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IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

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Page 1: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

COMPETÊNCIAS AMBIENTAIS E SEGURANÇA JURÍDICA

CAIO AUGUSTO SOUZA LARA

JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO

LUIZ GUSTAVO GONÇALVES RIBEIRO

Page 2: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

C737

Competências ambientais e segurança jurídica [Recurso eletrônico on­line] organização Escola Superior Dom Helder; Coordenadores: Caio Augusto Souza Lara, José Adércio Leite Sampaio, Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro – Belo Horizonte: ESDH, 2017.

Inclui bibliografia ISBN: 978­85­5505­276­7 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: Sustentabilidade, Ambientalismo de Mercado e Geopolítica.

1. Direito – Estudo e ensino (Graduação e Pós­graduação) – Brasil – Congressos

internacionais. 2. Competências ambientais. 3. Segurança Jurídica. I. Congresso Internacional de Direito Ambiental (4:2016 : Belo Horizonte, MG).

CDU: 34

_____________________________________________________________________________

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IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

COMPETÊNCIAS AMBIENTAIS E SEGURANÇA JURÍDICA

Apresentação

O despertar da questão ambiental, sua importância, nuances e implicações, foi abordado, sob a égide das “Competências Ambientais e Segurança Jurídica”, por trabalhos ecléticos que revelaram o quão sublime é hoje o meio ambiente, assim considerado pelos mais diversos ramos do direito. O conteúdo interdisciplinar dos textos ora apresentados externa, nos limites do tema que deu título ao Grupo de Trabalho, aspectos penais, tributários, administrativos, civis e constitucionais correspondentes, a demonstrar que não apenas frutíferas, mas necessárias, são as implicações jurídicas ambientais no dia a dia de cada um e de todos. Trata­se de questão afeta, a um só tempo, ao público e ao privado, à vida e à organização social, ao direito ambiental e às demais áreas do direito. Alvissareira foi, portanto, a iniciativa dos autores que, com qualidade, expuseram a riqueza do tema, demonstrando não apenas compromisso com a pesquisa que desenvolveram, mas também que, nos mais diversos locais, o meio ambiente é hoje pautado como bem de primeira grandeza, embora ainda carente de práticas sociais que espelhem ainda mais essa importância. O conteúdo dos textos, é, pois, instrutivo e instigante, e não está circunscrito ao simplório. Por isso, a certeza de que a leitura deve ser feita não apenas por necessidade, mas também por deleite. Todos temos a ganhar com ela!

Belo Horizonte, setembro de 2016.

Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro

José Adércio Leite Sampaio

Caio Augusto Souza Lara

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1 Professor adjunto de Direito e Processo Penal da Universidade Federal de Minas Gerais; doutor em Direito e mestre em Ciências Penais pela mesma instituição1

CONTEÚDO INTELECTUAL DO DOLO NOS CRIMES AMBIENTAIS: O PROBLEMA DO ERRO SOBRE A NORMA DE COMPLEMENTAÇÃO DAS LEIS

PENAIS EM BRANCO

CONTENIDO INTELECTUAL DEL DOLO EN LOS DELITOS AMBIENTALES: EL PROBLEMA DEL ERROR SOBRE LA NORMA DE COMPLEMENTACIÓN DE LA

LEY PENAL EN BLANCO

Frederico Gomes de Almeida Horta 1

ResumoAnalisam­se os tipos de injusto ambientais determinados por leis penais em branco, com o fim de perquirir o conteúdo intelectivo do dolo próprio desses delitos. Tem por objetivo enfrentar o problema da natureza e das consequências do erro sobre os elementos em branco das leis penais; especificamente sobre a norma de complementação da lei penal em branco. O problema é ilustrado a partir de quatro casos, solucionados ao final, após análise da controvérsia doutrinária pertinente e a partir de premissas teóricas relacionadas ao conteúdo mínimo do tipo, sua relação com a ilicitude e a teoria limitada da culpabilidade.

Palavras­chave: Crimes ambientais, Leis penais em branco, Dolo, Erro de tipo, Erro de proibição

Abstract/Resumen/RésuméSe analizan los tipos de injusto ambientales determinados por leyes penales en blanco, con el fin de identificar el contenido intelectivo del dolo en estos crímenes. Aborda el problema de la naturaleza y de las consecuencias del error sobre la norma de complementación de la ley penal en blanco. El problema se ilustra a partir de cuatro casos resueltos al final, después de un análisis de la controversia doctrinal pertinente y después de establecer algunos supuestos teóricos en relación al contenido mínimo del tipo, su relación con la antijuridicidad y la teoría limitada de la culpabilidad.

Keywords/Palabras­claves/Mots­clés: Delitos ambientales, Leyes penales en blanco, Dolo, Error de tipo, Error de prohibición

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1 Introdução

Os tipos de crime contra o meio ambiente, justamente por força do caráter

supraindividual do seu objeto de ofensa, apresentam as principais peculiaridades estruturais que

caracterizam dogmaticamente o direito penal socioeconômico. São na maioria das vezes crimes

de perigo, e especialmente de perigo abstrato, legalmente definidos a partir de remissões a

outras normas, com frequente recurso aos elementos normativos do tipo e às leis penais em

branco.

As incriminações no direito penal ambiental são frequentemente de perigo porque uma

tutela eficiente de um bem jurídico coletivo requer uma atuação repressiva em certa medida

antecipada ao dano. Não seria razoável pressupor um resultado catastrófico, com repercussões

sistêmicas sobre o meio ambiente, para se reprimir sob ameaça de pena uma conduta idônea a

causa­lo. E são principalmente crimes de perigo abstrato, porque uma conduta individual,

isoladamente considerada, raramente repercute a ponto de gerar uma perturbação sensível ou

expor a uma situação efetivamente crítica, o equilíbrio de um ecossistema (SILVA SANCHEZ,

2011, p. 148). Daí porque a tutela de um bem supraindividual, como o meio ambiente,

frequentemente importa na punibilidade de condutas em função das consequências deletérias

que decorreriam da sua repetição por um número expressivo de pessoas, e não pelos seus

próprios efeitos, por meio dos chamados delitos cumulativos (WOHLERS; HIRSCH, 2007, p.

299 et seq.).

Já a abundância de remissões a outras normas nas definições legais dos crimes contra

o meio ambiente se deve, por um lado, à dimensão normativa deste bem jurídico, estabelecido

a partir de um complexo regramento da vocação humana de modificar o meio natural, pela

cultura. E por outro lado, deve­se à chamada acessoriedade administrativa do direito penal

ambiental: uma orientação legislativa de condicionar a punibilidade das condutas ofensivas ao

meio ambiente a um regramento administrativo altamente dinâmico, que amplia ou restringe a

proteção ambiental segundo orientações políticas variáveis ao sabor de conveniências

econômicas e sociais (GRECO, 2006, p. 152-194).

