo, regulador da disciplina contratual, que deveria ser uti-lizado não apenas na interpretação dos contratos, mas, por igual, na integração e na concretização das normas contratuais particularmente consideradas. Por tais motivos, isto determinaria que a concreção es-pecificativa da norma não mais estaria pré-constituída pelo legislador, mas seria construída pelo julgador em cada novo julgamento, subindo de valor os casos precedentes, que auxiliariam na fixação da hipótese, e pela doutrina, no apontar de exemplos3.

2 Exceto, por exemplo, no campo do direito bancário, no qual o legislador criou mecanismos de salvamento de instituições financeiras sob a responsabilidade do Estado em alguns casos, como mecanismo mais barato para a sociedade do que a quebra do sistema financeiro como um todo dentro do que se chama de risco sistêmico.

3 O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Disponível em: www.jus2.uol.com.br. Acesso em: 25 fev. 2010.

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Como se verifica, a posição da autora citada descarta a norma em si mesma e sua interpretação natural e autêntica, para valorizá-la em um plano externo pela jurisprudência (que operaria conforme a construção de precedentes segundo o modelo anglo-norte-americano) e pela dou-trina, a erigir sistematicamente o instituto. Se o leitor não sentiu calafrios do seu lado, nós os sentimos bem fortes do lado de cá. Dentro dos limi-tes deste artigo, remetemos os interessados para os nossos textos acima referidos, onde poderão encontrar expressiva bibliografia sobre o tema, contra e a favor.

Sob esse enfoque, vejamos como o Judiciário vem aplicando a função social do contrato em seus julgamentos, pelas mãos do STJ, onde foram colhidos julgados emblemáticos, de onde tiramos trechos de suas ementas:

Caso 1:

4. O pleno exercício da liberdade de contratar pressupõe um acordo que cumpra determinada função econômica e social, sem a qual não se pode falar em legítima manifestação de vontade. Assim, não se pode impor a uma das partes a obrigação de se manter subordinada ao contrato se este não estiver cumprindo nenhuma função social e/ou econômica. (3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 03.11.2011, DJe 16.11.2011)

Caso 2:

2. A novação, conquanto modalidade de extinção de obrigação em vir-tude da constituição de nova obrigação substitutiva da originária, não tem o condão de impedir a revisão dos negócios jurídicos antecedentes, máxime diante da relativização do princípio do pacta sunt servanda, en-gendrada pela nova concepção do Direito o diálogo entre a autonomia privada, a boa-fé e a função social do contrato. Inteligência da Súmula nº 286 do STJ. (REsp 887946/MT, 2006/0206376-0, 3ª T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 10.05.2011, DJe 18.05.2011)

Caso 3:

6. Interpretação conjunta dos enunciados normativos do art. 924 do CC/16 e do art. 413 do CC/2002 à luz da regra de transição do art. 2.035 e seu parágrafo único do CC/2002, recomendando a concreção do prin-cípio da função social do contrato mesmo para pactos celebrados na vigência da anterior codificação civil.

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Em relação ao primeiro caso, um contrato pode ser desfeito sob a alegação de que ele não está cumprindo determinada função social e/ou econômica. O que é a tal função social não foi dito. E, no tocante à função econômica, todo contrato naturalmente a exerce, e isto faz parte de sua própria natureza, pois o contrato é conceituado como todo acordo entre duas ou mais partes para o fim de dar nascimento, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial. Desta forma, verifica-se que faltou ao julgador até mesmo o conhecimento básico do que é o contrato.

Mais ainda, no caso sob exame, infere-se que o contrato em tela foi executado durante um período de tempo indeterminado no qual a função social foi atendida e, a partir de certo momento, isto deixou de ocorrer, fato que gerou o direito à parte que se sentiu socialmente pre-judicada de requerer a extinção do acordo. Coloca-se, pois, o problema para o contrato como instituto não mais em ser ou não ser, mas em ser e continuar sendo, a partir da não configuração de fatores negativos in-determinados.

A segunda decisão é ainda mais perigosa porque ela faz um mau casamento entre outros conceitos de uso também aberto e consequente-mente igualmente perigosos, os quais, reunidos à função social do con-trato, resultam em uma preocupante destruição de princípios que lhe são fundamentais.

O primeiro diz respeito à relativização do princípio segundo o qual os contratos celebrados devem ser cumpridos, ou seja, pacta sunt servanda. Segundo o que ficou decidido nesse julgado, pode-se, num primeiro momento, contratar prometendo uma prestação e depois não mais se sentir obrigado a executá-la porque a obrigação se tornou re-lativa. Em que condições e em que medida não se sabe, tendo-se por definição que a contratação tenha sido feita em condições lícitas e equi-tativas, havendo dado lugar a um contrato inicialmente existente, válido e eficaz, que veio depois a perder o seu rumo.

Outra gracinha, como diria alguém, é a tal história do diálogo no plano jurídico. Nestes termos, a autonomia privada deve conversar com a boa-fé, e com a função social do contrato para o fim de chegarem a um bom termo. Ora, em Direito não há diálogo, há hierarquia, sob pena

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de se criar um completo caos jurídico4. Assim sendo, é obrigatório que, no exercício de sua autonomia privada, os agentes operem segundo a boa-fé, não sendo possível negociar com este princípio. Como também passou a ser obrigatório com a infeliz novidade do Código Civil que os agentes atendam a tal função social do contrato e esta, como vimos (contrariamente aos contratualistas funcionais), reside precisamente na celebração de contratos lícitos pelos empresários (no caso dos contratos empresariais) dentro de um regime de vontade livremente manifestada. E pronto!

O que passar disto é má ideologia e mau Direito.

O terceiro caso desarranja um dos fundamentos do Direito que todo estudante aprende logo no início do seu curso, qual seja, o do res-peito ao ato (na hipótese, contrato) jurídico perfeito. Segundo se verifica, na decisão sob exame, o desatendimento da função social do contrato pode alcançar aqueles que foram celebrados antes mesmo da vigência ano Código Civil atual, sob o fundamento do seu art. 2.035. Este dis-põe que os efeitos dos contratos, quando verificados sob a sua égide, subordinam-se ao atual Código Civil, e isto também se aplicaria à função social do instituto.

No julgamento em tela, foram confundidos causa com efeito. Como se verifica pela leitura do art. 421, a função social do contrato coloca-se no plano da causa (condição prévia da liberdade de contra-tar) e não dos efeitos. Na visão dos doutos julgadores, a função social do contrato seria como as marés, que vêm e que vão segundo o movi-mento da lua, e, se o empresário for apanhado por azar no refluxo da maré vazante da função social de um contrato que celebrou, verá que o contratado não é mais válido e muito menos eficaz. Problema dele para arrumar de volta o seu negócio.

Diante de tudo isto, os advogados criativos terão que imaginar soluções para ultrapassar a visão de julgadores que têm aplicado tão livremente a função social do contrato (e outros institutos a eles referen-ciados, como vimos) em suas decisões, de maneira a fazer com que haja

4 O chamado diálogo das fontes surgiu no meio consumerista, segundo o qual o Código do Consumidor deve manter uma assembleia permanente com o Código Civil e com leis especiais para o fim de se chegar ao bom Direito. Mas o que se tem visto é a tentativa do estabelecimento de uma ditadura do CDC diante das demais fontes, como fruto da atuação dos instrumentalistas do Direito, que tem constantemente desarranjado toda a orquestra jurídica.

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durabilidade no tempo quanto aos ajustes que houverem celebrado, nos precisos termos contratados, uma vez que o tenham feito segundo o Direito, que não pode ser tão flexível como aquela senhora da famosa ópera em que se canta que “ladonnaè mobile qual piuma al vento. Muta d’accento e dipensiero”.

Assunto Especial – Doutrina

Direito Contratual – Função Social

Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva e Responsabilidade Social1

GRAzIELA MARIA RIGO FERRARIEspecialista em Processo Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Especialista em Direito de Família pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Mestranda em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Advogada.

RICARDO LuPIOn GARCIAMestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com Pós-Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor de Direito Empresarial do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGDir) na Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Coordenador do Curso de Especialização em Direito Empresarial da PUCRS, Advogado Empresarial.

RESUMO: O trabalho apresenta (i) a construção de um conceito de função social e responsabilidade social da empresa a partir da análise de posição histórica e doutrinária no cenário mundial e no cená-rio brasileiro, (ii) a função social em sua dimensão positiva mediante o reconhecimento do potencial atribuível à iniciativa privada na construção de uma sociedade justa e que atenda aos anseios sociais e em sua dimensão restritiva e (iii) a responsabilidade social como regra econômica e ética na busca de um desenvolvimento sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Função social; empresa; responsabilidade social.

ABSTRACT: The article aims at presenting (i) the construction of a concept of social function and social responsibility of the business companies in a historical and doctrinal context on the world and Brazilian scenarios, (ii) the function social in its positive dimension to recognize the potential objec-tives of the private sector in building a social justice that is related to the social expectations and its restrictions limitation, and (iii) the social responsibility as an economic and ethics rule to provide a sustainable development.

KEYWORDS: Social function; business; social responsibility.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A função social e a responsabilidade social sob o aspecto histórico; 1.1 Cenário mundial; 1.2 Cenário brasileiro; 2 Função social: a busca de um conceito; 2.1 Função so-

1 O presente artigo teve como base o trabalho apresentado pela coautora Graziela Rigo Ferrari, tendo como tema a função social da empresa: dimensão positiva e restritiva e a responsabilidade social da empresa, na disciplina “Empresa e Ordem Econômica”, ministrada pelo Professor Ricardo Lupion Garcia no Curso de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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cial sob as perspectivas de uma dimensão positiva e de uma dimensão restritiva; 3 Responsabilidade social; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Fabio Konder Comparato2, em texto de 1990, referia que a análise funcional do direito (proposta por Karl Renner em 1904) já havia pro-duzido algumas relevantes conclusões de validade universal, entre elas a constatação de que tanto os bens quanto as relações jurídicas ou os negócios jurídicos podem ter várias funções ou utilidades na vida social.

Segundo o autor (1990, p. 30, grifos adicionados),

uma consideração ainda que superficial da história econômica e da evo-lução do pensamento ocidental sobre a vida econômica revela, sem es-forço, que a relação de propriedade privada sempre foi justificada como modo de proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades ma-teriais, ou seja, como forma de prover a sua subsistência. Acontece que, na civilização contemporânea, a propriedade privada deixou de ser o único, se não o melhor meio de garantia da subsistência individual ou familiar. Em seu lugar aparecem, sempre mais, a garantia de emprego e salário justo e as prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a previdência contra os riscos sociais, a educação e a formação profissional, a habitação, o transporte e o lazer.

O mesmo sentir é manifestado por Eduardo Tomasevicius Filho3. Mencionando a ascensão da burguesia, que acabou dominando o ce-nário mundial nos séculos XVIII e XIX de modo a fundamentar a ordem social e econômica, tendo por base, essencialmente, a proteção à pro-priedade privada, o autor ressalta as inúmeras injustiças praticadas sob tais auspícios.

No campo econômico, segundo Tomasevicius Filho (2003, p. 1), “uma propriedade rural podia servir como meio de produção ou como reserva de valor”, dependendo da destinação que lhe era dada: se fosse da vontade do dono, poderia ficar inexplorada por largo período uni-camente à espera de um aumento pela procura de terras, e, assim, ser vendida por valor especulativo muito superior; e no caso de produzir

2 COMPARATO, Fabio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990.3 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social da empresa. Revista dos Tribunais, v. 810, abril/2003.

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mercadorias, do mesmo modo, estoques eram retidos para forçar um aumento artificial de preços.

Nas relações empregatícias contrapunham-se longas jornadas a baixos salários em péssimas condições de trabalho sob a falácia de que o empregado era livre para recusar a proposta ou ainda poderia discutir seus termos.

Já em relação às empresas, o capitalismo industrial crescia subs-tancialmente e se encaminhava para o capitalismo financeiro com ênfa-se na concentração de poder econômico em determinados grupos indus-triais (Tomasevicius Filho, 2003, p. 1).

Para Tomasevicius Filho (2003), sob o pretexto de exercício re-gular de direito é que se praticavam os abusos, provocando reações de diferentes ordens.

Entre os resultados das manifestações contrárias a esta situação é que emanam os conceitos de função social e de responsabilidade social a partir de paradigmas que, inclusive, adotam uma nova concepção de empresa, tratada por alguns como o terceiro sujeito social, paralelo ao Estado e ao cidadão, conforme se esmiuçará.

1 A FUNÇÃO SOcIAl e A ReSpONSAbIlIDADe SOcIAl SOb O ASpecTO hISTóRIcO

1.1 Cenário mundial

Como se referiu, o processo histórico do surgimento do debate acerca da noção do aspecto “social” da empresa, sob o prisma não de sua constituição ou objeto, mas de caráter relacional com outros entes e com o meio que lhe circunda, encontra-se intimamente relacionado ao surgimento e desenvolvimento do capitalismo.

Boaventura de Souza Santos (2001, p. 78-79)4 propõe e identifica três grandes períodos.

O primeiro, o qual ele denomina de capitalismo liberal, perpassa todo o século XIX e está caracterizado pela substituição de uma socieda-de agrária e de pequenos produtores para a das máquinas e da produção

4 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2001.

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em massa, em que deixou de ser privilegiado o trabalho qualificado para a contratação de pessoal sem qualificação e a custo reduzido.

A doutrina econômica dominante à época era o liberalismo, ca-pitaneada por Adam Smith, baseada no princípio da propriedade e da iniciativa privada, cujo foco era a maximização dos lucros. Para os libe-rais, a interferência do Estado na economia seria um obstáculo à concor-rência, tida como elemento essencial ao desenvolvimento econômico. Assim, o Estado deveria ocupar-se essencialmente da proteção da pro-priedade e das ações sociais, enquanto as empresas deveriam buscar o máximo de lucratividade, geração de emprego e o pagamento dos impostos, pois, em assim agindo, estariam exercendo sua função social. Como resultado deste contexto e da total ausência de regulamentação governamental, especialmente de legislação trabalhista e previdenciária, o que se viu foram trabalhadores submetidos a longas jornadas laborais e baixos salários, em uma verdadeira mecanização do ser humano e desqualificação da mão de obra.

Naquele período, segundo Denise Carvalho Tatim (2009, p.41--42)5, algumas poucas ações sociais praticadas pelas empresas basea-vam-se essencialmente na caridade, sob uma perspectiva paternalista e assistencialista, em que os mais afortunados da sociedade determinavam com quanto iriam contribuir, a fim de ajudar os menos afortunados, tais como os desempregados, os inválidos, os doentes e os velhos. A autora aponta que um dos precursores deste movimento foi o empresário A. Carnegie, da U.S. Stell Corporation, em 1899, com atuação na França. Neste momento, havia a noção de que esta responsabilidade era muito mais dos proprietários das empresas (pessoas físicas) do que dessas, pro-priamente dito.

O resultado desta postura foi o crescimento da produção e do acú-mulo de capital em contrapartida à crescente degradação da qualidade de vida e a intensificação dos problemas ambientais e sociais, além da precariedade das relações de trabalho.

Após os efeitos das guerras e, especialmente, da Segunda Guerra Mundial, a noção de que a corporação deveria apenas responder a seus

5 TATIM, Denise Carvalho. Responsabilidade social empresarial: representações sociais e ideologia. 2009. Disponível em: <http://www.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codarquivo=1982>. Acesso em: 13 set. 2014.

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acionistas passou a sofrer muitas críticas, momento em que o significado da expressão “responsabilidade social empresarial” se torna objeto de discussões no denominado segundo período do capitalismo, ou, capita-lismo organizado (Santos, 2001, p. 79).

Em um cenário crescente de agravamento de problemas sociais nos Estados Unidos, as Cortes americanas passaram a proferir decisões favoráveis à filantropia por parte das corporações, mesmo que contrário ao interesse dos acionistas. Um dos casos conhecidos é o de A. P. Smith Manufacturing Company versus Barlow em 19536, no qual a Suprema Corte de Nova Jersey julgou favoravelmente a doação de recursos feita pela Companhia à Universidade de Princeton, contrariamente ao inte-resse de grupo de acionistas, sob o fundamento de que uma corporação poderia buscar o desenvolvimento social por meio da filantropia cor-porativa, dando início, então, à intensificação dos debates acerca deste tema.

Na década de 1960, por força do impacto negativo da guerra do Vietnã, a sociedade americana passou a questionar as numerosas orga-nizações a partir da conscientização de que não poderiam simplesmente produzir sem respeitar o homem e o meio ambiente.

Movimento paralelo acontecia na Europa, por meio de manifesta-ções de estudantes ocorridas em França e Alemanha, especialmente no ano de 1968. Como resultado, na França, em 1970, as empresas passa-ram a publicar indicadores de natureza social, culminando na promul-gação da Lei nº 77.769/1977, que obrigava entidades com mais de 300 empregados a divulgá-los (Tatim, 2009, p. 43).

Entre os anos 1970 e 1980, com as crises cambiais e estagflacio-nistas do capitalismo e a dissolução do bloco soviético que, diga-se de passagem, acabou colocando em descrédito o socialismo, passou-se ao que Boaventura Santos (2001) denominou de capitalismo desorganiza-do caracterizado especialmente pela globalização da economia com a instalação de empresas multinacionais (a maioria norte-americanas) em vários países do mundo, transnacionalização das estruturas de poder e reestruturação do trabalho. Deste ponto em diante, ressalta o sociólogo,

6 BRIEF FACT SUMMARY. Defendant stockholders, Ruth Barlow et al., questioned the legality of a donation made by Plaintiff corporation, A. P. Smith Manufacturing Company. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/AP_Smith_Manufacturing_Co_v_Barlow>. Acesso em: 14 set. 2014.

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o avanço da globalização e a revolução tecnológica é que constroem uma nova configuração a este terceiro período, pois, se antes as multi-nacionais se preocupavam em conquistar alguns mercados, a partir de então elas passaram a ter como imperativo fabricar e vender para todos os países. O resultado deste comportamento é um novo arranjo ao ca-pitalismo, que passa a se preocupar com uma produção racional em substituição à produção em massa (Santos, 2001, p. 79).

Ressalta Tatim (2009, p. 45) que paralelamente a este movimento percebe-se o declínio do Welfare State (Estado do Bem-Estar Social), ou seja, do Estado que não consegue dar conta do pleno emprego e da Se-guridade Social, e perde em popularidade para as empresas que exibem boa performance, as quais se tornam cada vez mais fortes no cenário econômico. Por sua vez, a ausência de emprego e as guerras provocam movimentos migratórios que podem ser identificados tanto de países ri-cos para países pobres como do interior para o entorno de grandes cen-tros, criando verdadeiros bolsões de pobreza e o surgimento de conflitos de toda ordem como raciais, religiosos e separatistas. Ademais, crescem a violência e a delinquência, assim como se torna latente o problema do tráfico de drogas.

Neste contexto é que surgem os questionamentos da sociedade acerca de qual o papel das empresas na nova configuração de estados democráticos e qual o objetivo da maximização dos lucros, pois, se o Estado é liberal (deve ser mínimo), então cabe à sociedade civil e às empresas assumir a função daquele. Conforme salienta Tatim (2009, p. 45), citando alguns autores e referindo-se ao cenário norte-americano:

Em função disso, ocorre uma ampliação do conceito de responsabilidade social empresarial, o qual extrapola o atendimento às obrigações legais e passa a contemplar os direitos e exigências do entorno, incorporando novas dimensões como o comportamento ecológico, o respeito à cida-dania, as ações para o desenvolvimento auto-sustentável, a liberdade de pensamento e de oportunidades, o combate à exploração da mão-de--obra infantil, entre outros (Tenório, 2004, p. 18; Baldissera; Sólio, 2004, p. 68).

Segundo a autora, é especialmente a partir da década de 1990 que se verifica o crescimento do ativismo social do empresariado, associan-do-se a esse movimento outros atores como governos e organizações

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intergovernamentais, apontando como principais iniciativas as seguin-tes: Declaração de Princípios Tripartite da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as Multinacionais e a Política Social; Diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para empresas multinacionais; Diretrizes da Anistia Internacional para as Empresas; e a Global Reporting Initiative e o Relatório Brundtland da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo conceito de desenvolvimento sustentável passou a balizar a noção de responsabilidade social empresarial (Tatim, 2009, p. 47).

Destacando que o confronto entre Estado e empresas é uma tradi-ção norte-americana e que a iniciativa empresarial é a base de formação daquele país, Tatim (2009) salienta que o discurso liberal do negócio estritamente associado ao lucro e aos interesses dos acionistas tornou-se contraproducente. Por consequência, a responsabilidade social se trans-forma rapidamente em importante estratégia das organizações frente à pressão de influenciadores externos. Aliada à prática filantrópica, a or-ganização busca não apenas o fortalecimento da própria imagem, como também o desenvolvimento interno de competências.

Na América Latina, o tema ganhou força a partir da década de 1990 por meio de movimentos do empresariado e da sociedade civil organizada. Entre os fatores de influência desta mobilização podem ser citados:

a) os processos de redemocratização, com o ressurgimento dos movi-mentos sociais; b) a globalização e a liberalização dos mercados, que resultou em uma maior pressão para uma atuação responsável das em-presas de países em desenvolvimento; c) a influência de organismos in-ternacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, seja pelo desenvolvimento de projetos de estímulo para a responsabilidade social empresarial em países menos desenvolvidos, seja por suas iniciativas glo-bais que afetaram os mercados destes países; d) crises econômicas, com graves consequências sociais, como foi o caso recente da Argentina. (Ta-tim, 2009, p. 48-49)

O Brasil, no contexto do continente latino-americano, desponta como pioneiro em práticas avançadas, o que se demonstrará adiante.

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1.2 Cenário brasileiro

O cenário brasileiro apresenta características próprias. Na década de 1970, como contraponto a um Estado autoritário, sob a égide do regi-me militar, é que surgiram, com grande força, os movimentos sociais no País, destacando-se como seus principais protagonistas os sindicatos na defesa da classe trabalhadora (Tatim, 2009, p. 49).

Ultrapassada a fase da ditadura, os conflitos se deslocam para outros eixos, tais como as desigualdades econômicas e sociais, os eleva-dos índices de analfabetismo, a mortalidade infantil e o precário sistema de saúde, fazendo surgir novos grupos não necessariamente represen-tativos de classes trabalhadoras, mas formados por mulheres, pacifistas, grupos étnicos, religiosos e ecológicos, entre outros, que, nas palavras de Boaventura Santos (apud Tatim, 2009, p. 50), passam a protagonizar a luta pela transformação da sociedade como projeto político na busca de conquistas de direitos sociais para a melhoria das condições de vida da população.

A partir da década de 1980 é que o conceito de cidadania torna-se centro do pensamento político e social brasileiro a desafiar esta passagem histórica de uma forma autoritária de governo para uma democracia, no mesmo compasso de uma economia de mercado que visa à desregula-mentação público-estatal. É neste período que surgem as Organizações Não Governamentais (ONGs), com forte influência norte-americana, es-pecialmente no que diz respeito ao caráter filantrópico, atuando como mediadoras de órgãos internacionais no Brasil, com apoio financeiro (Tatim, 2009, p. 50).

Paralelamente, os movimentos sociais perdem força e o debate passa de enfrentamento da pobreza para o desenvolvimento social, com forte ênfase na cidadania, porém em um modelo de agir diferenciado, pois, se os movimentos sociais se caracterizavam pelas demandas dire-tas, as ONGs atuavam como negociadoras.

Neste compasso, adentra-se na década de 1990 com um modelo econômico neoliberal em que os governos buscavam liberar-se de in-vestimentos públicos e a “elite” se convencia da desnecessidade do pú-blico, especialmente pela crença de uma estabilidade monetária. Com o aumento dos problemas sociais, os sujeitos sociais passam a ser con-vocados pelo Estado para enfrentarem a crise da pobreza, violência e

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exclusão social. Surgem, então, as parcerias e alianças em nome de uma governabilidade.

É neste período que emerge um terceiro sujeito social: as empresas (Tatim, 2009, p. 51).

A noção do público se amplia para além das ONGs que começam a perder a exclusividade das parcerias com o Estado, abrindo espaço para fundações, institutos empresariais e as próprias empresas (Tatim, 2009, p. 52).

Neste cenário é que se passa a construir as noções e os conceitos de função social e responsabilidade social, ainda que a Lei das Socie-dades Anônimas7 já trouxesse em seu texto, desde sua promulgação em 1976, a referência à função social (art. 116).

2 FUNÇÃO SOcIAl: A bUScA De Um cONceITO

Salienta Tomasevicius Filho (2003, p.1-2) que o termo “função so-cial” surgiu na filosofia, e, transferindo-se pelas ciências sociais, passou para o direito aparecendo, inicialmente, sob a forma de “função social da propriedade”. Sua primeira conceituação é atribuída a São Tomás de Aquino, quando afirmou que os bens apropriados individualmente teriam um destino comum que o homem deveria respeitar.

Perpassa pelo século XIX e pelas ideias do sociólogo e filósofo Augusto Comte, o qual propugnava o binômio “ordem e progresso”, sus-tentando que cada ser humano deveria trabalhar em função da ordem social e defendendo um “dever de agir” de cada cidadão em prol da so-ciedade. A propriedade era vista como indispensável para a formação de capitais para as gerações presentes e futuras (Tomasevicius Filho, 2003, p. 2).

No campo do Direito, aponta duas correntes distintas defendidas por Karl Renner e Leon Duguit (Tomasevicius Filho, 2003, p. 2).

O primeiro defendia a função social dos institutos jurídicos como uma abstração do processo econômico, apontando uma correspondên-cia entre ambos de tal modo que, alterado o domínio econômico, auto-maticamente a imagem no Direito seria também alterada. Tal conceito,

7 BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

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no entanto, mais se aproximaria do “papel social” ou razão de ser de determinado instituto. No caso da empresa, o papel social correspon-deria a ser um centro de produção de riquezas por meio do capital e do trabalho. A crítica feita a Renner é de que este entendimento não espelha o que seja função social, e toma como exemplo justamente a proprie-dade, dizendo que, se a função social fosse equivalente a uma imagem de função econômica, então a propriedade improdutiva atenderia à sua função social, o que se sabe não ser verdadeiro. No campo das empre-sas, bastariam estar funcionando para exercer tal função, o que se mostra totalmente equivocado.

Já Duguit, a partir de citação de Miguel Reale, encontrava na so-lidariedade a explicação dos fenômenos de convivência, defendendo que a atividade particular de cada ser humano deveria se harmonizar com a dos demais, em verdadeira divisão geral do trabalho, assim como a propriedade seria uma condição indispensável para a prosperidade da sociedade, daí não ser um direito, mas uma função social. A crítica a Duguit é que não havia uma distinção entre a titularidade de um di-reito e a subordinação de um bem, e, ademais, havia certa dificuldade de definir o conteúdo dos deveres decorrentes da função social de cada instituto jurídico. Desta forma, o exercício de um acordo de bem comum seria insuficiente para a caracterização da função social (Tomasevicius Filho, 2003, p. 2).

Neste compasso, surgem as modernas ideias sobre a função social.

Eros Roberto Grau8, ao proceder à análise da ordem econômica a partir da Constituição de 1988, inicia o enfrentamento deste tema salien-tando que “a propriedade” reiteradamente afirmada pelo Texto Consti-tucional no art. 5º, caput, e inciso XXII, bem como no art. 170, inciso III, não constitui um instituto jurídico, e sim um conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens que perpassam, exempli-ficativamente, por valores mobiliários, propriedade literária e artística, propriedade industrial, do solo, subsolo etc. (Grau, 2006, p. 236).

Ao que acrescenta Carla Osmo (2006, p. 268)9: “Para a Constitui-ção, propriedade é a coisa a que se atribui valor econômico, assim como

8 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2006.9 OSMO, Carla. Efetividade da função social da empresa. In: NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do

direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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é também a relação que se estabelece entre essa coisa e sujeitos que a ela se vinculam”.

Diz a autora que, se o direito de propriedade atribui ao sujeito a prerrogativa de manter a coisa na sua esfera privada, usufruindo e dis-pondo, também impõe deveres de utilizá-la em conformidade com os objetivos constitucionais Além disso, com a dinamização da proprieda-de em propriedades, torna-se possível a concepção da empresa também como uma espécie de propriedade (Osmo, 2006, p. 269).

Segundo ela, a propriedade passou a ser percebida não apenas como uma relação do sujeito com a coisa, mas como uma relação jurí-dica complexa envolvendo diversos sujeitos – para os quais a ordem ju-rídica estabelece direitos e deveres em razão do seu vínculo com a coisa – e múltiplas formas de conexão entre eles. Em suma, permanece um núcleo mínimo, essencial à definição de propriedade. Para além dele, o que se percebe são múltiplas formas de relação em torno de cada bem individual (Osmo, 2006, p. 269).

Neste ponto, para além desta distinção, autores como Eros Grau (2006), na esteira de Fabio Konder Comparato (1990), e seguidos por Carla Osmo (2006), preconizam uma segunda distinção que se dá entre bens de consumo e de produção.

Para Grau (2006, p. 236), a teor da moderna legislação econô-mica, a disciplina da propriedade é considerada como elemento que se insere no processo produtivo, ao qual converge um feixe de outros interesses que concorrem com aqueles do proprietário e, de modo diver-so, o condicionam e por ele são condicionados. Esta nova perspectiva respeita unicamente aos bens de produção, entendidos como aqueles inseridos no processo produtivo, visto que os bens de consumo se esgo-tam em sua própria fruição.

Esta nova legislação implica na prospecção de uma nova fase do direito de propriedade, distinta da tradicional e intitulada de fase dinâ-mica, e é justamente nesta que se realiza a função social da propriedade, essencialmente sobre a propriedade dos bens de produção que uma vez postos em dinamismo, no regime de uma empresa, se reveste da função social da empresa (Grau, 2006, p. 237).

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Sob esta perspectiva é que trabalha Comparato (1990), traçando, igualmente, o paralelo entre direito de propriedade a partir de seu con-ceito geral avançando para a especificação da propriedade dos bens de produção (móveis ou imóveis), os quais justificam uma função social da empresa.

Diz o mestre que função social da propriedade significa o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. “O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; embora possa haver harmonização entre ambos. Essa função social da proprie-dade corresponde a um poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica” (Comparato, 1990, p. 32).

No entanto, adverte, a função social da propriedade não se con-funde com as restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios, mas, “em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração em-presarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos” (Comparato, 1990, p. 34.)

Esclarece, ainda, que, quando os bens de produção acham-se in-corporados a uma exploração empresarial, a discutida função social já não é um poder-dever do proprietário, mas do controlador que passa a exercer um poder de organização e de direção, envolvendo pessoas e coisas (Comparato, 1990, p. 35).

Mas não é só. A posição defendida por Ana Frazão10 é a de que a função social dos bens de produção não esgota a questão da função social da empresa, tendo em vista que esta é uma realidade complexa, que não se restringe apenas ao seu aspecto patrimonial. Com efeito, diz a autora, em face da existência do poder de controle e da dissociação entre este e a propriedade, a função social da empresa precisou alargar--se para vincular igualmente o controle e a administração.

É por este motivo, segundo ela, que a Lei nº 6.404/1976, reco-nhecendo a importância do controle como uma instância autônoma de

10 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

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poder, imputou-lhe compromissos decorrentes da função social, em seu art. 116, parágrafo único11 (Frazão, 2011, p. 110-111). E não apenas isto, salienta que a lei foi além, exigindo a responsabilidade pelo cumprimen-to da função social de igual forma aos administradores da sociedade, independentemente de serem membros do conselho de administração (necessariamente acionistas) ou diretores (não necessariamente acionis-tas), nos termos do art. 15412 (Frazão, 2011, p. 111).

Ao que acresce Grau (2006, p. 245):

O princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isto significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação e fazer, portan-to, e não meramente de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade.

Deste modo, é possível perceber que há diferentes dimensões atri-buídas ao conceito, pelo que podem ser divididas em positiva e restriti-va, conforme se propõem a seguir.

2.1 Função soCial sob as perspeCtivas de uma dimensão positiva e de uma dimensão restritiva

Paulo Roberto Colombo Arnoldi, citado por Osmo (2006, p. 279), profere:

A empresa, tal como a concebemos hoje, não é mais uma mera produto-ra ou transformadora de bens que coloca no mercado. É, antes de tudo, um poder. Representa uma força sócio-econômica-financeira determina-da, com uma enorme potencialidade de emprego e expansão que pode influenciar, de forma decisiva, o local em que se encontra.

11 BRASIL. Lei nº 6.404/1976: “Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.

12 BRASIL. Lei nº 6.404/1976: “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”.

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E prossegue apontando que este poder se expressa por meio da ca-pacidade de produzir transformações nas relações sociais com as quais a empresa se relacione (Osmo, 2006, p. 279).

O próprio art. 170 da Constituição Federal declara qual é o fim da ordem econômica, qual seja assegurar a todos existência digna, con-forme os ditames da justiça social. Sendo assim, como agente da ordem econômica, a empresa deve ser conduzida de maneira a propiciar a dig-nidade coletiva, ou de cada um dos cidadãos, e deve promover uma equitativa distribuição de renda, de forma a reduzir a desigualdade so-cial. Com isso, ao objetivo econômico da empresa – de produzir lucros – o direito acresce outro: o de distribuir equitativamente os lucros pro-duzidos, e o de melhorar a qualidade de vida dos sujeitos que integram a sociedade (Osmo, 2006, p. 281-282).

O funcionamento da empresa assume grande relevância social em um sistema econômico capitalista, dado o seu relevante papel como instrumento de transformação e realização dos interesses econômicos13.

Considerando que o Estado não consegue atender e implantar as políticas públicas necessárias à consecução dos fins sociais, é por meio da geração de riqueza das empresas que estará se viabilizando esta con-secução.

E esta contribuição pode se manifestar de diferentes formas, des-de a implantação de programas de inclusão social que beneficiem seus próprios empregados, tais como planos de assistência médica e odonto-lógica, incentivos educacionais e implantação de creches, como ainda a criação e manutenção do próprio emprego por meio de salários con-dizentes e do respeito às leis trabalhistas, no que diz com as condições laborais, conforme preconiza Comparato (1990), indicando o elenco do art. 7º da Constituição Federal (CF)14 como o principal referencial deste aspecto. Autores outros apontados por Tomasevicius Filho (2003, p. 8) entendem que esta visão seria reducionista, e preconizam que, diante da lucratividade, o papel positivo das empresas precisa ser entendido em maior completude para que efetivamente atinjam a consecução da jus-

13 GARCIA, Ricardo Lupion. Boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 115.

14 BRASIL. Constituição Federal de 1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]”.

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tiça social; daí não se poder pensar no mero cumprimento do comando legislativo mencionado. Tomasevicius Filho (2003, p. 8) acrescenta que o comando a ser adotado para a construção da base dos deveres posi-tivos da empresa se encontra justamente no art. 170, e em seus incisos, da CF15, os quais abarcam não apenas a função social da propriedade, já vista como embrionária da construção do conceito de função social, como ainda perpassa pelo necessário respeito à propriedade privada e livre concorrência, respeito ao consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades e garantia de pleno emprego.

Porém, alerta o autor (2003, p. 10) que tais deveres não se esgotam na CF, visto que o conteúdo da função social da empresa, essencialmen-te, está no dever de um exercício justo da atividade empresarial, pelo que se pode compreender que, calcada nos valores e princípios consti-tucionais que regem a busca de uma sociedade livre, justa e solidária, a construção deste conceito permite uma interpretação sistemática que venha a abarcar outros dispositivos legais e mesmo princípios informa-dores, não limitados aos preceitos dantes citados.

No que diz sua dimensão restritiva, para Comparato (1990, p. 36), o art. 116 da Lei das S/A elenca o que ele chama de deveres negativos a partir do momento em que trata do abuso do poder, prevendo a res-ponsabilização do controlador. A crítica do autor, no entanto, é que esta responsabilização se limite a perdas e danos, o que, em termos práticos, nada ou quase nada pode significar.

Para outros autores, como o próprio Tomasevicius Filho (2003), o já citado art. 170 da CF igualmente representaria, ao lado da dimensão positiva, a restritiva, visto que impõem a observância de um não fazer no sentido de que sua atividade respeite os limites necessários, a fim de não ferir a dignidade dos trabalhadores, o consumidor, o meio ambiente e qualquer outra parte que com a empresa se relacione.

Ao que se acrescentam as palavras de Grau (2006, p. 224):

15 BRASIL. Constituição Federal de 1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.

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Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tem-po, contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeco-nômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista.

Deste modo, possível visualizar que os dispositivos legais atinen-tes à ordem econômica trazem em si ambas as dimensões, pois se por um lado se reconhece o enorme potencial atribuível à iniciativa privada que, para além da busca do lucro, possui meios e condições de contri-buir com a construção de uma sociedade que atenda aos anseios sociais, justa e equilibrada, por outro lado, não mais se concebe a atividade empresarial dissociada do comprometimento com todos os seguimentos que a circundam e com quem mantém relações, o que pode ser visuali-zado por meio da nova leitura e compreensão do que venham a ser os deveres de conduta do empresário e/ou controlador.

3 ReSpONSAbIlIDADe SOcIAl

O tema da responsabilidade social ganhou destaque no debate tra-vado entre Adolf Berle e Merrick Dodd, nos anos 1930, nas páginas do Harvard Law Review, acerca das responsabilidades dos gestores, acio-nistas e outros grupos, tais como funcionários e comunidade. Segundo o autor, Berle, de um lado, defendia que os deveres fiduciários exigis-sem dos gestores agirem exclusivamente em benefício dos interesses dos acionistas. Já Dodd entendia que esta posição ignorava outras partes interessadas, tais como empregados, clientes, fornecedores e mesmo a comunidade onde a empresa estivesse inserida e para os quais devia lealdade16.

Como adverte Osmo (2006), é preciso, no entanto, se ter presente a diferenciação do termo responsabilidade a partir do significado que hoje lhe atribuímos para aquela que adquire a partir do estudo da teoria da social responsability nos Estados Unidos e a compreensão do que entendem por responsability os países que adotam o sistema da com-mon law. E, para tanto, invoca dissertação de mestrado apresentada por

16 GARCIA, Ricardo Lupion. Ob. cit., p. 120.

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Fernando Szterling, na Faculdade de Direito da USP (Osmo, 2006, p. 287). O referido autor destaca que a teoria estadunidense tem como base a crítica ao exclusivo enfoque da empresa no objetivo lucro sem levar em conta fatores sociais, éticos e econômicos. Daí o surgimento do termo stakeholder, a fim de abranger além dos sujeitos que têm poder de determinar diretamente a conduta da empresa, outros que, embora não o tenham, possuem alguma espécie de interesse em como essas ativida-des serão desenvolvidas, citando, como exemplo, os mesmos que Dodd havia relacionado, quais sejam empregados, consumidores, fornecedo-res, credores e a própria sociedade em que a empresa atua.

Ressalta, ainda, que o desenvolvimento deste conceito se deu em conexão com o fato de que a sua adoção por parte das empresas lhes traria benefícios, principalmente porque poderia ser usada como estra-tégia de marketing, obtendo melhoras em seus resultados financeiros. Daí os entendimentos diversos de que a construção do conceito ora era visto como instrumental para a finalidade de lucro, ora concebido como dever moral para com a sociedade (Osmo, 2006, p. 288).

Em razão de não existir uma consonância sobre os efetivos deveres que a responsabilidade social implica às empresas, Osmo (2006) aponta a tentativa da busca de um conceito uniforme, tanto para Estados de-senvolvidos quanto para Estados em desenvolvimento, surgida em 1999 a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o De-senvolvimento (United Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD) e assim construída: a responsabilidade social decorre da relação da empresa e dos seus impactos com as necessidades e os obje-tivos da sociedade em que atua; caso se trate de uma multinacional, sua responsabilidade social deve atender a um leque de múltiplos e diversos requerimentos (Osmo, 2006, p. 289).

Diz a autora que, em linhas gerais, há que se diferenciar a res-ponsabilidade social tanto da filantropia quanto da mera obediência à lei, pois seu foco é o comportamento operacional da empresa e os seus impactos na sociedade em que atua. A filantropia é uma atividade estra-nha à empresa, que pode ser suprimida a qualquer tempo, ao passo que a obediência à lei é o mínimo para que a empresa continue legalmente existindo (Osmo, 2006, p. 289).

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No Brasil, com o crescimento do terceiro setor, as ONGs começam a perder espaço para fundações, entre outros, resultando no fenômeno do voluntariado, cada vez mais proeminente, a ponto de ser editada a Lei nº 9.608/199817. A explicação, segundo Tatim (2009, p. 53), é que o voluntariado possibilita, além da consolidação de uma imagem corpo-rativa favorável, um aumento de nível e identidade dos voluntários com a empresa, facilitando o desenvolvimento de competências funcionais. Aponta a autora pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que identificou, entre o final da década de 1990 e 2003, um crescimento generalizado do percentual de empresas que atuam, de forma voluntária, em benefício de comunidade, sendo as grandes em-presas (com mais de 500 empregados) as que mais se destacam (Tatim, 2009, p. 54).

Outros dados por ela relacionados se referem às instituições que desempenharam um papel importante nesse contexto, tais como a Fun-dação da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Empresarial, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).

A Fundação Abrinq foi criada em 1990, ano da promulgação no Brasil do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo origem na Dire-toria de Defesa dos Direitos da Criança da Abrinq. Com a missão de promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania da criança e do adolescente, a fundação é mantida por pessoas, empresas e agências nacionais e internacionais que lutam pela causa, beneficiando atual-mente milhões de crianças e adolescentes por meio de seus programas e projetos (Abrinq, 2008).

Com a criação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilida-de Social por um grupo de empresários em 1998, a discussão sobre o tema se amplia e qualifica. O conceito de responsabilidade social nas empresas no Brasil ganha um forte impulso a partir da definição dos In-dicadores Ethos de Responsabilidade Social, conquistando desde então a visibilidade nacional e internacional ao mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de forma ética e socialmente res-ponsável (Tatim, 2009, p. 55).

17 BRASIL. Lei nº 9.608/1998: “Dispõe sobre o serviço voluntariado”.

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Atualmente, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade So-cial reúne em torno de 1.324 empresas associadas, cuja missão é “mobi-lizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável” (Garcia, 2011, p. 121).

Segundo Garcia (2011), em resposta aos anseios mundiais de de-senvolvimento sustentável surgiram índices de sustentabilidade empre-sarial no mercado financeiro, sendo o primeiro deles o Sustainability Index, de 1999, pela Dow Jones (empresa norte-americana dedicada a informações sobre negócios). No Brasil, a Bolsa de Valores de São Pau-lo (Bovespa) lançou em 2005 o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que reflete o retorno de uma carteira composta por ações de em-presas reconhecidamente comprometidas com o tema. Já o Ibase defen-de um modelo único de relatório social como instrumento de prestação de contas e transparência (Garcia, 2011, p. 121-122).

A GIFE, por sua vez, fundada em 1995, é a primeira associação da América do Sul a reunir organizações de origem privada que finan-ciam ou executam projetos de interesse público, tendo como missão declarada contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável do Brasil, por meio do fortalecimento político-institucional e do apoio à atuação estratégica de institutos e fundações de origem empresarial e de outras entidades privadas que realizam investimento social voluntário e sistemático, voltado para o interesse público (Tatim, 2009, p. 55-56).

No Brasil, a obrigatoriedade da apresentação do balanço social permanece como iniciativa voluntária na quase totalidade de seu ter-ritório, com exceção ao Estado do Rio Grande do Sul, que, no ano de 2000, promulgou a Lei nº 11.44018 referente às empresas estabelecidas no território gaúcho.

Cabe destaque, também, a Resolução nº 444, de 2001, da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que estabelece como obrigatória a publicação do balanço social para as empresas do setor de eletrici- dade.

É de se ver, assim, na esteira de Osmo (2006), que, embora os con-ceitos de função social da empresa e de responsabilidade social possam

18 RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 11.440/2000.

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sobrepor-se, e muitas vezes sejam tomados um pelo outro, o primeiro foi positivado pelo Direito como norma-princípio, e, portanto, gera direitos e obrigações juridicamente vinculantes, enquanto o segundo obedece a regras econômicas e/ou éticas, mas que não podem ser exigidas de for-ma coercitiva (Osmo, 2006, p. 290), ao que se acrescenta, com exceção de regramentos esparsos dantes identificados.

cONclUSÃO

Enquanto a função social da propriedade pode ser entendida como um poder-dever que impõe aos proprietários e/ou controladores deveres positivos e negativos de atuação em prol da coletividade, devidamente exigíveis até mesmo pelo caráter de direitos constitucionalmente reco-nhecidos, a responsabilidade social ainda se situa no campo das inten-ções, atrelada a conceitos éticos, embora já tenha demonstrado que a solidariedade pode ser trazida para a atividade empresarial, indepen-dentemente de legislação específica.

Uma vez que o Estado, responsável por atender aos direitos so-ciais, não consegue fazê-lo adequadamente, por limitações de toda or-dem, principalmente as de natureza financeira, e em se tratando de um cenário capitalista, a tendência é de cada vez mais invocar o chamado terceiro setor (empresas), para que, por meio de atuação pertinente ao seu objeto (no caso, o contrato social), possa atuar de forma positiva a fim de não apenas visar ao lucro, mas contribuir, de forma responsável, pelo desenvolvimento sustentável do meio social no qual se encontra inserido.

ReFeRêNcIAS

BRASIL. Lei Federal nº 6.404, 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404.htm>. Acesso em: 14 set. 2014.

______. Lei Federal nº 9.680 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9680.htm>. Acesso em: 14 set. 2014.

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BRIEF FACT SUMMARY. Defendant stockholders, Ruth Barlow et al., questio-ned the legality of a donation made by Plaintiff corporation, A. P. Smith Ma-

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FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabili-dade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Reno-var, 2011.

GARCIA, Ricardo Lupion. Boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contor-nos dogmáticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

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SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2001.

TATIM, Denise Carvalho. Responsabilidade social empresarial: representações sociais e ideologia. 2009. Disponível em: <http://www.pucrs.br/tde_busca/ar-quivo.php?codarquivo=1982>. Acesso em: 13 set. 2014.

TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social da empresa. Revista dos Tribunais, v. 810, abril/2003.

Assunto Especial – Ementário

Direito Contratual – Função Social

2523 – Ação de rescisão contratual – prestação de contas – função social da empresa – re-conhecimento

“Agravo de instrumento. Ação de rescisão contratual c/c prestação de contas. Bloqueio de verbas do grupo empresarial por meio do sistema Bacen-Jud. Desbloqueio. Gestão a cargo do administrador. Contas pessoais dos sócios não abrangidas pela ordem. Decisão emanada pela augusta Corte Especial. 1. Acerca da inadimplência das obrigações reci-procamente assumidas entre os contendores, vedada a emissão de juízo de valor por este Tribunal, porquanto a matéria é objeto da ação principal de rescisão contratual, sob pena de supressão de instância. 2. A quantia bloqueada pelo sistema Bacen-Jud deverá retornar para a conta do grupo empresarial administrado pelo ora agravante, o qual, de acordo com o conjunto factual probatório dos autos, revela-se a par da situação econômica das firmas, ao fito de resguardar, atento ao princípio da função social da empresa, o patrimô-nio do referido grupo educacional, medida esta que poderá se tornar ineficaz se ordenada apenas no final do processo originário. 3. Por meio do mandado de segurança impetrado pelos outros sócios do aludido grupo empresarial, não figurantes nesta súplica recursal, foi concedido provimento liminar, tão somente para afastar a determinação de bloqueio das suas contas pessoais, providência esta acolhida pelo Relator da Corte Especial à qual se curva o presente decisum. 4. Agravo conhecido e parcialmente provido. Decisão re-formada em parte.” (TJGO – AI 201493286420 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Gerson Santana Cintra – DJe 23.03.2015)

2524 – Contrato – sociedade empresarial – função social – dissolução

“Agravo de instrumento. Ação ordinária. Dissolução forçada de sociedade empresarial. Intervenção mínima do Poder Judiciário. Antecipação de tutela. Ausência de verossimi-lhança das alegações. Função social da empresa. Recurso improvido. 1. De acordo com a posição dominante na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a intervenção do Poder Judiciário nas deliberações sociais, sobretudo quando estas envolvem a sua própria organização administrativa, deve sempre ocorrer com muita cautela e tendo por norte o critério da intervenção mínima. 2. O art. 1.019 do Código Civil evidencia que o afasta-mento do sócio da administração da empresa, quando sua investidura ocorre por desig-nação advinda no próprio contrato social é medida excepcionalíssima, cabível somente quando reconhecida a existência de justa causa pelo Poder Judiciário. 3. Se as alegações antagônicas apresentadas pelos sócios-litigantes comportam abrigo no conjunto probató-rio, não há como qualificá-las com o grau de verossimilhança exigido para antecipação da antecipação de tutela. 4. Nesse quadro, a incerteza que paira sobre a constituição dos elementos configuradores da ‘justa causa’ que autorizaria a intervenção judicial na ad-ministração da empresa obsta que, sem o desenvolvimento da instrução probatória, haja respaldo nos autos para caracterizar a existência de prova inequívoca indispensável para a antecipação dos efeitos da tutela. 5. Afigura-se prudente a preservação da administração da sociedade empresarial quando verificada que esta responde inúmeras demandas judi-ciais e já vem realizado o ressarcimento de vários contratantes que sofreram prejuízos de-

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correntes do insucesso das atividades desenvolvidas pela empresa. Nesse caso, verificado o potencial risco de a alteração dos rumos adotados pela pessoa jurídica causar maiores prejuízos a terceiros, violando, assim, os princípios da função social e da boa-fé objetiva, cuja observância é inafastável também nos contratos empresariais (Enunciados nºs 26 e 29 da I Jornada de Direito Empresarial do CJF), torna necessária a preservação dos quadros diretivos da sociedade. 6. Recurso improvido.” (TJES – AI 0041674-96.2014.8.08.0024 – Rel. Des. Subst. Julio Cesar Costa de Oliveira – DJe 15.05.2015)

2525 – Direito bancário – cédula de crédito rural – sociedade empresária – função social – cumprimento – possibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito bancário e direito cambiário. Cédula de Crédito Rural – CCR. Contrato de financiamento da produção agrícola. Decre-to-Lei nº 167, de 1967, art. 60, §§ 1º, 2º e 3º. Teor normativo específico às cambiais. Ga-rantia dada por terceiros em CCR. Validade. Regimental não provido. 1. Diversamente da nota promissória rural e da duplicata rural, que são emitidas pelo comprador da produção agrícola e representam o preço de venda a prazo de bens de natureza agrícola, em geral cedidas pelo produtor rural nas operações de desconto bancário, a cédula de crédito rural corresponde a financiamento obtido para viabilizar a produção agrícola. 2. ‘As mudanças no Decreto-Lei nº 167/1967 não tiveram como alvo as cédulas de crédito rural. Por isso elas nem sequer foram mencionadas nas proposições que culminaram com a aprovação da Lei nº 6.754/1979, que alterou o Decreto-Lei referido. A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-Lei nº 167/1967 permite inferir que o significado da expressão “também são nulas outras garantias, reais ou pessoais”, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplica-tas rurais’ (REsp 1.483.853/MS, 3ª T., Rel. Min. Moura Ribeiro, Julgado em 04.11.2014, DJe de 18.11.2014). 3. O Decreto-Lei nº 167/1967, em seu art. 60, §§ 2º e 3º, determina a nulidade do aval e de outras garantias, reais ou pessoais, referindo-se apenas à nota promissória rural e à duplicata rural endossadas, ressalvando a validade das garantias nestes títulos quando prestadas por pessoas físicas participantes de sociedade empresária emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas. 4. Tal nulidade, portanto, não atinge a cédula de crédito rural, porque esta corresponde a um financiamento bancário, negócio jurídico, de natureza contratual, em que há a participação direta de instituição de crédito. Trata-se de operação diversa das referentes às notas promissórias e duplicatas rurais, nas quais o banco não participa da relação jurídica subjacente, ingressando na relação cam-bial apenas durante o ciclo de circulação do título. 5. Dada a natureza de financiamento bancário, inexiste óbice à prestação de quaisquer garantias na cédula de crédito rural, sendo válidas mesmo as dadas por terceiro pessoa física, cumprindo-se assim a função social dessa espécie contratual. 6. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 17.723 – (2011/0143129-8) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 08.04.2015)

2526 – Falência – equalização dos débitos – função social da empresa – comprovação

“Agravo de instrumento. Ação falimentar. Equalização dos débitos. Patrimônio ele-vado. Manutenção da empresa. Função social da empresa. Efeito translativo. Ação ex-tinta. Provada a completude e a correição do Quadro Geral de Credores, não impug-nado, e sim homologado, consequentemente cumpridas as obrigações pertinentes, exaure-se a motivação da falência, até porque débitos pendentes de discussão estão am-

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parados por depósito judicial, a conduzir a extinção do feito, notadamente tendo em vista a necessidade de observância do princípio da função social da empresa.” (TJMG – AI-Cv 1.0027.97.011909-8/004 – 2ª C.Cív. – Rel. Afrânio Vilela – DJe 11.05.2015)

2527 – Recuperação judicial – função social – preservação da empresa – possibilidade

“Agravo regimental no conflito de competência. Execução fiscal e recuperação judicial. Competência do juízo universal. 1. O juízo onde se processa a recuperação judicial é o competente para julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa recuperanda. 2. O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos de constrição ou de alienação devem-se submeter ao juízo universal. 3. A Lei nº 11.101/2005 visa à preservação da empresa, à função social e ao estímulo à ativi-dade econômica, a teor de seu art. 47. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-CC 133.179 – (2014/0074818-4) – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 29.06.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO vertente acórdão trata de agravo regimental interposto pela Fazenda Nacional contra decisão desta relatoria que conheceu do conflito de competência, declarando compe-tente o Juízo de Direito de Abelardo Luz/SC, onde tramita a recuperação judicial da suscitante, para julgar execuções contra a empresa.

A agravante aduziu, preliminarmente, a inexistência de conflito a ser dirimido, “isso por-que não está em discussão a competência de determinado Juízo para processar e julgar a mesma demanda, uma vez que se tratam de demandas completamente distintas, com partes e objetos diversos”.

