BOLA DENTRO, MAS O JOGO É SOFRIDO APESAR DE LEVAR OPORTUNIDADES E TRANSFORMAR A VIDA DE MILHARES DE BRASILEIROS, ONGS CRIADAS POR EX-ATLETAS AINDA SOFREM COM O EXCESSO DA BUROCRACIA E A INDIFERENçA DE MUITAS EMPRESAS PARA VIABILIZAR PROJETOS DURADOUROS RESPONSABILIDADE SOCIAL ALEGRIA Ana Moser e crianças atendidas por seu instituto: além de núcleos fixos, ela promove caravanas esportivas por todo o País 66 MARÇO 2013 | ISTOÉ 2016 POR MARCO ZANNI Fotos: João Castellano/Ag. Istoé
1. Bola dentro, mas o jogo sofrido Apesar de levar
oportunidades e transformar a vida de milhares de brasileiros, ongs
criadas por ex-atletas ainda sofrem com o excesso da burocracia e a
indiferena de muitas empresas para viabilizar projetos duradouros
responsabilidade social ALEGRIA Ana Moser e crianas atendidas por
seu instituto: alm de ncleos fixos, ela promove caravanas
esportivas por todo o Pas 66 maro 2013 | isto 2016 por Marco Zanni
Fotos: Joo Castellano/Ag. Isto
2. Uma das maiores jogadoras da histria do vlei brasileiro, Ana
Moser continua falando com tanta firmeza como quando enfrentava as
cubanas nos clssicos duelos dos anos 1990. Agora, 12 anos aps
deixar as quadras, sua am- bio certamente maior do que levar
medalhas para casa. No quero nada menos que liderar a universalizao
do esporte educacional no Brasil, diz. O que seria exatamente isso?
Pela proposta do Instituto Esporte e Educao (IEE), ONG criada por
ela e que atende oito mil alunos em 25 ncleos espalhados por 71
cidades do Pas, as crianas entram em contato com a educao fsica da
maneira como ela deveria ser ensinada na escola. Em vez de um
professor desinteressado que apenas fornece uma bola para que os
estudantes se virem como acontece na maiorias dos colgios
brasileiros , o instituto de Ana Moser tem educadores
especializados em diversas modalidades que acompanham de perto a
evoluo esportiva da garotada. A ideia no for- mar superatletas, mas
ensinar aos alunos que o esporte uma parte importante na formao das
pessoas, diz Ana. Entidades como o IEE s existem graas ao trabalho
exemplar de alguns dos maiores nomes da histria do esporte
brasileiro, que deixaram a doce aposenta- doria de lado para levar
oportunidades a milhares de jovens do Pas. Com a meta de disseminar
seu projeto e incomo- dar o poder pblico, nas palavras dela prpria,
h oito anos Ana Moser realiza uma espcie de caravana por vrios
muni- cpios brasileiros. Nessas ocasies, sua equipe monta um circo
que, no lugar de malabaristas e palhaos, oferece a prtica de
diversas modalidades esportivas. Em mdia, essas visitas colocam trs
mil crianas em contato com a atividade fsi- ca, alm de transmitir a
mensagem da importncia do esporte para prefeitos e diretores de
escolas. fazer poltica com o p no barro, diz a medalhista de bronze
nos Jogos de Atenas-1996. Apesar da qualidade do projeto, no
simples obter recursos para mant-lo. O Instituto Esporte e Educao
tem oramento anual de R$ 8 milhes. O problema que as empresas ainda
inves- tem por iseno fiscal e, como no temos tanta divulgao, uma
batalha conseguir dinheiro, afirma a craque do vlei. A educao
esportiva tem um papel importante no desenvolvimento do Pas, mas
preciso lembrar tambm do impacto social gerado pelas aes das ONGs
dos atletas. De um lado, edifcios de luxo, clube de golfe e um
condomnio de manses cercado por montanhas, no bairro de So Conrado.