Essa conformação frequentemente normativa dos injustos penais ambientais, muitas

vezes determinados pelo descumprimento de uma proibição, de um dever administrativo, ou

pela violação de uma licença ambiental, torna problemática a determinação do conteúdo do

dolo, pois turva a separação entre os elementos constitutivos do tipo legal de crime e o juízo de

ilicitude da conduta incriminada. Como se sabe, no direito penal brasileiro, o dolo pressupõe

apenas a consciência do autor quanto aos pressupostos fáticos do injusto que pratica, mas não

a consciência da ilicitude de sua conduta (TOLEDO, 2000, p.277­278 e 286­287).

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1.1 Contexto dogmático e apresentação do tema­problema

O desconhecimento da ilicitude da conduta, chamado erro de proibição, releva apenas

para a culpabilidade, excluindo­a ou a atenuando, conforme seja respectivamente inevitável ou

evitável, nos termos do artigo 21 do Código Penal (CP). Só são relevantes para excluir o dolo,

nos termos do artigo 20 do CP, o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime;

chamado erro de tipo, e o erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação; o erro

de tipo permissivo.

Em geral, o tipo legal de crime coincide perfeitamente com a descrição legal da

conduta incriminada. Isto se dá quando a lei penal se refere estritamente aos pressupostos

fáticos do injusto para cuja prática culpável comina uma pena. Assim por exemplo o artigo 41

da Lei 9.605/98, que prevê apenas as circunstâncias fáticas da conduta proibida sob ameaça de

pena e, portanto, os elementos constitutivos do tipo legal de incêndio florestal: “provocar

incêndio em mata ou floresta”. Nesses casos é fácil identificar o conteúdo intelectivo do dolo.

Podemos afirmar com tranquilidade que se o agente não se dá conta da idoneidade de sua

conduta para causar um incêndio, ou se não sabe que há uma floresta na área a ser queimada,

incorre em erro de tipo e, portanto, não atua com dolo. Mas se ele reconhece todas essas

circunstâncias, e ainda assim supõe ser permitido o incêndio, simplesmente porque a floresta

se encontra nos limites da sua propriedade, seu erro não é de tipo, mas de proibição. Atua, então,

com dolo e deverá ser punido por incêndio florestal, a menos que seu erro sobre a ilicitude do

fato venha a ser considerado inevitável.

Algumas vezes, contudo, a lei penal exprime mais do que apenas os pressupostos

fáticos da conduta incriminada, fazendo referência também ao juízo de ilicitude que sobre ela

recairá. É o que ocorre, por exemplo, no artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor,

segundo o qual a o emprego de um procedimento de cobrança que exponha o consumidor ao

ridículo só será punível quando praticado “injustificadamente”. Tem­se aqui um elemento de

valoração global do fato, cuja posição sistemática é controvertida. Segundo a doutrina

dominante, capitaneada por Claus Roxin (2003, p. 299­301), pertence ao tipo todos os

pressupostos deste juízo, isto é; as qualidades e circunstâncias do procedimento indecoroso de

cobrança que o tornam injustificado, mas não a própria valoração desse procedimento como

injusto. Esta valoração corresponde à ilicitude da conduta e, como tal, não é compreendida pelo

dolo.

Outras vezes, a lei penal sequer exprime todas as qualidades que distinguem a conduta

incriminada, definindo o fato punível, em maior ou menor medida, como a infração de uma

norma prevista em outra parte. Dessa forma delega a outro ato normativo, ao menos em parte,

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a determinação do tipo, que se configura em contraste com o mandamento ou proibição

extrapenal referido pela lei. Assim são as leis penais em branco, como o artigo 34 da Lei

9.605/98, que incrimina “Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares

interditados por órgão competente”. Como se vê, a conduta incriminada por este dispositivo

não está estabelecida na própria lei penal, mas varia em função das proibições e interdições

estabelecidas pelo órgão ambiental competente (como o IBAMA), cuja infração vem a ser um

pressuposto legal da pena.

Pois bem, quando o tipo legal de crime ­ ou tipo de injusto, como se prefere chamar

(TAVARES, 2002, p. 172, 179 et seq.) ­ vem a ser definido em função da infração de outras

normas, às quais a lei penal faz referência, torna­se especialmente problemática a delimitação

dos elementos do tipo em relação ao próprio juízo de ilicitude, e consequentemente a distinção

entre o erro de tipo e o erro de proibição. Pois não se pode responder facilmente, a partir da

mera apreciação gramatical de uma lei penal em branco, se a existência, a vigência ou o próprio

comando da norma extrapenal complementar é ou não um elemento do tipo de injusto

correspondente. Este é justamente o problema que se pretende enfrentar.

1.2 Procedimentos metodológicos e objetivos do trabalho

O problema do erro sobre a norma complementar das leis penais em branco pode ser

traduzido como uma indagação sobre o alcance do dolo nos crimes definidos por leis penais em

branco, ou sobre a natureza do erro quanto a existência ou o conteúdo da norma de

complementação. Ilustram­no, os seguintes casos:

Caso 1: Um amante da pesca desportiva transporta peixes prematuramente colhidos

d´água, sem saber que ainda não poderiam ter sido pescados em razão do tamanho que

ostentavam. Tem ele o dolo próprio do crime previsto no artigo 34, §1º, inciso III, da Lei

9.605/98, consistente em transportar espécimes provenientes da pesca proibida?

Caso 2: Uma fábrica despeja efluentes líquidos inadequadamente tratados em um

córrego, causando poluição hídrica com mortandade de peixes e risco à saúde da população

ribeirinha. Considerando que o diretor de produção e o engenheiro responsável pela planta fabril

desconheciam a norma regulamentar que determinava o tratamento químico da água, e não

apenas a sua filtragem, têm eles o dolo correspondente à forma qualificada do crime de

poluição, prevista no art. 54, §2º, V, da Lei 9605/98, consistente, entre outras formas, em causar

poluição por lançamento de resíduos líquidos, em desacordo com as exigências estabelecidas

em leis ou regulamentos?

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Caso 3 O proprietário de um imponente haras determina o corte de um jatobá, visando

se livrar do cheiro forte dos frutos e empregar sua resistente madeira na reforma da cerca do

curral de exibição. Ao fazê­lo, ele sabia se tratar de uma “madeira de lei”, mas ignorava a

legislação municipal que exigia licença prévia do órgão ambiental para o corte daquela espécie

vegetal, ainda quando localizada fora da zona urbana. Pode­se dizer, nestas circunstâncias, que

o autor da ordem atuou com o dolo típico do crime previsto no artigo 45 da Lei 9605/98,

consistente, entre outras formas, em cortar madeira de lei, assim classificada por ato do poder

público, para qualquer exploração, econômica ou não, “em desacordo com as determinações

legais”?

Caso 4 O herdeiro de uma fazenda desmata metade da sua área de reserva legal,

constituída por vegetação de cerrado, para ampliar o pasto. Mas ao agir, desconhecia o termo

de compromisso firmado pelo antigo possuidor com o órgão competente do Sistema Nacional

de Meio Ambiente (Sisnama), do qual constavam a localização da área de Reserva Legal e as

obrigações ali assumidas por força do disposto no Código Florestal (Lei n. 12.651/12).

Considerando seu erro quanto ao ato obrigacional que o vinculava (art. 18, §§ 2º e 3º da Lei n.