O relator destacou que o ordenamento jurídico pátrio positivado deixa claro que a execu-ção fiscal não é afetada pela recuperação judicial, prosseguindo seu trâmite normalmen-te no juízo natural, funcional e absolutamente competente, se já ajuizada, ou podendo vir a sê-lo mesmo na pendência do deferimento da recuperação.

Afirmou, ainda, que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, conforme disposto no art. 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/2005.

Sustentou que, caso mantida a decisão monocrática, deve-se proceder à arguição inci-dental da inconstitucionalidade, em respeito ao art. 97 da CF.

Ao final, requereu a reconsideração da decisão agravada ou sua apreciação pelo Cole-giado.

O relator, ao analisar o caso, considerou que não prospera a alegação de inexistência de conflito de competência visto que, no caso, discute-se qual dos Juízos suscitados seria o competente para processar execução fiscal ante a pendência de recuperação judicial da empresa executada, nos termos do art. 115, III, do CPC.

Quanto ao mérito, como ficou consignado na decisão agravada, a Segunda Seção do STJ pacificou o entendimento sobre a questão no sentido de que a competência para julgar causas que envolvam interesses e bens de empresa em recuperação judicial, inclusive prosseguimento de atos de constrição ou de alienação, ainda que em execução fiscal, é do juízo universal.

Diante do exposto, o Superior Tribunal de Justiça, negou provimento ao agravo regi-mental.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“A legislação infraconstitucional, considerando a mencionada função social da empresa e a manutenção de pelo menos uma parte dos empregos existentes, tem como objetivo o restabelecimento financeiro da devedora. Para tanto, atribui exclusividade ao juízo

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universal onde se processa a recuperação judicial para a prática de atos de execução de seu patrimônio, evitando a efetivação de medidas expropriatórias individuais que possam prejudicar o cumprimento do plano de recuperação. Nesse sentido, disciplina o caput do art. 49 da Lei nº 11.101/2005:

‘Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.’

A jurisprudência do STJ é pacífica quanto ao tema, conforme demonstram os seguintes precedentes:

‘AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA – FUNÇÃO SOCIAL DA EM-PRESA – INCOMPATIBILIDADE ENTRE O CUMPRIMENTO DO PLANO DE RECUPERA-ÇÃO E A MANUTENÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL QUE CORRE NO JUÍZO TRABALHISTA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL – DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO – 1. A arguição incidental de inconstitucionalidade deve ser provocada pela parte no primeiro momento que comporte manifestação dos interessados nos autos, caso contrário, fica obstada pela preclusão consumativa. 2. “Apesar de a execução fiscal não se suspender em face do deferimento do pedido de recuperação judicial (art. 6º, § 7º, da LF 11.101/2005, art. 187 do CTN e art. 29 da LF 6.830/1980), submetem-se ao crivo do juízo universal os atos de aliena-ção voltados contra o patrimônio social das sociedades empresárias em recuperação, em homenagem ao princípio da preservação da empresa” (CC 114987/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª S., Julgado em 14.03.2011, DJe 23.03.2011). 3. Agravo regimental não provido.’ (AgRg-CC 115.275/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª S., Julgado em 14.09.2011, DJe 07.10.2011)

‘AGRAVO REGIMENTAL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – MEDIDA LIMINAR – EXE-CUÇÃO FISCAL – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – ABSTENÇÃO DE ATOS EXECUTÓRIOS – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA DECIDIR, EM CARÁ-TER PROVISÓRIO AS MEDIDAS URGENTES – PRECEDENTES – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – 1. Em casos como o presente, a 2ª Seção desta Corte vem adotando entendimento no sentido de que não cabe ao Juízo Trabalhista determinar medidas constritivas do patrimônio de empresa recuperanda, não obstante o disposto no art. 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual as execuções de natureza fiscal não serão suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. 2. O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3. Agravo Regimental improvido.’ (AgRg-CC 130.363/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 2ª S., Julgado em 23.10.2013, DJe 13.11.2013)”

2528 – Sociedade – recuperação judicial – função social – atividade econômica – prece-dente

“Direito empresarial, tributário e administrativo. Recurso especial. Contrato de prestação de serviços de construção e montagem de instalações industriais de produção de petróleo e gás natural com a Petrobras. Pagamento do serviço prestado. Exigência de apresenta-ção de certidão negativa de débito da empresa prestadora dos serviços. Impossibilidade. Sociedade em recuperação judicial. Arts. 52 e 57 da Lei nº 11.101/2005 (LF) e art. 191-A do Código Tributário Nacional – CTN. Inoperância dos mencionados dispositivos. Ine-xistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Precedente da Corte Especial. 1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é ‘viabilizar a superação da situação de crise econômico--financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego

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dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’. 2. Segundo entendimen-to exarado pela Corte Especial, em uma exegese teleológica da nova Lei de Falências, visando conferir operacionalidade à recuperação judicial, é desnecessário comprovação de regularidade tributária, nos termos do art. 57 da Lei nº 11.101/2005 e do art. 191-A do CTN, diante da inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial (REsp 1187404/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, Julgado em 19.06.2013, DJe 21.08.2013). 3. Dessarte, o STJ, para o momento de deferimento da recuperação, dispensou a comprovação de regularidade tributária em virtude da ausência de legislação específica a reger o parce-lamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. 4. Na hipótese, é de se ressaltar que os serviços contratados já foram efetivamente prestados pela ora recorrida e, portanto, a hipótese não trata de dispensa de licitação para contratar com o Poder Público ou para dar continuidade ao contrato existente, mas sim de pedido de recebimento dos valores pelos serviços efetiva e reconhecidamente prestados, não havendo falar em negativa de vigência aos arts. 52 e 57 da Lei nº 11.101/2005. 5. Malgrado o descumprimento da cláu-sula de regularidade fiscal possa até ensejar, eventualmente e se for o caso, a rescisão do contrato, não poderá haver a retenção de pagamento dos valores devidos em razão de serviços já prestados. Isso porque nem o art. 87 da Lei nº 8.666/1993 nem o item 7.3 do Decreto nº 2.745/1998, prevêem a retenção do pagamento pelos serviços prestados como sanção pelo alegado defeito comportamental. Precedentes. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1173735/RN – (2010/0003787-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 09.05.2014)

2529 – Sociedade limitada – desconsideração da personalidade jurídica – contrato social – comprovação

“Processual civil e civil. Recurso especial. Execução. Desconsideração da personalidade jurídica. Sociedade limitada. Sócia majoritária que, de acordo com o contrato social, não exerce poderes de gerência ou administração. Responsabilidade. 1. Possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada atingir os bens de sócios que não exercem função de gerência ou administração. 2. Em virtude da adoção da Teoria Maior da Desconsideração, é necessário comprovar, para fins de desconside-ração da personalidade jurídica, a prática de ato abusivo ou fraudulento por gerente ou administrador. 3. Não é possível, contudo, afastar a responsabilidade de sócia majoritária, mormente se for considerado que se trata de sociedade familiar, com apenas duas sócias. 4. Negado provimento ao recurso especial.” (STJ – REsp 1315110/SE – (2011/0274399-2) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 07.06.2013)

Parte Geral – Doutrina

Governança Corporativa: a Situação dos Acionistas Minoritários (Não Controladores) em Assembleias Gerais

FILIPE VInÍCIuS APARECIDO FERREIRAEspecialista em processo civil.

RESUMO: Este artigo objetiva abordar a situação de acionistas minoritários (não controladores) em assembleias gerais, dada sua participação cada vez maior nas empresas de capital aberto. Além disso, a questão da proteção de seus interesses tem recebido destaque tanto no Brasil como em diversos outros países. A metodologia ocorreu por revisão da literatura e de análise documental de normativas federais e de instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários. Constatando-se que a governança corporativa trata da justiça, transparência e responsabilidade das empresas em questões que envolvem os interesses do negócio e os da sociedade como um todo, a proteção aos acionistas não controladores tem sido significativamente aprimorada pelos rigores legais e norma-tivos.

PALAVRAS-CHAVE: Governança corporativa; assembleia geral; acionistas não controladores.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Governança corporativa; 1.1 Histórico; 1.2 Governança corporativa na atu-alidade; 2 Assembleias gerais de acionistas; 2.1 Acionistas minoritários nas assembleias; Conside-rações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva abordar a situação de acionistas minoritários (não controladores) em assembleias gerais.

Um dos temas mais discutidos nos últimos anos no meio empre-sarial tem sido a governança corporativa, e, dada a presença cada vez maior de pequenos investidores, a questão da proteção de seus interesses tem recebido destaque tanto no Brasil como em diversos outros países. O desrespeito e a insegurança envolvendo acionistas minoritários no Brasil afastam possíveis investidores no mercado de capitais brasileiros (Silva et al., 2005), e uma série de conflitos entre acionistas minoritários e controladores de algumas empresas vêm gerando insegurança entre os investidores que poderiam ser fonte de financiamento para a expansão das companhias (Nunes, 2005).

As assembleias gerais são um instrumento imprescindível para o processo de participação dos acionistas nas deliberações que afetam as

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atividades das companhias. Em constante processo de aperfeiçoamento, e tendo em vista a ampliação dos direitos dos acionistas minoritários, cada vez mais as assembleias gerais passam a ter maior importância e influência nas companhias. Diante disso, o departamento de Relações com Investidores deve gerenciar novos desafios na convocação e na ins-talação das assembleias, o que exige atenção constante às demandas dos acionistas e à definição de critérios mais adequados para facilitar a participação de um público cada vez mais numeroso, principalmente nos casos de companhias de capital pulverizado (Guia-RI, 2012).

O acionista minoritário é aquele que não possui o controle da companhia, por isto também chamado “não controlador”. Isso ocorre porque só possui ações preferenciais (as chamadas ações PN, que não oferecem alguns direitos, como o de votar nas assembleias), ou porque possui ações ordinárias (chamadas ON e que permitem o voto) em quan-tidade insuficiente para mudar alguma decisão tomada nas reuniões de acionistas. Mesmo sem poder votar, o acionista minoritário tem o direito de participar das assembleias e com a fração de ações que dispõe em sua custódia, é também considerado “sócio” da companhia. O fato de es-ses acionistas terem poucas ações em um universo de muitas outras faz com que estes acabem não descobrindo todas as possibilidades legais de atua ção na corporação (Guia-RI, 2012).

A abordagem de governança corporativa (GC) como “sistema de valores e padrões de comportamento” entende que ela trata da justiça, da transparência e da responsabilidade das empresas em questões que envolvem os interesses do negócio e os da sociedade como um todo (Williamson, 1996).

De maneira geral, a governança corporativa visa a responder a algumas perguntas básicas: quais os mecanismos pelos quais os for-necedores de recursos das companhias garantem que obterão para si o retorno sobre seu investimento? Quais mecanismos podem proteger os investidores externos (acionistas minoritários ou credores de longo prazo) da expropriação pelos acionistas controladores e pelos gestores? Qual a garantia que se tem de que o alto executivo tomará as decisões de melhor interesse de todos os investidores da corporação? Como se ga-rante que as informações prestadas pela companhia sejam transparentes e precisas? (Rossetti; Andrade, 2011).

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Neste estudo, deseja-se esclarecer, brevemente, os questionamen-tos acima citados, mas com referência aos acionistas minoritários. Con-siste de “uma síntese, a mais completa possível, referente aos dados per-tinentes ao tema, dentro de uma sequência lógica” (Lakatos; Marconi, 2003, p. 248). Isso teve por finalidade “conhecer as diferentes formas de contribuição científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno” (Oliveira, 2004, p. 119). Na pesquisa bibliográfica, houve consultas a livros e artigos publicados relativos ao tema e na pesquisa documental foram analisadas as normativas federais que tratam de as-pectos das sociedades por ações, principalmente com o intuito de se responder ao questionamento proposto e alcançar o objetivo.

1 GOVeRNANÇA cORpORATIVA

1.1 HistóriCo

Alguns eventos ocorridos nos Estados Unidos e Europa em meados do século XX fizeram ampliar as discussões sobre a questão importante da governança corporativa em virtude da insatisfação de acionistas de companhias que haviam falido e que buscavam compensação junto a diretores, conselheiros e auditores. Em um primeiro momento, o foco estava voltado para a resolução de conflitos internos nas empresas, ten-do como objetivo trazer para os acionistas controladores facilidades na administração estratégica da companhia (Ribeiro, 2007).

O debate evoluiu em torno do conflito de agência, pois havia, além de interesses divergentes entre os diversos grupos interessados nas companhias, que se ressentiam da falta de transparência das informa-ções, diferentes objetivos e preferências. Em outras palavras, “o proble-ma de agência emerge quando a gestão de uma empresa privilegia os próprios interesses em detrimento dos interesses do acionista” (Álvares; Giacometti; Gusso, 2008, p. 6).

Percebia-se, nessa época, a importância da separação das figu-ras do gestor e do controlador, além da necessidade de novas técnicas de relacionamento nas companhias, gerando um conjunto de regras de conduta denominado de “códigos de melhores práticas”. O Quadro 1 sintetiza as razões determinantes do despertar e do desenvolvimento da governança corporativa.

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Quadro 1 – síntese das razões determinantes do despertar e do desenvolvimento da governança Corporativa

Conflitos de agência e inadequações observadas na alta gestão:

1) vícios e conflitos no relacionamento acionistas – corporações;2) questionável constituição de conselhos de administração;3) atuação oportunista de gestão.

ASSIMILAÇÃOE ADOÇÃO DE BOASPRÁTICAS DE GOVERNANÇACORPORATIVA

RAZÕES ADICIONAIS

Razões externas às corporações que pressionam por redefinições e redirecionamentos de alto impacto:1) mudanças no macroambiente; 2) mudanças no ambiente de negócios;3) revisões institucionais.

Razões internas relevantes que exigem mudanças irrecusáveis da alta gestão: 1) mudanças societárias; 2) realinhamentos estratégicos;3) reordenamentos organizacionais.

RAZÕES ESSENCIAIS

Fonte: Rossetti; Andrade, 2011, p. 100.

No Brasil, na mesma época, as informações sobre o desempenho das companhias eram restritas ao seu âmbito interno e consideradas em nível estratégico. Os balanços eram resumidos e publicados anual-mente, refletindo um panorama compreendido apenas por especialistas. Contudo, a partir da década de 1970, passou a vigorar um ambiente mais exigente em termos de normas societárias. O desenvolvimento foi iniciado pela aprovação da Lei de Sociedades por Ações (Lei nº 6.404) e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro, ambas de 1976, sendo que esta última criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), subordinada ao Ministério da Fazenda (Silva, 2012).

Nos anos de 1990, os Conselhos de Administração começaram a sofrer grande pressão dos investidores institucionais, da mídia e de ameaças de litígios. Para Gillan e Starks (2003, citados por Álvares; Giacometti; Gusso, 2008, p. 6), esta é uma questão complexa, pois os investidores eventualmente podem influenciar a gestão diretamente (por

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meio da propriedade) ou indiretamente (mediante a negociação das ações). Ocorre que os principais resultados desejados pelas organiza-ções são “as maiores proteções do patrimônio, atratividade e valor da empresa, devidamente sustentada pela transparência de informações, equidade no tratamento dos acionistas, otimizada prestação de contas, respeito às leis e responsabilidade corporativa” (Oliveira, 2011, p. 21).

Em 1992, na Inglaterra, uma Comissão presidida por Adrian Cadbury foi criada para estudar a governança corporativa e o papel e as responsabilidades de conselhos de administração de grandes com-panhias, tendo gerado um relatório em dezembro desse mesmo ano sugerindo práticas recomendáveis de governança. Esse marco teórico foi denominado de Comissão Cadbury, o primeiro dos códigos de boas práticas (Ribeiro, 2007).

Contudo, não apenas os acionistas são os principais interessados em uma empresa, mesmo sendo eles os proprietários, pois os conselhos devem se remeter também aos seus stakeholders – clientes, fornecedo-res, empregados, comunidade local e Estado, todos passíveis de serem afetados por suas decisões. Para Rossetti e Andrade (2011, p. 90-104), essa realidade tem sido enfatizada tanto pela literatura econômica quan-to pela de administração e tem aberto espaços para orientações quanto aos objetivos organizacionais e a disposições legais que visam à salva-guarda de um amplo conjunto de interesses internos e externos relacio-nados às operações da empresa.

Quadro 2 – interesses legítimos dos diFerentes grupos de stakeHolders

StAkEholDERS IntERESSES

Shareholders

Proprietários, investidores• dividendos ao longo do tempo (a)• ganhos de capital: maximização do valor da empresa (b)• máximo retorno total (a) + (b)

Internos(efetivamente envol-vidos com a geração de resultados)

Conselho de Administração e Direção executiva• base fixa de remuneração• bonificações de balanço• stock optionsOutros órgãos de governança• retribuições em base fixasEmpregados• segurança• salários

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StAkEholDERS IntERESSES

• participação nos lucros• benefícios assistenciais materiais• reconhecimento, oportunidades, desenvolvimento pessoal

Externos(integrados à ca-deia de negócios)

Credores• resultados positivos, capacidade de liquidação de dívidas

contraídas.Fornecedores• regularidade, desenvolvimento conjuntoClientes/consumidores• preços justos, produtos conformes, confiáveis, seguros

Entorno

Comunidades locais• geração de empregos e contribuições para o desenvolvi­

mentoSociedade como um todo• bem­estar social, balanço social efetivamente contributivo

para inclusão socioeconômicaGovernos• conformidade legal, crescimento, geração de empregosONGs (Organizações Não-Governamentais)• adesão às suas três principais causas: preservação ambiental,

direitos de minorias e provisões

Fonte: Rossetti; Andrade, 2011, p. 111.

1.2 governança Corporativa na atualidade

Existem três agrupamentos de conceitos sobre governança corpo-rativa (GC): os que enfatizam direitos e sistemas de relações, os que cha-mam a atenção para valores e padrões de comportamento e os focados em sistemas normativos.

Sobre a abordagem dos “direitos e sistemas de relações”, a go-vernança corporativa é entendida como o campo da administração que trata do conjunto de relações entre a direção das empresas, seus conse-lhos de administração, acionistas e outras partes interessadas (Shleifer; Vishny, 1997), estabelecendo os caminhos pelos quais os investidores são assegurados do retorno de seus investimentos.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, 2007, p. 75) valoriza o sistema de relações da empresa e seu comportamen-to, ao considerá-lo um “sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho

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fiscal”. O órgão afirma que as boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade.

Como “sistemas normativos”, Monks e Minow (1995) afirmam que a governança corporativa trata do conjunto de leis e regulamentos que visam: a) assegurar os direitos dos acionistas das empresas, controla-dores ou minoritários; b) disponibilizar informações que permitam aos acionistas acompanhar decisões empresariais impactantes, avaliando o quanto elas interferem em seus direitos; c) possibilitar aos diferentes pú-blicos alcançados pelos atos das empresas o emprego de instrumentos que assegurem a observância de seus diretos; d) promover a interação dos acionistas, dos conselhos de administração e da direção executiva das empresas.

Para Adrian Cadbury (1999, citado por Rossetti; Andrade, 2004, p. 24), a governança corporativa “é expressa por um sistema de valores que rege as organizações em sua rede de relações internas e externas. Ela, então, reflete os padrões da companhia os quais, por sua vez, refle-tem os padrões de comportamento da sociedade”.

Conforme Milton Nassau Ribeiro (2007, p. 12), a governança cor-porativa na atualidade pode ser compreendida como

[...] um sistema de gestão empresarial que privilegia o uso de instrumen-tos (lei, regulamentos e práticas comerciais) visando compatibilizar os diversos interesses daqueles que se relacionam com a companhia, ou seja, controladores, administradores, auditores externos, não controlado-res, conselheiros fiscais e demais interessados.

Para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econô-mico (OCDE), a governança corporativa é

[...] o sistema segundo o qual as corporações de negócio são dirigidas e controladas. A estrutura da governança corporativa especifica a distri-buição dos direitos e responsabilidades entre os diferentes participantes da corporação, tais como o Conselho de administração, os diretores exe-cutivos, os acionistas e outros interessados, além de definir as regras e procedimentos para a tomada de decisão em relação a questões corpora-tivas. E oferece também bases através das quais os objetivos da empresa são estabelecidos, definindo os meios para se alcançarem tais objetivos e

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os instrumentos para se acompanhar o desempenho. (Rossetti; Andrade, 2011, p. 23)

Sabe-se que a GC está historicamente ligada à separação entre a propriedade e a gestão. Fatores determinantes externos e internos con-tribuíram para que as empresas buscassem alternativas para adequação aos novos níveis de governança percebidos pelo ambiente global obser-vados no período de 1990 a 2000. Pode-se perceber, com base nos pila-res e nas práticas verificadas no mercado, não existir um modelo único e universal de governança corporativa, e que as diferenças resultam da diversidade cultural e institucional dela decorrentes.

Pode-se, então, entender a governança como um conjunto de va-lores, princípios, propósitos e regras que rege o sistema de poder e os mecanismos de gestão das corporações, buscando a maximização da riqueza dos acionistas e o atendimento dos direitos de outras partes in-teressadas, minimizando oportunismos conflitantes com este fim. Orga-nizações como as Nações Unidas e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) visualizam as boas práticas de governança como pilares da arquitetura econômica global e um dos ins-trumentos do desenvolvimento sustentável em suas três dimensões: eco-nômica, ambiental e social.

2 ASSembleIAS GeRAIS De AcIONISTAS

As assembleias gerais de acionistas são reguladas por instrumentos normativos estabelecidos em lei e as regulamentações são emitidas por autoridade regulatória e entes autorregulatórios, como a Bolsa de Valo-res, Mercadorias e Futuros (BM&FBovespa), a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), entre outros (IBGC, 2010, p. 11).

Os requisitos essenciais para a validade de uma assembleia geral de acionistas constam da Lei nº 6.404 (Brasil, 1976) e alterações poste-riores (Lei nº 9.457, Lei nº 10.303 e Lei nº 12.431) (Brasil, 1997; Brasil, 2001; Brasil, 2011), bem como informações aos acionistas, ao merca-do e à CVM, conforme a Instrução Normativa (IN) nº 481/2009 (CVM, 2009). O cumprimento estrito das disposições previstas na legislação e no Estatuto Social da companhia aberta promove a garantia da validade

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da realização da assembleia e, em seguida, a observância das regras específicas de registro e publicação das decisões tomadas, também esta-belecidas em lei, complementam o feito (IBGC, 2010, p. 11).

A assembleia geral de acionistas configura-se no órgão máximo e soberano de deliberações nas sociedades anônimas tendo poderes para, uma vez convocada e instalada nos termos da lei e do Estatuto Social da companhia, “decidir sobre quaisquer negócios relativos ao objeto social da empresa, bem como tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento” (art. 121 da Lei nº 6.404).

A deliberação sobre algumas matérias compete privativamente à assembleia geral, nos termos do art. 122, sendo indelegável e inderro-gável sua competência sobre as seguintes: I – reformar o estatuto social; II – eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142; III – tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demons-trações financeiras por eles apresentadas; IV – autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto no § 1º do art. 59; V – suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120); VI – deliberar sobre a ava-liação de bens com que o acionista concorrer para a formação do ca-pital social; VII – autorizar a emissão de partes beneficiárias (sociedade anônima de capital fechado); VIII – deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e IX – autorizar os adminis-tradores a confessar falência e pedir concordata.

A partir de 2001 (Lei nº 10.303, art. 124, § 1º) (Brasil, 2001), o prazo de antecedência para convocação de assembleia geral foi elevado de 8 dias para 15 dias no caso de companhias abertas, em primeira con-vocação. Não se realizando a assembleia, a segunda convocação deve obedecer ao prazo de mínimo de antecedência de 8 (oito) dias, ao invés de 5 (cinco) dias. No caso de empresa sociedade por ações – fechadas, os prazos de antecedência de convocação foram mantidos em 8 e 5 dias para primeira e segunda convocação. A Lei nº 10.303 (Brasil, 2001) também introduziu a possibilidade de ingerência do órgão regulador no transcurso do prazo de antecedência de convocação (art. 124, § 5º)1, a

1 A CVM poderá: “I – aumentar, para até 30 (trinta) dias, a contar da data em que os documentos relativos às matérias a serem deliberadas forem colocados à disposição dos acionistas, o prazo de antecedência de publicação do primeiro anúncio de convocação da assembleia-geral de companhia aberta, quando esta tiver

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pedido de qualquer acionista e ouvida a Companhia, passando a admitir a possibilidade de interrupção ou aumento do prazo nos casos de com-plexidade da matéria ou suposta violação de dispositivos legais.

Em 27 de junho de 2011, foi publicada a Lei nº 12.431 (Brasil, 2011), que, entre outras inovações, alterou alguns importantes disposi-tivos da Lei nº 6.404 (Brasil, 1976) às assembleias gerais e ao Conselho de Administração. Conforme a nova redação do § 2º do art. 100 da Lei nº 6.404, os livros de atas das assembleias gerais e o livro de presença de acionistas das companhias abertas poderão ser substituídos por registros mecanizados ou eletrônicos, o que até então era permitido apenas em relação aos livros de registro e de transferência de ações nominativas e registro de partes beneficiárias. O art. 121, parágrafo único, bem como o art. 127, parágrafo único estabelecem a participação e o voto de acio-nistas de companhias abertas à distância, mas objeto sujeito à regula-mentação por parte da CVM. O método ocorre por assinatura eletrônica e certificação digital.

As companhias devem acompanhar as instruções, deliberações, pareceres de orientação, ofícios-circulares e notas explicativas da Co-missão de Valores Mobiliários (CVM) para se manterem sempre atuali-zadas.

2.1 aCionistas minoritários nas assembleias

Para efeito de participação em um Conselho, minoria é um grupo ativo e interessado na administração dos negócios sociais, ao qual são atribuídas as funções de controle da legalidade e da legitimidade (abu-so e desvio de poder) das deliberações tomadas pelos controladores no âmbito do Conselho.

Na opinião de Ribeiro (2007), em decorrência da mutação do con-ceito de “acionista majoritário” para “acionista controlador”, a consa-grada expressão “acionista minoritário” não pode mais ser tecnicamente considerada adequada. Isso se deve ao fato de que, na maior parte dos

por objeto operações que, por sua complexidade, exijam maior prazo para que possam ser conhecidas e analisadas pelos acionistas; II – interromper, por até 15 (quinze) dias, o curso do prazo de antecedência da convocação de assembleia-geral extraordinária de companhia aberta, a fim de conhecer e analisar as propostas a serem submetidas à assembleia e, se for o caso, informar à companhia, até o término da interrupção, as razões pelas quais entende que a deliberação proposta à assembleia viola dispositivos legais ou regulamentares”.

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casos, o controle é exercido pela minoria dos acionistas, passando a maioria a ser destituída desse papel. Assim, os termos “maioria” e “mi-noria” devem ser utilizados com cuidado quando se tratar de poder de controle, sendo mais correto classificar os “demais acionistas” da com-panhia como “acionistas não controladores”, expressão constante no pa-rágrafo único do art. 116 da Lei de Sociedades Anônimas (Brasil, 1976).

Os acionistas minoritários têm assegurado vários direitos irrenun-ciáveis, indisponíveis, inderrogáveis e intangíveis: podem propor ação de responsabilidade contra os administradores (art. 159); requerer exibição dos livros e cópia dos documentos que se acham à disposição dos acionis-tas, desde que detenha mais de 5% do capital social (art. 105); convocar assembleia geral na omissão dos administradores, caso representem 5% do capital social ou preferenciar (art. 123, c); requerer funcionamento do Conselho Fiscal para os acionistas que representem 5% ou mais de ações sem direito de voto (art. 161, § 2º); eleger membros do Conselho Fiscal desde que titulares de ações ordinárias que não representem, em conjun-to, 10% ou mais dessas ações ou de ações preferenciais (art. 161, § 4º); requerer adoção de voto múltiplo (detalhado no próximo subitem) para eleição dos membros do Conselho de Administração desde que represen-tem 1/10 do capital votante (art. 141, caput); eleger ou destituir um mem-bro do Conselho em votação em separado na assembleia geral, os titulares de 15% das ações ordinárias e de 10% das ações preferenciais, ambas de companhia aberta (Lei nº 6.404) (Brasil, 1976).

Contudo, a participação pouco expressiva dos acionistas minori-tários nas assembleias gerais de acionistas das companhias abertas no Brasil pode ser atribuída aos custos que a ela estão associados. Entre estes, destacam-se, principalmente, os decorrentes das assimetrias de informação – que a regulação procura mitigar ao exigir a divulgação de um conjunto de informações previamente à assembleia, da eventual necessidade de exigir informações adicionais às previamente oferecidas, da expertise e do tempo necessários para analisar as informações dispo-níveis, bem como dos custos de comparecer ao evento, particularmente elevado no caso dos investidores estrangeiros (La Rocque; Sarno, 2004).

2.1.1 Voto múltiplo

Originário dos Estados Unidos, onde sua prática data de 1870, “o voto múltiplo é o processo pelo qual se dá a cada acionista um total

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de votos correspondentes ao número de suas ações votantes multiplica-do pelo número de cargos do Conselho de Administração” (Carvalhosa, 2011, p. 160).

O Decreto-Lei nº 2.627 (Brasil, 1940) não previa o processo de voto múltiplo, pois a representação dos diversos grupos acionários não era contemplada na administração da sociedade. A eleição da diretoria deveria ser efetivada apenas pelos acionistas majoritários, sem qualquer participação proporcional dos minoritários.

O art. 1412 da Lei nº 6.404 (Brasil, 1976) estabeleceu o processo de voto múltiplo e o direito, em qualquer hipótese, de uma minoria sig-nificativa (20%) eleger um representante para o Conselho de Adminis-tração (se o órgão tiver menos de cinco membros). Atua como método para concentrar votos e possibilitar a representação dos minoritários no Conselho de Administração.

A Lei nº 10.303 (Brasil, 2001) trouxe inovações e corrigiu a omis-são da Lei nº 6.404/1976 no que se refere à composição do órgão e à for-ma de eleição de seus membros. Passou a permitir a fixação de quórum qualificado para deliberações do Conselho de Administração sobre es-pecíficas matérias no estatuto, eliminando a necessidade de recorrer aos acordos de acionistas para a determinação desse quórum, como ocorre frequentemente na prática societária. Outra inovação ocorreu em 2010 (Lei nº 12.353) (Brasil, 2010), inserindo a faculdade de empregados po-derem eleger um representante para o cargo de conselheiro, matéria de assembleia geral dos empregados organizada pela empresa e em con-junto com as entidades sindicais às quais os empregados estejam filiados (Carvalhosa, 2011, p. 148).

Em 2003, Rubens Requião observava que o voto múltiplo constitui um instrumento de maior representação dos minoritários ordinaristas no órgão superior da administração de sociedades por ações, mas que o sis-tema de voto múltiplo para a eleição do Conselho ainda necessitava de ajustes na medida em que não assegurava uma participação automática ou infalível.

2 “Art. 141. Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários.”

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Realmente, como já citado anteriormente (La Rocque; Sarno, 2004), a divulgação de um conjunto de informações necessárias previa-mente à assembleia era deficiente.

2.1.2 Instruções normativas da comissão de Valores mobiliários

A Instrução Normativa (IN) CVM nº 323 (CVM, 2000) considera infração grave a denegação de voto às minorias quando essa prerrogati-va constar de lei, normativa ou Estatuto. Se a CVM reconhecer ter havido denegação do direito de voto conferido pelo art. 141, §§ 4º e 5º, aquela Autarquia federal pode impor uma das sanções dispostas no art. 11 da Lei nº 3.385/1976: (i) suspensão do exercício do cargo de administrador ou conselheiro; (ii) inabilitação temporária para o exercício dos cargos de administrador; (iii) suspensão da autorização de registro da compa-nhia; (iv) cassação da autorização do registro da companhia; e (v) proi-bição temporária de praticar atividades ou operações que dependam de registro.

A IN 358 (CVM, 2002) dispõe sobre a divulgação de ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, disciplina a divulgação de in-formações na negociação de valores mobiliários e na aquisição ou alie-nação de participação acionária relevante, estabelece vedações e condi-ções para a negociação de ações na pendência de ato ou fato relevante não divulgado ao mercado e trata das principais disposições que devem constar nas políticas de negociação e de divulgação de ato ou fato rele-vante de companhias abertas, dentre outros assuntos.

A IN CVM 480 (2009) substituiu a IN 2002, de 6 de dezembro de 1993, e é aplicada a todos os emissores de valores mobiliários admiti-dos à negociação em mercados regulamentados no Brasil, inclusive os estrangeiros, com exceção apenas dos fundos de investimento, clubes de investimento e alguns outros expressamente mencionados na Norma, que permanecem sujeitos à regulamentação específica da CVM. Vigente desde 1º de janeiro de 2010, a CVM 480 alterou sensivelmente as infor-mações que devem ser disponibilizadas ao mercado pelas companhias abertas, passando de um formulário anual simples (IAN) para um do-cumento denominado Formulário de Referência (FR) (CVM, 2011), de

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alta complexidade e detalhamento. Entre as informações, os art. 14 a 19 detalham sobre as informações aos acionistas3.

A IN 480 (CVM, 2009) adota um modelo em que as informações referentes ao emissor são reunidas em um único documento atualiza-do regularmente, o Formulário de Referência. Em relação à maioria dos temas, a instrução pede níveis de informação semelhantes aos exigidos pela IN 400 (sobre as ofertas públicas de distribuição de valores mobi-liários), de 29 de dezembro de 2003, mas em um formato que privi-legia o melhor entendimento do investidor. Uma importante inovação da instrução é a exigência de que os emissores informem suas políticas e práticas em relação às matérias mais sensíveis da condução de seus negócios. Há, portanto, maior quantidade de informações qualitativas divulgadas, o que tende a permitir melhor avaliação do desempenho da administração dos emissores de valores mobiliários (Silva, 2012, p. 199-201).

Em meio à expansão do mercado de capitais e à proliferação de companhias abertas, a IN 481 (CVM, 2009) foi criada para melhor or-ganizar e incentivar a participação dos acionistas nas deliberações das grandes sociedades por ações, e aumentar a transparência de suas deci-sões. Dessa forma, as companhias abertas estão obrigadas a disponibi-lizar, com antecedência de 30 dias e detalhadamente, as informações e documentos que serão objeto de análise, discussão e votação nas assem-bleias gerais. Essa regra garante ao acionista o acesso a um conjunto de informações mais precisas, que o auxiliará no debate dos temas coloca-dos em pauta. Além desse stakeholder, também o mercado e a CVM são receptores fundamentais (Guia-RI, 2012).

Entre os documentos e informações a serem divulgados, estão: (i) currículo de candidatos aos cargos na Administração, quando se tratar de assembleia para eleição de administradores; (ii) proposta de remune-ração dos administradores quando a discussão versar sobre remunera-

3 “Art. 14. O emissor deve divulgar informações verdadeiras, completas, consistentes e que não induzam o investidor a erro. Art. 15. Todas as informações divulgadas pelo emissor devem ser escritas em linguagem simples, clara, objetiva e concisa. Art. 16. O emissor deve divulgar informações de forma abrangente, equitativa e simultânea para todo o mercado. Art. 17. As informações fornecidas pelo emissor devem ser úteis à avaliação dos valores mobiliários por ele emitidos. Art. 18. Sempre que a informação divulgada pelo emissor for válida por um prazo determinável, tal prazo deve ser indicado. Art. 19. Informações factuais devem ser diferenciadas de interpretações, opiniões, projeções e estimativas. Parágrafo único. Sempre que possível e adequado, informações factuais devem vir acompanhadas da indicação de suas fontes.”

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ção de referidos integrantes; (iii) relatório detalhado sobre a justificati-va e efeitos das alterações propostas em assembleias convocadas para reformar o estatuto; (iv) em se tratando de debate sobre aumento ou redução de capital, informações contendo o valor do aumento ou da redução, bem como as razões e consequências dessas matérias, além de outras informações.

cONSIDeRAÇÕeS FINAIS

Conforme a literatura revisada, as informações a serem divulgadas pelas companhias devem ser sempre verdadeiras, completas, consisten-tes e não devem induzir o investidor a erro. Também é necessário que se adote um padrão de linguagem que privilegie simplicidade, clareza, objetividade e concisão das informações, as quais devem ser divulgadas de forma abrangente, equitativa, tempestiva e simultânea para todo o mercado.

As informações fornecidas pelas companhias devem ser úteis à avaliação dos valores mobiliários por elas emitidos. Nesse sentido, o principal objetivo de um sistema de divulgação de informações eficiente está em permitir aos investidores e potenciais investidores poder tomar decisões de investimento a partir das informações e dados disponibiliza-dos ao mercado, que devem ser disponibilizados com base nas exigên-cias da Lei das S.A. e das regulamentações emitidas pela CVM e, quando for o caso, pelos órgãos autorreguladores do mercado.

No caso de assembleias destinadas à eleição de membros para o conselho de administração, o percentual mínimo de participação no ca-pital votante necessário à requisição da adoção de voto múltiplo deverá constar obrigatoriamente do edital de convocação.

A companhia, seus administradores e controladores não podem negar o pedido de adoção do voto múltiplo formulado por acionista titular do percentual exigido, sob pena de a companhia praticar infração grave, sujeita à aplicação de rito sumário em processo administrativo da CVM. O princípio também vale para as sociedades de economia mista. Assim, a deliberação de assembleia geral que negar o direito de mino-ritários será nula, como também será a eleição apenas dos conselheiros substitutos, devido à inobservância do preceito de ordem pública que ga-rante aos minoritários votantes representação proporcional no Conselho

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pelo sistema do voto múltiplo. Concluindo, o sistema de voto múltiplo não é um privilégio para a eleição de membros do Conselho de Admi-nistração de uma sociedade por ações (pois também pretende contribuir para uma adequada governança corporativa), mas constitui um processo de votação que assegura o regime de representação proporcional dos controladores e dos não controladores no Conselho, sem embargo do direito nato de eleição dos não controladores e preferencialistas.

As empresas obtêm múltiplos benefícios com um Conselho de Administração otimizado e principalmente com uma governança cor-porativa que proporcione sustentação para vantagens competitivas di-ferenciadas, produtos e serviços de sucesso. Como a missão do Conse-lho de Administração é proteger o patrimônio e aumentar o retorno do investimento dos acionistas, torna-se importantíssima a escolha de seus membros durante as assembleias gerais de acionistas e relevante a parti-cipação dos acionistas não controladores.

ReFeRêNcIAS

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Parte Geral – Doutrina

O Surgimento dos Consórcios de Empresas no Brasil Como Estrutura Jurídico-Organizativa Alternativa à Sociedade Empresária e a Sua Relação com o Desenvolvimento1

LAuRA ROMAnO CAMPEDELLIAdvogada, Mestranda em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP, Bacharel em Direito pela FGV Direito SP, Pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais NEF FGV.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo evidenciar a relação existente entre o direito de empre-sa e o desenvolvimento social e econômico de um país. A premissa do estudo é de que as estruturas jurídico-organizativas colocadas à disposição dos empresários para o exercício de atividades econô-micas importam ao desenvolvimento. Para confirmar tal premissa, o artigo aborda o surgimento de uma estrutura jurídico-organizativa específica no Brasil, qual seja, o consórcio de empresas. Estabe-lece comparações com o regime jurídico das sociedades empresárias e, por meio dessa análise, sus-tenta que o surgimento dos consórcios como estrutura jurídico-organizativa alternativa à sociedade empresária já é fator indicativo de desenvolvimento promovido pelo direito de empresa, vez que con-fere aos agentes econômicos a opção de se organizarem da forma que melhor julgarem adequada, seja pela utilização dos consórcios, seja pela utilização das sociedades empresárias.

ABSTRACT: This article aims to highlight the relationship between the Business Law and a country’s social and economic development. The premise of the study is that the legal and organizational struc-tures available to the entrepreneurs’ exercise of economic activities are related to this development. To confirm this premise, the article discusses the creation of a specific legal structure in Brazil, the “consortium of companies”. Establishing comparisons with the legal framework of business compa-nies, the article argues that the emergence of the consortium as an alternative legal and organiza-tional structure by itself an indicative of development promoted by the Business Law, since it gives to economic agents the option to organize their business the way they judge best suited, using the consortium or the business companies.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa; desenvolvimento; estrutura jurídico-organizativa; sociedade empresá-ria; consórcio; sociedade de propósito específico; Lei nº 6.404/1976; Código Civil.

KEYWORDS: Firm; development; legal and organizational structure; business company; consortium; special purpose company; Law 6.404/1976; Civil Code.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O sentido da expressão “estrutura jurídico-organizativa”; 2 O surgimento dos consórcios de empresa no Brasil; 2.1 De consórcios a Sociedades de Propósito Específico – SPE; 3 O regime jurídico dos consórcios; 3.1 Consórcio de empresas vs. sociedade empresária; 3.2 Prin-

1 Trabalho desenvolvido para a disciplina “Empresa e Desenvolvimento”, ministrada pelo Professor Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado Acadêmico em Direito e Desenvolvimento na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito SP.

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cipais conflitos que podem emergir do uso dos consórcios à luz do novo Código Civil; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

O estudo do desenvolvimento econômico e social de um país pode ocorrer a partir de diversas perspectivas, tantas quantas as áreas de conhecimento próprias das ciências humanas e sociais podem nos ofere-cer. Em razão de tamanha amplitude, o esforço de delimitação torna-se fundamental, de modo que, para o presente artigo, importa-nos o estudo do desenvolvimento a partir da perspectiva da ciência do Direito e, mais especificamente, do direito de empresa.

Nesse campo de estudos, são recorrentes os questionamentos acerca da interação entre os institutos jurídicos disponibilizados pelo ordenamento para a organização da atividade empresária e a realidade econômica na qual se inserem. A questão é geralmente colocada nos seguintes termos: é o direito que promove o desenvolvimento pela cria-ção de novas estruturas jurídico-organizativas ou, em razão do desen-volvimento, o direito é compelido a adaptar-se e a criar novas estruturas jurídico-organizativas?

Sem a pretensão de fornecer respostas unívocas a esse questio-namento, o objetivo desse artigo é apenas evidenciar que as estruturas jurídico-organizativas colocadas à disposição dos agentes econômicos importam ao desenvolvimento2.

Entendemos que não há como estabelecer ordem cronológica ou hierárquica entre a criação de estruturas jurídico-organizativas e o de-senvolvimento social e econômico, parecendo-nos acertada a proposi-ção de que “[...] ora é a ordem econômica que gera o direito [...] ora é a ordem jurídica [...] que condiciona e promove a vida econômica”3.

Para sustentar tal assertiva, realizaremos o estudo do surgimento de uma estrutura jurídico-organizativa específica, qual seja, o consórcio de empresas, disciplinado pelos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404/1976.

2 Cf. ARAÚJO, Danilo Borges dos Santos Gomes. Empresa e desenvolvimento: importam as estruturas jurídico-organizativas à disposição dos agentes para o exercício de atividades empresariais. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 59-72.

3 Idem, ibidem.

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Conforme veremos, essa estrutura jurídico-organizativa surgiu no cenário nacional como decorrência da necessidade dos empresários num momento em que o país realizava grandes obras de infraestrutura. Nesse sentido, seria possível afirmar que a ordem econômica gerou o di-reito. Mas essa estrutura originada décadas atrás4 mostra-se fundamental até os dias de hoje para a atividade empresarial brasileira5, de modo que é igualmente correto aduzir que a ordem jurídica, por ter criado a figura do consórcio de empresas, promove a vida econômica nacional.

Importa esclarecer que a expressão “estrutura jurídico-organiza-tiva” é aqui empregada com sentido próprio, motivo pelo qual faremos uma breve abordagem sobre a ideia nela expressa (item 1). Em seguida, apresentaremos o surgimento dos consórcios no Brasil, evidenciando o contexto econômico do país à época de sua criação. Neste ponto, tam-bém faremos considerações acerca da sociedade de propósito específi-co, a qual hodiernamente cumpre finalidade similar àquela que o con-sórcio veio a suprir na década de 70 (item 2). Também será abordada a disciplina legal dos consórcios e as peculiaridades da sua utilização em contraposição com a estrutura jurídico-organizativa das sociedades em-presárias (item 3). Ao final (item 4), a indicação de algumas conclusões no sentido de que o surgimento do consórcio no Brasil, pelo simples fato de proporcionar à classe empresária uma alternativa à necessidade de formação de sociedades empresárias, já é fator indicativo de desenvolvi-mento promovido pelo direito de empresa.

1 O SeNTIDO DA eXpReSSÃO “eSTRUTURA JURÍDIcO-ORGANIZATIVA”

Antes de analisar a estrutura jurídico-organizativa dos consórcios e propor uma comparação com a sociedade empresária, importa esclare-cer o sentido da expressão “estrutura jurídico-organizativa” empregado

4 De acordo com Arnaldo Rizzardo, os consórcios existem no Brasil de longa data: “Esta modalidade já vinha sendo colocada em prática mesmo antes da edição da Lei das Sociedades Anônimas, e era mencionada em alguns diplomas regulamentadores de atividades” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 5. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 719).

5 Grandes obras de infraestrutura, bem como empreendimentos que demandam mão de obra muito especializada, geralmente se organizam na forma de consórcios entre empresas. Nas palavras de Arnaldo Rizzardo: “É frequente a formação de um conglomerado de empresas para grandes obras, como a construção de um conjunto de prédios, de elevados, de viadutos, ou a abertura de rodovias, ou a implantação de uma ampla infraestrutura urbana. Nas grandes obras, uma única empresa não teria envergadura, poderio técnico e equipamentos para sozinha desenvolver o projeto e concretizá-lo, optando para a formação de consórcios ou associações com outras sociedades, especialmente nas concorrências de obras públicas” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 5. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 719).

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nesse texto. Propomos a análise fragmentada dessa expressão, iniciando pela compreensão apenas da palavra “estrutura”.

O termo estrutura pode ser usado em diversas acepções, de modo que a definição de um significado capaz de abarcar uma única ideia não nos parece adequada. Raymond Boudon, em ensaio sobre a significa-ção da noção de estrutura nas ciências humanas, sustenta que, “para se apreender a significação da noção de estrutura, é preciso antes de tudo reconhecer seu caráter essencialmente polissêmico”6.

Parte significativa da dificuldade de compreensão da ideia de es-trutura relaciona-se à confusão que se faz do uso da expressão em dois contextos fundamentalmente distintos. Diferencia-se a noção de estrutu-ra utilizada no contexto das definições intencionais daquela utilizada no contexto das definições efetivas7.

O que diferencia esses dois contextos é, fundamentalmente, o fato de que, no primeiro (definições intencionais), a ideia de estrutura é utilizada meramente para realçar o caráter sistemático de um objeto, evidenciando as relações de interdependência entre os elementos que compõem esse objeto. No segundo contexto, a estrutura é utilizada para explicar o caráter sistemático de um objeto. Nesse segundo caso, portan-to, a sistematicidade é interpretada, e não atribuída.

Em outras palavras, quando utilizada para realçar, a ideia de estru-tura é empregada em sentido conotativo e, quando utilizada para expli-car, a ideia de estrutura é empregada em sentido denotativo.

Para o escopo do presente trabalho, importa a compreensão da ideia de estrutura no contexto das definições intencionais. Quando fala-mos em estrutura, portanto, queremos apenas evidenciar o caráter siste-mático de um objeto, identificando as relações entre os elementos que o compõem e que garantem a sua própria conservação. Nas palavras de Danilo Araújo, estrutura deve ser compreendida como “um plano hierarquicamente ordenado, dotado de uma ordem finalista intrínseca, destinado a conservar, o quanto possível, o próprio plano”8.

6 BOUDON, Raymond. Para que serve a noção de estrutura? Ensaio sobre a significação da noção de estrutura nas ciências humanas. Trad. Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Eldorado, 1974. p. 49.

7 Dicotomia proposta por Raymond Boudon, ob. cit.8 ARAÚJO, Danilo Borges dos Santos Gomes. Empresa e desenvolvimento: importam as estruturas jurídico-

-organizativas à disposição dos agentes para o exercício de atividades empresariais. In: RODRIGUEZ, José

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Transplantando essa noção de estrutura para o contexto do direi-to de empresa, identificamos as estruturas jurídico-organizativas para o exercício da empresa, nas quais se verifica um conjunto de elementos, reconhecidos pelo direito, que se relacionam entre si e são organiza-dos de acordo com uma finalidade específica: o exercício da empresa. A expressão “jurídico-organizativa”, portanto, apenas reitera a ideia de estrutura no sentido da uma definição intencional, com a finalidade de viabilizar o exercício da empresa.

Tanto o consórcio de empresas (após devidamente reconhecido e regulamentado pelo ordenamento) quanto a sociedade empresária são estruturas jurídico-organizativas colocadas à disposição do exercício de atividades empresariais no Brasil, cada qual com um conjunto próprio de elementos que se organizam de determinada forma para atender um objetivo específico.

Antes de analisarmos e confrontarmos as estruturas jurídico-orga-nizativas do consórcio de empresas e da sociedade empresária, apresen-taremos a perspectiva histórica do surgimento dos consórcios no Brasil, a qual correlaciona a sua criação ao atendimento de uma finalidade específica até então não abarcada pelas sociedades empresárias: a exe-cução de um “negócio determinado”, objetivo diverso do “exercício da atividade econômica”, mais amplo e, até então, próprio das sociedades empresárias9.

Com essa perspectiva histórica, pretendemos corroborar duas ideias que embasam o presente artigo: a primeira de que ora é a ordem econômica que influencia o direito, ora é o direito que influencia a or-dem econômica, e a segunda no sentido de que o simples surgimento dos consórcios de empresas como alternativa à sociedade empresária já é indicativo de desenvolvimento promovido pelo direito de empresa.

2 O SURGImeNTO DOS cONSóRcIOS De empReSA NO bRASIl

Com ampla e histórica utilização no mercado brasileiro de enge-nharia, o consórcio de empresas já existia mesmo antes de ganhar o re-

Rodrigo (Org.). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 62.

9 Apenas com o Novo Código Civil, conforme seu art. 981, parágrafo único, é que a empresa pode dedicar-se ao exercício de um negócio determinado. Até então, tal possibilidade não existia, sendo próprio da sociedade empresária o exercício da empresa. Essa questão será abordada mais adiante, no tópico 2.1.

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conhecimento jurídico e devida regulamentação pela Lei nº 6.404/1976, que até hoje permanece como a sede legal do instituto.

Sobre o tema dos consórcios e sua utilização pela classe empresá-ria, Rubens Requião oportunamente sustentou que: “O Direito brasileiro se apercebeu de sua existência após ter ele se disseminado nos usos empresariais, impondo-se, pouco a pouco, ao legislador”10.

Com efeito, a própria Exposição de Motivos da Lei nº 6.404/197611 enfrentou de forma natural e sem grandes surpresas a regulamentação do instituto, encarando-o como “velho conhecido” dos empresários bra-sileiros:

Completando o quadro das várias formas associativas de sociedades, o Projeto, nos arts. 279 e 280, regula o consórcio, como modalidade de sociedade não personificada que tem por objeto a execução de deter-minado empreendimento. Sem pretensão de inovar, apenas convalida, em termos nítidos, o que já vem ocorrendo na prática, principalmente na execução de obras públicas e de grandes projetos de investimento. (grifos nossos)

Essa naturalidade com que o instituto foi reconhecido e regula-mentado é indicativa de que se trata de estrutura criada pela ordem eco-nômica e pelas necessidades da classe empresária e que apenas ganhou o status de jurídico-organizativa tempos depois, com a devida regula-mentação pela Lei nº 6.404/1976.

Em linhas gerais, consórcio pode ser designado como uma asso-ciação temporária de empresas com o objetivo de executar certo empre-endimento, sem a necessidade de criação de um ente com personalida-de jurídica própria. Cada empresa consorciada preserva sua autonomia e apenas exerce um esforço de colaboração com a parceira naquele empreendimento específico que as une12.

10 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1998. p. 265.11 Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/anexos/leis/EM196-Lei6404.PDF>. Aces -

so em: 21 mar. 2015.12 Pontes de Miranda nos oferece a seguinte definição para o instituto dos consórcios: “O consórcio supõe a

com-sorte, o pôr-se em comum a sorte de duas ou mais empresas. O elemento consorcial resulta de ligação negocial no tocante a determinada atividade econômica, ou atividades econômicas conexas. Hão de existir disciplina e organização que permitam a comunidade no tratamento dos interesses e nos resultados. [...] O consórcio é, necessariamente, negócio jurídico causal. Tem de haver referência à mesma atividade econômica ou a atividade econômica conexa, para que resultem a função comum e o interesse comum. Quando há exigência de mesmidade ou de conexidade do que se há de prestar, a acusa aprece, para que a consortilidade possa existir. [...] A empresa consorciada pode ser pessoa jurídica ou pessoa física. O que é essencial é que

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Vale transcrever a definição apresentada por Luiz Gastão Paes Barros Leães13:

A “lei geral” dos consórcios, no Direito brasileiro, é, como se sabe, o capítulo XXII da Lei nº 6.404, de 15.12.1976, arts. 278 e 279. Em linhas breves, podemos dizer que, para o Direito brasileiro, o consórcio é uma “modalidade de sociedade não personificada”, como, aliás, o afirmam os projetistas da lei citada, em passagem da Exposição de Motivos respecti-va, cujas características básicas são (a) a de que “não tem personalidade jurídica” e (b) a de que “as consorciadas semente se obrigam nas con-dições previstas no respectivo contrato de consórcio, sem presunção de solidariedade”.

Essa sociedade não personificada, ou seja, o consórcio, é constituído mediante contrato, que deverá ser obrigatoriamente arquivado no Re-gistro de Comércio, para que obtenha os seus efeitos legais, mormen-te no que diz respeito ao regime de responsabilidade. Com efeito, os chamados consórcios “informais”, ou seja, nos contratos de colaboração empresarial, que não revistam a forma legal dos consórcios, há sempre a possibilidade de sua eventual configuração como sociedade de fato. (grifos nossos)

Revela-se dessa definição a utilidade específica conferida à essa estrutura jurídico-organizativa, a qual não se confunde com os objetivos de nenhum tipo de sociedade empresária até então existente14. Significa dizer que, previamente ao surgimento dos consórcios como estruturas juridicamente reconhecidas pelo ordenamento, a “união de esforços” entre empresários ou sociedades empresárias configuravam, juridica-mente, meras sociedades de fato.