De outro, uma das maiores favelas do Pas, a Rocinha. bem na divisa
de cenrios cariocas to distintos que existem dois tatames, com
direito a arquibancada, e uma pequena academia. Nesse lugar,
funciona um dos ncleos do Instituto Reao, ONG do ex-judoca Flvio
Canto, medalhista de bronze em Atenas-2004, que hoje atende 1,2 mil
alunos de uma das reas mais pobres da cidade. Ver a realidade de
outros pases me fez crescer indignado com as diferenas sociais do
Rio de Janei- ro, diz Canto, que nasceu na Inglaterra, acompanhou o
pai (um fsico nuclear) em seus estudos na Califrnia e no parou de
viajar desde os 19 anos, com a seleo brasileira. No Rio no tem
peri- feria. A gente nasce de cara para o morro, ento no d para
fechar os olhos. Canto teve a ideia de criar o Reao h 12 anos,
quando foi eliminado nas seletivas para os Jogos de Sydney-2000.
Desiludido com a vida de atleta profissional, comeou a dar aulas de
jud em um projeto social na Rocinha. Identificou-se tanto com a
atividade que resolveu fundar, com a ajuda de amigos, sua prpria
ONG. Hoje, ela est presente em diversas comunidades de baixa renda
no Rio de Janeiro (alm da Rocinha, atua na Cidade de Deus e Tu-
biacanga, para citar alguns exemplos). O Reao oferece cursos de
ingls e reforo escolar para crianas e jovens de 4 a 25 anos, mas o
forte mesmo o treinamen- to de jud. Nos tornamos referncia no
Brasil, diz Canto. No ranking da fede- rao carioca, nossos judocas
ocupam o primeiro lugar, frente de clubes como Flamengo e Vasco. Se
hoje os atletas do Reao so conhecidos e temidos , at pouco tempo
atrs era diferente. Quando nossos judocas iam para uma competio, os
adversrios falavam que os favelados tinham chegado. Ana Moser
Instituto Esporte e Educao Oramento anual: R$ 8 milhes Estrutura:
25 ncleos para 8 mil alunos "O problema que as empresas ainda
investem por iseno fiscal e, como no temos tanta divulgao, uma
batalha conseguir dinheiro", diz ana moser Ra Gol de Letra Oramento
anual: R$ 5 milhes Estrutura: 2 ncleos para 1,3 mil alunos
responsabilidade social ORIGEM DOS RECURSOS Segundo Ra, a
dificuldade que a verba destinada pelas empresas a instituies
sociais concorre com o dinheiro do marketing Fotos: Joo
Castellano/Ag. Isto | Sergio Zacchi / Valor
3. De certa forma, a ONG ajudou Flvio Canto a se tornar um
atleta mais equi- librado. Com o sucesso do projeto e em paz
consigo mesmo, voltou a competir em alto nvel, se classificou para
os Jogos de Atenas-2004 e trouxe de l uma me- dalha de bronze. O
curioso que Canto no foi o nico atleta do Reao (claro, na condio de
idealizador do projeto) a ir a uma Olimpada. A carioca Rafaela
Silva comeou a treinar jud na unidade da Rocinha e, em 2011, se
tornou vice- campe mundial. Depois, conseguiu a vaga para os Jogos
de Londres, mas foi eliminada nas oitavas de final. No co- meo, eu
era uma referncia muito forte para os alunos, diz Canto. Como tive
melhores condies de treinar e estudar, estava distante da realidade
local. Aos poucos, construmos outros dolos, como a prpria Rafaela
Silva. inegvel que muito do sucesso dessas ONGs se deve fora da
imagem de dolos do esporte. Basta uma breve caminhada ao lado de Ra
pela Fun- dao Gol de Letra para perceber isso. O camisa 10 da Seleo
Brasileira que venceu a Copa de 1994 e foi campeo do mundo pelo So
Paulo no consegue dar um passo sem que alguma criana pea um
autgrafo. Ra no demorou para ganhar o carinho dos moradores da Vila
Albertina, comunidade carente da zona norte de So Paulo. Chegou l