12.651/12), o novo possuidor agiu com o dolo típico do crime previsto no artigo 68 da Lei

9.605/98, consistente em “Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê­lo, de

cumprir obrigação de relevante interesse ambiental”?

Nos registros que se tem de enfrentamentos dessa matéria pelos tribunais, verificam­

se soluções frontalmente divergentes, dada a carência de uma orientação doutrinária ou

jurisprudencial amadurecida a respeito da natureza e das consequências do erro nos crimes

definidos por leis penais em branco. Um caso análogo ao de número 1 foi julgado pelo Tribunal

Regional Federal da 3ª Região – TRF3, que manteve a condenação de um pescador flagrado

transportando 25Kg de peixes das espécies Jaú e Armado, que não ostentavam os cumprimentos

mínimos para permissão de pesca estabelecidos pela Portaria n. 25, de 09 de março de 1993, do

IBAMA, quais sejam: 35 centímetros para os Armados e 80 centímetros para os Jaús. A

alegação de desconhecimento, pelo acusado, da proibição de pesca desses espécimes, foi tratada

no acórdão como um erro de proibição evitável, do qual ademais os julgadores não se

convenceram (SÃO PAULO, TRF3, 2009). Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal ­ STF,

ao julgar um Deputado Federal, ex­Prefeito de Joinville, acusado de nomear ilegalmente

servidores públicos (art. 1º, XIII, do Dec.­lei 201/1967), absolveu­o por considerar que agiu em

erro sobre a ilegalidade dessas nomeações. A Turma julgadora considerou, por maioria, que tal

circunstância é relevante para excluir o dolo, precisamente por ser erro de tipo, como ficou

muito bem consignado no voto da Revisora, a Min. Rosa Weber (BRASIL, STF, 2015).

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Como se vê nesses dois julgados, erros da mesma espécie são considerados ora como

erro de proibição, irrelevante para o dolo, ora como erro de tipo, prejudicial ao dolo. Qual dessas

soluções é a devida? Para tentar responde­lo, segue­se uma análise dos contornos do problema

apresentado, com a definição dos seus pressupostos conceituais e uma exposição panorâmica

das principais propostas doutrinárias a respeito da relevância do erro sobre a norma de

complementação das leis penais em branco. Depois, a partir de premissas teóricas relacionadas

ao conteúdo mínimo dos tipos penais e do dolo, apresenta­se um critério de solução que leva

em conta a importância do conhecimento do dever extrapenal infringido em cada tipo de injusto,

para a sua reprovabilidade. Ao final, analisam­se os casos supra expostos, apontando em quais

deles o erro teria eficácia excludente do dolo.

2 Leis penais em branco, elementos em branco das leis penais e elementos normativos do

tipo

Leis penais em branco são precisamente as disposições legais incriminadoras que

definem o fato punível em função da infração de uma ou mais normas de caráter extrapenal,

previstas em outra parte do ordenamento jurídico. Receberam este nome de Karl Binding1 (1885

apud VEGA, 2000, p. 15­16), pois a leitura exclusiva de uma lei penal em branco não permite

identificar plenamente qual é o pressuposto fático da pena que ela prescreve. A determinação

da conduta incriminada por uma lei penal em branco só é possível mediante remissão aos atos

normativos diversos que a complementam. Como bem observa Ingebourg Puppe, quando a lei

penal faz referência a um dever estabelecido em outro lugar, não se pode extrair exclusivamente

dela qualquer norma que tenha sentido, mas apenas uma tautologia (PUPPE, 2010, p. 112).

Com efeito, não se pode extrair uma pauta de conduta exclusivamente do artigo 45 da Lei

9.605/98, pois tudo o que ele diz, afinal, é que não se deve cortar madeira de lei, quando tal

conduta for proibida por outras determinações legais.

Fala­se em lei penal em branco, e não em norma penal em branco, porque norma em

branco não existe; norma em branco não é norma. A norma é o comando; a pauta de conduta

imposta por meio da lei. E esta, quando instituída por uma lei penal em branco, só toma corpo

a partir do preenchimento da lei penal pelos preceitos que a complementam. Norma é o

conteúdo da lei. E como Binding2 (1890 apud SILVA, 2004, p. 40) percebeu desde a primeira

vez em que tratou desta categoria, as leis penais em branco são por si só destituídas de conteúdo

1 Handbuch des Strafrechts, t. I, 1885, p. 180. 2 BINDING, Karl. Die Normen und Ihre Übertretung. Zweite Aufl. Erster Bd. Normen und Strafgesetze. Leipzig: Verlag von Wilhelm Engelmann, 1890, p. 162.

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Page 10: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

e o procuram “como um corpo errante procura sua alma”, especialmente quando a proibição

para cuja violação cominam pena vem a ser exarada posteriormente à lei penal, por legislação

particular ou pela autoridade local.

Assim como, e justamente porquê, não há norma em branco, também não há tipo penal

em branco. O tipo não se confunde com a lei penal, e isso é evidenciado pelas leis penais em

branco. Nas precisas palavras de Welzel (2001, p. 48), o tipo é a matéria da proibição. O tipo é

a definição abstrata da ação ou omissão proibida pela norma penal incriminadora. E por isso o

tipo só se constitui a partir do preenchimento do elemento em branco da lei penal, pela norma

de complementação à qual ela remete. Consequentemente, os elementos em branco da lei penal,

isto é; as referências legais aos deveres extrapenais – mandamentos ou proibições, previstos em

outra parte – não são elementos do tipo, pois só o integram depois de serem devidamente

preenchidos pelo conteúdo desses deveres extrapenais.

Nisto reside a chave da diferenciação, tão controvertida na doutrina, entre os elementos

normativos jurídico­institucionais do tipo e os elementos em branco das leis penais. Como o

próprio nome já diz, aqueles pertencem também ao tipo e estes apenas à lei penal. Exatamente

porque se referem a deveres extrapenais, cuja infração vem a ser pressuposto do fato punível,

os elementos em branco da lei penal não compõem por si só a descrição da conduta que vem a

ser, por força deles, penalmente proibida. Com efeito, expressões como “em desacordo com as

exigências estabelecidas em leis ou regulamentos” (art. 54, §2º, V da Lei 9606/98) não conotam

por si só os pressupostos da conduta incriminada que, por meio delas, a lei insere no tipo.

Expressões assim não bastam para a construção do tipo, que haverá de incluir necessariamente

os seus objetos de referência, isto é; a precisas circunstâncias da ação que contrariam a

determinação legal ou regulamentar.

Já os elementos normativos do tipo, ao contrário dos elementos em branco da lei penal,

não são como incógnitas da lei, mas unidades de sentido que conotam aspectos da realidade

institucionalmente criados e determinados, que vem a ser relevantes para o direito penal. São

signos muitas vezes indispensáveis para a descrição e identificação do fato típico, como “coisa

alheia móvel” (art. 155 do CP), “casamento” (art. 235 do CP) ou “funcionário público” (art.