São variados os motivos que levavam (e ainda levam) os empre-sários a organizarem-se na forma de um consórcio para a execução de um empreendimento ou negócio específico: conjugação de experiên-

haja mesmidade ou conexidade de atividade das empresas. Bem assim, que o laço consórtil não retire a independência das empresas que se consorciam [...] cumpre prestar atenção a que o consórcio não tem finalidade de lucro, mas sim de lucro dos consorciados” (Apud ROCHA, João Luiz Coelho da. Os consórcios de empresas e seus riscos jurídicos. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, n. 115, a. XXXVII, p. 85, 1999).

13 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres volume I. São Paulo: Singular, 2004. p. 521.14 Utilizamos a expressão “até então existente” porque os consórcios foram reconhecidos pelo ordenamento

brasileiro em 1976, previamente à disciplina do Novo Código Civil e do disposto no parágrafo único do art. 981 do referido Códex: “A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados”. Hoje em dia já contamos com a estrutura jurídico-organizativa da sociedade de propósito específico (SPE).

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cias, compartilhamento de riscos, compartilhamento de recursos (seja recursos financeiros ou até mesmo de mão de obra e estrutura física), entre outros15. Isto se deve ao fato de que determinados empreendimen-tos demandam essa “união de forças” para que sejam executados de forma eficiente.

A conjugação de esforços que os consórcios permitem também poderia ser alcançada pela criação de uma sociedade empresária. O problema é que, nesses empreendimentos específicos, geralmente a união é meramente conjuntural e atrelada a esse negócio. A união pro-movida pelos consórcios está, por assim dizer, fadada ao fim logo após o término do empreendimento que a motivou. A sociedade empresária, por outro lado, pressupõe a criação de uma nova personalidade jurídica para o exercício da empresa por tempo indeterminado. Seria, portanto, pouco razoável a criação de uma sociedade empresária para a mera execução de determinado negócio pontual.

Foi a partir dessa necessidade conjuntural e momentânea que os empresários brasileiros pouco a pouco criaram a figura do consórcio, de modo que sustentamos ter sido a ordem econômica, naquele momento, que promoveu o seu reconhecimento pelo Direito. Mas isso não signifi-ca que foi apenas a ordem econômica que promoveu o desenvolvimento do Direito. Conforme já mencionado, até os dias de hoje, a figura do consórcio é amplamente utilizada para grandes empreendimentos, de modo que o direito também exerce papel significativo na atividade eco-nômica.

Com essa conclusão, corroboramos a primeira ideia pretendida com este tópico, qual seja, a de que ora é a ordem econômica que in-fluencia o direito, ora é o direito que influencia a ordem econômica.

Ainda sobre o contexto histórico da criação dos consórcios, Mauro Rodrigues Penteado, em sua obra Consórcios de empresas, correlaciona a utilização dos consórcios no Brasil com o fenômeno da concentração empresarial, explicitando que o seu uso tinha a “conotação de pana-ceia para a solução dos males decorrentes da inadequada dimensão da empresa nacional perante as novas exigências do mercado”16. Ou seja,

15 Cf. ESTEVES, Daniel Santa Bárbara. Consórcio de empresas. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Contratos de organização da atividade econômica. Série GVLaw. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 376.

16 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas. São Paulo: Livraria Pioneira, p. 3.

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mesmo sem qualquer previsão legal específica, os empresários lança-vam mão de formas colaborativas entre empresas para conseguirem so-breviver na competitividade do mercado.

De fato, importa reconhecer que a empresa privada nacional en-frentou sérios desafios em termos de inserção e competitividade no mer-cado. Em breve digressão, colacionamos as lições de Mario Henrique Simonsen e Roberto de Oliveira Campos sobre o problema do equilíbrio entre as microunidades da produção no Brasil: a empresa privada na-cional, a empresa estatal e a companhia estrangeira. De acordo com os autores, o grande problema enfrentado pela empresa nacional brasileira era o seu “esmagamento” entre as duas outras gigantes: a empresa es-trangeira e a estatal17.

Adiciona-se a isso a conjuntura econômica do início da década de 70, quando se iniciaram os esforços de reforma da legislação das sociedades anônimas brasileiras, momento em que as novas dimensões da economia mundial impunham projetos de escala cada vez maior, incluindo muito capital de risco envolvido em obras de infraestrutura e indústria de base. Desse cenário estavam excluídas de qualquer pos-sibilidade de competitividade as empresas nacionais. Nas palavras de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira18:

Limitados ao reinvestimento de lucros das suas empresas em operação e sem mercado primário de ações no qual pudessem obter capital de risco adicional, [...] os empresários privados nacionais praticamente estavam sendo excluídos de todos os setores básicos da economia nacional: as al-ternativas para a execução dos grandes projetos de investimento estavam reduzidas ao Estado e às empresas estrangeiras ou multinacionais.

Foi nesse contexto em que a utilização dos consórcios entre em-presas foi se tornando cada vez mais disseminada. De acordo com Fabio Konder Comparato, entre as razões do surgimento dos consórcios, des-pontou a necessidade de os empresários de conjugarem esforços para lidar com essa competitividade, principalmente para consecução de grandes obras de infraestrutura, que demandavam vultosos aportes de

17 Cf. SIMONSEN, Mario Henrique; CAMPOS, Roberto de Oliveira. A nova economia brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1979. Capítulo VIII – Os desafios do desenvolvimento.

18 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1. v., 1997. p. 128-129.

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capital e a união de expertise. Vale transcrever a seguinte passagem de obra do autor:

[...] a realidade é que as verdadeiras soluções parecem advir das próprias empresas em si, por meio de técnicas adequadas de colaboração. Esta, na verdade, a palavra-mestra. Onde a concentração se revela impossível ou inadequada, a chave do êxito passa pela conjugação de esforços e re-cursos, sem a supressão da autonomia das diferentes unidades em causa. Cada empresa continua a perseguir o seu próprio objetivo, sob o controle independente de cada empresário, mas o método de trabalho não é mais individualista. Criam-se estruturas de cooperação institucional, onde ha-via um conjunto de operações isoladas. Aí está, em linhas gerais, a ideia justificadora dos consórcios empresariais.19

No que tange às estruturas próprias de cooperação mencionadas por Comparato, alguns autores sustentam que são justamente elas que conformam o elemento central dos consórcios. Para Daniel Esteves, é essa estrutura “[...] mais ou menos robusta e intensa conforme o caso, que lhe confere a possibilidade de se apresentar e se conduzir o negócio de forma unificada”20.

Diversas são as modalidades de concentração, entre as quais emerge o consórcio. Na classificação apontada por Mauro Rodrigues Penteado, é possível distinguir as formas de concentração da proprieda-de21 das formas de concentração da administração22. Ainda, uma subdi-visão diferencia as concentrações em relação de subordinação das con-centrações em relação de coordenação.

Os consórcios despontam, justamente, como forma de concentra-ção da administração em relação de coordenação, ou seja, o fenômeno da concentração ocorre de modo que duas ou mais empresas indepen-

19 COMPARATO, Fabio Konder. Consórcios de empresas. In: Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 223.

20 ESTEVES, Daniel Santa Bárbara. Consórcio de empresas. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Contratos de organização da atividade econômica. Série GVLaw. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 375.

21 Entre as formas de concentração da propriedade em relação de subordinação, destaca-se a aquisição de participações (sociedade filial, sociedade de controle) e, entre as formas de concentração da propriedade em relação de coordenação, menciona-se a aquisição de propriedade em regime de comunidade, a aquisição da condição de sócio e a assunção da condição de comunheiro (Cf. PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, p. 9).

22 No que tange à concentração da administração em relação de subordinação, é possível destacar o arrendamento e a cessão de sua exploração ou gestão. Concentração da administração em relação de coordenação abarca as comunhões de interesse, nas quais se inserem consórcios, pools e cartéis (Cf. PENTEADO, Mauro Rodrigues. Ob. cit., p. 9-10).

70 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ RDE Nº 45 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA

dentes continuam a perseguir seus objetivos próprios, mas criam-se es-truturas de cooperação institucional para a consecução de determinado empreendimento, que atende a um objetivo comum.

Feita essa perspectiva histórica, corroboramos a segunda ideia pre-tendida no presente tópico, qual seja, a de que o simples surgimento dos consórcios de empresas como alternativa à sociedade empresária já é indicativo de desenvolvimento promovido pelo direito de empre-sa, vez que solucionou em um primeiro momento o “esmagamento” da empresa nacional entre as duas gigantes: a empresa estatal e a empresa estrangeira. Em suma, o consórcio deu forças para que a classe empresá-ria brasileira começasse a competir.

2.1 de ConsórCios a soCiedades de propósito espeCíFiCo – spe

Há quem sustente que as sociedades de propósito específico (SPE), atualmente previstas e disciplinadas pelo parágrafo único do art. 981 Código Civil23, nada mais são que as sucessoras dos consórcios opera-cionais24, formados aos moldes da Lei nº 6.404/1976.

De acordo com Modesto Carvalhosa, até o final dos anos 90, foi significativo o aumento da participação de consórcios em licitações e adjudicações de obras públicas. A partir de então, em decorrência da nova Lei de Concessões (Lei nº 9.074/1995), o Poder Público passou a exigir a celebração de consórcios entre as licitantes, seguidos da consti-tuição de uma sociedade de modo que “pudesse nitidamente separar os capitais, os recursos e as aptidões, voltada unicamente para a execução do contrato público celebrado”25.

É nesse sentido que Modesto Carvalhosa fala da superação do re-gime de constituição do consórcio operacional com propósito específico – desprovido de personalidade jurídica – para adotar-se uma SPE, vez

23 “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.”

24 Sobre as modalidades de consórcio, cumpre esclarecer que o consórcio operacional é formado para a execução de um empreendimento empresarial comum, através do somatório de aptidões e de recursos das próprias consorciadas, mediante o desenvolvimento de um projeto próprio. Diferencia-se do consórcio instrumental, cujo objetivo é contratar com terceiros a execução de determinado serviço, concessão ou obra (pública ou privada).

25 Cf. CARVALHOSA, Modesto Comentários à lei de sociedades anônimas. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 475.

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que é mais interessante para o Poder Público que a exploração do objeto da licitação seja feita por uma nova sociedade, dotada de personalidade jurídica e que viabilize melhor possibilidade de fiscalização e garantia para os credores26.

Interessante notar que o surgimento dos consórcios na década de 70, seguido pelo surgimento das atuais SPEs, apontam para uma nítida linha evolutiva de estruturas jurídico-organizativas colocadas à disposi-ção dos agentes econômicos. Evidenciar essa evolução é justamente o escopo do presente artigo, vez que ela nos permite a percepção de que ordem econômica e direito influenciam-se mutuamente, criando novas estruturas jurídico-organizativas e promovendo o desenvolvimento por meio dessa interação virtuosa. Trata-se de nítida expressão do desenvol-vimento no campo do direito de empresa, senão vejamos.

Se até 1976 a execução de empreendimentos específicos sem a constituição de uma nova personalidade jurídica só poderia caracterizar meras sociedades de fato27, a partir da Lei nº 6.404/1976 foi facultada aos empresários a figura do consórcio, que viabilizou tal prática e aten-deu a demanda do próprio mercado.

Hoje em dia, além do consórcio, o empresariado conta ainda com a possibilidade de constituição de uma SPE para a execução de empre-endimentos específicos, dispondo de verdadeiro “cardápio” de estrutu-ras jurídico-organizativas para a organização de sua atividade voltada a consecução de um negócio específico: pode valer-se da (i) constituição de um consórcio, (ii) da constituição de uma sociedade empresaria, ou (iii) pode valer-se de uma sociedade de propósito específico (SPE).

É justamente essa disponibilidade de estruturas, criadas a partir dos inputs da ordem econômica e que, ao mesmo tempo, tornam-se op-ções à disposição do exercício da atividade econômica que considera-mos indicativas de desenvolvimento promovido pelo direito de empresa.

26 Idem, p. 475-476.27 Sobre o risco da constituição de consórcios caracterizarem meras sociedades de fato, previamente à

promulgação da Lei nº 6.404/1976, vale transcrever a seguinte passagem de Fabio Konder Comparato: “Na verdade, o problema jurídico fundamental, nessa matéria, até a promulgação da Lei nº 6.404, de 15.12.1976, era o de saber até que ponto um consórcio que tivesse por objeto uma atividade empresarial de distribuição de bens e serviços no mercado, com o intuito lucrativo, podia deixar de ser considerado uma sociedade comercial irregular ou de fato. Com efeito, o art. 305 do Código Comercial estabelece a presunção de ‘que existe ou existiu sociedade, sempre que alguém exercita atos próprios de sociedade, e que regularmente se não costumam praticar sem a qualidade social’” (COMPARATO, Fabio Konder. Consórcios de empresas. In: Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 231).

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Evidenciado o contexto histórico do surgimento dos consórcios no Brasil, estritamente relacionado a uma demanda própria da classe empresária, abordaremos, no próximo tópico, de forma mais detalhada, quais são os elementos da sua estrutura jurídico-organizativa que os di-ferenciam da estrutura jurídico-organizativa da sociedade empresária.

Essa distinção nos permitirá compreender, de forma mais especí-fica, duas questões que pretendemos ver esclarecidas: (i) a lacuna que os consórcios prestaram-se a suprir, configurando uma alternativa às so-ciedades empresárias, e (ii) as peculiaridades que a utilização dessa es-trutura jurídico-organizativa pode acarretar à luz do novo Código Civil.

Esclarecidas as distinções entre essas estruturas e os propósitos a que serviu o consórcio quando criado, poderemos sustentar a premissa que embasa o presente artigo: a de que o surgimento dos consórcios como estrutura alternativa à sociedade empresária é fator indicativo de desenvolvimento na seara do direito de empresa. A ordem econômica influenciou o direito que, em resposta, devolveu ao empresariado brasi-leiro uma estrutura jurídico-organizativa adequada ao atendimento das suas necessidades.

3 O ReGIme JURÍDIcO DOS cONSóRcIOS

Reiteramos: consórcio de empresas é a associação temporária de empresas com o fito de executar determinado empreendimento, sem a necessidade de se criar um novo ente com personalidade jurídica. Sua natureza é, portanto, a de um contrato associativo organizativo de ativi-dades e recursos. Apesar de não criar um novo ente com personalidade jurídica, o consórcio pressupõe a criação de uma estrutura de coopera-ção para a condução do negócio de forma unificada. Não se confunde, portanto, com a mera colaboração entre empresas isoladas.

O consórcio de empresas foi disciplinado pelos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404/1976, os quais passamos a analisar. Dessa análise busca-remos extrair as principais diferenças entres as estruturas jurídico-orga-nizativas que importam para o escopo do presente trabalho (consórcios vs. sociedades empresárias) (item 3.1.), bem como os principais conflitos que a utilização dos consórcios pode ensejar (item 3.2.)

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3.1 ConsórCio de empresas vs. soCiedade empresária

Embora o consórcio apresente alguma semelhança com as socie-dades empresárias, diversos são os pontos de distanciamento entre essas estruturas jurídico-organizativas.

A primeira diferença que importa salientar diz respeito à tipologia de estrutura que cada um forma: os consórcios são tipicamente contra-tuais, ao passo que as sociedades empresárias necessariamente apresen-tam um dos tipos previstos pelos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil28.

Além disso, a sede legal de cada um dos institutos é diversa, permanecendo os consórcios regidos pela Lei nº 6.404/1976 e as so-ciedades empresárias pelas disposições do Novo Código Civil – Lei nº 10.406/2002.

Também é possível a diferenciação quanto à tendência de estabi-lidade menor dos consórcios quando comparados à estabilidade própria das sociedades empresárias. Enquanto os primeiros formam-se para a consecução de um objetivo mais pontual e com tendência a apresentar um prazo de finalização, as segundas se constituem, em regra, por tem-po indeterminado.

Mas é no reconhecimento de personalidade jurídica e de patrimô-nio próprio e no regime de responsabilidade que residem as principais diferenças entre os institutos, às quais dedicamos as próximas linhas.

Enquanto nas sociedades empresárias a razão de sua constituição é o exercício de determinada atividade através da criação de uma nova personalidade, no consórcio a atividade é exercida conjuntamente pelas pessoas jurídicas consorciadas, que assumem direitos e obrigações em nome próprio (e não em nome do consórcio). Ou seja: consórcios não adquirem personalidade jurídica, conforme disposto no § 1º do art. 278 da Lei nº 6.404/1976, em destaque:

28 Ex vi art. 983 do Código Civil: “A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado tipo”.

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Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas so-mente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respon-dendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

[...]

O que parece ser mero detalhe acarreta efeitos fundamentalmente distintos no que tange ao regime patrimonial e de responsabilidade de cada um desses institutos.

Com efeito, se é justamente a personalização de uma socieda-de o elemento que traz a sua dissociação da pessoa dos sócios, duas conse quências decorrem dessa premissa: (i) é a formação de uma nova personalidade que concede a autonomia para se formar vínculos obri-gacionais com terceiros; e (ii) é também a nova personalidade que con-fere a formação de um patrimônio apartado e titularizado pela própria sociedade.

Ou seja, é por meio da personalidade jurídica que a sociedade adquire a condição de sujeito de direito e torna-se capaz de realizar ne-gócios de forma independente dos sócios. Também é em razão da perso-nalidade jurídica que a sociedade pode ter bens próprios e que passam a servir como garantia para os negócios celebrados, sendo justamente isso o que permite a desvinculação da figura dos sócios dos deveres e direitos assumidos pela sociedade junto a terceiros.

Portanto, se consórcios são desprovidos de personalidade jurídi-ca, não há como se reconhecer um patrimônio próprio e autônomo do consórcio e que possa automaticamente limitar a responsabilidade dos consorciados sobre as obrigações contraídas perante terceiros.

A ausência de patrimônio próprio, portanto, diferencia fundamen-talmente o consórcio das demais sociedades personificadas. Não há en-tre os requisitos para a formação do consórcio nenhum que diga respeito à formação de um capital social, tampouco a sua divisão em quotas ou ações. O que o art. 279, VIII, da Lei nº 6.404/197629 traz é a disposição

29 “Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: [...] VIII – contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.”

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de que no contrato de constituição do consórcio deverá constar a “con-tribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver”.

Podemos inferir, assim, que, ao contrário do que se observa nas demais sociedades empresárias tipificadas pelo Código Civil, no consór-cio as sociedades consorciadas sofrem diretamente os impactos patrimo-niais das atividades desempenhadas pelo consórcio.

Vale ressaltar que parte minoritária da doutrina brasileira advo-ga pela teoria unitária patrimonial, a qual tem como principal defensor Modesto Carvalhosa30, para quem:

Tem, outrossim, o consórcio autonomia patrimonial, visto que os recur-sos atribuídos pelas consorciadas à administração do consórcio consti-tuem patrimônio que, funcionalmente, destaca-se do das consorciadas durante todo o período de duração do consórcio (art. 279). Assim, as consorciadas não têm ingerência sobre esse patrimônio afetado pelo con-sórcio durante sua existência. Ademais, os credores de cada sociedade consorciada não têm direito sobre esse patrimônio afetado por outros negócios que tenham celebrado fora do âmbito do consórcio, ou seja, que não sejam com ele relacionado diretamente.

Em que pese o balizado posicionamento do autor, é imperioso reconhecer que não há no ordenamento qualquer disposição legal que atribua autonomia patrimonial aos consórcios, tratando-se, portanto, de uma visão apresentada apenas pela doutrina31.

Também como decorrência da inexistência de personalidade ju-rídica32, os consórcios não figuram como centro de imputação de di-reitos e deveres, de modo que exsurgem tantos direitos e obrigações quantos forem os consorciados. Fala-se assim na aplicação da regra da

30 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 459.

31 Sobre o regime patrimonial dos consórcios, situação diversa é apresentada pela disciplina do direito italiano, por exemplo. De acordo com o art. 2.614 do Codice Civile Italiano, é facultado aos consórcios externos a formação de um fondo consortile (fundo consórtil), o qual substitui a responsabilidade solidária e ilimitada do patrimônio pessoal do consorciado: “Art. 2.614. Fondo consortile. I contributi dei consorziati e i beni acquistati con questi contributi costituiscono il fondo consortile. Per ladurata del consorzio i consorziati non posso no chiedere la divisione del fondo, e i creditori particolari dei consorziati non possonofarvalere i loro diritti sul fondo medesimo”.

32 No que tange à aquisição de personalidade jurídica, o direito francês confere esse atributo aos Groupment d’intérêt économique, conforme art. 4 da Ordonnance nº 67-821 du 23 septembre 1967 (Modifié par Loi nº 89-377 du 13 juin 1989 – art. 20 JORF 15 juin 1989) (Abrogé par Ordonnance 2000-912 2000-09-18 art. 4 JORF 21 septembre 2000).

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pluralidade de credores ou de devedores, de acordo com a posição que o consórcio tenha se colocado perante terceiros, não havendo presun-ção de solidariedade. Como consequência, para as obrigações divisíveis aplica-se o disposto no art. 25733 do Código Civil e, para as obrigações indivisíveis, o disposto no art. 25934 do mencionado Códex.

Alberto Xavier35 assim sintetiza os efeitos da ausência de persona-lidade jurídica dos consórcios:

[...] a expressão “consórcio” não significa um ente distinto dos consor-ciados, titular de direitos e obrigações próprias, antes é mera expressão abreviada ou simplificada que designa o exercício coletivo de direitos individuais e o cumprimento coletivo das obrigações individuais pela totalidade dos consorciados.

Parte da doutrina aduz que a falta de personalidade jurídica do consórcio não tolhe a sua condição de sujeito de direito, sendo certo que o próprio ordenamento atribui a condição de sujeito de direito a diversos entes despersonalizados, como é o caso do espólio, da massa falida e do condomínio, por exemplo36.

De fato, o consórcio é reconhecido pelo ordenamento como sujei-to para a prática de atos próprios à sua finalidade. Mas o regime patrimo-nial e de responsabilidade será sempre próprio de cada uma das empre-sas consorciadas, ex vi do inciso VI do art. 279 da Lei nº 6.404/197637.

Verifica-se que o consórcio, apesar de ente despersonalizado, re-cebe do próprio ordenamento o reconhecimento de sua condição de

33 “Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores.”

34 “Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda. Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados.”

35 XAVIER, Alberto. Consórcio: natureza jurídica e regime tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 64, p. 19, jan. 2001.

36 De acordo com Fábio Ulhoa Coelho, “sujeito de direito é conceito mais amplo que pessoa: nem todos os sujeitos são personalizados. Em outros termos, os titulares de direitos e obrigações podem ou não ser dotados de personalidade jurídica. [...] São o espólio, a massa falida, o condomínio horizontal, o nascituro e outras, consideradas juridicamente aptas ao exercício de direitos e assunção de obrigações” (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2009 apud ESTEVES, Daniel Santa Bárbara. Consórcio de empresas. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Contratos de organização da atividade econômica. Série GVLaw. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 399).

37 “Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009). [...] VI – normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver; [...].”

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sujeito de direito, sem o que seria inviável a sua utilização na prática empresarial.

Superadas as diferenças acerca do reconhecimento de personali-dade jurídica e atribuição de patrimônio próprio aos consórcios, cumpre esclarecer as principais diferenças no que tange ao regime de responsa-bilidade de cada uma dessas estruturas jurídico-organizativas.

Conforme disposto no § 1º do art. 278 da Lei nº 6.404/1976, “[...] as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respecti-vo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade”. Cabe perquirir, portanto, a que tipo de responsabili-dade a lei se refere.

Em se tratando dos consórcios, a ausência de personalidade jurídi-ca e de patrimônio próprio implica responsabilidade direta das consor-ciadas pelas obrigações assumidas, nos limites das condições previstas no contrato de constituição de consórcio.

Esse regime de responsabilidade é diverso da responsabilidade subsidiária das sociedades empresárias, na qual o credor deve buscar a satisfação de seus créditos primeiro no patrimônio social e apenas se ele não for suficiente é que a lei possibilita o recurso ao patrimônio pessoal de cada um dos sócios.

Ou seja, os credores podem demandar diretamente cada uma das consorciadas mesmo sem antes ter buscado os bens em poder do próprio consórcio. Além disso, não há qualquer limitação da responsabilidade das consorciadas apenas ao valor “investido” no consórcio, diferente-mente da possibilidade de responsabilidade subsidiária limitada própria de algumas sociedades empresárias.

Finalmente, no que tange ao regime falimentar, o art. 279, § 2º, da Lei nº 6.404/1976 é expresso no sentido de que a falência de uma consorciada não se estende às demais. Essa é uma vantagem que o re-gime jurídico dos consórcios fornece aos empreendedores. Quanto ao regime falimentar da sociedade empresária, é necessário recorrer ao Có-digo Civil e as diversas particularidades, podendo ensejar, inclusive, a dissolução da sociedade.

Conclusivamente ao que foi exposto no presente tópico, oferece-mos o seguinte quadro-resumo:

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Consórcio Sociedade empresáriaSede legal Lei nº 6.404/1976. Arts 278

e 279 Código Civil

Tipo Contratual Art. 983 do Código Civil (so-ciedade empresária = um dos tipos do 1.039 a 1.092)

Responsabilidade Consorciadas respondem cada uma por suas obriga-ções, sem presunção de soli-dariedade. (Art. 278 da LSA)

Solidária e ilimitadaArt. 990 do Código Civil

Personalidade jurídica Não tem TemEstabilidade Menor Maior Regime falimentar A falência de uma

consorciada não se es-tende às demais

Pode acarretar a disso-lução da sociedade

Do exposto, o que se buscou evidenciar por meio da contraposi-ção entre as estruturas jurídico-organizativas do consórcio e da socieda-de empresaria foi:

1) Consórcios permitem a colaboração empresarial sem a ne-cessidade de se criar uma nova personalidade jurídica. Se por um lado isso acarreta a impossibilidade de o consórcio dispor de patrimônio próprio e inviabiliza um regime de responsa-bilidade subsidiária, por outro confere ao instituto maior fle-xibilidade. Sua formação não requer subscrição e integraliza-ção de capital. Podem ser constituídos ou desconstituídos de acordo com as necessidades conjunturais dos empresários e não implicam a solidariedade entre os envolvidos no empre-endimento compartilhado.

2) A lacuna que os consórcios vieram a suprir, portanto, foi jus-tamente a possibilidade de cooperação empresarial sem a ne-cessidade de criação de uma nova pessoa jurídica e ao mes-mo tempo sem caracterizar uma sociedade de fato (irregular).

3) Consórcios figuram como “mais uma possibilidade” de estru-turação da atividade colocadas à disposição do empresário, o que, a nosso ver, é indicativo de desenvolvimento.

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3.2 prinCipais ConFlitos Que podem emergir do uso dos ConsórCios à luz do novo Código Civil

Conforme já mencionado, mesmo com o advento do Novo Código Civil em 2002, a Lei n 6.404/1976 permaneceu como a sede legal dos consórcios.

No presente tópico, pretendemos chamar atenção para os cui-dados que devem ser tomados com a utilização da estrutura jurídico--organizativa dos consórcios à luz do Novo Código que, além de não ter incorporado a disciplina dos consórcios, também previu, no seu art. 981, parágrafo único, a possibilidade de a atividade da empresa li-mitar-se a um negócio específico.

Ou seja, aquilo que fundamentalmente diferenciava a sociedade empresária do consórcio deixou de existir com o advento da sociedade de propósito específico (SPE).

Se por um lado isso é positivo, ao indicar que o ordenamento cria novas estruturas jurídico-organizativas para o desenvolvimento de ativi-dade econômica, por outro gera a necessidade de cuidado especial, vez que os regimes patrimoniais e de responsabilidade dessas duas estruturas (consórcios e sociedades empresárias) são significativamente distintos, conforme salientado no tópico anterior.

São esclarecedoras as palavras de Alexandre Tavares Guerreiro38:

A infelicidade verbal do Código Civil [...] veio a permitir que a atividade econômica da sociedade possa restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados (art. 981, parágrafo único). É pelo menos estranha a redução da atividade a um só negócio determinado, como possibilita o novo texto codificado, o qual, de toda forma, só vem a obscurecer a diferença clara entre sociedade e consórcio que vinha da Lei de Socieda-des por Ações. Agora [...] caberá ao intérprete e aplicador da lei definir, a cada caso, se uma entidade uninegocial deve se caracterizar juridica-mente como consórcio [...] ou se, ao contrário, como sociedade.

38 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Regime jurídico do consórcio. O Código Civil e a lei de sociedades por ações. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, n. 138, p. 204.

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Nesse contexto de imprecisão terminológica, desponta a impor-tância do registro público dos consórcios como elemento genuinamen-te constitutivo, e não meramente declaratório dessa estrutura jurídico--organizativa. O registro público do consórcio não é, portanto, mera formalidade. Para Tavares Guerreiro39, o registro opera como o elemento que aperfeiçoa o contrato do consórcio e o faz produzir os efeitos que a lei lhe confere.

Na medida em que se considera o registro como condição que atri-bui eficácia ao contrato de consórcio, somente mediante o cumprimento dessa formalidade é que se admite a aplicação de regime patrimonial e de responsabilidade próprio dessa estrutura jurídico-organizativa. Nova-mente recorremos a Alexandre Tavares Guerreiro40:

O registro entende-se imprescindível [...] para fixar, nas relações externas do consórcio e na determinação das obrigações e responsabilidades das sociedades consorciadas, os respectivos limites, afastando, por exemplo, a eventual arguição de que as partes devam arcar com alcance das res-ponsabilidades derivadas de alegada configuração de sociedade irregular ou de fato.

Ante o exposto, nosso intuito aqui não foi propriamente de criticar a confusão terminológica do Código Civil. Formulamos apenas uma ad-vertência: a utilização dos consórcios e a possibilidade de se beneficiar de um regime próprio de responsabilidade requer o estrito cumprimento das formalidades legais de sua constituição, caso contrário os empre-sários terão de arcar com as regras de responsabilidade aplicáveis às sociedades de fato, muito mais gravosas que aquelas previstas para os consórcios41.

Finalmente, se por um lado as disposições do novo Código Civil geraram certa confusão, por outro é necessário o reconhecimento de que

39 Cf. idem, p. 204.40 Idem, p. 205. 41 Sobre os riscos relacionados à utilização descuidada dos consórcios, há autores que colocam a questão em

outros termos. Para João Luiz Coelho da Rocha, existem “perigos jurídicos” na utilização dos consórcios em razão do escasso arcabouço regulador do instituto no Direito brasileiro. De acordo com o autor, “por uma rarefação de balizamentos, muitos assumem que só são admissíveis consórcios de empresas se bem caracterizado e definido no seu contrato constitutivo o objeto próprio, que há de ser certo e caracterizado no tempo e no espaço. [...] A indeterminação relativa [...] de um objetivo geral para aquele consórcio retirar-lhe-ia a qualidade como tal” (ROCHA, João Luiz Coelho da. Os consórcios de empresas e seus riscos jurídicos. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, n. 115, a. XXXVII, p. 84, 1999).

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a disciplina do art. 981, parágrafo único, na realidade apenas fez crescer o “cardápio de estruturas jurídico-organizativas” colocadas à disposição dos empresários brasileiros para o exercício da atividade econômica, o que atribui ao direito de empresa genuíno papel desenvolvimentista para o cenário econômico e social do país.

Optamos por adotar essa ótica desenvolvimentista, sem deixar de lado, é claro, os cuidados necessários com os pontos de intersecção en-tre os diferentes regimes jurídicos de cada uma das estruturas.

cONclUSÕeS

O objetivo do presente artigo foi evidenciar a correlação entre o direito de empresa e o desenvolvimento econômico e social de um país. A premissa do trabalho foi de que as estruturas jurídico-organizativas fornecidas pelo Direito e colocadas à disposição dos agentes econômi-cos importam ao desenvolvimento, sendo certo que ora é o Direito, que cria novas estruturas que impulsionam a atividade econômica, ora é a ordem econômica, que compele o Direito a criar uma nova estrutura.

A noção de estrutura jurídico-organizativa foi aqui empregada em sentido próprio para designar o conjunto de elementos, reconhecidos pelo direito, que se relacionam entre si e são organizados de acordo com uma finalidade específica: o exercício da empresa. Nesse sentido, tanto os consórcios quanto as sociedades empresárias são identificados como tais.

Para sustentar a premissa do trabalho, identificamos o surgi-mento dos consórcios no Brasil no contexto da promulgação da Lei nº 6.404/1976. Conforme evidenciado, o surgimento dessa estrutura ju-rídico-organizativa veio para atender a uma necessidade específica dos empresários nacionais para lidar com a competitividade do mercado até então dominado pelas empresas estatais e estrangeiras. Os consór-cios vieram a suprir importante lacuna e viabilizar que empresários se engajassem em algum empreendimento comum sem a necessidade de criação de nova personalidade jurídica, bem como isentos do risco de caracterização de sociedades de fato.

Desde a criação dos consórcios, os empresários brasileiros pas-saram a dispor de opções para o exercício de suas atividades, podendo contar com a estrutura própria das sociedades empresárias, cujo regime

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patrimonial e de responsabilidade seguiu as disposições do Código Civil, ou com a estrutura própria dos consórcios, cuja sede legal permaneceu sendo a Lei nº 6.404/1976.

Com o advento do novo Código Civil e a disciplina do parágrafo único do art. 981, identificamos o surgimento da sociedade de propósi-to específico (SPE), a qual cumpre finalidade similar ao consórcio, mas cujo regime jurídico é próprio da sociedade empresária.

Se até os anos 70 os empresários brasileiros não contavam com nenhuma estrutura jurídico-organizativa que viabilizasse a cooperação entre empresas autônomas, com a criação dos consórcios essa lacuna foi suprida, afastando a caracterização de meras sociedades de fato. Hoje em dia, além da figura dos consórcios, os empresários ainda contam com a figura da SPE.

Se em um primeiro momento foi a ordem econômica que deter-minou a criação de uma estrutura específica (consórcio), posteriormente foi o próprio Direito que mais uma vez inovou (SPE), corroborando com o exercício da atividade empresária no País.

Identificamos, assim, o genuíno papel desempenhado pela pesqui-sa no campo do direito e desenvolvimento: refletir o direito para moder-nizar e reinventar as formas jurídicas que não mais satisfazem as deman-das sociais e econômicas do presente.

ReFeRêNcIAS

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Parte Geral – Doutrina

Nova Lex Mercatoria: Ordenamento Jurídico Supranacional (?)1

ROBERTO EPIFAnIO TOMAzDoutorando e Mestre pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor de Direito Empresarial dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação (Lato Sensu) em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, onde também coordena os cursos de Pós-Graduação em Direito Empresarial e dos Negócios e em Direito Previdenciário e do Trabalho, Advogado.

MARIO JOÃO FERREIRA MOnTEProfessor Doutor da Universidade do Minho (Braga/Portugal), onde também exerce o cargo de Diretor da Escola de Direito, Professor do Programa de Doutorado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí, Coorientador do Programa Institucional de Bolsas de Doutorado Sanduíche no Exterior – PSDE do bolsista da Capes (Processo nº 18033/12-1).

OSVALDO AGRIPInO DE CASTRO JÚnIORPós-Doutor pela KSG Harvard University, Professor Titular do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali, Advogado inscrito na OAB/SC e RJ (www.jha-roldoagripino.com.br), Consultor e Parecerista em Direito Marítimo, Portuário, Aduaneiro e Regulatório, Árbitro do CMAJ e Expert Witness em Arbitragens, Orientador do Programa Insti-tucional de Bolsas de Doutorado Sanduíche no Exterior – PSDE do bolsista da Capes (Processo nº 18033/12-1).

RESUMO: O presente artigo tem como objeto de análise a condição dada à lex mercatoria como pos-sível ordenamento jurídico supranacional. O seu objetivo é avaliar o conceito da lex mercatoria, origi-nada na Idade Média como regras eminentemente profissionais aplicadas à classe dos comerciantes, e revitalizado no século XX, principalmente após a década de 60, como uma possível resposta aos desafios atuais do comércio internacional na chamada era da globalização. A sua aplicação como or-dem jurídica supranacional é questionada, seja por não preencher pressupostos que poderiam confi-gurar um sistema jurídico, seja, ainda que se almeje um ordenamento jurídico supranacional, por não se admitir um ordenamento jurídico supranacional que não respeite o princípio democrático em sua formação. O método utilizado na fase de investigação foi o indutivo; no tratamento dos dados, foi o cartesiano; e, no relato dos resultados que se encontra no presente artigo, a base lógica é, também, indutiva e a abordagem é descritiva, com aportes analíticos e prescritivos. Como suporte à operação dos métodos, foram empregadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica e documental, esta última pela via eletrônica.

PALAVRAS/EXPRESSÕES-CHAVE: Lex mercatoria; ordem jurídica supranacional.

ABSTRACT: This article has as its object of analysis the condition given the lex mercatoria as possible supranational legal system. Your objective is to evaluate the concept of lex mercatoria, originated

1 Artigo produzido em estágio supervisionado por meio do Programa Institucional de Bolsas de Doutorado Sanduíche no Exterior – PSDE, bolsista da Capes (Processo nº 18033/12-1), desenvolvido junto a Universidade do Minho, em Braga/Portugal e na Università degli Studi di Perugia, em Perugia/Itália.

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in the Middle Ages as eminently professional rules apply to the merchant class, and revitalized in the twentieth century, especially after the 60’s, as a possible response to the current challenges of international trade in the call age of globalization. Its application as a supranational legal order is questioned either by filling assumptions that could not set a legal system, either because, even if we pursue a supranational legal system, by not admitting a supranational legal system that does not respect the democratic principle in its formation. The method used for the research was inductive; treatment data, was the cartesian, and the reporting of results found in this article, the logical base is also inductive, approach is descriptive, with analytical and prescriptive contributions. In order to offer support to the methods operation, the techniques employed were the referent, category, the operational concept and bibliographic and documentary research, the latter, by electronic means.

KEYWORDS: Lex mercatoria; supranational legal system.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Lex Mercatoria, antigo conceito revitalizado; 2 Lex Mercatoria, ordem jurídi-ca supranacional; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Ao conjunto de regras e práticas originadas e estabelecidas pela classe comerciante organizada nas chamadas corporações de ofício (ou corporações mercantis) a partir do século XII nominou-se lex mercatoria ou ius mercatorum.

Sob a égide do ius mercatorum, as práticas comerciais, indepen-dente de território, eram difundidas e aceitas, e a sua violação implicava na exclusão do comerciante infrator do respectivo mercado, e eram ple-namente hábeis para promover a sua regulação.

A lex mercatoria, por meio das corporações, permitiu a extrema difusão do comércio e ainda mais o fortalecimento da classe mercantil medieval, que acabou por apoiar a formação do Estado nacional frente ao poderio centralizador dos senhores feudais. Foi, entretanto, o fortale-cimento deste último que levou, por sua vez, à decadência da era cor-porativa, vez que após o século XIV o Estado passou a assumir o papel que até então era exercido pelo ius mercatorum.

O século XX, entretanto, por uma série de fatores ligados ao fenô-meno chamado globalização, faz ressurgir os desafios de um comércio internacional livre das barreiras criadas, principalmente pelos Estados--nações, por meio de seus ordenamentos, trazendo de volta a ideia de uma nova lex mercatoria que possa gerir as relações comerciais, confi-gurando uma autêntica ordem jurídica supranacional, que possa, inclu-

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sive, derrogar, eventualmente, normas jurídicas nacionais que lhe sejam desfavoráveis.

Uma nova lex mercatoria, capaz de tutelar sozinha de forma uni-forme e adequada os novos desafios do comércio internacional, leva, consequentemente, à indagação se um sistema de normas corporativo poderia ser considerado um sistema jurídico, e, com a eventual con-firmação, se este sistema normativo poderia, efetivamente, estar acima dos sistemas jurídicos nacionais, ou seja, poderia se configurar em um sistema jurídico supranacional.

Assim sendo, o presente artigo tem como objeto a compreensão da condição arbitrada à chamada nova lex mercatoria, como possível ordenamento jurídico supranacional.

O objetivo é avaliar o conceito da lex mercatoria, originada na Idade Média como regras eminentemente profissionais aplicadas à classe dos comerciantes e revitalizada no século XX e, por fim, esta-belecer critérios para uma análise sobre a possível configuração da lex mercatoria como um sistema jurídico supranacional.

O método utilizado na fase de investigação foi o indutivo2, no tra-tamento dos dados foi o cartesiano3, e, no relato dos resultados que se consiste neste ensaio, a base lógica é, também, indutiva.

As técnicas empregadas foram a do referente4, da categoria5, do conceito operacional6 e da pesquisa bibliográfica7 e documental, esta última pela via eletrônica.

2 O método indutivo consiste em “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 86).

3 O método cartesiano, segundo Cesar Luiz Pasold, pode ser sintetizado em quatro regras “[...] 1. duvidar; 2. decompor; 3. ordenar; 4. classificar e revisar. Em seguida, realizar o Juízo de Valor” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 204 – categorias grifadas em maiúscula no original).

4 Denomina-se referente “[...] a explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 54 – grifos no original).

5 Entende-se por categoria a “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 25 – grifos no original).

6 Por conceito operacional entende-se a “[...] definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 198).

7 Pesquisa bibliográfica é a “técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 207).

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1 leX meRcATORIA, ANTIGO cONceITO ReVITAlIZADO

Com o termo “lex mercatoria” ou outras expressões mais ou me-nos equivalentes, como “direito autônomo do comércio internacional”, “autonomous law of international trade”, “new law merchant”, “auto-nomes Recht des Welthandels”, etc., se costuma designar o conjunto de princípios e regras que se estabeleceram na prática do comércio interna-cional e que tem sido chamado para garantir a regulação das relações de negócios individuais e que, possivelmente, são mais funcionais do que os direitos nacionais tradicionais8.

No decorrer das épocas, inúmeros têm sido os esforços no sentido de padronizar as práticas comerciais mundiais. Uma sociedade autô-noma de vendedores e compradores do comércio internacional, pela reiterada prática de atos contratuais, aliada a uma vontade específica para a criação de regras próprias à sua atividade, por sua vez, acabaria por gerar um direito distinto dos direitos nacionais, a que se denominaria de lex mercatoria, com status de autêntico sistema jurídico distinto do tradicional costume comercial internacional.

Segundo Huck9, um direito dos mercadores é alvo tão antigo quan-to o próprio comércio. Traços de um sistema análogo podem ser en-contrados já no ano 300 a.C., com a Lei do Mar de Rodes, adotada por gregos e romanos e, posteriormente, introduzida no restante da Europa. No curso do tempo, várias manifestações jurídicas no mesmo sentido são detectadas, tais como as regras de direito marítimo desenvolvidas pelo Imperador Basílio I, no século IX; as tábuas de Amalfi, editadas no século XII na Corte de Oleron, uma ilha atlântica da costa francesa; as leis de Wisby, que desde 1350 regulavam o comércio no mar Báltico; o Consulado do Mar, ainda no século XIV, uma coletânea de costumes do comércio marítimo, reunida pela Corte Consular de Barcelona e aceita em praticamente todos os centros comerciais marítimos da Europa.

Entretanto, malgrado a importância daquilo que se poderia cha-mar de comércio internacional já no período da Alta Idade Antiga, das quais civilizações como a dos fenícios, dos gregos e da Roma Antiga

8 BONELL, Michael Joachim. Lex mercatoria. Digesto Discipline Privatistiche. Sezione Commerciale IX. Torino: UTET, 1993. p. 11.

9 HUCK, Hermes Marcelo. Sentença estrangeira e Lex Mercatoria: horizontes do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 104.

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se destacavam como fontes históricas no processo de desenvolvimento do comércio internacional, é apenas na Idade Média que se assinala o período de formação do que atualmente se conhece como Direito Co-mercial10.

É neste período que o comércio e a indústria, sob o influxo das ideias do Cristianismo, travaram, por bem de sua liberdade e seu de-senvolvimento, a renhida luta contra as velhas instituições políticas e contra a inflexibilidade, rigidez e dureza das regras do Direito romano. Assim, à medida que o comércio impulsionava as transações e desenvol-via o crédito, começaram a aparecer nas ditas Repúblicas da Itália, como Veneza, Gênova, Pisa, Florença, etc., usos e costumes seguidos do trato dos negócios, que veio a caracterizar a primeira manifestação jurídica do exercício do comércio11.

Stoecker12 lembra que,

parallel to this development, a large body of laws governing overland tra-de evolved in the Middle Ages. The merchants travelling to the different markets, fairs and sea-ports to trade their goods had their own laws, and legal systems which were distinct from the laws applicable in their res-pective States. The commercial customs that developed were confirmed and given legal definition by the mercantile courts which were made up generally of members of the merchant class, their election dependent upon their experience and knowledge.

Pode-se apontar a queda do Império Romano, parte ocidental, que cominou em uma Europa presa na anarquia, como a circunstância pro-pícia que levou, com o tempo, ao desenvolvimento da organização da classe dos comerciantes. A falta de um poder político em condições de manter a paz interna e a realização do direito fez com que, com o tempo, se constituíssem corporações de classe, entre elas as chamadas corporações de mercadores, que objetivavam a proteção e assistência dos comerciantes, tanto no interior como no exterior. Cada corporação, ensina Strenger13, formava como que um pequeno Estado, dotado de um Poder Legislativo e de um Poder Judiciário; tinha patrimônio próprio,

10 STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e Lex Mercatoria. São Paulo: LTr, 2009. p. 55/57.11 Idem, p. 57/58.12 STOECKER, C. W. The Lex Mercatoria: to what extent does it exist. Journal of International Arbitration, v. 7,

n. 1, p. 102, 1990.13 STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e Lex Mercatoria. São Paulo: LTr, 2009. p. 58.

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constituído pelas contribuições dos associados e por taxas extraordiná-rias e pedágios; participavam, mediante os seus representantes e oficiais, nos Conselhos da Comuna; vigiavam sobre a guerra e a paz, sobre as represálias; formavam as próprias leis e estatutos e, mediante jurisdição própria, cuidavam da sua observância.

Este é o cenário da gênese da chamada lex mercatoria, que, em resposta aos direitos feudais e em contraposição ao Direito romano, plenos de privilégios, entravavam as relações de comércio, surge como ordenamento a reger as relações entre os comerciantes, de modo unifor-me, por meio da aplicação obrigatória dos usos e costumes comerciais.

Destarte, sob a égide das ius mercatorum, as práticas comerciais eram difundidas e aceitas, a sua violação implicava a exclusão do co-merciante infrator do respectivo mercado que eram plenamente hábeis para promover a regulação e a evolução deste seguimento.

A época áurea da lex mercatoria, regras corporativas mais ou me-nos uniformes e aceitas e aplicadas independentemente dos territórios, faz fortalecer ainda mais o comércio que se expande por todo o mundo conhecido da época, auxiliado pela promoção de grandes e audazes expedições marítimas.

As sociedades corporativas apenas começam a entrar em deca-dência após o século XIV, quando o Estado nacional começa a ganhar força, assumindo o papel até então exercido pelo ius mercatorum dos comerciantes medievais, fenômeno que leva à consolidação do Estado nacional moderno14.

Segundo Strenger15, muito embora a lex mercatoria tenha possuído grande importância na Idade Média, caiu em desuso com a fase das co-dificações iniciada com o Código de Napoleão:

Essa manifestação codificadora, naturalmente, contribuía para o nasci-mento de códigos territoriais que se seguiram e enfraqueceram a ativida-de livre dos comerciantes, contrariando seus interesses na parte relativa às operações internacionais; os séculos XVIII e XIX caracterizam-se pela incorporação das práticas e usos comerciais em ordenamentos internos,

14 CATALAN, Marcos Jorge; BUSSATTA, Eduardo Luiz. A Lex Mercatoria. Revista Jurídica Consulex, a. VII, n. 166, p. 56, 2003.

15 STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e Lex Mercatoria. São Paulo: LTr, 2009. p. 61.

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de onde se deduz o entendimento de que as leis nacionais seriam as úni-cas a governar as relações internacionais, com motivações que variavam de Estado para Estado.

É, portanto, de forma irônica que a estrutura proporcionada pela lex mercatoria, que de início contribui para formação dos Estados na-cionais, com a estruturação destes a partir das codificações, deixou de ser apenas o “problema do comércio” para passar a ser submetida às jurisdições domésticas, e não mais uma ordem jurídica independente, o que tornou bastante limitada a extensão e o caráter do comércio inter-nacional.

O comércio passa a ser questão de interesse do Estado, que en-contra nele não só fonte de manutenção e tributação, mas fator pre-ponderante para difundir a propagação e “distribuição” de riquezas por meio da produção industrial, a contratação de mão de obra e as diversas outras atividades que as derivam.

O século XX e o processo de globalização16, acirrados, principal-mente, segundo Cruz17, após o fim da disputa ideológica entre capitalis-mo e socialismo, caracterizados pela forte e crescente internacionaliza-ção do comércio, trazem de volta os desafios e as tentativas de manter correlação com as necessidades circunscritas à comunidade mercantil18.

Conforme Lando19, o vazio legislativo e o caráter esparso da juris-prudência não puderam fornecer o quadro necessário para acompanhar o desenvolvimento das relações comerciais internacionais depois da Pri-meira Guerra Mundial. Estas circunstâncias, somadas à diversidade dos sistemas legais e à participação dos Estados nos atos de comércio, têm convencido juristas e comerciantes de que as leis nacionais interferem negativamente no crescimento global do comércio e de que há neces-sidade de desenvolver regras que possam ser aplicadas indistintamente,

16 Para Boaventura de Souza Santos, a globalização é um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo (SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Globalização: fatalidade ou utopia? 3. ed. Porto: Afrontamento, 2005. p. 32).

17 CRUZ, Paulo Marcio. Da soberania a transnacionalidade: democracia, direito e estado no século XXI. Itajaí: Univali Editora, 2011. p. 15, 105.

18 TOMAZ, Roberto Epifanio. Governança Transnacional. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul/RG: Unisc, n. 40, p. 142-163, ago./out. 2013. Disponível em: <http://www.http://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/3710/2887>. Acesso em: 22 mar. 2014, p 145.

19 LANDO, Ole. The Law Applicable to the Merits of the Dispute. Essays on International Commercial Arbitration. London: Petar Sarcevic, Graham & Trotman/Martins Mijhoff, 1989. p. 143.

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seja onde for que ocorra uma transação de comércio, e forçam a reco-nhecer que uma autonomia comercial que supostamente possa crescer independentemente dos sistemas nacionais desse direito seja a melhor solução para regular o comércio internacional, ou seja, um ressurgimen-to do que outrora era conhecido como lex mercatoria.

Destarte, a exemplo do ius mercatorum, nascido nos séculos XI e XII na esteira dos costumes comerciais, com jurisdição especial, baseado na autonomia corporativa e sem intervenção do Estado, pretende-se a concepção e vigência de uma nova lex mercatoria concebida no final do século XX.

Goldman20 é quem lança o que se pode chamar do fundamento doutrinário para uma nova lex mercatoria em artigo publicado em 1964, defendendo-a como um direito positivo distinto e autônomo, com o fim de regular o comércio internacional, livre das barreiras e limitações im-postas pelos direitos nacionais.

Na opinião de Guerreiro21, ou se adota essa normatividade supra-nacional que ganha corpo com o título de lex mercatoria, pela razão que ela permite soluções que atendem à necessidade e conveniência das partes, com eficiência e neutralidade, mas com o risco, sempre presente, da incerteza ou da incalculabilidade quanto ao resultado final da deci-são arbitral, ou se permanece sob a égide dos mecanismos tradicionais das regras de conflito, com apelo necessário às legislações nacionais, o que aparentemente tem a seu favor maior certeza do direito aplicável, mas que, em muitas oportunidades, não tem conduzido as partes a solu-ções razoáveis e equitativas, como seria evidentemente de desejar.

Para Lando22,

the parties to an international contract sometimes agree not to have their dispute governed by national law. Instead they submit it to the customs and usages of international trade, to the rules of law which are common to all or most of the States engaged in international trade or to those States which are connected with the dispute. Where such common rules are

20 GOLDMAN, Berthold. Les frontières du droit et lex mercatoria. Archives de Philosophie du Droit, n. 9, p. 177, 1964.

21 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Fundamentos da arbitragem do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 96.

22 LANDO, O. The lex mercatoria in international commercial arbitration. The International and Corporative Law Quarterly, n. 34, p. 747, 1985.

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not ascertainable, the arbitrator applies the rules or chooses the solution which appears to him to be the most appropriate and equitable. In doing so be considers the laws of several legal systems. This judicial process, which is partly an application of legal rules and partly a selective and creative process, is here called application of the lex mercatoria.

Sob estas perspectivas, a ideia de uma nova lex mercatoria se pro-paga como um sistema de normas nascido da coesão de regras de cará-ter profissional ou associativo adotadas pelos comerciantes na ordem in-ternacional (ao lado das convenções internacionais que buscam unificar as regras a prática do comércio internacional23 e de diversas entidades privadas dedicam-se à uniformização dessas regras, tais como a Uni-droit ou a Câmara de Comércio Internacional de Paris – CCI), formando uma ordem jurídica supranacional que nega as relações internacionais tradicionais do comércio derivada dos ordenamentos jurídicos internos e atua como um poder normativo independente do direito positivo dos Estados.

Ainda que desejável, a ideia que propagada da nova lex mercatoria leva, por conseguinte, a indagação de que se um sistema de regras cor-porativo poderia configurar um sistema jurídico e, por conseguinte, com a eventual confirmação, se este sistema normativo poderia efetivamente estar acima dos sistemas jurídicos nacionais estabelecidos pelos Estados--nações, capaz de sozinho tutelar de forma adequada os atuais desafios do comércio internacional.

Malgrado as discussões já defendidas por autores, que poderiam gerar diversas formas de abordagem e perspectivas para esta análise, a presente pesquisa toma por base a avaliação e o preenchimento de requisitos pela nova lex mercatoria, que a possam configurar como um sistema jurídico supranacional, reflexões tecidas no próximo item.

2 leX meRcATORIA e ORDem JURÍDIcA SUpRANAcIONAl

O conceito de uma lex mercatoria, um comércio internacional desvinculado das limitações impostas pelos direitos nacionais, exerce intenso fascínio seja sobre o jurista ou sobre a classe dos comerciantes

23 As Convenções de Haia (1954) e de Viena (1980), definindo normas uniformes para a compra e venda internacional de mercadorias, representam claros exemplos.

