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...do quê? de algo que dá muito medo? ele, aquele ser, aquela coisa, disse... para ir até onde o mundo se torna mais obscuro e as trevas se fundem com o nada. para buscar a luz, porque ela é o limite... depois, talvez exista salvação, vida... sim, vida. o corpo está vivo, mas há a terrível e dolorosa sensação de um ser dividido, amputado, com uma parte de si deixada pra trás, abandonada, perdida pra sempre... isto é o nada... as trevas... o medo... mas é preciso ir em frente... fugir para longe, para todos os lugares, rumo ao nada, ao vazio... como o vazio gelado que se sente no âmago... aquele aperto profundo e doloroso que não me deixa recordar... recordar? o que são recordações? é muito difícil entender o sentido dessa palavra. o antes não existe, nem a consciência de si mesmo... talvez seja só o instinto que me leva a fugir... 7

isto é o nada as trevas o medo mas é preciso ir em frente

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Page 1: isto é o nada as trevas o medo mas é preciso ir em frente

...do quê? de algo que

dá muito medo? ele, aquele ser,

aquela coisa, disse... para ir

até onde o mundo se torna mais obscuro e as

trevas se fundem com o nada.

para buscar a luz, porque ela é o limite...

depois, talvez exista salvação, vida... sim, vida. o corpo está vivo, mas

há a terrível e dolorosa sensação de um ser

dividido, amputado, com uma parte de si deixada pra trás, abandonada, perdida pra sempre...

isto é o nada... as trevas... o medo... mas é preciso ir em frente... fugir para longe, para todos os lugares, rumo ao nada, ao vazio...

como o vazio gelado que se sente no âmago... aquele aperto profundo e doloroso que não me deixa recordar... recordar?

o que são recordações? é muito difícil entender o sentido dessa palavra. o antes não existe, nem a consciência de si mesmo...

talvez seja só o instinto que me leva a fugir...

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mas tenho que ir em frente...

é preciso conservar o invólucro, sangue e carne, um corpo vivo e pulsante... mas sem

passado, sem recordações, sem

o viver... então esta é a única via para a salvação, entrar na luz...

sim... esta é a luz... a angústia é

forte demais, terrível,

devastadora... dói. será que

a morte é assim?

é como um abismo

iluminado, um abismo sem fim, o nada absoluto.

nada existe, é o fim da EXiSTÊNCiA...

o nada está interiorizado. ele

atravessa, despedaça o ser... depois, tudo acaba. mas talvez nunca tenha

começado... e o nada nunca tenha existido...

oohhhh...

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o mundo que se abre ao meu redor é imenso... me assusta. estou viva, sou real, isso posso

perceber... mas, diante da vastidão que me circunda, só sinto o corpo reagir.

eu sou como um ser recém-nascido... assustado,

ansioso, com medo, mas também com aquela

inquietação que alerta os sentidos mais primordiais,

os de um animal...

eu sinto um bloqueio mental que me impede

de entender. é como um espesso véu escuro que

inibe os pensamentos.

aahh...

oohhh...

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é bom ter consciência do próprio corpo, sentir a forma física...

mas isso não basta. tenho a necessidade de satisfazer as exigências primárias

para sobreviver. preciso de água e comida neste instante.

ali... é água!

eu toco o meu corpo, acaricio, exploro e descubro cada detalhe. apalpo a sua maciez, a firmeza...

esta é a minha pele, a minha carne e o meu cheiro...

fumaça... cheiro acre de fumaça. algo queimando... perto. será comida? cuidado, parece haver perigo...

oohh...

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a visão do terror e o odor de morte me atacam com violência... sinto medo, uma dor interior muito forte que talvez seja angústia... é isso a morte? vasculho a mente

em busca de indícios, mas o que há dentro dela? o espaço mental é ilimitado, mas vazio, como um céu escuro e frio...

eu tenho o impulso de fugir... percebo ao redor a ameaça e o perigo iminentes... só a sensação urgente do desespero e os

apertos da fome me fazem seguir em frente... a procurar...

não me interessa saber o que essa coisa faz neste lugar e por que está queimando, só sei que devo me apressar...

achar comida... e ir embora... o quanto antes...

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...aah...!mmmHH...?

puhaarghpuah...hh... koaf... koff

oohhh...

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Page 7: isto é o nada as trevas o medo mas é preciso ir em frente

não sei há quanto tempo estou andando... horas? não sei dizer, é difícil quantificar

o tempo. só sei que as pernas doem e eu me sinto terrivelmente cansada... ei, estou vendo

alguma coisa se movendo... está vindo...

deus, deus... eu preciso sair deste lugar repugnante de morte... talvez... essas trilhas estranhas... se eu as seguir, aonde me levarão?

aos humanos? estou com medo, mas... a sensação de solidão é tão forte neste mundo sem fim, que tenho muita necessidade de encontrar pessoas...

o que é? um animal? não, parece... é um homem em cima de um animal... está vindo para cá.

não sei o que fazer... estou paralisada de terror...

ohh...

eu estava procurando humanos, então por que tenho tanto medo

agora? talvez seja o instinto... é o meu instinto que sente o perigo...

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iaahh!

aauh... aauh...

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eu me dou conta de que sei falar! mas... estou surpresa, confusa... as palavras saíram por instinto. não sei se entendo o significado, mas agora... toda a minha atenção está na comida na minha mão. eu mordo com receio...

é meio dura, mas é boa... gostosa!

eu... o quê? eu...

tra... trazida... pelo

vento?

ahu... ye tetakown, mulher “trazida pelo vento”... você come carne pte, bisonte... bom, você come... comida...

sombras brancas, toka wasicum, muito mau.

há um longo silêncio, só o sussurro do vento no capim da planície... o homem continua a me examinar com aqueles olhos escuros e

misteriosos. está imóvel... o rosto parece pedra. só aquele estranho enfeite na cabeça oscila ao vento... ele torna a falar, mas é difícil entender. o idioma gutural é áspero... só pego algumas palavras.

talvez sejam na minha língua, porque as compreendo...

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Page 10: isto é o nada as trevas o medo mas é preciso ir em frente

você deve conseguir daqui.

a distância não é muito grande. derrube o macho

com um tiro. cuidado para não acertar

a fêmea!

às ordens, yefe!

diablo! por um momento, a fêmea...

se virou. parece até que escutou... vendo

melhor, ela é diferente. eu diria que é bonita, mas... muy bien! vamos

matar o macho e capturar a fêmea...

depois decidirei o destino

dela.

são dois selvagens. aspecto humanoide, macho e fêmea. ele se veste de modo bárbaro... tem

o corpo pintado e uma coroa de penas. é um predador. deve pertencer ao bando responsável pelo massacre. são seres repulsivos e perigosos.

devem ser eliminados no ato. cadê o meu campeão?

estamos em terras desconhecidas. o aparecimento desses

seres alarmou os homens... e a opinião do monge também

conta... ele fala com eles, e eles têm medo...

sim, yefe, eu consigo. mas há um problema.

e falo também por todos. existem dificuldades...

dificuldades? que história

é essa?

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