331 do CP). Eles compõem, por meio de seu significante, a descrição da conduta proibida. E

justamente por isso são elementos constitutivos do tipo. É dessa diferença que se fala, com

razão, quando se afirma que as normas referidas pelos elementos normativos do tipo cumprem

uma função meramente interpretativa, enquanto as normas referidas pelos elementos em branco

têm papel integrativo ou constitutivo do tipo penal (GUARAGNI; BACH, 2014, p. 28­29, 146).

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Page 11: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

São, então, elementos normativos do tipo, e não elementos em branco das leis penais,

expressões legais como “Unidades de Conservação” (art. 40, caput, da Lei 9.605/98), “floresta

considerada de preservação permanente” (art. 38, caput, da Lei 9.605/98) e “madeira de lei”

(art. 45 da lei 9605/98). Pois em que pese o conteúdo ou o próprio campo denotativo desses

termos serem definidos por normas extrapenais, eles possuem conotação ou intensão idôneas a

exprimir as características penalmente relevantes dos seus objetos de referência. E sendo assim,

conferem sentido ao tipo e o compõem por si só, independentemente das normas extrapenais

que estabelecem suas condições de uso. De fato, quando se fala em dano às Unidades de

Conservação, destruição de floresta considerada de preservação permanente e em corte de

madeira de lei, exprime­se muito claramente o conteúdo das proibições penais previstas,

respectivamente, nos artigos 40, caput; 38, caput e 45 da Lei 9605/98, sem que para conferir­

lhes sentido seja necessária a referência a cada uma das áreas classificadas como Unidades de

Conservação; às condições determinantes das floresta de preservação permanente; e nem a cada

uma das espécies vegetais (madeiras) especialmente protegidas por lei.

Também só são elementos em branco das leis penais aqueles referidos a normas

extrapenais imperativas ou a permissões gerais delimitadoras de proibições ou deveres cuja

inobservância se incrimina. Pois as normas permissivas individuais não definem, mas apenas

excepcionam a proibição. Com efeito, as referências legais à “permissão de autoridade

competente”, no art. 39, à sua “licença”, no art. 51, ou à sua “autorização”, no art. 50A, todos

da Lei 9.605/98, não remetem ao conteúdo, mas à mera forma dessas normas extrapenais, isto

é; ao ato constitutivo delas. Consequentemente, o sentido da proibição penalmente imposta se

verifica com independência do conteúdo dessas normas extrapenais permissivas, o qual,

ademais, já se poderia deduzir desde os próprios dispositivos penais. Como o sentido das

normas de determinação se conforma independentemente da determinação das permissões,

licenças ou autorizações individuais eventualmente referidas pelas leis penais, essas referências

integram diretamente o tipo de injusto correspondente, independentemente de complementação.

São, portanto, elementos normativos do tipo, de caráter negativo.

Não há dúvidas de que os elementos normativos do tipo hão de ser alcançados pelo

dolo, como todos os demais pressupostos fáticos do injusto. A única dificuldade nesses casos é

determinar qual o nível de compreensão dos elementos normativos o dolo requer, especialmente

em se tratando daqueles de conteúdo jurídico. Trata­se de um tema interessante, cuja análise

não caberia nestas linhas. Mas quanto ao ponto vale ainda a orientação geral de Edmund Mezger

(1957, p. 148), segundo a qual para o dolo quanto aos elementos normativos do tipo basta uma

valoração paralela, desde a esfera do leigo. Por esta fórmula, Mezger fala de um

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Page 12: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

reconhecimento do conteúdo valorativo dos elementos normativos do fato típico pelo seu autor,

ainda que sem dispor dos conhecimentos técnicos próprios do Juiz.

Equivale a dizer que o autor não precisa conhecer o ato do Poder Público que classifica

uma madeira de lei ou que constitui uma Unidade de Conservação, nem tampouco conhecer os

critérios legais de determinação das áreas de preservação permanente. Mas para fundamentar o

dolo típico dos crimes previstos nos artigos 45, 40 e 38 da Lei 9605/98 será indispensável que

ele reconheça, respectivamente, a especial proteção estatal destinada à madeira cortada ou à

área danificada, bem como as propriedades ecológicas que fundamentam o excepcional valor

ambiental da floresta destruída.3 Portanto o problema do alcance do dolo, pelo menos desde

uma perspectiva sistemática, restringe­se aos elementos em branco das leis penais, em face da

viva controvérsia quanto à pertinência do dever extrapenal que os preenchem, aos tipos de

injusto correspondentes às leis penais em branco. Expõem­se a seguir algumas das principais

respostas a este problema.

3 Da controversa posição sistemática das normas de complementação das leis penais em

branco

Segundo a doutrina dominante, capitaneada por Hans Welzel, o erro sobre a norma de

complementação da lei penal em branco será sempre erro de proibição. Ao tratar dos erros sobre

os fatos puníveis segundo as leis penais em branco ou sobre aqueles definidos por “tipos que

fazem remissão a outras normas”, Welzel (2001, p. 129) simplesmente reafirma a incidência

das “regras gerais”, de tal modo que o erro sobre uma circunstância do tipo estabelecido na lei

complementar é um erro de tipo, enquanto o erro sobre a existência da norma complementar é

um erro de proibição.

A partir dessas premissas, todos os quatro casos de erro indicados na introdução

haveriam de ser considerados erros de proibição e, portanto, todas as condutas ali descritas

teriam sido praticadas com dolo. Ocorre que, para Welzel, os tipos correspondentes às leis

penais em branco decorreriam de uma leitura conjunta destas com a suas normas

complementares, por meio da qual o conteúdo do preceito, ao qual a lei genericamente remete,

seria substituído no tipo apenas pelos pressupostos fáticos da sua infração (TIEDEMANN,

2009, p. 214­215).

Dentre os adeptos dessa orientação se pode citar Günther Jakobs (1997, p. 345­346),

Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weigend (2002, p. 331), Francesco Carlo Palazzo (1974, p.

3 Para desenvolvimentos mais recentes do problema da compreensão dos elementos normativos do tipo necessária ao dolo, ver FRISCH, 2010, p. 73 et seq.; PUPPE, 2010, p. 126 et seq.; e DÍAZ Y GARCÍA CONLLEDO, 2008.

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Page 13: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

217 et seq.), Enrique Bacigalupo (2002, p. 159­160), e no Brasil, Francisco de Assis Toledo

(1977, p. 126), Luiz Luisi (1987, p. 116), Luís Augusto Sanzo Brodt (1996, p. 82), Pablo Alflen

da Silva (2004, p. 151­152) e André Vinícius de Almeida (2005, p. 105­106). Como bem

observa Puppe (2010, p. 117­118), a doutrina majoritária opõe à solução de Welzel apenas a

ressalva de que quando a norma complementar for uma norma individual, sem eficácia geral, o

erro sobre a vigência de tal disposição ou sobre o dever que dela decorre é um erro de tipo. Mas

conforme ressaltamos na sessão anterior, a norma individual como a licença, a autorização e a

permissão é elemento normativo do tipo. E, portanto, nesses casos já não se trata de erro sobre

elemento em branco das leis penais.