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internacionais. A privatização das regras desse comércio, possivelmente, traria inegáveis vantagens de ordem prática e, a partir dessa perspecti-va, não há que se descuidar ou abandonar as hipóteses que orientam para a uniformização do direito do comércio internacional. Mas este trabalho, nas palavras de Huck24, “deve ser desenvolvido sem delírios ou fan tasias”.

Malgrado desde os fins dos anos 60, falar-se acerca de uma nova lex mercatoria que teria o condão de flexibilizar as rígidas regras do direito legislado e de construir “um conjunto de regras e de princípios consagrados como normas jurídicas no comércio internacional”, con-tudo, ainda que um sistema unificado de normas possa ser almejado, a lex mercatoria como um ordenamento profissional, acima dos direitos nacionais, aplicável exclusivamente ao comércio internacional, tem, por sua vez, provocado divergências relativas à sua abrangência, efetividade e aplicação, bem como se esta poderia configurar um sistema jurídico supranacional capaz de sozinho tutelar os atuais desafios do comércio internacional.

Para Costa25, o renascimento do ius mercatorum não tem o efeito de eclipsar a questão das fontes normativas como nos contratos interna-cionais de compra e venda, sabendo-se que ainda hoje inúmeros siste-mas admitem os costumes como fonte legítima de produção normativa; assim, o que se tem, na verdade, é uma mescla de modelos de fontes: de um lado, o modelo da prática, traduzida na expressão “usos do comér-cio internacional”, origem da lex mercatoria; de outro, o modelo da re-gulamentação de ordem convencional. Em ambos, entretanto, convivem os princípios que, em geral, passam do plano da prática para o plano da regulamentação jurídica convencional, sendo, desta forma, recolhidos ou recebidos pelo direito escrito.

Segundo Lagarde26, a originalidade da lex mercatoria é a de ser um direito espontâneo, criado por meio das societas mercatorum e é,

24 HUCK, Hermes Marcelo. Sentença estrangeira e Lex Mercatoria: horizontes do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 119.

25 COSTA, Judith Martins. Os princípios informadores do contrato de compra e venda internacional na Convenção de Viena de 1980. Universidade Federal Fluminense. Disponível em: <http://www.uff.br/cisgbrasil/costa.html#top>. Acesso em: 22 mar. 2014.

26 LAGARDE, Paul. Approche Critique de la Lex Mercatoria. In: Le droits dês relations économiques internationais. Études offertes à Berthold Goldman. Paris: Librairies Techniques, 1987. p. 135.

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portanto, fora das origens estatais que é preciso procurar as suas inter-pretações.

Já, para Lafer27, essa nova lex mercatoria acaba por esbarrar no intervencionismo econômico dos Direitos Públicos internos dos Estados, que, em última análise, controlam o acesso de empresas multinacionais aos seus territórios, configurando-se, nesse processo, uma situação tensa entre a ambição de objetivo universal das experiências econômicas e a territorialidade do Estado-nação.

Nas palavras de Huck28, “Estado e lex mercatoria são conceitos (e realidades político-jurídicas) quase excludentes, e certamente conflitan-tes”. O que remete novamente à reflexão da ironia que levou as socie-dades corporativas de comerciantes à consolidação do Estado moderno e a atual dificuldade do atual Estado nacional em aceitar uma atual lex mercatoria que o ignore.

Para Guerreiro29,

o Estado, enquanto titular do poder normativo e fonte de regras jurisdi-cionais, configura uma realidade, mas essa comunidade de comerciantes o agentes do comércio internacional configura outra realidade, não con-flitante com a primeira, por se referir a interesses diferentes, mas igual-mente podendo ser capaz de ser dotada de poder normativo distinto, e podendo se converter, por igual forma, em fonte de regras jurídicas.

Percebe-se, portanto, que as divergências de opiniões exige o tra-tamento da questão com o cuidado metodológico técnico-jurídico que se disponha a dar uma resposta aos desafios da atual lex mercatoria em servir como um direito supranacional, aplicado às relações comerciais.

Desta forma, observados os limites operacionais da atual pesquisa, destaca-se, para fins de análise da questão problema aqui abordada, o preenchimento de requisitos que possam configurar um sistema jurídico supranacional, adotando-se, para tanto, a lição de Huck30, que pondera

27 Celso Lafer apud CATALAN, Marcos Jorge; BUSSATTA, Eduardo Luiz. A Lex Mercatoria. Revista Jurídica Consulex, ano VII, n. 166, p. 56, 2003.

28 HUCK, Hermes Marcelo. Sentença estrangeira e Lex Mercatoria: horizontes do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 104.

29 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Fundamentos da arbitragem do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 71.

30 HUCK, Hermes Marcelo. Sentença estrangeira e Lex Mercatoria: horizontes do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 115.

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ser necessário para a existência de um direito supranacional, inicialmen-te, a presença de um corpo social capaz de construir um sistema jurídico (no caso, para a lex mercatoria, tal corpo seria a sociedade de comer-ciantes). Referido sistema, por sua vez, há de ter autonomia e ostentar uma incontestável independência das normas dos direitos positivos es-tatais; e, por fim, ser autocontido, inclusive no tocante às sanções que vier a aplicar (e principalmente nelas), dispondo coercitivamente para as suas decisões.

Para Goldman31, a lex mercatoria respondia quase integralmente aos requisitos, defendendo que, inicialmente, as normas prescritas pela lex mercatoria originam-se em uma autoridade profissional e não estatal, como aquelas que ditam os contratos-tipo e patrocinam a arbitragem (foro ideal para a implementação desse sistema jurídico). Outrossim, prescreve que este sistema jurídico do comércio internacional conta com uma coação que seria exercida, em um primeiro momento, por meio da pressão moral da classe dos comerciantes, seguida por penali-dades comerciais, pela publicidade ou, finalmente, pelo próprio Estado.

Entretanto, na lição de Lagarde32 observa-se que a lex mercatoria não admite a condição de ordem jurídica ou sistema jurídico por lhe faltar organização suficiente e coesão social à sociedade dos comercian-tes de onde se origina; para o jurista francês, não há apenas uma única sociedade organizada de mercadores, mas várias delas.

Kahn33, não obstante ser defensor da lex mercatoria, reconhece que é necessário que os operadores do mercado internacional consti-

tuam um meio suficientemente homogêneo para que a solidariedade profissional se faca sentir para que fiquem claras as necessidades jurídi-cas coerentes e adequadas.

Somam-se a este desafio a extensão e a diversificação atual do mercado mundial, onde a multiplicidade de costumes e culturas atingem diretamente as formas de fazer comércio, tornando-se uma barreira à uniformização e aceitação da atual lex mercatoria, tarefa esta inquestio-

31 GOLDMAN, Berthold. Les frontières du droit et lex mercatoria. Archives de Philosophie du Droit, n. 9, p. 192, 1964.

32 LAGARDE, Paul. Approche Critique de la Lex Mercatoria. In: Le droits dês relations économiques internationais. Études offertes à Berthold Goldman. Paris: Librairies Techniques, 1987. p. 125.

33 KAHN, Philipe. Lex mercatoria et pratique des contrats internationaux: l’expérience français. In: Le Contrat Économique International. Bruxelles/Paris, 1975. p. 173.

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navelmente mais simples na Idade Média, onde distâncias geográficas, culturais e costumeiras eram bastante menores.

Parece, portanto, faltar o primeiro dos requisitos à lex mercatoria para que venha a ser aceita como um sistema ordenado a ser reconhe-cido como direito supranacional, malgrado haverem esforços tanto pro-fissionais quanto institucionais nesta área como mencionados anterior-mente. A esta ausência de um corpo de normas uniforme aceito em todas as áreas do comércio internacional, não obstante haverem exem-plos pontuais de regras internacionalmente aceitas34, soma-se a ausên-cia, de uma forma geral, às regras advindas da lex mercatoria, de sua completa autonomia dos Estados nacionais, bem como da possibilidade de impor sansão.

Segundo Kassis35, as regras do comércio internacional encontram--se sempre vinculadas a um direito nacional, e paralelamente a esta vinculação deve haver uma aceitação dos princípios desse conjunto de regras pelos próprios direitos nacionais, pois, caso contrário, a ordem pública soberana de cada Estado há de barrar a aplicação direta ou in-direta desse mesmo conjunto de princípios perante o referido direito nacional.

Neste sentido, Huck36 leciona que a atual lex mercatoria difere em muito da aplicada na Idade Média, vez que esta não esbarrava nas barreiras de Judiciários estatais, pois a sua aplicação ocorria em tribu-nais próprios dos comerciantes, e destes tribunais jamais extravasava. Os direitos nacionais, frutos das políticas econômicas e sociais (e, por con-sequência, jurídicas) de cada grupo nacional, representam, atualmente, uma barreira ao sofisticado conceito de eficiência pragmática, tão alme-jado entre os responsáveis pelo comércio internacional, quando importa apenas o resultado final obtido e insofismavelmente dimensionado pela regra do lucro.

34 Os Incoterms, criados em 1936 pela Câmara de Comércio Internacional, são exemplos de referências comerciais padronizadas, definindo direitos e deveres assumidos pelo importador e pelo exportador nas operações do comércio internacional.

35 KASSIS, Antoine. Problèmes de Base de l’Arbitrage en Droit Comparé et en Droit International. Paris: LGDI, 1987. p. 578.

36 HUCK, Hermes Marcelo. Sentença estrangeira e Lex Mercatoria: horizontes do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 121.

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A supressão total dos direitos nacionais, ou mesmo a sua submis-são a uma internacionalizada lex mercatoria, com a consequente elimi-nação das razões de ordem política e social, implicaria fatalmente o pre-domínio exclusivo das leis do mercado. A especulação, nessa hipótese, seria inevitável37.

Para Lagarde38, ainda que no campo da arbitragem internacional, onde se tem permitido amplas concessões à aplicação de direito transna-cional, não se admite a aplicação pelos árbitros da lex mercatoria, salvo expressa autorização das partes. À falta desta indicação, deverão os árbi-tros recorrer a um direito nacional para solução da pendência arbitrada.

Destarte, sejam os costumes comerciais internacionais ou os usos do comércio internacional para ser efetivamente aplicadas, devem ser acolhidas perante o ordenamento jurídico interno sempre que não con-trários à lei39.

A análise dos requisitos para que a lex mercatoria se constitua em um sistema jurídico supranacional autônomo ainda se agrava quando, para além da autonomia, se questiona o grau de sansão de que são do-tadas as regras que a compõem.

Segundo Stoecker40, a ampla e irrestrita aceitação de uma lex mercatoria por parte de tribunais estatais caracterizaria um forte impacto nos conceitos vigentes, na medida em que implicaria a concessão de parte da soberania do Estado em favor das mãos invisíveis de uma in-constante comunidade de comerciantes, que faz a lei de acordo com as suas conveniências e necessidades.

Para Huck41, quando a coação do sistema mercatório falta, falha ou é insuficiente, não resta alternativa que não o vincular ao direito es-tatal, de onde sempre quis fugir, opinião que, mesmo minimizada, tam-

37 Idem, p. 121.38 LAGARDE, Paul. Approche Critique de la Lex Mercatoria. In: Le droits dês relations économiques

internationais. Études offertes à Berthold Goldman. Paris: Librairies Techniques, 1987. p. 125.39 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito comercial internacional – O direito privado da globalização econômica.

Lisboa: Colibri, 2005. p. 166.40 STOECKER, Christoph W. O. The lex mercatoria: to what extent does it exist? Journal of International

Arbitration, v. 7, n. 1, p. 108, 1990.41 HUCK, Hermes Marcelo. Sentença estrangeira e Lex Mercatoria: horizontes do comércio internacional. São

Paulo: Saraiva, 1994. p. 104.

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bém é emitida por Goldman42, para quem, em alguns casos, a sentença arbitral fundamentada por normas próprias do direito do comércio inter-nacional (ou seja, lex mercatoria) não possa ser executada senão com a intervenção da forca do Estado que não deve lhe negar exequibilidade senão por motivo de força maior.

Sendo assim, Huck43 entende ser fundamental que os Estados, por meio de seu poder jurisdicional ou legislativo, reconheçam a lex mercatoria, pois, caso contrário, não haverá forma de impor a efetivida-de da mesma dentro dos limites territoriais do Estado, e tal construção de normas tornar-se-á absolutamente ineficaz, “simples jogo ou brinquedo nas mãos de uma poderosa classe internacional”. De muito pouco vale-rá um contrato regido por um direito supranacional se não for aceito e reconhecido pelo tribunal estatal onde busca a sua execução ou mesmo uma interpretação. Se a execução for negada no exterior, onde a sua eficácia seria necessária, se neste Estado estrangeiro o Tribunal entender que lhe falta algum fundamento em direito nacional.

Desta forma, apesar da tendência crescente dentro do direito co-mercial internacional e certamente na própria sociedade de comercian-tes no sentido da admissão de um conjunto de normas ou mesmo de um sistema jurídico supranacional, não se pode confundir esta tendência com a efetiva existência desse sistema sob pena de se tornar o estudo do direito do comércio internacional um mero exercício de vontades e desejos, afastado da realidade comercial, a sua base fundamental44.

Segundo Huck45,

[...] a concepção de direito da lex mercatoria é inoportuna, enquanto nela se pretenda ver um sistema jurídico supranacional, pois vem mar-cada por uma ideologia que almeja ver afastada qualquer intervenção dos direitos nacionais sobre as relações do comércio internacional. Pretender ignorar o papel fundamental desempenhado pelo Estado nas relações econômicas, financeiras e comerciais internacionais é, no mí-nimo, esconder a verdade. Sem qualquer defesa do intervencionismo,

42 GOLDMAN, Berthold. Les frontières du droit et lex mercatoria. Archives de Philosophie du Droit, n. 9, p. 192, 1964.

43 HUCK, Hermes Marcelo. Sentença estrangeira e Lex Mercatoria: horizontes do comércio internacional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 108.

44 Idem, p. 118.45 Idem, p. 119.

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não se pode negar que o Estado deva exercer função essencial nas rela-ções do comércio internacional, buscando minimizar as distorções que o flagrante desequilíbrio econômico entre as nações injeta nas relações co merciais.

O ideal de um sistema jurídico supranacional que consiga gover-nar sozinho às relações do comércio internacional deve, por sua vez, ser alimentado em um quadro de realismo, pois seria inaceitável um acolhimento de uma ordem jurídica supranacional que não levasse em consideração elementos democráticos.

Nas palavras de Cruz46, “o mundo no século XXI já não crê mais numa legitimidade que não seja democrática”, portanto, uma possível e nova construção jurídica transnacional que pretenda ser aceita como ordem supranacional deve incluir não apenas a classe dos comerciantes internacionais, mas a sociedade mundial cada vez mais globalizada e organizada, representada seja por organizações transnacionais seja pelo Estado nacional47.

cONSIDeRAÇÕeS FINAIS

A lex mercatoria surgida na alta Idade Média como um direito corporativo resultado da desorganização social e política provocada na Europa a partir da queda do Império Romano e da organização, a partir dos anos, dos comerciantes que se levantaram em defesa e fortaleci-mento de seus negócios, representou fundamental avanço em face de quebra da dominação feudal e do apoio ao surgimento do Estado como organização social.

Ironicamente, o fortalecimento do Estado fez com que, aos pou-cos, a corporação de mercadores e, por conseguinte, o ius mercatorum perdessem a sua influência, o que limitou em muito as transações co-merciais.

46 CRUZ, Paulo Marcio. Da soberania a transnacionalidade: democracia, direito e estado no século XXI. Itajaí: Univali Editora, 2011. p. 16/21.

47 Segue-se aqui o pressuposto defendido por Cesar Luiz Pasold, de que “o Estado Contemporâneo – qualquer que seja o suporte ideológico que o sustente – deve possuir uma característica peculiar que é a sua Função Social, expressa no compromisso (dever de agir) e na atuação (agir) em favor de toda a sociedade” (criadora e mantenedora do Estado) (PASOLD, Cesar Luiz. Função social do Estado Contemporâneo. 3. ed. rev., atual. e amp. Florianópolis: OAB/SC Editora coedição Editora Diploma Legal, 2003. p. 21).

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Uma série de fatores, econômicos, sociais e religiosos, somados aos avanços da ciência, levaram, entretanto, ao transbordamento co-mercial no século XX, resultado daquilo que se tem denominado como globalização. Os desafios da globalização trouxeram consigo a ideia de uma nova lex mercatoria, que configuraria um ordenamento jurídico supranacional destinado a regular as relações comerciais internacionais independentemente de fronteiras acima das regras limitadoras estabele-cidas pelos Estados-nações.

Não obstante a idealização de um sistema de normas transnacio-nal que possa reger adequadamente e de forma uniforme o comércio internacional, o comércio transfronteiriço não pode se tornar um reino exclusivo dos mercados internacionais, cenário inaceitável para a for-mulação de um direito científico e democrático, apto para reger uma sociedade cada vez mais globalizada e em acelerada transformação.

Antes de representar uma supressão de fronteiras, um comércio totalmente desvinculado das leis nacionais significa um comércio sem barreiras políticas e um direito de mercado emanado apenas por regras autogeradas, certamente há de ignorar qualquer razão que não seja de mercado, despido de preocupação ou restrição de caráter jurídico ou político.

Neste quadro se desconsideram as peculiaridades políticas e eco-nômicas de cada grupo nacional, o seu estágio de desenvolvimento, as suas possibilidades e deficiências, e ficam em evidência apenas os obje-tivos econômicos e financeiros, sem considerar os interesses nacionais, macroeconômicos, que devem ser protegidos, se tornando campo aber-to para a especulação financeira internacional.

Malgrado as acaloradas discussões acerca da aceitação de uma nova lex mercatoria existente em diversas áreas do comércio internacio-nal e aplicada principalmente no campo da arbitragem, a análise mais precisa de forma técnico-jurídica leva a crer que não se pode aceitar como sendo objetivo um direito (e uma jurisdição como a arbitragem) orientada exclusivamente pelas frias regras do mercado, desatento às particularidades políticas e econômicas que o comércio internacional reflete, muito especialmente no tocante às desigualdades econômicas entre as nações.

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A análise técnico-jurídica dos requisitos para a configuração de um sistema jurídico leva à constatação de que a lex mercatoria não preenche os pressupostos para compor um direito supranacional e leva à necessidade da formação de um ordenamento supranacional que ob-serve as práticas de um direito transnacional que respeite o princípio democrático e que possa se dispor a diminuir as desigualdades sociais, nos moldes de um Direito Transnacional defendido por autores como Cruz, Stelzer, Bodnar, Oliviero48, entre outros.

Entretanto, a constatação de que a lex mercatoria não alcança os contornos de um direito supranacional autônomo e autocontido não é suficiente para decretar o fracasso das tentativas de uniformização das regras jurídicas para o comércio extrafronteiras.

As reflexões aqui tecidas são, na verdade, um incentivo à refle-xão sobre um direito transnacional do comércio com a participação na construção democrática de todos os agentes nele interessados, como a comunidade internacional, representada por órgãos transnacionais e Estados-nações, juntamente com a classe comerciante, libertando a lex mercatoria do estigma de regras contidas apenas por um órgão de classe e servindo como suplemento essencial ao seu completo funcionamento.

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48 Veja-se, para tanto, obras como: CRUZ, Paulo Márcio; STELZER, Joana (Org.). Direito e transnacionalidade. 1. ed. 2. reimp. Curitiba: Juruá, 2011; CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. A transnacionalidade e a emergência do Estado e do direito transnacionais. Itajaí, 2009; OLIVIERO, Maurizio; CRUZ, Paulo Márcio. Reflexões sobre o direito transnacional. Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, v. 17, n. 1, p. 18-28, 2012. Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3635>.

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Parte Geral – Doutrina

Contratos de Colaboração Empresarial: uma Via Alternativa para Afastar a Rigidez dos Modelos Societários em Benefício do Crescimento da EmpresaBusiness Cooperation Agreements: an Alternative Route to Remove the Stiffness of Models in Corporate Growth of the Company Benefit

ALESSAnDRE FERREIRA CAnABALMestre em Função Social dos Institutos do Direito Privado – FADISP, Especialista em Processo Civil – PUC/SP, Especialista em Direito Civil – FADISP, Professor Universitário, Advogado.

RESUMO: Este artigo tem a finalidade de proporcionar ao leitor uma melhor compreensão sobre as vantagens da contratação em forma de colaboração empresarial. A visão correta dessa modalidade contratual será explicitada de acordo com o seu indiscutível proveito econômico. O contrato de cola-boração empresarial é possuidor de características diferenciadoras das outras espécies contratuais e, diante disto, deverá ser observado como uma relação obrigacional específica do mundo empresa-rial, não se deixando confundir com outras de natureza civil ou de relação de consumo.

PALAVRAS-CHAVE: Colaboração empresarial; interpretação contratual; vontade das partes; empre-sa como agente econômico; função social dos contratos de colaboração sob o viés econômico do negócio jurídico.

ABSTRACT: This article is intended to provide the reader with a better understanding of the advan-tages of hiring in the form of business collaboration. The correct view of this type of contract will be outlined, according to its unquestionable economic advantage. The business collaboration contract is possessed of distinguishing characteristics of other contractual species and before it should be seen as a specific obligatory respect of the business world not leaving confused with other civil nature or consumption ratio.

KEYWORDS: Business collaboration; contractual interpretation; the parties; company as an economic agent; social function of cooperation agreements in the economic bias of the transaction.

SUMÁRIO: 1 Da colaboração empresarial; 2 Da conceituação e das características dos contratos de colaboração empresarial; 3 Da validade e do equilíbrio contratual na colaboração empresarial; 4 Da importância dos usos e costumes para solução de conflitos derivados do contrato de colaboração; 5 Das alternativas para prevenir conflitos no âmbito judicial durante a colaboração empresarial; 6 Da função econômica dos contratos de colaboração; Conclusão; Referências.

1 DA cOlAbORAÇÃO empReSARIAl

As relações jurídicas firmadas no Direito Empresarial guardam es-pecificidades que não correspondem exatamente aos negócios jurídicos

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celebrados no âmbito do Direito Civil, ou seja, mesmo com um diploma unificado, os negócios empresariais devem ser vistos por uma ótica dife-renciada, haja vista as suas peculiaridades e o seu dinamismo1.

Com o avanço econômico e tecnológico, facilmente perceptível em nosso cotidiano, surgiram inúmeros modelos de negócio jurídico, que podem ser facilmente encontrados na prática da atividade empresá-ria2 e entre elas se destaca a colaboração empresarial.

A atividade empresarial é incontestavelmente dinâmica, sendo cada vez mais inadaptável a um sistema codificado, na medida em que tende a alargar a sua esfera com o rápido avanço da civilização, ou seja, não se vincula a um código, por mais perfeito que seja3.

Nesse passo, tratar os fatos sociais sem visualizar cada ramo do Direito dentro de suas especificidades ensejaria uma incompatibilidade entre a norma e a necessidade humana, ou seja, o Direito Empresarial não pode ficar à mercê de possíveis avanços jurídicos para acompanhar a evolução tecnológica e agilidade dos negócios.

Diante desta realidade, as empresas começaram a se valer cada vez mais de formas híbridas para realizações de seus negócios jurídicos, não se limitando, apenas, à forma típica de contratos de sociedade exis-tentes entre os agentes econômicos4-5.

Com a finalidade de acomodar interesses comuns existentes entre estes agentes, a viabilização jurídica do modo de se associar encontra--se, hoje, desapegada de fórmulas tradicionais previstas em nosso orde-namento jurídico6.

1 TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado: doutrina e prática. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 264 e 265.

2 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 25 e 26.3 LUCA, Newton de. A unificação das obrigações civis e comerciais como um dos fundamentos do direito civil

contemporâneo. In: CAMBLER, Everaldo Augusto (Org.). Fundamentos do direito civil brasileiro. Campinas: Millennium Editora, 2012. p. 283.

4 FORGIONI, Paula Andrea. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 135.

5 No que tange as formas híbridas, Paula A. Forgioni destaca que o grau de autonomia das partes nessas modalidades é mais acentuado do que nos modelos hierárquicos.

6 FORGIONI, Paula Andrea. Op. cit., p. 136.

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O conteúdo contratual, portanto, poderá ser infinito em relação ao interesse econômico pretendido pelas partes, ensejando um modelo aberto, no qual caberá indistintamente cada contrato em particular7.

Neste diapasão, o contrato surge com o objetivo de organizar a re-lação interna entre os seus participantes, evidenciando uma necessidade de cooperação entre agentes – função cooperativa8.

Em razão da lentidão da evolução dos institutos de Direito Priva-do, para acompanhar o ritmo da globalização, é imprescindível que tal necessidade cooperativa deva ser preenchida com agilidade em benefí-cio da dinâmica do processo econômico9.

Essa agilidade é útil para a criação de novos modelos negociais, seja mediante a inserção de cláusulas atípicas em contratos típicos, seja na combinação de tipos contratuais ou na produção de novos modelos socialmente desejáveis, ou seja, o importante é atender as necessidades de mercado10.

É evidenciada, portanto, a importância da colaboração empresa-rial, derivada da necessidade de evitar inconvenientes da exacerbação dos custos de transação (celebração de extensa série de contratos des-conectados), bem como do afastamento da rigidez típica dos esquemas societários dotados de hierarquia11.

Nesta feita, mesmo sendo um instituto com estudo pouco apro-fundado em nosso País, o contrato de colaboração empresarial constitui meio hábil e lógico para se alcançar a solução da falta de agilidade no mundo empresarial, sem perder a segurança jurídica desejada pelas par-tes.

7 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: fundamentos da teoria geral dos contratos. São Paulo: Malheiros, v. 4, t. I, 2011. p. 49.

8 SALOMÃO FILHO, Calixto. Breves acenos para uma análise estruturalista do contrato. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLV, n. 141, p. 27, jan./mar. 2006.

9 FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito empresarial I: o empresário e seus auxiliares, o estabelecimento empresarial, as sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 33 e 34.

10 SZTAJN, Rachel. Função social do contrato e direito de empresa. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIV, n. 139, p. 37, jul./set. 2005.

11 FORGIONI, Paula Andrea. Op. cit., p. 136.

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2 DA cONceITUAÇÃO e DAS cARAcTeRÍSTIcAS DOS cONTRATOS De cOlAbORAÇÃO empReSARIAl

O presente estudo não se limitará a tratar, de forma individualiza-da, sobre as espécies de contratos de distribuição já terminologicamente conhecidas no âmbito da colaboração empresarial12, tendo em vista que o termo “distribuição” traz diversas dificuldades à sua adequada classifi-cação em razão de seu caráter jurídico polissêmico, ou seja, é utilizado para realidades distintas, ora como gênero, ora como subespécie de uma de suas espécies, instalando séria controvérsia no meio jurídico13.

Desta forma, preferencialmente, entender-se-á que os contratos de distribuição, em sentido amplo, integram a categoria dos contratos de colaboração empresarial, direcionando ao leitor uma compreensão de que a base da atividade distributiva é sempre a colaboração empresarial, indispensável para a sua identificação.

Neste contexto, uma peculiaridade que deve ser destacada é a possibilidade de mudanças contratuais em atenção da dinâmica da ati-vidade empresarial, pois as suas mudanças nunca são acompanhadas pela autoridade estatal, o que causaria vários transtornos aos agentes14.

No instrumento de colaboração empresarial são explicitadas as bases do futuro comportamento colaborativo das partes, ou seja, se em-prega termos amplos sem significado definido no momento de sua ce-lebração15. Assim, os contratos colaborativos tendem a se estender pelo tempo e costumam ser celebrados por prazo indeterminado16.

Outra peculiaridade é que a carência de uma regulação adequada sobre a modalidade aqui estudada propicia plena liberdade de atuação pelo agente econômico, o que pode ser desejável no caso da colabora-ção empresarial, em virtude da possibilidade de eliminação rápida, pelo próprio mercado, de agentes ineficientes em benefício dos demais que objetivam a competência17.

12 Representação Comercial, Comissão, Agência e Distribuição, Concessão Mercantil e Franquia.13 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresas: títulos de crédito e contratos empresariais.

São Paulo: Saraiva, v. 2, 2010. p. 286.14 GONÇALVES, Almir Rogério. O direito, o mercado, o contrato, os riscos legais e a certeza jurídica. Revista de

Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIV, n. 139, p. 86, jul./set. 2005.15 FORGIONI, Paula Andrea. Op. cit., p. 137.16 Idem, p. 136.17 GONÇALVES, Almir Rogério. Op. cit., p. 86.

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Nos contratos de colaboração, as partes não deixam de possuir o seu patrimônio de forma autônoma, não sendo, de forma alguma, uma sociedade tampouco um intercâmbio18, se revelando como uma catego-ria que se situa entre esses dois polos19.

Os vínculos derivados de um contrato de colaboração empresarial nunca poderão dar margem a uma constituição societária, tendo em vis-ta que inexiste possibilidade de criação da sua personalidade jurídica, ou, em outros termos, nunca nascerá dele um sujeito de direito20.

É de todo oportuno lembrar que os contratos de longa duração considerar-se-ão completos quando todas as variáveis e os seus respec-tivos efeitos tiverem sido previstos previamente, não sendo necessário que as partes, no futuro, revejam ou renegociem os termos ajustados no contrato originário21; porém, na colaboração empresarial ocorre justa-mente o oposto, pois a necessidade de reavaliação dos termos iniciais poderá ocorrer a qualquer tempo, em respeito às exigências das novas necessidades econômicas do mercado altamente dinâmico22, caracteri-zando, assim, a existência de uma incompletude contratual típica deste instituto.

3 DA VAlIDADe e DO eQUIlÍbRIO cONTRATUAl NA cOlAbORAÇÃO empReSARIAl

Contratar indiscutivelmente é uma atividade arriscada em razão das vicissitudes do mercado, da ingerência de algumas determinações de ordem pública e da própria possibilidade de inadimplemento23; con-tudo, nas relações privadas os reflexos da liberdade de associação con-sagrada no art. 5º, incisos XVII e XX, da Constituição Federal se encon-

18 Nos contratos de intercâmbio, o incremento da vantagem econômica de uma parte leva à diminuição do proveito de outra, tendo como exemplo típico a compra e venda, ou seja, os interesses das partes são contrapostos, diferente da essência da colaboração empresarial (Paula A. Forgioni, Teoria geral dos contratos empresariais, p. 155).

19 FORGIONI, Paula Andrea. Op. cit., p. 136.20 ZALDIVAR, Enrique; MANOVIL, Rafael M.; RAGAZZI, Guillermo E. Contratos de colaboracion empresaria –

Agrupaciones de colaboracion uniones transitorias de empresas. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1986. p. 52. Texto original que foi interpretado livremente pelo autor: “Acabamos de decir que las entidades originadas en los contratos de colaboración empresaria en ningún caso pueden dar origen a sociedades de tipo alguno ni a sujetos de derecho”.

21 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Op. cit., p. 84.22 Nos contratos de colaboração empresarial, a regra é a incompletude em sentido econômico (futuras mudanças

econômicas do mercado competitivo), diante disto, algumas possibilidades deverão ser analisadas como meio adequado para solução dos problemas futuros que vierem a surgir.

23 FEITOSA, Maria Luíza Pereira de Alencar Mayer. As relações multiformes entre contrato e risco. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIV, n. 139, p. 121, jul./set. 2005.

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tram aproveitados dentro dessa nova visão de constitucionalização dos institutos de direito privado24.

A norma constitucional tem a função primordial de construir o futuro observando a natureza singular do presente, se mostrando, por-tanto, eficaz, se determinada pelo princípio da necessidade, ou seja, a eficácia da Constituição Federal se pauta na sua vinculação das forças espontâneas e das tendências dominantes do seu tempo, possibilitando o seu desenvolvimento e a sua ordenação objetiva25.

O princípio constitucional da liberdade de associação, portanto, não é restrito às disposições contidas nos arts. 53 a 61 do Código Civil, modalidade de associação sem fins lucrativos26, mas, sim, é ampliada, inclusive, até o estudo dos contratos associativos não societários que visem aos lucros.

A faculdade de celebrar um contrato é considerada um dos des-dobramentos da liberdade contratual, ou seja, além da possibilidade de contratar ou não, a liberdade contratual implica na escolha do outro contratante e a possibilidade de as partes ajustarem autonomamente o seu conteúdo, podendo, se assim lhes aprouver, se afastarem dos con-tratos típicos27.

A expansão desse fenômeno contratual não é somente quantitati-va, tendo em vista que nas últimas décadas os contratos se diversificam e se especializam em multifacetárias modalidades28; portanto, é totalmen-te possível ampliar a incidência do princípio constitucional da liberdade de associação às relações contratuais de colaboração.

Em especial, os contratos que constituem liberalidades, tendo o exemplo dos de colaboração, nesta fase contemporânea vem adquirindo a devida relevância29.

24 TOMAZETTE, Marlon. Liberdade de associação e o recesso nas sociedades limitadas. Revista de Direito Brasileira, Florianópolis, ano 1, v. 1, p. 210, jul./dez. 2011.

25 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; MORAES, Kelly Cardoso Mendes de. Interpretação do contrato: uma questão principiológica. Disponível em: <http://www.diritto.it/docs/32748-interpreta-o-do-contrato-uma-quest-o-principiol-gica?page=1>.

26 “Art. 53. Constituem as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.”27 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado

conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. II, 2012. p. 6.28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 19.29 WALD, Arnoldo. Contrato. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 1, p. 12, DTR/1998/75, jan.

1998.

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Fica, assim, afastada a ideia de entender o contrato como repre-sentativo de interesses antagônicos para passarem a ser considerados como parceria ou, em outras palavras, admitir-se-á que os negócios ju-rídicos de longo prazo possuam affectio contractus30, ao invés de serem consideradas as partes adversárias31.

O contrato se transformou em um bloco de direitos e obrigações entre os seus participantes, que devem buscar sempre o seu equilíbrio, em um vínculo ou até em uma entidade32-33; em outras palavras, os con-tratos, como expoente de circulação de riquezas, devem servir ao obje-tivo do desenvolvimento econômico, e não como meio de opressão34.

Importante frisar que, em respeito ao princípio constitucional da livre iniciativa, no campo dos negócios empresariais, certos institutos não podem ser aniquilados em nome do cumprimento de tarefas que não estejam minuciosamente definidas pela ordem jurídica35.

Portanto, uma modalidade contratual que visa a buscar a colabo-ração empresarial, mesmo que não tipificada, é plenamente válida para o nosso universo jurídico.

No que tange ao equilíbrio entre as partes que firmam um con-trato de colaboração, supondo que dois agentes econômicos invistam um montante elevado em empreendimento comum, acredita-se que estes, dotados de profissionalismo para exercer a atividade economi-camente organizada, sejam capazes de auferir que a ruína do negócio proporcionaria efeitos desastrosos para ambos, ou seja, haverá sempre o empenho mútuo entre as partes em contraposição ao indesejável oportunismo36.

30 O affectio contractus assemelhasse com outras formas de colaboração, como a affectio societatis ou o próprio vínculo conjugal – os participantes são caracterizados como parceiros.

31 WALD, Arnoldo. Op. cit., v. 1, p. 12.32 Idem.33 “Vínculo entre as partes, por ser obra comum das mesmas, e entidade, constituída por um conjunto dinâmico

de direitos, faculdades, obrigações e eventuais outros deveres, que evolui como a vida, de acordo com as circunstâncias que condicionam a atividade dos contratantes.” (WALD, Arnoldo. Op. cit., v. 1, p. 12)

34 MORAIS, Ezequiel; BERNARDINO, Diogo. Contratos de crédito bancário e de crédito rural: questões polêmicas. São Paulo: Método, 2010. p. 56.

35 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira Ribeiro. Século XXI, a era do não-contrato? Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIV, n. 139, p. 141 e 142, jul./set. 2005.

36 FORGIONI, Paula Andrea. Op. cit., p. 179.

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Em se tratando de contrato de colaboração empresarial, dar-se-á sempre lugar ao empenho mútuo dos agentes em detrimento da atitude egoística.

A colaboração empresarial, portanto, sem perder o equilíbrio con-tratual, não deixa o negócio jurídico limitado por formalidades legais ou estagnado em virtude dos ajustes preestabelecidos, sendo certo que, desde o seu início, as partes contratantes já aguardam e se comportam colaborativamente com o passar do tempo, a fim de suportar, em con-junto, eventuais mudanças de mercado que ainda são desconhecidas.

Surge, assim, um novo contrato, totalmente possível, equilibrado e válido, com a necessidade contínua de adaptação à evolução dinâmica e constante do mundo empresarial, pautado no avanço tecnológico que cresce em grande velocidade.

4 DA ImpORTÂNcIA DOS USOS e cOSTUmeS NA SOlUÇÃO De cONFlITOS DeRIVADOS DO cONTRATO De cOlAbORAÇÃO

Muito embora tenha ocorrido a codificação do Direito Privado em um único estatuto, não pereceu a autonomia do Direito Comercial, atualmente chamado de Direito Empresarial, pois este se baseia em pa-drões de comportamento recíproco que os agentes entendem indispen-sáveis à prática da atividade econômica organizada.

A realidade técnica particular da atividade empresarial não deixou de existir devido ao fato da aludida unificação obrigacional37, sendo cer-to que, em um mundo cada vez mais voltado ao dinamismo econômico, se torna indispensável aplicar paradigmas contratuais derivados das re-lações obrigacionais empresariais.

Nesta feita, uma importante forma de solução de conflitos durante a vigência contratual da colaboração empresarial diz respeito aos usos e costumes, também proposta por estudiosos de Law and Economics, ao replicar operações em mercados, de sorte a emprestar a experiência já usada em outras oportunidades, mostrando-se eficientes nas atribuições de novos direitos e deveres das partes38.

37 FRANCO, Vera Helena de Mello. Os contratos empresariais e seu tratamento após o advento do Código Civil de 2002. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLVIII, n. 151/152, p. 43, jan./dez. 2009.

38 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Op. cit., p. 84.

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Em uma breve síntese, o estudo sobre Law and Economics tem o condão de demonstrar que o campo de atuação do jurista avançou para a esfera de cunho gerencial, de matérias que envolvem interesses econômicos, ou seja, o direito não pode deixar de perceber que o seu verdadeiro papel, por si só, nada serve senão para criar regras de com-portamentos que tutelem a atividade humana e tenham, em algum mo-mento, valor moral e econômico39.

Nesse passo, o contrato será completado pelas práticas usuais do comércio40.

O costume mercantil pode ser definido como toda a prática social ou econômica generalizada e constante no âmbito das relações empre-sariais, acompanhada da convicção de obrigatoriedade da norma cor-respondente41.

Em se tratando de costumes, inegavelmente existe uma seleção natural sobre eles, os quais somente prevalecem quando efetivamente contribuírem para o bom fluxo das relações empresariais, ou seja, assu-mem uma função de reduzir custos de transação no mercado42.

Já os usos mercantis podem ser definidos como aquelas práticas sociais uniformes e estáveis, em vigor no âmbito das relações empresa-riais, que apenas se mantém em razão de sua mera reiteração e desacom-panhadas de qualquer convicção sobre a sua obrigatoriedade jurídica43.

Os usos, no que tange à sua formação, nascem como uma prática individual expressa e terminam como uma regra coletiva tácita44.

A principal diferença entre os usos e os costumes mercantis reside na consciência ou na falta dela, em relação à sua força de obrigatorie-dade.

39 SADDI, Armando Castelar Pinheiro Jairo. Curso de Law & Economics. Rio de Janeiro: Editora Campus, p. 12.40 A solução seria encontrada na prática de reutilizar operações em mercados, de sorte a emprestar a experiência

já usada em outras oportunidades e que se mostraram eficientes nas atribuições de novos direitos e deveres das partes.

41 ANTUNES, José Engrácia. A consuetudo mercatorum como fonte do direito comercial. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLVI, n. 146, p. 9, abr./jun. 2007.

42 CATAPANI, Márcio Ferro. Os costumes mercantis e o seu assentamento pela JUCESP. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano L, n. 158, p. 29, abr./jun. 2011.

43 ANTUNES, José Engrácia. Op. cit., p. 12.44 CATAPANI, Márcio Ferro. Op. cit., p. 29.

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Destarte, a importância de ambos advém da equivalência com verdadeiras regras atuantes nas relações empresárias, devendo, assim, ser sempre de conhecimento oficioso do juiz45.

Assim, a aplicação de usos e costumes mercantis pode ser eficien-te na solução de conflitos entre agentes econômicos do mundo empre-sarial, podendo, inclusive, ser buscada a tutela jurisdicional para tanto.

5 DAS AlTeRNATIVAS pARA pReVeNIR cONFlITOS NO ÂmbITO JUDIcIAl DURANTe A cOlAbORAÇÃO empReSARIAl

Uma boa alternativa para prevenir conflitos judiciais durante a vi-gência da colaboração empresarial é a escolha prévia de um árbitro.

A escolha de um árbitro ou de um terceiro qualificado somente poderia servir para decidir questão futura, caso fosse expressamente de-signado pelos agentes econômicos participantes do contrato46-47.

Em matéria de arbitragem, um dos participantes não pode ser obri-gado a aceitá-la, caso não tenha anuído a esse tipo de solução de litígios, ou seja, por meio de acordo na cláusula compromissória, tendo em vista que as regras de arbitragem são essencialmente voluntárias48.

Visando a desobrigar as partes daquilo que não ajustaram expres-samente, o art. 485 do Código Civil dispõe que, na hipótese de o terceiro não aceitar o encargo, “ficará o contrato sem efeito, salvo quando acor-darem os contratantes designar outra pessoa”49.

Nada impede, porém, que as partes, de comum acordo, se ampa-rem na arbitragem durante a execução do contrato, tendo como aspec-tos positivos a maior rapidez na solução da controvérsia, a especializa-ção do árbitro das questões levadas à sua apreciação, o fortalecimento dos termos pactuados, o menor custo e o sigilo das questões em debate,

45 ANTUNES, José Engrácia. Op. cit., p. 21.46 FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de distribuição. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 194.47 A atribuição a terceiro com poder decisório equivalerá à solução arbitral, já que será instaurado o litígio.48 FONSECA, Rodrigo Garcia da. Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 29, p. 165, DTR/2011/1777,

abr. 2011.49 FORGIONI, Paula Andrea. Op. cit., p. 195.

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muitas vezes envolvendo segredos industriais ou questões técnicas sigi-losas50.

Curioso é o posicionamento de Luiz Gustavo Meira Moser, que, se baseando no art. 111 do Código Civil, aceita a possibilidade do silêncio como via de anuência da arbitragem, dentro de uma relação empresa-rial, ou seja, o silêncio é dotado de circunstâncias capazes de habilitá-lo a expressar a vontade dentro de uma relação obrigacional51.

Em que pese o respeito pelo mencionado entendimento, preferir--se-á o da impossibilidade de aceitação tácita da arbitragem.

Porém, uma vez escolhido um arbitro de comum acordo pelas par-tes, muito embora não possua poderes de coerção e execução de suas decisões, essas são vinculativas e proporcionam efetividade no cumpri-mento pelas partes52.

É de todo oportuno lembrar que a decisão arbitral tem eficácia de título executivo judicial, conforme dispõe nosso Código de Processo Civil em seu art. 475-N, inciso IV.

Nesse passo, muito embora seja uma saída eficaz, a escolha desta solução para a incompletude contratual (sob o viés econômico que in-teressa às partes) sempre deve ser tomada de comum acordo entre todos os envolvidos no negócio jurídico.

No que tange à solução pela atribuição de poder decisório a uma das partes, os contratantes, no início do contrato, poderão ter, também, a alternativa de ajustarem a escolha de um dos contratantes para com-pletar o ajuste no futuro53.

Importante salientar que os pontos em aberto desempenham uma função econômica relevante para o negócio comum, revelando-se, por-tanto, indispensável para o sucesso do empreendimento54.

50 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A aceitação da cláusula compromissória pelo silencio, à luz da conduta negocial das partes: a cláusula geral do artigo 111 do Código Civil brasileiro. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIX, n. 153/154, p. 106, jan./jul. 2010.

51 MOSER, Luiz Gustavo Meira. Op. cit., p. 105.52 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2008. p. 77.53 FORGIONI, Paula Andrea. Op. cit., p. 195.54 Idem, p. 196.

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A importância econômica, assim, se torna fundamental para con-ferir objetividade ao ajuste dos limites da licitude do exercício de poder que, embora unilateralmente detido, foi anteriormente atribuído de for-ma conjunta55.

O reconhecimento da licitude das cláusulas de atribuição de poder decisório a uma das partes se mostra indispensável para a modalidade contratual estudada, a fim de que avancem com a almejada segurança jurídica56.

Não se trata de possibilidade de tolerar o oportunismo empresa-rial, haja vista que o exercício do poder decisório detido unilateralmente deve ocorrer dentro dos limites da boa-fé e, consequentemente, atender a função social e econômica dele esperada57.

Os princípios gerais dos contratos devem ser sempre respeitados neste tipo de solução.

6 DA FUNÇÃO ecONÔmIcA DOS cONTRATOS De cOlAbORAÇÃO

Quando dois agentes econômicos, por meio da união de esforços, pretendem dar vida a um projeto empresarial associativo por meio de um contrato dotado de relações meramente obrigacionais, temos, por conseguinte, um instrumento flexível para a cooperação empresária sem uma estrutura societária formal58.

Essa forma híbrida de contratar abrange uma infinidade de acordos de cooperação, desde aquelas em que as partes contribuem com capi-tal, tecnologia, instalações e equipamentos, dividindo lucros, prejuízos e riscos, mas sem a presença de uma constituição societária; até meras parcerias de compra e venda de produtos, ou seja, o grau de comprome-timento é muito variável, ensejando consequências diversas59.

Lendo as colocações anteriormente expostas em confronto com o disposto no art. 53 do Código Civil, pode parecer improvável a possi-

55 Idem, p. 197.56 Idem.57 Idem, p. 198.58 BASSO, Maristela. Joint ventures: manual prático das associações empresariais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 1998. p. 189.59 BASSO, Maristela. Op. cit., p. 189.

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bilidade de instituir um contrato associativo com fins econômicos60. In-correto esse pensamento, na medida em que deve prevalecer o respeito ao inciso XVII do art. 5º da Constituição Federal, que prevê a liberdade de associação para fins lícitos, independentemente da existência de fins econômicos.

Neste caso, não poderá ser admitido que os institutos de direito privado derivem somente de compilações autônomas e sem vinculação constitucional.

Essa nova concepção está basicamente inserida na Constituição Federal, haja vista que, para valer a sua supremacia, elemento necessá-rio para a interpretação conforme a Constituição, importante refletir a atual realidade social atual; assim, se as regras ordinárias de direito civil se encontram em descompasso com a realidade que nos cerca, nada mais lógico e jurídico que interpretá-las conforme a determinada regra que reflita com mais fidelidade os anseios da sociedade, neste caso a Constituição Federal61.

Reforçando o entendimento, a lei ordinária não conceitua ade-quadamente “associação”, podendo existir, portanto, associações de fim não econômico e associações de fim econômico62.

Seja qual for a ordem social existente, o processo de produção e circulação de riquezas deve transcorrer imperturbável, sendo um direito inviolável dos particulares63.

Contudo, é preciso diferenciar o verdadeiro contrato associativo com fins econômicos de uma ação conjunta de pessoas, com intuito de informalmente se unir, a fim de formar uma sociedade irregular e que vise ao lucro sem qualquer registro do seu negócio.

Estaríamos diante de uma sociedade de fato com junção de capi-tais, insumos, equipamentos, administração comum, divisão de lucros e prejuízos, divisão de riscos e responsabilidades, etc. Presentes essas

60 O art. 53 do CC dispõe que a noção de associação é qualificada pela conjugação de esforços para fins não econômicos.

61 MATOS, Eneas de Oliveira. Dano moral e dano estético. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 12.62 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, t. I, 1954. p. 319.63 RENNER, Karl. Op. cit., p. 58 (tradução e interpretação livre do autor: “Qualunque sia I’ ordinamento sociale

che esiste, se il processo produttivo deve svolgersi indisturbatamente, la disposizione su tutti i beni occupati e assimilati deve essere regolata nell’ordinamento sociale come diritto delle persone sulle cose”).

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características, fica a sociedade de fato equiparada a uma sociedade regular, evidenciando-se, por conseguinte, suscetível a imputação de responsabilidades tributárias e demais deveres advindos da legislação vigente64.

Destarte, a solução para evitar futuros problemas quando da cele-bração de um contrato de colaboração é planejá-lo com cuidado, a fim de não se deixar caracterizar como sendo uma relação societária65.

Com efeito, toda obrigação contraída pela via contratual compor-ta, naturalmente, um resultado desejado, que corresponda a sua utili-dade econômico-social, mas nem sempre esse resultado faz parte do conteúdo da prestação, exercendo somente a função de “motivo” do vínculo66.

Em algumas obrigações estabelecidas, o objeto da prestação não é o resultado, mas a atividade diligente de um agente econômico, a fim de alcançar benefícios67.

O dever de diligência se aplica a todas as obrigações, seja qual for a sua natureza, sendo certo que o agente deve sempre agir como se seus interesses fossem68.

As obrigações formuladas para a busca de um comportamento co-laborativo devem ter a finalidade de buscar a diligência usual das partes.

Como o contrato representa a concretização jurídico-formal das operações econômicas, e inexistindo operação econômica, não há con-trato69; a colaboração empresarial pode ser eficaz como solução do pro-blema da grande especulação de preços existente na compra e venda de produtos ou da burocracia e onerosidade existente em uma constituição societária.

Contudo, importante trazer à baila o respeito ao direito con-correncial ou o que vai interessar para a Lei Antitruste Brasileira, Lei nº 12.529/2011, dos quais são analisados pelos resultados e impactos

64 BASSO, Maristela. Op. cit., p. 190.65 BASSO, Maristela. Op. cit., p. 191.66 LEÂES, Luiz Gastão Paes de Barros. A obrigação de melhores esforços (best efforts). Revista de Direito

Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIII, n. 134, p. 9, abr./jun. 2004.67 Idem.68 Idem.69 ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009. p. 11.

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causados ao mercado, pouco importando o nome que se dê ao instru-mento.

A finalidade da regra concorrencial é a de firmar entendimento sobre a adequada competição, sustentada pela ideia de que os agentes econômicos com significativo poder de mercado devem ser monitorados e a elevação desse poder deve ser coibida, a fim de conter práticas mo-nopolísticas que advenham dessa condição de domínio70.

Diante disto, um mercado sadio e competitivo é aquele estabele-cido entre empresas com finalidade de lucro em tempo real, ao invés de lucros monopolísticos contrários aos interesses de mercado, do consu-midor e da economia como um todo71.

Porém, indispensável entender que se, por um lado, o direito con-correncial tem a finalidade de controle social, por outro, a liberdade econômica é bem jurídico superior ao primeiro, protegida ante o seu caráter de princípio constitucional e indispensabilidade para o bom fun-cionamento da economia nacional72.

Diante de todo o exposto, a conclusão que se chega é que a cola-boração empresarial pode ser um excelente negócio, se cuidados forem tomados quanto à associação entre agentes econômicos, podendo gerar bons frutos73.

cONclUSÃO

A aplicação de cláusulas abertas nas relações exclusivamente en-tre empresários não pode ser banalizada ao ponto de ser utilizada como uma ficção jurídica em prol dos menos favorecidos.

Em um contrato de colaboração, o empresário nunca poderá ser visto como parte hipossuficiente. Inexiste parte fraca no contrato, mas, sim, há apenas um desequilíbrio contratual que deve ser corrigido pelos usos e costumes daquela prática empresarial.

70 NOGUEIRA, José Carlos da Silva. Sobre as condutas anticompetitivas das associações comerciais. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIV, n. 137, p. 171, jan./mar. 2005.

71 Idem, p. 171 e 172.72 ADIERS, Cláudia Marins. As importações paralelas à luz do princípio de exaustão do direito de marca e

seus reflexos nos direitos contratual e concorrencial. Revista de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLI, n. 127, p. 151 e 152, jul./set. 2002.

73 BASSO, Maristela. Op. cit., p. 195.

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Se assim não ocorrer, destruir-se-á a instituição do contrato como meio eficaz de circulação de riquezas.

E é neste ponto, ligado à expectativa de aumento de circulação de riquezas em benefício do mundo empresarial, que surgem os contratos de colaboração.

A colaboração empresarial expressada por um contrato busca evi-tar inconvenientes ligados aos custos de transação e afastar-se da rigidez dos modelos societários.

E, por fim, todo o contexto explicitado demonstra a importância dos contratos de colaboração empresarial como considerável via alter-nativa de minimizar prejuízos ao mundo empresarial.

ReFeRêNcIAS

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Parte Geral – Doutrina

Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurisprudencial Atualizado (Incluindo o Novo Código de Processo Civil)

Disregard of Legal Entity: a Doctrinal, Legal and Jurisprudential Study Updated (Including the New Civil Procedure Code)

CARLOS DA FOnSECA nADAISDoutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), Mestre em Direito pela Universidade Ibirapuera (UNIB), Especialista em Direito Contratual pela Pontifícia Universida-de Católica (PUC/SP), Especialista em Administração (FEA/USP), Especialista em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/MG), Especialização em andamento em Proces-so Civil (FDRP/USP), Graduando em Ciências Contábeis (FEA/USP), Graduado em Filosofia (FFLCH/USP), Graduado em Direito (Uniban), Professor na Graduação na Disciplina de Direito Empresarial, Advogado atuante na esfera do Direito do Trabalho, Direito Empresarial, Direito Civil e Direito Tributário, Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

RESUMO: Buscou-se, nesse estudo, apresentar o posicionamento mais moderno das normas, da doutrina e da jurisprudência brasileiras sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Ini-cialmente, apresentamos a evolução histórica, em especial na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e na Alemanha, como os estudos de Rolf Serick até a sua introdução no Brasil, por Rubens Requião. Partimos para os conceitos básicos e necessários para melhor entendimento do tema, para, então, adentrarmos no ordenamento jurídico e no posicionamento predominante dos Tribunais. Por fim, ressaltamos a inovação do novo Código de Processo Civil – NCPC, com a criação do inciden-te de desconsideração da personalidade jurídica, que, aliado aos princípios processuais de boa-fé processual, colaboração efetiva e contraditório efetivo, insculpidos nos arts. 5º a 9º do NCPC, trará uma excelente oportunidade de homogeneização do uso dessa ferramenta tão importante na efetiva prestação jurisdicional do processo.