em 1998, quando encontrou um prdio com salas de aula e quadras
esportivas tomado por usurios de drogas. Pediu autorizao do governo
para compr-lo, juntamen- te com o colega Leonardo, tambm campeo do
mundo pelo So Paulo e hoje diretor do Paris Saint-Germain, da
Frana. Em pouco tempo, os dois transformaram o lugar degradado num
espao de educao, esporte e cultura. Atualmente, 900 crianas e
jovens saem da escola e passam mais quatro horas di- rias recebendo
reforo de leitura, aulas de arte, informtica e educao fsica. Por
que Ra decidiu criar uma ONG? Na Frana, eu me espantei ao ver que a
filha da minha empregada estudava na escola da minha filha e tinha
o mesmo mdico, diz. Pensei que poderia fazer algo para mudar a vida
de alguns brasileiros. No comeo, Ra e Leonardo colocaram dinheiro
do prprio bolso. Para o projeto se expandir, porm, era indispensvel
obter recursos de outras fontes. Pedir dinheiro desgastante e
difcil, mas voc no pode desistir. Segundo Ra, o problema que a
verba destinada pelas empresas a institui- es sociais concorre com
o dinheiro do marketing e so justamente essas reas que sofrem
cortes em momentos de crise. Para reforar o caixa da ONG, ele vive
promovendo jogos de futebol com a participao de outros jogadores,
revertendo o dinheiro dos ingressos para os projetos sociais. Com
oramento anual de R$ 5 milhes, a Gol de Letra atende atualmente 1,3
mil alunos em dois ncle- os (alm de So Paulo, conta com uma unidade
no Caju, no Rio de Janeiro). Por ora, novas unidades no esto
previstas, principalmente em razo dos entraves burocrticos para a
obteno de recursos. Seis meses como secretria de Espor- te de Alto
Rendimento no governo federal serviram para mostrar a Magic Paula,
campe mundial de basquete com a seleo em 1994, como a burocracia
trava os projetos de longo prazo no Brasil. Quando deixou o cargo,
em 2003, reclamou que o dinheiro sempre ficava nas mos de atletas e
confederaes de renome e tambm atacou o desperdcio com passagens
areas e hospedagem de autoridades durante competies. Tra- balhando
na ONG, vi que a organizao da sociedade a forma mais eficiente de
mudar a realidade. Em 2004, fundou o Instituto Passe de Mgica, com
o objetivo de oferecer a crianas de baixa renda familiar as mesmas
oportunidades que ela teve. Nos ltimos oito anos, nas- ceram sete
ncleos nas cidades de Dia- dema, Piracicaba, So Bernardo e So Paulo
que oferecem clnicas de basquete a 780 crianas e adolescentes. O
objetivo da ONG, financiada principalmente por leis de incentivo,
educacional, mas 20 talentos esportivos j foram encaminha- dos para
clubes. Se no passado recente Ana Moser, Flvio Canto, Ra e Paula
deram alegria a milhes de torcedores, hoje eles fazem a diferena na
vida de muitos brasileiros. APESAR DOS DESAFIOS PARA OBTER RECUROS,
CRAQUES DO ESPORTE COMO ANA MOSER, RA, PAULA E FLVIO CANTO CONTAM
COM A CREDIBILIDADE CONQUISTADA NA CARREIRA ESPORTIVA PARA FAZER
COM QUE OS PROJETOS DESENVOLVIDOS POR SUAS ONGS SEJAM BEM-SUCEDIDOS
Paula Instituto Passe de Mgica Oramento anual: R$ 1,1 milho
Estrutura: 7 ncleos para 780 alunos responsabilidade social CESTA:
Paula diz que o objetivo de sua ONG educacional, mas 20 crianas com
talento para o basquete j foram encaminhadas para clubes Fotos: Joo
Castellano/Ag. Isto Flvio Canto Instituto Reao Oramento anual: R$
1,2 milho Estrutura: 5 ncleos para 1,2 mil alunos NOVA GERAO A ONG
de Flvio Canto j revelou um atleta de ponta para o esporte
brasileiro: a judoca Rafaela Silva, que disputou os Jogos Olmpicos
de Londres