Mas a tese de que o erro sobre a existência da norma complementar da lei penal em

branco é irrelevante para o dolo, embora amplamente avalizada pela doutrina, já encontra

fundada oposição por parte de um grupo minoritário, mas aparentemente crescente de autores

(DÍAS y GARCÍA CONLLEDO, 2008, p. 429) que têm contribuído para revelar a

complexidade do tratamento do erro sobre essa circunstância. Dentre os seus representantes,

que igualmente elaboram suas posições a partir da teoria da culpabilidade,4 destacam­se Klaus

Tiedemann, Puppe e Wolfgang Frisch. Os dois primeiros tomam posição diametralmente oposta

à de Welzel quanto ao ponto, defendendo que o erro sobre o dever extrapenal referido pelas leis

penais em branco é sempre prejudicial ao dolo típico dos delitos previstos por essas leis.

Tiedemann se opõe à irrelevância para o dolo, genericamente atribuída ao erro sobre a

existência da norma complementar da lei penal branco, por dois argumentos. Primeiramente,

porque não vislumbra razões para se dispensar ao erro sobre os elementos em branco dos “tipos

penais” tratamento distinto daquele dispensado ao erro sobre os elementos normativos do tipo

(TIEDEMANN, 2002, p. 92). Depois, por considerar que a norma de dever ser (o dever) se

inclui no tipo quando este por si mesmo, isto é; apenas por seus demais elementos, possa ser

considerado neutro em relação ao injusto ou inclusive socialmente adequado, o que é

especialmente comum no âmbito do direito penal acessório (TIEDEMANN, 2009, p. 216­217)

como é o caso do direito penal ambiental.

Também Puppe (2010, p. 117) se opõe à doutrina majoritária, ao afirmar que a

realização dolosa do tipo correspondente às leis penais em branco requer a consciência do

4 A teoria da culpabilidade se consolidou historicamente na Alemanha sob a influência da doutrina da ação finalista, de Hans Welzel, e inspirou a reforma da parte geral do Código Penal brasileiro, operada em 1984. Segundo essa teoria, só é relevante para excluir o dolo o erro que recaia sobre os elementos constitutivos do tipo legal de crime, na sua versão estrita, ou sobre os pressupostos em geral, naturais ou normativos, do injusto, na sua versão limitada, enquanto o erro sobre a ilicitude do fato relevará apenas para a apuração ou para a medida da culpabilidade, conforme a sua evitabilidade.

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preceito extrapenal cuja infração integra o fato punível. A amplitude da solução apresentada

por Puppe para este problema se deve à sua compreensão dos elementos em branco, não apenas

como aspectos da lei penal, mas como elementos que integram diretamente – e sempre – o

“sentido do tipo”, assim como os elementos normativos jurídico­institucionais. Ao incluir

diretamente no tipo os elementos em branco da lei penal, que mencionam a contrariedade da

conduta incriminada a uma obrigação extrapenal indeterminada, Puppe acrescenta ao sentido

do tipo a própria obrigação contrariada, e não apenas os pressupostos fáticos, descritivos ou

normativos, da mencionada contrariedade. Então, tomando por premissa o caráter vinculante

do sentido do tipo em relação à representação que fundamenta o dolo, Puppe deduz a máxima

segundo a qual, para além dos tipos das normas complementares da lei penal em branco, o autor

do injusto doloso deve conhecer também a vigência daquelas, pois somente nestes casos sabe

que existe para ele uma obrigação jurídica (PUPPE, 2010, p. 117­118).

A partir destas propostas, chega­se também a uma única solução para os quatro casos

expostos no início. Esta solução, contudo, seria agora pela exclusão do dolo em todos eles,

posto que os erros sobre as normas de complementação ali referidos haveriam de ser

considerados hipóteses de erro de tipo, a merecer o tratamento do artigo 20 do CP.

A melhor solução, contudo, não parece estar em nenhum dos dois extremos, isto é; não

se defende uma única solução para todos os casos de erro sobre a norma de complementação

da lei penal em branco. Pois não se pode afirmar aprioristicamente, nem a impertinência e nem

a inclusão, nos tipos correspondentes às leis penais em branco, do dever extrapenal imposto

pelos atos normativos complementares. É certo que os tipos não se confundem com as leis

penais em branco que os estabelecem, mas resultam de uma leitura conjunta delas, com as

normas complementares. Mas também não se pode presumir, como a doutrina dominante, que

essa leitura conjunta sempre substitui o dever extrapenal genericamente mencionado na lei,

pelos pressupostos (naturais ou normativos) da sua infração.

Ocorre que, desde uma perspectiva puramente semântica, duas são as leituras

conjuntas possíveis das leis penais em branco: a que exclui o dever extrapenal do tipo,

substituindo­o pelos pressupostos da sua infração, e a que menciona o dever extrapenal

infringido pelo autor do crime (como um elemento imperativo do tipo), definindo essa infração

em todas as suas circunstâncias, a partir da norma complementar. Por exemplo, a conduta

incriminada no art. 34, caput, da Lei 9.605/1998 – “Pescar em período no qual a pesca seja

proibida ou em lugares interditados por órgão competente” ­ a partir da complementação por

uma das normas administrativas às quais o dispositivo se reporta, pode ser definida como

desobediência à proibição do órgão competente, de pescar no Rio Araguaia entre 1.º de

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novembro e 28 de fevereiro, ou simplesmente como a pesca no Rio Araguaia, entre 1.º de

novembro e 28 de fevereiro.

Corresponde à primeira hipótese um tipo penal no qual a desobediência caracteriza a

conduta incriminada, que pode ser formulado nos seguintes termos: “Pescar no Rio Araguaia

entre 1 de novembro e 28 de fevereiro, contrariando a proibição do órgão competente”. Já se

partimos da segunda hipótese, diríamos que o tipo penal correspondente ao artigo 34, caput, da

Lei 9.605/1998 não incorpora o comando extrapenal infringido, mas apenas os pressupostos

fáticos da sua infração. Ter­se­ia, então, um tipo mais simples, com a seguinte configuração:

“Pescar no Rio Araguaia, entre 1º de novembro e 28 de fevereiro”. Desse modo, a conduta

punível já não é a desobediência à norma ambiental, ao defeso da pesca, mas a pesca em si, por

ter sido praticada em determinado local e período.

Sendo assim, é necessário identificar as razões dogmáticas que determinam o conteúdo

do injusto definido por lei penal em branco, ou seja; o papel que será desempenhado pela norma

complementar, segundo o dispositivo legal que a ela remete. Frisch caminha justamente neste

sentido, não apenas ao se posicionar quanto ao erro sobre a existência da norma complementar

da lei penal em branco, mas também quanto ao alcance intelectual do dolo em relação aos

elementos normativos do tipo e quanto à natureza do erro sobre os pressupostos fáticos de uma

causa de justificação. Segundo este autor, o tratamento sistemático das diversas formas de erro,

como excludentes do injusto doloso ou como erros relevantes apenas para a culpabilidade,

devem partir da pergunta sobre a eficácia de uma falsa representação ou compreensão, do fato

ou do direito, para excluir o caráter injusto da decisão do agente, que é o conteúdo necessário

de qualquer injusto doloso (FRISCH, 2010, p. 57­58, 64­65, 72 et seq.).