PALAVRAS-CHAVE: Disregard Doctrine; jurisprudência; legislação; novo Código de Processo Civil.

ABSTRACT: This study sought to introduce the most modern positioning of standards of doctrine and Brazilian jurisprudence on piercing the corporate veil. Initially we present the historical evolution, par-ticularly in England, USA and Germany, as studies of Rolf Serick to its introduction in Brazil by Rubens Requião. Then left for the basics and needed to better understanding of the theme and then we enter the legal system and the predominant position of the courts. Finally, we highlight the innovation of the new Civil Procedure Code – NCPC, with creation of the incident disregard of legal personality, combined with the procedural principles of procedural good faith, effective collaboration, and effec-tive contradictory, sculptured in Articles 5th to 9th of NCPC will bring an excellent homogenization opportunity of using this as an important tool in the effective adjudication process.

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KEYWORDS: Disregard Doctrine; jurisprudence; law; new Civil Procedure Code.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A distinção entre o patrimônio dos sócios e da sociedade; 2 Passadas his-tóricas da Disregard Doctrine; 3 A desconsideração da personalidade jurídica doutrina brasileira; 4 A desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro; Considerações finais; Referências.

Não fortalecerás os fracos, por enfraquecer os fortes.

Não ajudarás os assalariados, se arruinares aqueles que os paga.

Não estimularas a fraternidade, se alimentares o ódio.

(Abraham Lincoln)

INTRODUÇÃO

O uso da desconsideração da personalidade jurídica para a satis-fação dos credores é tema assaz controverso. Baseado na jurisprudência dos países de common law, estruturou-se como doutrina por Rolf Serick, aproximando-a da civil law. A doutrina brasileira diverge na sua utiliza-ção, mormente pelos diferentes posicionamentos: o uso da teoria maior e da teoria menor, mas ambas as posições entendem importante a des-consideração da personalidade jurídica como instrumento de proteção da pessoa jurídica contra o seu uso irregular, desviando a sua finalidade original: incrementar o empreendedorismo.

O ordenamento jurídico brasileiro apresenta várias normas que abordam, direta ou indiretamente, a desconsideração da personalidade jurídica como instrumento de efetivação da finalidade do processo, até chegarmos em um marco legal importante: o novo Código de Processo Civil.

O presente trabalho tem como escopo principal apresentar o posi-cionamento mais moderno das normas, da doutrina e da jurisprudência brasileiras sobre a desconsideração da personalidade jurídica.

1 A DISTINÇÃO eNTRe O pATRImÔNIO DOS SócIOS e DA SOcIeDADe

A Constituição Federal contemplou o mote liberal da Revolução Francesa, da liberdade, igualdade e fraternidade, ao definir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I), como também a opção pelo modelo

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capitalista (art. 1º, inciso IV, e art. 170, inciso IV) e a proteção à proprie-dade privada (art. 5º, inciso XXII, e art. 170, inciso II).

No cenário capitalista, empreender não é tarefa cômoda; pelo contrário, o empreendedor está sujeito às contingências do mercado e à mercê das políticas do Estado, para disponibilizar à sociedade bens e serviços necessários à sua subsistência, portanto o empreendedor mere-ce proteção ao seu negócio e estímulo para empreender.

Um dos mecanismos de proteção ao empreendedor foi possibilitar a criação de uma personalidade própria, utilizada no desenvolvimento de seu empreendimento, evitando que o seu patrimônio pessoal possa ser responsabilizado pelas dívidas decorrentes da atividade empresarial. Este é um corolário do princípio da autonomia patrimonial.

O art. 20 do Código Civil de 1916 destacava que as pessoas ju-rídicas têm existência distinta da de seus membros. Esse princípio de autonomia patrimonial está tão enraizado que o Código Civil de 2002 sequer fez menção a esse assunto.

A pessoa jurídica é um artifício jurídico criado ao longo da evo-lução jurídica da humanidade, com a finalidade de estimular e facilitar o empreendedorismo, bem como a concretização de empreitadas úteis à sociedade (Mamede, 2009, p. 243), mas, infelizmente, alguns se utili-zam dessa “proteção” como oportunidade para fraudar credores, preju-dicando o mercado, o Estado e toda a sociedade.

Assim, o ordenamento jurídico deve também criar outros meca-nismos que impeçam que tais indivíduos: a desconsideração da perso-nalidade jurídica. Antes, porém, devemos entender que, em relação à personalidade jurídica, despersonalizar é diferente de desconsiderar.

O prefixo “des” deve ser interpretado como uma negação, como em “temido” e “destemido”, “vantagem” e “desvantagem”; logo, se há a “des” “personalização”, temos que “negar” a “personalidade” significa que a “personalidade” não mais existe. Com a despersonalização, a per-sonalidade jurídica desaparece.

No caso da desconsideração, temos que entender “considerar” algo como “supor” ou “imaginar” algo. Logo, percorrendo o mesmo ca-minho, temos que “des” “considerar” deve ser interpretado como “ne-gar” a “suposição” ou “imaginação” de algo, ou seja, não nos remete a

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uma realidade ou um plano diferente do que esse algo se apresenta. Por fim, a desconsideração da personalidade jurídica não extingue a perso-nalidade jurídica, mas sim a “considera” em plano diferente do que esta se apresenta.

Se estabelecemos que a pessoa jurídica é uma ficção do direito, concebida pelo Estado, nada mais adequado do que o próprio Estado, por meio do Poder Judiciário, tenha a prerrogativa de despersonalizar ou desconsiderar a sua personalidade. Logo, somente por meio do devido processo legal é que pode se dar essa mutação.

A desconsideração da personalidade jurídica se dá incidental e unicamente no processo em que foi requerido (no plano específico), va-lendo também somente para as partes desse mesmo processo, sendo que fora do processo (portanto, em outro plano, o de origem) a personalida-de jurídica continua intacta para todos os efeitos.

Assim, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não tem como finalidade extinguir a pessoa jurídica, mas sim de suspender temporariamente, no caso concreto, a eficácia de seus atos constitutivos, para satisfazer os credores, avançando sobre o patrimônio dos sócios (Didier Junior, 2005, p. 392).

2 pASSADAS hISTóRIcAS DA DISReGARD DOcTRINe

A desconsideração da personalidade jurídica surge com o intuito de coibir o uso indevido por parte dos sócios e administradores da pes-soa jurídica por práticas ilícitas, abuso de direito e fraude aos credores. Os casos de maior repercussão vieram dos Estados Unidos (Bank of Uni-ted States v. Deveaux, 1809) e da Inglaterra (Salomon v. Salomon & CO, 1897), e os estudos de maior relevância se iniciaram na Alemanha, com Rolf Serick, na sistematização e estruturação da Desregard Doctrine.

2.1 a disregard doCtrine nos estados unidos da amériCa

O primeiro caso do uso da teoria da Disregard Doctrine noticiado na jurisprudência foi Bank of United States v. Deveaux. O Juiz Marshall, com a intenção de preservar a jurisdição das Cortes Federais sobre as Corporations (jurisdição estadual), já que a Constituição Federal ameri-cana, no seu art. 3º, seção 2ª, limitava tal jurisdição às controvérsias en-tre cidadãos de diferentes Estados, invocou a teoria da desconsideração

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da personalidade jurídica e avocou a competência para discutir a causa (Koury, 2000, p. 64). O magistrado fundamentou a sua decisão afirman-do que o caso não era entre empresas, mas sim entre sócios contendores que utilizavam indevidamente a personalidade jurídica dessas empresas; logo, a competência, nesse caso, era federal (Nahas, 2007, p. 96; Freitas, 2002, p. 114-115).

Assim, mesmo não tratando, como objeto principal, a desconside-ração da personalidade jurídica, o magistrado abordou, transversalmen-te, o tema levando-se em consideração as características individuais de cada sócio para fundamentar a sua decisão.

Outra situação relevante foi o caso First Nacional Bank of Chicago v. F. C. Trebein Company. No caso, Trebein fundou uma companhia, com mais quatro membros da família, e nela integralizou todo o seu patrimônio. O capital social foi dividido por 600 ações da companhia, sendo que cada um dos demais sócios tinha uma ação da companhia, e todas as demais, 596 ações, pertenciam a Trebein. Os credores de Trebein investiram judicialmente contra o seu patrimônio social e tive-ram sucesso (Requião, 1977, p. 77).

2.2 a disregard doCtrine na inglaterra

O caso Salomom v. Salomon & Co foi relevante no desenvolvi-mento da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica e cita-do como um paradigma importante por diversos autores1.

Na Inglaterra, Aron Salomon exercia comércio com sucesso por meio da “Aron Salomon & CO”. Por pressão familiar, que queria par-ticipar dos negócios, preparando, assim, a aposentadoria do fundador, foi criada a “Aron Salomon and Company Limited” (Limited Stock Com-pany), tendo como sócios: Aron Salomon, a sua esposa e os seus cinco filhos maiores. A diretoria foi composta pelo Mr. Salomon e dois de seus filhos mais velhos. O capital social ficou assim dividido: 20.006 ações, cada uma no valor de uma libra, cabendo 20.000 ações a Aron Salomon e uma ação a cada um dos demais seis sócios.

1 Nesse sentido temos: Koury, 2000, p. 64-65; Bastos, 2003, p. 3-7; Nahas, 2007, p. 96-97; Ramos, 2012, p. 402; Requião, 1977, p. 75-76; Freitas, 2002, p. 115-116; Guimaraes, 1998, p. 21-23; Santos, 2003, p. 107-108; Pegoraro, 2010, p. 54-57, Martins, 2009, p. 184.

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Mr. Salomon vendeu o seu negócio, “Aron Salomon & CO”, por £ 38.000 à própria companhia “Aron Salomon and Company Limited”, integralizando as 20.000 ações de sua responsabilidade e, ainda, res-tou credor da nova sociedade, recebendo dela £ 10.000 em debêntures, com garantia real constituída em seu favor.

A depressão no mercado de sapatos e as greves no setor precipita-ram a companhia na falência, pela impossibilidade de saldar as dívidas. Na liquidação, Mr. Salomon requereu judicialmente a preferência no pagamento das debêntures recebidas da companhia; consequentemen-te, nada restando aos credores quirografários.

Surgiu o imbróglio a ser resolvido: Houve fraude na venda da “Aron Salomon & CO” pelo valor de £ 38.000 (superfaturamento)? A emissão de debêntures a favor de Mr. Salomon foi uma maneira de ga-rantir preferência desse crédito sobre os demais credores? A criação da companhia foi uma maneira que Mr. Salomon utilizou para limitar a sua responsabilidade e, consequentemente, deveria responder pelas dívidas de sociedade?

O caso foi decidido em primeira instância em desfavor de Mr. Salomon, desconsiderando a personalidade jurídica da “Aron Salomon and Company Limited”, considerando-a como uma extensão da ativida-de pessoal, responsabilizando pelas dívidas sócias tanto o patrimônio pessoal Mr. Salomon quanto o de seus familiares. Entretanto, em sede de recurso, a House of Lords reformou a sentença, por entender que a so-ciedade havia sido corretamente constituída e que não houve desones-tidade do Mr. Salomon, mas apenas má sorte nos negócios, sem culpa.

Assim, mesmo não podendo ser considerado como o primeiro caso a utilizar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica2, foi um marco relevante na construção da Disregard Doctrine.

2.3 a disregard doCtrine na alemanHa

Como vimos, a teoria da desconsideração da personalidade jurídi-ca foi levantada, primeiramente, nos Estados Unidos e foram os estudos na Alemanha que estruturaram uma doutrina sólida sobre o tema.

2 O caso Solomon v. Solomon & Co. foi julgado em 1897, sendo que, como vimos, em 1809 tivemos o caso estadunidense do Bank of United States v. Deveaux, ou seja, oitenta e oito anos antes.

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A partir da década de 50 cresceu o número de decisões baseadas na teoria da penetração nas cortes alemãs, formando uma jurisprudência relevante. Nessa esteira, juristas alemães passaram a se empenhar em construir uma doutrina mais apropriada às raízes romano-germânica do sistema alemão, diferentemente do sistema anglo-americano, fundado na comon law (Khoury, 2000, p. 109-110).

O Professor Rolf Serick se debruçou sobre o problema da descon-sideração da personalidade jurídica, apresentando-a na sua tese de dou-torado com título de “Recstsform und Realität Juristischer Personen”, re-cebendo título de Privat-Dozent na Universidade de Tübigen, em 1953.

Esse trabalho foi traduzido para o espanhol por José Puig Brutau e publicado em 1955, recebendo o título “Aparencia y Realidad en las Sociedades Mercantiles – El Abuso de Derecho por Médio de la Persona Jurídica”3, onde constrói a sua teoria lastreada na jurisprudência esta-dunidense (Requião, 1977, p. 68; Ramos, 2012, p. 402; Santos, 2003, p. 111).

O jurista alemão estabeleceu, nessa obra, alguns princípios ou pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração da perso-nalidade jurídica, que, bem resumidamente, são: 1º) A teoria da des-consideração da personalidade jurídica tem cabimento quando houver utilização abusiva da pessoa jurídica, com o objetivo de se furtar a inci-dência da lei ou obrigações contratuais, ou causar danos a terceiros de forma fraudulenta; 2º) A autonomia subjetiva da pessoa jurídica pode ser desconsiderada quando for necessária para coibir violação de nor-mas de direito societário que não possam ser violadas nem mesmo pela via indireta; 3º) As normas que tiverem por base atributos, capacidade ou valores humanos à pessoa jurídica podem ser aplicadas se, entre as finalidades de tais normas e a função da pessoa jurídica à qual são apli-cadas, não se detectarem contradições; e 4º) No caso de a pessoa jurí-dica servir para ocultar fato de que as partes envolvidas nesse negócio são, na prática, o mesmo sujeito, a autonomia da pessoa jurídica pode ser afastada, e, se necessário, aplicar a norma embasada sobre a efetiva diferenciação ou identidade apensa jurídico-formal (Freitas, 2002, p. 57; Santos, 2003, p. 113).

3 Em tradução livre: “Aparência e realidade nas sociedades mercantis: o abuso de direito por meio da pessoa jurídica”.

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Fazendo uma interpretação abrangente desses princípios, ficamos com o entendimento de Requião (1977, p. 69), que assevera que “a Dis-regard Doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação a pessoas ou bens que atrás dela se escondem”.

3 A DeScONSIDeRAÇÃO DA peRSONAlIDADe JURÍDIcA DOUTRINA bRASIleIRA

A doutrina pátria é unânime em dedicar a Rubens Requião a intro-dução da Disregrad Doctrine na doutrina brasileira4. Após proferir uma conferência na Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, para comemorar o primeiro centenário de nascimento do Desembargador Vieira Cavalcanti Filho, o Professor Rubens Requião publica, em 1969, na Revista dos Tribunais (RT 410/12), um artigo intitulado “Disregard Doctrine – Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica”, onde comenta as obras de Verrucoli5 e Serick6, incentivando outros dou-trinadores a se debruçarem sobre o tema.

A desconsideração da personalidade jurídica é a permissão judi-cial1, utilizada em situações excepcionais2, para retirar a “malha prote-tiva” da personalidade jurídica das sociedades (autonomia patrimonial), possibilitando ao credor buscar a satisfação do seu crédito3 junto a seus sócios ou administradores.

Permissão judicial1: porque há necessidade deque a desconside-ração seja declarada, pontualmente, em uma ação judicial, ou seja, se trata de um incidente processual, que vale, temporariamente, somente entre as partes, durante o andamento do processo. Assim, a desconside-ração é momentânea e para o caso concreto.

Excepcional2: porque a regra geral é a autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação a seus sócios e administradores, sendo a des-constituição dessa autonomia determinada em situações especiais auto-rizadas em lei.

4 Entre tantas menções temos essa referência em Requião, 1977, p. 67-68; Ramos, 2012, p. 403; Guimaraes, 1998, p. 33-34; Freitas, 2002, p. 58-59, Martins, 2009, p. 199.

5 A obra em questão era “Il Superaramento dela Personalità Giurídica dele Società di Capitali nella Common Law e nella Cicil Law”, de Piero Verrucoli, da Universidade de Piza.

6 A obra em questão era “Aparencia y Realidad em las sociedades Mercantiles – El Abuso de Derecho por Medio de la Persobna Juridica”, de Rolf Serick, da Universidade de Tübigen.

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Pretensão satisfativa3: porque revela a função teleológica da apli-cação da teoria da superação, que é um objetivo econômico-financeiro, avançando sobre o patrimônio dos administradores e sócios da pessoa jurídica.

3.1 Formas de eFetivação da desConsideração da personalidade jurídiCa

Apresentamos quatro formas distintas de efetivação da desconsi-deração da personalidade jurídica: a) direita; b) incidental; c) inversa; e d) indireta.

3.1.1 Desconsideração direta da personalidade jurídica

Quando a fraude aos credores se apresenta de plano, pode-se in-tentar a desconsideração para alcançar aquele que efetivamente praticou o ato lesivo aos credores, utilizando-se da sociedade para agir ilicitamen-te. Desse modo, somente serão atingidos aqueles sócios que efetivamen-te se beneficiaram das ilegalidades apresentadas. Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

Ação de cobrança ajuizada por fiador de locação imobiliária comercial escrita contra os sócios da inquilina. Autorizada, in casu, a desconside-ração da personalidade jurídica da locatária/devedora Sorella Veículos. Apelo do requerido improvido. (TJSP, AP 1.097.503-0/8, 27ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Campos Petroni, J. 07.08.2007)

3.1.2 Desconsideração incidental da personalidade jurídica

Existem situações em que a fraude aos credores não é detectada ab initio, mas sim durante o curso do processo. Nesse caso, teremos uma desconsideração incidental da personalidade jurídica, sem a neces-sidade de uma ação autônoma para tal intento, desde que se assegure o contraditório. Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o pedido de descon-sideração da personalidade jurídica. Inadmissibilidade. Não foram loca-lizados ativos financeiros e tampouco os representantes legais da pessoa jurídica executada. Fatos que escapam à normalidade. Empresa ativa, mas que não apresenta qualquer indicação do exercício regular de sua atividade empresarial. Elementos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica. Aplicação do art. 50 do Código Civil, de forma

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incidental, na fase de cumprimento de sentença. Recurso provido. (TJSP, AI 0224955-68.2010.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, J. 24.08.2010)

3.1.3 Desconsideração inversa da personalidade jurídica

Aqui o caso é exatamente inverso de que vimos até o momento. Ao invés de desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para avançar sobre os bens dos sócios ou administradores, o vetor é de avançar sobre os bens da pessoa jurídica, para satisfação dos credores dos sócios.

A desconsideração inversa tem sido muito aplicada no âmbito do direito de família, em situações em que um dos cônjuges que pretende se separar deliberadamente se empenha em esvaziar o patrimônio do casal, com animus fraudandi, transfere os bens para uma sociedade, di-lapidando, assim, a meação do outro cônjuge ou, ainda, frustrar a exe-cução de alimentos.

Logo, da mesma forma que a desconsideração incidental, na des-consideração inversa são colacionadas todas as empresas dos sócios, para satisfazer os credores dos sócios. Destacamos o acórdão que repre-senta a jurisprudência dominante desse entendimento.

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALI-DADE JURÍDICA INVERSA – DISREGARD DOCTRINE – FINALIDADE – ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL – FRAUDE OU ABUSO DE DIREITO – ESVAZIAMENTO DO PATRIMÔNIO PESSOAL – INTEGRALIZAÇÃO NA PESSOA JURÍDICA – I – A desconsideração inversa da personalida-de jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu pa-trimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obriga-ções do sócio. II – Tendo em vista que a finalidade do Disregard Doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpreta-ção teleológica do art. 50 do CC, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de forma a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto previstos os re-quisitos da norma. (STJ, AREsp 702483/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 18.05.2015)

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3.1.4 Desconsideração indireta da personalidade jurídica

Aqui temos outra nuance interessante, quando a desconsideração da personalidade jurídica atinge um grupo econômico, que utiliza de uma coligada ou controlada como algum objetivo ilícito. Portanto, a sociedade controladora deve submeter a sociedade controlada ou co-ligada, valendo-se da sua condição dominante para fraudar credores. Nesse caso, a desconsideração se aplica ao grupo econômico, descon-siderando-se a personalidade jurídica da sociedade controlada para al-cançar a sociedade controladora. Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

RECURSO ESPECIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JU-RÍDICA (DISREGARD DOCTRINE) – HIPÓTESES – 1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao grupo controlador a responsabilidade pela dívida, pressupõe – ainda que em juízo de superficialidade – a indicação comprovada de atos fraudulen-tos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade. 2. No caso a des-consideração teve fundamento no fato de ser a controlada (devedora) simples longa manus da controladora, sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art. 500 do Código Civil de 2002. 3. Recurso es-pecial conhecido. (STJ, REsp 744.107/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 20.05.2008)

3.2 as Figuras jurídiCas inseridas na desConsideração da personalidade jurídiCa

A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações, independente de seus sócios, e atua sem qualquer ligação com a vontade deles; desse modo, a priore, o patrimônio dos sócios não se confunde com o patrimônio social. Essa autonomia patrimonial deixa uma abertura razoável, para que os credores sejam lesados, mediante abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, como destacado no art. 50 do Código Civil, legitimando a autorização, episódica, da personalidade jurídica, para coibir tais frau-des (Diniz, 2002, p. 65).

Os adeptos da teoria objetiva ou teoria maior consideram abusivo o direito exercido contrariamente aos seus fins sociais e econômicos, independentemente do interesse do agente. Os adeptos da teoria subje-tiva ou teoria menor consideram abusivo o direito quando identificada a

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intenção do agente em causar prejuízo ou, pelo menos, a consciência da inexistência de interesse pelo titular do direito, irregularmente exercido.

São posições muito distintas, em que a regra geral está na teoria maior ou subjetiva, mais adequada à Disregard Doctrine estruturada por Rolf Serick. Na prática, porém, a teoria menor ou objetiva é que ganha cada vez mais proeminência nos Poderes Legislativo e Judiciário.

Façamos, então, nesse contexto, uma abordagem dessas figuras jurídicas do abuso de direito e da fraude, elementos essenciais ligados à teoria maior* (teoria subjetiva); bem como o desvio de finalidade, a confusão patrimonial, o excesso de poder e a má administração, esses mais ligados à teoria menor** (teoria objetiva).

a) abuso de direito* consiste no uso irregular, anormal do direi-to, com o propósito de prejudicar terceiros. Nesse sentido, o abuso de direito indica a incompatibilidade entre o exer-cício de direito subjetivo e a função social do direito. Não podemos esquecer que o direito visa a ordenar a convivência social, e, assim, o exercício de um direito deve atender a uma finalidade social (Requião, 1977, p. 72-73). Desse modo, um ato, mesmo em conforme a lei, for contrário a essa finalidade, teremos configurado um ato abusivo, mesmo que revestido de uma aparente legalidade.

b) fraude* nesse estudo tomaremos como uma trama maliciosa, com o intuito de acobertar a verdade ou o cumprimento de obrigação, com o intuito de prejudicar ou lesar terceiros ou a coletividade. Pode ser detectada em duas formas: b.1) fraude à lei, quando os sócios se ocultam por trás da pessoa jurídica, para fugir da incidência da lei; ou b.2) fraude ao contrato, quando os sócios utilizam a pessoa jurídica para burlar de-terminado impedimento contratual. De todo modo, a frau-de se associa à má-fé, como negação do princípio da boa-fé (Martins, 2009, p. 50).

c) desvio de finalidade**, pela concepção subjetivista, ocorre quando a sociedade é utilizada para fins diversos daqueles estabelecidos no contrato, atendendo propósitos distintos da-queles de quando foi concebida. Consideramos como uma

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subespécie do abuso de direito, seguindo a leitura do art. 50 do Código Civil, que veremos mais adiante.

d) confusão patrimonial**, partindo de uma concepção objeti-va, refere-se à situação em que o patrimônio dos sócios e da sociedade se confundem. Há, então, um imiscuimento e uma promiscuidade tal entre os patrimônios que não se consiga determinar uma nítida separação entre cada um deles. Tam-bém, pelo mesmo motivo, consideramos uma subespécie do abuso de direito.

e) ato praticado com excesso de poderes**, nesse caso, um ter-ceiro (sócio, administrador ou representante) pratica um ato em nome da sociedade, mas que extrapola os limites dos po-deres instituídos para o exercício da função.

f) má administração**, são atos ligados à má gestão da pessoa jurídica, que possa levá-la ao estado de insolvência, à inativi-dade, à falência ou ao encerramento.

4 A DeScONSIDeRAÇÃO DA peRSONAlIDADe JURÍDIcA NO ORDeNAmeNTO JURÍDIcO bRASIleIRO

Passado a fase de construção e das especificidades da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, passemos, então, a sua efeti-va aplicabilidade, passando para o ordenamento jurídico brasileiro.

Em que pese a Disregard Doctrine ser uma “teoria”, a aplicação constante de uma teoria, pode-se dizer que a “teoria” acaba por ser in-corporada ao ordenamento jurídico.

4.1 no Código de deFesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 – foi o primeiro instrumento normativo brasileiro com menção expressa da desconsideração da pessoa jurídica, insculpido no art. 28, prevendo as hipóteses do abuso de direito, do excesso de poder, da infração de lei, da violação dos estatutos e da falência por má administração, e identifi-cando-se com a responsabilidade objetiva.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da socie-dade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos esta-

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tutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quan-do houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

[...]

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO – INSCRIÇÃO INDEVIDA – DANO MO-RAL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – INSOLVÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA – DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – ART. 28, § 5º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES DO STJ – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVI-MENTO AO RECURSO ESPECIAL – INSURGÊNCIA DA RÉ – 1. É possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária – acolhida em nosso ordenamento jurídico, excepcionalmente, no Direito do Consumidor – bastando, para tanto, a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemen-te da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, é o suficiente para se “levantar o véu” da personalidade jurídica da socieda-de empresária [...]. (STJ, AgRg-REsp 1106072/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, J. 02.09.2014)

4.2 na legislação antitruste

O art. 18 da Lei nº 8.884/1994 – Lei Antitruste –, revogada pela Lei nº 12.529/2011, faz referência expressa à desconsideração da per-sonalidade jurídica, valendo-se das mesmas figuras elencadas no art. 28 do CDC e, do mesmo modo, identifica com a responsabilidade objetiva.

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerra-mento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má adminis-tração.

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Nesse contexto, pode-se dizer que são conexos, pois as suas ori-gens também são semelhantes. No Brasil, nos idos dos anos 90, sofre graves mudanças nos aspectos econômicos e jurídicos, que tornaram diversos institutos jurídicos inadequados à realidade social da época. A internacionalização da economia, iniciada na Presidência Fernando Collor de Mello, reforçou esse caldo de cultura. Consequentemente, o ordenamento jurídico haveria de ser modificado (Lins, 2002, p. 47-49).

O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 – entra em vigor não para punir, mas para evitar danos aos consumidores e, de maneira transversal, preservar o mercado. A Lei de Concorrência ou Lei Antitruste – Lei nº 8.884/1994 – vem nessa mesma esteira, também para não punir, mas para resguardar interesse do mercado.

Uma nova evolução nesse cenário requer uma nova adequação legislativa. Temos, então, a promulgação da Lei nº 12.529/2011, que, no art. 34, deixa clara a intenção do legislador, abarcando as mesmas figuras jurídicas do diploma anterior.

Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando hou-ver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pes-soa jurídica provocados por má administração.

4.3 na legislação de deFesa do meio ambiente

O constituinte brasileiro revelou uma preocupação especial com o meio ambiente, alçando a sua proteção como direito difuso, sujeito a um tratamento diferenciado, como se depreende na leitura dos arts. 225, § 3º, e 170, inciso VI, da Constituição Federal.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

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§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferen-ciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

A Lei de Defesa do Meio Ambiente – Lei nº 9.605/1998 – segue a mesma tendência da Lei Antitruste – Lei nº 8.884/1994, substituída pela Lei nº 12.529/2011, que foi proposta pelo Código de Defesa do Consu-midor – Lei nº 8.078/1990. Os dois primeiros textos foram claramente inspirados pelo Código de Defesa do Consumidor, acompanhando as mudanças na sociedade brasileira, com se percebe pela linha temporal de promulgações.

Embora a Lei de Defesa do Meio Ambiente não replique, expres-samente, as figuras jurídicas dos outros dispositivos legais, não há que se falar de sua inaplicabilidade na seara ambiental. A responsabilidade é objetiva, pois o mote da legislação ambiental é retirar obstáculos ao ressarcimento dos danos ambientais (art. 4º da Lei nº 9.605/1998), da mesma maneira que a lei consumerista adota os danos aos consumido-res (art. 28 da Lei nº 8.078/1990), com textos idênticos.

Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua per-sonalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qua-lidade do meio ambiente.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica.

[...]

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

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Apesar dos três textos legislativos – Código de Defesa do Consu-midor, Lei Antitruste e Lei Proteção ao Meio Ambiente – destacarem, expressamente, a desconsideração da personalidade jurídica, não há como vinculá-los à formulação doutrinária que deram origem à Disre-gard Doctrine, pois a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deriva do mero prejuízo ao credor – consumidor, mercado e meio ambiente –, ligada mais à teoria menor (Ramos, 2012, p. 404-405).

Colacionamos, então, dois acórdãos que representam a jurispru-dência consolidada sobre o tema.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Pedido de desconsideração da persona-lidade jurídica. Possibilidade. Aplicação do disposto no artigo 4º da Lei nº 9.605/1998, da Súmula nº 435 do STJ e legislação esparsa. Recurso provido. (TJSP, AI 0461166.22.2010, Câmara Reservada ao Meio Am-biente, Rel. Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro, J. 03.03.2011)

Desconsideração da personalidade jurídica (art. 4º da Lei nº 9.605/1998). Indeferimento. Providência que seria justificável, uma vez que já foi de-cretada a falência da pessoa jurídica em outro processo. Medida que, no entanto, se afigura inócua no caso concreto. Sócios devidamente citados e representados nos autos. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP, AI 2035333-28.2013.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambien-te, Rel. Paulo Alcides Amaral Salles, J. 20.03.2014)

4.4 no Código Civil

Em que pese à importância no Código Civil – Lei nº 10.406/2002 –, entendemos adequada a apresentação, primeiramente, destes três di-plomas legais – promulgados em 1990, 1994 e 1998 – para nos debru-çarmos sobre legislação civilista, no que se refere à desconsideração da personalidade jurídica, pois entra, também, no escopo de uma evolução dos valores da sociedade brasileira.

Apesar de termos anteriormente diplomas específicos para trata-mento do Direito Civil – Código Civil, Lei nº 3.071/1916 – e do Direito Comercial – Lei nº 556/1850 –, e considerados ramos independentes7,

7 A Constituição Federal de 1988, no inciso I do art. 22, determina que compete privativamente à União legislar sobre Direito Civil e Direito Comercial, ou seja, faz uma segregação entre os dois ramos, consequentemente, temos que são ramos distintos. Corroborando com esse entendimento, temos a posição de Fran Martins (2009, p. 30), que assevera que “o Direito Comercial não se confunde com o Civil, não obstante os inúmeros pontos de contato existentes entre ambos”.

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o Código Civil de 2002 se comporta como Código Geral de Direito Pri-vado.

Daí a pertinência de abordar o tema da desconsideração da per-sonalidade jurídica apontando para a teoria da Disregard Doctrine com mais qualidade, e calcada na proposição original apresentada por Rubens Requião, calcada no abuso de direito1, mas com as devidas e pontuais adequações à realidade social (Ramos, 2012, p. 405).

O Código Civil, no art. 50, permite a desconsideração da persona-lidade jurídica em caso de abuso1, caracterizado pelo desvio de finali-dade da pessoa jurídica2 ou pela confusão patrimonial3.

Art. 50. Em caso de abuso1 da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade2, ou pela confusão patrimonial3, pode o juiz deci-dir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Esse tipo de abuso de direito que causa prejuízo a terceiros, o que deve se verificar in concreto, mais adequado à teoria maior, ou seja, a responsabilidade é subjetiva, como dito, ao contrário dos três textos nor-mativos vistos anteriormente. Há a necessidade de comprovar o mau uso da personalidade jurídica pelo sócio ou administrador (Ramos, 2012, p. 245). Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência domi-nante desse entendimento.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC) – EXECU-ÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSO-NALIDADE JURÍDICA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PRO-VIMENTO AO AGRAVO – INSURGÊNCIA DA EXECUTADA – 1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, medida excepcional pre-vista no art. 50 do Código Civil de 2002, pressupõe a ocorrência de abu-sos da sociedade, advindos do desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial. 2. A desconsideração da personalidade jurídica é regra de exceção, aplicável somente a casos extremos, em que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou confusão patrimonial (cf. EREsp 1306553/SC, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe de 12.12.2014). [...]. (STJ, AgRg-AREsp 402622/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, J. 05.05.2015)

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4.5 na legislação tributária

O Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/1966 – também aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O inciso VII do art. 134 estabelece que os sócios, em caso de liquidação da so-ciedade de pessoas, respondem solidariamente pelos débitos fiscais da empresa. Já o inciso III do art. 135 aponta que os gerentes, diretores ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias, re-sultantes de atos praticados com excesso de poder ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.

No âmbito do processo tributário, o viés é da relevância do tri-buto como propriedade de todos os cidadãos, utilizando, por analogia, o princípio constitucional da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem respon-sáveis:

[...]

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

[...]

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de di-reito privado.

Em especial, pertinente à arrecadação das contribuições sociais, temos no art. 30 da Lei nº 8.212/1991 – Lei de Custeio da Seguridade Social – a responsabilidade solidária das empresas de grupo econômico.

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de ou-tras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

[...]

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IX – as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei.

Nesse mesmo sentido, quanto à responsabilidade pelos débitos com a Seguridade Social, temos no art. 268 do Decreto nº 3.048/1999 – Regulamento da Previdência Social – a responsabilidade solidária dos bens do titular da firma individual e dos sócios cotistas da sociedade limitada, de maneira objetiva, e dos acionistas controladores, adminis-tradores e gerentes, quando ocorrer o dolo.

Art. 268. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à seguridade social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os ge-rentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a seguridade social, por dolo ou culpa.

Em relação ao imposto de renda, no Decreto nº 3.000/1999 – Re-gulamento do Imposto de Renda (RIR) –, os incisos IV e VI do art. 210 repetem as figuras jurídicas já destacadas anteriormente.

Art. 210. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

[...]

IV – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas;

[...]

VI – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de di-reito privado.

Assim, pelo exposto temos que, nas execuções fiscais, o requisito indispensável para a desconsideração da personalidade jurídica é exis-tência de atos praticados pelos sócios ou administradores com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos (Torres, 2005, p. 68). Tal entendimento pode ser verificado no acórdão paradigma da jurisprudência dominante sobre o tema.

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PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – REDIRECIONAMENTO – ART. 135 DO CTN – AGRAVO LEGAL DESPROVIDO – 1. O redire-cionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa é cabí-vel apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou estatuto, contrato social, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, não se incluindo o simples inadimplemento da obrigação tributária (art. 135 do CTN). 2. A desconsideração da perso-nalidade jurídica da sociedade dissolvida irregularmente não pode ser decretada com o apoio exclusivo na impontualidade da pessoa jurídica, até porque a insuficiência de bens necessários à satisfação das dívidas contraídas consiste, a rigor, em pressuposto para a decretação da falência e não para a desconsideração da personalidade jurídica [...]. (TRF 3ª R., AC 1633165, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, J. 23.06.2015)

Cabe aqui ressaltar o entendimento do STJ, representado pela Sú-mula nº 435, que autoriza que a execução fiscal seja direcionada ao ad-ministrador, caracterizando presumida a dissolução irregular da pessoa jurídica.

Súmula nº 435/STJ. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Nesse sentido, apresentamos o acórdão paradigma que representa a jurisprudência do entendimento sumulado.

EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO A SÓCIO-GERENTE – CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA – INDÍCIO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR – SÚMULA Nº 435/STJ – [...] Ante o exposto, com funda-mento no art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao recurso especial para autorizar o redirecionamento da execução aos sócios-gerentes. (STJ, REsp 1520785/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, J. 07.04.2015)

Por outro lado, há também posição pacífica do STJ de que o sim-ples inadimplemento não configura, por si só, razão suficiente para a responsabilização dos sócios, pois há de estar caracterizado o excesso de poder ou a infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.

REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA – FGTS – POSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE SE COM-

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PROVAR OS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 135 DO CTN – RE-DIRECIONAMENTO POR SIMPLES INADIMPLEMENTO – IMPOSSIBILI-DADE – ENTENDIMENTO ORIGINÁRIO EM CONSONÂNCIA COM O DESTA CORTE – AGRAVO CONHECIDO – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (STJ, AREsp 701764/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, J. 16.06.2015)

Cabe ressaltarmos que as hipóteses de dissolução da empresa es-tão elencadas no art. 1.033 do Código Civil, acrescida de uma última destacada no art. 1.035 do mesmo diploma legal, qual seja, previsão contratual, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. Desse modo, entendemos que, não existindo uma hipótese expressa na norma, as demais dissoluções podem ser declaradas como irregulares.

4.6 na legislação do trabalHo

No § 2º do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, possibi-lita-se a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídi-ca. Assim, as sociedades com personalidades distintas umas das outras, mas integrantes de um mesmo conglomerado econômico, respondem solidariamente com débitos trabalhistas, mesmo que não seja sociedade empregadora principal, ou seja, a responsabilidade é objetiva, não sen-do necessário prova da fraude ou abuso de direito.

Art. 2º [...]

[...]

§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada uma de-las, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle, ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

A empresa no Direito do Trabalho tem conceito mais amplo do que nos ramos de direito privado, posto que o crédito trabalhista deri-vou do esforço do trabalhador, mesmo que mesclado com a capacidade empreendedora dos administradores; portanto, deve ser buscado o pa-trimônio empresarial, independente de quem o detenha (Santos, 2003, p. 170).

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Um fator que aproxima o Direito do Trabalho com o direito do consumidor é a vulnerabilidade do trabalhador, semelhante ao do con-sumidor. Outro ponto de contato é percebermos como a sociedade con-temporânea é consumista (de certa forma, hedonista), que nos leva a entender o salário não somente como elemento de subsistência, para sobrevivência física, mas como elemento da própria de existência, para sobrevivência social.

Portanto, no âmbito do Direito do Trabalho, a importância social do crédito trabalhista requer a proteção, por analogia, semelhante a do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor; logo, o crédito deve ser pago, e com preferência sobre os demais créditos. A jurisprudência nes-se sentido pode ser representada pelo acórdão a seguir:

EXECUÇÃO – RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS – LIMITAÇÃO – O crédito trabalhista é preferencial e deve ser satisfeito pelo devedor. O que não se pode e, em nome disso, pretender causar prejuízos a terceiros de boa fé e surpreender relações jurídicas já consolidadas no tempo em razão de uma deficiência que não se pode atribuir a quem, de boa-fé, manteve-nos no exercício da empresa. Ser empresário e trabalhador são direitos da mesma dimensão e do mesmo valor. O instituto da descon-sideração da personalidade jurídica não se presta a causar prejuízos a terceiros de boa-fé, ao contrário, serve para proteger tais terceiros contra o abuso no uso da atribuição da personalidade. (TRT/SP, Ap 0113600-45.1991.5.02.0030, 3ª Turma, Juíza Relª Desig. Thereza Christina Nahas, Publicado 20.04.2012)

A qualidade preferencial do crédito trabalhista não é uma constru-ção nova; pelo contrário, temos outros ramos do Direito que reforçam essa prioridade. Podemos verificar tal situação, por exemplo, no Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/1966 –, no art. 186; e na Lei de Falên-cias – Lei nº 11.101/2005 –, nos arts. 83, I, e 151:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decor-rentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 salá-rios-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho.

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Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial ven-cidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja dispo-nibilidade em caixa.

Quanto à questão mais específica do grupo de empresas, podemos inferir que se trata de responsabilidade solidária, por não decorrer efeti-vamente de uma ilicitude; logo, fora do alcance da desconsideração da personalidade jurídica (Guimarães, 1998, p. 37).

Se percorrermos outro caminho, também saindo da CLT e pas-sando pela legislação tributária, encontraremos no art. 889 da CLT au-torização expressa para que, subsidiariamente, utilizemos a legislação pertinente à cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, regu-lamentada na Lei nº 6.830/1980.

Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicá-veis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

A Lei nº 6.830/1980, no seu art. 4º, caracteriza a possibilidade de chamar os administradores da sociedade em caso de insolvência da sociedade.

Art. 4º A execução fiscal poderá ser promovida contra:

I – o devedor;

[...]

V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;

VI – os sucessores a qualquer título.

§ 1º Ressalvado o disposto no art. 31, o síndico, o comissário, o liquidan-te, o inventariante e o administrador, nos casos de falência, concordata, liquidação, inventário, insolvência ou concurso de credores, se, antes de garantidos os créditos da Fazenda Pública, alienarem ou derem em garantia quaisquer dos bens administrados, respondem, solidariamente, pelo valor desses bens.

Encontramos acolhimento desse entendimento no fragmento de acórdão, em agravo de petição, da lavra do Tribunal Regional da 2ª

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Região, em que o mote era a desconsideração da personalidade jurídica da reclamada e a inclusão no polo passivo da execução as empresas contempladas no grupo econômico a que pertencia a reclamada.

Ausência de título executivo contra a agravante. Desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução. O integrante do grupo eco-nômico pode ser responsabilizado na execução. O mesmo ocorre com os sócios ou diretores da empresa devedora principal. O procedimento encontra amparo nos artigos art. 568 do CPC c/c art. 2º, § 2º, art. 889 da CLT, § 2º do art. 4º da Lei nº 6.830/1980, art. 135 do Código Tributário Nacional e art. 28 da Lei nº 8.078/1990 [CDC]. Rejeito a arguição de nuli-dade, não se caracterizando, pois, qualquer ofensa o princípio do devido processo legal e coisa julgada. (TRT/SP, AP 0216400-33.2004.5.02.0019, Relª Desª Iara Ramires da Silva de Castro, J. 02.07.2015)

4.7 na legislação soCietária

O art. 158 da Lei de Sociedades Anônimas – Lei nº 6.404/1976 – dispõe que os administradores respondem civilmente pelos prejuízos que causarem durante a sua gestão na sociedade, quando proceder com culpa, dolo ou violação ao estatuto ou à lei.

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obriga-ções que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.

Já, no art. 117 do mesmo diploma legal, o acionista controlador, quando agir com abuso de poder, responde pelos danos causados.

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

Interessante destacar que esse dispositivo elenca os casos que se caracterizam como abuso de poder no § 1º, que pode ser entendido, salvo melhor juízo, como numerus clausulus.

Em uma análise mais apurada, poder-se-ia dizer que não se trata, efetivamente, de um caso de desconsideração da personalidade jurídica,

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apesar de termos abordado figuras jurídicas pertinentes à desconside-ração, mas sim de imputação de responsabilidade direta e pessoal dos sócios e administradores.

Temos, por fim, outro caso societário, na ocorrência de má con-dução dos negócios por administradores de instituições financeiras que venham a sofrer intervenção do Banco Central e tivesse a sua liquidação extrajudicial decretada.

Art. 36. Os administradores das instituições financeiras em intervenção, em liquidação extrajudicial ou em falência, ficarão com todos os seus bens indisponíveis não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas respon-sabilidades.

§ 1º A indisponibilidade prevista neste artigo decorre do ato que decretar a intervenção, a extrajudicial ou a falência, atinge a todos aqueles que tenham estado no exercício das funções nos doze meses anteriores ao mesmo ato.

4.8 na legislação para liCitações

Aqui a questão toma novas nuances, pois adentramos o direito público, de sobremaneira, diferente do que tratamos no direito tribu-tário, calcando no disposto no art. 37 da Constituição Federal. Os que entendem inaplicável a desconsideração da personalidade jurídica nos processos licitatórios, apontam para o princípio da legalidade, que: a) limita a ação do agente público, que não possui vontade própria; e b) não há no ordenamento jurídico permissão expressa para a aplicação da desconsideração. Por outro lado, os que entendem cabível a descon-sideração apontam para o princípio da moralidade, como vetor autori-zante, posto que, convenhamos, o abuso de direito praticado com intui-to de fraudar a lei não pode ser admitido pela Administração Pública, mesmo que revestidos de certa “legalidade” (Pegoraro, 2010, p. 79-84).

A Lei nº 8.666/1993 – Lei de Licitações –, em seu art. 3º, também acompanha os princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Assim, entendemos que, havendo inequívoca intenção de fraudar a lei, abre-se possibilidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da empresa licitante, caso os bens da empresa forem insuficien-tes para ressarcir os danos causados ao patrimônio público.

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Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio cons-titucional da isonomia, [...] e será processada e julgada em estrita confor-midade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Enquanto não há um posicionamento normativo, a jurisprudência caminha no sentido de considerar o princípio da moralidade como rele-vante para determinar a possibilidade da desconsideração da personali-dade jurídica, representado pelo acórdão a seguir.

ADMINISTRATIVO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JU-RÍDICA DETERMINADA NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – EXTEN-SÃO DA PENALIDADE APLICADA À PESSOA JURÍDICA PERTENCENTE AO MESMO GRUPO ECONÔMICO – INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, COMPETITIVIDADE E IMPESSOALI-DADE – ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELAS CORTES SUPERIORES – Havendo indícios de violação aos princípios da moralidade, impessoa-lidade e competitividade dos certames licitatórios, se afigura plenamen-te possível a desconsideração da personalidade jurídica para estender os efeitos da sanção administrativa à outra empresa integrante do grupo econômico, a qual possui os mesmos sócios, corpo diretivo e endereço. (TJSC, MS 2013.055573-2, Rel. Luiz Cézar Medeiros, J. 09.04.2014)

4.9 na legislação antiCorrupção

Inicialmente, temos que estão estampados no art. 37 da Constitui-ção Federal os princípios que regem a Administração Pública. Os atos de improbidade administrativa se referem àqueles que atentam aos prin-cípios da Administração Pública (art. 11 da Lei nº 8.429/1992) e que acarretem danos ao patrimônio público (art. 10 da Lei nº 8.429/1992).

A Lei nº 8.429/1992, em seu art. 3º, trata da responsabilização de terceiros que concorram ou induzam na prática de atos de improbidade administrativa, ou seja, dentro da esfera pública.

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a práti-ca do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

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A Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/1913 – entrou em vigor no começo de 2014 e causou certo alvoroço devido ao clima de insatisfa-ção da sociedade com alguns casos de corrupção na esfera pública que ganharam grande repercussão social.

No seu art. 14 temos uma disposição expressa da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades, também com as figuras do abuso de direito, da fraude e da confusão patrimonial e com a responsa-bilidade objetiva prevista no art. 2º.

Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei prati-cados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de admi-nistração, observados o contraditório e a ampla defesa.

Por ser legislação recente, ainda não temos uma jurisprudência só-lida sobre o tema, mas poderá, no nosso entendimento, seguir a mesma linha da legislação consumerista, ambiental e concorrencial, pois está calcada em fundamentos similares.

4.10 no novo Código de proCesso Civil – lei nº 13.105/2015

4.10.1 Normas Fundamentais do processo civil

Inicialmente, faremos um breve introito sobre o capítulo de aber-tura do novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015 –, que tra-ta das normas fundamentais do processo civil, que não se revestem de mera escolha ou inclinação das partes, mas sim como obrigação proces-sual que devem ser reconhecidas e obedecidas.

Faremos, então, um recorte naquelas que são, a nosso ver, impor-tantes para a análise da desconsideração da personalidade jurídica:

a) Boa-fé processual: representada pelo art. 5º do novo CPC, de-termina que durante o processo as partes devem comportar-se dentro da estrita observância da boa-fé processual. Aliás, a

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boa-fé processual é um dos pilares que está baseado o novo Código de Processo Civil.

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve com-portar-se de acordo com a boa-fé.

b) Dever de cooperação efetiva: trata-se de um princípio da ci-ência processual moderna, em que o processo civil é tratado como uma relação jurídica entre sujeitos processuais, isto é, entre juiz e as partes, de um lado, e as partes entre si, do ou-tro. Nesse sentido, o juiz e as partes se relacionam entre si no sentido de alcançar o propósito processual: a restauração da paz jurídica perturbada; e as partes participam efetivamente da gestão do processo (Greger, 2012, p. 125).

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

c) Efetivo contraditório: embora possa parecer contraditório acoplar dever de cooperação (art. 6º do NCPC) e direito ao contraditório (art. 7º do NCPC), como princípios do novo Có-digo de Processo Civil, eles podem (e devem) ser mitigados. O processo deve se desenvolver em um processo dialético que se permita a manifestação das partes (art. 9º do NCPC) em momento precedente ao ato decisório (Cabral, 2005, p. 59); entretanto, o direito ao contraditório não pode ser exercido ilimitadamente, sendo que o Estado deve exigir retidão das partes no manuseio do processo (instrumento público), como dever de colaboração para construção da decisão final (Chio-venda apud Cabral, 2005, p. 61).

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exer-cício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Na esfera trabalhista temos que o disposto nos arts. 8º e 769 da CLT indicam a utilização subsidiária do Código de Processo Civil, e, de modo reverso, o art. 15 do novo Código de Processo Civil indica que, “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas,

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ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas su-pletivamente e subsidiariamente”; logo, os procedimentos do instituto do incidente da desconsideração da personalidade jurídica estarão ade-quados ao processo trabalhista.

Na esfera tributária, o art. 1º da Lei nº 6.830/1980 assevera que, nas execuções judiciais para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias, será regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Na esfera consumerista, o art. 90 do CDC destaca que se aplicam as normas do Código de Processo Civil, naquilo que não o contrariar o Código nas ações judiciais de natureza consumerista.

Na esfera concorrencial, o art. 115 da Lei nº 12.529/1911 deter-mina que se aplique, subsidiariamente aos processos administrativo e judicial previstos nesta lei, as disposições do Código de Processo Civil (no caso expresso, ao que está em vigor).

Nos demais ramos, nas esferas administrativas ou judiciais, onde não há previsão expressa de procedimento específico para desconside-ração da personalidade jurídica, entendemos pacífica a utilização do novo Código de Processo Civil.

4.10.2 O incidente de desconsideração de personalidade jurídica

Depois de todo o caminho percorrido pelo leitor até este ponto, percebe-se que não houve menção a dispositivos processuais. O novo Código de Processo Civil inova, pois, além de trazer regulação proces-sual e procedimental, tipificando o incidente de desconsideração da per-sonalidade jurídica, que pode ser utilizado em qualquer fase do proces-so, mas abarcando a possibilidade de que tal procedimento se dê logo de plano na petição inicial. O mais importante, entretanto, foi abordar o viés processual, possibilitando uma margem segura de procedimentos (art. 133 a 137 do NCPC).

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe cou-ber intervir no processo.

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§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao dis-tribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da per-sonalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo in-terno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a one-ração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Importante destacarmos o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, determinados nos incisos LIV e LV do art. 5º da CF/1988, que estão contemplados no art. 135 do NCPC, pois o incidente de des-consideração da personalidade jurídica possibilitará o exercício do con-traditório pelos sócios, que pode diminuir, substancialmente, as críticas à desconsideração da personalidade jurídica.

Não podemos nos desviar, entretanto, do princípio da efetividade do processo, que tem por finalidade a eficácia da prestação jurisdicional

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a ser prestada pelo Estado, que deve se valer de todos os meios existentes para satisfazer o credor; logo, a desconsideração da personalidade jurí-dica do devedor é um instrumento passível de ser utilizado.

cONSIDeRAÇÕeS FINAIS

Por todo o exposto, buscou-se tratar, de forma didática, a respon-sabilidade dos diretores, gerentes ou representantes pelas obrigações tri-butárias da pessoa jurídica, trazendo-se as posições doutrinárias, legais e jurisprudenciais atuais.

O tema da desconsideração da personalidade jurídica é controver-tido, tendo posições relevantes tanto pró como contra a sua aplicação, mormente pela teoria menor; entretanto, a teoria da Disregard Doctrine é uma solução concreta e como instrumento de persecução da finali-dade do processo: a pacificação do direito esbulhado. Não se buscou a homogeneização de entendimentos, mas sim apresentar subsídios para que outros continuem a se debruçar sobre o tema.

A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil trará uma maior aplicabilidade e efetividade da desconsideração da personalidade jurídica e, possivelmente, poderá “pacificar” o seu uso como uma ferra-menta eficaz para uma decisão eficaz da prestação jurisdicional buscada pelo cidadão. Alea jacta est...

ReFeRêNcIAS

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 2007.51.04.004194‑7Nº CNJ: 0004194‑21.2007.4.02.5104Relator: Desembargador Federal Marcus AbrahamApelante: Joseli Soares FranciscoAdvogado: Paula Regina de Sales Rodrigues e outroApelado: Caixa Econômica Federal – CEF e outroAdvogado: Iane Rios Esquerdo e outrosApelado: Caixa Capitalização S/AAdvogado: Gustavo Miranda da Silva e outrosOrigem: Terceira Vara Federal de Volta Redonda (200751040041947)

ementa

DIReITO cIVIl – INDeNIZAÇÃO pOR DANOS mORAIS e mATeRIAIS – TÍTUlO De cApITAlIZAÇÃO NÃO ReGISTRADO – NÃO pARTIcIpAÇÃO em SORTeIOS pReVISTOS NO cONTRATO – mANUTeNÇÃO DO VAlOR De cONDeNAÇÃO pOR DANOS mATeRIAIS – mAJORAÇÃO DA INDeNIZAÇÃO pOR DANOS mORAIS – SUcUmbêNcIA RecÍpROcA

1. Configurado o erro das rés em não explicitar todos os requisitos para a formulação do título de capitalização, bem como em não sanar eventuais vícios na respectiva contratação.

2. A aquisição do título de capitalização não assegurava à autora o direito à percepção da quantia correspondente ao prêmio, pois este dependia de contemplação em sorteio.

3. Correto o valor de ressarcimento determinado pela sentença a tí-tulo de danos materiais sofridos pela autora, correspondente ao valor pago pela aquisição do título (R$ 100,00), acrescido da correção mo-netária prevista no contrato, nos termos do art. 403 do Código Civil.