Consequentemente, para Frisch, a inclusão ou não no tipo, do comando extrapenal

complementar da lei penal em branco, dependerá da necessidade do conhecimento deste, pelo

agente, para que lhe seja compreensível a ofensividade da sua conduta, aqui compreendida

como contrariedade dela ao bem jurídico. Pois só quando o agente conhece as características

da conduta típica determinantes da contrariedade dela ao bem jurídico, é que se pode valorar

como injusta a sua decisão de praticá­la (FRISCH, 2010, p. 80­83).

4 Dos tipos de injusto correspondentes às leis penais em branco: critérios de conformação

A proposta de Frisch leva a soluções fundamentalmente corretas para o erro sobre o

dever extrapenal em branco. Mas talvez Frisch incorra em certo tautologismo, ao definir a

relevância do erro para excluir o dolo, a partir do que considera ser o dolo próprio de cada

delito. Ocorre que o direito penal brasileiro, assim como o alemão, vincula o conteúdo

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intelectivo do dolo aos elementos constitutivos do tipo, e não o contrário. Sendo assim, para se

definir os efeitos do erro sobre os elementos em branco das leis penais, não se deve perquirir

diretamente o conteúdo mínimo do dolo, mas antes o conteúdo mínimo do tipo.

Pois bem, considerando que só é legítimo ao Estado proibir uma conduta, sob ameaça

de pena, se ela prejudicar ou for incompatível com as condições indispensáveis para a livre

realização individual ou coletiva de outras pessoas, os chamados bens jurídico­penais (art. 1º,

III; art. 5º, caput, e da CR/88 e art. 13, caput, do CP); e considerando que o tipo contém todos

os fundamentos positivos do ilícito penalmente relevante, como sua ratio essendi, pode­se

afirmar que integram necessariamente o tipo todas as circunstâncias determinantes da

contrariedade da conduta incriminada a um bem jurídico. Todo tipo de delito deve ter o sentido

de uma ofensa a um ou mais bens jurídicos.

Sendo assim, a pertinência a um tipo de injusto determinado por lei penal em branco,

do dever extrapenal estabelecido pela norma complementar, dependerá da necessidade de

menção à infração desse dever para que tal tipo conote a ofensa punível. Essa necessidade varia

conforme a existência, na lei penal em branco, de qualidades da conduta incriminada capazes

de indicar por si só, a sua contrariedade ao bem jurídico.

Não se deve levar em conta, para tanto, as características conferidas à conduta

incriminada pelas normas extrapenais complementares, por meio da leitura conjunta. Pois como

o poder punitivo brota exclusivamente da lei penal (art. 1º do CP), só nela mesma se podem

encontrar os pressupostos determinantes da decisão soberana de tornar punível uma conduta.

Embora os tipos correspondentes às leis penais em branco sejam também integrados por

elementos determinados pelas normas complementares, os pressupostos fundamentais, a

essência objetiva e subjetiva destes, como de todo tipo penal, são os elementos definidos pela

própria lei punitiva. Por isso é a lei penal em branco, e não as normas extrapenais

complementares, que determina se o fato punível envolverá ou não uma desobediência ou

insubordinação conscientes ao dever extrapenal.

Voltando aos casos iniciais, pode­se afirmar desde logo que o caráter defeso ou a

proibição administrativa da pesca é elemento dos tipos penais correspondentes ao art. 34, caput

e parágrafo único, inc. I, da Lei 9.605/1998, assim como compõe o tipo do delito de transporte

ou comercialização de espécimes provenientes da pesca proibida, previsto no terceiro inciso do

mesmo parágrafo. Pois os simples atos de pescar, de transportar ou comercializar o produto da

pesca, mencionados na lei, não significam uma ofensa ao equilíbrio ambiental e nem tampouco

à fauna. Pelo contrário, pescar é uma das formas mais naturais de relação do homem com o

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Page 17: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

meio ambiente. A pesca em si é um valor, tanto na perspectiva individual, da saúde, quanto

coletiva, da economia.

A ofensividade que pode decorrer da pesca está relacionada a condições específicas,

como a sua prática no período de reprodução dos peixes, em lugares especialmente protegidos

da atividade pesqueira pela necessidade de excepcional proteção ambiental, visando espécies

ameaçadas de extinção ou em condições comprometedoras da política de recomposição da

fauna aquática de alguma região, por exemplo. A lei penal, contudo, não menciona nenhuma

dessas circunstâncias. Daí se conclui que o injusto típico estatuído pelo art. 34 da Lei 9605/98

não é simplesmente uma determinada conduta (pesca) ofensiva à fauna aquática, mas também

e preliminarmente a infração de um dever extrapenal orientado à proteção da fauna aquática.

Pois embora a ofensividade seja uma condição do caráter penalmente relevante da

conduta, tudo o que a lei diz sobre a pesca ou o transporte de pescado típicos é que eles

contrariam uma proibição administrativa. E como apenas essa contrariedade é que indica, desde

os parcos termos legais, o desvalor, o significado social ou a ofensividade da conduta

incriminada, pode­se dizer que os dispositivos analisados incriminam a desobediência, ofensiva

à fauna aquática, das restrições à pesca emanadas pelos órgãos de proteção ambiental.

Essa desobediência é, portanto, ao lado das suas condições objetivas, um pressuposto

de todos os fatos puníveis previstos no artigo 34 da Lei 9605/1998 e, como tal, um elemento

constitutivo dos tipos correspondentes. Sendo assim, esses injustos penais requerem mais do

que a vontade de pescar em determinado tempo e lugar, de recolher d’água ou de transportar

determinados espécimes pescados; requer a decisão de desobedecer ao defeso ou à interdição

da pesca estabelecidos pelo órgão ambiental competente. Por isso, excluem o dolo, nos termos

do art. 20, caput, do CP, não apenas o erro quanto ao rio, quanto à data na qual se pesca, quanto

à espécie ou comprimento dos espécimes pescados, mas também a ignorância da proibição de

pescar em determinado rio ou em determinada época, ou o desconhecimento da proibição de

pescar peixes de certo tamanho.

O mesmo não se pode dizer do tipo penal correspondente à lei penal em branco do art.

54, §2.º, V, da Lei 9.605/1998, que incrimina provocar poluição ambiental por lançamento de

resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, em desacordo com as exigências estabelecidas em lei ou

em regulamentos. Pois em tal tipo de injusto o sentido social da conduta incriminada já é

conferido pela descrição legal do seu resultado – poluição ambiental – e, portanto,

independentemente de menção ao dever extrapenal infringido por quem a pratica. Também no

crime de perigo concreto previsto no dispositivo legal em branco do art. 26 da Lei 6.453/1977,

consistente em “Deixar de observar as normas de segurança ou de proteção relativas à instalação

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nuclear ou ao uso, transporte, posse e guarda de material nuclear, expondo a perigo a vida, a

integridade física ou o patrimônio de outrem”, a ofensividade da conduta à incolumidade

pública se releva independentemente de menção ao específico dever extrapenal de cautela

infringido pelo autor. Pois a própria lei penal em branco inclui diretamente no tipo a criação de

um perigo concreto para a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, como

consequência da manutenção de uma instalação nuclear, ou do uso, transporte, posse e guarda

de material nuclear, sem as devidas precauções.

Como se vê, em crimes de dano, que se caracterizam pela causação de uma lesão ao

bem jurídico, e nos crimes de perigo concreto, que se caracterizam pela exposição do bem

jurídico a uma situação crítica, na qual a manutenção da sua integridade fica sujeita à mera

casualidade, a ofensividade da conduta se revela com independência da infração de uma norma

extrapenal eventualmente concorrente para a composição do tipo. Pois nessas estruturas de

crime, o resultado de dano ou de perigo concreto mencionados pela lei são suficientes para

conferir ao tipo o necessário sentido de uma ofensa.

Ora, quando a lei penal em branco já contém elementos significativos da ofensividade

da conduta punível, como são os resultados de dano ou de perigo concreto, há de se afastar a

integração do tipo correspondente também pelo próprio dever extrapenal infringido por quem

o pratica. Pois se os dois conteúdos possíveis da lei penal em branco – a incriminação de uma

conduta definida em contraste com a norma complementar, ou a punibilidade da desobediência

ao dever imposto pela norma complementar – exprimem igualmente a ofensividade do fato

punível, o tipo corresponderá, segundo a sua função sistemática, àquele que se formula sem

expressa menção ao dever extrapenal infringido.

Com efeito, o distinto tratamento conferido pelo direito brasileiro ao erro de tipo (art.

20, caput, do CP), em face do erro de proibição (art. 21 do CP), pressupõe a separação

sistemática entre as características determinantes da incriminação de uma conduta e a valoração

dessa conduta como ilícita. O Código consagra a tese de que a responsabilidade do agente pelo

injusto doloso se baseia fundamentalmente na sua consciência de praticar uma conduta

socialmente danosa, e por isso se impõe mesmo quando o agente desconheça a proibição de

praticá­la, salvo quando esse desconhecimento lhe seja inevitável. E sendo assim, a proibição

em si da conduta incriminada só pode ser considerada elemento do tipo quando nela mesma

residir a razão determinante da incriminação, isto é, quando o desvalor social dessa conduta não

derivar apenas e diretamente das suas características imanentes, mas também e imediatamente

da sua contrariedade a normas extrapenais, orientadas à proteção do bem jurídico.

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As normas de segurança ou de proteção relativas à instalação nuclear, por serem

dispensáveis para exprimir a ofensividade da conduta incriminada no art. 26 da Lei 6.453/1977,

não integram o tipo penal correspondente. E sendo assim, quem erra sobre a existência ou o

conteúdo delas incorre em mero erro de proibição. Pelas mesmas razões, só integram o tipo do

crime de poluição (art. 54, §2º, V, da Lei 9.605/1998), as circunstâncias fáticas da conduta que

contrariam as exigências legais ou regulamentares sobre lançamento de resíduos no ambiente,

mas não essas exigências em si. Então, o desconhecimento pelo agente, da obrigação

administrativamente imposta de limitar a emissão de determinados gases pela sua fábrica, ou

de tratar os efluentes líquidos desta, será mero erro de proibição, indiferente para o dolo. Mas

haverá erro de tipo, por exemplo, quando o agente desconhecer a eficácia poluente dos seus

efluentes líquidos ou quando ele se equivocar sobre a concentração de um determinado gás

tóxico na fumaça expelida das chaminés da sua fábrica, supondo que os seus filtros estivessem

funcionando adequadamente.

Mesmo não prevendo o dano ou o perigo concreto provocado pela conduta típica, a lei

penal em branco pode abarcar outras qualidades e circunstâncias desta por si só indicativas da

sua contrariedade ao bem jurídico, capazes de conferir ao fato incriminado o conteúdo próprio

de um injusto. Consequentemente, o dever extrapenal infringido pelo sujeito ativo poderá ficar

de fora também de alguns tipos de perigo abstrato definidos por leis penais em branco. Tal

ocorre quando o objeto material, o instrumento ou outras circunstâncias típicas, por suas

próprias características, conotam a relevância da conduta para o bem jurídico e os custos sociais

da sua prática.

É o que se verifica, por exemplo, no tipo de injusto correspondente ao dispositivo legal

em branco constante do art. 45 da Lei 9.605/1998, segundo o qual é punível com reclusão de

um a dois anos, e multa, cortar madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para

qualquer exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais.5 Ocorre

que o conteúdo da proibição determinada a partir desse dispositivo penal já conota a

incompatibilidade da conduta, enquanto modelo de comportamento, para a manutenção da

flora, mesmo quando não se menciona a violação “das determinações legais” pelo seu autor.

Pois a qualificação do objeto material, “madeira de lei, assim classificada por ato do Poder

5 Ressalte­se que tal tipo, embora material, não é de dano, mas de perigo abstrato. Pois o seu objeto de tutela não é a arvore em si, da qual se extrai a madeira, mas a flora de um determinado bioma, enquanto elemento do ecossistema equilibrado. Trata­se, em verdade, de um exemplar da classe dos delitos cumulativos, que se caracterizam por uma conduta em si mesma incapaz de provocar uma ofensa juridicamente relevante, mas que são puníveis em vista das consequências que resultariam da sua prática reiterada, por um número significativo de pessoas.

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Público”, é um elemento normativo do tipo que como tal deve ser alcançado pelo dolo do

agente. E o agente que corta uma arvore consciente da especial proteção jurídica dedicada à

planta abatida já dispõe de conhecimento suficiente para reconhecer o sentido social da sua

conduta.

Consequentemente, só haverá erro de tipo se o agente desconhece que o objeto material

do crime é “madeira de lei”, ou se ele erra sobre alguma circunstância fática da conduta que, se

existisse, tornar­lhe­ia conforme as “determinações legais”. Já o erro sobre a existência das

determinações legais administrativas contrariadas por quem pratica objetivamente esse tipo de

crime é indiferente para o dolo, relevando apenas para a apuração da culpabilidade, como erro

exclusivo sobre a ilicitude.

Não obstante, a ofensa característica dos crimes de perigo abstrato, que é o prejuízo

para as condições de segurança necessárias à manutenção e disposição racional de um bem

jurídico (KINDHÄUSER, 2008, p. 57), nem sempre se evidencia pelas circunstâncias descritivas

ou normativas determinantes da conduta típica. Muitas vezes a ofensividade dessa conduta só

se revela pela consideração da sua contrariedade aos padrões de comportamento positivamente

estabelecidos em nome da proteção do bem penalmente protegido. E nestes casos, a infração da

norma complementar poderá ser um elemento indispensável para conferir ao tipo de injusto o

sentido objetivo de uma ofensa ao bem jurídico.

Isso não significa que a ofensividade de uma conduta punível como crime de perigo

abstrato decorra da sua mera proibição, ou que esses crimes se resumam à desobediência ou à

violação de expectativas normativas. Mas frequentemente, em especial quando se trata de bens

jurídicos coletivos, o comprometimento gerado pela conduta proibida para as condições de

manutenção segura do bem jurídico só se pode compreender a partir de juízos de alta

complexidade, que envolvem invulgares conhecimentos ecológicos, econômicos, financeiros

etc., bem como a ponderação dos legítimos interesses sociais conflitantes com a proteção

irrestrita do bem jurídico, os quais determinam os seus limites normativos.