4. O valor da indenização por danos morais deve ser majorado para R$ 3.000,00 (três mil reais), em razão das peculiaridades do caso, de modo a conciliar a pretensão reparatória com o princípio do não enriquecimento ilícito. Precedente deste Tribunal.

5. Quanto ao pedido de condenação às verbas de sucumbência, ve-rifica-se que, diante da disparidade entre os valores de indenização pleiteados e os efetivamente deferidos, notadamente quanto aos da-nos materiais, para os quais a autora pleiteava o pagamento do prê-

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mio máximo do título de capitalização, configura-se a sucumbência recíproca, a determinar a compensação dos honorários advocatícios, nos termos do art. 21, caput, do CPC.

6. Apelação da autora parcialmente provida.

aCórdão

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Egrégia Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da autora, nos termos do Voto do Relator, que fica fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2014.

Luiz Norton Baptista de Mattos Juiz Federal Convocado

relatório

Trata-se de apelação cível interposta por Joseli Soares Franco, às fls. 101/105, da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Volta Redonda nos autos da Ação Ordinária nº 2007.51.04.004194-7 (fls. 79/83), que condenou a Caixa Econômica Federal – CEF e a Caixa Capitalização S/A ao pagamento de indenização por danos morais, no montante de R$ 1.000,00, e materiais, no montante de R$ 100,00, à apelante, decorrentes de prêmios de sorteios oriundos de títulos de capi-talização, dos quais a apelante teria sido privada de participar.

O Juízo recorrido determinou o rateio das custas e deixou de efe-tuar qualquer condenação em honorários advocatícios, por entender que houve a sucumbência recíproca.

Em suas razões de apelação, a autora pretende, em síntese, a ma-joração dos valores de condenação, com os argumentos de que o dano material é oriundo da perda da chance de concorrer aos sorteios previstos no contrato, que possibilitariam um prêmio máximo de R$ 66.666,66. No que tange aos danos morais, sustenta que o quantum da condena-

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ção não corresponde à reparação devida, em razão da repercussão do evento danoso.

Pretende, ainda, a condenação das rés aos ônus sucumbenciais, por entender que, não obstante os valores das indenizações não terem atingido o patamar almejado, houve a procedência total do pedido, o que descaracterizaria a sucumbência recíproca.

Contrarrazões de CEF às fls. 108/117 e da Caixa Capitalização S/A às fls. 133/136.

Às fls. 121/125, o Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento da apelação.

Os presentes autos foram remetidos a este Juiz Federal Convocado por força da Resolução nº TRF2-RSP-2014/00014.

É o relatório.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2014.

Luiz Norton Baptista de Mattos Juiz Federal Convocado

voto

Estão presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admis-sibilidade da apelação, o que torna possível seu conhecimento.

A autora pretende a majoração dos valores das condenações em indenizações a título de danos morais e materiais.

As rés não efetuaram o devido registro do contrato referente ao título de capitalização contratado, o que impediu a autora de partici-par dos sorteios previstos, bem como de obter o ressarcimento do valor pago.

O Juízo a quo entendeu pela procedência parcial do pedido, e condenou as rés a devolverem à autora a quantia de R$ 100,00 (cem reais) a título de dano material, e ao pagamento de indenização por danos morais, de forma solidária, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Diante da sucumbência recíproca, deixou de condenar as partes ao pa-gamento de honorários advocatícios e determinou o rateio das custas.

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No presente caso, restou comprovado o erro das rés, uma vez que caberia àquelas não apenas explicitar todos os requisitos para a for-mulação do referido título, mas também fiscalizar e sanar eventuais ví-cios na contratação, como bem observado pelo Juízo a quo, ao citar o art. 6º, III, do CDC (fl. 81), que consagra, como direito do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Também é correta a argumentação de que a aquisição do título de capitalização, por si só, não assegurava à autora o direito à percepção da quantia correspondente ao prêmio, pois este dependia de contemplação em sorteio.

Todavia, é inegável o direito da autora a concorrer ao prêmio. Os sorteios prometidos pela CEF, ao oferecer o título de capitalização ao cliente, são, para este, o verdadeiro motivo do compromisso de não resgatar o valor depositado antes do prazo contratual especialmente pre-visto para este tipo de aplicação, diferentemente da poupança comum, onde o cliente pode dispor de seu saldo a qualquer tempo.

Além disso, tais sorteios são vendidos ao adquirente do título, pelo equivalente a 16,4355% do pagamento único, como se vê à fl. 21:

“Capital – é o montante constituído por 83,5645% do pagamento efe-tuado e que será mensalmente capitalizado e atualizado pela taxa de remuneração básica aplicada à caderneta de poupança, gerando o valor de resgate do título.”

Portanto, o sorteio não de trata de uma benesse da instituição ban-cária, mas sim um produto comercializado ao cliente.

O art. 403 do Código Civil, disciplina que “ainda que a inexecu-ção resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os preju-ízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Assim, no que tange à indenização a título de dano material, mos-tra-se correto o ressarcimento à autora do valor, devidamente atualiza-do, de R$ 100,00 (cem reais), que corresponde ao efetivamente pago pelo título de capitalização.

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Já quanto ao valor do dano moral, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) fixado na sentença mostra-se insuficiente a produzir a eficácia de-sejada, em razão das peculiaridades do caso.

Tal valor deve ser aumentado, como bem ressaltado pelo Minis-tério Público Federal, a fim de conciliar a pretensão reparatória com o princípio do não enriquecimento ilícito. Assim, fixo a condenação em R$ 3.000,00 (três mil reais).

A jurisprudência deste Eg. Tribunal posicionou-se da seguinte for-ma, ao analisar casos similares:

“CONSUMIDOR – INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO – NÃO PARTICIPAÇÃO NOS SORTEIOS PREVISTOS NO CONTRATO

1. Restou claro o erro da Caixa Econômica Federal, que, não obstante a irregularidade apresentada no título de capitalização com a falta de as-sinatura, não procedeu de forma correta, uma vez que à mesma caberia não só explicitar todos os requisitos para a formulação do referido título como fiscalizar e sanar eventuais vícios na contratação.

2. A aquisição do título de capitalização, no entanto, não assegura à au-tora o direito à percepção da quantia correspondente ao prêmio.

3. Correto o ressarcimento à autora, a título de indenização pelo dano material, o valor de R$ 100,00 (cem reais), que foi pago pelo título de capitalização, devidamente atualizado.

4. O art. 403 do Código Civil consagra que “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem pre-juízo do disposto na lei processual”.

5. O valor do dano moral, considerando as peculiaridades do caso, deve ser aumentado para R$ 3.000,00 (três mil reais), conciliando a pretensão reparatória com o princípio do não enriquecimento ilícito.

6. Configura-se a sucumbência recíproca, considerando-se a discrepân-cia entre os valores pleiteados e os valores acolhidos.

7. Apelação parcialmente provida.”

(AC 200751040041923, AC – Apelação Cível nº 456459, Rel. Dr. Luiz Paulo S. Araujo Filho, 5ª T.Esp., e-DJF2R – Data: 09.09.2010)

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Quanto ao pedido de condenação às verbas de sucumbência, verifica-se que, diante da disparidade entre os valores de indenização pleiteados e os efetivamente deferidos, notadamente quanto aos danos materiais, para os quais a autora pleiteava o pagamento do prêmio má-ximo do título de capitalização, configura-se a sucumbência recíproca, razão pela qual tal pedido não merece acolhimento.

Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação da autora, ape-nas para majorar o valor da condenação em razão por danos morais para R$ 3.000,00 (três mil reais).

É como voto.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2014.

Luiz Norton Baptista de Mattos Juiz Federal Convocado

Parte Geral – Ementário de Jurisprudência 2531 – Ação de cobrança – seguro empresarial – danos decorrentes de vendaval – relação

de consumo – dever de indenizar

“Apelação cível. Seguros. Ação de cobrança. Seguro empresarial. Danos decorrentes de vendaval. Relação de consumo. Inversão do ônus da prova. Dever de indenizar confi-gurado. Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte ré contra a sentença de procedência proferida nos autos da ação de cobrança de seguro empresarial. O contrato de seguro empresarial firmado pelas partes prevê cobertura para danos decorrentes de vendaval, excluindo expressamente as perdas, danos ou avarias ocasionados aos bens do segurador pela entrada da água da chuva, salvo se comprovadamente em consequência de risco coberto pela apólice. Em se tratando de relação jurídica jungida às normas pro-tetivas do sistema do consumidor, inclusive àquela que autoriza a inversão do ônus pro-batório, à parte ré incumbia demonstrar que os prejuízos suportados pela parte autora de-correram de sinistro não coberto pelo seguro. In casu, não logrou a seguradora requerida comprovar que os danos decorreram de infiltração. Frise-se que o relatório de regulação do sinistro, porque produzido unilateralmente e não submetido ao crivo do contraditório, não tem o condão de conduzir a lide à improcedência. Inexistindo nos autos qualquer elemento de prova capaz de corroborar a versão veiculada na contestação e nas razões recursais, o reconhecimento do dever de indenizar é medida imperativa. Sentença man-tida. Apelação desprovida.” (TJRS – AC 70057686719 – 6ª C.Cív. – Rel. Sylvio José Costa da Silva Tavares – J. 18.06.2015)

2532 – Ação de prestação de contas – contrato de mútuo bancário – ausência de interesse de agir

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de prestação de contas. Contrato de mútuo bancário. Ausência de interesse de agir. Recurso especial repetitivo. Agravo não provido. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.293.558/PR, da Relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, confirmou o entendimento de que, nos contratos de mútuo e financiamento, o devedor não possui interesse de agir para a ação de prestação de contas. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 560.142 – (2014/0196794-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 30.04.2015 – p. 1373)

2533 – Ação de revisão de contratos bancários – cheque especial e empréstimos pessoais – indenização por danos morais – negativação indevida

“Apelação cível. Ação de revisão de contratos bancários de cheque especial e de emprés-timos pessoais. Inovação de tese recursal da parte autora. Há na inicial pedido genérico de revisão de encargos e taxas sem especificação. Não cabimento. Juros remuneratórios. Limitação a 12% ao ano. Não cabimento. Capitalização de juros. Ausência de prova da contratação. Contrato de cheque especial anterior a 31.03./2000. Exclusão. Comissão de permanência. Cobrança. Cabimento. Limitação do valor à soma dos encargos remune-ratórios e moratórios pactuados sem cumulação com qualquer outro encargo. Cobrança indevida. Restituição. Pedido de indenização por danos morais. Negativação indevida. Ocorrência. Condenação da parte ré. Possibilidade. Devolução em dobro da quantia cobrada indevidamente. Impossibilidade. Não pode a parte pedir, de forma genérica, a revisão de cláusulas sem especificar quais pretende ver revistas. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade, se a taxa

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de juros pactuada não se mostra superior a uma vez e meia a taxa média anual pratica-da no mercado. É admitida a capitalização mensal dos juros nos contratos celebrados por instituições financeiras, após 31 de março de 2000, em virtude do disposto na MP 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, e desde que haja pactuação expressa. No julgamento do REsp Repetitivo nº 973827, em 27 de junho de 2012, a maioria dos ministros entendeu que ‘a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada’. Ausente a prova da contratação da capitalização de juros, é ilegal a sua co-brança e deve ser excluída. Pode ser cobrada comissão de permanência cujo valor deve ser limitado à soma da taxa de juros remuneratórios contratados com a taxa de juros de mora (limitados a 12% ao ano) e com a multa contratual (limitada a 2%), sem cumulação com qualquer outro encargo. A exclusão da capitalização de juros descaracteriza a mora e torna ilícita a inclusão do nome da parte autora em cadastros de restrição ao crédito. A simples negativação indevida de nome constitui fato bastante para que reste configurado um dano moral passível de ressarcimento. A hodierna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a aplicação da pena de devolução, em dobro, da quantia cobrada indevidamente, prevista, atualmente, no art. 42, parágrafo único, do CDC e no art. 940, do CCB/2002, que praticamente repetiu o disposto no art. 1.531, do CCB/1916, depende de prova cabal de culpa ou má-fé do suposto credor, não caracterizando a co-brança com base em disposição contratual. V.V. Os valores cobrados a maior devem ser, necessariamente, extirpados do montante da dívida e restituídos, de forma simples em re-lação aos encargos previstos no contrato, e, em dobro, em relação àqueles não previstos, pois, nessa hipótese, restou demonstrada a má-fé da parte ré em sua cobrança.” (TJMG – AC 1.0473.04.004801-8/001 – 17ª C.Cív. – Rel. Evandro Lopes da Costa Teixeira – DJe 23.06.2015)

2534 – Ação falimentar – requerimento formulado pelo Ministério Público – ilegitimidade ativa

“Apelação cível. Ação falimentar. Requerimento formulado pelo Ministério Público. Ile-gitimidade ativa. Art. 97, da Lei nº 11.101, de 2005. Rol taxativo. Ausência de direito indisponível. Interesse público primário. Credores específicos. Direitos individuais ou coletivos limitados. Matérias afetas à recuperação judicial. Apelação à qual se nega pro-vimento. 1. É taxativo o rol de pessoas legitimadas a requerer a falência de sociedade em-presarial, elencado no art. 97, da Lei nº 11.101, de 2005.2. O Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação falimentar quando não verificados presentes direitos indisponíveis ou de interesse social secundário, versado na garantia de toda coletividade, notadamente quando sustenta sua pretensão nos requisitos do art. 97, da Lei nº 11.101, de 2005.” (TJMG – AC 1.0283.14.002028-2/001 – 2ª C.Cív. – Rel. Marcelo Rodrigues – DJe 24.06.2015)

2535 – Ação monitória – contrato de abertura de crédito – cheque empresarial – documen-tos necessários – ausência

“Processual civil. Ação monitória. Contrato de abertura de crédito. Cheque empresarial. Ausência de documentação necessária. Demonstrativo de débito. Extratos da movimen-tação bancária. Evolução da dívida. Carência de ação. I – O procedimento monitório de que trata os arts. 1.102-A, 1.102-B e 1.102-C do Código de Processo Civil oportuniza ao

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credor a obtenção de um título executivo, pela via judicial, com vistas à realização de seu direito, a partir de prova escrita sem eficácia de título executivo. II – É certo que a Súmula nº 247 do Superior Tribunal de Justiça preceitua que ‘o contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento há-bil para o ajuizamento da ação monitória’. Todavia, no caso de obrigação pecuniária, não basta a mera apresentação do referido contrato e do débito consolidado, é preciso que a inicial venha instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação e necessários à demonstração dos fatos constitutivos do direito pretendido pelo autor (arts. 283, 333, e 1.102-A do CPC) atinentes ‘no caso sub examine’ à comprovação do crédito disponibilizado e demonstrativo de evolução da dívida. III – ‘Para o cabimento de ação monitória, não basta a apresentação do contrato de abertura de crédito em conta--corrente e do demonstrativo do débito consolidado, sendo ainda necessária a apresenta-ção dos extratos de movimentação bancária referentes ao período compreendido entre a concessão do crédito e o lançamento da dívida em conta de liquidação, a fim de que se possa aferir se a obrigação se constituiu legitimamente em face dos lançamentos efetua-dos na conta-corrente do devedor’ (AC 001273549.2000.4.01.3800/MG, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, Rel. Conv. Juiz Fed. Marcelo Velasco Nascimento Albernaz (Conv.), 5ª T., DJ p.106 de 28.11.2005). IV – Hipótese em que a Caixa Econômica Federal, no ajuizamento da ação monitória, para cobrança de valores substanciais, na ordem dos milhões, apresentou cópia do instrumento do Contrato de Abertura de Crédito Rotativo – Cheque Azul Empresarial, assinado pelo titular em 1994, acompanhado do demonstrativo de débito, no período a partir do inadimplemento, deixando de demonstrar, por meio de extratos, toda a movimentação bancária, do período compreendido entre a concessão do crédito e o lançamento da dívida em conta de liquidação, o que contraria o entendimen-to esposado e deixa de satisfazer os requisitos de procedibilidade. V – Agravo retido do apelante provido. Sentença anulada. Feito extinto sem julgamento do mérito. Apelação prejudicada.” (TRF 1ª R. – AC 2003.37.00.000137-0/MA – Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian – DJe 21.05.2015)

2536 – Ação rescisória contra o decreto falimentar – propositura pela sociedade empresá-ria com falência decretada – capacidade processual reconhecida – possibilidade

“Recurso especial. Ação rescisória contra o decreto falimentar. Propositura pela socieda-de empresária com falência decretada. Capacidade processual reconhecida. Afastamento da extinção do processo sem resolução de mérito. 1. A decretação da falência acarreta ao falido uma capitis diminutio referente aos direitos patrimoniais envolvidos na falência, mas não o torna incapaz, de sorte que mantém a legitimidade para a propositura de ações pessoais. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1126521 – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 25.03.2015)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de recurso especial interposto pelo recorrente, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso.

Consta dos autos, que o ora recorrente propôs ação rescisória contra a recorrida objeti-vando desconstituir decisão que decretou a sua falência.

O Tribunal de origem extinguiu o processo sem resolução de mérito por considerar a autora parte ilegítima para postular em juízo ao fundamento de que, com a decretação

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de sua falência, teria havido a dissolução da sociedade empresarial, restando suprimida sua personalidade jurídica e, por consequência, sendo-lhe retirada a capacidade de ser parte (pressuposto processual de validade).

O acórdão está assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA POR EMPRESA QUE TEVE SUA FALÊNCIA DECRETADA – EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – EXTINÇÃO DOS AUTOS SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – RE-CURSO DESPROVIDO – A decretação de falência acarreta a dissolução da sociedade comercial, retirando-lhe a personalidade jurídica e a capacidade de ser parte, razão pela qual esta não pode ser considerada como parte legítima para propor ação rescisória objetivando a desconstituição da sentença de decretação de falência. Após a decretação da falência, a sociedade comercial dá lugar à massa falida, a qual, apesar de não possuir personalidade jurídica, detém legitimação extraordinária para postular em juízo, devi-damente representada pelo síndico, nos termos do art. 12, III, do CPC” (e-STJ fl. 13).

A decretação de falência acarreta ao falido a perda de certa autoridade (capitis diminutio) referente aos direitos patrimoniais envolvidos na falência, mas não o torna incapaz, de forma que mantém a legitimidade para a propositura de ações pessoais.

Nas razões recursais, a recorrente aponta violação dos arts. 487, inciso I, do Código de Processo Civil e 103, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005, além de dissídio jurisprudencial.

Defende a sua legitimidade ativa para propor a ação rescisória na condição de parte do processo originário, nos termos do disposto no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Afirma, ainda, que o art. 103, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005 confere expres-samente legitimidade ao falido para intervir nos processos em que a massa seja parte ou interessada, podendo apresentar requerimentos e recursos, de modo que a decretação da falência não torna o falido incapaz para postular em juízo.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“Resta saber se alberga a sua pretensão – de propor ação rescisória contra a decisão que decretou a falência – o disposto no parágrafo único do art. 103 da Lei nº 11.101/2005, que ostenta a seguinte redação: ‘Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seques-tro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.

Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, re-querer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.’

A antiga Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/1945) possuía norma semelhante: ‘Art. 36. Além dos direitos que esta lei especialmente lhe confere, tem o falido os de fiscalizar a administração da massa, de requerer providências conservatórias dos bens arrecadados e fôr a bem dos seus direitos e interêsses, podendo intervir, como assis-tente, nos processos em que a massa seja parte ou interessada, e interpôr os recursos cabíveis.’

[...]”

Essa é a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

“A falência de uma sociedade empresária projeta, claro, efeitos sobre os seus sócios. Mas não são eles os falidos e, sim, ela. Recorde-se, uma vez mais, que a falência é da pessoa jurídica, e não dos seus membros. Os sócios, contudo, mesmo não sendo falidos, expõe-se a consequências decorrentes da quebra da sociedade. Dois fatores devem ser levados em conta no exame dos desdobramentos da falência na situação jurídica dos sócios: a função exercida na empresa e o tipo de sociedade. Desse modo, os efeitos da falência da sociedade sobre os sócios variam, em primeiro lugar, de acordo com a função

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exercida na empresa. Os investidos de poder de representação legal da sociedade (ad-ministrador da limitada ou diretor da anônima) possuem encargos de colaboração com o processo de falência e responsabilidade penal não imputáveis aos demais [...]. Em termos gerais, a lei atribui ao representante legal da sociedade falida os mesmos encar-gos processuais reservados ao empresário individual. De fato, sempre que o falido é a sociedade empresária, cabe aos seus representantes legais (diretores e administradores) prestar as informações e declarações, bem como se manifestar em juízo em nome dela.”

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, decidiu que o falido tem capacidade postulatória para propor ação rescisória visando a desconstituir o decreto falimentar.

2537 – Ação revisional de cláusulas contratuais – cédula de crédito bancário – capital de giro – Código de Defesa do Consumidor – inaplicabilidade

“Apelação cível. Ação revisional de cláusulas contratuais. Cédula de crédito bancário. Capital de giro. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Capitalização de juros. Periodicidade inferior a um ano. Admissibilidade. MP 1.963-17/2000. Comissão de permanência. Legalidade. Composição. STJ. Honorários advocatícios. Fixação. Critérios. Recurso parcialmente provido. I – Comprovado que a instituição financeira concedeu linha de crédito à pessoa jurídica, e tendo esta utilizado o capital que lhe fora dispo-nibilizado para fomentar sua atividade empresarial, não é possível que a tomadora de crédito seja considerada destinatária final do produto, pelo que não se aplica ao caso as normas do Código de Defesa do Consumidor. II – No tocante às cédulas de crédito bancário, considerar-se-á a previsão estampada no art. 28, § 1º, I, da Lei nº 10.931/2004, que autoriza a pactuação da periodicidade da capitalização dos juros. III – Consoante jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, é possível a cobrança da capita-lização de juros, em periodicidade inferior a um ano, desde que pactuada, nos contratos bancários celebrados após a edição da Medida Provisória nº 1.963-17, de 31 de março de 2000, reeditada pela MP 2.170-36/2001. IV – Afigura-se lícita a cobrança da comis-são de permanência, no período de inadimplência. Contudo, se cobrada em percentual excessivo, fixado acima do somatório dos juros remuneratórios previstos para o período de normalidade, juros moratórios e multa, deve ser reduzida de forma a dar equilíbrio à relação contratual. V – A fixação dos honorários advocatícios de sucumbência, quan-do inexistente qualquer condenação, deve reger-se segundo a apreciação equitativa do juiz, conforme dispõe o art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, devendo o julgador estar atento ao que prescrevem as normas das alíneas a, b e c do § 3º do mesmo artigo. VI – Recurso parcialmente provido.” (TJMG – AC 1.0701.10.035820-2/002 – 10ª C.Cív. – Rel. Vicente de Oliveira Silva – DJe 15.06.2015)

2538 – Arrendamento mercantil – CDB – “operação casada” – depósito – nulidade

“Processual civil. Embargos de declaração no recurso especial. CDC e direito econômico. ‘Operação casada’. Arrendamento mercantil (lease back) e Certificado de Depósito Ban-cário (CDB). Nulidade do depósito em CDB. Incremento do capital de giro e da atividade empresarial. Ausência de relação de consumo e de vulnerabilidade. Não incidência do CDC. Manutenção do acórdão recorrido por fundamento diverso. Possibilidade. Art. 257 do RISTJ. Vedação de ‘operação casada’ em leis econômicas. Omissões não verificadas. 1. Hipótese em que, afastada nesta Corte Superior a aplicação do CDC (arts. 3º e 39, I, do CDC), o acórdão da apelação foi mantido com base em normas diversas vigentes à época

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da celebração dos contratos de arrendamento e de CDB (art. 5º, II, da Lei nº 8.137, de 27.12.1990, e art. 3º, VIII, da Lei nº 8.158, de 08.01.1991). 2. Descabe a este colegiado apreciar ou determinar que o Tribunal de origem reaprecie os fundamentos adotados no acórdão da apelação na parte em que a caução prestada em 1995 foi considerada irrelevante para a solução da lide. É que a tese do Tribunal local permaneceu irrecorrida, deixando a instituição financeira recorrente de indicar dispositivos legais eventualmente contrariados nesse ponto, envolvendo questão autônoma. 3. A norma do art. 257, parte final, do RISTJ, que permite a aplicação do direito à espécie, não autoriza que esta Corte Superior dê provimento ao recurso especial e reforme acórdão da instância local com base em questão jurídica decidida em segundo grau, mas não recorrida no apelo extremo. Mesmo diante da mencionada norma regimental, compete à parte que recorre o ônus não só de viabilizar o prequestionamento como também de cuidar, expressamente, das questões jurídicas que lhe interessarem e indicar os dispositivos legais específicos supos-tamente contrariados. 4. Acolhida no acórdão embargado, com base em precedente deste Tribunal Superior, a tese de que a ‘venda casada’ constitui ato ilícito de mera conduta, in-dependendo da efetiva realização do negócio jurídico e sendo suficiente a comprovação de ofensa ao direito do adquirente do serviço ou do bem, torna-se despiciendo investigar, nesta instância ou em segundo grau, o alegado ‘impacto mercadológico’ e o eventual prejuízo financeiro. A omissão apontada, assim, não está caracterizada. 5. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-REsp 746.885 – (2005/0072665-3) – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 29.05.2015)

2539 – Arrendamento mercantil – reintegração de posse – rescisão contratual com devolu-ção do bem – restituição do VRG – possibilidade

“Civil e processual civil. Revisão contratual. Arrendamento mercantil. Reintegração de posse. Rescisão contratual com devolução do bem. Restituição do VRG. Possibilidade. Devolução conforme entendimento do colendo STJ. Tarifas administrativas. Necessidade de previsão em resoluções do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central. Multa do art. 940, do CC. Não aplicação. Litigância de má-fé. Hipóteses do art. 17, do CPC. Não incidência. 1. Rescindido o contrato de arrendamento mercantil, mesmo em sede de reintegração de posse, impõe-se a devolução do VRG pago, antecipadamente, cujo valor deve ser compensado com eventuais prestações inadimplidas até a entrega efetiva do bem, não se permitindo sua retenção, para que as partes retornem ao status quo ante. Entendimento contrário implicaria enriquecimento ilícito da arrendadora, pois permitiria a incorporação do VRG – que não é devido em caso de opção do arrendatário pela de-volução do bem –, ao patrimônio desta. 2. O colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.09.212/RJ, submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento quanto à validade da cláusula presente em contrato de arrendamento mercantil, que condiciona a devolução do VRG à prévia venda do ve-ículo e abatimento das despesas, a fim de que seja apurada a existência ou não de saldo remanescente a ser devolvido ao arrendatário. 3. A cobrança das tarifas de ‘Gravame Eletrônico’ e de ‘Ressarcimento de Promotora de Venda’ deve ser considerada abusiva e, portanto, indevida, por ausência de previsão em resoluções editadas pelo Conselho Mo-netário Nacional e pelo Banco Central, órgãos competentes para dispor sobre a matéria, e por contrariar o disposto no do art. 51, inciso IV, do CDC. 4. A incidência da multa prevista no art. 940, do CC, pressupõe a existência de má-fé, dolo ou malícia do credor na exigência da dívida. Não comprovada a má-fé, indevida a dobra prevista no art. 940,

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do CC, consoante determina o Enunciado nº 159, da Súmula do STF. 5. A aplicação da multa por litigância de má-fé decorre da subsunção da conduta imputada à parte a uma das hipóteses do art. 17, do CPC. 4. Apelos não providos. Sentença mantida.” (TJDFT – PC 20130610138939 – (874321) – 4ª T.Cív. – Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJe 24.06.2015)

2540 – Cédula de crédito rural – ação revisional – cessão de crédito – legitimidade passiva de ambos – prescrição

“Recurso especial. Ação revisional. Cédulas de crédito rural. Cessão de crédito do Banco do Brasil à União. Legitimidade passiva de ambos. Prescrição. Falta de prequestiona-mento. Taxa de juros remuneratórios e capitalização mensal nas cédulas originadoras da securitização. Matérias já pacificadas no STJ. Súmula nº 83 do STJ. Taxa de juros remuneratórios na cédula formalizada quando da securitização. Fundamento inatacado. Comissão de permanência. Não cabimento nas cédulas de crédito. Precedentes. Correção monetária pela variação do preço do produto. Falta de prequestionamento. Inviabilida-de do recurso também pela alínea c do permissivo constitucional. Descaracterização da mora não prequestionada. 1. A União, por força da cessão de crédito feita pelo Banco do Brasil, nos termos da MP 2.196/2001, assumiu a posição de credora, passando a ter legítimo interesse jurídico e econômico na ação revisional das cédulas de crédito ru-ral e respectivos encargos que deram origem ao valor que lhe foi cedido. 2. O Banco do Brasil, na qualidade de garantidor dos créditos cedidos, também possui legitimidade passiva para a ação revisional. 3. Incide o óbice da Súmula nº 282 do STF quando a questão infraconstitucional suscitada não tenha sido debatida no acórdão recorrido. 4. As cédulas de crédito rural, industrial e comercial submetem-se a regramento próprio, que confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Havendo omissão desse órgão, adota-se a limitação de 12% ao ano prevista no Decreto nº 22.626/1933. Precedentes. 5. Admite-se o pacto de capitalização mensal de juros nas cédulas de crédito rural, industrial e comercial, à luz da legislação de regência. Súmula nº 93 do STJ. A verificação da ausência de pactuação expressa demanda o revolvimento fático e a interpretação de cláusulas contratuais, o que encontra óbice nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 6. A falta de prequestionamento da questão federal inviabiliza o recurso es-pecial também pela alínea c do permissivo constitucional. 7. Recurso especial da União parcialmente conhecido e desprovido. Recurso especial do Banco do Brasil conhecido e desprovido. Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e parcialmente pro-vido.” (STJ – REsp 1.267.905 – (2011/0172938-4) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.05.2015)

2541 – Cheque – estelionato – provenientes de conta encerrada – ciência de tal circunstân-cia por todos os recorrentes – pleito absolutório inviabilizado

“Estelionato. Cheques provenientes de conta encerrada. Ciência de tal circunstância por todos os recorrentes. Pleito absolutório inviabilizado. Pequena redução das reprimen-das impostas a dois dos recorrentes. Se tinham plena ciência os recorrentes da origem espúria dos cheques, sabendo originarem-se os títulos de conta bancária encerrada, não lhes socorre a invocação da ausência de dolo. Atendo-se às circunstâncias judiciais em padrões de normalidade, injustifica-se a exacerbação das reprimendas impostas a dois

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dos recorrentes, impondo-se sua diminuição ao mínimo patamar legal.” (TJMG – ACr 1.0342.13.001044-6/001 – 2ª C.Crim. – Rel. Matheus Chaves Jardim – DJe 29.06.2015)

2542 – Cheque – execução de título judicial – empresa – obrigações pendentes – desconsi-deração da personalidade jurídica – dolo – lesão a credores

“Agravo de instrumento. Execução de título judicial. Monitória. Cheques. Dissolução irre-gular. Empresa. Obrigações pendentes. Desconsideração da personalidade jurídica. Dolo. Lesão a credores. I – Dissolvida irregularmente a sociedade empresarial e caracterizado o dolo dos sócios, com intuito de lesar credores, porque a atividade foi encerrada sem deixar endereço nem bens para saldar obrigações pendentes, defere-se a desconsideração da personalidade jurídica, a fim de que os bens particulares dos sócios respondam pelos débitos da empresa, EREsp 1.306.553/SC e Súmula nº 435 do e. STJ. II – Agravo de ins-trumento provido.” (TJDFT – AI 20150020014008 – (873885) – 6ª T.Cív. – Relª Desª Vera Andrighi – DJe 23.06.2015)

2543 – Contrato – ação revisional – tarifas bancárias – limitação dos juros remuneratórios

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação revisional de contrato. Tarifas bancárias. Limitação dos juros remuneratórios. 1. A jurisprudência desta Corte é assen-te no sentido de que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula nº 596/STF. 2. Esse posicionamento foi confirmado no julgamento do REsp 1.061.530, de 22.10.2008, afetado à Segunda Seção de acordo com o proce-dimento da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei nº 11.672/2008), sob a relatoria da Minis-tra Nancy Andrighi. 3. Incidência da Súmula nº 382 do STJ, in verbis: ‘A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade’. 4. As instâncias ordinárias concluíram que não houve, no caso, cobrança das tarifas de abertura de crédito, de emissão de carnê e serviços de terceiro, o que levou à improce-dência do pedido de declaração de ilegalidade dessas cobranças. Rever essa conclusão do acórdão recorrido demandaria reexame de provas e do contrato, providências veda-das em sede de recurso especial, nos termos das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 5. Ao repisar os fundamentos do recurso especial, a parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AgRg-Ag-RE 617.348 – (2014/0300384-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 28.04.2015)

2544 – Contrato – cláusula compromissória – confissão de dívida – execução de título extrajudicial

“Recurso especial. Contrato. Cláusula compromissória. Confissão de dívida. Execução de título extrajudicial. Jurisdição estatal. Possibilidade. 1. Trata-se, na origem, de embargos à execução de título extrajudicial, aparelhada em contrato com cláusula compromissó-ria. 2. Mesmo em contrato que preveja a arbitragem, é possível a execução judicial de confissão de dívida certa, líquida e exigível que constitua título executivo nos termos do art. 585, inciso II, do Código de Processo Civil, haja vista que o juízo arbitral é des-provido de poderes coercitivos. Precedente do STJ. 3. A existência de título executivo extrajudicial prescinde de sentença arbitral condenatória para fins de formação de um

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outro título sobre a mesma dívida. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.373.710 – (2013/0069149-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 27.04.2015)

2545 – Contratos bancários – ação monitória – instrumento particular de confissão de dí-vida – nota promissória

“Recurso especial. Ação monitória. Contratos bancários. Instrumento particular de con-fissão de dívida. Nota promissória que garante o contrato. Responsabilidade do avalista. Princípio da abstração. Necessidade de circulação do título de crédito. Súmula nº 280 do STF. 1. É entendimento desta Corte Superior que o credor possuidor de título executivo extrajudicial pode utilizar-se tanto da ação monitória como da ação executiva para a cobrança do crédito respectivo. 2. A literalidade, a autonomia e a abstração são princí-pios norteadores dos títulos de crédito que visam conferir a segurança jurídica ao tráfego comercial e tornar célere a circulação do crédito, transferindo-o a terceiros de boa-fé livre de todas as questões fundadas em direito pessoal. 3. Segundo o princípio da abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, desvincula-se da relação fundamental que lhe deu origem. A circulação do título de crédito é pressuposto da abstração. 4. Nas situa-ções em que a circulação do título de crédito não acontece e sua emissão ocorre como forma de garantia de dívida, não há desvinculação do negócio de origem, mantendo-se intacta a obrigação daqueles que se responsabilizaram pela dívida garantida pelo título. 5. Incabível a via recursal extraordinária para a discussão de matéria, ante a incidência da Súmula nº 280 do STF, quando a solução da controvérsia pelo Tribunal a quo dá-se à luz da interpretação do direito local. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.175.238 – (2010/0003963-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.06.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação monitória visando ao adimplemento de instrumento particular de confissão de dívida firmado entre o primeiro réu e a extinta Caixa Econômica Estadual, então sucedida pelo autor, sendo que o segundo demandado assinou o contrato como devedor solidário.O magistrado sentenciante julgou extinta a ação, por considerar ausente o interesse processual. Asseverou que o documento acostado aos autos não era hábil para alicerçar a ação monitória, por possuir força executiva, uma vez que ainda não alcançado pela prescrição.Interposta apelação, o TJRS deu provimento ao recurso para julgar procedente o pedido e constituir título executivo em favor do apelante. Confira-se ementa do julgado:“Negócios jurídicos bancários. Ação monitória. Instrumento particular de confissão de dívida.Em princípio, aquele que dispõe de título executivo carece de interesse processual de ajuizamento de ação monitória, conforme prescreve o art. 1.102-A do CPC. Todavia, existindo dúvida quanto à prescrição do título executivo e ausente o prejuízo para o de-vedor em sua ampla defesa, é possível a escolha do procedimento monitório. Ademais, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais, não se justifica a anulação do processo, com a perda de todos os atos processuais já praticados. O ava-lista, como responsável solidário, é parte legítima passiva. Inaplicabilidade do art. 178, § 10, inciso III, do Código Civil de 1916 no caso concreto, pois que os juros integram o valor principal do débito, deixando de ter natureza acessória. Juros remuneratórios não limitados. Correção monetária pela UPF – índice mais favorável. Apelo provido.”Foram opostos embargos de declaração pelo apelante visando à declaração de inver-são dos ônus processuais. Acolhidos os embargos, sanou-se a contradição reclamada quanto aos ônus.

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Sobreveio recurso especial, interposto com fulcro nas alíneas a e c do permissivo cons-titucional, sob alegação de violação ao art. 267, VI do CPC e arts. 819 e 897 do CC.Afirmaram os recorrentes que “não há motivo jurídico” para que o réu continue respon-dendo como devedor solidário, uma vez que a garantia por ele prestada foi a nota pro-missória e que, mesmo que se entenda o instrumento de “Confissão de Dívida” como tí-tulo de crédito, relevante se considerar que há muito tal documento perdeu sua eficácia.Acrescentaram que “não se tratando mais de obrigação cambial, mas de mera cobrança baseada em início de prova escrita (art. 1.102-A, do CPC), não há mais como se falar em garantia de aval, que persistiu tão somente até o vencimento do prazo de prescrição da eficácia executiva do título”.Salientaram que “uma vez que o Estado deixou de ajuizar Ação Executiva da Nota Pro-missória garantida pelo aval do 2º Requerido, mas optou pelo procedimento monitório com fulcro em contrato de confissão de dívida, temos que perdeu a garantia do aval, seja pela impossibilidade jurídica da interpretação extensiva da garantia, seja pela ex-tinção do aval pela prescrição executiva do título cambial ou, ainda, porque o contrato de confissão de dívida não comporta aval, mas fiança, violando também o art. 897, do nosso Código Civil”.O STJ negou provimento ao recurso especial.O Relator assim asseverou:“A questão principal em discussão é determinar se quando o credor se utiliza de título executivo extrajudicial não prescrito e, portanto, exequível, como prova escrita em ação monitória, há liberação dos avalistas de nota promissória da garantia prestada.”Sobre a ação monitória, assim disciplina José Rogério Cruz e Tucci:“Dedicando-se ao estudo da ação monitória à luz da comparação jurídica, esclarece Perrot que a finalidade de tal instrumento processual é a de superar a inércia do deve-dor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento simples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia’. No procedimento monitório não se propicia, de plano, a participação do devedor-réu na construção da decisão liminar que defere o mandado de pagamento. É por esse motivo que se diz que o procedimento em apreço aflora sem contraditório. Desse modo, a primordial razão de se impor ao demandante a exibição de prova escrita decorre da peculiar estrutura procedimental da ação monitória, dado o escopo de ace-lerar ao máximo o reconhecimento do direito do credor, visando à formação do título executivo.A ausência de contraditório na fase inicial do procedimento monitório, e, portanto, a impossibilidade para o devedor apresentar imediata contestação ao material probatório produzido pelo demandante, consiste, por outro lado, em fator determinante da dilata-ção da prudência judicial. Procurando estabelecer um nexo harmônico entre a finalidade do procedimento monitó-rio e a exigência de prova escrita, observa Marinoni que o legislador parte da premissa de que, existindo documento capaz de revelar a probabilidade do direito alegado pelo autor, o devedor poderá se curvar ao mandado judicial para não experimentar o risco de sucumbir e ser obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios.Assim, o requisito da prova escrita ‘nada tem a ver com a instituição de um procedimen-to semelhante ao do mandado de segurança, em que se exige “direito líquido e certo”, ou prova documental suficiente para demonstrar a afirmação de um fato, exatamente para se construir um verdadeiro procedimento documental, no qual são proibidas as demais provas, ficando assim eliminado o tempo necessário para a sua produção. Quando se almeja dispensar as provas mais elaboradas, que dispendem mais tempo, requer-se prova que seja capaz de demonstrar o fato constitutivo do direito; contudo, quando se

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exige prova escrita como requisito da ação monitória, parte-se apenas da premissa de que o devedor poderá não apresentar embargos, permitindo ao credor um acesso mais rápido à execução forçada. A prova escrita, justamente porque pode ser associada a outros tipos de prova, não é a prova que deve fazer surgir “direito líquido e certo”, isto é, não é a prova que deve demonstrar, por si só, o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor. A prova escrita relaciona-se apenas a um juízo de probabilidade’. Para o ajuizamento e consequente admissibilidade da ação monitória, uma vez que a cognição delineia-se exauriente no procedimento dos embargos ao mandado, é suficien-te que a prova produzida pelo autor possibilite ao órgão judicante estabelecer um grau elevado de probabilidade da procedência da pretensão deduzida.Calamandrei, em clássico estudo, explica que aquilo que é provável está além da apa-rência, uma vez que se encontram reunidos elementos tendentes a acreditar que a alegação do fato corresponde à realidade. No entanto – adverte –, esse juízo provisório de probabilidade tem sempre função instrumental e seletiva: considera apenas a prova que, pela verossimilhança do thema probandum, apresenta-se prima facie com uma certa garantia de credibilidade e, portanto, com uma significativa probabilidade de êxito positivo.Pondera Dinamarco que ‘para tornar admissível o processo monitório o documento há de ser tal que dele se possa razoavelmente inferir a existência do crédito’, devendo necessa-riamente tratar-se de ‘documento que, sem trazer em si todo o grau de probabilidade que autorizaria a execução forçada (os títulos executivos extrajudiciais expressam esse grau elevadíssimo de probabilidade), nem a “certeza” necessária para a sentença de proce-dência de uma demanda em processo ordinário de conhecimento, alguma probabilidade forneça ao espírito do juiz. Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos’.” (Prova escrita na ação monitória. Disponível em: http://online.sintese.com.)

2546 – Contrato bancário – juros – limitação

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Contratos bancários. Juros remunera-tórios. Limitação à taxa média do mercado. Súmula nº 284/STF. Capitalização mensal de juros. Alegação de inconstitucionalidade. Impossibilidade de análise em sede de recurso especial. Multa aplicada. Súmula nº 284/STF. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 551.361 – (2014/0162174-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 23.06.2015 – p. 1416)

2547 – Contrato de abertura de crédito em conta corrente – negócios jurídicos bancários – CDC – incidência

“Apelação cível. Negócios jurídicos bancários. Ação revisional. Contratos de abertura de crédito em conta corrente/cheque especial, empréstimos pessoal e cartão de crédito. Índice de correção monetária e tarifas bancárias. Inovação recursal. Não conhecimento. Ausente pedido na inicial quanto ao índice de correção monetária a ser aplicado ao dé-bito, descabe, em sede recursal, postulação para utilização do INPC. No mesmo norte, não requerido na inicial a exclusão da cobrança de tarifas bancárias, inviável conhecer do pedido deduzido somente em razões recursais. Inovação recursal caracterizada. Não conhecimento do apelo. Juros remuneratórios. A estipulação de juros remuneratórios su-periores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade (Súmula nº 382/STJ). Contratos de abertura de crédito em conta corrente/cheque especial e contratos de empréstimos

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descritos nos itens 02 e 03 da fundamentação. Taxas pactuadas que não apresentam significativa discrepância quanto à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen para o mês de celebração dos instrumentos, estando, inclusive, abaixo daquela. Manutenção dos percentuais contratados. Contratos de empréstimos descritos nos itens 04, 05, 06 da fun-damentação. Limitação à taxa média de mercado para a operação da espécie divulgada pelo Bacen para o mês de celebração dos instrumentos, em razão do evidente excesso. Contrato de cartão de crédito. Ausência de instrumento contratual nos autos. Aplicação do art. 359, CPC. Tendo em vista a incidência das regras do Código de Defesa do Consu-midor à hipótese dos autos, cabia à parte ré apresentar o contrato firmado entre as partes, objeto da presente revisão. Aplicação do art. 359, inciso I, do CPC, pela presunção de veracidade dos fatos alegados na peça inicial. Limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado. Juros moratórios. Os juros moratórios são juros legais, previstos nos arts. 406 e 407 do CC, e incidem no caso de inadimplemento da obrigação, convencio-nados ou não. Percentual de 1% ao mês. Súmula nº 379, STJ. Capitalização mensal de juros. Contratos de abertura de crédito em conta corrente e empréstimos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, revigorada pela me-dida provisória nº 2.170-36. Taxas de juros anual superior ao duodécuplo da mensal, nos termos do REsp 973827/RS. Incidência mantida. Contrato de cartão de crédito. Ausência de comprovação da contratação expressa, o que afasta sua incidência em qualquer perio-dicidade. Comissão de permanência. Permitida a cobrança da comissão de permanência durante o período de inadimplemento, desde que expressamente pactuada e não cumu-lada com demais encargos. Súmula nº 472 do STJ. Ausente comprovação da pactuação, inadmissível a cobrança. Exclusão da cobrança em todos os contratos. Compensação e repetição de indébito. Possibilidade na forma simples. Súmula nº 322, STJ. Descaracte-rização da mora. Face ao reconhecimento da abusividade de encargo da normalidade, afastada está a caracterização da mora. Cadastramento em órgãos de proteção ao crédito. Descaracterizada a mora, possível a suspensão da eventual inscrição do nome da parte autora em órgãos de proteção ao crédito. Depósito judicial. A realização de depósito do montante que a parte autora entende como devido constitui faculdade concedida à parte, sendo inclusive dispensada a autorização judicial para sua efetivação, mormente que não elide a mora. Suspensão do débito das parcelas decorrentes dos contratos objeto da revisão em conta corrente. Possibilidade. Considerando a revisão operada quanto à cobrança da comissão de permanência, limitação dos juros remuneratórios e exclusão da capitalização, impondo o necessário recálculo do débito para adequação dos valo-res, possível a suspensão dos débitos das parcelas na conta corrente titulada pela parte autora, até ulterior recálculo. Apelo parcialmente conhecido e, naquilo em que conheci-do, parcialmente provido em maior extensão, por maioria.” (TJRS – AC 70064988983 – 24ª C.Civ. – Rel. Des. Jorge Alberto Vescia Corssac – J. 24.06.2015)

2548 – Contrato de franquia – circular de oferta de franquia – obrigatoriedade de entrega, pela franqueadora – anulação do contrato e restituição das quantias pagas – cabi-mento

“Apelação cível. Ação ordinária. Contrato de franquia. Lei nº 8.955/1994. Aplicação. Obrigatoriedade de entrega, pela franqueadora, de circular de oferta de franquia, con-tendo as informações previstas no art. 3º da referida lei. Descumprimento. Anulação do contrato e restituição das quantias pagas. Cabimento. Multa contratual. Incidência. Danos morais. Não configuração. Ofensa a direitos da personalidade. Ausência de demonstra-ção. A franquia é um contrato pelo qual um comerciante licencia o uso de sua marca a

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outro e presta-lhe os serviços de organização empresarial. Através desse tipo de contrato, uma pessoa, com algum capital, pode se estabelecer comercialmente, sem precisar pro-ceder ao estudo e equacionamento de muitos aspectos do empreendimento, basicamente, os relacionados com a estruturação administrativa, treinamento de pessoal e técnicas de marketing. A intenção do legislador, ao editar a Lei nº 8.955/1994, foi estabelecer a regra de absoluta transparência nas negociações que antecedem a adesão do franqueado à franquia, impondo o mencionado diploma legal o dever da franqueadora de fornecer aos interessados uma Circular de Oferta de Franquia que, em linguagem clara e acessível, preste as informações essenciais da operação (art. 3º), devendo a mesma ser entregue com antecedência mínima de 10 (dez) dias e não podendo conter informações falsas, sob pena de anulabilidade do contrato (arts. 4º e 7º). Não havendo prova de que a ré-franqueadora apresentou para o autor-franqueado seus balanços e demonstrações financeiras, relativos aos dois últimos exercícios, conforme imperativo legal (art. 3º, II da Lei nº 8.955/1994), é de se impor a anulação do negócio jurídico entabulado entre as partes, com a restituição das quantias por este pagas em decorrência do contrato. Mister se faz, também, aplicar a multa contratual, prevista na cláusula X.2, no valor de R$ 20.000,00, tendo em conta que a ré deu causa à anulação/rescisão do contrato. Para a caracterização do dano moral é indispensável a ocorrência de ofensa a algum dos direitos da personalidade do indivíduo. Esses direitos são aqueles inerentes à pessoa humana e caracterizam-se por serem intrans-missíveis, irrenunciáveis e não sofrerem limitação voluntária, salvo restritas exceções le-gais (art. 11, CC/2002). A título de exemplificação, são direitos da personalidade aqueles referentes à imagem, ao nome, à honra, à integridade física e psicológica. No caso, o im-bróglio narrado na peça vestibular, embora realmente tenha sido desagradável ao autor, não constitui motivo suficiente para abalar a sua honra ou integridade psicológica, nem representa ofensa à sua dignidade, de forma a ensejar o pagamento de indenização por danos morais.” (TJMG – AC 1.0024.02.868662-4/001 – 17ª C.Cív. – Rel. Eduardo Mariné da Cunha – DJe 23.06.2015)

2549 – Contrato empresarial associativo – CDC – incidência – julgamento extra petita – não caracterização

“Recurso especial. Direito civil. Contrato empresarial associativo. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Afastada. Pedido e causa de pedir. Teoria da substanciação. Julgamento extra petita. Não caracterizado. Extinção do vínculo contratual. Cláusula de não concorrência. Limite temporal e espacial. Abusividade. Não ocorrência. 1. Demanda em que se debate a validade e a eficácia de cláusula contratual de não concorrência, inse-rida em contrato comercial eminentemente associativo. 2. A aplicação do direito ao caso concreto, ainda que com fundamentos jurídicos diversos, não caracteriza julgamento extra petita. 3. Pela teoria finalista, só pode ser considerado consumidor aquele que exau-re a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 4. A jurisprudência do STJ admite a flexibilização da teoria finalista, em caráter excepcional, desde que demonstrada situação de vulnerabilidade de uma das partes, o que não se vislumbra no caso dos autos. 5. A funcionalização dos contratos, positivada no art. 421 do Código Civil, impõe aos contratantes o dever de conduta proba que se estende para além da vigência contratual, vinculando as partes ao atendimento da finalidade contratada de forma plena. 6. São válidas as cláusulas contratuais de não concorrência, desde que limitadas espacial e temporalmente, porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clien-

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tela. Valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.203.109 – (2010/0127767-0) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 11.05.2015)

2550 – Cooperativa agrária – operação de crédito – autorização do Bacen – possibilidade

“Processual civil. Recurso especial. Cooperativa Agrária mista. Pretensão de cobrar ver-bas típicas de operações bancárias. Inexistência de registro e de autorização no Bacen. Indispensabilidade. Art. 55 da Lei nº 4.595/1694. Pretensão de inserção dessas operações na definição de ‘ato cooperativo’. Finalidade de viabilização da cobrança das verbas sem necessidade de autorização do Bacen ou de sujeição à sua fiscalização. Impossibilidade. Desvirtuamento de finalidade. Reconhecimento da existência da dívida. Incidência da regra geral. Capitalização anual de juros. Ausência de pacto expresso. Dívida constituída sob a égide do Código Civil de 1916. Impossibilidade. Recurso desprovido. 1. O art. 55 da Lei nº 4.595/1964 equiparou às demais instituições financeiras as cooperativas de crédito, que passaram a depender de autorização de funcionamento e a se sujeitar à fis-calização do Bacen. 2. A cooperativa agrícola mista pode atuar como se cooperativa de crédito fosse, inclusive realizar operações bancárias com cobrança de taxas e verbas típi-cas daquelas praticadas por instituição financeira, desde que tenha prévia autorização do Bacen. 3. Operações de crédito, com cobrança de taxas e verbas diferenciadas e próprias das praticadas por instituições financeiras, sem a prévia e indispensável autorização do Bacen, não se enquadram, em razão da flagrante ilegalidade, no conceito de ato coope-rativo previsto no art. 79 da Lei nº 5.764/1971 (Lei das Cooperativas) nem se sujeitam ao procedimento de rateio de despesas estipulado pelo art. 80 da mesma lei, sobretudo por constituir desvirtuamento da finalidade precípua da cooperativa. 4. Não caracterizadas as operações realizadas entre as partes como sendo de crédito, assim compreendidas aque-las atividades típicas de instituição financeira, mas reconhecida a existência da dívida, a apuração deve ocorrer segundo os critérios gerais de cada operação. 5. Não se permite a capitalização de juros em negócio jurídico celebrado entre cooperativa e cooperado quando inexistente pactuação expressa. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.” (STJ – REsp 1.372.824 – PR – (2013/0067302-3) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.03.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO recorrente ajuizou ação de cobrança em desfavor de Hans Fassbinder.

A pretensão foi julgada procedente em parte, condenando-se o requerido ao pagamento do saldo devedor indicado na petição inicial, “com a adequação do montante à exclusão dos valores referentes à capitalização mensal de juros”, conforme apuração em liquida-ção de sentença. Determinou-se, ainda, que as custas e os honorários de R$ 5.000,00 fossem rateados entre as partes, à fração de 20% a ser paga pela parte autora e 80% pela ré.

A parte ré interpôs recurso de apelação, visando à nulidade da sentença por cercea-mento de defesa, tendo em vista o indeferimento de prorrogação de prazo para a com-plementação de perícia. No mérito, postulou o reconhecimento da improcedência da cobrança, pois a parte autora, na qualidade de cooperativa agrícola, não poderia cobrar taxas equivalentes às praticadas no mercado financeiro nem juros remuneratórios como se banco fosse.

Em recurso adesivo, a requerente questionou a fixação de honorários e a exclusão da capitalização mensal de juros.

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A cooperativa agrícola mista pode atuar como se fosse cooperativa de crédito e inclusive realizar operações bancárias com cobrança de taxas e verbas próprias das instituições financeiras, mas para isso precisa de prévia autorização do Banco Central.

O acórdão recorrido deu parcial provimento à apelação para que o saldo devedor fosse recalculado desde o início da relação jurídica entre as partes, seguindo os parâmetros estabelecidos.

Também desproveu o apelo adesivo.

Os embargos opostos foram rejeitados.

A cooperativa, então, interpôs recurso especial fundamentado nas alíneas a e c do per-missivo constitucional.