Consequentemente, embora a proibição extrapenal da conduta punível não seja o

fundamento material a ratio essendi, do injusto penal de perigo abstrato determinado por leis

penais em branco, ela pode ser a sua ratio cognoscendi, isto é o seu fundamento lógico. E nestes

casos, como único indicativo do desvalor da ação, haverá de integrar o tipo, para que a sua

realização voluntária se possa considerar uma decisão injusta do autor, dirigida contra o bem

jurídico. Equivale a dizer que quando o sentido social da conduta incriminada for conferido

exclusivamente pela infração à norma complementar da lei penal em branco, o tipo de injusto

correspondente só poderá ser de desobediência a essa norma extrapenal. Pois nesses casos, a

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desobediência é que conferirá ao tipo o sentido objetivo de ofensa ao bem jurídico tutelado pelo

comando infringido. A desobediência ao comando extrapenal será, então, o núcleo ou o modo

de execução do tipo, ao lado da forma e das características peculiares da conduta que o

contraria.

São tipos dessa classe, por exemplo, os dos crimes de contrabando (art. 334A, caput,

do CP), de omissão de notificação compulsória (art. 269 do CP), de venda de mercadoria em

desacordo com as prescrições legais (art. 7º, II, da Lei 8137/90) e de nomeação ilegal de

servidor municipal (art. 1º, XIII, do Dec­lei 201/67). Com efeito, o que confere o sentido de

ofensa a bem jurídico à importação ou exportação, à manutenção do sigilo médico, à uma venda

qualquer ou à nomeação de um servidor pelo prefeito é, respectivamente, o caráter proibido da

mercadoria importada ou exportada; a obrigatoriedade de notificação de um diagnóstico à

Secretaria de Saúde; a desconformidade da mercadoria vendida com as prescrições legais sobre

embalagem, composição, peso, etc.; e a ilegalidade da nomeação.

Nesses tipos de injusto penal, de desobediência ofensiva ao bem jurídico, as proibições

ou mandamentos extralegais contrariados não estão incógnitos tal como na lei que lhes comina

pena. Pois como elemento do tipo e conteúdo do dolo, a proibição ou ordem extrapenal

desobedecida encontra­se plenamente definida por quantas sejam as normas complementares

necessárias para lhe compor o sentido. Por isso, em vez de elementos em branco da lei, essas

ordens ou proibições merecem ser designadas como elementos imperativos do tipo, que se

destacam dos demais elementos normativos do tipo pelo sentido prescritivo que ostentam; pelo

seu sentido de dever ser. Andou bem, portanto, o STF, no julgamento da ação penal n. 595, ao

reconhecer que não tem dolo do crime previsto no art. 1º, XIII, do Dec­lei 201/67, o Prefeito

que desconhece a ilegalidade da nomeação que promove, pois erra sobre elemento constitutivo

do tipo, como precisamente concluiu a Min. Rosa Weber em seu voto (BRASIL, STF, 2015).

Pois bem, entre os crimes ambientais definidos por lei penal em branco, verifica­se

outro de desobediência ofensiva ao equilíbrio de um ecossistema,6 além do crime de pesca

proibida, previsto no art. 34 da Lei 9.605/98. Trata­se justamente do crime de descumprimento

de dever de relevante interesse ambiental, previsto no art. 68 da Lei 9605/98. Esse dispositivo

é um caso extremo de lei penal em branco, pelo qual a conduta incriminada é definida pura e

simplesmente como a infração de um dever extrapenal absolutamente indeterminado e que pode

ser inclusive estabelecido por fontes extralegais. Não se avaliará aqui a duvidosa

constitucionalidade desse dispositivo.7 Mas certo é que essa disposição legal não aponta

6 Sobre o bem jurídico no direito penal ambiental, FIGUEIREDO, 2008. 7 Especificamente sobre a validade das leis penais em branco, ver MENDONÇA, 2016.

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nenhuma característica da conduta típica ofensiva aos ecossistemas, para a além do

descumprimento de um dever extrapenal de relevante interesse ambiental.

Não há dúvidas, portanto, de que todo o conteúdo de injusto do fato punível segundo

o art. 68 da Lei 9.605/98 decorre primordialmente da infração do dever “legal ou contratual”

descumprido. E sendo assim, o descumprimento desse dever, devidamente definido como

elemento imperativo, será o núcleo desse tipo de injusto ambiental.

5 Conclusões e solução dos casos apresentados

O caráter altamente normatizado do bem jurídico meio ambiente e a acessoriedade

administrativa dos crimes ambientais fazem do erro sobre os elementos em branco das leis

penais um tema determinante para a aplicabilidade e eficácia do direito penal ambiental. E o

que se verifica é que, quanto mais ampla for a delegação da determinação do injusto penal

ambiental a outras fontes normativas, maiores serão os requisitos do dolo correspondente.

Com efeito, erro sobre o dever extrapenal complementar da lei penal em branco que

incrimina a causação de um dano ou a criação de um perigo concreto para um bem jurídico é

mero erro de proibição. Mas os tipos de injusto de perigo abstrato definidos por lei penal em

branco incluirão a contrariedade ao dever extrapenal como elemento constitutivo, quando não

se puder vislumbrar desde a lei punitiva nenhuma outra qualidade da conduta incriminada

indicativa da sua contrariedade ao bem jurídico, ou conotativa do seu sentido social. Pois

quando todo o conteúdo de injusto do fato punível segundo uma lei penal em branco decorre da

infração à norma complementar, o erro sobre a existência dessa norma é erro de tipo, prejudicial

ao dolo nos termos do art. 20 do CP.

Estabelecidas essas premissas, pode­se afirmar que nos casos 02 e 03 da introdução,

mesmo desconhecendo o dever extrapenal infringido, os agentes atuam com dolo, pois

conhecem do fato as circunstâncias que determinam o seu sentido social. E sendo assim, o erro

sobre a obrigatoriedade de tratar quimicamente efluentes da fábrica, ou de obter licença prévia

ambiental para cortar um jatobá, são meros erros de proibição, que não repercutem sobre o

injusto típico, mas exclusivamente sobre a culpabilidade, na forma do artigo 21 do CP

Já nos casos 01 e 04, o erro sobre o dever extrapenal infringido é erro de tipo, pois a

proibição da pesca dos peixes transportados, no caso 01, assim como o compromisso de

preservar determinada área de cerrado, no caso 02, são justamente as circunstâncias que

conferem o sentido de um injusto penal às condutas de transportar peixes ou de ampliar o pasto

de uma fazenda. A proibição de pescar e o dever de preservar a vegetação nativa da área de

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reserva legal, portanto, são elementos constitutivos dos tipos dos arts. 34 e 68 da Lei 9605/98,

de caráter imperativo, que hão de ser alcançados pelo dolo.

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Page 24: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

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