Alegou que o acórdão impugnado negou vigência ao art. 535 do CPC. Também sustenta a ocorrência de violação dos arts. 79 e 80 da Lei nº 5.764/1971, porquanto se concluiu pela necessidade de autorização do Bacen para a realização de operações de crédito com cooperados, ao passo que nada mais houve do que a prática de ato cooperativo.

Aduziu contrariedade aos arts. 591 do Código Civil e 4º do Decreto-Lei nº 22.626/1933 e defende a possibilidade de capitalização, pelo menos anual, dos juros em contratos de conta-corrente.

Argumenta que houve ofensa ao art. 333, I e II, do CPC, pois foi acolhida alegação genérica do devedor, no sentido de inexistir autorização para alguns débitos, quando a própria perícia apurou a existência de lastro para a cobrança.

Aponta ainda a existência de divergência jurisprudencial sobre a necessidade ou não de as cooperativas mistas possuírem registro ou autorização do Bacen para realizar opera-ções de crédito com cooperados.

A parte recorrida apresentou contrarrazões.

No juízo primeiro de admissibilidade, o recurso especial foi admitido.

A controvérsia surgiu com o inadimplemento do cooperado e a posterior cobrança da dívida pela cooperativa. O cooperado afirmou que houve utilização de critérios indevidos no cálculo e inclusão de verbas não contratadas.

O Tribunal de Justiça do Paraná decidiu que a recorrente não poderia realizar operações típicas de instituições financeiras e praticar as taxas desse mercado por não ter registro nem autorização do Bacen, e em razão disso afastou a capitalização de juros mensal ou anual.

O relator mencionou que a recorrente pode captar recursos e conceder créditos a seus associados para atender a seu objeto social, mas, embora possam ser enquadrados como “atos cooperativos”, tais negócios exigem o registro no Bacen.

Noronha afirmou que a cooperativa, no caso, pretendia se valer do bônus sem arcar com o ônus. Ele observou que as cooperativas de crédito regularmente constituídas são equiparadas a instituições financeiras e podem cobrar taxas de juros diferenciadas e estipular cláusula permitindo a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual.

Porém, por sua importância no fomento de atividades, estão dispensadas de pagar uma série de tributos a que os bancos estariam sujeitos se fizessem as mesmas operações de crédito.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“O art. 79 da Lei nº 5.764/1971 dispõe o seguinte:

‘Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.’

Já o subsequente art. 80 estabelece:

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‘Art. 80. As despesas da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços.

Parágrafo único. A cooperativa poderá, para melhor atender à equanimidade de cober-tura das despesas da sociedade, estabelecer:

I – rateio, em partes iguais, das despesas gerais da sociedade entre todos os associa-dos, quer tenham ou não, no ano, usufruído dos serviços por ela prestados, conforme definidas no estatuto;

II – rateio, em razão diretamente proporcional, entre os associados que tenham usufru-ído dos serviços durante o ano, das sobras líquidas ou dos prejuízos verificados no ba-lanço do exercício, excluídas as despesas gerais já atendidas na forma do item anterior.’”

Para o Superior Tribunal de Justiça, operações de crédito com cobrança de taxas pró-prias das instituições financeiras, sem a prévia autorização do Bacen, não se enqua-dram, em razão da flagrante ilegalidade, no conceito de ato cooperativo, pois constituem desvirtuamento da finalidade precípua da cooperativa.

Por unanimidade, o colegiado confirmou a decisão do TJPR que havia mandado recal-cular a dívida, computando-se os juros de forma simples, sem capitalização mensal ou anual.

2551 – Dano moral – compra pela Internet – mercadoria com avarias

“Compra pela Internet. Mercadoria com avarias. Troca de produto. Remessa pelo cor-reio. Restituição simples. Dano moral.” (TJRJ – RIn 0027917-11.2013.8.19.0203 – Rio de Janeiro – 1ª T.R.J.E.Cív. – Rel. Juiz Paulo Luciano de Souza Teixeira – DJe 17.06.2015)

2552 – Defesa do consumidor – ação civil pública – título de capitalização – publicidade enganosa

“Direito coletivo e direito do consumidor. Ação civil pública. Título de capitalização. Publicidade enganosa veiculada por canais de televisão, jornais e, pessoalmente, por corretores. Ação híbrida. Direitos individuais homogêneos, difusos e coletivos. 1. As tu-telas pleiteadas em ações civis públicas não são necessariamente puras e estanques. Não é preciso que se peça, de cada vez, uma tutela referente a direito individual homogêneo, em outra ação uma de direitos coletivos em sentido estrito e, em outra, uma de direitos di-fusos, notadamente em se tratando de ação manejada pelo Ministério Público, que detém legitimidade ampla no processo coletivo. Isso porque embora determinado direito não possa pertencer, a um só tempo, a mais de uma categoria, isso não implica dizer que, no mesmo cenário fático ou jurídico conflituoso, violações simultâneas de direitos de mais de uma espécie não possam ocorrer. 2. No caso concreto, trata-se de ação civil pública de tutela híbrida. Percebe-se que: (a) há direitos individuais homogêneos referentes aos eventuais danos experimentados por aqueles compradores de título de capitalização em razão da publicidade tida por enganosa; (b) há direitos coletivos resultantes da ilegalidade em abstrato da propaganda em foco, a qual atinge igualmente e de forma indivisível o grupo de contratantes atuais do título de capitalização; (c) há direitos difusos, relaciona-dos ao número de pessoas indeterminadas e indetermináveis atingidas pela publicidade, inclusive no que tange aos consumidores futuros. 3. Na hipótese, a ação coletiva foi pro-posta visando cessar a transmissão de publicidade enganosa atinente aos produtos deno-minados Super Fácil Carro e Super Fácil Casa, veiculada por canais de televisão, jornais, além da abordagem pessoal, por meio de corretores, prepostos da empresa ré, atingindo

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número indeterminado de consumidores. 4. Mesmo que se considere que na situação em concreto não há direitos difusos, é de notar que, no tocante ao interesse individual homogêneo, o Ministério Público também preencheu o critério para a sua atuação na defesa desse interesse transindividual, qual seja: o interesse social relevante. 5. O STF e o STJ reconhecem que o evidente relevo social da situação em concreto atrai a legitimação do Ministério Público para a propositura de ação civil pública em defesa de interesses in-dividuais homogêneos, mesmo que disponíveis, em razão de sua vocação constitucional para defesa dos direitos fundamentais ou dos objetivos fundamentais da República, tais como: a dignidade da pessoa humana, meio ambiente, saúde, educação, consumidor, previdência, criança e adolescente, idoso, moradia, salário mínimo, serviço público, den-tre outros. No caso, verifica-se que há interesse social relevante do bem jurídico tutelado, atrelado à finalidade da instituição, notadamente por tratar de relação de consumo em que atingido um número indeterminado de pessoas e, ainda, pela massificação do confli-to em si considerado, estando em conformidade com os ditames dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, arts. 81 e 82 do CDC e arts. 1º e 5º da Lei nº 7.347/1985. 6. No tocante à responsabilização pela corretagem há incidência da Súmula nº 283 do STF: ‘é inadmissível o Recurso Extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles’. 7. Além disso, o Código do Consumidor estabelece expressamente no art. 34 que ‘o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos’, ou seja, há responsabilidade solidária independentemente de vínculo trabalhista ou de subordinação, responsabilizando-se qualquer dos integrantes da cadeia de fornecimento que venha dela se beneficiar, pelo descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança. 8. Ademais, pelas próprias alegações da recorrente, os corretores em questão agiram de forma parcial, atendendo aos interesses do dono do negócio, inclu-sive recebendo treinamento deste. Em razão disso, ambos, intermediador e fornecedor, atraíram a responsabilização solidária pelo negócio. 9. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.209.633 – (2010/0146309-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 04.05.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO Ministério Público Federal ajuizou ação coletiva em face de empresa de capitalização sustentando prática abusiva perpetrada por seus corretores na venda de título de capi-talização que, sem as vantagens e promessas alardeadas na publicidade, induziam os consumidores a adquirir o produto sem que fosse transmitida a real finalidade da contra-tação, conforme inúmeras reclamações nos Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo.

O magistrado de piso julgou procedente o pedido, reconhecendo a veiculação de anún-cios ilegais e prática abusiva na venda dos títulos, para condenar a requerida a restituir a totalidade das prestações pagas aos consumidores que aderiram a título de capitalização naquelas condições noticiadas, bem como para obrigar veiculação, nos canais de comu-nicação em que foram transmitidos os anúncios, o dispositivo da sentença.

A sentença posteriormente foi integrada pelos embargos declaratórios opostos para fixar a indenização pelos danos morais em 20 (vinte) salários.

Interposta apelação o TJRS negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

“AÇÃO COLETIVA – CONSUMIDOR – PROPAGANDA ENGANOSA – PROIBIÇÃO – RES-SARCIMENTO AOS CONSUMIDORES DOS VALORES DESPRENDIDOS COM A AQUI-SIÇÃO DO TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – RAZOABILIDADE DE MEIOS – RECURSO ADESIVO – NÃO CONHECIMENTO – Legítimo

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é o Ministério Público para a propositura de demanda coletiva que objetive a defesa dos consumidores, especialmente quando notável seu caráter social e o interesse público. Inteligência dos arts. 127 da Constituição Federal, 81, 82 e 84 do CDC. Razoável é a sentença que elege como meios para a proteção do consumidor a proibição da publi-cidade enganosa, bem como determina a restituição dos valores a todos aqueles que adquiriram o produto em razão dessa divulgação ilícita. Mostra-se adequada a utilização do mesmo índice eleito pelo contrato para a correção dos valores a serem restituídos. Não se conhece de recurso adesivo quando não se contrapõe ao principal. Rejeitada a preliminar. Apelo parcialmente provido. Recurso adesivo não conhecido.”

Irresignada, a empresa interpôs recurso especial aduzindo que o acórdão foi omisso e sustentou a ilegitimidade passiva do Ministério Público para a ação, uma vez que “perse-guindo direitos patrimoniais de caráter privado, individuais, homogêneos e disponíveis”.

Salientou que a recorrente “zela pela correta publicidade do produto”, “dentro de seus limites, faz um intensivo trabalho de treinamento de todos os corretores autônomos, de modo a orientá-los sobre como expor e vender o produto ‘título de capitalização’. Ou seja, a empresa buscou, sempre, manter os corretores devidamente instruídos sobre o produto, de modo a evitar prejuízos ao consumidor e propagandas enganosas”, sendo que “não é onipresente e não tem como evitar o abuso e o incorreto agir de todos os corretores do país”.

Afirmou que o corretor não pode ter nenhum vínculo com a emitente dos títulos, não podendo ser considerados como prepostos, pois, em verdade, “é um mandatário do adquirente do título (de seu cliente)”.

O STJ negou provimento ao recurso especial.

O relator afirmou que não se pode olvidar que a recorrente poderá buscar, se for o caso e em ação própria, eventual indenização em face do intermediador.

O ilustre Jurista Rizzatto Nunes assim nos ensina:

“É sabido de todos que tanto o CC em vigor como o Novo CC regulam relações jurídicas de direito privado, sendo certo que o novo regulou inteiramente a parte primeira do antigo Código Comercial.

Portanto, o direito privado civil e comercial está regulado pelo Novo CC. A natureza das relações existentes é a mesma já existente pela incidência dos atuais CC e Código Co-mercial, o direito privado. É verdade que o CC, como lei geral, é norma estruturante do sistema jurídico, dando feição aos fatos jurídicos, aos contratos, aos bens, à capacidade das pessoas, às obrigações várias etc. Porém, isso não interfere, como se verá, com os princípios e normas do CDC.

Não se está esquecendo, claro, que o CC – atual ou novo – também regula as relações familiares, de transmissão de herança, do direito de vizinhança etc., que não tem rela-ção direta com o direito do consumidor, mas esses pontos não são significativos para nossa análise; o que nos importa são todos aqueles outros aspectos que poderiam gerar dúvidas sobre conflito de normas.

2. O CDC regula as relações jurídicas de consumo

Com a entrada em vigor, no dia 11.03.1991, do CDC, inaugurou-se no sistema jurídico nacional um novo modo de legislar.

A Lei nº 8.078/1990 não revogou lei alguma. Ela ingressou no sistema jurídico, diga-mos assim, de forma horizontal, indo atingir toda e qualquer relação jurídica na qual se possa identificar num polo o consumidor, n’outro o fornecedor, transacionando produtos e serviços.

Em outros termos e apontando um exemplo: numa contratação de um seguro contra fur-to e roubo de um automóvel, a relação jurídica ali estabelecida é regulada pela lei civil, pelas regras específicas da Susep e das demais normas que regem o setor. Tais normas jurídicas não são afetadas pela lei consumerista. O que acontece é que o CDC tangencia

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a própria relação jurídica estabelecida tanto na fase pré-contratual, como na contratual e pós, nas práticas existentes etc. Ele, no exemplo, atinge o contrato não para invalidá-lo, mas apenas para declarar nulas as cláusulas abusivas, para proibir certas práticas etc.

Portanto, na eventual dúvida sobre saber qual diploma legal incide na relação jurídica, no fato ou prática comercial, deve o intérprete, preliminarmente, identificar a própria relação: ele tem que definir se a relação é jurídica de direito privado ou é jurídica de consumo.

É importante consignarmos que não há nada de estranho nisso. Temos dito que o pro-blema atual de interpretação do sistema jurídico nacional é de ordem mnemônica, isto é, de memória: as dúvidas existentes e que ainda resistem, estão atreladas, em larga me-dida, à formação dos operadores do direito. A maior parte deles, formados na tradição do direito privado, tem dificuldade de compreender o novo modelo jurídico em vigor no país, desde a edição da Constituição Federal de 1988. Realmente, existe uma, digamos assim, lacuna na formação científico-jurídica dos operadores. Por isso compreende-se que, quando se está prestes a receber o início de vigência de um novo texto legal tão importante como o Código Civil, exista uma tendência a se utilizar princípios e regras antiguíssimos – que, no caso remontam ao século XIX – e que, muitas vezes, não tem mais razão de ser.

Confirmemos: é um equívoco a utilização das regras do Código Civil – atual ou do novo – para interpretar-se em primeiro plano as relações jurídicas de consumo.” (O Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

2553 – Duplicata – execução – ausência de prequestionamento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Duplicata. Execução. Ausência de prequestionamento do art. 15 da Lei nº 5.474/1968. Súmula nº 356/STF. Agravo não pro-vido. 1. O conteúdo normativo do art. 15 da Lei nº 5.474/1968 não fora analisado pela Corte Estadual, tampouco fora objeto de embargos de declaração. Portanto, carece de prequestionamento, nos termos da Súmula nº 356/STF. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 622.808 – (2014/0310315-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 29.04.2015 – p. 703)

2554 – Duplicata mercantil – protesto indevido – endosso-mandato – instituição bancária – negligência – dano moral

“Duplicata mercantil. Protesto indevido. Endosso-mandato. Instituição bancária. Negli-gência. Dano moral. Agravo inominado. Apelação. Consumidor. Protesto indevido de duplicata mercantil por indicação. Endosso-mandato. Dano moral. A questão acerca da responsabilidade do endossatário que encaminha a protesto título de crédito recebido por endosso-mandato restou pacificada pelo STJ, em sede de recurso especial representativo da controvérsia: ‘Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes do mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da carência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula [...]’. No caso, como não havia título de crédito constituído, já que o protesto da duplicata foi feito por mera indicação, sem aceite e sem comprovante de entrega de mercadorias ou presta-ção de serviços respectivo, constata-se a manifesta negligência da instituição bancária ao apresentar para protesto documento que não se revestia das características formais de título de crédito. Dano moral in re ipsa. Quantia indenizatória arbitrada de acordo com a razoabilidade. Ausência de argumento capaz de ilidir os termos da decisão monocrática.

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Desprovimento do recurso.” (TJRJ – Ap 0233704-37.2008.8.19.0001 – 27ª C.Cív. – Relª Desª Maria Luiza de Freitas Carvalho – DJe 17.06.2015 – p. 17)

2555 – Direito empresarial – cobrança – contrato de compartilhamento de instalações – termo aditivo – novo valor referente à data do início do contrato

“Direito empresarial. Cobrança. Contrato de compartilhamento de instalações. Termo aditivo. Novo valor referente à data do início do contrato. Mensalidades em atraso. Alcan-ce retroativo. Intenção das partes. Animus novandi. Princípios da probidade e da boa-fé. 1. O novo objeto do contrato, inserido por meio do termo aditivo, por si só, não impede que a redução do valor a ser pago pela Acessante alcance também a dívida já existente. De igual sorte, a locução verbal ‘passará a vigorar’ refere-se apenas à nova redação da cláusula em questão, não restringindo o seu alcance. 2. O termo aditivo de renegociação de um contrato, com indicação de que o novo valor retroage à data de vigência do acordo original, caracteriza animus novandi, ou seja, a efetiva intenção das partes em substi-tuir o débito anterior por uma dívida nova. 3. ‘Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé’ (art. 422 do Código Civil). 4. Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20140110769750 – (875380) – 5ª T.Cív. – Rel. Des. Sandoval Oliveira – DJe 24.06.2015)

2556 – Execução – astreintes – não cabimento

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Argumentos insuficientes para desconstituir a decisão atacada. Execução de astreintes. Não cabimento. Decisão judi-cial determinando a suspensão da multa antes do ajuizamento da execução provisória. Verbete Sumular nº 410/STJ. Aplicação ao caso concreto. I – In casu, verifica-se a impos-sibilidade de execução da multa coercitiva, porquanto ajuizada a execução provisória quando vigente decisão judicial que havia determinado a sua suspensão, sendo aplicável, à espécie, o Enunciado sumular nº 410/STJ. II – A Agravante não apresenta, no regimen-tal, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada. III – Agravo Regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 983.345 – (2007/0216193-0) – 1ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 15.05.2015 – p. 867)

2557 – Execução de título extrajudicial – cheques – desconsideração da personalidade ju-rídica – descabimento

“Agravo interno. Decisão monocrática. Nada há a modificar na decisão monocrática que negou seguimento ao recurso, haja vista a sua manifesta improcedência. Agravo de instru-mento. Direito privado não especificado. Execução de título extrajudicial. Cheques. Des-consideração da personalidade jurídica. Descabimento. Caso concreto. Considerando as circunstâncias do caso, verifica-se que não está caracterizada a dissolução irregular da sociedade empresarial demandada e executada, ora agravada, bem como não há prova no sentido da inexistência de bens passíveis de constrição judicial, bem como do efetivo esgotamento das vias cabíveis à obtenção de bens. Logo, impossibilitada a desconsidera-ção da personalidade jurídica para o efeito de os bens dos sócios responderem pela dívida cobrada. Negado provimento ao agravo interno.” (TJRS – Ag 70064542285 – 16ª C.Cív. – Relª Desª Catarina Rita Krieger Martins – J. 18.06.2015)

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2558 – Execução de título extrajudicial – pagamento – inexistência – sociedade empresária – sócio excutido – penhora de cotas sociais – possibilidade

“Processual civil. Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Pagamento. Inexistência. Sociedade empresária. Sócio excutido. Penhora de cotas sociais. Violação ao princípio da afecctio societatis. Inexistência. Legalidade. Natureza alimentar. Não configuração. Manutenção da constrição. Preliminar. Decisão agravada. Fundamentação sucinta. Validade. Agravo desprovido. 1. A motivação da decisão judicial consubstancia viga mestra do encadeamento normativo que resguarda o devido processo legal, carac-terizando-se como regramento constitucional iniludível que traduz garantia fundamental assegurada ao jurisdicionado de ter ciência dos motivos que conduziram determinado pronunciamento judicial, possibilitando-lhe analisar criticamente o decidido e, se o caso, devolvê-lo a reexame através do manejo do recurso adequado (CF, art. 93, IX, e CPC, art. 165). 2. Não há que se falar em ausência de fundamentação da decisão que, conquan-to prolatada de forma sucinta, defere penhora das cotas sociais da empresa da qual são sócios os excutidos, sopesando todos os elementos constantes dos autos e, aplicando à espécie o princípio da menor onerosidade excessiva, indeferindo o pedido de penhora do faturamento da sociedade empresarial, defere a constrição das cotas sociais com base em disposição legal e jurisprudência pacífica sobre a matéria. 3. Consoante previsão inserta no art. 655, VI, do estatuto processual, a penhora de cotas pertencentes ao sócio deve-dor é plenamente admitida no ordenamento jurídico, haja vista seu cunho econômico e aptidão à satisfação da obrigação imposta, notadamente porque o devedor responde por suas obrigações com todos seus bens, sejam eles presentes ou futuros, de conformidade com o disposto no art. 591 do mesmo diploma legal, ressalvadas somente as hipótese de impenhorabilidade legalmente contempladas. 4. As cotas sociais destacadas do capi-tal social de sociedade empresária ostentam existência própria e expressão pecuniária, tornando-se, pois, suscetíveis de penhora para satisfação de obrigação pessoal do sócio, não encerrando sua constrição violação ao princípio da afecctio societatis nem podendo ser obstada por eventual disposição inserta no contrato social, pois assegurados aos só-cios alheios à execução direito de preferência na sua aquisição (CPC, art. 685-A, § 4º), e, ademais, não encerra sua constrição o alcance do pró-labore ou lucros distribuíveis ao excutido, tornando inviável seu acobertamento pela impenhorabilidade resguardada às verbas de natureza alimentar (CPC, art. 649, inc. IV). 5. Agravo regimental conhecido e desprovido. Unânime.” (TJDFT – PC 20150020116728 – (875101) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 23.06.2015)

2559 – Execução por título extrajudicial – cédula de crédito bancário – giro caixa fácil e crédito rotativo – liquidez e exigibilidade – ausência

“Processual civil. Execução por título extrajudicial. Cédula de crédito bancário (giro caixa fácil e crédito rotativo). Título executivo extrajudicial. Ausência de liquidez e exigibilida-de. Extinção do processo sem exame do mérito. Sentença mantida. 1. A Segunda Seção do colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.291.575/PR, submetido ao rito previsto pelo art. 543-C do CPC, assentou entendimento de que ‘A Cé-dula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza, circunstância que autoriza sua emissão para documentar a abertura de crédito em conta corrente, nas modalidades de crédito rotativo ou cheque especial. O título de crédito deve vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos

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valores utilizados pelo cliente, trazendo o diploma legal, de maneira taxativa, a relação de exigências que o credor deverá cumprir, de modo a conferir liquidez e exequibilidade à Cédula (art. 28, § 2º, incisos I e II, da Lei nº 10.931/2004)’. 2. O STJ, por ocasião daquele julgamento, ressaltou que a Lei nº 10.931/2004 contém relação de exigências que o cre-dor deverá cumprir para conferir à Cédula de Crédito Bancário liquidez e exequibilidade. 3. Tratando-se de Cédula de Crédito Bancário, em que a instituição financeira disponi-biliza limite de crédito para o contratante em sua conta corrente, que pode usá-lo inte-gralmente ou não, no caso, a credora não atendeu às exigências do art. 28, § 2º, II, da Lei nº 10.931/2004, ao instruir a inicial da presente execução por título extrajudicial apenas com os contratos assinados pelas partes e com os demonstrativos de débitos, desacompa-nhados, porém, dos extratos da conta bancária da executada, de modo a demonstrar a dis-ponibilização do limite de crédito, os valores que foram efetivamente usados desse limite, os valores eventualmente pagos ao longo do contrato e a data do início da inadimplência contratual da executada. 4. Inviabilizada a verificação do valor exato da obrigação, como exige o § 2º do art. 28 da Lei nº 10.931/2004, correta a sentença que extinguiu a pre-sente execução por titulo extrajudicial, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC, por ausência de pressuposto processual de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. 5. Apelação da CEF a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 0022344-13.2014.4.01.3300/BA – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 21.05.2015)

2560 – Firma individual – execução fiscal – inclusão do empresário nos “cadastros” da execução – citação do empresário – desnecessidade

“Agravo de instrumento. Execução fiscal. Inclusão do empresário nos ‘cadastros’ da exe-cução. Firma individual. Desnecessidade de citação do empresário. Patrimônios que se confundem. Empresário individual que responde, de forma ilimitada, com seu patrimô-nio. Nova tentativa de citação da executada em endereço atualizado e arresto de bens. Deferimento. Recurso parcialmente provido. 1. Em se tratando de firma individual, desca-be se falar em sócio, já que se trata da própria pessoa física exercendo atos de empresa, de modo que o patrimônio destacado à atividade empresarial se confunde com o patrimônio pessoal, bastando, portanto, a citação da empresa. 2. Nos termos do disposto no art. 653, do Código de Processo Civil, ‘O oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar--lhe-á tantos bens quanto bastem para garantir a execução’.” (TJPR – AI 1367961-1 – Rel. Des. Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima – DJe 19.06.2015)

2561 – Fraude de execução – ciência de demanda capaz de levar o alienante à insolvência – prova – ônus do credor

“Processo civil. Embargos de divergência em recurso especial. Divergência acerca de dispositivo de lei federal. Cabimento. Fraude de execução. Ciência de demanda capaz de levar o alienante à insolvência. Prova. Ônus do credor. Embargos de divergência co-nhecidos e providos. 1. Esta Segunda Seção decidiu recentemente que ‘tratando-se de divergência a propósito de regra de direito processual (inversão do ônus da prova) não se exige que os fatos em causa no acórdão recorrido e paradigma sejam semelhantes, mas apenas que divirjam as Turmas a propósito da interpretação do dispositivo de lei federal controvertido no recurso’ (EREsp 422.778/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Relª p/ Ac. Ministra Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 29.02.2012, DJe 21.06.2012). 2. Havendo prévio registro imobiliário, o credor tem o benefício da presunção absoluta

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de conhecimento pelo terceiro adquirente da pendência de processo. 3. Inexistindo re-gistro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se ‘letra morta’ o disposto no art. 659, § 4º, do CPC (REsp 956.943/PR, Relª Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Ac. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, Julgado em 20.08.2014, DJe 01.12.2014). 4. Embargos de divergência conhecidos e providos.” (STJ – ED-REsp 655.000 – (2008/0067908-9) – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.06.2015 – p. 1285)

2562 – Justiça gratuita – concessão – eficácia em todas as instâncias – renovação do pedido

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Justiça gratuita (Lei nº 1.060/1950, arts. 4º, 6º e 9º). Concessão. Eficácia em todas as instâncias e para todos os atos do processo. Renovação do pedido na interposição do recurso. Desnecessidade. Precedente da Corte especial. Agravo provido. 1. Uma vez concedida, a assistência ju-diciária gratuita prevalecerá em todas as instâncias e para todos os atos do processo, nos expressos termos do art. 9º da Lei nº 1.060/1950. 2. Somente perderá eficácia a decisão deferitória do benefício em caso de expressa revogação pelo Juiz ou Tribunal. 3. Não se faz necessário para o processamento do recurso que o beneficiário refira e faça expressa remissão na petição recursal acerca do anterior deferimento da assistência judiciária gra-tuita, embora seja evidente a utilidade dessa providência facilitadora. Basta que constem dos autos os comprovantes de que já litiga na condição de beneficiário da justiça gra-tuita, pois, desse modo, caso ocorra equívoco perceptivo por parte do julgador, poderá o interessado facilmente agravar fazendo a indicação corretiva, desde que tempestiva. 4. Precedente da Corte Especial (EAREsp 86.915/SP, Corte Especial, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 04.03.2015). 5. Agravo regimental provido, afastando-se a deserção.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 624.494 – (2014/0310848-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 22.06.2015 – p. 2117)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso, por falta de renovação do pedido de assistência judiciária, embora já tivesse sido defe-rido nas instâncias ordinárias.

Em suas razões recursais, a parte agravante pugna pela reconsideração da respeitável decisão, tendo em vista a impossibilidade de reconhecimento de deserção do recurso especial. Para tanto, afirma que os efeitos do deferimento de concessão de assistência judiciária gratuita pelas instâncias ordinárias perduram do momento do seu deferimento até o final da demanda e em qualquer grau de jurisdição, sendo, portanto, despiciendo novo pedido de justiça gratuita perante esta egrégia Corte.

O STJ deu provimento ao agravo interno, para, em se reformando a decisão agravada, afastar a deserção. Determina-se, ainda, a conclusão dos autos ao Relator para análise do agravo em recurso especial.

O ilustre Jurista Nehemias Domingos de Melo assim disciplina sobre a Justiça gratuita:

“O acesso à justiça não pode ficar à mercê da possibilidade econômica da parte fazer frente às despesas processuais, visto que tal acesso consiste na proteção de qualquer direito, sem qualquer restrição econômica, social ou política. É importante destacar que não basta a simples garantia formal da defesa dos direitos e o acesso aos tribunais, mas a garantia da proteção material destes direitos, assegurando a todos os cidadãos, independentemente de classe social, a ordem jurídica justa.

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De outro lado, o Estado tem o dever de conceder a todos o acesso ao Judiciário sem a necessidade de antecipação das despesas processuais. Seria absurdo, para dizer o mí-nimo, que o ingresso em juízo fosse possível apenas aos que detêm situação econômica abastada. A função do Estado-Juiz é decidir os litígios e trazer a paz social nas relações intersubjetivas, logo esta máxima estaria prejudicada, se a maioria da população pobre não pudesse defender seus direitos.A luta da população por saúde, educação, trabalho, segurança, dentre outras, deveria incluir outra reivindicação, qual seja, a de Justiça Gratuita para todos. A Justiça é mono-pólio do Estado, logo seu acesso deveria ser livre e gratuita para aqueles que pleiteassem tal benefício. Se a campanha por justiça gratuita prosperar, podemos até sugerir um slogan: ‘Justiça Gratuita para Todos!’.O Professor Gabriel de Rezende Filho, já nos idos de 1954, preconizava que ‘a justi-ça deve estar ao alcance de todos, ricos e poderosos, pobre e desprotegidos, mesmo porque o Estado reservou-se o direito de administrá-la, não consentindo que ninguém faça justiça por suas próprias mãos. Comparecendo em juízo um litigante desprovido completamente de meios para arcar com as despesas processuais, inclusive honorários de advogado, é justo seja dispensado do pagamento de quaisquer custas...’.Partilhando do mesmo pensamento, Vicente Grecco Filho, afirma de forma peremptória que ‘uma justiça ideal deveria ser gratuita. A distribuição da justiça é uma das atividades essenciais do Estado e, como tal, da mesma forma que a segurança e a paz pública, não deveria trazer ônus econômico aqueles que dela necessitam. Todavia, inclusive por tradição histórica, a administração da justiça tem sido acompanhada do dever de paga-mento das despesas processuais, entre as quais se inclui o das custas que são taxas a serem pagas em virtude da movimentação do aparelho jurisdicional’. José Renato Nalini, festejado pelo Juiz Eduardo Bezerra de Medeiros Pinheiros, vai mais longe ao afirmar que ‘do juiz se exige não apenas reequilibrar as situações díspares, mas ainda oferecer seu talento, desforço pessoal e inteligência para ampliação real do rol de atendidos pela Justiça. E para isso é necessário desenvolver uma concepção consentâ-nea do princípio fundamental da isonomia. Não é uma opção preferencial pelos pobres, no sentido da teologia da libertação. Mas a constatação de que a pobreza extrema é inconciliável com o exercício da igualdade e liberdade’. Na realidade social em que vivemos, entendemos que incumbe ao Poder Judiciário, abandonar o mundo da ficção jurídica, da abstração da norma, do ‘faz de conta’ e efe-tivar a concretização de direitos fundamentais consagrados pela Constituição do Brasil (direito à igualdade, devido processo legal material, direito à ampla defesa, proteção do consumidor, direito à assistência judiciária integral), assumindo, assim, uma postura ativa – e não neutra – na busca da justiça processual. Assim, cabe ao juiz da causa analisar cada situação em particular e, na dúvida pro misero, até porque o beneficio da justiça gratuita não há de ser estendido apenas aos miseráveis, mas sim a todo aquele cuja situação econômica não lhe permite pagar cus-tas processuais e honorários de advogado, que, em muitos casos, se torna extremamen-te oneroso, independentemente do salário ou dos bens que possua o postulante. Assim, é irrelevante que a parte seja proprietária de bens ou tenha colado grau superior, pois, não obstante isso, poderá, num dado momento de sua vida, não ter disponibilidade de numerários suficientes para fazer frente às despesas processuais.” (Da justiça gratuita como instrumento de democratização do acesso ao Judiciário. Disponível em: http://online.sintese.com)

2563 – Marca – ação de abstenção de uso de marca cumulada com indenização – registro de marca Bass Boat – exclusividade do titular

“Apelação cível. Ação de abstenção de uso de marca cumulada com indenização. Re-gistro de marca Bass Boat. Exclusividade do titular da marca apenas na classe registrada. Marca fraca, sem originalidade, designativa do produto. Possibilidade de utilização por

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outros comerciantes. Inteligência do art. 124, VI, da LPI. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Ausência de concorrência desleal ou possibilidade de confusão pelos consumi-dores. Convivência. Apelação Cível nº 1.303.295-8 harmônica entre as marcas. Sentença mantida. Recurso não provido. ‘[...] 2. Marcas de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos de um restrito grupo empresarial, devendo o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar na intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais e explorar o mesmo segmento mercadológico. Aplicação da doutrina do patent misuse. Recurso especial a que se nega provimento’ (REsp 1166498/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 15.03.2011, DJe 30.03.2011).” (TJPR – AC 1303295-8 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Prestes Mattar – DJe 11.06.2015)

2564 – Marca – violação de registro de marca “By Tennis” – sentença que extingue o feito por ilegitimidade ativa – parte que não é titular dos registros de marca

“Apelação cível. Violação de registro de marca. ‘By Tennis’. Sentença que extingue o feito por ilegitimidade ativa. Parte que não é titular dos registros de marca. Sentença citra petita. Ocorrência. Pedidos não analisados pelo Juízo a quo. Titularidade de um registro de marca demonstrado. Demais pedidos que devem ser examinados frente à marca de titularidade da autora. Abstenção do uso de domínio e nome empresarial não apreciados. Retorno à origem. Impossibilidade de aplicação do disposto no art. 515, § 3º do CPC. Nulidade da sentença. Demais pedidos prejudicados. Recurso de apelação conhecido e provido. Agravo retido suscitado pela apelada em contrarrazões. Conhecimento. Ne-cessidade de instrução probatória. Oposição do registro da marca da ré pendente no Inpi. Pertinência do recurso agravo retido provido. Recurso adesivo prejudicado.” (TJPR – AC 1266991-3 – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Victor Martim Batschke – DJe 27.05.2015)

2565 – negócio jurídico bancário – liquidação de sentença – cálculo – duplicidade

“Agravo de instrumento. Negócio jurídico bancário. Liquidação de sentença. Cálculo. Du-plicidade. No contrato sub judice existem duas operações de crédito que não se confun-dem, quais sejam, crédito fixo e cheque especial. Logo, não há falar em duplicidade de valores no laudo pericial ora combatido, impondo-se a manutenção da decisão agravada. Litigância por má-fé. A parte reiteradamente sustenta, inclusive, em grau recursal e em fase de liquidação, que a revisão de contratos havidos entre as partes deve atingir todas as con-tratações, originárias e decorrentes. Contudo, restou demonstrado que não houve novação, mas apenas um único contrato celebrado. Infere-se, pois, o caráter protelatório da reiteração da discussão de revisão de contratos inexistentes, o que autoriza a aplicação da conde-nação por litigância de má-fé, nos termos do art. 17, incs. II e VII, do CPC. Indenização por litigância de má-fé. Ocorre que a natureza reparatória da indenização por litigância de má-fé requer a demonstração do prejuízo sofrido em decorrência da conduta lesiva praticada pela parte adversa, o que inocorreu no caso. Recurso provido em parte.” (TJRS – AI 70064518814 – 24ª C.Civ. – Rel. Des. Jorge Alberto Vescia Corssac – J. 24.06.2015)

2566 – nota promissória – origem da dívida – agiotagem – exceção pessoal – possibilidade de alegação pelo avalista na hipótese de não ter circulado o título de crédito

“Recurso especial. Súmula nº 283/STF. Inaplicabilidade. Inovação recursal. Não ocor-rência. Embargos à execução. Nota promissória. Origem da dívida. Agiotagem. Exceção

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pessoal. Possibilidade de alegação pelo avalista na hipótese de não ter circulado o título de crédito. 1. A Súmula nº 283 do STF apenas obsta o conhecimento do recurso especial se a questão federal trazida pelo recorrente ampara-se em mais de um fundamento, cada um suficiente por si só para a manutenção do julgado, e a parte abstém-se de impugnar todos eles. O óbice sumular não se aplica quando existem várias questões federais inde-pendentes, a parte não recorre de todas elas e o fundamento inatacado refere-se à questão não recorrida. 2. Afasta-se a alegação de inovação recursal se a parte já havia suscitado a matéria em apelação. 3. É possível ao avalista opor exceções pessoais relativas à origem do débito se o título de crédito não circulou. Mitigação dos princípios da abstração e da autonomia do aval. Incidência dos princípios da boa-fé e da vedação ao enriquecimento sem causa. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.” (STJ – REsp 1.436.245 – MG – (2011/0094176-0) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.03.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO vertente acórdão trata de embargos à execução de quatro notas promissórias emitidas nos períodos de 1996 e 1998 e com vencimento em 2004, tendo a execução sido ajuizada em 2007.

A recorrente mencionou que a dívida seria oriunda de empréstimo em dinheiro com juros usurários, praticados pelo exequente, que seria agiota, assim conhecido na região.

Aduziu que o débito já fora quitado, conforme comprovantes de pagamento acostados aos autos e que os títulos teriam sido emitidos para pagamento à vista, tendo havido preenchimento com má-fé pelo credor e, portanto, já estariam prescritos.

A sentença julgou improcedentes os embargos, entendendo que as notas promissórias são formalmente válidas e que a avalista não poderia suscitar questões referentes à origem dos títulos por constituírem exceções pessoais próprias do emitente das cártulas.

O Tribunal a quo negou provimento ao apelo da embargante em acórdão assim emen-tado:

“EMBARGOS EXECUÇÃO – NOTA PROMISSÓRIA – AVALISTA – AGIOTAGEM – EX-CEÇÃO PESSOAL – NULIDADE AFASTADA – Não há cerceamento de defesa, face ao julgamento antecipado da lide, quando a prova testemunhal pretendida não é capaz de alterar o convencimento do Julgador, eis que inapta para ilidir dívida consubstan-ciada em título de crédito com características de exequibilidade. A emissão de título de crédito, em branco, não o descaracteriza, por configurar outorga de mandato tácito para que o credor possa preenchê-lo. Assim, em razão da necessidade de se garantir segurança e estabilidade nas relações comerciais, admite-se a validade dos títulos de crédito completados pelo próprio credor, desde que este proceda de boa-fé e dentro dos limites especificados pelo devedor. Não pode o avalista de nota promissória, executado em decorrência da obrigação assumida, opor-se ao pagamento invocando questões re-lacionadas à origem do título, por constituírem exceções pessoais do devedor principal.”

O relator, ao analisar o caso, considerou as notas promissórias formalmente válidas e entendeu que a avalista não poderia questionar sua origem.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou a apelação por entender que não pode o avalista de nota promissória, executado em decorrência da obrigação assumida, opor--se ao pagamento invocando questões relacionadas à origem do título, por constituírem exceções pessoais do devedor principal.

A Terceira Turma do STJ afastou esse impedimento, seguindo o voto do relator.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“Nesse contexto, o princípio da abstração, segundo o qual o título se desvincula do ne-gócio jurídico que lhe deu origem, e o princípio da autonomia da obrigação do avalista,

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pelo qual a obrigação do avalista é autônoma em relação à do avalizado, podem ser mitigados na hipótese de colisão com outros princípios, como o da boa-fé, que permeia todas as relações jurídicas, e o da vedação do enriquecimento sem causa.

Em sintonia com esse entendimento, trago à colação a doutrina de Marlon Tomazette:

‘Contudo, deve haver uma compatibilização entre esse princípio da abstração e o princí-pio da boa-fé. Tal princípio não pode permitir iniquidades, protegendo credores de má--fé. Se o credor está de boa-fé, ele não deve realmente ser afetado por defesas causais, isto é, por defesas ligadas ao negócio jurídico. De outro lado, se o credor está de má-fé, não há motivo para protegê-lo e, por isso, ele poderá ser afetado pelo negócio jurídico que deu origem ao título. Assim sendo, a abstração não poderá ser invocada pelo credor sempre, isto é, o credor ainda ficará sujeito às exceções causais, baseadas no negócio subjacente, quando ele não estiver de boa-fé. Essa ausência de boa-fé se apresenta em três situações:

a) quando o credor participou do negócio;

b) quando o credor tem conhecimento dos vícios do negócio;

c) quando o credor deveria ter conhecimento dos vícios do negócio.

Quando o credor participa do negócio jurídico não haverá abstração, uma vez

“que ele tem amplo conhecimento do negócio e não pode alegar boa-fé, para não se sujeitar às exceções causais, baseadas no negócio. A abstração tem por pressuposto a circulação do título, na medida em que sem esta circulação não haverá boa-fé do credor a ser tutelada”.’ (Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito. 4. ed. São Paulo: Atlas, v. 2, 2013. p. 36/37.)”

O Superior Tribunal de Justiça conheceu em parte o recurso especial e deu provimento para determinar o retorno dos autos à origem a fim de que seja examinada e julgada a exceção oposta pela avalista.

2567 – Propriedade industrial – marca de alto renome – sentença – reconhecimento da procedência do pedido por parte do Inpi – cumprimento de sentença – delimitação temporal ao registro

“Recurso especial. Propriedade industrial. Marca de alto renome. Sentença. Reconheci-mento da procedência do pedido por parte do Inpi. Cumprimento de sentença. Delimita-ção temporal ao registro. Regulamentação infralegal do órgão competente. Ofensa à coisa julgada. Não ocorrência. 1. Na origem, trata-se de pedido de cumprimento de sentença requerido por Goodyear nos autos de ação ordinária proposta contra o Inpi objetivando o reconhecimento do alto renome de sua marca. O Juízo de primeira instância determinou a anotação de alto renome, excluindo-se a delimitação de prazo de validade temporal ao registro. Referida decisão monocrática foi reformada pelo TRF da 2ª Região, que reconhe-ceu a incidência, no caso concreto, da superveniente Resolução nº 121/2005 do Inpi e delimitou a vigência do registro ao prazo normativo de 5 (cinco) anos. 2. Transitada em julgado a sentença de mérito, opera-se o fenômeno da eficácia preclusiva da coisa julga-da. A partir do trânsito, inclusive por expressa disposição legal, ‘reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido’. 3. A superveniência da Resolução nº 121/2005 do Inpi não alterou o conteúdo do que foi decidido no título judicial. A marca da recorrente foi reco-nhecida como de alto renome e assim permaneceu. 4. Acolher a pretensão da recorrente e anotar o alto renome de sua marca sem prazo de validade seria o mesmo que conceder um direito perpétuo e ilimitado no tempo, o que não encontra amparo no ordenamento jurídico. 5. Recurso especial não provido. (STJ – REsp 1.207.026 – RJ – (2010/0143057-5) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 20.03.2015)

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Comentário Editorial SÍnTESEResoluções do Instituto Nacional da Propriedade Industrial limitam o prazo de anotação do status. Segundo a decisão da Turma, acolher o pedido da Goodyear para manter o alto renome sem prazo de validade “seria o mesmo que lhe conceder um direito perpétuo, o que não encontra amparo no ordenamento jurídico”.O recurso rejeitado pela Turma refere-se à ação ajuizada pela Goodyear contra o Inpi, na qual foi garantido o reconhecimento de sua marca como de alto renome – situação prevista no art. 125 da Lei nº 9.279/1996. A decisão transitou em julgado.Intimado para o cumprimento da decisão, o Inpi informou que o registro se daria nos termos da Resolução nº 121/2005, que estabelecia prazo de cinco anos para manuten-ção da anotação de alto renome.Como a ação foi proposta em 2002, antes da resolução, o juiz federal considerou nessa fase de execução que o limite temporal não se aplicava ao caso. Contudo, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região considerou aplicável o prazo de cinco anos.No recurso ao STJ, a Goodyear alegou que a aplicação da Resolução de 2005 teria violado o instituto da coisa julgada, pois a decisão que transitou em julgado foi tomada com base no art. 125 da Lei nº 9.279.O relator do recurso afirmou que a norma administrativa posterior não alterou o conteú-do do que foi decidido na sentença, pois a marca foi reconhecida como de alto renome.O ministro observou que a sentença, ao reconhecer o alto renome, não tratou de prazo de validade. Para ele, a decisão do TRF2 deu fiel cumprimento ao regulamento adminis-trativo, que estabelecia prazo de cinco anos para a anotação.Vale trazer trecho do voto do relator:“Nessa linha, como já demonstrado, a sentença apenas e tão somente declarou que houve o reconhecimento do pedido ao autor por parte do Inpi, não versando sobre a sua validade no tempo. O que fez o aresto aqui atacado foi dar fiel cumprimento ao regulamento administrativo posteriormente emanado do órgão competente, aplicando o art. 10 da citada resolução, a qual estabelecia o prazo de 5 (cinco) anos para a anotação do alto renome.Se a citada norma administrativa houvesse cassado ou de alguma forma limitado ma-terialmente o direito da recorrente em ter estampado o alto renome de seu signo, aí sim deveria ser reconhecida a ofensa ao título judicial. Entretanto, sob o pretexto de que teria havido violação da coisa julgada, o que a recorrente almeja é uma autêntica imunidade à regulação administrativa existente, o que lhe concederia um privilégio to-talmente desarrazoado e não detido por nenhuma outra marca, além de constituir-se em ilegalidade flagrante.Por fim, é de se destacar que o Inpi editou a Resolução nº 107/2013, de 19.08.2013, que prevê o atual procedimento de registro da marca de alto renome. Segundo o novel regulamento, são vários os requisitos para que uma marca detenha tal condição, que será válida por 10 (dez) anos (art. 8º, parágrafo único). O regulamento deixa claro que é ônus do requerente instruir seu pedido de modo a comprovar a qualidade de renome almejada. Acolher a tese da recorrente implica em reconhecer que ela não deverá se submeter a tais procedimentos, o que se afigura juridicamente inviável.”O relator mencionou em seu voto que a regra administrativa sofreu alteração posterior. Com a Resolução nº 107/2013, o Inpi estabeleceu o atual procedimento de registro da marca de alto renome, que passou a ter validade de dez anos.O Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.

2568 – Propriedade industrial – registro de marca – limitação geográfica da proteção do nome empresarial – erro material – reconhecimento

“Processual civil. Embargos de declaração no recurso especial. Propriedade industrial. Registro de marca. Limitação geográfica da proteção do nome empresarial. Menção equi-vocada a tribunal de origem diverso. Erro material. Reconhecimento. Efeito substitutivo do julgado. Art. 512 do CPC. Reforma da decisão anulatória dos registros. Redimensio-

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namento da sucumbência. Omissão. Acolhimento. 1. Os embargos de declaração cons-tituem instrumento adequado para a correção de erro material. 2. O efeito substitutivo previsto no art. 512 do CPC determina a prevalência da decisão embargada, proferida por esta Corte Superior, em relação ao provimento jurisdicional originalmente obtido nas instâncias inferiores. 3. O provimento do recurso especial na hipótese vertente determina o redimensionamento da sucumbência, justificando o reconhecimento da omissão venti-lada pelo embargante. 4. Embargos de declaração acolhidos.” (STJ – EDcl-REsp 1.359.666 – (2012/0269467-8) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 07.04.2015)

2569 – Recuperação judicial – aprovação de plano – novação – execução – extinção

“Direito empresarial. Recuperação judicial. Aprovação do plano. Novação. Execuções individuais ajuizadas contra a recuperanda. Extinção. 1. A novação resultante da conces-são da recuperação judicial após aprovado o plano em assembleia é sui generis, e as exe-cuções individuais ajuizadas contra a própria devedora devem ser extintas, e não apenas suspensas. 2. Isso porque, caso haja inadimplemento da obrigação assumida por ocasião da aprovação do plano, abrem-se três possibilidades: (a) se o inadimplemento ocorrer du-rante os 2 (dois) anos a que se refere o caput do art. 61 da Lei nº 11.101/2005, o juiz deve convolar a recuperação em falência; (b) se o descumprimento ocorrer depois de escoado o prazo de 2 (dois) anos, qualquer credor poderá pedir a execução específica assumida no plano de recuperação; ou (c) requerer a falência com base no art. 94 da Lei. 3. Com efeito, não há possibilidade de a execução individual de crédito constante no plano de recuperação – antes suspensa – prosseguir no juízo comum, mesmo que haja inadimple-mento posterior, porquanto, nessa hipótese, se executa a obrigação específica constante no novo título judicial ou a falência é decretada, caso em que o credor, igualmente, deverá habilitar seu crédito no juízo universal. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.272.697 – (2011/0195696-6) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 18.06.2015)

2570 – Recuperação judicial – crédito de honorários advocatícios posterior ao pedido – não sujeição ao plano de recuperação – execução no juízo comum – prosseguimento

“Direito empresarial. Recuperação judicial. Crédito de honorários advocatícios posterior ao pedido. Não sujeição ao plano de recuperação e a seus efeitos. Prosseguimento da execução no juízo comum. Ressalva quanto a atos de alienação ou constrição patrimo-nial. Competência do juízo universal. Princípio da preservação da empresa. 1. Os créditos constituídos depois de ter o devedor ingressado com o pedido de recuperação judicial estão excluídos do plano e de seus efeitos (art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005). Isso porque, ‘se assim não fosse, o devedor não conseguiria mais acesso nenhum a crédito comercial ou bancário, inviabilizando-se o objetivo da recuperação’ (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 191). 2. Nesse diapasão, devem-se privilegiar os trabalhadores e os investidores que, durante a crise econômico-financeira, assumiram os riscos e proveram a recuperanda, viabilizando a continuidade de sua atividade empresarial, sempre tendo em mente que a notícia da crise acarreta inadvertidamente a retração do mercado para a sociedade em declínio. 3. Todavia, tal raciocínio deve ser aplicado apenas a credores que efetivamente contribuíram para o soerguimento da empresa recuperanda no período posterior ao pedido de recuperação judicial – notadamente os credores negociais, forne-cedores e trabalhadores. Não é o caso, por exemplo, de credores de honorários advoca-tícios de sucumbência, que são resultantes de processos nos quais a empresa em recupe-

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ração ficou vencida. A bem da verdade, são créditos oriundos de trabalhos prestados em desfavor da empresa, os quais, muito embora de elevadíssima virtude, não se equiparam – ao menos para o propósito de soerguimento empresarial – a credores negociais ou trabalhistas. 4. Com efeito, embora o crédito de honorários advocatícios sucumbenciais surgido posteriormente ao pedido de recuperação não possa integrar o plano, pois vulne-ra a literalidade da Lei nº 11.101/2005, há de ser usado o mesmo raciocínio que guia o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual mesmo os credores cujos créditos não se sujeitam ao plano de recuperação não podem expropriar bens essenciais à atividade empresarial, na mesma linha do que entendia a jurisprudência quanto ao crédito fiscal, antes do advento da Lei nº 13.043/2014. 5. Assim, tal crédito não se sujeita ao plano de recuperação e as execuções prosseguem, mas o juízo universal deve exercer o contro-le sobre atos de constrição ou expropriação patrimonial, aquilatando a essencialidade do bem à atividade empresarial. 6. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.298.670 – (2011/0298999-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.06.2015)

2571 – Recuperação judicial – sócio da recuperanda afastado da condução da sociedade empresária por decisão da comissão de gestão – impossibilidade

“Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Sócio da recuperanda afastado da condu-ção da sociedade empresária por decisão da comissão de gestão. Impossibilidade. Plano de recuperação judicial que não previu o afastamento do sócio. Hipóteses de afastamen-to que devem ser analisadas pelo juiz. Art. 64, da Lei nº 11.101/2005. Necessidade de realização de perícia na empresa. Recurso parcialmente provido. A Lei nº 11.101/2005 prioriza a manutenção do devedor ou seus administradores na condução da atividade empresarial. Para o afastamento do sócio da administração da sociedade empresária re-cuperanda, é necessária a incidência de uma das hipóteses previstas no art. 64 da Lei nº 11.101/2005. Não é o caso dos autos.” (TJPR – AI 1192304-1 – 17ª C.Cív. – Rel. Des. Lauri Caetano da Silva – DJe 11.05.2015)

2572 – Responsabilidade civil contratual – contrato de monitoramento de estabelecimento empresarial – caracterizada a falha da prestação de serviço – dever de reparação por danos materiais configurados – princípio da reparação integral

“Apelações cíveis. Direito privado não especificado. Responsabilidade civil contratual. Contrato de monitoramento de estabelecimento empresarial. Caracterizada a falha da prestação de serviço. Dever de reparação por danos materiais configurados. Princípio da reparação integral. Limitação da indenização aos danos materiais comprovados nos autos. Danos morais não comprovados. Não constatada lesão à honra objetiva da pessoa jurídica. Juros moratórios. Incidência a contar da citação. Concessão da gratuidade de justiça. Preclusão. Matéria já examinada. Art. 471, caput, do CPC. Redimensionamento dos ônus sucumbenciais. Conheceram em parte do apelo da parte autora, negando provi-mento no que conhecido, e deram parcial provimento à apelação da parte ré. Unânime. (TJRS – AC 70055062889 – 16ª C.Cív. – Rel. Des. Paulo Sergio Scarparo – J. 11.06.2015)

2573 – Sociedade – desconsideração da personalidade jurídica – reavaliação de requisitos – necessidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Desconsideração da personalidade ju-rídica. Falta de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Reavaliação de requisitos. Neces-sidade. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental

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improvido. 1. A indicação de violação de dispositivos legais que nem sequer foram de-batidos pelo Tribunal de origem obsta o conhecimento do recurso especial pela ausência de prequestionamento. Aplicação do Enunciado nº 211 da Súmula do STJ. 2. O Tribunal local concluiu, de acordo com as provas dos autos, pela possibilidade da desconsidera-ção da personalidade jurídica, ‘em razão da impossibilidade de se localizar bens da parte executada e diante do exaurimento patrimonial, já que não foram localizados em sua própria sede, não havendo notícias da existência de outros bens passíveis de constrição, deve-se reconhecer o abuso do direito em utilizar-se da personalidade jurídica’. A altera-ção desse entendimento demandaria nova análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso especial ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 621.926 – (2014/0308151-9) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 21.05.2015 – p. 1456)

2574 – Sociedade empresária – sociedade de advogados – atividade econômica não empre-sarial – prestação de serviços – impossibilidade de assumirem caráter empresarial

“Recurso especial. Sociedades empresárias e simples. Sociedades de advogados. Ativi-dade econômica não empresarial. Prestação de serviços intelectuais. Impossibilidade de assumirem caráter empresarial. Lei nº 8.906/1994. Estatuto da OAB. Alegação de omissão do acórdão recorrido afastada. Impossibilidade de análise de cláusulas contratuais. Sú-mulas nºs 5 e 7 do STJ. 1. Não há falar em omissão ou contradição no acórdão recorrido quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame tiver sido devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, com pronunciamento fundamentado, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. De acordo com o Código Civil, as sociedades podem ser de duas categorias: simples e empresárias. Am-bas exploram atividade econômica e objetivam o lucro. A diferença entre elas reside no fato de a sociedade simples explorar atividade não empresarial, tais como as atividades intelectuais, enquanto a sociedade empresária explora atividade econômica empresarial, marcada pela organização dos fatores de produção (art. 982, CC). 3. A sociedade simples é formada por pessoas que exercem profissão do gênero intelectual, tendo como espécie a natureza científica, literária ou artística, e mesmo que conte com a colaboração de auxi-liares, o exercício da profissão não constituirá elemento de empresa (III Jornada de Direito Civil, Enunciados nºs 193, 194 e 195). 4. As sociedades de advogados são sociedades simples marcadas pela inexistência de organização dos fatores de produção para o desen-volvimento da atividade a que se propõem. Os sócios, advogados, ainda que objetivem lucro, utilizem-se de estrutura complexa e contem com colaboradores nunca revestirão caráter empresarial, tendo em vista a existência de expressa vedação legal (arts. 15 a 17, Lei nº 8.906/1994). 5. Impossível que sejam levados em consideração, em processo de dissolução de sociedade simples, elementos típicos de sociedade empresária, tais como bens incorpóreos, como a clientela e seu respectivo valor econômico e a estrutura do escritório. 6. Sempre que necessário o revolvimento das provas acostadas aos autos e a interpretação de cláusulas contratuais para alterar o julgamento proferido pelo Tribunal a quo, o provimento do recurso especial será obstado, ante a incidência dos Enunciados das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 7. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.227.240 – (2010/0230258-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 18.06.2015)

2575 – título extrajudicial – execução – acórdão deste órgão fracionário que negou provi-mento ao reclamo – irresignação

“Embargos de declaração no agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação de execução de título extrajudicial. Acórdão deste órgão fracionário que negou provimen-

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to ao reclamo. Irresignação dos executados. 1. Nos estreitos lindes do art. 535 do Có-digo de Processo Civil, o recurso de embargos de declaração objetiva somente suprir omissão, dissipar obscuridade, afastar contradição ou sanar erro material verificado em decisão ou acórdão, não podendo ser utilizado como instrumento para a rediscussão do julgado. 2. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag-REsp 394.899 – (2013/0308203-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 18.05.2015 – p. 1373)

2576 – títulos de crédito – cédula de crédito rural – garantia cambial – terceiro avalista – validade

“Direito empresarial. Títulos de crédito. Cédula de crédito rural. Garantia cambial. Tercei-ro avalista. Validade. Interpretação do art. 60, § 3º, do Decreto-Lei nº 167/1967. Vedação que não atinge as cédulas de crédito rural. 1. É válido o aval prestado por terceiros em cédulas de crédito rural, uma vez que a proibição contida no § 3º do art. 60 do Decreto--Lei nº 167/1967 não se refere ao caput (cédulas de crédito), mas apenas ao § 2º (nota promissória e duplicata rurais). 2. Em casos concretos, eventual excesso de garantia po-derá ser decotado pelo Judiciário quando desarrazoado, em observância do que dispõe o art. 64 do Decreto-Lei nº 167/1967, segundo o qual ‘os bens dados em garantia assegu-rarão o pagamento do principal, juros, comissões, pena convencional, despesas legais e convencionais com as preferências estabelecidas na legislação em vigor’. 3. Recurso es-pecial provido.” (STJ – REsp 1.315.702 – (2012/0059524-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.04.2015)

Seção Especial – Acontece

Mediação e Autocomposição: Considerações sobre a Lei nº 13�140/2015 e o Novo CPC

GuSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIALivre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla, Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Direito, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27, Advogado e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e Ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

RESUMO: O presente estudo objetiva analisar a mediação como forma consensual de pacificação de conflitos sociais, examinando as previsões da Lei nº 13.140/2015 e do Código de Processo Civil de 2015 a respeito do tema.

ABSTRACT: This study aims to analyze mediation as a consensual form of pacification of social con-flicts by examining the predictions of Law 13.140/2015 and the Civil Procedure Code of 2015 on the subject.

PALAVRAS-CHAVE: Mediação; conciliação; conflito; pacificação.

KEYWORDS: Mediation; conciliation; conflict; pacification.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Formas de pacificação social dos conflitos; 2 Mediação: conceito; 3 Prin-cípios da mediação; 4 Mediação na Lei nº 13.140/2015 e no Novo Código de Processo Civil; 5 Me-diação judicial e mediação extrajudicial; 6 Autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública; 7 Alcance da Lei nº 13.140/2015; Conclusão.

INTRODUÇÃO

Na sociedade civil organizada e pluralista, presente no Estado De-mocrático de Direito, a decisão imposta pelo Poder Judiciário, como modalidade de heterocomposição, apenas deve incidir quando os meios consensuais de pacificação dos conflitos forem inviáveis ou não pude-rem ser utilizados.

A jurisdição, portanto, não é – nem deve ser – a única forma de pacificação social.

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Nesse contexto, a Lei nº 13.140, de 26 de junho 2015, dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particu-lares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública.

O novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105/2015, por seu turno, ao estabelecer diversas alterações no sistema processual, também versa sobre o tema, cabendo compatibilizar os comandos legais incidentes.

1 FORmAS De pAcIFIcAÇÃO SOcIAl DOS cONFlITOS

O ideal, em regra, seria que as próprias partes chegassem ao con-senso quanto aos seus conflitos, sem depender da interferência do Es-tado, pois ninguém melhor do que os interessados para estabelecer a pacificação das relações jurídicas que as envolvem.

Destacam-se, com isso, os meios consensuais dos conflitos sociais, inclusive como forma de não sobrecarregar os órgãos do Poder Judiciá-rio, que devem se concentrar nos casos de maior complexidade ou que, em razão de peculiaridades, realmente justifiquem a intervenção estatal.

A autocomposição significa a solução do conflito pelas próprias partes, de forma pacífica e negociada, sem imposição dessa solução por um terceiro1. Pode ser classificada em unilateral e bilateral.

A autocomposição unilateral ocorre quando há a renúncia de uma das partes ao seu direito subjetivo, ou o reconhecimento da pretensão da parte contrária. A bilateral, por sua vez, é aquela em que se observam concessões recíprocas, com natureza de transação.

A conciliação e a mediação são as principais formas de solução consensual dos conflitos sociais.

Tradicionalmente, entende-se que, enquanto o conciliador pro-cura aproximar as partes, colaborando para que elas cheguem a uma composição negociada e amistosa do conflito2, o mediador pode ter um papel mais ativo, ao formular sugestões nesse sentido3.

1 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1.367.

2 Cf. MONTOYA MELGAR, Alfredo. Derecho del trabajo. 31. ed. Madrid: Tecnos, 2010. p. 723.3 Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 331-332.

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O mediador, assim, não impõe a solução do conflito, mas procura coordenar as conversações entre as partes para se alcançar a pacificação social.

Desse modo, um terceiro pode formular propostas com o objetivo de sugerir formas de solução do conflito social, mas não há obrigatorie-dade em aceitá-las.

2 meDIAÇÃO: cONceITO

Os meios consensuais de pacificação dos conflitos sociais são cada vez mais fomentados e enfatizados na sociedade atual, com desta-que à conciliação e à mediação.

Nesse sentido, é dever do Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º, do CPC de 2015)4.

A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consen-sual de conflitos devem ser estimulados por Magistrados, advogados, de-fensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, § 3º, do CPC de 2015).

A Lei nº 13.140/2015, com início de vigência após decorridos 180 dias de sua publicação oficial (art. 47), ocorrida no DOU de 29.06.2015, dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Admi-nistração Pública.

Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 13.140/2015).

O mediador, portanto, não decide, mas apenas dialoga, auxilia e aproxima as partes.

De acordo com o critério legal adotado pelo novo CPC, o con-ciliador, que deve atuar preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, pode sugerir soluções para o lití-

4 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Novo Código de Processo Civil: Lei nº 13.105/2015 – principais modificações. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 120.

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gio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. O mediador, que deve atuar preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os inte-resses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, as soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Não obstante, com a Lei nº 13.140/2015, retorna-se à concepção tradicional, no sentido de que o mediador também pode formular su-gestões e apresentar propostas de acordo às partes, como se observa no art. 30, § 1º, III, do referido diploma legal.

3 pRINcÍpIOS DA meDIAÇÃO

O art. 166 do CPC de 2015 prevê que a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da infor-malidade e da decisão informada.

Admite-se a aplicação de técnicas negociais com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição (art. 166, § 3º, do CPC de 2015).

A mediação e a conciliação devem ser regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais (art. 166, § 4º, do CPC de 2015).

De forma semelhante, o art. 2º da Lei nº 13.140/2015 dispõe que a mediação é orientada pelos seguintes princípios: imparcialidade do me-diador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.

Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de media-ção é confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação (art. 30 da Lei nº 13.140/2015).

O art. 166, § 1º, do CPC de 2015 também determina que a confi-dencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do

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procedimento, cujo teor não pode ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.

O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham participado (direta ou indiretamente) do proce-dimento de mediação, alcançando: declaração, opinião, sugestão, pro-messa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de enten-dimento para o conflito; reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação; manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador; documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.

O Código de Processo Civil, no art. 166, § 2º, determina que, em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o me-diador, assim como os membros de suas equipes, não podem divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.

A prova apresentada em desacordo com o disposto no art. 30 da Lei nº 13.140/2015 não deve ser admitida em processo arbitral ou judi-cial. Nesse sentido, conforme o art. 5º, LVI, da Constituição da Repúbli-ca, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Entretanto, não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação (penal) pública.

A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas dis-criminadas no art. 30 prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obri-gação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198 da Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional).

Também é confidencial a informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado (art. 31 da Lei nº 13.140/2015).

4 meDIAÇÃO NA leI Nº 13.140/2015 e NO NOVO cóDIGO De pROceSSO cIVIl

A Lei nº 13.140/2015 explicita que pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indispo-níveis que admitam transação (art. 3º). A mediação pode versar sobre

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todo o conflito ou parte dele. O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.

Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de me-diação, as partes devem comparecer à primeira reunião de mediação (art. 2º, § 1º, da Lei nº 13.140/2015).

Entretanto, ninguém é obrigado a permanecer em procedimento de mediação (art. 2º, § 2º, da Lei nº 13.140/2015).

O mediador deve ser designado pelo tribunal ou escolhido pelas partes (art. 4º da Lei nº 13.140/2015).

O art. 168 do Código de Processo Civil de 2015, da mesma forma, prevê que as partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação. O conci-liador ou mediador escolhido pelas partes pode ou não estar cadastrado junto ao tribunal. Inexistindo acordo na escolha do mediador ou conci-liador, deve haver distribuição entre aqueles cadastrados no registro do tribunal, observada a respectiva formação.

Cabe ao mediador conduzir o procedimento de comunicação en-tre as partes, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a re-solução do conflito. Aos necessitados deve ser assegurada a gratuidade da mediação.

Aplicam-se ao mediador as mesmas hipóteses legais de impedi-mento e suspeição do juiz (art. 5º da Lei nº 13.140/2015).

O art. 148, II, do CPC de 2015 também indica que são aplicáveis os motivos de impedimento e de suspeição aos auxiliares da justiça, nos quais se incluem o mediador e o conciliador judicial (art. 149 do novo CPC).

A pessoa designada para atuar como mediador tem o dever de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circuns-tância que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcia-lidade para mediar o conflito, oportunidade em que pode ser recusado por qualquer delas.

No caso de impedimento, o conciliador ou mediador deve comu-nicá-lo imediatamente, de preferência por meio eletrônico, e devolver

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os autos ao juiz do processo, ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos e cidadania, devendo este realizar nova distribuição (art. 170 do CPC de 2015).

No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conciliador ou mediador deve informar o fato ao centro, preferencial-mente por meio eletrônico, para que, durante o período em que perdu-rar a impossibilidade, não haja novas distribuições (art. 171 do CPC de 2015).

O mediador fica impedido, pelo prazo de um ano, contado do término da última audiência em que atuou, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes (art. 6º da Lei nº 13.140/2015). No mesmo sentido determina o art. 172 do CPC de 2015.

Ademais, os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do art. 167 do CPC de 2015; se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções (art. 167, § 5º, do novo CPC).

O mediador não pode atuar como árbitro nem funcionar como testemunha em processos judiciais ou arbitrais pertinentes a conflito em que tenha atuado como mediador (art. 7º da Lei nº 13.140/2015).

Cabe esclarecer que o mediador e todos aqueles que o assessoram no procedimento de mediação, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, são equiparados a servidor público, para os efeitos da legislação penal (art. 8º da Lei nº 13.140/2015).

5 meDIAÇÃO JUDIcIAl e meDIAÇÃO eXTRAJUDIcIAl

Os mediadores podem ser extrajudiciais ou judiciais.

Pode funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se (art. 9º da Lei nº 13.140/2015).

Na mediação extrajudicial, as partes podem ser assistidas por advogados ou defensores públicos (art. 10 da Lei nº 13.140/2015). En-tretanto, com o objetivo de preservar a isonomia, comparecendo uma

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das partes acompanhada de advogado ou defensor público, o mediador deve suspender o procedimento, até que todas estejam devidamente as-sistidas.

Conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 13.140/2015, pode atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Minis-tério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou institui-ção de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça.

Cabe aos tribunais criar e manter cadastros atualizados dos me-diadores habilitados e autorizados a atuar em mediação judicial (art. 12 da Lei nº 13.140/2015). A inscrição no cadastro de mediadores judiciais deve ser requerida pelo interessado ao tribunal com jurisdição na área em que pretenda exercer a mediação. Os tribunais devem regulamentar o processo de inscrição e desligamento de seus mediadores.

A disposição é semelhante ao constante no art. 167 do Código de Processo Civil de 2015, no sentido de que os conciliadores, os mediado-res e as câmaras privadas de conciliação e mediação devem ser inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que devem manter registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional. Trata-se, de todo modo, de pre-visão aplicável à mediação judicial, o que é confirmado pelo art. 167, § 5º, do CPC de 2015.

A remuneração devida aos mediadores judiciais deve ser fixada pelos tribunais e custeada pelas partes, observado o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 13.140/2015, que assegura aos necessitados a gratuidade da mediação (art. 13).

Quanto ao tema, o art. 169 do CPC de 2015 dispõe que, ressal-vada a hipótese do art. 167, § 6º, do mesmo diploma legal (que trata da possibilidade de o tribunal optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos), o conciliador e o mediador devem receber pelo seu tra-balho a remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

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A mediação e a conciliação também podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente (Lei nº 9.608/1998) e a regulamentação do tribunal.

O procedimento da mediação pode ser extrajudicial ou judicial, conforme arts. 14 e seguintes da Lei nº 13.140/2015.

A mediação pode ser aplicada, assim, não apenas no curso do processo, mas também na esfera extrajudicial.

A mediação extrajudicial pode decorrer de convite inicial ou de previsão contratual.

O convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial pode ser feito por qualquer meio de comunicação e deve estipular o escopo proposto para a negociação, a data e o local da primeira reunião (art. 21 da Lei nº 13.140/2015). O convite formulado por uma parte à outra deve ser considerado rejeitado se não for respondido em até 30 dias da data de seu recebimento.

A previsão contratual de mediação, por seu turno, deve conter, no mínimo: prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação, contado a partir da data de recebimento do convite; lo-cal da primeira reunião de mediação; critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação; penalidade em caso de não comparecimen-to da parte convidada à primeira reunião de mediação (art. 22 da Lei nº 13.140/2015).

A previsão contratual pode substituir a especificação dos requi-sitos acima pela indicação de regulamento, publicado por instituição idônea prestadora de serviços de mediação, no qual constem critérios claros para a escolha do mediador e realização da primeira reunião de mediação.

Se não houver previsão contratual completa, devem ser observa-dos os critérios previstos no art. 22, § 2º, da Lei nº 13.140/2015, para a realização da primeira reunião de mediação.

Frise-se que, nos litígios decorrentes de contratos comerciais ou societários que não contenham cláusula de mediação, o mediador extra-judicial somente pode cobrar por seus serviços caso as partes decidam

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assinar o termo inicial de mediação e permanecer, voluntariamente, no procedimento de mediação.

Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se comprometerem a não iniciar procedimento arbitral ou processo judi-cial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz deve suspender o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento dessa condição (art. 23 da Lei nº 13.140/2015).

Essa disposição, entretanto, não se aplica às medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o pere-cimento de direito.

Quanto ao tema, o CPC de 2015 estabelece a disciplina da tutela provisória nos arts. 294 e seguintes, a qual pode fundamentar-se em ur-gência ou evidência.

O art. 24 da Lei nº 13.140/2015, ao versar sobre o procedimento de mediação judicial, prevê que cabe aos tribunais criar centros judi-ciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. A composição e a organização do centro devem ser definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.

A mesma determinação decorre do art. 165 do Código de Processo Civil de 2015.

Na mediação judicial, os mediadores não estão sujeitos à prévia aceitação das partes, devendo-se observar o disposto no art. 5º desta Lei nº 13.140/2015, ao prever que são aplicáveis ao mediador as mes-mas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz (art. 25 da Lei nº 13.140/2015).

Ainda na mediação judicial, as partes devem ser assistidas por advogados ou defensores públicos, ressalvadas as hipóteses previstas na Lei nº 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, e na Lei nº 10.259/2001, que versa sobre os Juizados Es-peciais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal (art. 26 da Lei

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nº 13.140/2015). Aos que comprovarem insuficiência de recursos deve ser assegurada assistência pela Defensoria Pública.

Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz deve designar audiên-cia de mediação (art. 27 da Lei nº 13.140/2015).

Nesse sentido, o art. 334 do CPC de 2015 prevê que, se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improce-dência liminar do pedido, o juiz deve designar audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 dias, devendo ser ci-tado o réu com pelo menos 20 dias de antecedência.

O conciliador ou mediador, onde houver, deve atuar necessaria-mente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o dis-posto no Código de Processo Civil, bem como as disposições da lei de organização judiciária.

Pode haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a dois meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes (art. 334, § 2º, do CPC de 2015). Com a Lei nº 13.140/2015, na verdade, o procedimento de mediação judicial deve ser concluído em até 60 dias, contados da primeira sessão, salvo quando as partes, de comum acordo, requererem a sua prorrogação (art. 28).

A intimação do autor para a audiência deve ser feita na pessoa de seu advogado.

A audiência não será realizada: se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; quando não se admitir a autocomposição (art. 334, § 4º, do CPC de 2015).

O autor deve indicar, na petição inicial, seu desinteresse na auto-composição, e o réu deve fazê-lo, por petição, apresentada com 10 dias de antecedência, contados da data da audiência. Se houver litisconsór-cio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.

A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei.

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O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiên-cia de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e deve ser sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pre-tendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado (art. 334, § 8º, do CPC de 2015).

As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou de-fensores públicos. A parte pode constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. A auto-composição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação deve ser organiza-da de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 minutos entre o início de uma e o início da seguinte.

Com a Lei nº 13.140/2015, se houver acordo, os autos devem ser encaminhados ao juiz, que determinará o arquivamento do processo e, desde que requerido pelas partes, homologará o acordo, por sentença, e o termo final da mediação e determinará o arquivamento do processo (art. 28, parágrafo único).

Se o conflito for solucionado pela mediação antes da citação do réu, não são devidas custas judiciais finais (art. 29 da Lei nº 13.140/2015).

6 AUTOcOmpOSIÇÃO De cONFlITOS NO ÂmbITO DA ADmINISTRAÇÃO pÚblIcA

A Lei nº 13.140/2015 disciplina, ainda, a autocomposição de con-flitos em que for parte pessoa jurídica de direito público.

Nesse sentido, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Muni-cípios podem criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para: dirimir conflitos entre órgãos e entida-des da Administração Pública; avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvér-sia entre particular e pessoa jurídica de direito público; promover, quan-do couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta (art. 32).

Essa disposição é similar ao que determina o art. 174 do CPC de 2015, embora este seja imperativo quanto à criação das câmaras de me-diação e conciliação, sem mencionar a hipótese preventiva de conflitos.

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O modo de composição e funcionamento das mencionadas câ-maras deve ser estabelecido em regulamento de cada ente federado. A submissão do conflito às câmaras é facultativa, sendo cabível apenas nos casos previstos no regulamento do respectivo ente federado.

Se houver consenso entre as partes, o acordo deve ser reduzido a termo e constituirá título executivo extrajudicial.

Entretanto, não se incluem na competência dos órgãos em questão as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou conces-são de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo.

Compreendem-se, na competência das referidas câmaras, a pre-venção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico--financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares.

Frise-se que a instauração de procedimento administrativo para a resolução consensual de conflito no âmbito da Administração Pública suspende a prescrição (art. 34). Considera-se instaurado o procedimento quando o órgão ou entidade pública emitir juízo de admissibilidade, retroagindo a suspensão da prescrição à data de formalização do pedido de resolução consensual do conflito. Esclareça-se que, em se tratando de matéria tributária, a suspensão da prescrição deve observar o disposto na Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional).

As controvérsias jurídicas que envolvam a Administração Pública federal direta, suas autarquias e fundações podem ser objeto de transação por adesão, com fundamento em: autorização do Advogado-Geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Fede-ral ou de tribunais superiores; ou parecer do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República (art. 35 da Lei nº 13.140/2015).

Os requisitos e as condições da transação por adesão devem ser definidos em resolução administrativa própria. Ao fazer o pedido de adesão, o interessado deve juntar prova de atendimento aos requisitos e às condições estabelecidos na resolução administrativa. A resolução administrativa terá efeitos gerais, devendo ser aplicada aos casos idênti-cos, tempestivamente habilitados mediante pedido de adesão, ainda que solucione apenas parte da controvérsia.

É importante salientar que a adesão implica “renúncia do interes-sado” ao direito sobre o qual se fundamenta a ação ou o recurso (even-

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tualmente pendentes) de natureza administrativa ou judicial, no que tan-ge aos pontos compreendidos pelo objeto da resolução administrativa.

Não obstante, se o interessado for parte em processo judicial inau-gurado por ação coletiva, a renúncia ao direito sobre o qual se funda-menta a ação deve ser expressa, mediante petição dirigida ao juiz da causa.

Além disso, a formalização de resolução administrativa (pela Ad-ministração Pública federal direta, suas autarquias e fundações) desti-nada à transação por adesão não implica a renúncia tácita à prescrição nem sua interrupção ou suspensão.

7 AlcANce DA leI Nº 13.140/2015

Aplica-se a Lei nº 13.140/2015, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências (art. 42).

Esse diploma legal, entretanto, não é aplicável à esfera trabalhista, conforme art. 42, parágrafo único, ao prever que a mediação nas rela-ções de trabalho será regulada por lei própria.

Os órgãos e entidades da Administração Pública podem criar câmaras para a resolução de conflitos entre particulares, que versem sobre atividades por eles reguladas ou supervisionadas (art. 43 da Lei nº 13.140/2015), como ocorre nas áreas da saúde e da educação.

As disposições do novo Código de Processo Civil, por sua vez, não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vincu-ladas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissio-nais independentes, que podem ser regulamentadas por lei específica (art. 175 do CPC de 2015).

Exemplificando, as Comissões de Conciliação Prévia possibilitam a solução extrajudicial de conflitos individuais trabalhistas, conforme arts. 625-A e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho.

Os dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 (arts. 165 e seguintes), de todo modo, aplicam-se, no que couber, às câmaras priva-das de conciliação e mediação.

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A Escola Nacional de Mediação e Conciliação, no âmbito do Mi-nistério da Justiça, pode criar banco de dados sobre boas práticas em mediação, bem como manter relação de mediadores e de instituições de mediação (art. 41 da Lei nº 13.140/2015).

cONclUSÃO

Como se pode notar, a Lei nº 13.140/2015 dispõe, de forma es-pecífica, sobre a mediação, nas esferas judicial e extrajudicial, além de disciplinar a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública.

O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, também contém previsões voltadas a reger e a incentivar os meios consensuais de paci-ficação dos conflitos, mais especificamente a conciliação e a mediação.

Aplica-se ao caso, portanto, o art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no sentido de que a lei nova, que estabe-leça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

As previsões legais incidentes quanto ao tema, assim, devem ser interpretadas de forma sistemática e harmônica, alcançando a máxima efetividade das importantes novidades legislativas voltadas à pacificação social justa e célere.

Clipping Jurídico

Banco é condenado por cobrar parcelas indevidas de empréstimo

A Juíza da 7ª Vara Cível de Campo Grande, Gabriela Müller Junqueira, julgou procedente a ação movida por J. B. N. contra um banco condenado ao paga-mento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 7 mil, em razão de cobrar indevidamente parcelas de empréstimo não firmado pelo autor. Além disso, o banco terá que ressarcir ao autor 6 parcelas de R$ 45,45 descontadas em sua conta e a quantia de R$ 1.217,00, corrigidas pelo IGPM. Narra o au-tor que, em novembro de 2012, observou em seu contracheque um desconto de R$ 45,45 e, ao pedir explicações no banco, foi informado que se tratava de parcelas de empréstimo realizado em 15 de maio de 2012, no valor de R$ 1.200,00. Afirma J. B. N. que jamais efetuou tal empréstimo e que, ao tentar resolver o problema administrativamente, não obteve sucesso. Por estas razões, pediu a consignação em pagamento do valor creditado indevidamente, o res-sarcimento das parcelas debitadas em sua conta a partir de junho de 2012, bem como uma indenização por danos morais. Citado, o banco argumentou que houve por parte do autor a falta de interesse em negociar o débito. Além disso, foram descontadas 6 parcelas de R$ 45,45, mas, em novembro de 2012, houve a quitação do empréstimo mediante débito em conta no valor de R$ 1.217,00. Por fim, defendeu a legalidade da operação bancária e improcedência da ação. Conforme os autos, a juíza analisou que o banco não contestou a afirmação de seu cliente da não contratação do empréstimo. Além disso, não existiram provas da aceitação de eventual empréstimo oferecido ao autor, o que seria indispensável para comprovar tal contrato entre as partes. Assim, a magistrada concluiu que os pedidos formulados pelo autor devem ser procedentes. O ban-co não se desincumbiu do ônus de provar a existência da relação jurídica, ou seja, não comprovou fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Processo: 0824225-24.2012.8.12.0001. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul)

Empresa de factoring não tem como exigir pagamento de duplicatas emiti-das sem causa

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a empresa de factoring não pode exigir do devedor o pagamento de duplicatas corres-pondentes a serviços que não foram prestados, ainda que regularmente aceitas por ele. De acordo com o Colegiado, no contrato de factoring – em que há profundo envolvimento entre faturizada e faturizadora e amplo conhecimento sobre a situação jurídica dos créditos objeto de negociação –, a transferência desses créditos não representa simples endosso, mas uma cessão de crédito, hipótese que se subordina à disciplina do art. 294 do Código Civil. O sacado ingressou com ação judicial contra a empresa de factoging alegando que o ne-

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gócio que deu origem às duplicatas não foi integralmente cumprido, razão pela qual pediu que fossem anuladas as duplicatas pendentes e sustado o protesto efetivado contra ele. Na sentença, o juízo de primeira instância reconheceu que o devedor foi devidamente informado da cessão dos títulos e que as dupli-catas foram regularmente aceitas. Por isso, julgou improcedentes os pedidos. A sentença concluiu que seria impossível opor à endossatária questões relativas à constituição do débito. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por sua vez, admitiu a oposição de exceções pessoais pelo sacado ao fundamento de que o endosso por faturização representa verdadeira cessão de crédito e se sujeita às regras do art. 294 do Código Civil. A empresa de factoring recorreu ao STJ sustentando, entre outros pontos, que a aquisição dos títulos ocorreu por endosso, e não por cessão de crédito, e que o aceite lançado nesses títulos desvincula-os do negócio original. A Terceira Turma, entretanto, manteve o entendimento do TJRS. Conforme destacou o Relator, Ministro João Otávio de Noronha, o TJRS considerou plausível a afirmação do devedor de que somente apôs seu aceite nas duplicatas porque naquele momento os serviços contrata-dos estavam sendo prestados. Só mais tarde é que se deu o descumprimento do contrato por parte da prestadora, quando o sacado já havia pagado a maior parte do valor contratado, superior até mesmo aos serviços prestados até então. Tais circunstâncias, para o ministro, evidenciam que o sacado agiu de boa-fé. Por outro lado, segundo Noronha, a empresa de factoring a quem os títulos foram endossados por força do contrato de cessão de crédito e que mantém relação contratual com a empresa que emitiu as duplicatas não ocupa posição de terceiro de boa-fé imune às exceções pessoais dos devedores. “Provada a ausência de causa para a emissão das duplicatas, não há como a faturizadora exigir do sacado o pagamento respectivo”, concluiu o ministro. REsp 1439749. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Banco não pode negar cheque especial a clientes

O Banco Itaú foi condenado a pagar R$ 3.343,13, referentes ao dobro do valor cobrado indevidamente pela Tarifa de Adiantamento ao Depositante e Comis-são de Valor Liberado (CLV), à Empresa G Dall Agnol Panchos Grill Eireli e R$ 3 mil a título de danos morais, por recusar liberação de cheque especial. A sentença é da Juíza Roberta Nasser Leone, do 5º Juizado Especial Cível. A Pan-chos Grill entrou com ação pedindo indenização por danos morais, em R$ 20 mil, pela não liberação do Limite Itaú para Saque (LIS), também conhecido por cheque especial, que está previsto no contrato firmado entre as partes, assim como pelos descontos em sua conta-corrente de tarifas não contratadas e pela venda casada de seguro de vida e títulos de capitalização. Requereu a restitui-ção em dobro dos valores pagos referentes à Tarifa de Adiantamento ao Depo-

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sitante e CLV, no valor de R$ 7.406,85, uma vez que tais serviços não foram contratados. Em sua defesa, o Banco Itaú alegou que não é obrigado a liberar o LIS, visto que a avaliação do cliente para a concessão do cheque especial vai além da existência de restrição em seu nome. Aduziu que as taxas descontadas na conta-corrente da empresa são legais e foram pactuadas, não devendo res-tituir os valores pagos. A fim de esclarecer a questão, a magistrada citou o art. 6º, inciso III, e o art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, os quais preveem que são direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, característica, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (art. 6º, inciso III) e que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, preci-sas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e seguran-ça dos consumidores (art. 31). Dessa forma, a juíza explicou que é dever da instituição bancária informar previamente a cobrança de tarifas e taxas, obser-vando que na Proposta de Abertura de Conta de Depósito Itaú Pessoa Jurídica e de Contratação de Produtos e Serviços não constam, em nenhuma cláusula, eventuais descontos relativos à Tarifa de Adiantamento ao Depositante ou CLV. A cobrança de tarifas exige assinatura de contrato com especificação das pos-sibilidades, no caso, a incidência de tarifa de adiantamento ao depositante e comissão de valor liberado, contratações que não ficaram demonstradas nos autos, afirmou, devendo, portanto, a devolução em dobro das importâncias descontadas. Quanto ao valor a ser restituído, a juíza verificou que os extratos bancários anexados indicam o valor de R$ 1.671,55. Portanto, a quantia a ser paga pelo banco deverá ser de R$ 3.343,10, o dobro do que foi descontado indevidamente. Rosana Nasser esclareceu que, como não houve a inclusão do nome da empresa nos órgãos de proteção ao crédito, não houve dano moral em relação aos descontos indevidos. Em relação ao contrato de seguro de vida, disse que ele não se encontra assinado, além de não existir descontos relativos a tal seguro nos extratos apresentados. Por outro lado, concluiu que houve ato ilícito por parte do banco, ao negar a liberação do LIS sem justificativa. Ocorre que tal prática é ilegal, sendo inclusive prevista no Código de Defesa do Con-sumidor. Portanto, é de solar clareza que a recusa no fornecimento de produto ou de serviço, salvo motivo excepcional, devidamente comprovado, afronta as normas de consumo, disse a magistrada, inclusive porque acarretou abalos de ordem econômica à empresa, que teve descontado tarifas de adiantamento de depositante, com taxas de juros maiores que o previsto no LIS. Por esse motivo, fixou indenização no valor de R$ 3 mil por danos morais. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

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Banco não responde por prejuízo de comerciante que recebeu cheque rou-bado ou extraviado

Os bancos não são obrigados a ressarcir empresas pelos prejuízos que elas te-nham sofrido ao aceitar cheques roubados, furtados ou extraviados (devolução pelo motivo 25). A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso julgado no dia 21 de maio, cujo acórdão foi publicado no úl-timo dia 12. Para o Colegiado, o prejuízo, nessas situações, não é decorrência lógica e imediata de defeito do serviço bancário, e as empresas não podem ser tratadas como consumidoras por equiparação, o que afasta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O recurso julgado era de uma rede de supermercados contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF). Segundo o Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, o STJ já definiu em recurso repetitivo (REsp 1.199.782) que o banco responde de forma objetiva – isto é, independentemente de culpa – pelos prejuízos causados por criminosos que abrem contas com documentos falsos e utilizam cheques em nome de outras pessoas. No entanto, acrescentou o ministro, aquele julgamento dizia respeito à situação em que ficou caracterizado dano previsível, inerente ao risco da atividade bancária. No caso analisado agora, Bellizze destacou que o roubo dos cheques, quando de seu envio ao correntista, foi devidamente contornado com o cancelamento do talonário e o não pagamento do cheque apresentado. Ele lembrou que o art. 39 da Lei nº 7.357/1985 veda o pagamen-to de cheque falso ou adulterado. Para o ministro, eventuais danos causados diretamente por falsários não podem ser atribuídos à instituição financeira que procedeu em conformidade com a legislação, sob pena de se admitir indevida transferência dos riscos profissionais assumidos por cada um. Se o banco cum-priu as normas legais, cancelou o talão e não pagou o cheque – acrescentou o relator –, seria incoerente e até antijurídico impor-lhe a obrigação de arcar com os prejuízos suportados por comerciante que, “no desenvolvimento de sua atividade empresarial e com a assunção dos riscos a ela inerentes, aceita os referidos títulos como forma de pagamento”. Em seu voto, o ministro afastou a pretendida condição de consumidora por equiparação (art. 17 do CDC) reque-rida pela rede de supermercados, por não reconhecer nenhuma condição de vulnerabilidade. Conforme assinalou, a empresa tinha todas as condições de aferir a idoneidade do cheque apresentado e, à sua escolha, poderia aceitá-lo ou não. Sobre a alegação de que a recorrente tomou as cautelas devidas, tais como consultar a Serasa, Bellizze disse que isso não basta para apurar se have-ria ou não algum problema com o cheque apresentado, já que aquele sistema de proteção ao crédito se destina a concentrar informações sobre a existência ou não de restrição cadastral de pessoas físicas e jurídicas. Outro aspecto res-saltado pelo ministro foi que não há no processo nenhuma alegação – muito

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menos demonstração – de que o banco demandado tenha sido instado pela empresa comercial a prestar informação acerca do cheque ou que tenha se recusado a dar esclarecimentos sobre eventual restrição relacionada ao motivo 25. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Menor não pode ser responsabilizada por dívida adquirida por sociedade

A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por una-nimidade, seguiu voto do Relator, o Desembargador Fausto Moreira Diniz, mantendo inalterada a sentença da Juíza Nathália Bueno Arantes da Costa, da 2ª Vara Cível de Goiânia, considerando a ilegitimidade ativa de Poliana Aparecida Xavier Evaristo de Paula. Ela não deverá ser responsabilizada por dí-vida adquirida pela sociedade da qual participava quando era menor de idade. A sentença proferida acolheu a exceção de pré-executividade para extinguir o feito, negando o pedido de penhora em relação a Poliana, em virtude de ilegitimidade passiva. A Empresa Casa do Marceneiro Ltda. interpôs apelação cível argumentando que, quando houver sócio menor de idade em sociedade limitada, o capital social deve estar integralmente subscrito, alegando que não foi o que ocorreu no caso. Disse que, por isso, ainda que a sócia fosse menor de idade à época da constituição do débito, ela deve responder pela dívida da sociedade, estando dotada de capacidade processual antes e depois de sua maioridade, citando o art. 932, inciso I, do Código Civil, que estabelece que são também responsáveis pela reparação civil os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. O desembargador, primei-ramente, explica que no Direto brasileiro nunca houve impedimento à partici-pação de menores incapazes em sociedades limitadas, devendo, no entanto, respeitar duas exigências impostas pelo Departamento Nacional de Registro Comercial, a integralização à vista do capital social e que o menor incapaz não participe do quadro de administradores da sociedade. O magistrado adu-ziu que o incapaz é impedido de assumir a função de administrador, pois ele deve ter capacidade para assumir obrigações sociais nesta espécie societária, e, ainda, que a plena integralização do capital social é cobrada porque este seria o limite da responsabilidade pessoal do menor. Logo, tenho por acertado o de-cisório fustigado, porquanto em nada influiria, atinente à sócia menor, estar ou não integralizado o capital social, já que pela mesma não poderia ser exercida função de gerência, sendo descabido responsabilizá-la por qualquer indício de fraude ou desvio de finalidade, afirmou Fausto Moreira Diniz. Concluiu que o ato judicial não merece reforma, por encontrar-se em consonância com o entendimento jurisprudencial aplicável em casos semelhantes. Votaram com o relator os Desembargadores Norival Santomé e Sandra Regina Teodoro Reis. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

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Bebidas com teor alcoólico acima de 30% poderão ter advertência na em-balagem

A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei nº 365/2015, do Deputado Marco Antônio Cabral (PMDB-RJ), que torna obrigatória a inclusão de adver-tência nas embalagens e no material publicitário de bebidas com teor alcoó-lico superior a 30 graus Gay Lussac (GL). O teor alcoólico de uma bebida é calculado com base na percentagem de álcool puro. Uma bebida com teor alcoólico 10%, por exemplo, tem 10% de álcool em seu volume. Essa mes-ma medida pode ser expressa em graus GL, com a mesma significação. Pela proposta, a advertência deverá alertar o consumidor sobre os malefícios de bebidas alcoólicas, por meio de frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde. A obrigatoriedade do aviso só não valerá para as bebidas destinadas à ex-portação. O texto modifica a Lei nº 9.294/1996, que estabelece restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Segundo o autor, o objetivo é intensificar a comunicação dos malefícios causados pela ingestão de bebidas de alto teor alcoólico. “No Brasil, os adolescentes começam a beber cada vez mais cedo e consomem bebidas de diferentes teores alcoólicos sem informações preci-sas quanto aos efeitos das substancias ingeridas”, disse Cabral. Ele cita ainda pesquisa da Editora Abril, Divulgada pela revista Veja, conforme a qual 80% dos adolescentes já beberam alguma vez na vida e 22% dos jovens estão sob risco de desenvolver dependência do álcool. O deputado acrescenta que um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) avaliou a ingestão de álcool em 100 países e deparou-se com a “impressionante estatística” de que aproxi-madamente 2,5 milhões de pessoas morrem anualmente devido ao consumo inadequado de álcool. O levantamento, feito em 2011, entrevistou homens e mulheres com idade a partir dos 15 anos. O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será analisado pelas Comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; de Defesa do Consumidor; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

CDC pode ser aplicado em favor de pessoa jurídica em relação com admi-nistradora de cartões

O Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado em favor de pessoa jurídica, se provada sua vulnerabilidade frente a outra empresa com quem mantenha contrato de adesão. Esse é o entendimento do Desembargador Luiz Eduardo de Sousa, que, em decisão monocrática, determinou que a Redecard S/A efetuasse o pagamento de pouco mais de R$ 68 mil à LJC Supermercado Ltda. Me. de Aparecida de Goiânia. A decisão reformou parcialmente sentença do Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca que havia negado os pedidos do super-

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mercado por entender que, no caso, não se aplicava o CDC e que não havia juntado documentos que provassem a entrega dos produtos. Ao analisar os au-tos, o desembargador entendeu que havia provas suficientes de que as vendas foram realizadas e que o comprador efetuou o pagamento à administradora do cartão de crédito. Quanto à aplicação do CDC, Luiz Eduardo de Sousa ex-plicou que, em regra, os normativos do código não seriam aplicados ao caso, por se tratar de pessoa jurídica. Isso porque a empresa não se enquadra como destinatária final do produto. Porém, o magistrado destacou que a premissa tem sido interpretada pela doutrina e pela jurisprudência de modo que, se for comprovada a vulnerabilidade da empresa, impõe-se sua equiparação à figura do consumidor, imperando, assim, a aplicação do CDC. A Redecard argumen-tou que o repasse foi negado devido à inobservância de procedimentos de segurança. No entanto, o magistrado entendeu que o fato de o supermercado ter efetuado transações em valores superiores aos de costume não caracteriza irregularidade na transação, cabendo à administradora interessada a apuração dos acontecimentos junto a seu cliente. O desembargador também considerou que a Redecard não trouxe a contraprova necessária. Ela argumentou que a maioria das transações foram com cartões dos Estados Unidos da América e que seus titulares alegaram nunca ter comparecido ao estabelecimento dos autos. O magistrado rejeitou os documentos apresentados, pois eles estavam em língua estrangeira e não foram traduzidos na forma do art. 157 do Código de Processo Civil (CPC). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

Fechamento da Edição: 20�07�2015

Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto especial

DOUTRINAS

Assunto

Direito Contratual – Função SoCial

• A Função Social dos Contratos Empresariais e oJudiciário (Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa) ....9

• Função Social da Empresa: Dimensão Positiva e Restritiva e Responsabilidade Social (GrazielaMaria Rigo Ferrari e Ricardo Lupion Garcia) ........15

Autor

Graziela Maria riGo Ferrari

• Função Social da Empresa: Dimensão Positivae Restritiva e Responsabilidade Social .................15

HarolDo MalHeiroS DuClerC VerçoSa

• A Função Social dos Contratos Empresariais e oJudiciário ...............................................................9

riCarDo lupion GarCia

• Função Social da Empresa: Dimensão Positivae Restritiva e Responsabilidade Social .................15

EMENTÁRIO

Assunto

Direito Contratual – Função SoCial

• Ação de rescisão contratual – prestação de contas – função social da empresa – reconhe-cimento .....................................................2523, 36

• Contrato – sociedade empresarial – função so-cial – dissolução ........................................2524, 36

• Direito bancário – cédula de crédito rural – so-ciedade empresária – função social – cumpri-mento – possibilidade ................................2525, 37

• Falência – equalização dos débitos – funçãosocial da empresa – comprovação .............2526, 37

• Recuperação judicial – função social – preser-vação da empresa – possibilidade ..............2527, 38

• Sociedade – recuperação judicial – função so-cial – atividade econômica – precedente ...2528, 39

• Sociedade limitada – desconsideração da per-sonalidade jurídica – contrato social – com-provação ...................................................2529, 40

Índice GeralDOUTRINAS

Assunto

ConSórCio De eMpreSaS

• O Surgimento dos Consórcios de Empresas no Brasil Como Estrutura Jurídico-Organizativa Al-

ternativa à Sociedade Empresária e a Sua Re-lação com o Desenvolvimento (Laura RomanoCampedelli) .........................................................60

ContratoS

• Contratos de Colaboração Empresarial: uma Via Alternativa para Afastar a Rigidez dos Mo-delos Societários em Benefício do Crescimentoda Empresa (Alessandre Ferreira Canabal) ..........104

DeSConSiDeração Da perSonaliDaDe JuríDiCa

• Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurispruden-cial Atualizado (Incluindo o Novo Código deProcesso Civil) (Carlos da Fonseca Nadais) ........122

Lex Mercatoria

• Nova Lex Mercatoria: Ordenamento Jurídico Supranacional (?) (Roberto Epifanio Tomaz, Mario João Ferreira Monte e Osvaldo Agripinode Castro Júnior) ..................................................85

SoCieDaDe

• Governança Corporativa: a Situação dos Acio-nistas Minoritários (Não Controladores) em Assembleias Gerais (Filipe Vinícius AparecidoFerreira) ...............................................................41

Autor

aleSSanDre Ferreira Canabal

• Contratos de Colaboração Empresarial: uma Via Alternativa para Afastar a Rigidez dos Mo-delos Societários em Benefício do Crescimentoda Empresa ........................................................104

CarloS Da FonSeCa naDaiS

• Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurispru-dencial Atualizado (Incluindo o Novo Código de Processo Civil) ..............................................122

Filipe ViníCiuS apareCiDo Ferreira

• Governança Corporativa: a Situação dos Acio-nistas Minoritários (Não Controladores) em As-sembleias Gerais ..................................................41

laura roMano CaMpeDelli

• O Surgimento dos Consórcios de Empresas no Brasil Como Estrutura Jurídico-Organizativa Al- ternativa à Sociedade Empresária e a Sua Re-lação com o Desenvolvimento ............................60

Mario João Ferreira Monte

• Nova Lex Mercatoria: Ordenamento Jurídico Su-pranacional (?) .....................................................85

oSValDo aGripino De CaStro Júnior

• Nova Lex Mercatoria: Ordenamento Jurídico Su-pranacional (?) .....................................................85

RDE Nº 45 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������217 roberto epiFanio toMaz

• Nova Lex Mercatoria: Ordenamento Jurídico Supranacional (?) ................................................85

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

título De Capitalização

• Direito civil – Indenização por danos morais e materiais – Título de capitalização não re-gistrado – Não participação em sorteios pre-vistos no contrato – Manutenção do valor de condenação por danos materiais – Majoração da indenização por danos morais – Sucumbên-cia recíproca (TRF 2ª R.) ..........................2530, 156

EMENTÁRIO

Assunto

ação De Cobrança

• Ação de cobrança – seguro empresarial – danos decorrentes de vendaval – relação de consu-mo – dever de indenizar ..........................2531, 162

ação De preStação De ContaS

• Ação de prestação de contas – contrato de mú-tuo bancário – ausência de interesse de agir ................................................................2532, 162

ação De reViSão De ContratoS banCárioS

• Ação de revisão de contratos bancários – che-que especial e empréstimos pessoais – inde-nização por danos morais – negativação in-devida .....................................................2533, 162

ação FaliMentar

• Ação falimentar – requerimento formulado pelo Ministério Público – ilegitimidade ativa ................................................................2534, 163

ação Monitória

• Ação monitória – contrato de abertura de cré-dito – cheque empresarial – documentos ne-cessários – ausência .................................2535, 163

ação reSCiSória Contra o DeCreto FaliMentar

• Ação rescisória contra o decreto falimentar – propositura pela sociedade empresária com falência decretada – capacidade processual re-conhecida – possibilidade .......................2536, 164

ação reViSional De CláuSulaS ContratuaiS

• Ação revisional de cláusulas contratuais – cé-dula de crédito bancário – capital de giro – Código de Defesa do Consumidor – inapli-cabilidade ................................................2537, 166

arrenDaMento MerCantil

• Arrendamento mercantil – CDB – “operaçãocasada” – depósito – nulidade .................2538, 166

• Arrendamento mercantil – reintegração de posse – rescisão contratual com devolução do bem –restituição do VRG – possibilidade ..........2539, 167

CéDula De CréDito rural

• Cédula de crédito rural – ação revisional – ces-são de crédito – legitimidade passiva de am-bos – prescrição .......................................2540, 168

CHeque

• Cheque – estelionato – provenientes de conta encerrada – ciência de tal circunstância por todos os recorrentes – pleito absolutório invia-bilizado ...................................................2541, 168

• Cheque – execução de título judicial – em-presa – obrigações pendentes – desconsidera-ção da personalidade jurídica – dolo – lesão acredores ...................................................2542, 169

Contrato

• Contrato – ação revisional – tarifas bancárias –limitação dos juros remuneratórios ..........2543, 169

• Contrato – cláusula compromissória – confis-são de dívida – execução de título extrajudicial ................................................................2544, 169

• Contratos bancários – ação monitória – instru-mento particular de confissão de dívida – notapromissória ..............................................2545, 170

• Contrato bancário – juros – limitação ......2546, 172

• Contrato de abertura de crédito em conta cor-rente – negócios jurídicos bancários – CDC –incidência ................................................2547, 172

• Contrato de franquia – circular de oferta de franquia – obrigatoriedade de entrega, pela fran-queadora – anulação do contrato e restituiçãodas quantias pagas – cabimento ...............2548, 173

• Contrato empresarial associativo – CDC – inci-dência – julgamento extra petita – não carac-terização ..................................................2549, 174

CooperatiVa aGrária

• Cooperativa agrária – operação de crédito – auto-rização do Bacen – possibilidade .............2550, 175

Dano Moral

• Dano moral – compra pela Internet – mercadoria com avarias .............................................2551, 177

DeFeSa Do ConSuMiDor

• Defesa do consumidor – ação civil pública – tí-tulo de capitalização – publicidade enganosa ................................................................2552, 177

DupliCata

• Duplicata – execução – ausência de preques-tionamento ..............................................2553, 180

218 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 45 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• Duplicata mercantil – protesto indevido – en-dosso-mandato – instituição bancária – negli-gência – dano moral ................................2554, 180

Direito eMpreSarial

• Direito empresarial – cobrança – contrato de compartilhamento de instalações – termo adi-tivo – novo valor referente à data do iníciodo contrato ..............................................2555, 181

exeCução

• Execução – astreintes – não cabimento ....2556, 181

• Execução de título extrajudicial – cheques – desconsideração da personalidade jurídica – descabimento .......................................2557, 181

• Execução de título extrajudicial – pagamento – inexistência – sociedade empresária – sócio excutido – penhora de cotas sociais – possibili-dade ........................................................2558, 181

• Execução por título extrajudicial – cédula de crédito bancário – giro caixa fácil e crédito rota-tivo – liquidez e exigibilidade – ausência . 2559, 182

FirMa inDiViDual

• Firma individual – execução fiscal – inclusão do empresário nos “cadastros” da execução – ci-tação do empresário – desnecessidade ....2560, 183

FrauDe De exeCução

• Fraude de execução – ciência de demanda capaz de levar o alienante à insolvência – pro-va – ônus do credor .................................2561, 183

JuStiça Gratuita

• Justiça gratuita – concessão – eficácia em to-das as instâncias – renovação do pedido .2562, 184

MarCa

• Marca – ação de abstenção de uso de marca cumu-lada com indenização – registro de marca Bass Boat – exclusividade do titular .................2563, 185

• Marca – violação de registro de marca “By Tennis” – sentença que extingue o feito por ilegitimidade ativa – parte que não é titular dosregistros de marca ....................................2564, 186

neGóCio JuríDiCo banCário

• Negócio jurídico bancário – liquidação de sen-tença – cálculo – duplicidade ..................2565, 186

nota proMiSSória

• Nota promissória – origem da dívida – agio-tagem – exceção pessoal – possibilidade de alegação pelo avalista na hipótese de não tercirculado o título de crédito .....................2566, 186

proprieDaDe inDuStrial

• Propriedade industrial – marca de alto reno-me – sentença – reconhecimento da proce-

dência do pedido por parte do Inpi – cumpri-mento de sentença – delimitação temporal aoregistro ....................................................2567, 188

• Propriedade industrial – registro de marca – limi-tação geográfica da proteção do nome empre-sarial – erro material – reconhecimento ...2568, 189

reCuperação JuDiCial

• Recuperação judicial – aprovação de plano – novação – execução – extinção ...............2569, 190

• Recuperação judicial – crédito de honorários advocatícios posterior ao pedido – não sujei-ção ao plano de recuperação – execução no juízo comum – prosseguimento ...............2570, 190

• Recuperação judicial – sócio da recuperanda afastado da condução da sociedade empre-sária por decisão da comissão de gestão – im-possibilidade ...........................................2571, 191

reSponSabiliDaDe CiVil Contratual

• Responsabilidade civil contratual – contrato de monitoramento de estabelecimento empre-sarial – caracterizada a falha da prestação de serviço – dever de reparação por danos ma-teriais configurados – princípio da reparaçãointegral ....................................................2572, 191

SoCieDaDe

• Sociedade – desconsideração da personalidade jurídica – reavaliação de requisitos – neces-sidade ......................................................2573, 191

• Sociedade empresária – sociedade de advo-gados – atividade econômica não empresarial – prestação de serviços – impossibilidade de assumirem caráter empresarial .................2574, 192

título extraJuDiCial

• Título extrajudicial – execução – acórdão des-te órgão fracionário que negou provimento ao reclamo – irresignação .............................2575, 192

títuloS De CréDito

• Títulos de crédito – cédula de crédito rural – garantia cambial – terceiro avalista – validade ................................................................2576, 193

Seção especial

ACONTECE

Assunto

MeDiação

• Mediação e Autocomposição: Considerações sobre a Lei nº 13.140/2015 e o Novo CPC(Gustavo Filipe Barbosa Garcia) .........................194

RDE Nº 45 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������219 Autor

GuStaVo Filipe barboSa GarCia

• Mediação e Autocomposição: Consideraçõessobre a Lei nº 13.140/2015 e o Novo CPC .......194

CLIPPING JURÍDICO

• Banco é condenado por cobrar parcelas inde-vidas de empréstimo ..........................................209

• Banco não pode negar cheque especial a clientes ..........................................................................210

• Banco não responde por prejuízo de comer-ciante que recebeu cheque roubado ou extra-viado .................................................................212

• Bebidas com teor alcoólico acima de 30% po-derão ter advertência na embalagem .................214

• CDC pode ser aplicado em favor de pessoa jurí-dica em relação com administradora de cartões ..........................................................................214

• Empresa de factoring não tem como exigir pa-gamento de duplicatas emitidas sem causa ........209

• Menor não pode ser responsabilizada por dívida adquirida por sociedade ....................................213